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P. DAMIÃO DE MOLOKAI: O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA · Através da biografia que apresento do P. Damião de Molokai, desde o seu nascimento à sua vida intensa de missionário, passando

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P. DAMIÃO DE MOLOKAI:O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA

Siglas:

CERCLE - Cercle de Solidarité Follereau - Damien

ELEP - Federação Europeia das Associações de Luta Contra a Lepra

FDB - Fondation Damien Belgique

ILEP - Federação Internacional das Associações de Luta Contra a Lepra

JO - João (Evangelista S. João)

PCT - Poliquimioterapia (tratamento poliquimiotrápico para vencer a lepra)

Mário Nogueira

P. DAMIÃO DE MOLOKAI:O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA

Edições Mãos Unidas P. Damião/2008

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Ficha Técnica:

Titulo: P. DAMIÃO DE MOLOKAI: O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA

Autor: Mário Nogueira

Em Portugal - Direitos cedidos, pelo autor sem qualquer contrapartida a:

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SOLIDARIEDADE MÃOS UNIDAS P. DAMIÃO

Composição e paginação: Mário Nogueira e Milton Duarte

Capa: Gabinete Gráfico Mãos Unidas P. Damião/Milton Duarte

Revisão de texto: Ana Maria Nogueira e João Matos Fortuna

Fotos e fontes de investigação: Fondation Damien Belgique e Congregação dos Padres dos Sagrados Corações

Impressão e acabamento:

Depósito Legal Nº :

ISBN: 978-989-95936-0-2

1ª Edição - Novembro de 2008 (5000 exemplares)

Edição e Distribuidora:

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SOLIDARIEDADE MÃOS UNIDAS P. DAMIÃO

Apartado 1054, Rua Gomes Freire, 211 - A/B1150 - 178 LisboaTel.: 21 351 57 20 Fax: 21 351 57 27e-mail: [email protected] Site: www.maos-unidas.pt

PADRE DAMIÃO DE MOLOKAIApóstolo dos LeprososServo da Humanidade

“ O Padre Damião faz parte das investidas do Espírito e dos terramotos do amor de Deus, que verdadeiramente nos despertam para o valor divino do Homem. Não tenhamos dúvidas: o Homem vale Deus! “...

... “ Este livro, intitulado “P. DAMIÃO DE MOLOKAI: O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA” , vai ser mais uma ajuda para descobrirmos melhor este tesouro. “

D. Manuel Martins/Agosto 2008

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PREFÁCIO

O PROFETA DE MOLOKAI

Ouvimos falar do Padre Damião e ficamos espantados. Chegamos junto ao Padre Damião e ajoelhamos. E que , na sua presença, sentimos ao vivo que Deus não abandona nunca o seu povo, antes o provoca sempre para o bem e para o belo.

O Padre Damião é acontecimento e pessoa. Como acontecimento, é um sinal visível da presença de Deus entre os homens, é um sacramento, é um sino grande que não deixa de tocar a lembrar-nos a grandeza, a importância e a beleza da vida. Como pessoa, é a testemunha desafiadora do amor de Deus para os mais pobres e abandonados deste mundo.

Ao mergulhar novamente na vida do Padre Damião, descubro a razão pela qual o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, ao tempo reitor do Seminário de Vilar, que nos punha nas mãos a biografia deste herói que cantou, com a sua

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vida, a dignidade da pessoa humana, sobretudo quando o mundo lhe recusava este estatuto.

D. António Ferreira Gomes também travou a mesma batalha até ao testemunho do exílio e ensinava aos seus discípulos que diante dos homens, nos devíamos portar sempre de pé, porque de joelhos, só diante de Deus. Eu permito-me corrigir este grande Bispo com o exemplo luminoso do Padre Damião: de joelhos também diante dos homens, sobretudo quando eles, pelas suas debilidades, se transformam em imagens vivas de Deus.

Está mais que repetido que vivemos numa sociedade amorfa. Quando muito, interessa-nos a nossa vida, passada no dia-a-dia sem história. Valem-nos umas investidas do Espírito, uns terramotos provocados pelo amor de Deus para nos acordarem. O Padre Damião faz parte das investidas do Espírito e dos terramotos do amor de Deus, que verdadeiramente nos despertam para o valor divino do Homem. Não tenhamos dúvidas: o Homem vale Deus!

O Apóstolo dos leprosos era dos tais que considerava o Homem Património da Humanidade, porque nada se devia fazer sem ele e tudo devia ser pensado em função dele.

Não podemos —nem isso já seria possível — deixar “morrer” o Padre Damião. Ele foi de ontem, mas é de hoje e será de sempre, na medida em que em todos os tempos haverá homens esquecidos, marginalizados, agredidos nos seus direitos na sua dignidade. Haverá sempre homens a quem a sociedade, os grandes deste mundo considerarão sem estatuto humano.

O Padre Damião, não o queremos como uma figura importante e emocionante do passado, mas com mensagem viva e actual para o nosso tempo, como um sino que toca a chamar-nos permanentemente a atenção para os homens “chagados” do nosso tempo, de cada tempo.

Este livro, intitulado “P. DAMIÃO DE MOLOKAI: O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA” , vai ser mais uma ajuda para descobrirmos melhor este

D. Manuel da Silva MartinsBispo Emérito de Setúbal

tesouro, a par de tantos e tantos livros que se vão escrevendo e que não prestam ou até só fazem o mal.

Com o Padre Damião, com o seu testemunho e com a sua mensagem, estaremos a rasgar as nuvens da frieza e da indiferença, para apanharmos o sol da esperança. Que, não obstante tudo e tanto, ainda é possível...

APRESENTAÇÃO DO AUTOR

P. DAMIÃO: O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA

P. Damião foi um missionário atento ao povo sofredor. A sua mensagem de amor está sempre actual nos nossos dias, concretamente na Associação Portuguesa de Solidariedade Mãos Unidas P. Damião, que quotidianamente trabalha para minorar o sofrimento de todos aqueles que são indefesos: os doentes de lepra, de tuberculose, de malária, de sida, as pessoas com deficiência, as vítimas de catástrofes naturais. Em suma, os leprosos de todas as lepras.

Logo, o P. Damião viveu esta dialética entre a missão, transmitindo o amor de Deus àquela gente sofredora e, ao mesmo tempo, a contemplação. Contemplava Jesus nos Doentes de Lepra, porque ele tinha a convicção intima de que eles (os leprosos) eram amados por Deus.Ainda hoje, tal como sempre, há muitas pessoas que não sabem que são amadas por Deus. Neste sentido, somos convidados a partir em missão, cá e lá, anunciando este amor de Deus que é caridade, como nos lembra o Papa Bento XVI na sua primeira encíclica “Deus caritas est”, partindo do Vs 8, capítulo 4 da 1ª Jo.

Frequentemente ouvimos dizer que Jesus Cristo foi o primeiro missionário,

“ O livro que escrevo e que ofereço a todos aqueles que ajudam os projectos humanitários que a Associação Mãos Unidas P. Damião apoia, orienta e coordena, procura dar a conhecer a obra e a vida do Herói de Molokai. Nostalgia, algumas emoções e atrocidades, drama, empatia, conflitos e algumas tensões… A vida do P. Damião reúne todos os ingredientes de um livro fascinante e cativante. Convido, portanto, todos que partem ao encontro deste notável Construtor da Esperança que ontem, como hoje, continua a “contagiar” tantas pessoas, que se deixem guiar pela sua acção heróica. “

Mário Nogueira/Agosto 2008

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direi mesmo que foi e é o primeiro missionário, porque é o enviado muito amado do Pai, através do Espírito Santo. Jesus Cristo foi e é o primeiro missionário porque também é a revelação do próprio Deus; tal como dizia São Ireneu:”Deus fez-se homem para que o homem seja Deus.”O homem, tal como filho adoptivo de Deus, vai também beber no divino e este dom/divinização faz com que o homem seja criado à imagem e semelhança do próprio Deus.

O Apóstolo dos mais marginalizados, o P. Damião, também seguiu os passos de Jesus, tornou-se a voz, o construtor da esperança, o refúgio e amparo, o sinal permanente da presença de Deus no meio daquele povo esquecido de Molokai. P. Damião amou os seus leprosos, fazendo-se um deles, entrando na sua reali-dade existencial. Aceitando o convite, o P. Damião foi enviado por Deus para aquela ilha, onde ele ouviu, sentiu e viveu o apelo de Deus, partiu para Molokai para nunca mais voltar: “Quem ama não vai embora” – dizia frequentemente o P. Damião.

Através dos seus projectos no terreno, a Associação Portuguesa de Solidariedade Mãos Unidas P. Damião, continua a actualizar a vida, a ”loucura do amor” do P. Damião, tratando e curando muitos doentes de lepra e outras epidemias, para além de apoiar a construção de centros de acolhimento e orfanatos para crianças órfãs, sem contar a ajuda que tem prestado aos doentes terminais de sida. Se fossemos descrever todos os projectos que a Associação Mãos Unidas apoia, não ficaríamos por aqui, todos os projectos que a Associação financia, e nos últimos anos, têm sido mais de cem (108), onde se revela um “pouquinho” o mistério de Jesus Cristo como primeiro missionário. É neste acto que se revela o mistério trinitário, porque a nossa própria vida é, antes de tudo, uma relação, uma relação com Deus, com os outros e com o mundo.

Com os olhos postos no Deus trinitário que nos criou à sua imagem e semelhança e por amor, para que nos tornemos verdadeiros missionários do século XXI, tendo presente o espírito missionário do P. Damião, sempre com os olhos postos no próximo e nos últimos.

Um homem notável, multifacetado na sua loucura de amar, como o P. Damião, nunca morre. Continua a viver na vida de milhões de pessoas. Sinto isso nas pessoas do meu país e em alguns países que visitei, quer quando fui em Congressos e actividades das nossas Associações Congéneres, quer quando visitei alguns projectos no terreno. P. Damião continua no espírito de inúmeros voluntários e cooperantes, que realizam um trabalho árduo e difícil por esse mundo fora, concretamente nos países onde a lepra continua a ceifar vidas humanas.

Pelos testemunhos que me chegam e pelo que sinto, todos os que ajudam as Associações P. Damião, todos os voluntários e cooperantes vão beber na fonte da vida do Apóstolo de Molokai. Uma fonte que sacia e dá forças para continuarem na linha da frente, mesmo nos momentos mais difíceis.

O livro que escrevo e que ofereço a todos aqueles que ajudam os projectos humanitários que a Associação Mãos Unidas P. Damião apoia, orienta e coordena, procura dar a conhecer a obra e a vida do Herói de Molokai. Nostalgia, algumas emoções e atrocidades, drama, empatia, conflitos e algumas tensões…

A vida do P. Damião reúne todos os ingredientes de um livro fascinante e cativante. Convido, portanto, todos que partem ao encontro deste notável Construtor da Esperança que ontem, como hoje, continua a “contagiar” tantas pessoas, que se deixem guiar pela sua acção heróica.

No nosso dia a dia, deixemo-nos contagiar pelo testemunho e pelas ilustrações (neste livro apresento diversas) e (re)viva as diferentes etapas da sua vida.Através da biografia que apresento do P. Damião de Molokai, desde o seu nascimento à sua vida intensa de missionário, passando pelos seus anos de juventude, de internato e junto da Congregação dos Padres Picpus, vai descobrir aqui toda a história do P. Damião, contada em fracções de vida, como quem constrói a esperança.

O AutorMário Nogueira

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CAPÍTULO I

P. DAMIÃO DE MOLOKAI: UM HOMEM DE TODOS OS TEMPOS

“O P. Damião tornou-se leproso com os leprosos e para os leprosos e hoje é modelo de amor para cada um de nós, porque a santidade não é ser perfeito segundo os critérios humanos.”

João Paulo II, 1995

“O mundo da política, do jornalismo, das artes e do espectáculo conta com poucos heróis comparáveis ao P. Damião de Molokai.Vale bem a pena procurar a fonte onde extraiu a inspiração de tanto heroísmo.”

Mahatma Gandhi, 1945

“ De repente, a opinião pública reage com entusiasmo: aí está finalmente alguém que se incomoda com o destino dos leprosos ao ponto de ir viver entre eles, não só por uns tempos, mas sim para toda a vida. “

O Autor

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Nota introdutória ao Capítulo I

Em Molokai, o P. Damião deu-se num total abandono de si mesmo, não só de todas as comodidades e facilidades desta vida, mas também de todas as ofertas e bem assim da comunidade, da vida fraterna e do seu próprio repouso.

Em Molokai durante três anos, P. Damião chegou a ser o único ser humano isento da doença de lepra, no meio do povo de leprosos em que vivia. Mais tarde, porém, chegou o momento em que caiu este muro de diferença entre ele e o seu povo. A doença maldita que atacava o seu rebanho, atingiu também o guia e pastor e uniu-os mais que um ao outro.

Estátua do P. Damião, de Autoria de Paul Pahissa (1953),localizada em Madrid (Espanha).

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P. DAMIÃO: UM HOMEM DO NOSSO TEMPO MUNDIALMENTE CONHECIDO

Damião é o nome religioso de Joseph de Veuster, nascido a 3 de Janeiro de 1840, em Tremelo, aldeia muito próximo da cidade universitária de Lovaina. Damião é o sétimo de oito filhos de uma família camponesa. Se Damião é uma das figuras do qual pode-se dizer que está às dimensões do mundo, o itinerário da sua vida é condicionado pelos lugares e pela época. É interessante situá-lo.

Tremelo: Terra Natal do P. Damião

O recenseamento nacional de 1846 indica que a população belga é de 4 337 196 habitantes. Um quarto apenas vive nas cidades. Mais de metade trabalha na agricultura.

Em 1840, no ano em que Damião nasce, a crise económica de 1846-1847 acen-tua-se. Em 1845, uma epidemia destrói 91% da colheita de batatas. O verão devastador de 1846 destrói os cereais.

“ P. Damião encontrava-se confrontado com uma série de preconceitos. A lepra não era apenas uma doença infecciosa. Para muitos, era um castigo de Deus, como consequência de uma vida libertina. “

Os Leprosos eram frequentemente considerados como pecadores. Esta gravura de Jérôme Bosch, datada da idade média, ilustra esta ideia.

O custo de vida é elevado, a fome instala-se. Sucessivamente, a doença do tifo (1846) e a cólera (1848) devastam a Europa por regiões inteiras. Estas circunstâncias provocam uma vaga de incerteza, de pilhagem…

A aldeia de Tremelo, também é marcada pela miséria. Os seus habitantes recebem a alcunha de “messevechters”. (Refere-se a certos grupos que semeavam o terror à facada). Frans de Veuster (pai do P. Damião), não é dos que desanimam. A sua família é relativamente privilegiada. Além dos rendimentos, oriundos da agrícultura, Frans de Veuster também se dedicava ao comércio de grãos. Damião e os outros irmãos não conheceram a fome.

DESEJAVAM QUE FOSSE NEGOCIANTE, DAMIÃO TORNA-SE MISSIONÁRIO

A vida diária da família de Veuster não era de facilidades. Cada um trabalhava duramente, mesmo o mais pequeno. Joseph de Veuster deixa a escola aos 13 anos de idade, na altura em que o seu irmão mais velho fica de novo em Lovaina, na Congregação dos Sagrados Corações, mais conhecida pela localização da sua casa mãe parisiense: Os Padres Picpus.Frans de Veuster deseja que Joseph se entregue ao negócio dos grãos que ele quer desenvolver. Eis porque, com 18 anos de idade, Joseph volta de novo à escola, em Braine-le-Comte, para aprender francês.Passados alguns meses, o jovem Joseph vê crescer no seu íntimo o desejo da vida religiosa.

Com alguma dificuldade, obtém o consentimento paterno. A 2 de Fevereiro de 1859, ingressa como Irmão Damião na mesma Congregação do seu irmão mais velho, Panfílio.Se os superiores consideravam que Panfílio tinha boas capacidades intelectuais e que teria um futuro luminoso na Congregação, é com hesitação e com reservas que olham para o jovem Irmão Damião em iniciar os estudos, tendo como

Casa da família De Veuster, em Tremelo/Lovaina (Bélgica), onde nasceu o P. Damião.

Casa natal do P. Damião, hoje transformada em Museu Damião, em Tremelo.

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meta o Sacerdócio. Os acontecimentos vão precipitar-se.Em 1863, Panfílio, designado como missionário para as Ilhas do Hawai, é vítima da doença do tifo. Damião escreve imediatamente ao Superior Geral, em Paris, que se oferece voluntariamente para substituir o seu irmão. O embarque teve lugar em Bremen e a viagem dura quase 6 meses.

Após algum tempo passado em Honolulu, Damião é ordenado Padre. Confiaram-lhe primeiramente, o distrito de Puna. Seguidamente, o de Kohala-Hamakua. As extensões eram vastas, o seu trabalho era esgotante, mas a sua alegria era completa. Era missionário a tempo inteiro.

P. Pamphile De Veuster, destinado para Molokai, é substituído voluntariamente pelo P. Damião, seu irmão.

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AS ILHAS DO MOLOKAI NO SÉCULO XIX

Hawai era um pequeno reino de várias ilhas. A população Canaca convivia com os numerosos imigrantes chineses, bem como com os brancos, vindos das mais diversas partes do mundo. A família real orientava a sua política sob a salvaguarda da independência e as múltiplas “expressões da cultura indígena”. A família real levava dificilmente a cabo tal política, tal era o grande domínio americano.

As religiões das ilhas eram tão variadas como as suas populações: protestantes, mormons, anglicanos e católicos tentavam desenfreadamente erradiar o politeísmo tradicional e na concorrência entre si não utilizam métodos piedosos.

Do ponto de vista sanitário, os Canacas tiveram de suportar a chegada de doenças até lá desconhecidas nas ilhas, como: a varíola, gripe, cólera, sarampo, doenças venéreas. Entre 1770 a 1870, o número da população autóctone tinha caído de 250.000 para 50.000.A última dessas doenças, em período epidémico, dava razão à inquietação: a lepra, provavelmente introduzida pelos emigrantes chineses.

Famoso contra sua vontade

A difusão da lepra era rápida, os Canacas pareciam particularmente receptivos a esta doença. Também, esperando reduzir o tempo de contágio, as autoridades locais decretaram o isolamento de todos os leprosos. As razões eram tanto médicas como morais. Na perspectiva protestante, associava-se a lepra ao pecado, ao vício… os leprosos metiam medo. Constituíam uma ameaça para as pessoas e para a sociedade.

Além disso, a lepra tinha um aspecto horrível que era necessário esconder aos brancos recém chegados.Não era permitido transformar a imagem das ilhas. Por conseguinte, iam para Molokai e todos os leprosos, que eram assim deportados, bem como todos os suspeitos de lepra. Numerosas vozes se levantaram imediatamente para não os abandonarem nem deixá-los ao seu triste destino. Por outro lado, as missões elaboraram um projecto de estabelecer em Molokai uma paróquia para os leprosos católicos.

Em 1873, foi decidido que os quatro jovens missionários se rendiam para assegurar o serviço paroquial. Esta limitação da sua presença em quase toda a ilha explica-se pela preocupação de não os exporem à lepra durante um longo período de tempo.

Damião torna-se voluntário. Asseguraria o primeiro período de presença sacerdotal. A imprensa local descreveu com fervor e sensação a chegada do jovem padre à colónia dos leprosos.

De repente, a opinião pública reage com entusiasmo: aí está finalmente alguém que se incomoda com o destino dos leprosos ao ponto de ir viver entre eles, não só por uns tempos, mas sim para toda a vida.

Contudo, é proposto ao P. Damião que deixe Molokai, apesar das autoridades religiosas temerem uma reacção da opinião pública. P. Damião escolhe permanecer sem hesitações, em Molokai.

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P. Damião chegava à leprosaria de Molokai no dia 10 de Maio de 1873. Aqui, morrerá no dia 15 de Abril de 1889, também ele leproso, após 16 anos de trabalho incansável.

O trabalho quotidiano do P. Damião, no meio dos leprosos está representado nesta tapessaria, conservada no museu do P. Damião, em Tremelo, Bélgica.

LEPROSO ENTRE OS LEPROSOSOU O COMBATE CONTRA A LEPRA

120 anos após a sua morte, Damião de Veuster permanece ainda como uma personalidade exemplar pela preocupação que tinha por cada ser humano, sobretudo pelos mais desfavorecidos, pelos excluídos, pelos últimos… a sua inspiração fundamental continua um exemplo: ninguém pode ser abandonado ou excluído da comunidade humana, qualquer que seja o motivo.

Damião desperta a consciência universal

Desde a idade média, a maior parte dos Europeus tinha apenas uma vaga ideia do que era a doença da lepra. Causava, na verdade, um medo colectivo. Na América do Norte, esta doença nunca tinha sido um problema de saúde pú-blica.

Só as regiões consideradas atrasadas e pouco desenvolvidas, deviam ainda tra-balhar para fazer face a esta calamidade. O mundo ocidental não tinha conheci-mento desta situação e não se preocupava minimamente.

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A decisão corajosa do P. Damião em compartilhar os destinos dos leprosos de Molokai, provocou então uma surpresa total. Mesmo onde havia leprosos o seu desterro levava-os a um esquecimento total. “Mortes antes da morte”, permanecia-lhes sem qualquer esperança, nem mesmo o de um milagre. O milagre ocorreu contudo: a presença do P. Damião em Molokai voltava a dar vida às suas esperanças. Uma admiração geral. Não permanecia em Molokai por acaso: um movimento de solidariedade instaurou-se, muito para além dos oceanos.

Uma mudança de mentalidades

P. Damião encontrava-se confrontado com uma série de preconceitos. A lepra não era apenas uma doença infecciosa. Para muitos, era um castigo de Deus, como consequência de uma vida libertina.O diagnóstico era tanto moral quanto médico, constituía uma verdadeira condenação.

Perante esta mentalidade, a vida e a morte do P. Damião foram um sinal para que cada homem tivesse o direito à existência, mesmo os que estão destinados à exclusão.

Mesmo que não pudesse curar os leprosos, P Damião quis, pelo menos, dar todos os cuidados e amor; a colónia de Kalawao (Molokai), não seria, por muito mais tempo um lugar contraditório, selvaticamente desesperado. A colónia dos leprosos tornar-se-ia numa comunidade plenamente humana.

Face a uma doença não curável, P. Damião não baixou os braços perante uma fatalidade derrotista. Na medida das suas possibilidades, colaborou com todos aqueles que procuravam a melhor forma de tratar a lepra ou mesmo de a curar. Quando ele mesmo foi atingido, P. Damião descreve com minuciosidade o progresso do seu mal, enquanto se submete escrupulosamente ao tratamento prescrito pelos pioneiros da leprologia, tais como o Dr. Edouard Arming e o Dr. Prince A. Morrow.

Em 1873, o mesmo ano em que o P. Damião decidiu juntar-se aos leprosos de Molokai, o médico Norueguês Armauer Hansen descobriu o bacilo da lepra. Em 1889, logo que a sua morte foi conhecida, um Fundo Nacional para a lepra foi criado em Londres, em sua memória, sob a presidência do Príncipe de Gales. A vitória sobre a lepra não seria eternamente utópica.

P. Damiao formou uma Banda de Música na colónia dos leprosos. Muito dos músicos tocavam com as mãos deformadas.

Pormenor da colónia de leprosos, em Molokai.

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P. DAMIÃO, MUNDIALMENTE CONHECIDO E RECONHECIDO

Tendo em conta a morosidade das comunicações de então e a consequente difusão das notícias, passou-se quase um mês antes que os jornais europeus anunciassem a morte daquele de que alguns haviam chamado o leão de Molokai. Como a sua vida, a sua morte agitou a consciência dos homens para além das fronteiras das línguas, dos patriotismos e das religiões. Não se passará o mesmo cada vez que alguém se entrega às aspirações mais altruístas da humanidade.

Ao longo dos tempos, tivemos Gandhi, Luther King, apenas para citar alguns.P. Damião e os cientistas, cada um à sua maneira, permitiram a mudança das atitudes perante a lepra: a diferença podia fazer-se entre a lepra e leprosos. Contudo, os leprosos libertavam-se das marcas difamatórias e da maldição secular.

Trabalhos de laboratório e exames sistemáticos sobre o terreno fizeram recuar a doença. Em 1891, na Índia, uma comissão foi encarregada de examinar a fundo as suas causas e as suas consequências. Em 1909, nas ilhas do Hawai, criou-se um Centro de Investigação sobre a lepra.

Os progressos serão certos mas demasiadamente lentos. É apenas em 1940 que se dá o grande salto: as sulfonas (Dapsone, DDS), foram utilizadas contra a lepra.

A generalização do seu uso levou algum tempo. Seria necessário muito mais tempo para que fossem desmanteladas as leprosarias, lugares de isolamento e internamento dos leprosos, que foram criadas para evitar os riscos do contágio.

Um outro belga e um outro herói na luta contra a lepra, o Dr. Hemerijckx, operou uma outra grande revolução: a despistagem até aos cantos mais recuados do antigo Zaire, então Congo Belga, hoje República Democrática do Congo e os cuidados ambulatórios nos lugares (aldeias) de residência dos habituais doentes de lepra. Esta mobilidade e a frequência às consultas das populações que a despistagem provocava, permitiram a informação e a educação sanitária, o que contribui fortemente para afastar o mal.

Em 1954, o francês Raoul Follereau lançou o primeiro apelo para uma Jornada Mundial dos Leprosos. Infatigavelmente, percorreu o mundo para agitar a indiferença das autoridades, provocar a solidariedade internacional e incentivar os leprosos a prosseguir o seu tratamento, a sua cura.

Associações Nacionais de luta contra a lepra começaram assim a comemorar o Dia Mundial dos Leprosos. Bélgica (1954), Alemanha (1957), Suíça (1958), Canadá (1962), Itália (1964), Luxemburgo (1966), Holanda (1967), França (1968), Japão (1974). Em Portugal, a nossa Instituição começou a celebrar o Dia Mundial dos Leprosos em 1998. A estes países juntam-se aqueles que já tinham começado em outros tempos, como: Estados Unidos (1906), Suécia (1919), Inglaterra (1924), Nova Zelândia (1939), Dinamarca (1945) e Noruega (1946).

Em 1966, sob o impulso de um outro Belga – Pierre Van Der Wijngaert (que tive a honra ainda de conhecer) e de Raoul Follereau, as Associações Europeias agruparam as suas forças numa federação que, em 1975, chamar-se-ia

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Medicamento MDT - Tratamento Poliquioterápico para crianças dos 10 aos 14 anos.

ILEP: Federação Internacional das Associações de Luta Contra a Lepra, as quais consagram, cada ano, mais de 100 milhões de Euros ao tratamento e à cura dos leprosos, à formação do pessoal e à investigação científica.

Os países onde a lepra é endémica também se movimentaram. Extraíram os seus magros recursos para lutar contra a lepra. Na Índia, foi o próprio Mahatma Gandhi que iniciou a luta contra lepra como uma das acções prioritárias da jovem nação. Desde então, cada governo indiano prosseguiu este combate. Por todo o mundo a lepra recua. Se existem ainda 5 milhões de leprosos, são 5 milhões, são ainda demasiados neste início do terceiro milénio.

A erradicação da lepra não é mais uma hipótese remota, é possível no amanhã. Novos medicamentos estão aí (PCT), o bacilo entrega os seus últimos segredos à ciência, os primeiros ensaios de uma vacina são prometedores. O sonho do P. Damião e de tantos outros torna-se realidade: o seu combate ruma para a vitória. É o tempo da esperança.

O EXEMPLO E A OBRA DO P. DAMIÃO CONTINUA

Os santos e os heróis nunca morrem. Vivem na memória dos homens e a sua mensagem é transmitida às gerações seguintes.Em 1936, os restos mortais do P. Damião são transladados para a Bélgica, estando sepultados na cripta da Basílica de Louvain. Tal como aconteceu com o rei Leopoldo III, a nação Belga inteira rende-lhe homenagem. Este regresso ao país é vivido com enorme emoção, nunca visto.

Em 1950, o arquipélago das ilhas do Hawai tornam-se o 50º estado dos Estados Unidos da América e escolhe, de acordo com o costume, duas celebridades para se juntarem aos heróis do Capitólio de Kamehameha, o fundador da dinastia hawaiana. O P. Damião é o único estrangeiro, entre os seus pares. P. Damião recebeu então o título de “GRANDE” e em 1969 é a vez de Honolulu e de Washington de lhe prestarem homenagem, inaugurando solenemente o seu imponente busto.

Mas mais importante que uma sepultura grandiosa ou uma estátua oficial, há a recordação no meio dos homens, dos que lutam contra a lepra, que testemunham um Deus próximo dos excluídos e dos pobres ou simplesmente

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que, seguindo o espírito do P. Damião, fazem do coração o impossível. Vivem a esperança e oferecem-lhe uma saída. O mundo não se transforma de um momento para o outro, com um toque de varinha mágica.

Diante de tantos problemas, necessidades e doenças, há homens e mulheres que esperam que a sociedade lhes traga uma resposta satisfatória. Seria em vão esperar que as suas soluções viessem apenas das autoridades e das suas leis.

P. Damião é um daqueles heróis que marcou a humanidade pela sua doação aos excluídos. Com ele, uma vez ainda, o progresso social segue os vestígios escuros e laboriosos de uma multidão de homens de coração.A luta moderna contra a lepra realiza gradualmente o sonho do P. Damião de Veuster: fazer da lepra uma recordação do passado. Assinalar este desafio exige grandes meios e supõe que os cientistas decifram ainda várias incógnitas.

A Associação Portuguesa de Solidariedade Mãos Unidas P. Damião, tem entre outros objectivos, a de contribuir para a erradicação da lepra. Agimos segundo o espírito do P. Damião. A nossa acção está nas nossas obras.A Associação Mãos Unidas P. Damião, como Organização Não Governamental recebe ajuda da população portuguesa, de muitas instituições e de milhares de Colaboradores e Associados.

Se a erradicação da lepra é uma tarefa prioritária, pode, no entanto, fazer esquecer outras doenças sociais, as doenças da pobreza. A Associação Mãos Unidas P. Damião tem em mão programas combinados Lepra – Tuberculose. A tuberculose tem vindo a registar um aumento preocupante em muitos países em vias de desenvolvimento.

Para além da lepra e da tuberculose, a Associação Mãos Unidas P. Damião também tem como objectivo a luta contra outras doenças endémicas: Malária, Cólera, Poliomielite, Sida. Também procuramos ajudar as vítimas das catástrofes naturais (sismo/terramotos, cheias, vento ciclónicos, incêndios…). É por isso que agarramos a mensagem e procuramos pôr em prática: “trabalhamos para

lutar contra a lepra e todas as lepras do nosso tempo”.Agarrar este combate com o coração e sem hesitação, foi o que fez o P. Damião de Veuster. Fê-lo sempre com esperança. É o que tentam fazer hoje os que prosseguem a sua obra.

Simbolos das Associações Europeias que integram o CERCLE DE SOLIDARITÉ FOLLEREAU-DAMIEN. Hoje, estas Instituições continuam a prosseguir

a obra do P. Damião.

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P. DAMIÃO: O MISSIONÁRIO DA ESPERANÇA

Nas suas cartas, o P. Damião colocava frequentemente na sua assinatura as palavras “Padre Missionário”. Foi com este título e com esta presença missionária que ele partiu para as Ilhas do Hawai. O que ele queria, era anunciar o evangelho, confirmar o amor e a ternura de Deus para com os homens, sobretudo os mais pobres e os mais abandonados. Certamente que é à sua família e à sua comunidade religiosa que o P. Damião deve a solidez da sua fé.

As famílias cristãs do século XIX eram fiéis à doutrina da Igreja, procuravam a sua inspiração mais na vida dos santos que na Bíblia, alimentavam a sua fé nos sacramentos, nas devoções e nas práticas piedosas. A fé mais simples era capaz de transportar montanhas. O P. Damião afirmou, por variadíssimas vezes, que a sua vocação religiosa nasceu na família e que o seu empenho junto dos leprosos, era fundamentado pela sua vida religiosa. É na Congregação dos Padres dos Sagrados Corações (Picpus) que a fé do P. Damião se fortalece.

O P. Damião não era um intelectual, nem um teórico, era sobretudo um homem de acção. A sua fé era uma fé activa, marcado pelas

concepções de então, tinha o evangelho como centro da sua fé: “ninguém pode gostar de Deus que não vê, se não gosta do homem que vê”.

A espiritualidade do P. Damião deve-se à sua Congregação. Em primeiro lugar, a preocupação pastoral, o “fervoroso” como dizia o seu Superior Geral, o Padre Condrin que o vê partir para as Ilhas em vez do seu irmão doente. É esta mesma preocupação que o motiva a ser voluntário, respondendo ao apelo do seu Bispo para ir viver junto dos leprosos de Molokai. Amor a Deus e ao próximo até à morte, a força e a coragem nas tempestades da vida… tudo isto o P. Damião aprende na sua Congregação, a Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, vistos como símbolos e manifestação do amor divino. Além disso, busca a sua força na adoração ao Santíssimo Sacramento e quando certos Irmãos proibiram o acesso da sua capela ao Padre leproso, ele rezava junto da parede exterior mais próxima possível do tabernáculo.É lá que ele nos revela a dimensão contemplativa da sua personalidade.

Joseph De Veuster, recebe o nome de Damião, na Congregação dos Sagrados Corações (Picpus).

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P. DAMIÃO: O MISSIONÁRIO CORAJOSO

Missionário do final do século XIX, o P. Damião dava uma grande importância na administração dos sacramentos. Ele estava continuamente em missão para visitar os seus catecúmenos e os seus cristãos, para lhes conferir os Sacramentos. Manifestava uma energia incrível em construir Igrejas e Capelas. Em Molokai, antes da Missa diária, entregava-se às confissões. Visitava os doentes e ungia com o sacramento da Unção dos Doentes.

Os casamentos, os enterros e as procissões eram celebrados com cor e num clima de festa.“São medonhos é verdade”, dizia o P. Damião. Mas eles têm uma alma resgatada ao preço do sangue do Senhor. Também, na sua misericórdia, consolou os leprosos. Dizia: “Se não os posso curar, tenho meios para os consolar”. Tenho confiança que muitos, purificados da lepra da alma, através dos sacramentos, serão dignos, um dia, do céu.

Muito crítico no que dizia respeito a certos aspectos da cultura havaiana, assimilou, no entanto, os elementos que lhe pareciam positivos e vivia muito próximo deste povo: falava fluentemente a lingua Canaca,

Logo que o P. Damião chegou a Molokai, encontrou uma paróquia arruinada, com cabanas miseráveis, sem janelas.

compartilhava as suas refeições e juntava o seu espírito acolhedor e hospitaleiro. Vivia em comunhão profunda com os seus havaianos.

Numa palavra, o sequestro voluntário do P. Damião entre estes excluídos da sociedade era um sinal do amor de Deus. Tinha ficado no mundo, pela sua presença entre eles, por aquilo que ele era e pelo que fazia. Era o testemunho de um Deus que se junta ao sofrimento humano e que quebrava o isolamento. É com todo o direito e justiça que o podemos apelidar “Apóstolo dos Leprosos”. Apesar de terem já passado cento e vinte anos após a sua morte, atrevo-me a chamar-lhe o Apóstolo Corajoso dos Leprosos dos tempos modernos.

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P. DAMIÃO: UMA OPÇÃO PARA OS MAIS POBRES E EXCLUÍDOS

Os leprosos viviam numa situação sem saída e desesperada: uma doença horrível e repugnante, sem cura possível, a ruptura de qualquer relação afectiva com a sua família e os seus amigos; era o desprezo e a entrada no exílio perante a sociedade.

O coração do P. Damião mergulhava nesta aflição. Juntou-se a estes seres humanos sofredores e marginalizados para lhes prestar assistência, falar e comer com eles, compartilhar a sua própria vida. Desde a sua chegada a Molokai, e quando se dirigia a eles, dizia: “nós os leprosos”.

VOLUNTÁRIO PARA O DESENVOLVIMENTO

Os equipamentos colectivos faltavam totalmente. Com a ajuda dos mais válidos, P. Damião instaurou infra-estruturas que melhoraram as condições de vida em Molokai. Construiu casas, um Orfanato, uma Igreja e aumentou o Hospital. Arranjou o cais e as suas vias de acesso. Estabeleceu uma conduta de água, abriu uma loja onde os leprosos podiam fornecer-se gratuitamente em vestuário. Fabricou caixões. Levou os leprosos e a população a cultivar a terra, os jardins começavam a florescer e para os tempos livres, organizou uma fanfarra.

Sem ser médico, preocupou-se em melhorar os cuidados de saúde e de promover as novas técnicas terapêuticas. Quando, em 1878, soube que se teria descoberto um medicamento contra a lepra, P. Damião encomendou imediatamente uma grande quantidade. Em 1885, experimentou ele mesmo o tratamento do Japonês Massanao Goto.

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P. DAMIÃO DE ESPÍRITO ABERTO: UM ESPÍRITO ECUMÉNICO

Quando em 1986, o Papa João Paulo II convidou todos os líderes religiosos para o grande encontro de Assis, João Paulo II abriu as portas do diálogo inter-religioso. Nos anos seguintes, as portas não só foram reforçadas, como também coloridas pelo respeito e pela tolerância.

O Papa João Paulo II tinha uma grande admiração pelo P. Damião, pelo trabalho que ele realizou junto dos leprosos, pela forma como os amava e como partilhava com eles a própria vida, fazendo-se um deles. No trabalho que realizo na luta contra a lepra, e já lá vão mais de 20 anos, posso testemunhar a admiração que João Paulo II nutria pelo P. Damião. Primeiro, quando em 1995 se deslocou a Bruxelas para beatificar P. Damião. Foi a primeira beatificação que um Papa fazia fora do Vaticano. Em segundo lugar, quando as Associações Internacionais foram recebidas no Vaticano, em audiência privada, em 1996. Da forma como ele nos olhava, nos escutava e procurava saber como ia o nosso trabalho junto dos leprosos, João Paulo II recordava todos aqueles que se entregam, de corpo e alma, aos leprosos, não olhando à raça, à cor, à religião.

Em nenhum momento o P. Damião se limitou a tratar, a curar, a olhar só para os leprosos católicos.

Este coração aberto do P. Damião não foi bem visto nos meios missionários da época. P. Damião superou as barreiras religiosas e contou entre os seus mais directos colaboradores e amigos, pessoas de todos os credos: Meyer era luterano, Chifford era calvinista, Chapman era anglicano, Mouritz não tinha religião. Era já o espírito ecuménico doP. Damião. Coisa impensável, nos finais do século XIX, para um missionário católico. As ofertas e doações que lhe chegavam eram, em grande parte, originárias de protestantes. Esta solidariedade sem barreiras parecia-lhe natural, evidentemente.Os jornais que relataram a sua vida e anunciaram a sua morte. Foram unânimes em elogiá-lo pelo apostolado desenvolvido junto dos leprosos, foram unânimes.

Sem desanimar até ao fim

Durante 16 anos, o P. Damião viveu entre os mortos em “espera”, cujo número oscilava entre 500 a 1.000. Em média de dois em dois dias, havia um falecimento. Ele mesmo viveu a ruína da sua saúde até à sua morte, aos 49 anos.

Se sofreu no seu corpo, o P. Damião sofreu mais da incompreensão das autoridades, tanto religiosas como civis. Não recusou nem a publicidade feita à sua acção, nem o dinheiro que lhe foi confiado, nem as honras que lhe prestaram porque os leprosos eram os primeiros beneficiários.

Aceitou que este sucesso lhe trouxesse incompreensão, infelicidade e calúnias, que duraram até à sua morte. P. Damião sabia que o grão caído na terra deve morrer para dar fruto. A sua experiência humana e religiosa tinha-lhe ajudado a descobrir esta lei da vida. Seguiu-a até ao extremo. O P. Damião foi um homem de todos os tempos, porque foi sempre um homem de esperança.

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Com 49 anos, P. Damião “sente-se cansado, mas feliz”, como ele dizia.

CAPÍTULO II

P. DAMIÃO DE VEUSTER: O LEPROSO ENTRE OS LEPROSOS

Ao deixar o Niassa, por motivo de idade, sinto a felicidade de estar um pouco marcado pelos estigmas da dedicação aos leprosos, mas ainda estou muito longe de chegar ao grau de dedicação do venerável P. Damião. Agradeço a Deus por me ter preparado um cantinho, aqui, na Angónia, onde posso estar em contacto frequente com as vítimas da lepra e ser uma imagem pálida do venerável P. Damião.

D. Luis Gonzaga Ferreira da Silva(Bispo Emérito de Lichinga/Niassa (Moçambique), 25 de Março de 2008)

“ P. Damião embarca para Molokai no dia 9 de Maio (sexta-feira) de 1873. Pela primeira vez, ele avista a pequena ilha de Kalaupapa, uma pequena extremidade da ilha onde ninguém podia fugir. Antes de subir para a canoa que o levaria à ilha, recebe um conselho: “Não coma com os leprosos, não os toque e não entre nas suas selas”. P. Damião concorda sem realmente saber bem o que está a pensar. “

O Autor

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Nota introdutória ao Capítulo II

O P. Damião pode ser considerado como um dos maiores heróis de todos os tempos por diversas razões. Qualquer pessoa no mundo que sofre de lepra, vive na miséria ou é puramente excluído da sociedade. Isto é já uma justificação em sim mesmo. Expresso aqui diversas razões pelas quais o P. Damião merece, de acordo com as mais diversas personalidades o título de um dos maiores heróis de todos os tempos.

“ O P. Damião não ajuda os outros a partir da sua torre de marfim, quando decide viver a sua vida em Molokai, ele resume o seu trabalho pela expressão: “Nós os Leprosos”. “

O Autor

HOJE, O PADRE DAMIÃO PERMANECE AINDA COMO UMA FONTE DE INSPIRAÇÃO

Mesmo depois de tantos anos após a sua morte, a obra do P. Damião perpetua-se no tempo, através de todos os cooperantes, membros activos que se encontram no terreno, de voluntários, de colaboradores e de milhares de anónimos que contribuem para uma boa causa humanitária. P. Damião inspira toda esta onda humana de perseverarem toda a sua força em ajudar os últimos perante todas as dificuldades. A prova que o P. Damião era e é hoje, mais que nunca, um grande homem, um homem da esperança que inspira coragem, confiança e uma fé inquebrantável.

Este quadro (pintura), reflecte toda a confiança e uma fé inquebrável, que o P. Damião depositava no DEUS AMOR.

Mais uma estátua do P. Damião, de Autoria de May Claerhout (1994),localizada em Bruxelas/Bélgica.

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PADRE DAMIÃO: UM MISSIONÁRIO MULTIFACETADO

Durante a sua estadia em Molokai, P. Damião mostra que ele é o homem de todas as vicissitudes. P. Damião empenha-se em dar um ambiente acolhedor aos seus amigos leprosos. O missionário será ainda simultaneamente polícia, carpinteiro, professor, arquitecto, enfermeiro, empresário de funerais, cirurgião, referência mediática, animador cultural, inventor e organizador.

Padre Damião traça um objectivo:

P. Damião traça um objectivo e mantém-se obstinadamente convicto de o atingir, mesmo face à resistência da sua hierarquia, das autoridades locais e de outras instituições que lhe tornam a vida dura. Ele não vacila perante as regras sempre que estas o impedem de resolver os problemas dos leprosos.

Padre Damião suporta pesados sacrifícios

O Padre Damião deixa muito cedo a sua família e parte para ajudar carenciados desconhecidos. Ele troca uma vida confortável na sua missão numa das ilhas do Hawai pelo Inferno de Molokai, onde reinam o vício e a

desordem. Em Molokai, recusa a preconceituosa distância e ousa aproximar-se dos leprosos. Torna-se um leproso entre os leprosos, um dos seus, assinalando deste modo o terminus da sua vida.

O Padre Damião nunca baixa os braços

O P. Damião tem de resistir à adversidade e aos ventos contrários. Mas ele conseguirá superá-los sempre, dedica-se, de dia e de noite, aos seus estudos para se tornar missionário. Nunca se mostra satisfeito em receber um “não”, mas bate-se, pelo contrário, para obter toda a ajuda possível das mais diversas instituições. Continua a sua luta pelos leprosos de Molokai, mesmo após ter contraído a doença da lepra.

Padre Damião é o primeiro cooperante

Pelo seu empenho, o P. Damião suscitou tantas emoções durante toda a sua vida que as pessoas começaram espontaneamente a ajudá-lo financeiramente, através de uma conta “protegida”. Nunca tal se fizera anteriormente. Neste sentido, o P. Damião foi o alicerce desta causa. Prestamos homenagem, graças ao P. Damião, aos milhares de homens e mulheres que se empenham voluntariamente no mundo.

O Padre Damião é pluralista

As suas convicções cristãs inspiram o P. Damião sem que ele as imponha, para tanto, aos leprosos. O seu objectivo não é convertê-los, mas ajudá-los o melhor possível, independentemente da raça, da cor da pele, da sua confissão religiosa ou até mesmo dos erros cometidos.

Padre Damião: Um homem entre os homens

O P. Damião não ajuda os outros a partir da sua torre de marfim, quando decide viver a sua vida em Molokai, ele resume o seu trabalho pela expressão: “Nós os Leprosos”. Torna-se ele mesmo leproso. Partilha as suas refeições,

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cura-os, organiza as suas actividades, torna-se professor… Esta dedicação total ao serviço dos outros permite-lhe mover montanhas a favor do próximo.

Padre Damião dignifica a vida comunitária

O P. Damião consciencializou o mundo da injustiça de que são vítimas os leprosos e os pobres. O seu combate contra a exclusão torna-se cada vez mais tolerável. O P. Damião contribuiu então para a evolução da sociedade, das suas normas e valores, não só nas ilhas do Hawai… mas também no mundo inteiro.

O P. Damião é um exemplo

O P. Damião suscita a admiração para além de todas as fronteiras, quer sejam geográficas, culturais, religiosas ou políticas. É neste sentido, o melhor embaixador da humanidade inteira. O próprio Gandhi elogiou o P. Damião nestes termos:”O mundo da política e do jornalismo conta com poucos heróis comparáveis ao P. Damião”. Uma expressão literal de uma profunda admiração.

“Vale bem a pena procurar a fonte onde o P. Damião extraiu a inspiração de tanto heroísmo“, disse GANDHI, ao referir-se ao P. Damião, em 1945.

P. DAMIÃO: UMA PERSONALIDADE FORA DO COMUM, UMA VIDA EXCEPCIONAL

Emoções, empatia, atrocidades, nostalgia, drama, tensões e conflitos… a vida do P. Damião reúne todos os ingredientes de um livro cativante. Convido todos os leitores e todos os colaboradores que lutam contra a lepra e todas as lepras de hoje, para partirem ao encontro deste missionário louco do amor, que influenciou tanta gente por esse mundo fora, talvez mais hoje do que nunca.

P. Damião, em companhia de algumas crianças orfãs, para quem construiu um orfanato. Quando chegou a Molokai, muitas cri-anças eram tratadas como escravas.

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No decurso dos tempos

Convido de novo o leitor e os nossos colaboradores. Mergulhe na vida do P. Damião através do decurso dos tempos. Deixe-se guiar ao longo dos anos e das ilustrações e reviva as diferentes etapas da sua vida.Desde o nascimento até à vida de missionário, passando pelos anos de juventude e de internato, lanço novamente um desafio: descubra aqui toda a história de Damião, contando em retalhos de vida, como quem acredita na esperança.

P. Damião transformou completamente aquela ilha “maldita” do Molokai.

A INFÂNCIA DO P. DAMIÃO

Damião nasce a 3 de Janeiro de 1840, em Tremelo, baptizado como Joseph de Veuster. Seu pai, Frans de Veuster e sua mãe, Anna-Katrien (comumente chamada Cato) Wouters darão rapidamente ao seu benjamin o nome de “Jef ”. A família De Veuster conta com oito filhos, quatro rapazes e quatro raparigas. Jef é o penúltimo.

Uma participação precoce nas tarefas da família

Jef cresce na exploração agrícola de seu pai. A família De Veuster é a primeira da região a “possuir uma casa de pedra”, a qual foi construída no solo fértil das margens do rio Dyle. A família desloca-se para aí após o anúncio de um acontecimento feliz. Cato está grávida de Jef. É assim que Jef ajudará os pais, desde a mais tenra infância, participando nos trabalhos da quinta e no comércio do grão.

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A caça de sanguessugas

Quando a quinta e o comércio do grão produzem menos, o pai, Frans, vai para a Áustria com um dos irmãos mais velhos de Jef. Aqui, eles produzem sanguessugas que seguidamente vendem na Bélgica. Nesta época, as sanguessugas eram ainda frequentemente utilizados nos hospitais para efectuar tratamentos.

Uma família religiosa

Duas irmãs de Jef entram no convento. O seu irmão Augusto ingressa igualmente numa ordem religiosa. Não é, portanto, surpreendente que Frans, o pai, coloque todas as esperanças em Jef de modo que retome um dia o negócio familiar.

A vida no campo

Jef teve a sorte de passar a sua infância no campo. O seu avô Hendrik ensina-lhe, bem como aos seus irmãos e irmãs a conhecer as plantas dos arredores e a apanhar enguias. Os pastores contam-lhe centenas de histórias sobre os animais. O jovem De Veuster faz mesmo e, com alguma regularidade, visitas aos carpinteiros da região.

Jef, o corajoso ou mesmo o ousado

Jef revela-se um rapaz cheio de saúde. Não tem medo de pôr a mão na massa. É corajoso.Um dia, salva do lago um amigo que tinha caído no gelo, enquanto patinavam juntos.

A sua ousadia fá-lo percorrer percursos pesados. Um dos seus jogos favoritos consistia em saltar da parte superior de um talude para um cesto de um carro que passava com velocidade; um dia Jef salta demasiado cedo e reencontra-se sob as rodas do veículo. Ficaria com dores nas costas e uma ferida no olho.

O professor Bols

Jef começa a escola com a idade de seis anos na cidade de Werehter e não em Tremelo. O Mestre Bols é um professor notável e exigente. O nível da turma é elevado e o professor Bols é severo. Jef chega igualmente e muitas vezes atrasado à escola por causa dos seus jogos intermináveis no caminho das margens do rio Dyle. Por vezes, é-lhe mesmo impossível chegar cedo à escola porque a estrada está inundada.

Histórias santas

À noite, Jef escuta com fascinação as histórias que a sua mãe lhe conta. Cato faz-lhe frequentemente a leitura de um livro com legendas de santos.A história de S. Cosme e S. Damião apaixonam-no particularmente.

A formação cristã que recebe no seio familiar, transporta-a para Molokai. Mal chega à Ilha, constrói a Igreja de Santa Filomena,

como ilustra este quadro.

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OS ANOS DE INTERNATO

Em 1847, Mélanie, a mais jovem irmã de Joseph, morre de cólera. Em seguida, Eugénie torna-se, entretanto, Irmã Alexis, que morre em 1854. Pauline, a irmã de Joseph, decide entretanto, tomar o lugar de Eugénie no convento. O seu irmão, Augusto, descobre, igualmente, uma vocação religiosa. Ele entrará no mosteiro para se juntar à sociedade dos Sagrados Corações, também chamada “Congregação de Picpus”. Augusto, é, com efeito, o irmão que Joseph admira desde muito pequeno.

Felicidade não atingida

Joseph com idade de 18 anos arruma os móveis no internato… mas não se sente lá muito feliz. A disciplina não o atrai e ele tem grande escassez de vestuário adequado. Além disso, ele não se sente acolhido pelos outros estudantes “valons” que não o estimam por causa dos seus fracos conhecimentos de francês ( Jef era flamengo e, por conseguinte, a sua língua materna não era o francês).

O apoio do seu irmão Augusto

Durante a sua estadia no internato, Joseph mantém o contacto com o seu irmão Augusto, conhecido como P. Pamphile e envia-lhe muitas cartas. Joseph dá igualmente provas de uma grande perseverança para alcançar os seus objectivos. No entanto, os seus estudos não correm exactamente como ele esperava. Assim, escreve ao seu irmão temendo esquecer tudo o que aprendera. É por esta razão que o P. Pamphile o convida a visitá-lo no mosteiro dos Padres Picpus, em Lovaina.

Irmão Joseph?

Joseph também sente que o seu lugar, naquele momento, não é junto dos Padres Picpus. Em 1853, ele regressa a Hainaut para começar o seu segundo ano. Mas não sabe como sair desta situação. Numa carta, ele suplica ao seu irmão para falar ao superior dos Padres Picpus. No fundo, está consciente de não ter estudado o suficiente para se tornar sacerdote. Mas acrescenta que seria muito feliz de entrar no mosteiro para se tornar irmão.

Pais preocupados

Frans e Cato preocupam-se com o seu filho Joseph. Eles já ofereceram três filhos à ordem religiosa. Um quarto seria verdadeiramente demasiado. Além disso, uma entrada nas ordens religiosas é financeiramente muito dispendiosa. Porém, Joseph, comunicou-lhes na sua carta de final de ano, no dia de Natal de 1858, que a sua decisão estava tomada: entraria na Congregação dos Padres Picpus.

Com 23 anos, era Irmão junto dos Padres Sagrados Corações, em Lovaina.

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JUNTO DOS PADRES PICPUS

O seu noviciado

No dia 4 de Janeiro de 1859, dia do seu aniversário, Joseph apanha o comboio para Lovaina, acompanhado do seu pai Frans.Começara o seu noviciado, a época de preparação para a vida consagrada de mosteiro, um mês mais tarde. Os seus superiores levá-lo-ão rapidamente a tornar consciência da sua total falta de preparação para ser sacerdote. Além disso, não estudou o suficiente para o ser.Ele considerava, quando muito, a possibilidade de se tornar irmão.

Joseph passa a ser conhecido por Damien

O maior sonho de Joseph é de poder acompanhar o seu irmão aquando das suas missões, tal como os Irmãos Cosme e Damião, cuja história a mãe constantemente lhes contava. Também eles sempre lutaram para o mesmo ideal. Doravante, o nome que Joseph escolhera na Congregação religiosa está determinado: Chamar-se-á Damião.

Damião recupera o atraso

Damião empenha-se de corpo e alma para realizar o seu sonho. Trabalha como um louco nas tarefas do mosteiro e nos estudos. Impressiona os seus Superiores pela sua assiduidade. Estuda latim e francês. A fim de recuperar o seu atraso, levanta-se todos os dias às 3 da manhã e deita-se muito tarde, exausto e cansado. Consagra todo o seu tempo livre à oração.

A sua primeira recompensa

Em Junho de 1859, os seus superiores enviam-no a Paris para aperfeiçoar os seus conhecimentos de francês, grego e latim. Para um jovem camponês flamengo, trata-se de um formidável investimento e de uma pequena recompensa pelos esforços dedicados.

Damião professa os seus votos

Tal como em Hainaut, Damião, proveniente de uma modesta família, sofre o desprezo dos seus companheiros parisienses que não o respeitaram. Faz orelhas moucas e intensifica esforços no trabalho. Um ano mais tarde, professa os votos e jura fidelidade eterna ao serviço de Deus.

As histórias das missões

Em Paris, Damião encontra-se igualmente com missionários e com um Bispo, oriundo das ilhas do Oceano Pacífico. As suas histórias levam-no a sonhar: gostaria de ser missionário. No final do Verão, volta a Lovaina e participa nafesta organizada por ocasião da ordenação do seu irmão. Um pouco mais tarde, este comunica-lhe a partida para as ilhas Sandwich, as actuais ilhas do Hawai.

Sofrimento e alegria

A notícia leva Damião a sonhar com o seu próprio futuro. Deseja ser padre e partir igualmente para as ilhas do Hawai. Durante os preparativos para a sua

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viagem, Augusto adoece. Contraiu o “Tifo”, uma doença altamente contagiosa que vitimava muita gente na época. Damião agarra a oportunidade. Ele pode, doravante, substituir o seu irmão.

Damião faz as despedidas

Joseph consegue convencer os seus superiores a deixá-lo partir. Ele poderá ser ordenado padre e partir igualmente para as ilhas do Hawai.É um choque terrível para os seus pais. Eles apercebem-se que não tornarão a ver o seu filho mais novo. Após uma última visita aos seus pais e irmãos, Damião chega a Paris. É aqui que embarca, em 29 de Outubro de 1863, no navio R.W. Wood, com cinco confrades e 10 Irmãos. O destino: as ilhas do Hawai.

1) 1936, o navio Mercator transporta os restos mortais do P. Damião para Lovaina (Bélgica).

2) 1864 – O navio R.M. WOOD leva o Jovem Damião de Bremenàs Ilhas do Hawai.

DAMIÃO: O MISSIONÁRIO AVENTUREIRO

A maior parte dos viajantes sofrem de enjoo durante a travessia - Damião é poupado. O barco teve de suportar violentas tempestades. As águas são por vezes violentas e a tripulação é completamente incrédula. Damião e os seus confrades gostariam de a converter. Seria possível se o capitão não o proibisse.

Chegada a Honolulu

No final de uma terrível viagem de 5 meses, o P. Damião aproxima-se finalmente da ilha mais meridional do Hawai. O barco entra no porto de Honolulu no dia 19 de Março. Damião é recebido no cais pelo P. Modesto Favens, o superior dos Padres Picpus. As primeiras impressões de Damião cortaram-lhe a respiração: casas luxuosas, uma natureza exuberante e, sobretudo, os Canacas, que constituem a população local. Toda a gente anda descalça, os homens tem os troncos nus e as mulheres, pouco vestidas, com os seus cabelos soltos.

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Damião é ordenado padre

Damião conhece rapidamente o Bispo francês Louis Maigret. Começa a estudar a língua local. Maigret surpreendeu-se pelo facto de Damião ainda não ter sido ordenado Padre na Bélgica. Com efeito, ele precisa de Padres e confia em Damião. Foi sem surpresa que o Bispo Maigret ordenou Damião, em 1864. Finalmente, Damião realizou o seu sonho e dar início à sua missão nas ilhas do Hawai.

A missão em Puna

Damião chega ao Hawai, a “grande ilha”, a 15 de Julho de 1864. É a cavalo que ele parte em missão para Puna, 14 dias mais tarde. Aqui, Damião aprende a lidar com os Havaianos. Ele fala a sua língua e come com eles alguns pratos típicos das ilhas, pratos com base em farinha cozida com carne, come este prato, segundo a tradição local: com os dedos.

Difícil conversão

Damião encontra inúmeras dificuldades na população local. Os Havaianos consagram mais importância à deusa Pélé (a deusa do vulcão), do que à fé cristã. A sua conversão ao cristianismo torna-se portanto difícil. Doravante, fica com a impressão que sozinho muito pouco poderá realizar. É então que uma grande missão surge na grande ilha, mais precisamente em Kahola. É para lá que Damião se muda.

Padre carpinteiro

Damião permanecerá 9 anos na grande ilha do Hawai. Aqui construirá 8 igrejas, donde o seu apelido “Padre Carpinteiro”. Mais importante ainda: aprende a amar o país e a sua população. Aqui, é confrontado também com a lepra e os seus efeitos devastadores.

Indignado contra a exclusão

Que os leprosos, para além de serem doentes, sejam igualmente excluídos, suscita a indignação de Damião. Aqueles, que por sua vez, deixam-se apanhar e afastar para acabarem exilados numa ilha onde são condenados a viverem em condições desumanas. Damião sente que deve comprometer-se nesta missão. Este sentimento determinará, doravante, o percurso da sua vida.

Chegada a molokai: Um lugar pavoroso

Tudo começa quando a 1 de Maio de 1873, o P. Damião se encontra na Ilha de Maui com o bispo Maigret e com muitos confrades para a sagração de uma nova Igreja. Uma vez a sagração terminada, a discussão acentua-se sobre um artigo publicado no jornal local e consagrado à leprosaria da ilha de Molokai.

O jornalista fala de um lugar pavoroso, onde as pessoas “apodrecem” no lugar. Um lugar onde os homícidios são moeda corrente e onde reina: a embriaguez, a prostituição e as violações. Molokai é descrito como um lugar que não tem nem Deus nem ordem religiosa e onde os leprosos esperam a morte em condições degradantes.O jornalista sugere que num trabalho desta natureza haja necessidade de um missionário.

P. Damião torna-se voluntário

Com efeito, Maigret já tomara uma decisão. Quer enviar um missionário, em cada três meses, para a leprosaria a fim de estabelecer a ordem. Com efeito, este lugar é bem demasiado pavoroso e perigoso para alguém estabelecer aqui

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uma residência. O bispo procura um voluntário que tornar-se-ia o primeiro. Mas tem já uma ideia da pessoa que quer enviar: “porque o P. Damião é jovem, forte e com uma boa saúde”.

Rumo a Molokai

P. Damião embarca para Molokai no dia 9 de Maio (sexta-feira) de 1873. Pela primeira vez, ele avista a pequena ilha de Kalaupapa, uma pequena extremidade da ilha onde ninguém podia fugir. Antes de subir para a canoa que o levaria à ilha, recebe um conselho: “Não coma com os leprosos, não os toque e não entre nas suas celas”. P. Damião concorda sem realmente saber bem o que está a pensar.

Um acolhimento macabro

O P. Damião e um outro colega sacerdote chegam finalmente à ilha sem terem molhado os pés. São esperados por um grande grupo de leprosos, dirigidos pelo seu chefe. É acolhido com amor, aliás como o tem sido ao longo dos 9 anos. Mas desta vez, são mãos malcheirosas, sujas, deformadas e purulentas, que o apertam. Certamente que se habituará a este odor de carne e de feridas purulentas. Um odor que poderá apenas disfarçar, fumando o seu típico cachimbo.

A sua missão é esta e está aqui

O Damião passa a sua primeira noite ao abrigo de uma velha árvore , uma espécie de palma com raízes em forma de estrela. Após alguns dias de estadia na ilha, está já certo de uma coisa, a sua missão é esta e está aqui e contará permanecer por muito tempo. Perto de 1000 leprosos, muito deles gravemente doentes vivem em condições degradantes e desumanas. Estes doentes têm efectivamente necessidade de alguém que os acarinhe e que os receba. O P. Damião está aqui… para os amar.

Esta é a primeira casa onde o P. Damião vive os primeiros tempos, em Molokai.

As primeiras casas, construídas em Molokai, pelo P. Damião.

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TRABALHAR COM E PELOS LEPROSOS

Desde o início, o P. Damião tem uma ligação muito próxima com as pessoas, com as instituições e com os superiores. O Conselho de Saúde Pública de Honolulu não permite que saia da Ilha, bem como aos leprosos.

Um homem que faz tudo

O P. Damião descobre que toda a humanidade se esconde atrás dos leprosos. Vive com eles, come com eles, partilha a sua tristeza. Como não há médico na Ilha, é ele que efectua as amputações e trata das feridas purulentas. E dado que o Bispo não é autorizado a vir, em pessoa, à ilha, é o próprio P. Damião que sagrará ele mesmo a igreja que construiu com as suas próprias mãos.

O P. Damião tem de fazer face à desaprovação do seu confrade holandês que contesta os seus métodos. Não cessa de incomodar os seus superiores: pede-lhes roupas, materiais de construção, uma ajuda humanitária… reclama uma ajuda concreta. Não será necessário muito tempo. Não tardaria a ser considerado como um persistente, teimoso e desobediente.

Um verdadeiro amigo, um amigão

Não é certamente o que pensam os leprosos. Damião é o seu amigo. Alguém os ajuda por último, sem estar a incomodar-se de saber se são católicos. Por último, há alguém quem se preocupa com a roupa dos leprosos, porque a coisa que mais desonra algumas sociedades, neste caso a sociedade havaiana, era ser enterrado completamente nu. Até neste campo, P. Damião dá dignidade aos seus queridos leprosos. Ele era um amigo, aliás e recordando um amigo meu, ele era um amigão.

Uma ilha mais viva, com melhores estruturas

P. Damião constrói casinhas de madeiras para substituir as palhotas húmidas dos seus companheiros. Encerra o cemitério para impedir os porcos de escavar o solo. Escava buracos na sua igreja para permitir aos leprosos cuspirem. Na própria aldeia será construída pelo P. Damião uma canalização de água.

P. Damião procura igualmente dar uma ocupação às pessoas. Consegue fundar uma fanfarra com instrumentos de bric e broc. Os leprosos mantêm, doravante, eles mesmos os túmulos. P. Damião mostra-lhes também como administrar os cuidados aos doentes e órfãos. Construirá mesmo um orfanato. Considera estas crianças entregues a si mesmas. Organiza corridas de cavalos, deixa as crianças fumarem o seu cachimbo e partilha com eles a própria refeição.

Alguma inveja

P. Damião continua, entretanto, a ter algumas dificuldades com os seus superiores, com o conselho de saúde pública, com os seus confrades, protestantes…Contudo, os leprosos estão na linha da frente apoiando-o e defendendo-o: é a sua razão de viver.O rei das ilhas do Hawai convida-o e recebe a princesa na Ilha. É feito mesmo cavaleiro enquanto que o Bispo é apenas grande oficial, o que suscita alguma inveja.

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Rei David Kalakaua, o rei que reinava naquela altura, as Ilhas do Hawai.

LEPROSO ENTRE OS LEPROSOS

“Nós, os leprosos…” Durante o verão de 1878, P. Damião descobre algumas manchas secas na pele. Coloca igualmente os pés num recipiente muito quente e apercebe-se que não sente nada. Tem lepra. Anteriormente, nunca tinha iniciado o seu serviço por estas palavras: “nós os leprosos…”. Queria assim dizer que tinha decidido permanecer na ilha para sempre. Era um adeus definitivo à sua família, aos seus amigos e ao mundo externo a Molokai.

Não há lugar para preocupações

P. Damião não tem tempo para se preocupar com o seu destino. Deve continuar a bater-se pelo bem estar dos seus leprosos, pelos seus irmãos. Está furioso pelo dia e apercebe-se mesmo que uma embarcação se lance ao mar com uma nova chegada de um grupo de leprosos, simplesmente porque a tripulação considerava que as correntes eram demasiado perigosas para atingir a ilha.

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P. Damião: Cada vez mais doente

Os anos passam e o P. Damião está cada vez mais doente. Sofre de nevralgias e de nódulos. Os seus pés ficam insensíveis. Perde as suas sobrancelhas e o seu estado não cessa de agravar-se. Neste momento, muitas pessoas pensam que a lepra é a última fase da sífilis… uma doença que se transmite apenas pelo contacto sexual. O seu confrade Albert Montiton espalha assim o rumor que o P. Damião tem uma ligação com uma mulher. P. Damião ficará regularmente sujeito a exames humilhantes por haver este rumor. Mas como a sua confiança é grande e como uma consciência tranquila, P. Damião não dá qualquer crédito a estes boatos.

A humilhação suprema

A humilhação suprema está, no entanto, ainda para vir. P. Damião fará a experiência no dia em que ele mesmo pedirá para se confessar, uma obrigação para qualquer padre. P. Damião deseja reconciliar-se com ele mesmo e com Deus. Tendo em conta a ausência de padres na Ilha do Molokai e o medo de outros padres de voltarem à ilha, a confissão em voz alta desenrola-se a bordo de um barco, ancorado não muito distante do grande navio, vindo expressamente para a ocasião. Cada pessoa a bordo entende a confissão. P. Damião e os seus amigos mais próximos vêm esta prova como uma humilhação suprema.

A história espalha-se

Felizmente, a história do P. Damião começa gradualmente a espalhar-se. O escritor Charles Warren decide fazer uma visita ao P. Damião na Ilha de Molokai. Fica de tal maneira impressionado pela história e pela obra do P. Damião que lhe consagra várias páginas escritas. O mundo inteiro descobre a existência do P. Damião como o leproso de Molokai.

Chegam os pedidos de ajuda

Consciente do seu novo “estatuto”, P. Damião envia muitas cartas pelo mundo inteiro, pedindo ajuda e assistência. Uma das suas cartas chega ao jornal inglês “The Times”, que a publica. A evolução que suscita a história do P. Damião é considerável. Vários donativos dos quatro cantos do mundo chegam a uma conta à qual só o P. Damião tem acesso.

Uma óptima gestão dos donativos

Uma campanha de difamação contra o P. Damião estoira no ar. São numerosos os que se interrogam sobre o que faz deste dinheiro. A resposta encontra-se na própria ilha do Molokai. Todos os donativos que recebe são exclusivamente dirigidos para construir casas, para comprar medicamentos e para instalar banhos de desinfecção para os Doentes de Lepra. Entretanto, receberá a ajuda de um outro padre. Uma delegação de Irmãs desembarca igualmente na ilha. As Irmãs que tinham deixado Paris para se juntarem ao P. Damião nas ilhas do Hawai, vão ajudá-lo na obra de amor aos seus leprosos, uma obra que foi para toda a sua vida.

Era como Missionário do amor, que P. Damião desejava estar presente entre os Leprosos, dando-lhes dignidade.

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DOZE PERSONALIDADES NUMA SÓ

Damião era Belga, Padre e Leproso.Mais, na ilha do Molokai, ele exerceu simultaneamente uma dúzia de profissões diferentes. Eis uma pequena retrospectiva:

Cirurgião:

Não há médico em Molokai. P. Damião arregaça as mangas do braço e encarrega-se desta tarefa. Teve mesmo necessidade, um dia, de amputar o pé de um leproso com as suas próprias mãos… com a ajuda do seu serrote de carpinteiro.

Empresário fúnebre:

Antes da sua chegada, os mortos eram enterrados nus, apenas a algumas dezenas de centímetros de profundidade. Uma verdadeira humilhação, sem estar a falar dos porcos selvagens que escavavam constantemente o solo do cemitério. P. Damião decide construir um muro em redor do cemitério.

Fabrica caixões e organiza reuniões nas quais os leprosos podem organizar o seu próprio enterro. Aos mais bonitos cortejos, quer mesmo atribuir um prémio.

Carpinteiro:

Quando era criança, P. Damião ia frequentemente fazer visitas aos carpinteiros da sua região. Uma experiencia que ficou. Desde as protecções às igrejas, passando pelas habitações de madeira e os caixões… para ele nada é impossível de construir. E tudo o que P. Damião constrói permite aos leprosos viver com mais dignidade.

Arquitecto:

P. Damião ergue uma infra-estrutura completa em Molokai. Instala uma canalização de água e constrói estradas. Constrói pequenas casas, restaura a velha igreja e constrói uma segunda. Elabora ele mesmo os planos, com o seu lápis de carpinteiro.

Lobista:

P. Damião vai até aos limites para defender os seus leprosos. Envia cartas à igreja e pede-lhe dinheiro. Faz frequentemente visitas às autoridades para solicitar-lhes apoio. Exige ajuda e luta a favor dos leprosos. Nada o faz parar enquanto não recebe os meios necessários. Uma teimosia que lhe valerá a reputação de persistente, de maçador. Isto não o preocupa, de resto… o que conta, é que os leprosos tenham dignidade.

Um símbolo mediático:

O testemunho do P. Damião revela-se à medida que a sua história dá a volta ao mundo. Transmite-a a um dos jornais, que conta como um dos seus admiradores. P. Damião não se orgulha da sua fama e das celebridades, pelo contrário, serve para organizar sempre mais fundos, fundos estes que vão integralmente para os seus amigos leprosos.

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Organizador:

Ajudar as pessoas significa igualmente dar-lhes a alegria de viver. P. Damião revela-se um organizador fora do normal. Reúne instrumentos musicais e monta uma fanfarra. Convoca reuniões para organizar e preparar devidamente os enterros. Organiza mesmo corrida de cavalos para divertir os seus leprosos.

Inventor:

Comer quando não se tem mais dedos é terrivelmente difícil. Numerosos leprosos são confrontados com este problema, mas o P. Damião consegue conceber uma colher especial, graças à qual os próprios leprosos que já não têm mais dedos, podem tomar as suas refeições sem dificuldade. P. Damião está sempre presente, até pela capacidade de inventar. É um criativo, hoje diríamos que era um bom “designer”.

Enfermeiro:

P. Damião trata dos seus leprosos todos os dias, uma tarefa nada fácil. Feridas purulentas, membros corrompidos… Para Damião não é nada fácil também habituar-se a este mal cheiro. É por isso que ele fuma o seu cachimbo… para esbater ligeiramente os odores.

Autor:

Era necessário informar ao mundo o mais depressa possível, a injustiça feita aos leprosos. P. Damião mete mãos à obra e começa a escrever ao mundo inteiro. Envia cartas, pedindo assistência e ajuda. Tiveram tanto sucesso que foram publicadas pelos quatro cantos do mundo, até nos jornais mais conhecidos, como o Times.

Polícia:

Violência, assassinatos, violações, prostituição… só a lei do mais forte

prevalecia em Molokai, antes da chegada do P. Damião. Damião inverte a ordem estabelecida substituindo-a por uma nova ordem. Uma ordem fundada sobre a cooperação, o amor e no sentido da vida em comum.

Professor:

P. Damião constrói igualmente um orfanato na Ilha do Molokai. Todas as crianças cujos pais leprosos morreram, serão acarinhadas no orfanato. Damião ficara como pai para todas as crianças. Dá-lhes cursos, come com elas e faz tudo para que tenham ainda uma infância, apesar das dificuldades.

Monumento de homenagem de Urban Koch, ss.cc. (1967) ao P. Damião, localizada em Lahnstein/Rhin (Alemanha).

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A MORTE DO P. DAMIÃO

Em Setembro de 1888, P. Damião está de tal maneira débil que ele deve deixar de celebrar a eucaristia. Confessa-se pela última vez, a 30 de Março de 1889 e administra, ele próprio, o sacramento da Extrema-Unção, designada também pela Unção dos Doentes, exactamente no dia seguinte. Morre no dia 15 de Abril pela manhã. Tem apenas 49 anos. Um leproso morre no meio dos seus leprosos. P. Damião morre rodeado pelos seus amigos.

Enterrado

Desde o momento que chegou a Molokai, P. Damião preocupava-se por fabricar um caixão para cada leproso que morria. Terá feito 3.700 no total. São eles, agora, que lhe preparam o seu caixão, que será levado pelos seus leprosos aquando do momento do seu funeral. A Banda de Música que o P. Damião tinha criado fechava o cortejo. P. Damião será enterrado à sombra do pandanus, sobre o qual ele tinha passado a sua primeira noite, dezassete anos antes.

Regresso à Bélgica

P. Damião é exumado em 1936 e o seu corpo é transladado para a Bélgica. Será beatificado pelo Papa João Paulo II, no dia 4 de Junho de 1995, em que esteve presente uma delegação de Molokai, para receber as mãos do P. Damião… estas mãos que realizaram tanto trabalho em Molokai serão de novo enterradas na Ilha, bem perto dos seus queridos leprosos.

Em 1936, P. Damião é transladado para a Bélgica. A Nação Belga recebe com todas as honras, como o herói de Molokai e como Cidadão do Mundo.

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Os restos mortais do “Mártir da Caridade“, repousam, agora na Cripta do Santuário de S. José, na Cidade de Lovaina/Bélgica.

“ P. Damião parte para Molokai. A sua decisão heróica de partilhar com os leprosos a sua vida em Molokai, deixou a população mundial surpreendida e admirada, despertando nos doentes de lepra uma onda de esperança. “

O Autor

CAPÍTULO IIIP. DAMIÃO DE VEUSTER: O HERÓI DE MOLOKAI

O P. Damião, homem de fé simples, mas robusta e consequente, sabia como ninguém que a paixão por Jesus Cristo sempre terá que desaguar no amor, mesmo que este tenha que ser heróico. Então, podemos dizer: que tamanha devia ser a sua fé, se tivermos em conta a grandeza do seu amor. É bom dar a conhecer este gigante da humanidade.

D. Manuel da Silva Martins (Bispo Emérito de Setúbal, Março de 2008)

A Igreja de Kalaupapa, hoje.

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Nota introdutória ao Capítulo III

Aos olhos da fé e da acção caritativa em movimento, os santos e os heróis não morrem em vão, uns ficam, outros perduram na memória dos homens.O testemunho heróico e louco do P. Damião é assumido e levado a cabo pelas gerações seguintes. Por esse mundo fora, encontramos muitos homens e mulheres, missionários e missionárias que prosseguem o espírito do P. Damião.

Cento e vinte anos após a sua morte (15 de Abril de 1889), a obra do P. Damião de Molokai permanece viva e actual, tendo surgido em todo o mundo, instituições de solidariedade que continuam a prosseguir a sua acção humana e heróica, iniciada naquela “Ilha Maldita de Molokai”.A obra do P. Damião permanece viva e actuante, porque em Molokai, P. Damião soube construir a Esperança, porque soube, através da oração e do amor à Eucaristia, transformar aquele lugar de inferno em lugar de esperança.A sua loucura de amor pelos mais desprezados está viva. Deixemo-nos contagiar por este amor.

Península de Kalaupapa.

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para o noviciado dos Padres dos Sagrados Corações e só mais tarde e pelos 18 anos regressará à escola para aprender francês e poder, de certo modo, dirigir os negócios paternos.

Joseph está inquieto. Passados alguns meses, começou o jovem Joseph a sentir no coração o desejo de seguir as pisadas de seu irmão mais velho na vida religiosa, conhecido pelo P. Panfílio. Nesta altura, obtém autorização do pai para entrar no Noviciado, passo que ele dá exactamente no dia 2 de Fevereiro de 1859, altura que ele assume o novo nome de Damião.Joseph sente que os seus estudos não correm exactamente como ele esperava. No entanto, é sua intenção prosseguir os estudos com vista à ordenação Sacerdotal, mas os superiores sentiram uma certa dificuldade em lhe dar consentimento, até porque a capacidade intelectual do seu irmão mais velho lhe faria prever um futuro brilhante como sacerdote.Além disso e lá no fundo, Joseph está consciente de não ter estudado o suficiente para se tornar Sacerdote, mas contenta-se que seria muito feliz em ser irmão (religioso não sacerdote).

Porém, a situação iria mudar completamente. Em 1863, o seu irmão Pamplile (em Português Pamfílio), era escolhido para ir como missionário para as Ilhas do Hawai, mas a epidemia do tifo, uma doença altamente contagiosa, que na altura alastrava por toda a Europa, ceifou-lhe a vida antes de ele poder partir. Damião “agarra” a oportunidade. Escrevera imediatamente ao seu superior geral da Congregação pedindo-lhe para substituir o irmão. O pedido foi aceite.

P. Damião ruma a Paris e é aqui que embarca, em 29 de Outubro de 1863, rumo ao Hawai, numa viagem que durou seis meses. Chegado às ilhas do Hawai, passou, entretanto, algum tempo em Honolulu, sendo ordenado sacerdote. O seu primeiro campo de trabalho era vasto. É a cavalo que ele parte em missão para Puna. Aqui, P. Damião aprende a viver, a lidar com os Havaianos.Damião encontra grandes dificuldades. É então que uma grande missão surge na grande ilha, mais precisamente no distrito de Kohala-Hamakua.

P. DAMIÃO DE VEUSTER: A SUA INFÂNCIA FAMILIAR

É importante dizer, desde já, que Damião foi o nome escolhido por Joseph de Veuster quando entrou na Congregação Religiosa dos Sagrados Corações e será com este nome que ficou e virá a ficar conhecido na história da humanidade.

Damião nasce a 3 de Janeiro de 1840, em Tremelo, baptizado de Joseph de Veuster. Será o sétimo de oito filhos de uma família de camponeses. O seu pai tinha uma exploração agrícola.No momento em que Joseph nasceu, o pai, Frans, vai para Áustria, dedicando-se ao comércio de sanguessugas.Nesta altura e pela Europa, registava-se uma crise económica muito grande, ao mesmo tempo que uma epidemia de tifo alastrava e dizimava populações inteiras.

Como o seu pai tinha uma exploração agrícola de cereais, a família vivia sem grandes dificuldades. Joseph e os irmãos não conheceram a fome, graças à entrega e ao duro trabalho que todos os membros tinham de realizar. P. Damião, então Joseph, teve mesmo de abandonar a escola, durante algum tempo, para substituir no trabalho um dos seus irmãos mais velhos, que entrara

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AS ILHAS HAWAIANAS

P. Damião chega ao Hawai, a “grande ilha”, a 15 de Julho de 1864. O Hawai era então um pequeno reino formado por diversas ilhas e a população nativa (os Canacas) mantinha boas relações com os emigrantes aí residentes, vindos sobretudo da China. A família real norteava a sua conduta por uma política de intransigente salvaguarda da independência e das expressões da cultura indígena.

As religiões praticadas nas ilhas assumiam diversas variantes: havia protestantes de variadas denominações e alguns católicos, que, na sua acção, iam tentando converter os fiéis das inúmeras religiões tradicionais à sua prática religiosa.

Os Havaianos consagram mais importância à deusa Pélé (a deusa do vulcão), do que à sua fé cristã. A sua conversão ao cristianismo torna-se portanto difícil.Contudo, a população nativa (os Canacas), atacados por doenças até então desconhecidas no seu território, tais como: Cólera, Gripe, Varíola, Sarampo, doenças venéreas e sobretudo a Lepra, provavelmente levada pelos Chineses para as Ilhas.

A lepra difunde-se rapidamente e os Canacas demonstram-se particularmente receptivos a esta doença. No espaço de um século, precisamente entre 1770 e 1870, a população baixou de mais ou menos de 300.000 pessoas para cerca de 50.000 habitantes, a maioria dizimada pela lepra e outras doenças introduzidas pelos emigrantes.Era necessário “matar” a lepra. Então, para se levantar uma barreira à difusão da lepra, as autoridades locais decretaram o total isolamento dos doentes, por razões tanto de ordem sanitária como moral. Os Doentes de Lepra apresentam um aspecto horrível que era necessário esconder dos visitantes (sendo a maioria turistas) e, por outro lado, os protestantes retinham a doença de lepra como castigo de Deus, como castigo do pecado e da devassidão. Para isolar completamente os doentes, essencialmente os leprosos, destinou-se para eles uma ilha – a Ilha do Molokai.

Vista parcial da Ilha “Maldita“ de Molokai. O P. Damião chegou e transformou.

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MOLOKAI: A “ILHA MALDITA”

Os leprosos, para além de serem doentes, são igualmente excluídos e marginalizados, o que suscitou no P. Damião uma enorme indignação e revolta.Em Molokai, os leprosos viviam uma situação desesperada e sem saída. A lepra era ainda horrível e repugnante de toda e qualquer relação afectiva com a família e com os amigos.A sociedade marginalizava-os e votava-os ao mais completo desprezo e ao mais negro dos desterros.Em Molokai e perante os efeitos devastadores da lepra, não existia na Ilha do Molokai qualquer equipamento sanitário ou qualquer estrutura de apoio social. P. Damião sente também que deve comprometer-se nesta missão, já que os Doentes de Lepra estavam abandonados a si mesmos e condenados a viverem em condições desumanas.

A PRESENÇA DE UMA IGREJA VIVA NO MEIO DOS LEPROSOS

Chegada a Molokai, P. Damião encontra inúmeras dificuldades. Os habitantes da Ilha estão muito divididos. Para além de darem mais importância a alguns Deuses, existem na Ilha de Molokai muitos protestantes, pois até foram pioneiros a darem as ajudas iniciais ao P. Damião. Mas como entre os leprosos se encontravam bastantes católicos, a igreja sentiu-se na obrigação e no dever de assistir espiritualmente os doentes de lepra. Com esse objectivo, fundou em Molokai uma paróquia católica, que desde o início teve o apoio de toda a população.

Foi precisamente em 1873, que o Bispo decidiu que um grupo de quatro/cinco jovens missionários se dedicassem à assistência espiritual aos católicos da paróquia então criada na Ilha, ficando apenas o tempo mínimo necessário para não se exporem ao perigo do contágio da lepra.

Pela sua coragem e ousadia, P. Damião ofereceu-se generosamente para este serviço voluntário e de um amor sem medida, até ao ponto da imprensa da época enaltecer com grande entusiasmo este acto de amor louco e heróico do

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jovem P. Damião. Chegou finalmente a Molokai alguém preocupado com a vida dos doentes de lepra, até ao ponto de ir partilhar a vida com os leprosos, vivendo no meio deles.

P. Damião chegou à Ilha de Molokai no dia 10 de Maio 1873, no mesmo ano em que ARMAUER HANSEN descobriu o bacilo da lepra: O MICROBACTERIUM LEPRAE, mais conhecido pelo bacilo de HANSEN. P. Damião viria a morrer a 15 de Abril de 1889, leproso entre os leprosos (fazendo-se um deles), depois de 16 anos de amor, de partilha e de uma imensa actividade junto dos seus queridos leprosos.

O jovem médico norueguês ARMAUER HANSEN, que em 1873 descobriu o bacilo da lepra “MICROBACTERIUM LEPRAE“, mais

conhecido pelo bacilo de HANSEN

P. DAMIÃO PREPAROU O FUTURO

Depois de ter vivido algum tempo numa simples cabana, o missionário louco construiu uma casa em madeira, bem perto da Igreja, onde a todo o momento a gente acorria em busca de ajuda material e espiritual.

Com a ajuda dos leprosos mais fortes e mais válidos, P. Damião construiu casas, aumentou as instalações do hospital, procurou erguer as estruturas que iriam melhorar a vida na Ilha. Abriu uma loja, onde os leprosos podiam abastecer-se gratuitamente, fez arranjos no cais e nas estradas. Construiu uma conduta para a água potável.Ensinou as pessoas a cultivarem a terra, a tratar os jardins e ate organizou uma pequena banda de música.

P. Damião não era médico, mas interessava-se por todos os avanços, relativamente aos tratamentos da doença da lepra. Quando em 1878 soube da existência de um medicamento novo contra a doença, exactamente na China, encomendou-o imediatamente e ele próprio experimentou o tratamento, descoberto pelo japonês Massanao Goto.

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Na Ilha de Molokai, P. Damião organiza serviços de entreajuda. A sua inspiração fundamental era que ninguém fosse abandonado nem excluído da comunidade, fosse porque motivo fosse. P. Damião trata de todos os leprosos com amor.

Nas Ilhas do Hawai, o acesso a certas aldeias, situadas nas regiões selvagens e montan-hosas era muito dificil. As viagens de Apostolado, faziam-se a pé ou a cavalo.

O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA UNIVERSAL

A doença da lepra era considerada por muitos uma maldição divina. Para outros, foi considerada desde sempre uma doença ”suja”, uma doença que metia medo. Na Bíblia, nomeadamente no Evangelho, somos confrontados com algumas passagens, em que os leprosos se dirigiam a Jesus pedindo-lhe que os limpasse (compreendemos aqui como a lepra era uma doença suja).

Na Europa, desde a Idade Média, poucas referências havia sobre a lepra, apenas se sabia que a lepra tinha chegado à Europa, através do comércio e dos cruzados.Contudo, havia em relação à lepra um medo colectivo, devido talvez aos episódios bíblicos. Na América do Norte, o problema nunca tinha existido, porque a doença era praticamente desconhecida. Mas o problema da lepra sentia-se com maior intensidade nos países subdesenvolvidos da África, da Ásia e da Oceânia, tal como nos dias de hoje.

P. Damião parte para Molokai. A sua decisão heróica de partilhar com os leprosos a sua vida em Molokai, deixou a população mundial surpreendida e admirada, despertando nos doentes de lepra uma onda de esperança. Devido

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ao seu testemunho heróico, viria a surgir no mundo, concretamente na Europa, uma maré viva de solidariedade, que iria a dar origem a muitos movimentos de ajuda, os quais contribuíram e fomentaram a pesquisa de medicamentos para o tratamento da doença da lepra.Além do mais, o medo e a mentalidade que reinava na sociedade, viria a sofrer uma mudança radical em relação aos doentes de lepra, que continuavam a ser os mais marginalizados pela sociedade em geral.

Nesta gravura da idade média, vemos um leproso com uma campainha.O barulho desta campainha avisava as pessoas da chegada de um leproso.

UMA NOVA ATITUDE: A MUDANÇA DE TRANSFORMAÇÃO

Os leprosos, para além de serem doentes, eram igualmente excluídos e marginalizados. P. Damião encontrava-se confrontado com uma série de problemas e preconceitos.A doença da lepra não era apenas considerada uma doença altamente infecciosa, mas também como um castigo de Deus, uma maldição divina, concretamente junto de algumas comunidades, como por exemplo dos protestantes.

Perante estas mentalidades, o testemunho heróico, a vida e já depois a morte do P. Damião, questionava a mentalidade reinante.Todos os leprosos tinham direito à vida, mesmos aqueles que eram terrivelmente marginalizados e excluídos.

Se o P. Damião não tinha meios económicos e estruturas para curar os leprosos (ele mesmo dizia: “se não tenho meios para os curar, tenho meios para os consolar”), P. Damião tinha pelo menos palavras de carinho e de amor para que os doentes de lepra pudessem enfrentar com mais coragem e determinação o seu triste destino. A Ilha de Molokai deixaria de ser, a partir de agora, um

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campo de marginalizados e excluídos, passando a ser uma região acolhedora, humana e digna.

Na altura, a lepra era ainda incurável, mas o P. Damião não desanima e não cruza os braços, pelo contrário, organiza actividades e procura colaborar com todos aqueles que se esforçam por minorar o sofrimento de todos os doentes de lepra.

Mesmo quando P. Damião se apercebeu que tinha contraído a lepra, reagiu de uma forma serena, descrevia pormenorizadamente o progresso da doença, ao mesmo tempo que se submetia aos tratamentos, prescritos pelos investigadores em leprologia, até que em 1873 o jovem cientista Norueguês ARMAUER HANSEN descobria o bacilo da lepra: o Microbacterium Lepra.

Se a ida voluntária e corajosa do P. Damião para a Ilha do Molokai despertou uma onda de admiração em todo o mundo, também a sua morte, leproso entre os leprosos, fez surgir de novo uma onda de admiração e simpatia por todo o mundo.No fundo, P. Damião, investigadores e cientistas, cada um com a sua colaboração, contribuíram para uma mudança de mentalidades e de atitudes

em relação à lepra e aos leprosos.Foi um passo de gigante na transfor-mação de mentali-dades.

Este quadro, resume toda a mudança de mentalidades que o P. Damião operou na Ilha de Molokai.

P. DAMIÃO: O MISSIONÁRIO LOUCO

Nas cartas que escrevia, sobretudo aos seus superiores e irmão (P. Panfílio), Damião acompanhava sempre a sua assinatura com estas palavras: “Sacerdote Missionário”. Foi como missionário que P. Damião partiu para as Ilhas do Hawai. Foi como missionário que P. Damião se entregou, de alma e coração, aos seus queridos leprosos.

Pela biografia que apresento, pode ler-se que o P. Damião ( Joseph de Veuster de baptismo), nasceu no seio de uma família de camponeses e profundamente cristã, que bebia diariamente na Fonte do Mandamento Novo, através da vivência dos sacramentos e da oração.Muitas vezes e por várias maneiras, P. Damião afirmaria que a sua vocação religiosa teria nascido no seu ambiente familiar e que o seu amor pelos leprosos era fruto da sua oração e do seu amor a Deus.

Na Congregação dos Padres dos Sagrados Corações, também chamados Picpus, a fé e o amor de Damião amadureceram em espiritualidade profunda, impulsionado para ela e pelo exemplo de um dos seus irmãos, que já fazia parte desta Congregação Religiosa. Não foi brilhante nos estudos, já que eles viriam

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a limitar-se ao mínimo indispensável, sem ser um intelectual nem um teórico iluminado, P. Damião era sobretudo um homem de acção e de obras, impulsionado por uma fé e uma confiança a toda a prova. Tocado pelas concepções do seu tempo, colocou o Mandamento do Amor (amor ao próximo), no centro da sua vida: para Damião, ninguém podia amar a Deus se não amasse primeiro as pessoas que viviam a seu lado.A vivência e a espiritualidade do P. Damião começara no seu berço familiar e viria a aperfeiçoar-se dentro da Congregação que o recebera, apesar de algumas dificuldades iniciais. Foi o seu amor ao próximo e a sua juventude apostólica que o levará a pedir ao seu Superior Geral que o deixe substituir o irmão sacerdote falecido e que tinha sido destinado a fazer missão nas Ilhas do Hawai. E será ainda o seu grande amor apostólico e o seu cuidado pelas almas que o fará responder ao apelo do seu Bispo para ir viver com os leprosos na Ilha “maldita” de Molokai.

Esta pintura revela toda a espiritualidade e todo o seu amor pelos leprosos. P. Damião decidiu viver com os seus queridos leprosos na Ilha maldita de Molokai.

P. DAMIÃO DE MOLOKAI: O SEU TESTEMUNHO CONTAGIOU

P. Damião morre em 1889, exactamente com 49 anos de idade. Diríamos nós, hoje, no auge da sua vida. Mas logo a seguir à sua morte, criou-se em Londres, sob a égide do Príncipe de Gales, o Fundo Nacional para a lepra. Trabalhos de investigação, de laboratório e exames sistemáticos contribuíram para fazer recuar a lepra. Em 1891, exactamente na Índia, o país com mais leprosos no mundo, foi criada uma comissão para examinar com toda a profundidade as causas da doença e as suas consequências. Em 1909, criou-se nas Ilhas do Hawai um centro de pesquisa sobre a doença da lepra. Os progressos são significativos, mas extremamente lentos. A lepra parecia continuar a meter medo e a sua cura não daria certamente fortunas.

Passo de gigante: em 1942 surgem as primeiras sulfamidas (a Dapsona ou DDS), mas a sua aplicação nem por todos foi logo aceite e o seu uso levou demasiado tempo. Só em 1982 é que surgiu um novo tratamento, a Poliquimioterapia (PCT), um meio terapêutico de facto revolucionário.

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Apesar deste novo e eficaz tratamento, era necessário acabar, desmantelar as leprosarias isoladas do todo o ser humano e dizer ao mundo que os Doentes de Lepra são seres humanos, a quem se deve a liberdade, a dignidade e todo o respeito a que têm direito.

Um outro belga está na origem de uma nova revolução de mentalidades e de atitudes: o Dr. HEMERIJCKX que estudou in loco, nos recantos do então Congo Belga, mais tarde Zaire e hoje República do Congo os doentes atingidos pela doença “terrível” de lepra. Este estudo profundo e o contacto diário e regular com os doentes permitiram a informação e a educação sanitária, o que contribuiu fortemente para fazer recuar o mal.

A par do Dr. HEMERIJCKX um outro gigante do amor se distinguiu na luta contra a lepra, o francês RAOUL FOLLEREAU. Em 1954 e por sua iniciativa, junto da ONU, foi criado o Dia Mundial dos Leprosos. Apesar da sua mensagem não ter sido aceite pelos poderosos da terra, não desanimou, percorrendo o mundo, lutando contra a indiferença das autoridades, provocando a solidariedade internacional e amando os leprosos.

Dr. FRANS HEMERIJCKX, conhecido pelo “Doutor dos Leprosos”, sobretudo pelo trabalho notável que desenvolveu no Congo Belga, na década de 1930.

AS RESPOSTAS AOS TESTEMUNHOS HERÓICOS DO P. DAMIÃO

Respondendo ao testemunho heróico do P. Damião, ao estudo do in loco do Dr. Hemerijckx e aos apelos do vagabundo da caridade – Raoul Follereau, surgiram por todo o mundo associações de ajuda ao combate à lepra, primeiramente na Bélgica, em 1954, foi criada a Associação dos Amigos do P. Damião, hoje Fondation Damien Belgique, mais tarde na Alemanha (1957), na suíça (1958), Canadá (1962), Itália (1964), Luxemburgo (1966), Holanda (1967), França (1968), Japão (1974) e em Portugal (1987 e 1998), a que se juntaram muitas outras já fundadas noutros países (Estados Unidos, Suécia, Inglaterra, Nova Zelândia, Dinamarca e Noruega).

Em 1966, sob a acção e cunho do Belga Pedro Van Den Wijngaert, que tive a honra de conhecer em 1993 e de Raoul Follereau, as associações europeias reuniram-se e formaram uma federação (ELEP) que, em 1975, se transformaria em ILEP (Federação Internacional das Associações de Luta Contra a Lepra no mundo). Formalizou-se com mais fervor a celebração do Dia Mundial dos Leprosos, sempre no último Domingo de Janeiro, durante o qual se realizam diversas iniciativas de sensibilização e de recolha de fundos para apoiar

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projectos anti-lepra e pesquisa de novos e eficazes medicamentos para o combate à doença de Hansen. Já se diz há bastante tempo, que está na fase final uma vacina eficaz no combate à lepra. Pelo que tenho estudado e participado em congressos e em estudos de investigação, ainda não se descobriu tal vacina, exactamente por causa do tratamento poliquimioterápico (PCT) ser bastante eficaz, matando o bacilo e curando todos os casos, mesmo os que se encontram na fase mais grave (lepromatosa), um período de 24 meses.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SOLIDARIEDADE

MÃOS UNIDAS P. DAMIÃO EM PORTUGAL E NO MUNDO

Em 1987, quando iniciei o meu trabalho em prol dos leprosos, havia nessa altura 20 milhões de leprosos, hoje não existem mais de 5 ou 6 milhões, graças ao trabalho árduo que as Associações Internacionais que lutam contra a lepra realizam no mundo.A erradicação da lepra não é uma hipótese longínqua, estará para breve, já que em muitos países já foi erradicada totalmente. O sonho do P. Damião e de tantos outros “loucos de amor”, tornar-se-á, em breve, uma realidade visível.

O combate destes heróis encoraja-nos, dão-nos força e, dentro de poucos anos, celebraremos uma grande vitória. Em breve, o medo que a lepra causava, a marginalização a que os doentes de lepra estavam sujeitos, será certamente uma lembrança do passado longínquo e recente.A loucura do P. Damião contagiou muitos homens e mulheres e continua a arrastar, muitos outros, neste início do séc. XXI, continuando a sua obra. É o que tentam fazer todos os que trabalham nas Associações Internacionais.

O tratamento poliquimioterápico vem “matar“ de raiz o bacilo Microbaterium Leprae, mais conhecido pelo Bacilo de Hansen.

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É o que tentam fazer todos os nossos Colaboradores, que na retaguarda são autênticos heróis anónimos.A lepra não é contagiosa. O amor louco do P. Damião continua a tocar crianças, jovens e adultos. P. Damião é, para muitos, o herói de Molokai, para outros, o Apóstolo dos Leprosos, para outros ainda o gigante do amor. Ele é hoje, mais do que há 100 anos, o cidadão do mundo sem fronteiras.

Desde o início de 1998 que em Portugal existe formalmente e devidamente legalizada com escritura pública notarial, exactamente no Dia Mundial do Doente – 11 de Fevereiro, a ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SOLIDARIEDADE MÃOS UNIDAS P. DAMIÃO, também designada por Mãos Unidas P. Damião - Portugal, que tem como objectivos principais:

Luta contra as doenças endémicas tropicais: Lepra, Cólera, Malária, Tuberculose, Poliomielite e Sida; Apoio, nas várias vertentes, às Pessoas com Deficiência; Ajudar as Crianças Órfãs, da rua e as mais carenciadas; Prestar ajuda de emergência às vítimas das catástrofes naturais (sismos, cheias, maremotos, ventos ciclónicos e incêndios).

Para levar para a frente estes nobres objectivos, a Associação Mãos Unidas P. Damião promove em Portugal as jornadas mundiais:

Dia Mundial dos Leprosos, que se celebra sempre no último Domingo de Janeiro; Dia Mundial do Doente – 11 de Fevereiro; Dia Mundial de Luta Contra a Tuberculose – sempre no dia 24 de Março; Dia Africano da Malária; Dia Mundial da Criança; Dia Mundial da Sida; Dia Mundial da Pessoa com Deficiência.

A ideia da fundação desta Associação já era um sonho do autor deste livro. De 1987 a 1997, Mário Nogueira trabalhara numa outra instituição, da qual

é também sócio fundador e que tem por objectivo a luta contra a lepra no mundo. No final de 1997, foi seu desejo criar uma outra Associação que se inspirasse no heroísmo e na “loucura do amor” do P. Damião, para além de alargar o raio de acção, isto é, que tivesse, em conta, para além da lepra, outras doenças endémicas e outros campos de acção.

Logo, em 1998, inicia-se a aventura da solidariedade e da fraternidade universal começando por celebrar o Dia Mundial de Luta Contra a Tuberculose (24 de Março), o Dia Mundial da Criança e o Dia Mundial da Sida, para logo em Janeiro de 1999, celebrar o Dia Mundial dos Leprosos.

Em 1998, Mário Nogueira, deita mãos à obra, dando vida à Associação Portuguesa de Solidariedade Mãos Unidas P. Damião, estando hoje presente em 25 Países: 12 na África, 7 na Ásia, 5 na América Latina e 1 na Europa.Nos últimos anos, apoiamos mais de 110 Projectos distribuídos pelos vários países atrás mencionados, com destaque para os Palops.

Hoje e passados 10 anos da sua fundação, somos o rosto da presença portuguesa na luta contra as doenças endémicas. Trabalhamos pela dignidade da Pessoa com Deficiência e pela ajuda de emergência humanitária, graças à solidariedade dos nossos Colaboradores e Associados e ao amor louco do P. Damião, que continua a “contagiar” muitos jovens, homens e mulheres.

P. Damião testemunhou o CRISTO VIVO, presente nos leprosos, nos famintos e nos órfãos. P. Damião continua presente hoje e para sempre.

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“ MÃOS UNIDAS P. DAMIÃO: PORTUGAL MÃOS QUE AJUDAM “

“ P. Damião estava sempre presente. No seu rosto brilhava sempre a juventude de amar, a bondade, saúde, ao mesmo tempo que uma expressão de energia e de doçura lhe iluminava as feições de alguém que está ali para amar e ficar. “

O Autor

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CAPÍTULO IVP. DAMIÃO – O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA

Com acerto é o P. Damião apelidado Construtor da Esperança, porque o heroísmo do seu Amor levou a esperança a um sem-número de desesperados. De facto, este Missionário deu a maior prova de amor que é possível dar e que, segundo a declaração do mesmo Jesus, consiste em sacrificar a vida por aqueles que amamos ( JO 15, 13).

D. Francisco Mata Mourisca(Bispo da Diocese Uíge-Angola 2007)

Uma nova estátua do P. Damião, de Autoria de Owner Glelliet, localizada em Bavel (Holanda).

Nota introdutória ao Capítulo IV

Neste capítulo, intitulado P. Damião – O Construtor da Esperança, queria deixar uma mensagem de esperança, apesar de vivermos uma grande crise de valores e de Portugal se encontrar mergulhado numa grave crise económica, em que a fome e a pobreza começam a chegar a muitas famílias.

Nesta sociedade em que vivemos, em que tantas teorias e facilitismos se adensam, Deus está bem presente, pois continua a suscitar muitos apóstolos como P. Damião, pelos quais se continua a reacender em muitas sociedades aquela esperança que recebemos com o nosso baptismo.

É neste Portugal Missionário, que o testemunho e as virtudes do Santo Missionário que, por amor dos leprosos foi leproso, poderá não só provocar novas atitudes de amar, como também contribuir para que as flores do espírito continuem a desabrochar e a frutificar nos nossos jovens, já que eles são um sinal de esperança.

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“ P. Damião deixou-nos um legado, uma obra perfeitamente organizada que nada mais exige actualmente do que continuá-la presente. “

O Autor

da partida, que se declarou uma grave enfermidade (tifo), que o impediu então de partir.

Damião, vendo a dor de seu irmão de não poder partir como missionário, ofereceu-se voluntariamente para o substituir.Determinado, escreveu de imediato ao seu superior, a pedir-lhe com alguma insistência para substituir o seu irmão. Não demorou muitos dias para Damião receber ordens para partir imediatamente para as Ilhas Sandwich, hoje conhecidas pelas Ilhas do Hawai.Embarca em Bremen, no dia 30 de Outubro de 1863. A viagem, feita em barco de vela, durou mais de 5 meses, uma longa e penosa viagem.

Um quadro da Leprosaria de Molokai, pintado pelo repórter inglês Edward Clifford.

P. DAMIÃO DECIDE SER ARAUTO DA BOA NOVA

Para nos situarmos de novo no espaço e no tempo, convém recordar que Joseph de Veuster, para nós mais conhecido como P. Damião de Molokai, nasceu a 3 de Janeiro de 1840, em Tremelo, aldeia situada no norte de Lovaina, entre Malines e Aerschot.Seus pais, muito bondosos e cristãos, pertenciam à que chamaríamos hoje classe média. Eram agricultores, comerciantes de grão.

Um dia, por volta dos vinte anos, foi com os seus pais a Lovaina, visitar o irmão mais velho – Pamfílio, que já era membro da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus. Neste momento, decidiu seguir o exemplo do irmão, sem qualquer hesitação.

Olhos nos olhos, os seus pais regressaram, deixando junto os dois filhos, aceitando este duplo chamamento e sacrifício com uma tranquilidade e alguma firmeza, que parecem ser valores tradicionais na sua família.

O P. Panfílio aguardava o momento em que fosse chamado para partir como missionário e foi exactamente quando tudo estava pronto e determinado o dia

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OS PRIMEIROS MESES NAS ILHAS DO HAWAI

Alguns meses depois da sua chegada às ilhas Sandwich, Damião escreveu ao seu irmão – P. Panfílio, dizendo-lhe “falei-lhes demoradamente da nossa longa viagem da Europa para a Oceânia, mas segundo me contam outros missionários, fomos muito protegidos pela Providência durante esta travessia, quanto à sua longa duração e ao bom tempo que sempre nos acompanhou”.

Damião chega a Honolulu, capital das Ilhas Sandwich, no princípio de Março de 1864. Aqui, estabeleceu residência durante bastante tempo e onde, poucos dias da sua chegada, recebeu a ordenação sacerdotal.As ilhas Havaianas ou Sandwich estão situadas no Oceano Pacífico, entre a América e a Austrália, sendo hoje um estado dos EUA. Foram descobertas pelo capitão Cook, sendo apenas visitadas por alguns viajantes e pescadores.

P. Damião, com toda a força de sua juventude e da sua coragem, inicia a sua acção missionária. Foi aqui que deu o primeiro passo do seu ministério activo, e, durante quase dez anos se entregou totalmente a esta missão evangelizadora, com muito sacrifício e fadigas, de dificuldades quase insuperáveis de que o seu impulso sobre-humano chegou a triunfar, tendo obtido resultados jamais

alcançados até agora. Foi exactamente nos distritos de Puna, Kamakua e Koala que a sua acção missionária mais se fez sentir e ouvir.

Em 1865, escreveu uma carta aos seus pais, da qual extraímos as seguintes passagens: “Constitui para mim grande felicidade, poder enviar-vos notícias de tempos a tempos e lembra-vos que no meio deste Oceano Pacífico, sobre uma ilha de 150 léguas de circunferência, tendes um filho que muito vos ama, um sacerdote que reza por vós, um missionário que passa a vida a procurar as ovelhas tresmalhadas do rebanho do nosso Bom Pastor.Sinto muitas dificuldades, no entanto, sou muito feliz. Este povo havaiano sente grande prazer e alegria ao ver-me junto dele. Amo-o muito e certeza que daria a minha vida por estes seres humanos. Quando é necessário andar vários kilómetros para visitar doentes ou alguns que solicitam a minha presença, não me poupo e não desisto. Rezai pelos pobres missionários, meus queridos pais, porque as suas dificuldades são muitas”.

Durante todo este período inicial do seu apostolado, manifestou por mais de uma vez a força da sua energia e a sua fé inquebrável, bem como a ardente caridade que mais tarde deu tantas provas.

Havia poucos padres nas ilhas havainas, o que não permitia que muitos cristãos participassem ma missa todos os domingos. Para resolver esta dificuldade, P. Damião imaginou um plano, que revelava bem o espírito organizador e empreendedor que possuía, assim como a grande criatividade e energia que o animava.

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O ESPÍRITO EMPREENDEDOR E ORGANIZADOR DO P. DAMIÃO

Entre os jovens cristãos, escolheu alguns que julgava capazes de desempenhar uma missão. Procurava-os e enviava-os aos lugares onde era impossível enviar frequentemente missionários. Os jovens cristãos, preparados pelo P. Damião, encarregavam-se de dar catequese, de fazer orações em comum, de cantar, de animar, de partilhar e de deixarem mensagens carinhosas e de confiança.

Pela sua acção missionária, foi testemunha das medidas que o governo havaiano tomara para reprimir a invasão do terrível flagelo da lepra. Nesta medida, a ilha de Molokai fora escolhida como habitat dos leprosos, para onde eram deixados à sorte, uns voluntariamente, outros à força, todas as vezes que a lepra se manifestava.

Diante do seu Bispo, Mr. Maigret, que tinha sido convidado a visitar, pela primeira vez, a Ilha de Molokai, P. Damião toma ele mesmo a iniciativa de se consagrar totalmente aquele povo marginalizado e sofredor, não apenas para visitar os leprosos frequentemente e como tinha feito até aqui, mas para se entregar totalmente e por toda a vida aos seus queridos leprosos.

O próprio Bispo, Mr. Maigret, face ao reduzido número de missionários, lamentava frequentemente não poder enviar mais socorros espirituais aos marginalizados de Molokai. Com esta doação do P. Damião, iria soar agora, com o heroísmo de um só homem todas estas lacunas. Mr. Maigret compreendeu bem esta doação e sacrifício de um só homem corajoso.

Até à chegada do P. Damião, a falta de auxílio espiritual e dos agentes sanitários deixavam os leprosos à sorte, entregues à embriaguez, à libertinagem, ao vício, para além da terrível doença que os devorava. Os leprosos residentes na ilha do Molokai, quando o P. Damião aqui chegou, eram aproximadamente 1000, sendo que pelo menos metade deles eram católicos. A mortalidade era de 10 a 20 por semana, mas este número variava muito, devido à chegada de outros leprosos, encontrados nas outras ilhas e transportados para Molokai. Nesta época, a ilha de Molokai mais parecia ”um cemitério vivo”, como dizia P. Damião.

As condições sanitárias eram inexistentes, as habitações eram insalubres e insuficientes, a própria natureza fornecia-lhes uma planta, conhecida pelos insulares por K1 (o nome cientifico é dracoena terminabilis), com a qual produziam um licor muito apreciado entre eles, que juntava ao seu mal incurável uma embriaguez, muito próxima da loucura, durante a qual se entregavam a extremos demasiados repugnantes.

A miséria moral a que o pobre P. Damião teve de assistir, comoveu mais a sua alma pura e bondosa, do que a própria doença terrível, cujo contágio ele viria enfrentar.P. Damião mantém-se confiante, sereno mas corajoso, de modo que desejando voluntariamente fixar a sua residência, com a firmeza e a determinação de não mais se afastar dos pobres havaianos.

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A MISÉRIA MORAL E MATERIAL DAS ILHAS DO MOLOKAI

Tive oportunidade de já afirmar que a miséria moral encontrada pelo P. Damião na ilha do Molokai, após a sua chegada, era tão vasta e tão grande que rivalizava com os estragos que a lepra causava, por isso mesmo, foi para esse campo que o dedicado e corajoso missionário louco lançou em primeiro lugar as suas vidas, procurando dar-lhe solução mediata.Por outro lado, o audacioso missionário não cruzava os braços, de maneira nenhuma, para melhorar as condições materiais dos leprosos, procurando com todas as suas forças e capacidades, tornar-lhes suave mais o seu jugo, estimulando nos doentes de lepra os hábitos de trabalho, de higiene, de ordem e obediência, a fim que todos cooperassem por um nível de vida melhor.

Ao lado de uma simplicidade sem limites e à sua capacidade heróica, o P. Damião aliava sempre um espírito prático e firme, uma actividade intensa e uma fonte de energia. Para tornar possível essa obra, por todos admirada, que ousara empreender, precisava, antes de tudo, de habitações espaçosas e dignas, bem como de água abundante, que graças ao seu trabalho audacioso e ousado, descobriu que a ilha de Molokai era rica de nascentes abundantes. Ao mesmo tempo, procurou construir uma igreja.Em pouco tempo, o P. Damião conseguiu mudar completamente o aspecto

primitivo da ilha. Para além de ser considerada maldição divina, a lepra ainda não tinha cura e os seus efeitos continuavam a devastar vidas humanas. Contudo, P. Damião estava sempre presente e pronto para confortar os seus pobres doentes no meio dos cruéis sofrimentos, atenuados um pouco com as suas palavras reconfortantes e com o amor de Deus que tinha transportado para o coração de tantos seres deitados à sorte, ao abandono.

O seu apostolado não foi muito longo, mas foi o suficiente para assistir e confortar mais de dois mil leprosos nos seus últimos momentos de vida. Procurava de tal maneira animá-los, distraí-los, falar-lhes ao coração, que muitos afirmavam:”Se tivéssemos que deixar Molokai com a condição de sermos curados, preferíamos não nos curarmos para continuarmos aqui”.

Um quadro da Leprosaria de Molokai, pintado por Edward Clifford, repórter do jornal O Times.

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P. DAMIÃO: O MAIS FELIZ DOS MISSIONÁRIOS

Quase como em resposta, o P. Damião dizia frequentemente: “que se julgava o missionário mais feliz no meio dos seus queridos leprosos e por nada os abandonaria”.Estes são os verdadeiros sinais de amor, os mais belos milagres de amor, capazes de convidar e cativar os homens, muito mais do que as mais sentidas e elevadas demonstrações ou até revelações místicas.

P. Damião estava sempre presente. No seu rosto brilhava sempre a juventude de amar, a bondade, saúde, ao mesmo tempo que uma expressão de energia e de doçura lhe iluminava as feições de alguém que está ali para amar e ficar. O seu sorriso aberto e expansivo, a sua simplicidade e cordialidade, tudo exprimia nele um homem capaz de realizar e compreender projectos e acções difíceis. Estava ali um missionário corajoso que aceitara a mais cruel e dura missão. Era este o P. Damião, refugiado voluntário e o único que nesta colónia de leprosos, estava ali para transformar a multidão de desesperados que povoavam a ilha, desde a sua chegada, transformou-se numa família de filhos obedientes a seu pai. P. Damião estava sempre em actividade. Aos domingos e festas de guarda,

havia sempre uma missa cantada em Kalawao e depois em Kalapaupa. Regressava a Kalawao depois do meio dia para o canto das vésperas, bênção e catequese, voltando novamente a Kalapaupa para repetir aí o mesmo programa religioso.

Só no regresso, quase à noitinha, tinha tempo para arrumar a casa e preparar a refeição da noite, algumas vezes do dia seguinte.P. Damião não era apenas o guia espiritual ou o médico das almas, mas também dos corpos, exercendo ao mesmo tempo, o ofício de carpinteiro, de professor, de pintor, de organizador de eventos, de “agente” financeiro. Sabia desempenhar todas estas profissões com a máxima entregue, nunca recuando diante das maiores dificuldades, tendo sempre presente que estava ali para se doar totalmente aos seus leprosos de Molokai, pelo que o governo havaiano não tardou em reconhecer a sua acção beneficiente e civilizadora, cooperando nela com determinados subsídios, concedendo, além disso, ao audacioso missionário uma liberdade de acção, o que lhe permitiu deslocar-se muitas vezes a Honolulu, expondo pessoalmente as necessidades dos leprosos e os vários projectos para seu alívio e conforto. A própria rainha regente das ilhas Sandwich veio pessoalmente a Molokai ver, in loco, todo o trabalho do P. Damião, ficando de tal maneira surpreendida que, no seu regresso à capital, quis dar ao ilustre benfeitor dos leprosos um testemunho público da sua admiração e do grande reconhecimento.

Numa carta que dirigiu ao P. Damião, a rainha regente das ilhas do Hawai, depois de lhe agradecer sentidamente a caridade sem limites com que se dedicava aos mais desprezados, expressava:”Bem sei que os vossos trabalhos e sacrifícios não visam outra recompensa que não seja a prometida por Deus, nosso Supremo Senhor, que vos inspira, dá forças e encoraja. No entanto, para satisfação dos meus desejos, peço-vos que aceiteis a condecoração de Cavaleiro Comendador da Real Ordem de Kalakua, como testemunho e reconhecimento da minha grande e muito sincera admiração pelo trabalho árduo e pelos esforços com que procurais tão abnegamente aliviar os mais infortunados do meu povo sofredor! ...”, assinava seguidamente: “A vossa amiga Limimokolani, regente.”.

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A rainha regente mostrava assim ao mundo o heroísmo do missionário, pois para ela nunca ninguém julgou praticar um acto tão extraordinário, sacrificando-se daquela maneira pelos seus semelhantes, neste caso, pelos últimos da sociedade.

E Molokai, os caminhos eram difíceis. As viagens faziam-se a pé.

P. DAMIÃO: UM EXEMPLO SUBLIME DA CARIDADE

Da ilha do Molokai, era dado ao mundo um sublime exemplo de caridade, não só aos católicos, mas em particular, aos protestantes de Inglaterra, que espontaneamente aderiram em massa para ajudar o missionário de todos os leprosos. Depois de enviar cerca de 700 libras esterlinas, Mr. Chapman, um Pastor Anglicano, dizia aos seus paroquianos: “Quero agradecer-vos respeitosamente a contribuição com o vosso óbolo para a oferta que temos a aventura de enviar ao humilde e virtuoso sacerdote… É uma honra para todos nós podermos honrar desta maneira quem teve a coragem de abraçar apostolado tão sublime.”.Mais à frente e numa outra carta que escrevera ao P. Damião, Mr. Chapman recorda: ”Agradeço-vos muito reconhecidamente a carta que recebi a 26 de Agosto e, antes de tudo, agradeço as boas orações que me prometestes e aqueles com quem vivo. Juntamente com esta carta, segue uma pequena importância que um certo número de cristãos envia para os vossos doentes mais carenciados… Que esta florinha de amor que a Inglaterra vos envia, possa espalhar algum perfume no vosso meio e recordar-vos os corações de todos os que vo-la enviaram.”.

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Mr. Chapman, não se conformando com os resultados e querendo ir mais além na ajuda aos leprosos do infatigável missionário, dirigiu, por intermédio do Jornal TIMES, um apelo ao povo Londrino, enviando ao director daquele famoso jornal a carta que passamos a transcrever: ”Senhor Director, vários jornais falaram ultimamente da obra extraordinária, levado a cabo pelo P. Damião. Todos a conhecem e sabem por que preço pagou o seu amor pelos leprosos de Molokai. Este aventureiro missionário que para si fez voto de pobreza, tornou-se agora vítima do mal daqueles que o rodeiam e os ama. Numa carta impressionante que recebi do altruísta P. Damião, fala-me de várias ofertas que lhe foram enviadas, dizendo que as aceitaria, não para si, mas para os seus queridos leprosos. Pedi e obtive a devida autorização do nosso Arcebispo para fazer este apelo, espero que publicareis no vosso jornal, prometendo que enviarei imediatamente, tudo quanto me seja entregue.”.

As respostas dos leitores do Times surgiram de imediato. E foram numerosos os leitores que responderam generosamente ao apelo e a maior alegria que se podia proporcionar-se ao Apóstolo dos Leprosos de Molokai, experimentou-a ele durante os dias, quase como já contados, que lhe restavam de vida.

P. Damião deixou-nos um legado, uma obra perfeitamente organizada que nada mais exige actualmente do que continuá-la presente.Recordando algum do seu trabalho material, deixou-nos ao morrer umas 400 casas e 2 igrejas que mandou construir para os seus leprosos. Quis também Deus que ele nos deixasse dois religiosos da sua Congregação, associando-se aos mesmos trabalhos e perigos.

Ao escrever este livro, somos invadidos por imagens de guerra, tal como no Iraque, no Afeganistão, na região de Darfur. No terreno destes países estão homens que combatem, uns por fanatismo e pelo poder, outros ao serviço da paz. Quando nos chega a notícia de que um soldado da paz morre no combate em qualquer circunstância excepcional de coragem, dizemos que são heróis e o país a que pertencia, sente dele legítimo orgulho.Também nós, que nos afirmamos católicos, que acreditamos no Deus Amor,

temos o direito e até o dever de glorificar aqueles que se bateram e destacaram nas nossas linhas de combate da frente, cujo exemplo serve não só para nos orgulharmos, mas também para nos levar com humildade ao conhecimento de nós mesmo e até ao próximo.

Já cansado mas ainda com uma forte energia espiritual, apesar da lepra lhe roubara a vida, P. Damião declarava numa carta, datada de 16 de Novembro de 1887 – “Como tenho muito trabalho, o tempo parece-me demasiadamente curto e a alegria com que Deus me inunda a alma, faz-me o mais aventureiro missionário do mundo.”.A carta donde extraímos esta mensagem, citada acima, termina com esta palavra:”Até no céu”.

No momento em que o Papa João Paulo II proclamou Beato P. Damião (em Junho de 1995), foi descoberto este estandarte com

imagem do Apóstolo dos Leprosos.

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OS REGISTOS DO PINTOR EDWARD CLIFFORD

Quer pelo seu testemunho heróico, quer pela sua obra admirável, doada gratuitamente aos mais marginalizados, P. Damião tocava os corações dos homens. Edward Clifford, um artista muito conhecido e notável, possuído de um enorme talento, atraído mais pela beleza moral do que por todos os encantos da natureza e da arte, sentiu-se penetrado da mesma admiração do pastor anglicano Mr. Chapman, que decidiu ir conhecer pessoalmente o P. Damião, deixando de lado todos os seus negócios, pinturas, distracções.

Também ele anglicano, comunicou aos seus muitos amigos que partiria para as ilhas de Sandwich. Imediatamente, um grande número de pessoas veio trazer-lhe lembranças para que as entregasse pessoalmente ao missionário do amor. Carregado de malas e bagagens de tantas provas de solidariedade universal, Clifford embarcou para Honolulu, em Novembro de 1888 e daqui para Molokai, onde, passado pouco tempo, se encontrou com aquele, por causa de quem tinha vindo de tão longe, com o propósito de contemplar-lhe as feições e venerar-lhe a Santidade.Passados poucos dias de permanência em Molokai, Clifford já se sentia

apaixonado pela obra do P. Damião. Dizia mesmo ”… É de tal maneira cativante que se torna logo estimado por quantos dele se aproximam e, nem por sombra, se julga um mártir e muitos menos um santo… Nunca encontrei um tão grande desprezo de si mesmo… Ele é sorridente, simples, afável e tão depressa o vemos rude operário, pedreiro, carpinteiro, como um hábil coordenador e organizador de actividades e um distinto empreendedor e contabilista! …”.

P. Damião fazia tudo com o coração apaixonado pelos seus leprosos. Aceitava tudo o que lhe davam para minorar o sofrimento dos seus doentes, mas não aceita qualquer louvor pelo trabalho que realiza. Nada de louvores, nada de honras. Numa carta enviada à sua mãe, escrita em 1876, quando a sua fama não era ainda o que veio a ser mais tarde, pode-se ler esta mensagem carinhosa:“Minha querida mãe e irmãos, desculpem-me de não ter respondido de imediato às vossas cartas de 10 de Maio. O motivo desta demora foi esperar todas os dias notícias do P. Pamfílio e também porque fiquei muito contrariado por ver publicado a última carta que vos escrevi. Deixai-me dizer-vos de uma vez para sempre que não gostei de ver tais publicações, pois quero viver desconhecido para o mundo. Neste momento, por causa dessas cartas, fala-se de mim em vários pontos do mundo, até mesmo na América…”.

Posso exprimir que a mãe do P. Damião procurava consolar-se de ver reconhecido a obra do seu filho, falando dele. O P. Panfílio, partilhava com a sua mãe esta mesma consolação. Sentiam orgulho, digamos assim, da obra do amor do P. Damião por aquelas terras de Molokai.

A lepra ia devorando o corpo do P. Damião. Contudo, não se deixava abalar. Continuava a trabalhar com a mesma determinação e coragem de sempre, aceitando a vontade de Deus sem hesitações e sem murmurações. Chegou a repetir várias vezes que de forma alguma quereria curar-se, se, para tanto, fosse necessário abandonar a ilha e as suas obras. P. Damião sentia os efeitos devastadores da lepra. Um dia, quando Clifford desenhava, pela última vez, o seu retrato, o olhar do P. Damião manifestava uma expressão de ternura singular.

Quando terminou de pintar o retrato, mostrou ao P. Damião, que acabou por exclamar: “que enorme transformação! Não supunha que mal tivesse já progredido tanto.”.

Rev.do Hugo B. Chapman, anglicano, Pároco anglicano de San Lucas, em Londres, um dos mais impulsionadores na ajuda ao P. Damião.

O Pintor Edward Clifford também anglicano, que deu a conhecer ao mundo a obra heróica do P. Damião.

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ÚLTIMOS MOMENTOS DE VIDA DO P. DAMIÃO

O P. Damião permaneceu ainda durante alguns dias ”de fé”, no meio de seu povo. Na última carta que escreveu para o irmão, datado de 19 de Fevereiro de 1889, pode ler-se: ”considerando a natureza do mal com que, por vontade de Deus, fui atingido, abstenho-me de escrever-vos frequentemente. Neste momento estou bastante doente. Todavia, sinto-me feliz e estou sempre sorridente, desejando mais que a vontade Deus se realize.”

Terminando a sua carta, dirigida ainda aos seus superiores e membros da sua Congregação (Picpus), bem como para todos os seus familiares, a seguinte mensagem: “Posso ainda, embora com algumas dificuldades e sacrifícios, manter-me de pé todos os dias ao altar, onde não esqueço nenhum de vós. Em troca, rezai também e fazei que rezem por mim, visto que se aproxima tão suavemente a minha última hora. Que o bom Deus me fortifique, me conceda a graça de perseverança e de uma boa e santa morte.”.

No dia 30 de Março, começou a sua preparação para a morte com uma confissão geral e renovação dos seus votos, assistidos por dois padres da sua Congregação (Sagrados Corações). P. W. Moellens e P. Conrardi, que já há algum tempo,

cerca de um ano, antes tinham vindo ajudá-lo na sua acção e trabalhos.No dia seguinte, recebeu a Sagrada Comunhão. No dia 2 de Abril recebe a santa Unção. “Como Deus é bom, por me ter conservado a vida durante tanto tempo, concedendo-me a graça de ser assistido por dois Sacerdotes e permitido que eu deixe na enfermaria três boas irmãs da Caridade.”Depois de tudo isto, só me resta pronunciar: “Não sou mais necessário, posso ir para o céu, uma vez que está garantida a assistência aos pobres leprosos.”.

No dia 13 de Abril, depois da meia noite, recebeu a Sagrada Comunhão, pela última vez e, não podendo falar, apertava afectuosamente a mão dos seus irmãos. No dia 15, morre finalmente sem agonia, como se entrasse em sono profundo. Desapareceram imediatamente os vestígios da lepra das mãos e do rosto.

De acordo com o que tinha pedido, foi aberta a sepultura debaixo daquela grande árvore: Pandanus, cujos ramos tantas vezes o abrigaram durante os primeiros tempos missionários de esperança e fazia agora sombra ao cemitério.

Última fotografia do Missionário Moribundo (Molokai - 1889).

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OS ECOS DA MORTE DO P. DAMIÃO

Não podemos imaginar os efeitos produzidos pelo mundo, essencialmente na Inglaterra, a notícia da morte do grande missionário do amor, sabendo o quanto este país admirava o Apóstolo dos Leprosos. Todos os grandes jornais lhe consagraram várias páginas, com artigos notáveis, de que citaremos mais à frente alguns trechos.

O Príncipe de Gales, tendo regressado de França, estudou o projecto de prestarem homenagem à sua venerável e heróica memória, que não só o aprovou, como também manifestou o desejo de presidir, ele mesmo, a uma reunião convocada para o seu palácio em Marlborough-House, realizada no dia 17 de Junho de 1889, tendo assistido o Cardeal Arcebispo de Westminster e o Bispo Carólico de Salford. Será interessante lembrar que os primeiros a serem convidados para esta reunião foram os amigos pessoais do P. Damião – Rev.do Chapman e o Pintor E. Clifford, visto terem sido eles que provocaram toda a onda generosa em prol das acções do P. Damião.

Este grupo de admiradores do P. Damião, bem apoiados pelos súbitos da coroa de Inglaterra decidiram ir mais além, exactamente, para saldar a divida ao abnegado e corajoso padre e consagrar o testemunho de admiração pelo seu nobre trabalho.

Assim, apresentaram um projecto que constava de três partes:

1º - Criação de um monumento consagrado à memória do P. Damião, no mesmo lugar onde desempenhou a sua missão e onde repousa os seus restos mortais;

2º - Fundar, com o seu nome, um estabelecimento, destinado ao estudo especial do bacilo de lepra e criar um fundo permanente para subsidiar as viagens daqueles que se dedicarem a tais estudos;

3º - Finalmente, organizar uma investigação, um inquérito minucioso, sobre a situação dos leprosos, nas Índias e em todo o império Britânico.

A resposta foi imediata. O Príncipe subscreveu logo com cem libras para se dar imediatamente início aos projectos aprovados naquela reunião, o primeiro dos quais era, como vimos, levantar um monumento ao P. Damião, em Molokai, no próprio lugar em que havia exercido o seu apostolado e terminado o seu martírio heróico.

Ver este reconhecimento por toda a humanidade, traduzido em obras, foi uma grande alegria para todos os admiradores do P. Damião. Tudo o que já disse sobre a acção generosa exercida por tão santa vida e que tentei registar nas páginas deste livro, merecem destaque referir ainda 3 motivos, pelos quais o P. Damião estará sempre presente nas actividades que realizamos em prol dos doentes de lepra, a saber:

- Em primeiro lugar, é o seu exemplo, que fez tocar os corações dos cristãos, ou melhor ainda, toda a humanidade. É extraordinário o valor do seu sacrifício, da sua doação aos mais desesperados;

- Em segundo lugar, foi ter sabido provocar no meio de nós, em muitos milhares de corações, a elevada e pura ambição de nos doarmos ou até nos sacrificarmos como ele;

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- Finalmente e em terceiro lugar, é o facto de a ciência, estimulada pela sua vida de amor e pelos seus nobres sentimentos e secundada pelo concurso do herdeiro ao trono, ter sido chamada a investigar com um novo impulso, os meios para combater o terrível flagelo da lepra, descobrir talvez a sua cura e honrar assim a memória do P. Damião pela mais difícil e mais brilhante das vitórias.

Neste mundo actual, marcado pelo materialismo e consumismo desenfreado e pelo acesso rápido às novas tecnologias, é verdadeiramente consolador, descobrir em muitos rostos humanos, sinais de amor, embebidos no testemunho e na loucura do amor do P. Damião.Tal como o P. Damião partiu para os confins da terra, com uma fé inabalável e com um grande coração, também hoje, partem muitos homens e mulheres, impulsionados pelo heroísmo e por amor a Jesus Cristo e aos mais pobres, partem e entregam-se totalmente aos leprosos de todas as lepras.

Para recordar hoje o P. Damião basta continuar a obra por ele iniciada, com a mesma determinação e entusiasmo, cantando, todos os dias que possam, um cântico de admiração, de respeito e de justiça.

Um novo quadro da leprosaria de Molokai pintado por Edward Clifford, repórter do jornal O Times.

OS RESTOS MORTAIS DO P. DAMIÃO REGRESSAM À SUA TERRA NATAL

Os restos do P. Damião, trazidos pelo Mercador, navio-escola da marinha Belga, repousam em Lovaina. A América e a Bélgica uniram-se para glorificar uma vez mais aquele herói que passou a vida, sacrificando-se pela humanidade sofredora, representado naquela ilha maldita. Foi realmente um gesto, uma glorificação nacional, a recepção que em Antuérpia tiveram os restos mortais do herói missionário, o povo, o governo, os reis e a igreja, estiveram presentes para receber o seu herói nacional.

Recordando a viagem do navio Mercador e da chegada dos restos mortais do P. Damião à Bélgica, transcrevemos do grande e já extinto jornal católico diário “Novidades”, a notícia: “O Mercatório, navio-escola da marinha belga, que trouxe os restos mortais do P. Damião, desde a América, atracou ao cais ao princípio da tarde, sol aberto ainda, como se a natureza quisesse associar-se a tanta beleza da alma.Retiniram as sereias de todos os barcos ancorados no porto e ressoa fortemente o canhão, em homenagem àquele que tombara no combate mais nobre.

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Esperava o despojo fúnebre, em palanque propositadamente preparado, o rei Leopoldo, acompanhado do corpo diplomático, do Cardeal Van Roez e de todo o episcopado belga, do governo e as grandes personalidades.Chegou o momento solene. O cardeal Van Roez deu então a bênção litúrgica aos restos mortais. As tropas apresentaram armas, tocaram os tambores. Segue-se um momento de recolhimento e de oração para quase todos os presentes.De seguida, falou o chefe do governo, Van Zeeland, que dirigiu para todo o povo belga a seguinte mensagem: “A pátria honrava-se de receber o corpo do herói cristão que era também herói da pátria. O seu exemplo que enchia o mundo de admiração e de respeito, ficava como lição de amor fraternal e de dedicação a todo o povo belga.

A nação Belga não esqueceria nunca aquele de quem a Igreja de Cristo, de que o P. Damião fora ministro e arauto, se honrava.”O corpo foi então deposto numa espécie de carroça do exército puxado por seis cavalos brancos. No cortejo magnífico que o seguiu até à catedral, incorporam-se as tropas, as autoridades civis e religiosas. Na catedral, de novo o Cardeal Van Roez deu a absolvição final.

O cortejo seguiu depois em forma privada até Lovaina, passando pela sua terra natal, a aldeia de Tremelo. Quando aqui chegou, já era noite bem cerrada. Após um curto serviço fúnebre na Igreja da Colegiada, organizou-se uma grandiosa marcha luminosa de milhares de pessoas até ao convento dos Padres dos Sagrados Corações, congregação a que pertencia o P. Damião, onde o seu corpo ficou depositado. Estava paga ao grande mártir, por amor de Deus, uma dívida sagrada pela nação belga agradecida.O Santo Padre, conhecido pelo Papa das Missões, quis também manifestar-se a esta manifestação verdadeiramente nacional, deslumbran- -te, a favor do humilde e do secreto missionário, enviando uma mensagem de congratulação ao Padre Van Hout, então Superior Geral da Congregação dos Padres dos Sagrados Corações.

Dessa mensagem papal extraímos “a obra do valoroso missionário, cuja vida ficará como uma das mais belas páginas do apostolado do nosso tempo tenha

um lugar especial no Museu Etnológico Missionário de Latrão” e desencoava a grande “família religiosa que se pode justamente gloriar de ter dado à civilização Cristã um pioneiro com os méritos do P. Damião.”

A igreja, reconhecia assim, pela voz do Pastor Universal, aquele que procurou viver a Boa Nova, sempre esquecido de todos numa atitude de sacrifício constante pelos mais sofredores e marginalizados, os últimos.

O fotógrafo inglês Clifford, fotografa o Missionário de Molokai, evidenciando a mão esquerda em deformação.

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HOJE, PASSADOS 120 ANOS APÓS A SUA MORTE

Hoje e passados 120 anos após a sua morte, todos nós, que trabalhamos na obra de amor, iniciada pelo P. Damião, temos o dever de continuar a erguer a bandeira do amor louco do P. Damião.

No início do terceiro milénio, temos de dar a conhecer ao mundo o exemplo de heroicidade do P. Damião, temos de ser sinais de esperança, tal como o P. Damião, temos de ser construtores da esperança.

A Associação Portuguesa de Solidariedade Mãos Unidas P. Damião, sente orgulho de ter como inspirador o Herói do Molokai ou, como o autor deste livro o intitula “O Construtor da Esperança.” Não só a Associação, mas todos os seus Colaboradores, Associados e Amigos a quem dedico este livro, devem sentir uma grande felicidade, porque tem uma fonte onde podem beber. O P. Damião, para realizar o trabalho, para se doar totalmente aos outros tinha algumas fontes onde ele ia beber diariamente: A EUCARISTIA e a PALAVRA DE DEUS AMOR.

As irmãs de leprosaria em Molokai, impediam (por desconhecimento, pois julgavam que a lepra era altamente contagiosa), que o P. Damião se aproximasse do Sacrário. Hoje, para além de sabermos que a doença de lepra é a menos contagiante das doenças infecciosas, devemos dirigirmo-nos frequentemente à fonte – A Eucaristia, para contagiar o mundo de que é possível construir a esperança.

Ao terminar este capítulo, não queria encerrá-lo sem prestar homenagem ao P. Damião, já que estamos a celebrar o aniversário da nossa Instituição e porque vamos entrar na celebração do 120º aniversário após a sua morte. A homenagem que presto, não é apenas o trabalho que todos nós realizamos na luta contra a lepra e todas as lepras do mundo de hoje, mas também recordar o que alguns jornais ingleses comunicaram, aquando da morte do Apóstolo dos Leprosos de Molokai e que passo a transcrever:

Do jornal “O Times”: ”O P. Damião transformou uma leprosaria numa colónia modelar, digna de servir de exemplo a todas as do Pacífico… O seu trabalho acabou, a hora de repouso bem reconhecido chegou para ele e não será preciso esperar sessenta anos para chegar também a hora da sua beatificação! …”.

Estas declarações do Jornal Times foram publicadas em 1936. Tal como o jornal relatava, não foi preciso esperar 60 anos para a sua beatificação. Foram necessários precisamente 59 anos. Em 1995, a 4 de Junho, P. Damião era beatificado pelo Papa João Paulo II, que se deslocara propositadamente à Bélgica. Era a primeira beatificação, realizada fora do Vaticano, como sinal de que o Papa João Paulo II sentia uma grande admiração pelo P. Damião. Senti nesta beatificação, a que tive a alegria de participar, de que o P. Damião foi um homem de Deus para os homens de Deus. Continuando algumas citações dos jornais ingleses, desta vez com o “Morning – Post” - ” A verdade, tem ultrapassado, neste caso, a ficção e o mais simples dos mortais, transformou-se em um verdadeiro herói. O P. Damião repousa hoje no seu túmulo de leproso e o mundo reconhece, uma vez mais, qual mal sabe distinguir quais são os maiores.

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Finalmente, o “Daily Telegraph” (de 11 de Maio de 1889) terminava, por sua vez, duas colunas de grande elogio com estas palavras: ”Este padre católico tornou-se para a humanidade inteira um amigo. O desprezo glorioso pela sua própria vida, a corajosa interpretação do Evangelho do seu Mestre, tornaram a sua memória extremamente venerada. Não podemos lamentar a sua morte, devemos sim, louvá-la, bendizê-la e agradecê-la, julgando por certo que tudo é melhor presentemente para o P. Damião.”

Podíamos multiplicar até bem longe estas e outras citações, escolhendo entre tantos testemunhos. Recordo apenas um: “Dois seminaristas já no final da sua teologia e um pouco confusos se deviam ser ou não sacerdotes, depois de verem o filme “O Herói do Molokai da Ilha Maldita”, saíram da sala de cinema em direcção ao Seminário. O seu percurso demorou quase uma hora, sem no entanto, dizerem uma palavra um ao outro. Quando abrem os portões do Seminário, disseram um ao outro – “Agora quero ser missionário”. ”

Poderíamos dar continuidade com outros testemunhos, mas é bem preferível procurar dizer rapidamente o que os justifica e por que meios um simples missionário católico soube despertar uma tão ardente e universal simpatia entre aqueles que não são nem compatriotas, nem seguidores da sua religião.

Após 120 anos do seu falecimento, o P. Damião deu-nos um tão grande exemplo de renúncio e de caridade que mesmo os que estão na linha da frente do heroísmo não apresentam muitos semelhantes.

Logotipo do célebre Jornal “O TIMES“, que publicou muitas reportagens sobre as acções heróicas do P. Damião de Molokai.

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“ Damião é golpeado igualmente pela lepra. Viverá todas as etapas da doença continuando, no entanto, o seu trabalho diário junto dos seus queridos leprosos. “

O Autor

CAPÍTULO VBIOGRAFIA RESUMIDA DO P. DAMIÃO DE MOLOKAI

Como o P. Damião, também eu, à semelhança de outros Missionários, que demandaram estas terras, me encontro numa ilha, no Golfo da Guiné, vivendo angústias, as dores e as esperanças deste povo. Oxalá possamos imitar o P. Damião – O Apóstolo dos Leprosos e sermos uma luz de Evangelho para as gentes deste pequeno país de África.

D. Manuel António Mendes dos SantosBispo de São Tomé e Príncipe - São Tomé, 12 de Setembro de 2007

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Nota introdutória ao Capítulo V

Na breve e resumida biografia que apresento sobre o P. Damião de Veuster, pretendo apenas dar a conhecer o herói de Molokai, desde a sua infância até ao momento da sua beatificação, a que tive a maior alegria em participar, no dia 4 de Junho de 1995, em Bruxelas.

Foi exactamente neste dia, um dia chuvoso e muito frio em Bruxelas, que melhor entendi as virtudes do Missionário do Amor. No momento, em que João Paulo II o proclama Bem-Aventurado, o sol brilhava nos céus de Bruxelas.

Nos dias em que trabalhamos com paixão nesta nobre missão, uma luz brilha nos céus da fraternidade universal. Que ele brilhe nos nossos corações, hoje e sempre.

Estátua do P. Damião, de Autoria de Frans Reyners (1992), localizada em Lovaina/Bélgica.

BIOGRAFIA RESUMIDA DO P. DAMIÃO DE MOLOKAI

1840 – O nascimento de Joseph De Veuster

Tremelo, uma pequena aldeia situada entre Lovaina, Aarschot e Malines. É lá que nasce Joseph, a 3 de Janeiro de 1840. É o sétimo e penúltimo filho da família De Veuster. Seu pai Frans e a sua mãe Anna-Katrien (conhecida por Cato), possuem uma pequena exploração agrícola e um pouco mais de terrenos.

1853– Uma curta infância

Quando Panfílio, o seu irmão mais velho 3 anos, entra na Congregação dos Sagrados Corações, em Lovaina, Joseph, um pequeno mas feliz rapaz, também conhecido por Jef, tem de deixar a escola pelos treze anos para ajudar os seus pais nos trabalhos da exploração agrícola e no comércio dos grãos do seu pai.

1859 – Como Joseph de Veuster se torna Damião

Jef, um adolescente muito activo, tem cada vez mais consciência da sua

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Esta pintura reflecte todo o trabalho heróico do Missionário Louco, P. Damião de Molokai, o Apóstolo dos Leprosos.

vocação religiosa. Decide, aos 19 anos, traçar o seu próprio caminho, mesmo contra a vontade dos seus pais. Começa o seu noviciado em Lovaina, onde recebe o nome de Damião. Após seis meses, fez uma forte pressão junto dos seus superiores que o autorizam a iniciar os seus estudos de sacerdócio.

1869 – Damião alcança Molokai

Ao seu irmão é-lhe confiado uma missão nas Ilhas do Hawai. Sofrendo de tifo, ele não pode, entretanto, partir para o Hawai. É deste modo que Damião se oferece para substituir o seu irmão, apesar de não ser ainda ordenado padre. Chegará a Honolulu após uma longa viagem de 148 dias. Este momento decisivo e heróico na vida de Damião alterará a vida de milhares de outras pessoas.

1873 – A colónia de Molokai

Damião é comovido pela história de um Bispo. Os leprosos ocupam um recanto de Molokai numa colónia fechada ao mundo exterior. Bloqueados entre o mar e as montanhas agrestes, apenas têm que esperar a morte. Damião sente que os deve ajudar. Vence o inferno de Molokai e ficará, para sempre, como o verdadeiro pioneiro da ajuda ao desenvolvimento.

1880 – O leproso entre os leprosos durante 16 anos

Damião não considera os leprosos nem como pecadores, nem como marginalizados, mas como amigos. Partilha a sua vida e é ao mesmo tempo polícia, enfermeiro, professor, carpinteiro, agente funerário e missionário. Constrói casas para os leprosos e cultiva as suas hortas. Embora esteja plenamente consciente do risco do contágio, ele entrega-se totalmente aos leprosos, realizando todo e qualquer trabalho.

1886 – Desperta o mundo e recorre à consciência das pessoas

Nenhum ser humano deveria suportar a excomunhão, muito menos uma horrível condenação à morte. Tal é a mensagem que P. Damião lança ao governo de Honolulu, através das suas cartas. Reclama ajudas e apoio material para os leprosos. As suas cartas tornam-se famosas. Mais importante ainda: suscitam apoio financeiro do mundo inteiro.

1889 – A morte de um leproso

O inevitável chega: Damião é golpeado igualmente pela lepra. Viverá todas as etapas da doença continuando, no entanto, o seu trabalho diário junto dos seus queridos leprosos. Damião morrerá segunda-feira, 15 de Abril, com 49 anos de idade. Deseja ser enterrado ao lado dos seus amigos. Mas vive para sempre através do testemunho heróico que deu ao mundo.

1945 – Damião segundo Gandhi

“O mundo da política, do jornalismo e de outras áreas conta com poucos heróis comparáveis ao P. Damião de Molokai. Vale bem a pena procurar a fonte de onde extraiu a inspiração de tanto heroísmo.” Tais foram as palavras do Mahatma Gandhi.

1989 – 100 Anos após a sua morte

Tremelo, a aldeia natal do P. Damião é o palco de numerações e brilhantes prestações. A apoteose destas celebrações foi, sem dúvida nenhuma, o cortejo histórico do P. Damião. Os habitantes de Tremelo querem mostrar ao mundo, que o P. Damião ocupa sempre um lugar muito importante na sua vida.

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1995 – Beatificação do P. Damião pelo Papa João Paulo II

“O Papa João Paulo II beatifica Damião de Veuster, no dia 4 de Junho de 1995, Domingo. 120 anos após o seu falecimento, P. Damião continua a viver. É ainda hoje um sinal de esperança”. O seu amor apaixonado pelos leprosos continua, ainda hoje, a contagiar muitos homens e mulheres, que, pelo mundo da pobreza e das desigualdades continuam a ser sementes de esperança.

O Papa João Paulo II desloca-se prepositadamente à Bélgica, em sinal de reconhecimento, para beatificar o Apóstolo dos Leprosos: P. Damião de Molokai.

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POSFÁCIO

O PROFETA DE MOLOKAI

É com imensa alegria que a Associação Portuguesa de Solidariedade Mãos Un-idas P. Damião, através da Direcção, se associa à efeméride do 120º aniversário da morte do P. Damião através da publicação desta singela obra.Este livro, escrito pelo Fundador da nossa Instituição - Mário Nogueira, test-emunha bem todo o seu empenho e dedicação à causa do Herói de Molokai.

Com grande simplicidade, Mário Nogueira apresenta-nos de um modo pungente a vida e obra do Beato P. Damião de Veuster.

É meu sincero desejo e da Direcção, que todos os Sócios e Colaboradores leiam este livro e verdadeiramente o possam saborear.

João Matos FortunaPresidente da Direcção

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POSFÁCIO

O PROFETA DE MOLOKAI

É com imensa alegria que a Associação Portuguesa de Solidariedade Mãos Unidas P. Damião, através da Direcção, se associa à efeméride do 120º aniversário da morte do P. Damião através da publicação desta singela obra.Este livro, escrito pelo Fundador da nossa Instituição - Mário Nogueira, testemunha bem todo o seu empenho e dedicação à causa do Herói de Molokai.

Com grande simplicidade, Mário Nogueira apresenta-nos de um modo pungente a vida e obra do Beato P. Damião de Veuster.

É meu sincero desejo e da Direcção, que todos os Sócios e Colaboradores leiam este livro e verdadeiramente o possam saborear.

João Matos FortunaPresidente da Direcção

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ÍNDICE

Prefácio ......................................................................................................................................

Apresentação do Autor .........................................................................................................

CAPÍTULO I: P. DAMIÃO DE MOLOKAI: UM HOMEM DE TODOS OS TEMPOS ...................................................

Nota introdutória ao Capítulo II ..........................................................................................

P. Damião: um homem do nosso tempo mundialmente conhecido .......................

Desejavam que fosse negociante, Damião torna-se Missionário ...................................

As Ilhas do Molokai no século XIX ....................................................................................

Leproso entre os leprosos ou o combate contra a lepra ...............................................

P. Damião, mundialmente conhecido e reconhecido ...................................................

O exemplo e a obra do P. Damião continua .....................................................................

P. Damião: O Missionário da Esperança ........................................................................

P. Damião: O Missionário Corajoso ...............................................................................

P. Damião: Uma opção para os mais pobres e excluídos ...........................................

Voluntário para o Desenvolvimento .....................................................................................

P. Damião de espírito aberto: Um espírito ecuménico ...............................................

CAPÍTULO II: P. DAMIÃO DE VEUSTER: O LEPROSO ENTRE OS LEPROSOS ........................................................

Nota introdutória ao Capítulo II .......................................................................................

Hoje o Padre Damião permanece ainda como uma fonte de inspiração ..........................

Padre Damião: Um Missionário multifacetado ...............................................................

P. Damião: Uma personalidade fora do comum, uma vida excepcional ......................

A infância do P. Damião ...................................................................................................

Os anos de internato ..............................................................................................................

Junto dos Padres Picpus .......................................................................................................

P. Damião: O Missionário aventureiro ............................................................................

Trabalhar com e pelos leprosos ...........................................................................................

Leproso entre os leprosos ....................................................................................................

Doze personalidades numa só ..............................................................................................

A morte do P. Damião .......................................................................................................

CAPÍTULO III: P. DAMIÃO DE VEUSTER: OHERÓI DE MOLOKAI ....................................................................................

Nota introdutória ao Capítulo III ......................................................................................

P. Damião de Veuster: A sua infância familiar ...............................................................

As Ilhas Hawaianas ................................................................................................................

Molokai: A “ilha maldita” ...................................................................................................

A presença de uma igreja viva no meio dos leprosos .........................................................

P. Damião preparou o futuro ...............................................................................................

O despertar da consciência universal ..............................................................................

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Uma nova atitude – A mudança de transformação .......................................................

P. Damião: O Missionário Louco ......................................................................................

P. Damião de Molokai: O seu testemunho contagiou ..................................................

As respostas aos testemunhos heróicos do P. Damião .............................................

Associação Portuguesa de Solidariedade Mãos Unidas P. Damião em Portugal e no Mundo ..............................................................................................................................

CAPÍTULO IV: P. DAMIÃO DE MOLOKAI :O CONSTRUTOR DA ESPERANÇA ...........................................................

Nota introdutória ao Capítulo IV .........................................................................................

P. Damião decide ser Arauto da Boa Nova ........................................................................

Os primeiros meses nas Ilhas do Hawai ..........................................................................

O espírito empreendedor e organizador do P. Damião ....................................................

A miséria moral e material das Ilhas do Molokai ..............................................................

P. Damião: O mais feliz dos Missionários ..........................................................................

P. Damião: Um exemplo sublime da caridade ...................................................................

Os registos do pintor Edward Clifford ...............................................................................

Últimos momentos de vida do P. Damião .....................................................................

Os ecos da morte do P. Damião ........................................................................................

Os restos mortais do P. Damião regressam à sua terra natal ....................................

Hoje, passados 120 anos após a sua morte ..................................................................

Capítulo V: BIOGRAFIA RESUMIDA DO P. DAMIÃO DE MOLOKAI ..............................................................................Nota Introdutória ao Capítulo V .........................................................................................

Biografia Resumida do P. Damião de Molokai ............................................................

Posfácio ......................................................................................................................................

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