693
MARIA CONCEIÇÃO MONIZ AMARAL DE CASTRO RAMOS OS PROCESSOS DE AUTONOMIA E DESCENTRALIZAÇÃO À LUZ DAS TEORIAS DE REGULAÇÃO SOCIAL O CASO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Doutor em Ciências da Educação/Área Educação e Desenvolvimento pela Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia Orientador: Professora Doutora Maria Teresa Ambrósio LISBOA 2001

OS PROCESSOS DE AUTONOMIA E DESCENTRALIZAÇÃO À … Ramos_2001.pdf · A leitura crítica da inovação e mudança, à luz das macro teorias de mudança social, bem como das correntes

Embed Size (px)

Citation preview

  • MARIA CONCEIO MONIZ AMARAL DE CASTRO RAMOS

    OS PROCESSOS DE AUTONOMIA E DESCENTRALIZAO

    LUZ DAS TEORIAS DE REGULAO SOCIAL

    O CASO DAS POLTICAS PBLICAS DE EDUCAO EM PORTUGAL

    Dissertao apresentada para obteno do Grau de

    Doutor em Cincias da Educao/rea Educao e

    Desenvolvimento pela Universidade Nova de Lisboa,

    Faculdade de Cincias e Tecnologia

    Orientador: Professora Doutora Maria Teresa Ambrsio

    LISBOA 2001

  • N de arquivo

    Copyright

    iii

  • memria de meu Pai, minha Me e Irmos.

    Ao Joo Antnio e ao Joo Paulo.

    A todos os meus Amigos.

    v

  • AGRADECIMENTOS

    Ao concluir este trabalho quero agradecer, em primeiro lugar, Professora Doutora

    Maria Teresa Ambrsio, cuja companhia pessoal e intelectual foi para mim um estmulo

    permanente.

    Sem a sua rigorosa e pedaggica orientao, sem as suas sugestes, sem a sua

    disponibilidade para acolher as minhas dvidas e hesitaes e sem a sua persistente

    confiana na minha liberdade de investigar, este trabalho no teria sido possvel.

    Tenho igualmente um dever de gratido para com a Faculdade de Cincias e

    Tecnologia, instituio que me acolheu, designadamente para com os seus rgos cientficos

    e directivos.

    Aos colegas e amigos que me acompanharam ao longo deste percurso, desejo tambm

    expressar o meu reconhecimento pela colaborao e ajuda que, de uma forma ou de outra,

    constituram contributos inestimveis, facilitando a elaborao deste trabalho.

    Os meus agradecimentos vo igualmente para as personalidades que se dispuseram a

    fornecer dados indispensveis e decisivos sobre os quais me foi possvel trabalhar nesta

    investigao.

    Agradeo ainda Lusa Herdeiro, colega e amiga, que se disps, pacientemente, a rever

    o texto e Nazar Escobar que partilhou comigo preocupaes e me ajudou na organizao

    documental das Fontes.

    vii

  • RESUMO

    Como se opera a regulao dos Sistemas Educativos nas sociedades contemporneas, no

    quadro das democracias avanadas, face a uma pesada herana dos modelos burocrticos de

    organizao e administrao e prtica secular de regulao administrativa?

    Para tentar trazer alguns esclarecimentos novos a esta questo que hoje se coloca com

    pertinncia governabilidade das polticas sociais, procura-se analisar o caso portugus das polticas

    pblicas de Educao, luz das teorias de regulao social.

    Este objectivo tornou necessria vrias abordagens dos processos de autonomia e de

    desconcentrao/descentralizao escala do espao nacional e regional autnomo.

    A abordagem histrico-administrativa permitiu caracterizar o modelo tradicional e identificar os

    traos dominantes da regulao orgnica e funcional dos modelos dogmticos weberianos.

    A leitura crtica da inovao e mudana, luz das macro teorias de mudana social, bem como

    das correntes de pensamento da cincia poltica, das cincias da educao e da administrao e gesto

    tornaram possvel apreender a emergncia de um quadro dinmico de regulao das polticas

    educativas.

    A anlise da intencionalidade poltica de actores polticos confirmou a configurao de um

    modelo que admite a participao social como instrumento de regulao.

    O tratamento interactivo do conjunto de dados obtidos pela anlise documental e pelo inqurito

    por entrevista, permitiu identificar como mudanas significativas novas ordens locais, processos de

    concertao educativa em instncias de mediao autrquica e de regulao extra-escolar e a

    constituio de dois subsistemas de regulao autnoma regional.

    Considera-se que a presena da tendncia pesada do modelo tradicional, que a investigao

    igualmente mostrou, refora a importncia das abordagens pluridisciplinares para a compreenso das

    continuidades e rupturas dos modelos de regulao da Administrao da Educao.

    Palavras chave:

    Polticas Educativas, Processos de Autonomia e Descentralizao, Regulao Social,

    Participao Social, Concertao Educativa, Modernizao Reflexiva, Intencionalidade Poltica dos

    Actores .

    ix

  • ABSTRACT

    How can the regulation of Educational Systems be operated in todays societies within advanced

    democracies, having behind it a heavy heritage through bureaucratic models of organisation and

    administration and a century-old practice of administrative regulation?

    In order to give some answers to the pertinent subject of social policy governance, the

    Portuguese case of public educational policy was analysed by the light of social regulation theories.

    Several approaches have been made to study the autonomy and the centralisation

    /decentralisation processes on the scale of the national and the regional space.

    The historical-administrative approach allowed us to identify the traditional model with its main

    characteristics in the organic and functional regulation of weberian dogmatic models.

    The critical reading of innovation and transformation, based on theoretical standpoints of the

    social change macro-theories as well as on several thought trends in political, educational

    administration and management sciences made us possible to understand the emergency of a dynamic

    legal framework of educational policy regulation.

    The analysis of actors political intentionality confirmed a new model in which the social

    participation as a regulation instrument is allowed.

    The interactive treatment of the data picked up from document analysis and inquiry (interviews)

    enabled us to identify new local orders, social education dialogue and negotiation processes with

    Local Administration and the civil society represented in a extra-scholar instance, as well as the

    constitution of two regional regulation subsystems.

    We believe that the presence of the heavy trend of the traditional model, also showed by

    research, illustrates and reinforces the potential that multidisciplinary approaches have for research in

    educational settings and their relevance to understand the continuities and ruptures of regulating

    educational administration.

    Key-words:

    Educational Policy, Decentralisation and Autonomy Processes, Social Regulation, Social

    Participation, Education Social Dialogue, Reflexive Modernization, ActorsPolitical Intentionality

    xi

  • RSUM

    Comment la rgulation des Systmes ducatifs sopre-t-elle au sein des socits

    contemporaines dans le cadre des dmocraties les plus dveloppes, en tenant compte dun lourd

    hritage des modles bureaucratiques dorganization et dadministration et de la pratique sculaire de

    rgulation administrative?

    En essayant dapporter quelques nouveaux claircissements cette question qui se pose

    ajourdhui avec pertinence la gouvernabilit des politiques sociales, on cherche analyser le cas

    portugais des politiques publiques dducation sous la perspective des thories de la rgulation

    sociale.

    Cet objectif a rendu ncessaire plusieurs approches des processus dautonomie et de

    dconcentration/dcentralisation dans le contexte national et rgional autonome.

    Lapproche historique-administrative a permis de caractriser le modle traditionnel et

    didentifier les traits dominants de la rgulation organique et fonctionnel des mdles dogmatiques

    weberiens.

    La lecture critique de linnovation et du changement dans le cadre des macro thories e du

    changement social et des courants de pense de la science politique, des sciences de lducation et

    dAdministration et de Gestion, ont rendu possible lapprhension de lmergence dun cadre

    dynamique de rgulation des politiques ducatives.

    Lanalyse de lintentionalit politique des acteurs politiques a assur la configuration dun

    modle qui permet la participation sociale comme un outil de rgulation.

    Le traitement interactif de lensemble des donnes obtenues travers lanalyse du corpus de

    documents et lenqute par des entretiens a permis didentifier en tant que transformations

    significatives de nouveaux ordres locaux, de nouveaux processus de concertation ducative en des

    instances de participation locale et de rgulation extra-scolaire et encore la formation de deux sous-

    systmes de rgulation rgionale autonome.

    On trouve que la prsence de la lourde tendance du modle traditionnel, que la prsente

    recherche a montr aussi, a renforc limportance de la focalization pluridisciplinaire pour la

    comprhension des continuits et des ruptures des modles de rgulation de lAdministration de

    lducation.

    Mots-cl:

    Politiques ducatives; Processus dAutonomie, et de Dcentralisation; Rgulation Sociale;

    Participation Sociale; Concertation ducative; Modernisation Rflexive; Intentionalit Politique des

    Acteurs.

    xiii

  • SIMBOLOGIA E NOTAES

    Siglas utilizadas

    AD

    ANMP

    Aliana Democrtica

    Associao Nacional dos Municpios Portugueses

    ASE Aco Social Escolar

    BM Banco Mundial

    CAE Centro de rea Educativa

    CCR Comisso de Coordenao Regional

    CDG Conselho de Directores Gerais

    CERI Center for Educational Research and Innovation

    CNE Conselho Nacional de Educao

    DAAP Departamento de Avaliao Prospectiva e Planeamento

    DEB Departamento de Educao Bsica

    DEGRE Departamento de Gesto de Recursos Educativos

    DEPGEF Departamento de Programao e Gesto Financeira

    DES Departamento do Ensino Secundrio

    DESUP Departamento do Ensino Superior

    DG Direco Geral

    DGAE Direco Geral de Administrao Escolar

    DGEBS Direco Geral dos Ensinos Bsico e Secundrio

    DRAE Direco Regional de Administrao Escolar

    DREA Direco Regional de Educao do Alentejo

    DREAL Direco Regional de Educao do Algarve

    DREC Direco Regional de Educao do Centro

    DREL Direco Regional de Lisboa

    DREN Direco Regional do Norte

    DREPA Direco Regional de Estudos e Planeamento

    DRE Direco Regional de Educao

    ECD Estatuto da Carreira Docente

    xv

  • FEF Fundo de Equilbrio Financeiro

    FLA Frente de Libertao dos Aores

    FLAMA Frente de Libertao da Madeira

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    GAE Gabinete de Assuntos Europeus

    GEP Gabinete de Estudos e Planeamento

    GETAP Gabinete do Ensino Tcnico Artstico e Profissional

    GGF Gabinete de Gesto Financeira

    GLAE Gabinete de Lanamento e Acompanhamento do Ano Escolar

    IASE Instituto de Aco Social Escolar

    IGAI Inspeco Geral de Administrao Interna

    IGE Inspeco Geral da Educao

    IIE Instituto de Inovao Educacional

    INE Instituto Nacional de Estatstica

    LAL Lanamento do Ano Lectivo

    LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo

    MAPA Movimento para a Autodeterminao dos Aores

    ME Ministrio da Educao

    MEC Ministrio da Educao e Cultura

    MEN Ministrio da Educao Nacional

    MIP

    MPAT

    Ministrio da Instruo Pblica

    Ministrio do Planeamento e Administrao do Territrio

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    PG Programa de Governo

    PIDDAC Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administrao Central

    PIPSE Programa Interministerial para a Promoo do Sucesso Educativo

    PMP Plano de Mdio Prazo

    PS Partido Socialista

    PSD Partido Social Democrata

    QCA Quadro Comunitrio de Apoio

    xvi

  • RAA Regio Autnoma dos Aores

    RAM Regio Autnoma da Madeira

    RGA Reunio Geral de Alunos

    RGE Reunio Geral de Estudantes

    RGP Reunio Geral de Professores

    RIID Rede de Investimentos em Infra Estruturas Desportivas

    SEAM Secretrio de Estado Adjunto do Ministro

    SEIP Secretaria de Estado da Instruo Pblica

    SERE Secretrio de Estado da Reforma Educativa

    SG Secretaria Geral

    SREC Secretaria Regional da Educao e Cultura

    SREAS Secretaria Regional da Educao e Assuntos Sociais

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

    xvii

  • NDICE DE DIAGRAMAS

    Diagrama de processo 7.1 Gesto de Recursos Humanos colocao de pessoal docente 245

    Diagrama de processo 7.2 Gesto de Recursos Financeiros preparao e atribuio do oramento 246

    Diagrama de processo 7.3 Gesto Pedaggica estabelecimento de programas 247

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 3.1 Esquema de anlise 87

    Figura 7.1 Territrio e funcionamento (1913-1979) Centralizao 219

    Figura 7.2 Reforma do Estado (1979) Desconcentrao I 219

    Figura 7.3 Reforma Educativa (1989) Desconcentrao II, Descentralizao e Autonomia 220

    Figura 7.4 Configurao do modelo do sistema escolar na interface com a sociedade 225

    Figura 9.1 Processo de regulao autnoma 291

    Figura 9.2 Evoluo do modelo: alargamento do nmero de anos de escolaridade 311

    Figura 10.1 Evoluo da viso e misso da SRE 331

    Figura 11.1 Esquema de modelo de regulao entre nveis de administrao 363

    Figura 13.1 Circuito regulador fechado 440

    Figura 13.2 Circuito regulador aberto 441

    xviii

  • NDICE DE GRFICOS

    Grfico 9.1 Escolarizao nos Aores 1981 303

    Grfico 9.2 Escolarizao nos Aores 1991 304

    Grfico 9.3 Evoluo do investimento social 312

    Grfico 9.4 Evoluo do investimento na Educao 313

    Grfico 10.1 Escolarizao na Madeira 1981 340

    Grfico 10.2 Escolarizao na Madeira 1991 340

    NDICE DE ORGANOGRAMAS

    Organograma 6.1 Estrutura orgnica do Ministrio dos Negcios do Reino (1901) 168

    Organograma 6.2 Estrutura orgnica do Ministrio da Instruo Pblica (1913) 169

    Organograma 6.3 Estrutura orgnica do Ministrio da Instruo Pblica (1914) 170

    Organograma 6.4 Estrutura orgnica da Secretaria de Estado da Instruo (1918) 171

    Organograma 6.5 Estrutura orgnica do Ministrio da Instruo Pblica (1919-1923) 172

    Organograma 6.6 Estrutura orgnica do Ministrio da Educao Nacional (1936)

    173

    Organograma 6.7 Estrutura orgnica do Ministrio da Educao Nacional (1970) 178

    Organograma 7.7 Estrutura orgnica do Ministrio da Educao (1993) 237

    xix

  • NDICE DE QUADROS

    Quadro 2.1 Distribuio de poderes 58

    Quadro 4.1 Pontos de convergncia interpretativa dos autores 117

    Quadro 6.1 Quadro evolutivo da reestruturao da Administrao Central 197

    Quadro 6. 2 Ciclos e fases de desenvolvimento organizacional do ME 198

    Quadro 7. 1 Perfil de funcionamento do ME antes e depois de 1989 221

    Quadro 7. 2 Sntese dos traos de inovao e mudana 226

    Quadro 7. 3 Evoluo do nmero de alunos 236

    Quadro 7. 4 Evoluo do nmero de docentes 239

    Quadro 7. 5 Evoluo do nmero de estabelecimentos de ensino 239

    Quadro 7. 6 Distribuio de pessoal dos Servios Centrais do ME (1993) 240

    Quadro 7.7 Distribuio por habilitaes literrias 241

    Quadro 7. 8 Distribuio por antiguidade na categoria 241

    Quadro 7.9 Distribuio por escales etrios 241

    Quadro 7.10 Distribuio dos recursos humanos do DEGRE por servio e grupo profissional 242

    Quadro 9.1 Cronologia dos processos de Autonomia e Descentralizao 292

    Quadro 9.2 Taxas de analfabetismo 303

    Quadro 9.3 Crescimento do sistema em 20 anos de Autonomia 305

    Quadro10.1 O ensino nos ltimos censos 339

    Quadro 10.2 Crescimento do sistema em 20 anos de Autonomia 342

    Quadro 12.1 Sntese do processo de descentralizao para as Autarquias Locais 417

    Quadro 13.1 Evoluo da importncia das funes do CNE 430

    Quadro 13.2 Nvel de participao dos elementos do CNE 434

    xx

  • NDICE GERAL

    INTRODUO GERAL 1 Motivaes pessoais 3

    2 Pertinncia do objecto de estudo 5

    3 Estrutura do trabalho de investigao 7

    I PARTE

    CONTEXTOS DA PROBLEMTICA, ENQUADRAMENTO TERICO E

    QUESTES DE INVESTIGAO

    CAPTULO I

    TENDNCIAS EVOLUTIVAS DAS SOCIEDADES CONTEMPORNEAS

    Introduo 15

    1 Contexto geral das sociedades contemporneas 16

    2 Contextos econmico e financeiro e capacidade de adaptao da Educao 21

    2.1 A economia virtual 22

    2.2 O trabalho e a estrutura de emprego 23

    2.3 O desemprego: novas razes, novo sentido 24

    2.4 Racionalidade das polticas sociais e educativas 25

    2.5 Racionalidade da governao da Educao 26

    3 Contexto poltico e social: transformaes institucionais e reinveno do poltico 28

    3.1 Novas condies estratgicas e novas realidades polticas 29

    3.2 Fragmentao das sociedades e regionalismo 31

    3.3 Transformaes institucionais e crise das instituies 32

    3.4 A emergncia do sujeito 35

    3.5 Debate pblico e deciso poltica nas democracias avanadas 36

    4 Perspectivas analticas na investigao educativa: as teorias de mercado

    e a perspectiva ps-moderna 38

    5 Consequncias para a Educao: a reforma do pensamento educativo 40

    Concluso 43

    xxi

  • CAPTULO II

    A ADMINISTRAO E OS ACTORES NO ORDENAMENTO

    JURDICO-NORMATIVO (1986-1993)

    Introduo 47

    1. Contexto cultural nas polticas de administrao portuguesa 48

    2. Contexto jurdico e administrativo da Educao (1986-1993) 51

    2.1. O conceito jurdico e administrativo

    de descentralizao/desconcentrao e autonomia 51

    2.2. Descentralizao/desconcentrao nas Cincias de Gesto 54

    2.3. Descentralizao/desconcentrao no quadro jurdico

    e normativo da Administrao 54

    3. A redefinio de papis e misso da Administrao Central 59

    4. A participao e os actores dois conceitos em evoluo 61

    4.1. A substituio de papis: de objectos e agentes a sujeitos e actores 63

    4.2. Da cidadania representativa ao direito social de participao 65

    5. Um novo quadro de referncia para a regulao educativa 68

    Concluso 70

    CAPTULO III

    QUESTES DE INVESTIGAO E METODOLOGIA GERAL

    Introduo 73

    1 Questes tericas e epistemolgicas 78

    1.1 A construo do caminho heurstico e as opes epistemolgicas 78

    1.2 O papel da teoria 83

    1.3 O paradigma metodolgico 85

    2 Percurso heurstico da investigao emprica, procedimentos e mtodos 87

    2.1 Metodologia geral 87

    2.2 Mtodos e tcnicas 91

    2.3 Critrios e funes das entrevistas 92

    Concluso 94

    xxii

  • CAPTULO IV

    MUDANA SOCIAL, REGULAO E ADMINISTRAO DA EDUCAO

    Introduo 99

    1. Perspectivas de interpretao da mudana social 100

    2. O conceito de modernizao reflexiva 103

    3. A reinveno do poltico 106

    3.1. A nova ordem social e a reforma de racionalidade 107

    3.2. A politizao do local e do global 107

    3.3. Da racionalidade inequvoca weberiana noo de ambivalncia 108

    3.4. Realismo utpico e metamorfose institucional 109

    4. A reinveno da gesto 111

    4.1. A centralidade do conhecimento e a emergncia

    da responsabilidade social 112

    4.2. Novos centros de organizao poltica e descentralizao 114

    4.3. As organizaes do consentimento e o federalismo organizacional 115

    5. Teorias da Administrao Educacional e mudana social 118

    Concluso 122

    CAPTULO V

    AS TEORIAS DE REGULAO SOCIAL

    Introduo 125

    1 A regulao econmica e a regulao social: trs eixos de diferenciao 127

    1.1 Viso e conceito de sistema social 128

    1.2 Natureza e formao das regras 129

    1.3 O conceito e a importncia do poder 131

    2 A regulao social: processo social e teoria de anlise 132

    3 O actor social, as regras e a regulao 134

    3.1 O actor social: constituio e conceito 134

    3.2 As regras: origem, natureza e legitimidade 136

    4 A regulao social como processo social 140

    4.1 Tipologia das regulaes: regulao autnoma, de controlo e conjunta 141

    xxiii

  • 4.2 Limites da regulao conjunta 143

    4.3 O conflito, a negociao e a regra 144

    5 A desregulao 147

    5.1 Principais processos de anomia 149

    5.2 Consequncias ou efeitos gerais dos processos de anomia 150

    6 O paradigma de regulao social: aspectos de renovao e inovao 151

    Concluso 154

    II PARTE

    CENTRALIZAO/DESCENTRALIZAO E

    REGULAO ADMINISTRATIVA

    Introduo 159

    CAPTULO VI AS REFORMAS DA ADMINISTRAO DA EDUCAO

    DA 2 METADE DO SCULO XX

    Antecedentes, princpios, contextos e traos gerais

    Introduo 163

    1. LEITURA HISTRICO-ADMINISTRATIVA: Da fundao primeira reforma estrutural (1870-1971)

    1.1. Gnese e evoluo da estrutura orgnica do Ministrio da Educao 166

    1.2. Evoluo do funcionamento da Administrao Central 175

    2. LEITURA IDEOLGICO-CONCEPTUAL: Fundamentos e princpios das grandes reformas estruturais da segunda metade do sculo XX

    2.1. A reforma de 1971 Consolidao do modelo burocrtico 177

    2.1.1. Centralizao e concentrao de poderes na Administrao Central 177

    2.2. A reforma de 1986-1989 e a transformao do modelo 185

    2.2.1. Descentralizao, participao e centralidade da escola 186

    2.3. A nova viso da Administrao 188

    2.4. A reestruturao de 1993 194

    2.4.1. Declnio do protagonismo da Administrao Central 194

    2.4.2. Racionalidade gestionria e compresso de estruturas 194

    2.5. Ciclos e fases de organizao da Administrao Central 197

    xxiv

  • 3. LEITURA SOCIO - POLTICA DA IMPORTNCIA DOS CONTEXTOS

    3.1. A racionalidade das reformas 198

    3.2. Da democratizao do ensino democratizao da administrao 201

    3.2.1. O contexto de desenvolvimento reformista dos anos 70

    e o contexto democrtico 201

    3.2.2. Contextos socio-culturais e participao: da auscultao

    social como recurso negociao poltico-partidria como mtodo 205

    Concluso 211

    CAPTULO VII

    MODELOS DE ORDENAMENTO JURDICO E DE REGULAO:

    LEITURA CRTICA DA INOVAO E MUDANA

    Introduo 215

    1 Autonomia e descentralizao no sistema de administrao escolar 217

    1.1 O novo perfil de funcionamento 221

    1.2 As novas formas de relao institucional 223

    2 Do modelo realidade o comportamento da mquina 228

    2.1 O funcionamento da administrao central desafios e reaces

    na adaptao mudana 228

    2.2 Organizao de poderes e estratgias relacionais 229

    3 Estrutura intencional e prtica funcional a persistncia da herana cultural 234

    3.1 Uma prtica feita de inrcias e reproduo de modelos,

    procedimentos e regras 235

    3.2 Conservao do modelo: centralizao de funes executivas

    e rotinas burocrticas 244

    4 O mesmo sistema de informao e a mesma racionalidade instrumental 248

    4.1 A consolidao de crculos viciosos burocrticos 249

    4.2 Lgicas e pressupostos na mudana do modelo 252

    Concluso 254

    xxv

  • CAPTULO VIII

    O PAPEL E AS ESTRATGIAS DOS ACTORES: LEITURA

    DA INTENCIONALIDADE POLTICA DOS ACTORES SIGNIFICANTES

    Introduo 257

    1 Os actores significantes e a intencionalidade poltica 261

    2 Intencionalidade poltica do primeiro actor: a lgica instituinte de mudana e a

    perspectiva idealista de realismo utpico 261

    2.1 As estratgias de emancipao e o desequilbrio do sistema: modelo

    intencional, objectivos e estratgias 264

    2.2 Intencionalidade poltica do primeiro actor: a mobilizao social

    e a participao 268

    2.3 Condies de satisfao e causalidade intencional 271

    3 Intencionalidade poltica do segundo actor: a modernizao do sistema

    e a racionalidade gestionria 274

    3.1 As estratgias de flexibilizao das estruturas e a racionalizao de recursos 274

    3.2 Anlise Interpretativa: Quadro de referncias polticas e ideolgicas:

    a gesto e a eficincia 277

    3.3 Condies de satisfao e causalidade 277

    Concluso 279

    III PARTE

    OS PROCESSOS DE AUTONOMIA REGIONAL E

    A REGULAO AUTNOMA

    Introduo 283

    CAPTULO IX

    O CASO DOS AORES:

    AUTONOMIA E DESENVOLVIMENTO

    Introduo 295

    1. Organizao poltica da Educao: Viso e misso 300

    2. Opes estratgicas: Educao e Cultura 302

    3. O projecto educativo regional 306

    3.1. Da poltica de infncia educao permanente 307

    xxvi

  • 3.2. O alargamento da escolaridade num sistema em crescimento 309

    3.3. Polticas de desenvolvimento 311

    Concluso 315

    CAPTULO X

    O CASO DA MADEIRA:

    SOCIALIZAO E DESENVOLVIMENTO

    Introduo 321

    1. Organizao poltica da Educao - viso misso e estratgias 325

    2. Opes estratgicas: Educao e Juventude 325

    3. Polticas de Administrao 334

    4. O projecto educativo regional 337

    4.1. Da poltica de ensino poltica integrada de educao e juventude 337

    4.2. Lgicas de crescimento, inovao e estratgia poltica 343

    Concluso 349

    CAPTULO XI

    DIVERSIDADE E IDENTIDADE DOS

    PROCESSOS DE AUTONOMIA

    Introduo 353

    1. A construo das autonomias e a estratgia dos actores 355

    2. Estratgias de afirmao poltica: conflito e cooperao 355

    3. Estratgia de afirmao regional e medidas experimentais 360

    4. Dois subsistemas com regulao autnoma: aspectos comuns e singulares 364

    5. LEITURA CRTICA E COMPREENSIVA DOS PROCESSOS DE AUTONOMIA 368

    5.1. A comunidade, o projecto e a regulao autnoma 368

    5.2. Os actores e as regras 371

    5.2.1. A autonomia dos Actores 371

    5.2.2. A racionalidade das regras 373

    Concluso 376

    xxvii

  • IV PARTE

    INSTNCIAS MEDIADORAS

    ENTRE A ADMINISTRAO E A SOCIEDADE

    Introduo 381

    CAPTULO XII

    OS PROCESSOS DE DESCENTRALIZAO

    E A MEDIAO AUTRQUICA

    Introduo 387

    1 ANLISE ESTRATGICA DO PROCESSO DE DESCENTRALIZAO PARA O PODER LOCAL

    1.1 O novo quadro jurdico-constitucional das Autarquias e as novas formas

    de relacionamento entre a Administrao Central e Local 390

    1.1.1 Os processos de descentralizao 392

    1.1.1.1 Gnese e traos gerais 392

    1.1.1.2 Evoluo do processo: trajectrias e lgicas 396

    1.2 A participao do Poder Local nas polticas educativas 399

    1.2.1 Formas e modos: Partilha contratual, representatividade e parceria 399

    1.2.2 A participao na perspectiva dos Actores:

    a via da negociao poltica entre o bloqueio e o dilogo social 400

    2 LEITURA CRTICA LUZ DAS TEORIAS DE REGULAO SOCIAL

    2.1 Esboo de um modelo de participao local nas polticas educativas 403

    2.2 A emergncia da regulao social a racionalidade das regras 404

    2.3 A alterao do sistema de relaes e a regulao social educativa 405

    2.4 A autonomia dos actores, a negociao e a regra 407

    3 Comparao entre os processos de autonomia e descentralizao 410

    3.1 Percurso e mtodo 411

    3.2 A descentralizao poltica: uma teia urdida a partir do centro 413

    Concluso 415

    xxviii

  • CAPTULO XIII

    INSTNCIAS DE CONCERTAO E PARTICIPAO SOCIAL

    Introduo 421

    1 Os rgos de consulta superior na regulao das polticas educativas 424

    2 O Conselho Nacional de Educao e a regulao extra-escolar 426

    2.1 Definio, composio e perfil 426

    2.2 Representatividade e consenso 430

    2.3 Lgica de funcionamento 432

    2.4 Papel e funes 435

    3 Participao e concertao educativa 437

    4 A mudana de ciclo no modelo de regulao das polticas 439

    5 O Conselho Nacional de Educao e a deciso poltica 442

    Concluso 444

    CONCLUSES GERAIS

    CONTINUIDADES E RUPTURAS NOS QUADROS

    DE GOVERNABILIDADE E DE REGULAO DA EDUCAO

    1. Histria metodolgica da investigao 447

    2. Os paradigmas e as lgicas da investigao 449

    3. A evoluo do pensamento sobre a Educao e a Administrao 450

    3.1. A modernizao do sistema 450

    3.2. Uma nova relao entre a Administrao da Educao

    e a sociedade: a participao social, os pactos e a contratualizao 455

    4. Um retrato feito da reflexo sobre traos e espaos configurativos 458

    5. Nota final Limites e perspectivas futuras 461

    xxix

  • xxx

    FONTES E BIBLIOGRAFIA

    Fontes 467

    Bibliografia 473

    NDICE DE AUTORES

    ndice de autores 496

    ANEXOS

    Anexo I: Legislao consultada 507

    1. ndice cronolgico de legislao nacional 507

    2. ndice cronolgico de legislao regional 513

    Anexo II: Bases jurdicas de desconcentrao e descentralizao 515

    1. Desconcentrao 517

    2. Quadros de distribuio de competncias 518

    3. Descentralizao 521

    Anexo III: Inqurito por entrevista 523

    1. Guies 525

    2. Protocolos 530

    3. Consideraes metodolgicas 634

    4. Grelhas de anlise 638

    Anexo IV: Programas de Governo e Planos de Mdio Prazo Regionais 644

    1. Transcrio de Programas de Governo da Regio Autnoma dos Aores 648

    2. Transcrio de Programas de Governo da Regio Autnoma da Madeira 661

    3. Planos de Mdio Prazo e relatrios de Execuo

    da Regio Autnoma dos Aores 687

    Anexo V: Tratamento estatstico de dados 691

    1 1. Regies Autnomas 693

    2 2. Conselho Nacional de Educao 697

  • I N T R O D U O G E R A L

    INTRODUO GERAL

    1

  • I N T R O D U O G E R A L

    INTRODUO GERAL

    1. MOTIVAES PESSOAIS

    Penso que no podemos saber com certeza as razes que, de facto, determinam as nossas

    escolhas. Poder-se- talvez invocar o argumento de Aristteles de que o homem faz o que

    gosta e gosta daquilo que conhece.

    Admito-o como possvel justificao desta escolha pessoal, na medida em que sempre

    nutri uma paixo pelo estudo e, de h uns anos a esta parte, o conhecimento da Educao,

    como sistema, me fascina.

    Mas, provavelmente, parafraseando Ortega y Gasset1 tal como os homens, as decises

    tm tambm as suas circunstncias.

    o caso presente em que vrias circunstncias tero contribudo para eleger a

    investigao como projecto de trabalho, quando em 1996, conclua a ltima comisso de

    servio no Ministrio da Educao e escolhia a regulao das polticas de Administrao

    como objecto de estudo.

    Se, h 25 anos, no tivesse sido eleita presidente do conselho directivo de uma escola

    secundria, para substituir uma gesto militar, em tempo de democratizao da

    Administrao, vivendo uma experincia de administrao local;

    Se, em 1979, no tivesse, pela primeira vez, tomado parte na reestruturao da

    Administrao Central, desempenhando funes na base da pirmide decisional como chefe

    de diviso e, enquanto tal, no tivesse despachado e informado superiormente milhares de

    processos, iniciando o conhecimento dos meandros da mquina administrativa;

    Se, em 1981, no tivesse assumido responsabilidades, como directora regional de

    administrao escolar, aps a transferncia de competncias para a Regio Autnoma dos

    Aores e no tivesse a, adquirido a perspectiva global de administrar e gerir o sistema a

    nvel regional (Educao: do pr-escolar ao superior e Cultura na vertente administrativa) e

    no tivesse mantido, por inerncia de funes, um relacionamento institucional entre o local,

    o regional e a administrao central;

    E se, em 1988, no tivesse regressado Administrao Central como directora geral e

    participado no projecto da Reforma Educativa;

    3

    1 Para este autor o dado essencial no o cogito, mas eu penso e o mundo que eu penso em interaco: Yo soy yo i mi circunstncia.

  • I N T R O D U O G E R A L

    Ou se no tivesse feito parte do Conselho Nacional de Educao (1992-1996) e

    participado nas discusses sobre as polticas educativas;

    Ou ainda se no tivesse integrado e coordenado grupos de trabalho, comisses

    negociadoras, ou chefiado e integrado delegaes portuguesas segunda reunio paritria da

    O.I.T. (1991) ou participado em conferncias comunitrias (1991-1994), instncias onde o

    dilogo e a negociao se praticam e valorizam como instrumento de deciso, dificilmente

    teria sido mais motivada a reflectir e investigar sobre os processos de autonomia e

    descentralizao ou induzida a questionar a governabilidade dos sistemas educativos e a

    participao social.

    Certamente esta experincia acumulada num percurso profissional que acompanha a

    evoluo e a prpria trajectria da Administrao da Educao entre 1976-1996 ter

    convergido para despertar o interesse por esta problemtica e para considerar, como hoje

    considero, que entre o conhecimento da realidade local, trazido pelo olhar micro da

    investigao e, o imaginrio, apresentado por novos quadros legais, ser desejvel juntar a

    percepo macro dos processos de mudana, ainda que genericamente esboada.

    Estes factos ocorreram em tempos polticos, espaos geogrficos e organizacionais e

    contextos decisionais diferenciados, marcando um percurso de aco, mas abriram perspectivas

    para um outro percurso heurstico de investigao, onde hoje me situo e caminho.

    No posso, por esse facto, ignorar ou subvalorizar nesta escolha os resultados obtidos em

    trabalhos de investigao anteriores, que fui fazendo sobre aspectos da mudana conceptual e

    praxeolgica, iniciada nos ltimos anos na Educao portuguesa, designadamente a ruptura de

    paradigma decisional, introduzida pelo processo de negociao do estatuto da carreira docente

    dos Ensinos Bsico e Secundrio.

    Foi-me dado concluir nesses trabalhos que a governabilidade do Sistema Educativo j no se

    resume emisso ou prticas de actos de autoridade, mas tende a fazer-se num jogo de

    balano e compromisso entre decisores e administrados.

    Contudo, ainda que esta concluso aponte para a evidncia de um novo quadro de

    governabilidade, no decorre dessa evidncia uma compreenso efectiva sobre o sentido da

    mudana, ou sobre os efeitos que o esforo de renovar as polticas e o seu desenvolvimento

    provocaram, o que me leva a considerar que para alm das motivaes pessoais, o objecto de

    estudo igualmente pertinente nos domnios poltico, social e acadmico pelas razes que

    seguidamente passo a enunciar.

    4

  • I N T R O D U O G E R A L

    2. PERTINNCIA DO OBJECTO DE ESTUDO

    A governabilidade educativa depara-se, hoje, nos pases desenvolvidos com um vasto e

    complexo problema de gesto de um sistema formal, pesado, imerso numa moderna teia de

    redes (sociedade civil, sindicatos, associaes de pais e encarregados de educao,

    instituies socio-culturais, governamentais e no governamentais, poderes regionais e

    locais) para a qual se procuram solues adequadas.

    Nos ltimos quinze anos, os sistemas educativos tm sido sujeitos a intervenes

    polticas sem precedentes2 que desafiam os responsveis administrativos e polticos a

    redefinir a arquitectura destes sistemas e os processo de deciso.

    As reformas educativas vieram criar novos sistemas de desenvolvimento poltico e a

    compreenso de que desejvel descentralizar, no s para tornar o processo poltico mais

    efectivo, mas porque se acredita na participao social, como instrumento e estratgia de

    concretizao da cidadania social.

    Regista-se, alm disso, um interesse crescente nos meios polticos e tambm acadmicos

    no sentido de conhecer para que formas de regulao entre o central e o local evoluem, hoje,

    as administraes dos sistemas educativos e quais as consequncias que estas evolues

    podem ter sobre a natureza da organizao e administrao do sistema.

    Relatrios tcnicos, polticos3 e acadmicos mostram a preocupao dos governos e

    parceiros em conhecer a nova realidade educativa como instrumento til no campo da

    interveno poltica.

    2 Citem-se, como exemplo, as reformas da Educao levadas a efeito em vrios pases da Europa: em Frana,

    1989, La Loi dorientation sur lducation. a primeira vez que, desde J. Ferry (1881), uma lei francesa

    abrange a totalidade do Sistema Educativo. Esta lei fixa os grandes objectivos da poltica francesa em matria

    de Educao, uma poltica para dez anos e , nesse sentido, que o termo loi dorientation difere de loi de

    programmation, visto que no comporta a planificao oramental; Espanha, 1989, o movimento da reforma

    comea com a publicao de um Libro Branco para la Reforma del Sistema Educativo, fruto de um debate que

    comeara em 1987 na comunidade educativa e que se inicia em 1991; Reino Unido, 1988, o Education Reform

    Act (ERA) cobre todos os nveis de ensino na Inglaterra e no Pas de Gales e s o universitrio na Irlanda do

    Norte e na Esccia.

    3 A ttulo meramente exemplificativo destacam-se: o relatrio da comisso presidida por Roger Faroux (1996)

    intitulado Pour lcole; o relatrio Al Gore (1994) sobre o estado da administrao pblica americana; os

    estudos publicados pelo CERI sobre Les processus de dcision dans 14 sistmes ducatifs ou ainda a

    monografia de investigao conduzida por Margaret Maden (2000) sobre as mudanas relevantes na forma

    como a Educao est a ser governada na Europa, para a Association of Education Commitees (AEC) trust, a

    que significativamente deu o ttulo de Shifting gear Changing patterns of Educational Governance in Europe.

    5

  • I N T R O D U O G E R A L

    Deste modo, o desenvolvimento das polticas de descentralizao e de autonomia

    comeam a fazer parte da agenda de investigao, incidindo sobre o papel do Estado, isto ,

    sobre a descentralizao ou desconcentrao da aco pblica e sobre o lugar da

    concorrncia no servio pblico.

    De maneira directa ou indirecta, esta nova problemtica, embora inscrita no quadro de

    preocupaes sobre a eficcia e equidade do ensino e, partindo de referncias de ordem

    tcnica e poltica, mobiliza princpios ideolgicos para a compreenso das modificaes

    institucionais e abre um novo campo de investigao em Cincias da Educao, onde

    comeam a surgir diferentes abordagens sobre as responsabilidades educativas no plano

    regional e local.

    Muitos so os estudos que elegem a escola e recentemente os territrios educativos como

    objecto de investigao, mas comeam j a surgir trabalhos de investigao4, sobre centros

    de deciso e decisores numa perspectiva macro, fazendo incidir as anlises sobre as polticas

    de articulao entre o central e o local.

    Adoptaremos essa perspectiva de anlise, procurando penetrar no interior do sistema e

    da mquina que o suporta e entreabrir uma brecha para a compreenso da sua forma de

    estar e funcionamento.

    4 A este propsito ver Walford (1994) Researching up the powerful in Education.

    6

  • I N T R O D U O G E R A L

    3. ESTRUTURA DO TRABALHO DE INVESTIGAO

    O trabalho de investigao est estruturado em quatro partes.

    Na I Parte intitulada: Contextos da Problemtica, Enquadramento Terico e Questes de

    Investigao, procura-se contextualizar e delimitar a problemtica da investigao.

    Formulam-se as questes de investigao e apresentam-se as bases tericas e metodolgicas

    em que o trabalho se inscreve.

    No Captulo I, com o ttulo Tendncias Evolutivas das Sociedades Contemporneas,

    descreve-se o contexto geral da problemtica, focando as transformaes sociais, polticas,

    econmicas e institucionais que influenciam a reforma do pensamento educativo e

    equacionam-se as perspectivas de abordagem na investigao educativa.

    No Captulo II, intitulado A Administrao e os Actores no Ordenamento Jurdico-

    -Normativo (1986-1993), identifica-se o contexto especfico da problemtica inserido na

    cultura dominante da administrao pblica portuguesa e circunscreve-se o contexto

    jurdico-normativo, introduzido nas polticas de regulao da Administrao com a Lei de

    Bases do Sistema Educativo e legislao regulamentar.

    No Captulo III, com o ttulo Questes de Investigao e Metodologia Geral, delimita-se a

    problemtica e as questes de investigao. Abordam-se algumas questes tericas da

    investigao e descreve-se o percurso heurstico e metodologia da investigao emprica.

    O Captulo IV, intitulado Mudana Social e Administrao da Educao, centra-se sobre

    perspectivas gerais de interpretao das sociedades contemporneas e interpretaes tericas de

    mudana social. Trata-se de um captulo que induz e contextualiza o enquadramento terico.

    Corresponde ao percurso heurstico de investigao na busca de um quadro terico de

    anlise adequado problemtica da regulao das polticas de Administrao Escolar, nos

    contextos gerais e especficos definidos nos Captulos I e II.

    Mobilizam-se, neste captulo, conhecimentos das Cincias da Educao e de vrias

    disciplinas (Sociologia, Gesto, Cincia Poltica) com o objectivo de formular perspectivas

    alternativas de abordagem terica.

    No Captulo V, intitulado As Teorias de Regulao Social, procura-se realizar uma

    construo conceptual das bases tericas que orientaro o trabalho emprico.

    As restantes partes constituem o trabalho emprico e correspondem s unidades de

    anlise da investigao: a Administrao Central do Ministrio da Educao, os processos de

    Autonomia Regional e os processos de Descentralizao e de Participao Social nas

    polticas educativas.

    7

  • I N T R O D U O G E R A L

    Na II Parte, intitulada Centralizao/Descentralizao e Regulao Administrativa, procura

    dar-se uma perspectiva global da evoluo da Administrao Escolar, identificando os modelos

    que a regeram antes e depois da Reforma Educativa de 1989 e at meados dos anos 90.

    Com este objectivo interroga-se a Administrao Central para conhecer os aspectos de

    conservao e mudana atravs de uma leitura histrico-administrativa dos modelos

    organizativos e funcionais e de uma leitura crtica da inovao e mudana do ordenamento

    jurdico, as quais se articularo com a leitura da intencionalidade poltica dos Ministros da

    Educao do XI e XII Governos Constitucionais que cumpriram o mandato normativo da Lei

    de Bases do Sistema Educativo.

    No Captulo VI, com o ttulo As Reformas da Administrao da Educao da segunda

    Metade do Sculo XX Antecedentes, princpios, contextos e traos gerais abordam-se as

    reformas em questo, comparando princpios orientadores e organizativos, contextos e traos

    gerais, com o objectivo de apurar os conceitos de modernizao, democratizao do ensino e

    democratizao da administrao.

    O Captulo VII, intitulado Modelos de Ordenamento Jurdico e de Regulao,

    debrua-se sobre os traos de inovao e mudana que a Administrao Central regista no

    seu funcionamento, em consequncia da restruturao e da misso que a reforma de 1989 lhe

    atribuiu. A se identificam hipteses explicativas para a discrepncia entre a estrutura

    intencional da reforma e a prtica funcional.

    No Captulo VIII, com o ttulo O Papel e as Estratgias dos Actores: Leitura da

    Intencionalidade Poltica dos Actores Significantes, analisa-se a lgica instituinte de

    mudana na intencionalidade poltica dos actores.

    Constituindo a descentralizao um princpio organizador da Reforma Educativa e ao

    mesmo tempo uma estratgia poltica a III Parte, intitulada Os Processos de Autonomia

    Regional e a Regulao Autnoma, centra-se na compreenso dos processo de Autonomia

    das Regies Autnomas dos Aores e da Madeira, procurando mostrar a existncia de dois

    subsistemas de administrao escolar com regulao autnoma.

    Os Captulos IX e X analisam os projectos educativos regionais das duas Regies,

    perspectivando o desenvolvimento dos processos de descentralizao no quadro do sistema

    nacional, fazendo uma leitura crtica e interpretativa luz das teorias de regulao social.

    No Captulo XI, intitulado Diversidade e Identidade dos Processos de Autonomia,

    procede-se comparao entre processos e estratgias polticas na construo das

    autonomias regionais, identificando os aspectos ou percursos singulares e comuns no

    desenvolvimento de um projecto educativo regional.

    8

  • I N T R O D U O G E R A L

    Considerando que na nova cultura poltica das sociedades democrticas a governao

    no uma responsabilidade exclusiva dos governos que partilham com a sociedade civil

    organizada responsabilidades, a IV Parte deste estudo, intitulada Instncias Mediadoras

    entre a Administrao e a Sociedade, centra-se nos processos de descentralizao como

    processos de regulao social e estuda o papel e aco do Conselho Nacional de Educao

    enquanto instncia poltica de regulao extra escolar das polticas educativas.

    No Captulo XII, intitulado Os Processos de Descentralizao e a Mediao

    Autrquica analisa-se o processo de transferncia de competncias para as Autarquias

    Locais e a participao do Poder Local nas polticas educativas, sustentando a emergncia de

    formas de regulao social nos processo de descentralizao. Na economia da lgica

    argumentativa da investigao retomam-se neste captulo as concluses da III Parte sobre os

    processo de autonomia regional, para comparar estes com os processos de descentralizao

    para as Autarquias Locais.

    O Captulo XIII, intitulado Instncias de Concertao e Participao Social descreve o

    funcionamento e o papel do Conselho Nacional de Educao na concertao das polticas

    educativas. Finalmente na Concluso, depois de lembrar a histria metodolgica, os

    paradigmas e as lgicas de investigao, sublinham-se os aspectos que emergiram como

    mais relevantes da reflexo sobre as continuidades e rupturas nos quadros de

    governabilidade e de regulao da Administrao Escolar.

    9

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    I PARTE

    CONTEXTOS DA PROBLEMTICA, ENQUADRAMENTO TERICO

    E QUESTES DE INVESTIGAO

    11

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    CAPTULO I

    TENDNCIAS EVOLUTIVAS DAS SOCIEDADES

    CONTEMPORNEAS

    13

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    CAPTULO I

    TENDNCIAS EVOLUTIVAS DAS SOCIEDADES CONTEMPORNEAS

    INTRODUO

    Os sistemas educativos confrontam-se, hoje, com uma complexidade de problemas com

    origem no processo de evoluo das polticas e na transformao ou manuteno do

    comportamento das administraes que as suportam, no caracter mutvel que caracteriza as

    sociedades contemporneas nos aspectos sociais, financeiros, econmicos, polticos e

    culturais e na dificuldade de conceber solues em contextos de incerteza permanente.

    Ao pretender compreender as mudanas observadas na regulao da administrao dos

    sistemas educativos, objecto da nossa investigao, no estamos perante um contexto nico.

    Estamos ante uma sobreposio de contextos em mutao que se inter-relacionam e

    influenciam e em presena de novos conceitos e diferentes linhas de orientao que, em

    conjunto, enquadram e influenciam a definio de polticas.

    As circunstncias e problemas que se apresentam nas sociedades contemporneas

    regulao dos sistemas sociais complexos j no encontram suporte explicativo nas

    metforas da modernidade: a gaiola de ferro, conceito weberiano para equacionar a

    dificuldade de vencer a burocracia, ou o monstro, para significar o impacto violento e

    irreversvel da modernidade. No obstante Max Weber ter admitido a possibilidade de o

    domesticar, porque era uma criao do homem.

    A alterao das circunstncias e de condies registada, , na metfora de Giddens

    (1996:36), comparvel situao vivida, quando se deixa de estar num automvel

    cuidadosamente controlado e bem guiado e se passa a estar a bordo de um jangren1,

    comparao que transporta com clareza uma significao de incerteza, insegurana e

    mudana potencial, caractersticas que, na opinio de vrios autores, denotam a transio de

    paradigma da sociedade e ilustram o carcter mutvel dos diferentes contextos societais.

    Os princpios e conceitos gerais determinantes dos quadros polticos e sociais de

    governabilidade do Estado e das polticas sociais, designadamente da Educao sofrem o

    impacto dessas mudanas e influenciam, por seu lado, novas transformaes.

    15

    1 Jangren a metfora utilizada por este autor, para significar um carro desgovernado (Giddens, 1996:36)

  • P A R T E I C O N T E X T O S D A P R O B L E M T I C A , E N Q U A D R A M E N T O T E R I C O E Q U E S T E S D E I N V E S T I G A O

    Situaremos, por isso, a problemtica do nosso trabalho de investigao, neste contexto

    geral, e partiremos de novos conceitos e quadros de governabilidade, sustentados pelos

    princpios de participao social e de descentralizao de poderes com consequncias na

    reorientao da viso e misso da Educao.

    Assim, neste captulo, procuraremos apresentar as principais tendncias e caractersticas

    das sociedades contemporneas para evidenciar os desafios que estas colocam capacidade

    de adaptao da Educao e tambm a desadequao cada vez mais evidente dos actuais

    paradigmas de regulao dos sistemas educativos.

    1. CONTEXTO GERAL DAS SOCIEDADES CONTEMPORNEAS

    Nos anos 80, os socilogos fizeram da ps-modernidade o tema das suas anlises2 e

    instalou-se a controvrsia entre alguns, sobre se as alteraes que marcam as sociedades

    contemporneas correspondem ao aparecimento de uma nova era (Vivianne Forrester,

    19983), ou se, pelo contrrio, se trata apenas de uma outra fase da modernidade (Giddens,

    1996; Touraine, 1995; Beck, 1994).

    As anlises e teses, argumentadas por uns e outros, sobre esta questo tm como

    fundamento uma nova realidade social que decorre do facto da revoluo industrial ocorrida

    at segunda metade do sculo XX, com base na qual o paradigma da sociedade industrial

    se formou, ter sido ultrapassada por uma outra revoluo tecnolgica a revoluo digital,

    2 Como observa Herpin (1997), a este propsito, basta enunciar o nmero de publicaes sobre esta temtica:

    Revistas (Sociological Review, Praxis International; Theory and Society, e Sociology, Theory Culture &

    Society, coleces acadmicas Sage Publications, textos escritos por Barry Smart, Scott Lash, Bryan Turner,

    David Harvey, Stephen Crook, Jan Pakulski e Malcolm Waters, Colin Campbell e Zygmunt Bauman fizeram

    dialogar os filsofos ps-estruturalistas franceses (Foucauld, Derrida, Baudrillard e Lyotard) com a escola de

    Franckfurt (Benjamin, Ardono e Habermas), mas Weber e sobretudo Marx estavam igualmente muito presentes

    (In: Sciences Humaines n. 73 Junho de 1997 p.22).

    No vamos apresentar essa controvrsia, pois pouco poderia acrescentar ao esclarecimento da abordagem que

    fazemos do assunto. Consideramos suficiente dizer, neste momento, que utilizamos o termo ps-modernidade

    para caracterizar uma nova realidade social que procuraremos identificar, descrevendo um conjunto de

    aspectos sociais, polticos e econmicos pertinentes na anlise da relao Sociedade/Educao.

    3 Vivianne Forrester (1998: 8) utiliza mesmo a expresso mutao civilizacional :Quando tomaremos

    conscincia de que no h crise, nem crises, mas uma mutao? No a de uma sociedade, mas uma brutal

    mutao civilizacional? Participamos de uma era nova, sem conseguir enfrent-la, sem admitir nem mesmo

    perceber que desapareceu a anterior.

    16

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    que relegou para a histria da tecnologia as inovaes e desenvolvimentos tecnolgicos,

    nascidos com a inveno da mquina a vapor e do tear mecnico.

    Como consequncia: mtodos, processos, objectivos, finalidades e valores da

    organizao social e do trabalho, vlidos para a sociedade industrial so secundarizados ou

    substitudos pela emergncia de uma totalidade social com os seus princpios organizadores.

    Esta nova realidade histrica, designada, pela primeira vez, em 1972, por Daniel Bell de

    sociedade ps-industrial, tem sido diversamente nomeada: sociedade ps-capitalista,

    sociedade de informao, sociedade do conhecimento, sociedade das organizaes,

    consoante a perspectiva de anlise acentua as diferenas relativamente sociedade

    industrializada que a precedeu, focando a natureza e modo de produo, a natureza

    econmica ou os impactos tecnolgicos da informao.

    Basicamente, o que distingue esta nova fase da modernidade o princpio axial da

    mudana de produo de bens para uma economia de servios, significando que o processo

    de industrializao que se desenvolveu na primeira metade do sculo XX e que consistiu no

    incremento de produo e no fabrico em srie de bens e produtos, acompanhado no plano

    laboral por uma organizao cientfica do trabalho (Taylor, 1911; Ford, 1923, Weber,1947)

    deu lugar a uma terciarizao, traduzida numa diversificao de produo, assente na

    acumulao de conhecimentos.

    a centralidade do conhecimento e a perda de importncia dos factores tradicionais de

    produo (terra, trabalho e capital) com impactos sociais no domnio do trabalho, do

    emprego, das qualificaes que criam condies para a emergncia de um novo paradigma

    societal.

    Por sua vez, o desenvolvimento das tecnologias da comunicao e da informao veio

    ainda alterar as noes de espao e de tempo, e deu lugar ao fenmeno da globalizao e a

    processos de descontextualizao e recontextualizao (Giddens, 1996)4.

    4 O espao e o lugar que at aqui coincidiam largamente, dado que as dimenses espaciais da vida social eram para a maior parte da populao e em muitos aspectos, dominadas pela presena por actividades localizadas.

    Com a introduo das novas tecnologias tornou-se possvel o estabelecimento de relaes, eliminado a

    distncia e a ausncia e com a implantao dos media viabilizou-se a difuso de acontecimentos em tempo real

    e a nvel planetrio, aproximando comunidades num sentido de pertena global. D-se, ento, a

    descontextualizao (Giddens, 1996) dos fenmenos sociais que, de repente, se desenrolam no teatro do

    mundo, em vez de se esgotarem no palco de uma exgua localidade prxima e no mbito do contacto fsico.

    Estabelece-se a vizinhana global.

    17

  • P A R T E I C O N T E X T O S D A P R O B L E M T I C A , E N Q U A D R A M E N T O T E R I C O E Q U E S T E S D E I N V E S T I G A O

    Para alm destes aspectos gerais que emergem da comparao com as sociedades

    industriais e com os fenmenos decorrentes das tecnologias da informao e da

    comunicao, permitindo a ligao do local e do global numa dimenso planetria que afecta

    o nosso quotidiano, as sociedades contemporneas apresentam outros traos resultantes do

    progresso e do desenvolvimento da cincia: a incerteza, a irracionalidade, o paradoxo5.

    No campo das descobertas e progressos cientficos, o domnio da cincia conduziu a

    experincias que revelam um enorme poder do homem sobre a natureza (a clonagem por

    exemplo), mas, a par disso, o homem continua dominado pela insegurana e angstia perante

    o flagelo da sida, da droga e do terrorismo.

    As novas tecnologias da informao permitem o sonho da democracia electrnica

    (Toffler,1983), capaz de possibilitar uma maior informao ao eleitorado ou uma maior

    descentralizao das tomadas de deciso. No entanto so causa de uma maior fonte de

    ansiedade com a ameaa de uma sociedade orwelliana, ou seja, ao admitir uma fcil

    armazenagem, consulta e divulgao de informaes pessoais, talvez estejamos a correr o

    risco de, mais tarde, enfrentar um futuro sombrio, marcado pela espionagem electrnica dos

    cidados.

    5 Vivemos uma era de incerteza que na anlise de Galbraith (1978) se traduz em que tudo o que se tinha por adquirido na filosofia, na economia, nas cincias do homem, na organizao das naes se pode revelar

    provisrio, instvel, reversvel. Vrios acontecimentos que desde h alguns anos tm abalado o mundo

    confirmam a justeza destas palavras e o fundamento da anlise. A mudana descontnua que caracteriza esta

    poca impede que faamos uma projeco rectilnea das tendncias do passado (Giddens, 1996).

    Vivemos os paradoxos das economias desenvolvidas que tomam como nova fonte de riqueza o quociente de

    inteligncia, vista como uma nova forma de propriedade, na medida em que representa a capacidade de

    adquirir e aplicar conhecimentos. O saber fazer a nova fonte de riqueza, que no se comporta como qualquer

    outra forma de riqueza e nisto reside o paradoxo. Os meios de produo j no podem ser possudos pelas pessoas que dominam as economias ou os negcios, porque a inteligncia no pode ser redistribuda, no pode

    ser dada, nem retirada. Impedir a emigrao de crebros no uma soluo desejvel e pode mostrar-se

    invivel e suprir as necessidades pela educao leva o seu tempo.

    Vivemos o paradoxo do tempo. Parece que nunca temos tempo suficiente, embora nunca tenhamos tido tanto

    tempo disponvel. Vivemos mais tempo, utilizamos menos tempo para fazer as coisas medida que nos

    tornamos mais eficientes e devamos ter mais tempo livre.

    Vivemos o paradoxo do indivduo que desfruta da vizinhana global. Alargou-se a comunidade. Est-se mais

    perto dos outros. No entanto vive-se a solido, porque se perdeu o sentido de comunidade, quando as

    instncias que criavam esse sentido entram em crise.

    18

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    a constatao destes contrastes e paradoxos que leva alguns autores (Bauman, 1991;

    Beck, 1994) a considerar as sociedades actuais, sociedades de risco, ameaadas pela auto

    destruio e pela insegurana e pelas novas reas de imprevisibilidade, criadas muitas vezes

    pelas prprias tentativas de as controlar.

    Na perspectiva de Baudrillard (1991), esta situao de transio explica-se como o

    resultado de um duplo movimento de exploso e de imploso:

    a) Exploso da mecanizao, da tecnologia, das relaes de mercado, as quais tiveram

    como resultado o aumento da diferenciao em todas as esferas da vida;

    b) Imploso de todos os limites: de regies (a aldeia global), de instituies tradicionais de

    socializao (a famlia, a escola, a Igreja, a sociedade), do social (a cultura de massas),

    das aparncias e da realidade (a realidade virtual criada pelos media).

    A imploso estende-se ao prprio processo de diferenciao social, na expresso de

    Lages (1997: 54), tornando tudo igual e conforme: no distinguindo nada, aceitando, por

    isso, todas as proposies por mais contraditrias que sejam.

    Na perspectiva de Giddens (1996:36), a modernidade radicalizou-se. perturbadora e

    apresenta como caractersticas mais notveis - a dissoluo do evolucionismo, o

    desaparecimento da teleologia histrica, o reconhecimento da reflexividade total (...).

    Deste ponto de vista, as mudanas e transformaes fizeram-se por descontinuidades e

    rupturas com os modelos e formas de viver, vlidas num passado recente, que agora

    abandonado.6 As mudanas acontecem de forma rpida e imprevisvel, isto , no se

    verificam sequncias de transformaes lentas, nem se afiguram orientadas numa certa

    direco ou desenvolvimentos progressivos.

    Significa, por outro lado, segundo as concepes de Touraine (1973: 448), que a

    sociedade no somente um sistema que mantm as suas regras e a sua organizao. Ela

    tambm capaz de se adaptar a mudanas internas e externas e, mais ainda, de escolher os

    seus modos de funcionamento a partir de orientaes culturais e atravs dos seus conflitos,

    dos seus movimentos sociais e das suas decises polticas.

    Para Lyotard (1989), significa ainda que o homem moderno, ao deixar de crer nas meta-

    narrativas ou nos paradigmas definitivos de interpretao do mundo, deixou de ter

    6 Giddens (1996: 4) identifica as descontinuidades com o ritmo das mudanas, o alcance das mudanas, pois

    medida que diferentes regies do globo so postas em interligao umas com as outras, vagas de transformao

    social correm virtualmente a superfcie da terra. Um terceiro aspecto diz ainda respeito prpria natureza das

    instituies modernas.

    19

  • P A R T E I C O N T E X T O S D A P R O B L E M T I C A , E N Q U A D R A M E N T O T E R I C O E Q U E S T E S D E I N V E S T I G A O

    paradigmas permanentes e compreende que no pode agarrar a histria e submet-la

    prontamente aos seus propsitos colectivos.

    a mudana que est particularmente presente neste final do sculo XX. Mudana em

    que, na sntese de Touraine (1994: 422), se v sobretudo o pndulo da histria deslocar-se

    da esquerda para a direita: depois do colectivismo o individualismo, depois da revoluo o

    direito, depois da planificao o mercado.

    E esta tendncia, acrescenta o autor, surge como uma contrapartida da natureza

    durante muito tempo aprisionada pela ditadura dos aparelhos e das ideologias.

    Com efeito, no plano histrico, presenciamos e apercebemo-nos de que a democracia

    liberal no proporcionou uma transio suave para a democracia pluralista. Vemos como o

    colapso do comunismo abriu caminho ao ressurgimento do nacionalismo e a novos

    antagonismos. Temos presente a ecloso de diversos conflitos tnicos, religiosos e nacio-

    nalistas que pensvamos pertencer a pocas passadas.

    No plano poltico, somos testemunhas de como as sociedades esto a sofrer um processo

    de redefinio das suas identidades colectivas e a experimentar o estabelecimento de novas

    fronteiras polticas7.

    No plano social, assistimos a mutaes nos padres de vida, de trabalho, de lazer, de

    relacionamento com as instituies e at a prpria identidade de pertena dos indivduos e de

    grupos substituda por uma identidade de referncia8.

    Na linha do pensamento sociolgico de alguns autores, designadamente de Crozier

    (1977) e Touraine (1984), o aparecimento da sociedade meditica contribuiu para a

    reformulao de processos de identificao cultural e a globalizao por ela induzida

    transformou a organizao social global. Porm, contraditoriamente, um processo de

    individualizao como outra face da globalizao tambm transformou o sujeito que se

    liberta das estruturas, deixando de ser o agente de papis (que a teoria funcionalista lhe

    7 Cite-se o caso da Comunidade Europeia.

    8 Situao que se explica nas palavras de Braga da Cruz (1997: 64-67) da seguinte forma: Com o advento da

    sociedade de consumo, as identidades deixaram de ser sobretudo, como eram tradicionalmente, identidades de

    pertena para se tornarem identidades de referncia. Aquilo que se socialmente cada vez mais dado, no

    tanto pelas pertenas institucionais - nome de famlia, titulo escolar, profisso desempenhada - porque essas

    instituies esto afectadas de maior instabilidade e mobilidade, mas sobretudo pelas referncias dos

    consumos escolhidos e possibilitados. O mercado molda cada vez mais as identidades sociais, dependentes

    das oportunidades de consumo. Basta atentar na importncia das marcas comerciais nos processos de

    identificao social.

    20

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    reconhece) para se assumir como o actor social (Touraine, 1994) e fazer um regresso s

    instituies polticas.

    No plano econmico, a globalizao dos mercados e a deslocao e concentrao do

    poder econmico dos Estados-nao para empresas transnacionais vem corroer o poder e a

    soberania dos estados.

    Por ltimo, a reflexividade da vida social moderna, segundo Giddens (1996: 27), tende a

    induzir que as prticas sociais sejam constantemente examinadas e reformadas luz da

    informao sobre elas adquirida, alterando assim constitutivamente o seu carcter.

    neste quadro de referncia global e admitindo estes pressupostos acerca da sociedade

    ps-moderna por oposio sociedade moderna que procuraremos seguidamente

    desenvolver os contextos gerais mais significativos (econmico e financeiro, poltico e

    social) que enquadram a problemtica do nosso objecto de estudo.

    2. CONTEXTOS ECONMICO E FINANCEIRO E CAPACIDADE DE ADAPTAO DA EDUCAO

    A noo de contexto econmico no se reduz ao campo econmico strictu sensu, inclui,

    em particular, tudo o que releva da evoluo das tcnicas em todos os domnios da aco, da

    economia e da administrao.

    Tem a ver com a economia da empresa, isto , com a sua nova organizao, face

    economia do mercado e competio que a caracteriza, com a organizao social e

    condiciona as polticas.

    Nas ltimas dcadas, a formao de uma teia global9, envolvendo os mercados, as

    economias e as sociedades no seu todo, ganhou consistncia, alastrou e prospera, alimentada

    por uma filosofia de consumo, mencionada por vrios autores (Baudrillard, 1996,

    Bauman,1992).

    A este propsito Bauman (1992) argumenta que, na sociedade ps-moderna, a conduta

    do consumo se desloca para a posio que, na fase moderna da sociedade capitalista, era

    ocupada pelo trabalho sob a forma do salariado e especifica que, na sociedade ps-moderna,

    a conduta do consumidor tambm o motor das mutaes socio-econmicas futuras.

    Esta filosofia identifica a felicidade, o bem-estar e o progresso com os bens materiais

    que a publicidade, persuasivamente introduzida pelos mass media, torna conhecidos e

    desejados, eliminando fronteiras entre naes, ligando povos e culturas distantes,

    9 Expresso de Robert Reich (1996) em O Trabalho das Naes.

    21

  • P A R T E I C O N T E X T O S D A P R O B L E M T I C A , E N Q U A D R A M E N T O T E R I C O E Q U E S T E S D E I N V E S T I G A O

    colonizando o desejo de populaes, sobrepondo-se a valores tradicionais, o que torna

    evidente a irrelevncia futura da nacionalidade, em termos econmicos, e vai minando a sua

    idiossincrasia, em termos culturais.

    A economia global pois uma nova realidade que faz despertar reaces diferentes nas

    potncias econmicas mundiais e que, entre ns, levou a velha Europa, confrontada com a

    globalizao das economias, com o flagelo do desemprego elevado e com o desafio de uma

    revoluo ps-industrial, baseada nas novas tecnologias da informao e comunicao, a

    preparar a mudana, optando por um processo de unio primeiramente pela via econmica

    para avanar depois na via poltica10.

    2.1. A economia virtual

    De acordo com Vivianne Forrester (1996)11, esta economia uma economia virtual,

    instalada num mundo indito sob o signo da ciberntica, da automao, das tecnologias

    revolucionrias que passou a exercer o poder. No tem verdadeira ligao com o mundo do

    trabalho, na medida em que os produtos so cada vez mais virtuais.

    Os valores financeiros j no correspondem a activos reais. So muitas vezes

    negociados, convertidos antes de terem existido.

    Redes econmicas privadas tansnacionais dominam cada vez mais o poder do Estado.

    Longe de serem controladas por ele, controlam-no e formam, em suma, uma espcie de

    nao que, sem base em solo algum, fora de qualquer instituio governamental, comanda

    cada vez mais as instituies de diversos pases e as polticas, s vezes por intermdio de

    organizaes respeitveis como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetrio Internacional

    (FMI), a Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE).

    Na transio para este mundo actual, o das multinacionais, do liberalismo econmico, da

    desregulamentao e da virtualidade, o paradigma de trabalho ligado era industrial, ao

    10 Trata-se, como referido no Relatrio Accomplir l Europe par l`ducation et la Formation (1998), de um

    processo decisivo e nico na histria: o reagrupar pacificamente naes de um continente pela via

    democrtica, enquanto que algumas delas tentaram, vrias vezes, faz-lo pela aco militar.

    11 Referimos o ponto de vista desta autora, no desconhecendo que o retrato traado na sua obra tem os traos

    de uma literatura de interveno, que apela indignao. No entanto o dramatismo da sua expresso permite

    evidenciar com nitidez os traos fundamentais do novo contexto econmico das sociedades ps-industriais,

    correspondendo viso de que estamos no limiar de uma nova civilizao.

    22

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    capitalismo de ordem imobiliria est progressivamente a transformar-se, perdendo

    importncia, argumento central muitas vezes referido pelos socilogos da ps- modernidade

    que Touraine (1994: 242) bem sintetiza ao afirmar que a face mais visvel da modernidade

    a do vazio, de uma economia fluda, de um poder sem centro, sociedade de trocas muito

    mais de que de produo.

    2.2. O trabalho e a estrutura de emprego

    O trabalho tornou-se mais intelectual e menos manual e repetitivo, caractersticas que

    definiam o trabalho nas sociedades industriais, requerendo, por esse facto, uma maior

    qualificao e preparao profissional.

    O prprio valor do trabalho mudou. Como refere Braga da Cruz (1997), continua a

    desempenhar um papel significativo, mas associou-se ideia de um instrumento necessrio

    aquisio de meios econmicos para satisfazer as exigncias que a sociedade de consumo ou

    a sociedade de lazeres colocam e passou a ser encarado menos como um meio de

    identificao pessoal.

    A prpria organizao do trabalho tambm mudou. As fbricas substituem trabalhadores

    por mquinas. As restries financeiras e a crise que comeou a desenhar-se nos anos 70,

    quando o desemprego comeou a subir e se conhecem as crises de ajustamento conjuntural,

    de carcter mais ou menos permanente, s condies do mercado e evoluo da tecnologia,

    levam as empresas a adoptarem polticas de reduo de pessoal, procurando flexibilidade

    pela reduo de postos de trabalho12.

    Os trabalhadores tornam-se actores mais ou menos independentes na rede de apoio

    contratual das empresas, trabalhadores eventuais, trabalhadores pagos pea, consultores

    que oferecem as suas profisses e tcnicas diferentes.

    Do ponto de vista da empresa, esta maneira de comprimir os trabalhadores faz sentido.

    uma soluo econmica. Porqu manter trabalhadores a tempo inteiro se precisam deles dois

    ou trs dias por semana?

    Do ponto de vista dos trabalhadores, isso significa que a carreira tem um novo

    significado e que j no podem esperar dela qualquer papel ou desempenho para sempre.

    12 Esta vasta remodelao no mundo do trabalho tem levado a que, nos pases industrializados em cidades,

    como Nova Iorque, unidades completas de gesto abandonem os seus postos e a que andares inteiros de

    escritrios fiquem vazios, estabelecendo-se uma nova relao, se alguma houver, entre os empregados que no

    esto ligados s tarefas centrais, situao descrita por Handy (1995) no livro intitulado: A Era da Incerteza.

    23

  • P A R T E I C O N T E X T O S D A P R O B L E M T I C A , E N Q U A D R A M E N T O T E R I C O E Q U E S T E S D E I N V E S T I G A O

    A estabilidade na profisso e no emprego deu lugar mobilidade profissional e laboral

    que se traduz no desempenho de vrias profisses e vrios empregos ao longo da vida.

    Estas mutaes na estrutura do emprego, que tm sido objecto de anlises, segundo

    perspectivas diferentes de gestores, analistas e cientistas sociais, geram problemas

    acrescidos na insero e reinsero profissional, uma vez que garantir emprego nestas

    condies implica capacidade de adaptao sucessiva a novos contedos de trabalho e exige

    saberes e competncias profissionais actualizadas, o que constitui um desafio capacidade

    de adaptao da educao nos planos conceptual, pedaggico, gestionrio e administrativo.

    2.3. O desemprego: novas razes, novo sentido

    E se a estrutura do emprego mudou, o desemprego tambm adquiriu um novo sentido.

    Outrora, desemprego significava simplesmente desemprego, isto , falta de emprego, de

    ocupao remunerada.

    Para lidar com o desemprego polticos e economistas sustentavam a necessidade de

    criao de emprego a que o crescimento econmico dava resposta.

    Hoje, o desemprego torna-se cada vez mais uma condio de marginalidade, de excluso

    social. Vrias correntes polticas e econmicas (do pensamento liberal e social democrata,

    nas quais me situo) sustentam que para lidar com o desemprego se torna necessrio uma

    nova filosofia que permita sustentar as polticas sociais, adoptando estratgias polticas

    concertadas para encontrar alternativas para esta nova questo social, que emerge com a

    crise do contrato social do welfare state.

    Na perspectiva daqueles que sustentam esta posio est implcita a ideia de que se

    preciso favorecer o lucro, porque o lucro que faz funcionar a economia, porque a economia

    de mercado cria a riqueza e porque a riqueza cria emprego. Admitindo assim, que no

    vivemos numa sociedade com uma lgica nica, ser igualmente necessrio encontrar uma

    diferente repartio das riquezas e, se globalizar a flexibilidade inevitvel, tambm se deve

    tornar uma preocupao globalizar os direitos sociais.

    As transformaes a que nos estamos a referir no decorrem apenas por efeito das

    mutaes tecnolgicas, visto que, pelo menos h duzentos anos, a humanidade vive sujeita a

    sucessivos choques tecnolgicos e, historicamente, confirmou-se que cada nova tecnologia

    induziu o desenvolvimento de novos mercados e constituiu factor de crescimento.

    A principal razo deste estado de coisas parece residir na diminuio de emprego que,

    como j referimos, comum imputar-se ao efeito das novas tecnologias, mas tende a relevar

    24

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    sobretudo do carcter global das mudanas e dos mercados, no ritmo vertiginoso a que tm

    lugar as alteraes e da manifesta impreparao das nossas sociedades para as gerir.

    Esta questo do emprego/desemprego ainda uma questo de crescimento econmico e

    desenvolvimento humano para os pases subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento,

    mas para outros (a Europa ocidental) , ao mesmo tempo, uma questo de competividade

    com outras economias de potncias como o Japo e os Estados Unidos.

    Mais do que isso, uma questo social, que na opinio de alguns observadores resulta

    menos do volume de emprego e cada vez mais da qualidade dos empregos disponveis e das

    pessoas para os ocupar.

    O quadro genrico que traamos permite-nos perceber, ento, que o real desafio

    econmico tende a no ser j a posse dos factores de produo tradicionais (terra, trabalho,

    capital), mas como Robert Reich (1996: 22) afirmou - o real desafio econmico o aumento

    do valor potencial daquilo que os cidados podem acrescentar economia global,

    expandindo as suas qualificaes e capacidades e melhorando os meios que permitam ligar

    essas qualificaes e capacidades ao mercado mundial.

    2.4. Racionalidade das polticas sociais e educativas

    neste sentido que as profundas transformaes em curso questionam as polticas

    educativas e suscitam a questo do papel da Educao e dos Sistemas Educativos nesta

    dinmica social. Est em causa a reorientao e reconverso da lgica e racionalidade dos

    sistemas educativos e da sua administrao e a necessidade de caminhar para a construo

    de uma sociedade educativa (Delors, 1996:19).

    Como afirma Peter Drucker (1996: 214), a distribuio formal do conhecimento passar

    a ocupar o lugar poltico que a aquisio e a distribuio de rendimentos ocuparam nos dois/

    trs sculos que designamos como era do capitalismo.

    O contexto econmico descrito coloca, pois, s sociedades contemporneas um novo

    processo de expanso da escolarizao, diferente daquele que se deu nas dcadas de 70 e 80,

    porque esta expanso j no decorre, como nos anos 70, da necessidade de escolarizar todos

    em obedincia ao princpio de democraticidade ou, como nos anos 80, para satisfazer a

    procura social.

    No se trata j de um problema de crescimento, cuja resposta era dada pela construo

    de mais escolas, pela formao e recrutamento de mais professores, em sequncia de um

    planeamento estratgico adequado.

    25

  • P A R T E I C O N T E X T O S D A P R O B L E M T I C A , E N Q U A D R A M E N T O T E R I C O E Q U E S T E S D E I N V E S T I G A O

    A expanso da escolarizao, nos anos 90, particularmente complexa e de outra natureza,

    porque Educao, nos pases industrializados, deixaram de se colocar com pertinncia as

    questes quantitativas de crescimento, tendendo a assumir as questes de natureza qualitativa um

    desafio que consiste em possibilitar a cada um uma actualizao e formao contnua ao longo da

    vida, exigindo-se o desenvolvimento de novas capacidades, novas competncias tcnicas e a

    inveno de novas formas de emancipao/individualizao.

    Em consequncia, a regulao do Sistema Educativo deixa tambm de poder limitar-se

    a uma questo de gesto autnoma de processos de quantidade ou mesmo de quantidade

    versus qualidade, para exigir a inter-relao e a articulao de processos sociais complexos

    de participao dos governos com outras entidades sociais.

    2.5. Racionalidade da governao da Educao

    Concretizar estes objectivos de natureza colectiva implica naturalmente opes

    econmicas e financeiras sempre difceis, agravadas nas sociedades europeias com a tomada

    conscincia dos limites do Estado Providncia e da sua crise.

    No deixa de ser interessante notar que so as teorias econmicas de Keynes que

    influenciam o aparecimento do Estado Providncia, logo a partir do final de segunda guerra

    e cujas linhas gerais surgem a partir do relatrio Beveridge13.

    O Estado assume, a partir dessa altura, a responsabilidade pela obteno do pleno

    emprego e pela produo de larga gama de servios em sectores como a educao, a sade e

    a segurana social, servios a que todos deveriam ter acesso, criando-se, assim, condies

    para um efectivo exerccio da cidadania.

    Porm, esta responsabilidade repousava no pressuposto de garantia de um crescimento

    econmico continuado, controlando as oscilaes dos ciclos econmicos atravs de uma

    poltica econmica regulada por intervenes do estado, pressuposto que no se verificou. E

    o sistema entra em crise, arrastando consigo a crise de todas as sociedades que fizeram dessa

    promessa o eixo estruturante das organizaes e das concepes de futuro.

    Esta crise financeira que se expressa num aumento da diferena entre o ritmo de

    crescimento econmico e o das despesas sociais, cujas causas tm sido objecto de anlises

    13 Lord Beveridge parte da ideia simples de que uma sociedade industrial, vivendo em paz, utilizando todos os seus factores de produo e com toda a populao a trabalhar, no deveria sofrer a necessidade nem os efeitos

    da doena, da ignorncia da dependncia e da falta de habitao.

    26

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    profundas e de propostas diferentes de soluo14 faz com que os financiamentos da Educao,

    que na maioria dos pases industriais vm do poder pblico e que so determinantes para

    responder s novas necessidades tenham de competir com outros sectores sociais.

    neste contexto que surge a ideia de diversificar fontes de financiamento e de procurar

    alternativas em zonas no exploradas.

    Comea a falar-se de contratualizao, de parcerias e de partenariados com empresas.

    Entre ns, e no que se refere Educao, embora, em nosso entender, no seja uma

    dominante poltica significativamente enraizada, indirectamente este esprito que de certo

    modo preside contratualizao com as autarquias locais (assunto que aprofundaremos no

    Captulo XII), assumindo estas responsabilidades no desenvolvimento das polticas sociais

    educativas e na construo de escolas, ou ainda na contratualizao com parceiros sociais,

    tendo em vista a criao de escolas profissionais.

    Sob o ngulo de anlise mais amplo das polticas pblicas, esta orientao enquadra-se

    na crise do contrato social.

    Segundo Braga da Cruz (1997b), trata-se agora da necessidade de uma redefinio de

    funes dos parceiros no contrato social, alargando a representao dos interesses nova

    textura corporativa da sociedade ps-industrial e tornando participantes na concertao

    social novos parceiros com expresso organizativa e protagonismo pblico.

    Entre eles no apenas instituies tpicas da nova cultura ps-materialistas

    (associaes de ambientalistas e de consumidores), mas sobretudo o associativismo

    institucional da sociedade civil. Trata-se, ainda, na expresso do mesmo autor, de

    redistribuir papis no interior dessa parceria.

    A nova orientao tem como consequncia que as instituies e associaes da

    sociedade civil comecem a ser concebidas no apenas como sujeitos destinatrios das

    polticas pblicas sociais, mas como instrumentos privilegiados de realizao dessas

    mesmas polticas como objectos e como actores dessas polticas.

    14 Cientistas sociais e economistas interrogam-se e inquietam-se perante este problema. Para uns: Vivianne

    Forrester (1997) e Ricardo Petrella (1997), a soluo pode estar em contrapor globalizao econmica a

    globalizao dos direitos sociais; para outros, como Assar Lindbeck (1997), possvel encontrar um novo

    equilbrio entre polticas macro econmicas e estruturais sem tragdia social, redesenhando vrios aspectos do

    welfare state, reduzindo benefcios e redesenhando os sistemas capitalistas - a tragdia social, na opinio deste

    autor, consistiria em insistir num paradigma do homo economicus, onde a diminuio do tempo das tarefas

    produtivas gera incapacidade.

    27

  • P A R T E I C O N T E X T O S D A P R O B L E M T I C A , E N Q U A D R A M E N T O T E R I C O E Q U E S T E S D E I N V E S T I G A O

    Este retomar ao nvel da filosofia do estado da teoria do contrato, tambm se faz sentir

    na Educao com a utilizao de novos instrumentos que permitem Administrao e s

    escolas gerar receitas.

    Nos pases mais avanados nesta via do neo-liberalismo, como referia Laderriere

    (1992), considera-se at que a Educao devait fonctionner selon les normes dun march

    social, o que explica de alguma forma que, na nova orientao, o Estado tenda a

    descentralizar o aparelho administrativo com a consequente necessidade de partilha de poder

    e de definio de modelos de regulao conjunta entre estado e sociedade civil organizada.

    O desenvolvimento deste processo faz-se, porm, no quadro de um outro contexto geral:

    o contexto poltico/social que passamos a desenvolver.

    3. CONTEXTO POLTICO E SOCIAL: TRANSFORMAES INSTITUCIONAIS E REINVENO DO POLTICO

    Privilegiamos, neste contexto, uma perspectiva de anlise que tem por objectivo

    evidenciar:

    1. - As mudanas de orientao sobre o papel e a funo reguladora do Estado que

    ocorrem nas sociedades ps-industriais, como consequncia do processo de

    globalizao;

    2. - As alteraes institucionais e a desadequao na racionalidade instrumental das

    sociedades industriais, face aos processos de participao social;

    3. - A ideologia dominante na conduo das polticas sociais pblicas, com principal

    incidncia na poltica educativa.

    Estes aspectos, em nosso entender, marcam de forma consequente o contexto da

    problemtica da nossa investigao, visto numa perspectiva sistmica, onde dimenses

    sociais, polticas e ideolgicas se entrecruzam.

    Interessa-nos sobretudo definir as novas condies estratgicas em que estas questes se

    colocam, de molde a permitir abrir, em momento posterior, uma linha de reflexo sobre a

    evoluo da relao poltica do papel do Estado e da consequente necessidade de repensar a

    mediao entre decisor poltico e instituies; cidados e sociedade civil, ou, dito de outro

    modo, o desenvolvimento de novas formas de regulao das polticas educativas.

    28

  • C A P T U L O I T E N D N C I A S E V O L U T I V A S D A S S O C I E D A D E S C O N T E M P O R N E A S

    3.1. Novas condies estratgicas e novas realidades polticas

    Situando a anlise no quadro europeu, a primeira mudana que se observa a crise que o

    Estado nacional atravessa por ter perdido o estatuto de centro de todas as relaes polticas

    internas e externas.

    Na perspectiva analtica de Aguiar (1997)15 sobre o papel do Estado nacional, este

    definia-se, num passado recente, como protagonista central na formao da deciso poltica,

    da cultura poltica e do pensamento estratgico.

    Era tambm protagonista central das relaes no quadro do sistema interestatal e gerador

    de linhas estratgicas de modernizao, referncia central de todas as relaes entre grupos

    sociais e de todas as estratgias de acesso ao poder ou de interferncia nos sistemas de

    distribuio de rendimentos, de garantia de segurana.

    Esse papel central altera-se com a ordem poltica e social estabelecida pelo projecto de

    construo da Europa Comunitria e pela nova ordem mundial.

    O Estado nacional atravessa uma crise no seu papel de estado soberano.

    Perdeu importncia e poder a favor de outras realidades polticas, no plano externo, o

    que se revela na transio do paradigma estatocntrico para um paradigma de sistema

    sociedade-mundo, como sustenta Pureza (1995); ou a favor de outros grupos, no plano

    interno, e v assim alterado o que era o seu quadro de eficcia normal.

    Vrios autores (Albrow, 1996; Claus Offe, 1996), com orientaes analticas e posies

    diferentes, confirmam esta percepo dos limites do papel estratgico do estado nacional16.

    15 Seguimos de perto o pensamento deste investigador, tomando como referncia principal a comunicao

    intitulada A crise democrtica do Estado social no Seminrio Internacional Europa Social, promovido pela

    F