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MARIA CONCEIO MONIZ AMARAL DE CASTRO RAMOS
OS PROCESSOS DE AUTONOMIA E DESCENTRALIZAO
LUZ DAS TEORIAS DE REGULAO SOCIAL
O CASO DAS POLTICAS PBLICAS DE EDUCAO EM PORTUGAL
Dissertao apresentada para obteno do Grau de
Doutor em Cincias da Educao/rea Educao e
Desenvolvimento pela Universidade Nova de Lisboa,
Faculdade de Cincias e Tecnologia
Orientador: Professora Doutora Maria Teresa Ambrsio
LISBOA 2001
N de arquivo
Copyright
iii
memria de meu Pai, minha Me e Irmos.
Ao Joo Antnio e ao Joo Paulo.
A todos os meus Amigos.
v
AGRADECIMENTOS
Ao concluir este trabalho quero agradecer, em primeiro lugar, Professora Doutora
Maria Teresa Ambrsio, cuja companhia pessoal e intelectual foi para mim um estmulo
permanente.
Sem a sua rigorosa e pedaggica orientao, sem as suas sugestes, sem a sua
disponibilidade para acolher as minhas dvidas e hesitaes e sem a sua persistente
confiana na minha liberdade de investigar, este trabalho no teria sido possvel.
Tenho igualmente um dever de gratido para com a Faculdade de Cincias e
Tecnologia, instituio que me acolheu, designadamente para com os seus rgos cientficos
e directivos.
Aos colegas e amigos que me acompanharam ao longo deste percurso, desejo tambm
expressar o meu reconhecimento pela colaborao e ajuda que, de uma forma ou de outra,
constituram contributos inestimveis, facilitando a elaborao deste trabalho.
Os meus agradecimentos vo igualmente para as personalidades que se dispuseram a
fornecer dados indispensveis e decisivos sobre os quais me foi possvel trabalhar nesta
investigao.
Agradeo ainda Lusa Herdeiro, colega e amiga, que se disps, pacientemente, a rever
o texto e Nazar Escobar que partilhou comigo preocupaes e me ajudou na organizao
documental das Fontes.
vii
RESUMO
Como se opera a regulao dos Sistemas Educativos nas sociedades contemporneas, no
quadro das democracias avanadas, face a uma pesada herana dos modelos burocrticos de
organizao e administrao e prtica secular de regulao administrativa?
Para tentar trazer alguns esclarecimentos novos a esta questo que hoje se coloca com
pertinncia governabilidade das polticas sociais, procura-se analisar o caso portugus das polticas
pblicas de Educao, luz das teorias de regulao social.
Este objectivo tornou necessria vrias abordagens dos processos de autonomia e de
desconcentrao/descentralizao escala do espao nacional e regional autnomo.
A abordagem histrico-administrativa permitiu caracterizar o modelo tradicional e identificar os
traos dominantes da regulao orgnica e funcional dos modelos dogmticos weberianos.
A leitura crtica da inovao e mudana, luz das macro teorias de mudana social, bem como
das correntes de pensamento da cincia poltica, das cincias da educao e da administrao e gesto
tornaram possvel apreender a emergncia de um quadro dinmico de regulao das polticas
educativas.
A anlise da intencionalidade poltica de actores polticos confirmou a configurao de um
modelo que admite a participao social como instrumento de regulao.
O tratamento interactivo do conjunto de dados obtidos pela anlise documental e pelo inqurito
por entrevista, permitiu identificar como mudanas significativas novas ordens locais, processos de
concertao educativa em instncias de mediao autrquica e de regulao extra-escolar e a
constituio de dois subsistemas de regulao autnoma regional.
Considera-se que a presena da tendncia pesada do modelo tradicional, que a investigao
igualmente mostrou, refora a importncia das abordagens pluridisciplinares para a compreenso das
continuidades e rupturas dos modelos de regulao da Administrao da Educao.
Palavras chave:
Polticas Educativas, Processos de Autonomia e Descentralizao, Regulao Social,
Participao Social, Concertao Educativa, Modernizao Reflexiva, Intencionalidade Poltica dos
Actores .
ix
ABSTRACT
How can the regulation of Educational Systems be operated in todays societies within advanced
democracies, having behind it a heavy heritage through bureaucratic models of organisation and
administration and a century-old practice of administrative regulation?
In order to give some answers to the pertinent subject of social policy governance, the
Portuguese case of public educational policy was analysed by the light of social regulation theories.
Several approaches have been made to study the autonomy and the centralisation
/decentralisation processes on the scale of the national and the regional space.
The historical-administrative approach allowed us to identify the traditional model with its main
characteristics in the organic and functional regulation of weberian dogmatic models.
The critical reading of innovation and transformation, based on theoretical standpoints of the
social change macro-theories as well as on several thought trends in political, educational
administration and management sciences made us possible to understand the emergency of a dynamic
legal framework of educational policy regulation.
The analysis of actors political intentionality confirmed a new model in which the social
participation as a regulation instrument is allowed.
The interactive treatment of the data picked up from document analysis and inquiry (interviews)
enabled us to identify new local orders, social education dialogue and negotiation processes with
Local Administration and the civil society represented in a extra-scholar instance, as well as the
constitution of two regional regulation subsystems.
We believe that the presence of the heavy trend of the traditional model, also showed by
research, illustrates and reinforces the potential that multidisciplinary approaches have for research in
educational settings and their relevance to understand the continuities and ruptures of regulating
educational administration.
Key-words:
Educational Policy, Decentralisation and Autonomy Processes, Social Regulation, Social
Participation, Education Social Dialogue, Reflexive Modernization, ActorsPolitical Intentionality
xi
RSUM
Comment la rgulation des Systmes ducatifs sopre-t-elle au sein des socits
contemporaines dans le cadre des dmocraties les plus dveloppes, en tenant compte dun lourd
hritage des modles bureaucratiques dorganization et dadministration et de la pratique sculaire de
rgulation administrative?
En essayant dapporter quelques nouveaux claircissements cette question qui se pose
ajourdhui avec pertinence la gouvernabilit des politiques sociales, on cherche analyser le cas
portugais des politiques publiques dducation sous la perspective des thories de la rgulation
sociale.
Cet objectif a rendu ncessaire plusieurs approches des processus dautonomie et de
dconcentration/dcentralisation dans le contexte national et rgional autonome.
Lapproche historique-administrative a permis de caractriser le modle traditionnel et
didentifier les traits dominants de la rgulation organique et fonctionnel des mdles dogmatiques
weberiens.
La lecture critique de linnovation et du changement dans le cadre des macro thories e du
changement social et des courants de pense de la science politique, des sciences de lducation et
dAdministration et de Gestion, ont rendu possible lapprhension de lmergence dun cadre
dynamique de rgulation des politiques ducatives.
Lanalyse de lintentionalit politique des acteurs politiques a assur la configuration dun
modle qui permet la participation sociale comme un outil de rgulation.
Le traitement interactif de lensemble des donnes obtenues travers lanalyse du corpus de
documents et lenqute par des entretiens a permis didentifier en tant que transformations
significatives de nouveaux ordres locaux, de nouveaux processus de concertation ducative en des
instances de participation locale et de rgulation extra-scolaire et encore la formation de deux sous-
systmes de rgulation rgionale autonome.
On trouve que la prsence de la lourde tendance du modle traditionnel, que la prsente
recherche a montr aussi, a renforc limportance de la focalization pluridisciplinaire pour la
comprhension des continuits et des ruptures des modles de rgulation de lAdministration de
lducation.
Mots-cl:
Politiques ducatives; Processus dAutonomie, et de Dcentralisation; Rgulation Sociale;
Participation Sociale; Concertation ducative; Modernisation Rflexive; Intentionalit Politique des
Acteurs.
xiii
SIMBOLOGIA E NOTAES
Siglas utilizadas
AD
ANMP
Aliana Democrtica
Associao Nacional dos Municpios Portugueses
ASE Aco Social Escolar
BM Banco Mundial
CAE Centro de rea Educativa
CCR Comisso de Coordenao Regional
CDG Conselho de Directores Gerais
CERI Center for Educational Research and Innovation
CNE Conselho Nacional de Educao
DAAP Departamento de Avaliao Prospectiva e Planeamento
DEB Departamento de Educao Bsica
DEGRE Departamento de Gesto de Recursos Educativos
DEPGEF Departamento de Programao e Gesto Financeira
DES Departamento do Ensino Secundrio
DESUP Departamento do Ensino Superior
DG Direco Geral
DGAE Direco Geral de Administrao Escolar
DGEBS Direco Geral dos Ensinos Bsico e Secundrio
DRAE Direco Regional de Administrao Escolar
DREA Direco Regional de Educao do Alentejo
DREAL Direco Regional de Educao do Algarve
DREC Direco Regional de Educao do Centro
DREL Direco Regional de Lisboa
DREN Direco Regional do Norte
DREPA Direco Regional de Estudos e Planeamento
DRE Direco Regional de Educao
ECD Estatuto da Carreira Docente
xv
FEF Fundo de Equilbrio Financeiro
FLA Frente de Libertao dos Aores
FLAMA Frente de Libertao da Madeira
FMI Fundo Monetrio Internacional
GAE Gabinete de Assuntos Europeus
GEP Gabinete de Estudos e Planeamento
GETAP Gabinete do Ensino Tcnico Artstico e Profissional
GGF Gabinete de Gesto Financeira
GLAE Gabinete de Lanamento e Acompanhamento do Ano Escolar
IASE Instituto de Aco Social Escolar
IGAI Inspeco Geral de Administrao Interna
IGE Inspeco Geral da Educao
IIE Instituto de Inovao Educacional
INE Instituto Nacional de Estatstica
LAL Lanamento do Ano Lectivo
LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo
MAPA Movimento para a Autodeterminao dos Aores
ME Ministrio da Educao
MEC Ministrio da Educao e Cultura
MEN Ministrio da Educao Nacional
MIP
MPAT
Ministrio da Instruo Pblica
Ministrio do Planeamento e Administrao do Territrio
OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
OIT Organizao Internacional do Trabalho
PG Programa de Governo
PIDDAC Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administrao Central
PIPSE Programa Interministerial para a Promoo do Sucesso Educativo
PMP Plano de Mdio Prazo
PS Partido Socialista
PSD Partido Social Democrata
QCA Quadro Comunitrio de Apoio
xvi
RAA Regio Autnoma dos Aores
RAM Regio Autnoma da Madeira
RGA Reunio Geral de Alunos
RGE Reunio Geral de Estudantes
RGP Reunio Geral de Professores
RIID Rede de Investimentos em Infra Estruturas Desportivas
SEAM Secretrio de Estado Adjunto do Ministro
SEIP Secretaria de Estado da Instruo Pblica
SERE Secretrio de Estado da Reforma Educativa
SG Secretaria Geral
SREC Secretaria Regional da Educao e Cultura
SREAS Secretaria Regional da Educao e Assuntos Sociais
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
xvii
NDICE DE DIAGRAMAS
Diagrama de processo 7.1 Gesto de Recursos Humanos colocao de pessoal docente 245
Diagrama de processo 7.2 Gesto de Recursos Financeiros preparao e atribuio do oramento 246
Diagrama de processo 7.3 Gesto Pedaggica estabelecimento de programas 247
NDICE DE FIGURAS
Figura 3.1 Esquema de anlise 87
Figura 7.1 Territrio e funcionamento (1913-1979) Centralizao 219
Figura 7.2 Reforma do Estado (1979) Desconcentrao I 219
Figura 7.3 Reforma Educativa (1989) Desconcentrao II, Descentralizao e Autonomia 220
Figura 7.4 Configurao do modelo do sistema escolar na interface com a sociedade 225
Figura 9.1 Processo de regulao autnoma 291
Figura 9.2 Evoluo do modelo: alargamento do nmero de anos de escolaridade 311
Figura 10.1 Evoluo da viso e misso da SRE 331
Figura 11.1 Esquema de modelo de regulao entre nveis de administrao 363
Figura 13.1 Circuito regulador fechado 440
Figura 13.2 Circuito regulador aberto 441
xviii
NDICE DE GRFICOS
Grfico 9.1 Escolarizao nos Aores 1981 303
Grfico 9.2 Escolarizao nos Aores 1991 304
Grfico 9.3 Evoluo do investimento social 312
Grfico 9.4 Evoluo do investimento na Educao 313
Grfico 10.1 Escolarizao na Madeira 1981 340
Grfico 10.2 Escolarizao na Madeira 1991 340
NDICE DE ORGANOGRAMAS
Organograma 6.1 Estrutura orgnica do Ministrio dos Negcios do Reino (1901) 168
Organograma 6.2 Estrutura orgnica do Ministrio da Instruo Pblica (1913) 169
Organograma 6.3 Estrutura orgnica do Ministrio da Instruo Pblica (1914) 170
Organograma 6.4 Estrutura orgnica da Secretaria de Estado da Instruo (1918) 171
Organograma 6.5 Estrutura orgnica do Ministrio da Instruo Pblica (1919-1923) 172
Organograma 6.6 Estrutura orgnica do Ministrio da Educao Nacional (1936)
173
Organograma 6.7 Estrutura orgnica do Ministrio da Educao Nacional (1970) 178
Organograma 7.7 Estrutura orgnica do Ministrio da Educao (1993) 237
xix
NDICE DE QUADROS
Quadro 2.1 Distribuio de poderes 58
Quadro 4.1 Pontos de convergncia interpretativa dos autores 117
Quadro 6.1 Quadro evolutivo da reestruturao da Administrao Central 197
Quadro 6. 2 Ciclos e fases de desenvolvimento organizacional do ME 198
Quadro 7. 1 Perfil de funcionamento do ME antes e depois de 1989 221
Quadro 7. 2 Sntese dos traos de inovao e mudana 226
Quadro 7. 3 Evoluo do nmero de alunos 236
Quadro 7. 4 Evoluo do nmero de docentes 239
Quadro 7. 5 Evoluo do nmero de estabelecimentos de ensino 239
Quadro 7. 6 Distribuio de pessoal dos Servios Centrais do ME (1993) 240
Quadro 7.7 Distribuio por habilitaes literrias 241
Quadro 7. 8 Distribuio por antiguidade na categoria 241
Quadro 7.9 Distribuio por escales etrios 241
Quadro 7.10 Distribuio dos recursos humanos do DEGRE por servio e grupo profissional 242
Quadro 9.1 Cronologia dos processos de Autonomia e Descentralizao 292
Quadro 9.2 Taxas de analfabetismo 303
Quadro 9.3 Crescimento do sistema em 20 anos de Autonomia 305
Quadro10.1 O ensino nos ltimos censos 339
Quadro 10.2 Crescimento do sistema em 20 anos de Autonomia 342
Quadro 12.1 Sntese do processo de descentralizao para as Autarquias Locais 417
Quadro 13.1 Evoluo da importncia das funes do CNE 430
Quadro 13.2 Nvel de participao dos elementos do CNE 434
xx
NDICE GERAL
INTRODUO GERAL 1 Motivaes pessoais 3
2 Pertinncia do objecto de estudo 5
3 Estrutura do trabalho de investigao 7
I PARTE
CONTEXTOS DA PROBLEMTICA, ENQUADRAMENTO TERICO E
QUESTES DE INVESTIGAO
CAPTULO I
TENDNCIAS EVOLUTIVAS DAS SOCIEDADES CONTEMPORNEAS
Introduo 15
1 Contexto geral das sociedades contemporneas 16
2 Contextos econmico e financeiro e capacidade de adaptao da Educao 21
2.1 A economia virtual 22
2.2 O trabalho e a estrutura de emprego 23
2.3 O desemprego: novas razes, novo sentido 24
2.4 Racionalidade das polticas sociais e educativas 25
2.5 Racionalidade da governao da Educao 26
3 Contexto poltico e social: transformaes institucionais e reinveno do poltico 28
3.1 Novas condies estratgicas e novas realidades polticas 29
3.2 Fragmentao das sociedades e regionalismo 31
3.3 Transformaes institucionais e crise das instituies 32
3.4 A emergncia do sujeito 35
3.5 Debate pblico e deciso poltica nas democracias avanadas 36
4 Perspectivas analticas na investigao educativa: as teorias de mercado
e a perspectiva ps-moderna 38
5 Consequncias para a Educao: a reforma do pensamento educativo 40
Concluso 43
xxi
CAPTULO II
A ADMINISTRAO E OS ACTORES NO ORDENAMENTO
JURDICO-NORMATIVO (1986-1993)
Introduo 47
1. Contexto cultural nas polticas de administrao portuguesa 48
2. Contexto jurdico e administrativo da Educao (1986-1993) 51
2.1. O conceito jurdico e administrativo
de descentralizao/desconcentrao e autonomia 51
2.2. Descentralizao/desconcentrao nas Cincias de Gesto 54
2.3. Descentralizao/desconcentrao no quadro jurdico
e normativo da Administrao 54
3. A redefinio de papis e misso da Administrao Central 59
4. A participao e os actores dois conceitos em evoluo 61
4.1. A substituio de papis: de objectos e agentes a sujeitos e actores 63
4.2. Da cidadania representativa ao direito social de participao 65
5. Um novo quadro de referncia para a regulao educativa 68
Concluso 70
CAPTULO III
QUESTES DE INVESTIGAO E METODOLOGIA GERAL
Introduo 73
1 Questes tericas e epistemolgicas 78
1.1 A construo do caminho heurstico e as opes epistemolgicas 78
1.2 O papel da teoria 83
1.3 O paradigma metodolgico 85
2 Percurso heurstico da investigao emprica, procedimentos e mtodos 87
2.1 Metodologia geral 87
2.2 Mtodos e tcnicas 91
2.3 Critrios e funes das entrevistas 92
Concluso 94
xxii
CAPTULO IV
MUDANA SOCIAL, REGULAO E ADMINISTRAO DA EDUCAO
Introduo 99
1. Perspectivas de interpretao da mudana social 100
2. O conceito de modernizao reflexiva 103
3. A reinveno do poltico 106
3.1. A nova ordem social e a reforma de racionalidade 107
3.2. A politizao do local e do global 107
3.3. Da racionalidade inequvoca weberiana noo de ambivalncia 108
3.4. Realismo utpico e metamorfose institucional 109
4. A reinveno da gesto 111
4.1. A centralidade do conhecimento e a emergncia
da responsabilidade social 112
4.2. Novos centros de organizao poltica e descentralizao 114
4.3. As organizaes do consentimento e o federalismo organizacional 115
5. Teorias da Administrao Educacional e mudana social 118
Concluso 122
CAPTULO V
AS TEORIAS DE REGULAO SOCIAL
Introduo 125
1 A regulao econmica e a regulao social: trs eixos de diferenciao 127
1.1 Viso e conceito de sistema social 128
1.2 Natureza e formao das regras 129
1.3 O conceito e a importncia do poder 131
2 A regulao social: processo social e teoria de anlise 132
3 O actor social, as regras e a regulao 134
3.1 O actor social: constituio e conceito 134
3.2 As regras: origem, natureza e legitimidade 136
4 A regulao social como processo social 140
4.1 Tipologia das regulaes: regulao autnoma, de controlo e conjunta 141
xxiii
4.2 Limites da regulao conjunta 143
4.3 O conflito, a negociao e a regra 144
5 A desregulao 147
5.1 Principais processos de anomia 149
5.2 Consequncias ou efeitos gerais dos processos de anomia 150
6 O paradigma de regulao social: aspectos de renovao e inovao 151
Concluso 154
II PARTE
CENTRALIZAO/DESCENTRALIZAO E
REGULAO ADMINISTRATIVA
Introduo 159
CAPTULO VI AS REFORMAS DA ADMINISTRAO DA EDUCAO
DA 2 METADE DO SCULO XX
Antecedentes, princpios, contextos e traos gerais
Introduo 163
1. LEITURA HISTRICO-ADMINISTRATIVA: Da fundao primeira reforma estrutural (1870-1971)
1.1. Gnese e evoluo da estrutura orgnica do Ministrio da Educao 166
1.2. Evoluo do funcionamento da Administrao Central 175
2. LEITURA IDEOLGICO-CONCEPTUAL: Fundamentos e princpios das grandes reformas estruturais da segunda metade do sculo XX
2.1. A reforma de 1971 Consolidao do modelo burocrtico 177
2.1.1. Centralizao e concentrao de poderes na Administrao Central 177
2.2. A reforma de 1986-1989 e a transformao do modelo 185
2.2.1. Descentralizao, participao e centralidade da escola 186
2.3. A nova viso da Administrao 188
2.4. A reestruturao de 1993 194
2.4.1. Declnio do protagonismo da Administrao Central 194
2.4.2. Racionalidade gestionria e compresso de estruturas 194
2.5. Ciclos e fases de organizao da Administrao Central 197
xxiv
3. LEITURA SOCIO - POLTICA DA IMPORTNCIA DOS CONTEXTOS
3.1. A racionalidade das reformas 198
3.2. Da democratizao do ensino democratizao da administrao 201
3.2.1. O contexto de desenvolvimento reformista dos anos 70
e o contexto democrtico 201
3.2.2. Contextos socio-culturais e participao: da auscultao
social como recurso negociao poltico-partidria como mtodo 205
Concluso 211
CAPTULO VII
MODELOS DE ORDENAMENTO JURDICO E DE REGULAO:
LEITURA CRTICA DA INOVAO E MUDANA
Introduo 215
1 Autonomia e descentralizao no sistema de administrao escolar 217
1.1 O novo perfil de funcionamento 221
1.2 As novas formas de relao institucional 223
2 Do modelo realidade o comportamento da mquina 228
2.1 O funcionamento da administrao central desafios e reaces
na adaptao mudana 228
2.2 Organizao de poderes e estratgias relacionais 229
3 Estrutura intencional e prtica funcional a persistncia da herana cultural 234
3.1 Uma prtica feita de inrcias e reproduo de modelos,
procedimentos e regras 235
3.2 Conservao do modelo: centralizao de funes executivas
e rotinas burocrticas 244
4 O mesmo sistema de informao e a mesma racionalidade instrumental 248
4.1 A consolidao de crculos viciosos burocrticos 249
4.2 Lgicas e pressupostos na mudana do modelo 252
Concluso 254
xxv
CAPTULO VIII
O PAPEL E AS ESTRATGIAS DOS ACTORES: LEITURA
DA INTENCIONALIDADE POLTICA DOS ACTORES SIGNIFICANTES
Introduo 257
1 Os actores significantes e a intencionalidade poltica 261
2 Intencionalidade poltica do primeiro actor: a lgica instituinte de mudana e a
perspectiva idealista de realismo utpico 261
2.1 As estratgias de emancipao e o desequilbrio do sistema: modelo
intencional, objectivos e estratgias 264
2.2 Intencionalidade poltica do primeiro actor: a mobilizao social
e a participao 268
2.3 Condies de satisfao e causalidade intencional 271
3 Intencionalidade poltica do segundo actor: a modernizao do sistema
e a racionalidade gestionria 274
3.1 As estratgias de flexibilizao das estruturas e a racionalizao de recursos 274
3.2 Anlise Interpretativa: Quadro de referncias polticas e ideolgicas:
a gesto e a eficincia 277
3.3 Condies de satisfao e causalidade 277
Concluso 279
III PARTE
OS PROCESSOS DE AUTONOMIA REGIONAL E
A REGULAO AUTNOMA
Introduo 283
CAPTULO IX
O CASO DOS AORES:
AUTONOMIA E DESENVOLVIMENTO
Introduo 295
1. Organizao poltica da Educao: Viso e misso 300
2. Opes estratgicas: Educao e Cultura 302
3. O projecto educativo regional 306
3.1. Da poltica de infncia educao permanente 307
xxvi
3.2. O alargamento da escolaridade num sistema em crescimento 309
3.3. Polticas de desenvolvimento 311
Concluso 315
CAPTULO X
O CASO DA MADEIRA:
SOCIALIZAO E DESENVOLVIMENTO
Introduo 321
1. Organizao poltica da Educao - viso misso e estratgias 325
2. Opes estratgicas: Educao e Juventude 325
3. Polticas de Administrao 334
4. O projecto educativo regional 337
4.1. Da poltica de ensino poltica integrada de educao e juventude 337
4.2. Lgicas de crescimento, inovao e estratgia poltica 343
Concluso 349
CAPTULO XI
DIVERSIDADE E IDENTIDADE DOS
PROCESSOS DE AUTONOMIA
Introduo 353
1. A construo das autonomias e a estratgia dos actores 355
2. Estratgias de afirmao poltica: conflito e cooperao 355
3. Estratgia de afirmao regional e medidas experimentais 360
4. Dois subsistemas com regulao autnoma: aspectos comuns e singulares 364
5. LEITURA CRTICA E COMPREENSIVA DOS PROCESSOS DE AUTONOMIA 368
5.1. A comunidade, o projecto e a regulao autnoma 368
5.2. Os actores e as regras 371
5.2.1. A autonomia dos Actores 371
5.2.2. A racionalidade das regras 373
Concluso 376
xxvii
IV PARTE
INSTNCIAS MEDIADORAS
ENTRE A ADMINISTRAO E A SOCIEDADE
Introduo 381
CAPTULO XII
OS PROCESSOS DE DESCENTRALIZAO
E A MEDIAO AUTRQUICA
Introduo 387
1 ANLISE ESTRATGICA DO PROCESSO DE DESCENTRALIZAO PARA O PODER LOCAL
1.1 O novo quadro jurdico-constitucional das Autarquias e as novas formas
de relacionamento entre a Administrao Central e Local 390
1.1.1 Os processos de descentralizao 392
1.1.1.1 Gnese e traos gerais 392
1.1.1.2 Evoluo do processo: trajectrias e lgicas 396
1.2 A participao do Poder Local nas polticas educativas 399
1.2.1 Formas e modos: Partilha contratual, representatividade e parceria 399
1.2.2 A participao na perspectiva dos Actores:
a via da negociao poltica entre o bloqueio e o dilogo social 400
2 LEITURA CRTICA LUZ DAS TEORIAS DE REGULAO SOCIAL
2.1 Esboo de um modelo de participao local nas polticas educativas 403
2.2 A emergncia da regulao social a racionalidade das regras 404
2.3 A alterao do sistema de relaes e a regulao social educativa 405
2.4 A autonomia dos actores, a negociao e a regra 407
3 Comparao entre os processos de autonomia e descentralizao 410
3.1 Percurso e mtodo 411
3.2 A descentralizao poltica: uma teia urdida a partir do centro 413
Concluso 415
xxviii
CAPTULO XIII
INSTNCIAS DE CONCERTAO E PARTICIPAO SOCIAL
Introduo 421
1 Os rgos de consulta superior na regulao das polticas educativas 424
2 O Conselho Nacional de Educao e a regulao extra-escolar 426
2.1 Definio, composio e perfil 426
2.2 Representatividade e consenso 430
2.3 Lgica de funcionamento 432
2.4 Papel e funes 435
3 Participao e concertao educativa 437
4 A mudana de ciclo no modelo de regulao das polticas 439
5 O Conselho Nacional de Educao e a deciso poltica 442
Concluso 444
CONCLUSES GERAIS
CONTINUIDADES E RUPTURAS NOS QUADROS
DE GOVERNABILIDADE E DE REGULAO DA EDUCAO
1. Histria metodolgica da investigao 447
2. Os paradigmas e as lgicas da investigao 449
3. A evoluo do pensamento sobre a Educao e a Administrao 450
3.1. A modernizao do sistema 450
3.2. Uma nova relao entre a Administrao da Educao
e a sociedade: a participao social, os pactos e a contratualizao 455
4. Um retrato feito da reflexo sobre traos e espaos configurativos 458
5. Nota final Limites e perspectivas futuras 461
xxix
xxx
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes 467
Bibliografia 473
NDICE DE AUTORES
ndice de autores 496
ANEXOS
Anexo I: Legislao consultada 507
1. ndice cronolgico de legislao nacional 507
2. ndice cronolgico de legislao regional 513
Anexo II: Bases jurdicas de desconcentrao e descentralizao 515
1. Desconcentrao 517
2. Quadros de distribuio de competncias 518
3. Descentralizao 521
Anexo III: Inqurito por entrevista 523
1. Guies 525
2. Protocolos 530
3. Consideraes metodolgicas 634
4. Grelhas de anlise 638
Anexo IV: Programas de Governo e Planos de Mdio Prazo Regionais 644
1. Transcrio de Programas de Governo da Regio Autnoma dos Aores 648
2. Transcrio de Programas de Governo da Regio Autnoma da Madeira 661
3. Planos de Mdio Prazo e relatrios de Execuo
da Regio Autnoma dos Aores 687
Anexo V: Tratamento estatstico de dados 691
1 1. Regies Autnomas 693
2 2. Conselho Nacional de Educao 697
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INTRODUO GERAL
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INTRODUO GERAL
1. MOTIVAES PESSOAIS
Penso que no podemos saber com certeza as razes que, de facto, determinam as nossas
escolhas. Poder-se- talvez invocar o argumento de Aristteles de que o homem faz o que
gosta e gosta daquilo que conhece.
Admito-o como possvel justificao desta escolha pessoal, na medida em que sempre
nutri uma paixo pelo estudo e, de h uns anos a esta parte, o conhecimento da Educao,
como sistema, me fascina.
Mas, provavelmente, parafraseando Ortega y Gasset1 tal como os homens, as decises
tm tambm as suas circunstncias.
o caso presente em que vrias circunstncias tero contribudo para eleger a
investigao como projecto de trabalho, quando em 1996, conclua a ltima comisso de
servio no Ministrio da Educao e escolhia a regulao das polticas de Administrao
como objecto de estudo.
Se, h 25 anos, no tivesse sido eleita presidente do conselho directivo de uma escola
secundria, para substituir uma gesto militar, em tempo de democratizao da
Administrao, vivendo uma experincia de administrao local;
Se, em 1979, no tivesse, pela primeira vez, tomado parte na reestruturao da
Administrao Central, desempenhando funes na base da pirmide decisional como chefe
de diviso e, enquanto tal, no tivesse despachado e informado superiormente milhares de
processos, iniciando o conhecimento dos meandros da mquina administrativa;
Se, em 1981, no tivesse assumido responsabilidades, como directora regional de
administrao escolar, aps a transferncia de competncias para a Regio Autnoma dos
Aores e no tivesse a, adquirido a perspectiva global de administrar e gerir o sistema a
nvel regional (Educao: do pr-escolar ao superior e Cultura na vertente administrativa) e
no tivesse mantido, por inerncia de funes, um relacionamento institucional entre o local,
o regional e a administrao central;
E se, em 1988, no tivesse regressado Administrao Central como directora geral e
participado no projecto da Reforma Educativa;
3
1 Para este autor o dado essencial no o cogito, mas eu penso e o mundo que eu penso em interaco: Yo soy yo i mi circunstncia.
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Ou se no tivesse feito parte do Conselho Nacional de Educao (1992-1996) e
participado nas discusses sobre as polticas educativas;
Ou ainda se no tivesse integrado e coordenado grupos de trabalho, comisses
negociadoras, ou chefiado e integrado delegaes portuguesas segunda reunio paritria da
O.I.T. (1991) ou participado em conferncias comunitrias (1991-1994), instncias onde o
dilogo e a negociao se praticam e valorizam como instrumento de deciso, dificilmente
teria sido mais motivada a reflectir e investigar sobre os processos de autonomia e
descentralizao ou induzida a questionar a governabilidade dos sistemas educativos e a
participao social.
Certamente esta experincia acumulada num percurso profissional que acompanha a
evoluo e a prpria trajectria da Administrao da Educao entre 1976-1996 ter
convergido para despertar o interesse por esta problemtica e para considerar, como hoje
considero, que entre o conhecimento da realidade local, trazido pelo olhar micro da
investigao e, o imaginrio, apresentado por novos quadros legais, ser desejvel juntar a
percepo macro dos processos de mudana, ainda que genericamente esboada.
Estes factos ocorreram em tempos polticos, espaos geogrficos e organizacionais e
contextos decisionais diferenciados, marcando um percurso de aco, mas abriram perspectivas
para um outro percurso heurstico de investigao, onde hoje me situo e caminho.
No posso, por esse facto, ignorar ou subvalorizar nesta escolha os resultados obtidos em
trabalhos de investigao anteriores, que fui fazendo sobre aspectos da mudana conceptual e
praxeolgica, iniciada nos ltimos anos na Educao portuguesa, designadamente a ruptura de
paradigma decisional, introduzida pelo processo de negociao do estatuto da carreira docente
dos Ensinos Bsico e Secundrio.
Foi-me dado concluir nesses trabalhos que a governabilidade do Sistema Educativo j no se
resume emisso ou prticas de actos de autoridade, mas tende a fazer-se num jogo de
balano e compromisso entre decisores e administrados.
Contudo, ainda que esta concluso aponte para a evidncia de um novo quadro de
governabilidade, no decorre dessa evidncia uma compreenso efectiva sobre o sentido da
mudana, ou sobre os efeitos que o esforo de renovar as polticas e o seu desenvolvimento
provocaram, o que me leva a considerar que para alm das motivaes pessoais, o objecto de
estudo igualmente pertinente nos domnios poltico, social e acadmico pelas razes que
seguidamente passo a enunciar.
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2. PERTINNCIA DO OBJECTO DE ESTUDO
A governabilidade educativa depara-se, hoje, nos pases desenvolvidos com um vasto e
complexo problema de gesto de um sistema formal, pesado, imerso numa moderna teia de
redes (sociedade civil, sindicatos, associaes de pais e encarregados de educao,
instituies socio-culturais, governamentais e no governamentais, poderes regionais e
locais) para a qual se procuram solues adequadas.
Nos ltimos quinze anos, os sistemas educativos tm sido sujeitos a intervenes
polticas sem precedentes2 que desafiam os responsveis administrativos e polticos a
redefinir a arquitectura destes sistemas e os processo de deciso.
As reformas educativas vieram criar novos sistemas de desenvolvimento poltico e a
compreenso de que desejvel descentralizar, no s para tornar o processo poltico mais
efectivo, mas porque se acredita na participao social, como instrumento e estratgia de
concretizao da cidadania social.
Regista-se, alm disso, um interesse crescente nos meios polticos e tambm acadmicos
no sentido de conhecer para que formas de regulao entre o central e o local evoluem, hoje,
as administraes dos sistemas educativos e quais as consequncias que estas evolues
podem ter sobre a natureza da organizao e administrao do sistema.
Relatrios tcnicos, polticos3 e acadmicos mostram a preocupao dos governos e
parceiros em conhecer a nova realidade educativa como instrumento til no campo da
interveno poltica.
2 Citem-se, como exemplo, as reformas da Educao levadas a efeito em vrios pases da Europa: em Frana,
1989, La Loi dorientation sur lducation. a primeira vez que, desde J. Ferry (1881), uma lei francesa
abrange a totalidade do Sistema Educativo. Esta lei fixa os grandes objectivos da poltica francesa em matria
de Educao, uma poltica para dez anos e , nesse sentido, que o termo loi dorientation difere de loi de
programmation, visto que no comporta a planificao oramental; Espanha, 1989, o movimento da reforma
comea com a publicao de um Libro Branco para la Reforma del Sistema Educativo, fruto de um debate que
comeara em 1987 na comunidade educativa e que se inicia em 1991; Reino Unido, 1988, o Education Reform
Act (ERA) cobre todos os nveis de ensino na Inglaterra e no Pas de Gales e s o universitrio na Irlanda do
Norte e na Esccia.
3 A ttulo meramente exemplificativo destacam-se: o relatrio da comisso presidida por Roger Faroux (1996)
intitulado Pour lcole; o relatrio Al Gore (1994) sobre o estado da administrao pblica americana; os
estudos publicados pelo CERI sobre Les processus de dcision dans 14 sistmes ducatifs ou ainda a
monografia de investigao conduzida por Margaret Maden (2000) sobre as mudanas relevantes na forma
como a Educao est a ser governada na Europa, para a Association of Education Commitees (AEC) trust, a
que significativamente deu o ttulo de Shifting gear Changing patterns of Educational Governance in Europe.
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Deste modo, o desenvolvimento das polticas de descentralizao e de autonomia
comeam a fazer parte da agenda de investigao, incidindo sobre o papel do Estado, isto ,
sobre a descentralizao ou desconcentrao da aco pblica e sobre o lugar da
concorrncia no servio pblico.
De maneira directa ou indirecta, esta nova problemtica, embora inscrita no quadro de
preocupaes sobre a eficcia e equidade do ensino e, partindo de referncias de ordem
tcnica e poltica, mobiliza princpios ideolgicos para a compreenso das modificaes
institucionais e abre um novo campo de investigao em Cincias da Educao, onde
comeam a surgir diferentes abordagens sobre as responsabilidades educativas no plano
regional e local.
Muitos so os estudos que elegem a escola e recentemente os territrios educativos como
objecto de investigao, mas comeam j a surgir trabalhos de investigao4, sobre centros
de deciso e decisores numa perspectiva macro, fazendo incidir as anlises sobre as polticas
de articulao entre o central e o local.
Adoptaremos essa perspectiva de anlise, procurando penetrar no interior do sistema e
da mquina que o suporta e entreabrir uma brecha para a compreenso da sua forma de
estar e funcionamento.
4 A este propsito ver Walford (1994) Researching up the powerful in Education.
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3. ESTRUTURA DO TRABALHO DE INVESTIGAO
O trabalho de investigao est estruturado em quatro partes.
Na I Parte intitulada: Contextos da Problemtica, Enquadramento Terico e Questes de
Investigao, procura-se contextualizar e delimitar a problemtica da investigao.
Formulam-se as questes de investigao e apresentam-se as bases tericas e metodolgicas
em que o trabalho se inscreve.
No Captulo I, com o ttulo Tendncias Evolutivas das Sociedades Contemporneas,
descreve-se o contexto geral da problemtica, focando as transformaes sociais, polticas,
econmicas e institucionais que influenciam a reforma do pensamento educativo e
equacionam-se as perspectivas de abordagem na investigao educativa.
No Captulo II, intitulado A Administrao e os Actores no Ordenamento Jurdico-
-Normativo (1986-1993), identifica-se o contexto especfico da problemtica inserido na
cultura dominante da administrao pblica portuguesa e circunscreve-se o contexto
jurdico-normativo, introduzido nas polticas de regulao da Administrao com a Lei de
Bases do Sistema Educativo e legislao regulamentar.
No Captulo III, com o ttulo Questes de Investigao e Metodologia Geral, delimita-se a
problemtica e as questes de investigao. Abordam-se algumas questes tericas da
investigao e descreve-se o percurso heurstico e metodologia da investigao emprica.
O Captulo IV, intitulado Mudana Social e Administrao da Educao, centra-se sobre
perspectivas gerais de interpretao das sociedades contemporneas e interpretaes tericas de
mudana social. Trata-se de um captulo que induz e contextualiza o enquadramento terico.
Corresponde ao percurso heurstico de investigao na busca de um quadro terico de
anlise adequado problemtica da regulao das polticas de Administrao Escolar, nos
contextos gerais e especficos definidos nos Captulos I e II.
Mobilizam-se, neste captulo, conhecimentos das Cincias da Educao e de vrias
disciplinas (Sociologia, Gesto, Cincia Poltica) com o objectivo de formular perspectivas
alternativas de abordagem terica.
No Captulo V, intitulado As Teorias de Regulao Social, procura-se realizar uma
construo conceptual das bases tericas que orientaro o trabalho emprico.
As restantes partes constituem o trabalho emprico e correspondem s unidades de
anlise da investigao: a Administrao Central do Ministrio da Educao, os processos de
Autonomia Regional e os processos de Descentralizao e de Participao Social nas
polticas educativas.
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Na II Parte, intitulada Centralizao/Descentralizao e Regulao Administrativa, procura
dar-se uma perspectiva global da evoluo da Administrao Escolar, identificando os modelos
que a regeram antes e depois da Reforma Educativa de 1989 e at meados dos anos 90.
Com este objectivo interroga-se a Administrao Central para conhecer os aspectos de
conservao e mudana atravs de uma leitura histrico-administrativa dos modelos
organizativos e funcionais e de uma leitura crtica da inovao e mudana do ordenamento
jurdico, as quais se articularo com a leitura da intencionalidade poltica dos Ministros da
Educao do XI e XII Governos Constitucionais que cumpriram o mandato normativo da Lei
de Bases do Sistema Educativo.
No Captulo VI, com o ttulo As Reformas da Administrao da Educao da segunda
Metade do Sculo XX Antecedentes, princpios, contextos e traos gerais abordam-se as
reformas em questo, comparando princpios orientadores e organizativos, contextos e traos
gerais, com o objectivo de apurar os conceitos de modernizao, democratizao do ensino e
democratizao da administrao.
O Captulo VII, intitulado Modelos de Ordenamento Jurdico e de Regulao,
debrua-se sobre os traos de inovao e mudana que a Administrao Central regista no
seu funcionamento, em consequncia da restruturao e da misso que a reforma de 1989 lhe
atribuiu. A se identificam hipteses explicativas para a discrepncia entre a estrutura
intencional da reforma e a prtica funcional.
No Captulo VIII, com o ttulo O Papel e as Estratgias dos Actores: Leitura da
Intencionalidade Poltica dos Actores Significantes, analisa-se a lgica instituinte de
mudana na intencionalidade poltica dos actores.
Constituindo a descentralizao um princpio organizador da Reforma Educativa e ao
mesmo tempo uma estratgia poltica a III Parte, intitulada Os Processos de Autonomia
Regional e a Regulao Autnoma, centra-se na compreenso dos processo de Autonomia
das Regies Autnomas dos Aores e da Madeira, procurando mostrar a existncia de dois
subsistemas de administrao escolar com regulao autnoma.
Os Captulos IX e X analisam os projectos educativos regionais das duas Regies,
perspectivando o desenvolvimento dos processos de descentralizao no quadro do sistema
nacional, fazendo uma leitura crtica e interpretativa luz das teorias de regulao social.
No Captulo XI, intitulado Diversidade e Identidade dos Processos de Autonomia,
procede-se comparao entre processos e estratgias polticas na construo das
autonomias regionais, identificando os aspectos ou percursos singulares e comuns no
desenvolvimento de um projecto educativo regional.
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Considerando que na nova cultura poltica das sociedades democrticas a governao
no uma responsabilidade exclusiva dos governos que partilham com a sociedade civil
organizada responsabilidades, a IV Parte deste estudo, intitulada Instncias Mediadoras
entre a Administrao e a Sociedade, centra-se nos processos de descentralizao como
processos de regulao social e estuda o papel e aco do Conselho Nacional de Educao
enquanto instncia poltica de regulao extra escolar das polticas educativas.
No Captulo XII, intitulado Os Processos de Descentralizao e a Mediao
Autrquica analisa-se o processo de transferncia de competncias para as Autarquias
Locais e a participao do Poder Local nas polticas educativas, sustentando a emergncia de
formas de regulao social nos processo de descentralizao. Na economia da lgica
argumentativa da investigao retomam-se neste captulo as concluses da III Parte sobre os
processo de autonomia regional, para comparar estes com os processos de descentralizao
para as Autarquias Locais.
O Captulo XIII, intitulado Instncias de Concertao e Participao Social descreve o
funcionamento e o papel do Conselho Nacional de Educao na concertao das polticas
educativas. Finalmente na Concluso, depois de lembrar a histria metodolgica, os
paradigmas e as lgicas de investigao, sublinham-se os aspectos que emergiram como
mais relevantes da reflexo sobre as continuidades e rupturas nos quadros de
governabilidade e de regulao da Administrao Escolar.
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I PARTE
CONTEXTOS DA PROBLEMTICA, ENQUADRAMENTO TERICO
E QUESTES DE INVESTIGAO
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CAPTULO I
TENDNCIAS EVOLUTIVAS DAS SOCIEDADES
CONTEMPORNEAS
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CAPTULO I
TENDNCIAS EVOLUTIVAS DAS SOCIEDADES CONTEMPORNEAS
INTRODUO
Os sistemas educativos confrontam-se, hoje, com uma complexidade de problemas com
origem no processo de evoluo das polticas e na transformao ou manuteno do
comportamento das administraes que as suportam, no caracter mutvel que caracteriza as
sociedades contemporneas nos aspectos sociais, financeiros, econmicos, polticos e
culturais e na dificuldade de conceber solues em contextos de incerteza permanente.
Ao pretender compreender as mudanas observadas na regulao da administrao dos
sistemas educativos, objecto da nossa investigao, no estamos perante um contexto nico.
Estamos ante uma sobreposio de contextos em mutao que se inter-relacionam e
influenciam e em presena de novos conceitos e diferentes linhas de orientao que, em
conjunto, enquadram e influenciam a definio de polticas.
As circunstncias e problemas que se apresentam nas sociedades contemporneas
regulao dos sistemas sociais complexos j no encontram suporte explicativo nas
metforas da modernidade: a gaiola de ferro, conceito weberiano para equacionar a
dificuldade de vencer a burocracia, ou o monstro, para significar o impacto violento e
irreversvel da modernidade. No obstante Max Weber ter admitido a possibilidade de o
domesticar, porque era uma criao do homem.
A alterao das circunstncias e de condies registada, , na metfora de Giddens
(1996:36), comparvel situao vivida, quando se deixa de estar num automvel
cuidadosamente controlado e bem guiado e se passa a estar a bordo de um jangren1,
comparao que transporta com clareza uma significao de incerteza, insegurana e
mudana potencial, caractersticas que, na opinio de vrios autores, denotam a transio de
paradigma da sociedade e ilustram o carcter mutvel dos diferentes contextos societais.
Os princpios e conceitos gerais determinantes dos quadros polticos e sociais de
governabilidade do Estado e das polticas sociais, designadamente da Educao sofrem o
impacto dessas mudanas e influenciam, por seu lado, novas transformaes.
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1 Jangren a metfora utilizada por este autor, para significar um carro desgovernado (Giddens, 1996:36)
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Situaremos, por isso, a problemtica do nosso trabalho de investigao, neste contexto
geral, e partiremos de novos conceitos e quadros de governabilidade, sustentados pelos
princpios de participao social e de descentralizao de poderes com consequncias na
reorientao da viso e misso da Educao.
Assim, neste captulo, procuraremos apresentar as principais tendncias e caractersticas
das sociedades contemporneas para evidenciar os desafios que estas colocam capacidade
de adaptao da Educao e tambm a desadequao cada vez mais evidente dos actuais
paradigmas de regulao dos sistemas educativos.
1. CONTEXTO GERAL DAS SOCIEDADES CONTEMPORNEAS
Nos anos 80, os socilogos fizeram da ps-modernidade o tema das suas anlises2 e
instalou-se a controvrsia entre alguns, sobre se as alteraes que marcam as sociedades
contemporneas correspondem ao aparecimento de uma nova era (Vivianne Forrester,
19983), ou se, pelo contrrio, se trata apenas de uma outra fase da modernidade (Giddens,
1996; Touraine, 1995; Beck, 1994).
As anlises e teses, argumentadas por uns e outros, sobre esta questo tm como
fundamento uma nova realidade social que decorre do facto da revoluo industrial ocorrida
at segunda metade do sculo XX, com base na qual o paradigma da sociedade industrial
se formou, ter sido ultrapassada por uma outra revoluo tecnolgica a revoluo digital,
2 Como observa Herpin (1997), a este propsito, basta enunciar o nmero de publicaes sobre esta temtica:
Revistas (Sociological Review, Praxis International; Theory and Society, e Sociology, Theory Culture &
Society, coleces acadmicas Sage Publications, textos escritos por Barry Smart, Scott Lash, Bryan Turner,
David Harvey, Stephen Crook, Jan Pakulski e Malcolm Waters, Colin Campbell e Zygmunt Bauman fizeram
dialogar os filsofos ps-estruturalistas franceses (Foucauld, Derrida, Baudrillard e Lyotard) com a escola de
Franckfurt (Benjamin, Ardono e Habermas), mas Weber e sobretudo Marx estavam igualmente muito presentes
(In: Sciences Humaines n. 73 Junho de 1997 p.22).
No vamos apresentar essa controvrsia, pois pouco poderia acrescentar ao esclarecimento da abordagem que
fazemos do assunto. Consideramos suficiente dizer, neste momento, que utilizamos o termo ps-modernidade
para caracterizar uma nova realidade social que procuraremos identificar, descrevendo um conjunto de
aspectos sociais, polticos e econmicos pertinentes na anlise da relao Sociedade/Educao.
3 Vivianne Forrester (1998: 8) utiliza mesmo a expresso mutao civilizacional :Quando tomaremos
conscincia de que no h crise, nem crises, mas uma mutao? No a de uma sociedade, mas uma brutal
mutao civilizacional? Participamos de uma era nova, sem conseguir enfrent-la, sem admitir nem mesmo
perceber que desapareceu a anterior.
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que relegou para a histria da tecnologia as inovaes e desenvolvimentos tecnolgicos,
nascidos com a inveno da mquina a vapor e do tear mecnico.
Como consequncia: mtodos, processos, objectivos, finalidades e valores da
organizao social e do trabalho, vlidos para a sociedade industrial so secundarizados ou
substitudos pela emergncia de uma totalidade social com os seus princpios organizadores.
Esta nova realidade histrica, designada, pela primeira vez, em 1972, por Daniel Bell de
sociedade ps-industrial, tem sido diversamente nomeada: sociedade ps-capitalista,
sociedade de informao, sociedade do conhecimento, sociedade das organizaes,
consoante a perspectiva de anlise acentua as diferenas relativamente sociedade
industrializada que a precedeu, focando a natureza e modo de produo, a natureza
econmica ou os impactos tecnolgicos da informao.
Basicamente, o que distingue esta nova fase da modernidade o princpio axial da
mudana de produo de bens para uma economia de servios, significando que o processo
de industrializao que se desenvolveu na primeira metade do sculo XX e que consistiu no
incremento de produo e no fabrico em srie de bens e produtos, acompanhado no plano
laboral por uma organizao cientfica do trabalho (Taylor, 1911; Ford, 1923, Weber,1947)
deu lugar a uma terciarizao, traduzida numa diversificao de produo, assente na
acumulao de conhecimentos.
a centralidade do conhecimento e a perda de importncia dos factores tradicionais de
produo (terra, trabalho e capital) com impactos sociais no domnio do trabalho, do
emprego, das qualificaes que criam condies para a emergncia de um novo paradigma
societal.
Por sua vez, o desenvolvimento das tecnologias da comunicao e da informao veio
ainda alterar as noes de espao e de tempo, e deu lugar ao fenmeno da globalizao e a
processos de descontextualizao e recontextualizao (Giddens, 1996)4.
4 O espao e o lugar que at aqui coincidiam largamente, dado que as dimenses espaciais da vida social eram para a maior parte da populao e em muitos aspectos, dominadas pela presena por actividades localizadas.
Com a introduo das novas tecnologias tornou-se possvel o estabelecimento de relaes, eliminado a
distncia e a ausncia e com a implantao dos media viabilizou-se a difuso de acontecimentos em tempo real
e a nvel planetrio, aproximando comunidades num sentido de pertena global. D-se, ento, a
descontextualizao (Giddens, 1996) dos fenmenos sociais que, de repente, se desenrolam no teatro do
mundo, em vez de se esgotarem no palco de uma exgua localidade prxima e no mbito do contacto fsico.
Estabelece-se a vizinhana global.
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Para alm destes aspectos gerais que emergem da comparao com as sociedades
industriais e com os fenmenos decorrentes das tecnologias da informao e da
comunicao, permitindo a ligao do local e do global numa dimenso planetria que afecta
o nosso quotidiano, as sociedades contemporneas apresentam outros traos resultantes do
progresso e do desenvolvimento da cincia: a incerteza, a irracionalidade, o paradoxo5.
No campo das descobertas e progressos cientficos, o domnio da cincia conduziu a
experincias que revelam um enorme poder do homem sobre a natureza (a clonagem por
exemplo), mas, a par disso, o homem continua dominado pela insegurana e angstia perante
o flagelo da sida, da droga e do terrorismo.
As novas tecnologias da informao permitem o sonho da democracia electrnica
(Toffler,1983), capaz de possibilitar uma maior informao ao eleitorado ou uma maior
descentralizao das tomadas de deciso. No entanto so causa de uma maior fonte de
ansiedade com a ameaa de uma sociedade orwelliana, ou seja, ao admitir uma fcil
armazenagem, consulta e divulgao de informaes pessoais, talvez estejamos a correr o
risco de, mais tarde, enfrentar um futuro sombrio, marcado pela espionagem electrnica dos
cidados.
5 Vivemos uma era de incerteza que na anlise de Galbraith (1978) se traduz em que tudo o que se tinha por adquirido na filosofia, na economia, nas cincias do homem, na organizao das naes se pode revelar
provisrio, instvel, reversvel. Vrios acontecimentos que desde h alguns anos tm abalado o mundo
confirmam a justeza destas palavras e o fundamento da anlise. A mudana descontnua que caracteriza esta
poca impede que faamos uma projeco rectilnea das tendncias do passado (Giddens, 1996).
Vivemos os paradoxos das economias desenvolvidas que tomam como nova fonte de riqueza o quociente de
inteligncia, vista como uma nova forma de propriedade, na medida em que representa a capacidade de
adquirir e aplicar conhecimentos. O saber fazer a nova fonte de riqueza, que no se comporta como qualquer
outra forma de riqueza e nisto reside o paradoxo. Os meios de produo j no podem ser possudos pelas pessoas que dominam as economias ou os negcios, porque a inteligncia no pode ser redistribuda, no pode
ser dada, nem retirada. Impedir a emigrao de crebros no uma soluo desejvel e pode mostrar-se
invivel e suprir as necessidades pela educao leva o seu tempo.
Vivemos o paradoxo do tempo. Parece que nunca temos tempo suficiente, embora nunca tenhamos tido tanto
tempo disponvel. Vivemos mais tempo, utilizamos menos tempo para fazer as coisas medida que nos
tornamos mais eficientes e devamos ter mais tempo livre.
Vivemos o paradoxo do indivduo que desfruta da vizinhana global. Alargou-se a comunidade. Est-se mais
perto dos outros. No entanto vive-se a solido, porque se perdeu o sentido de comunidade, quando as
instncias que criavam esse sentido entram em crise.
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a constatao destes contrastes e paradoxos que leva alguns autores (Bauman, 1991;
Beck, 1994) a considerar as sociedades actuais, sociedades de risco, ameaadas pela auto
destruio e pela insegurana e pelas novas reas de imprevisibilidade, criadas muitas vezes
pelas prprias tentativas de as controlar.
Na perspectiva de Baudrillard (1991), esta situao de transio explica-se como o
resultado de um duplo movimento de exploso e de imploso:
a) Exploso da mecanizao, da tecnologia, das relaes de mercado, as quais tiveram
como resultado o aumento da diferenciao em todas as esferas da vida;
b) Imploso de todos os limites: de regies (a aldeia global), de instituies tradicionais de
socializao (a famlia, a escola, a Igreja, a sociedade), do social (a cultura de massas),
das aparncias e da realidade (a realidade virtual criada pelos media).
A imploso estende-se ao prprio processo de diferenciao social, na expresso de
Lages (1997: 54), tornando tudo igual e conforme: no distinguindo nada, aceitando, por
isso, todas as proposies por mais contraditrias que sejam.
Na perspectiva de Giddens (1996:36), a modernidade radicalizou-se. perturbadora e
apresenta como caractersticas mais notveis - a dissoluo do evolucionismo, o
desaparecimento da teleologia histrica, o reconhecimento da reflexividade total (...).
Deste ponto de vista, as mudanas e transformaes fizeram-se por descontinuidades e
rupturas com os modelos e formas de viver, vlidas num passado recente, que agora
abandonado.6 As mudanas acontecem de forma rpida e imprevisvel, isto , no se
verificam sequncias de transformaes lentas, nem se afiguram orientadas numa certa
direco ou desenvolvimentos progressivos.
Significa, por outro lado, segundo as concepes de Touraine (1973: 448), que a
sociedade no somente um sistema que mantm as suas regras e a sua organizao. Ela
tambm capaz de se adaptar a mudanas internas e externas e, mais ainda, de escolher os
seus modos de funcionamento a partir de orientaes culturais e atravs dos seus conflitos,
dos seus movimentos sociais e das suas decises polticas.
Para Lyotard (1989), significa ainda que o homem moderno, ao deixar de crer nas meta-
narrativas ou nos paradigmas definitivos de interpretao do mundo, deixou de ter
6 Giddens (1996: 4) identifica as descontinuidades com o ritmo das mudanas, o alcance das mudanas, pois
medida que diferentes regies do globo so postas em interligao umas com as outras, vagas de transformao
social correm virtualmente a superfcie da terra. Um terceiro aspecto diz ainda respeito prpria natureza das
instituies modernas.
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paradigmas permanentes e compreende que no pode agarrar a histria e submet-la
prontamente aos seus propsitos colectivos.
a mudana que est particularmente presente neste final do sculo XX. Mudana em
que, na sntese de Touraine (1994: 422), se v sobretudo o pndulo da histria deslocar-se
da esquerda para a direita: depois do colectivismo o individualismo, depois da revoluo o
direito, depois da planificao o mercado.
E esta tendncia, acrescenta o autor, surge como uma contrapartida da natureza
durante muito tempo aprisionada pela ditadura dos aparelhos e das ideologias.
Com efeito, no plano histrico, presenciamos e apercebemo-nos de que a democracia
liberal no proporcionou uma transio suave para a democracia pluralista. Vemos como o
colapso do comunismo abriu caminho ao ressurgimento do nacionalismo e a novos
antagonismos. Temos presente a ecloso de diversos conflitos tnicos, religiosos e nacio-
nalistas que pensvamos pertencer a pocas passadas.
No plano poltico, somos testemunhas de como as sociedades esto a sofrer um processo
de redefinio das suas identidades colectivas e a experimentar o estabelecimento de novas
fronteiras polticas7.
No plano social, assistimos a mutaes nos padres de vida, de trabalho, de lazer, de
relacionamento com as instituies e at a prpria identidade de pertena dos indivduos e de
grupos substituda por uma identidade de referncia8.
Na linha do pensamento sociolgico de alguns autores, designadamente de Crozier
(1977) e Touraine (1984), o aparecimento da sociedade meditica contribuiu para a
reformulao de processos de identificao cultural e a globalizao por ela induzida
transformou a organizao social global. Porm, contraditoriamente, um processo de
individualizao como outra face da globalizao tambm transformou o sujeito que se
liberta das estruturas, deixando de ser o agente de papis (que a teoria funcionalista lhe
7 Cite-se o caso da Comunidade Europeia.
8 Situao que se explica nas palavras de Braga da Cruz (1997: 64-67) da seguinte forma: Com o advento da
sociedade de consumo, as identidades deixaram de ser sobretudo, como eram tradicionalmente, identidades de
pertena para se tornarem identidades de referncia. Aquilo que se socialmente cada vez mais dado, no
tanto pelas pertenas institucionais - nome de famlia, titulo escolar, profisso desempenhada - porque essas
instituies esto afectadas de maior instabilidade e mobilidade, mas sobretudo pelas referncias dos
consumos escolhidos e possibilitados. O mercado molda cada vez mais as identidades sociais, dependentes
das oportunidades de consumo. Basta atentar na importncia das marcas comerciais nos processos de
identificao social.
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reconhece) para se assumir como o actor social (Touraine, 1994) e fazer um regresso s
instituies polticas.
No plano econmico, a globalizao dos mercados e a deslocao e concentrao do
poder econmico dos Estados-nao para empresas transnacionais vem corroer o poder e a
soberania dos estados.
Por ltimo, a reflexividade da vida social moderna, segundo Giddens (1996: 27), tende a
induzir que as prticas sociais sejam constantemente examinadas e reformadas luz da
informao sobre elas adquirida, alterando assim constitutivamente o seu carcter.
neste quadro de referncia global e admitindo estes pressupostos acerca da sociedade
ps-moderna por oposio sociedade moderna que procuraremos seguidamente
desenvolver os contextos gerais mais significativos (econmico e financeiro, poltico e
social) que enquadram a problemtica do nosso objecto de estudo.
2. CONTEXTOS ECONMICO E FINANCEIRO E CAPACIDADE DE ADAPTAO DA EDUCAO
A noo de contexto econmico no se reduz ao campo econmico strictu sensu, inclui,
em particular, tudo o que releva da evoluo das tcnicas em todos os domnios da aco, da
economia e da administrao.
Tem a ver com a economia da empresa, isto , com a sua nova organizao, face
economia do mercado e competio que a caracteriza, com a organizao social e
condiciona as polticas.
Nas ltimas dcadas, a formao de uma teia global9, envolvendo os mercados, as
economias e as sociedades no seu todo, ganhou consistncia, alastrou e prospera, alimentada
por uma filosofia de consumo, mencionada por vrios autores (Baudrillard, 1996,
Bauman,1992).
A este propsito Bauman (1992) argumenta que, na sociedade ps-moderna, a conduta
do consumo se desloca para a posio que, na fase moderna da sociedade capitalista, era
ocupada pelo trabalho sob a forma do salariado e especifica que, na sociedade ps-moderna,
a conduta do consumidor tambm o motor das mutaes socio-econmicas futuras.
Esta filosofia identifica a felicidade, o bem-estar e o progresso com os bens materiais
que a publicidade, persuasivamente introduzida pelos mass media, torna conhecidos e
desejados, eliminando fronteiras entre naes, ligando povos e culturas distantes,
9 Expresso de Robert Reich (1996) em O Trabalho das Naes.
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colonizando o desejo de populaes, sobrepondo-se a valores tradicionais, o que torna
evidente a irrelevncia futura da nacionalidade, em termos econmicos, e vai minando a sua
idiossincrasia, em termos culturais.
A economia global pois uma nova realidade que faz despertar reaces diferentes nas
potncias econmicas mundiais e que, entre ns, levou a velha Europa, confrontada com a
globalizao das economias, com o flagelo do desemprego elevado e com o desafio de uma
revoluo ps-industrial, baseada nas novas tecnologias da informao e comunicao, a
preparar a mudana, optando por um processo de unio primeiramente pela via econmica
para avanar depois na via poltica10.
2.1. A economia virtual
De acordo com Vivianne Forrester (1996)11, esta economia uma economia virtual,
instalada num mundo indito sob o signo da ciberntica, da automao, das tecnologias
revolucionrias que passou a exercer o poder. No tem verdadeira ligao com o mundo do
trabalho, na medida em que os produtos so cada vez mais virtuais.
Os valores financeiros j no correspondem a activos reais. So muitas vezes
negociados, convertidos antes de terem existido.
Redes econmicas privadas tansnacionais dominam cada vez mais o poder do Estado.
Longe de serem controladas por ele, controlam-no e formam, em suma, uma espcie de
nao que, sem base em solo algum, fora de qualquer instituio governamental, comanda
cada vez mais as instituies de diversos pases e as polticas, s vezes por intermdio de
organizaes respeitveis como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetrio Internacional
(FMI), a Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE).
Na transio para este mundo actual, o das multinacionais, do liberalismo econmico, da
desregulamentao e da virtualidade, o paradigma de trabalho ligado era industrial, ao
10 Trata-se, como referido no Relatrio Accomplir l Europe par l`ducation et la Formation (1998), de um
processo decisivo e nico na histria: o reagrupar pacificamente naes de um continente pela via
democrtica, enquanto que algumas delas tentaram, vrias vezes, faz-lo pela aco militar.
11 Referimos o ponto de vista desta autora, no desconhecendo que o retrato traado na sua obra tem os traos
de uma literatura de interveno, que apela indignao. No entanto o dramatismo da sua expresso permite
evidenciar com nitidez os traos fundamentais do novo contexto econmico das sociedades ps-industriais,
correspondendo viso de que estamos no limiar de uma nova civilizao.
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capitalismo de ordem imobiliria est progressivamente a transformar-se, perdendo
importncia, argumento central muitas vezes referido pelos socilogos da ps- modernidade
que Touraine (1994: 242) bem sintetiza ao afirmar que a face mais visvel da modernidade
a do vazio, de uma economia fluda, de um poder sem centro, sociedade de trocas muito
mais de que de produo.
2.2. O trabalho e a estrutura de emprego
O trabalho tornou-se mais intelectual e menos manual e repetitivo, caractersticas que
definiam o trabalho nas sociedades industriais, requerendo, por esse facto, uma maior
qualificao e preparao profissional.
O prprio valor do trabalho mudou. Como refere Braga da Cruz (1997), continua a
desempenhar um papel significativo, mas associou-se ideia de um instrumento necessrio
aquisio de meios econmicos para satisfazer as exigncias que a sociedade de consumo ou
a sociedade de lazeres colocam e passou a ser encarado menos como um meio de
identificao pessoal.
A prpria organizao do trabalho tambm mudou. As fbricas substituem trabalhadores
por mquinas. As restries financeiras e a crise que comeou a desenhar-se nos anos 70,
quando o desemprego comeou a subir e se conhecem as crises de ajustamento conjuntural,
de carcter mais ou menos permanente, s condies do mercado e evoluo da tecnologia,
levam as empresas a adoptarem polticas de reduo de pessoal, procurando flexibilidade
pela reduo de postos de trabalho12.
Os trabalhadores tornam-se actores mais ou menos independentes na rede de apoio
contratual das empresas, trabalhadores eventuais, trabalhadores pagos pea, consultores
que oferecem as suas profisses e tcnicas diferentes.
Do ponto de vista da empresa, esta maneira de comprimir os trabalhadores faz sentido.
uma soluo econmica. Porqu manter trabalhadores a tempo inteiro se precisam deles dois
ou trs dias por semana?
Do ponto de vista dos trabalhadores, isso significa que a carreira tem um novo
significado e que j no podem esperar dela qualquer papel ou desempenho para sempre.
12 Esta vasta remodelao no mundo do trabalho tem levado a que, nos pases industrializados em cidades,
como Nova Iorque, unidades completas de gesto abandonem os seus postos e a que andares inteiros de
escritrios fiquem vazios, estabelecendo-se uma nova relao, se alguma houver, entre os empregados que no
esto ligados s tarefas centrais, situao descrita por Handy (1995) no livro intitulado: A Era da Incerteza.
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A estabilidade na profisso e no emprego deu lugar mobilidade profissional e laboral
que se traduz no desempenho de vrias profisses e vrios empregos ao longo da vida.
Estas mutaes na estrutura do emprego, que tm sido objecto de anlises, segundo
perspectivas diferentes de gestores, analistas e cientistas sociais, geram problemas
acrescidos na insero e reinsero profissional, uma vez que garantir emprego nestas
condies implica capacidade de adaptao sucessiva a novos contedos de trabalho e exige
saberes e competncias profissionais actualizadas, o que constitui um desafio capacidade
de adaptao da educao nos planos conceptual, pedaggico, gestionrio e administrativo.
2.3. O desemprego: novas razes, novo sentido
E se a estrutura do emprego mudou, o desemprego tambm adquiriu um novo sentido.
Outrora, desemprego significava simplesmente desemprego, isto , falta de emprego, de
ocupao remunerada.
Para lidar com o desemprego polticos e economistas sustentavam a necessidade de
criao de emprego a que o crescimento econmico dava resposta.
Hoje, o desemprego torna-se cada vez mais uma condio de marginalidade, de excluso
social. Vrias correntes polticas e econmicas (do pensamento liberal e social democrata,
nas quais me situo) sustentam que para lidar com o desemprego se torna necessrio uma
nova filosofia que permita sustentar as polticas sociais, adoptando estratgias polticas
concertadas para encontrar alternativas para esta nova questo social, que emerge com a
crise do contrato social do welfare state.
Na perspectiva daqueles que sustentam esta posio est implcita a ideia de que se
preciso favorecer o lucro, porque o lucro que faz funcionar a economia, porque a economia
de mercado cria a riqueza e porque a riqueza cria emprego. Admitindo assim, que no
vivemos numa sociedade com uma lgica nica, ser igualmente necessrio encontrar uma
diferente repartio das riquezas e, se globalizar a flexibilidade inevitvel, tambm se deve
tornar uma preocupao globalizar os direitos sociais.
As transformaes a que nos estamos a referir no decorrem apenas por efeito das
mutaes tecnolgicas, visto que, pelo menos h duzentos anos, a humanidade vive sujeita a
sucessivos choques tecnolgicos e, historicamente, confirmou-se que cada nova tecnologia
induziu o desenvolvimento de novos mercados e constituiu factor de crescimento.
A principal razo deste estado de coisas parece residir na diminuio de emprego que,
como j referimos, comum imputar-se ao efeito das novas tecnologias, mas tende a relevar
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sobretudo do carcter global das mudanas e dos mercados, no ritmo vertiginoso a que tm
lugar as alteraes e da manifesta impreparao das nossas sociedades para as gerir.
Esta questo do emprego/desemprego ainda uma questo de crescimento econmico e
desenvolvimento humano para os pases subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento,
mas para outros (a Europa ocidental) , ao mesmo tempo, uma questo de competividade
com outras economias de potncias como o Japo e os Estados Unidos.
Mais do que isso, uma questo social, que na opinio de alguns observadores resulta
menos do volume de emprego e cada vez mais da qualidade dos empregos disponveis e das
pessoas para os ocupar.
O quadro genrico que traamos permite-nos perceber, ento, que o real desafio
econmico tende a no ser j a posse dos factores de produo tradicionais (terra, trabalho,
capital), mas como Robert Reich (1996: 22) afirmou - o real desafio econmico o aumento
do valor potencial daquilo que os cidados podem acrescentar economia global,
expandindo as suas qualificaes e capacidades e melhorando os meios que permitam ligar
essas qualificaes e capacidades ao mercado mundial.
2.4. Racionalidade das polticas sociais e educativas
neste sentido que as profundas transformaes em curso questionam as polticas
educativas e suscitam a questo do papel da Educao e dos Sistemas Educativos nesta
dinmica social. Est em causa a reorientao e reconverso da lgica e racionalidade dos
sistemas educativos e da sua administrao e a necessidade de caminhar para a construo
de uma sociedade educativa (Delors, 1996:19).
Como afirma Peter Drucker (1996: 214), a distribuio formal do conhecimento passar
a ocupar o lugar poltico que a aquisio e a distribuio de rendimentos ocuparam nos dois/
trs sculos que designamos como era do capitalismo.
O contexto econmico descrito coloca, pois, s sociedades contemporneas um novo
processo de expanso da escolarizao, diferente daquele que se deu nas dcadas de 70 e 80,
porque esta expanso j no decorre, como nos anos 70, da necessidade de escolarizar todos
em obedincia ao princpio de democraticidade ou, como nos anos 80, para satisfazer a
procura social.
No se trata j de um problema de crescimento, cuja resposta era dada pela construo
de mais escolas, pela formao e recrutamento de mais professores, em sequncia de um
planeamento estratgico adequado.
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A expanso da escolarizao, nos anos 90, particularmente complexa e de outra natureza,
porque Educao, nos pases industrializados, deixaram de se colocar com pertinncia as
questes quantitativas de crescimento, tendendo a assumir as questes de natureza qualitativa um
desafio que consiste em possibilitar a cada um uma actualizao e formao contnua ao longo da
vida, exigindo-se o desenvolvimento de novas capacidades, novas competncias tcnicas e a
inveno de novas formas de emancipao/individualizao.
Em consequncia, a regulao do Sistema Educativo deixa tambm de poder limitar-se
a uma questo de gesto autnoma de processos de quantidade ou mesmo de quantidade
versus qualidade, para exigir a inter-relao e a articulao de processos sociais complexos
de participao dos governos com outras entidades sociais.
2.5. Racionalidade da governao da Educao
Concretizar estes objectivos de natureza colectiva implica naturalmente opes
econmicas e financeiras sempre difceis, agravadas nas sociedades europeias com a tomada
conscincia dos limites do Estado Providncia e da sua crise.
No deixa de ser interessante notar que so as teorias econmicas de Keynes que
influenciam o aparecimento do Estado Providncia, logo a partir do final de segunda guerra
e cujas linhas gerais surgem a partir do relatrio Beveridge13.
O Estado assume, a partir dessa altura, a responsabilidade pela obteno do pleno
emprego e pela produo de larga gama de servios em sectores como a educao, a sade e
a segurana social, servios a que todos deveriam ter acesso, criando-se, assim, condies
para um efectivo exerccio da cidadania.
Porm, esta responsabilidade repousava no pressuposto de garantia de um crescimento
econmico continuado, controlando as oscilaes dos ciclos econmicos atravs de uma
poltica econmica regulada por intervenes do estado, pressuposto que no se verificou. E
o sistema entra em crise, arrastando consigo a crise de todas as sociedades que fizeram dessa
promessa o eixo estruturante das organizaes e das concepes de futuro.
Esta crise financeira que se expressa num aumento da diferena entre o ritmo de
crescimento econmico e o das despesas sociais, cujas causas tm sido objecto de anlises
13 Lord Beveridge parte da ideia simples de que uma sociedade industrial, vivendo em paz, utilizando todos os seus factores de produo e com toda a populao a trabalhar, no deveria sofrer a necessidade nem os efeitos
da doena, da ignorncia da dependncia e da falta de habitao.
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profundas e de propostas diferentes de soluo14 faz com que os financiamentos da Educao,
que na maioria dos pases industriais vm do poder pblico e que so determinantes para
responder s novas necessidades tenham de competir com outros sectores sociais.
neste contexto que surge a ideia de diversificar fontes de financiamento e de procurar
alternativas em zonas no exploradas.
Comea a falar-se de contratualizao, de parcerias e de partenariados com empresas.
Entre ns, e no que se refere Educao, embora, em nosso entender, no seja uma
dominante poltica significativamente enraizada, indirectamente este esprito que de certo
modo preside contratualizao com as autarquias locais (assunto que aprofundaremos no
Captulo XII), assumindo estas responsabilidades no desenvolvimento das polticas sociais
educativas e na construo de escolas, ou ainda na contratualizao com parceiros sociais,
tendo em vista a criao de escolas profissionais.
Sob o ngulo de anlise mais amplo das polticas pblicas, esta orientao enquadra-se
na crise do contrato social.
Segundo Braga da Cruz (1997b), trata-se agora da necessidade de uma redefinio de
funes dos parceiros no contrato social, alargando a representao dos interesses nova
textura corporativa da sociedade ps-industrial e tornando participantes na concertao
social novos parceiros com expresso organizativa e protagonismo pblico.
Entre eles no apenas instituies tpicas da nova cultura ps-materialistas
(associaes de ambientalistas e de consumidores), mas sobretudo o associativismo
institucional da sociedade civil. Trata-se, ainda, na expresso do mesmo autor, de
redistribuir papis no interior dessa parceria.
A nova orientao tem como consequncia que as instituies e associaes da
sociedade civil comecem a ser concebidas no apenas como sujeitos destinatrios das
polticas pblicas sociais, mas como instrumentos privilegiados de realizao dessas
mesmas polticas como objectos e como actores dessas polticas.
14 Cientistas sociais e economistas interrogam-se e inquietam-se perante este problema. Para uns: Vivianne
Forrester (1997) e Ricardo Petrella (1997), a soluo pode estar em contrapor globalizao econmica a
globalizao dos direitos sociais; para outros, como Assar Lindbeck (1997), possvel encontrar um novo
equilbrio entre polticas macro econmicas e estruturais sem tragdia social, redesenhando vrios aspectos do
welfare state, reduzindo benefcios e redesenhando os sistemas capitalistas - a tragdia social, na opinio deste
autor, consistiria em insistir num paradigma do homo economicus, onde a diminuio do tempo das tarefas
produtivas gera incapacidade.
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Este retomar ao nvel da filosofia do estado da teoria do contrato, tambm se faz sentir
na Educao com a utilizao de novos instrumentos que permitem Administrao e s
escolas gerar receitas.
Nos pases mais avanados nesta via do neo-liberalismo, como referia Laderriere
(1992), considera-se at que a Educao devait fonctionner selon les normes dun march
social, o que explica de alguma forma que, na nova orientao, o Estado tenda a
descentralizar o aparelho administrativo com a consequente necessidade de partilha de poder
e de definio de modelos de regulao conjunta entre estado e sociedade civil organizada.
O desenvolvimento deste processo faz-se, porm, no quadro de um outro contexto geral:
o contexto poltico/social que passamos a desenvolver.
3. CONTEXTO POLTICO E SOCIAL: TRANSFORMAES INSTITUCIONAIS E REINVENO DO POLTICO
Privilegiamos, neste contexto, uma perspectiva de anlise que tem por objectivo
evidenciar:
1. - As mudanas de orientao sobre o papel e a funo reguladora do Estado que
ocorrem nas sociedades ps-industriais, como consequncia do processo de
globalizao;
2. - As alteraes institucionais e a desadequao na racionalidade instrumental das
sociedades industriais, face aos processos de participao social;
3. - A ideologia dominante na conduo das polticas sociais pblicas, com principal
incidncia na poltica educativa.
Estes aspectos, em nosso entender, marcam de forma consequente o contexto da
problemtica da nossa investigao, visto numa perspectiva sistmica, onde dimenses
sociais, polticas e ideolgicas se entrecruzam.
Interessa-nos sobretudo definir as novas condies estratgicas em que estas questes se
colocam, de molde a permitir abrir, em momento posterior, uma linha de reflexo sobre a
evoluo da relao poltica do papel do Estado e da consequente necessidade de repensar a
mediao entre decisor poltico e instituies; cidados e sociedade civil, ou, dito de outro
modo, o desenvolvimento de novas formas de regulao das polticas educativas.
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3.1. Novas condies estratgicas e novas realidades polticas
Situando a anlise no quadro europeu, a primeira mudana que se observa a crise que o
Estado nacional atravessa por ter perdido o estatuto de centro de todas as relaes polticas
internas e externas.
Na perspectiva analtica de Aguiar (1997)15 sobre o papel do Estado nacional, este
definia-se, num passado recente, como protagonista central na formao da deciso poltica,
da cultura poltica e do pensamento estratgico.
Era tambm protagonista central das relaes no quadro do sistema interestatal e gerador
de linhas estratgicas de modernizao, referncia central de todas as relaes entre grupos
sociais e de todas as estratgias de acesso ao poder ou de interferncia nos sistemas de
distribuio de rendimentos, de garantia de segurana.
Esse papel central altera-se com a ordem poltica e social estabelecida pelo projecto de
construo da Europa Comunitria e pela nova ordem mundial.
O Estado nacional atravessa uma crise no seu papel de estado soberano.
Perdeu importncia e poder a favor de outras realidades polticas, no plano externo, o
que se revela na transio do paradigma estatocntrico para um paradigma de sistema
sociedade-mundo, como sustenta Pureza (1995); ou a favor de outros grupos, no plano
interno, e v assim alterado o que era o seu quadro de eficcia normal.
Vrios autores (Albrow, 1996; Claus Offe, 1996), com orientaes analticas e posies
diferentes, confirmam esta percepo dos limites do papel estratgico do estado nacional16.
15 Seguimos de perto o pensamento deste investigador, tomando como referncia principal a comunicao
intitulada A crise democrtica do Estado social no Seminrio Internacional Europa Social, promovido pela
F