OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PÚBLICO

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/3/2019 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO

    1/7

    OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO

    (Jorge Miranda, Professor Catedrtico, 13 de Dezembro de 2011, em

    debate promovido no IDL Instituto Adelino Amaro da Costa)

    Um pas pequeno como Portugal no pode ter muitas certezas daquilo

    que pode fazer ou no fazer na cena internacional, globalizada, em

    constante mutao. No podemos ter certezas.

    ()

    Em primeiro lugar, considero que o agravamento da situao emPortugal se deveu constituio do Governo minoritrio, em 2009. Devia

    ter sido formado um Governo de coligao, de grande coligao. Tendo

    em conta a gravidade da crise econmica que j se arrastava h mais de

    um ano, no compreendo continuo a no compreender , como que os

    partidos democrticos no se entenderam ou o Presidente da Repblica

    no imps uma soluo de Governo maioritrio. Um Governo minoritrio,

    como aquele que foi constitudo, estava condenado a viver em constante

    instabilidade, em constante dificuldade de governar. E a agravar a

    crispao, como se verificou, no tinha possibilidade de fazer uma poltica

    prpria, porque estava condicionado por uma maioria hostil no

    Parlamento, mesmo que fosse uma maioria puramente negativa.

    Portanto, a meu ver, o grande problema poltico nacional surgiu em 2009.

    No ter havido nessa altura, em face dos resultados eleitorais resultados

    eleitorais que traduziram a vontade do povo e que, portanto, tinham de

    ser respeitados , esta concluso: o Partido Social Democrata (PPD-PSD)

    no ganhou as eleies, mas o Partido Socialista tambm no ganhou as

    eleies. O Partido Socialista (PS), que tinha tido maioria absoluta, perdeua maioria absoluta. Portanto era tambm um derrotado daquelas eleies.

    Em face disso, os dois partidos dever-se-iam ter entendido, incluindo o

    Centro Democrtico Social (CDS-PP), tendo em conta a gravidade da

    situao e estar em causa mesmo o prprio funcionamento da

    Democracia. Os partidos democrticos deviam ter tido a uma atitude

  • 8/3/2019 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO

    2/7

    patritica. O patriotismo uma palavra que hoje quase no se ouve.

    Ningum fala praticamente nisso. Tornou-se politicamente incorrecto

    falar em patriotismo. Mas, naquela altura, era uma atitude patritica,

    teria sido uma atitude patritica fazer esse Governo e no Foi-se para

    um Governo como aquele que veio aos solavancos at Maro de 2011,com enorme dificuldade e com o agravamento constante da situao.

    Portanto, o grande consenso nacional, a meu ver, no estaria, em 2010,

    colocar na Constituio uma norma, qualquer que fosse, de restries ao

    endividamento ou de garantia do equilbrio das contas pblicas. O grande

    consenso nacional era a formao de um Governo de Unidade Nacional,

    um Governo de Unidade Democrtica, de convergncia dos trs partidos

    democrticos ou, pelo menos, os dois maiores. Essa que teria sido a

    soluo que daria aos mercados a confiana que no poderiam ter em face

    de um Governo minoritrio, constantemente atacado no Parlamento e que

    poderia cair a qualquer momento. E poderia ter cado muito tempo antes

    daquele em que caiu. Houve tambm a, da parte das vrias oposies,

    uma estratgia de desgaste do partido no poder. Portanto, a, acho que a

    razo fundamental da crise poltica para l dos factores econmicos,

    obviamente, que no esto em causa reside na no formao de um

    Governo maioritrio, em 2009. Tenho dito isto vrias vezes, e repito, e no

    desculpo quem poderia ter feito esse Governo de coligao, essa grande

    manifestao de consenso nacional relativamente quilo que era o

    fundamental em face da situao. A ustria teve um Governo de coligao

    durante vinte anos depois da II Guerra Mundial, a Colmbia tambm teve

    Governos de coligao. Tem havido Governos de coligao por toda a

    parte. A Alemanha tem duas vezes Governos de grande coligao. Como

    que s ns que no podemos ter? algo, para mim, totalmente

    estranho Mas poderamos fazer remontar isto, alis, a alguns vcios e

    alguns tiques que vm de 1974-75. De certa maneira, tambm no quero

    culpar as pessoas de 2009, tambm alguma coisa vem de 1974-75. O nose ter formado logo, em 1976, a seguir s eleies para a Assembleia da

    Repblica, que no deram maioria a qualquer partido, um Governo

    maioritrio. Tambm remonta a. Mas tambm, por outro lado, o Governo

    do Bloco Central de 1983-85 foi um Governo capaz de enfrentar a crise e

    de resolver problemas gravssimos, no plano financeiro, que tambm

  • 8/3/2019 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO

    3/7

    havia. Sem comparao, com certeza, com os problemas que ns hoje

    temos, mas, na altura, patrioticamente formou-se esse Governo. Durou

    pouco tempo, mas fez o essencial.

    Portanto, a meu ver, a questo essencialmente poltica. poltica e

    depois, tambm, econmica. No constitucional. Estar, na Constituio,

    uma norma que diga isso (entenda-se limite ao endividamento pblico)

    pretender ou supor que essa norma vai ser efectivamente cumprida. Ora

    pode haver factores internos que at faam que a norma seja cumprida ou

    que permitam que a norma seja cumprida, mas numa economia como a

    portuguesa, aberta, dependente do exterior, h sempre factores externos

    que vm projectar-se sobre a nossa economia e que podem levar

    constantemente a novos agravamentos da crise. Um problema econmico

    grave, como a recesso econmica dos Estados Unidos da Amrica ou nos a crise na Grcia, mas tambm na Itlia, na Espanha o desemprego na

    Espanha, com a vinda para Portugal de dezenas de milhares de

    trabalhadores portugueses em Espanha , ou uma crise na Frana ou at

    na prpria Alemanha, porque a Alemanha exporta, mas se os outros no

    compram tambm entra em crise. Como que estando na Constituio

    uma regra como essa, por mais que ns faamos, vamos conseguir vencer

    as dificuldades e tornar a norma efectiva? Tenho as maiores dvidas.

    Nesse aspecto, eu concordo inteiramente com aquilo que disse, j noVero passado, o Presidente da Repblica. So factores que esto muito

    para alm dos factores jurdicos. Ningum mais do que eu defende que as

    normas constitucionais devem ser cumpridas, mas este o tipo de normas

    constitucionais em que, para l dos agentes polticos internos, h factores

    externos, muito mais fortes, que podem impedir a sua efectividade. E,

    portanto, estar na Constituio e no ser cumprida ainda pior!

    Falou-se na regra da maioria qualificada de 2/3 para a Reviso

    Constitucional. No. Mais importante que os 2/3 seria o acordo, ento, dostrs grandes partidos. Alis, esse acordo j existiu. (Refiro-me ao) acordo

    que se fez com a Troika, em que o Governo demitido (pode dizer-se

    inconstitucionalmente, mas aqui pode invocar-se o estado de

    necessidade) negociou o acordo, mas com o acompanhamento e o apoio

    dos dois outros partidos democrticos. Esse consenso j existiu e pode

  • 8/3/2019 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO

    4/7

    manifestar-se, designadamente, numa votao na Assembleia da

    Repblica, at com um resultado superior a 2/3.

    Por outro lado, ns j temos, na nossa Constituio, uma previso de

    uma Lei de valor reforado a Lei de Enquadramento Oramental. A

    Constituio diz, expressamente, no artigo 106., n.1, que a lei do

    Oramento elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de

    acordo com a respectiva lei de enquadramento (). No considerada lei

    orgnica, realmente no lei orgnica as leis orgnicas tm um estatuto

    especial , mas tambm as leis orgnicas no so, propriamente, leis para-

    constitucionais. So leis que tm um regime prprio. No lei orgnica,

    mas, quanto aprovao, as leis orgnicas so aprovadas simplesmente

    por maioria absoluta e no por maioria qualificada de 2/3. A maioria de

    2/3 s existe relativamente s leis orgnicas, na hiptese de vetopresidencial. Na hiptese de veto presidencial, uma lei orgnica s pode

    ser confirmada pela Assembleia da Repblica por uma maioria de 2/3.

    Apenas isso. Portanto, a forma de lei orgnica no interessa para aqui, o

    que interessa a Constituio dizer expressamente que a lei do

    Oramento elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de

    acordo com a respectiva lei de enquadramento (), respeitando a lei de

    enquadramento, que, semelhana de outras previstas na Constituio, se

    impe s outras leis. Alis, a Constituio prev expressamente, nosartigos 280., 281. e 282., no s um controle de constitucionalidade,

    mas tambm um controle de legalidade das leis, digamos, comuns em

    relao s leis de valor reforado. Portanto, eu pessoalmente no vejo

    qualquer vantagem em pr na Constituio uma norma, seja ela qual for.

    Alis, a formulao da norma deve ser extremamente difcil para ter

    alguma substncia. Pode ficar um princpio programtico, mas um

    princpio programtico sempre susceptvel de vrias interpretaes e de

    vrias adequaes e sempre dependente daquilo que se denomina como

    reserva do possvel. Para ser algo extremamente pormenorizado,

    concreto, definindo tudo, isso quase que seria outra Constituio. Ou,

    ento, pretende-se que, margem da Constituio, haja uma Constituio

    Oramental? Enfim, seria uma frmula possvel. Portanto, em vez de se

    fazer uma Reviso Constitucional, inserindo uma qualquer norma no seio

    da Constituio, fazer uma Lei Constitucional seria por via de Reviso

  • 8/3/2019 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO

    5/7

    Constitucional , estabelecendo todos esses critrios e parmetros. Mas eu

    no sei se os especialistas de Finanas Pblicas esto todos de acordo

    quanto formulao dessa regra. Provavelmente no estaro. Haver

    muitos critrios, muitas divergncias, muitas teorias, muitas concepes

    acerca do modo de entender o endividamento pblico. Ainda me lembrode ter assistido s Provas de Doutoramento do Professor Antnio Sousa

    Franco, em que ele discutiu com o Professor Jos Joaquim Teixeira Ribeiro

    o conceito de equilbrio oramental. E eu fiquei espantado quando vi que

    havia uma multiplicidade de conceitos de equilbrio oramental. Pensava

    que havia apenas um, mas no. H vrios. E quanto ao endividamento e

    quanto s regras de delimitao do endividamento muito provvel que

    haja tambm vrias teorias e vrias concepes. Formalizar isto, rigidificar

    isto em normas de valor constitucional, que no temos a certeza que sero

    cumpridas, ser vantajoso? No mais vantajoso um acordo poltico entre

    as foras polticas democrticas para se entenderem durante um prazo,

    um perodo que poderia ser o da legislatura ou um perodo mais alargado

    (at ao final da dcada, por exemplo), quanto aos grandes princpios e

    objectivos, deixando o resto para o contraditrio poltico, mas no pondo

    em causa esses grandes princpios, independentemente das oposies, das

    greves, das aces encetadas pelo Partido Comunista Portugus, pelo

    Bloco de Esquerda e por outras foras?

    A meu ver, a questo um pouco esta. Por conseguinte, com o devido

    respeito, eu no vejo que seja soluo uma Reviso Constitucional para

    este problema. A Reviso Constitucional teria a vantagem, pelo facto de

    ter de ser aprovada por 2/3 dos deputados em efectividade de funes, de

    ficar patente que 2/3, incluindo necessariamente o Partido Socialista,

    estariam de acordo quanto a esse princpio. Mas eles j dizem que esto

    de acordo, eles j todos dizem que esto de acordo. No cumpriram, mas

    dizem que esto de acordo. Toda a gente est de acordo quanto a isso. O

    problema cumprir e nada me garante que seja cumprido. Por outro lado,

    uma Reviso Constitucional, nesta altura, a mim desgosta-me como

    portugus. J se tivesse sido feita em 2010, enfim, por nossa iniciativa,

    estaramos a fazer uma Reviso Constitucional em termos e com

    resultados idnticos queles que foram obtidos na Alemanha, seguindo um

    bom exemplo. Mas agora, neste momento, dois dias depois daquele

  • 8/3/2019 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO

    6/7

    Conselho Europeu que a mim, patrioticamente, me magoou muitssimo

    Foram para l, aceitaram um diktat da chanceler Angela Merkel, pura e

    simplesmente porque a Alemanha mais forte Todo o erro est, a meu

    ver, tambm atrs, pelo facto de ns termos entrado na Zona Euro,

    sabendo que o euro no era o euro, era o marco alemo, tendo umaeconomia que no estava adequada a uma moeda forte. Enfim, tambm

    so guas passadas E evidente que agora tambm no podemos sair,

    agora estamos presos. Mas tambm no sei se outros, se a situao se

    agravar, no comearo a pr o problema Mas volto a dizer: se tivesse

    sido em 2010, em Maio de 2010, livremente, soberanamente Agora, a

    seguir a este Conselho Europeu H coisas que foram decididas em

    Bruxelas que me ferem profundamente E a seguir vamos obedecer a

    isto Repugna-me como portugus, confesso. Repugna-me

    profundamente. De resto, vamos ver o que vai acontecer na Europa. Ao

    que parece, a situao na Grcia agravou-se, porque o Fundo Monetrio

    Internacional (FMI) recusa financiar mais, porque a Grcia rejeita baixar

    (ou, pelo menos, de momento no quer aceitar) o salrio mnimo nacional

    para o nvel portugus. Tambm no sabemos quem vai ser eleito

    Presidente da Frana. A situao na Itlia muito instvel. H uma

    propagao, tambm, destes problemas Blgica, ustria, Hungria. A

    prpria Irlanda parecia estar melhor, mas tambm recentemente adoptou

    novas medidas restritivas. Nesta medida, h todo um conjunto de factores

    econmicos externos que tambm aconselhariam que ns, pelo menos,

    no nos precipitssemos. Agora no nos precipitarmos. Se tivesse sido em

    2010, embora eu no concorde, seria uma possibilidade, fosse qual fosse, e

    seramos ns a adopt-la. Neste momento, acho que no. Custar-me-ia

    muito que se fosse fazer isso. Custar-me-ia como portugus.

    Depois h aqui algo a respeito da apreciao dos oramentos pela

    Comisso Europeia que pe em causa os princpios da democracia

    ocidental. Ao abrigo destes princpios, os oramentos nacionais so

    aprovados pelos Parlamentos. (Considere-se tambm o) princpio non

    taxation without representation, de origem anglo-saxnico, que remonta

    Idade Mdia, com interveno das Cortes. E agora no. Temos, aqui, o

    ponto seis do statement do Conselho Europeu, ao abrigo do qual as

    bases, os parmetros, as chaves dos projectos de oramento so

  • 8/3/2019 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS AO ENDIVIDAMENTO PBLICO

    7/7

    submetidas previamente Comisso. Posteriormente, a Comisso emite

    parecer e pode mandar fazer correces. Isso tambm me choca imenso.

    Em concluso, (importa frisar que) tambm no tenho nenhuma

    certeza, porque toda esta situao de uma volatilidade tremenda e no

    sabemos o que vai acontecer daqui a uma semana, daqui a um ms.

    Agora, mesmo que se diga, neste momento, que a soberania no aquilo

    que era noutros tempos, apesar de tudo, ainda h uma dignidade nacional

    que est, aqui, um pouco, posta em causa.