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8/3/2019 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO
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OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO
(Jorge Miranda, Professor Catedrtico, 13 de Dezembro de 2011, em
debate promovido no IDL Instituto Adelino Amaro da Costa)
Um pas pequeno como Portugal no pode ter muitas certezas daquilo
que pode fazer ou no fazer na cena internacional, globalizada, em
constante mutao. No podemos ter certezas.
()
Em primeiro lugar, considero que o agravamento da situao emPortugal se deveu constituio do Governo minoritrio, em 2009. Devia
ter sido formado um Governo de coligao, de grande coligao. Tendo
em conta a gravidade da crise econmica que j se arrastava h mais de
um ano, no compreendo continuo a no compreender , como que os
partidos democrticos no se entenderam ou o Presidente da Repblica
no imps uma soluo de Governo maioritrio. Um Governo minoritrio,
como aquele que foi constitudo, estava condenado a viver em constante
instabilidade, em constante dificuldade de governar. E a agravar a
crispao, como se verificou, no tinha possibilidade de fazer uma poltica
prpria, porque estava condicionado por uma maioria hostil no
Parlamento, mesmo que fosse uma maioria puramente negativa.
Portanto, a meu ver, o grande problema poltico nacional surgiu em 2009.
No ter havido nessa altura, em face dos resultados eleitorais resultados
eleitorais que traduziram a vontade do povo e que, portanto, tinham de
ser respeitados , esta concluso: o Partido Social Democrata (PPD-PSD)
no ganhou as eleies, mas o Partido Socialista tambm no ganhou as
eleies. O Partido Socialista (PS), que tinha tido maioria absoluta, perdeua maioria absoluta. Portanto era tambm um derrotado daquelas eleies.
Em face disso, os dois partidos dever-se-iam ter entendido, incluindo o
Centro Democrtico Social (CDS-PP), tendo em conta a gravidade da
situao e estar em causa mesmo o prprio funcionamento da
Democracia. Os partidos democrticos deviam ter tido a uma atitude
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patritica. O patriotismo uma palavra que hoje quase no se ouve.
Ningum fala praticamente nisso. Tornou-se politicamente incorrecto
falar em patriotismo. Mas, naquela altura, era uma atitude patritica,
teria sido uma atitude patritica fazer esse Governo e no Foi-se para
um Governo como aquele que veio aos solavancos at Maro de 2011,com enorme dificuldade e com o agravamento constante da situao.
Portanto, o grande consenso nacional, a meu ver, no estaria, em 2010,
colocar na Constituio uma norma, qualquer que fosse, de restries ao
endividamento ou de garantia do equilbrio das contas pblicas. O grande
consenso nacional era a formao de um Governo de Unidade Nacional,
um Governo de Unidade Democrtica, de convergncia dos trs partidos
democrticos ou, pelo menos, os dois maiores. Essa que teria sido a
soluo que daria aos mercados a confiana que no poderiam ter em face
de um Governo minoritrio, constantemente atacado no Parlamento e que
poderia cair a qualquer momento. E poderia ter cado muito tempo antes
daquele em que caiu. Houve tambm a, da parte das vrias oposies,
uma estratgia de desgaste do partido no poder. Portanto, a, acho que a
razo fundamental da crise poltica para l dos factores econmicos,
obviamente, que no esto em causa reside na no formao de um
Governo maioritrio, em 2009. Tenho dito isto vrias vezes, e repito, e no
desculpo quem poderia ter feito esse Governo de coligao, essa grande
manifestao de consenso nacional relativamente quilo que era o
fundamental em face da situao. A ustria teve um Governo de coligao
durante vinte anos depois da II Guerra Mundial, a Colmbia tambm teve
Governos de coligao. Tem havido Governos de coligao por toda a
parte. A Alemanha tem duas vezes Governos de grande coligao. Como
que s ns que no podemos ter? algo, para mim, totalmente
estranho Mas poderamos fazer remontar isto, alis, a alguns vcios e
alguns tiques que vm de 1974-75. De certa maneira, tambm no quero
culpar as pessoas de 2009, tambm alguma coisa vem de 1974-75. O nose ter formado logo, em 1976, a seguir s eleies para a Assembleia da
Repblica, que no deram maioria a qualquer partido, um Governo
maioritrio. Tambm remonta a. Mas tambm, por outro lado, o Governo
do Bloco Central de 1983-85 foi um Governo capaz de enfrentar a crise e
de resolver problemas gravssimos, no plano financeiro, que tambm
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havia. Sem comparao, com certeza, com os problemas que ns hoje
temos, mas, na altura, patrioticamente formou-se esse Governo. Durou
pouco tempo, mas fez o essencial.
Portanto, a meu ver, a questo essencialmente poltica. poltica e
depois, tambm, econmica. No constitucional. Estar, na Constituio,
uma norma que diga isso (entenda-se limite ao endividamento pblico)
pretender ou supor que essa norma vai ser efectivamente cumprida. Ora
pode haver factores internos que at faam que a norma seja cumprida ou
que permitam que a norma seja cumprida, mas numa economia como a
portuguesa, aberta, dependente do exterior, h sempre factores externos
que vm projectar-se sobre a nossa economia e que podem levar
constantemente a novos agravamentos da crise. Um problema econmico
grave, como a recesso econmica dos Estados Unidos da Amrica ou nos a crise na Grcia, mas tambm na Itlia, na Espanha o desemprego na
Espanha, com a vinda para Portugal de dezenas de milhares de
trabalhadores portugueses em Espanha , ou uma crise na Frana ou at
na prpria Alemanha, porque a Alemanha exporta, mas se os outros no
compram tambm entra em crise. Como que estando na Constituio
uma regra como essa, por mais que ns faamos, vamos conseguir vencer
as dificuldades e tornar a norma efectiva? Tenho as maiores dvidas.
Nesse aspecto, eu concordo inteiramente com aquilo que disse, j noVero passado, o Presidente da Repblica. So factores que esto muito
para alm dos factores jurdicos. Ningum mais do que eu defende que as
normas constitucionais devem ser cumpridas, mas este o tipo de normas
constitucionais em que, para l dos agentes polticos internos, h factores
externos, muito mais fortes, que podem impedir a sua efectividade. E,
portanto, estar na Constituio e no ser cumprida ainda pior!
Falou-se na regra da maioria qualificada de 2/3 para a Reviso
Constitucional. No. Mais importante que os 2/3 seria o acordo, ento, dostrs grandes partidos. Alis, esse acordo j existiu. (Refiro-me ao) acordo
que se fez com a Troika, em que o Governo demitido (pode dizer-se
inconstitucionalmente, mas aqui pode invocar-se o estado de
necessidade) negociou o acordo, mas com o acompanhamento e o apoio
dos dois outros partidos democrticos. Esse consenso j existiu e pode
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manifestar-se, designadamente, numa votao na Assembleia da
Repblica, at com um resultado superior a 2/3.
Por outro lado, ns j temos, na nossa Constituio, uma previso de
uma Lei de valor reforado a Lei de Enquadramento Oramental. A
Constituio diz, expressamente, no artigo 106., n.1, que a lei do
Oramento elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de
acordo com a respectiva lei de enquadramento (). No considerada lei
orgnica, realmente no lei orgnica as leis orgnicas tm um estatuto
especial , mas tambm as leis orgnicas no so, propriamente, leis para-
constitucionais. So leis que tm um regime prprio. No lei orgnica,
mas, quanto aprovao, as leis orgnicas so aprovadas simplesmente
por maioria absoluta e no por maioria qualificada de 2/3. A maioria de
2/3 s existe relativamente s leis orgnicas, na hiptese de vetopresidencial. Na hiptese de veto presidencial, uma lei orgnica s pode
ser confirmada pela Assembleia da Repblica por uma maioria de 2/3.
Apenas isso. Portanto, a forma de lei orgnica no interessa para aqui, o
que interessa a Constituio dizer expressamente que a lei do
Oramento elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de
acordo com a respectiva lei de enquadramento (), respeitando a lei de
enquadramento, que, semelhana de outras previstas na Constituio, se
impe s outras leis. Alis, a Constituio prev expressamente, nosartigos 280., 281. e 282., no s um controle de constitucionalidade,
mas tambm um controle de legalidade das leis, digamos, comuns em
relao s leis de valor reforado. Portanto, eu pessoalmente no vejo
qualquer vantagem em pr na Constituio uma norma, seja ela qual for.
Alis, a formulao da norma deve ser extremamente difcil para ter
alguma substncia. Pode ficar um princpio programtico, mas um
princpio programtico sempre susceptvel de vrias interpretaes e de
vrias adequaes e sempre dependente daquilo que se denomina como
reserva do possvel. Para ser algo extremamente pormenorizado,
concreto, definindo tudo, isso quase que seria outra Constituio. Ou,
ento, pretende-se que, margem da Constituio, haja uma Constituio
Oramental? Enfim, seria uma frmula possvel. Portanto, em vez de se
fazer uma Reviso Constitucional, inserindo uma qualquer norma no seio
da Constituio, fazer uma Lei Constitucional seria por via de Reviso
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Constitucional , estabelecendo todos esses critrios e parmetros. Mas eu
no sei se os especialistas de Finanas Pblicas esto todos de acordo
quanto formulao dessa regra. Provavelmente no estaro. Haver
muitos critrios, muitas divergncias, muitas teorias, muitas concepes
acerca do modo de entender o endividamento pblico. Ainda me lembrode ter assistido s Provas de Doutoramento do Professor Antnio Sousa
Franco, em que ele discutiu com o Professor Jos Joaquim Teixeira Ribeiro
o conceito de equilbrio oramental. E eu fiquei espantado quando vi que
havia uma multiplicidade de conceitos de equilbrio oramental. Pensava
que havia apenas um, mas no. H vrios. E quanto ao endividamento e
quanto s regras de delimitao do endividamento muito provvel que
haja tambm vrias teorias e vrias concepes. Formalizar isto, rigidificar
isto em normas de valor constitucional, que no temos a certeza que sero
cumpridas, ser vantajoso? No mais vantajoso um acordo poltico entre
as foras polticas democrticas para se entenderem durante um prazo,
um perodo que poderia ser o da legislatura ou um perodo mais alargado
(at ao final da dcada, por exemplo), quanto aos grandes princpios e
objectivos, deixando o resto para o contraditrio poltico, mas no pondo
em causa esses grandes princpios, independentemente das oposies, das
greves, das aces encetadas pelo Partido Comunista Portugus, pelo
Bloco de Esquerda e por outras foras?
A meu ver, a questo um pouco esta. Por conseguinte, com o devido
respeito, eu no vejo que seja soluo uma Reviso Constitucional para
este problema. A Reviso Constitucional teria a vantagem, pelo facto de
ter de ser aprovada por 2/3 dos deputados em efectividade de funes, de
ficar patente que 2/3, incluindo necessariamente o Partido Socialista,
estariam de acordo quanto a esse princpio. Mas eles j dizem que esto
de acordo, eles j todos dizem que esto de acordo. No cumpriram, mas
dizem que esto de acordo. Toda a gente est de acordo quanto a isso. O
problema cumprir e nada me garante que seja cumprido. Por outro lado,
uma Reviso Constitucional, nesta altura, a mim desgosta-me como
portugus. J se tivesse sido feita em 2010, enfim, por nossa iniciativa,
estaramos a fazer uma Reviso Constitucional em termos e com
resultados idnticos queles que foram obtidos na Alemanha, seguindo um
bom exemplo. Mas agora, neste momento, dois dias depois daquele
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Conselho Europeu que a mim, patrioticamente, me magoou muitssimo
Foram para l, aceitaram um diktat da chanceler Angela Merkel, pura e
simplesmente porque a Alemanha mais forte Todo o erro est, a meu
ver, tambm atrs, pelo facto de ns termos entrado na Zona Euro,
sabendo que o euro no era o euro, era o marco alemo, tendo umaeconomia que no estava adequada a uma moeda forte. Enfim, tambm
so guas passadas E evidente que agora tambm no podemos sair,
agora estamos presos. Mas tambm no sei se outros, se a situao se
agravar, no comearo a pr o problema Mas volto a dizer: se tivesse
sido em 2010, em Maio de 2010, livremente, soberanamente Agora, a
seguir a este Conselho Europeu H coisas que foram decididas em
Bruxelas que me ferem profundamente E a seguir vamos obedecer a
isto Repugna-me como portugus, confesso. Repugna-me
profundamente. De resto, vamos ver o que vai acontecer na Europa. Ao
que parece, a situao na Grcia agravou-se, porque o Fundo Monetrio
Internacional (FMI) recusa financiar mais, porque a Grcia rejeita baixar
(ou, pelo menos, de momento no quer aceitar) o salrio mnimo nacional
para o nvel portugus. Tambm no sabemos quem vai ser eleito
Presidente da Frana. A situao na Itlia muito instvel. H uma
propagao, tambm, destes problemas Blgica, ustria, Hungria. A
prpria Irlanda parecia estar melhor, mas tambm recentemente adoptou
novas medidas restritivas. Nesta medida, h todo um conjunto de factores
econmicos externos que tambm aconselhariam que ns, pelo menos,
no nos precipitssemos. Agora no nos precipitarmos. Se tivesse sido em
2010, embora eu no concorde, seria uma possibilidade, fosse qual fosse, e
seramos ns a adopt-la. Neste momento, acho que no. Custar-me-ia
muito que se fosse fazer isso. Custar-me-ia como portugus.
Depois h aqui algo a respeito da apreciao dos oramentos pela
Comisso Europeia que pe em causa os princpios da democracia
ocidental. Ao abrigo destes princpios, os oramentos nacionais so
aprovados pelos Parlamentos. (Considere-se tambm o) princpio non
taxation without representation, de origem anglo-saxnico, que remonta
Idade Mdia, com interveno das Cortes. E agora no. Temos, aqui, o
ponto seis do statement do Conselho Europeu, ao abrigo do qual as
bases, os parmetros, as chaves dos projectos de oramento so
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submetidas previamente Comisso. Posteriormente, a Comisso emite
parecer e pode mandar fazer correces. Isso tambm me choca imenso.
Em concluso, (importa frisar que) tambm no tenho nenhuma
certeza, porque toda esta situao de uma volatilidade tremenda e no
sabemos o que vai acontecer daqui a uma semana, daqui a um ms.
Agora, mesmo que se diga, neste momento, que a soberania no aquilo
que era noutros tempos, apesar de tudo, ainda h uma dignidade nacional
que est, aqui, um pouco, posta em causa.