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Mãe e filha tomam banho no rio Xingu durante encontro “Xingu Vivo para Sempre”, em Altamira (PA). Foto: Verena Glass ISSN 0102-0625 Ano XXX • N0 306 • Brasília-DF • Junho/Julho-2008 R$ 3,00 XINGU VIVO Povos se unem contra a construção da hidroelétrica de Belo Monte que ameaça a vida na região POLÍTICA INDIGENISTA Representantes indígenas da CNPI cobram ações do presidente Lula Páginas 2 e 4 Página 7 ASSEMBLéIA XUKURU Povo lembra os 10 anos da morte do líder Xicão e mostra o orgulho de ser Xukuru Páginas 8 e 9

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Ano XXX • N0 306 • Brasília-DF • Junho/Julho-2008R$ 3,00

Xingu ViVOPovos se unem contra a construção da hidroelétrica de Belo Monte que ameaça a vida na região

Em defesa da causa indígena

POLÍTICA INDIGENISTARepresentantes indígenas da CNPI cobram ações do presidente Lula

Páginas 2 e 4

Página 7

ASSEMBLéIA XukuRuPovo lembra os 10 anos da morte do líder Xicão e mostra o orgulho de ser Xukuru

Páginas 8 e 9

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2Jun/Jul-2008

Opinião

enviado ao Congresso em 12 de junho e finalmente recebeu a forma de Pro-jeto de Lei, PL 3571/08. Assim sendo, a CNPI realiza seu primeiro objetivo, que era a elaboração do anteprojeto de lei, e o faz no tempo previsto e de maneira consensuada.

Contudo, não se podem ignorar as dificuldades inerentes à natureza das instâncias de participação paritária envolvendo sociedade civil e governo, onde as contradições e os conflitos de interesse entram em cena. Por esse motivo, nem sempre se tem alcança-do consenso no enfrentamento das questões polêmicas que fazem parte da agenda governamental: Progra-ma de Aceleração do Crescimento, Projeto de Lei sobre Mineração em Terras Indígenas, Reestruturação da Funai etc.

Mas é justamente nesse enfrenta-mento que se percebe o processo de crescimento da representação indí-gena na CNPI. É importante ressaltar que se trata de uma experiência em construção, onde uma representação pluriétnica, composta por indígenas de vários povos e de variadas regiões do Brasil, com experiências cultu-rais, formas de organização social e representação política totalmente diferenciadas, busca dialogar através da interculturalidade e construir consensos que contemplem todas as suas especificidades étnicas. Por outro

este mês de junho completa-se um ano de funcionamento da Comissão Nacional de Polí-tica Indigenista – CNPI. Desde

a sua instalação, ocorreram cinco reuniões ordinárias e duas extraordi-nárias. Foi um tempo de maturação, de construção e aprendizados. Consolida-se assim mais uma conquista do movi-mento indígena e indigenista no Brasil, que nos últimos 20 anos tem avançado na perspectiva de exigir do Estado brasileiro uma mudança no trato da política indigenista do país, seja em termos conceituais, seja em relação ao protagonismo dos interessados diretos, os povos indígenas.

Durante este curto período de funcionamento, temas importantes foram pautados pelos representantes indígenas, exigindo respostas por parte do governo. Embora as reações governamentais não tenham sido sempre suficientemente satisfatórias, há que se considerar algumas que representam avanços significativos, dentre elas destaca-se a aprovação do texto, pela CNPI, do anteprojeto de lei que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista. No dia 18 de abril, durante audiência com os re-presentantes indígenas, o presidente Lula assinou mensagem a ser enviada ao poder Legislativo encaminhado o anteprojeto. Depois de um atraso inexplicado na Casa Civil o texto foi

CNPI completa um ano

MARIOSAN

lado, também o governo, herdeiro de uma política autoritária e tutelar vai aprendendo a respeitar a autonomia dos povos e construir novas formas de relacionamento.

Neste sentido, a última reunião da CNPI, realizada nos dias 18 e 19 de junho, representou um marco histórico, quando os povos indígenas estiveram reunidos com o presidente da República e 15 ministros. Para além do ineditismo, deve-se considerar o significado político deste aconte-cimento. Na ocasião, as lideranças indígenas se manifestaram falando dos mais variados problemas que afe-tam as vidas das suas comunidades, bem como apresentaram, de maneira organizada, várias reivindicações de âmbito geral construídas a partir dos trabalhos das subcomissões que com-põem a CNPI.

Em resposta, o presidente exigiu dos ministros a articulação, em forma de um conselho gestor, para poderem atender às demandas apresentadas. Ao mesmo tempo, indicou a próxima reu-nião da CNPI, a realizar-se no mês de agosto, como o prazo para que sejam apresentados os encaminhamentos feitos por cada ministério, cabendo ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, a co-ordenação do processo de convocação e consulta aos demais ministros.

Começa-se aqui uma nova fase na experiência da CNPI e espera-se que essa seja de curta duração, pois desde já as mobilizações para que o Projeto de Lei 3571/08 tramite com celeridade deverão ser priorizadas. Aprovado o Conselho, a CNPI deixa de existir e assim os povos indígenas estarão sendo ainda mais exigidos no exercício de suas autonomias, pois diferente da Comissão que possui ape-nas um caráter consultivo, o Conselho lhes possibilitará o exercício da deli-beração, que requer de todos maior co-responsabilidade e compromisso redobrado na defesa dos interesses de seus povos.

Saulo Ferreira FeitosaSecretário Adjunto do Cimi

Porantinadas

Edição fechada em 25/06/2008

Permitimos a reprodução de nossas matérias e artigos, desde que citada a fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores.

ISS

N 0

102-

0625

APOIADORES

UNIÃO EUROPÉIA

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Na língua da nação indígena sateré-Mawé, PorANTIM

significa remo, arma, memória.

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Paulo Maldos Assessor PolíTIco

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Clarissa TavareseDITorA - rP 01580JP/ce

Marcy PicançoeDITorA - rP: 4604/02 sP

coNselho De reDAçÃoAntônio C. Queiroz

Benedito PreziaEgon D. HeckNello Ruffaldi

Paulo GuimarãesPaulo MaldosPaulo Suess

País generosoO ministro de Assuntos Estratégicos,

Mangabeira Unger, disse durante debate na Câmara, que “generosamente” o Brasil reserva 13% de seu território para terras indígenas. O relato de Mangabeira con-firma a imagem que setores do governo têm dos povos indígenas e a ignorância generalizada sobre os direitos constitu-cionais desses povos. Tratar os direitos indígenas a seus territórios como um “favor” do Estado tem sido uma estraté-gia de negação dos povos originários ao longo da história. Da invasão européia aos dias atuais, parece que pouco mudou na concepção dos setores dominantes.

Corrida malucaEstá a todo vapor a “corrida pelo

ouro”. Parlamentares da Comissão Espe-cial de Exploração de Recursos de Terras Indígenas viajaram em maio para a Aus-trália a fim de conhecer a experiência do país na regulamentação da exploração de recursos minerais nas terras indígenas de lá. De acordo com o deputado Eduardo Valverde (PT-RO), relator da proposição, na Austrália já houve conflitos relacio-nados à mineração em áreas indígenas, mas os problemas foram resolvidos com a aprovação de uma lei que conciliou os interesses. A intenção é fazer algo semelhante no Brasil. Resta saber como será conciliada a manutenção da vida e das culturas indígenas brasileiras com o espírito devastador e genocida dos inte-resses dos setores minerários nacionais e internacionais.

Deu na mídiaEnquanto a mídia noticiava incansa-

velmente a agressão sofrida pelo enge-nheiro da Eletrobrás por um grupo de Kayapó – que tentava defender seu terri-tório - com ares de selvageria e barbárie, dezenas de indígenas eram baleados e agredidos com bombas caseiras em suas terras, em Raposa Serra do Sol, Roraima, por empregados do arrozeiro Paulo César Quartiero, invasor das terras indígenas. Nas escassas vezes em que esse fato foi noticiado, o tom era de “confronto entre índios e fazendeiros”. Fica no ar: quem, de fato, seriam os verdadeiros “selvagens”?

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3 Jun/Jul-2008

Roberto Antonio Liebgott Vice-presidente do Cimi

os últimos dias temos ouvido, lido e assistido a uma infinidade de notícias negativas sobre os povos indígenas e elas partem

de uma mesma visão dos fatos, que são narrados a partir de edições elaboradas para sustentar posições e defender in-teresses de alguns setores da economia nacional e transnacional.

Estes setores econômicos têm ambição de explorar as terras e nelas “plantar” o agronegócio; têm interesse nas matas e florestas para exploração da madeira e da biodiversidade; como também em minérios estratégicos e matéria-prima utilizada na produção de ferro, aço, alumínio, nióbio. Com gran-de destaque, se pode ver projetados empreendimentos que ambicionam as águas dos rios da Amazônia para produ-zir energia hidráulica que dará suporte aos grandes empreendimentos.

As obras do PAC respondem dire-tamente a este conjunto de interesses, oferecendo condições para o monocul-tivo de soja, cana de açúcar, eucalipto e assegurando a lucratividade da iniciati-va privada. Portanto, as obras de infra-estrutura previstas neste programa funcionam como garantias do governo ao grande capital e beneficiam quase que exclusivamente os investidores. É importante lembrar que as referidas obras são financiadas, em boa parte, com recursos públicos, sendo que as grandes empresas nacionais e interna-cionais desfrutam de benefícios como isenções fiscais, colocadas sob a forma de incentivos aos investimentos.

O governo federal vem promovendo uma intensa mobilização destes setores

da economia (nacional e mundial) para que invistam na Amazônia. Na região os empreendimentos são projetados em áreas estratégicas, com fartura de matéria-prima, água, minérios, espécies vegetais e, para tanto, os espaços terri-toriais devem estar livres de pendências legais, jurídicas e dos índios, quilombo-las e demais populações.

Os acontecimentos recentes envol-vendo povos indígenas têm, portanto, uma relação direta com o modelo desenvolvimentista colocado em curso pelo governo Lula, que conta com a ade-são quase absoluta da grande imprensa. O modo como são noticiados os fatos mostra que a imprensa tem servido como porta-voz de interesses econômi-cos e políticos, em especial aos que se articulam em torno das grandes obras. O objetivo parece ser o de colocar em descrédito todos aqueles que se mani-festam contrários aos empreendimentos do governo federal e para tanto divul-gam informações de maneira unilateral, criminalizando os movimentos de luta e resistência indígena.

Exemplo disso é a avalanche de notícias relativas a um fato ocorrido no dia 20 de maio em Altamira, Pará. Na ocasião, os Kayapó participavam de um evento que discutia os impactos da hidrelétrica de Belo Monte e um enge-nheiro da Eletronorte tomou a defesa do empreendimento. Com palavras pro-vocadoras ele instigou os índios dizen-do que não adiantariam os protestos, pois a hidrelétrica seria construída de qualquer maneira. Diante desta afirma-ção, os Kayapó se sentiram agredidos e reagiram, tentando amedrontar o enge-nheiro, que acabou sofrendo um corte no braço. Ao abordar o fato, os jornais utilizaram a expressão “selvageria” e os

noticiários de televisão repetidas vezes falaram em barbárie.

Enquanto se noticia exaustivamente e de maneira nada isenta um mesmo acontecimento, pouco vem sendo revelado do que ocorre nas diversas regiões brasileiras. Os povos indígenas têm sido vítimas de crimes, agressões e violências de toda ordem, mas nada parece furar o cerco e ganhar os noti-ciários nacionais.

No dia cinco de maio, na terra in-dígena Raposa Serra do Sol, 10 índios foram feridos por ocasião de um ataque com bombas e tiros de espingarda, numa ação violenta promovida por pistoleiros encapuzados a mando do prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero. Apesar da forma covarde e violenta do ataque, a maioria dos meios de comunicação tratou o episódio como se tivesse havido um confronto entre indígenas e seguranças do prefeito invasor da terra indígena.

Ainda em maio, no Maranhão, dois homens encapuzados invadiram a aldeia Anajá, mataram uma menina de seis anos do povo Guajajara e deixaram seu irmão ferido. Duas semanas depois, o fato se repetiu. Dois motoqueiros, igualmente encapuzados, abordaram um casal Guajajara que caminhava à beira da MA-006 e dispararam tiros, ferindo-os gravemente. Nos dois casos, suspeita-se que os agressores estavam a serviço de madeireiros invasores da

Nterra indígena. Nada foi feito pelas autoridades federais para apurar os fatos e as notícias não entraram no rol de divulgações televisivas e nem foram veiculadas em jornais de grande circulação. Por que será?

No estado do Mato Grosso do Sul, somente neste ano, foram assassinados 14 Guarani-Kaiowá. Em 2007, 92 indí-genas foram assassinados em todo o Brasil. Muitas das vítimas lutavam pelo direito à demarcação de suas terras.

Em todos estes casos o governo brasileiro age com negligência e, ao invés de defender aqueles que de fato possuem direitos sobre as terras, coloca-se a serviço de interesses do grande capital.

Mas nada disso parece interessar à grande imprensa. Esta, sócia e aliada do grande capital, usa seu poder de in-formação para fazer chegar ao cidadão comum, a idéia de que os índios são “selvagens”, de que possuem muita ter-ra, de que são privilegiados, vândalos, bárbaros, antipatriotas.

Como em outros tempos, especial-mente na ditadura militar, assistimos a uma verdadeira “caça às bruxas”. Os povos indígenas, mais uma vez, figuram como obstáculos, como símbolos do atraso, unicamente porque não abando-nam a luta por suas terras, seus valores culturais, e não se deixam levar pelo lucro rápido e fácil, tal como o atual presidente e seus aliados. n

O governo Lula e as notícias da mídia sobre os povos indígenas

Conjuntura

Os povos indígenas são vítimas de crimes, agressões e violências de toda ordem, mas nada parece furar o cerco e ganhar os noticiários nacionais. Acima, indígenas foram atacados por empregados de arrozeiro em Raposa Serra do Sol

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Violência

or volta das 10 horas da manhã do dia 23 de maio, um casal de indígenas do povo Guajajara que caminhava em direção à

aldeia Bacurizinho pela rodovia MA-006 – próximo ao povoado de São Raimun-do - foi atingido a tiros por dois homens que passavam de moto pelo local.

As vítimas, Itamar Carlos Guaja-jara de 35 anos e Deolice Rodrigues Guajajara de 30 anos, relataram que

Mais dois indígenas são baleados no MaranhãoHá suspeita de que um grupo de extermínio de indígenas possa estar atuando na região

caminhavam em direção à aldeia quando dois homens encapuzados que trafegavam pela rodovia no sentido Balsas/Grajaú pararam ao lado deles e ordenaram que parassem de cami-nhar. Caso não obedecessem, seriam mortos.

No mesmo instante o casal parou de caminhar, o que não evitou que os dois homens disparassem diversos tiros na sua direção. Itamar Guajajara

foi atingido com um tiro nas costas, no lado esquerdo, que perfurou seu pulmão. Ele foi atendido no Hospital Santa Neusa, em Grajaú, e seu estado foi considerado grave. Deolice também foi atingida por trás, na coxa direita. Ela foi atendida no mesmo hospital e liberada.

Não foi identificado nenhum motivo para a agressão. O caso se assemelha ao da menina Guajajara, de seis anos,

que foi morta no dia 5 de maio com um tiro na cabeça enquanto assistia a televisão na aldeia Anajá, que fica às margens da mesma rodovia, próxima ao município de Arame. O crime aconteceu sem explicação.

Este tipo de agressão tem se tor-nado freqüente no Maranhão. Existe a suspeita de que um grupo de extermí-nio de indígenas possa estar atuando na região. (Cimi MA) n

P

Marcy PicançoRepórter

o dia 19 de junho, durante a reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), o presidente Luis Inácio Lula

da Silva cobrou que os ministros se articulem para efetivar as ações ne-cessárias para melhorar a situação povos indígenas no país. Lula indicou o Ministro da Justiça Tarso Genro para co-ordenar as ações do Executivo voltadas para os povos. As lideranças indígenas cobraram promessas feitas por Lula, o cumprimento da legislação que garante os direitos dos povos indígenas e uma postura mais firme do presidente diante de pressões antiindígenas regionais.

Além de Lula, 15 ministros e diversos representantes de órgãos do governo estavam presentes. No início da reunião, o presidente da Funai, Márcio Meira, expôs os principais problemas que afe-tam os povos indígenas e, na seqüência, os indígenas coordenadores das 10 subcomissões da CNPI apresentaram os debates dos primeiros dias de reunião da Comissão (17 e 18 de junho).

As falas de Meira e dos indígenas destacaram o caos na saúde indígena, os problemas estruturais da Funai, a necessidade de se aprovar o Estatuto dos Povos Indígenas, o direito de os in-dígenas serem consultados em relação a ações ou empreendimentos em suas terras, entre outras questões.

Em relação à saúde indígena, Meira lembrou que dentre os diversos

Política Indigenista

Lula cobra ação integrada de ministros para atender reivindicações indígenasPresidente e 15 ministros participam de reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista

segmentos da população, os povos indígenas têm os piores indicadores de saúde, citando que o índice de mortalidade entre crianças indígenas é mais que o dobro da média nacional. José Aarão, do povo Guajajara, coor-denador da Subcomissão de Saúde, pontuou que o problema da saúde não é falta de verbas, mas problemas de gestão e de ingerência política nas nomeações e controle dos recursos. A autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) seria a forma dos indígenas exercerem o controle social da saúde sem depender de interesses políticos.

Em relação às questões fundiárias, os indígenas lembraram que pressões de governos estaduais têm atrapalha-do a regularização das terras, princi-palmente em Roraima, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Também lembraram que a ausência de técnicos da Funai atrasa os processos de demarcação. Por conta disso, Meira e os indígenas requereram concursos para novos servidores e reestruturação da carreira dos atuais servidores.

Os indígenas também solicitaram que Lula se empenhe, junto aos parla-mentares da base governista, para que eles voltem a tratar do Estatuto dos Povos Indígenas, cuja tramitação está parada há 14 anos.

Em resposta às demandas apresen-tadas, Lula disse que os ministérios precisam informar, por que as políticas

não se concretizam, mesmo quando há recursos disponíveis. “Agora, os ministros ouviram tudo e daqui a dois meses vão ter que ter a resposta do que evoluiu”, determinou o presidente.

Cobranças e pressõesPara alguns indígenas, a reunião foi

importante, pois os ministros foram co-brados para agir. Entretanto, sabem que há setores antiindígenas muito influen-tes, então preferem esperar as mudanças acontecerem para fazer avaliações.

Na reunião, os indígenas lembraram de promessas não cumpridas. Ak´Jabor Kayapó fez Lula recordar do encontro que eles tiveram antes das eleições de 2002. “O senhor foi falar comigo e eu disse: o senhor tenta, tenta ganhar e não consegue. Agora, o pajé vai ajudar e o senhor vai ganhar, mas eu não quero ver vender a Vale, vender a Amazônia, vender a energia, igual o Fernando

Henrique fez. O senhor lembra?” E completou: “O senhor disse: ‘quando eu for presidente, vai ter saúde, educação, vou arrumar a Funai, demarcar a terra...’ Mas, o senhor não fez isso. E por que o senhor não faz? Eu não entendo quem manda: o senhor no ministro do Plane-jamento ou o ministro do Planejamento que manda no senhor?”, completou o Kayapó, sob aplausos.

Durante a reunião da CNPI, Lula se referiu ao extremo confinamento em que vivem os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Ele disse que não é pos-sível que tantas pessoas vivam em tão pouca terra. “Há seis anos quero resol-ver essa história e não conseguimos”, afirmou o presidente. Desde março, a Funai promete iniciar 36 Grupos Téc-nicos para identificação na região. No entanto, por conta das fortes pressões de fazendeiros e políticos locais, os trabalhos ainda não começaram. n

4Jun/Jul-2008

NUma

conquista do movimento indígena e

indigenista foi a criação

do Projeto de Lei que

instala o Conselho Nacional

de Política Indigenista.

O PL precisa ser aprovado

pelo Congresso

Nacional para entrar

em vigor

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5 Jun/Jul-2008

O Vanessa Caldeira / Fernanda EliasNema/PUC-SP / Liberta/PUC-SP

Estudantes de Direito do grupo Liberta da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) organi-zaram, no dia nove de junho, o debate “Demarcação de terras indígenas no Brasil e o caso Raposa Serra do Sol” no auditório do teatro Tuca. A proposta do evento era possibilitar um debate democrático, respeitoso e de qualidade acerca do tema e garantir espaço para manifestação do público, que tem tido poucas oportunidades de externar suas opiniões.

O evento contou com duas mesas de debate. A primeira com o tema “Estado, povos indígenas e mercado” teve como

debatedores os deputados fede-rais Aldo Rebelo (PCdoB/SP) e Ivan Valente (Psol/SP), o antropólogo José Augus to Sampaio (Anaí/UNEB) e a procu-radora da Repú-blica, Ana Lúcia Amaral (MPF/SP). A segunda mesa discutiu “Estado, povos indígenas

e soberania nacional” com Lúcia Helena Rangel (antropóloga/PUC-SP), Antonio Ribas Paiva (advogado/UND) e José Augusto Sampaio (Anaí/UNEB). Cada debate contou com aproximadamente 250 participantes.

O primeiro debate caracterizou-se pelo embate de idéias e posições entre o deputado Aldo Rebelo – defensor da demarcação de Raposa em ilhas - e os demais convidados, o que provocou protesto de Rebelo ao final das apre-sentações. Antes da participação do público, ele solicitou a palavra por ter sido citado várias vezes pelos membros da mesa. De forma exaltada, protes-tou. Disse ter aceitado participar de um debate e não de um ato público a favor da demarcação em área contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol. Os organizadores do evento esclarece-ram que outras pessoas, que possuem posição similar à do deputado Rebelo, foram convidadas, mas infelizmente, por incompatibilidade de agendas ou prioridades, não puderam estar presentes.

Com um público majoritariamente de estudantes, Rebelo deixou o auditó-rio sob vaias e protestos. Participantes fizeram questão de apresentar pergun-tas ao deputado, ainda que sem a sua presença. Uma delas causou grande

Raposa Serra do Sol

Clarissa TavaresEditor do Porantim

preconceito e a violência contra os povos que vivem na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, foram tema de

debates entre estudantes, professores, indigenistas, indígenas e representan-tes do governo, no dia 28 de maio, durante o seminário “Povos Indígenas, Estado e Soberania Nacional”, realizado na Universidade de Brasília (UnB).

O evento discutiu as graves con-seqüências aos direitos territoriais de todos os povos indígenas que podem ocorrer, se o Supremo Tribunal Federal (STF) reverter a homologação de Raposa Serra do Sol. Há mais de 30 anos, os po-vos daquela região lutam para garantir seu direito à terra. Apesar de a terra ter sido homologada em 2005, arrozeiros invasores nunca saíram da área e, em abril de 2008, conseguiram uma decisão do STF suspendendo as ações para tirá-los da terra indígena.

“Durante esses anos, não foi di-vulgado um terço da violência que sofremos. Há casos bárbaros que não chegam à mídia e essa marca é bastante presente para quem vive ali”, disse a assessora jurídica do Conselho Indígena de Roraima (CIR) Joênia Carvalho, do povo Wapichana. Ela reafirmou que os povos precisam do território de forma integral. “Não é possível viver com a violência promovida pelos não-índios que degradam o meio ambiente, con-taminam o solo e as águas com agrotó-

Universidades promovem debates sobre a questão indígena em RoraimaEm Brasília e São Paulo, comunidade acadêmica se mobiliza contra a violência praticada pelos arrozeiros em Raposa Serra do Sol

xicos, já há escassez de caça, os peixes estão sumindo...”.

Na avaliação da sub-procuradora geral da República, Déborah Duprat, a demarcação descontínua da área promove o segregamento já acentuado em Roraima. “Em 1990, quando houve o primeiro genocídio indígena reconhe-cido pelo Estado, contra os Yanomami, estive em Boa Vista e me deparei com uma homenagem ao agressor: um mo-numento ao garimpeiro. Isso é Roraima e parece que esse racismo institucional de Roraima chegou ao Brasil inteiro”, declarou.

Já na opinião de Carlos Eduardo Oli-veira, da Divisão de Direitos Humanos, do Ministério das Relações Exteriores, os índios não representam ameaça à sobe-rania em área de fronteira. Ao contrário, ele citou exemplos nos quais os índios é que alertaram o governo sobre a invasão do território nacional: os Ashaninka in-formaram a presença de madeireiros do Peru e solicitaram providência do Estado; os índios de Raposa alertaram sobre a atividade de garimpo ilegal entre o Brasil e a Guiana e também foram os índios que denunciaram pistas de pouso ilegais na “cabeça do cachorro” (Amazonas). “Não há conflito em conciliar os interesses de proteção do território com os direitos indígenas”, afirmou.

O encontro foi promovido em parceira entre o Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) e o Observa-tório da Constituição e da Democracia do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UnB.

Brasília

São Paulo

Acima, a sub-procuradora geral da República, Débora Duprat, fala durante debate ocorrido na UnB. Abaixo, o deputado Ivan Valente rebate opinião de Aldo Rebelo, em evento na PUC-SP

“Os índios não representam ameaça à soberania em área de fronteira. Ao contrário, eles alertam o governo brasileiro sobre a invasão do território nacional”Carlos Eduardo Oliveirada Divisão de Direitos Humanos, do Min. das Relações Exteriores

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6Jun/Jul-2008

Egon D. Heck*Cimi MS

rasília, Assembléia Consti-tuinte, 1987-1988. Eles iam chegando às centenas das diversas regiões do país, com

o aguerrido espírito fundante, raiz profunda dessa terra, inspiração de vida e harmonia. Eram indígenas que ocupavam com seus gritos, diversida-des e beleza os espaços do Congresso Nacional.

Estavam armados da determina-ção de conquistarem seus direitos fundamentais, especialmente à terra, aos recursos naturais, à organização social, aos valores e à cultura. Nunca antes, após a invasão de mais de 500 anos, se vira semelhante agitação no espaço do poder.

Corpos pintados, ornamentados com vistosos cocares, colares, vesti-mentas e munidos com suas armas tradicionais - bordunas, arcos e flechas - dançaram e cantaram nos corredores, nos plenários, nos gabinetes.

O som e a beleza nativa contagia-ram corações e mentes engravatadas. O resultado foi a conquista, pela pri-meira vez na história, de um capítulo na Constituição do país garantindo os direitos dos povos indígenas no Brasil.

Passados 20 anos, grande parte dos direitos não saiu do papel. O Brasil continua sendo o país de belas leis e péssimas práticas com relação a seus povos originários. De que adiantou a lei que determina que em cinco anos todas as terras indígenas deveriam ser demarcadas e garanti-das, dentro de um critério de justiça e direito histórico de territorialidade que garanta a sobrevivência física e cultural dos povos? Na prática con-

Se a Constituição está sendo rasgada, desres-peitada, vilipendiada em ações como a que ocorre em Raposa Serra do Sol, os povos indígenas fo-ram ao Congresso dizer que não admitem tanto desrespeito e violação de seus direitos. Querem logo o Estatuto dos Povos Indígenas e o Conselho

Nacional de Política Indigenista para que possam definir e fiscalizar as polí-ticas que garantam os seus direitos.

Talvez, apenas uma meia dúzia de pessoas que esteve nas mobilizações constituintes na década de 80 teve a oportunidade de, outra vez, sacudir o ranço antiindígena naquela “casa do povo” e exigir respostas urgentes e coerentes.

O momento é outro. O movimento indígena avançou. Leis internacionais consolidaram e ampliaram os hori-zontes. As lideranças antigas e novas estão aguerridas nas trincheiras dos seus direitos. Seus aliados e apoia-dores se multiplicaram país e mundo afora. É hora de avançar. O gesto decidido da marcha para o Congresso certamente se multiplicará.

As promessas não ficarão nas palavras. Uma nova história, de luta e glória, está em curso. A sabedoria múltipla, milenar e guerreira guiará os passos combativos dos milhares de indígenas, aliados a milhões de luta-dores que estão construindo um novo país, plural, democrático e justo.

Os povos indígenas seguem na trilha dos caminhos abertos naquele ano de 1988. n

* Secretário do Cimi à época da Assembléia Nacional Constituinte e participante do Abril Indígena 2008.

discussão: “como uma pessoa que se diz comunista adere a um discurso tão fortemente nacionalista?!” Na ausência de Rebelo, membros da mesa comenta-ram e Sampaio afirmou: “o que há em comum entre o militarismo e o stalinis-mo é o totalitarismo! Ambos têm em co-mum o discurso de um país monolítico e uma sociedade homogênea”.

O segundo debate teve um público peculiar: pessoas mais velhas, em tra-jes formais, dividiram o auditório com estudantes e militantes da causa indí-gena. Adeptos do discurso nacionalista de extrema direita, representado no evento pelo convidado Antonio Ribas Paiva, advogado e presidente da União Nacionalista Democrática e membro do Grupo das Bandeiras, esse público, numericamente significativo, se mistu-rou aos estudantes. De forma acalorada, as manifestações de alguns durante as apresentações dos convidados fez com que fosse necessária a intervenção da coordenação da mesa a fim de manter a calma e organização do evento.

Em ambos os debates encontramos, de um lado, o discurso nacionalista, que implica em defender a idéia de um projeto econômico capitalista e uma sociedade monolítica (“somos um só povo em defesa das riquezas nacio-nais”) e, por outro, um discurso a favor de um projeto de nação pluriétnica em que as várias formas de viver e produzir possuem espaço.

Foi enfatizada pela maioria dos con-vidados e participantes a necessidade do país garantir e fazer valer os direitos indígenas prescritos na Constituição Federal e a luta por um Brasil mais justo, humanitário e diverso.

Com uma posição pública e clara, o Nema (Núcleo de Etnologia, Meio Ambiente e Populações Tradicionais da PUC/SP) e o Liberta (grupo apartidário formado por estudantes do curso de Direito da PUC/SP) são favoráveis à de-marcação das terras indígenas no Brasil e à demarcação em área contínua de Raposa Serra do Sol. Nos próximos dias, o grupo Liberta encaminhará ao STF documento com sua posição embasada acerca do tema.

Em São Paulo, também foi realizado, no dia 19 de maio, um ato de apoio dos professores e estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) à homologação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol. Juristas, antropólogos e indígenas – entre eles Ivaldo André, indígena do povo Makuxi (RO); Dalmo de Abreu Dallari, professor da USP e Déborah Duprat, sub-procuradora da 6ª Câmara do MPF - expuseram seus argumentos, discutiram questões sobre etnicidade e territorialidade, enfocando o direito dos povos a suas terras. n

continuação da página 5

Em ambos os debates

encontramos, de um lado,

o discurso nacionalista,

de um projeto econômico

capitalista e uma sociedade

monolítica (“somos um só

povo em defesa das riquezas

nacionais”) e, por outro, um discurso

a favor de um projeto de nação

pluriétnica em que as várias

formas de viver e produzir

possuem espaço

O ressurgimento do “espírito Constituinte”

tinuam as invasões consentidas e até estimuladas por diversas instâncias do poder.

Passados 20 anos, mais de 80% das terras indígenas continuam invadidas e muitas delas sequer foram demar-cadas. Centenas de lideranças foram assassinadas, milhares de indígenas morreram de desnutrição, fome e desassistência à saúde.

Inúmeras leis tramitam no Con-gresso tentando dificultar ou até subtrair direitos já conquistados. No judiciário, aumentam as decisões que favorecem invasores, espoliadores e inúmeros interesses dos setores antiindígenas. O governo se esmera em belos discursos, mas não conse-gue superar a prática paternalista e colonial.

Foi nesse contexto que aconteceu novamente a invasão do “espírito Constituinte”, no Congresso Nacional. Desta vez, em abril de 2008, no Salão Negro do Senado. O grito e a deter-minação dos povos indígenas foram ouvidos por aqueles que se negam a reconhecer a existência e os direitos indígenas no Brasil. Os guerreiros foram desarmados pelos seguranças na entrada do salão, mas o significa-do de seus gestos não conseguiu ser barrado por normas e guardas bem fardados. O recado foi dado.

Povos indígenas durante o processo Constituinte em 1988. Abaixo, povos voltam a ocupar o Congresso, no Abril Indígena 2008

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7 Jun/Jul-2008

Grandes obras

e 19 a 23 de maio o Encontro Xingu Vivo Para Sempre, ocorri-do em Altamira, no Pará, reuniu mais de 3 mil pessoas - entre

representantes indígenas e de movi-mentos sociais, ribeirinhos, pequenos agricultores, moradores de áreas ur-banas, pesquisadores e ambientalistas - para debater questões relacionadas à usina hidrelétrica de Belo Monte.

Incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no Plano Dece-nal de Energia (2007-2016), Belo Monte responderá por 6,4% do atendimento ao consumo de energia do Brasil em 2020. De acordo com o projeto, a área

A Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas reconhecem os direitos das populações tradicionais e determinam a obrigatoriedade de consulta aos povos indígenas acerca de qualquer medida que possa afetá-los

Povos do Xingu se unem para mostrar problemas de Belo MonteObra prioritária do PAC para geração de energia afetará cerca de 3,2 mil famílias

Dinundada será de 440 km² e as organi-zações sociais antecipam a necessidade de remanejamento de cerca de 3,2 mil famílias.

Um dos pontos mais contestados pelos indígenas diz respeito ao impacto da construção da barragem sobre os peixes do rio Xingu. O desequilíbrio do ciclo ecológico com a cheia permanente afetará a vida dos peixes, base alimentar para a subsistência de indígenas da re-gião. O plano de construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na região da bacia - uma delas inclusive já pronta - também contribui para esse desequilí-brio. (Com informações do Repórter Brasil)

Dom Erwin Krautler Presidente do Cimi e Bispo do Prelazia do Xingu

o dia 19 de maio tive o privilégio de fazer a abertura do encontro Xingu Vivo para Sempre em Altamira. Mais de 600 indígenas entraram no recinto, cantando e dançando,

erguendo lanças, bordunas e facões. Quem não se emocionou quando os índios Kayapó cantaram o hino nacional em sua língua materna! A platéia aplaudiu entusiasmada.

Apresentei todos os caciques das 24 etnias pre-sentes e saudamos os outros participantes. O ar foi festivo, animado, excepcional, pois não é todo dia que se vê tantos indígenas, pintados segundo suas tradições, dançando de acordo com os seus ritos milenares e cantando num idioma ancestral enquanto se movimentam num ritmo tão peculiar.

Volta e meia, uma ou um Kayapó se levantava para fazer sua dança individual erguendo o facão, a borduna e a lança. Os homens com seus barítonos volumosos e fortes, as mulheres com vozes elevadas, incisivas, às vezes até estridentes. A beleza exótica das expressões culturais comove e impressiona.

Faz parte do ritual indígena que cada cacique fale, mesmo que repita argumentos já expressos. Todos se entendem como parentes. A procedência geográfica não conta, nem sequer a etnia ou o tronco linguísti-co. Todos se tratam de “õbikwa”, familiares! Se um é agredido, todos se sentem atacados. Quando se apresentam, falam primeiro em sua língua materna e depois traduzem, eles mesmos, para o português.

São muito sensíveis a qualquer falta de conside-ração da parte da sociedade envolvente. Não ocultam a sua decepção. “Já estamos cansados de ouvir e não ser ouvidos. Já estamos cansados de escutar ameaças de construção de barragens na volta grande do Rio

Xingu. Não estamos só defendendo o Rio Xingu, mas os rios da Amazônia: moradia dos povos indígenas” reclamou um dos caciques.

Os debates e o incidenteO professor Oswaldo Sevá, da Universidade de Cam-

pinas, é conhecido dos indígenas. Chegou para alertar sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu. Ele organizou o livro Tenotã-Mo, uma coletânea de artigos de especialistas que pretendia provocar um amplo debate sobre as hidrelétricas na Amazônia. Para nossa total decepção, a Eletrobrás nunca respondeu às indagações e críticas dos pesquisadores.

Chegada a vez do representante da Eletrobrás, o engenheiro Paulo Rezende, tive a impressão de que não encontrou tempo para se preparar. Mostrou números e estatísticas dificilmente identificáveis. A platéia co-meçou a ficar inquieta e reagiu quando o engenheiro desqualificou o professor Oswaldo Sevá, chamando-o de “desatualizado”. As vaias se tornaram cada vez mais incisivas. O engenheiro alteou a voz, elevando-a a um tom provocador.

O engenheiro cumpriu seu papel dentro do ritual pre-visto. Nada de admitir que o projeto possa trazer também conseqüências adversas, irreversíveis. Em sua apresen-tação faltou franqueza e imparcialidade. O engenheiro transmitiu à platéia a sua convicção de que, haja oposição ou não, Belo Monte vai sair de qualquer jeito!

Os índios se levantaram e, erguendo bordunas e fa-cões, iniciaram uma dança movimentando-se em direção ao engenheiro. Vi os índios gesticular. Simbolizaram um ataque. Do lugar onde eu estava não pude observar que um dos facões resvalou no braço do engenheiro, ferindo-o. Quando consegui ficar mais próximo, percebi o corte. Vi também como o engenheiro derramou uma garrafa de água mineral no corte. A intenção que teve foi, sem dúvida, a de limpar a ferida, mas o resultado foi uma

imensa poça d’água misturada ao sangue que causou a impressão de que alguém havia sido esquartejado naquele mesmo instante. Inúmeras vezes esta mesma cena foi repetida nas reportagens de televisão.

Padre Renato Trevisan, que tem uma larga experi-ência com o povo Kayapó e fala o idioma, solicitou a um cacique que apaziguasse os espíritos exaltados. O cacique pegou o microfone e falou ao seu povo.

EncerramentoNo dia 23 de maio, representantes dos povos

indígenas e de movimentos sociais, gente que vive ao longo do Xingu e da cidade deram as mãos à beira do rio Xingu. Mais uma vez os índios discursaram e dançaram. As mulheres com as crianças entraram n’água para demonstrar como amam o rio e como dependem dele.

Acabou o encontro, mas não acabou a luta em defesa desse rio maravilhoso e dos povos do Xingu. Foi lido o documento final em que os índios fazem questão de se manifestar como “cidadãos e cidadãs brasileiras”. “Vimos a público comunicar a nossa decisão de fazer valer o nosso direito e o de nossos filhos e netos a viver com dignidade, manter nossos lares e territórios, nossas culturas e formas de vida, honrando também nossos antepassados, que nos en-tregaram um ambiente equilibrado. Não admitiremos a construção de barragens no Xingu e seus afluentes, grandes ou pequenas, e continuaremos lutando contra o enraizamento de um modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente degradante, hoje representado pelo avanço da grilagem de terras públicas, pela instalação de madeireiras ilegais, pelo garimpo clandestino que mata nossos rios, pela am-pliação das monoculturas e da pecuária extensiva que desmatam nossas florestas. Queremos o Xingu vivo para sempre!” n

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8Jun/Jul-2008

Marcy Picanço Repórter

o dia 20 de maio de 1998, al-guns fazendeiros da cidade de Pesqueira, no agreste pernam-bucano, mataram o líder Xicão Xukuru. Matando a principal liderança, os fazendeiros preten-

diam enfraquecer a luta do povo Xukuru por seu território, a Serra do Ororubá.

Dez anos depois, no dia 20 de maio de 2008, o povo Xukuru mostrou o resultado daquele crime: quase 8 mil pessoas desce-ram a Serra do Ororubá rumo a Pesqueira, dançando Toré, ritmo tradicional do povo. Cantavam forte e alto - orgulhosos de ser Xukuru.

Na cidade, as escolas interromperam as aulas e as crianças aplaudiam e gritavam: índio, índio, índio! “O índio é bonito. Ele mora na serra, canta, dança e faz bonecos com pano”, dizia a pequena estudante de cinco anos. Algumas pessoas ainda olha-vam desconfiadas, mas o comércio estava aberto e as janelas e sacadas estavam cheias de pessoas olhando os Xukuru.

Ao final da caminhada, em frente à casa onde Xicão foi assassinado, um palco recebeu o governador de Pernambuco, Eduardo Campos; o cacique Xukuru, Marcos Luidson; o bispo de Pesqueira, Francisco Biasin; deputados e lideranças indígenas de diversos estados do Nordes-te. Era o encerramento da 8ª Assembléia Xukuru, que ocorreu entre 17 e 20 de maio, na aldeia Pedra D´Água.

Comunidade reage à morte de seu líder

Dois anos depois do assassinato de Xicão, em 2000, os Xukuru fizeram a pri-meira Assembléia e a primeira caminhada até Pesqueira. Naquela época, quando os

indígenas desciam a serra, a cidade se fechava. Hoje, a situação mudou.

A morte de Xicão, ao invés de acabar com a luta do povo, fortaleceu os Xukuru. Dez anos depois do crime, os Xukuru vivem em 95% do seu território tradicio-nal e têm uma forte organização social e política. Eles também têm mais de 40 escolas e de 60 profissionais indígenas fazendo o atendimento à saúde nas al-deias. Apesar de alguns problemas nestes setores, os Xukuru exercem o controle social sobre a educação e a saúde, para que elas sejam adequadas aos objetivos e às necessidades do povo. E o mais im-portante de tudo: os Xukuru têm orgulho de ser Xukuru. Por tudo isso, conseguiram algo que parecia impossível há apenas 10 anos: o respeito e a admiração de parte da cidade de Pesqueira.

O dia 20 de maio poderia ter se trans-formado num dia de luto para o povo, mas virou o dia de celebrar a luta e festejar as conquistas do povo. “Não descemos para desafiar ninguém”, resume o cacique Marcos em sua fala ao fim da caminhada: “Descemos para mostrar a força e a união do povo. Para mostrar o que estamos conquistando lá em cima. Os Xukuru estão aqui para ajudar Pesqueira. Precisamos

nos unir para melhorar a cidade”, disse o cacique.

Criminalização X ConquistasEntretanto, em meio a tantas vitórias,

durante o ato final, Marcos e todas as lideranças que falaram trataram da ques-tão que, atualmente, é um dos principais problemas para os Xukuru e outros povos do Nordeste: a criminalização e a perse-guição das lideranças indígenas.

Edmilson e Rinaldo, lideranças Xukuru que estão presas, foram lembrados em todas as falas. “Edmilson está aqui!”, “Eu sou Rinaldo!” gritavam todos, para mos-trar que os parentes estavam presentes. Os dois foram acusados de participar do assassinato do filho de Chico Quelé – im-portante líder assassinado em 2001.

Além de Edmilson e Rinaldo, foram presos ou acusados de crimes nos úl-timos 10 anos: Zé de Santa, Dandão, Agnaldo, Rivaldo e até Zenilda – viúva de Xicão. Os processos correm na Delegacia de Caruaru, e, em muitos destes, houve problemas na condução dos casos – o que prejudicou os acusados.

O vereador Agnaldo, que foi preso no ano passado, lembrou a tristeza que os parentes detidos deveriam estar sentindo

por não estarem na Assembléia, falou da dificuldade que é passar por essa situação, mas reforçou que a perseguição tem que resultar em mais união do povo. O bispo Francisco Biasin, em nome das famílias dos presos, apelou para que o governador intervenha em nome dos criminalizados.

“Temos um projeto de futuro para nosso povo, mas essa perseguição às nossas lideranças toma o tempo, a ener-gia, o dinheiro que a gente podia estar usando para nosso projeto”, lamentou o cacique Marcos. Apesar disso, ele afirma que a união e organização do povo para apoiar as lideranças criminalizadas e tentar resolver essa situação mostra que esta estratégia dos adversários não vai derrotar o povo.

Segundo o cacique, os inimigos dos Xukuru não aceitaram o fato de os indíge-nas terem conquistado o território: “Eles diziam: esses negros cachaceiros nunca vão conseguir nossas terras”. Entre 1990 e 2003, os Xukuru fizeram 50 retomadas e hoje ocupam 95% dos 27 mil hectares homologados como terra indígena em 2001. “Agora, os inimigos apostam que não vamos conseguir cuidar da terra. Por isso, dizem que nos matamos por terra e poder”, afirma.

Povo lembra o líder Xicão e mostra o orgulho de ser XukuruDez anos após a morte de seu líder, povo mostra a organização de suas comunidades e força para continuar lutando

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Povo lembra o líder Xicão e mostra o orgulho de ser Xukuru

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A morte de Xicão, ao invés

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9 Jun/Jul-2008

Criminalização atrapalha projeto de futuro XukuruAssembléia debateu responsabilidades dos meios de comunicação e da Justiça nesse processo

s conseqüências da crimina-lização das lideranças são, atualmente, os principais empe-cilhos para que o povo Xukuru

avance em suas conquistas. Por conta disso, o tema central de debate du-rante a 8ª Assembléia do povo foi: “Dez anos sem Xicão e a perseguição continua”. Por três dias, indígenas, juristas, jornalistas, missionários e outros enfocaram as diversas nuances da questão.

Para a advogada Rosane Lacerda, do Observatório da Constituição e da Democracia, da Universidade de Bra-sília, criminalizar os indígenas é uma estratégia em curso em toda a América Latina. “Criminalizam as lideranças de Raposa Serra do Sol, dos Xukuru, dos Mapuche (no Chile)... Há um dossiê dos Estados Unidos que considera os povos indígenas como os futuros terroristas. Eles não querem que as terras indí-genas sejam demarcadas, para que as suas grandes empresas tenham sempre acesso aos recursos naturais destas terras”, explicou Rosane.

No Brasil, criminalizar lideranças de todos os movimentos sociais foi a forma encontrada para tentar impedir as mobi-lizações. “Na ideologia implantada pelos governos neoliberais, os sem-terra, qui-lombolas, indígenas são os analfabetos, os isolados, os pobres... Não são vistos como quem pode lutar. A prisão tenta isolar as lideranças desses grupos da sociedade. Faz com que o país veja esses grupos como distantes, de fora da sociedade”, argu-menta Jaime Amorim, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST.

Imprensa e JustiçaAinda segundo Amorim, a concentra-

ção da propriedade dos meios de comu-nicação é outra forma de criminalizar os movimentos sociais: “A TV cumpre o pior papel em relação à criminalização. Eles mostram a verdade deles: o sem-terra, o índio é mau e o fazendeiro é bonzinho.”

A responsabilidade dos meios de co-municação na criminalização foi destacada por várias pessoas. “Primeiro os indígenas eram invisíveis, depois tratados como exóticos. Atualmente, são tratados como

criminosos. Muitas vezes, os indígenas são contrários a projetos de desenvolvimento de quem financia as empresas”, ressaltou Rosário de Pompéia, jornalista do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF).

“As empresas de comunicação têm que estar a serviço do povo e não nos atacando”, afirmou o cacique do povo Truká, Aurivan (Neguinho). “Jogam na mídia que somos bandidos. Aí, até provar que não somos, todos nos olham como se a gente fosse bandido”, ponderou indignado o cacique Marcos Xukuru. “A Globo diz: a gente se vê por aqui. Eu me vi preso na TV, mas depois não me vi solto”, lembrou Agnaldo.

O tratamento que a Justiça dá aos con-flitos que envolvem os povos indígenas, muitas vezes, contribui para a criminali-zação das lideranças indígenas. Segundo Sandro Lobo, assessor jurídico do Cimi, a partir da Constituição de 1988, o Estado precisou mudar a forma de tratar os indíge-nas e os órgãos da Justiça também devem reconhecer essas mudanças, respeitar as especificidades e julgar em instâncias fe-derais as questões que envolvem disputas por terras indígenas.

“Algumas autoridades não conhecem as origens da crise na sociedade. As ins-tituições do Estado devem lidar com a diversidade, não deslocá-la para a crimi-nalidade. Só mudamos o senso comum, trazendo a diferença para as instituições”, afirmou o procurador Marco Aurélio Farias do Ministério Público Estadual (MPE) de Per-nambuco. “Às vezes, numa situação onde há disputa, interesses, surge um crime e isto é tratado como se não houvesse um contexto maior”, completou o procurador, que tem incentivado os colegas do MPE a debater a questão indígena, apesar da maior parte das situações que envolvem os indígenas serem tratadas em âmbito federal. n

Nos últimos anos, os Xukuru come-çaram a fazer e discutir a reocupação do território – o que tem sido um grande desafio. “Antes, depois das retomadas, as terras eram divididas para quem participava. Isso começou a não dar certo. Agora, a gente tem áreas coletivas para cultivo e criação de animais. Também estamos acessando crédito do governo para que as famí-lias possam ter condições de iniciar a plantação, pois leva um tempo para ter retorno”, explica Marcos e emenda: “Mas essa perseguição atrapalha todos os projetos... E não é fácil de resolver, por que as figuras aqui de Pernambuco agem em bloco – políticos, empresá-rios, fazendeiros...”.

Para o cacique, há outros dois mo-tivos para os adversários do povo perseguirem as lideranças Xukuru. O primeiro é o interesse dos antigos invasores da terra de conseguir retor-no econômico por meio de turismo religioso na região. O segundo seria a crescente importância da população Xukuru no resultado de eleições locais e para deputados. “Perseguindo nossas lide ranças, eles querem quebrar nossa unidade política”, afirma o cacique Mar-cos. “Mas, eles não vão conseguir e, mais uma vez, vamos sair mais fortes depois dessas tentativas contra nosso povo”, garante animado.

E não há porque não acreditar. Asso-ciando organização interna e articulação

com apoiadores externos ao povo, os Xukuru já superaram desafios maiores. Transformaram o assassinato do líder que iniciou a luta do povo em força para reconquistarem o território.

E mais que isso. Transformaram 10 mil ‘cabocos’ oprimidos empregados de latifundiários, que escondiam sua iden-tidade indígena, em povo. Antes, esses ‘cabocos’ só tinham coragem de assumir suas tradições em público no dia da “des-cida da lenha” para a festa Nossa Senhora das Montanhas, quando vestiam suas roupas de palha e passavam a madrugada dançando o toré. Hoje, eles não se escon-dem mais na mata para dançar o toré ou buscar os encantados de luz. Hoje, eles são jovens que fazem teatro para contar

uma história de séculos de opressão e de resistência. Filmam sua história – passada e atual - e gritam em voz alta: orgulho de ser juventude Xukuru de Ororubá!

São 10 mil Nepruxes (filhos do Man-daru). Mandaru que foi plantado há dez anos. Se em vida, o tronco-Xicão deu galhos, sombra, resistência e muitos frutos, depois de plantado as sementes de Mandaru deram muitas árvores. Não foram dez anos sem Xicão. Foram dez anos com uma semente de Xicão presente em cada Xukuru.

Não há dúvida de que vão conseguir superar mais este desafio. E em voz alta, eles seguem avisando em ritmado toré: “quem não pode com formiga, não assanhe formigueiro!” n

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A Assembléia contou com a presença de outros povos indígenas do Nordeste, entre eles cerca de 40 representantes dos povos do Maranhão

Mais uma liderança que foi criminalizada, o vereador Agnaldo Xukuru, reforçou que essa perseguição tem que resultar em maior união do povo

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10Jun/Jul-2008

Retomada

Egon D. HeckCimi MS

ossos velhos foram expul-sos daqui à bala. Mas agora nós voltamos. Estamos felizes nesse lugar onde ainda tem

muita sombra, árvore e mata. Daqui não saímos de jeito nenhum. É como disse nossa parente Nilda ‘daqui saí-mos mortos, e se quiserem nos matar mandem logo uma máquina escavadeira para enterrar todo mundo aqui’. Queremos apenas o nosso direito. Mas estamos sofrendo por causa desses fazendeiros que botaram esses pistoleiros e seguranças ali. O pessoal da Prefeitura quer ajudar nós, mas não podem. Querem levar nossas crianças pra estudar, mas [os fazendeiros] não dei-xam o carro entrar. Até o carro da Funasa estava sendo proi-bido de entrar. Já morreu uma criança por causa disso. No dia 30 de março morreu Mariana, de 8 meses. Avisamos à Funasa para vir dar assistência, mas os seguranças não deixaram entrar. Só depois de uma semana ela conseguiu chegar ao hospital. Mas já era tarde. Morreu no dia seguinte. O pessoal do sindicato dos fazendeiros está pagando esses seguranças-pistoleiros.”

Assim Farid foi contando firme e pausadamente a volta ao “tekoha”, a terra tradicional indígena. Apressados passos foram nos levando através da terra tombada e do milharal. Preci-samos ter cuidado para que os vigias (guardas armados e pistoleiros contra-tados) não nos percebessem. Menos de 2 mil metros separam a BR-367 do acampamento indígena. Um apreensivo silêncio foi sendo recortado por rápidas observações. Subitamente um veado passou em disparada à nossa frente. Inusitado. Em todos esses anos não havia visto esse animal sobrevivente em meio à quase total devastação da mata atlântica. Adentramos ao milharal em-bonecado. Não demorou e uma clareira anunciou o acampamento.

entre a mata e o milho – a alegria da vida nova

Uma cena impressionante. Após os últimos pés de milho, algumas linhas brancas sobre a terra vermelha divisavam o campo de futebol. O jogo estava rolando. Do outro lado, o limite que separava o campo do mato onde se escondiam os barracos era de poucos metros. Cenário de vida, alimento e lazer. Cães, gatos, patos, galinhas e outros bichos circulavam livremente entre as pessoas e os barracos.

No pátio, um filhote de ema des-filava. Logo foram buscar uns filhotes de cateto (espécie de porco do mato). Um deles era de dona Araci Pedro, uma das matriarcas de um dos grupos. Com seus 96 anos ela foi saindo do barraco, toda encurvada, mas com um olhar de esperança e satisfação. Ao lado dos barracos, pequenas rodas de conversa e algumas crianças se balançando em cipós. Uns periquitos mansos faziam

algazarra perto de um dos barracos. Na casa do muruvicha, liderança política do grupo, acontecia uma pequena reunião para esclarecer o conteúdo de um dos documentos recebidos. A vida fluindo e florescendo com muita agitação e contagiante alegria. Talvez uma réplica tímida do que eram as aldeias Kaiowá Guarani há algumas décadas.

Algumas redes amarradas às árvores embalavam levemente jovens e mulhe-res que assistiam confortavelmente o futebol, as brincadeiras das crianças, as conversas dos adultos. Num dos barracos, a fumaça anunciava o fogo que aquecia uma roda de mulheres com crianças no colo e, sobre um pequeno girau, pedaços de carne sendo amoqui-nhados. Eram pedaços de tamanduá (kaguaré kaé). Cenas semelhantes eu só vira entre os povos indígenas na Amazônia. Parecia um sonho.

A cerca de arame farpado virou varal. Logo ali, adiante, o belo córrego “Karajá Arrojo” serve para lavar a rou-

LaRaNjeIRa NhaNDeRU

a volta à terra, à dignidade e à alegriaGrupo de Guarani Kaiowá retoma seu território tradicional no Mato Grosso do Sul

pa e tomar banho. Também tem um bocado de peixe. O clima aqui sempre é agradável. À sombra das árvores ar-mamos nossa esperança.

Celebrando o futuro e a lutaLogo apareceram crianças e adultos

com a vestimenta ritual. Queriam fazer registros da celebração da vida nova, no acampamento. Não demorou para iniciarem a dança e o canto, ao ritmo do mbaracá e takuara.

Foi emocionante compartilhar a alegria pela retomada da terra. Jeroki, futebol, conversa, visita às margens do rio Brilhante, travessia pela mata. Não parecia estar no Mato Grosso do Sul tão impiedoso e injusto, cruel e ingrato para com seus primeiros habitantes, em especial os Kaiowá Guarani.

A retomada e a luta pela terraApós a Aty Guasu (assembléia) que

aconteceu em fevereiro, o grupo acam-pado decidiu pelo retorno ao antigo tekohá dentro do Nhande Retã (grande território). Eles sabiam que iriam enfren-tar a ira dos que estão de posse hoje dessas terras à beira do rio Brilhante.

As reações não tardaram. Além da reação dos fazendeiros, a Câmara Municipal de Rio Brilhante enviou um documento para o governador do esta-do, parlamentares e outras autoridades exigindo que “sejam feitas gestões junto aos órgãos competentes visando a busca de uma solução urgente para os problemas relacionados à invasão de propriedades particulares no mu-nicípio de Rio Brilhante, efetivada por indígenas, com a efetiva desocupação das mesmas”. Dizem ainda que “os proprietários rurais circunvizinhos da propriedade invadida estão sob tensão e preocupados com a possibilidade dos indígenas invadirem outras áreas lindei-ras daquela já ocupada, e já contrataram uma empresa de segurança para fazer o trabalho preventivo”.

O Ministério Público Federal em Dourados entrou com uma ação para assegurar o direito dos indígenas ao seu território tradicional. n

“NOs adultos conversam sem pressa, as crianças de vestimenta ritual dançam e cantam. Todos celebram a vida nova no acampamento

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11 Jun/Jul-2008

Demarcação de terras

Cristiano NavarroCimi MS

epois de uma espera angus-tiante de mais de cinco anos, o Estado brasileiro ouviu as lideranças Guarani Kaiowá e

enfim firmou um acordo para reiniciar os estudos antropológicos para de-marcação física de seus territórios.

Assim, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em novembro de 2007, entre o Ministério da Justiça, Mi-nistério Público Federal, Funai e 23 lideranças indígenas, ficou acordado para a primeira semana de maio o início dos trabalhos de seis Grupos Técnicos (GTs) que deveriam identi-ficar e delimitar 36 terras indígenas do povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, por meio de estudos antropológicos. O prazo final para entrega dos trabalhos está previsto para abril de 2010.

O TAC atende parte de uma das maiores demandas indígenas por terra no Brasil - ao todo são mais de 100 terras tradicionais Guarani Kaiowá por demarcar no MS. Devido ao confi-namento em que se encontra, em mé-dia menos de um hectare por pessoa, a população de 40 mil Guarani Kaiowá vive o drama dos mais altos índices de assassinatos, suicídios e de fome entre os povos indígenas no Brasil.

No entanto, apesar de toda a urgência em reconhecer as terras Guarani Kaiowá, parlamentares e representantes do governo do estado já se organizam de forma contrária. Em um manifesto divulgado no dia oito de abril, 15 representantes da Assembléia Legislativa ignoraram a Constituição Federal. No entendi-mento dos parlamentares, os Guarani

Kaiowá não têm direito de retornar às terras de onde foram expulsos pelos fazendeiros.

Em pronunciamento, o deputado estadual, Zé Teixeira (DEM), foi além, contestando a identidade do povo Guarani Kaiowá. “Qual é o hábito e o costume que o índio tem numa pro-priedade que ele não vive há mais de 40 anos?”, indagou o deputado, que complementou, “como vendeu terra de índio, se (o índio) nunca foi dono de nada?”.

Porém, ao contrário do que ar-gumenta Zé Teixeira, sabe-se que as terras têm comprovação histórica re-cente e antropológica incontestáveis. Em algumas destas terras, inclusive, inúmeras famílias permanecem vi-vendo aldeados à beira das estradas

e nos fundos das fazendas em restos de mata.

Em apoio à iniciativa dos par-lamentares, o governador que se encontrava em exercício no dia dois de junho, Jerson Domingos, declarou estar mobilizando os prefeitos dos municípios das regiões de Dourados e Aquidauana para entrarem na justiça com pedidos de liminar com objetivo de inviabilizar o começo dos traba-lhos dos GTs.

Acordo ainda não cumprido

De acordo com o Termo de Ajus-tamento de Conduta assinado pela Funai e pelas comunidades Guarani, os trabalhos dos GTs deveriam ter começado em maio deste ano, mas devido às pressões políticas, até agora isso não aconteceu. Segundo a assessoria de imprensa da Funai, o início dos estudos em área foi adiado para uma data ainda não definida. Os antropólogos que vão fazer os estudos já foram selecionados e estariam em treinamento, definindo prioridades e em que área cada grupo trabalhará. n

Polícia prende e fere indígenas no MSDurante violento despejo a Polícia Militar prendeu quatro e deixou diversos feridos

Marcy PicançoRepórter

a manhã de 17 de junho, a Polí-cia Militar prendeu quatro pes-soas e deixou diversos feridos após um violento despejo numa

aldeia do povo Terena, em Miranda a 230 km de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A PM foi cumprir uma decisão de reintegração de posse e, algumas horas depois do despejo, os Terena voltaram para a terra retomada.

No dia 13 de junho, cerca de mil in-dígenas haviam retomado parte de seu território tradicional que está invadido por uma fazenda. A área retomada fica nas aldeias Passarinho e Moreira. Esta terra indígena tem, segundo registros da União, 208 hectares. Entretanto, 48 hectares estão invadidos por fazen-deiros. Esta é a parte que os Terena estão tentando reconquistar. Nos 160 hectares restantes, vivem cerca de 3 mil pessoas, ou seja, há apenas 0,05 hectare disponível para cada Terena.

Ainda no dia 13 de junho, a Juíza Vâ-nia Arantes, da 1º Vara Cível de Miranda, deferiu liminar de reintegração de pos-se ordenando desocupação imediata da área retomada e decretando a prisão das lideranças que tentarem resistir.

Conforme a assessoria jurídica do Cimi trata-se de uma decisão nula porque “foi proferida por juiz absolu-tamente incompetente para processar e julgar esse tipo de demanda, pois conforme o Artigo 109, inciso XI, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas que, no caso, é a reivindicação da demarcação de suas terras, que foram feitas por meio desta retomada, amparados pelo Artigo 231 também da Constituição”. Portanto, não poderia uma juíza estadual decidir um litígio envolvendo conflitos de terra indígena.

Segundo as lideranças Terena, o despejo foi violento. A PM atirou bom-bas de efeito moral e agrediu diversos indígenas. Os feridos foram atendidos no posto de saúde. Ramona Araújo Qui-rin ainda está hospitalizada em conse-qüência das agressões sofridas. Durante o despejo, a PM prendeu quatro indíge-nas; três, acusados de desobediência e uma por dano material. n

N guarani Kaiowá enfrenta reações racistasPor conta disso, comunidades do Mato Grosso do Sul enfrentam mais atrasos no início do reconhecimento dos territórios

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Acampamento na terra indígena Kurussu Ambá, onde o povo vive em condições sub-humanas. Esta será uma das terras contempladas pelo trabalho dos GTs

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12Jun/Jul-2008

Educação indígena

Equipe FeijóCimi Regional Amazônia Ocidental

direito à educação escolar indígena está assegurado na Constituição Federal de 1988, quando afirma que todos têm

direito à educação e à igualdade de condições de acesso e permanência na escola. Mais especificamente sobre os povos indígenas determina que “são reconhecidos aos índios sua organiza-ção social e costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (Art. 231).

A Educação Escolar Indígena, re-conhecida pela nova Constituição, foi então regulamentada por uma legisla-ção especifica. Criou-se, assim, o que se convencionou chamar de “educação diferenciada”. O termo tenta dar conta das particularidades das condições dos povos indígenas e passou a ser o discur-so orientador das políticas públicas de educação voltadas aos povos indígenas. Porém, no município de Feijó, estado do Acre, esse direito não é cumprido pelo poder público.

Ao nos depararmos com a realidade, encontramos as escolas em péssimas condições. Um estado de total precarie-dade, em que tudo falta: infra-estrutura adequada, material escolar, merenda, qualificação de professores, transporte, dentre outros requisitos básicos para que uma escola realmente possa se dizer de qualidade.

Os professores indígenas e as co-munidades do alto e baixo rio Envira denunciam a distância que existe entre a educação escolar indígena preconizada na legislação e aquela que vem

sendo realizada de fato pelo governo do Acre. Os professores relatam com tristeza e revolta suas condições de trabalho, ficando patente a negação dos direitos indígenas. “Ainda não con-segui começar o ano letivo por falta de condições. A escola está muito ruim e quando chove molha muito. Ainda não recebemos cadernos, lápis, borrachas... e a merenda só chegou agora, dia 21 de maio, e só dá para poucos dias. Desse jeito não temos condições de dar aula para o aluno”, relata a professora Raina Kampa da escola Ashaninka Alto Bonito II.

Em algumas comunidades, como na aldeia Morada Nova, o ano letivo começou no início de março porque os professores pediram aos pais que comprassem os materiais dos alunos.

Apesar da construção, em 2006, de uma nova escola nessa aldeia, a falta de material não foi superada. Professores contam que muitas crianças chegam a desistir de ir à escola por falta de merenda escolar. Como a alimentação é escassa nas aldeias próximas à cidade, a merenda é uma complementação da dieta das crianças. Quando essa não chega à escola, muitas crianças têm que faltar às aulas para que os pais providenciem alimentação para elas e para os irmãos menores.

Educação em condições degradantes

Este ano, a merenda das escolas indígenas foi entregue somente no mês de maio e sabe-se que a próxima remessa de merenda irá demorar e muito. Normalmente a quantidade teria que ser suficiente para 50 dias, porém ela acaba bem antes, pois existe a agravante de a quantidade de merenda

que é entregue não conferir com a relação das escolas.

Acima, escola

da aldeia Paredão, na TI Katukina/

Kaxinawa. Abaixo, escola

da aldeia Jaminawá, na terra TI Jaminawá/

Envira. A crítica situação

das escolas na região prejudica

o ensino e favorece a evasão

escolar

Retratos da realidade nas escolas indígenas do acreFalta de material e merenda escolar, carteiras velhas, goteiras, ausência de capacitação para os professores inviabilizam uma educação de qualidade

As carteiras que chegam nas es-colas indígenas são as já usadas pelas escolas das zonas rural e urbana. Quando estas recebem carteiras novas mandam as velhas para as escolas indí-genas já em péssimo estado, como se as escolas indígenas fossem depósitos de materiais.

As escolas existem porque muitas comunidades se reúnem e as constro-em. As que são construídas pelo Estado, ficam à mercê da sorte, pois muitas são construídas com materiais de péssima qualidade e com menos de um ano de uso já se percebe esse descaso: assoa-lhos soltos e estragados por causa das chuvas e do sol; telhados que não resis-tem ao inverno, pois já estão cheios de goteiras e muitas escolas praticamente destelhadas.

“No momento em que começa a chover as crianças todas correm de um lado para outro para se proteger da chuva que molha toda a sala de aula, o material escolar... o quadro de giz só dá para um ano. Além da chuva, as crianças têm que se proteger do sol. Temos que parar com a aula e mandar todas as crianças para suas casas. É muito triste que nossa escola esteja assim e nossas crianças sofrendo com isso”, conta a professora Maria Francisca de Freitas da Escola Paredão, na terra indígena Katukina/Kaxinawá.

A capacitação dos professores indígenas é outro problema que os professores enfrentam, pois, além de começarem o ano letivo sem nenhuma capacitação ministrada pela Secretaria de Educação que lhes dê mais segu-rança para enfrentar as dificuldades, o curso que alguns professores fazem não os titula e é visível a preocupação deles com seu futuro enquanto profis-sionais e da própria educação indígena que tradicionalmente é tachada de inferior.

O que é mais intrigante é quando confrontamos a triste realidade das escolas indígenas com a realidade das escolas das zonas urbana e rural do Acre: elas não têm esse cenário desola-dor que as escolas indígenas têm. Seus alunos recebem material escolar, a me-renda é entregue no prazo, as escolas são reformadas e/ou construídas e seus professores não iniciam o ano sem uma capacitação.

“Estamos dando o ano letivo da forma como vocês estão vendo: sem nenhum material, faço o que posso, mas sei que não é o suficiente para os meus alunos”, lamenta o professor Ferreira Kulina, da Escola Jaminawá. n

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Movimentos sociais

Egon D. Heck Cimi MS

ais um histórico encontro acaba de acontecer no continente Abya Yala-América. A “Cumbre de los Pueblos”, de 12 a 16

de maio. São os povos que ressurgem como protagonistas políticos para mostrar a falência a que chegou a civi-lização invasora, com seus modelos e valores, colocando hoje em risco a vida de milhões de condenados à fome e miséria, num continente de abundância e riquíssima sócio e biodiversidade.

É esse continente insurgente, que faz brotar das raízes a seiva da solidária harmonia na pluralidade, e a unidade na justiça e diversidade, que é o novo encantamento, que está derrubando os velhos preconceitos, sistemas polí-ticos, econômicos e sociais, pois tem consistência e sabedoria histórica e força ética e moral para a derrubada dos muros vergonhosos no continente Abya Yala. Daí a razão desse encontro para alavancar a integração dos povos e das lutas, descolonizando o poder, o saber e o sentir.

Dívidas históricas“Reconhecer os povos indígenas

como credores de dívidas históricas, significará deter o saque, exploração e invasão de nossos territórios; exigir a restituição dos territórios ocupados e de nossos lugares sagrados; denunciar a ilegitimidade da dívida externa e exi-gir sua anulação total e incondicional; rechaçar as políticas das instituições financeiras internacionais e as empresas transnacionais que produzem o saque; proibir a biopirataria, o trafico e a pa-tente de saberes e remédios ancestrais;

exigir o respeito e reconhecimento de nossas formas de vida, línguas, cultu-ras, práticas e crenças” disse Miguel Pa-lacin, da Alai (Agência Latino-americana de Informação).

Luta femininaAs mulheres foram indiscutivelmen-

te o movimento de maior destaque, participação política e articulação de lutas e propostas nas Cumbres reali-zadas em Lima. Além de contribuir na luta de descolonização do poder, do saber e do sentir, numa ampla frente de enfrentamento do sistema colonial, capitalista e neoliberal, elas também expressaram com vigor suas lutas es-pecíficas contra o machismo, a discri-minação e a opressão da mulher ainda acontecendo nos diversos espaços, desde a família até as esferas sociais, políticas e econômicas.

As mulheres, além de uma vasta temática de debates envolvendo os desafios, violências e violação dos seus

Via Campesina divulga projeto para o campo brasileiro

direitos e dos povos, também estiveram empenhadas em avançar na preparação da “Cumbre Continental de Mujeres”, a realizar-se em 2009, no Chile. “A Cum-bre de Mujeres Indígenas é um mandato da III Cumbre Continental de Guatema-la. Seu objetivo é articular propostas e visualizar os obstáculos e limitações que afrontam as mulheres dentro das organizações e instituições para sua participação política e exercício dos direitos como indígenas”.

Tribunal Permanente dos PovosLogo após a abertura oficial da

Cumbre de los Pueblos, foi oficialmen-te instalado o Tribunal Permanente dos Povos. A sessão foi presidida pelo sociólogo belga François Houtart, que falou da importância do tribunal para dar visibilidade às violações que os povos estão sofrendo pela ação das multinacionais européias. Falou que essas empresas continuam o processo de colonização ou agora recolonização,

com as violências e os impactos de um processo de mais de 500 anos.

Na parte da fundamentação e análise das violações, foi registrado a Dívida para com os Povos Indígenas e Afrodescendentes: “Reconhecemos a existência de uma dívida histórica com os povos originários do hoje chamado continente americano, gerada pela in-vasão, conquista e colonização de seus territórios desde o século XV, por parte das nações européias. Não somente arrebataram as terras e escravizaram os indígenas para o trabalho nas mi-nas, plantações e pecuária, senão que provocaram mortandades massivas de populações originárias e o corte vertical do processo de desenvolvimento pró-prio desses povos. Se apagou uma civi-lização com seus saberes, suas crenças e suas sabedorias. O saque foi também um genocídio cultural....”

No encerramento dos trabalhos, foi lido o documento contendo denúncias das violações e encaminhamentos. n

Integração dos povos e das lutasPovos das Américas realizam encontro em Lima, no Peru, para discutir direitos

13 Jun/Jul-2008

Ameríndia

a tarde da quarta-feira, 11 de maio, entidades que compõem a Via Campesina Brasil divul-garam, em Brasília, um docu-

mento com propostas consideradas estruturantes para o desenvolvimento do campo brasileiro.

Entre os pontos apresentados estão programas de fomento de agroindús-trias para a produção de alimentos e agroenergia, reflorestamento e infra-estrutura em assentamentos, bem como

a ampliação dos programas de educa-ção do campo e a criação de uma estatal de fertilizantes.

O documento pretende abrir o debate com a sociedade a respeito dos prejuízos causados pela ação das empresas transnacionais da agricultura, como a crise do preço dos alimentos. “A sociedade tem que se apropriar do debate. Saber o que come, sobre a água que toma, o quanto vale o suor do cortador de cana para abastecer o carro

com álcool”, afirmou Dirceu Fumagalli, da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

“Queremos dialogar com a socieda-de e, se o governo nos chamar, temos propostas a curto prazo, viáveis e que necessitam de menos investimento do que o que destinado atualmente ao agronegócio exportador, voltado ao monocultivo e não à produção de alimentos”, completou Frei Sergio Gör-gen, do MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores).

No dia 12 de junho, integrantes da Via Campesina e trabalhadores urba-nos da Assembléia Popular realizam uma jornada de lutas para denunciar os problemas causados pela atuação das grandes empresas no país, espe-cialmente as estrangeiras, que são beneficiadas pelo modelo do agro-negócio e pela política econômica neoliberal. Aconteceram protestos em pelo menos 13 estados. (Via Campe-sina Brasil) n

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Os povos de Abya Yala dão grande contribuição para a construção de uma nova América, de um novo mundo. Blanca Chancoso, ao lado do sociólogo Boaventura Santos, fez uma fala incisiva ressaltando o processo histórico de dominação, saque e destruição dos povos indígenas no continente

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Renata A. AguilarCimi GO/TO

Ilha do Bananal, maior ilha fluvial do mundo com cerca de 1.916.225 hecta-res, localiza-se no estado

do Tocantins, próxima à divisa com Góias, Mato Grosso e Pará. A Ilha abriga ao norte a unidade de conservação Parque Nacional do Araguaia e, ao sul, duas terras indígenas: o Parque Indígena do Araguaia e o território indígena Iñawebohna, ambas com demarca-ções homologadas pelo presidente da República.

Após décadas de luta para a retirada de invasores do Parque In-dígena do Araguaia, foi concedido aos povos indígenas Javaé, Karajá e Avá Canoeiro o direito pleno e inalienável ao seu território, que possui cerca de 1.358.000 hec-tares. A decisão foi determinada pela 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Tocantins “devendo os ocupantes retirarem seus perten-ces e rebanhos até 28/04/2008”.

Porém, a decisão judicial não foi determinante para a retirada dos fazendeiros que persistem em continuar na área indígena. Eles cobram dos indígenas o cumpri-mento dos acordos feitos por meio do arrendamento de suas terras, o que vem causando divergências de opinião entre a população Javaé. Muitos temem que as cobranças dos fazendeiros levem a retalia-ções e temem também a falta de perspectiva de outras alternativas concretas de sustentabilidade econômica.

HistóricoA chegada e permanência de

não indígenas na Ilha do Bananal teve início na década de 1950. Os invasores buscavam planícies e pasto natural para a prática agro-pecuária, o que culminou numa expressiva exploração ilegal dos recursos naturais da região. A invasão foi facilitada pelo Serviço de Proteção ao Índio – SPI – (ór-gão substituído pela Funai em 1967), por meio do arrendamento de terras aos não-índios, com o preço abaixo do mercado, numa tentativa de convencer os Javaé de que seria uma eficiente estratégia de geração de renda para a popu-

lação. Isso perdurou até o final da década de 1980.

Essa manobra resultou na con-centração de indígenas em aldeias, destinando áreas livres para as atividades dos invasores, o que estimulou uma relação assisten-cialista entre o órgão indigenista e os indígenas e o incentivo aos indígenas em dar continuidade ao arrendamento para o pasto.

Terra Indígena Iñawebohona

Ainda na Ilha do Bananal, em território vizinho ao Parque Indígena do Araguaia, encontra-se terra indígena Iñawebohna. Homologada em 2006, esta terra compreende uma área de 377 mil hectares. Seus moradores também sofrem com o arrendamento das terras a não-índios.

Paulo Javaé morador da aldeia Boto Velho - em Iñawebohna - presidente da associação Natureza Viva e vice-presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena do To-cantins conta como foi o processo de desintrusão da área. “Na década de 1990, teve início a retirada dos grandes fazendeiros. Segundo a Funai o único jeito de ganhar a causa seria através da iniciativa do povo Javaé. Os pequenos saíram, muitos foram assentados pelo In-cra, mas os grandes continuaram. Eles entraram com um recurso que perdurou por quatro anos”.

Em 1998, quando o território indígena estava invadido pelo gado, contou-se com recursos financeiros para a retirada de pos-seiros e fazendeiros, mas a popula-ção se encontrou sem alternativas de geração de renda, “pois muitos Javaé viviam do arrendamento de suas terras. Foi implantado pelo próprio branco esse sistema, o nosso pessoal conhecia, era tentador ganhar dinheiro”, conta Paulo.

Ele destaca a necessidade de novos caminhos sustentáveis para os Javaé. Um deles é a efetivação do acordo de pesca - entre o Ibama, a Funai e as comunidades indígenas de Iñawebohona - que inclui fases de produção que vão desde a pesca monitorada à comer-cialização. Iniciativas que podem contribuir para a autonomia da população. n

A vidA dos povosIlha do Bananal: a busca pela sustentabilidade do povo javaéApós a retirada dos fazendeiros de suas terras, povo aposta na pesca para a autonomia da população

a

s Javaé pertencem a um subgrupo do povo Karajá, de tronco lingüístico Macro-Jê, com ocupação imemorial

no vale do rio Araguaia, região prenhe de seus mitos e tradições culturais. Atualmente ocupam a Ilha do Bananal com uma área de aproximadamente 1.700.000 hectares.

Continuam com as práticas tradicionais de caça e pesca. Peixes, quelônios, animais silvestres, plumagem de aves estão pre-sentes nas pinturas, adornos e artesanatos Javaé. As famílias mantêm roça de subsis-tência com plantios de inhame, batata-doce, mandioca e banana.

O ritual de Aruanã ocorre no período das chuvas na época de colheita, quando costumam pescar jaraqui, tucunaré e tarta-ruga para o preparo do paparuti (massa de mandioca e peixe). O ritual narra a origem do grupo Javaé: antes os seres humanos viviam no fundo das águas em berahatxi (abaixo do leito dos rios) e descobriram o mundo terrestre com fartura de comida e exube-rante natureza. Resolvem habitar a Terra, compreendem que é preciso trabalhar para se alimentar e organizar-se em sociedade. Durante o ritual, os pajés convidam os es-píritos Aruanãs que continuam vivendo nas águas, as mulheres oferecem comida para os Aruanãs que visitam as aldeias através de homens mascarados.

Nos rituais de Hetoroky, em que costu-mam pescar a pirosca, acontece a passagem dos meninos Javaé para a fase adulta. Os pajés convidam os espíritos Aruanãs, re-presentando a ancestralidade, bem como os parentes da região, e constroem uma casa grande para oferecer fartura de comida aos convidados. Ainda realizam lutas entre homens “Ijesu”, jogos e competições.

a cultura e os costumes do povo javaé

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14Jun/Jul-2008

Povo Javaé mantém práticas

tradicionais de caça e

pesca e os rituais de

Aruanã, que acorre na época de

colheita, e de Hetoroky,

quando os meninos

passam à vida adulta

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15 Jun/Jul-2008

Resenhas

P r e ç o s

Ass. anual: R$ 40,00 *Ass. de apoio: R$ 60,00 América Latina: US$ 40,00 Outros países: US$ 60,00

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banco bradescoagência: 606-8 – conta corrente: 144.473-5conselHo indigenista missionárioenvie cópia do depósito por e-mail, fax (61-2106-1651) ou correio e especifique a finalidade do mesmo.

Formas de pagamento:

Rosana de JesusCimi MA/ Equipe Awá

wa ‘Iha pape rehe” – fala Awá so-bre o papel – é um livro de textos fruto do trabalho de educação e formação desenvolvido pelo

regional do Cimi no Maranhão, durante seis anos, com o povo indígena Awá-Guajá nas comunidades Awá e Tiracambu, na terra indígena Caru, no município de Bom Jardim (MA).

São textos temáticos na língua Guajá com versões aproximadas em português e imagens. Eles foram construídos coletivamente durante o processo de “fazer papel” – estudar - com jovens e adultos na “casa de conversa”. São maneiras de narrar sua cultura, sua história e como vêem o mun-do. O resultado marca dois momentos

Leda BosiSEDOC

livro trata de vários temas relativos ao di-álogo entre a Igreja Católica e os povos

indígenas do Brasil, sendo os Ticuna o ponto inspirador e de equilíbrio desse encontro. O autor busca a expressão de um novo diálogo com esses povos, no contexto de sua realidade e do ecossistema amazônico. Procura entender a pessoa a partir da vivência, tradição e cultura, da sua relação com o sagrado e sua sabedoria.

A missão cristã se fragmen-tou no transcurso dos séculos, em conseqüência do interesse explo-rador dos primeiros colonizadores. A primeira tentativa de redução com os Ticuna ocorreu em meados do sé-culo 18, com a fundação da redução de Santo Inácio de Loyola de Pebas y Caumares. Outras ordens religiosas também se estabeleceram na região como Carmelitas, Capuchinhos e Irmãos Maristas.

O livro resgata o histórico da região desde a chegada dos coloni-zadores e os primeiros contatos na região amazônica, os massacres, a resistência indígena, o império da borracha no trabalho dos seringais, até a presença da Igreja na Pastoral In-digenista no Alto Solimões. No estudo sobre o povo Ticuna - língua, organi-zação social, economia - destacam-se os elementos de sua religiosidade, a cosmologia que norteia suas crenças, seus mitos e ritos, a relação com o mundo da floresta.

A história, diz o autor, distanciou o diálogo teológico e missionário - diante da cultura, tradição e expres-sões sagradas dos povos indígenas e dos conflitos sociais que afetam as aldeias - dos povos indígenas, que se depararam com nosso modo de ser e este nosso “mundo novo”. Mas, com o diálogo inter-religioso é possível mostrar os fundamentos teológicos e de evangelização respeitando as culturas indígenas.

Para o autor, a fonte da missão foi e continua sendo o diálogo com os Ticuna, os fundamentos doutrinais do Magistério da Igreja, da Celam, dos documentos da CNBB e do Cimi e os Congressos Missionários na América Latina. n

a Igreja Católica e os Povos Indígenas do Brasil – Os Ticuna da amazônia

Fala awá sobre o papelLivro registra histórias na língua materna

*Os Awá-Guajá não comem os guaribas que foram criados como animal de estimação, mesmo os que voltam para a mata depois de adultos.

A Igreja Católica e os Povos Indígenas do Brasil Os Ticuna da Amazônia Édison Hüttner Porto Alegre : EDIPUCRS, 2007Pedidos: [email protected]

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história da caça do guaribaTerminou o período de engorda do guariba, a comida dele acabou.Agora aquele que está magro comerá só folha.Quando estiver chovendo de novo, ele vai engordar.Os Awá são caçadores de guariba, eles comem os que foram caçados.*As mulheres Awá não pelam guariba e também não os moqueiam.Aquelas que acabaram de ter filho não podem comer guariba.Só quando o umbigo do filho cai é que elas podem comer.Hajkaramuky é o maior caçador de gauriba.Ele matou 35 deles.

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O livro traz textos temáticos na língua Guajá com versões em português e imagens

singulares: a aquisição da escrita na língua materna dos Awá e o registro de histórias pelos próprios indí-genas.

Quanto ao registro da língua, é importan-te esclarecer que se

trata de uma ortografia em caráter experimental, já que os estudos sobre a língua estão em andamento.

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16Jun/Jul-2008

APOIADORES

UNIÃO EUROPÉIA

Mulheres, senhoras dos destinos,

que tudo alentam.

Mães, trabalhadoras, defensoras da vida, da tua coragem depende

esta terra sagrada.

Provedora da vida em abundância, em ti está a força da humanidade

e da natureza.