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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Estudos Sociais e Políticos Seminário de Projeto de Tese Pablo Nunes INTRODUÇÃO A partir da redemocratização iniciada na década de 1980 no Brasil, novas e antigas preocupações voltaram à tona dentro da agenda pública. Em 1982 a escolha de governadores por meio do voto direto encontrou novo começo, após o período ditatorial, quando os governadores eram eleitos de forma indireta 1 . Junto às eleições vieram as disputas por espaço político e na agenda de questões em diferentes esferas. Esse novo período democrático propiciou que demandas e preocupações da sociedade voltassem a ocupar um espaço privilegiado dentro da política. O caso do Rio de Janeiro se coloca de maneira específica no que se refere a segurança pública. A chegada dos traficantes integrados ao mercado internacional da droga irá modificar o status das favelas cariocas e será consolidada a linguagem com que ficará conhecido esse período de recrudescimento da violência no Rio de Janeiro: a “linguagem da violência urbana” (MACHADO DA SILVA, 2008). Consolida- se assim a mudança em que a linguagem dos direitos dá lugar a uma 1 A partir do Ato Institucional nº 3 ficou vedada a eleição direta para governadores. Segundo o Art. 1º “A eleição de Governador e Vice-Governador dos Estados far-se-á pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, em sessão pública e votação nominal”. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-03-66.htm . Acesso em 28 ago. 2015. 1

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Universidade do Estado do Rio de JaneiroInstituto de Estudos Sociais e Políticos

Seminário de Projeto de TesePablo Nunes

INTRODUÇÃO

A partir da redemocratização iniciada na década de 1980 no Brasil, novas e antigas

preocupações voltaram à tona dentro da agenda pública. Em 1982 a escolha de

governadores por meio do voto direto encontrou novo começo, após o período ditatorial,

quando os governadores eram eleitos de forma indireta1. Junto às eleições vieram as

disputas por espaço político e na agenda de questões em diferentes esferas. Esse novo

período democrático propiciou que demandas e preocupações da sociedade voltassem a

ocupar um espaço privilegiado dentro da política.

O caso do Rio de Janeiro se coloca de maneira específica no que se refere a

segurança pública. A chegada dos traficantes integrados ao mercado internacional da droga

irá modificar o status das favelas cariocas e será consolidada a linguagem com que ficará

conhecido esse período de recrudescimento da violência no Rio de Janeiro: a “linguagem da

violência urbana” (MACHADO DA SILVA, 2008). Consolida-se assim a mudança em que a

linguagem dos direitos dá lugar a uma retórica de manutenção da ordem pela via da

linguagem da violência (MACHADO DA SILVA, 2015).

Dessa forma a preocupação com a segurança pública cresce da mesma forma que a

violência na cidade. Mais do que isso, a preocupação com a violência objetiva é insuflada

com o medo criado pela violência que circula pela cidade por meio de relatos, histórias

(CALDEIRA, 2000) e também por meio das diferentes mídias e que por fim acabam se

cristalizando em “crenças do perigo” (BORGES, 2011).

Uma questão que é de interesse de toda a sociedade é a segurança pública. No que

tange à situação do Rio de Janeiro especificamente, o tema da segurança pública passa a

ocupar espaço central dentro da agenda pública (HOLLANDA, 2005; SOARES, 2003) sendo

a grande questão mobilizada nos anos eleitorais. De certa forma, a segurança pública

1 A partir do Ato Institucional nº 3 ficou vedada a eleição direta para governadores. Segundo o Art. 1º “A eleição de Governador e Vice-Governador dos Estados far-se-á pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, em sessão pública e votação nominal”. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-03-66.htm. Acesso em 28 ago. 2015.

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adquiriu espaço privilegiado dentro da agenda política, nas discussões da opinião pública e

na cobertura jornalística.

Depois do último governador eleito indiretamente pelo regime militar (Chagas

Freitas), em 1979, o atual período de eleições diretas para governador do Estado do Rio de

Janeiro (antigo Estado da Guanabara) se iniciou. A primeira eleição para governador no Rio

de Janeiro se deu em 1982, quando foi eleito Leonel Brizola, do Partido Democrático

Trabalhista. Em seguida, mais oito eleições ocorreram, respeitando os intervalos de quatro

anos de mandato. Apesar de eleitos, três governadores (Leonel Brizola, Anthony Garotinho

e Sérgio Cabral Filho) renunciaram antes de terminarem seus mandatos, assumindo seus

vice-governadores. Assim, o período atual de eleições diretas para governadores no Rio de

Janeiro já possui 33 anos, 15 anos a mais do que o período em que as eleições para

governador foram suspensas pela ditadura civil-militar.

Em contexto democrático, a competição eleitoral tende a ampliar o espaço de

atuação da mídia, por ser um período em que os atores políticos em disputa necessitam se

elaborar discursivamente, e apelam para o espaço da mídia já que este se configura como

uma fonte legítima de informação (DIAS, 1996). Durante as eleições, a agenda política se

torna mais sensível às diversas disputas que se formam entorno das questões que se

constroem como problemas a serem resolvidos pelo poder público. Na construção desses

problemas, a mídia tem papel fundamental, dando visibilidade a certos enquadramentos da

realidade, colocando-os no espaço público para discussão.

As noticiais são aqui entendidas como resultado de um processo de produção que

implica a seleção, transformação e seu posterior consumo (BECKER, 2009; TRAQUINA,

2012), em uma interação dinâmica que tem implicações políticas importantes. Dentro das

sociedades modernas, a disputa por espaço no mass media passa a representar de muitas

formas o sucesso ou fracasso de determinada bandeira política e consequentemente

fracasso eleitoral. Nesse ambiente, fazer com que as necessidades próprias dos políticos

coincidam com as necessidades de acontecimentos dos profissionais do campo jornalístico

torna-se o alvo prioritário da estratégia eleitoral (MOLOTCH E LESTER apud. TRAQUINA,

2012).

A mídia se apresenta como uma das instituições decisivas nas disputas eleitorais

(ABREU; LATTMAN-WELTMAN; KORNIS, 2003; MCCOMBS; SHAW, 1972; MCCOMBS,

1992). Aliado a preocupação central com a segurança pública e a violência, temática que é

privilegiada pela cobertura midiática (RAMOS; PAIVA, 2005; RAMOS, 1994, 2014), como

também a imbricação entre a violência, política e suas tentativas de resolução do “problema”

(MINGARDI, 2013; SOARES, 2003, 2007), formam-se relações entre esses elementos, que

estarão em diálogo constante, encontrando maior visibilidade e sensibilidade nos anos

eleitorais. Como forma de captar os julgamentos da população, as eleições são aqui 2

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entendidas como um processo de autorização e desautorização do exercício do poder por

meio de avaliações acerca das políticas levadas a cabo durante o mandato anterior (GAMA

NETO, 2011). É relevante estudar a veiculação midiática de representações sociais acerca

da violência nas democracias contemporâneas (PORTO, 2009) e essa importância se torna

mais evidente quando se trata das eleições

OBJETIVO

Tomando a ideia de que mídia, segurança pública e eleições envolvem temas e

agentes específicos em interação, a questão que se coloca é: de que forma o jornal

fluminense construiu seu discurso acerca da segurança pública nos anos eleitorais para o

executivo estadual no pós ditadura civil-militar (1964-1985)? A cobertura positiva ou

negativa do tema implicou ou influenciou a reeleição ou eleição de sucessores para o cargo

de governador?

Alguns objetivos específicos se depreendem destes como forma de expandir as

questões como também adensá-las:

Recuperar dados relacionados à segurança pública nesses períodos

(decretos, normas e estatísticas criminais) para contrastar com a cobertura

dos jornais nos anos eleitorais;

Comparar os anos eleitorais para verificar se existem diferenças significativas

entre as coberturas;

Comparar os discursos de dois veículos nesses anos eleitorais para verificar

se há diferenças significativas;

Caracterizar cada ano eleitoral pelos temas mobilizados e por suas

frequências no material jornalístico. Refere-se a “temas” como sendo alguns

assuntos específicos dentro das questões próprias da segurança pública,

como por exemplo: aumento do efetivo policial, compra de novo armamento,

ações policiais como blitz e operações, corrupção, etc.

HIPÓTESES

As hipóteses principais desse trabalho estão construídas sobre duas hipóteses

existentes nas bibliografias sobre o assunto. Em relação à segurança pública, com a

redemocratização houve a abertura do espaço público para disputas entorno de agendas e

questões de interesse da sociedade, sendo a segurança uma das questões mais sensíveis

(SOARES, 2003). Nesse sentido, a agenda da segurança pública passa a ser a de maior

proeminência dentro do contexto violento (objetivamente e subjetivamente) do Rio de

Janeiro. Em sendo um tema de relevância social, a violência urbana passará a figurar nas

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páginas dos jornais do estado cotidianamente (RAMOS, 1994) produzindo medo (BORGES,

2011) e insegurança. Adicionalmente se inclui o papel proeminente que a mídia recebe

dentro da sociedade atual, fornecendo os principais elementos simbólicos para que o eleitor

possa realizar sua escolha no dia da eleição (LATTMAN-WELTMAN, in ABREU et. al, 2003).

Decorrente desses dois entendimentos, espera-se que as análises realizadas

encontrem diferenças significativas no que se refere a cobertura sobre segurança pública

nos anos eleitorais. Contrariando o entendimento que vê a mídia como um “Quarto Poder”,

um “cão de guarda” que busca proteger os interesses da população sem interesses políticos

próprios (TRAQUINA, 2012), é esperado que algumas ações na segurança pública recebam

uma cobertura mais negativa da mídia. Em específico, políticas que não visem o

endurecimento das ações da polícia, ou que pretendam investir em prevenção primária da

violência por meio de outros braços do estado devem receber cobertura negativa, ou uma

cobertura neutra e sem espaço privilegiado. No outro polo, ações de endurecimento policial

devem receber maior atenção da mídia, recebendo espaço privilegiado e valorização

positiva. Essa hipótese se baseia em uma certa dicotomia que permeia as disputas entorno

da segurança pública, que divide uma perspectiva de garantia dos direitos humanos com

outra que vê a segurança pública como uma ferramenta de acirramento da repressão de

todo desviantes social (HOLLANDA, 2005:20).

Também é esperado que a cobertura possua diferenças significativas no que se

refere ao vulto que receberam em relação aos índices de criminalidade. A cobertura de

casos isolados e “dramáticos” devem aparecer como um fator de legitimidade para o

endurecimento de certas práticas, principalmente da Policia Militar, o braço ostensivo da

segurança pública. A demanda da mídia deve receber acolhimento dentro dos decretos e

normativas internas da PMERJ dado a pressão da opinião pública, nesse caso o jornal, e a

lógica de funcionamento da Polícia Militar, que opera por meio do flagrante, resposta rápida

a demanda social. Por fim, espera-se que as coberturas em relação as diferentes

eleições/anos, os diferentes veículos, e as regiões consumidoras apresentem resultados

diferentes em cada situação.

METODOLOGIA

O Globo acumula desde 2002 a grande maioria das primeiras posições na listagem

de maiores jornais do Brasil, segundo a tiragem média (em 2002, 2008 e 2011 a liderança

foi assumida pelo Extra, jornal do mesmo grupo editorial). O segundo grupo editorial com

maior tiragem no Rio de Janeiro é a Editora O Dia S/A, que possui o seu jornal homônimo e

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o Meia Hora dentro da listagem. Em face da análise, será escolhido O Dia por se adequar

melhor ao formato jornalístico do O Globo2.

Será utilizada a análise das capas dos jornais, pois são os elementos do jornal que

tem maior poder comunicativo do que as matérias do seu miolo, por apresentarem um

resumo do que os editores consideram mais relevantes e que supostamente atrairiam mais

os seus leitores (BEZERRA, 2005; DIAS, 1996; HERÉDIA, 2008). Além disso, será utilizado

o método de semana composta com fins a construir aleatoriamente semanas com dias de

meses diferentes, para que o padrão da cobertura do jornal não fique comprometido (RIFFE;

AUST; LACY, 1993). Serão construídas seis semanas para cada ano e para cada jornal,

realizando o sorteio de um dia por semana. Assim, todos as semanas do ano serão

representadas por um dia, e o padrão das edições semanais dos jornais será assimilado

pela análise.

Ano eleitoral Início da Análise Dia da Eleição1982 15/11/1981 15/111986 15/11/1985 15/111990 03/10/1989 03/101994 15/11/1993 15/111998 25/10/1997 25/102002 06/10/2001 06/102006 29/10/2005 29/102010 03/10/2009 03/102014 26/10/2013 26/10

Ano Controle Início Fim1984 15/11/1983 15/11/19841988 15/11/1987 15/11/19881992 03/10/1991 03/10/19921996 15/11/1995 15/11/19962000 25/10/1999 25/10/20002004 06/10/2003 06/10/20042008 29/10/2007 29/10/20082012 03/10/2011 03/10/20122016 26/10/2015 26/10/2016

Construída a amostra, será realizada a análise de valências das manchetes de capa

dos jornais, classificando em positivo, negativo ou neutro o seu conteúdo (FERES JÚNIOR

et al., 2014; HERÉDIA, 2008). Também serão classificadas em relação ao tema a que se

referem (saúde, educação, segurança pública, etc.) e a quem se referem (políticos em

disputa eleitoral para o cargo de governador). Com esse material serão realizadas análises

para verificar se as valências se distribuem de maneira diferenciada em cada candidato e

2 Fonte: Associação Nacional de Jornais. Disponível em: http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/. Acesso em 14 ago. 2015.

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em cada tema. Como forma de dar substância ao posicionamento adotado pelo jornal para

com um candidato em específico, será realizada a análise qualitativa do material, buscando

evidenciar o caráter das notícias vinculadas a tal candidato.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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