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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO - PPPE NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM QUALIDADE DE VIDA E MEIO AMBIENTE PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE URBANO MARCO JOSÉ ANDRADE CRUZ OS IMPACTOS DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO POR LESÃO CORPORAL NA VIDA DOS VITIMADOS EM FACE AO CONTROLE SOCIAL DO ESTADO BELÉM 2013

Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

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Page 1: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO - PPPE

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM QUALIDADE DE VIDA E MEIO AMBIENTE PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE URBANO

MARCO JOSÉ ANDRADE CRUZ

OS IMPACTOS DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO POR LESÃO CORPORAL NA VIDA DOS VITIMADOS EM FACE AO CONTROLE SOCIAL DO ESTADO

BELÉM 2013

Page 2: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

MARCO JOSÉ ANDRADE CRUZ

OS IMPACTOS DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO POR LESÃO CORPORAL NA VIDA DOS VITIMADOS EM FACE AO CONTROLE SOCIAL DO ESTADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano, da Universidade da Amazônia para a obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Profª. Drª: Maisa Sales Gama Tobias.

BELÉM

2013

Page 3: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Nazaré Soeiro CRB2 961

342.1513 C957i Cruz, Marco José Andrade.

Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida dos vitimados em face ao controle social do Estado./Marco José Andrade Cruz. – 2013.

102 f. ; 21 x 30 cm.

Dissertação (Mestrado) – Universidade da Amazônia, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano, 2013.

Orientador: Profª. Drª. Maisa Sales Gama Tobias.

1. Acidente no transito – Dano Ambiental. 2. Lesão Corporal - Atropelamento. 3. Crime de Trânsito – Controle Social. I. Tobias, Maisa Sales Gama (orient.). II. Título.

Page 4: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

MARCO JOSÉ ANDRADE CRUZ

OS IMPACTOS DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO POR LESÃO CORPORAL NA VIDA DOS VITIMADOS EM FACE AO CONTROLE SOCIAL DO ESTADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano, da Universidade da Amazônia para a obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Profª. Drª: Maisa Sales Gama Tobias.

Banca Examinadora:

_________________________________________ Profª. Drª. Maísa Sales Gama Tobias - Orientadora

Universidade da Amazônia – UNAMA

_________________________________________ Profª. Drª. Luciana Fonseca

Universidade Federal do Pará – UFPA

_________________________________________ Profª. Drª. Ângela Maria Nascimento Oliva –

Examinador Interno Universidade da Amazônia - UNAMA

Apresentado em: ____/____/_____

Conceito: ____________________

Page 5: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

Dedico este trabalho primeiramente a Deus, criador e mantenedor de todas as coisas, por ter me concedido o privilégio da vida e a serenidade necessária para vencer os obstáculos dessa jornada. A minha esposa Eliany e aos meus filhos: Thaynara, Marco e Matheus, pelos estímulos que me impulsionaram a buscar vida nova a cada dia; meus agradecimentos por terem aceitado se privar de algum conforto em favor dos meus estudos, concedendo a mim a oportunidade de me realizar ainda mais.

Page 6: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

AGRADECIMENTOS

A vitória é conquistada quando aprendemos a construir degraus com as

pedras que encontramos no caminho. Esses degraus construídos a base de suor e

lágrimas é que possibilitam alcançar os objetivos traçados. Apesar de saber que, o

esforço deve ser individual, é imprescindível a colaboração de outras pessoas.

Para ajudar nessa tarefa uma legião de anjos transfigurados na figura de

amigos, professores e familiares deram apoio, incentivo, orientação e, até mesmo

broncas, para que não se perdesse o foco. Por esta razão, registro nesse espaço os

meus sinceros agradecimentos a todos que me ajudaram a transformar as pedras de

tropeço em degraus para o êxito.

Primeiramente agradeço a Deus porque com Ele e através Dele, todas as

coisas se fazem possíveis. A nossa Orientadora Profª. Drª Maisa Sales Gama

Tobias, pela sábia condução dos rumos da pesquisa. Agradeço a Profª. Drª Luciana

Fonseca pela simpatia e presteza e importante contribuição técnica para o

aprimoramento desta Dissertação.

Especialmente agradeço a Profª. Drª. Ângela Oliva e a Prof. Msc. Mirna

Moraes pela valiosa orientação, paciência, carinho e incentivo nesta árdua estrada

de produção do conhecimento.

Agradeço a minha chefia e aos colegas de trabalho pelo apoio e carinho.

Aos meus irmãos e irmãs, esposa e filhos pelas orações e apoio. Aos meus colegas

de turma, entusiastas do conhecimento, pela espontaneidade e alegria na troca de

informações e materiais numa rara demonstração de amizade e solidariedade, dos

quais sentirei imensa saudade. Agradeço a todas as pessoas que de alguma forma

estiveram na torcida.

No limiar dessa tarefa podemos dizer que, aqui chegamos pela fé, confiando

em Deus!

Page 7: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

“Os rios atingem os seus objetivos porque

aprenderam a contornar os seus

obstáculos.”

(Mao Tse Tung)

Page 8: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

RESUMO

O acidente de trânsito é um fenômeno que causa grande preocupação em todo o mundo, em razão de suas consequências irem além dos danos materiais e ambientais. Por causa das lesões que produz afeta a vida pessoal, profissional e familiar dos vitimados. O estudo em foco é resultado de uma pesquisa exploratória com abordagem crítico-dialética que teve como lócus inicial a VEPMA. A amostragem envolveu 112 casos de lesões corporais escolhidos aleatoriamente entre os processos em fase de execução de pena, em cumprimento na VEPMA, correspondentes ao período de 2007, 2008 e 2009. Através da análise documental foi possível a localização e a obtenção dos dados socioeconômicos dos sujeitos da pesquisa. Foi utilizado o questionário para complementar dados que não constavam nos processos e a entrevista semi-estruturada para capturar a essência do fenômeno pesquisado. O resultado da pesquisa mostrou que o impacto que o acidente de trânsito causa na vida dos vitimados ultrapassa os danos visíveis, já que afeta a vida pessoal da vítima quando o tira bruscamente de sua rotina cotidiana obrigando-o a ficar num leito, com dor física ou psicológica. Afeta ainda, a sua vida profissional tirando-o de maneira momentânea ou permanente do mercado de trabalho no auge da capacidade produtiva. Além disso, a vida familiar fica comprometida, visto que seus membros experimentam privações e necessidades em razão da falta de recursos financeiros. O Estado realiza o controle social sobre o trânsito através dos órgãos de do Sistema Nacional de Trânsito. No entanto, em face de ocorrência de ilícito que ultrapasse a competência administrativa, no caso deste estudo, as lesões corporais, a presença do Estado é percebida na esfera judicial, sendo a VEPMA um dos órgãos executores de sentença condenatória. Palavras-Chaves: Acidente no transito – Dano Ambiental. Lesão Corporal - Atropelamento. Crime de Trânsito - Controle Social.

Page 9: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

ABSTRACT

Traffic accidents are a phenomenon that cause great concern in the entire world, because the consequences stretch beyond material and environmental damages. Because of the harms it causes, it affects personal, professional, and family lives of victims. The present study is a result of an exploratory research with a critic-dialectical approach, which had VEPMA as initial locus. The sample involved 112 cases of actual bodily harms, which were chosen randomly among the processes during sentence enforcement phase or sentence serving at VEPMA, during 2007, 2008, and 2009. The documental analysis enabled the localization and obtaining of socioeconomic data about the research subjects. A questionnaire was used to complete data that were not present in processes and a partially structured interview was held to capture the essence of the researched phenomenon. The research result showed the impact that traffic accidents cause in victims' lives, which surpass visible damages, affects their personal lives, compelling them to be bedridden with physical or psychological pain. It also affects their professional lives, depriving them shortly or permanently from job market at the peak of their productive capacity. Furthermore, family life is compromised, because their limbs experience privations and needs due to their lack of financial resources. The state carries out social control regarding traffic through agencies of National Traffic System. However, in view of a tort that surpasses the administrative environment - in the case of this study, actual bodily harms - the presence of state is perceived in courts and VEPMA is one of enforcement bodies of sentences.

Keywords: In Traffic Accident-Environmental Damage. Personal Injury-Trampling. Transit Crime-Social Control.

Page 10: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Distribuição por tipo de deficiência (%) ............................................... 30 Gráfico 2 - Causas de deficiência física ............................................................... 30 Gráfico 3 - Distribuição das lesões por área do corpo .......................................... 38 Gráfico 4 - Distribuição dos pacientes vítimas de Acidentes de Trânsito por causa de internação ........................................................................... 39 Gráfico 5 - Posição na Família (em %) ................................................................. 42 Gráfico 6 - Demonstrativo geral da pesquisa ....................................................... 71 Gráfico 7 - Por gênero .......................................................................................... 72 Gráfico 8 - Por Faixa etária .................................................................................. 73 Gráfico 9 - Por Escolaridade ................................................................................ 73 Gráfico 10 - Por Renda .......................................................................................... 74 Gráfico 11 - Motivo do deslocamento ..................................................................... 75 Gráfico 12 - Tipo de veículo envolvido no acidente ................................................ 77 Gráfico 13 - Circunstâncias do tempo e iluminação ............................................... 77 Gráfico 14 - O que deu causa ao acidente ............................................................. 79 Gráfico 15 - Circunstâncias do Meio Ambiente Urbano que contribuíram para a

ocorrência do acidente ........................................................................ 80 Gráfico 16 - Quem prestou socorro ........................................................................ 81 Gráfico 17 - local de atendimento ........................................................................... 82 Gráfico 18 - Maneira como o acidente afetou a vida pessoal ................................. 83 Gráfico 19 - Sentimentos referidos após o acidente ............................................... 85 Gráfico 20 - Maneira como o acidente afetou a vida profissional ........................... 86 Gráfico 21 - Posição que a vítima ocupa/ocupava na família enquanto responsável financeiro ........................................................................ 88 Gráfico 22 - Maneira como o acidente afetou a vida familiar.................................. 90

Page 11: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

LISTA DE ABREVIATURA

AT Acidente de Trânsito

CF Constituição Federal

CP Código Penal

CTB Código de Trânsito Brasileiro

DETRAN Departamento de Trânsito do Estado do Pará

DNIT Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte

DPVAT Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres

HMUE Hospital Metropolitano de urgência e Emergência

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

OMS Organização Mundial da Saúde

SNT Sistema Nacional de Trânsito

TEPT Transtorno do Estresse Pós-Traumático

VEPMA Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas

Page 12: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

1.1 O projeto de dissertação 12

1.2 Estrutura da dissertação 15

2 CATEGORIAS DE ANÁLISES 17

2.1 Acidente de trânsito 17

2.1.1 Classificações dos tipos de acidentes 18

2.1.2 Causas dos acidentes 23

2.1.3 Mortalidade e morbidade causadas por acidentes de trânsito 28

2.1.4 O enfrentamento do problema pelo Estado 31

2.2 Lesão corporal e suas consequências 34

2.2.1 Lesões mais frequentes e a tipificação como crime de trânsito 37

2.2.2 Consequência das lesões 41

2.3 O controle social do estado sobre o trânsito 45

2.3.1 Evolução histórica da atuação do Estado sobre o trânsito 51

2.3.2 O código de trânsito vigente 52

2.3.3 Controle Administrativo e Judicial do trânsito 56

3 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS 64

3.1 O tipo de pesquisa 64

3.2 Procedimentos metodológicos 65

3.3 O método de análise 68

4 OS IMPACTOS DOS ACIDENTES NA VIDA DOS VITIMADOS: AN ÁLISE

DAS DIMENSÕES QUANTITATIVA E QUALITATIVA 71

4.1 DEMONSTRATIVOS DA PESQUISA 71

4.2 Dados Socioeconômicos 72

4.3 Dados sobre o acidente 76

4.4 Impacto dos acidentes na vida das vítimas 81

4.4.1 Impactos na vida pessoal 83

4.4.2 Impactos na vida profissional 86

4.4.3 Impactos na vida familiar 88

4.5 A percepção atual da vítima sobre o aciden te 91

5 CONCLUSÃO 93

REFERÊNCIAS 97

Page 13: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

11

1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação é resultado de uma investigação exploratória sobre os

impactos que os acidentes de trânsito causa na vida dos vitimados. O despertar do

interesse em estudar o fenômeno deve-se ao fato do acidente de trânsito ser um

grave problema no mundo contemporâneo que afeta tanto países ricos quanto

países pobres, deixando um rastro de dor, sofrimento, sequelas e mortes. Em

termos de Brasil, considerando os anos de 1998 a 2008, morreram 365.016 pessoas

vitimadas pelo trânsito (WAISELFISZ, 2011).

Estima-se que em 2010, houve mais de 1 milhão de acidentes e mais de 500

mil feridos, milhares ficando com sequelas graves definitivas que impedem uma vida

normal. Em 2011, a empresa que administra o seguro de Danos Pessoais Causados

por Veículos Automotores de Vias Terrestres – DPVAT, divulgou que foram pagas

239.738 indenizações por invalidez permanente (SEGURADORA LÍDER, 2011).

No Estado do Pará, considerando os anos de 2007 a 2009, ocorreram, 63.758

acidentes de trânsito que resultaram em 31.410 feridos e 3.423 mortos. A capital

paraense, nesse mesmo período, registrou 31.624 acidentes que resultaram em

9.893 feridos e 397 mortos (DETRAN/PA, 2010). Em virtude da violência do trânsito

o Estado do Pará é considerado o primeiro Estado da Região Norte em número de

mortes por acidente de trânsito (WAISELFISZ, 2011).

Apesar do Código de Trânsito vigente prever leis mais duras, e, mesmo com

os avanços na engenharia de tráfego, os acidentes de trânsito continuam evoluindo

e causando: danos materiais, ambientais, custos previdenciários, despesas com

internações e indenizações, deixando sequelas visíveis e invisíveis. Desta forma, o

pós-acidente traz repercussão para a vida pessoal, profissional e familiar dos

envolvidos, o que afeta também, familiares e a sociedade como um todo.

Estudos e pesquisas mostram as causas e os prejuízos materiais e

ambientais em decorrência do acidente (Impactos Sociais e Econômicos dos

Acidentes de Trânsito nas Rodovias Brasileiras – IPEA – 2006; Juventude

e Segurança Rodoviária - OMS, 2007; Mapa da Violência: Acidentes de Trânsito,

2011). No entanto, poucos se debruçam em estudar o que acontece com o vitimado

após o acidente, e responder questões, tais como: 1) O que alterou na situação

ocupacional? 2) De que forma o acidente afetou a família? 3) Como ficou a vida

Page 14: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

12

profissional após o sinistro? Diante destas questões, esta dissertação se debruça na

investigação do impacto que o sinistro causou na vida do vitimado.

1.1 O projeto de dissertação

Nesta seção estão apresentados os pontos desencadeadores e norteadores

do trabalho que envolve a justificativa, a caracterização do problema e os objetivos

da pesquisa, para efeito de entendimento da proposta inicial da dissertação, bem

como do processo de pesquisa e os possíveis resultados alcançados.

Primeiramente, faz-se necessário refletir que o deslocamento para as mais

diversas atividades humanas: trabalho, educação, lazer, saúde, comércio, dentre

outras, passou a ser uma condição básica de sobrevivência e desenvolvimento da

sociedade, principalmente, nas cidades. A maior necessidade de viagens pode

ocasionar problemas à mobilidade urbana e, com isto, resultar em acidentes.

O acidente de trânsito é um fenômeno social de caráter mundial, que traz

consequências para todos os atores envolvidos impedindo, de forma momentânea

ou permanente, o prosseguimento de uma vida normal. Pode causar a morte

prematura ou como resultado das lesões, deixarem o vitimado padecendo com

sequelas física, mental ou psicológica, obrigando-o a parar subitamente com suas

atividades produtivas.

O grande desafio da sociedade contemporânea, na área de trânsito e

transporte, é reduzir os crescentes índices estatísticos de acidente de trânsito. Sob

essa ótica é relevante então destacar que o acidente de trânsito é reflexo de vários

fatores, que inclui desde o comportamento dos usuários, as políticas públicas de

trânsito e transporte, até a produção da indústria automobilística que investem em

veículos cada vez mais potentes.

Aparentemente alheio aos riscos da velocidade, que é uma das causas

desencadeadora de acidentes de trânsito, as indústrias automobilísticas oferecem

opcionais de segurança para os modelos mais sofisticados, como cintos com pré-

tensionamento, airbags frontais, freios com ABS, prometendo segurança para os

ocupantes do veículo. Porém, apesar da comprovada eficácia de tais equipamentos,

estes não são suficientes para impedir a tragédia quando a velocidade ultrapassa o

seu limite de impacto. Margaret Chan, Diretora Geral da Organização Mundial da

Saúde afirma que:

Page 15: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

13

Historicamente, muitas das medidas para reduzir as mortes e ferimentos por acidentes trânsito destinam-se a proteger os ocupantes dos veículos. No entanto, (...) cerca de metade das pessoas que morrem anualmente por acidentes de trânsito no mundo são pedestres, motociclistas, ciclistas e passageiros de transportes públicos. (Informe sobre la situación mundial de la seguridad vial: es hora de pasar a la acción. Ginebra, Organización Mundial de la Salud, 2009, p.IV).

As estatísticas oficiais demonstram que aqueles que conseguem sobreviver

acabam por adquirir deficiências, consideradas sequelas visíveis (SEGURADORA

LÍDER, 2011). No entanto, os estudos de Cavalcante et al (2007) mostra a

existência de transtornos pós traumáticos, denominadas de sequelas invisíveis

resultantes dos acidentes. Desta maneira, tanto as sequelas visíveis, quanto as

sequelas invisíveis interferem no retorno à normalidade existente antes do sinistro.

Esta dissertação parte da seguinte questão-problema: Quais as consequências das

lesões provocadas por acidente de trânsito na vida pessoal, familiar e profissional do

vitimado?

Em resposta ao problema levantado, foi elaborada a seguinte hipótese: quem

adquire deficiência física, assim como, aquele que desenvolve transtorno pós-

traumático, em virtude do acidente, sofre um violento impacto em sua vida que vai

além das feridas no corpo: na vida pessoal – pode adiar ou inviabilizar planos

pessoais; profissionalmente – pode resultar em perdas econômicas, em decorrência

da interrupção temporária ou permanente das atividades produtivas; e, familiar –

pode causar dificuldades financeiras e sociais, principalmente se o acidentado era o

principal provedor financeiro da família, obrigando a família a promover adaptações

por conta do acidente.

O fenômeno acidente de trânsito motiva o interesse de estudos e pesquisas

pelas diversas áreas do conhecimento, como: engenharia, medicina, direito,

psicologia, dentre outras. Investigar as consequências do pós-acidente colocará em

evidencia o impacto que as sequelas, visíveis e invisíveis, causaram na vida dos

vitimados, assim como, a maneira que afetou os familiares, e seu reflexo na

sociedade. Esse conhecimento trará importante contribuição para a implantação de

políticas públicas para: segurança viária; saúde pública; e, também, de inclusão

social para portadores de deficiência adquirida.

Page 16: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

14

� Diante do exposto, este trabalho tem como objetivos:

Geral:

Realizar um estudo exploratório acerca das consequências dos acidentes de

trânsito na vida pessoal, profissional e familiar dos vitimados, tendo como local de

pesquisa a Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas – VEPMA, no

período de 2007, 2008 e 2009, na capital paraense.

� Objetivo específico:

• Apresentar os impactos dos acidentes de trânsito para a sociedade;

• Analisar os acidentes de trânsito como produtores de mortes e lesões;

• Identificar as sequelas visíveis e invisíveis causadas pelos acidentes de

trânsito;

• Analisar o papel do Estado no controle social da questão.

A escolha do tema nasceu da observação do cotidiano do trânsito na cidade

de Belém-PA. O sistema viário principal do transporte coletivo urbano da cidade é

espaço disputado, de visual caótico onde, além dos pedestres, das bicicletas, da

quantidade de carros cada vez maior; vans, kombis e motocicletas - para transporte

clandestino de pessoas - disputam com o transporte coletivo regular um número

expressivo de passageiros, o que gera conflito e faz com que o ato de dirigir se torne

um risco constante nas vias e resulte em muitos acidentes.

Os acidentes de trânsito são produtores de lesão corporal, porém, quando a

lesão corporal for consequência do acidente, essas, serão consideradas crimes de

trânsito, tipificadas como lesão corporal culposa. O foco da pesquisa está centrado

nas consequências do acidente na vida dos envolvidos, essas consequências são

percebidas a partir da sequela deixada pelo acidente de trânsito.

A possibilidade de capturar o fenômeno num estágio após o impacto imediato

do sinistro, sendo produto de um crime de trânsito específico – lesão corporal -

motivou a escolha da VEPMA como local para realização da pesquisa exploratória

por possibilitar maiores informações sobre os impactos dos acidentes de trânsito. O

recorte temporal avaliado nessa discussão compreende os anos de 2007, 2008 e

2009.

Page 17: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

15

A VEPMA é um espaço jurídico-social com competência na Região

Metropolitana de Belém para aplicar, fiscalizar e controlar o cumprimento das penas

restritivas de direitos. Essas penas são formas alternativas, legalmente constituídas

para o cumprimento das penas atribuídas aos crimes considerados de menor

potencial ofensivo, como é o caso da lesão corporal culposa quando provocada na

direção de um veículo automotor.

Para servir de instrumento de coleta de dados utilizou-se a pesquisa

documental e a entrevista semi-estruturada. A pesquisa documental foi realizada nos

112 processos, a entrevista semi-estruturada, aplicada em 71 vitimados e 8

familiares, totalizando 79 entrevistas.

Os dados coletados foram analisados através do método de Análise de

Conteúdo (BARDIN, 1988), com procedimentos temáticos e categoriais. Esse

método é considerado híbrido pelo fato de fazer ponte entre o formalismo estatístico

e a análise qualitativa da matéria. Portanto, mostra-se adequado para atender aos

objetivos desta dissertação.

Assim sendo, este estudo constitui-se num importante instrumento

investigativo para retratar os impactos causados pelo acidente de trânsito,

demonstrando a outra face do sinistro ao pesquisar o que acontece com o vitimado

de maneira tridimensional: na vida pessoal, profissional e familiar. Desta forma,

objetiva-se trazer importantes contribuições para a construção e materialização de

políticas públicas.

1.2 Estrutura da dissertação

Na sua organização formal, esta dissertação está dividida em duas partes, a

saber: na primeira parte estão presentes as categorias de análises com a

contribuição de diferentes autores e o itinerário metodológico da pesquisa que foi

levada a efeito para a concretização da dissertação. Na segunda parte, é

apresentado o resultado do estudo empírico com aplicação do método de Análise de

Conteúdo (Bardin, 2009), momento de discussão e análise daquilo que foi revelado

pela pesquisa com base nos fundamentos apresentados na primeira parte.

Buscando um efeito didático que proporcione melhor compreensão do objeto

em estudo, as partes que compõem esta dissertação obedecem à seguinte ordem:

Page 18: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

16

• 1- Introdução, utilizada para elucidar as primeiras aproximações ao

tema e aos parâmetros de fundamentos teóricos;

• 2- Categorias de análises, na qual se discute o acidente de trânsito

com sua tipologia e causa, mortalidade e morbidade, a lesão corporal e

suas consequências e a tipificação como crime de trânsito; e,

finalizando as categorias de análises, o controle social do Estado sobre

o trânsito;

• 3- Fundamentos metodológicos, onde são demonstrados o tipo de

pesquisa e o método de análise dos dados coletados;

• 4- Análise da dimensão quali-quantitativa, na qual é apresentado o

resultado da pesquisa de campo realizada na VEPMA, com a análise

do impacto que o acidente causou na vida pessoal, profissional e

familiar da vítima;

• 5- Por último, as Conclusões do estudo mostrando a eficácia do

método aplicado para responder à questão-problema e apresentação

de sugestões.

Page 19: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

17

2 CATEGORIAS DE ANÁLISES

Esse Capítulo faz a discussão teórica sobre o tema, analisa a situação do

acidente de trânsito mostrando os tipos de acidentes, as causas, a mortalidade e

morbidade provocadas pelo sinistro; as Lesões corporais e suas consequências, as

lesões mais frequentes e a tipificação como crime de trânsito; finaliza com o controle

social do Estado sobre o trânsito, o Código vigente e o controle administrativo e

judicial sobre o trânsito.

2.1 Acidente de trânsito

A evolução da economia e do poder aquisitivo da população, aliada as

facilidades de crédito, possibilitou a aquisição de um modo de transporte motorizado

por uma significativa parcela da população, que, anteriormente, era excluída desse

privilégio. A aquisição de um veículo para o transporte individual, que num primeiro

momento mostrou-se como facilitador da mobilidade para as diversas atividades

humanas causou impacto direto na frota nacional e na malha viária, e, por

consequência, o aumento das ocorrências de acidentes de trânsito. A esse respeito,

Resende e Sousa (2009) consideram que:

...os congestionamentos... começam a se prolongar de maneira assustadora... isso resulta em travamento dos principais corredores, com graves consequências para a qualidade de vida dos cidadãos, associadas a enormes prejuízos econômicos e sociais... Na maioria das estradas brasileiras, acidentes e imprevistos são comuns. Uma pessoa que necessita chegar ao destino em um horário determinado, precisa adicionar um tempo extra ao tempo previsto para o trajeto. Este tempo extra é um dos mais agravantes aspectos dos congestionamentos (RESENDE; SOUSA, 2009, p. 16).

Os acidentes de trânsito apresentam elevadas taxas de mortalidade e

morbidade. Além de causar mortes trágicas, também dão causa a incapacidades,

momentâneas ou permanentes em virtude das sequelas deixadas pelas lesões

corporais. Apesar de haver vítimas graves que evoluem para uma recuperação total,

não se pode ignorar o longo período de internação/tratamento.

Esse período em que o vitimado compulsoriamente dedica ao tratamento

obriga-o a se afastar de suas atividades laborais e de outras relações sociais,

Page 20: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

18

ocasionando consequências para a vida pessoal, profissional e familiar, em razão de

perdas financeiras, necessidade de acompanhamento de familiar nas internações e

outras necessidades do tratamento, como consultas e fisioterapia, assim como,

afastamento das atividades produtivas provedoras da subsistência.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (NBR 10697/1989)

define acidente de trânsito como todo evento não premeditado de que resulte dano

em veículo ou na sua carga e/ou lesões em pessoas e/ou animais, em que pelo

menos uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou áreas abertas ao

público. Pode originar-se, terminar ou envolver veículo parcialmente na via pública.

Para o IPEA (2006) acidente é um evento independente do desejo do homem,

causado por uma força externa, alheia, que atua subitamente, de forma inesperada

e deixa ferimentos no corpo e na mente do acidentado. Já o DETRAN-PA (2010)

conceitua o acidente de trânsito como sendo todo evento com dano que envolve um

veículo, a via, o homem ou animais e que, para caracterizar-se, tem a necessidade

da presença de pelo menos dois desses fatores.

Na trilha desse entendimento, Ferraz et al (2012) considera como acidente de

trânsito um evento envolvendo um ou mais veículos, motorizados ou não, em

movimento por uma via, que provoca ferimentos em pessoas e/ou danos em

veículos e/ou em outros elementos (postes, edificações, sinais de trânsito, etc).

Numa ampliação desse entendimento, também deveria ser considerado como

acidente de trânsito a queda de uma pessoa no interior de um veículo de transporte

coletivo, fato esse que atualmente está fora desse conceito.

2.1.1 Classificações dos tipos de acidentes

O DNIT (2009) considera que, se na sequência de eventos da qual ocorreu

um acidente de trânsito, o veículo, que depois de projetado para fora da área da via

destinada ao trânsito, venha a capotar, tombar ou mesmo colidir com qualquer

objeto, pessoa ou animal, o acidente deve ser tipificado como saída de pista. No

entanto, se o veículo, antes de ser projetado para fora da referida área, tiver colidido

com, por exemplo, uma mureta, o acidente deve ser tipificado como colisão com

objeto fixo.

A importância da classificação dos tipos de acidente de trânsito está no fato

de possibilitar a identificação das prováveis causas para implantação de medidas

Page 21: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

19

preventivas. É plenamente admitido que um mesmo acidente apresente mais de

uma forma de possibilidade classificatória dado ao contexto em que o fato ocorreu. A

classificação colocada a seguir é baseada no Anuário estatístico das rodovias

federais (DNIT, 2009).

• Choque com objeto fixo - colisão de veículo motorizado com objeto

estacionário ou fixo (exceto veículo estacionado), tais como: poste, meio-fio,

mureta, barranco etc., presente na área da via destinada ao trânsito de

veículos;

• Capotagem – ocorrência que se caracteriza pelo fato do veículo girar sobre si

até ficar de rodas para cima, ou mesmo de lado, ou voltar a ficar sobre as

próprias rodas;

• Atropelamento – colisão de veículo motorizado com pessoa a pé ou

conduzindo animal ou veículo não motorizado, na área da via destinada ao

trânsito de veículos;

• Atropelamento de animal – colisão de veículo motorizado com animal solto na

área de influência da rodovia;

• Choque com veiculo estacionado – colisão de veículo motorizado com outro

veículo motorizado estacionado na área da via destinada ao trânsito de

veículos (usualmente, pista de rolamento e acostamento);

• Colisão traseira – colisão de veículo motorizado com outro veículo motorizado

que trafegue à sua frente, quando o impacto se dá com a parte traseira do

veículo;

• Abalroamento no mesmo sentido – colisão de veículo motorizado com outro

veículo motorizado que trafegue no mesmo sentido, quando o impacto se dá

entre as laterais dos veículos envolvidos;

Page 22: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

20

• Colisão frontal – colisão de veículo motorizado com outro veículo motorizado

que trafegue em sentido contrário, quando o impacto se dá com a parte frontal

de ambos os veículos;

• Abalroamento em sentido oposto – colisão de veículo motorizado com outro

veículo motorizado que trafegue em sentido contrário, quando o impacto se

dá entre as laterais dos veículos envolvidos;

• Abalroamento transversal – colisão de veículo motorizado com outro veículo

motorizado que trafegue em sentido perpendicular (usualmente em

cruzamento de fluxos), quando o impacto se dá com a parte da frente de um

com a lateral do outro;

• Tombamento – ocorrência que se caracteriza pelo fato do veículo motorizado

tombar sem ter girado sobre si, ficando, usualmente, de lado;

• Saída de pista – ocorrência que se caracteriza pelo fato do veículo motorizado

projetar-se para fora da área destinada ao tráfego de veículos, sem que tenha

colidido, tombado ou capotado dentro da referida área;

• Outros tipos – outras situações não enquadráveis dentre as demais classes

descritas;

• Atropelamento e fuga – colisão de veículo motorizado com pessoa a pé ou

conduzindo animal ou veículo não motorizado, da qual o motorista do veículo

motorizado tenha escapado furtivamente do local da ocorrência;

• Queda de veículo – ocorrência em que uma das vítimas (condutor ou

passageiro) tenha caído do veículo em movimento, na área da via destinada

ao trânsito de veículos.

Page 23: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

21

A Tabela 1 demonstra o tipo de acidente em que estiveram envolvidas 31.624

ocorrências do fenômeno, em Belém-PA, no período de 2007 a 2009.

Tabela 1 - Tipos de acidentes de trânsito no Município de Belém de 2007 a 2009.

TIPO DE ACIDENTES 2007 % 2008 % 2009 %

Abalroamento 124 1,2 225 2,2 310 2,79

Atropelamento 840 8,1 788 7,7 733 6,60

Capotamento 21 0,2 27 0,3 25 0,23

Choque objeto fixo 242 2,3 189 1,9 165 1,49

Colisão bicicleta 806 7,8 632 6,2 530 4,77

Colisão veículo 7.964 77,3 8.078 79,2 8.982 80,85

Queda de motocicleta 124 1,2 98 1,0 124 1,12

Queda de ônibus 155 1,5 133 1,3 195 1,76

Não informado 8 0,1 15 0,1 18 0,16

Outros 25 0,2 20 0,2 27 0,24

TOTAL 10.310 100 10.205 100 11.109 100

Observa-se, através da Tabela, que nesse período houve um declínio no

percentual de colisão de veículos. Enquanto que, os abalroamentos, apresentaram

um pequeno aumento devido aos constantes engarrafamentos e a diminuição das

distâncias entre veículos o que propicia este tipo de acidente. Os demais tipos de

acidentes apresentam aumentos e declínios ao longo do período analisado

(DETRAN/PA, 2010).

O conhecimento do tipo de acidente proporciona a possibilidade de se estudar

a causa. O conhecimento da causa possibilita a implementação de medidas mais

eficazes de segurança viária. Rozestraten (1988) considera que, a partir daquilo que

restou do acidente deve-se reconstruir o que, como e onde aconteceu, e daí deduzir

quais foram as causas principais e quem foi o responsável. Isso se discute quando a

investigação parte de alguma coisa palpável ou pelo menos visível. No entanto,

quando se quer saber o que de fato aconteceu, recorre-se geralmente a

testemunhas. Nessa situação ele faz a seguinte ponderação:

Fonte: DETRAN/PA, 2010.

Page 24: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

22

Há duas observações importantes: (1) o acidente acontece numa fração de segundo e (2) as testemunhas não estavam lá para observar o acidente: viram-no casualmente e são influenciáveis por tudo que se falou, publicou e se interpretou depois. (...) todos nós temos a tendência de procurar o culpado de um acidente. Quanto mais grave o acidente tanto maior nossa tendência de acusar alguém (ROZESTRATEN,1988, p.77).

Com relação à gravidade dos acidentes o DNIT (2009) reconhece três

categorias:

• Acidente com morto - é o evento no qual tenha ocorrido, pelo menos, uma

morte, independentemente da quantidade de pessoas e de veículos

envolvidos;

• Acidente com ferido - é o evento no qual tenha ocorrido, pelo menos, um

ferido (lesões leves ou graves);

• Acidente sem vítima - é o evento do qual todas as pessoas envolvidas tenham

saído com ausência de lesões (ilesas).

Desta forma, considerando os tipos de acidentes e a gravidade de cada um

pode-se inferir que nem todas as ocorrências de acidente de trânsito chegam a ser

registradas, como, por exemplo, pequenas batidas ou aqueles que não causam

vítimas. Assim sendo, os 10.506 acidente de trânsito registrados em Belém no ano

de 2010, representam os casos que chegaram ao conhecimento dos órgãos

gestores do trânsito (DETRAN/PA, 2010).

Com relação ao estado físico das vítimas a ABNT (NBR 10697/1989)

apresenta a seguinte classificação:

• Fatal – quando a vítima falecer em razão dos ferimentos sofridos no local do

acidente, ou depois de socorrido no período até a conclusão do boletim de

ocorrência;

Page 25: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

23

• Grave – quando a vítima sofrer lesões graves que exigem tratamento médico

mais prolongado;

• Leve – quando a vítima sofrer ferimentos leves, em geral superficiais, que não

exigem tratamento médico prolongado;

• Ileso – quando a vítima não sofrer qualquer tipo de ferimento aparente, nem

apresentar sintomas ou queixas de lesões internas.

Com relação à morte da vítima, será atribuída como causa o acidente de

trânsito, se ocorrer o óbito no período de até 30 dias após o acidente em decorrência

das lesões sofridas; conforme determina a Convenção Sobre Trânsito Viário de

Viena de 1968, da qual o Brasil é signatário desde 1981 (Decreto nº 86.714/81). No

tocante ao estado físico da vítima, relacionado a lesão corporal culposa – grave,

leve, é importante saber que se trata de um crime de trânsito de menor potencial

ofensivo, que depende de representação do ofendido ou de seu representante legal

para que se busque reparação judicial.

2.1.2 Causas dos acidentes

O significado do termo causa, remete a uma série de acontecimentos

pretéritos que deram origem a um fato. Raramente os acidentes de trânsito

acontecem motivados por uma única causa. Em geral existe uma convergência de

fatores, sendo possível identificar, um ou mais fatores que contribuíram ou

determinaram a ocorrência do sinistro, de maneira direta ou indireta. Neves (2013)

considera que:

Enquanto as autoridades culpam a irresponsabilidade, a imperícia, a negligencia, a imprudência dos motoristas... Parecem esquecer-se do aumento desmesurado da frota, da precariedade das nossas vias e estradas e da falta de uma sinalização eficiente e de uma fiscalização moralizadora (NEVES, 2013, p.36)

Rozestraten (1988) diz que, todo acidente de trânsito tem uma causa material

ou psíquica, resultado de uma cadeia causal de fatores: humanos, do veículo e do

Page 26: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

24

ambiente. Por esse entendimento, a causa do acidente de trânsito pode ter origem

numa disfunção do sistema homem-via-veículo que, em circunstâncias normais,

funciona sem problemas. A esse respeito faz o seguinte comentário:

A explicação científica não pode aceitar o destino, a vontade de Deus ou forças ocultas como causas de um acidente. Portanto, a base (...) é a existência de uma explicação real, algo concreto no ambiente, no veículo ou no homem que os causou. (...) no simples dirigir um carro há uma enorme quantidade de fatores a serem considerados. No carro temos a gasolina, o duto da gasolina, o carburador e dezenas de outras peças que podem apresentar defeitos. No ambiente há outra série de fatores, não somente da via com o asfalto esburacado, ou com um semáforo desregulado, mas toda quantidade de carros em volta do seu que podem provocar acidentes. Além disso, a quantidade de fatores que envolvem o próprio indivíduo: seus olhos, seus ouvidos, sua capacidade de atenção, de discriminação, de previsão e de decisão. É praticamente impossível dizer quantos fatores estão funcionando e integrando quando se está guiando um carro. Como resultado do mau funcionamento de um ou alguns desses fatores os acidentes acontecem (ROZESTRATEN, 1988, p, 91).

Fell apud ROZESTRATEN, 1988. p, 92, defende a Teoria Causal para a

ocorrência de acidentes de trânsito. Para esse teórico existe uma cadeia causal de

fatores humanos, do veículo e do ambiente que contribuem para a ocorrência de

acidentes, da seguinte forma: existe uma causa inicial, cujo efeito se transforma em

outra causa da qual resultará outro efeito que irá se transformar em nova causa de

modo a formar uma cadeia de causas e efeitos até resultar na ocorrência do

acidente.

Para exemplificar a Teoria Causal toma-se como exemplo uma briga de casal

momentos antes da saída para o trabalho, o veículo não estava com as revisões

atualizadas e estava chovendo.

Primeiramente, vejamos a cadeia causal humana: causa inicial, um homem

briga com a sua mulher antes de sair para o trabalho, em razão da briga sai tarde

para o trabalho, saindo tarde para o trabalho dirige agressivamente, a velocidade

alta demais para as condições da via não permite que o motorista compreenda

imediatamente o perigo de um veículo lento à sua frente perto de uma curva,

resultando em acidente.

Com base nesse exemplo, a teoria de Fell (1976) considera que, a discussão

do homem com a mulher foi uma causa, que teve como efeito o homem sair tarde

para o trabalho. O fato de o homem ter saído tarde para o trabalho passou a ser

Page 27: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

25

uma causa, que teve como efeito dirigir agressivamente. O dirigir agressivamente se

transformou em causa que teve como efeito a velocidade alta demais para as

condições da via. A velocidade alta demais para as condições da via teve como

efeito a não percepção pelo motorista do perigo de um veículo lento à frente perto de

uma curva, causando como resultado a ocorrência do acidente.

Para compreensão da cadeia causal do veículo, o exemplo explica da

seguinte forma: causa inicial, a falta de revisão do veículo, tendo como efeito o

desconhecimento por parte do motorista sobre o fato dos freios estarem gastos, os

freios gastos fez com que a distância de frenagem aumentasse resultando em

acidente. Assim, para Teoria Causal a causa inicial foi a falta de revisão, que teve

como efeito o desconhecimento, por parte do motorista, sobre as condições do freio,

os freios gastos tiveram como efeito o aumento da distância para frenagem

resultando na ocorrência do acidente.

Seguindo com o mesmo exemplo para explicar a cadeia causal do ambiente.

Causa inicial, a condição do tempo, chovia, tendo como efeito provocado pela chuva

a estrada molhada, com a estrada molhada há diminuição do coeficiente de fricção

sobre a estrada resultando em acidente. Desta maneira, a chuva foi a causa inicial

que teve como efeito a estrada molhada, a estrada molhada transformou-se em

causa cujo efeito foi a diminuição do coeficiente de fricção sobre a estrada cujo

efeito foi o acidente.

Essa teoria sobre prováveis efeitos de prováveis causas mostra que o

acidente de trânsito pode ocorrer pela soma das causas originadas na cadeia causal

humana, mais a cadeia causal do veículo, mais a cadeia causal do ambiente. Assim

como, pode ocorrer motivada por uma única causa, que mesmo assim, salvo os

fenômenos da natureza, guardará relação com fatores humanos. Afinal, quem

projetou o carro ou construiu a estrada foi o próprio homem.

De maneira subjetiva, os fatores humanos refletem aspectos ligados à

formação insatisfatória dos envolvidos, relacionadas com a imperícia, inabilitação,

inexperiência entre outras, ou às suas condições físicas / psicológicas

desfavoráveis, como: o cansaço, sonolência, estresse, agressividade, euforia,

pressa, desatenção etc. Fatores que potencializam o cometimento de erros no

trânsito por parte dos seus usuários.

De maneira objetiva os fatores humanos estão relacionados com ações

arriscadas do indivíduo no trânsito, quer na condição de condutor de veículo que

Page 28: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

26

pode se envolver em um acidente, quer na condição de pedestre arriscando-se a ser

atropelado. Estes comportamentos indevidos acabam, isolados ou juntamente com

outros fatores, induzindo à ocorrência do acidente.

Vasconcelos (2005) considera que, existe divergência entre os técnicos e

especialistas a respeito da importância relativa das várias causas dos acidentes de

trânsito. Porém, há consenso sobre o fato dos acidentes raramente terem uma única

causa e o paradigma vigente apontar para o fator humano como sendo o maior

responsável pelos acidentes.

Dentre os fatores considerados desencadeadores dos acidentes, mencionam-

se como os mais importantes: o ambiente inadequado de circulação, tanto em

relação aos veículos quanto a pedestres e ciclistas; o uso de álcool ou de outras

drogas por interferirem nos reflexos dos condutores e, até mesmo, dos outros

usuários da via; a velocidade excessiva, em razão de a energia cinética aumentar

exponencialmente com a velocidade; as condições da pista e da sinalização estão

por traz dos grandes acidentes; por último, o estado de manutenção dos veículos,

principalmente com relação aos freios e suspensão (VASCONCELOS, 2005).

Ferraz et. al., (2012) acrescenta: o cansaço e sonolência, por reduzirem a

capacidade física e mental dos condutores, e assim, interferirem na resposta a

situação de risco; a conduta perigosa, que consiste em dirigir sem respeitar as leis

de trânsito e o bom senso; a falta de habilidade, ocasionada pela ausência de

treinamento, inexperiência e/ou incapacidade por doenças, idade avançada, etc.;

desvio de atenção, como procurar/pegar objetos no chão do carro, bolsa, etc.; não

ver e não ser visto, fato que pode estar associado a deficiência visual, condições

ambientais, etc.; propaganda comercial na lateral da pista que pode desviar a

atenção dos condutores; dentre outros fatores que exercem influência sobre aqueles

que estão expostos ao trânsito.

A Tabela 2 mostra que, em Belém- PA, de acordo com o DETRAN/PA (2010),

as principais causas dos 5.024 acidentes de trânsito ocorridos de 2007 a 2009,

estão relacionadas com: perder o controle do veículo; manobra irregular; desrespeito

a preferencial; contra mão; desviar de um veículo; embriaguês alcoólica; excesso de

velocidade; atravessar na pista sem atenção; avançar de sinal; falta de atenção e

frear bruscamente.

Page 29: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

27

Tabela 2 - Principais causas de Acidentes de Trânsito registrados no município de Belém de 2007 a 2009.

CAUSAS DE ACIDENTES 2007 % 2008 % 2009 %

Manobra irregular 195 13,90 352 22,68 576 27,84

Falta de atenção 83 5,92 111 7,15 295 14,26

Desrespeito a preferencial 117 8,34 161 10,37 182 8,80

Perdeu o controle 108 7,70 105 6,77 142 6,86

Avanço de sinal 134 9,55 110 7,09 114 5,51

Excesso de velocidade - - - - 103 4,98

Embriaguês alcoólica 103 7,34 137 8,83 90 4,35

Desviar de um veículo 109 7,77 88 5,67 90 4,35

Atravessar na pista sem atenção

126 8,98 105 6,77 90 4,35

Contra mão 80 5,70 - - - -

Frear bruscamente - - 75 4,83 - -

Outras 348 24,80 308 19,85 387 18,70

TOTAL 1.403 100 1.552 100 2.069 100

Calil et. al., (2009) considera que o panorama de acidentalidade deve servir

de orientação para medidas preventivas e educacionais úteis para prevenção de

acidentes. Analisando a Tabela 2, pode-se observar a expressiva participação do

fator humano dando causa aos acidentes de trânsito. A manobra irregular e o

avanço do sinal vermelho despontam entre as principais causas dos acidentes.

De todas as causas apontadas, a manobra irregular teve um aumento de

195% em 2009, em relação a 2007, passando de 195 para 576 casos. Esse

crescimento põe em xeque a maneira com que os condutores estão sendo

preparados para tirarem a habilitação. Além de que, de acordo com Vasconcelos

(2005), há uma tendência das pessoas acharem que uma vez obtida à carteira de

habilitação, o seu processo de aprendizado está terminado.

Fonte: DETRAN/PA, 2010.

Page 30: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

28

2.1.3 Mortalidade e morbidade causadas por acidentes de trânsito

Ferraz et. al., (2012) considera que o cenário de tragédia no trânsito irá piorar

cada vez mais, se não forem implantadas e colocadas em prática políticas

adequadas. A avaliação do impacto causado pela mortalidade e morbidade dos

acidentes de trânsito é feita através de dois indicadores: I - Disabilly-adjusted life

year – DALY, que corresponde a uma escala de saúde composta pela combinação

dos anos perdidos com a morte prematura e o número de anos vividos com

sequelas graves; II - Global Burden Disease – GBD, que é uma estimativa regional e

global ampla da mortalidade e da incapacidade provocada por 107 doenças e por

dez fatores de risco.

Para esses indicadores, o acidente de trânsito, em 1990, era classificado

como a 9º causa mortis, representando 2,6% do total de mortes no mundo. No

entanto, se os índices de mortalidade no trânsito continuarem no patamar de

evolução que se encontram, a previsão que fazem é de que, em 2020 os acidentes

de trânsito ocuparão a 3º posição, representando 5,1% do total de mortes no mundo.

No Brasil, no ano de 2010, ocorreram 40.989 óbitos motivados por acidentes

de trânsito, 66,6% das vítimas, a saber, 27.298, foram pedestres, ciclistas e/ou

motociclistas. A tendência nacional da última década está marcando uma evolução

extremamente diferencial: significativas quedas na mortalidade de pedestres;

manutenção das taxas de ocupantes de automóveis; leves incrementos nas mortes

de ciclistas e violentos aumentos na letalidade de motociclistas (WAISELFISZ,

2012).

Em Belém, também em 2010, foram contabilizados 131 óbitos em virtude de

acidentes de trânsito (DETRAN/PA 2010). Houve um aumento em relação a 2009,

que registrou 108 mortes, e queda em relação a 2007 e 2008 que registraram 142 e

147 óbitos, respectivamente. Outro fato relevante refere-se à queda no percentual

de acidentes com automóveis, contudo os valores absolutos continuam elevados, ao

apresentar percentuais em crescimento de acidentes envolvendo motocicletas e

microônibus. Acrescenta-se ainda, uma peculiaridade da cidade de Belém um

pequeno aumento no percentual de acidentes envolvendo viaturas policiais.

Além das mortes, os acidentes de trânsito causam morbidade, ou seja, são

produtores de deficiências em virtude das lesões provocadas naqueles que

sobrevivem. Mesmo que os dados do Censo 2010 do IBGE não apontar as causas

Page 31: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

29

da deficiência, o que dificulta saber quantas deficiências adquiridas foram motivadas

por acidentes, pode-se considerar as indenizações por invalidez permanente pagas

pelo seguro DPVAT para demonstrar que os acidentes de trânsito estão

aumentando o número de deficientes no Brasil.

A Tabela 3 mostra um crescimento percentual das indenizações pagas pelo

seguro DPVAT em 2010 e 2011 revelando que, em 2011 o crescimento no

pagamento das indenizações por invalidez permanente foi maior que a registrada

em 2010. Revela, também, que, as indenizações pagas pelo seguro em 2011

registraram um crescimento de 45% em face de 2010.

Tabela 3 – Indenização pagas pelo seguro DPVAT em decorrência de invalidez permanente nos anos de 2010 e 2011.

Fonte: Seguradora Lider DPVAT Período: janeiro a dezembro/2011.

Essas informações revelam que os acidentes de trânsito são produtores de

lesões que causam invalidez permanente, dessa maneira, aumentando os índices

de portadores de deficiência. Comparando esses dados com as estatísticas que

mostram a faixa etária em que mais ocorre acidentes, percebe-se que um importante

grupo de indivíduos jovens adquire deficiência física, e por esta razão saem do

mercado de trabalho em plana capacidade produtiva.

Esse fato resulta em ônus para a sociedade em virtude dos custos com

internações hospitalares, tratamento e reabilitação, inclusive custos previdenciários.

Soma-se a isso, o forte impacto na família que muitas vezes se desestrutura em face

da nova realidade.

Os Gráficos 1 e 2 são resultado do estudo realizado pela FEBRABAN (2006)

sobre a população com deficiência no Brasil, cuja amostra utilizada foi de 1.200

deficiente. Através desses gráficos observa-se a distribuição por tipo e as causas

das deficiências.

Page 32: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

30

Gráfico 1 - Distribuição por tipo de deficiência (%).

Fonte: FEBRABAN, 2006.

Gráfico 2 - Causas de deficiência física

Fonte: FEBRABAN, 2006.

Os dados apresentados mostram que, dos 1.200 indivíduos participantes da

pesquisa portadores de deficiência, 342, ou seja, 27,1% são portadores de

deficiência física. Quando investigado as causas que deram origem a deficiência o

resultado mostra que 313, ou seja, 25,9% tornaram-se deficientes em consequência

de acidente de trânsito.

Os acidentes de trânsito dão causa a um número preocupante de

deficiências física adquiridas. Consideram-se deficiência adquirida, aquelas

Page 33: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

31

adquiridas ao longo da vida. Ou seja, o indivíduo não nasceu deficiente, passou a

ser deficiente devido a uma causa externa, fazendo parte de uma estatística que

afeta não só o vitimado, mas também, toda a sua família trazendo consequências

que vão além dos danos materiais e ambientais causado pelo acidente que o

vitimou.

Independente da culpa pelo acidente percebe-se, pelas estatísticas, as

consequências desse fenômeno em todo mundo. Vitimados e vitimizados padecem

em virtude das sequelas físicas ou psicológicas deixadas pelas lesões corporais que

foram produzidas pelos acidentes. Os custos ambientais e materiais podem ser

mensurados e demonstrados através dos números. No entanto, a perda de vidas ou

de qualidade de vida não pode ser mensurada pelo quantum indenizatório, pois não

há dinheiro que pague a vida ou a saúde de um indivíduo.

2.1.4 O enfrentamento do problema pelo Estado

A investigação do fenômeno mostra que os acidentes de trânsito representam

um significativo peso econômico e social arcado por toda sociedade. Os números

das estatísticas oficiais apontam que os acidentes são responsáveis, dentre as

causas externas, pelo maior número de internações, representando altos custos

hospitalares, perdas materiais e custos previdenciários. Além desses custos que

podem ser representados estatisticamente, existe um ônus invisível, que não pode

ser mensurado através dos números: o sofrimento das vítimas e de seus familiares.

A mortalidade e morbidade do fenômeno afeta tanto os países pobres quanto

os países ricos, deixando rastro de dor, sofrimento, sequelas e mortes. Além do

mencionado custo previdenciário, existem custos ambientais, que, também, afetam

toda a sociedade. Fato que motivou a Assembléia Geral da Organização das

Nações Unidas - ONU, a proclamar oficialmente o período de 2011 a 2020 como a

Década Mundial de Ações de Segurança no Trânsito.

Proclama el período 2011-2020 “Decenio de Accion para la Seguridad Vial”, com el objetivo de estabilizar y después reducir las cifras previstas de victimas mortales em accidentes de tránsito em todo el mundo aumentando las actividades em los planos nacional, regional y mundial. (Assembléia General 24 de febrero de 2010. A/64/L.44/Rev. 1º)

Page 34: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

32

O Estado brasileiro é signatário desse pacto mundial que tem como objetivo

reduzir em 50% o número de mortes no trânsito até 2020. Nessa empreitada

desenvolve as políticas públicas com base no Plano Nacional de Ações pela

Segurança no Trânsito 2011-2020. Esse plano está estruturado em cinco pilares, a

saber:

• Gestão da Segurança no Trânsito;

• Infraestrutura Viária Adequada;

• Segurança Veicular;

• Comportamento/Segurança do Usuário;

• Atendimento Pré/Hospitalar/Pós.

Concentrando as informações no foco da pesquisa, destaca-se: Gestão da

Segurança no Trânsito e Atendimento Pré/Hospitalar/Pós. Na gestão, destaca-se: I

– o Sistema Integrado de Informações de Trânsito; e, II - o Observatório Nacional de

Trânsito.

I - O Sistema Integrado de Informações de Trânsito tem como objetivos:

• Integrar os sistemas de informações de trânsito, saúde e segurança pública

através de um sistema de informação nacional com módulos específicos para

registro da ocorrência, internações hospitalares, mortes, invalidez e

afastamento do trabalho e exame médico legal;

• Fortalecer, modernizar e consolidar a gestão do sistema de informação de

acidentes que permita o planejamento e o mapeamento detalhado dos pontos

de risco como instrumento de apoio às políticas de prevenção de acidentes;

• Gerar informações integradas e importantes para a escolha de soluções que

visem a melhoria nas condições de segurança viária aumentando a

confiabilidade dos dados e análises e apoiando a tomada de decisões.

Page 35: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

33

II – o Observatório Nacional de Trânsito tem como objetivos:

• Produzir análise sobre situação, tendências e cenários sobre acidentes de

trânsito e fatores de risco/proteção, com informações oriundas do sistema

integrado de informações alimentadas pelas áreas de trânsito, segurança

pública, saúde e previdência;

• Identificar os principais problemas relacionados à segurança no trânsito;

• Desenvolver programas de estudos e investigações sobre segurança viária,

violência e prevenção de acidentes e lesões mortes no trânsito;

• Fazer revisão de políticas e experiências exitosas de promoção da segurança

no trânsito;

• Propor recomendações de intervenções aos órgãos envolvidos com a saúde e

segurança no trânsito;

• Monitorar e acompanhar as ações do plano da Década 2011-2020.

Com relação ao Atendimento Pré/Hospitalar/Pós as políticas estão balizadas nos

seguintes objetivos:

• Implementação da Vigilância de Lesões, Mortes, condicionantes e

determinantes dos acidentes de trânsito – Produção Qualificação da

Informação; Prevenção e Promoção da Saúde e Paz no trânsito – Ampliação

e consolidação do Projeto Vida no Trânsito;

• Implementação da Rede de Atenção às Urgências (RAU) com priorização das

vítimas do trânsito (ênfase em motociclistas) – Rede Saúde Toda Hora;

Page 36: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

34

• Ampliação e consolidação do atendimento de reabilitação das vítimas em

articulação com o componente de Atenção à Saúde do Plano Nacional para

as Pessoas com Deficiência;

• Ampliação da atenção psicossocial das vítimas do trânsito em conformidade

com a Rede de Cuidados em Saúde Mental, Álcool, Crack e outras Drogas.

Essas ações, acima mencionadas, complementam as políticas públicas que

já vinham sendo desenvolvidas anteriormente, a saber:

• Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências

– Portaria MS/GM nº. 737 de 16 de maio de 2001;

• Projeto de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito:

Mobilizando a Sociedade e Promovendo a Saúde – Portaria MS nº. 344 de

19/02/2002;

• Política Nacional de Promoção da Saúde – Portaria MS/GM nº. 687 de

30/03/2006, publicada no DOU / Seção 1 nº. 63 de 31/03/2006.

Ante ao exposto, percebe-se que existe a implementação de políticas públicas

para o enfrentamento desse fenômeno desde antes da promulgação da década de

segurança viária, proclamada pela ONU. Desta forma, o Estado brasileiro procura

materializar ações que tenham como resultado a garantia de um trânsito seguro para

que a liberdade de circulação não seja vetor de tantas mortes nas estradas.

2.2 Lesão corporal e suas consequências

A Constituição Federal - CF (art. 5º) protege a vida humana, ainda quando em

desenvolvimento no útero materno. Do direito à vida decorrem todos os demais

direitos, portanto, nessa perspectiva o corpo humano, em sua integralidade física e

mental, é a matéria protetora da vida. Para proteger o corpo e a mente, a legislação

tutela a integridade física e mental; com isso, o Estado quer evitar a prática de atos

Page 37: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

35

capazes de causar lesão corporal que ponham em risco a vida ou resultem em

sequelas.

Os acidentes de trânsito são produtores de lesões corporais que podem

deixar sequelas irreversíveis, afetando a vítima, a família e, de certo modo, toda a

sociedade em virtude dos custos sociais resultantes da reparação do dano físico ou

mental causado pelo sinistro. Para compreender a importância de se estudar a lesão

corporal e suas consequências são imprescindíveis que se estabeleça inicialmente o

aspecto conceitual.

A lesão corporal consiste em dano ocasionado por alguém à integridade de

outra pessoa. Croce (2004) conceitua a lesão corporal como todo e qualquer dano

ocasionado à normalidade do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer

do fisiológico ou mental. Alcântara (1982) considera que as lesões corporais podem

atingir o corpo, a mente e alterar o funcionamento perfeito da saúde da pessoa.

Almeida (1998) ao analisar o âmbito da matéria disse:

Desde que a violência dolosa ou culposa (seja de que natureza for – mecânica ou física, química ou biológica, e até mesmo psíquica) ofenda a integridade corporal ou a saúde de outrem, configura-se lesão corporal (...) a ofensa a integridade corporal objetiva-se pelo dano anatômico (...) a ofensa a saúde se expressa mediante perturbações funcionais na sensibilidade geral ou específica, na motricidade, nas funções vegetativas (...) existe lesão mesmo que o dano funcional pareça não acompanha-se de alteração anatômica - como perturbações mentais provindas de traumas psíquicos ( p.221-222).

Entende-se como saúde, o mais completo bem-estar físico, mental e social,

não apenas a ausência de enfermidade (OMS, 2003). O Código Penal – CP (art.129)

tipifica as condutas humanas que se voltam contra a integridade corporal e a saúde,

reconhecendo cinco modalidades diferentes de lesão: lesão corporal leve, lesão

corporal grave, lesão corporal gravíssima, lesão corporal seguida de morte e lesão

corporal culposa.

As lesões corporais leves são representadas frequentemente por danos

superficiais, lesionando: a pele, tela subcutânea, músculos superficiais, vasos

arteriais e venosos de pequeno calibre, sendo, assim consideradas, as escoriações,

as equimoses, os hematomas, as feridas contusas, algumas entorses, os torcicolos

traumáticos, os edemas e a maioria das luxações. Constituem, pericialmente, cerca

de 80% das lesões corporais (CROCE, 2004).

Page 38: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

36

Considera-se lesão corporal de natureza grave, quando dela resultar:

incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias; perigo de vida,

debilidade permanente de membro, sentido ou função; ou, aceleração do parto (CP,

art.129, §1º). E, será considerada lesão corporal de natureza gravíssima, quando

dela resultar: incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável,

perda ou inutilização de membro, sentido ou função; deformidade permanente, ou

aborto (CP, art. 129, §2º).

Enquanto que, lesão corporal seguida de morte, será assim considerada,

quando a conduta que foi dirigida para produzir lesão corporal, tiver como resultado

das lesões a ocorrência da morte. Para que essa morte não seja tipificada como

homicídio, o texto legal diz que as circunstâncias devem evidenciar que aquele que

praticou a ação não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo (art. 129, §

3º, do CP).

A lesão corporal será considerada culposa quando a ofensa, física ou mental,

acontecer em razão de negligência, imprudência ou imperícia por parte de quem

praticou a ação, isto é, apesar do resultado a conduta não foi direcionada para

aquele resultado, nem mesmo se assumiu o risco de produzir o resultado lesivo

(DINIZ, 1998).

O Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte – DNIT

reconhece duas modalidades de leões: lesões leves e lesões graves (DNIT 2008).

Lesão leve é aquela que não apresenta risco de vida e se caracteriza por dores em

geral; lacerações leves, contusões e abrasões; queimaduras de 1° grau e as

pequenas de 2° e 3° graus. Enquanto que, lesão grav e é aquela que apresenta

risco de vida com sobrevivência provável e se caracteriza por grandes lacerações e

ou avulsões com hemorragias severas; queimaduras de 2° e 3° graus envolvendo

até 50% da superfície corporal.

A Tabela 4 mostra a existência de certa relação entre a gravidade da lesão e

o tipo de acidente de trânsito, conforme pesquisa realizada pelo DNIT (2009)

envolvendo 1.148 feridos.

Page 39: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

37

Tabele 4 – Amostra das vítimas por tipo de acidente e gravidade das lesões.

Fonte: Pesquisa médico-hospitalar, DNIT, 2009.

Apesar das lesões leves predominarem, não se pode esquecer que, salvo as

lesões em órgãos vitais, a gravidade é mensurada levando em consideração a

extensão da área atingida. Por exemplo, as escoriações, muito comum nos

acidentes de moto, são consideradas lesões leves, porém, se atingirem grandes

áreas do corpo o sofrimento do paciente e o risco de infecções serão bem maiores

que uma fratura de um membro inferior, que é considerada uma lesão grave.

Por outro lado, as lesões tipificadas como grave, por sua própria natureza e

lesividade podem causar mortes e sequelas muitas vezes irreversíveis. No entanto,

os primeiros atendimentos, o transporte adequado, o atendimento em serviço de

saúde especializado e a sucessão de tratamento podem evitar ou minimizar suas

consequências.

2.2.1 Lesões mais frequentes e a tipificação como crime de trânsito

As pesquisas de Koizumi (1992), REDE SARAH (2009) e DNIT (2009)

mostram que as lesões mais frequentes, provocadas por acidentes de trânsito, são:

fraturas e luxações de membros e pelve; ferimentos de superfície externa; lesões

medulares; lesão cerebral; lesão ortopédica e lesão neurológica.

TIPO DE ACIDENTE GRAVIDADE DAS LESÕES

LESÕES LEVES LESÕES GRAVES TOTAL

Abalroamento lateral mesmo sentido 78 40 118

Abalroamento lateral sentidos opostos 56 37 93

Abalroamento transversal 75 49 124

Atropelamento 35 49 84

Atropelamento de animal 26 6 32

Atropelamento e fuga 2 12 14

Capotagem 40 11 51

Choque com objeto fixo 39 14 53

Choque com veículo estacionado 2 1 3

Colisão frontal 47 37 84

Colisão traseira 103 46 149

Saída de pista 178 70 248

Tombamento 26 19 45

Outros tipos 33 17 50

TOTAL 740 408 1.148

Page 40: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

38

O Gráfico 3 a distribuição percentual das lesões em função das áreas do

corpo afetadas. A pesquisa realizada pelo DNIT (2009) envolveu 1.148 pessoas.

Gráfico 3 - Distribuição das lesões por área do corpo.

Fonte: Pesquisa médico-hospitalar/ DNIT, 2009.

Os traumatismos de cabeça e pescoço são considerados uma das formas

mais graves de lesões, em virtude de sua letalidade e sequelas, salvo raras

exceções, quando não mata deixa o acidentado com sequela motora, tais como,

paraplegia e tetraplegia, isto é, a sequela do traumatismo de cabeça e pescoço

geralmente conduz o acidentado para as estatísticas dos deficientes físicos. Esse

tipo de lesão tem maior incidência nos acidentes com moto ou bicicleta e nos

atropelamentos.

O Gráfico 4 mostra os tipos de lesões que foram causas de internações em

virtude de acidentes de trânsito. A pesquisa realizada pela Rede Sarah (2009)

envolvendo 799 internados vitimados pelo trânsito

17,40%

2222

Page 41: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

39

Gráfico 4 - Distribuição dos pacientes vítimas de Acidentes de Trânsito por causa de internação.

O Gráfico demonstra o total predomínio das lesões medulares e lesões

cerebrais em virtude de traumatismos crânio-encefálico.

Os neurotraumas consubstanciam, portanto, o padrão das lesões verificadas

entre as vítimas desse tipo de acidente: somadas, as lesões medulares e as lesões

cerebrais foram responsáveis por 83% das internações registradas no período de

01/01/2009 a 30/06/2009 nos hospitais da Rede Sarah.

As lesões ortopédicas constituíram a terceira causa de internação mais

frequente, dentre os pacientes vítimas de acidentes de trânsito, concentrando-se a

maioria (73,0% dos casos) dessas lesões na região dos membros inferiores,

particularmente na perna. Vale destacar que a quase totalidade das lesões

neurológicas observadas nesse tipo de acidente referiram-se a lesões do plexo

braquial.

Diante dos resultados das pesquisas realizadas pode-se perceber que o

traumatismo da cabeça e do pescoço tem um resultado lesivo devastador, visto que

as sequelas resultantes, geralmente não tem reversão obrigando o vitimado a uma

mudança brusca em sua rotina, alguns, apesar de vivos, passam a ter uma vida

vegetativa sem nenhuma esperança de reversão do quadro. A esse respeito, Calil

et. al., (2009) considera que:

...não há dúvida em afirmar que as lesões na região da cabeça, denominadas traumatismo crânio-encefálico (TCE) ocupam o primeiro lugar em gravidade de lesão... O TCE em vítimas de acidente de transporte é a lesão isolada mais frequentemente encontrada em casos graves e fatais e aquela que mais traz

Fonte: REDE SARAH, 2009.

Lesão medular - 483

Lesão cerebral - 180

Lesão ortopédica - 116

Lesão neurológica - 20

Page 42: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

40

sequelas, incapacidades e deficiências... (CALIL et. al., 2009, p. 126).

Esse é um dos motivos da lesão corporal ser tipificada como crime contra a

pessoa, sabendo que a tutela do Estado busca proteger a integridade física ou

fisiopsíquica da pessoa. Desta forma, pune-se o condutor do veículo por ofender, em

acidente de trânsito, culposamente, a integridade corporal ou a saúde da vítima.

Considera-se crime um fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou

expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da

coletividade e da paz social (CAPEZ, 2005).

Dependendo da manifestação da vontade de quem pratica, o crime pode ser

tipificado na modalidade dolosa ou culposa. Considera-se doloso quando se fizer

presente os elementos de ligação – consciência e vontade. Dolo é a vontade

consciente de concretizar determinado ato. De outra maneira, considera-se culposo

quando a conduta estiver diretamente ligada à inobservância do dever de cuidado,

manifestada pela negligência, imprudência ou imperícia. A respeito desse tema,

Rizzardo (1998) faz o seguinte comentário:

Há de se distinguir se o condutor procedeu com dolo ou culpa. As análises procedidas relativamente ao dolo direto, ao dolo eventual e à culpa estendem-se à prática de lesão corporal na direção de veículo. Imprescindível a configuração da culpa, resultante de imprudência, negligencia ou imperícia, para a tipificação. Se previsto o resultado, embora não pretendido, reconhece-se o dolo eventual, não incidindo na tipificação culposa. (RIZZARDO, 1998. p, 762).

O legislador ao tipificar os crimes de trânsito considerou que as vias são

espaços de convivência, utilizadas por diversos usuários, que a pé ou através de

outros modos de transporte, motorizados ou não, objetivam alcançar seus destinos.

Portanto, não estão ali para cometer crimes, e se acontecem não foi por vontade do

condutor. Por esse motivo, quando tipificou os crimes de trânsito, considerou que as

lesões corporais praticadas na direção de veículo automotor devem ser

consideradas lesão corporal culposa.

Page 43: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

41

2.2.2 Consequência das lesões

Das lesões corporais provocadas pelos acidentes de trânsito podem resultar

sequelas, visíveis ou invisíveis. Entende-se por sequela o efeito de uma causa, a

alteração anatômica ou funcional permanente, motivada direta ou indiretamente por

doença ou acidente (Houaiss 2001). Essas sequelas podem interferir no retorno à

normalidade existente antes do sinistro. E, dependendo da gravidade da lesão e das

sequelas, pode nem existir a possibilidade de retorno. Calil et. al., (2009) dissertando

sobre o impacto dos ferimentos em virtude de lesões provocadas por acidentes de

trânsito, disse:

Elevado número de pacientes permanece, por semanas, meses ou até anos, em programas de reabilitação e fisioterapia, com perdas salariais e de emprego em decorrência desses eventos, mostrando a dimensão econômico-social do problema (CALIL et. al., 2009, p. 125).

Esse fato é preocupante, considerando o aumento dos acidentes que levam a

uma sequela motora, cuja consequência manifesta-se na forma de paraplegia e/ou

tetraplegia, principalmente afetando um grupo etário na idade produtiva. Esses

acidentes, segundo Mello e Laurenti (1997), representam importante carga social,

não só pelas perdas de vidas e pelas sequelas, mas também por onerarem a

sociedade com custos diretos e indiretos.

Quem sobreviveu a um acidente de trânsito e adquiriu uma deficiência física

vive um martírio diário. Para reconstruir a vida é preciso muito sacrifício,

principalmente se as consequências são para a vida toda. Quem se torna deficiente

tem todo um sofrimento psicológico a ser trabalhado. Por vezes sente-se culpado

pela sua sobrevivência, ou ainda, pela carga que acredita ter-se tornado para seus

familiares.

De acordo com o estudo sobre a população com deficiência no Brasil: fatos e

percepções, que envolveu 1.200 participantes (FEBRABAN, 2006), em razão das

lesões, os acidentes de trânsito deram causa a 34% das deficiências adquiridas, isto

é, da amostra pesquisada 408 acidentados adquiriram algum tipo de deficiência.

Desta forma, 25,9%, ou seja, 308 acidentados tornaram-se deficientes físico; 5%, ou

Page 44: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

42

seja, 60 tornaram-se deficientes visual e, 3,4%, ou seja, 40 acidentados tornaram-se

deficientes auditivo.

Pires (2008) considera que anualmente são contabilizadas, no Brasil, mais de

100.000 pessoas que adquirem deficiências temporárias ou permanentes, motivadas

por acidentes de trânsito. Fato confirmado através das estatísticas da seguradora

que administra o seguro DPVAT, que mostra que é crescente o índice de pagamento

de indenizações por invalidez permanentes pagas em virtude de acidentes de

trânsito.

Há de se considerar também, que a faixa etária que mais se envolve em

acidentes afeta pessoas jovens, fato preocupante, pois, considera-se que o ingresso

pleno na força de trabalho se dê aos 20 anos de idade e o horizonte produtivo

presumido alcance até a idade de 64 anos. Desta maneira, as vítimas de acidente

de trânsito estão na faixa etária de pessoas economicamente ativa. Assim, o

acidente afeta a capacidade de auferir ganhos em função unicamente do próprio

trabalho.

Observando o Gráfico 5, também é fruto do estudo da FEBRABAN (2006),

mostra a posição que o indivíduo com deficiência física ocupa na família, na maioria

dos casos apresenta-se como chefe, isto é, o principal responsável financeiro da

família.

Gráfico 5 - Posição na Família (em %)

Fonte: FEBRABAN, 2006.

Page 45: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

43

A deficiência física adquirida em consequência das lesões corporais

provocadas pelo acidente de trânsito é uma sequela visível. Em virtude das sequelas

ocorrem mudanças bruscas na vida pessoal, profissional e familiar dos vitimados,

ocasionando perdas de rendimentos futuros em virtude da perde da capacidade de

trabalho.

Pela estimativa do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte -

DNIT (2008) em termos econômicos, os custos das lesões provocadas pelos

acidentes de trânsito são estimados em 1% do Produto Interno Bruto - PIB dos

países de baixa renda, 1,5% dos de média e 2% dos de alta renda.

Há de se considerar que não é somente o vitimado que sofre com a

deficiência adquirida. A partir do momento da constatação da deficiência, inicia-se

uma fase que provoca revolução e mudança no seio familiar, sendo que, em alguns

casos ocorre a desorganização e ruptura, e em outras pode haver reorganização,

união e fortalecimento (HADDAD et. al., 2007).

Outra consequência está relacionada com os traumas psíquicos,

considerados sequelas invisíveis. Conhecidos na ciência médica como Transtorno

do Estresse Pós-Traumático – TEPT. Almeida (1998) afirma que perturbações

mentais provindas de traumas psíquicos também podem ser consideradas lesões.

Evangelista e Menezes (2000) consideram que o dano psíquico existe quando o

evento desencadeante, no caso o acidente, gera efeitos traumatizantes na

organização psíquica ou no repertório de comportamentos da vítima.

No acidente de trânsito a reação ao estresse pode ser vivida como uma

experiência traumática. Há pessoas mais vulneráveis para viverem situações de

traumas do que outras. Para o IPEA (2006) os impactos do estresse pós-traumático

de um acidente na pessoa vitimada e nas suas relações familiares e sociais, embora

sejam de difícil quantificação, necessitam ser identificados e caracterizados, pois

evidenciam a amplitude da violência dos acidentes.

O TEPT é caracterizado por reações a um evento que causa estresse, que

seja ameaçador e/ou catastrófico, que traga sério dano a si ou a outros, com

impossibilidade de defesa, resultando em forte estresse e ocasionando sempre um

prejuízo nas atividades usuais da pessoa. Essa reação pode se apresentar na vítima

sobrevivente - vítima primária, ou em pessoas próximas de seu convívio,

profissionais que trabalham na ocorrência ou que presenciam essas situações, e

familiares - vítimas secundárias. (DSM-IV/1994 e CID 10/1998).

Page 46: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

44

Os estudos sobre Sequelas Invisíveis dos Acidentes de Trânsito (HADDAD et.

al., 2007) diz que o TEPT é uma resposta, neuroquímica e neurofisiológica, do

cérebro ao perceber que está em perigo. Essa resposta fisiológica faz com que haja

liberação de hormônios e permita reação de sobrevivência. É uma resposta

extremamente adaptativa e adequada à situação.

Os acidentes de trânsito são acontecimentos traumáticos, há ameaça à vida;

confronto com o sofrimento ou com a morte de outros e responsabilidade pela causa

do sinistro. Assim, desencadeiam respostas de medo intenso ou culpa que podem

culminar em excitamento, experienciação, dissociação e hipervigilância.

Estima-se que 11,5% dos acidentados de trânsito desenvolvam TEPT

(NORRIS, 1992). Outro estudo realizado por Blanchard (1998) que investigou três

milhões de pessoas envolvidas em acidentes rodoviários, estimou que entre 8 e 40%

das vitimas terão transtorno de estresse pós-traumático no primeiro ano após o

acidente. Os estudos de Mayou, Bryant e Ehlers (2001) detectaram em vítimas de

acidentes de trânsito a ocorrência das seguintes perturbações: ansiedade fóbica a

viagens (52%); ansiedade generalizada (58%), transtorno de estresse pós-

traumático (50%) e depressão (39%). Ao discutir sobre o tema, Pires e Maia (2006)

disseram que:

A primeira queixa das pessoas depois de um acidente rodoviário é a dificuldade de concentração e memória, menor funcionamento intelectual, menor capacidade de diferenciar o que é ou não importante, de manter autocontrole, com lembranças recorrentes do acidente e, muitas vezes, sentimentos de culpa por causa do acidente, o que traz um custo laboral significativo, pois muitas delas ficam sem condições de trabalhar. Na prática, algumas pessoas passam a viver “embrulhadas no acidente rodoviário” (MAIA e PIRES 2006, p. 20).

Muitas dessas pessoas vão precisar de uma intervenção psicológica focada

em ajudá-las a dar sentido a suas vidas, buscando ressignificar o que a experiência

traumática lhes ensinou acerca da vida, bem como suporte social e oportunidades

para aprender a lidar com a situação. O que mostra que os acidentes de trânsito não

causa só feridas no corpo, as suas consequência podem destruir planos, inviabilizar

projetos, desestruturar famílias e literalmente acabar com a vida dos vitimados

sobreviventes.

Page 47: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

45

Portanto, as consequências dos acidentes de trânsito podem afetar, não só a

capacidade de locomoção, mas também abalar o psicológico do vitimado. Essas

perturbações interferem na vida pessoal atrapalhando o convívio social, visto que,

profissionalmente afetam a capacidade laboral para o desempenho de atividades

que possam relembrar o ocorrido, e na família podem ocasionar desestruturação em

virtude das mudanças de humor do vitimado ou da situação financeira.

Há de se esclarecer que não existe um programa específico de atenção as

vítimas de acidentes de trânsito que apresentam sequelas visíveis ou invisíveis, o

que existe é a ampliação de programas já existentes para atender tal demanda. No

caso das deficiências existem políticas públicas de acesso à educação, inclusão

social, acessibilidade e atenção à saúde, constantes no Plano Nacional para

Pessoas com Deficiência. Já atenção psicossocial das vítimas do trânsito é feito

através Rede de Cuidados em Saúde Mental, Álcool, Crack e outras Drogas, as

chamadas Casa Mental.

2.3 O controle social do estado sobre o trânsito

A convivência em sociedade pressupõe um complexo de relações ensejadas

por interesses de toda ordem, e tem reflexo direto na vida das pessoas, de modo

que existe a necessidade de uma autoridade hierarquicamente superior que aponte

a direção do bem comum, esta autoridade é o Estado. Para compreender a

relevância da atuação do Estado como forma de controle social é imprescindível que

se estabeleça inicialmente, a distinção entre sociedade e Estado.

A sociedade é uma unidade orgânica interna que pressupõe a existência do

Estado. Ribeiro Jr (1995) considera que para haver sociedade, é preciso que haja,

numa pluralidade de homens, uma união estável, procedente da inteligência e da

vontade de cada um dos componentes do corpo social, e que tenha por objetivo a

consecução de um bem comum de todos. E, além disso, que haja uma autoridade

que conjugue e coordene os esforços individuais, convergindo à atuação de todos,

para que possam atingir, sem divergência, a finalidade comum, que é o próprio

existir da sociedade.

Enquanto que o Estado é a organização política de uma coletividade social,

com a finalidade de salvaguardar a paz, protegendo a vida dos indivíduos que a ele

pertençam. O Estado constitui-se quando os homens renunciam a fazer uso da força

Page 48: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

46

individual, que produz situações de anarquia, para se entregarem a um poder

coletivo ao qual se reconhece o direito de impor as próprias ordens, recorrendo –

nos casos extremos – também a força. Ribeiro Jr (1995) ao analisar o âmbito da

matéria disse:

O Estado é uma criação necessária da exigência da coexistência e cooperação entre os homens, que não pode realizar-se, de modo satisfatório, se o grupo social não se organiza sob uma autoridade, reconhecida por todos e com força de impor-se. Esta autoridade dá ao grupo o ordenamento jurídico indispensável para realizar a convivência pacífica e a atuação dos fins coletivos, garantindo, ainda que coativamente, a observância daquele ordenamento (RIBEIRO JR 1995, p.113)

Para atingir sua finalidade, o Estado apresenta uma estrutura de poder com

setores mais próximos ou mais afastados do centro da decisão, de acordo com essa

estrutura, controla-se socialmente a conduta dos homens. O controle social é uma

forma de limitação da liberdade individual por intermédio de normas que expressam

padrões de comportamento. A eficácia específica da ordem de conduta jurídica

baseia-se na probabilidade segura de impor a observância das normas mediante um

procedimento de imposição, juridicamente organizado. A formalização do controle

social estampa-se na lei e o sistema de leis que regula a conduta humana chama-se

ordenamento jurídico.

Portanto, o Estado – no contexto de poder político de uma nação – é o

responsável pelas normas jurídicas que tem a função de garantir entre os homens

uma convivência ordenada de forma harmoniosa e segura. Por intermédio das leis,

protege bens jurídicos fundamentais, especificando exatamente o que é proibido e,

sanciona com penas as condutas que não são toleradas no convívio social.

Kelsen (1996) ensina que a ordem jurídica não é um sistema de normas

ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras. É uma construção

escalonada de diferentes camadas ou níveis. Desta maneira, existem hierarquias

entre as normas jurídicas, ou seja, um mapeamento formal das competências de

cada norma estabelecida de maneira que não exista conflito de competência.

A ordem de importância das normas pode ser percebida em forma de

pirâmide, que as classifica numa escala de valor, cuja norma de menor grau deve

obedecer as de grau maior, na seguinte estrutura: Constituição Federal; Lei

Complementar; Lei Ordinária; Lei Delegada; Decreto; e, Resoluções/Portarias. Desta

Page 49: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

47

maneira, entende-se que norma jurídica é o gênero cuja espécie são as leis,

decretos, portarias e resoluções.

Figura 1 - Hierarquia das Leis.

Fonte: Hans Kelsen,1996.

No topo das normas jurídicas está a Constituição Federal – CF, também

chamada de lei suprema, carta magna. Contém um conjunto de normas e princípios

que tem por finalidade a estruturação do Estado, a organização de seus órgãos

supremos e a definição de suas competencias. Assim como, direitos e garantias

individuais para viabilizar o pleno exercício da cidadania e a prática responsável da

liberdade. Nos seus preceitos, indica como devem ser elaboradas as normas gerais,

que, com ela, não podem conflitar.

A Constituição Federal assegura que todos são iguais perante a lei (art. 5º),

sem distinção, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade. Dentre esses direitos fundamentais, o direito à liberdade e o direito à

vida estão intimamente ligados com a questão do trânsito.

Nessa perspectiva, pouco importa o tipo de via, o modo de transporte

terrestre utilizado, se automotor ou por propulsão humana, para caracterização de

trânsito. A mera movimentação, se acontecer como prevista no CTB, constitui

trânsito, independente da qualificação do local destinado ao deslocamento, e até por

mais remoto, íngremes e afastados que sejam os pontos onde se dê a utilização da

via. Apesar de simbolizar uma liberdade, a ninguém é facultado desrespeitar a

sinalização, e muito menos seguir na contramão da ordem estabelecida pelo Estado.

Nos termos do CTB (art. 1º § 1º) o trânsito é a circulação de pessoas,

veículos ou animais em vias, ou seja, é o exercício da liberdade de locomoção

Page 50: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

48

prevista na Constituição Federal (art. 5º, XV). Por esta ótica, a liberdade de

circulação é uma garantia constitucional, assim sendo, é reconhecida como um

direito fundamental do indivíduo, que deve ser exercida sob a proteção do Estado

que tem o dever de garantir um trânsito seguro, conforme preconiza a Constituição

Federal (art. 6º e 144 da CF/88).

As garantias constitucionais asseguram ao cidadão a possibilidade de exigir

dos poderes públicos o respeito ao direito que instrumentalizam, nesse caso, a

segurança no trânsito. Desta forma, em virtude da liberdade de circulação ser uma

atividade cujo exercício expõe à constante risco a integridade física dos usuários da

vias, a propriedade e ao meio ambiente, se faz necessária a intervenção do Estado

para garantir o exercício de uma liberdade sem lesionar outros direitos. A esse

respeito Bonavides (2007) considera que:

As garantias constitucionais, em qualquer das acepções (...), legitimam sempre a ação do Estado, uma vez que sua presença ou intervenção se faz ora em defesa da Constituição como um todo, ora em prol da sustentação, integridade e observância dos direitos fundamentais (BONAVIDES, 2007. P. 534).

Assim compreendido, o trânsito seguro consiste em garantia constitucional,

que tem como finalidade assegurar o direito à vida e à incolumidade física de todos

os usuários das vias terrestres. Que mesmo sendo dever do Estado garantir tal

segurança, e direito do cidadão exigir tal proteção, a responsabilidade pelo trânsito

seguro é dever de todos, não podendo o autor do acidente se eximir de sua parcela

de culpa invocando a responsabilidade exclusiva do Estado.

A liberdade é considerada o valor supremo da sociedade, mas, o Estado,

para garantir a liberdade dos cidadãos deve possuir poder de coação em face

daquele que violar a lei previamente estabelecida. Que, em se tratando de trânsito

essa lei está esculpida no CTB. Delmanto (2010) ao tratar do tema liberdade fez o

seguinte comentário:

Na clássica lição de Montesquieu, “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder” (Do Espírito das Leis, Livro XII, Das leis que formam a liberdade política na sua relação com o cidadão, Capítulo 2). Sobre outro enfoque, Montesquieu ressalta a necessidade da tutela da liberdade dos cidadãos perante o próprio Estado, característica dos Estados

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49

Democráticos de Direito atuais, por meio dos chamados direitos fundamentais... (DELMANTO, 2010, p. 205).

A fronteira do pleno exercício de um direito situa-se no início de um próximo

direito, igualmente tutelado pelo Estado. Na iminência de um conflito de direitos, o

Estado realiza o controle social limitando a liberdade individual, porque a liberdade

de fazer ou não fazer e de que forma fazer determinada coisa, não pode causar

lesão a outros direitos fundamentais. Então, a liberdade de circular não pode impedir

o exercício do direito à vida.

O direito à vida é considerado o mais fundamental de todos os direitos, já que

se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.

Sem vida perde-se a razão de ser dos outros direitos. A CF proclama, portanto, o

direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a

primeira relacionada ao direito de continuar vivo (art. 5º) e a segunda de se ter vida

digna quanto à subsistência (art.1º). A esse respeito Silva (1999) considera que:

De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos. No conteúdo de seu conceito se envolvem o direito à dignidade humana, o direito a privacidade, o direito à integridade físico-corporal, o direito a integridade moral e, especialmente, o direito à existência (SILVA, 1999, p. 201).

Porém, as estatísticas mostram que o trânsito está cada vez mais violento,

diariamente centenas de vítimas perdem a vida ou a oportunidade de uma vida

digna, quando são compulsoriamente obrigados a substituir o caminhar com suas

próprias pernas por cadeiras de rodas e muletas. Diante de tal constatação, o

fenômeno trânsito não pode ser visto apenas como o exercício de liberdades

individuais. Deve-se considerar que na utilização de espaços coletivos os exercícios

das liberdades pressupõem resguardar a vida, a integridade física e moral do ser

humano, pois só assim há de se falar em dignidade da pessoa humana.

O CTB (art. 1, § 1º e 2º) preconiza que a circulação seja realizada em

condições seguras para todos os usuários da via, ratificando que tal fato é um direito

de todos e um dever do Estado que deve ser executado pelos órgãos do SNT. As

estatísticas oficiais mostram que, a falta de segurança nas vias propicia a ocorrência

de acidentes. Por seu turno, os acidentes podem por fim a existência da pessoa ou

Page 52: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

50

ser causa de lesões incapacitantes que, pela própria condição de deficiência física e

precariedade dos espaços urbanos, em termos de acessibilidade, retiram do

indivíduo o direito a uma vida com dignidade, o que acaba afetando o seu bem-

estar.

Num Estado democrático de direito, a liberdade de circulação deve acontecer

em condições seguras de modo a preservar a vida e a integridade física de todos os

usuários da via, daí a importância do controle social realizado pelo Estado ao criar

um arcabouço de normas de circulação e condutas para o trânsito, que dentre suas

finalidades está à regulamentação do uso das vias terrestres, de modo a torná-la útil

e segura para utilização coletiva. Ao comentar sobre as liberdades e a existência de

normas Bobbio (2005) fez a seguinte consideração:

A nossa vida se desenvolve em um mundo de normas. Acreditamos ser livres, mas na realidade, estamos envolto em uma rede muito espessa de regras de conduta... o desenvolvimento da vida de um homem através da atividade educadora... se desenvolve guiada por regras... Bobbio (2005, p. 22).

Ante as lições de Norberto Bobbio (2005) percebe-se que as normas também

têm uma finalidade educadora, que também é uma finalidade social do Estado.

Desta forma, quando o Estado edita normas de conduta no trânsito está buscando

educar os usuários da via para que através de um comportamento adequado na

utilização do espaço coletivo de trânsito e circulação evite as ocorrências de

acidentes.

O Estado realiza seu papel social e intervencionista no trânsito através das

normas regulamentadoras, da fiscalização e da implementação de políticas públicas

de segurança viária. Assim, regulamenta o uso das vias, realiza o policiamento

ostensivo e a fiscalização do cumprimento das normas, assim como, promove ações

visando proteger os Direitos Humanos relacionados ao fenômeno trânsito, como, por

exemplo, as campanhas de educação para o trânsito.

Resta provado que, os acidentes de trânsito afetam os direitos fundamentais

quando impedem a continuidade da vida, quer no seu aspecto existencial causando

óbito, quer no aspecto da dignidade da pessoa humana, ao retirar o cidadão do

convívio social, em razão das dificuldades de locomoção ou impondo-lhe uma vida

vegetativa, subtraindo-lhe a oportunidade de uma vida saudável e produtiva.

Page 53: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

51

Desta maneira, o Estado, sem impedir a liberdade de locomoção e a

crescente necessidade de deslocamento para as mais diversas atividades humanas,

intervém no exercício do direito fundamental de locomoção, exercendo o controle

social do trânsito através das normas gerais de circulação e conduta previstas no

CTB. Esse controle social realizado pelo Estado tem por finalidade evitar riscos

proibidos que coloque em perigo a vida humana.

2.3.1 Evolução histórica da atuação do Estado sobre o trânsito

Até o século XVII, a condução das pessoas nas cidades e para as cidades era

feita a pé, montado em animal ou através de carruagem. Com o período industrial

foram surgindo novos meios de locomoção; em 1839 surgiu a bicicleta, nos anos

que se seguiram veio a motocicleta, o trem, o carro, o ônibus (ARRUDA, 1996). Na

medida em que essas ditas melhorias iam sendo criadas, nasciam também,

problemas para a circulação, que envolvia esses meios de locomoção com eles

mesmos, e, entre eles e as pessoas que trafegavam a pé. Nesse sentido, Pires

(2008) faz o seguinte comentário:

A humanidade sempre teve necessidade de regulamentar os deslocamentos de pedestres e veículos. (...) com o crescimento das urbes e a construção das primeiras estradas, regras foram sendo estudadas e implantadas. Sempre se admitiu que, a semelhança da selva valeria as regras impostas pelo mais forte, secundada pela disposição de tirar ou levar vantagem tópica e momentânea. Assim, um homem a cavalo tinha prioridade sobre o pedestre, bem como um homem dirigindo uma carroça tinha prioridade sobre um homem a cavalo e, mais ainda, sobre o pedestre. Apesar disso, a sociedade sempre procurou defender os mais fracos, aplicando punições aos que desrespeitavam as regras (PIRES, 2008. P, 12).

A legislação referente ao trânsito no Brasil inicia-se esparsamente a partir de

1910, tendo como marco inicial o Decreto Federal nº 8.324 de 27 de outubro daquele

ano, o qual aprovou o Regulamento para o serviço subvencionado de transporte por

automóveis. Dentre os seus preceitos, determinava que os condutores, na época

chamados de motoneiros, se mantivessem constantemente senhores da velocidade

do veículo, devendo diminuir a marcha ou mesmo parar o movimento todas as vezes

que o automóvel pudesse ser causa de acidente.

Page 54: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

52

Em 24 de julho de 1928 o Decreto nº 18.323, aprovou o Regulamento para

circulação internacional de automóveis no território brasileiro. Atribuiu à União,

Estados ou Municípios a competência para fiscalizar, sinalizar e tomar as medidas

para garantir a segurança, na medida do domínio da estrada. Um dado curioso a

respeito desse Decreto é que ele permitia a qualquer pessoa, de notória idoneidade,

autenticar multas de infrações de trânsito e levá-las ao conhecimento de quem de

direito, cabendo a esta pessoa, metade do valor da multa arrecadada.

Em 28 de janeiro de 1941 foi criado o primeiro Código Nacional de Trânsito,

que surgiu através do Decreto-Lei nº 2.994, entretanto, teve curta duração, pois oito

meses depois foi revogado pelo Decreto-Lei 3.651, de 25 de setembro de 1941 que

deferia expressamente aos Estados a atribuição de regulamentar o trânsito de

veículos automotores, devendo, contudo, a legislação adaptar-se a Lei Nacional. Em

dezembro do mesmo ano, foram criados o Conselho Nacional de Trânsito –

CONTRAN e o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER.

Em 21 de setembro de 1966, através do Decreto-Lei nº 5.108 foi instituido o

segundo Código Nacional de Trânsito, estabelecendo que os Estados poderiam

adotar normas pertinentes as peculiaridades locais, complementares ou supletivas

da legislação federal. No ano de 1967 foi feita uma modificação no Código Nacional

de Trânsito e em seguida foi criado o Departamento Nacional de Trânsito –

DENATRAN.

De um modo geral, pode-se dizer que cabe à União legislar sobre os assuntos

nacionais de trânsito e transporte; ao Estado-membro compete regular e prover os

aspectos regionais e a circulação intermunicipal em seu território, e ao Município

cabe a ordenação do trânsito urbano, que é de seu interesse local previsto

constitucionalmente (CF, art. 30, I e V).

2.3.2 O código de trânsito vigente

Em vista da expansão do uso do veículo automotor, o Estado tem

demonstrado, desde as primeiras legislações de trânsito, a preocupação em conter a

acidentalidade no trânsito. O vigente CTB partiu dos estudos feitos por uma

comissão que se formou por determinação do Ministro da Justiça, em 1991, com a

finalidade de elaborar um anteprojeto para revisão do CTB de 1966.

Page 55: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

53

O que diferencia o CTB vigente dos outros que o antecederam, é o fato de não

apenas codificar posturas e penalidades, mas, também, de orientar as ações do

Sistema Nacional de Trânsito – SNT. Estruturalmente, contém 20 capítulos, 321

artigos e dois anexos, posteriormente foram acrescentados outros anexos que

modificaram a redação de determinados artigos.

Por ser um conjunto de normas codificadas para regulação unitária do direito

do trânsito, o CTB, têm como eixo principal, a segurança dos usuários; a qualidade

de gestão do trânsito e a relação entre os órgão públicos e a sociedade. Nesse eixo,

existem três pilares, conhecidos como os três Es, do inglês: Education (Educação),

Engineering (Engenharia), Enforcement (Fiscalização).

As diretrizes do pilar Education (Educação) leva em considerando que a culpa

pela causa dos acidentes de trânsito são muitas vezes atribuídas aos próprios

usuários da via quando praticam ações arriscadas no trânsito, tanto quando estão na

condição de condutor cujo desrespeito à sinalização e às normas de trânsito podem

resultar em acidentes, quanto na condição de pedestres pondo-se em risco de

atropelamento quando atravessam fora da faixa.

Desta maneira, através da educação para o trânsito, busca-se aumentar o

nível de educação e respeito ao próximo para que, nos momentos cruciais, onde há

maior incidência de acidentes, como: diante de vias preferenciais, aproximação dos

cruzamentos, vias de trânsito livre, ultrapassagens e aproximação de pedestres, o

usuário tenha consciência do perigo de modo a agir com atenção, quer na condição

de condutor ou pedestre, sem jamais subestimar o risco da atividade e nem supor

que os outros se cuidem.

A educação para o trânsito é um valioso instrumento para redução de

acidentes se estiver aliada com as soluçõs propostas pela engenharia de tráfego e a

intensificação da fiscalização. Por esta razão, dentre as várias funções do Sistema

Nacional de Trânsitoc – SNT, destaca-se a educação, com realização de

campanhas dirigidas à educação, à redução de acidentes, a observância da

sinalização, à diminuição da velocidade, além de outras, sempre envolvendo o

trânsito.

O segundo pilar Engineering (Engenharia), refere-se à engenharia de tráfego

que é a área do conhecimento que tem como funções: planejamento, projeto

geométrico e operação de tráfego em vias, suas redes, terminais e relações com

outros modos de transporte. Tem como objetivo assegurar o movimento seguro,

Page 56: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

54

eficiente e conveniente de pessoas e bens, trata de problemas que não dependem

apenas de fatores físicos, mas frequentemente incluem o comportamento humano

do motorista e do pedestre e suas inter-relações com a complexidade do ambiente.

As propostas de soluções para o trânsito, apresentadas pela engenharia de

tráfego, levam em consideração o intervalo de tempo entre o estímulo sofrido pelos

usuários da via e as reações correspondentes. Este intervalo de tempo considerado

é composto de quatro parcelas e conhecido como PIEV, do inglês: Perception

(percepção), Identification ou intellection (identificação), Emotion ou judgment

(decisão), Volition ou reaction (ação).

A percepção é um processo que se dá através dos sentidos, especialmente a

visão. É importante destacar que é a visão periférica a primeira a se perder com o

avanço da idade, particularmente a partir dos sessenta anos. A visão periférica não

permite distinguir formas, mas é sensível a movimentos e ao brilho. Por isso, a sua

obstrução diminui a capacidade do ser humano de avaliar a velocidade em que se

encontra e de manter a direção do movimento.

Lynch (1999) considera que o espaço e a paisagem urbana afetam as

pessoas, uma vez que esses mesmos espaços são percebidos, observados e

transitados por elas. No espaço urbano o motorista está exposto a vários estímulos:

i) estímulos do ambiente geral, como: o céu, as casas, as árvores; ii) os estímulos do

ambiente do trânsito, como por exemplo: o trânsito que está a sua frente, ao nosso

lado, atrás. Esses estímulos são transformados em impulsos nervosos que, por sua

vez, agem sobre as diversas partes do cérebro provocando a percepção.

A identificação é o reconhecimento do estímulo por parte do usuário que o

sofre. O processo de identificação é extremamente dependente da intimidade do

usuário com os estímulos a que ele está exposto. Assim, é fundamental a

padronização da sinalização, a adoção de soluções geométricas iguais para

problemas iguais, a minimização da interferência de quaisquer fontes externas aos

sistemas de tráfego etc.

A tomada de decisão por parte do usuário do sistema de tráfego raramente é

um processo racional. Dirigir um veículo é um processo em que o motorista está

submetido a um estado permanente de tensão. Frequentemente ele é chamado a

tomar decisões de complexidade próxima dos limites individuais a partir dos quais

erros podem ser cometidos, tais decisões são difíceis e a ponderação das

Page 57: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

55

alternativas possíveis consome um tempo tal que pode comprometer o tempo

necessário à concretização da ação.

Velocidades menores permitem maior margem de segurança para a tomada

de decisões. Por outro lado, o tempo necessário à tomada de decisão depende

também das condições individuais de motivação do motorista e das situações de

risco. Quando os estímulos são previsíveis e a viagem é monótona, o nível de

atenção do motorista cai, cedendo lugar ao que se pode chamar de

automonitoramento da atividade de dirigir, nestas circunstâncias, quando ocorre um

estímulo não previsível, o risco de acidentes é maior.

A ação é o intervalo de tempo que vai desde a tomada da decisão até o início

de sua execução por parte do usuário, é a implementação da ação decidida no

processo anterior. A reação de cada indivíduo é um processo que depende da sua

capacidade de coordenação motora. Por exemplo, o tempo entre o motorista tomar a

decisão de parar o veículo e o instante em que o pedal do freio é acionado.

O terceiro pilar Enforcement (Fiscalização) é o elemento catalisador de todas

as ações propostas. Faria e Braga (1999) consideram que todas as regras de

circulação, estacionamento e parada contidas no CTB devem ser fiscalizadas; no

entanto, para reduzir os atropelamentos, algumas merecem ser fiscalizadas com

mais intensidade: estacionamento sobre calçadas, avanço de sinais, excesso de

velocidade e consumo de bebida alcoólica.

Nesses termos, pode-se inferir que qualquer solução proposta para reduzir a

acidentalidade do trânsito deve ser pensada de maneira interdisciplinar. De forma

que, o resultado positivo da proposta de solução de Engenharia só terá resultado se

acompanhada da Educação e da Fiscalização, assim como, as campanhas de

Educação para o trânsito dependem da Fiscalização e da Engenharia para surtirem

resultado.

Desta maneira, o código de trânsito vigente define atribuições das diversas

autoridades e órgãos ligados ao trânsito, fornece diretrizes para a Engenharia de

tráfego e estabelece normas de conduta, infrações e penalidades para os diversos

usuários das vias de circulação. Logo no seu primeiro artigo define que o trânsito em

condições seguras é um direito de todos e um dever dos órgão que compõem o

SNT, que devem ter como prioridade de suas ações: a vida, a saúde e o meio

ambiente.

Page 58: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

56

Para Rizzardo (2003) o CTB representa um forte apelo à consciência da

responsabilidade dos condutores de veiculos, ao mesmo tempo em que trouxe

sanções implacáveis aos infratores, implantou uma nova filosofia no trato do trânsito,

considerando-o não apenas incubência, mas missão de luta em prol de uma grande

causa por todos os brasileiros – conter o crescente indice de acidentalidade no

trânsito.

O CTB guarda estreita vinculação com os preceitos estabelecidos na CF. No

entanto, a sua efetividade para redimir o trânsito brasileiro de ostentar níveis

estatísticos elevados de acidentes, de transgressão das normas de circulação e de

inobservância de cuidados básicos com a segurança pessoal e veicular depende do

comprometimento de todos.

2.3.3 Controle Administrativo e Judicial do trânsito

Na disposição dos assuntos contidos no CTB, percebe-se que o Estado

exerce o controle social do trânsito sob duas formas: administrativa e judicial. O

controle social de forma administrativa, é feito através dos órgão do SNT, esses

órgãos têm por finalidade o exercício das atividades de planejamento,

administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos,

formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação

do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e

aplicação de penalidades. Compõem o SNT os seguintes órgãos e entidades:

• Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN;

• Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN;

• Departamento de Trânsito dos Estados e do Distrito Federal – DETRAN;

• Conselho de Trânsito – Estados/Distrito Federal;

• Polícia Rodoviária Federal – PRF;

• Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte – DNIT;

• Junta Administrativa de Recursos de Infração – JARI;

• Órgãos Municipais;

• Polícia Militar;

• Departamento de Estradas e Rodagens – DER.

Page 59: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

57

A Composição do SNT revela a indicação de todos os órgãos que exercem

controle sobre o trânsito, a começar com o de maior importância, até aqueles que

se encarregam de setores particularizados. São órgãos administrativos, instituídos

para a aplicação do CTN, o que se realiza através de Resoluções, Circulares e,

inclusive, de ofícios circulares.

O CONTRAN é órgão máximo normativo e consultivo. Coordena o Sistema

objetivando a integração de suas atividades. Expede normas e determinações,

dirigidas geralmente a outros órgãos, aos quais competem atividades executórias.

Todas as resoluções, portarias e circulares que o CONTRAN emite têm força de lei

(art. 12 do CTB), obrigando não apenas as partes diretamente atingidas, mas a

sociedade em geral.

O DENATRAN é órgão máximo executivo do trânsito. Tem a função de

administrar e colocar em prática a legislação em todo o território nacional. É o órgão

executor da política nacional do trânsito e das decisões do CONTRAN. Através das

atribuições conferidas ao DENATRAN, a União conduz e orienta políticas públicas

de promoção de direitos humanos e da cidadania, por meio da pacificação e do

combate à violência do trânsito.

DETRAN é o órgão Estadual executivo do trânsito. Além das competências

elencadas no CTB (art. 22) o DETRAN tem competência para gerenciar ações que

possibilitem um trânsito seguro, direcionando suas atividades ao desenvolvimento

de trabalhos de alta relevância e qualificação, visando, primordialmente, à

segurança, defesa da vida, preservação da saúde, do meio-ambiente e cidadania,

oferecendo a sociedade o controle do registro de veículos e de habilitação de

condutores, fiscalização e a educação de trânsito.

Nos termos do CTB, compete aos órgãos executivos de trânsito municipais:

planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de

animais, bem como promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de

ciclistas. Além de ter competência para, implementar, manter e operar o sistema de

sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário, coletar dados

estatísticos e elaborar estudos sobre acidentes de trânsito e suas causas, executar

a fiscalização do trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis por

infração de circulação, estacionamento e parada, dentre outras funções.

Com tantos meios de transportes e pedestres utilizando o mesmo espaço de

circulação, o acidente de trânsito passa a ser um risco da atividade de mobilidade

Page 60: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

58

urbana. O esforço das autoridades é manter este risco em níveis aceitável e

diminuir a gravidade das lesões capazes de oferecer risco à vida das vítimas ou

resultem em sequelas incapacitantes.

Os artigos do CTB traduzem um dever geral de atenção que o condutor deve

ter na direção de veículo automotor (art. 28), em nome da segurança do trânsito e da

proteção da integridade física das pessoas, estabelece normas de cuidado a que se

submeterão todos os usuários das vias terrestres (arts. 26 a 55), sob pena de, com a

violação, criarem-se riscos proibidos, que, quando violados podem resultar no

cometimento de crimes culposos, como no caso de lesão corporal (art. 303).

Na visão do legislador as vias terrestres são locais de convivência de veículos

e pedestres, que mesmo tendo interesses diferentes não estão ali com a finalidade

de praticar delito, e quando acontecem é em razão da efetiva inobservância dos

deveres de cautela previstos no CTB. Razão pela qual, justifica a tipificação na

forma culposa.

Na ocorrência de crime de trânsito o controle social do Estado é feito através

de procedimento judicial. Dependendo da natureza e resultado do delito o caso pode

ser de competência do Juizado Especial ou do Tribunal de Justiça. Os Juizados

Especiais Criminais – JEC estaduais são órgãos do Poder Judiciário, criados com o

intuito de agilizar os procedimentos penais de sua competência, à luz dos princípios

da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre

que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não

privativa de liberdade (Lei n.º 9.099/95).

A finalidade dos JECs é a resolução das infrações de menor potencial

ofensivo, principalmente pela via conciliatória e pela aplicação de penas restritivas

de direitos ou de multa. A Lei prevê que a condenação privativa de liberdade inferior

a 04 (quatro) anos de prisão, pode ser convertida em pena restritiva de direitos.

Hipótese na qual está enquadrada a lesão corporal culposa quando praticada na

direção de veículo automotor cuja pena prevista é de detenção, de seis meses a

dois anos, podendo chegar ao tempo máximo de três anos nos casos de agravantes

legalmente previstos (art. 303 do CTB).

No JEC o Ministério Público, independente da vontade da vítima, pode

apresentar uma proposta de aplicação imediata de multa ou pena restritiva de

direitos, ao invés de prosseguir o processo para que seja aplicada a pena prevista

Page 61: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

59

no delito, uma vez que um dos objetivos primordiais da Lei nº 9.099/95 é evitar a

aplicação de pena privativa de liberdade.

Ao invés de ficar encarcerado, o condenado paga por seu crime efetuando

doação de bens ou dinheiro, através da prestação de serviços gratuitos à

comunidade ou outra pena restritiva de direitos. Esta possibilidade de resolver

através da apresentação de uma proposta alternativa de pena, somente poderá ser

concretizada desde que observadas algumas condições pré-estabelecidas na lei,

tais como, o infrator não ter praticado crime com violência ou grave ameaça contra a

pessoa, nem ser reincidente (art. 43 do CP).

Em conformidade com Código Penal (art. 43) as penas restritivas de direito

que podem ser cumpridas como formas alternativas, são: prestação pecuniária,

perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades

públicas, interdição temporária de direitos e, limitação de fim de semana.

Na execução alternativa, o apenado é chamado de beneficiário – que, como o

próprio nome diz, é aquele que recebeu ou usufrui benefício ou vantagem. A ideia é

exatamente essa. O beneficiário recebe a alternativa de cumprir a sua pena sem que

seja recolhido a um estabelecimento prisional. Em certos casos acontecem reuniões

mensais, com lições de cidadania e palestras de profissionais de diversas áreas, no

sentido de despertar a consciência do erro e se eliminar a possibilidade de

novamente infringir a lei.

Considera-se que as penas e medidas alternativas ofereçam vantagens para:

o poder judiciário; as instituições que acolhem os beneficiários; para o próprio

beneficiário desta modalidade de cumprimento de pena e, para a sociedade.

Para o poder judiciário:

• Desafogam as vias tradicionais já esgotadas;

• Torna-se um agente punitivo mais justo e eficaz, visando ao fim da

impunidade para delitos de pequeno e médio potencial ofensivo;

• Desenvolve o seu papel de agente social;

• Tem baixo custo de execução.

Page 62: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

60

Para a Instituição:

• Torna-se parceira do Poder Judiciário;

• É valorizada como agente de responsabilidade social;

• Recebe colaboradores, sem ônus.

Para o Beneficiário:

• Promove a sua ressocialização, resgatando a sua cidadania através de

seu trabalho e habilidades, mostra-se útil à sociedade;

• Não fica preso, permanecendo no meio social e familiar, não abandona

suas responsabilidades, bem como seu emprego, contribuindo para a

redução do índice populacional nos presídios do Estado;

• Tem a possibilidade de contratação pela instituição, ao final do tempo de

cumprimento (na modalidade prestação de serviço).

Para a Sociedade:

• Conquistas sociais resultantes do conjunto de ações que envolvem os

diversos segmentos da sociedade;

• Tem um indivíduo reinserido, livre do isolamento que estimula a

marginalização;

• Possibilita o indivíduo refletir sobre sua conduta e alterar sua visão de

mundo e valores que norteiam seu agir na sociedade;

É importante saber que o CTB, quando define os delitos, apresenta algumas

situações em que a pena alternativa aparece não em caráter substitutivo, mas

cumulativo com a privativa de liberdade. É o caso da lesão corporal culposa, onde

se tem além da pena privativa, que pode ser de detenção de seis meses a dois

anos, a pena restritiva de direito na modalidade de suspensão ou proibição de obter

a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor (art. 303).

As medidas alternativas de cumprimento de penas são consideradas uma

forma de garantir a reinserção social do condenado, humanizando o cumprimento da

pena e atribuindo a ela uma finalidade social. A meta prioritária é a ressocialização

Page 63: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

61

daqueles que transgrediram as regras sociais, mas não representam um perigo para

a sociedade, e, por isso podem ser beneficiados com a conversão da pena aplicada.

Em Belém, a execução das penas alternativas é cumprida na Vara de Execução de

Penas e Medidas Alternativas – VEPMA.

Diferente dos Juizados Especiais, o Tribunal de Justiça do Estado julga os

casos de maior complexidade, com penas previstas superiores a dois anos, e que

atentaram contra a vida, por exemplo, o homicídio culposo no trânsito, em que a

conduta do causador do sinistro pode determinar que este desejou o resultado lesivo

ou assumiu o risco de produzi-lo, conduta tipificada como dolo eventual. Nesses

casos, a autoridade policial procederá ao inquérito para apurar as causas, a autoria

e a materialidade do delito.

Existem crimes de ação penal pública e crimes de ação penal privada. Se a

tipificação indicar que o crime é de ação penal pública o resultado do inquérito será

enviado para o Ministério Público que decidirá sobre a acusação ou arquivamento do

inquérito, conforme a suficiência ou não das provas obtidas. A esse respeito Bonfim

(2007) ensina:

Cabe exclusivamente ao Ministério Público o exercício da ação penal pública, por meio do oferecimento de denuncia, devendo, também, atuar durante todo o curso do processo até a sentença final, desenvolvendo a acusação, velando pela legalidade do procedimento e interpondo os recursos cabíveis. (BONFIM, 2007.p, 41).

No entanto, se o crime for de ação penal privada, cabe ao ofendido, ou quem

a ele represente demonstrar o interesse de ver processado e julgado o culpado pelo

crime de trânsito. Iniciando a ação penal por meio da queixa-crime que deverá ser

oferecida por advogado. Nesse caso, o Ministério Público atuará durante todo o

processo, velando pela legalidade.

Após a queixa-crime o processo é entregue ao Tribunal para julgamento.

Nessa fase, cabe ao Ministério Público sustentar a acusação em juízo e fiscalizar a

legalidade do respectivo procedimento. O Tribunal indica com a maior brevidade a

data, hora e local para a audiência e notifica do despacho da audiência: o Ministério

Público, o acusado e/ou seu advogado.

A audiência é una, ou seja, o ato processual é único, porém divide-se em três

fases – conhecimento, instrução e julgamento. A fase de instrução de uma audiência

Page 64: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

62

corresponde ao momento destinado à apresentação das provas. A fase seguinte

corresponde ao julgamento, culminando com a sentença.

Conceitualmente, sentença é a decisão judicial que põe fim ao processo. É a

resposta do Estado-Juiz decidindo o destino do acusado, inocentando ou

condenando. Há um princípio no direito penal que diz que não é o tamanho da pena

que inibe a criminalidade, o que inibe é a certeza da punição. Delmanto (2010)

considera a pena como instrumento excepcional e subsidiário de controle social,

visando proteger bens considerados essenciais à vida harmônica em sociedade.

Há de se considerar que, via de regra, a lesão corporal culposa prevista no

CTB (art. 303) é infração penal de menor potencial ofensivo, cabendo perfeitamente

a adoção de penas alternativas. No entanto, o próprio CTB (art. 291) diz que,

existem circunstâncias capazes de mudar o conceito de menor potencial ofensivo e

transformar em crime de ação penal pública, quando o crime for praticado nas

seguintes circunstâncias:

• Sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que

determine dependência;

• Participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição

automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de

veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente;

• Transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50

km/h (cinquenta quilômetros por hora).

O consumo do álcool ou outras substâncias análogas potencializam a

gravidade dos acidentes. Diversas pesquisas mostram que o álcool é um forte

depressor do Sistema Nervoso Central. Quem bebe e pega o volante tem os reflexos

prejudicados, se acha mais corajoso, porém, reage de forma lenta e perde a noção

de distância. Dados estatísticos da Policia Rodoviária Federal, apontam que o

consumo de bebidas alcoólicas é uma das principais causas de acidentes

automobilísticos no País.

Razão determinante para aprovação da Lei 12.760/12, conhecida como lei

seca, cujo objetivo é diminuir os acidentes de trânsito causados por motoristas

Page 65: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

63

embriagados. Com esta lei o Brasil passou a ser um dos 12 países do mundo com

mais rigor quando se trata da associação álcool e volante, segundo pesquisa

publicada pela International Center for Alcohol Policies – EUA. Os outros 11 países

são: Armênia, Azerbaijão, Colômbia, Croácia, República Tcheca, Etiópia, Hungria,

Nepal, Panamá, Romênia e Eslováquia.

Portanto, o Estado exerce o controle social sobre o trânsito, limitando

liberdades com o intuito de preservar o bem maior, que é a vida. Dita normas de

conduta no trânsito para que todos passam usufruir o direito de liberdade de

circulação no território nacional, de tal forma que o exercício desse direito não

ofenda outros direitos, nem a integridade física dos usuários das vias.

Page 66: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

64

3 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo são apresentados os fundamentos metodológicos que

nortearam o processo de elaboração da pesquisa, incluindo, o tipo de pesquisa, os

procedimentos metodológicos e o método de análise. Oliva (2012) considera que a

investigação descortina uma realidade e traz muitos desafios, questionamentos e

perplexidade. Assim sendo, é necessário a realização de um planejamento

metodológico para conduzir os rumos da investigação.

3.1 O tipo de pesquisa

O estudo em foco é resultado de uma pesquisa exploratória com abordagem

crítico-dialética, em razão de ter possibilitado a definição de objetivos, aproximação

do objeto de análise e permitir que as compreensões do fenômeno obtidas através

das discussões teóricas sofressem intervenção crítica na realidade observada

possibilitando maior compreensão sobre o objeto de estudo.

De acordo com Cervo e Bervian (1996), os estudos exploratórios são

utilizados quando se deseja definir objetivos na busca de maiores informações sobre

um determinado assunto, possibilitando uma maior familiarização com um

determinado fenômeno, bem como a obtenção de uma nova percepção, além de

realizar descrições precisas da situação e das relações existentes entre seus

elementos.

A razão de realizar um estudo exploratório reside no fato de existir carência

de material de pesquisas com temática que trata dos impactos que os acidentes de

trânsito causam na vida dos vitimados e a resistência dos próprios entrevistados em

reviver, através dos relatos a tragédia sofrida. Desta maneira, a pesquisa

exploratória possibilitou aproximação com o objeto de análise permitindo conhecer

aspectos objetivos, subjetivos e ideológicos que interferem, pela dificuldade de

serem mensurados, mas que, precisam ser evidenciados porque trazem

consequências para vida pessoal, profissional e familiar da vítima.

Por seu turno, a abordagem crítico-dialética, traz em seu bojo, segundo Oliva

(2003, p. 16) “não apenas a compreensão do fenômeno que interfere em

determinada realidade, mas, primordialmente, a possibilidade de intervenção crítica

na realidade posta”. Na visão de Gamboa (1992, p.97):

Page 67: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

65

As pesquisas crítico-dialética questionam fundamentalmente a visão estática da realidade (...) uma postura marcadamente crítica, expressa a pretensão de desvendar, mais que o conflito das interpretações, o conflito dos interesses. Essas pesquisas manifestam um interesse transformador das situações e fenômenos estudados, resgatando sua dimensão sempre histórica e desvendando suas possibilidades de mudanças.

O que justifica a utilização da pesquisa crítico-dialética, nesta dissertação é a

possibilidade de intervir criticamente na realidade observada em campo levando em

consideração as discussões presentes nas categorias de análises para se propor

possibilidades de mudanças. Desta maneira, o resultado desta pesquisa sobre os

impactos que os acidentes causam na vida dos vitimados face ao referencial teórico

adotado permite que sejam apresentadas sugestões importantes para a construção

e materialização de políticas públicas sobre a temática em questão.

3.2 Procedimentos metodológicos

Por se tratar de pesquisa com seres humanos foi necessário certificado ético,

o qual foi emitido pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Amazônia –

UNAMA. Após aprovação do projeto de pesquisa, conforme protocolo n°

0757.1512.2.00005173, foi iniciada a pesquisa de campo realizada nos meses de

outubro, novembro e dezembro de 2012, considerando o lapso temporal de 2007,

2008 e 2009.

A pesquisa investigou os impactos da lesão corporal provocada por acidente

de trânsito na vida dos vitimados, buscando saber a maneira que o Estado realiza o

controle social da questão. Haja vista que, a lesão corporal culposa é considerada

crime de trânsito, enquadrando-se no conceito de crime de menor potencial

ofensivo, fato que possibilita o benefício de penas alternativas.

O local escolhido para a realização da pesquisa foi a Vara de Execuções de

Penas e Medidas Alternativas – VEPMA, sendo necessária Autorização para

Realização de Pesquisa, a qual foi emitida pelo Juiz titular da Vara, em 28 de agosto

de 2012. O que motivou a escolha desse espaço jurídico-social foi a sua

competência, na região metropolitana de Belém/PA para aplicar, fiscalizar e

controlar o cumprimento das penas e medidas alternativas, o que demonstra o

controle social do Estado. E, também, a possibilidade de capturar o fenômeno

estudado num estágio posterior ao acidente onde subsistem as sequelas.

Page 68: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

66

De posse do Certificado Ético emitido pelo CEP da Unama e da Autorização

para Pesquisa emitida pela VEPMA, foi iniciada a fase exploratória da pesquisa

através da análise documental realizada em 112 processos, com o intuito de

perceber algumas especificidades e, a partir disso, ter a possibilidade de construir

procedimentos para a investigação e definir os rumos teóricos adotado pela

pesquisa. A respeito da análise documental Oliva (2012, p.133) considera que:

Esta técnica permite, além da captura dos discursos, a caracterização dos atendidos, ultrapassando a dimensão usual e oficial do sexo, idade, bairro. Com esta compreensão (...) pode-se construir outros indicadores, que possam retratar os escaninhos do fenômeno.

Os sujeitos dessa pesquisa são os vitimados em acidentes de trânsito,

identificados através da pesquisa exploratória realizada em 112 processos

correspondentes aos anos de 2007, 2008 e 2009. Desta maneira, a amostragem

caracterizada como não probabilística envolveu 112 casos. Marconi (1999)

considera que esse tipo de amostragem seleciona um subgrupo de população, que à

luz de informações disponíveis passa a ser considerado como representativo de

toda população. Os dados da pesquisa foram coletados utilizando-se como

instrumentos a análise documental e a entrevista semi-estruturada.

A análise documental realizadas nos processos que se encontram na

secretaria da VEPMA possibilitou a localização e contato dos sujeitos da pesquisa,

assim como, à obtenção de dados socioeconômicos do vitimado e das

circunstancias do acidente. De posse dos endereços e telefones iniciou-se os

primeiros contatos esclarecendo sobre os objetivos da pesquisa. Após os

esclarecimentos obteve-se a autorização, conforme assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Resolução CNS 196/96) para que as

entrevistas fossem realizadas nas residências dos participantes da pesquisa.

O roteiro da entrevista semi-estruturada (apêndice A) centra-se no próprio

acidente de trânsito e nos impactos suportados pelo vitimado e seus familiares, com

a finalidade de se obter a essência do fenômeno. Temas relacionados com as

causas do acidente, o motivo do deslocamento, a maneira como o acidente afetou a

família, de que forma interferiu na vida pessoal e profissional, fazem parte da

entrevista. Essas entrevistas foram gravadas e, posteriormente transcritas. Trivinos

(1987, p.146) Considera a entrevista semi-estruturada como sendo:

Page 69: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

67

Aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam a pesquisa e que, em seguida oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas dos informantes. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa.

Concluída a fase exploratória da pesquisa todo material coletado foi

sistematizado e submetido a uma pré-análise para sistematização das idéias iniciais

de forma a possibilitar a análise e consequente interpretação conforme o método

Análise de Conteúdo proposto por Bardin (2009) culminado com a conclusão do

estudo.

O período de aplicação dos instrumentos de pesquisa foi de 10 de outubro de

2012 a 20 de janeiro de 2013, no período matutino ou vespertino, conforme

disponibilidade do participante. O critério de inclusão na pesquisa foi: ter sido vitima ou

familiar de vítima de lesão corporal causada por acidente de trânsito, independente de que

pólo esteve no momento do sinistro, se autor ou vítima; e, ser maior de 18 anos. Como

critério de exclusão, ser menor de 18 anos; mesmo sendo vítima de acidente de trânsito não

ter sofrido lesão corporal.

Do universo dos 112 processos analisados, de lesão corporal culposa,

tipificada como crime de trânsito, que transitou na VEPMA de 2007 a 2009, foram

realizadas 79 entrevistas, sendo 2 ou 3 entrevistas por dia, entre 10 a 20 minutos

cada gravação, as quais eram imediatamente transcritas.

Com relação aos benefícios, acredita-se que o desenvolvimento da pesquisa

poderá gerar benefícios importantes para o conhecimento teórico-prático da

segurança viária, além de estimular novos estudos científicos relacionados com o

tema. Esse conhecimento trará considerável contribuição para a implantação de

políticas públicas para: segurança viária; saúde pública; e, também, de inclusão

social para portadores de deficiência adquirida.

O segundo momento da pesquisa corresponde à abordagem crítico-dialética

quando, já definidos os rumos das categorias de análise e, compreendido o

fenômeno no seu aspecto conceitual, houve a intervenção crítica discutindo os

achados da pesquisa de campo confrontado com os fundamentados da teoria, essa

maneira possibilitou apresentar sugestões de medidas para subsidiar a tomada de

decisões relacionadas com a segurança viária.

Page 70: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

68

3.3 O método de análise

Appolinário (2006) diz que há diferentes métodos de analisar dados em

pesquisas qualitativas, porém, o método análise de conteúdo proposta por Bardin

(2009) é o método mais tradicionalmente utilizado nesse tipo de pesquisa. Esse

método busca uma interpretação teórica do material textual produzido pelas

entrevistas utilizando-se de várias técnicas, sendo a temática e categorial a mais

utilizada.

O método análise de conteúdo é considerado uma técnica híbrida por fazer a

ponte entre o formalismo estatístico e a análise qualitativa de materiais, cuja

finalidade é identificar nos dados coletados o que está sendo dito a respeito do tema

pesquisado. Bardin (2009) define a análise de conteúdo como sendo um conjunto de

técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e

objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. A esse respeito Lozano citado

por Fonseca Jr, disse:

A análise de conteúdo é sistemática porque se baseia num conjunto de procedimentos que se aplicam da mesma forma a todo conteúdo analisável. É também confiável – ou objetivo – porque permite que diferentes pessoas, aplicando em separado as mesmas categorias à mesma amostra de mensagens, podem chegar às mesmas conclusões (Lozano, 1994 apud Fonseca Jr, 2005. p.286).

Na visão de Krippendorf (1990), o método de análise de conteúdo tem

metodologia própria, que permite ao investigador programar, comunicar e avaliar

criticamente um projeto de pesquisa com independência de resultados, pelo fato de

possuir uma orientação fundamentalmente empírica, exploratória, vinculada a

fenômenos reais e de finalidade preditiva; transcende as noções normais de

conteúdo, envolvendo as idéias de mensagem, canal, comunicação e sistemas.

A técnica constitui-se em três fases: a) pré-análise, com a qual objetiva-se

obter a sistematização das idéias iniciais; b) exploração, utilizada para definir as

categorias e unidades de registro e; c) tratamento de resultados com inferências e

interpretações, esse é o momento mais fértil da análise de conteúdo, estando

centrado nos aspectos implícitos da mensagem analisada. Nessa fase acontece a

sistematização e a evidência das informações para análise, que deve ocorrer de

maneira reflexiva e crítica.

Page 71: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

69

Dentre as técnicas utilizadas em análise de conteúdo optou-se pela análise

categorial. Nessa técnica há o desmembramento do texto em unidades, em

categorias segundo grupamentos analógicos. Dentre as várias possibilidades de

categorização, encontra-se a análise temática, bastante rápida e eficaz. Desta

forma, para esta pesquisa o tema é o acidente de trânsito e a categoria refere-se ao

impacto suportado pela vítima em sua vida pessoal, profissional e familiar.

Em conformidade com os ensinamentos de Fonseca Jr (2005), para uma

análise temática e categorial foi realizado os seguintes procedimentos:

• Definição do material: as entrevistas ou partes delas que tenham relação e

sejam especialmente relevantes para a solução do problema de pesquisa,

destacando e numerando cada fala do(s) sujeito(s). Cada uma dessas falas

recebe a designação de unidade de registro;

• As unidades de registro devem ser analisadas e classificadas de acordo com

o seu conteúdo. Procede-se, então, a uma avaliação da situação de coleta de

dados – incluindo-se, aí, as informações acerca de como o material foi obtido,

quem participou da coleta, como foi realizado o registro do material, etc.;

• A terceira etapa do processo consiste na categorização das unidades de

registros, de acordo com uma análise semântica;

• Mapeando-se as inter-relações entre as diversas categorias, podem ser

obtidos esquemas que revelam a articulação que servirá de base à

interpretação teórica do material;

• Finalmente, procede-se à interpretação dos esquemas, comparando-os com o

referencial teórico desejado ou mesmo produzindo uma nova teoria a partir

dos esquemas obtidos. Tendo em vista o problema de pesquisa e o

referencial teórico adotado.

Page 72: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

70

Desta maneira, a interpretação aconteceu após o processo de redução do

material original em categorias claramente visíveis, de forma a desvendar seu

significado por meio da interpretação e da comparação dos resultados com outras

pesquisas e referencial teórico. Em razão da sua versatilidade este método é

utilizado nos diversos campos do conhecimento, como a psicologia, antropologia, e

comunicação, dentre outros, mostrando-se perfeitamente cabível para esta

pesquisa.

Page 73: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

71

4 OS IMPACTOS DOS ACIDENTES NA VIDA DOS VITIMADOS: AN ÁLISE DAS

DIMENSÕES QUANTITATIVA E QUALITATIVA

Neste Capítulo, utilizando-se a dimensão quantitativa e qualitativa, é realizada

a análise dos dados de maneira temática e categorial, através do método de Análise

de Conteúdo proposto por Bardin (2009). Inicialmente houve a transcrição das

entrevistas e a realização de várias leituras com a finalidade de perceber os temas

que são considerados eixos do discurso.

Após destacar esses temas, o próximo passo foi formar categorias claramente

visíveis de maneira que possibilitasse desvendar seu significado por meio da análise

interpretativa, desta maneira, busca-se capturar os impactos suportados pelas

vitimas em sua vida pessoal, profissional e familiar, desvendando o que há além dos

danos visíveis causado pelo fenômeno. Os dados foram sistematizados e

transformados em gráficos para demonstrar a incidência do que foi coletado, de

modo a facilitar a visualização e a análise.

4.1 DEMONSTRATIVOS DA PESQUISA

O Gráfico 6 trata do desenho da amostra no universo de 112 casos de lesão

corporal culposa tipificada como crime de trânsito, cujo processo de execução

transitou na VEPMA de 2007 a 2009, os quais foram utilizados na pesquisa dessa

dissertação, e apresenta percentual de exclusão, recusa e não-localização de

vitimados.

Gráfico 6 - Demonstrativo geral da pesquisa.

Amostra - 79

Não localizados - 11

Recusaram - 17

Excluídos - 5

Fonte: autor da pesquisa.

Page 74: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

72

Do universo de 112 casos indicados através dos processos consultados,

apenas 79 vitimados aceitaram participar e demonstraram bastante interesse na

pesquisa e na sua efetivação. Aqueles que se recusaram participar da pesquisa,

usaram como justificativa: a desconfiança dos motivos desse estudo; o incômodo

que as lembranças do sinistro ainda causam; e, o resultado do processo que deixou

uma sensação de impunidade pelo fato dos culpados não irem para a cadeia.

Ultrapassado essa barreira a pesquisa prosseguiu sem mais entraves.

Desta maneira, os dados que serviram de base para a elaboração dos

gráficos foram coletados através das entrevistas semi-estruturada realizadas com 79

vitimados. Os dados socioeconômicos e determinadas informações foram retiradas

da análise documental realizada nos112 processos consultados, que se encontram

na secretaria da VEPMA.

.

4.2 Dados Socioeconômicos

O Gráfico 7 revela que na amostra há predominância do sexo masculino no

envolvimento em acidentes. Enquanto que, o Gráfico 8 evidencia a faixa etária com

maior incidência de acidentes.

Gráfico 7 – Por gênero.

Fonte: autor da pesquisa.

Masculino - 52

Feminino - 27

Page 75: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

73

Gráfico 8 – Por Faixa etária.

Fonte: autor da pesquisa.

A amostra pesquisada acompanha a tendência mundial com relação ao maior

envolvimento dos homens em acidentes de trânsito. Porém, mostra-se diferente com

relação à faixa etária. Pesquisa de âmbito mundial considera que a maioria dos

acidentes de trânsito envolve jovens na faixa etária até os 24 anos (OMS, 2007),

enquanto que, a amostra analisada revela maior envolvimento na faixa etária dos 30

a 59 anos. Esta faixa etária representa importante parcela da força de trabalho e

afeta quase todo horizonte produtivo presumido que vai dos 20 anos até a idade de

64 anos.

O Gráfico 9 está relacionado com a escolaridade dos vitimados revelando

através de seus números a educação formal dos envolvidos em acidentes de

trânsito no período pesquisado.

Gráfico 9 – Por Escolaridade

Fonte: autor da pesquisa.

18 a 29 anos - 21

30 a 59 anos - 52

60 anos ou mais - 6

Médio completo - 25

Médio incompleto - 35

Superior incompleto - 1

Analfabeto - 1

Fundamental incompleto - 9

Fundamental completo - 8

Page 76: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

74

A pesquisa mostrou que a grande maioria das vítimas de acidentes de trânsito

não avançou nos estudos além do ensino médio incompleto. Esse fato é

preocupante quando se considera que as condições gerais do mercado de trabalho

somadas com a qualificação profissional do trabalhador constituem fatores que

repercutem na empregabilidade e na renda do indivíduo.

O pouco estudo do trabalhador cria situações de desemprego ou

subemprego, nessas condições o indivíduo raramente contribui para o INSS ficando

afastado do benefício previdenciário no caso de enfermidade ou acidente. Esse fato

constitui-se numa ameaça à sobrevivência da família quando o principal

mantenedor, que não tem vínculo empregatício, for vítima de acidente e por força

das circunstâncias ter que parar de trabalhar.

Foram 40 dias internados e mais seis meses me recuperando. Como trabalho por conta própria as coisas ficaram difíceis, não tinha INSS então passei a depender de favores da minha família. (P.A.44 anos, masc.)

O Gráfico 10 está relacionado com a renda familiar, nele é possível observar

a condição econômica do vitimado. Há predomínio de ganhos maior que um salário

mínimo até dois salários.

Gráfico 10 – Por Renda.

Fonte: Autor da pesquisa.

Sem renda - 23

Mais de 7 até 10 salários - 1

Mais de 2 até 4 salários - 3

Mais de 1 até 2 salário - 46

Até 1 salário mínimo - 6

58%

Page 77: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

75

Com relação à renda a pesquisa revelou que a maioria das vítimas tem renda

de um a dois salários mínimos, mostrando que existe predominância de vítimas

pertencentes à classe econômica D (FGV, 2012). Através dessa informação pode-

se inferir que, a melhora nas condições econômicas possibilita maior número de

viagens e por consequência maior exposição ao risco de envolvimento em acidentes

de trânsito.

A evolução da economia, a valorização da moeda, a redução do Imposto

sobre Produtos Industrializados - IPI e as facilidades de crédito são apontadas como

facilitadores para aquisição de um meio de transporte individual por parte daqueles

que, por razões econômicas estavam excluídos dessa possibilidade. Hoje, até

mesmo quem ganha um salário mínimo, após análise de crédito, pode financiar a

aquisição de uma motocicleta. No entanto, se por um lado a conjuntura econômica

possibilita a aquisição de um modo de transporte motorizado individual, por outro se

percebe o esgotamento da malha viária, resultando em engarrafamentos e

acidentes.

Através do Gráfico 11 pode-se ter uma visão sobre o motivo do deslocamento

quando ocorreu o acidente de trânsito. A complexidade das atividades

desenvolvidas no meio urbano gera variedades de motivos de deslocamentos, para

efeito desta pesquisa foi considerado os deslocamentos por motivo de: estudo,

trabalho, lazer e consumo de bens e serviços.

Gráfico 11 – Motivo do deslocamento.

Fonte: Autor da pesquisa.

Com relação ao motivo do deslocamento quando ocorreu o acidente a

pesquisa revelou que as vítimas se deslocavam para variados destinos com a

finalidade de trabalho, lazer, consumo de bens e serviços e estudo. Esses dados

revelam que devido a dimensão do espaço urbano e a complexidade das atividades

Trabalho - 27 Estudo - 12

Lazer - 24

Consumo de bens e Serviços - 16

Page 78: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

76

há uma crescente necessidade de deslocamentos para diversas atividades

imprescindíveis na vida urbana.

Minha filha voltava da escola, vinha pela calçada. Mas tinha um contêiner, esses de pegar entulho de construção, bem no meio da calçada. Ela foi desviar pela pista quando veio o carro e bateu nela. Não gosto de ficar lembrando porque dói muito. Só Deus na nossa vida para dar força. Como a gente tem fé em Deus à gente supera. (A.M.L. mãe da vítima. P.M.L. 18 anos). Quando aconteceu o acidente eu tava fazendo uma corrida. O passageiro e eu ficamos todo ferido. Hoje quando vejo carro me fechando fico apreensivo, tenho medo de me quebrar de novo. (J.P. 24 anos. Masc) Estava voltando de Mosqueiro (praia). Como tinha bebido um pouco dei o carro para meu cunhado trazer. Fico com raiva só de lembrar que deixei outra pessoa dirigir o meu carro. Agora, veja só, sou autônomo e tenho que correr atrás do pão de cada dia. O carro ficou quebrado. E eu todo endividado, mas já passou (R.F.48 anos. masc.). Eu estava indo pro supermercado na minha bicicleta quando um cara de moto me bateu. Tive fratura exposta do meu pé, e por causa disso passei quase 15 dias internada. Imagina como é difícil para uma dona de casa com filho pequeno ficar todo esse tempo no hospital (N.C. 26 anos. FEM).

A análise desses dados mostra que os impactos do acidente de trânsito,

também afeta a sociedade, pois, o impedimento de locomover-se livremente pela

cidade, em virtude das lesões provocadas pelo acidente, resulta em perdas

econômicas por causa da perda de produção decorrente da interrupção das

atividades produtivas por parte do acidentado, que, por via de consequência, afeta o

próprio vitimado, sua família, o comércio e a sociedade como um todo.

4.3 Dados sobre o acidente

O Gráfico 12 mostra o modo de transporte que se envolveram em acidentes

na amostra pesquisada. O automóvel está envolvido na maioria dos acidentes.

Porém, a motocicleta apresenta uma incidência bastante expressiva no percentual

dos acidentes sistematizados. Logo em seguida estão as bicicletas, os ônibus, os

caminhões e num percentual quase inexistente as Vans.

Page 79: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

77

Gráfico 12 – Tipo de veículo envolvido no acidente.

Fonte: Autor da pesquisa.

O automóvel é o tipo de veículo que mais se envolveu em acidente, porém, as

estatísticas mostram que os acidentes envolvendo motocicleta estão em crescente

evolução. Já foi mencionado anteriormente que a atual conjuntura econômica

possibilita a aquisição de motocicletas. Aliado ao crescente número desse tipo de

veículos nas vias está o desrespeito às leis de trânsito, por parte dos condutores de

moto, em destaque menciona-se o não uso do capacete e a velocidade excessiva,

fatores que contribuem para a gravidade do sinistro.

O Gráfico 13 demonstra as circunstâncias do tempo e iluminação quando

ocorreu o acidente. Verifica-se que o período da noite foi o que mais produziu

acidentes, em comparação com o período do dia. Com relação às condições do

tempo, verificou-se que a maioria dos acidentes aconteceram no momento de chuva,

porém, dias com sol aberto não evitaram acidentes.

Gráfico 13 – Circunstâncias do tempo e iluminação.

Automóvel - 31

Motocicleta - 21

Bicicleta - 16

Van - 1

Ônibus - 7

Caminhão- 3

Fonte: Autor da pesquisa.

Page 80: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

78

Dos 79 acidentes pesquisados 33 aconteceram no período do dia e 46 no

período da noite. Desta maneira, a pesquisa registrou ocorrências de acidentes em

todos os horários, prevalecendo o período da noite com mais registros. Com relação

às condições do tempo aconteceram mais acidentes no momento de chuva, porém,

existe expressivo registro quando o tempo apresentava sol aberto e durante a noite

em locais com boa iluminação. Há de se considerar que, a deficiência de iluminação

do período noturno gerou menos acidentes do que os registrados sob sol.

O acidente aconteceu quando voltava do trabalho para casa. Era noite e estava chovendo. Estava sentada na ultima cadeira na direção do corredor do ônibus. Não deu pra ver como aconteceu o acidente. Só sei dizer que o motorista corria muito. Ele bateu num outro ônibus que estava na frente, aí todo mundo caiu, se tivesse cinto de segurança acho que eu não tinha quebrado a minha perna e hoje não estaria deficiente. (A.S.C.V. 38 anos. Fem.)

Essas informações demonstram que a preocupação com a segurança viária

deve ser constante independente do horário do dia ou da noite e das condições do

tempo. Campanhas educativas, estudos e discussões sobre a acidentalidade no

trânsito mostram que o dever de cuidado e a observância das normas legais que

regem o trânsito buscam evitar a ocorrência de acidentes. Porém, compete a cada

usuário da via ter compromisso com a preservação da vida, tanto da sua quanto a

de outrem, pois, os acidentes não têm hora marcada para acontecer.

O Gráfico 14 aponta as causas dos acidentes na percepção das vítimas

entrevistadas, dentre as causas estão: o excesso de velocidade; a embriaguez; o

avanço de sinal vermelho; a ultrapassagem; o pedestre transitando pela pista de

rolamento; a falta de atenção do pedestre; o avanço de preferencial; a falta de

respeito ao idoso; e, a manobra irregular.

Page 81: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

79

Gráfico 14 – O que deu causa ao acidente.

Fonte: Autor da pesquisa.

Hoje em dia o trânsito em Belém tá muito difícil. Tem muita imprudência de motoristas que pensa que está disputando corrida. Quando me lembro do acidente fico nervoso, apreensivo... às vezes passa um filme na minha cabeça, sem querer começo a lembrar do acidente ( A.R.O.S. 64 anos. Masc). Ninguém respeita, o sinal tinha fechado quando o carro me bateu, ele não respeitou o sinal e ainda disse que eu tive culpa, culpa teve ele que tava porre. Fiquei quatro meses e meio me recuperando, nesse tempo o meu marido teve que colocar uma empregada em casa para fazer as coisas enquanto me recuperava (T. S. 30 anos. Fem.).

Na percepção das vítimas o excesso de velocidade e a embriaguez ao

volante foram apontados como possíveis causas do acidente. A gravidade dos

acidentes guarda estreita relação com a velocidade que o veículo estava no

momento do acidente, quanto maior a velocidade menor será o tempo que o

condutor terá para decidir o que fazer diante da situação apresentada e racionar

sobre os efeitos da decisão tomada. Sendo o consumo do álcool um agravante da

situação por diminuir a capacidade de mensuração do risco e de reação no

momento de perigo.

O Gráfico 15 demonstra as circunstâncias do meio ambiente urbano que, na

percepção dos participantes da pesquisa, contribuem para a ocorrência dos

acidentes, destacando: a ocupação desordenada das calçadas existentes; a

ausência de ciclo faixa/ciclovia; obras públicas inacabadas; a falta de manutenção

Excesso de Velocidade - 21

Embriaguez - 19

Manobra irregular - 2

Pedestre transitava pela pista de rolamento - 6 Avanço de sinal Vermelho - 12

Avanço de preferencial - 6

Falta de respeito ao idoso - 3 Falta de atenção do pedestre - 1

Ultrapassagem - 9

Page 82: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

80

das vias que causam imperfeições e/ou buracos no asfalto; a falta de calçadas para

os pedestres transitarem; a sinalização e a Iluminação precária.

Gráfico 15 - Circunstâncias do Meio Ambiente Urbano que contribuíram para a ocorrência do acidente.

Fonte: Autor da pesquisa.

“Minha filha voltava da escola, vinha pela calçada, mas tinha um contêiner,

esses de pegar entulho de construção, bem no meio da calçada”. (A.M.L. mãe da

vítima. P. M. L. 18 anos). A ocupação desordenada das calçadas, por obras e

construções ilegais ou mesmo as autorizadas ou pelo comércio irregular, dentre

outras formas, impõem ao pedestre terem que arriscar-se pela via destinadas aos

carros. Lynch (1999) ao dissertar sobre o a paisagem urbana ponderou que, os

problemas do espaço e da paisagem urbana afetam as pessoas, uma vez que esses

mesmos espaços são percebidos, observados e transitados por elas.

O leito da pista de rolamento é um local inadequado para o trânsito de

pedestres que se vêem obrigados a transitar por ela ante a ocupação ou inexistência

de calçadas. A soma da sinalização precária, da iluminação deficiente no período da

noite, com a falta de manutenção das vias que são esburacadas, tem imperfeições

e/ ou buracos no asfalto, tem como resultando as condições propícias para a

ocorrência de acidentes.

Page 83: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

81

4.4 Impacto dos acidentes na vida das vítimas

Através da análise do conteúdo das entrevistas verifica-se o desdobramento

do acidente de trânsito afetando a vida pessoal, profissional e familiar das vítimas.

Desta forma, pode-se perceber que os acidentes de trânsito, além de causarem

danos materiais, ambientais e mortes, também são produtores de lesões corporais.

O acidente de trânsito e tudo que esteja relacionado com sinistro, desde os

primeiros atendimentos no local do acidente, passando pelo transporte, atendimento

nos serviços especializados, período de recuperação, e tudo que esteve relacionado

com o evento, podem causar na vítima um desequilíbrio no bem estar físico, mental

e social, capaz de causar desestruturação em todos os aspectos da sua vida.

O Gráfico 16 mostra quem prestou os primeiros atendimentos ao acidentado,

enquanto que o Gráfico 17 mostra que os atendimentos na sua maioria foram

realizados em hospitais públicos, evidenciando que, a sociedade arcou com quase a

totalidade dos custos do atendimento pré-hospitalar, na amostra pesquisada.

Gráfico 16 – Quem prestou socorro.

Fonte: Autor da pesquisa.

SAMU - 31

Bombeiro -19

Policia Militar - 22

O causador do acidente - 4

População - 3

Page 84: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

82

Gráfico 17 – local de atendimento.

Fonte: Autor da pesquisa.

A maioria das vítimas foi socorrida por serviço especializado de resgate e

atendida em hospitais da rede pública, fato que transfere o ônus do acidente para

toda a sociedade. Os profissionais que trabalham nos serviços de resgate e

atendimento de urgência atuam num cenário de alto nível de estresse ante a

gravidade das lesões, a ansiedade da população em socorrer o acidentado, o tempo

até a chegada ao hospital e o cuidado no transporte para que não ocorra

agravamento das lesões capazes de comprometer a vítima para o resto da vida.

Há de se considerar também que, as estimativas da OMS (2009) apontam

que, em virtude dos acidentes de trânsito, existe uma sobrecarga nos atendimentos

de urgência e emergência com uma taxa ocupando: 50% dos centros cirúrgicos e

86% das hospitalizações. Além de aumento das demandas nos setores de

radiologia, fisioterapia e reabilitação.

A minha vida ficou arrasada, agora sou deficiente, dependo de favores para tudo, agora não dirijo mais, não ando com minhas próprias pernas. Quando me lembro tenho raiva de mim, falar desse assunto me irrita. Sinto muita tristeza porque sei que não vou me recuperar, acabou... (M.S.A. 36 Anos. Masc.).

Na ocorrência de um acidente de trânsito um expressivo número de curiosos

se apresenta como voluntários na prestação do socorro. No entanto, esta

generosidade pode resultar no agravamento das lesões do acidentado. O transporte

inadequado feito por pessoas não habilitadas, ansiosas em socorrer as vítimas, em

Pronto Socorro - 45

Hospital Metropolitano - 12

Hospital particular - 22

Page 85: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

83

vez de ajudar pode resultar no agravamento irreversível das lesões em virtude da

manipulação inadequada.

4.4.1 Impactos na vida pessoal

Da amostra pesquisada 50,63%, isto é, 40 vitimados, disseram que tiveram

sua vida pessoal abalada. O Gráfico 18 revela as diversas maneiras que o acidente

afetou a vida pessoal dessas vítimas, mostra também em porcentagem que os

impactos são representados por: deixar de andar de moto; de bicicleta; de dirigir

carro; perdas financeiras; perdas do controle das finanças; deficiências físicas que

interferem nas relações sociais; e, medo de sair de carro.

Gráfico 18 - Maneira como o acidente afetou a vida pessoal.

Fonte: Autor da pesquisa.

Para maior clareza das informações, o Gráfico 18 deve ser analisado levando

em consideração as informações constantes no Gráfico 12 o qual mostra os tipos de

veículos envolvidos em acidentes, na amostra pesquisada. Desta maneira, das 21

ocorrências de acidentes envolvendo o tipo de veículo motocicleta, 9 vítimas

deixaram de utilizar esse modo de transporte, o que em termos percentual

representa 42,87% do número de acidentes. Somando 31 acidentes de carro, 3 de

caminhão e 7 de ônibus, totaliza 41 acidentes. Desses, 9 vitimados deixaram de

dirigir, representando 21,95% de vitimas que deixaram de dirigir após o acidente.

Page 86: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

84

Em razão do acidente a vida pessoal do vitimado foi abalada com perda

financeira, aumento das despesas, descontrole das finanças. O medo de novamente

ser vítima de acidente fez com que deixasse de dirigir carro, andar de moto ou

bicicleta; as lesões deixaram como sequelas deficiências físicas, que por sua vez

interferem nas relações sociais.

Consta nos autos que, em razão do acidente de trânsito ocorrido por culpa do condutor, a vítima ficou com sérias cicatrizes no rosto, as quais comprometem não só a sua estética e aparência, como também seu amor próprio, auto-estima e até mesmo seus futuros relacionamentos. (M.B.P. 22 anos. Fem. Síntese do caso pelo autor da pesquisa a partir dos autos do processo). Laudo do IML atesta deformidade estética permanente no membro inferior direito, decorrentes das cicatrizes e também pelo edema residual na perna direita. Concluindo pela invalidez parcial e permanente, em virtude do encurtamento em 2,9 cm da perna direita. (E.L.S. 29 anos. Fem. Síntese do caso pelo autor da pesquisa a partir dos autos do processo). Agora tenho medo de andar de moto. Às vezes choro. Tenho muito medo que aconteça de novo. Eu estava tentando uma vaga de estagiária no meu ramo de trabalho. Meus pais ficaram loucos com o acidente. Minha mãe teve que pedir licença do trabalho pra cuidar de mim (A.C. 26 anos fem.)

Como visto anteriormente, a renda da maioria dos entrevistados não

ultrapassa a dois salários mínimos, desta forma, a sucessão de perdas financeiras

provocadas pelo acidente pode ter como resultado, significativa privação financeira

obrigando-o a rever orçamento e comprometendo o sustento da própria família. O

impacto suportado pelo vitimado em sua vida pessoal vai além das limitações físicas

podendo até causar transtornos psicológicos.

O Gráfico 19 representa a incidência de sentimentos referidos após o

acidente, tais como: tristeza, medo da violência do trânsito, raiva, revolta por causa

da impunidade no trânsito, pavor do trânsito, agradecimento por estar vivo, culpa por

estar dando trabalho para a família, frustrados com a justiça, culpa por ter dado

causa ao acidente, preocupados com o futuro e indignado por estar na situação de

deficiente físico.

Page 87: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

85

Gráfico 19 - Sentimentos referidos após o acidente.

Fonte: Autor da pesquisa.

Os transtornos de ordem emocional são considerados sequelas invisíveis, por

esta razão, são difíceis de serem mensurados, no entanto, verificou-se através das

entrevistas, uma grande incidência de referência a sentimentos apresentados após o

acidente, tais como: tristeza, medo da violência no trânsito, revolta por causa da

impunidade, pavor, agradecimento, frustração, culpa, preocupação e indignação.

Só Deus tem dado forças para ir sobrevivendo. Sinto-me triste, melancólico, sem animo. Passei a sofrer de pressão alta, depressão, gastrite. Depois desse acidente, tive que fazer uma viagem longa de carro. Eu passei mal. Tive que voltar. Só depois de dois ou três dias é que pude continuar a viagem. O abalo é pro resto da vida. Quanto menos tocar no assunto é melhor (D.C.O. 57 anos. Masc). O fato de ter causado o acidente ainda mexe muito comigo. Sinto-me culpada. Primeiro meus pais queriam me bater, mas depois eles se mantiveram do meu lado e cuidaram de mim. Eu fico muito apreensiva quando me deparo com uma situação semelhante aquela do acidente, fiquei com medo de andar de moto. (E.Q. 22 anos. fem.) Sempre que me deparo com histórias semelhantes como a minha, me causa uma revolta, porque parece que nada é feito, então pergunto: até quando vai continuar a impunidade no trânsito brasileiro? (R.C. 22 anos. Masc.). Já tinha problema para me locomover por causa da idade, agora piorou, não consegui me recuperar totalmente. Quando me lembro do acidente fico muito triste. Quando saímos na rua temos que estar atentos porque a ignorância é muito grande (A.F. 60 anos. Masc.)

Revoltado por causa da impunidade no trânsito - 11

Culpa por ter provocado o acidente - 2

Culpa por dar trabalho aos familiares - 2

Preocupação - 2

Agradecimento por Estar vivo - 3

Medo do trânsito - 15

Frustração - 2

Pavor - 10

Indignação - 1

Raiva - 14

Tristeza - 16

Page 88: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

86

A análise do conteúdo das entrevistas revela que o acidentado experimenta

mudança em sua rotina, seus hábitos e em seu estilo de vida, passa ainda a

experimentar sentimentos e apresentar sintomas antes não vivenciados. Percebe-se

diante de perdas que, em alguns casos, impõe dependência de outras pessoas, isso

é bastante frustrante para quem levava uma vida ativa e subitamente se ver

obrigado a depender de assistência alheia para realizar atividades simples e até

mesmo a própria higiene.

Strunin (2004) diz que o indivíduo sente-se como se fosse outra pessoa e que

as mudanças que acontecem na vida pessoal estendem-se para além das limitações

físicas. Experimenta sentimentos de culpa, ansiedade e depressão que podem

interferir na forma de conviver e interagir com outras pessoas. Aliado a isso a

sucessão de perdas financeiras, em virtude do acidente, aumenta o sentimento de

impotência em virtude das privações e da necessidade de rever orçamentos.

4.4.2 Impactos na vida profissional

Na amostra pesquisada 50,63%, isto é, 40 vitimados, responderam que a vida

profissional também foi afetada. O Gráfico 20 demonstra que a demora na

recuperação resultou em perda de trabalhos, que o medo de dirigir interferiu na volta

para o trabalho em razão de ser motorista profissional, houve demissão e perda de

trabalhos eventuais.

Gráfico 20 - Maneira como o acidente afetou a vida profissional.

Fonte: Autor da pesquisa.

Foi prejudicado em virtude da dificuldade de andar - 1

Perda financeira em virtude do tempo de recuperação - 4

Demora na recuperação fez perder trabalhos - 9

Não consegue arranjar emprego por causa das sequelas - 3

Desistência de planos profissionais - 7

Perdeu entrevista de emprego - 1

Medo de dirigir - 6 Deixou de fazer bicos - 5

Demissão - 4

Page 89: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

87

A gravidade do acidente afeta a vida profissional do vitimado em virtude das

sequelas físicas, que podem resultar em deficiências, tirarem a capacidade do

indivíduo de realizar determinadas tarefas, assim como as sequelas psicológicas,

representadas pelo medo, pavor, receio, por exemplo, impossibilitar o exercício

profissional daquelas que exercem suas atividades em meio ao trânsito como é o

caso dos motoristas e motoqueiros. Soma-se a isso, o fato da demora na

recuperação resultar em perda de trabalhos e de renda para os autônomos.

Eu fiquei com deficiência física, a minha perna é mais fina que a outra, ainda tenho dores no local da fratura e também ainda estou com os parafusos. Por causa das dores não posso ficar muito tempo em pé. Então tive que ser readaptada no trabalho, pelo fato de trabalhar como técnica de enfermagem poderia ter mais um emprego, só que o acidente me tirou essa possibilidade porque não tenho condições de ficar muito tempo em pé. Graças a Deus sou funcionária pública e fui readaptada senão não sei como seria se trabalhasse em hospital particular. Acho que teria sido demitida. (A.S.C.V. 38 anos. Fem.) Vitima de atropelamento em via pública. Conforme laudo do IML teve fratura de bacia e esmagamento da mão. O que ocasionou perda de movimento no 2º dedo da mão esquerda, com perda moderada na bacia, causando-lhe incapacidade laborativa parcial e permanente, pois não poderá exercer atividades que exijam movimentos delicados da mão esquerda. (R.E.S. Mas. 40 anos. Síntese do caso pelo autor da pesquisa a partir dos autos do processo).

O acidente que resulta no afastamento do empregado de suas atividades

produtivas, por via reflexa, acaba por afetar também a empresa onde este indivíduo

trabalha, pois cria a necessidade de remanejamento ou de contratação de outro

funcionário para exercer as funções daquele até a sua recuperação. O funcionário

temporário pode despertar o interesse do empregador em lhe contratar, em

substituição ao acidentado, quando verificar que o temporário é mais eficiente e

produtivo.

Isso porque muitos daqueles que foram afastados do trabalho em virtude de

acidentes graves, ao retornarem tem que diminuir o ritmo de trabalho por causa da

condição de saúde; essa diminuição da produção não interessa ao empregador.

Desta forma, ao retornarem para suas funções após longo período de benefício do

INSS ficam mais expostos a demissões.

Page 90: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

88

Para retornarem ao mercado de trabalho terão que enfrentar diversos fatores

de ordem social que devem ser considerados, tais como: a disponibilidade de

trabalho adequado, ambiente econômico e trabalhista, condições de mercado,

habilidades e experiências. A amostra pesquisada revelou que a maioria dos

acidentados tem baixo nivel de educação formal, fato que aumenta as dificuldades

de retorno ao mercado de trabalho.

4.4.3 Impactos na vida familiar

O Gráfico 21 demonstra a posição que a vítima ocupa na família enquanto

responsável financeiro; considerando que o acidente vitimou o responsável pelo

sustento da família percebe-se desde já que as consequências atingem toda a

família. Enquanto o acidentado suporta as dores físicas, a família sofre privações e

necessidades.

Gráfico 21 - Posição que a vitima ocupa/ocupava na família enquanto responsável financeiros.

Fonte: Autor da pesquisa

A pesquisa mostrou que na condição de pai/mãe a grande maioria dos

vitimados são considerados o principal responsável financeiro da família. Fato que

repercute diretamente no sustento da família, resultando em necessidade de a

família fazer adaptações financeiras para enfrentar a nova realidade. Além de alguns

familiares terem de deixar de trabalhar para cuidar do acidentado.

Pai - 42

Mãe- 16

Filho (a) - 21

Page 91: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

89

Por causa desse acidente passamos por muitas dificuldades financeiras. Além dos remédios, das dores que até hoje sinto. O meu marido teve que pagar uma pessoa pra fazer as coisas de casa até eu melhorar. Hoje fico apavorada quando ando de bicicleta. Não saio como antes, só ando por aqui perto de casa (N.C. 34 anos. FEM).

As coisas ficaram difíceis, tive que me tornar duas para cuidar dele, antes eu trabalhava para ajudar, com o acidente tive que dar conta sozinha das despesas, ele, coitado, não podia trabalhar, como trabalhava como autônomo, cadê INSS, não tem porque nunca pagou. Tivemos que nos adaptar com a nova situação (E.I.C. Esposa da vítima J.L. 33 anos. Masc.)

A família sofre um forte impacto quando o principal mantenedor financeiro é

vitimado em acidente de trânsito, principalmente nas famílias que tem uma única

fonte de renda, geralmente originada do trabalho assalariado ou autônomo da

vítima. A amplitude das consequências do adoecimento e afastamento do trabalho

será maior quando houver redução salarial, o que geralmente acontece quando o

indivíduo fica de benefício previdenciário.

O acidente afetou a minha vida porque ficou muito conturbada. Preciso trabalhar e como trabalho por conta própria as coisas ficaram difíceis. Foram 40 dias internado. E mais seis meses me recuperando. Não tenho INSS e passei a depender dos favores da minha família. Logo no inicio todo mundo ajudava. Mas sabe como é, né? Aí a falta de dinheiro, a mulher reclamava dia e noite uma aporrinhação, cabei me separando dela. (P.A. 44 anos. masc).

Nem sempre o beneficio recebido é suficiente para absorver as crescentes

demandas de gastos com medicamentos, consultas, deslocamento para os serviços

de tratamento e recuperação. Pior ainda, quando o indivíduo trabalha por conta

própria e não contribui para o INSS, ficando assim, afastado da cobertura

previdenciária pública.

O Gráfico 22 mostra a maneira como o acidente afetou a família, apontando

dificuldades financeiras; necessidade de adaptações nas finanças domésticas,

percentual de familiares que tiveram que deixar de trabalhar para cuidar do

acidentado. Através desse gráfico percebe-se não só o impacto suportado, mas

também, a importância que a família tem quando algum membro é acometido por

enfermidade ou necessidade diversa.

Page 92: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

90

Gráfico 22 - Maneira como o acidente afetou a vida familiar.

Fonte: Autor da pesquisa.

Em todos os casos de acidentes a amostra evidenciou que houve

aproximação da família e muito raramente, relato de afastamento, mas isso

aconteceu após algum tempo quando os cuidados não precisavam ser intensos. A

vida urbana demanda muitos interesses individuais, porém, nos momentos de

necessidade os laços de parentescos sobrepõem-se ao individualismo. Os parentes

próximos, pais e irmãos, representam uma condição importante de segurança

econômica, pois constitui um apoio seguro nas situações de crise.

A minha família ficou desesperada porque não sabia como eu estava. A minha mãe tirou licença no trabalho pra cuidar de mim. Agora eu não gosto de andar de carro quando outra pessoa está dirigindo. Quando me lembro do acidente fico com raiva. Sinto ainda muitas dores na minha perna (R.A.R. – masc. 29 anos).

Algumas famílias estão mais bem preparadas do que outras para gerenciar as

mudanças, no cotidiano doméstico, em razão do acidente. Mas independente de

haver maior ou menor preparo, na ocorrência de um acidente com consequências

graves, os membros da família apóiam-se mutuamente, buscam e mediam esforços

para atenuar ou resolver o impacto.

Page 93: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

91

A existência de um acidentado em casa afeta a vida familiar, porque o

indivíduo incapacitado necessita de cuidados durante a fase de recuperação, o que

acaba sobrecarregando o tempo dos outros membros da família.

Quando meu marido sofreu o acidente tive que pedir licença do emprego para cuidar dele. Acontece que foram muitas idas e vindas para o hospital, fisioterapia... Depois foi ficando difícil ser dispensada para acompanhá-lo ao médico. Aí comecei a faltar ao trabalho, até que fui demitida (Esposa. Vítima. E.P. 19 anos. Masc.).

Desta maneira, a análise dos dados apresentados demonstra que os

impactos produzidos pelos acidentes de trânsito ultrapassa os danos materiais e

ambientais. Afeta a vítima primária do acidente com sequelas visíveis, que são as

deficiências físicas e, com sequelas invisíveis, assim consideradas os transtornos da

ansiedade.

Por via de consequência, afeta também a família, considerada vitima

secundária, impondo sofrimento, limitações e dificuldades financeiras,

principalmente quando o vitimado era o principal mantenedor da família. Por via

reflexa, atingem toda a sociedade através dos custos previdenciários, de tratamento

e internação, quando retira o acidentado de uma vida produtiva. Desta forma, é

iminente a necessidade de medidas capazes de minimizar a gravidade das lesões.

4.5 A percepção atual da vítima sobre o acidente

Em razão dos dados levantados serem pretéritos, cobrindo o lapso temporal

de 2007 a 2009, buscou-se saber como o vitimado está passando nos tempos atuais

e sua expectativa quanto ao futuro.

Com relação à vida pessoal, percebe-se que, mesmo após ter se passado

anos da ocorrência do acidente as lembranças ainda incomodam e traz a tona o

sofrimento vivido: “O abalo é pro resto da vida. Quanto menos tocar no assunto é

melhor. (D.C.O. 57 anos. Masc”). No entanto, existem outros que conseguiram lidar

com as consequências do problema e seguir vida normal: “... fiquei todo endividado,

mas já passou” (R.F.48 anos. masc.). “... hoje contribuo para o INSS porque sei que

é importante” (P.A.44 anos, masc).

Com relação à vida profissional os relatos apontam que emergiam convicções

de que voltaram para suas rotinas de trabalho marcados pelo acidente: “Se o

Page 94: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

92

acidente serviu para alguma coisa além de me deixar de cama? posso dizer que

ajudou a despertar o desejo de estudar e ter um profissão melhor, a vida de moto-

taxista é arriscada demais”. (E.M. 28 anos. Masc.). “ tenho consciência que se der

mole pode acontecer de novo”. (R.O. 32 anos. Masc.). “ Espero que esse acidente

não afete o meu futuro, hoje não posso trabalhar muito tempo em pé”. (K.L. 26 anos.

Fem.) “Graças a Deus sou funcionária pública e fui readaptada ...não sei como seria

se trabalhasse em hospital particular”. (A.S.C.V. 38 anos. Fem.)

Com relação à vida familiar percebe-se certa preocupação em evitar que

novamente aconteça algo semelhante: “minha família ficou muito balada, tenho

medo de passar por tudo isso de novo” (J.A.B. 27 anos. Masc.). “Não quero ver

meus filhos passando necessidades como passaram quando estive doente, é muito

difícil para um pai de família ficar deitado numa cama vendo o filho passar

necessidades (J.L. 33 anos. Masc.)

Ao analisar tais conteúdos, percebe-se o tom de superação, de esperança

aliado ao desejo de não mais ser vítima de acidentes de trânsito. É importante dizer,

que apesar do tempo da ocorrência, muitos entrevistados ainda estão em processo

de reabilitação. As feridas sararam, mas as lembranças ainda causam, em alguns,

medo, angustia e sofrimento psicológico.

Page 95: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

93

5 CONCLUSÃO

A análise final da pesquisa confirmou que o método Análise de Conteúdo,

proposto por Bardin (2009), utilizado nesta dissertação, pode ser usado como

método de interpretação de dados capazes de subsidiar a tomada de decisões

relacionadas com a segurança viária, por parte do poder público. Esse método

possibilitou definir a percepção dos vitimados sobre os impactos que o acidente de

trânsito trouxe para sua vida pessoal, profissional e familiar. Assim como, permitiu

estabelecer relações desta percepção com a necessidade de implementação de

medidas mais eficazes para minimizar a gravidade dos acidentes.

A embriaguez e o excesso de velocidade estão entre as principais causas do

acidente, contudo, percebe-se que a conduta humana é o principal vetor das

tragédias. Desta maneira, a mudança de comportamento dos condutores pode evitar

a ocorrência de acidentes, razão pela qual o legislador reservou um capítulo no CTB

dedicado à educação para o trânsito, cujo objetivo é de, através da educação mudar

comportamentos capazes de causar acidentes.

A pesquisa mostrou também que, existem circunstâncias no meio ambiente

urbano que contribui para a ocorrência de acidentes de trânsito, como: iluminação e

sinalização precárias, ausência de ciclofaixa/ciclovia, obras públicas inacabadas e,

deficiência de limpeza pública. Destaca-se ainda, a ocupação desordenada das

calçadas existentes, pelo comércio informal, por estacionamento irregular, por obras

e construções, entre outros, fato que obriga o pedestre a transitar pela pista de

rolamento constituindo-se risco de acidente de trânsito.

A amostra pesquisada revelou que o principal motivo do deslocamento foi em

virtude do trabalho, que o perfil do acidentado é predominante do sexo masculino,

na faixa etária entre 30-59 anos, com grau de escolaridade que não ultrapassa o

ensino médio incompleto e rendimentos mensais que não vão além de dois salários

mínimos, com um número expressivo de trabalhadores sem vínculo empregatício.

A maioria dos vitimados considerou-se como o principal responsável

financeiro da família. Esse fato é preocupante porque o afastamento inesperado da

fonte de rende, em razão do acidente, sem a garantia do benefício do INSS resulta

em complicações da situação econômica da família, produzindo consequências que

vão além das dores físicas causadas pelas lesões, comprometendo a própria

subsistência.

Page 96: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

94

A investigação confirmou a hipótese elaborada no projeto de pesquisa, pois, o

método utilizado possibilitou que a interpretação dos dados fosse além dos números,

permitindo concluir que a vítima de acidente de trânsito com lesões graves sofre um

violento impacto em sua vida, que vai além das feridas no corpo e perdura por longo

período, causando um desequilíbrio no seu bem estar por afetar a sua vida pessoal,

profissional e familiar.

O impacto na vida pessoal ocorre em razão das lesões ou das sequelas

incapacitantes, que colocam as vítimas nas estatísticas dos deficientes físicos, de tal

maneira que o vitimado se ver obrigado a adiar ou desistir de planos pessoais. Há de

se considerar que a deficiência adquirida é uma situação difícil de ser enfrentada,

especialmente se o fato acontece na idade adulta e atinge o principal provedor da

família.

Através da análise do conteúdo das entrevistas, pode-se perceber que,

mesmo após as feridas do corpo terem sarado, ficam sequelas invisíveis

manifestadas por sentimentos, como: raiva, medo, revolta, indignação, frustração,

culpa e preocupação. Transtornos esses, que interferem na vida pessoal da vítima

ao ponto de impedir a condução do seu próprio veículo: carro, moto ou bicicleta. E

mais, há um prejuízo nas relações sociais, pois com medo de acontecer novamente

um acidente o indivíduo sai menos de casa.

Esses transtornos, se não tratados adequadamente, vão se agravando cada

vez mais, fazendo com que o vitimado fique refém de seu próprio medo, e passe a

desenvolver enfermidade psicológica ou mental. Além disso, há perdas financeiras

em função dos gastos com o tratamento e remédios e, pelo tempo que fica sem

trabalhar e sem ter outra fonte de renda acontecem de as dívidas não serem

administradas como deveriam, resultando num endividamento progressivo.

O impacto na vida profissional do vitimado é percebido quando em virtude

das lesões, fica afastado das atividades laborativas por um longo período, se torna

incapacitado para exercer a mesma função, ou, se torna incapacitado para o

trabalho. Quem é celetista ou estatutário não sente tanto impacto, porque durante o

período que for necessário para tratamento e recuperação poderá, conforme o caso,

receber benefício através do INSS ou ser aposentado por invalidez.

Retornando ao trabalho, se não tiver condições de continuar na mesma

função, poderá ser readaptado em outra função compatível com a sua limitação, se

houver. O mesmo não ocorre com aqueles que não podem contar com os benefícios

Page 97: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

95

da Previdência Social, o tempo que ficam sem trabalhar imprime perdas

econômicas.

A pesquisa mostrou que as sequelas visíveis, como as deficiências físicas

adquiridas e as sequelas invisíveis representadas por transtornos de ansiedade,

desenvolvidas após o acidente podem interferir no retorno ao mercado de trabalho,

como por exemplo, quando impossibilitam que um profissional do volante retome

suas funções com medo de sofrer outro acidente ou em razão da sequela física

impedir o exercício da atividade.

O impacto na vida familiar ocorre mediante dificuldades financeiras que

repercute diretamente no sustento da família provocando privações e necessidade

de adaptações econômicas. Outro fato que deve ser considerado é que o acidentado

necessita de cuidados durante a fase de recuperação o que acaba sobrecarregando

a família, em alguns casos existe a necessidade de familiar deixar de trabalhar para

cuidar do acidentado até a completa recuperação.

A investigação mostrou que existe uma aproximação extraordinária da família

quando ocorre um acidente. A família participa ativamente no apoio à vítima em

todos os momentos, este apoio constitui-se como um fator importante na

recuperação da incapacidade e pode ser considerado como um facilitador positivo

para o retorno ao trabalho.

Percebe-se que, o impacto que o acidente de trânsito causa na vida dos

vitimados ultrapassa os danos visíveis. Afeta a vida pessoal da vítima quando o tira

bruscamente de sua rotina cotidiana obrigando-o a ficar num leito, com dor física ou

psicológica. Afeta também, sua vida profissional tirando-o de maneira momentânea

ou permanente do mercado de trabalho no auge da capacidade produtiva. Além de

que, a vida familiar fica comprometida, visto que seus membros experimentem

privações e necessidades em razão da falta de recursos financeiros.

No contexto da acidentalidade o Estado realiza o controle social através dos

órgãos de do Sistema Nacional de Trânsito - SNT, que cumprem sua competência

administrativa através de atividades de planejamento, administração, normatização,

pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem

de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento,

fiscalização, julgamento de infrações de trânsito e de recursos e aplicação de

penalidades concernentes ao âmbito administrativo.

Page 98: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

96

No entanto, em face de ocorrência de ilícito que ultrapasse a competência

administrativa, como as lesões corporais que foi objeto de estudo nessa dissertação,

a presença do Estado é percebida na esfera judicial, processando e julgando os

crimes de trânsito, determinando coercitivamente, a reparação dos danos causados

e a aplicação de pena não privativa de liberdade, sendo a VEPMA um dos órgãos

executores de sentença condenatória que, através das medidas alternativas, busca

a reinserção social do condenado humanizando o cumprimento da pena e atribuindo

a ela uma finalidade social.

Por fim, considera-se que os objetivos geral e específicos da pesquisa foram

alcançados, uma vez que se conseguiu realizar um estudo exploratório acerca das

consequências dos acidentes de trânsito na vida pessoal, profissional e familiar dos

vitimados, sendo apresentados os impactos dos acidentes, identificada a incidência

de sequelas visíveis e invisíveis, o controle social do Estado e, apesar da amostra

não ter apresentado óbito, ficou evidente que os acidentes são produtores de mortes

e lesões corporais.

Restando provado que o método de Análise de Conteúdo é um método

satisfatório para a realização de pesquisa relacionada com a segurança viária

quando busca-se uma análise temática e categorial.

Na perspectiva do que foi apresentado, sugere-se a implantação de políticas

públicas capazes de garantir maior segurança no trânsito que sejam capazes de

mitigar os consequentes efeitos da tragédia; políticas de saúde pública para

diagnóstico e tratamento das sequelas visíveis e invisíveis e de acompanhamento

psicossocial tanto da vítima quanto das famílias; que sejam atribuídos, ao autor do

crime de trânsito, que tenha agido com dolo, o dever de ressarci ao erário público os

custos de internação e tratamento das vítimas que forem atendidas na rede pública.

Page 99: Os impactos dos acidentes de trânsito por lesão corporal na vida

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REFERÊNCIAS

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