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OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE
ATUAL
Sílvia Maria Santos Marinho ([email protected]) (Mestranda em Crítica Cultural, Linha 2, UNEB, Campus II)
RESUMO:
Este trabalho tem por objetivo discutir em que medida os meios de comunicação e os meios de
produção reforçam o pensamento capitalista em uma sociedade e de que forma a língua por sua
capacidade formadora e permite experiências de liberdade em um contexto de ensino de língua
estrangeira, especificamente, a língua francesa. Para melhor desenvolvimento do trabalho será feita
uma revisão bibliográfica de autores como Raymond Williams, Jaime Ginzburg, Tomás Tadeu da
Silva, Michel Foucault, dentre outros. Para melhor compreensão, o trabalho se apresenta dividido em
três seções: o mundo letrado e suas implicações, os meios de comunicação como meios de produção e
reprodução e o mundo letrado e os meios de comunicação no processo de aprendizagem de FLE.1
Palavras-chaves: Meios de comunicação. Mundo letrado. Língua estrangeira.
1. INTRODUÇÃO
Os meios de comunicação são, ao mesmo tempo, produtos e meios de produção que
estão especialmente sob o domínio do desenvolvimento histórico da sociedade.
Vale ressaltar que dentro desse processo de desenvolvimento histórico, a língua possui
um papel importante e pode ser considerada como um instrumento de controle de massas, que
também pode ser responsável por produzir marginalizações e cortes de voz política.
O exercício crítico, no entanto, leva-nos a desconfiar de tudo aquilo que foi
naturalizado e que, justamente, por isso, adquire status de verdade. Desconfiamos, também,
da suposta neutralidade de instituições, como, por exemplo, a linguagem. É preciso,
principalmente, desconfiar dela, em todas as suas formas de manifestação, pois é através da
linguagem que se constrói ou se destrói a história da humanidade.
Enquanto sujeitos, somos constituídos pelos signos, pois estamos rodeados deles por
todos os lados. Estamos a todo o momento consumindo os signos sem nos darmos conta de
1 Francês Língua Estrangeira.
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que funcionamos como marionetes, agindo como reprodutores de um sistema que nos impede
de termos liberdade de expressão, de sermos sujeitos da nossa própria história.
Sempre nos foi apresentado que a linguagem seria capaz de nos expressar, mas na
realidade é ela que nos cria, que nos dirige. Dessa forma somos resultado de uma prática
discursiva. É através da linguagem que somos capazes de nos constituirmos enquanto sujeitos,
também é através dela que temos autonomia para esvaziar o sentido de todas as formas de
poder, de toda vontade de verdade, de todas as certezas e de toda espécie de naturalização.
Daí que os nossos corpos, que são explorados pelo trabalho e marcados pela nomeação
capitalista, precisam ser reinventados, mas se trata, aqui, de uma reinvenção feita por cada um
de nós, a partir da nossa própria criatividade e criticidade.
Como todo trabalho crítico, o que buscamos é a desconstrução dos discursos
hegemônicos que constroem a noção de realidade que prende uma quantidade enorme de
vidas em todo o globo. Para chegar a isso, partimos da cultura da linguagem, pois é através
dela que as coisas e sujeitos recebem um nome e, por conseguinte, são constituídos.
Nessa perspectiva, vale identificar a existência da linguagem do eu e a linguagem do
outro, que a partir daí pode nascer e acontecer aprendizagens, assim como pode surgir
conflitos. É comum encontrarmos situações em que as pessoas parecem não encontrar
palavras ou achar que as palavras não podem traduzir aquilo que elas sentem ou querem dizer
e não conseguem, pois, nesses casos, o que transparece é que existe um grande fosso entre o
pensamento e a linguagem. São comuns inclusive a omissão, o silêncio justamente por não
encontrar palavras adequadas para que haja a compreensão da situação.
As palavras, ainda hoje, podem ser consideradas como um risco, como um perigo que
podem causar danos ao público, a uma determinada sociedade. Falamos em liberdade de
expressão, falamos na existência de uma sociedade democrática, mas na verdade ainda há
uma grande preocupação em utilizar uma linguagem que esteja adequada às regras
institucionais. A imprensa, os meios de comunicação, a literatura ainda são censurados, são
controlados para que em seus discursos seu efeito não venha a ser contrário ao esperado pelas
instituições que os dominava.
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Em se tratando de Brasil, um país marcado pelas desigualdades é “comum” tanto no
mundo real, quanto as personagens de romances brasileiros a não permissão de sua entrada ao
mundo letrado, em função da sua posição social. Essa diferença de pertencimento a mundos
diferentes é perceptível em histórias como Vidas Secas (RAMOS, 2008) o distanciamento
desses mundos: letrado e não letrado, quando são representados pelo narrador, o letrado,
capaz de tecer julgamentos: Fabiano, aquele que possui grandes limitações, faz com que os
contrastes entre a linguagem culta do narrador e a linguagem não culta do personagem sejam
evidenciados.
2. O mundo letrado e suas implicações sociais
O surgimento e crescimento de movimentos sociais comprometidos com os direitos
humanos, no Brasil, possibilitou a esses grupos a liberdade de expressão visando tornar
visíveis seus desejos de transformação. Com o objetivo de tornar realidade essas
transformações o autor apresenta questionamento necessários para uma tomada de
consciência quanto ao seu papel dentro de uma sociedade que se diz democrática:
Em termos éticos, que papel cabe aos intelectuais, ao campo acadêmico, na
manifestação de direitos de pessoas que estão excluídas do mundo formal do
letramento? Sua posição é, em princípio, de defesa de direitos humanos, exercício de
responsabilidade para com o outro, solidariedade com os excluídos? No que se
refere aos movimentos sociais em andamento hoje, é possível definir se a linguagem
por eles utilizada, em suas manifestações públicas, corresponde a uma forma efetiva
de obtenção de impacto junto à sociedade? os grupos estão preparados para
interagirem, inclusive, de modo conflitivo, com outros grupos? Em termos jurídicos
e institucionais, cabem ainda perguntas. Em que medida seria preciso conhecer e
dominar a linguagem do grupo inimigo, para ter ideias aceitas e respeitadas? Em que
medida precisamos conhecer a linguagem do poder dominante para, dentro e fora
dela, implodir criticamente seus pressupostos? (GINZBURG, 2012, p. 10).
Em relação ao primeiro questionamento para ficar evidente, em nossa sociedade, a
impotência desse intelectual que reflete sobre os problemas sociais, mas que não consegue
transformar essa realidade, não consegue fazer uma intervenção, fazendo transparecer uma
fragilidade frente ao real, frente à dor do outro. Quanto ao segundo questionamento o autor
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faz referência às culturas do gueto, para explicar que o que se aplica a um grupo não se aplica
necessariamente a outro. Contrariamente, percebe-se que o grupo dominante tende a
universalização, como se todas as pessoas tivessem as mesmas necessidades, os mesmos
desejos. É a partir dessa perspectiva conservadora que os movimentos sociais refletem e
questionam esses posicionamentos, mostrando as especificidades de cada grupo, deixando
claro que as pessoas não têm as mesmas condições e, consequentemente, evidenciando os
diferentes interesses de cada grupo.
A propagação da necessidade da construção de um mundo letrado e que teoricamente
esse mundo seria melhor parece deixar brechas para algumas reflexões. Ser letrado significa
ser ético? Um mundo formado por pessoas cultas significa ter uma sociedade melhor, mais
humana? Historicamente, é possível identificar casos em que pessoas bem formadas
intelectualmente, que tiveram uma rica formação educacional foram responsáveis por grandes
tragédias humanas, como foi o caso Adolf Hitler que em nome de uma supremacia alemã e
antissemita e interesses econômicos propagou teses racistas e foi capaz de exterminar milhões
de pessoas. A partir de uma situação como essa fica claro que ser culto não significa ser ético.
Não foi dado àquelas pessoas o direito de justificar o porquê elas tinham e mereciam o direito
de viver. Nesse caso, Hitler tinha o poder da palavra e, por isso, se achava no direito de
escolher quem deveria viver e quem deveria morrer. Não é possível afirmar que ser inteligente
é ser ético, que todo intelectual é bom, que é ser e estar sensível ao outro. O ser letrado nessa
perspectiva é ter uma boa formação educacional, mas o ser ético estaria associado a algo que
o ser humano já traz em seu caráter.
Pertencer ao mundo dos excluídos, quer dizer, não pertencer ao mundo dos letrados,
ao mundo daqueles que estão imersos no mundo das letras, que possuem o poder da palavra
pode trazer a essas pessoas dificuldades para que elas exercitem os direitos sociais, visto que
essas pessoas não ocupam um lugar de fala privilegiado, fazendo com que sua voz não seja
ouvida, que seu discurso seja silenciado. Vale salientar que ser letrado não inviabiliza essa
pessoa de ser um defensor de princípios preconceituosos e excludentes.
A partir de um olhar crítico sobre a sociedade atual percebemos que o discurso
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institucionalizado é que tem o poder de silenciar vivências reais de determinados grupos,
omitindo verdades e reduzindo esses grupos a escória da sociedade. Em determinados
momentos da história quem esteve no poder fez questão de distorcer e manipular certos
discursos em prol de ideologias e interesses econômicos.
3. Os meios de comunicação e sua função de produção e reprodução
Os meios de comunicação têm como função a produção e a reprodução de aspectos
históricos que compõem o percurso da humanidade. Esses meios de comunicação estão
frequentemente ligados às forças de dominação e, por consequência, estão subordinados ao
desenvolvimento histórico. Esses meios de comunicação acabam por interferirem nas relações
e organizações sociais.
Segundo Raymond Williams (2011), os meios de comunicação aparecem como
dispositivos de informação, como meios de comunicação de produção e como aparelho
ideológico. Os meios de comunicação aparecem como dispositivos de informação quando são
associados apenas à mídia, concebidos como “transmissores” ou “receptores” de mensagens,
quando,
[...] as pessoas são vistas, então, como indivíduos abstratos que são representados de
maneira gráfica nos termos dessas funções abstratas ou, na melhor das hipóteses,
amplamente caracterizados como (i) possuidores de uma sociabilidade específica,
mas ainda abstrata – a comunicação entre “membros” de um grupo social, em geral
nacional ou cultural, sem referência intrínseca às relações sociais diferenciais dentro
de cada grupo [...] (WILLIAMS, 2011, p. 70).
Já os meios de comunicação enquanto meios de produção aparecem pautados na
diferença entre os meios de comunicação “naturais” e os “tecnológicos”. Os naturais
despontam como “comuns” e os tecnológicos surgem associados aos aparelhos mecânicos ou
eletrônicos, que são também conhecidos como “comunicação de massa”, pois estes
[...] meios de comunicação são reconhecidos como meios de produção, mas de modo
abstrato, e são de fato projetados ideologicamente como os únicos meios de
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produção nos quais será produzida a ‘retribalização’, a suposta restauração da
“aldeia global”, do homem natural ‘não caído’ [...] (WILLIAMS, 2011, p. 72).
Podemos dizer que essa comunicação de massa seria o processo de homogeneização
desses meios visando a perda da individualidade e padronização do indivíduo. O termo
“massa” remete a aquilo que é homogêneo, logo se as massas são homogêneas, esses meios de
comunicação seriam também homogêneos.
Por último, temos os meios de comunicação enquanto aparelho ideológico, posição
ideológica se espalhou através de várias vertentes do marxismo. Essa posição ideológica “[...]
reside em uma separação abstrata e apriorística entre os meios de comunicação e os meios de
produção [...]” (WILLIAMS, 2011, p. 72), que está intimamente ligada a produção para o
mercado, de objetos que para o mercado são facilmente descartáveis, tornando a comunicação
algo meramente de segundo plano. Nesse caso, toda a preocupação está voltada para a
produção do capital, para as “relações produtivas sociomateriais”.
Segundo Williams (2011, p. 76), é necessária fazer a distinção entre “[...] os modos de
comunicação que dependem dos recursos físicos humanos imediatos daqueles que dependem
da transformação, pelo trabalho, de material não humano [...]”. Os recursos físicos estão
centrados nas línguas faladas, que funcionam como produção social. Temos ainda os meios de
comunicação que dependem da transformação do material não humano. Nesse sentido,
podemos citar os principais tipos de transformação: o amplificador, o durável e o alternativo.
O tipo amplificador refere-se a aparelhos simples e comuns como o megafone e as
tecnologias de transmissão direta de rádio e televisão. O tipo durável pode ser associado a
alguns de tipos de comunicação que aparecem relacionados às áreas da pintura e escultura,
assim como a fala que muito contribui para o processo de transmissão oral, através da
gravação do som. O tipo alternativo está voltado para o desenvolvimento da escrita e dos
meios para sua reprodução, bem como os sinais físicos. É fato que todo esse discurso em
relação à acessibilidade aos meios de comunicação produzidos até hoje vem imbuído de
interesse econômico, consequentemente de produção de capital.
Visando a produção do capital através dos meios de comunicação compreendemos que
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os processos não acontecem da mesma proporção, uma vez que vivemos em uma sociedade
marcada pelas desigualdades, pela existência de classes sociais distintas. Logo, quando
falamos de amplificação de dentro de nossa sociedade, sabemos que somente algumas vozes
serão amplificadas, pois haverá sempre um processo de seleção e nem todos fazem parte.
Quanto aos meios duráveis, estes estão relacionados aos amplificadores. No entanto, é preciso
fazer uma distinção entre o amplificador e o alternativo, já que em alguns casos eles aparecem
como duráveis. Por exemplo, em uma exibição de um filme, não há a transmissão direta da
fala, pois tudo foi anteriormente gravado (vídeos, filmes, novelas, etc.). Vistos como meios
duráveis podem ser considerados alternativos, pois os recursos físicos passaram pelo processo
de transformação, isto quer dizer que, nesse caso, as formas de transmissão televisiva direta
podem ser consideradas um tipo alternativo.
É fato que a lógica industrial que move a\sociedade atual que está por trás dos meios
de comunicação de forma geral não abarca a todos de uma mesma forma, pois os grandes
investidores da comunicação funcionam de forma diferente das pequenas empresas de
comunicação, pois os interesses de cada grupo são diferentes.
4. O letramento e os meios de comunicação no processo de aprendizagem de FLE.
O ensino de Língua estrangeira (LE) e a escolha dessa língua a ser inserida na grade
curricular das escolas brasileiras sempre estiveram associados ao sistema político e
econômico do país. Logo, o ensino de línguas estrangeiras, nas escolas, reforça a manutenção
do ensino monoglota em um país com diversidade de realidades como o Brasil, uma vez que
essa prática pode reproduzir a estrutura de poder fundado em princípios capitalistas.
Estudar língua estrangeira é oportunizar ao educando ampliação de sua visão de
mundo, além de ser um elemento de desenvolvimento intelectual. O ensino de língua
estrangeira contribui para que o indivíduo possa tomar consciência de sua identidade, assim
como tomar consciência do valor de sua própria cultura, conhecendo outras culturas e
percebendo as diferenças e semelhanças entre elas. É preciso reconhecer que a aprendizagem
de uma segunda língua estrangeira tem o mesmo papel educativo que as outras disciplinas que
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compõem o currículo escolar.
A língua francesa exerceu um papel influente, no século XVIII, com a chegada da
Corte Portuguesa, entre a população urbana e letrada da época. Atualmente, é a língua inglesa
que ocupa um lugar de destaque no cenário brasileiro, e devido a essa influência, ela traz
como bagagem uma variada gama de conceitos e ideias da cultura norte-americana. Vale
ressaltar que, conforme a Lei Federal nº. 11.161 de 05 de agosto de 2005, o ensino da língua
espanhola tornou-se obrigatório nas escolas públicas e privadas de Ensino Médio e, de caráter
facultativo, no Ensino Fundamental, em todo o território nacional. No entanto esse ensino não
se tornou uma realidade no cenário brasileiro. O que se tem na realidade é a lei, mas, na
maioria das escolas públicas, essa disciplina ainda não é oferecida. Pode-se dizer é que a
partir da década de 90, a partir da propagação do processo de globalização surge a
necessidade de valorização e aprendizagem da língua espanhola. Um dos motivos que muito
influenciou nesse processo foi a expansão das relações comerciais entre Brasil e países Latino
Americanos falantes de Espanhol, com isso aumenta também, o número de empresas
estrangeiras advindas desses países. Mais uma vez fica claro que a política de mercado é que,
direta ou indiretamente, determina a língua estrangeira que deve ser ensinada nas escolas
brasileiras. Nesse caso, percebe-se que as relações de poder representam papel importante no
que se refere à escolha da língua obrigatória e da inserção da segunda língua estrangeira.
Por questões políticas e econômicas, no período pós-guerra (1945) a língua inglesa
passou a ocupar um espaço de destaque no cenário mundial e, também, brasileiro, e anos mais
tarde ela se tornou obrigatória no currículo escolar das escolas brasileiras. Sob a influência da
globalização e do transnacionalismo, a interação da comunidade internacional e a interação
com o mercado globalizado são conduzidos, principalmente, através da língua inglesa. Com
isso, aprender o inglês passou a ser sinônimo de melhores oportunidades de trabalho e
maiores chances de mobilidade social, significa dizer que em decorrência de uma atitude
social, o cidadão brasileiro aprende a língua inglesa para ter maiores chances de ascender
socialmente. Essa atitude social estabelece relação direta entre o conhecimento da língua
inglesa e o almejado sucesso material, o que é reforçado pela reprodução de valores
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ideológicos e culturais americanizados. Nesse caso, o aprendizado da língua estrangeira
resume-se, pode-se dizer, a uma atividade mecanizada.
O ensino de língua estrangeira deve levar o educando a reconhecer-se enquanto sujeito
ativo na sociedade, para que ele possa conhecer e compreender melhor o mundo ao seu redor,
além de ser um importante fator de desenvolvimento intelectual. Conceber a língua
estrangeira, unicamente, como instrumento de ascensão social é reduzi-la a um mero objeto de
negociação comercial.
Tomaz Tadeu da Silva em uma de suas reflexões sobre educação, a partir de uma
análise marxista, questiona:
[...] uma vez que na análise marxista, a economia e a produção estão no centro da
dinâmica social, qual é o papel da educação e da escola nesse processo? Como a
escola e a educação contribuem para que a sociedade continue sendo capitalista, para
que a sociedade continue sendo dividida entre capitalistas (proprietários dos meios
de produção), de um lado, e trabalhadores (proprietários unicamente de sua
capacidade de trabalho), de outro? [...] a escola contribui para a reprodução da
sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que nos
fazem ver os arranjos sociais existentes como bons e desejáveis [...] (SILVA, 2013,
p. 32).
A partir desse questionamento e da resposta dada, percebe-se que a escola é parte
importante nesse processo ao se tornar reflexo da economia capitalista vigente. Mais adiante,
Silva (2013, p. 34) acrescenta que, segundo “Bourdieu e Passeron, a dinâmica da reprodução
social está centrada no processo de reprodução cultural. É através da reprodução da cultura
dominante que a reprodução mais ampla da sociedade fica garantida”. Essa ideia só reforça
que a classe detentora do poder é que decide o valor social da cultura que prevalecerá na
sociedade movida pelo poder econômico.
A aprendizagem de uma língua estrangeira seja ela o inglês ou o francês não deve
estar atrelada somente ao aspecto econômico, ela deve acontecer na perspectiva de contribuir
com a formação do cidadão que participa e constrói sua história.
O saber e o poder, segundo Foucault, dialogam entre si de tal forma que os discursos
são construídos a partir das formas de dominação. Para ele, o discurso que comanda a
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sociedade é sempre o discurso de quem, na maioria das vezes, detém o saber. Ele focaliza na
sociedade capitalista o sujeito como aquela pessoa que está sendo construída a partir das
ideias produzidas pelos indivíduos que estão numa posição superior, de destaque, sendo
representados pela classe dominante.
O Brasil sempre foi um país marcado pelas diferentes classes sociais, o que significa
que, para cada classe, foi construída uma imagem que a faz, ter ou não poder na sociedade. O
processo civilizatório ao qual o Brasil sempre esteve exposto desde a colonização dos
portugueses, perdura até os dias atuais, dentro de outra configuração. O método utilizado
pelos portugueses, no momento da colonização, colocou o Brasil numa posição subalterna em
relação ao seu colonizador, confirmando a ideia de que aquele que domina terá o poder sobre
o seu dominado.
Para reforçar essa ideia de subordinação em relação a outrem, Tomaz Tadeu diz o
seguinte:
Embora seja evidente que somos cada vez mais governados por mecanismos sutis de
poder tais como os analisados por Foucault, é também evidente que continuamos
sendo também governados, de forma talvez menos sutil, por relações e estruturas de
poder baseadas na propriedade de recursos econômicos e culturais. (SILVA, 2013,
p. 145)
O sistema capitalista, hoje, pode ser entendido como o grande colonizador, o grande
dominador no cenário financeiro mundial, aquele que exerce o poder sobre aquele que não se
enquadra dentro desse perfil mercadológico. Assim, dentre as várias potências econômicas
mundiais destacam-se os Estados Unidos, que fortaleceu essa posição no período pós-guerra.
Pode-se dizer que a grande o grande discurso das potências capitalista é a universalização, a
totalização dos bens simbólicos e não simbólicos. Nesse contexto, é possível ver os Estados
Unidos, hoje, como o dominador em relação à política econômica brasileira e, como tal,
aquele que, em muitas situações, determina o rumo das políticas desenvolvidas em nosso país.
Dentre essas políticas, destaca-se a universalização da língua inglesa. Nesse caso, a língua
deixa de lado seu verdadeiro papel para funcionar simplesmente como instrumento de
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manutenção de um sistema financeiro vigente. O que reforçado por Quijano quando diz:
A incorporação de tão diversas e heterogêneas histórias culturais a um único mundo
dominado pela Europa, significou para esse mundo uma configuração cultural,
intelectual, em suma intersubjetiva, equivalente à articulação de todas as formas de
controle do trabalho em torno do capital, para estabelecer o capitalismo mundial.
Com efeito, todas as experiências, histórias, recursos e produtos culturais
terminaram também articulados numa só ordem cultural global em torno da
hegemonia européia ou ocidental. Em outras palavras, como parte do novo padrão
de poder mundial, a Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle de
todas as formas de controle da subjetividade, da cultura, e em especial do
conhecimento, da produção do conhecimento (QUIJANO, 2005, p. 110).
Mesmo esse processo de colonialidade sendo real, é possível pensar em formas
alternativas que conduzam o cidadão a perceber, compreender e interpretar o mundo, atual, de
outra forma, descentralizando o pensamento eurocêntrico-colonial de sua posição inicial, e
deslocando o pensamento das antigas colônias, das periferias, redimensionando-o para ocupar
e demarcar seu próprio lugar, numa perspectiva libertadora e igualitária. Maritza Montero
(apud LANDER, 2005) aponta algumas alternativas para que a América Latina ocupe o lugar
de fala de um povo até então subjugado por seus colonizadores. Dentre algumas alternativas
temos:
- Uma concepção de comunidade e de participação assim como do saber popular,
como formas de constituição e ao mesmo tempo produto de uma episteme de
relação.
- A ideia de libertação através da práxis, que pressupõe a mobilização da
consciência, e um sentido crítico que conduz à desnaturalização das formas
canônicas de aprender-construir-ser no mundo.
- A redefinição do papel do pesquisador social, o reconhecimento do Outro como Si
Mesmo e, portanto, a do sujeito-objeto da investigação como ator social e construtor
do conhecimento.
- O caráter histórico, indeterminado, indefinido, inacabado e relativo do
conhecimento. A multiplicidade de vozes, de mundos de vidas, a pluralidade
epistêmica (MONTERO apud LANDER, 2005, p. 15, grifos do autor).
O ensino de FLE pode ser uma alternativa para romper com essa falsa universalidade,
com o ensino monoglota; para propor um conhecimento universal enraizado numa
consciência não totalitária, mas que considera outras possibilidades de aquisição do
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conhecimento.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos realizados, neste trabalho, será uma oportunidade de verificar de que forma
os meios de comunicação agem como agentes transformadores, visando a construção de uma
sociedade melhor. Vale ressaltar que a partir da perspectiva de análise crítica do contexto
focalizado, será possível ter uma visão mais contundente sobre o assunto, permitindo perceber
as implicações sociopolíticas que circundam os espaços reservados à linguagem como
ferramenta de conhecimento crítico de nossa realidade.
A manutenção apenas de uma língua estrangeira, nas escolas públicas, é reduzir as
possibilidades do educando adentrar outros espaços e conhecer outras realidades, inclusive,
porque se vive, hoje, num contexto multidisciplinar, pluricultural, do qual a escola precisa
fazer a sua parte, oportunizando novos olhares e potencializando outros conhecimentos. Nesse
novo cenário de muitas informações, é preciso acrescentar, ampliar os conhecimentos e não
ignorá-los. Dessa forma, a manutenção do ensino monoglota representa uma espécie de
aprisionamento, um retrocesso em relação ao discurso proferido no contexto atual.
O ensino de língua estrangeira pode ser um instrumento de letramento, a partir da
introdução de um novo olhar, de uma perspectiva de mundo, onde o indivíduo pode até não
ter o domínio dos códigos dessa língua estrangeira, mas tem o conhecimento da sua existência
e a importância que ela ocupa na sociedade. Conhecê-la permitirá a esse indivíduo ter uma
visão mais ampliada de mundo, que pode levá-lo a reconhecer e valorizar sua realidade a
partir de outra realidade, de outra cultura. A possibilidade de conhecer uma língua estrangeira
pode empoderar o indivíduo e estimulá-lo a sentir-se parte integrante da história de seu lugar.
O ensino de Língua Francesa pode ser vista como um instrumento de Letramento nas
comunidades onde ainda essa disciplina faz parte da grade curricular da escola. Essa
disciplina passa a assegurar aos estudantes dessa comunidade, no caso específico de
Alagoinhas, um nível de educação diferenciado, marcado pela construção de um sujeito
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crítico capaz de fazer a diferença no meio em que vive. Da mesma forma, é preciso que se
reflita sobre o papel e sobre a importância do trabalho do professor de FLE na comunidade,
enquanto um mediador do conhecimento. Dentre as várias contribuições que o professor de
LE (língua estrangeira) pode oferecer aos alunos, ressalta-se a necessidade de ressignificar o
ensino da língua estrangeira, mostrando que esse ensino pode oportunizá-lo a adentrar em
outros espaços, outras culturas e, ao mesmo tempo, ressignificar a sua própria existência.
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