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16 de Fevereiro de 2019 Ano LXXV N.° 1955 Quinzenário Jornal de Distribuição Gratuita P AI Américo dizia-o convictamente: «A obra não é minha; a obra é de Deus.» Mas como distinguir de quem a iniciativa, dos homens ou de Deus? Já no início da Igreja nascente, Gamaliel referia aos Chefes religiosos que se a obra dos apóstolos era dos homens, cairia por si mesma. Ainda há tempos, um nosso assi- nante dizia algo semelhante: «… O meu con- tributo humilde para esta Fantástica Obra, que é Obra de Deus, pois, se não fosse, já teria acabado». O modo de Deus agir é a caridade. Deus é amor; Deus é caridade. A caridade é Deus em acção. A caridade não é capacidade do homem mas dom que Deus lhe comunica e o torna capaz. As obras humanas edificadas pela cari- dade são obra de Deus. É Deus que toma a iniciativa de as criar, que infunde no cora- ção do homem o desejo de as realizar. Tor- nam-se assim, como dizia Pai Américo, obras humanas de sabor divino. Junta-se ao que é imperfeito a perfeição do amor de Deus em movimento. Daí, fica o sabor do perfeito na obra imperfeita. A iniciativa é de Deus. O homem dá-se como instrumento, conduzido nas mãos d’Ele. O instrumento não diz o que fazer, ele faz segundo a inspiração e o querer do Artista, do Criador. Quando o homem age por sua iniciativa na realização do bem, ele faz solidariedade. A caridade DA NOSSA VIDA Padre Júlio U MA das funções do Património e, tal- vez a mais importante, é despertar a consciência colectiva da humanidade para a situação terrível das famílias sem tecto. Quem cresceu e progrediu na solidez de um lar, não tem capacidade para medir o sofrimento causado às famílias pela falta de uma morada condigna. Como só apreciamos a saúde quando chega a doença, assim o viver no saboroso aconchego do lar impede-nos de apreciar o desconforto de uma tenda ou uma barraca, geladas, sem água nem luz. Esta quinzena esmagou-me — sim, é o termo — sinto-me esmagado por tantos casos sem solução. Uma mulher grávida com filhos, a qual eu sentei à mesa com o marido e me veio pedir auxílio para arranjar uma casinha, telefonou-me angustiada, pela dolorosa situação em que se encontra e, a chorar, implorou-me que lhe acudisse, pois com a gravidez muito adiantada contraiu uma infecção urinária por na barraca não ter água para se lavar, nem fria, nem quente. O hospital que a socorrera, mandou-a para fora com os remédios… mas ela não tinha meios para se curar. Chorava aflita a pedir-me por tudo, pois estava com medo de morrer naquela enregelada barraca, que não encontrava casa para alugar mas só para comprar. Que lhe havia de dizer? Sim, como arrancar aquela mulher de tão sórdida miséria? Como? Dói-se ela e os filhos, os quais correm o risco de ficar sem a mãe, o marido sem esposa e a criança sem vida!... Uma tragédia sem solução à vista. Encontrei outra mãe de família com cinco filhos pequenos, abandonada do marido, com parte das janelas da casa par- tidas e roubadas, sem luz, sem torneiras na casa de banho e na cozinha esburacada. A esta, já mandei arranjar a luz e pedi urgên- cia a quem trabalha com alumínio e espero brevemente tapar naquela nua casa as cor- rentes frias de ar que a tornam inabitável, arranjar-lhe a cozinha e mobilar-lhe toda a casa para transmitir um aspecto de con- forto a todas aquelas crianças. A alimentação tem sido por nossa conta que duas vezes por semana a visitamos. Abandonada, conforta-se com o amparo da vizinhança que lhe tem dado alimento para a mais pequenina, de meses. Como o Padre Américo, verifico esta realidade sempre nova: Quem vale aos pobres são pobres. Com três filhos, uma menina ainda de colo, apareceu-me outra a pedir-me 1280 euros para arrendar uma casa. O senhorio exigia-lhe três meses de caução. As crianças exibiam um aspecto bom, limpas e bem vestidas, mas a mãe não. De olhos encovados, magra e anémica, cor- tava o coração olhá-la. Fugira de Lisboa para casa de uma amiga que mora no Viso, Continua na página 4 MALANJE Padre Rafael O Padre Américo deu-nos uma das tarefas mais belas e, ao mesmo tempo, mais difíceis, que um homem pode enfrentar na vida: ser padre da Rua. Ao mesmo tempo deixou-nos a Obra da Rua à qual nos devíamos entregar sem reservas. Ser padre da Rua supõe, em primeiro lugar, fazer credível que os Pobres neces- sitam de um ambiente familiar para se poderem recuperar e crescer saudavel- mente. Para um padre da Rua a família no seu estado mais básico é: pai, mãe e filhos. Quando essa família não está completa ou se quer suprir por outros tipos de estrutu- ras, a Obra se desvirtua. O mesmo Padre Américo criou uma organização voltada para a sociedade, mas isso não a autoriza a interferir na sua vida familiar. Ser padre da Rua, em segundo lugar, é ser pai com suas virtudes e defeitos. Como pais de família ocupam o lugar que lhes corresponde. Todos os que tivemos a ale- gria de ter um pai, sabemos engrandecer os seus dons e desculpar as sua deficiên- cias. Deste modo e em comunhão com a Esta é uma capacidade sua. Mas a cari- dade é dom recebido, não uma capacidade humana. É assim que surgem as obras que são palavra nova, concretizada pelo homem frágil, de que Deus Se serve para transformar o mundo, confundindo os fortes e os sábios. A caridade é Deus a agir no homem para, pelo homem, se fazer obra. Nas obras da solidariedade, ainda que meritórias, tendem os seus obreiros a ufa- nar-se. Quanto mais crescem as obras maior o perigo de queda. Sendo eles a medida, a queda é iminente. Nas obras nascidas da caridade, embora sujeitas aos mesmos perigos, têm os seus obreiros na consciência da sua fragilidade, da sua pequenez, a sua protecção: «Eu sou cinza, eu sou poeira, eu sou nada, eu sou um homem cheio de defei- tos..», repetia a viva voz Pai Américo. «O Padre Américo é um manietado como todos vós. Vai. Impelido. Cumpre o mandado. Nós somos mandados. É Deus que escolhe a hora. Que escolhe o lugar. Que dá o toque. Que ajuda a realizar e termina a realiza- ção.» O que nasce na solidariedade, nasce da iniciativa dos homens. Estes põem todo o mérito em si. O que nasce da caridade, nasce da iniciativa de Deus. Os seus obrei- ros põem todo o mérito em n’Ele. «É preciso que se compreendam estas verdades eternas para não atribuir as obras a pessoas que não são os autores. Nós somos apenas os execu- tores. É preciso pôr Deus no Seu lugar!» q mãe, tentam transmitir o melhor deles aos filhos. Os padres da Rua são os legítimos pais das Casas do Gaiato. Ser padre da Rua, em terceiro lugar, é ser um pobre mais. É um padre dos Pobres, para os Pobres, pelos Pobres. Isso quer dizer que os Pobres são os protagonis- tas do seu desenvolvimento e do grande desafio de sair da pobreza. Nas Casas do Gaiato o protagonismo dos gaiatos é indis- cutível e inegociável. Os padres da Rua têm essa tarefa de proteger e garantir que todos vejam que são eles, para que possam recuperar a autoconfiança e acreditar em si mesmos. Todos os dias vemos inúmeras organizações que querem ajudar os Pobres sem lhes dar as rédeas do seu futuro. Os padres da Rua não devem aceitar pessoas que trabalhem, dirijam ou governem coi- sas que podem ser feitas pelos gaiatos. Somos pais de família pobres… Muitas pessoas não conseguem entender o que é um padre da Rua ou da Casa do Gaiato, mas não há dúvida que, se há quem o pode explicar…, pergunta a um gaiato quem é seu pai… q PATRIMÓNIO DOS POBRES Padre Acílio VINDE VER! Padre Quim T ODO o mês de Janeiro, na nossa Casa, é inteiramente dedicado à ten- tativa da resolução de situações ligadas à escolaridade dos nossos rapazes, por se tra- tar de um elemento importante na sua pre- paração para o futuro. Sobre este assunto, todo o esforço é pouco, toda a atenção é dada e tem prioridade sobre qualquer outro assunto. A nossa escola faz parte do con- junto das escolas católicas cujo convénio data desde 1994. Desde esta altura ficou acordado entre o governo e a Igreja que os professores, o sistema de ensino, currí- culos e metodologias seriam proporciona- das pelo Ministério da Educação, cabendo à Igreja a disponibilidade das estruturas físicas para a devida concretização do processo de educação, ensino e aprendi- zagem. Em cada ano cresce o número de estudantes que ingressam na nossa escola. Já faltam espaços para acolher mais crian- ças. Algumas, para não correrem o risco Continua na página 4 Escola

Padre Acílio A caridade U - Obra da Rua · 16 e Fevereiro e 2019 Ano LXXV N.° 955 ... A caridade é Deus em acção. A caridade não é capacidade do homem mas dom que Deus lhe

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Page 1: Padre Acílio A caridade U - Obra da Rua · 16 e Fevereiro e 2019 Ano LXXV N.° 955 ... A caridade é Deus em acção. A caridade não é capacidade do homem mas dom que Deus lhe

16 de Fevereiro de 2019 • Ano LXXV • N.° 1955Quinzenário • Jornal de Distribuição Gratuita

PAI Américo dizia-o convictamente: «A obra não é minha; a obra é de Deus.»

Mas como distinguir de quem a iniciativa, dos homens ou de Deus?

Já no início da Igreja nascente, Gamaliel referia aos Chefes religiosos que se a obra dos apóstolos era dos homens, cairia por si mesma. Ainda há tempos, um nosso assi-nante dizia algo semelhante: «… O meu con-tributo humilde para esta Fantástica Obra, que é Obra de Deus, pois, se não fosse, já teria acabado».

O modo de Deus agir é a caridade. Deus é amor; Deus é caridade. A caridade é Deus em acção. A caridade não é capacidade do homem mas dom que Deus lhe comunica e o torna capaz.

As obras humanas edificadas pela cari-dade são obra de Deus. É Deus que toma a iniciativa de as criar, que infunde no cora-ção do homem o desejo de as realizar. Tor-nam-se assim, como dizia Pai Américo, obras humanas de sabor divino. Junta-se ao que é imperfeito a perfeição do amor de Deus em movimento. Daí, fica o sabor do perfeito na obra imperfeita.

A iniciativa é de Deus. O homem dá-se como instrumento, conduzido nas mãos d’Ele. O instrumento não diz o que fazer, ele faz segundo a inspiração e o querer do Artista, do Criador.

Quando o homem age por sua iniciativa na realização do bem, ele faz solidariedade.

A caridade

DA NOSSA VIDAPadre Júlio

UMA das funções do Património e, tal- vez a mais importante, é despertar a

consciência colectiva da humanidade para a situação terrível das famílias sem tecto.

Quem cresceu e progrediu na solidez de um lar, não tem capacidade para medir o sofrimento causado às famílias pela falta de uma morada condigna.

Como só apreciamos a saúde quando chega a doença, assim o viver no saboroso aconchego do lar impede-nos de apreciar o desconforto de uma tenda ou uma barraca, geladas, sem água nem luz.

Esta quinzena esmagou-me — sim, é o termo — sinto-me esmagado por tantos casos sem solução.

Uma mulher grávida com filhos, a qual eu sentei à mesa com o marido e me veio pedir auxílio para arranjar uma casinha, telefonou-me angustiada, pela dolorosa situação em que se encontra e, a chorar, implorou-me que lhe acudisse, pois com a gravidez muito adiantada contraiu uma infecção urinária por na barraca não ter água para se lavar, nem fria, nem quente.

O hospital que a socorrera, mandou-a para fora com os remédios… mas ela não tinha meios para se curar. Chorava aflita a pedir-me por tudo, pois estava com medo de morrer naquela enregelada barraca, que não encontrava casa para alugar mas só para comprar.

Que lhe havia de dizer? Sim, como arrancar aquela mulher de tão sórdida miséria? Como? Dói-se ela e os filhos, os quais correm o risco de ficar sem a mãe, o marido sem esposa e a criança sem vida!... Uma tragédia sem solução à vista.

Encontrei outra mãe de família com cinco filhos pequenos, abandonada do marido, com parte das janelas da casa par-tidas e roubadas, sem luz, sem torneiras na casa de banho e na cozinha esburacada. A esta, já mandei arranjar a luz e pedi urgên-cia a quem trabalha com alumínio e espero brevemente tapar naquela nua casa as cor-rentes frias de ar que a tornam inabitável, arranjar-lhe a cozinha e mobilar-lhe toda a casa para transmitir um aspecto de con-forto a todas aquelas crianças.

A alimentação tem sido por nossa conta que duas vezes por semana a visitamos.

Abandonada, conforta-se com o amparo da vizinhança que lhe tem dado alimento para a mais pequenina, de meses.

Como o Padre Américo, verifico esta realidade sempre nova: Quem vale aos pobres são pobres.

Com três filhos, uma menina ainda de colo, apareceu-me outra a pedir-me 1280 euros para arrendar uma casa. O senhorio exigia-lhe três meses de caução.

As crianças exibiam um aspecto bom, limpas e bem vestidas, mas a mãe não. De olhos encovados, magra e anémica, cor-tava o coração olhá-la. Fugira de Lisboa para casa de uma amiga que mora no Viso,

Continua na página 4

MALANJE Padre Rafael

O Padre Américo deu-nos uma das tarefas mais belas e, ao mesmo

tempo, mais difíceis, que um homem pode enfrentar na vida: ser padre da Rua. Ao mesmo tempo deixou-nos a Obra da Rua à qual nos devíamos entregar sem reservas.

Ser padre da Rua supõe, em primeiro lugar, fazer credível que os Pobres neces-sitam de um ambiente familiar para se poderem recuperar e crescer saudavel-mente. Para um padre da Rua a família no seu estado mais básico é: pai, mãe e filhos. Quando essa família não está completa ou se quer suprir por outros tipos de estrutu-ras, a Obra se desvirtua. O mesmo Padre Américo criou uma organização voltada para a sociedade, mas isso não a autoriza a interferir na sua vida familiar.

Ser padre da Rua, em segundo lugar, é ser pai com suas virtudes e defeitos. Como pais de família ocupam o lugar que lhes corresponde. Todos os que tivemos a ale-gria de ter um pai, sabemos engrandecer os seus dons e desculpar as sua deficiên-cias. Deste modo e em comunhão com a

Esta é uma capacidade sua. Mas a cari-dade é dom recebido, não uma capacidade humana. É assim que surgem as obras que são palavra nova, concretizada pelo homem frágil, de que Deus Se serve para transformar o mundo, confundindo os fortes e os sábios. A caridade é Deus a agir no homem para, pelo homem, se fazer obra.

Nas obras da solidariedade, ainda que meritórias, tendem os seus obreiros a ufa-nar-se. Quanto mais crescem as obras maior o perigo de queda. Sendo eles a medida, a queda é iminente. Nas obras nascidas da caridade, embora sujeitas aos mesmos perigos, têm os seus obreiros na consciência da sua fragilidade, da sua pequenez, a sua protecção: «Eu sou cinza, eu sou poeira, eu

sou nada, eu sou um homem cheio de defei-tos..», repetia a viva voz Pai Américo. «O Padre Américo é um manietado como todos vós. Vai. Impelido. Cumpre o mandado. Nós somos mandados. É Deus que escolhe a hora. Que escolhe o lugar. Que dá o toque. Que ajuda a realizar e termina a realiza-ção.»

O que nasce na solidariedade, nasce da iniciativa dos homens. Estes põem todo o mérito em si. O que nasce da caridade, nasce da iniciativa de Deus. Os seus obrei-ros põem todo o mérito em n’Ele. «É preciso que se compreendam estas verdades eternas para não atribuir as obras a pessoas que não são os autores. Nós somos apenas os execu-tores. É preciso pôr Deus no Seu lugar!» q

mãe, tentam transmitir o melhor deles aos filhos. Os padres da Rua são os legítimos pais das Casas do Gaiato.

Ser padre da Rua, em terceiro lugar, é ser um pobre mais. É um padre dos Pobres, para os Pobres, pelos Pobres. Isso quer dizer que os Pobres são os protagonis-tas do seu desenvolvimento e do grande desafio de sair da pobreza. Nas Casas do Gaiato o protagonismo dos gaiatos é indis-cutível e inegociável. Os padres da Rua têm essa tarefa de proteger e garantir que todos vejam que são eles, para que possam recuperar a autoconfiança e acreditar em si mesmos. Todos os dias vemos inúmeras organizações que querem ajudar os Pobres sem lhes dar as rédeas do seu futuro. Os padres da Rua não devem aceitar pessoas que trabalhem, dirijam ou governem coi-sas que podem ser feitas pelos gaiatos.

Somos pais de família pobres… Muitas pessoas não conseguem entender o que é um padre da Rua ou da Casa do Gaiato, mas não há dúvida que, se há quem o pode explicar…, pergunta a um gaiato quem é seu pai… q

PATRIMÓNIO DOS POBRESPadre Acílio

VINDE VER! Padre Quim

TODO o mês de Janeiro, na nossa Casa, é inteiramente dedicado à ten-

tativa da resolução de situações ligadas à escolaridade dos nossos rapazes, por se tra-tar de um elemento importante na sua pre-paração para o futuro. Sobre este assunto, todo o esforço é pouco, toda a atenção é dada e tem prioridade sobre qualquer outro assunto. A nossa escola faz parte do con-junto das escolas católicas cujo convénio data desde 1994. Desde esta altura ficou acordado entre o governo e a Igreja que os professores, o sistema de ensino, currí-culos e metodologias seriam proporciona-das pelo Ministério da Educação, cabendo à Igreja a disponibilidade das estruturas físicas para a devida concretização do processo de educação, ensino e aprendi-zagem. Em cada ano cresce o número de estudantes que ingressam na nossa escola. Já faltam espaços para acolher mais crian-ças. Algumas, para não correrem o risco

Continua na página 4

Escola

Page 2: Padre Acílio A caridade U - Obra da Rua · 16 e Fevereiro e 2019 Ano LXXV N.° 955 ... A caridade é Deus em acção. A caridade não é capacidade do homem mas dom que Deus lhe

2/ O GAIATO 16 DE FEVEREIRO DE 2019

LAR DO PORTO Casal Félix

«O ter é importante. Precisamos de trabalhar com o suor do nosso rosto para nosso bem e para que haja a riqueza suficiente para todos viverem com dignidade de filhos de Deus. Mas temos de dar importância ao ser.

Devemos ser generosos nas nossas acções do dia-a-dia, partilhando os nossos bens com os mais carenciados. A nossa alegria, o nosso tempo com aqueles que vivem sós. E infelizmente são tantas as pessoas que vivem sós, não precisam materialmente, mas precisam do nosso carinho.

Por isso, o ter e o ser não são inimigos, mas o mais importante é o ser, é a nossa riqueza que levamos deste mundo».

Vou dar notícias daqueles que o Senhor pôs no nosso caminho: A mãe dos 7 filhos anda sempre na luta da vida para que não falte pão em casa que tem muita boca espera dele. O pai dos filhos continua doente, é menos uma ajuda que ela tem. Os filhos, com Deus, vão tendo saúde. Com a graça de Deus já tem os dentes, nem parece a mesma pessoa, já arranjou umas horinhas para trabalhar, ela anda a lutar a ver se consegue para o tempo todo, anda mais feliz.

A mãe dos 4 filhos continua a andar doente, é muito complicada a vida dela, além de ser doente, tem os filhos com muitos problemas. A filha que teve o bebé há pouco, anda a ver se consegue pôr o filho numa creche para poder ir trabalhar, infelizmente o pai do filho é toxicodependente.

A outra filha, que os filhos lhe foram tirados e estão para adopção, ela anda a ver se consegue arranjar um advogado para, pelo menos, ir visitá-los. Ela está uma pessoa muito diferente, trabalha e já está efectiva, que o Senhor a ajude que ela anda a sofrer muito pela falta dos filhos.

O outro filho que está preso, a mulher dele anda a passar dificuldades para criar os filhos, nós andamos a ver se conseguimos ajudá-la, neste momento está difícil, mas temos fé que o Senhor vai-nos ajudar, tocando o coração dos nossos amigos — que se não fossem eles nós não podíamos ajudar ninguém.

CAMPANHA TENHA O SEU POBRE — Helena, de Lisboa, 300€. Custodia S. Oliveira, D. M. Fernanda Rebelo, António Rebelo Lopes, 50€ cada. José Maria Lima, 25€. Gabriela O. Braga, 200. Fátima Alves, Aura A. Silva e Isabel P. Magalhães, 20€ cada. Moreira C. Moreira, 150€. Mário Augusto, 300€. Otelo Fernando Silva, 5€.

Um muito obrigada a todos só com estas ajudas é que nos podemos ajudar quem mais precisa. q

MIRANDA DO CORVO Rapazes de Miranda

AGROPECUÁRIA — Depois de alguns dias cinzentos e de muita chuva, veio o sol alegrar-nos, con-tinuando muito frio, em especial à noite, vendo-se grandes camadas de geada também nos campos da nossa quinta. Na nossa horta, em cima, ainda temos boas couves (tron-chuda), que se têm cortado para a sopa e conduto. Parte do mato que se cortou, no ano passado, na limpeza dos montes, foi trazido num atrelado para fertilizar a horta. Os terrenos do poço novo e da terra dos grilos (campinho) foram lavrados e fresa-dos; e depois foram semeados vários sacos de aveia. Foram enviados 264 fardos de palha para alimentar os animais da vacaria da nossa Sede e agradecemos muito as partilhas que depois têm vindo. As azeitonas que se colheram nos diversos olivais deram 58 sacos e foram levadas a um lagar de Oliveira do Hospital (Boba-dela), para dar o precioso e saudá-vel azeite. Foram feitas as podas das duas latadas de videiras (uvas

de mesa) e das latadas dos kiwis, das árvores do pomar (em cima e no nosso quintal da tia Adelina) e dos vimes, que depois serviram para amarrar as varas. Também se poda-ram as roseiras e vários arbustos. Neste ano agrícola, as tangerineiras e os diospireiros ficaram carregadi-nhos, pelo que temos comido muita fruta dessa, que faz muito bem e o ideal seria colher-se para todos, pois tem havido uns espertinhos que dei-xam ficar as cascas.

Nasceram mais dois cordeiros, ficando nós a contar no nosso rebanho com quatro borregos (três machos e uma fêmea), mas um perdeu-se no parto. Uma ovelha, que já esteve mal e recuperou, adoeceu outra vez e foi tratada (por uma médica vete-rinária, da Cooperativa de Coimbra) e melhorou, pois não queremos per-der nenhuma. Também nos deram (de Ansião) uma ovelhita, vários pintos e galinhas, que agradecemos. Foram depenados vários frangos, da nossa criação, para a panela. Temos

alguns gatos e o sítio deles é o bar-raco e arredores, na zona do gado, onde também procuram caçar ratos. A desinfestação geral é feita por uma empresa certificada, de Vialonga.

ARRANJOS — O lindo presé-pio que fizemos, no átrio dos anti-gos balneários, com pena nossa foi desmontado até à próxima quadra natalícia. Foi comprado um mocho, de plástico, que se colocou no cume do telhado do refeitório para assus-tar as pombas. Para a salamandra, no refeitório, vai-se cortando lenha à medida e foi um bom melhoramento para nós, no tempo frio. Um móvel de sala e uma mesa oval, que nos deram e agradecemos, foram colo-cados na nossa sala de jantar. Uma máquina de lavar, usada, foi arran-jada para a lavandaria. Teve de se comprar uma caldeira nova de aque-cimento da água, para os banhos, pois a anterior não deu para arran-jar. Conseguimos umas redes para as balizas dos campos de jogos, que agradecemos. Estamos a juntar tam-pas de plástico e a levar à Escola do 1.º ciclo de Lamas, para reciclagem. Na gestão de resíduos, a nossa Casa tem uma parceria (para recolha) com uma empresa certificada, de Seia.

A máquina de cortar sebes foi para arranjar. Teve de se comprar uma roçadoura nova, pois as outras des-gastaram-se muito com a limpeza dos terrenos, durante vários anos. Os dois tractores (MF e Hinomoto) foram consertar avarias, pois estão ao serviço há tempo demais, mas continuam a ser úteis na nossa activi-dade agrária. Fez-se uma instalação eléctrica nova, com lâmpadas fluo-rescentes, no barraco, no celeiro e no ovil, pois fazia mesmo falta. q

PAÇO DE SOUSA Nuno Machado

FUTEBOL — Mais uma vez a nossa equipa de Futsal ganhou, desta vez por 13-1, contra a equipa de Irivo. Os nossos marcadores foram o Fadul, o Ratzinquer, o Joel, o Quintino, o Manelinho e o Nuno. O jogo correu bem para nós, mas para a outra equipa não, porque o seu treinador foi expulso. A nossa equipa de Futebol de 11 continua à procura de resultados positivos.

CAMPO — Na nossa adega estamos a preparar as gar-rafas para pôr o vinho dentro delas. Nós estamos também a preparar a batata de semente para semearmos alguma dela neste mês de Fevereiro. As nossas podas estão a ser feitas pelo «Meno» e o sr. Jorge. Esperamos que o tempo ajude a que a vinha se desenvolva bem.

CARPINTARIA — O sr. Faustino esteve a fazer um trabalho à beira do escritório. Fez um corrimão de madeira, com paus tratados. Alguns rapazes da Casa aju-daram. Ficou muito bonito. Também fez umas vitrines para o nosso Museu Padre Américo / Obra da Rua, para pôr coisas importantes lá dentro, e para que os visitantes as possam ver.

SERRALHARIA — O Mendão esteve a reparar todos os portões da nossa vacaria. Também compôs as alfaias agrícolas com a ajuda do Paulo «Mudo». Há sempre mui-tos trabalhos para fazer, e o «Mendão» não tem mãos a medir. q

CONFERÊNCIADE PAÇO DE SOUSA Américo Mendes

A VIDA NÃO ESTÁ FÁCIL PARA QUEM TRABALHA NA ACÇÃO SOCIAL – Sempre foi assim, mas, também nos dias de hoje, a vida não está fácil para quem trabalha na acção social. Quem o faz em organizações assentes essencialmente no voluntariado, como é o caso das Conferências Vicentinas, sabe bem que, se é possível mobilizar alguma colaboração voluntária para tarefas pontuais, é muito difícil consegui-lo para as que exigem mais tempo e mais compromisso.

Quem trabalha na acção social em organizações que precisam de cola-boradores remunerados e onde os gastos de pessoal representam uma per-centagem muito elevada dos custos, sabe bem que é muito difícil angariar donativos e financiamentos públicos que evoluam de maneira a consegui-rem acompanhar o necessário aumento daqueles e doutros gastos.

Além disso, as organizações que não podem prescindir de financia-mento público e também as que são financeiramente auto-suficientes estão sujeitas a uma regulação pública que, sendo necessária, é exercida de uma forma que deixa muito a desejar.

Por isso, agora como sempre, continua a ser verdade o que Cristo disse: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos” (Mt, 9-32). Que Deus nos mande trabalhadores não só para as tarefas pontuais que é preciso realizar, mas também, e sobretudo, para as que exigem mais esforço de compromisso com o nosso Próximo. q

BEIRE — Um Calvário sem “transcendência”?!… Um admirador

A prática diária da higiene mental… Faz parte da minha higiene mental/espiritual diária a ruminação do Evangelho do dia. Mais: gosto de o saborear também à luz de um comentá-rio de qualidade. No domingo passado foi o evangelho das Bodas de Caná (Jo 2, 1-11). Talvez porque as tempestades caídas sobre o Calvário, nos meses de Novembro / Dezembro 2018, ainda andam cá dentro a mexer comigo muito a sério, a minha ruminação desse dia de Domingo esteve muito condicio-nada por isso. Não fora assim, eu não seria filho de boa gente… Porque o povo sabe do que diz — Quem não se sente não é filho

de boa gente. Mas a verdade é que também a mim me saiu a lotaria dos pais, como bem se expressou R. Pausch, na su’A Última Aula, que anda agora a correr o mundo, já com mais de 5 milhões de exemplares vendi-dos. Também eu não podia ter tido melhor sorte. Também me saiu a lotaria dos pais… Deus louvado !

Gosto de ver as coisas à dis-tância necessária. Temo que a obsessiva aproximação da árvore me impeça de ver, contemplar e saborear a imensa riqueza da flo-resta… Assim, para lá de “Heroí-nas do Bem e do Belo” (ver O GAIATO nº 1954, de 02.02.19), já dei comigo a rasbiscar uma

crónica a que darei o nome de As Bênçãos de um Conflito… Porque, realmente, “aquilo” dá mesmo que pensar. Estou con-vencido de que “aquilo” que está em causa são as nossas pouco afinadas relações de poder. Exactamente como in illo tem-pore. Entre Jesus e os poderes constituídos — pela Religião e pelo Estado. E a questão que se Lhe punha a Ele, mai-la questão que Ele mesmo logo propôs aos detentores dos poderes daquele tempo, continua a ser a mesma: — Poder O QUÊ e/ou ao serviço de QUEM?!… Porque todo o poder que não é serviço a quem dele necessita tende a ser tirania, tantas vezes disfarçada.

Uma boa lição do rei da Prús-sia… Ele era novito para o cargo. Mas, após a sua proclamação como rei, bem cedo mostrou que estava à altura. Porque, logo no dia da coroação, nos deu a todos uma boa lição que eu nunca mais esqueci. Mais tarde, conheci Martin Buber, o filósofo judeu da busca do NÓS, escondido na raiz de todo o Eu e/ou de todo o Tu. Encantei-me com esta saída sua: “O pior que pode suceder a uma pessoa é esquecer-se que é filha de um Rei”. Mas vamos à história de Federico II — rei da Prússia. Tinha vinte e cinco anos quando foi proclamado rei. Depois da sua coroação, quando já a sós com a mãe, esta dirigiu-se a ele

com o título de Majestade… O novo soberano cortou-lhe a pala-vra dizendo: — Por favor, mãe. Trata-me sempre por filho. Esse título tem para mim muito mais apreço do que a dignidade real.

Quando vejo tanta autoridade técnica, às vezes apoiada em tão pouca autoridade relacional com gente como a nossa, que esgui-cha deficiências por tudo quanto é sítio, todo eu tremo. Porque temo um Calvário sem trans-cendência (trans+ascendência), privado do poder/dever de puxar para a frente, para um Respeito Integral pela pessoa humana. Não posso ouvir um “eles não

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16 DE FEVEREIRO DE 2019 O GAIATO /3

20050

PADRE AMÉRICO – «PENSAMENTOS»

A Editora Modo de Ler, aproveita a oportunidade da Obra da Rua estar prestes a fazer 80 anos e promove um livro intitulado Padre Américo – Pensamentos. Neste âmbito, pede «a cada Amigo que esco-lha e nos envie [à Modo de Ler] até 31 de Março próximo os 10 Pensa-mentos do Padre Américo que mais o tenham impressionado, e de que página e obras foram transcritos. Depois, com todos os pensamentos reunidos, e com a indicação de quem os escolheu, far-se-á uma edição que será publicada no próximo mês de Julho, na data da evocação da morte desse Santo que se fez Homem, no dizer do saudoso Professor Nuno Grande, edição cuja venda se destinará por inteiro à Obra da Rua. Às entidades oficiais a quem poderá ser útil, porque esclarece-dora, a edição será oferecida.» q

PÃO DE VIDA Padre Manuel Mendes

Continuação do número anterior

PARA a história do Colégio de Santa Quitéria (e de

outras casas vicentinas), nomea-damente sobre o notório serviço ao ensino e o fecundo apostolado que naquele lugar exerceram com zelo os Padres da Congregação da Missão (e as Filhas da Caridade), tornando também o Santuário de Santa Quitéria um centro de piedade intenso, como extraor-dinária memória foram escritos os Apontamentos para a Histó-ria da Província Portuguesa da Congregação da Missão, feitos sabiamente por mão de mestre – o Padre Bráulio de Sousa Gui-marães, C.M. [mas ainda inéditos em 1998, quando os consultámos por deferência do então com-panheiro teólogo Nélio]. Este historiador vicentino, diligente, sagaz e minucioso, nasceu a 26 de Março de 1890, em Varziela – Felgueiras, e faleceu a 29 de Março de 1973, em Lisboa, com 83 anos. Tais volumes de labor devotado, em publicação, são um legado precioso para a His-tória da Igreja em Portugal. A propósito da vida e trabalho dos colegiais, respigámos esta nota: O bom êxito geralmente colhido nos exames oficiais, e os lugares de destaque que mais tarde ocu-param na sociedade tantos dos seus alunos, dão suficiente ideia do valor da preparação intelec-tual que lá recebia; e o porte honesto e digno de quase todos […] permite-nos aquilatar da formação moral que no Colégio lhes foi proporcionada.

Neste contexto colegial, em que encontrou o Padre Sousa Borba, vale bem a pena recordar alguns traços significativos dos anos da vida de Américo Monteiro de Aguiar no Colégio de Santa Qui-téria, em Felgueiras, rememo-rando um testemunho seguro [O Gaiato, 27-4-1957] deixado pelo antigo companheiro Padre Dr. Avelino de Sousa Soares [Gale-

gos, 10-X-1887; Rans, 11-XII-1979], com algumas informações interessantes. Eis: [Em 1899] os dois irmãos Aguiar [Américo e António] foram transferidos para o Colégio de Santa Quitéria, em Felgueiras. Este colégio situava--se distante da vila, no planalto do Monte da Santa, como na região chamavam ao local. Era um edifício grande e airoso, com um longuíssimo friso de janelas viradas ao sol, recreios enormes sem paredes nem balizas, hori-zonte aberto em todas as direc-ções num deslumbramento de luz e de cor. O Américo, que amava a natureza e a amplidão, devia sentir-se bem ali. […] Os seus companheiros […] recordam-no bem, mas apenas podem dizer que era um aluno afável e bon-doso, alegre e traquina como os mais, se bem que por vezes con-centrado e taciturno. Entretanto, o Dr. Luiz Gonzaga frisa que era um rapaz vivo e alegre, de boa conduta, que já por aqueles tempos revelava tendências para crises de exaltação espiritual e concentração mística. O Padre Luiz Castelo Branco [1884-1973, antigo aluno e sobrinho do escritor Camilo Castelo Branco] apresenta-no-lo como um estu-dante regular, estimado por todos, mas nada se notando nele que saísse da vulgaridade. Não deixa, porém, de ser significativo o ter sido recebido na Associa-ção dos Filhos de Maria, o que mostra que se distinguia pela sua conduta moral e pelos sentimen-tos de piedade. Recebeu, pois, a assistência espiritual do ines-quecível Padre Jacinto de Sousa Borba. Nada teria adivinhado no Américo este grande sacerdote, que era um verdadeiro santo e um fino psicólogo?

Em listas extraídas dos regis-tos do Colégio de Santa Quitéria, verifica-se que Américo Monteiro de Aguiar foi admitido como aspi-rante da Associação dos Filhos de

Maria, a 8 de Dezembro de 1899, e recebeu a fita dos Filhos de Maria em 2 de Fevereiro de 1900. O Padre Carlos Moura, no seu dito livrinho, assevera: Seu nome aparece em listas de matrículas e de Filhos de Maria. Não terá ele aprendido por cá o amor à causa dos pobres? Em 13 de Janeiro de 1901, numa carta [O Gaiato, 9-6-1962] para seu irmão Padre José [ordenado Presbítero a 18-XI-1900, em Cochim], Américo de Aguiar sublinhou: O maior gosto de todos nós era ouvir-te dizer uma Missa. Portanto eu te peço, e antes o meu coração te pede, que venhas cá. Sobre a sua vida escolar, anotou: Eu estou no Colé-gio de Santa Quitéria. Eu estudo português, francês e inglês, e o António [n. 8-IX-1884; f. 18-I-1916] no 3.º ano dos Liceus […]. É de notar que, em 1 de Janeiro de 1902, Bráulio Guimarães (Padre da Missão e sábio autor dos ditos Apontamentos) entrou na Escola Apostólica de Santa Quitéria, em Felgueiras.

Segundo os referidos Aponta-mentos, na visita canónica que o Padre Fragues fez à casa de Santa Quitéria, de 1 a 7 de Janeiro de 1902, no superiorato do Padre Pedro Pinto Leitão, verificou que nos dias angustiosos da perse-guição religiosa levantada em Março do ano transacto neste reino [com os motins anti-ecle-siais desencadeados pelo caso Calmon, no Porto, a 17 de Feve-reiro de 1901], a nossa casa gozou da simpatia geral do povo e das famílias dos alunos, bem como das autoridades eclesiásti-cas e civis. Ainda sob os efeitos desse clima de campanha contra a Igreja Católica, em Outubro de 1902, Américo de Aguiar (com 15 anos) já se encontra a trabalhar numa loja de ferragens, na Rua Mouzinho da Silveira, na cidade do Porto. Certo é que manifes-tou (sem sucesso…) aos seus pais, Teresa e Ramiro, a vontade

Do Padre Jacinto de Sousa Borba

têm querer; vão para onde os mandar”. Não posso. Porque são meus irmãos. Filhos do mesmo “Pai Nosso” — Deus Bom — que está no céu… Isso, que é a base desse “sonho louco” que todos trazemos dentro. Ser assim filho desse Rei Servidor dos mais humildes torna-nos merecedores de todo o respeito (de RE+spicio, saber ver o sacrossanto dessa Res Sacra que todo o ser humano é por nascimento).

Uma Boda falhada se não fora… Pego no relato daquela cena de Caná da Galileia. O nar-rador destaca que Maria — a Mãe de Jesus — tinha mesmo um coração de mãe. Sabia ver, pre+-ver e pro+ver… Foi Ela a pri-meira a dar-se conta de uma deli-cada situação que se aproximava, para aquela família modesta: — Eles não têm vinho… E Jesus,

mesmo ripostando um pouco, ao que parece, assim alertado por Maria, depressa se deu conta de que aquilo era mesmo verdade. Por isso logo apressou a sua hora e deu ordens: — Enchei todas essas talhas de água. E logo, depois de ver as talhas bem cheii-nhas até esbordar, nova ordem: — Tirai agora e dai-o a provar ao chefe de mesa…

Paro-me no significado desta cena. Fixo-me no final do relato: Foi assim, em Caná da Galileia, que Jesus começou a desvendar os sinais com que Se ia reve-lando àqueles que começavam a acreditar n’Ele. Porque tudo isto são factos e “gestos simbólicos” que nos dão a conhecer aquele Deus presente em Jesus; bem como também nos dão a conhe-cer aquele Projecto que Jesus traz dentro de si para, pouco a pouco, no-lo ir revelando a nós.

Era o Seu “sonho louco” — um Reino onde Deus pudesse tam-bém reinar como Rei Servidor d’os últimos, para que ninguém fosse mais pau mandado de nin-guém… Todos pudessem ser tra-tados no respeito sagrado pela sua d’IGNI+dade de “filhos de um Rei Servidor”.

Encanta-me sonhar que agora, passada a tempestade, os poderes envolvidos, como instrutores uns dos outros, andam a aprender a dialogar para, cada um no seu campo, saber “dar a César o que é de César e dar a Deus o que é de Deus” (Mc 12, 13-17). Sem rasteiras pelo meio. Isto é, não deixar que César venha destruir o que é de Deus nem criar-se nenhum “deus” que se julgue no direito de eliminar a César. Não senhor. Porque “na Casa de meu pai há muitas moradas” (João 12). q

de ser padre, sendo sugerido o Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim. Porém, ainda não tinha chegado a sua hora (da martelada final)…

O Padre Sousa Borba ainda se manteve por Felgueiras e desse tempo do seu Colégio, entre outros momentos, importa assi-nalar a inauguração solene de

uma estátua de Nossa Senhora das Graças, a 10 de Junho de 1906, no alto do Monte de Santa Quitéria, com Missa campal e a coroação da imagem pelo Padre Sousa Borba, Director do Colé-gio de Santa Quitéria, como representante do Bispo do Porto D. António Barroso.

Continua

SETÚBAL Padre Acílio

VisitasUM grupo de simpáticos Escoteiros, rapazes e raparigas em número

empatado, resolveram vir passar um pouco de tempo em nossa Casa. Perguntaram, telefonicamente, da viabilidade desta acção e nós respondemos, com alegria, de forma positiva.

A visitação em grupos da Cidade de Setúbal tem-se revelado, ao longo dos anos, um acontecimento raro, pelo que devo realça-lo. Na verdade, muitos conjuntos de longe fazem excursões à Casa do Gaiato, enquanto os vizinhos, de ao pé da porta, ficam a olhar.

Esta era uma acção da nossa Paróquia ou mais claramente de ele-mentos jovens da freguesia religiosa a que pertencemos.

Chegaram tarde, já a noite começava a cobrir a terra, e entraram por aí dentro onde havia luz, na sala de jantar, transformada naquele momento em recinto de estudo.

Para aliviar a perturbação natural dos jovens, convidei-os para a cozinha onde nos apresentamos e lhes dei alguns esclarecimentos sobre a nossa realidade no ambiente morno e cheiroso do jantar que se cozia no fogão.

O jardim alumiado em lusco-fusco transmitiu-lhes uma sensação de beleza a caminho da capela onde se extasiaram não só com a pre-sença divina do Senhor bem enfeitada mas também com a brilhante catequese das pinturas.

Com eles na frente dos grandes quadros fui-lhes lendo o que o pintor sagrado quis dizer com as expressões artísticas do seu génio religioso.

Na frente da capela o Anjo de Fátima, com o cálice e a hóstia em magnífico e clarividente espanejamento das suas asas, dá a comunhão aos pastorinhos.

Depois de um e outro lado os mistérios dolorosos e gloriosos do Terço com traços evidentes da Paixão, morte e Ressurreição do Senhor em quadros grandes realçados pela luz do Espírito que o pintor tão bem ilustrou. Fixaram-se mais na ascensão aos céus em que Jesus é arrebatado com ventania forte, fazendo remoinho a apanhar a humani-dade numa viva afirmação de Esperança.

A nossa capela é, na verdade uma exposição permanente e larga de uma galeria de pintura sagrada ilustrativa da fé do autor e de quantos a olham com verdadeira inteligência.

Os escoteiros jantaram connosco entremeando-se nas mesas com os rapazes e deliciando-se com o prato e a sobremesa que todos come-mos.

Estas visitas destroem a má fama de quantos nos enxovalham e são a prova real do encantamento inegável desta Casa que a todos elevou. q

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4/ O GAIATO 16 DE FEVEREIRO DE 2019

BENGUELA Padre Manuel António

ESTAMOS no princípio do novo ano de 2019. Lança-

mos o nosso coração para os filhos que, ao longo do ano passado, viveram animados pelo nosso e vosso amor. Alguns chegaram à meta das suas vidas na nossa Casa do Gaiato. Abriu-se-lhes a porta da sociedade para viverem dignamente como cidadãos. É, sem dúvida, uma alegria muito profunda a ter lugar nos nossos corações. Esta Obra maravilhosa é fruto, também, do Amor dos vos-sos corações. Sem as ajudas finan-ceiras e outras que os nossos ben-feitores põem no coração da nossa Casa do Gaiato de Benguela, não seria possível levarmos por diante esta Obra social. Ao começar o novo ano, vamos manter a dispo-sição de tudo fazer para continuar a nossa missão.

Começou o novo ano escolar. As crianças sem escola, na nossa sociedade, são muitas. Ao longo dos anos passados, a nossa Casa do Gaiato de Benguela fez tudo o que pôde para ajudar estes filhos. O número, porém, continua a crescer. É, sem dúvida, um sector importante da vida social a mere-cer a grande atenção das autorida-des responsáveis. No princípio, a escola nasceu para os filhos Gaia-tos. Muito cedo, porém, houve necessidade de novas instalações escolares. Os filhos dos bairros vizinhos precisavam, também, de acolhimento escolar. Nesta fase, é

absolutamente necessária a inter-venção das entidades oficiais para a construção de escolas ou adapta-ção de estruturas para esse efeito. Entretanto, as crianças dos bair-ros, com a idade para a frequên-cia escolar, continuam a bater à porta da escola da Casa do Gaiato de Benguela. Faremos tudo o que for possível. Estamos, também, muito ocupados com a matrícula dos nossos rapazes nas escolas do ensino secundário. Queremos ajudá-los a alcançar o lugar mais alto possível. A nossa Casa do Gaiato tem sido acolhida sempre, com muito carinho, pelos respon-sáveis destes estabelecimentos de ensino. Por isso, temos esperança de que serão matriculados nessas escolas, embora algumas idades e deficiências nas médias dos resul-tados peçam um carinho excep-cional.

O nosso coração está, neste momento, preocupado, também, com o número grande de pedi-dos para o acolhimento de novas crianças. Ao longo do ano, che-gam, constantemente. No início do novo ano, queremos dar uma resposta positiva a alguns pedi-dos, dentro das possibilidades de acolhimento habitacional. Esta-mos a reflectir sobre as situações mais urgentes. Ao mesmo tempo, uma ou outra instalação residen-cial necessita de obras de res-tauro. Vamos fazer tudo o que for possível para bem destes filhos

abandonados que aguardam a sua casa de família na nossa Casa do Gaiato de Benguela. É, sem dúvida, um problema social muito grave: crianças que vivem na miséria. Olhemos para estas crianças como filhos nossos. Ponhamo-nos ao seu serviço como os pais estão ao serviço dos seus filhos, unicamente movidos pelo amor. Que estes sentimentos estejam muito vivos nos cora-ções de cada um de nós. Vamos, pois, fazer tudo o possível para acolhermos alguns destes filhos. Queremos estar unidos pela força do mesmo Amor. Doutro modo não será possível, sem as ajudas que os vossos corações têm parti-lhado connosco.

Neste últimos dias, muitos pobres estão a bater à nossa porta. A fome está a entrar na vida das famílias. Mães que não têm pão para comer nem para dar aos seus filhos. Não podemos ficar indi-ferentes. As vidas de cada ser humano não podem ser marcadas pelo egoísmo, mas pelo sentido da fraternidade. Vamos, pois, neste novo ano, com os corações muito unidos pela força do Amor, ao encontro destes filhos dentro e fora da Casa do Gaiato de Ben-guela, como pais vão ao encon-tro de seus filhos muito queridos. Recebei um beijinho muito que-rido dos filhos mais pequeninos da nossa e vossa Casa do Gaiato de Benguela. q

Unidos pela força do mesmo Amor…

ERA O ANO I, N.° 26

Mais casas do GAIATOPerguntaram-me quanto poderia custar a instalação de uma

casa para 20 Gaiatos e a quanto subiria o custo do seu sustento. A pergunta veio da sede de um distrito do centro do país, cujas autoridades gostariam de remediar o mal das crianças que por lá andam ao deus-dará. Eu respondi não ser a pessoa indicada para fornecer as informações desejadas, porquanto, na verdade, não sei nem jamais procurei saber por quanto me fica cada um dos meus rapazes.

Se naquela terra, como eu dizia na resposta, houver alguém que sinta e que “enlouqueça” pela sorte da criança das ruas, faz-se ali uma casa, não para 20, mas sim para 200 Gaiatos. O verbo “rea-lizar” não tem condicional. Os “doidos” não fazem nem prestam contas.

Pai Américo

] ] ]

Termina agora, com este “ERA O ANO I, N.º 26”, o rebuscar de alguns artigos das edições do primeiro ano de vida d’O GAIATO, um por cada edição, que se foram transcrevendo desde o n.º 1 até ao último do seu primeiro ano, o n.º 26. Esta é a última que se volta a semear porque a próxima edição será já a do seu aniversário LXXV, coincidente com a do início de um novo ano. q

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de estar fora do sistema de ensino, estudam debaixo das árvores. Os encarregados de educação encontram-se aflitos por não encontrarem soluções para matricular as suas crianças. Vivemos num País onde o crescimento populacional anda dissociado dos serviços sociais bási-cos. Cresce a população enquanto as escolas permanecem na mesma situação. A fase mais difícil deste processo encontra-se no acto das matrículas dos rapazes para a 10º ano de escolaridade, por se tratar de uma fase de transição, quer da nossa escola para os Institutos médios da cidade, quer também pela mudança de ciclo. As exigências são maiores, desde as médias requisitas no momento da inscrição, bem como a idade correspondente para poder frequentar um curso médio. Nesta altura, encontram-se todos matriculados e a palavra de orien-tação é certamente e desde o início do ano lectivo: estudar, estudar e estudar! Para corresponder com quanto se espera que cada um alcance no acto da colheita dos frutos no campo da educação e formação para a vida. Em períodos diversos do dia vão saindo os grupos para os Ins-titutos do ensino médio da cidade. Vai a carrinha de manhã a levar um grupo, volta à cidade ao meio dia a levar uns e a trazer outros, volta a sair ao entardecer também para levar e trazer os grupos de estudantes. Vão doze novos ingressos para a 10ª classe, outros tantos andam já mais avançados. Dos novos, foram 3 para a Industrial, 5 para o Liceu, 2 para o Colégio e 2 para o Icra. No período oposto às aulas cada rapaz tem a sua obrigação a realizar em Casa desde as oficinas ao jardim. O trabalho intelectual, teórico, aliado ao trabalho manual, prático. A conclusão é de Pai Américo, “sou eu, meus filhos; nenhum de vós tenha medo. É só para vos lembrar a grande necessidade que cada um tem de aprender tudo quanto os professores vos ensinam nas escolas e de fazer o exame da 4ª classe. Este primeiro exame é chave com a qual tens de abrir as portas da vida que te espera. Sem esta chave não entras em nada que tenha jeito. Não podes ganhar o pão”. q

VINDE VER! Padre Quim

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em Setúbal, porque o pai dos filhos maltratava-a, batia-lhe muito e ela não aguentava. Então, resolveu fugir com as crianças para longe dele, para se ver livre daquele con-tínuo flagelo. Passados dias regres-sou com um contrato feito e dei-lhe 930 euros em cheque passado ao senhorio.

Uma outra, tortinha das per-

nas e da coluna, veio do Barreiro pedir também auxílio para alugar uma casa e viver com o irmão que iria sair da cadeia. Bateu-me à porta duas vezes. Foi persistente. Venceu as minhas dúvidas e dei--lhe setecentos euros em cheque passado ao senhorio escrito no contrato.

Outro casal com filhos não encontrou casa para alugar, mas uma à venda por cinquenta e cinco

PATRIMÓNIO DOS POBRES Padre Acílio

Página da OBRA DA RUA na internet

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mil euros. Implorava-me uma ajuda de cinco mil pois o banco emprestar-lhe-ia o resto a ele que trabalha na Soporcel.

Até os bancos põem hoje, reser-vas aos empréstimos para a habita-ção, ficando os pobres sem saída!... Mais, mais e mais só hoje para rendas de casa e cauções dei a mais quatro famílias cerca de dois mil euros.

Diz a Constituição da República que os Governos devem favorecer a cada família portuguesa uma morada digna.

Agora pergunto: Quem pisa a Constituição? Sabemos que na Assembleia da República os Depu-tados comem opíparos almoços depois de se terem aumentado escandalosamente.

Os ladrões não têm este nome, mas um mais adocicado. Agora são corruptos que se atiraram livre-mente aos bens do Estado roubando avidamente milhões de milhões sem consciência, nem escrúpulos, bem como outros que enriquecem à custa dos lugares públicos…

Toda esta gente é culpada do assombroso sofrimento que se abate sobre tantas famílias indefe-sas.

Que vale a Constituição? Sim que vale? Se os mais responsáveis são os primeiros a encher a bar-riga tirando capacidade ao cum-primento da Lei Fundamental da Nação.

Ai dos pobres se não fossem os pobres, eis a verdade infelizmente sempre actual. q