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1 P A R E C E R I – INTRODUÇÃO Em Notícia de Infração Disciplinar suscitada pelo Sport Clube Internacional (SCI), junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, foi apresentada pelo clube suscitante, ora Consulente, uma compilação de e-mails que recebera na caixa de e-mails de seu funcionário Felipe Dellagrave Baumann, relativos a troca de mensagens entre o Diretor de Registro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou seu subordinado com o responsável por registros do clube Vitória de Salvador, acerca da contratação do jogador Victor Santos. As mensagens diziam respeito à necessidade de a transferência ser de natureza internacional e não nacional, recebendo o time baiano, Vitória, orientações de como realizar o empréstimo do jogador.

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P A R E C E R I – INTRODUÇÃO

Em Notícia de Infração Disciplinar suscitada pelo Sport

Clube Internacional (SCI), junto ao Superior Tribunal de

Justiça Desportiva, foi apresentada pelo clube suscitante,

ora Consulente, uma compilação de e-mails que recebera na

caixa de e-mails de seu funcionário Felipe Dellagrave

Baumann, relativos a troca de mensagens entre o Diretor de

Registro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou seu

subordinado com o responsável por registros do clube Vitória

de Salvador, acerca da contratação do jogador Victor Santos.

As mensagens diziam respeito à necessidade de a

transferência ser de natureza internacional e não nacional,

recebendo o time baiano, Vitória, orientações de como

realizar o empréstimo do jogador.

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Esta compilação foi juntada aos autos pelos advogados

do SCI. A Confederação Brasileira de Futebol arguiu a

falsidade desta compilação. Foram juntados aos autos laudos

periciais. Há dois laudos periciais acerca da origem desta

compilação, um de autoria do perito GUILHERME MACEDO, outro

da lavra dos peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES E JOÃO HENRIQUE

RODRIGUEZ.

Há também parecer do Professor CLÁUDIO MORENO acerca do

conteúdo do constante da compilação em confronto com o

existente na Ata Notarial retratando o conteúdo dos originais

dos e-mails compilados.

Antes de examinar a origem da compilação recebida pelo

Sport Clube Internacional, cumpre analisar os dados

elementares do crime do falso documental, a se iniciar pelo

conceito de documento, sua relevância e a exigência de

relevância da falsidade. Ao depois, se irá analisar a não

autoria da falsidade por parte do Consulente e seus

prepostos, bem como a inadequação típica do crime de uso de

documento falso.

Por fim, será estudada a não configuração típica do

crime de falsidade em face da irrelevância das alterações

havidas, além da circunstância dos documentos terem sido

submetidos ao crivo do Tribunal Desportivo e à análise da

parte partícipe da elaboração dos e-mails constantes da

compilação.

II - DOCUMENTO E RELEVÂNCIA DO FALSO

Há uma obrigatória relação a se estabelecer entre o

conceito de documento e o conceito de falso, pois a falsidade

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para constituir mutação da realidade relevante a configurar

delito só poderá dizer respeito a aspecto característico e

próprio do documento em sua autenticidade e em seu conteúdo.

Assim, deve-se partir do conceito de documento para se

determinar o conceito de falso, a fim de conceituar o que

vem a ser o falso documental.

Poder-se-ia de forma mais sintética dizer que documento

consiste na materialização da expressão de um pensamento,

mas deve-se ir além. Documento etimologicamente vem do latim,

docere, relativa a ensinamento, o que serve a instruir1, não

sendo, portanto, apenas uma vacuidade, mas a expressão de

uma situação relevante.

O monografista MALIVERNI, após elencar cerca de trinta

definições de documento extraídas de doutrinadores em

especial italianos e alemães, destaca que em sua maioria

prevalentemente destaca-se como característica do documento

a sua destinação probatória, a sua eficácia e relevância

jurídica dos fatos a provar.

MALIVERNI, entre tantas definições, escolhe a dada por

MAURACH, para quem documento vem a ser uma declaração

compreensível proveniente de determinado autor, destinada a

prova juridicamente relevante. Documento, portanto, tem uma

compreensão objetiva e funcional2.

MALINVERNI destaca, então, que o objeto de proteção

mediante a incriminação do falso vem a ser o documento em

1 Em francês, document, similar ao português, vem do latim, documentum, como explicam BLOCH.O e WARTBURG, W.von. Dictionnaire étymologique de la langue française. Paris, Puf, 2.002, p. 200. 2 MALINVERNI, Alessandro. Teoria del falso documentale. Milão, 1.958, p. 17 e seguintes.

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sua eficácia probatória, sob os ângulos da destinação e da

força probante, como requisitos do documento que venham a

ser atingidos pela falsidade3.

Remetendo-se a diversos penalistas, os quais destacam

ser documento um escrito de determinado autor que contenha

declaração de vontade idônea a sufragar uma pretensão

jurídica ou uma declaração destinada, segundo seu conteúdo

intelectual, às relações jurídicas, SOLER, com sua

proverbial clareza, conceitua: “Documento es una atestación

escrita en palavras mediante las cuales un sujeto expressa

algo dotado de significación jurídica4”.

Entre nós, NELSON HUNGRIA é preciso: documento, sub

specie juris, diz ele, é “todo o escrito especialmente

destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de

prova para fato juridicamente relevante5”.

Mais recentemente, bem especifica REGIS PRADO

caracterizar-se o documento pelos seguintes requisitos:

forma escrita; autor determinado; conteúdo; relevância

jurídica6.

3 MALINVERNI, Alessandro. Teoria del falso documentale. Milão, cit., p. 249. Em uma compreensão funcional, no direito espanhol, veja-se RODRIGUEZ DEVESA, Jose Maria. Derecho Penal Español – parte especial. 5a. ed. Madrid, 1.973, p. 861, para quem documento é um escrito no qual se dá corpo a um conteúdo de pensamento destinado a entrar no tráfico jurídico. O Código Penal da Espanha em seu art. 26 define documento como o suporte material que expresse ou incorpore dados, fatos ou narrações com eficácia probatória ou qualquer outro tipo de relevância jurídica. MORILLAS CUEVA, L. Compendio de Derecho Penal Español (parte especial) dirigido por Cobo del Rosal, Madrid, Marcial Pons, 2.000, p. 740, destaca dever a falsidade incidir sobre a eficácia probatória do documento ou da relevância jurídica que dele possa derivar. 4 SOLER, Sebastián. Derecho Penal argentino, tomo V. 2a. reimpressão. Buenos Aires, 1.953, p. 354. 5 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX. 2a. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1.958, p.250. 6 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro, v. 4 – parte especial – arts 289 – 359 H. 4a. ed. São Paulo, RT, 2.006, p. 142.

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Se estas são as características do documento, a

falsidade documental apenas se perfaz se incidir sobre uma

delas de forma a prejudicar a destinação ou força probante

do documento, mesmo porque, como pondera outro reconhecido

penalista italiano, ALFREDO DE MARSICO, “non se falsifica

per falsificare ma per conseguire un resultato che sta al di

là dela falsificazione7”.

E conclui DE MARSICO que no crime de falso há a violação

da aparência enquanto manifestação de uma situação relevante

no âmbito das relações jurídicas8.

Deve haver no crime de falso uma alteração da verdade

acerca, portanto, de uma circunstância relevante que

interfira na relação jurídica objeto do conteúdo transcrito

ou de sua autoria, de modo a se poder vir, em face da

modificação havida, dar causa a um prejuízo, a um dano.

Por essas razões, NELSON HUNGRIA9 foi incisivo ao

afirmar que o crime de falso não existe sem ao menos a

possibilidade de prejuízo a alguém, se não puder vir a afetar

interesse juridicamente apreciável ou que “gravite na órbita

jurídica”. Se o falso não provoca um dano ou não tem

7 MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. Varese, Giuffrè, 1967, p. 562. No mesmo sentido, GOMES, Mariângela Gama de Magalhães, Direito Penal- Jurisprudência em Debate - coord. Miguel Reale Júnior, 2a. ed. São Paulo, Saraiva, 2.016, p. 631 e 638, segundo quem a falsidade documental, além de ofender ou colocar em perigo o precípuo interesse social relativo à crença de todos na genuinidade e eficácia dos documentos legalmente destinados à constatação de direitos e obrigações, também é dirigida contra o patrimônio privado, a firmeza das relações jurídicas, a inteireza dos meios de prova. 8 MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. cit., p. 569. 9 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX., cit., p. 253. Igualmente, SOLER, Sebastian, Derecho Penal argentino, tomo V. cit., p. 399, segundo quem, é exigência comum de todas as formas de falsidade documental a de que dela possa resultar prejuízo.

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potencialidade para tanto, a sua relevância deve ser

excluída, como bem assinalam RAMACCI e REGIS PRADO10.

III - O FALSO INÓCUO

O crimen falsi, afirma SILVIO AMARAL, existe quando não

apenas realizado com um mínimo de idoneidade material,

necessário para tornar possível a aceitação do falso por

verdadeiro, mas também ao interferir no âmbito de terceiro.

Destarte, a seu ver “ a falsificação inócua, sem qualquer

repercussão na órbita dos direitos ou das obrigações de quem

quer que seja, não constitui ilícito penal, embora contenha

em si ostensivamente o requisito da alteração da verdade

documental11”.

O falso inócuo diz respeito a uma modificação que não

interfere no conteúdo essencial do documento ou na indicação

de sua origem e autoria. Em nada se transforma a realidade

do escrito em sua força probante, dado que a alteração

ocorrida é de intrínseca irrelevância sobre o elemento de

prova a que se refere o texto12.

Se a alteração ocorrida manteve idêntica a força

probante do conteúdo, sendo irrelevante em face das relações

referidas, pois na sua essência a mensagem ou ideia

transmitida não foi atingida, não houve o dado fundamental

10 RAMACCI, Fabrizzio. Falsità ideologica nel sistema del falso documentale. Nápoles, Eugenio Jovene, 1.966, p. 240; PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal brasileiro, v. 4 – parte especial, cit., p. 149, Segundo o qual, no crime de falsidade há de estar presente ao menos o risco de dano. 11 AMARAL, Sylvio do. Falsidade Documental. 4ª ed., Campinas: Millennium, 2000, p. 68. 12 MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. cit., p.582.

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do crime de falso, qual seja a potencialidade de causar

prejuízo, de provocar um dano, por via de alguma eventual

modificação lateral, sendo, destarte o falso inócuo. Se

permanece íntegra a força probante, não há crime de falso13.

A possibilidade de dano decorrente da falsidade é dado

elementar do crime de falso, sem o que a ofensividade

inexiste, não se corporificando a antijuridicidade material,

razão pela qual o tipo penal não se aperfeiçoa.

IV - DOCUMENTO SUBMETIDO À APRECIAÇÃO DA AUTORIDADE

De outra parte, como já se tem considerado de forma

pacífica na Doutrina e na Jurisprudência, não se corporifica

a falsidade ideológica quando a Declaração é submetida à

análise da autoridade com plena capacidade para ajuizar sobre

a veracidade da afirmação, bem como pelas partes que teriam

participado da feitura do documento.

É o que se pode colher das seguintes decisões do STJ:

“Consoante recente orientação jurisprudencial do

egrégio Supremo Tribunal Federal14, seguida por

esta Corte, eventual declaração de pobreza

firmada com o fito de obter o benefício da

gratuidade de justiça não se adéqua ao tipo penal

previsto no artigo 299 do Código Penal, pois não

possui, por si só, força probante, já que sujeita

13 RAMACCI, Fabrizzio. Falsità ideologica nel Sistema del falso documentale. cit., p. 242; 14 Veja-se - HC 85976/MT do Supremo Tribunal Federal – Relator(a): Ministra ELLEN GRACIE.

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à posterior averiguação pelo Magistrado, de

ofício ou a requerimento”15.

Do Tribunal Regional Federal da 3ª Região pode-se também

verificar a seguinte orientação:

“Não se pode reconhecer falsidade ideológica em

documento sujeito à verificação, principalmente

quando submetido a confronto objetivo pelo juiz

da causa”16.

Não é diferente a posição da Doutrina, como se vê em

LUIZ REGIS PRADO:

“Não haverá, também, o delito na hipótese em que,

embora tenha o agente feito declaração falsa ou

diversa da que deveria fazer, ou ainda omitido

o que deveria declarar para a confecção do

documento público, incumbir ao funcionário ou

oficial a obrigação de averiguar a fidelidade da

atestação”17.

Inexiste falsidade ideológica, o mesmo se aplicando à

falsidade material, quando o documento é submetido ao exame

da Administração Pública ou da Justiça, por meio de seus

órgãos, pois entregue à livre apreciação da autoridade, que

15 HC 110422/DF - HABEAS CORPUS 2008/0148955-8 – Relator(a): Ministra JANE SILVA, SEXTA TURMA; No mesmo sentido RHC 23121/SP - Recurso Ordinário em Habeas Corpus, 2008/0040145-8 – Relator(a): Ministro FELIX FISCHER - QUINTA TURMA. 16 TRF 3.ª Região – HC 910328368-2 – Relator(a) Desembargadora ARICÊ AMARAL – JSTJ e TRF-LEX. 17 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 3. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 307.

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examinará sua forma e seu conteúdo e, no caso da falsidade

material, ao exame também do autor do documento, como parte

do processo em apreciação pela autoridade judicial.

Ora, se a declaração será examinada e verificada pela

autoridade pública competente e pelas partes que poderão se

manifestar contrária ou favoravelmente ao documento, não há

que se cogitar pela ocorrência de falso material objeto de

pronta visualização e verificação do partícipe da feitura do

documento a ser apreciado e pela autoridade judicante.

Trata-se de orientação consolidada tanto pela doutrina

quanto pela jurisprudência brasileiras, de modo pacífico, no

que tange à falsidade ideológica, mas plenamente cabível à

falsidade material, em especial no presente caso no qual as

partes tiveram imediato acesso aos documentos juntados em

processo perante a justiça desportiva.

No âmbito doutrinário, já Nelson Hungria lecionava não

existir ilícito penal de falsidade ideológica se o

funcionário que recebe o documento está adstrito a averiguar

propriis sensibus a fidelidade dessa declaração – mesmo na

hipótese de haver falsidade no conteúdo da declaração18.

A jurisprudência, nesse sentido, é caudalosa19. O

Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema

mais de uma vez:

18 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. IV, Rio, Forense, 1988, p. 280. 19 Para além dos exemplos que serão citados adiante, confiram-se os julgados mencionados por Celso Delmanto et. al.: “Não existe falso ideológico em documento sujeito a verificação (TJSP, RT 779/548, HC 278.762-3/1, Bol. IBCCrim 89/441, RJTJSP 170/297, RT 602/336; TRF da 3ª R., JSTJ e TRF 39/451; TJRS, mv – RJTJRS 165/78; TRF da 1ª R., RT 792/722). A declaração, feita em documento público ou particular, para produzir efeito jurídico com força probante, deve valer por si só; se depender, para tais fins, de comprovação, não é idônea para configurar o crime de falsidade ideológica (TJMS, mv – RT 691/342; TJMG Ap. 166.701-3/0, j. 24.2.2000, Bol. IBCCrim 100/524). (DELMANTO, Celso. Código Penal comentado, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 863)

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“PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOCUMENTO SUJEITO

A POSTERIOR VERIFICAÇÃO, SEM INDAGAÇÃO COMPLEXA.

1. Não há ofensa à fé pública e consequentemente

não se perfaz a figura delituosa do art. 299 do

Código Penal, simples requerimento de inscrição

em concurso público, onde se afirma, sob as penas

da lei, ser portador de diploma de Bacharel em

Direito, sem que isto corresponda à realidade.

É que o requerimento nesta hipótese, sujeito a

posterior verificação, sem indagação complexa e

futura, não se presta à comprovação da condição

habilitadora, ou na dicção do STF, não vale por

si mesmo.

Assim sendo, no âmbito do crime em tela, só é

hábil a ofender a fé pública o documento, que,

por si, possua força probante e que não esteja

sujeito a conferência, situação diferenciada que

justifica a existência de proteção do bem

jurídico na esfera penal, pois, efetivamente,

importa em ofensa à fé pública.

No caso em tela, à evidência, a declaração

particular estava sujeita a verificação.

Face ao exposto, meu voto defere o pedido

revisional para, com fundamento no art. 386,

III, do Cód., Penal, absolver Juliano Rodrigues

da prática do crime previsto no art. 299, caput,

do Cód. Penal”.20

20 TJSP, Revisão Criminal nº 0013572-04.2015.8.26.0000, Rel. Des. Nuevo Campos, 5º Grupo de Direito Criminal, j. 05.11.2015. Nesse mesmo sentido: TJSP, Apelação Criminal n. 0010789- 58.2008.8.26.0073, Rel. Des. Nuevo Campos, 10ª Câmara Criminal, j. 28.06.2012; TJSP, Apelação nº 0024325-06.2012.8.26.0071, Rel. Des. Francisco Bruno, 10ª Câmara Criminal, j. 09.04.2015; TJSP, Apelação nº 0009404-06.2010.8.26.0526, Rel. Des. Paulo Rossi, 12ª Câmara Criminal, j. 15.10.2014; TJSP, Apelação n° 0005583-96.2006.8.26.0602, Rel. Des. Newton Neves, 16ª Câmara Criminal, j. 12.04.2011; TJSP, Apelação Criminal n° 993.08.036021-9, Rel. Des.

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V - USO DE DOCUMENTO FALSO

Para que se configure o crime de uso de documento falso,

previsto no art. 304 do Código Penal, é mister que quem o

usa saiba ser o mesmo falso. Assim, conforme ressalta a

Jurisprudência, para se corporificar o crime de uso de

documento falso é necessário ter o usuário ciência de ser o

documento falso. Decisões do Tribunal de Justiça de São

Paulo21 consagram:

“O crime de uso de documento falso é doloso.

Admitido o elemento normativo, claro está que a

boa-fé exclui o dolo, pois ela é a crença sincera

e honesta de agir no sentido lícito permitido”.

“Para que se configure o delito do art.304 do CP

é indispensável o dolo, que consiste na vontade

livre e consciente de fazer uso falso,

conhecendo a sua falsidade”.

“O requisito fundamental subjetivo, assim, para

a caracterização do delito em espécie, é o dolo

genérico, que compreende obviamente, a ciência

da falsidade do documento, pois se a dúvida não

exclui o dolo, a ignorância o exclui”.

Lofrano Filho, 9ª Câmara Criminal, j. 25.08.2008, dentre vários outros julgados. 21 Revista dos Tribunais, 512, p. 365, Relator CUNHA BUENO; Revista dos Tribunais, 513, p. 367, Relator, CAMARGO SAMPAIO; Revista dos Tribunais, 454, p.333, Relator, MENDES FRANÇA.

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Na Doutrina, encontra-se clara imposição da exigência

do elemento subjetivo consistente na ciência e consciência

da falsidade do documento, pois é evidente, diz LOMBARDI,

que se alguém ignora que o documento é falso não pode de

modo algum haver dolo22.

A vontade de usar o documento deve vir revestida da

consciência da falsidade, pois a ignorância da falsidade

exclui o uso doloso23.

Examinados os elementos configuradores do crime de

falso e do uso de documento falso, pode-se adentrar na

análise do fato, para analisar se há adequação do ocorrido

no presente caso em estudo com as figuras penais da

falsidade.

Primeiramente, contudo, há uma questão relevante a ser

destacada, qual seja a de que os documentos apodados de

falso, se falsidade houve, não teria a mesma sido produzida

pelo Consulente, ou por qualquer representante seu, que

apenas se limitou a repassar a compilação de e-mails que

recebera, sendo idênticas as mensagens recebidas e as

imediatamente retransmitidas ao Tribunal de Justiça

Desportiva.

Trata-se, portanto, de questão fundamental, de

comprovação de não autoria de eventual falsidade ocorrida na

compilação de e-mails recebida e retransmitida.

22 LOMBARDI, Giovanni. Trattato di Diritto Penale – v.VII – dei delitti contro la fede pubblica. 2a.ed. Milão, Casa Editrice Vallardi, 1.923, p.230. 23 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX., cit.p. 299; BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal – parte especial 4. 5a. ed. São Paulo, Saraiva, 2.011, p. 473.

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VI - NÃO AUTORIA E AUSÊNCIA DE DOLO

Como foi explicitado na Consulta, em 7 de dezembro, o

Sport Club Internacional (SCI) recebeu, por meio de e-mail,

uma compilação de mensagens eletrônicas havidas entre o

Diretor de Registro e Transferência da CBF, Reynaldo Buzzoni,

e representantes do E.C. Vitória, em formato de “pdf”.

No mesmo dia, por intermédio do advogado Rogério Pastl,

o SCI juntou, por petição eletrônica, a compilação recebida,

nos autos da Notícia de Infração Disciplinar Autônoma que

tramitava no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

A compilação dos e-mails – que somava seis e-mails -

foi enviada, conforme atesta o perito GUILHERME MACEDO, em

minucioso estudo, a partir do endereço

[email protected], pertencente ao advogado André

Ribeiro. O e-mail também foi enviado como cópia para outro

endereço [email protected].

Importante notar que neste e-mail foi possível

verificar a existência de um arquivo anexo denominado “Email

MTY.pdf” sendo que ao se abrir este arquivo visualizou-se “a

mesma compilação de e-mails juntada pelo Sport Club

Internacional perante a Justiça Desportiva24”. (grifei)

Em uma busca realizada nos e-mails do advogado André

Ribeiro, identificou o perito um e-mail intitulado “Fwd: RV:

RESPUESTA A SU CORREO DE FECHA 17 DE JUNIO 1.06, ASSUNTO

PRESUNTA FALTA DE REGISTRO DE TRANSACCION EN TMS”, enviado

pelo Sr. Decio Berman, pelo endereço de e-mail

24 P. 7 do Laudo.

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[email protected] ao Sr. André, no dia 6 de dezembro de

2.016.

O perito verificou, também, que este e-mail foi

incialmente enviado por Antonio Gutierrez –

[email protected] para o e-mail

[email protected] , [email protected], Luis Salvador

[email protected] e Luis Treviño –

[email protected], em 6 de dezembro de 2.016 às 17:30

horas.

Constatou, também, que no e-mail há diversos anexos

incluindo o arquivo denominado “4 MENSAJES CBF REYNALDO

BUZZONI.pdf.”, sendo que ao abrir o arquivo encontra-se a

mesma compilação de e-mails trocados entre a CBF e o Vitória.

Como já antes se destacou, o conteúdo do arquivo “4

MENSAJES CBF REYNALDO BUZZONI.pdf” e o conteúdo do arquivo

“Email – MTY.pdf” possuem a mesma compilação de e-mails

O e-mail com o título “RESPUESTA A SU CORREO DE FECHA

17 JUNIO 2016, ASUNTO PRESUNTA FALTA DE REGISTRO DE

TRANSACION EN TMS” foi enviado pelo sr. Antonio Gutierrez a

Décio Berman – [email protected] , que o enviou a André

Ribeiro.

Constata o perito que este e-mail, bem como a compilação

de mensagens entre a CBF e o Vitória “foram enviados a partir

de um e-mail de um usuário vinculado ao Clube Monterrey25”.

O Laudo, portanto, conclui que o arquivo “Email MTY.pdf”

contém a mesma compilação da troca de e-mails entre o diretor

de registros da CBF e o Vitória sobre a inscrição do jogador

25 P. 31 do laudo.

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Victor Ramos, constante do arquivo “4 Mensajes CBF REYNALDO

BUZZONI.pdf”, originalmente enviado por Antonio Gutierrez

pelo e-mail [email protected] ao Clube de

Futebol Monterrey.

A conclusão final é patente: “o conteúdo da compilação

da troca de e-mails não foi alterado pelo Sr. Felipe ou pelo

Sport Club Internacional26”. (grifei)

No mesmo sentido o parecer dos peritos OTO HENRIQUE

RODRIGUES E JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ, segundo os quais:

“esse arquivo .PDF não foi criado pelo Sport

Clube Internacional, mas sim recebido como anexo

em e-mail oriundo de fora da Instituição e

repassado exatamente como recebido ao STJD. É

possível afirmar categoricamente que o arquivo

.PDF e seus respectivos-mails não foram

”mexidos” pelo Internacional, em face de ter

sido feito o rastreamento do .PDF e de suas

propriedades intrínsecas por especialista em

informática, que constatou perfeita concordância

do código HASH, fato que não ocorreria caso

tivesse sido alterado qualquer detalhe do

arquivo recebido originalmente pelo

Internacional”.

A compilação de e-mails de datas anteriores pode ter

sofrido alguma pequena alteração irrelevante na sua junção,

o que se imagina como mera hipótese, mas o conteúdo essencial

que era e é grave manteve-se íntegro. Os advogados e o

dirigentes imediatamente retransmitiram a compilação

26 P. 33 do laudo.

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incólume à Justiça Desportiva, à qual competiria avaliar seu

valor probante.

Era impossível saber minimamente a eventual supressão

ou qualquer alteração dos e-mails recebidos, pois havia

identificação de sua autoria e destinatário, bem como

coerência e sentido certo e preciso no teor das mensagens

transmitidas.

A imediata, pronta, retransmissão da compilação

recebida mostra a boa fé do SCI e dos seus advogados, que

submeteram ao elevado juízo do Tribunal a apreciação dos

documentos, bem como à apreciação da própria CBF, partícipe

das mensagens trocadas, para se manifestar como o fez.

O teor e a origem das mensagens trocadas indicavam a

fidedignidade das mensagens, cujo conteúdo é extremamente

grave para a entidade máxima do nosso futebol, que pretende

impugnar os documentos por meras filigranas e não em sua

essência, como adiante se examinará.

Remetida a compilação por pessoa ligada ao time

mexicano, nada se desconfiava de sua eventual não

autenticidade. O envio desta compilação para exame pelo

Superior Tribunal de Justiça Desportiva não vem a configurar

o crime de Uso de Documento Falso, pois mesmo que se admita,

“ad argumentandum”, que haja falsidade – o que não existe –

a conduta carece manifestamente de dolo.

Desconhecia-se, ignorava-se, inteiramente, qualquer

alteração nas mensagens, inscientes de alguma modificação,

introduzida nos e-mails compilados, agindo-se, portanto sem

conhecimento e consciência de se estar a utilizar documento

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submetido a alguma alteração. Não se tipifica, portanto, o

crime de uso de documento falso.

Mas nem de falsidade pode-se falar, no presente caso,

como se passa a examinar.

VII - ALTERAÇÃO IRRELEVANTE

Os laudos trazidos ao processo indicam que as

divergências entre os originais e os e-mails constantes da

compilação são detalhes que não comprometem a essência do

conteúdo.

Era sabido que haveria acesso aos originais e a análise

pela autoridade a mostrar a não configuração da falsidade,

como já se assinalou e como adiante será melhor estudado.

Cumpre, neste passo, examinar, então, os termos que

teriam sido alterados.

Por se tratar de uma compilação, é bem possível que o

compilador tenha ao fazer a junção tenha provocado alguma

alteração, ainda mais sendo em pdf27, mas a matéria de fundo,

ou seja, a indicação de que o a transferência do jogador

Vitor Ramos deveria ser de natureza internacional e não de

natureza nacional.

No primeiro e-mail, consta Vitória em vez do endereço

de [email protected], mas o texto é exatamente o mesmo

e indicativo claramente de ser o time Vitória que está

27 É esta a hipótese muito certamente levantada pelos peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES e JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ

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contratando o atleta Victor Ramos Ferreira, oriundo do

Monterrey do México, indagando-se se, como estava emprestado

ao Palmeiras, fora devolvido à Federação mexicana ou se está

no Brasil.

No segundo e-mail, de resposta do REYNALDO BUZZONI,

mostra ser ele o destinatário do e-mail anterior, aliás,

evidente como diretor de registro da CBF, que responde: que,

se for fazer novo empréstimo, o clube mexicano tem que pedir

o retorno, mas tem que ver se a janela deles está aberta.

Na continuidade, novo e-mail, cuja identidade de

remetente e destinatário são óbvias, e nada alteradas, pois

se afirma que vinham do Vitória e dirigia-se ao diretor

REYNALDO. O original apresentado diz a mesma coisa!!! O teor

é exatamente o mesmo: “Como o ITC está aqui no Brasil eles

não podem autorizar o empréstimo para nós já que não precisa

da CTI?

O quarto e-mail de Reynaldo Buzzoni para Edson Vilas

Boas consta o seguinte texto:

“Não eles teram (sic) que fazer um pedido do

retorno do empréstimo e ai entrar na Fifa pedindo

a liberação deste empréstimo”

No original havia uma frase que na compilação fora

suprimida: “estou copiando o Bernardo que pode lhe explicar

o processo”.

Havia também um endereço abaixo com timbre que não

aparece na compilação.

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No quinto e-mail, a frase inicial sobre a necessidade

de o Palmeiras e o clube mexicano deverem resolver o

empréstimo permanece. Há uma parte de uma frase que foi

cortada, excluindo-se a hipótese de o jogador não ter mais

vínculo com o clube mexicano, hipótese esta, aliás, irreal,

pois o vínculo permanecia. Portanto, a frase era

despicienda28.

Ficou, então, constando: ”após isso será necessário o

retorno do empréstimo para o México e um novo pedido para o

Vitória. Mesmo para outro clube do mesmo país, é necessário

o retorno ITC para o México para depois gerar um novo

empréstimo para o clube brasileiro”.

No sexto e-mail juntado pelo Consulente, SCI, a essência

da mensagem restou íntegra: “o clube mexicano deve entrar em

contato imediatamente com o Helpdesk da Fifa para buscar

orientações. Esse caso vai cair em validation exception e

vai demoarar (sic) para ser aprovado, mas no fim será

aprovado pela Fifa”.

Foi suprimida a frase que vinha logo a seguir de

orientações: “Tudo deve partir dele e de seu interesse em

emprestar o jogador”.

O e-mail fora enviado por Bernardo Zalan, funcionário

do setor de registro da CBF, tendo por destinatário o

28 Bem explica em seu parecer o Professor Cláudio Moreno: “apesar de extensa, a passagem apenas descrevia uma hipótese que logo em seguida perdeu o sentido, quando se comprovou, na realidade, que o vínculo do atleta com o time mexicano persistia. A CBF estava, aqui, sugerindo ao Vitória uma possibilidade que não se verificou; quem modificou o texto apresentado pelo Internacional introduziu apenas um atalho para o que realmente ocorreu, eliminando as subordinadas condicionais e reduzindo a frase à oração principal da versão original”.

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responsável por registro do Vitória, Edson Vilas Boas e sendo

copiado o diretor da CBF Reynaldo Buzzoni.

Ora, a questão essencial, a questão de relevo jurídico

trazida à baila pelos e-mails diz respeito ao conhecimento

que possuía o diretor de registro da CBF da situação do

jogador Victor Ramos, cujo vínculo com o time mexicano

Monterrey, exigia que a transferência fosse de natureza

internacional, sendo necessário seu retorno à equipe

mexicana e novo empréstimo ao time brasileiro, Vitória, sendo

irregular a transferência meramente nacional.

Este fato essencial, os originais deixam ainda mais

patente do que a compilação recebida pelo Consulente, SCI,

e as alterações ocorridas nos textos em nada modificaram o

núcleo do conteúdo, apenas tocaram em dados laterais, com

certeza por obra da junção realizada de forma imperita pelo

dirigente do clube Monterrey.

As alterações são inócuas29. São indiferentes à situação

jurídica, em nada prejudicam, pelo contrário, o diretor da

CBF. A responsabilidade deste, por se revelar pelos e-mails

sua ciência da necessidade da transferência internacional do

jogador Victor Ramos, brota dos textos que identicamente

estão presentes nos originais e nos e-mails da compilação

juntada pelo Consulente. Em nada diminuem sua

29 As conclusões do Professor Cláudio Moreno casam-se perfeitamente com nosso ponto de vista ao considerar na resposta ao 1o. quesito: houve alguma mudança no texto original das mensagens que alterasse o seu teor? — “a resposta é negativa. As recomendações da CBF estão claríssimas, assim como as hesitações dos dirigentes do Vitória. Se em algumas mensagens foram omitidas algumas informações (remetente, destinatário, horário de postagem, etc.), a CBF se encarregou de complementá-las ao requerer tão oportunamente a Ata Notarial com a transcrição das mensagens que trocou com o time baiano”. Foram estas pequenas alterações que se prenderam os peritos autores dos laudos juntados ao processo que concluem ter havido falsificação. Alteração do irrelevante.

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responsabilidade os textos suprimidos. A origem e o

destinatário de cada e-mail são evidentes e claros.

Nada se falseou para causar prejuízo, e, se modificações

houve, já visto de nenhuma responsabilidade e conhecimento

do Sport Clube Internacional, deve ter sido por imperícia de

quem organizou a compilação, mas sem prejudicar a essência

do conteúdo, cujo teor nuclear manteve-se íntegro.

Em face das alterações constatadas não houve qualquer

repercussão na órbita dos direitos ou das obrigações de

terceiro, pois em nada se transformou a realidade do escrito

em sua força probante, dada a intrínseca irrelevância dos

elementos modificados em face da prova a que se referem os

textos. Foram a estes dados irrelevantes que se prenderam os

laudos juntados que concluem por ter havido falsificação.

Não qualificam o objeto da Falsificação. Apenas registram a

alteração de dados inócuos.

Conteúdo, autoria e destinatário das mensagens não

destoam do que foi informado pela compilação. Pelo contrário,

os e-mails originais apresentados confirmam que as autorias

e destinatários são os mesmos que surgem como decorrentes do

conjunto dos e-mails formadores da compilação. Não se alterou

conteúdo ou autoria e destinatário. O núcleo da matéria

contida nos e-mails é o mesmo tanto na compilação como nos

originais fornecidos pela CBF e comprometem a entidade e seu

diretor.

A força probante restou sempre exata. Não se perfez,

portanto, crime de falso, pois em nada se atingiu dado de

relevância jurídica com as laterais modificações ocorridas

por quem operou a compilação recebida pela Consulente.

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VIII - SUBMISSÃO AO CRIVO DO TRIBUNAL

Já se examinou acima a não tipificação do falso, seja

ideológico como material, quando o documento estará sujeito

ao crivo da autoridade que irá avalia-lo.

Se os documentos serão verificados pela autoridade

pública, no caso o Superior Tribunal de Justiça Desportiva,

e pelas partes que poderão se manifestar sobre os mesmos,

não há que se cogitar pela ocorrência de falso material

objeto de pronta visualização e verificação, pois no caso

presente a própria CBF, partícipe da elaboração dos e-mails,

estará a apreciá-los, como de fato esteve. Seria ingênuo em

demasia apresentar ao autor do documento uma versão

falsificada no processo de que é parte!!!!

Não se atinge o bem jurídico quando o documento eivado

de falsidade será submetido a crivo da autoridade judicial,

ainda mais, como no presente caso, alimentada pelo

contraditório formado exatamente pelo autor do documento

apresentado, que aliás o sonegava ao tribunal.

A CBF veio a apresentar os e-mails para fundamentar a

arguição de falsidade, mesmo com o ônus de comprometer a

ação incorreta na condução da transferência do jogador Victor

Santos, cujo trâmite de natureza internacional estava ciente

de que deveria ser seguido e não o foi.

Destarte, a lesividade do falso não está presente na

conduta em exame, afastada, portanto, a configuração típica,

como consagrado na Jurisprudência e na Doutrina.

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IX – CONCLUSÃO E RESPOSTA AOS QUESITOS

Das considerações acima despendidas pode-se concluir

que a compilação de e-mails foi enviada pelo Sr. Antonio

Gutierrez a Décio Berman – [email protected] , que o enviou

a André Ribeiro, que, por sua vez, a retransmitiu ao Sport

Clube Internacional, que por meio de seus advogados a

apresentou imediatamente ao Tribunal Desportivo. Assim, a

compilação tal como recebida, foi reenviada.

As eventuais alterações são de somenos, irrelevantes

e constituem modificações inócuas que em nada alteram a

essência da questão objeto das mensagens trocadas. Esta

compilação, apresentada ao Tribunal Desportivo, passou a

estar sob a análise da autoridade judicante e da própria

parte partícipe da elaboração dos documentos apresentados,

sujeita a verificação, portanto, a exame prévio incapaz de

vir a causar qualquer prejuízo ao tráfico jurídico. A

ausência de adequação típica destes fatos aos crimes de

falsidade e de uso de documento falso resta patente, cabendo

apenas a responder pontualmente aos quesitos propostos:

1) Há elementos que apontem a autoria dos crimes de

falsidade ou de uso de documento falso por pessoa

vinculada ao S.C. Internacional ou por algum dos

advogados que o representou?

RESPOSTA: Como já salientado, a compilação de e-mails

foi recebida pelo SCI, na pessoa do Sr. Felipe

Dallegrave Baumann em e-mail que lhe foi enviado por

André Ribeiro, que o recebera de Antônio Gutierrez.

Essa compilação de e-mails foi por sua vez passada aos

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advogados do SCI, que por petição eletrônica a juntaram

ao processo em tramitação no STJD.

Como destacado no parecer, os peritos destacaram que a

compilação tal como recebida pelo SCI foi retransmitida

ao Tribunal. Cabe relembrar a conclusão do perito

GUILHERME MACEDO: “o conteúdo da compilação da troca de

e-mails não foi alterado pelo Sr. Filipe ou pelo Sport

Club Internacional.

Igualmente, os peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES E JOÃO

HENRIQUE RODRIGUEZ, afirmam que “esse arquivo .PDF não

foi criado pelo Sport Clube Internacional, mas sim

recebido como anexo em e-mail oriundo de fora da

Instituição e repassado exatamente como recebido ao

STJD. É possível afirmar categoricamente que o arquivo

.PDF e seus respectivos-mails não foram ”mexidos” pelo

Internacional.

Assim, não houve a prática de qualquer modificação

material na compilação por parte de quem quer que seja

do SCI, seja diretor, funcionário ou advogado, pois a

compilação de e-mails tal como recebida foi

retransmitida ao Tribunal Desportivo.

2) É exigível dolo para adequação ao tipo penal do uso de documento falso? Agiu com dolo qualquer pessoa ligada

ao S.C. Internacional ou os advogados que representaram

o Clube?

RESPOSTA: Tão logo recebida, de imediato foi reenviada

a compilação de e-mails ao crivo do Tribunal. A

autenticidade da compilação era de se presumir, pois o

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conjunto de mensagens claramente revelava ser as mesmas

fidedignas, tinham um discurso coerente, começo, meio

e fim. E de fato correspondiam ao real, como depois se

revelou, na sua essência, no confronto com os

originais.

Não havia, por parte do Internacional ou de seus

advogados qualquer conhecimento e consciência de serem

eivadas de algum vício as mensagens compiladas, aliás

apresentadas para exame do Tribunal, onde qualquer

eventual vício poderia ser arguido.

O crime de uso de documento falso, como acima analisado,

exige que o agente tenha firme ciência da falsidade do

documento e apesar de dono deste saber o utilize. Não

é o caso dos advogados e diretores ou funcionários do

Internacional, que agindo com boa fé, deram seguimento

imediato à compilação recebida, submetendo-a ao crivo

do Tribunal, sem ter nela “mexido”. Não há

manifestamente dolo e logo não se tipifica o crime de

uso de documento falso.

3) Há necessidade, para configuração típica do crime de falso, que eventual alteração tenha relevância

jurídica? É possível afirmar que a própria Ata Notarial

juntada pela CBF comprova que eventuais alterações não

têm relevância jurídica, porquanto demonstrado que o

sentido das mensagens não fora alterado?

RESPOSTA: Bem se realçou ao longo do parecer que

Documento expressa uma situação juridicamente

relevante, expressa algo dotado de significación

jurídica, nas palavras de SOLER, portanto, em

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contrapartida, o falso apenas tem realce se disser

respeito, por sua vez, a alteração ocorrida em uma

circunstância relevante que interfira na relação

jurídica objeto do conteúdo transcrito ou de sua

autoria, de modo a se poder vir, em face da modificação

havida, dar causa a um prejuízo, a um dano.

Segundo se examinou, e foi, também, com precisão

analisado pelo Professor CLÁUDIO MORENO, as

modificações havidas na compilação, em face do

constante da Ata Notarial constituem dados inócuos, SEM

RELEVO, destituídos de qualquer potencialidade para

intervir na órbita dos direitos e relações jurídicas

que são objeto da matéria essencialmente tratada nas

mensagens, cujo núcleo remanesce íntegro.

Os emitentes e destinatários são identificáveis. O

sentido das mensagens está preciso e preservado. Em

nada a supressão das frases suprimidas, como bem

analisou o Professor CLÁUDIO MORENO, prejudicou direito

de alguém ou da CBF.

Não se perfez, portanto, crime de falso, pois em nada

se atingiu dado de relevância jurídica com as laterais

modificações ocorridas por quem operou a compilação

recebida pela Consulente.

4) A submissão da compilação de e-mails ao Tribunal

Desportivo, bem como à própria CBF, partícipe da

elaboração das mensagens e do processo no Tribunal,

conforme a Jurisprudência e a Doutrina, desfigura

eventual falsidade típica, pois sujeita ao crivo da

autoridade?

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RESPOSTA: Conforme analisado, a sujeição do documento

à apreciação de autoridade avaliadora da fidedignidade

do documento, faz com que este, antes de atuar sobre a

realidade das relações acerca das quais versa, seja

objeto de apreciação.

Por isso, a Jurisprudência e a Doutrina, entendem que

a falsidade, e aplica-se tal entendimento à falsidade

ideológica ou material, não se perfaz se é submetida ao

crivo da autoridade, pois inocorre por via deste exame

prévio a ofensa ao bem jurídico.

No presente caso, os documentos, a compilação de e-

mails foi entregue ao Tribunal Desportivo e

imediatamente a parte, CBF, arguiu um incidente de

falsidade, lavrando uma Ata Notarial apresentando os

originais, que aliás confirmam, em sua essência, no seu

núcleo, o teor exato do constante da compilação.

Assim, não ocorreu pela ação controladora do Tribunal

e da parte qualquer possível atingimento da fé pública

ou de qualquer outro direito, dada a ausência de força

probante por si própria de documento submetido ao crivo

de exame da autoridade e ao controle do próprio autor

do documento.

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Repita-se, a lesividade do falso não está presente na

conduta em exame, afastada, portanto, a configuração

típica, como consagrado na Jurisprudência e na

Doutrina.

É esse o meu parecer

Canela, 2 de abril de 2.017

MIGUEL REALE JÚNIOR