154

Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational
Page 2: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

A Aprendizagem Social (AS, ou Social Learning – SL), as práticas educativas e a participação da sociedade civil estão entendidas neste artigo como ferramentas que contribuem no processo de construção de tomada de decisão compartilhada, interdisciplinar e intersetorial sobre a gestão das águas. A ênfase é no fortalecimento dos comitês de bacia hidrográficas – CBHs, e no em-poderamento de atores da sociedade, em diferentes níveis socioterritoriais. O trabalho tem como referenciais conceituais abordagens baseadas nas práticas educativas em diversos níveis e escalas, especialmente os concei-tos de aprendizagem social e de construção de consensos gradativos.

Na urbanidade, expandida de maneira desordenada e excludente, os espaços sociais têm tradicionalmente se di-vidido entre uma massa de executores e de especialistas autorizados a deliberar, planejar e decidir, legitimados por imposições de caráter coercitivo, tanto no plano material como no plano simbólico. Ciência e conhecimentos da experiência cotidiana de autores-sujeito de seu próprio processo de sobrevivência se divorciam, fortalecendo-se as barreiras e fronteiras simbólicas entre os diferentes estratos sociais, cada vez mais hierarquizados. Nesse contexto se reconfigura permanentemente a escola, enquanto instituição social planejada por especialistas.

Na educação formal, os referenciais da aprendizagem social se inserem nas práticas socioambientais edu-cativas de caráter colaborativo, que têm se revelado veículo importante na construção de uma nova cultura

Resumo: A Aprendizagem Social (AS, ou Social Learning – SL), as práticas educativas e a participação da sociedade civil estão entendidas neste artigo como ferramentas que contribuem no processo de construção de tomada de decisão compartilhada sobre a gestão das águas e no empoderamento de

atores sociais, em diferentes níveis socioterritoriais.

Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas.

Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational practices and the participation of civil society are important tools that contribute in the process of construction of shared decision making in water basin management and to the empowerment of social actors in different socio-territorial levels

Key words: Social Learning. Water resources. Educational practices.

AprendizAgem SociAlpráticas educativas e participação da sociedade civil como estratégias

de aprimoramento para a gestão compartilhada em bacias hidrográficas

Pedro r. Jacobi

Sandra inêS b. GranJa

Maria iSabel Franco

Page 3: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

� PEdRo R. JAcobi/SAndRA inêS b. GRAnJA/MARiA iSAbEL FRAnco

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

de diálogo e participação (ArNSteiN, 2002). Como práxis educativa engajada e política, abre um estimulan-te espaço para a construção de eixos interdisciplina-res em torno dos quais se tece uma nova cultura para a formação abrangente, a partir de uma abordagem sistêmica e complexa.

essa abordagem, integradora das relações entre as esferas subjetivas e intersubjetivas, amplia a pos-sibilidade de constituição de identidades coletivas em espaços de convivência e debates. Neles, os confli-tos adquirem status de desafios a serem explicitados e negociados. isto abre caminhos para incrementar o potencial da escola que, embora atrelada ao insti-tucional, pode se tornar um espaço de diálogos ho-rizontalizados e de aprendizagem do exercício da democracia participativa, mediando experiências de diferentes sujeitos autores/atores sociais locais na construção de projetos de intervenção coletivos.

Esse “fazer coletivo” configura-se em importan-tes estratégias que englobam um conjunto de atores e práticas, podem ser um elemento inovador para a construção de pactos de governança no futuro das bacias hidrográficas, pois fomentam a compreensão e o acolhimento de novos paradigmas. estes mode-los podem informar novas escolhas do poder público e da sociedade numa perspectiva de avanço rumo à sustentabilidade socioambiental.

Atualmente, o avanço rumo a uma sociedade sus-tentável é permeado de obstáculos, na medida em que existe uma restrita consciência na sociedade a respeito das implicações do modelo de desenvolvimento em curso (VeiGA, 2005; GUiMArÃeS, 2001). As cau-sas básicas que provocam atividades ecologicamente predatórias podem ser atribuídas às instituições so-ciais, aos sistemas de informação e comunicação e aos valores adotados pela sociedade (JACOBI, 1997; GUiMArÃeS, 2001).

A definição de Desenvolvimento Sustentável for-mulada no Relatório Brundtland é permeada de ambi-güidades (TILBURY, 1996, p. 2; CARIDE; MEIRA, 2001). O conceito alcança maior difusão e toma for-ma mais operativa e circunstanciada na Agenda 21, aprovada na Rio 92, sem que, entretanto, desapare-çam as contradições.

A sustentabilidade, como novo critério básico e integrador, coloca em pauta permanentemente as responsabilidades éticas, na medida em que a ênfase nos aspectos extra-econômicos serve para reconside-rar os aspectos relacionados com a eqüidade, a justiça social e a ética dos seres vivos.

A multiplicação dos riscos, em especial os am-bientais e tecnológicos de graves conseqüências, são elementos chave para entender as características, os limites e as transformações da nossa modernidade. Os riscos contemporâneos explicitam os limites e as conseqüências das práticas sociais, trazendo com eles um novo elemento: a “reflexividade”.

A sociedade, produtora de riscos, se torna crescen-temente reflexiva, o que significa dizer que ela vem a ser um tema e um problema para si própria. Além dis-so, ela passa a ser cada vez mais autocrítica e, ao mes-mo tempo em que a humanidade põe a si em perigo, reconhece os riscos que produz e reage diante disso. A sociedade global “reflexiva” se vê obrigada a autocon-frontar-se com aquilo que criou, seja de positivo ou de negativo. O conceito de risco, então, passa a ocupar um papel estratégico para o entendimento das carac-terísticas, dos limites e das transformações do projeto histórico da modernidade (BECK, 1997, p. 16-17).

A reflexão sobre a sociedade de risco permite esta-belecer a complexa temática das relações entre meio ambiente e educação, a partir de alguns parâmetros presentes em práticas sociais centradas na “educação para uma sociedade sustentável”.

Num contexto marcado pela degradação perma-nente do meio ambiente e do seu ecossistema, a pro-blemática envolve um conjunto de atores do universo educativo em todos os níveis, potencializando o en-gajamento dos diversos sistemas de conhecimento, a capacitação de profissionais e a comunidade universi-tária numa perspectiva interdisciplinar.

Vive-se, no início do século XXi, uma emergên-cia, que, mais do que ecológica, é uma crise do estilo de pensamento, dos imaginários sociais, dos pressu-postos epistemológicos e do conhecimento susten-tadores da modernidade. O caminho para uma so-ciedade sustentável é fortalecido à medida que são desenvolvidas práticas educativas que, pautadas pelo paradigma da complexidade, apontem para a escola e

Page 4: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

APREndizAGEM SociAL: PRáTicAS EducATivAS E PARTiciPAção dA SociEdAdE... �

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

os ambientes pedagógicos uma atitude reflexiva em torno da problemática ambiental (JACOBI, 2003).

Nessa direção, a problemática ambiental represen-ta também a possibilidade de abertura de estimulantes espaços para implementar alternativas diversificadas de democracia participativa, notadamente a garantia do acesso à informação e a consolidação de canais abertos para uma participação plural.

A humanidade alcançou uma encruzilhada, que exige auto-análise para encontrar novos rumos e de-manda reflexão sobre a cultura, as crenças, valores e conhecimentos em que se baseia o comportamento cotidiano, assim como sobre o paradigma antropo-lógico-social persistente em nossas ações, no qual a educação tem enorme peso.

este artigo se propõe a explorar ferramentas que propiciem o aprofundamento da reflexão e da prática na gestão de bens comuns – a água, no caso – e sua relação com os atores territoriais – comitês de bacia hidrográfica e suas diversas interlocuções.

referencial teórico, pressupostos e estratégias de implementação

O conceito de aprendizagem social (PAHL WOST; HARE, 2004; MAUREL, 2003) é um ousado e ino-vador tipo de abordagem que visa responder aos de-safios da sustentabilidade e integração das interfaces da gestão da água. isso pressupõe a contribuição de diferentes conhecimentos, daí a interdisciplinaridade e transversalidade.

O processo de aprendizagem social implica reco-nhecimento e explicitação dos conflitos originários das questões ambientais, entendimento do meio am-biente como bem público e acesso a um ambiente saudável como um direito de cidadania.

A noção básica de aprendizagem social é definida como “aprender junto para compartilhar” (HARMONICOP, 2003a).1 Seria a oportunidade que os atores atuantes na bacia têm para desenvolver seu próprio plano de ação de gestão, o que promoveria uma construção coletiva e facilitaria uma aprendizagem coletiva. essa perspectiva cooperativa sustenta o trabalho de um grupo que tem um objetivo comum – neste caso, a melhoria da gestão das águas.

O trabalho colaborativo promove um diálogo re-flexivo, no qual contexto,2 processo3 e resultados4 são elementos essenciais para compreensão da criticida-de da bacia, do arcabouço jurídico-institucional, dos obstáculos, das possibilidades de intervenção, do pla-no de bacia e dos atores envolvidos: o tipo de contri-buição que pode ser dada por cada um, seus recursos controlados e cooperados, seu nível de participação e o modo para negociar com os mesmos. Portanto, o elemento central para a aprendizagem social é investir efetivamente no trabalho cooperativo, promovendo a participação coletiva e o diálogo entre os atores envol-vidos na gestão. isso envolve não somente o apren-dizado dos atores5 mas também a maneira como eles lidam uns com os outros e suas interdependências, reconhecendo as estratégias uns dos outros e buscan-do um campo sinérgico de negociação.

A aprendizagem social, que é uma construção coletiva, permitirá que as posições coletivas e indi-viduais sejam colocadas em mesas de negociação, de preferência num modelo de ganhos mútuos e em processos de aprendizagem colaborativa.

prática educativa e aprendizagem social: processos da aprendizagem colaborativa

A aprendizagem social se insere nos aportes sociocul-turais das teorias da aprendizagem e dialoga princi-palmente com os estudos da escola vygotskyana. A perspectiva sobre processos educativos importantes, sobretudo na atual sociedade da informação, e cuja estrutura continua deixando contingentes popula-cionais expressivos fora das instâncias decisórias de caráter político, foca nos processos das relações con-cretas entre sujeitos e entre esses e seu meio a base para a apropriação e transformação do conhecimento socialmente construído. O mundo cultural, compar-tilhado e constantemente transformado, influencia direta e reciprocamente os sujeitos, também cultural-mente constituídos, em relações complexas que am-pliam suas conquistas cognitivas.

Assim, o processo de construção do conhecimen-to, compreendido pelo referencial histórico-cultural, apresenta nova maneira de entender a relação entre sujeito e objeto. em Vygotsky (2000), o sujeito do

Page 5: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

� PEdRo R. JAcobi/SAndRA inêS b. GRAnJA/MARiA iSAbEL FRAnco

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

conhecimento não é apenas ativo, mas também inte-rativo, porque constrói conhecimentos e se constrói a partir de relações intra e interpessoais. Nas situações de troca com outros sujeitos e consigo próprio, inter-nalizam-se conhecimentos, papéis e funções sociais, fenômeno que permite a constituição de conhecimen-tos e da própria consciência, num importante proces-so que caminha do plano social – relações interpessoais – para o plano individual interno – relações intrapessoais.

Dessa forma, o pensamento, as capacidades de reflexão, de conhecer o mundo, de tomar decisões, fazer escolhas e transformar, vêem-se ampliadas pela intencionalidade dos processos de ensino. Os siste-mas educacionais colocam em pauta práticas capazes de integrar ações sociais de caráter colaborativo em contextos significativos, e associam conhecimento formal e práticas cotidianas de intervenção na rea-lidade local, integrando assim as noções de espaço público, sujeito e aprendizagem social, e potenciali-zando também a constituição de atores coletivos e sua capacidade de diálogo, reflexão e ação.

trata-se de admitir que o aprendizado é, por essên-cia, uma relação social; sendo assim, é necessário que se leve em conta todas as esferas que esse fenômeno apresenta. A psicologia sócio-histórica expressa, entre seus pressupostos básicos, a relação fundamental en-tre os fenômenos psicológicos e as interações sociais dos indivíduos, resultando em elaborações cognitivas de caráter qualitativo e quantitativo, à medida que os sujeitos sociais se inter-relacionam e participam de soluções de problemas reais.

Partindo dessa concepção, a integração da escola com a comunidade, ao tomar como eixo do trabalho pedagógico a problemática socioambiental, conside-ra o espaço escolar e seu entorno como locus privile-giados e essenciais para a construção de processos colaborativos de resolução de problemas locais. A temática da gestão da água é de caráter relevante para a construção de práticas educativas calcadas na expe-riência de diferentes atores sociais locais, no diálogo, nos diagnósticos participativos e soluções construí-das em contextos de negociações e partilha de co-nhecimentos pelos sujeitos-agentes que habitam os espaços da escola e de seu entorno.

Estratégias Contidas na aprEndizagEm soCial

Estratégia da NegociaçãoMuitas são as ferramentas e modelos de negociação existentes e que podem ser combinados com outras metodologias. No referencial da aprendizagem social, a negociação é uma importante estratégia para construção de decisões conjuntas. enquanto as decisões são construídas conjuntamente, o aprendizado também vai sendo consolidado. Em CBHs, se aposta em modelos com ênfase na cooperação em processos de consensos gradativos, como facilitadores na resolução de conflitos em torno do recurso escasso – a água. Nem sempre é possível construir o consenso, mas sempre se pode optar pela negociação.6

Algumas ferramentas de negociação pressupõem que o conflito expresso por seus atores tem a mesma relação de força e de poder, e que argumentos ex-plicitados podem ajudar na negociação. Sem negar o conflito existente e as relações e vetor de forças nela contidos, a aposta é a existência de possibilidade de enfrentamento dos conflitos com metodologias que, ao mesmo tempo, negociam os futuros cenários para bacias hidrográficas e podem oferecer estratégias de institucionalização do conhecimento e intervenção conjunta na mesma.

Os processos de interação num comitê de bacia podem ser considerados uma sucessão de negocia-ções, como um processo permanente e contínuo, voltado para a melhoria da gestão; à racionalidade da tomada de decisão e à seleção de alternativas para de-finir um curso de ação na gestão das águas.

É um processo dinâmico que passa pela análise da situação-problema, escolhas estratégicas, acordos com visões compartilhadas do futuro dos atores intervenientes, pressupondo envolvimento, co-res-ponsabilidade e emancipação. Os processos criati-vos de ação interativa são numerosos, sendo essa a riqueza da negociação, porque os atores, além de terem interesses em função da posição que ocupam na realidade (conceito “situacional”), eles detêm re-cursos que são valiosos para suas realizações e agem em função de seus interesses e suas visões parciais sobre a realidade.

Page 6: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

APREndizAGEM SociAL: PRáTicAS EducATivAS E PARTiciPAção dA SociEdAdE... �

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

toda negociação gera algum aprendizado, pois as interações de uns com os outros, estabelecem rela-ções sociais, dentro de um determinado contexto.

A presença simultânea desse conjunto de atores enseja uma série de ações e reações concomitantes, em sentidos boa parte das vezes opostos, configuran-do situação conflituosa. Os embates existem porque os recursos (financeiros, políticos, humanos, mate-riais, naturais, tecnológicos, de conhecimento, de in-fluência) são escassos.

Nas bacias hidrográficas, a adoção de estraté-gia negocial permitiria: buscar representar todos os interesses dos atores; obter entendimento com-partilhado sobre os interesses de cada um, e das questões técnicas, políticas, sociais, econômicas e ambientais envolvidas; construir alternativas em conjunto que se configurem como mais factíveis, criativas e com maior aceitabilidade que as inicial-mente propostas por qualquer um dos envolvidos; buscar acordos que satisfaçam os interesses priori-tários de cada um.

A intervenção conjunta só é possível se remetida a um contexto que apresenta uma situação-proble-ma.7 Os atores partícipes do processo de gestão de uma bacia são aqueles que intervêm numa situação-problema a partir de sua perspectiva, enxergando a questão mediante as ferramentas que domina (lin-guagem, visão de mundo, experiência, recursos que dispõem etc.). Como a realidade não é algo contro-lável somente por um ator, diversos atores partici-pam do jogo social para alcançarem seus objetivos, e o fazem de acordo com os recursos que controlam e dispõem, lançando mão de estratégias de coopera-ção ou conflito.

inserido nesse cenário, podem-se formar arenas de negociação para que os atores partícipes ofereçam suas contribuições ao processo de gestão. A negocia-ção aqui pretendida se insere na aprendizagem social, pois ambiciona que a gestão esteja completamente enraizada numa sociedade democrática ou na busca de mecanismos para seu fortalecimento e empodera-mento desses atores.

Não é um processo simples, pois se trata de uma espiral de comprometimento e aprendizagem con-junta, que leva seu próprio tempo de maturação.

Estratégia da ParticipaçãoA participação é um dos elementos fundamentais para a seqüência de negociações entre os múltiplos atores. Muitas questões técnicas permeiam a toma-da de decisão e nem sempre os conflitos cognitivos e sistemas peritos (GIDDENS, 1992) são legíveis para todos os atores. O entendimento do problema implica na emergência de diferentes leituras, assim criando algum tipo de intersecção, base para a arena de negociação.

Ao invés de estratégias de controle, há a necessi-dade de mudança flexível e adaptativa ao gerencia-mento, na qual as arenas de negociação se tornam imprescindíveis para o devido encaminhamento das propostas estratégicas dos atores.

O arcabouço teórico da aprendizagem social de-monstra que o aprendizado conjunto é fundamental para realização de tarefas comuns e construção de um acordo para a bacia. A aprendizagem social não pode ser ensinada por alguém de fora do contexto, mas é na co-reflexão-prática entre todos os atores envolvidos que permitem o aprendizado e interven-ção conjunta, por meio de um processo negociado (HARMONICOP, 2003a).

Portanto, o crescente envolvimento e aprendizado conjunto dos atores partícipes na gestão da bacia re-forçam a estratégia do aprender junto para intervir junto. isso também reverbera a dimensão da participação, compartilhamento e co-responsabilização para de-cidir quais cenários de sustentabilidade se quer para uma bacia hidrográfica.

A proposta de agregação entre aprendizagem so-cial e arenas de negociação não estão soltas, como propostas normativas. essa experiência tem respaldo prático em diversos países da europa com arcabouço teórico consistente (HARMONICOP, 2003b).8

Nas arenas de negociação, podem ser criados jo-gos, visando tanto à educação como ao preparo para a negociação sobre as questões socioambientais refe-rentes ao contexto de região periurbanas em bacias hidrográficas, podendo ser tanto de modelagem como jogos de papéis para o entendimento da realidade, que permitem aos atores explorar e discutir os cenários para construção dos respectivos acordos. Os jogos de papéis são ferramentas que visam facilitar, por meio

Page 7: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

10 PEdRo R. JAcobi/SAndRA inêS b. GRAnJA/MARiA iSAbEL FRAnco

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

da formalização participativa, seguida de exploração de cenários, a construção de uma representação com-partilhada do funcionamento das bacias vertentes, que envolva não somente as relações entre atores e recurso, mas também as interações entre atores. Para isso, são estruturados jogos nos quais participam grupos de in-teresse que trabalham de forma coletiva para entender a natureza de um problema comum, cooperando entre si para resolver os problemas e/ou conflitos relaciona-dos com a bacia periurbana e montando ações conjun-tas para intervir na gestão. A construção de Plataforma de Múltiplos Grupos de interesses, por exemplo, pode potencializar a intervenção, sem perder de vista o pro-cesso de democratização (participação para todos) e de emancipação e empoderamento dos atores; da resolu-ção de conflitos e da gestão integrada de recursos.

As simulações permitem explorar os diferentes ti-pos de participação e de envolvimento do comitê de bacia, circunscrito em uma bacia hidrográfica que é também a unidade de planejamento e gestão.

Prática Educativa: Estratégias de ImplementaçãoA educação deve se orientar de forma decisiva para formar as gerações atuais não somente para aceitar a incerteza e o futuro, mas para gerar um pensamento complexo e aberto às indeterminações, mudanças, di-versidade, possibilidade de construir e reconstruir em um processo contínuo de novas leituras e interpreta-ções do já pensado, configurando possibilidades de ação naquilo que ainda há para se pensar.

Uma educação que, independente das adjetivações que adquira – educação ambiental; educação para o desenvolvimento sustentável; educação para o futuro sustentável; educação para sociedades responsáveis – se encaminhe na busca de sentido e significação para a existência humana. Deve-se, entretanto, ressaltar, que as práticas educativas e de formação inseridas na interface dos problemas socioambientais devem ser compreendidas como parte do macrossistema social, subordinando-se ao contexto de desenvolvimento existente que condiciona sua direção pedagógica e política.

Nossa argumentação visa reforçar que as práticas educativas e de formação, articuladas com a problemática ambiental, não devem ser vistas como um adjetivo, mas

como parte componente de um processo educativo que reforce um pensar da educação e dos educadores orientados para a sustentabilidade (JACOBI, 2005).

Numa leitura mais crítica, estas práticas se baseiam em: promoção de uma atitude problematizadora, compreensão complexa e politização da problemática ambiental, participação dos sujeitos, o que explicita uma ênfase em práticas sociais menos rígidas, centra-das na cooperação entre os atores. Portanto, a dimen-são ambiental representa a possibilidade de lidar com conexões entre diferentes esferas humanas, entrelaça-mentos e múltiplos trânsitos entre diversos saberes.

Aos capacitadores e educadores cabe ter formação para reelaborar as informações que recebem, e, dentre elas, as ambientais, para poder transmitir e decodificar para os alunos, nos seus múltiplos perfis, a expressão dos significados em torno do meio ambiente e da eco-logia nas suas múltiplas determinações e intersecções. A ênfase deve ser a capacitação para perceber as rela-ções entre as áreas e como um todo enfatizando uma formação local/global, buscando marcar a necessidade de enfrentar a lógica da exclusão e das desigualdades. Nesse contexto, a administração dos riscos socioam-bientais coloca cada vez mais a necessidade de am-pliar o envolvimento público por meio de iniciativas que possibilitem um aumento do nível de consciência ambiental dos educadores garantindo a informação e a consolidação institucional de canais abertos para a participação numa perspectiva pluralista.

Assume assim, de forma crescente, a parte ativa de um processo intelectual, enquanto aprendizado social baseado no diálogo e interação em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, con-ceitos e significados, originados do aprendizado, tan-to em sala de aula como em cursos de capacitação e formação para aprimorar práticas da sociedade civil e do poder público na gestão compartilhada de recursos hídricos. A abordagem do meio ambiente passa a ter um papel articulador dos conhecimentos, no contexto em que os conteúdos são ressignificados. Ao interferir no processo de aprendizagem e nas percepções e re-presentações sobre a relação indivíduos-ambiente nas condutas cotidianas que afetam a qualidade de vida, a educação ambiental promove os instrumentos para a construção de uma sociedade sustentável.

Page 8: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

APREndizAGEM SociAL: PRáTicAS EducATivAS E PARTiciPAção dA SociEdAdE... 11

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

educação ambiental e agenda 21, finalidades e estratégias de cooperação na gestão compartilhada de recursos hídricos

A articulação dos processos de elaboração da Agenda 21 escolar com a problemática de uma bacia hidro-gráfica também pode ser inserida dentro das premis-sas norteadoras do desenvolvimento da aprendizagem social. No âmbito da escola formal, o que está em jogo é a construção de propostas e ações socioedu-cativas que incentivem o exercício de uma educação problematizadora, contextualizada, interdisciplinar e que eduque o conhecimento, para que o sujeito da ação pedagógica possa inserir-se no mundo politicamente e de forma consciente, responsável e solidária.

Dessa forma, a elaboração da Agenda 21 na escola se insere no quadro das práticas educativas que am-pliam a compreensão de contextos de aprendizagem e a relevância de processos e metodologias realmente dialógicas e participativas. As práticas educativas assim orientadas nascem de um movimento pedagógico que parte dos espaços cotidianos e de suas demandas, dinâ-mica que ajuda os educadores e educadoras a enxergarem diferentes contextos de aprendizagem, além dos livros didáticos e quadros de giz (FRANCO, 2006, p. 8).

As práticas reflexivas acerca da educação ambien-tal buscam educar para o ser humano integral, que as-suma a complexidade, a globalidade, a criticidade e a responsabilidade pelo destino comum da humanidade sem desrespeitar as identidades culturais e a diversidade das múltiplas sociedades que fazem parte do planeta. Neste sentido, Paulo Freire valoriza a ética universal do ser humano – não a ética do mercado, que estimula o consumismo, o individualismo e a competitividade, mas a ética da solidariedade entre os seres humanos e para com a vida.

A partir desses pressupostos críticos, a educação ambiental centra-se em objetivos e ações para a cons-trução de projetos nos quais se destaca a importância de contextos reais de vida e do cotidiano na constru-ção de conhecimentos capazes de mudar a realidade. Se a agenda escolar for trabalhada priorizando temas que surjam das demandas da comunidade educativa, como o grave problema do saneamento básico, por exemplo, a ênfase no complexo tema água transcende

o conteúdo geralmente abordado em livros didáticos sobre ciclos hidrológicos e sua composição química, abrangendo os problemas ligados à sua complexida-de, à escassez, contaminação, distribuição, legislação, etc. estabelece-se, a partir dessa orientação político-pedagógica, um diálogo com questões que, em nível decisório, enfrentam os CBHs.

Os temas gestão, distribuição, contaminação e es-cassez são focados primeiramente no diagnóstico da situação no bairro, que é laboratório vivo para pro-cessos de ensino e aprendizagem. Daí, por meio de temas como ciclo da água, recursos hídricos, áreas de mananciais, instrumentos de conservação, recupera-ção e proteção aos mananciais, contaminação e doen-ças de veiculação hídrica, potabilidade, distribuição, desperdício, saneamento, produção e destino do lixo, além da coleta seletiva, os conteúdos tomam signifi-cado para a coletividade pela mediação escolar.

Para fazer face aos desafios apresentados, como é o caso da problemática dos recursos hídricos, é necessário ressignificar teoria e prática pedagógicas, num projeto de abertura ao mundo da vida. Assim, este vai ser conhecido, interpretado e reapropriado na escola, pelo conjunto de aprendentes – professores, funcionários e alunos, e pela comunidade de entor-no, por meio da mediação da escola, que é espaço público privilegiado. isto cria a possibilidade de de-senvolver uma práxis pedagógica que visa potencializar pensamento e ação reflexiva dos sujeitos-agentes do ensino e aprendizagem. tais indivíduos, então, esta-rão preparados para transformar a realidade a par-tir do conhecimento escolar, que é entendido, nesse amplo processo, como construção histórica, política e cultural, e desenvolvido em diferentes contextos sociais e materiais.

esse “fazer educacional” contextualizado torna imprescindível tratar os conteúdos escolares a partir de necessidades coletivas e sociais, ampliando o de-senvolvimento cognitivo dos alunos, sua auto-estima e capacidade de relacionamento, interações e afetivi-dade, por meio de atividades de aprendizagens pro-postas por múltiplas problematizações, em diferentes contextos (FRANCO, 2006, p. 9).

A Agenda 21 escolar constitui-se assim num con-junto de estratégias metodológicas de caráter partici-

Page 9: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

12 PEdRo R. JAcobi/SAndRA inêS b. GRAnJA/MARiA iSAbEL FRAnco

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

pativo, que toma os conceitos chaves da Agenda 21 Global: cooperação e parceria; educação e desenvolvimento individual; eqüidade e fortalecimento dos grupos socialmente vulneráveis; planejamento; desenvolvimento da capacidade ins-titucional e informação. Deste modo, ela integra os seto-res da educação formal e não-formal, pela atuação e colaboração das diversas instâncias sociais que com-põem o conjunto de práticas que permeiam o conceito de aprendizagem social.

Uma proposta de trabalho integrado e participati-vo requer envolvimento e comprometimento efetivos dos participantes do projeto, com ações de melhoria das condições de vida da comunidade educativa, isto é, do conjunto educativo formado nas relações sociedade-escola: professores, direção, alunos, inspetores, meren-deiras, representantes da Associação de Pais e Mestres – APM, Grêmio estudantil; e da comunidade na qual a escola está inserida: famílias, moradores do bairro, comércio local, instituições religiosas, Sociedade Ami-gos de Bairro – SABs e organizações não-governa-mentais – ONGs.

O conjunto de sujeitos-atores locais, escola e bairro, se reúne para a identificação de problemas e propostas de soluções, geradas em contextos de diálogo e participação, nas quais todas as experiên-cias e conhecimentos são considerados. escolhe-se, por meio de negociação, quais processos, estratégias e planos de ação produzem benefícios à comunidade onde vivem, atuam e/ou trabalham, bem como os processos de colaboração e os espaços que serão en-volvidos. todos têm a oportunidade de aprender e ensinar, tornando-se multiplicadores de conhecimen-tos, experiências e iniciativas no seu bairro: uma comu-nidade que se educa educando, ao elaborar os diagnósticos e ações a partir de suas próprias demandas.

Assim, a construção de uma agenda socioambien-tal na escola representa proposta pedagógico-meto-dológica que considera como contexto de aprendi-zagem não só o “ambiente escola” mas o entorno, a realidade local, onde se propõe a elaboração da agenda como prática educativa e democrática, pela uni-dade escolar, que se torna a mediadora da proposta de construção da comunidade educativa.

A valorização das culturas locais, o respeito à mul-tiplicidade de experiências, valores e idéias na cons-

trução de ações para a sustentabilidade podem ser a chave para o efetivo envolvimento comunitário, com a estreita relação que se tece entre a escola e seu en-torno imediato, por meio de diagnósticos coletivos e vigorosa participação na elaboração de propostas para instauração de coletivos engajados pelo diálogo e negociação. A escola também deverá identificar ato-res com potenciais de liderança e mobilização, em seu meio institucional e no bairro, partilhando então, com esse grupo, os conhecimentos científicos que possam responder à necessária construção de estratégias de empoderamento (pelo conhecimento situado, crítico e reflexivo, atores locais podem desenvolver condições para intervir na realidade). Assim, essas comunidades locais, por meio do conhecimento, assunção e valo-rização de seu patrimônio territorial e do acesso à in-formação sobre a atuação dos representantes locais, pode se envolver nos processos de gestão comparti-lhada dos recursos hídricos.

sistema de recursos hídricos paulista e potencialidades de ampliação da participação por meio de estratégias para melhoria da gestão

A política de recursos hídricos no estado de São Paulo tem sido objeto de estudos (JACOBI et al, 2006; JACOBI, 2004; MONteirO, 2004; JACOBI; GrANjA, 2005; FRACALANzA, 2002, 2003), espe-cialmente no que se refere às possibilidades de ampliar a participação e o engajamento da sociedade civil, por meio das estratégias discutidas nas seções anteriores, como potenciais ferramentas para melhoria da gestão compartilhada.

Ao longo do processo de implementação dos comitês de bacias hidrográficas, ocorreu a negocia-ção de idas e vindas para a criação, instalação e atual funcionamento dos comitês, fato que exigiu que seus atores se dispusessem a construir gradativamente um fórum que discutisse o futuro do gerenciamento dos recursos hídricos e suas interfaces.

A experiência nesses anos de implementação da política de recursos hídricos9 tem demonstrado que há ainda muito a ser feito para a melhoria da gestão da bacia e participação efetiva no comitê.

Page 10: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

APREndizAGEM SociAL: PRáTicAS EducATivAS E PARTiciPAção dA SociEdAdE... 13

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

Ainda é preciso avançar em diversas questões ins-titucionais, tais como a implantação do princípio usuário-pagador – embora tenha sido aprovada a lei da cobrança pelo uso da água em São Paulo; a integração entre os sistemas de recursos hídricos, saneamento ambiental, desenvolvimento urbano e meio ambiente; a integração da gestão da qualidade e da quantidade da água, bem como a implementa-ção das agências de bacia.

De outro lado, a participação da sociedade civil ainda demanda maior consolidação. No desenho dos arranjos institucionais brasileiros, há que se dar especial atenção à inclusão de organizações inter-mediárias representativas das comunidades envolvi-das ou afetadas pelas decisões tomadas com relação aos cursos d’água, bem como ao estabelecimento de normas para que tais entidades escolham seus repre-sentantes, os mecanismos de votação e o exercício do poder de veto.

Em 2001, no I Congresso Estadual de Comitês de Bacias Hidrográficas do Estado, foi realizada uma avaliação10 detalhada da atuação dos comitês, envol-vendo a experiência dos 21 instalados no estado de São Paulo. Foi possível identificar e analisar os novos desafios propostos pelos próprios atores partícipes em oficinas de discussão. A avaliação foi realizada pelos próprios membros do Sistema e foram identifi-cados os seguintes aspectos: • baixa articulação entre os componentes do Sistema; • caracterização insuficiente da sociedade civil: dis-

torção na representatividade; • distorção na paridade dos segmentos nos conse-

lhos e inadequação da representatividade; • baixa responsabilidade institucional do represen-

tante; • baixa divulgação do que são os CBHs para a

comunidade.Vários aspectos ainda prevalecem como dificulda-

des a serem enfrentadas. isso implica em melhorar questões como representatividade, índice de parti-cipação, capacitação e estratégia de mobilização dos segmentos para o entendimento do papel do CBH, e dificuldade de entrosamento das instâncias de deci-são, entre outros importantes fatores.

Assim, as práticas pautadas pela aprendizagem so-cial, arenas de negociação, concertação de conflitos, práticas educativas podem ser ferramentas importan-tes para contribuir na melhoria da gestão dos recur-sos hídricos e no apoio ao processo de tomada de decisão por suas instâncias deliberativas.

A dinâmica do colegiado facilita a transparência e a permeabilidade nas relações entre a comunidade, agentes econômicos e ONGs; incorpora os principais interessados no processo; e cria um canal formal de participação da cidadania. O comitê reduz riscos de que o aparato público seja apropriado por interesses imediatistas e amplia as possibilidades de uma prática orientada pela negociação sociotécnica. isto reforça a articulação de interesses territoriais e necessidades técnicas, num processo aberto a negociações (JACOBI; GUIVANT, 2003).

Neste sentido, o trabalho intersetorial se apresenta como importante contribuição para estabelecer me-lhores condições para uma lógica cooperativa11 e para abrir um novo espaço não só para a sociedade civil, mas também para os sistemas peritos na gestão dos recursos hídricos.

Além do trabalho intersetorial e transversal para a continuidade do processo de institucionalização de gestão das águas, entende-se que as metodologias de aprendizagem social (que promovem práticas educativas e ampliação da participação da sociedade civil) podem se configurar como ferramentas que possibilitem que o conjunto de interesses represen-tados (consumidores, competidores, investidores, usuários das águas, instituições financeiras, público em geral, governo, grupo de formadores de opinião, mídia, comunidade científica, fornecedores) promo-va o entendimento compartilhado sobre os interes-ses de cada um.

essas ferramentas podem promover a articulação e identificação de práticas coletivas e a construção de arenas de negociação entre os atores partícipes, como estratégias institucionais de aprendizado em bacias hidrográficas pelos diversos atores sociais e pela co-munidade escolar como parte de um processo que estimule o fortalecimento de processos participativos na gestão de recursos hídricos e a formação de novas lideranças locais.

Page 11: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

14 PEdRo R. JAcobi/SAndRA inêS b. GRAnJA/MARiA iSAbEL FRAnco

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

conclusões: as aprendizagens, o resgate do protagonismo e engajamento para a mudança de paradigma na sustentabilidade em bacias hidrográficas

Os CBHs são arenas de articulação, inspirados no modelo de democracia participativa que, em síntese, propõe a partilha de poder, e os membros terão como objetivo principal buscar o consenso. A legislação vi-gente propõe uma política participativa e um proces-so decisório aberto aos diferentes atores sociais vin-culados ao uso da água, dentro de um contexto mais abrangente de revisão das atribuições do estado, do papel dos usuários e do próprio uso da água. O pro-cesso de negociação ocorre nas bacias hidrográficas, através de organizações de bacias e de um processo tripartite de representatividade.

A lógica do colegiado do CBH pode permitir que os atores envolvidos atuem, em princípio, tendo um referencial sobre seu rol, responsabilidades e atribui-ções, no intuito de neutralizar práticas predatórias orientadas pelo interesse econômico ou político. A dinâmica do colegiado facilita a interação mais trans-parente e permeável no relacionamento entre os di-ferentes atores envolvidos – governamentais empre-sariais e usuários. isto limita as chances de abuso do poder, entretanto não necessariamente da manipula-ção de interesses pelo executivo. A presença crescen-te da pluralidade de atores cria cada vez mais condi-ções de intervir consistentemente e sem tutela nos processos decisórios de interesse público por meio da ativação do seu potencial de participação. A me-lhora no acesso à informação e a participação social têm promovido mudanças de atitude que favorecem o desenvolvimento de uma consciência ambiental coletiva, importante passo na direção da consolida-ção da cidadania. Os atores participantes estrategistas irão cooperar e/ou entrar em conflito pelos limitados recursos que o contexto permite. Os desafios podem ser os seguintes:• A gestão da bacia comporta várias fronteiras de

conhecimento que se entrelaçam num espaço institucional, portanto as deliberações compor-tam decisões complexas e merecem ampliação da participação e do protagonismo. Os problemas

complexos atravessam também diversas fronteiras disciplinares, o que pressupõe e requer ferramen-tas e atores com abordagens multidisciplinares. As incertezas da sociedade de risco elevam a necessi-dade de mediações e negociações, já que o diálogo entre sistemas peritos (por exemplo, um Plano de Bacia) e os leigos (atores partícipes dos comitês) precisam de arenas de negociação e aprendizagem para compreender a situação-problema da gestão de sua bacia e intervir. Cada vez mais a questão será: como mediar conflitos entre leigos e peritos (indicadores socioambientais, por exemplo) para além do conflito cognitivo? Como os atores par-tícipes de CBHs compreendem e podem decidir melhor sobre a gestão em cenários tão complexos, interdisciplinares e multisetoriais?

• O investimento em cenários de concertação de esforços e aprendizado social poderá aproximar a equação melhoria da gestão das bacias + participa-ção nos comitês.

• O investimento no aprendizado dos atores e de como estes lidam com as questões da gestão com-partilhada de bacias hidrográficas. Os atores-partí-cipes deverão aprender juntos para intervir juntos.Entretanto, isso não é suficiente. É necessário

agregar novas ferramentas de aprendizagem social, expansão dos locus de aprendizado, de arenas de ne-gociação, de jogo de papéis. essas estratégias podem ser entendidas como espaço de produção de conheci-mento sobre aprendizagem social na gestão compar-tilhada de recursos hídricos.

também o desenvolvimento de práticas nos espa-ços escolares que ampliem o conhecimento, as es-tratégias se tornam muito valiosas para a construção coletiva de projetos de intervenção na realidade, en-volvendo os responsáveis políticos e a comunidade local. todos são convidados a participar das reuniões da escola para sonhar o bairro onde vivem e construir planos de ação coletivos fomentando práticas de cooperação e participação, em processos capazes de instaurar pactos entre os atores locais e desenvolver relações de confiança mais solidárias e horizontais.

No entanto, instaurar efetivamente uma escola voltada ao enfrentamento dos múltiplos desafios da atual sociedade de risco requer o enfrentamento dos

Page 12: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

APREndizAGEM SociAL: PRáTicAS EducATivAS E PARTiciPAção dA SociEdAdE... 15

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

próprios desafios colocados no interior de um siste-ma de ensino fragmentado e em políticas de educa-ção verticalizadas e emaranhadas em seus próprios complicadores de caráter burocrático – portanto, em termos práticos, políticas que em seu bojo tra-zem uma série de entraves aos processos e práticas educativas de caráter dialógico, autônomo e demo-crático, e que se tornam, paradoxalmente, obstácu-los ao aprendizado de processos de gestão partici-pativa e co-responsável dos recursos hídricos. isso exige mudanças culturais e políticas radicais, a partir da formação do educador.

Neste contexto de inseguranças e riscos, surge, ao mesmo tempo, a problemática da formação dos pro-fessores, de sua apropriação e sensibilização frente aos novos saberes – valores e princípios éticos necessários à adoção de novas posturas, hábitos e atitudes socioam-bientais. A cidadania, fundamentalmente, depende de uma ética integral de respeito à vida, a todos os se-res com os quais compartilhamos o mundo, perme-ada pela cooperação e solidariedade. Numa opção de educação colaborativa e progressista, o educador deve colocar-se a favor do diálogo, da participação, do res-peito às diferentes opiniões e necessidades, de práticas educativas abertas, em currículos que dialoguem com as demandas sociais e culturais da realidade local, con-siderando como Freire (2000) que a educação sozinha não transforma a sociedade, mas que sem uma educa-ção de qualidade, crítica, contextualizadora e sensibili-zadora a sociedade também não pode se transformar.

Os avanços, complexos e desiguais, revelam que estas engenharias institucionais, baseadas na criação de condições efetivas para multiplicar experiências de gestão participativa, reforçam o significado da publi-cização das formas de decisão e de consolidação de espaços públicos democráticos, ocorrida pela supera-ção das assimetrias de informação e pela afirmação de uma nova cultura de direitos.

Além disso, tais avanços fortalecem a capacidade crítica e de envolvimento por meio de um processo pedagógico e informativo de base relacional, assim como a capacidade de multiplicação e aproveitamen-to do potencial dos cidadãos no processo decisório dentro de uma lógica não cooptativa. isto mostra que existem condições favoráveis para “cidadanizar” a política, deslocando seu eixo do âmbito estatal para o cidadão. A lógica do colegiado permite que os atores envolvidos atuem, em princípio, tendo um referen-cial sobre seu rol, responsabilidades e atribuições no intuito de neutralizar práticas predatórias orientadas pelo interesse econômico ou político.

As dimensões diferenciadas de participação mos-tram a necessidade de superar ou conviver com certos condicionantes sociopolíticos e culturais. isto porque o salto qualitativo ocorre a partir do fortalecimento dos comitês e de uma participação ampliada e diver-sificada, ns qual a aprendizagem social e as práticas educativas podem assumir um papel relevante na re-novação e valorização dos atores locais nos processos de gestão compartilhada.

notas

1. O projeto Harmonising Collaborative Planning – HarmoniCOP, de cooperação européia com diversas instituições de pesqui-sa partícipes voltado à gestão de bacias hidrográficas, analisa ferramentas de informação e comunicação (IC-Tools). Ver, <http://www.harmonicop.info>.2. O contexto tem diversas sutilezas e “camadas” que pre-cisam ser compreendidas pelos atores. Sem essa apreensão é improvável compreender a problemática da bacia.3. Como a situação-problema, o processo é uma construção social que implica concertação entre as diferentes partes e de seu grau de conexão com a gestão.

4. A aprendizagem social só pode ser alcançada se estiver re-lacionada com a prática concreta inserida no contexto e com eventuais conflitos de gestão.5. Os atores são sujeitos que intervêm na realidade, com sua história de vida e sua apreciação situacional da realidade da bacia.6. A negociação, com a idéia de ganhos mútuos, num jogo de cooperação poderia ser uma das estratégias para resolução de conflitos nos comitês (SUSSKIND, 1996; CONSENSUS BUILDING INSTITUTE, 2003). 7. Trata-se de uma situação na qual um grupo, após muita discussão, define como sendo a situação-problema que ne-cessita de intervenção conjunta. Arma-se, então, um planeja-

Page 13: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

1� PEdRo R. JAcobi/SAndRA inêS b. GRAnJA/MARiA iSAbEL FRAnco

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

referências Bibliográficas

ArNSteiN, S. Uma escada da participação cidadã. Revista Participe, Porto Alegre, v. 2, n. 2, 2002.

BARRETEAU, O. The joint use of role-playing game and models regarding negotiation processes: characterization of association. Journal of Artificial Societies and Social Simulation, v. 6, n. 2, 2003. Disponível em: <http://jasss.soc.surrey.ac.uk/4/2/5.html>.

BARRETEAU, O.; BOUSQUET, F.; ATTONATY, j.M. role-playing games for opening the black box of multi-agent systems: method and lessons of its application to Senegal river Valley irrigated systems. Journal of Artificial Societies and Social Simulation, v. 4, n. 2, 2001.

BECK, U. A reinvenção da política. In: GIDDENS, A. et al. Modernização reflexiva. São Paulo: Unesp, 1997.

BOUSQUET, F. et al. An environmental modelling approach. the use of multi-agent simulations. in: BLASCO, F.; WEILL, A. (ed.). Advances in environmental and ecological modeling. elsevier, 1999.

CARIDE, J.; MEIRA, P. Educación Ambiental y Desarrollo Humano. Barcelona: Ariel, 2001.

CARPENTER, S.; KENNEDY, W.J.D. Managing public disputes: a practical guide for government, business, and citizen’s group. San Francisco: Jossey-Bass. Mimeografado.

CONSENSUS BUILDING INSTITUTE and the Land Use Law Center, Pace University School of Law. Conducting conflict assessments in the land use context: a manual. the Land Use Law

Center, Pace University School of Law, and the Consensus Building Institute. Cambridge Mass., 2000.

CRAPS, M. (Ed.). Social learning in river basin management. WP2 report of the HarmoniCOP project, 2003. 70 p.

CRAPS, M.; MAUREL, P. (Ed.). Social learning pool of questions. An instrument to diagnose Social Learning and IC-tools in European River Basin Management. Combined HarmoniCOP WP2/WP3. 2003. 65 p.

D’AQUINO, P.; LE PAGE, C.; BOUSQUET, F.; BAH, A. Using self-designed role-playing games and a multi-agent system to empower a local decision-making process for land use management: The SelfCormas experiment in Senegal. Journal of Artificial Societies and Social Simulation, v. 6, n. 3, 2003.

DARÉ, W.; BARRETEAU, O. A role-playing game in irrigated system negotiation: between play and reality. Journal of Artificial Societies and Social Simulation, v. 6, n. 3, 2003.

eLLiOtt, M.L. Pulling the pieces together: amalgamation in environmental impact assessment. Environmental Impact Assessment – EIA Review, v. 2, n. 1, p. 11-38, 1981.

FRACALANzA, A.P. Comitê da bacia hidrográfica do Alto tietê: ações, alcances e limites na gestão das águas da região Metropolitana de São Paulo. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 8, n.4, 2003.

______. Conflitos na apropriação da água na Região Metropolitana de São Paulo. 217 p. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2002.

mento coletivo para explicação desta situação, encontrando-se causas, conseqüências, estratégias e recursos para poder en-frentá-la.

8. No Brasil, o desenvolvimento do projeto Negowat (2003-2006) (facilitando a negociação sobre a gestão da ter-ra e da água em sub-bacias periurbanas na América Latina: combinando modelagem multiagente com jogo de papéis), agrega equipes de pesquisadores interinstitucionais (USP/instituto Polis/iee/Unicamp/APtA) que desenvolvem ferramentas para auxiliar na negociação de conflitos e aprendizagem social sobre a gestão das águas e ocupação do solo em duas bacias metropolitanas – na região Me-tropolitana de São Paulo, no Brasil, e em Cochabamba na Bolívia pelo Centro-Agua da Universidad Mayor San Simon. A equipe do Procam-USP é coordenada pelo Professor Dr. Pedro r. jacobi.

9. Em 1997, a Lei no 9433/97, que instituiu no país a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, um sistema hierarqui-zado de gerenciamento, estruturado em colegiados, sendo que a gestão deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades que fazem parte dos CBHs.

10. Essa avaliação foi uma coordenação conjunta entre o Depar-tamento de Águas e Energia – DAEE, órgão responsável em São Paulo pela gestão dos recursos hídricos e a Fundação do Desen-volvimento Administrativo –Fundap, órgão vinculado ao Gover-no do estado de São Paulo, que realiza capacitação e consultoria.

11. A compreensão do arranjo institucional estadual é de fun-damental importância para os atores que nele participam, pois o desenho proporciona – ou não – melhores desempenhos para a tomada de decisão no campo público da gestão das águas.

Page 14: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

APREndizAGEM SociAL: PRáTicAS EducATivAS E PARTiciPAção dA SociEdAdE... 1�

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

FRANCO, M.I. Agenda 21 na educação: construindo ferramentas pedagógicas para trilhar o caminho da sustentabilidade. Agenda 21 – educação Ambiental em Áreas de Proteção aos Mananciais, embu, Sociedade ecológica Amigos de embu – SeAe/Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FEHIDRO, 2006.

Freire, P. Pedagogia da indignação, cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp, 2000.

________. Educação e mudança. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

________. Pedagogia da autonomia, saberes necessários à prática educativa. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIDDENS, A. Conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1992.

GUIMARÃES, R. La sostenibilidad del desarrollo entre Rio-92 y johannesburgo 2002: eramos felices y no sabiamos. Ambiente e Sociedade, Campinas, Nepam, n. 9, p. 5-24, 2001.

GUIVANT, J.; JACOBI, P. Da hidrotécnica à hidropolítica: novos rumos para a regulação e gestão dos riscos ambientais no Brasil. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, Florianó-polis, Universidade Federal de Santa Catarina, n. 43, 2003.

HARMONICOP. Public participation and the European water framework directive: role of information and communication tools. Work Package 3 report of the HarmoniCOP, 2003a.

______. Social Learning Pool of questions. HarmoniCOP combined WP2/WP3 deliverable, 2003b.

JACOBI, P.R. Educação ambiental: o desafio da construção de um pensamento crítico, complexo e reflexivo. Educação e Pesquisa, São Paulo, Faculdade de Educação da USP, v. 31, n. 2, p. 233-250, maio/ago. 2005.

________. A gestão participativa de bacias hidrográficas no Brasil e os desafios do fortalecimento de espaços colegiados. In: NOBRE, M.; SCHATTAN, V. (Org.). Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004a. p. 270-289.

________. the challenges of multi-stakeholder management in the watersheds of São Paulo. Environment and urbanization, London, IIE, v. 16, n. 2, p. 199-211, Oct. 2004b.

________. educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, Autores Associados, n. 118, p. 189-205, 2003.

________. Meio ambiente urbano e sustentabilidade:alguns elementos para a reflexão. In: CAVALCANTI, C. (Org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1997.

JACOBI, P.R. et.al. Capital social e desempenho institucional na bacia do Alto Tietê. In: JACOBI, P.R.; FERREIRA, L. (Org.).

Diálogos em ambiente e sociedade no Brasil. São Paulo: Annablume/Anppas, 2006.

JACOBI, P.R.; GRANJA, S.I. Aprendizagem social na gestão compartilhada de bacias hidrográficas em áreas periurbanas na América Latina. in: ENCUENTRO POR UNA NUEVA CULTURA DEL AGUA EN AMÉRICA LATINA, Fortaleza, dez. 2005. Mimeografado.

LITTLE, P. Os conflitos socioambientais: um campo de estudo e ação política. In: BURSzTIN, M. (Org.). A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais. rio de janeiro: Garamond, 2001.

LOUREIRO, C.F.B. (Org.). Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em debate. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

MAARVELD, M.; DANGBEGNON, C. Managing natural resources: a social learning perspective. Agriculture and Human Values, Holanda, Kluwer Eds, v. 16, p. 267-280, 1999.

MAUreL, P. (ed.). Public participation and the European water framework directive. Role of Information and Communication Tools, WP3 report of the HarmoniCOP Project 94pp, 2003

MONteirO, F. Desempenho institucional comparativo na gestão de recursos hídricos: o caso dos subcomitês de bacia hidrográfica Cotia-Guarapiranga e Billings-Tamanduateí na Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 2004. 146p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental – Procam, USP, São Paulo, 2004

MOORE, C. The mediation process. San Francisco: Jossey Bass. 1996. Mimeografado.

MOriN, e. A cabeça bem-feita: repensar a reforma – reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000.

MUNCK, G.L. Formação de atores, coordenação social e estratégia política: problemas conceituais do estudo dos movimentos sociais. Revista de Ciências Sociais, rio de janeiro, v. 40, n. 1, p. 105- 125, 1997.

PAHL WOST, C.; HARE, M. Processes of social learning in integrated resources management. Journal of Community and Applied Psychology, New York, Wiley and Sons, v. 14, p. 193-206, 2004.

SÃO PAULO (Estado). Lei n. 41.258, de 31 de outubro de 1996. Aprova o Regulamento dos artigos 9º a 13º da Lei n. 7.633 de 30 de dezembro de 1991. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo, v. 60, p. 739-745, out./dez. 1996.

______. Lei n. 7.663, de 30 de dezembro de 1991. Estabelece normas de orientação à Política Estadual de Recursos Hídricos bem como ao Sistema integrado de Gerenciamento de recursos

Page 15: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

1� PEdRo R. JAcobi/SAndRA inêS b. GRAnJA/MARiA iSAbEL FRAnco

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

Pedro r. Jacobi

Sociólogo, Professor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP.([email protected])

Sandra inêS b. GranJa

Mestre em Sociologia pela Unicamp, Docente de Negociação de Conflitos, Técnica da Fundap.([email protected])

Maria iSabel Franco

Pedagoga, Especialista em Arte-Educação e Comunicação, Coordenadora do Projeto Agenda 21 Escolar de Embu-SP. ([email protected])

Artigo recebido em 10 de abril de 2006. Aprovado em 22 de maio de 2006.

Como citar o artigo:JACOBI, P.; GRANJA, S.I.B.; FRANCO, M.I. Aprendizagem social: práticas educativas e participação da sociedade civil como estratégias de aprimoramento para a gestão compartilhada em bacias hidrográficas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

Hídricos. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo, v. 55, p. 1.391-1.410, jul./dez. 1991.

SUSTAINABILITY CHALLENGE FOUNDATION. 1st. international Programme on the Management of Sustainability: Selected Readings. The Netherlands: Nijenrode Business School, 1994.

SUSSKIND, L. FIELD, P. Dealing with an angry public: the mutual gains approach to resolving disputes. [S.l.]: Hardcover Free Press, 1996.

TILBURY, D. Environmental education for sustainability in europe: philosophy into practice. Environmental Education and Information, Salford, UK, v. 16, n. 2, 1996.

TIPPET, J.; SEARL, B.; PAHL-WOSTL, C.; REES, Y. Social learning in public participation in river basin management: early findings from HarmoniCOP European case studies. Environmental Science and Policy, Special issue, v. 8, issue 3, Research and technology integration in support of the european Union Water Framework Directive, 2005.

VeiGA, j.e. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. rio de janeiro: Garamond, 2005.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

WALKER D.H. Decision support, learning and rural resources management. Agricultural Systems, v. 73, n. 1, p. 113- 127, 2002.

Page 16: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

A Região Metropolitana de São Paulo – RMSP apre-senta elevados índices de urbanização e industrialização que refletiram um alto crescimento demográfico. Se-gundo dados de São Paulo (2006) e Caiado e Santos (2003), recentemente, o ritmo de crescimento da capital diminuiu, alcançando 0,91% ao ano, no período 1991/2000, e 0,60%, no período 2000/2005. Contudo, na maior parte dos demais municípios metropolitanos ocorreu o inverso. Em alguns, as taxas foram particular-mente expressivas: no período 2000/2005, Vargem Grande Paulista cresceu à taxa de 6,12% ao ano; Santana de Parnaíba, 5,82%; Caieiras, 5,05%; São Lourenço da Serra, 4,88%; Itapecerica da Serra, 4,69%; Itaquaquecetuba, 4,65%; Embu-Guaçu, 4,45%; Arujá e Pirapora do Bom Jesus, 4,40% (SÃO PAULO, 2006). Estes municípios situam-se nas fronteiras da RMSP. Acentua-se, assim, o caráter de cidades-dormitório dessas localidades e a ocupação exacerbada da periferia da metrópole nesses últimos anos.

Conseqüentemente, esse processo, que já transformou severamente as paisagens naturais pré-existentes nas porções mais centrais da RMSP, dirige-se agora para as fronteiras, instalando-se sobre os últimos remanescentes de ambientes naturais na região. Diante dessa situação, é possível ainda pensar em paisagens naturais em regiões densamente ocupadas, com forte industrialização e urbanização como a RMSP?

É oportuno, então, indagar sobre a situação das áreas naturais que se encontram no interior ou entorno da área mais densamente urbanizada da RMSP. Onde elas se localizam? Qual sua extensão em área e suas principais carac-terísticas? Elas contribuem para a melhoria dos serviços ambientais para os habitantes da RMSP? Esse artigo traz algumas informações para ajudar na resposta a estas questões, contribuindo para o planejamento dessas áreas.

Resumo: Com base na análise da paisagem natural da Região Metropolitana de São Paulo, são apresentadas informações sobre a localização, extensão e características dos principais remanescentes naturais da região com indicações sobre alguns serviços ambientais que eles oferecem para a sociedade.

Palavras-chave: Paisagem natural. Conservação ambiental. Unidades de conservação. Serviços ambientais.

Abstract: This paper considers location, extension and characteristics of natural landscape from Sao Paulo Metropolitan Region and does analyses of environmental services of this area.

Key words: Natural landscape. Environmental conservation. Protected areas. Environmental services.

A PAISAGEM NATURAL REMANESCENTE NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

Sidnei Raimundo

Page 17: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

20 SidNEi RaiMUNdo

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

Análise integrAdA dos FAtores Físicos e Biológicos pArA entendimento dA pAisAgem nAtUrAl nA região

Presentemente, um dos pressupostos para a utiliza-ção de recursos naturais diz respeito à necessidade de conciliar as demandas socioeconômicas e as estraté-gias de conservação da natureza. Os usos não devem interferir significativamente nos fluxos ecológicos, mas sim a sua implantação deve considerar os ciclos da natureza e, portanto, verificar se esta tem capaci-dade de resiliência e de recomposição de tais proces-sos frente aos usos propostos.

Nesse contexto, é importante considerar que os ambientes naturais do presente já foram, em algum grau, modificados por sociedades pretéritas. O que se considera então é a idéia de que alguns ambientes podem ser produtos da coevolução entre uma dada sociedade e sua natureza, ou seja, uma síntese intera-tiva dos mecanismos de transformação social e natu-ral (LÉVÊQUE, 1999; NOORGARD, 1994).

Com base nessa idéia, pode-se dizer que a socie-dade urbano-industrial da RMSP, que atualmente produz um alto grau de interferência nas paisagens naturais remanescentes, já havia herdado ambientes transformados de maneira mais intensa a partir do Brasil Colônia. Áreas que hoje se configuram com uma fisionomia florestal foram muito modificadas no passado, como por exemplo, as plantações de café que existiram no sopé do Pico do Jaraguá e Cantarei-ra no século XIX (MAZZEI, 1999) e as de cana-de-açúcar nas franjas do Japi – municípios de Cabreúva e Pirapora do Bom Jesus (GARCIA et al., 2000). Mais que isso, antes do período colonial havia agrupamen-tos indígenas que produziram interferências no meio, como os Maronomis ou Guarulho e os Guaianá, a leste da atual RMSP, além da predominância Tupi (PREZIA, 2004), e que, embora de maneira menos intensa e descontínua na paisagem, também contri-buíram para as transformações da natureza na atual região metropolitana.

Com isso, a paisagem natural na RMSP traz essa herança de modificações e, se há presentemente áreas ainda bem conservadas com baixíssimo ou nenhum uso, elas também apresentam esses vestígios de mo-

dificações pretéritas produzidas por esses grupos indígenas que habitaram a região, ou mesmo outras atividades, a partir do Brasil Colônia e que hoje estão abandonadas. São, por exemplo, alguns espécimes de café (Coffea arabica) e outras espécies exóticas entre-meadas à floresta nativa protegida pelo Parque Esta-dual do Jaraguá.

Sem aprofundar informações a respeito das moti-vações e necessidades culturais e socioeconômicas de interferência na natureza, a proposta deste trabalho é descrever e analisar alguns remanescentes da pai-sagem natural na RMSP, com uma avaliação das fun-ções que ela desempenha para a sociedade regional.

Assim, para identificação de algumas dessas áreas, desenvolveu-se uma análise integrada, considerando seus fatores físicos, principalmente geomorfologia e pedologia, assim como os biológicos – vegetação e fauna. Verificou-se como o embasamento físico con-diciona, ou mesmo determina, a exploração da flora e da fauna. Tais exames basearam-se nos pressupostos da “Análise da Paisagem” e do “Geossistema”, pre-conizados por Passos (2003), Monteiro (1980, 2000), entre outros.

A pAisAgem nAtUrAl

As diferenças do embasamento físico no local que se instalou o sítio urbano de São Paulo e municípios vizinhos, constituído pela bacia sedimentar de São Paulo, adornada por um conjunto de serras e morros ao norte-noroeste e ao sul, resultaram numa hetero-geneidade de coberturas vegetais.

A vegetação original do Estado de São Paulo era muito diversificada, destacando-se para a RMSP a Floresta Ombrófila Densa (conhecida como Mata Atlântica), que ocorre no domínio da Serra do Mar e estendia-se para o Planalto Paulista, apresentando fi-sionomias variadas de florestas mesófilas e semidecí-duas, como as encontradas na Serra do Japi – extremo norte e noroeste da RMSP. Associada a essa floresta, era possível identificar manchas de cerrado e de ve-getação campestre. Presentemente na região, áreas no município de Franco da Rocha guardam importante encrave de cerrado em meio à floresta; assim como no reverso da Serra do Mar, no extremo sul do Muni-

Page 18: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

a PaiSaGEM NaTURaL REMaNESCENTE Na REGiÃo METRoPoLiTaNa dE SÃo PaULo 21

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

cípio de São Paulo (região de Parelheiros), há exten-sas manchas de campos naturais, também entremea-dos à floresta atlântica. A toponímia das cidades mais ao sul da RMSP nos revela essa incidência maior de uma fisionomia campestre: São Bernardo do Campo e Santo André da Borda do Campo, como era chama-da no início da colonização, constituíram-se em im-portantes núcleos de povoamento no período colo-nial por razões materiais e simbólicas (KEHL, 2004), nas quais as características de espaços mais abertos dos campos naturais preenchiam essas necessidades (proteção e segurança pela maior contemplação do horizonte nos campos, em relação à floresta).

No tocante às formações florestais, a terminologia Floresta Ombrófila Densa (VELOSO 1992; VELOSO et al., 1991; IBGE, 1993), genericamente denominada Floresta Pluvial Tropical Atlântica de Planalto (JOLY et al., 1991), refere-se ao tipo vegetacional original predominante, cujos remanescentes recobrem a maior parte da RMSP. É uma floresta caracterizada por fanerófitos, além de lianas lenhosas e epífitas em abundância, que a diferenciam das outras classes de formações e ainda é pouco conhecida sob o ponto de vista florístico e fitossociológico.

A característica ombrotérmica desta floresta está ligada a fatores climáticos tropicais de elevadas tem-peraturas (médias de 25ºC) e de alta precipitação, bem distribuídas durante o ano (de 0 a 60 dias secos), o que determina uma situação praticamente sem pe-ríodo biologicamente seco. A precipitação hídrica é distribuída regularmente durante o ano, com elevadas temperaturas e ocorrência de geadas restritas a altitu-des superiores a 500 metros.

Essa floresta não é uma formação homogênea (TABARELLI; MANTOVANI, 1999), variando em sua estrutura e florística de acordo com a distância do Oceano Atlântico, a influência de floras diversas e a dinâmica sucessional, natural ou antrópica (MANTOVANI, 1990). Sanchez (1994) acrescenta que as variações topográficas, a diversidade de solos quanto à fertilidade - ora ácidos, ora distróficos, profundidade e idades pedogenéticas, propiciam condições diferenciadas para o estabelecimento das espécies, contribuindo para a heterogeneidade ambiental, indicadora da grande diversidade de espécies de plantas.

Essas variações geoecológicas são encontradas ao longo da RMSP: as áreas serranas ao norte, como Cantareira e Japi, assim como o Pico do Jaraguá, com seus 1.135 metros de altitude, são recobertas por uma floresta mais seca em relação às florestas do litoral. Essas florestas apresentam-se com menos epífitas e indicam o aparecimento de espécies deciduais. Já os morros e morrotes, típicos do domínio de mares-de-morro ao sul da RMSP, no reverso da Serra do Mar, são preenchidos por uma formação florestal mais úmida, densa, rica em lianas e epífitas.

Tais características da associação entre as formas de relevo, o solo, o clima e a instalação da vegetação resultaram em áreas de grande diversidade geológica e biológica na RMSP, pelo menos nas áreas com baixas densidades demográficas, nas fronteiras da região.

Contudo, nos remanescentes vegetais inseridos na área urbana a situação é muito diferente. Estudos realizados pelos órgãos ambientais do Município de São Paulo (SÃO PAULO, 2004) indicam que 48% de seu território apresenta-se carente em arborização e áreas verdes. É importante ressaltar que aproximada-mente 75% da vegetação ali existente concentra-se em apenas quatro regiões administrativas: Capela do Socorro, Campo Limpo, Jaçanã-Tremembé e Perus – os extremos norte e sul de São Paulo.

Dados do Atlas Ambiental do Município de São Paulo (SÃO PAULO, 2004) indicam que a cobertura vegetal hoje existente e entremeada às áreas urbanas da RMSP é constituída basicamente por fragmentos secundários da vegetação natural (Floresta Ombrófi-la Densa, Floresta Ombrófila Densa Alto-Montana e Campos Naturais), que ainda resistem ao processo de expansão urbana, em porções mais preservadas no extremo sul, da Serra da Cantareira ao norte, e em manchas isoladas, como as Áreas de Proteção Am-biental – APA – do Carmo e Iguatemi, na Zona Les-te; por ambientes implantados em áreas urbanizadas, restringindo-se aos parques e praças municipais e a escassa arborização viária; e espécimes isolados em terrenos particulares.

Assim, analisando a cobertura vegetal da RMSP, pode-se perceber que os maciços florestais nativos da Floresta Ombrófila Densa, em estágios mais avança-dos, localizam-se nos limites sul da RMSP, como na

Page 19: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

22 SidNEi RaiMUNdo

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

APA do Capivari-Monos e no extremo sul dos muni-cípios do ABC, no reverso da Serra do Mar.

Ao norte, os Parques Estaduais do Jaraguá e da Cantareira abrangem os remanescentes de Floresta Ombrófila Montana. Cabe ressaltar que nesta região ocorrem ainda extensos reflorestamentos de pinus e eucalipto, como nos municípios de Cajamar, Franco da Rocha e Caieiras.

Já na Zona Leste, as porções remanescentes, de pe-quena extensão regional, estão contidas nas APA do Carmo e Iguatemi e no extremo leste do município.

O Parque do Estado, onde se encontram o Jardim Botânico e o Jardim Zoológico, totalmente envolvido por área urbana, apresenta-se como uma ilha de vege-tação, com formações extremamente significativas. O Parque do Ibirapuera, Parque da Luz e outras praças e áreas verdes urbanas não podem ser classificados como espaços de conservação dos ambientes origi-nais da cidade de São Paulo. Eles cumprem função de contribuir para a amenização da temperatura e foram projetados para o lazer e recreação dos habitantes da região. Contudo, não são destinados à conservação de espécies: trata-se de um ambiente alterado, com várias espécies exóticas, com poucos indivíduos da flora nativa brasileira, que não conseguem dar susten-tação para uma população mínima viável da fauna.

Alguns RemAnescentes mAis conseRvAdos

Considerando essas informações gerais acerca da pai-sagem natural na RMSP, destacam-se a seguir as carac-terísticas da natureza em locais que se encontram com as maiores manchas de paisagens naturais na região.

Matas e Formações Abertas das Morrarias de São Roque e das Franjas do JapiEsse setor da RMSP, localizado a oeste e noroeste da região, caracteriza-se por um relevo montanhoso do Planalto Atlântico. Esse se distingue como uma região de terras altas, estendendo-se por centenas de quilô-metros quadrados, encerrando seus limites na Depres-são Periférica. Este planalto é dividido na Serrania de São Roque e no Planalto de Jundiaí. A Serrania de São Roque é constituída por um cordão montanhoso, no qual se destaca seu principal acidente – a Serra do Japi.

A superfície do Japi é uma das mais extensas superfí-cies de aplainamento do sul do Brasil (AB’ SABER, 1992). A partir da crista da Serra da Mantiqueira, as elevações perdem altura rumo noroeste. Por ser uma unidade com formas de dissecação média a alta, com vales entalhados e densidade de drenagem elevada, esta área apresenta um nível de fragilidade potencial a processos erosivos de médio a alto.

A cobertura vegetal original do Planalto Atlântico enquadra-se na divisão fitogeográfica de Floresta Me-sófila Semidecidual (Mata de Planalto), atualmente restrita aos remanescentes que recobrem as Serras do Japi e Guaxinduva. O município de Cabreúva possui aproximadamente 40% da Serra do Japi, comparti-lhando com o de Pirapora do Bom Jesus outros 10% desse importante relicto da vegetação de planalto do Estado de São Paulo.

Resultante da expansão da Floresta Atlântica, com nítido empobrecimento estrutural em função dos menores índices pluviométricos, essa formação vege-tal apresenta uma identidade própria, podendo, em certos locais, ostentar índices de diversidade superio-res às florestas que lhe deram origem.

Nessas porções de relevo montanhoso, pode-se identificar grande heterogeneidade na cobertura vegetal. As áreas de maior altitude, muitas vezes com elevada declividade, são recobertas por uma floresta densa e seca, com indivíduos de porte baixo (média de 6 me-tros). Nesses locais, ocorrem numerosas populações de cactáceas e bromeliáceas. A hipótese aceita para este fe-nômeno está ligada à alternância climática no passado geológico recente da Terra. Em períodos mais secos, houve povoamento de cactos nas áreas de matacões, en-quanto as matas consideradas secas retraíram-se para as serras mais altas e áreas escarpadas.

Já em áreas mais baixas, a cobertura vegetal é tipi-camente de floresta úmida, assemelhando-se com a própria Mata Atlântica (Floresta Ombrófila Densa). Cabe salientar que essas florestas possuem espécies de larga amplitude ecológica sendo, portanto, defini-das pela reunião de características preferenciais e não por feições exclusivas.

As manchas de vegetação remanescentes em está-gios mais maduros são entremeadas por capoeiras e áreas bastante degradadas. Geralmente coincidentes

Page 20: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

a PaiSaGEM NaTURaL REMaNESCENTE Na REGiÃo METRoPoLiTaNa dE SÃo PaULo 23

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

com o relevo montanhoso estão florestas caracteris-ticamente altas, com indivíduos emergentes de até 25 metros de altura, como monjoleiro (Acacia polyphilla), pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha), mamoninha (Ma-bea fistulifera), canjerana (Cabralea sp), cedro (Cedrela fissilis), guaraiúva (Savia dictyocarpa), entre outras, com copas sobrepostas sobre um segundo andar de árvo-res com até 8 metros como o canelão (Ocotea sp) e a maçaranduba (Manilkara huberi).

Nas áreas onde o relevo possui maior altitude, ocorre outra formação vegetal, marcada por árvores de porte variando entre 12 e 15 metros, com reduzido número de emergentes. O estrato arbóreo é bastante denso, apesar da altura, com indivíduos próximos e copas sobrepos-tas, promovendo total sombreamento do solo.

Tais florestas estão condicionadas por solos po-bres, ácidos, muito erodidos e, no geral, bem mais rasos que aqueles de baixas altitudes. Observa-se que, no extrato arbóreo, a diversidade é menor, porém a densidade dos exemplares é maior. Assim, algumas espécies são definitivas na caracterização dessas flo-restas. Pode-se mencionar como árvores típicas dessa fisionomia: a aroeira (Lithraea brasiliensis), a candeia (Gochnatia polymorpha), o pau-de-tucano (Vochysia tu-canorum), o olho-de-cabra (Ormosia arborea) e a guaça-tonga (Casearia sp).

Ao longo das posições mais elevadas dessas serras ocorrem, esporadicamente, afloramentos rochosos que apresentam interessante vegetação associada, onde predominam espécies como o mandacaru (Ce-reus giganteus), entremeadas pela eventual presença de arbustos e arvoretas de troncos finos e retorcidos, tais como a candeia (Gochnatia polymorpha), a mangabarana (Dipllon venezuelana) e a quaresmeira (Tibouchina sp).

Com relação à fauna, pode-se afirmar que sua com-posição abrange espécies oriundas da Mata Atlântica, das matas de planalto, do cerrado e aquelas típicas de áreas abertas.

Evidentemente, o elevado grau de ocupação hu-mana que se observa em toda essa região promoveu profundas alterações nos habitates que ali ocorrem, determinando severas restrições na distribuição das populações animais, limitando-as às pequenas man-chas de floresta, cercadas por extensas capoeiras e matas secundárias em regeneração.

Com desmatamentos e pela atividade de caça, percebe-se o desaparecimento de algumas espécies do gênero Tinamus, como nhambus e macucos, que possuem grandes exigências ecológicas. Outras, mui-to mais tolerantes à atividade antrópica, ocorrem em abundância e podem ser facilmente avistadas nas bor-das de mata e cursos d’água, como socós (Tigrisoma sp), garça branca (Casmerodius albus), curicaca (Theris-ticus caudatus), maria-faceira (Syrigma sibilatrix), sanha-ços (Thraupis sp), entre outras.

Algumas espécies apresentam certa tolerância a pequenas modificações de seus habitates, adaptando-se a formações secundárias ou mesmo nas bordas de mata. Pode-se mencionar o arapaçu (Dendrocincla turdina), um exemplar de grande beleza que ocorre nas franjas do Japi, ocupando áreas periantrópicas e bordas de mata.

Finalmente, ressalta-se que a supressão da vege-tação para formação de áreas de cultivo, pastagens e, mais recentemente, para loteamentos, favoreceu a expansão de espécies típicas de áreas abertas, em de-trimento da fauna de interior de mata. São considera-das comuns e facilmente visualizadas, espécies como a seriema (Cariama cristata), a garça branca (Casmero-dius albus), tico-tico-do-campo (Coryphaspiza melanotis) e quero-quero (Vanellus chilensis), todas comuns em áreas abertas.

Entre os mamíferos, a situação é bastante seme-lhante, ou seja, o desmatamento impossibilita, ou res-tringe em muito, a ocorrência e a distribuição das es-pécies menos tolerantes. Além disso, muitas espécies são perseguidas por apresentarem risco às criações domésticas, particularmente os felinos de maior por-te como o puma. Também sofrem com a alteração dos ambientes aquáticos as lontras (Lutra longicaudis) e iraras (Eyra barbara).

Roedores com menor porte, até 10kg, como a cutia (Dasyprocta agouti) e, em menor número, as pacas (Agouti paca), podem ser detectadas em fragmentos maiores de mata. Há, ainda, algumas espécies que ocorrem naturalmente em baixas densidades, como catetos (Tayassu tajacu), veados (Mazama sp), antas (Ta-pirus terrestris), alguns primatas e, fundamentalmente, os carnívoros mais especializados, que ocupam o topo da cadeia trófica.

Page 21: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

24 SidNEi RaiMUNdo

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

Formações da Serra da Cantareira, do Jaraguá e dos Contrafortes da MantiqueiraTrata-se também de um ambiente de serras alongadas, como o relevo descrito no tópico anterior. As condi-ções geoecológicas assemelham-se ao setor das morra-rias de São Roque e ao Japi. Contudo, é possível identi-ficar algumas diferenças do ponto de vista físico.

A Serra da Cantareira e o Pico do Jaraguá são os acidentes de relevo mais notáveis desse setor. Dantas (1990) indica que o Maciço da Cantareira alonga-se na direção nordeste-sudoeste por cerca de 30km e ocupa uma área de cerca de 320km². Essa serra sa-lienta-se aproximadamente 300 metros acima do ní-vel da topografia local. O lado voltado para sul (calha do Tietê) apresenta-se como uma frente escarpada, enquanto ao norte, na bacia do Juquery (Franco da Rocha) e município de Mairiporã possui uma escultu-ra granítica maciça e suave composta por um conjun-to de morros (AB’ SABER, 1978).

Do ponto de vista fisionômico, os picos do Jara-guá e do Papagaio, que ultrapassam a altitude de 1.000 metros e regiões adjacentes a estes, caracterizam-se como áreas de ocorrência de cobertura edáfica e ve-getacional particularizada, esta predominantemente campestre, com ocorrência de arbustos e árvores de baixo porte nas áreas marginais a estes campos, subordinada às condições de elevação em conjunto com a declividade acentuada.

A vegetação predominante nessas serras alonga-das e morros são similares à descrita para o setor de São Roque e as franjas do Japi. Baitello et al. (1993) realizaram levantamentos florísticos na Serra da Can-tareira encontrando no estrato arbóreo a existência de 48 famílias, 110 gêneros e 189 espécies. Essa serra é recoberta por espécies exclusivas de Mata Atlântica associadas a elementos da Mata Semi-Caducifólia do Planalto. Tal fato confere à Cantareira um caráter de transição entre a Mata Atlântica e a Mata de Planalto.

Nesse sentido, optou-se aqui em detalhar as for-mações vegetais não florestais como os cerrados e campos naturais que se assentam nesse ambiente ser-rano e que conferem maior singularidade natural a esse setor da RMSP.

Assim, o tipo de formação vegetal que ocorre no cume das maiores montanhas, como o Jaraguá e o Pa-

pagaio, é o das coberturas campestres condicionadas por fatores limitantes do meio físico, cujo principal grupo de fatores prende-se à combinação solo-decli-vidade-clima.

Hueck (1972), considerando os “fatores limitan-tes” que levam à formação de campos herbáceos no Jaraguá, indica que essa vegetação campestre que re-cobre litossolos e solos rasos subordina-se aos fatores ambientais que influem na ecologia vegetal (muitos deles limitantes para o desenvolvimento de muitas espécies). Entre eles estão os climáticos (luz, tempe-ratura, regimes de ventos, precipitações) e geomorfo-lógicos (principalmente orientação de vertentes, além da declividade). Fatores que dificultam o desenvolvi-mento de árvores.

Sob essas condições, formam-se encraves de vege-tação campestres e de cerrado dentro de uma matriz florestal da paisagem da RMSP.

Ao norte da área serrana da Cantareira, nos vale e serra do Juquery (Planalto de Jundiaí), ocorre uma cobertura vegetal com predominância de cerrados (KRONKA et al., 1993). Os solos, que em parte ex-plicam a existência dessas manchas de cerrado, com exceção das manchas de latossolos vermelho escuro argilo-arenosos, são rasos, provavelmente indicando os antigos cambissolos, onde a espessura raramen-te ultrapassa um metro, com um horizonte orga-nomineral. Trata-se dos últimos remanescentes de ilhas de cerrado, RMSP (SÃO PAULO, 1998), em área do Brasil Tropical Atlântico sob influência da Mata Atlântica. Estão configurados em manchas isoladas e são prováveis testemunhas dos avanços deste tipo de vegetação por toda parte da América do Sul, con-seqüência do clima mais seco que vigorava no Qua-ternário. Essa porção da RMSP possui uma singular cobertura vegetal onde se associam cerrados, campos cerrados, matas de fundo de vale e remanescentes da Floresta Ombrófila Densa.

As formações de cerrado e de campos nesse am-biente caracterizam-se como refúgio ecológico que, segundo IBGE (1993), Veloso (1992) e Veloso et al. (1991), é determinado por parâmetros ambientais mais ou menos constantes, que quando alterados, produ-zem modificações na estrutura e mesmo na florística da vegetação clímax. Os solos rasos ou incipientes não

Page 22: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

a PaiSaGEM NaTURaL REMaNESCENTE Na REGiÃo METRoPoLiTaNa dE SÃo PaULo 25

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

permitem o desenvolvimento de vegetação arbórea, restringindo-se, portanto, a formações graminóide-ar-bustivas, entremeadas por ervas e arbustos.

Segundo Baitello et al. (2006),1 no Juquery é evi-dente a presença de dois grupos florísticos: as espécies permanentes, que incluem todas as árvores, a maioria dos arbustos e parte das herbáceas; e as efêmeras, que incluem grande número de herbáceas, entre estas al-gumas espécies de Poaceae (Gramineae). Entre as efême-ras, algumas espécies produzem suas flores apenas por poucos dias ou poucas horas, como a Alophia sellowiana, Iridaceae, conhecida como lírio-branco-do–brasil. Suas flores brancas abrem-se durante a noite e fecham-se completamente no início da manhã.

A análise da vegetação atual sugere que a paisagem savânica local desta parte da RMSP está evoluindo para um predomínio das formas campestres mais abertas dos tipos campo-sujo, campo-cerrado e campo-limpo. É notório que os freqüentes incêndios estão impedindo o adensamento da vegetação e diminuindo a sua diversidade específica.

Após o fogo, as espécies resistentes emitem novos brotos e florescem, em especial as herbáceas e arbustivas. A floração e o brotamento são incrivelmente rápidos, podendo dar-se a partir do 10º dia após um evento de fogo. Há, dessa forma, um florescimento sincronizado de algumas famílias, iniciando pelas Poaceae, Asteraceae, Turneraceae e Malpighiaceae. Essas três produzem, respectivamente, uma profusão de indivíduos de Aspilia foliacea, Camarea hirsuta, Euphorbia coccorum, Hyptis plectranthoides Macrosiphonia velame, Pfaffia jubata, Piriqueta aurea, entre outras (BAITELLO et al., 2006). Em pouco tempo, as áreas campestres transformam-se em verdadeiros jardins multicoloridos procurados pelos insetos em busca de pólen, néctar e brotos tenros.

Segundo Baitello (2001), das 250 espécies cata-logadas na área do Parque Estadual do Juquery, seis são consideradas presumivelmente extintas e quatro estão em sério risco de extinção. É o caso da Camarea hirsuta, com suas pétalas redondas e amareladas, da Passiflora clathrata, uma planta aparentada do maracujá com flores violeta, escondida entre os arbustos, além da Alophia sellowiana, já mencionada, cujas pétalas só se abrem à noite.

A presença de um grande número de espécies ame-açadas em uma área restrita é uma excelente justifica-tiva para conservação dessa unidade, especialmente se elas estão com o patrimônio genético erodido em outros locais da RMSP ou do Estado.

Na fauna, observa-se a existência de espécies tí-picas de campos cerrados, como a seriema (Cariama cristala). Nas áreas contíguas de mata e capoeiras, en-contram-se espécies como bugio (Alouatta fusca), tatu (Dasypus sp), gambá (Didelphis marsupialis), capivara (Hydrocharys sp), veado campeiro (Mazama sp) e a ja-guatirica (Leopardus pardalis).

Além disso, essa área da RMSP que é drenada pelo Rio Juquery e abrange a bacia hidrográfica do Reservatório Paiva Castro integra parte do Sistema Cantareira, responsável por 56,7% do abastecimento de água da região. Além disso, o Parque Estadual do Juquery desempenha a importante função de frear as pressões sobre estes mananciais.

O Reverso da Serra do Mar – Florestas e Campos de Curucutu e ParelheirosSegundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambien-te – SVMA e a Secretaria de Planejamento – Sempla da Prefeitura de São Paulo (SÃO PAULO, 2000), em pesquisa realizada no Núcleo Curucutu2 do Parque Estadual da Serra do Mar (extremo sul de São Paulo) para identificar espécies da fauna e da flora, o resulta-do, apesar de preliminar, revelou surpresas positivas: “A cidade de São Paulo, com seu mosaico de ambien-tes, ainda oferece locais adequados ao abrigo, à ali-mentação e à reprodução de importantes espécies”. Segundo este estudo, ainda pode-se encontrar canelas (Ocotea sp), cedros (Cedrela fissilis), aroeiras (Schinus te-rebinthifolius), ingás (Inga sp), araçás (Eugenia jambolana), goiabeiras (Psidium guajava), açucenas (Amaryllis brasi-liensis), entre muitas outras.

Bellato e Mendes (2002), estudando o extremo sul do Município de São Paulo, descrevem as principais formações desse setor da RMSP. Um primeiro grupo são as formações florestais, ou seja, a Floresta Om-brófila Densa. É a de maior expressão areal e encon-tra-se assentada no planalto (morros e morrotes), na escarpa e no reverso da Serra do Mar, como nos dis-tritos de Marsilac, Colônia, Parelheiros e APA do Ca-

Page 23: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

26 SidNEi RaiMUNdo

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

pivari-Monos, e estende-se por toda a porção sul da RMSP, nos municípios do ABC. Esta formação pode ser subdividida em dois grupamentos fisionômicos, a Mata de Planalto e a Mata Nebular, formando um interessante mosaico florestal na região.

A Mata de Planalto é uma floresta que se assenta sobre as encostas entre 500 e 1.500 metros de altitu-de. Ocorre no compartimento do Planalto Paulistano, com predomínio de morros e morrotes. No núcleo Curucutu aparece em altitude entre 700 e 900 metros. Está em uma faixa de transição para a mata nebular e em áreas entremeadas com os campos de altitude, no contato com a escarpa da Serra do Mar. Essa for-mação caracteriza-se pela imensa variedade de bro-mélias de chão, comuns no núcleo Curucutu, entre elas o caraguatá (Bromelia antiacantha); árvores de 25 a 30 metros de altura, com sub-bosque denso e diver-sificado; pinheiro-bravo (Podocarpus selowii), a figueira (Ficus gomel) e o guapuruvu (Schizolobium parahyba);- no sub-bosque destacam-se as helicônias (Heliconia vello-ziana) e a erva-de-anta (Psychotria nuda) (BELLATO; MENDES, 2002).

Já a Mata Nebular ocorre na crista da Serra do Mar, sobre solos litólicos. O extremo sul da RMSP caracteriza-se pela elevada umidade dos ventos alí-sios, saturados de água, oriundos do oceano. Com isso, essas formações tornam-se freqüentemente co-bertas por neblina – daí seu nome “nebular”. Trata-se de uma fisionomia da Mata Atlântica caracterizada por árvores mais baixas, de porte variando entre 10 e 15 metros com poucos indivíduos emergentes, es-trato arbóreo bastante denso, árvores próximas e co-pas sobrepostas. Uma característica marcante dessas matas é a grande quantidade e diversidade de epífitas, musgos e liquens que recobrem quase todos os caules das árvores. Isso, pois a água é escassa no solo, devi-do às posições cimeiras do relevo, mas não no ar, por conta da neblina constante.

Um segundo padrão identificado por Bellato e Mendes (2002) são as formações não florestais – a Vegetação Campestre, condicionadas pelas variações de solo, clima e relevo. Estes ambientes ocorrem no alto dos topos da Serra do Mar, onde o relevo escar-pado não oferece condições para a formação de so-los profundos e a conseqüente instalação de espécies

arbóreas. São condicionados por solos muito pobres, ácidos, com altos teores de alumínio trocável, lixivia-ção intensa, rasos e pedregosos. A vegetação é predo-minantemente graminosa e rasteira e apresentam for-mas perenes. São ambientes distribuídos em manchas isoladas, inseridos numa matriz florestal. Tais fatos conferem grande potencial de especiação para diver-sos grupos vegetais e animais. Os campos naturais caracterizam-se por pequenos arbustos das famílias das melastomatáceas, eriocauláceas, droseráceas, orquidáceas (terrestres) poligaláceas, verbenáceas, compostas e iridáceas.

Com relação à fauna, segundo SVMA/Sempla (SÃO PAULO, 2000), para o extremo sul da RMSP ainda ocorrem espécies que necessitam de matas pre-servadas, como o tucano-de-bico-verde (Ramphastus dicolorus), o tangará (Tangara cayana), o sanhaço-amarelo (Thraupis ornata) e a tiriba-de-testa-vermelha (Pyrrhura frontalis). Este estudo constatou no núcleo Curucutu e arredores (área do planalto)3, sete espécies, entre pás-saros e mamíferos, ameaçadas de extinção, segundo o Decreto Estadual n. 42.838/98: jacuguaçu (Penelope obscura); sabiacica (Triclaria malachitacea); papo-branco (Biatas nigropectus); araponga (Procnias nudicollis); pavão-do-mato (Pyroderus scutatus); onça-parda (Puma concolor) e anta (Tapirus terrestris).

Apesar dos resultados considerados positivos, no extremo sul do Município de São Paulo, os rema-nescentes naturais estão sendo suprimidos devido, sobretudo, à ocupação irregular, seja para instalação de bairros de baixa renda, seja para as chácaras de final de semana. Além disso, a caça para consumo e a captura para manutenção em gaiola ou para comércio também têm causado um impacto significativo sobre a fauna local. Vale ressaltar que tais formações inse-rem-se na área de proteção de mananciais da RMSP, produzindo água para os reservatórios de Guarapi-ranga e Billings. Desta forma, a ocupação desorde-nada, com a supressão da vegetação, vem afetando a produção desses mananciais.

AlgUns serviços AmBientAis dos remAnescentes dA pAisAgem nAtUrAl

Os serviços ambientais são as condições e os proces-sos pelos quais os ecossistemas naturais e as espécies

Page 24: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

a PaiSaGEM NaTURaL REMaNESCENTE Na REGiÃo METRoPoLiTaNa dE SÃo PaULo 27

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

que os compõem mantêm e asseguram a vida huma-na na Terra. A SVMA/Sempla (SÃO PAULO, 2004) complementa esse conceito, indicando que serviços ambientais são o conjunto de benefícios gerados por ecossistemas naturais ou cultivados, freqüentemen-te, sem valor de mercado. São também conhecidos como “externalidades ambientais positivas”.

Baseado nesse conceito, é possível relacionar as principais contribuições dos remanescentes da paisa-gem natural da RMSP necessários à manutenção da metrópole que a envolve. Assim, serão discutidos a seguir, alguns dos serviços ambientais destes rema-nescentes, a saber: amenização das temperaturas do micro ou meso clima e melhoria da qualidade do ar, filtrando materiais particulados; produção de água em qualidade e quantidade para o abastecimento dos munícipes; oferecimento de espaços para o lazer e recreação dos habitantes da metrópole; e oferta de produtos naturais, como madeira, plantas ornamen-tais e medicinais.

A produção de água, por exemplo, é um dos mais críticos, resultando na necessidade de importação deste recurso em outras bacias hidrográficas adjacen-tes à RMSP. Nesse sentido, é notório que a população e as atividades econômicas da RMSP consomem mais água do que esses remanescentes conseguem produ-zir. Apenas para ilustrar esse fato, o Sistema Cantarei-ra abastece mais da metade da população metropoli-tana (56%) e procura atender a demanda da RMSP de fornecimento de 31 metros cúbicos por segundos de água (ANA, 2005). Contudo, menos de 10% da água deste sistema é produzida pelas bacias hidrográficas da RMSP, notadamente a do Rio Juquery/ Reserva-tório Paiva Castro.

Segundo a Cetesb (2006), a produção de água para a RMSP está muito próxima da disponibilidade hídri-ca dos mananciais existentes, que é de 66 mil litros por segundo. Essa pequena folga coloca a região em uma situação frágil, onde um período de estiagem mais prolongado pode resultar em racionamento de água para grande parte da população. Nesse sentido, man-tendo-se as altas taxas de crescimento demográfico da RMSP, a produção de água para a metrópole pode se agravar. E o problema reveste-se de uma comple-xidade maior, pois novos reservatórios dependem de

construção de represas, que demandam áreas para serem alagadas, tempo e recursos financeiros que são pouco acessíveis atualmente. Contudo, já há projetos do governo do Estado de São Paulo para captação de água em outras bacias externas à RMSP, além da do Piracicaba, como a do Rio São Lourenço, no Vale do Ribeira, a sudoeste da região.

Se a quantidade de água produzida pelos rema-nescentes naturais da RMSP já é praticamente insufi-ciente, deve-se avaliar também a sua qualidade. Nesse aspecto, uma comparação é fundamental para atestar a importância dos remanescentes naturais: a situação do entorno dos reservatórios de Guarapiranga e do Paiva Castro. O primeiro já se notabilizou pelo uso e ocupação desordenados do solo, resultando na su-pressão da vegetação pela expansão da mancha urba-na ao sul da metrópole. Dados do ISA (2006) indicam que 17% da bacia deste reservatório consolidou-se como área urbana, 60% apresenta usos humanos diversos, como agricultura, mineração, industrial e estradas; e apenas 23% caracteriza-se por remanes-centes naturais: florestais, campos de altitude e as várzeas. Já o uso no entorno da represa Paiva Cas-tro, do Sistema Cantareira, apresenta, segundo Giatti (2000), cerca de 10% com área urbana contígua, área esta com problemas de tratamentos de efluentes. Mas o uso e ocupação predominantes são as áreas natu-rais do Parque Estadual do Juquery e da Cantareira. A área natural é mais significativa, portanto, no Re-servatório Paiva Castro em relação à Guarapiranga. Baseado nessas informações é oportuno verificar os dados de Cetesb (2006) para esses dois reservatórios. As tabelas sínteses sobre IVA – Índice de Qualidade das Águas para a Proteção da Vida Aquática indicam que na Guarapiranga, nos diversos pontos de capta-ção, os valores oscilaram predominantemente entre ruim e regular, apresentando dois locais de captação como péssimo (CETESB, 2006, p. 203). Enquanto na Paiva Castro, os valores oscilaram de regular a boa, sendo um mês caracterizado como ótima (CETESB, 2006, p. 219). A dinâmica de ocupação espacial nas margens destas represas é extremamente complexa, mas estes dados permitem observar a importância da manutenção da paisagem natural para a melhoria da qualidade da água nos reservatórios da RMSP.

Page 25: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

28 SidNEi RaiMUNdo

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

Com as áreas naturais protegidas no entorno dos reservatórios, a qualidade da água é melhorada, pois se reduzem os processos erosivos que carreiam se-dimentos para o interior das represas, reduzindo sua turbidez e, conseqüentemente, diminuindo os custos de tratamento para abastecimento. Esses ambientes funcionam também como filtro de poluentes quími-cos, contribuindo para a manutenção da diversidade e produtividade aquática.

Com relação à amenização das médias térmicas, é fundamental o papel dos remanescentes das pai-sagens naturais na atenuação das ilhas de calor na RMSP (LOMBARDO, 1985), ou seja, aquelas tem-peraturas mais elevadas que aparecem em uma me-trópole por conta da redução da cobertura vegetal e da maior absorção de radiação por parte das paredes e telhados das edificações em áreas intensamente ur-banizadas. Tarifa e Armani (2000), estudando o clima da metrópole, constataram uma variação de mais de 10° C entre as áreas centrais de São Paulo e o ex-tremo norte nas florestas da Serra da Cantareira. Se-gundo esses autores, a temperatura média nas áreas urbanizadas junto às calhas do Tietê e Tamanduateí ultrapassa os 32°C, enquanto na Serra da Cantareira é de 23°C. Tal fato dá-se pelas características planas e sem arborização da zona central que aumentam a absorção da radiação solar nessa área, ao contrário da Serra da Cantareira, cujas inclinações e manto flores-tal atenuam sobremaneira a radiação.

Mais que isso, Tarifa e Armani (2000) indicam também que há uma circulação de ventos predomi-nante na RMSP, sendo os quadrantes sul e sudeste os mais intensos. Nesse sentido, é possível afirmar que o ar com temperaturas mais elevadas e poluentes da região central é carreado para a periferia da RMSP, notadamente para sua porção sul e sudeste, onde se localizam as florestas da Serra do Mar, como as do Núcleo Curucutu e Parelheiros, que possuem tempe-raturas mais baixas. Assim, tais remanescentes aca-bam funcionando também como filtros naturais do material em suspensão originado na área central da RMSP, pois parte dos poluentes dela oriundos ficam retidos nas copas das árvores. É claro que isto gera problemas para algumas espécies de plantas mais sus-ceptíveis aos poluentes, como o dióxido de enxofre e

o dióxido de nitrogênio, que em contato com o vapor d’água e outras substâncias podem produzir efeitos nocivos às plantas. Sob este aspecto veja, por exem-plo, os trabalhos de Lopes (2000) e Pompéia (1997).

Outro serviço importante desempenhado pelos remanescentes naturais da RMSP é que eles consti-tuem importantes espaços para lazer e recreação dos munícipes. A visitação em espaços naturais ganhou força a partir da década de 1970 (PIRES, 2002) e é motivada por diversas causas. Ruschmann (1997) mos-tra que as doenças modernas (estresse e hipertensão, entre outras), assim como os ambientes artificializados dos grandes centros, são os grandes responsáveis pelo aumento da visitação à natureza. Bruhns (2005) numa outra abordagem, indica que a fetichização da nature-za como mercadoria, com o apelo para os esportes na natureza, a busca por emoções e pela “adrenalina” dos “esportes radicais” tem gerado um fluxo de pessoas para estas áreas como nunca observado na história.

Sejam quais forem os motivos, os números são grandiosos nas áreas naturais da RMSP: a represa Billings e arredores recebem cerca de 40 mil visitan-tes por final de semana enquanto a Paiva Castro 15 mil (CETESB, 2006). O Parque Estadual do Jaraguá é freqüentado por 10 a 12 mil pessoas em cada final de semana.4 No Parque Estadual da Cantareira há con-trole e monitoramento dos visitantes, limitando o nú-mero de pessoas; mesmo assim a demanda é bastante grande, gerando uma espera para acesso às trilhas.

Nessas novas necessidades de encontro com a natureza que a sociedade contemporânea exige há várias possibilidades de uso, desde a contemplação da paisagem e dos elementos que compõem um ecos-sistema numa trilha ou num mirante, até um contato mais intenso propiciado pelas práticas de interpreta-ção da natureza e educação ambiental, assim como as atividades dos esportes de aventura.

Comparado com outras formas de uso e ocupação do solo, como urbanização, industrialização, ativida-des minerárias ou agropecuárias, as atividades ligadas ao ecoturismo e ao lazer na natureza causam poucos problemas à paisagem natural. Contudo, Bernaldéz (1994) elencou alguns dos possíveis impactos nega-tivos do turismo na natureza, como: incremento do consumo de recursos naturais, podendo levar ao seu

Page 26: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

a PaiSaGEM NaTURaL REMaNESCENTE Na REGiÃo METRoPoLiTaNa dE SÃo PaULo 29

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

esgotamento; consumo do solo e transformação ne-gativa da paisagem pela implantação de construções e infra-estrutura; aumento da produção de lixo, resí-duos sólidos e efluentes líquidos; alteração de ecos-sistemas naturais devido à introdução de espécies exóticas de animais e plantas; e estímulo ao consumo de souvenirs produzidos a partir de elementos naturais escassos, entre outros.

Desta forma, é importante pensar em planos de manejo e de usos turísticos para os remanescentes da paisagem natural da RMSP a fim de evitar que os problemas gerados pelas práticas de ecoturismo possam afetar os processos ecológicos fundamen-tais destes ambientes.

Por fim, mas não menos importantes, estão os ser-viços desses ambientes naturais considerados como recursos, ou seja, produção de madeira, plantas orna-mentais e medicinais, entre outros, que são de difícil mensuração e valoração econômica. Contudo, eles possuem demanda e podem ser comercializados com o estabelecimento de preços de acordo com o merca-do. Mas aqui há uma diferença marcante, pois o uso controlado para extração ou produção desses bens necessita de um estudo criterioso dos ciclos ecoló-gicos, avaliando assim sua capacidade de dar suporte aos usos propostos.

A implantação de atividades nesses últimos rema-nescentes da paisagem natural da RMSP para extração de recursos naturais depende da existência de condi-ções essenciais, como uma área mínima viável que ofe-reça condições de extração de recursos em quantidade e qualidade, considerando sua perenidade em longo prazo. De acordo com a espécie da flora ou fauna que se tenha interesse em explorar, é essencial pesquisas sobre sua riqueza presente no local, a fim de evitar ex-tinções locais do recurso explorado. Além disso, são necessárias informações sobre o tamanho da popula-ção, vigor dos indivíduos presentes, grau de consan-güinidade, entre outros aspectos, que permitam inferir sobre a viabilidade de extração do recurso. Posto desta maneira, percebe-se que é uma atividade que envolve um esforço de pesquisa muito maior que nos outros serviços ambientais aqui descritos, mas que precisa ser desenvolvido com urgência para evitar depleções so-bre os escassos remanescentes da RMSP.

considerAções FinAis

Admitindo-se as informações deste trabalho, pode-se constatar que ainda é alta a heterogeneidade pai-sagística dos ambientes naturais da RMSP, consti-tuídos por uma matriz de ambientes florestais na paisagem, com manchas de cerrado ao norte e cam-pos ao sul. Importante destacar também que parte de tais ambientes apresenta-se protegida por unida-des de conservação. São eles, o Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo Curucutu e a APA do Capi-vari-Monos ao sul da RMSP; e os Parques Estaduais da Cantareira, do Juquery e do Jaraguá ao norte que contribuem para frear os intensos processos de ocu-pação do solo na RMSP.

Contudo, a supressão da vegetação com finalida-des residenciais (loteamentos e chácaras de final de semana), que não são somente produtos de atividades clandestinas, mas são também resultado de ações le-gais, têm fragmentado e alterado a paisagem natural.

Nesse sentido, é preciso urgentemente elaborar planos diretores para os municípios que compõem a RMSP, e implantá-los de fato, estabelecendo taxas de ocupação do solo, reduzindo assim os avanços sobre esses espaços naturais. A iniciativa da prefeitura de São Paulo, por exemplo, de refuncionalização do centro da cidade, atraindo investidores e ocupando espaços va-gos na área central demonstra que é possível diminuir o ritmo de crescimento areal (horizontal) e reduzir a pressão sobre os espaços naturais na periferia.

Complementarmente, os serviços e produtos am-bientais mencionados neste trabalho, podem ser con-siderados como alternativas de renda para a população mais carente que habita a periferia da RMSP e que está em contato direto com os grandes remanescentes na-turais. São tarefas complexas e de mais longo prazo, mas precisam ser iniciadas urgentemente sob pena de se perder este importante patrimônio natural.

Nessa linha de trabalho, é necessário o desenvol-vimento de pesquisas acerca da biodiversidade desses remanescentes, como apontado no tópico anterior, a fim de avaliar a viabilidade dos vários usos que esses ambientes naturais podem oferecer à sociedade me-tropolitana e assim, poder chamá-los de usos pratica-dos de forma sustentável.

Page 27: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

30 SidNEi RaiMUNdo

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

Notas

1. Comunicação interna (Instituto Florestal, 2006).

2. A Divisão de Fauna do Departamento de Parques e Áreas Verdes (Depave) vem realizando o levantamento da fauna da cidade de São Paulo desde 1993, com a colaboração de profis-sionais do Instituto Butantã, Instituto Adolpho Lutz, Museu e Departamento de Zoologia da USP, Centro de Controle de

Zoonoses e Zoológico de São Paulo, na identificação de am-bientes e espécies na região do Núcleo Curucutu e APA do Capivari-Monos – extremo sul do Município de São Paulo.3. A partir da Lista Preliminar Cumulativa da Fauna, elabo-rada pela SVMA/Sempla (SÃO PAULO, 2000), realizada na estrada do Curucutu e no Distrito de Engenheiro Marsilac. 4. Vladimir Arrais de Almeida, diretor do Parque Estadual do Jaraguá, informação pessoal.

Referências Bibliográficas

AB’ SABER, A.N. A Serra do Japi, sua origem geomorfológica e a teoria dos refúgios. In: MORELLATO, P.C. (Org.). História natural da Serra do Japi: ecologia e preservação de uma área florestal no Sudeste do Brasil. Campinas, SP: Unicamp/Fapesp, 1992. p 12-23.

______. O reservatório do Juquery na área de Mairiporã: estudos básicos para defesa ambiental e ordenação dos espaços envolventes. São Paulo: Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, 1978. (Série Geografia e Planejamento, n. 32).

ANA – Agência Nacional de Águas, Superintendência de Uso Múltiplos. Monitoramento dos reservatórios do Sistema Cantareira. Brasília: nov. 2005. Disponível em: <http://www.ana.gov.br/GestaoRecHidricos/UsosMultiplos/BoletinsMonitoramento.pdf>.

BAITELLO, J.B.; AGUIAR, O.T.; ROCHA, F.T.; PASTORE, J.A.; ESTEVES, R. Estrutura fisiológica da vegetação arbórea da Serra da Cantareira. Revista do Instituto Florestal, v. 5, n. 2, p. 133-161, dez. 1993.

BAITELLO, J.B.; PASTORE, J.A.; ROCHA, F.T.; AGUIAR, O.T. Caracterização florística, estrutural e fisionômica da vegetação savânica e florestal do Parque Estadual do Juquery - Franco da Rocha. In: REUNIÃO ANUAL DE PESQUISA AMBIENTAL, 4., São Paulo. Anais... São Paulo, 2001. p. 43-53.

BELLATO, S.; MENDES, I. Análise da susceptibilidade ambiental no Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar (SP – Brasil). In: GERARDI, L.; MENDES, I. (Org.). Do natural, do social e suas interações: visões geográficas. Rio Claro: Ageteo, 2002. p. 93-108.

BERNALDÉZ, G. Turismo y médio ambiente. Cuadernos de Educación Ambiental, Madri, Centre Unesco de Catalunya, n. 15, 1994.

BRUHNS, H.T. Ecoturismo e ambientalismo: explorando relações. Turismo em análise, v. 16, p. 191-205, 2005.

CAIADO, A.S.C.; SANTOS, S.M.M. dos. Fim da dicotomia rural-urbano? Um olhar sobre os processos socioespaciais. São Paulo Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 17, n. 3-4, p. 115-124, jul./dez. 2003.

CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Relatório de qualidade das águas interiores do Estado de São Paulo 2005. São Paulo: 2006. 488 p.

DANTAS, A.S.L. Geologia da faixa São Roque e intrusivas associadas na região entre São Paulo e Mairiporã, norte de São Paulo. São Paulo. 217 p. 1990. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.

GARCIA, J.G.; MORAES, C.; RAIMUNDO, S. Turístico do Alto-Médio Tietê: potencialidade e infra-estrutura. Sorocaba: Ed. do Sebrae, 2000. v. 1. 180 p.

GIATTI, L.L. Reservatório Paiva Castro – Mairiporã (SP): avaliação da qualidade das águas sobre alguns parâmetros físicos, químicos e biológicos (1987/1998). 87 p. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública/USP, São Paulo, 2000.

HUECK, K. As florestas da América do Sul: ecologia, composição e importância econômica. Brasília: Polígono/UnB, 1972.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapa de vegetação do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: 1993.

ISA – Instituto Socioambiental. Análise integrada da evolução do uso do solo e qualidade da água na bacia da Guarapiranga. In: SEMINÁRIO GUARAPIRANGA. São Paulo, 2006.

JOLY, A.C.; LEITÃO FILHO, H.F.; SILVA, S.M. O patrimônio florístico. In: Mata Atlântica. Rio de Janeiro: Index/Fundação Mata Atlântica, 1991. p. 97-107.

KEHL, L.A. Simbolismo e doutrina na fundação de São Paulo. In: BUENO, E. (Org.). Os nascimentos de São Paulo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 53-84.

KRONKA, F.J.N.; MATSUKUMA, C.K.; NALON, M.A; DEL CALI, I.H.; ROSSI, M.; MATTOS, I.F.A; SHI-IKE, M.S.; PONTINHAS, A.M.S. Inventário florestal do Estado de São Paulo. São Paulo: Instituto Florestal – Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 1993.

LÉVÊQUE, C. A biodiversidade. Tradução de Valdo Mermeslstein. Bauru: Edusc, 1999. 244 p.

LOMBARDO, M.A. Ilha de calor nas metrópoles: o exemplo de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1985.

Page 28: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

a PaiSaGEM NaTURaL REMaNESCENTE Na REGiÃo METRoPoLiTaNa dE SÃo PaULo 31

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006

LOPES, M.I.M.S. Fluxo de água, balanço químico e alterações no solo da Floresta Atlântica atingida pela poluição aérea de Cubatão, SP, Brasil. Tese (Doutorado em Ecologia) – Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

MANTOVANI, W. A dinâmica das florestas na encosta atlântica. In: SIMPÓSIO DE ECOSSISTEMAS DA COSTA SUL E SUDESTE BRASILEIRA, 2., Anais... Águas de Lindóia: ACIESP, v. 1, p. 304-313, 1990.

MAZZEI, K. Manejo de unidades de conservação em áreas urbanas: Parque Estadual da Cantareira – discussão para incorporação de novas áreas. 140 p. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, São Paulo, 1999.

MONTEIRO, C.A.F. Geossistema: a história de uma procura. São Paulo: Contexto, 2000. 127 p.

______. A questão ambiental no Brasil: 1960-1980. São Paulo, IGEOG-USP, 1980. 135 p. (Série Teses e Monografias, n. 57).

NOORGARD, R. Development Betrayed: the end of progress and a co-evolutionary revisioning of the future. London: Routledge, 1994.

PASSOS, M.M. dos. Biogeografia e paisagem. Maringá: [s. n.], 2003. 264 p.

PIRES, P.S. Dimensões do ecoturismo. São Paulo: Senac, 2002.

POMPÉIA, S.L. Sucessão secundária da Mata Atlântica em áreas afetadas pela poluição atmosférica de Cubatão, SP. Tese (Doutorado em Botânica) – Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.

PREZIA, B. Os indígenas do planalto paulista. In: BUENO, E. (Org.). Os nascimentos de São Paulo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 53-84.

RUSCHMANN, D.D. Turismo e planejamento sustentável: a proteção do meio ambiente. Campinas: Papirus, 1997. 199 p. (Coleção turismo).

SANCHEZ, M. Florística e fitossociologia da vegetação arbórea nas margens do Rio da Fazenda (Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo de Picinguaba - Ubatuba/SP). 75 p. 1994. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) – Instituto de Biociências da Unesp, Rio Claro, 1994.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Economia e Planejamento. A Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo: 2006. 6 p. (Documento interno não publicado).

SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Planos de manejo das unidades de conservação: Parque Estadual da Serra do Mar - Núcleo Cubatão - Plano de Gestão Ambiental - fase 1/Secretaria do Meio Ambiente/Coordenadoria de Informações Técnicas, Documentação e Pesquisa Ambiental. São Paulo: Instituto Florestal/Fundação Florestal, 1998. 177 p.

SÃO PAULO (Município). Secretaria do Verde e do Meio Ambiente/Secretaria de Planejamento. Atlas ambiental do Município de São Paulo – o verde, o território, o ser humano: diagnósticos e bases para a definição de políticas públicas para as áreas verdes do Município de São Paulo. São Paulo: 2004.

SÃO PAULO (Município). Secretaria do Verde e do Meio Ambiente/Secretaria de Planejamento. Atlas ambiental do Município de São Paulo. São Paulo: 2000.

TABARELLI, M.; MANTOVANI, W. A riqueza de espécies arbóreas na floresta atlântica de encosta no Estado de São Paulo (Brasil). Revista Brasileira de Botânica, v. 1, n. 1, p. 217-223, 1999.

TARIFA, J.R.; ARMANI, G. Unidades climáticas urbanas da cidade de São Paulo. In: SÃO PAULO (Município). Secretaria do Verde e do Meio Ambiente/Secretaria de Planejamento. Atlas ambiental do Município de São Paulo. São Paulo: 2000. 86 p.

VELOSO, H.P. Manual técnico da vegetação brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 1992. (Série Manuais técnicos em geociências, n. 1).

VELOSO, H.P.; RANGEL FILHO, A.L.; LIMA, J. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE/Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, 1991. 124 p.

Sidnei Raimundo

Geógrafo e Mestre em Ciências: Geografia Física pela FFLCH-USP, Professor da EACH-USP. ([email protected])

Artigo recebido em 15 de maio de 2006. Aprovado em 29 de junho de 2006.

Como citar o artigo:RAIMUNDO, S. A paisagem natural remanescente na Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 19-31, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

Page 29: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

Este artigo presta-se ao debate sobre a problemática ambiental relacionada ao uso dos recursos naturais. De acordo com essa discussão, a escassez dos recursos hídricos está associada ao modo de apropriação e à degradação decorrente de poluição direta e indireta.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho é analisar a produção social do espaço urbano, a degradação das águas, bem como os conflitos entre os diferentes usos e usuários desse recurso na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP.

O Tietê é o principal rio que percorre a RMSP e o maior do Estado de São Paulo. Nascido nos contrafortes ocidentais da Serra do Mar no município de Salesópolis, a 840 metros de altitude e a apenas 22 quilômetros do Oceano Atlântico, o rio Tietê dirige-se para o interior do Estado, na direção sudeste-noroeste, percorrendo 1.100 quilômetros no território paulista, indo desaguar no rio Paraná, na divisa com Mato Grosso do Sul.

Na RMSP, o rio Tietê e seus afluentes constituem a chamada Bacia Hidrográfica do Alto Tietê – BH-AT, uma bacia de cabeceira com vazão média de apenas 90 metros cúbicos por segundo. Esta bacia é definida pela área de drenagem do rio Tietê e de seus afluentes, desde sua nascente até a Barragem de Pirapora, no município de Pirapora do Bom Jesus, e apresenta quadro crítico de poluição de suas águas. Sua estrutura geomorfológica – maciço cristalino, pouco poroso e permeável – e o intenso processo de urbanização verificado nesta região

Resumo: O artigo analisa a produção social do espaço urbano e os conflitos entre os diferentes usos e usuários das águas na Região Metropolitana de São Paulo, no período entre o final do século XIX e os dias de hoje.

Palavras-chave: Urbanização. Recursos hídricos. Conflitos.

Abstract: This paper analyses the social production of the urban space and the conflicts between the different water uses and users in the Metropolitan Region of Sao Paulo, since the end of the 19th century until nowadays.

Key words: Urbanization. Water resources. Conflicts.

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E CONFLITOS PELA ÁGUA NA REGIÃO

METROPOLITANA DE SÃO PAULO

AnA PAulA FrAcAlAnzA

VAlériA nAgy de O. cAmPOs

Page 30: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E CONFLITOS PELA ÁGUA NA REGIÃO ... 33

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

contribuíram para agravar a situação de degradação das águas. Este conjunto de fatores faz com que a disponibilidade hídrica por habitante ao ano seja de apenas 200 metros cúbicos.

A Bacia Hidrográfica do Alto Tietê abrange 34 dos 39 municípios da RMSP. Somente não pertencem a ela os municípios de Guararema e Santa Isabel, totalmen-te localizados em outra bacia, e os municípios de Juqui-tiba, São Lourenço da Serra e Vargem Grande Paulista, que possuem apenas parte de sua área rural nela loca-lizada. Assim, os dados da bacia praticamente coinci-dem com os da RMSP: 70% da superfície e 99,55% da população da RMSP encontram-se na bacia.

A discussão apresentada neste artigo inicia-se com a análise da produção social da cidade de São Paulo no final do século XIX, com atenção ao crescimen-to de atividades humanas associadas ao complexo cafeeiro e à degradação das águas do rio Tietê. Na segunda seção, considera-se a degradação das águas na cidade de São Paulo e entorno a partir da década de 1930, além da apropriação da terra nesta região, relacionada à concentração industrial e à ocupação por assentamentos irregulares. Na terceira parte, são apresentados dados de saneamento ambiental do lo-cal dos anos 1990 em diante, associando-os com o uso do solo e a qualidade das águas da Bacia Hidro-gráfica do Alto Tietê. Finalmente, na quarta seção, discutem-se os principais conflitos decorrentes deste processo, os quais são verificados na RMSP, e entre esta e as áreas vizinhas. A análise encerra-se com co-mentários finais, nos quais são indicadas as possibi-lidades de mudança futura na gestão destes conflitos relacionados à água, a partir do novo Sistema de Ge-renciamento de Recursos Hídricos, instituído em São Paulo em 1991.

CresCimento de atividades humanas e degradação das águas do rio tietê na passagem do séCulo xix para o xx

A degradação das águas do rio Tietê e afluentes está intrinsecamente relacionada às atividades humanas que se intensificaram na região, principalmente após o final do século XIX, momento marcado pela expan-são do complexo cafeeiro no Estado de São Paulo.

Impulsionados pelo café, desenvolveram-se bancos, estradas de ferro, eletricidade, comércio, indústria e di-versos serviços urbanos. As atividades urbanas, neste contexto, eram não somente necessárias à reprodução da economia, mas também resultado das modificações na estrutura produtiva (ARAÚJO, 1992).

A indústria ocupava, então, papel de destaque no ce-nário. Estabelecida no Estado de São Paulo desde 1886, contava, em 1901, com 145 estabelecimentos de diversi-ficados ramos (BANDEIRA JÚNIOR apud ARAÚJO, 1992). Já durante a década de 1920, a indústria promovia a liderança do Estado no contexto nacional. No entanto, é importante ressaltar que as atividades econômicas, em princípios do século XX, tinham a “matriz do sistema urbano paulista” no crescimento do complexo cafeeiro, dado que a “dinâmica de reprodução dessa economia [cafeeira] exigirá a formação de inúmeros segmentos ur-banos e propiciará a diversificação crescente da econo-mia urbana industrial e também da economia agrícola” (ARAÚJO, 1992, p. 22).

No Município de São Paulo, a expansão da ativida-de cafeeira e de atividades a ela relacionadas – comér-cio, indústrias, serviços – promoveram modificações no uso do território, ou seja, resultou em alterações na formação socioespacial.

Contudo, se, por um lado, houve alteração do uso do território resultando em crescimento econômico, por outro, houve transformações no território decor-rentes das atividades desenvolvidas que resultaram em degradação da qualidade da água dos rios da cida-de de São Paulo (Quadro 1).

Isto ocorreu porque as características destes rios – qualidade e quantidade de águas, conformação de leitos, vazão média – não estão relacionadas somente a aspectos físicos do ambiente, mas são o resultado das formas de apropriação desses sistemas naturais pelo Homem em sociedade. Trata-se de modificações no ambiente natural associadas ao uso da água e à ocupação da terra.

Portanto, estas modificações estão relacionadas, in-diretamente, a ações promovidas na cidade e, direta-mente, a obras realizadas nos leitos dos rios da região.

Por meio de publicações que resgatam a história do rio Tietê e de seus afluentes, pode-se observar que são de longa data as obras executadas nos leitos destes rios.

Page 31: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

34 ANA PAULA FRACALANzA/VALéRIA NAGy DE O. CAMPOS

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

Como exemplos, a construção de sistemas de escoamen-to e retificação do rio Tamanduateí data do século XVIII, e a desobstrução e limpeza das valas deste mesmo rio, que datam da primeira metade do século XIX. Nesta ocasião, as obras implementadas no rio Tietê e em seus afluentes relacionavam-se principalmente a problemas causados pelas enchentes (NÓBREGA, 1981, p. 227).

Durante muito tempo, os “problemas das águas”, as cheias, eram administrados por obras realizadas no interior dos rios – como o caso da retificação de seu leito – para permitir maior escoamento das águas.

É importante ressaltar que a retificação dos leitos dos rios, ao contribuir para um maior fluxo das águas acentua os problemas relacionados a pontos de estran-gulamento não retificados. Nestes pontos, a menor velocidade de escoamento intensifica o assoreamento provocado pela deposição dos materiais arrastados (SILVA apud SãO PAuLO. Município, 1995, p. 94).

Conforme explica Seabra (1995), as cheias são fenômenos geofísicos, naturais e episódicos. No en-tanto, as cheias, ou enchentes, são chamadas de inun-dações, quando se transformam em problemas hu-manos socialmente produzidos. Pode-se acrescentar que esses problemas estão associados a um conjunto de ações que transformam o espaço urbano e intensi-ficam os efeitos das cheias.

Embora as obras relacionadas explícita e direta-mente à questão das águas fossem restritas ao in-

terior dos rios, existiam outras obras indiretas dos homens, como plantações, casas e ruas, que, apesar de não serem consideradas associadas aos problemas das águas, influenciavam os corpos d’água. As cons-truções urbanas, por exemplo, impermeabilizavam o solo e, certamente, contribuíam para o aumento dos problemas causados pelas cheias, transformando-as, neste caso, em inundações.

A pavimentação da superfície urbana, iniciada nas ruas de São Paulo em 1873 com a colocação dos primei-ros paralelepípedos, é um marco no processo de imper-meabilização do solo e do aumento do fluxo de águas afluentes aos rios durante os períodos de chuvas.

Ainda no final do século XIX, além de obras de retificação dos leitos dos rios, iniciaram-se inter-venções visando tanto ao saneamento do rio Tietê e afluentes quanto à geração de energia hidrelétrica. Neste último caso, por exemplo, para atender o con-sumo urbano de energia da cidade de São Paulo, a Companhia Light inaugurou, em 1901, sua primeira usina hidrelétrica no rio Tietê, em Santana do Par-naíba, onde hoje se encontra a barragem Edgard de Souza (MAFFEI, 1989, p. 28).

Nesta ocasião, existiam estudos sobre intervenções para o saneamento do rio Tietê, cujas águas já se en-contravam poluídas, realizados pela Comissão de Sane-amento do Estado de São Paulo, formada entre 1893 e 1894 (SãO PAuLO. Estado, 1999, p. 106-107).

Quadro 1

degradação das águasmunicípio de são paulo – 1873-1901

Anos Ações

1873 Ruas de São Paulo recebem os primeiros paralelepípedos: início da impermeabilização do solo – ainda que esta forma de pavimentação permita certo grau de permeabilidade – que contribui para modificação do fluxo das águas.

1894 Início da implantação do Projeto Carlos Bresser, de retificação do rio Tamanduateí: a retificação dos rios contribui para aumento da velocidade de vazão das águas e para inundações relacionadas a pontos de estrangulamento.

Final do século XIX Criação de gado e suínos nas várzeas do rio Tietê, a montante da capital – núcleos de Mogi das Cruzes, São Miguel e Guarulhos – contamina as águas deste rio: poluição direta das águas.

Início do século XX Rio Tietê começa a receber sistematicamente os resíduos sólidos e líquidos da cidade de São Paulo: o rio como destino final do serviço de esgoto, sem tratamento.

Fonte: Fracalanza (2002), a partir de Bueno (1994).

Page 32: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E CONFLITOS PELA ÁGUA NA REGIÃO ... 35

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

O relato de um fiscal da época corrobora que a poluição das águas do Tietê não é recente. Ele apresentou, em 1903, um extenso e documenta-do memorial ao Secretário Geral da Prefeitura de São Paulo, no qual se refere ao estado sanitário das várzeas do Tietê como o problema mais “mo-mentoso” de São Paulo. Para o fiscal era urgente acabar com

os espessos depósitos de lodo em fermentação, exalando mau cheiro e cobertos de moscas e pernilongos que daí eram atirados para o centro da cidade ou para os diver-sos arrabaldes, conforme a direção dos ventos reinantes (NÓBREGA, 1981, p. 230).

Cabe ressaltar que este projeto não chegou a ser encaminhado ao Governo do Estado de São Paulo.

Deve-se observar que, no período analisado (finais do século XIX e início do século XX), também há re-gistro de poluição direta das águas do Tietê por meio da criação de gado e de suínos na várzea do rio, nos núcleos de Mogi das Cruzes, São Miguel e Guaru-lhos, a montante da capital.

Ainda nesse período, outra fonte de poluição das águas eram os resíduos sólidos e líquidos, industriais e domiciliares, da cidade de São Paulo, que o rio Tietê passou sistematicamente a receber como destino final da coleta de esgoto, sem tratamento.

A poluição e as modificações no espaço urbano con-tribuem direta ou indiretamente para o assoreamento do leito dos rios e constituem aspectos que resultam na degradação das águas do rio Tietê e de seus afluentes na cidade de São Paulo, no período apresentado.

ConCentração industrial e transformações da paisagem na Cidade de são paulo e seu entorno entre as déCadas de 1930 e 1980

A década de 1930 desponta com transformações no cenário econômico brasileiro geradas a partir da crise de 1929. Neste cenário, a indústria teve papel cen-tral, com diversificados ramos de atividade industrial e importância crescente do setor de bens de produ-ção. Associada ao crescimento do setor secundário, a concentração industrial nos anos 1940 pode ser vi-

sualizada pela participação da Grande São Paulo1 na produção setorial do Estado e do país:

Durante a década de 40 a indústria paulista passou por expressivo processo de concentração, fazendo com que, em 1950, a Grande São Paulo produzisse 72% do valor de transformação industrial do Estado e 35% do Brasil (ARAÚJO, 1992, p. 37).

Neste período, o Estado brasileiro, além de investir na infra-estrutura pesada para dar suporte às indústrias tais como centrais geradoras de energia elétrica, rodovias, portos, usinas siderúrgicas e telecomunicações, tomou para si a responsabilidade sobre os mais variados servi-ços públicos urbanos, anteriormente sob a responsabili-dade dos governos municipais. Estes investimentos, que possibilitaram maior oferta de energia elétrica2 e de servi-ços básicos, associados à oferta de matéria-prima barata e abundante, à existência de mão-de-obra e mercado con-sumidor e à ausência de restrições ambientais, permiti-ram a criação de um parque industrial em São Paulo.

A concentração da indústria no Município de São Paulo e em municípios vizinhos promoveu o crescimen-to econômico pela produção industrial, mas também au-mentou os problemas de poluição, que já eram observa-dos no rio Tietê e em seus afluentes, dado o lançamento de maior volume de esgotos industriais nestes rios, resul-tando em perda ainda maior de qualidade das águas.

Dois fatos agravaram esta situação: o término das obras de reversão do curso do rio Pinheiros, no âmbi-to do Projeto Serra, em 1950, e a interligação da rede de esgotos de São Paulo, em 1955.

O Projeto Serra possibilitou o início do bombeamen-to das águas dos rios Tietê e Pinheiros para o Reserva-tório Billings,3 com o objetivo de gerar energia na usina Hidrelétrica Henry Borden, em Cubatão. Este projeto acabou contribuindo sobremaneira com a degradação das águas do reservatório porque, para aumentar a pro-dução de energia na usina, fez-se vista grossa ao lança-mento crescente de esgotos nos rios da região.

A interligação da rede de esgotos de São Paulo, por sua vez, contribuiu para a degradação das águas, uma vez que conduziu os dejetos de toda a indús-tria paulista para o rio Tietê (SãO PAuLO. Estado, 1992a, p. 18).

Page 33: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

36 ANA PAULA FRACALANzA/VALéRIA NAGy DE O. CAMPOS

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

Contudo, foi entre os anos de 1956 e 1962 que o processo de concentração industrial no Estado de São Paulo foi acentuado. Neste período, foi implementada a indústria pesada de bens de produção no país, princi-palmente na região da Grande São Paulo, com o Plano de Metas. É importante observar que a concentração industrial foi acompanhada de intensa urbanização do Município de São Paulo e seus vizinhos, com aumento da população residente nestes municípios.

Este processo de crescimento econômico manteve forte relação com o dinamismo populacional, como mostra o intenso movimento migratório4 convergindo para São Paulo em busca de melhores condições de vida, representadas pela oferta de emprego e moradia almejada pelas pessoas mais pobres, e pela oferta de facilidades e possibilidades de consumo desejadas pelas pessoas mais ricas; houve um grande crescimento da população no Município de São Paulo e nos municípios vizinhos, os quais vieram a constituir, em 1973, a RMSP5 (CAMPOS, 2001).

Posteriormente, segundo a análise de Carmo (2001) sobre o crescimento relativo dos municípios da RMSP e a disponibilidade e demanda de água na região, no período que sucede a década de 1970, o fluxo de mi-gração redirecionou-se do Município de São Paulo para outros municípios da região metropolitana, expandin-do a ocupação urbana em áreas de interesse ambiental, como, por exemplo, as de proteção aos mananciais.

Araújo, Diniz Filho e Bessa (1992, p. 158-159), ao analisarem o crescimento da mancha urbana a partir do sensoriamento remoto de imagens orbitais, observam que, no período entre 1974 e 1989, a mancha urbana di-minuiu seu ritmo de crescimento: de 1974 a 1980, hou-ve crescimento de 46%, correspondente a mais de 40 mil hectares; entre 1980 e 1985, houve aumento da área urbana de 14,5%, significando 21 mil hectares; e, entre 1985 e 1989, a mancha urbana cresceu 10,9%, ou seja, 18,5 mil hectares, o que resultou num total de 187,9 mil hectares de mancha urbana da RMSP em 1989.

Ao considerar a diminuição do ritmo de cresci-mento da mancha urbana, é importante observar ain-da que há outro processo relacionado a ela: o adensa-mento interno da metrópole que, segundo os autores, associa-se não apenas à verticalização, mas também ao aumento do favelamento espontâneo no Municí-pio de São Paulo (ARAÚJO et al., 1992, p. 160-161).

Pela análise de dados de crescimento e adensa-mento populacional e de expansão da mancha urbana em direção a áreas de mananciais, nota-se que a con-centração industrial tem reflexos na apropriação da terra urbana e na degradação das águas do rio Tietê e de seus afluentes na RMSP.

O Quadro 2 apresenta alguns usos da terra no Município de São Paulo e sua relação com a de-gradação das águas dos rios entre as décadas de 1950 e 1990.

Quadro 2

degradação das águasmunicípio de são paulo – 1950-1990

Anos Ações

1950 – 1960 Retificação dos rios Tietê e Pinheiros, associada à ocupação das cotas abaixo de 725 metros – as várzeas inundáveis dos rios – com impermeabilização do solo.

1975 Verifica-se a existência de 26 mil ruas e de 5 mil loteamentos que não constavam do mapa (1).

1987 Localização de 49% do total de favelas do Município de São Paulo junto a córregos, com poluição direta dos mesmos (1).

1990 Residência de 56% da população do Município de São Paulo em cortiços, favelas e habitações precárias, muitas destas sem condições adequadas de saneamento (1).

Fonte: Fracalanza (2002), a partir de Bueno (1994), Seabra (1987) e São Paulo, Estado (1992b). (1) Nos loteamentos irregulares, favelas, cortiços e habitações precárias, nota-se ausência de coleta de esgotos, o que causa problemas de saúde para a população residente nestes tipos de habitações. Para a degradação da água, a ausência de coleta de esgotos constitui forma de poluição direta dos córregos e rios, o que não significa que habitações que têm coleta de esgotos não contribuam com a degradação das águas, já que o fato de os esgotos serem coletados não significa que sejam tratados. A Tabela 1 apresenta o índice de esgotos tratados em relação aos coletados atualmente na RMSP.

Page 34: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E CONFLITOS PELA ÁGUA NA REGIÃO ... 37

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

Entre os anos 1950 e 1960, houve a apropriação de terras das várzeas dos rios Tietê e Pinheiros associada à retificação. Bueno (1994) mostra que a retificação do rio Pinheiros, concluída em 1957, resultou em aproxi-madamente 25 milhões de metros quadrados de terras apropriadas da sua várzea e utilizadas para outros fins que não o de expansão das águas nas cheias.

No caso dos rios Tietê e Pinheiros, a degradação está relacionada ao desmatamento, à eliminação da vegetação ciliar e à impermeabilização do solo e dos meandros dos rios que contribuem para o assorea-mento dos mesmos e para o acirramento das inun-dações. Além disso, as alterações no ambiente decor-rentes dos arruamentos e canalizações alteram o fluxo das águas, resultando em modificações no relevo.

Rodrigues (1998, p. 140-141), em estudo que avalia impactos da ação humana sobre o relevo de uma sub-bacia do Reservatório Billings, mostra, entre outras, as seguintes alterações: geração de novos padrões de dre-nagem; transformação das ruas em verdadeiros leitos pluviais nos eventos chuvosos; modificação do fluxo das águas, na superfície e em profundidade, devido à impermeabilização do solo; e mudança na direção do fluxo natural das águas das chuvas relacionada às ca-nalizações destas águas, o que resulta em pontos de erosão onde ocorre o despejo final das canalizações.

Concomitante ao processo de degradação, há a va-lorização das terras de várzeas e de suas imediações. Assim, apenas como exemplo, principalmente a partir dos anos 1980, os terrenos da Marginal Pinheiros têm grande valorização (ARAÚJO et al., 1992 p. 174).

No Quadro 2, as três outras ações que resultam em degradação relacionam-se aos loteamentos, às favelas, aos cortiços e a outras formas de habitação que não possuem condições adequadas de saneamento. Antes de iniciar esta discussão, é importante observar que não se compactua aqui com a posição de que a pobreza é uma das principais causas dos problemas ambientais e que não se atribui aos agrupamentos humanos que vivem em condições precárias de habitação a respon-sabilidade pela maior degradação ambiental.

A falta de saneamento em muitos loteamentos e favelas, mais do que poluir diretamente as águas dos rios e córregos, constitui um problema de saúde e bai-xa qualidade de vida para a população residente nestas

habitações, que são produtos do aumento do preço da terra urbana e da ausência de política habitacional vol-tada para a baixa renda. Além disso, deve-se observar que o fato de existir coleta de esgotos ou fossas nas ha-bitações regulares da RMSP não significa que as mes-mas estejam isentas de participação na poluição dos rios da região, pois as fossas sépticas podem provocar a contaminação dos lençóis freáticos. Existe também uma parte considerável dos esgotos da região que são coletados e não são tratados, conforme será apresenta-do no próximo item deste artigo.

No entanto, não se pode ignorar que a inexistên-cia de saneamento em um grande número de habita-ções da região contribui diretamente para a poluição dos rios e degradação das águas. Por meio dos dados apresentados no Quadro 2, pode-se visualizar a di-mensão deste problema no Município de São Paulo: em 1975, havia cerca de 5 mil loteamentos que não constavam do mapa do Município; em 1987, 49% das favelas encontravam-se junto a córregos; e, em 1990, 56% da população residia em favelas, cortiços e habi-tações precárias.

O crescimento dos loteamentos irregulares junto a áreas de proteção ambiental encontra uma de suas explicações relacionada à legislação de proteção dos mananciais, formulada entre 1975 e 1976.6 Esta legis-lação, cujo objetivo era disciplinar “o uso do solo para a proteção dos mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos de interesse da Re-gião Metropolitana de Grande São Paulo”, restringiu o uso do solo em áreas de mananciais, resultando na baixa dos preços das terras nestas áreas e na sua in-clusão no mercado informal de habitação.

um exemplo de loteamento realizado em área afetada pela legislação de proteção aos mananciais é o loteamento Cidade Recreio da Borda do Campo, em Santo André. Segundo Rodrigues (1998), a ocu-pação na área era restrita até a década de 1980, quan-do a Companhia de Melhoramentos Virginia Ltda., responsável pelo empreendimento, e as imobiliárias, responsáveis pela venda dos lotes irregularmente desmembrados às famílias, aceleraram o processo de ocupação. Até a década de 1970, apenas 20 lotes eram ocupados; em 1990, este número subiu para 570 lotes originais ocupados com uma ou duas edificações e,

Page 35: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

38 ANA PAULA FRACALANzA/VALéRIA NAGy DE O. CAMPOS

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

em 1992, para 731 lotes ocupados. Segundo dados de 1991 da Prefeitura Municipal de Santo André, apre-sentados pelo autor, o loteamento não apresentava nem rede de água nem de esgoto.

O impasse entre poluição decorrente da ausência de saneamento em áreas com habitações irregulares e regularização destas áreas com disciplinamento do uso do solo tem levado a inúmeros debates e algumas revisões na legislação estadual que trata das áreas de proteção aos mananciais.

A principal alteração deu-se em 1997, pela Lei Estadual n. 9.866/97, que “dispõe sobre diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional do Estado de São Paulo” (SãO PAuLO. Estado, 1997, p. 16). Esta lei, entre outros, instituiu novos instru-mentos de gestão para as áreas protegidas e previu a criação de leis específicas para cada área de proteção e recuperação de mananciais.

Além desta nova lei, há discussões sobre outras alterações que permitiriam regularizar habitações de loteamentos até então irregulares, o que promoveria a possibilidade de instalação de infra-estrutura sanitária nos mesmos. De qualquer forma, neste momento, é possível afirmar que o quadro de valorização das ter-ras, associado ao movimento de concentração indus-trial na RMSP, tem interface com a degradação das águas do rio Tietê e de seus afluentes nesta região.

saneamento ambiental, usos do solo e qualidade das águas na déCada de 1990

A década de 1990 trouxe alterações no enfoque dado à questão das águas na RMSP, com repercussões diretas nas questões relacionadas à degradação das águas da região. Estas mudanças podem ser observadas na pro-posta e implementação do Programa de Despoluição do Rio Tietê – conhecido também como Projeto Tietê – anunciado pelo Governo do Estado de São Paulo como um projeto ambiental em janeiro de 1992.

O Projeto Tietê foi apresentado como um conjun-to de ações, que incluía tratamento de esgotos, recu-peração dos recursos hídricos, disposição do lodo e combate à erosão no leito do rio, a serem implemen-tadas no rio Tietê e em seu afluente Cabuçu de Cima,

na RMSP, durante 15 anos, com objetivo de despolui-ção do rio (FRACALANZA, 1996).

Ao analisar o objetivo deste projeto, podem-se ob-servar as alterações que começavam a ocorrer na for-ma de apresentação das questões das águas na região. Em períodos anteriores, os problemas relacionados ao rio Tietê eram considerados de cunho apenas ur-bano; com o Projeto Tietê passavam a ser considera-dos problemas ambientais e a exigir ações integradas para serem solucionados.

Assim, diferentemente de projetos anteriores de saneamento básico propostos para a RMSP, que de-terminavam ações isoladas de coleta e tratamento de esgotos, o Projeto Tietê procurou unir um conjunto de ações que envolviam diferentes órgãos estaduais de gestão das águas: a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp; a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – Cetesb; e o Departamento de Águas e Energia Elétrica – Daee.

No entanto, deve-se ressaltar que a aparente inte-gração entre os órgãos executores não se refletiu na real articulação para a formulação do Projeto Tietê. Frente à oportunidade de obtenção de recursos finan-ceiros durante a Conferência das Nações unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – unced-92, co-nhecida como Rio-92, o Governo do Estado de São Paulo apresentou o Projeto Tietê, que correspondia a um conjunto de projetos setoriais que vinham sen-do desenvolvidos pelos órgãos governamentais acima citados ou estavam aguardando recursos financeiros para sua implementação. Não houve, efetivamente, uma nova ação de política ambiental integrada.

Posteriormente, com o financiamento obtido jun-to ao Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, tornou-se possível concretizar um conjunto de ações relacionadas ao saneamento ambiental do rio Tietê na RMSP. As ações sugeridas resultaram em modificações do espaço relacionado ao rio Tietê e afluentes na região. Além de um conjunto de estrutu-ras para a coleta e o tratamento dos esgotos, o Projeto Tietê previu, entre outras ações, alterações diretas no leito do rio Tietê, com o rebaixamento de sua calha e a canalização do rio Cabuçu de Cima.

Todavia, as ações necessárias à despoluição destes rios referentes à esfera municipal de governo não fo-

Page 36: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E CONFLITOS PELA ÁGUA NA REGIÃO ... 39

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

ram previstas no momento de elaboração do Projeto Tietê. Além disso, embora existam obstáculos legais à regularização de loteamentos ou à urbanização de favelas, que chegam a impedir a instalação de redes de água e de coleta de esgotos, os grandes volumes de recursos financeiros necessários para a realização das obras de infra-estrutura básica nos mesmos tam-bém não foram previstos pelo projeto (SãO PAuLO. Município, 1992).

Neste momento, em que parte das obras previstas no Projeto Tietê já foram implementadas, cabe ava-liar a situação atual dos recursos hídricos da RMSP. O objetivo desta avaliação é relacionar o uso atual do território na região, bem como a infra-estrutura de saneamento presente nos municípios da região à qualidade das águas dos rios Tietê e de seus afluentes da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, apontando a de-gradação das águas dos rios da região.

É importante observar que grande parte da RMSP possui, atualmente, elevada ou média urba-nização. Além disso, os dois grandes mananciais de abastecimento da RMSP, Reservatório Guarapiran-ga e Reservatório Billings, encontram-se total ou parcialmente classificados como represas com sedi-mentos em suspensão.

Alguns dados importantes a serem associados ao quadro de intensa urbanização são de infra-estrutura de saneamento presente em cada um dos municípios da re-gião. A Tabela 1 apresenta informações de 1999 a 2001. Deve-se observar que nessa tabela as porcentagens de atendimento de água e de coleta de esgotos são referen-tes ao total de domicílios do município. A apresentação do total de população residente em cada um dos muni-cípios tem o intuito de permitir a comparação entre os municípios da região. Assim, para exemplificar, apesar de os municípios de Osasco e Caieiras apresentarem o mesmo índice de atendimento de esgotos – 65%, a dimensão destes índices é bastante diferenciada, ao se considerar que Osasco possuía, em 2000, população re-sidente de 652.593 habitantes e que Caieiras possuía, no mesmo ano, população residente de 71.221 habitantes.

A simples análise dos índices de atendimento de água e de atendimento em coleta de esgotos pre-sentes nesta tabela permite verificar uma realidade ainda marcada pela falta de infra-estrutura sanitária

adequada para grande parte da população dos mu-nicípios da RMSP.

De fato, os números demonstram que, dos 39 municípios da região, 23 apresentaram índices de atendimento de água acima de 98%; sete entre 91% e 97%; e nove entre 58% e 90%. Para o atendimento em coleta de esgotos, apenas quatro municípios apre-sentaram índices acima de 90%; 16 entre 60% e 89%; dez entre 30% e 59%; e nove entre 0% e 29%, sendo que, destes, Juquitiba e São Lourenço da Serra não apresentaram atendimento em coleta de esgotos.

A coleta sem tratamento resulta em degradação das águas, pois os esgotos sem tratamento dirigem-se aos córregos e rios da região. Apenas Embu-Guaçu, Mairiporã e Salesópolis possuíam tratamento para a totalidade dos esgotos coletados; a maior parte dos municípios da região (28) não possuía tratamento de esgotos ou possuíam índices ínfimos (abaixo de 6%).

Embora coubesse uma última análise que relacio-nasse o atendimento de água e o atendimento em co-leta e tratamento de esgotos ao total da população da RMSP, os dados obtidos não a permitem, já que, conforme pode ser observado na Tabela 1, somente o município de Guarulhos apresenta os índices traba-lhados por população. Todos os demais 38 municí-pios da RMSP tiveram seus índices associados ao to-tal dos domicílios existentes nestes municípios. Mas, para efeito de visualização aproximada, calcularam-se as porcentagens apresentadas para o total de popula-ção destes municípios, o que supõe um número mé-dio de habitantes por domicílio.

Este cálculo resultou nos seguintes índices: em 2000, 98,7% da população da RMSP tinha atendi-mento de água; 75,1% tinha seus esgotos coletados; e apenas 32,6% dos esgotos produzidos por esta popu-lação eram tratados, o que corresponderia aos esgotos de cerca de 12 milhões de habitantes sendo lançados sem tratamento em córregos e rios da região.

Esta situação, associada ao despejo de efluentes in-dustriais nos rios, tem reflexos na qualidade das águas da RMSP, onde a maior parte dos corpos d’água clas-sificados como de boa ou ótima qualidade são os re-servatórios de Guarapiranga, Billings, Taiaçupeba e Jundiaí, além do trecho mais próximo à nascente do rio Tietê, entre Biritiba Mirim e Mogi das Cruzes.

Page 37: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

40 ANA PAULA FRACALANzA/VALéRIA NAGy DE O. CAMPOS

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

Tabela 1

saneamento nos municípiosregião metropolitana de são paulo – 1999-2000

MunicípiosNúmero de Habitantes

(2000)

Índice de Atendimento de Água por Domicílios

(dez. 1999)

Índice de Atendimento em Coleta de Esgotos

por Domicílios(dez. 1999)

Índice de Esgotos Tratados em Relação

ao Coletado (dez. 2000)

Arujá 59.185 100 21 0Barueri 208.281 100 64 0Biritiba Mirim 24.653 68 37 0Caieiras 71.221 100 65 0Cajamar 50.761 98 66 0Carapicuíba 344.596 100 58 4Cotia 148.987 100 36 0Diadema (1) 357.064 100 78 0Embu 207.663 100 44 0Embu-Guaçu 56.916 70 13 100Ferraz de Vasconcelos 142.377 100 67 56Francisco Morato 133.738 100 18 0Franco da Rocha 108.122 100 51 0Guararema 21.904 71 43 0Guarulhos (2) 1.072.717 93 69 0Itapecerica da Serra 129.685 100 3 0Itapevi 162.433 97 45 0Itaquaquecetuba 272.942 100 77 5Jandira 91.807 100 68 0Juquitiba 26.459 58 0 0Mairiporã 60.111 87 55 100Mauá (1) 363.392 95 71 0Mogi das Cruzes (1) 330.241 95 87 31Osasco 652.593 100 65 2Pirapora do Bom Jesus 12.395 69 25 0Poá 95.801 100 91 93Ribeirão Pires 104.508 95 42 70Rio Grande da Serra 37.091 93 26 85Salesópolis 14.357 100 75 100Santa Isabel (1) 43.740 85 60 0Santana de Parnaíba 74.828 91 44 0Santo André (1) 649.331 98 96 0São Bernardo do Campo (1) 703.177 98 90 0São Caetano do Sul (1) 140.159 100 100 20São Lourenço da Serra 12.199 60 0 0São Paulo 10.435.546 100 80 64Suzano 228.690 100 82 70Taboão da Serra 197.644 100 70 0Vargem Grande Paulista 32.683 76 29 0Fonte: Fracalanza (2002); Sabesp; Semae – Mogi das Cruzes; Semasa – Santo André; DAE – São Bernardo do Campo; Novacon – Santa Isabel; Sama – Mauá; Saned – Diadema; SAAE – Guarulhos; DAE – São Caetano do Sul; IBGE. Resultados do Censo 2000. (1) Os índices neste município são de 2001.(2) Os índices foram calculados por população e não por municípios.

Page 38: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E CONFLITOS PELA ÁGUA NA REGIÃO ... 41

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

Dos corpos d’água classificados, os que apresen-tam pior qualidade de água, classificada como pés-sima, são justamente aqueles que se encontram na área mais urbanizada. De fato, seguindo-se o cur-so do rio Tietê, pode-se notar que a partir de Mogi das Cruzes a qualidade das águas torna-se aceitável; próxima a Suzano, ruim; e, de Itaquaquecetuba até Pirapora do Bom Jesus, no limite da Bacia do Alto Tietê, péssima.

O trecho do rio Tietê apresentado acima, de Mogi das Cruzes a Pirapora do Bom Jesus, corres-ponde a usos do solo relacionados, em sua maio-ria, à urbanização elevada. Deve-se ressaltar que a degradação das águas na região não é decorrência direta do grau de urbanização da mesma, mas sim da forma como se deu esta urbanização. Além dis-to, tais problemas foram minimizados – ou refor-çados – em função das políticas públicas direta e indiretamente ligadas aos usos das águas que fo-ram adotadas ao longo destes períodos, as quais trataremos a seguir.

Conflitos entre os diferentes usos e usuários da água

Como visto, grande parte da RMSP localiza-se na Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, a qual possui al-gumas características que lhe proporcionam baixa vazão e absorção das águas pluviais. Este problema foi intensificado em decorrência da urbanização e da industrialização, intensas e aceleradas, orienta-das por um modelo econômico e cultural, no qual se permitia a exploração ilimitada dos recursos na-turais e não se efetuavam os investimentos neces-sários, em termos de infra-estrutura urbana. Como resultado, a impermeabilização do solo intensifi-cou-se e o ciclo hidrológico foi modificado, tendo reflexos negativos sobre os rios e mananciais da região. A água se tornou, então, imprópria para o abastecimento da população.

Neste processo, os problemas derivados das carac-terísticas da região foram, pouco a pouco, agravados pela ação antrópica, e a área passou a conviver com a escassez de água, em termos de quantidade e qualida-de, para atender a suas necessidades.

Cabe ressaltar que isto se acentuou em virtude das políticas relativas ao uso dos recursos hídricos que foram adotadas pelo governo desde princípios do século XX.

Estas políticas deram prioridade ao uso da água para a geração de energia elétrica em detrimento do uso para o abastecimento da população7, aceitando medidas pouco apropriadas para acelerar e aumen-tar a produção de energia, além de pouco favoráveis ao ambiente, e, por extensão, aos recursos hídricos. Assim, no âmbito do Projeto Serra, aceitou-se que as águas servidas fossem desalojadas nos rios, sem tratamento e em quantidades superiores à capacidade de diluição dos mesmos, o que contribuiu para conta-miná-los e comprometê-los.

É necessário dizer que o serviço de esgotamen-to sanitário sempre foi preterido, recebendo meno-res investimentos que o serviço de abastecimento de água; além disto, estes investimentos sempre se con-centraram na extensão da rede coletora, sendo baixos os investimentos efetuados na construção de plan-tas de tratamento de águas servidas. Assim, as conse-qüências negativas da prática adotada, que favorecia ao setor energético, foram reforçadas pela insuficiên-cia de investimentos no setor de saneamento básico.

Estas políticas acabaram por traçar o destino dos recursos hídricos na bacia, conduzindo a uma crise permanente.

Por outro lado, a estes pontos soma-se o problema da expansão urbana em direção às áreas de mananciais ao Norte – Serra da Cantareira e Represa Paiva Castro – e ao Sul – Represas Guarapiranga e Billings.

A área urbana da RMSP expandiu-se de modo acelerado e elevado, passando de 1.064,93 quilôme-tros quadrados, em 1974, para 1.720,86 quilômetros quadrados, em 1990, números que indicam cresci-mento de 61,5% em 25 anos. Embora neste período a expansão tenha se verificado em todas as direções, notou-se incremento significativo da urbanização em áreas de mananciais.

Até os anos 1970, o governo adotava uma política de expropriação de áreas, para tentar proteger o lo-cal e garantir a pureza das fontes de água da região. Contudo, à medida que a cidade crescia, esta política tornava-se cada vez menos praticada por causa dos custos para os cofres públicos. O governo elaborou,

Page 39: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

42 ANA PAULA FRACALANzA/VALéRIA NAGy DE O. CAMPOS

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

então, regras para o uso e a ocupação do solo, as quais foram condensadas na Lei de Proteção aos Manan-ciais, de 1975, como apresentado anteriormente.8

No entanto, esta política de proteção adota-da não alterou a dinâmica urbana já estabelecida – correspondente a industrialização, ao cresci-mento periférico e à expansão da área urbana no vetor Sul/Sudeste –, a qual tinha forte influência do setor imobiliário. Ao contrário, além de des-valorizar o preço da terra urbana, acabando por atrair a população de baixa renda, contribuiu para impermeabilizar o solo e diminuir a capacidade de recomposição dos aqüíferos, contaminar algumas das fontes hídricas da RMSP e perder a qualidade da água bruta (eutrofização), tudo isto resultando, por um lado, na degradação das águas na região e, por outro, em custos mais elevados para seu trata-mento e potabilização.

Este conjunto de problemas afetou drasticamente o abastecimento da RMSP e a solução adotada foi a importação maciça de água de outras bacias. Tinha início, então, uma nova geração de problemas verifi-cados entre áreas da região da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e entre esta e as bacias vizinhas.

Com respeito aos conflitos internos à RMSP, em um cenário de degradação das águas superficiais e subterrâneas e de escassez de água própria para o consumo, destacam-se os seguintes:• na parte Leste, onde estão as nascentes de muitos

rios, há um conflito entre o uso elevado da água para a irrigação (hortifrutícola) e as granjas, e o uso para o abastecimento público dos municípios ali localizados;

• na parte Sudeste, a mais industrializada e urbani-zada da região e que possui parte de sua superfí-cie nas áreas de proteção aos mananciais, os prin-cipais conflitos ocorrem em virtude da disputa entre o uso da água para a geração de energia elétrica (Billings) e seu uso para o abastecimento, a pesca e a recreação. Este problema é agravado pelas características de uso e ocupação do solo, pela precariedade dos serviços de saneamento e pelo uso industrial dos recursos hídricos. Re-centemente também passou a representar um tema de discussão o traçado da rodovia externa

à RMSP, o Rodoanel, a qual passará por áreas de proteção aos mananciais;

• ao Sul, onde está a represa Guarapiranga e também áreas de proteção aos mananciais, os problemas estão relacionados à expansão dos assentamentos populares, à precariedade do serviço sanitário, à especulação imobiliária, aos problemas de posse da terra e a proteção dos mananciais. Aqui, o tra-çado do Rodoanel também é um problema;

• a Oeste, que também é uma área urbanizada e in-dustrializada, o rio Tietê chega com grandes vo-lumes de águas contaminadas, o que ocasiona o acúmulo de espumas nos municípios de Santana do Parnaíba e Pirapora do Bom Jesus, e, em pe-ríodos de chuvas, com a abertura das comportas da represa Edgard de Souza, as inundações;

• ao Norte, encontra-se a Serra da Cantareira, com mananciais e cobertura vegetal, importantes para a metrópole, na qual também incide a Lei de Prote-ção aos Mananciais. Esta área sofre com a pressão da expansão urbana, caracterizada por ocupações clandestinas – baixa renda –, e por empreendi-mentos residenciais de alto padrão. Na área, a co-bertura dos serviços de saneamento básico é pe-quena. Cabe acrescentar também que o traçado do Rodoanel é uma ameaça para a mesma.Com respeito aos conflitos entre a Bacia do Alto

Tietê e as bacias vizinhas, destacam-se os seguintes: • os conflitos entre as bacias do Alto Tietê – AT e

Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ são históricos e se relacionam ao Sistema Cantareira. Atualmente, após a renovação do direito de reverter água do PCJ para o AT e a confirmação da manutenção do Sis-tema, que é imprescindível para a RMSP, o que está em jogo é garantir que, pelo menos nas épocas de poucas chuvas, mantenha-se a vazão mínima acor-dada em pontos específicos da bacia Piracicaba;

• os conflitos entre as bacias do Alto Tietê e do Sorocaba/Médio Tietê se dão principalmente em virtude da localização geográfica das mesmas. A primeira, que está a montante, é altamente indus-trializada e urbanizada, apresentando os referidos problemas de degradação dos recursos hídricos. Ocorre, pois, que ela envia suas águas poluídas e contaminadas, bem como suas espumas, para a re-

Page 40: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E CONFLITOS PELA ÁGUA NA REGIÃO ... 43

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

gião a jusante. Além disto, no período das cheias no Alto Tietê, são abertas as comportas da repre-sa Edgard de Souza, o que só agrava a situação, ocasionando inundações nos municípios que estão na bacia do Sorocaba/Médio Tietê. Neste sentido, estão sendo realizadas algumas obras para o alar-gamento do canal do rio Tietê – Projeto Tietê – e a construção de represas na cabeceira;

• os conflitos entre as bacias do Alto Tietê, a bacia do Sorocaba/Médio Tietê e a bacia da Baixada Santista, por sua vez, relacionam-se à reversão do fluxo na-tural do rio Pinheiros e ao bombeamento das águas deste rio e do rio Tietê para o Reservatório Billings, no contexto do Projeto Serra.9 A reversão do cur-so do rio Pinheiros aumenta a quantidade de água afluente ao Reservatório Billings (Bacia do Alto Tietê) e, se utilizada para geração de energia hidre-létrica, aumenta a quantidade de água na Bacia da Baixada Santista, contribuindo para evitar a cunha salina (invasão das águas do mar no rio Cubatão). Por outro lado, paralisar a reversão do curso do rio Pinheiros significa aumentar a quantidade de águas poluídas enviadas para a Bacia do Sorocaba/Médio Tietê, fato que é agravado no período de chuvas pela abertura das comportas de Edgard de Souza, como referido anteriormente. Tanto em um pro-cesso quanto no outro, é importante considerar a qualidade da água e os impactos ambientais em cada uma das bacias hidrográficas em questão.

Comentários finais

Neste artigo, procurou-se analisar os processos de produção do espaço urbano na RMSP que resultaram

na degradação das águas na região e na intensificação de conflitos entre usos e usuários destas águas.

A análise de variações no tempo permitiu obser-var as atividades desenvolvidas no espaço, a partir de fins do século XIX, bem como a dinâmica de cresci-mento industrial e urbano, e a degradação das águas, mais recentemente.

Procurou-se evidenciar que um conjunto de fato-res contribuiu para o atual estágio de degradação das águas na região, tais como: características físicas da área; processo de urbanização e de industrialização; obras hidráulicas realizadas; políticas públicas adota-das relacionadas, direta ou indiretamente, aos usos da água; hábitos e costumes da população com relação ao uso deste recurso.

Embora a escassez de água de boa qualidade seja um problema antigo, sua abordagem tem mudado in-tensamente, em virtude de alterações no enfoque da questão ambiental, especialmente, da hídrica.

Neste quadro, foi elaborada e aprovada uma nova Política de Recursos Hídricos para o Estado de São Paulo, pela Lei Estadual n. 7.663 de 1991, instituindo o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SIGRH, que se apóia na descentralização e na participação da sociedade na tomada de deci-sões; na adoção da bacia hidrográfica como unidade de referência para o planejamento e a gestão dos re-cursos hídricos; e na adoção de instrumentos e leis para inibir o desperdício e a degradação das águas.

Com base nesta proposta, os velhos problemas poderão ser tratados segundo uma abordagem nova, o que poderá levar ao tratamento integrado das ques-tões relacionadas à água e a uma maior atenção aos problemas locais trazidos pela sociedade civil.

Notas

1. A Grande São Paulo foi oficialmente instituída pelo Gover-no do Estado de São Paulo em 1967 e equivale à RMSP.

2. Desde 1954, com a elaboração do Plano Nacional de Eletri-ficação, houve desenvolvimento da produção e da distribuição da energia elétrica. Entre 1954 e 1962, a capacidade energética do país quase duplicou, passando de 2,8 milhões de KWh para 5,78 milhões de KWh, produzidos por empresas estatais e pri-vadas (SãO PAuLO. Estado, 1999).

3. O atualmente denominado Reservatório Billings foi for-mado em 1927 pela Companhia Light, com o represamento do rio Grande e o desvio das águas do canal para o Reser-vatório do Rio das Pedras, formado em 1926, para geração de energia hidrelétrica na usina Henry Borden. Esta usi-na, implantada na Serra do Mar, no município de Cubatão, aproveitava um desnível de quase 720 metros para a geração de energia.

4. Desde os anos 1930, a existência de indústrias em São Paulo, aliada às péssimas condições no campo, atraiu grande

Page 41: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

44 ANA PAULA FRACALANzA/VALéRIA NAGy DE O. CAMPOS

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

contingente populacional para a área, levando a incrementos populacionais enormes, concentrados e em pouco tempo.5. A RMSP foi uma das oito regiões metropolitanas criadas pela Lei Federal Complementar n. 14/73 com, entre outros, o objetivo de facilitar o manejo dos “serviços comuns de interes-se metropolitano” tais como o saneamento básico, o planeja-mento do desenvolvimento econômico e social, o uso do solo metropolitano, o transporte e o sistema viário.6. As Leis Estaduais n. 898, de 18 de dezembro de 1975 e n. 1.172, de 17 de novembro de 1976, “delimitaram áreas de pro-teção aos mananciais correspondentes a 54% do território da Região Metropolitana da Grande São Paulo e estabeleceram pa-râmetros de uso e ocupação do solo para estas áreas, buscando evitar o adensamento populacional e a poluição das águas” (SãO PAuLO. Estado, 1997). Leis regulamentadas pela Lei n. 9714/77, a qual também definiu a competência dos órgãos envolvidos.7. Em princípio, estes usos não são excludentes. O problema é que, além de não se investir na coleta e no tratamento dos esgotos, fez-se vista grossa ao despejo de águas servidas in na-tura nos rios, o que atendia aos interesses setoriais privados em detrimento dos interesses coletivos (VICTORINO, 1999).8. A Lei Estadual n. 898/75 incidia sobre os mananciais, cursos e reservatórios de água de interesse da RMSP. Em 1997, conforme exposto anteriormente, foi promulgada

a Lei Estadual n. 9.866/97 que considerou a proteção e a recuperação da qualidade ambiental das bacias hidrográfi-cas dos mananciais do Estado de São Paulo, aumentando a abrangência territorial da Lei n. 898/75. No entanto, a Lei n. 9.866/97 estabelece diretrizes e normas gerais para a proteção dos mananciais, sendo necessária a criação de leis específicas para cada área de proteção e recuperação de ma-nanciais. Nesse sentido, em janeiro de 2006 foi promulgada a Lei Estadual n. 12.233/06, a Lei Específica para a Bacia Hidrográfica do Guarapiranga.9. A reversão do curso do rio Pinheiros foi limitada em 1992, com o objetivo de diminuir a poluição do Reservatório Billings pelas águas afluentes deste rio. Contudo, em 2001, frente a uma crise energética, o governo do Estado de São Paulo apresen-tou uma proposta para que se pudesse retornar à produção máxima de energia na usina Hidrelétrica Henry Borden após o tratamento das águas do rio Pinheiros. Propôs a adoção de uma técnica conhecida como flotação, a qual utiliza a adição de sais à água, os quais, ao reagirem, fazem com que certos resíduos flutuem na água para depois serem recolhidos. As-sim, a água do rio Pinheiros seria parcialmente limpa, antes de ser enviada ao Reservatório Billings. Entretanto, esta proposta, que contaria com a participação da iniciativa privada para sua implementação, sofreu várias críticas e acabou não sendo ado-tada naquele momento.

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, M.F.I. Os cem últimos anos na história da cidade e a formação da Grande São Paulo. In: SãO PAuLO (Estado). Secretaria de Planejamento e Gestão. Fundação Seade. Cenários da urbanização paulista: a região administrativa da Grande São Paulo. São Paulo: Fundação Seade, 1992. p.15-51. (São Paulo no Limiar do Século XXI, v. 6).

ARAÚJO, M.F.I., DINIZ FILHO, L.L., BESSA, V.C. Principais alterações no espaço urbano da metrópole entre 1970-89. In: SãO PAuLO (Estado). Secretaria de Planejamento e Gestão. Fundação Seade. Cenários da urbanização paulista: a região adminis-trativa da Grande São Paulo. São Paulo: Fundação Seade, 1992. p. 143-187. (São Paulo no Limiar do Século XXI, v. 6).

BuENO, L.M.M. O saneamento na urbanização de São Paulo. 1994. 200 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e urbanismo) – Fa-culdade de Arquitetura e urbanismo da uSP, São Paulo, 1994.

CAMPOS, V.N.O. Gestión de recursos hídricos y participación de la sociedad civil organizada en la Cuenca Hidrográfica Alto Tietê. In: WARNER, J.; MOREYRA, A. Conflictos y participación. uso multiple del agua. Montevideo: Editorial Nordan, 2004. p. 159-167.

______. Metropolização e recursos hídricos na América Latina: o caso da Região Metropolitana de São Paulo e da Zona Metropolitana da Cidade do México. 1970 a 2000. 2001. 219 f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina da uSP, São Paulo, 2001.

CARMO, R.L. A água é o limite? Redistribuição espacial da po-pulação e recursos hídricos no Estado de São Paulo. 2001. Tese (Doutorado em Demografia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da unicamp, Campinas, 2001.

FRACALANZA, A.P. Conflitos na apropriação da água na Região Metropolitana de São Paulo. 2002. 217 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia da unesp, Presidente Prudente, 2002.

______. Programa de despoluição do rio Tietê: uma análise de con-cepções no tratamento de recursos hídricos e da participação de diferentes atores. 1996. 97 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da unicamp, Campinas, 1996.

MAFFEI, R. Águas revoltas: a análise técnica e histórica das enchentes em São Paulo. Memória, São Paulo, ano II, n. 5, out./dez. 1989.

NÓBREGA, M. História do rio Tietê. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981. 245 p. (Reedição da obra de 1948).

RODRIGuES, S.C. Análise empírico-experimental da fragilidade relevo-solo no cristalino do planalto paulistano: sub-bacia do reservatório Billings. 1998. 148 f. Tese (Doutorado em Geografia Física) – Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da uSP, São Paulo, 1998.

SãO PAuLO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente – SMA. A água no olhar da história. São Paulo: SMA, 1999. 142 p.

Page 42: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E CONFLITOS PELA ÁGUA NA REGIÃO ... 45

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006

AnA PAulA FrAcAlAnzA

Socióloga e Economista, Doutora em Geografia pela Unesp de Presidente Prudente. Docente do Curso de Gestão Ambiental da EACH/USP, Campus Leste. Pesquisadora do Grupo de Estudos Governança da Água no Brasil sediado no Procam/USP.

([email protected])

VAlériA nAgy de O. cAmPOs

Arquiteta e Urbanista, Mestre em Integração da América Latina pelo Prolam-USP. Pesquisadora do Grupo “Urbanização e Planejamento: Brasil e América Hispânica”, sediado na FAU-USP.

([email protected])

Artigo recebido em 10 de abril de 2006. Aprovado em 12 de junho de 2006.

Como citar o artigo:FRACALANZA, A.P.; CAMPOS, V.N.O. Produção social do espaço urbano e conflitos pela água na região metropolitana de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 32-45, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; < http://www.scielo.br>.

______. Secretaria do Meio Ambiente – SMA. Secretaria de Re-cursos Hídricos, Saneamento e Obras – SRHSO. Gestão das águas: 6 anos de percurso. São Paulo: SMA/SRHSO, 1997. 128 p.

______. Eletropaulo. Memória especial. Vida, morte, vida do Tietê: a história de um rio de São Paulo. São Paulo: Eletropaulo, 1992a.

______. Secretaria de Planejamento e Gestão. Cenários da urbani-zação paulista: a região administrativa da Grande São Paulo. São Paulo: Fundação Seade, 1992b. 228 p.

SãO PAuLO (Município). Câmara Municipal de São Paulo. Relatório final da comissão especial de estudos sobre enchentes. São Paulo: set. 1995.

______. Prefeitura Municipal de São Paulo. Secretaria de Vias Públicas. Considerações sobre o plano de despoluição do Tietê. São Paulo: VRL Arquitetos Associados, out. 1992.

SEABRA, O.C.L. Enchentes: culpa da light? In: ELETROPAu-LO. História & Energia. São Paulo: Departamento de Patrimônio Histórico, 1995. v. 5. p.64-71.

______. Os meandros dos rios nos meandros do poder: Tietê e Pinheiros – valorização dos rios e das várzeas na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da uSP, São Paulo, 1987. 301p.

VICTORINO, V.I. O ocaso das águas na privatização dos rios: estamos todos a jusante. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 55, p. 176-194, nov. 1999.

Page 43: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

Escassez, poluição das águas superficiais e subterrâne-as, falta de acesso à água potável e às condições sanitárias básicas, disputa pelo domínio e utilização de fontes de água. Situações como estas ocorrem em muitos lugares no mundo, e muitas delas estão presentes numa das regiões economicamente mais importantes do Brasil, a região abrangida pelas bacias hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ.

Esses três rios são afluentes da margem direita do rio Tietê. O Piracicaba percorre 250 quilômetros, desde as suas nascentes na Serra da Mantiqueira (Minas Gerais) até o rio Tietê, em São Paulo. O Capivari percorre 180 quilômetros e o Jundiaí, 125 quilômetros, estando suas nascentes localizadas no Estado de São Paulo; na Serra do Jardim e na Serra da Pedra Vermelha, respectivamente. As bacias dos três rios ocupam uma área de 15.320 km2 (LOPES, 2003).

O conjunto das três bacias hidrográficas constitui a Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (UGRHI 5). Sua reunião numa mesma UGRHI deu-se pela ligação hídrica causada pela ação do homem. Os três rios possuem bacias hidrográficas distintas geograficamente; no entanto, a cidade de Jundiaí, na bacia do rio de mesmo nome, é abastecida por uma reversão da bacia

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar os avanços alcançados no gerenciamento dos recursos hídricos nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ, com destaque para a implementação de importantes instrumentos de gestão de recursos hídricos.

Palavras-chave: Recursos hídricos. Gestão compartilhada. Instrumentos de gestão.

Abstract: This paper aims to analyze the advances reached in the management of the Piracicaba, Capivari and Jundiai river basins, highlighting the implementation of important water resources management tools.

Key words: Water resources. Shared management. Management tools.

AvAnços nA gestão compArtilhAdA dos recursos hídricos nAs bAciAs dos rios

pirAcicAbA, cApivAri e JundiAí

Maria Castellano

Fabiana barbi

Page 44: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AvAnçoS nA GESTão CoMPARTIlhAdA doS RECuRSoS hídRICoS nAS bACIAS doS... 47

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

do rio Atibaia (formador do Piracicaba). Além disso, a cidade de Campinas, dividida entre as bacias do Atibaia e Capivari, capta água principalmente no rio Atibaia e lança seus esgotos na bacia do rio Capivari (CBH-PCJ, 1996).

As bacias PCJ têm 92,6% de sua extensão localiza-da no Estado de São Paulo, e 7,4% em Minas Gerais. No total, abrangem territórios de 63 municípios, sen-do 59 paulistas e quatro mineiros (IRRIGART, 2005). Os rios Camanducaia, Jaguari e Cachoeira nascem em Minas Gerais, seguindo depois para São Paulo, e o Piracicaba é uma continuação do rio Jaguari, quando este se encontra com o Atibaia, que por sua vez é uma continuação do rio Cachoeira. Pelo fato de passarem por mais de um Estado, são considerados de domínio federal. Já os rios Capivari, Jundiaí e Corumbataí são de domínio estadual (CONSÓRCIO PCJ, 2003).1

Contexto soCioeConômiCo e impaCtos nas baCias pCJ

A região abrangida pelas bacias PCJ tem sofrido, nas últimas décadas, um significativo aumento populacional, industrial e urbano, que foi influenciado, inclusive, por uma política estadual de diminuição do inchaço da Região Metropolitana de São Paulo, criada no final da década de 1970 (CONSÓRCIO PCJ, 2003). Atualmente com uma população de cerca de 4,8 milhões de habitantes e um grau de urbanização de 95,2%, estima-se que essa população chegue a 5,7 milhões em 2010, e a 7,5 milhões, em 2020 (IRRIGART, 2005).

Na porção central das bacias PCJ, encontra-se a Região Metropolitana de Campinas – RMC, criada em 2000 e composta por 19 municípios, todos integralmente contidos naquelas bacias hidrográficas. Em termos de área, a RMC2 corresponde a aproxi-madamente 21,15% das bacias PCJ, porém concentra 52,93% da sua população (CARMO, 2001; IRRIGART, 2005; NEPO-NESUR/UNICAMP, 2006).

A região das bacias PCJ como um todo abriga o segundo pólo industrial do país, respondendo por mais de 7% do PIB brasileiro. Suas principais atividades estão voltadas à agroindústria, química,

têxtil, metalúrgica e de eletroeletrônica; e às culturas de cana-de-açúcar, laranja, pinus, eucalipto e outras (CETESB, 2004a).

A concentração populacional nestas bacias, e suas atividades correlatas, têm impactos negativos signifi-cativos para os recursos hídricos dessa região, colo-cando-as entre as mais degradadas do Estado de São Paulo (REIS, 1999).

De acordo com Irrigart (2005), o crescimento populacional encontra-se entre os principais proble-mas associados aos recursos hídricos superficiais nas bacias PCJ, destacando-se a expansão urbana e a dis-seminação dos loteamentos habitacionais, principal-mente na região de produção de água dessas bacias hidrográficas.

Em termos quantitativos, o maior uso da água cap-tada nessa região é urbano (abastecimento público, privado e outros usos), correspondendo a 42% do to-tal das bacias PCJ. O uso industrial consome 35,2%, e o uso rural, 22,1%. Desse montante, a água destinada para irrigação representa 88,9% do uso rural. Além destes usos, outra questão que afeta quantitativamen-te os recursos hídricos na região são as perdas físicas, cujo índice médio, em 2003, estava em 37% – portan-to, muito significativo (IRRIGART, 2005).

Observa-se, entretanto, que a escassez dos recursos hídricos na região decorre não apenas de problemas quantitativos, mas, em grande medida, da baixa qualidade da água. Se, por um lado, a região das bacias PCJ se beneficiou do crescimento econômico que contou com a industrialização e a agricultura de alta tecnologia, por outro, esse crescimento não foi seguido por uma equivalente expansão dos serviços urbanos. Embora o sistema público de água abasteça quase todos os domicílios (98%), a rede de esgoto não se encontra totalmente ligada, e sua coleta e tratamento são deficientes. O índice de coleta de esgotos atinge 83%, porém o índice de tratamento sempre ficou bem atrás. Em 1989, este era extremamente baixo: 3,25%. O aumento neste índice foi bastante lento durante mais de uma década, tendo passado para 11,3% em 1996, e 16,3% em 2003. Nos últimos anos, porém, houve uma melhoria bastante significativa: segundo levantamento realizado pelo Consórcio PCJ junto aos serviços de água e esgoto

Page 45: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

48 MARIA CASTEllAno/FAbIAnA bARbI

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

dos municípios que compõem estas bacias, em 2005 a região apresentou um índice de 36% de tratamento de esgotos domésticos. Apesar deste avanço, ainda é muito forte o impacto causado pelo lançamento de esgotos não-tratados diretamente nos rios e córregos (HOGAN; CARMO, 2001; CONSÓRCIO PCJ, 2005c; IRRIGART, 2005).

Além dos efluentes domésticos, a poluição das águas origina-se também dos efluentes industriais (responsáveis por 44,6% da vazão liberada nos rios das bacias PCJ), do deflúvio superficial urbano e agrícola, e de resíduos de atividades de mineração, entre outros. Estas fontes de poluição estão, conseqüentemente, associadas ao tipo de uso, ocupação do solo e atividade humana (IRRIGART, 2005).

A degradação da qualidade dos recursos hídricos por lançamento de efluentes urbanos e industriais sem tratamento é, portanto, uma das principais questões nessa UGRHI, que possui os mais baixos índices de tratamento de cargas poluidoras urbanas do Estado (CETESB, 2004b). A qualidade comprometida dos recursos hídricos obriga cidades localizadas nas proximidades de rios com vazões suficientes para abastecê-las, a recorrerem a mananciais mais distantes, como é o caso do município de Piracicaba, que capta água do rio Corumbataí, que se encontra menos poluído (CETESB, 2004a).

A escassez hídrica na região, gerada por problemas quantitativos e qualitativos, é traduzida numa disponibilidade per capita de água nessas bacias de cerca de 400 metros cúbicos por habitante ao ano.3 Na bacia do Alto Tietê a situação é ainda pior, com disponibilidade de 200 metros cúbicos por habitante ao ano. Visando aliviar a escassez hídrica na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, no início dos anos 1970 foi construído o Sistema Cantareira, que passou a reverter 31 metros cúbicos por segundo de água das bacias PCJ, para abastecer 55% dessa região (CBH-PCJ, 2003; BANCO MUNDIAL, 2005).

mobilização para a gestão dos reCursos hídriCos nas baCias pCJ

No início na década de 1960, a degradação dos recur-sos hídricos nas bacias PCJ gerou uma reação da po-

pulação, impulsionada pela mortandade de peixes na região, causada pelo lançamento de vinhoto ou restilo nos rios e, mais tarde, de esgoto industrial e domés-tico. Essa mobilização intensificou-se na década de 1970 com a intensa poluição dos rios, em virtude do crescimento demográfico e industrial ocorrido nessas bacias e com a reversão das águas através do Sistema Cantareira.

As principais mobilizações se deram no municí-pio de Piracicaba, que era o mais afetado, por ter no rio de mesmo nome seu maior manancial de água, além de possuir uma forte relação sociocultural com ele. Sendo assim, a queda na qualidade e na quan-tidade das águas do rio Piracicaba fez com que, em 1983, o Conselho Coordenador das Entidades Civis de Piracicaba iniciasse um movimento em prol da sua recuperação, denominado “Campanha Ano 2000 – Redenção Ecológica da Bacia do rio Piracicaba” (CONSÓRCIO PCJ, 2000).

A campanha reivindicava uma reestruturação ética e técnico-financeira da bacia, e trazia uma visão bas-tante avançada, incorporando subsídios de sistemas de gestão dos recursos hídricos já em funcionamen-to na Europa. Seus idealizadores tiveram, através da “Campanha Ano 2000”, papel importante na indução de diversas ações relativas à gestão dos Recursos Hí-dricos no Estado, contribuindo, por exemplo, para a elaboração e aprovação do Decreto Lei n. 27.576/87, que criava o Conselho de Recursos Hídricos – CRH, e o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Re-cursos Hídricos e do Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos – CORHI (CONSÓRCIO PCJ, 2000; ZAMBELLO, 2000; SÃO PAULO, 1987).

Criação do ConsórCio pCJ: em busCa da gestão integrada dos reCursos hídriCos

Um dos resultados daquela campanha foi a elabora-ção da Carta de Reivindicações ao Governo Orestes Quércia, pela Divisão de Hidráulica e Saneamento e Meio Ambiente junto à Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba, apresentando 32 reivindi-cações. Uma delas era pela criação de um organismo intermunicipal, eleito, e representante de um Conse-

Page 46: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AvAnçoS nA GESTão CoMPARTIlhAdA doS RECuRSoS hídRICoS nAS bACIAS doS... 49

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

lho Diretor de Prefeitos da bacia. Assim, os princí-pios desta campanha foram fundamentais para a cria-ção do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari,4 em 1989, com o propósito de atuar em prol dos recursos hídricos na região (CON-SÓRCIO PCJ, 2000).

Em sua criação associaram-se 11 municípios, por meio de seus prefeitos5 A idéia principal que susten-tou a fundação do Consórcio foi a de constituir uma organização que pudesse complementar a atuação das entidades tradicionalmente responsáveis pela execução de políticas públicas de saneamento e pre-servação do meio ambiente, tornando o processo de gestão mais eficiente (FISCHER, 2000; CONSÓR-CIO PCJ, 2000).

Formado inicialmente como uma Associação de Municípios, a partir de 1996 o Consórcio começou a receber também a adesão de empresas – públicas, privadas e de economia mista -, passando a caracte-rizar-se então como uma Associação de Usuários da Água. Em 1998, o Conselho de Municípios aprovou que a Plenária de Entidades, órgão formado pela so-ciedade civil organizada,6 e até então com papel ex-clusivamente consultivo no Consórcio, passasse a ter um voto no conselho, sem a necessidade do paga-mento da contribuição de custeio.7 Ressalta-se que a participação da sociedade civil, reivindicada por esse segmento em 1990, foi inovadora, pois, até aquele momento, não havia outro mecanismo de participa-ção da sociedade civil na gestão dos recursos hídricos na região (CONSÓRCIO PCJ 2000, 2003).

Em 2000, deu-se a inclusão da Bacia do rio Jundiaí no Consórcio, visando a facilitar a integração ao siste-ma de gestão dos recursos hídricos que compreende estas três bacias em uma única unidade de gerencia-mento (BRAGA et al., 2003).

Atualmente (dados de 2006), o Consórcio PCJ conta com 38 municípios e 36 empresas, cada seg-mento tendo 50% do valor dos votos, com exceção do voto correspondente à Plenária de Entidades (BRAGA et al., 2003; CONSÓRCIO PCJ, 2006).

O Consórcio configura-se como entidade execu-tora ou gerenciadora de projetos e obras, tendo per-sonalidade jurídica e equipe técnica próprias, além de agilidade administrativa. Dentre seus objetivos estão

o aumento da assistência aos municípios e o aten-dimento das necessidades e expectativas regionais, voltando-se principalmente ao planejamento do de-senvolvimento e integração regional; ao fomento, à recuperação e preservação dos mananciais; e à cons-cientização ambiental (CONSÓRCIO PCJ, 2000; MONTICELI, 1993; CBH-PCJ, 1996).

O Consórcio PCJ tem tido um papel fundamental no processo de modernização e descentralização da gestão dos recursos hídricos nas bacias PCJ. Baseado em modelos europeus de gestão, este organismo tem estabelecido acordos de cooperação internacional, vi-sando ao intercâmbio técnico. Também teve impor-tante atuação no trabalho em redes: é membro funda-dor da Rede Internacional de Organismos de Bacias – RIOB, constituída em 1994; participa da Rede La-tino-Americana de Organismos de Bacias – RELOB, fundada em 1997; e, em 1998 criou, juntamente com outros consórcios, a Rede Brasil de Organismos de Bacias Hidrográficas – REBOB, exercendo sua pre-sidência e secretaria-executiva por dois mandatos (CONSÓRCIO PCJ, 2000, 2003).

O Consórcio teve também uma experiência pio-neira quanto ao exercício da cobrança da água, atra-vés da contribuição de R$ 0,01 por metro cúbico de água consumida entre seus associados. Com essa ar-recadação era mantida a máquina administrativa do Consórcio (para a qual era destinado 1/6 do valor total arrecadado), e o restante era aplicado em pro-jetos, obras e outras ações concretas (CONSÓRCIO PCJ, 2000).

Além disso, o Consórcio teve importante contri-buição nos debates e acordos sobre a legislação re-lativa à cobrança, posteriormente implementada nas bacias PCJ. Perante os conflitos surgidos em meio aos debates sobre a cobrança – tais como as pres-sões do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo – DAEE para ficar com 50% dos recursos da cobrança, e a articulação dos setores industriais e agrícolas para eliminar ou adiar a cobrança – o Consórcio defendia que a cobrança deveria começar pelos consórcios, associações de usuários, entidades regionais organizadas em bacias e, somente depois, evoluir para a cobrança instau-rada com a força da lei, para que isto se desse com

Page 47: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

50 MARIA CASTEllAno/FAbIAnA bARbI

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

aceitação dos diversos segmentos envolvidos na questão (CONSÓRCIO PCJ, 2000).

Alguns dos princípios que acabaram sendo incor-porados na legislação paulista sobre a cobrança (Lei n. 12.183/05) também haviam sido fortemente de-fendidos pelo consórcio anteriormente. Por exemplo, este organismo lutou para que, na legislação paulista de recursos hídricos (Lei n. 7.663/91), fosse estabe-lecido que não apenas os recursos da cobrança deve-riam ser aplicados na região, mas também a elabora-ção dos planos de bacias, seu gerenciamento, as obras e demais ações envolvidas nos programas realizados fossem preferencialmente contratadas na região. Isso seria uma forma de provocar cada vez mais a des-centralização, além de reduzir os custos de todos es-ses serviços (em comparação aos valores da capital) (MONTICELI, 1993).

A preocupação com as questões de integração e descentralização da gestão esteve presente no Con-sórcio PCJ desde o início, a partir da observação da dificuldade de integração entre as diversas institui-ções – nos níveis federal, estadual e regional – volta-das ao meio ambiente e aos recursos hídricos, e sua conseqüente atuação setorizada. Assim, o Consórcio influenciou a discussão em torno da descentralização não apenas no nível estadual, mas também no âm-bito nacional. Realizou reuniões com consórcios de outras regiões do país, defendendo a importância da integração e da descentralização através da aborda-gem da gestão por bacias hidrográficas, além de pro-por emendas nesse sentido à lei federal (n. 9.433/97) (MONTICELI, 1993).

O Consórcio também teve influência na discus-são relativa à aprovação da legislação paulista de re-cursos hídricos (Lei n. 7.663/91), criando estratégias para explicitar sua importância, frente à dificuldade que havia em fazer o Poder Executivo Estadual se interessar pelo projeto de lei para a gestão dos Recur-sos Hídricos no Estado de São Paulo. No decorrer das discussões que visavam à formulação dessa lei, ele também participou ativamente da emenda sobre a criação de uma Agência de Bacias, defendendo a sua criação, pois considerava que esse era o maior passo a ser dado em direção à descentralização da gestão dos recursos hídricos. A agência teria funções executivas,

e passaria a ser o órgão de apoio aos comitês, ao in-vés dos órgãos do Governo do Estado – DAEE, Ce-tesb e Secretaria do Meio Ambiente, principalmente (CONSÓRCIO PCJ, 2000; MONTICELI, 1993).

Criação do Comitê de baCia hidrográfiCa pCJ: Compartilhando a gestão dos reCursos hídriCos

A Lei Paulista de Recursos Hídricos (n. 7.663) foi promulgada em 1991, depois de alguns anos de deba-te. Ela trazia uma proposta bastante inovadora, prio-rizando o uso da água para o abastecimento público, e tendo como princípios uma gestão descentraliza-da, participativa e integrada destes recursos. Esta lei criou ainda o Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos de São Paulo, e implementou os Comitês de Bacias Hidrográficas – CBHs como instâncias regionais de gestão. Nos CBHs, a participa-ção da sociedade civil fica garantida por ocupação de 1/3 de suas cadeiras (SÃO PAULO, 1997).

O primeiro CBH a ser instalado foi o Comitê das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – CBH-PCJ, em 1993, apresentado como modelo organizacional para os comitês que surgiram depois. O processo de constituição do CBH-PCJ foi gradual e bastante negociado, devido à sua estrutu-ra tripartite e pioneira, e também por implicar uma alteração das relações de poder existentes e das for-mas de resolução dos problemas hídricos da região. Houve ainda certa tensão entre a criação de um novo colegiado para fazer a gestão dos recursos hídricos e a dinâmica já consolidada pelo Consórcio PCJ, o que também exigiu negociação para definir os papéis de cada ator na gestão dos recursos hídricos. Embora ambos os organismos tenham importante papel nos debates e negociações relativos à gestão dos recur-sos hídricos na região, sua atuação é diferenciada: ao Comitê cabe um papel mais administrativo, com um poder de decisão relativamente grande, enquanto o consórcio possui maior capacidade para executar pro-gramas e projetos – uma vez que possui autonomia financeira, equipe técnica e equipamentos próprios, capacidade de contratação de serviços etc. – porém, estas ações se restringem ao âmbito de seus associa-dos (CBH-PCJ, 2003; CONSÓRCIO PCJ, 2000).

Page 48: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AvAnçoS nA GESTão CoMPARTIlhAdA doS RECuRSoS hídRICoS nAS bACIAS doS... 51

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

O CBH-PCJ tem como objetivo promover o ge-renciamento dos recursos hídricos em sua área de atuação, de forma descentralizada, participativa e integrada. Tem como competências aprovar o Plano das Bacias Hidrográficas, propor a criação da Agên-cia de Bacia e os critérios e valores a serem cobrados pela utilização dos recursos hídricos nas bacias PCJ, dentre outras (CBH-PCJ, 2005a).

Durante a primeira gestão do CBH-PCJ, deu-se prioridade à recuperação das bacias, uma vez que o índice de tratamento de esgotos na época (1993) era extremamente baixo (3,5%). Assim, destacaram-se nesse período as ações para viabilizar a despoluição e tratamento de esgotos (CBH-PCJ, 2003).

Em 2000, durante a quarta gestão, destacou-se o papel de mediador de conflitos e definidor de priori-dades de uso das águas do CBH-PCJ, não aprovando o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Im-pacto Ambiental – EIA-RIMA da Usina Termelétri-ca do Planalto Paulista (TPP), que seria implantada em Paulínia. O CBH-PCJ considerou o alto consumo de água pela termelétrica – e pelas empresas que se instalariam na região, induzidas pela maior oferta de energia –, alertando para o cenário crítico de dispo-nibilidade hídrica na área de sua abrangência (COMI-TÊ DAS ÁGUAS, 2000; CBH-PCJ, 2000).

Na quinta gestão, em 2001, as discussões em torno da implantação da Usina Termelétrica Carioba II, em Americana, fizeram parte dos trabalhos do CBH-PCJ, que emitiu um parecer baseado em estudos técnicos contra a sua construção, que acabou não acontecen-do (CBH-PCJ, 2003).

Ainda durante a mesma gestão, em 2002, os es-forços se concentraram na criação do Comitê Fe-deral das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ Federal,8 uma vez que os rios Piracicaba, Jaguari e Camanducaia são de do-mínio da União. Foram elaboradas propostas de al-terações do estatuto do CBH-PCJ, de regimento do PCJ Federal e de processos eleitorais para 2003 com o objetivo da atuação integrada desses dois comitês (CBH-PCJ, 2003).

Um outro acontecimento importante em 2002 foi a aprovação do parecer final sobre a ampliação da fábrica da AmBev, localizada em Jaguariúna. A

fábrica devolveria menos água para o rio, para poder aumentar a produção. Por solicitação do Consema – Conselho Estadual de Meio Ambiente –, o CBH-PCJ emitiu o parecer com a condição que toda a água do município fosse tratada; essa foi a primeira vez que ocorreu um processo de compensação por danos ao meio ambiente (CBH-PCJ, 2003).

A sexta gestão do CBH-PCJ e a primeira do PCJ Federal aconteceram em 2003, período que marcou o início da consolidação da integração institucional das bacias PCJ, através de alterações no estatuto do CBH-PCJ, do processo eleitoral integrado, da eleição da mesma diretoria para os dois comitês e da reorga-nização das Câmaras Técnicas que passaram a servir aos dois comitês (CBH-PCJ, 2003).

Enfim, percebe-se a ação conjunta e complemen-tar do Consórcio e dos Comitês PCJ. O Consórcio foi um organismo pioneiro na mobilização pela gestão dos recursos hídricos na região, e os Comitês, legiti-mados por respaldo legal, têm representado um gran-de reforço a esse processo. O Consórcio também possui direito a um voto no comitê, junto ao segmen-to da sociedade civil, além de contar com membros nas Câmaras Técnicas e no segmento municípios dos comitês, desempenhando importante papel nessas instâncias. Assim, historicamente, estes dois orga-nismos têm contribuído para os avanços na gestão compartilhada dos recursos hídricos, que podem ser observados nas negociações relativas à renovação da outorga do Sistema Cantareira, na implementação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos e na criação da Agência de Bacia do PCJ.

busCa pela gestão desCentralizada do sistema Cantareira

O ano de 2004 foi marcado pelas discussões em torno da renovação da outorga à Sabesp para captação das águas do Sistema Cantareira. Desde a década de 1960, os mananciais da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê uti-lizados para consumo humano não atendiam à deman-da crescente da RMSP, que estava em acelerado desen-volvimento. Uma alternativa possível era importar água de boa qualidade de outra bacia hidrográfica, Bacia do Alto Piracicaba (BANCO MUNDIAL, 2005).

Page 49: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

52 MARIA CASTEllAno/FAbIAnA bARbI

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

O Sistema é composto por quatro reservatórios (dentro das bacias PCJ) interligados por um sistema de canais e túneis, responsável pelo abastecimento das Zonas Norte, Central, parte das regiões Leste e Oeste da capital e dos municípios de Franco da Ro-cha, Francisco Morato, Caieiras, parte de Guarulhos, Osasco, Carapicuíba, parte de Barueri, parte de Ta-boão da Serra, parte de Santo André e São Caetano do Sul, totalizando uma população de 8,8 milhões de pessoas (ARCE, 2005).

Desde a construção do sistema existia um confli-to latente entre as regiões do Alto Tietê, na RMSP, e PCJ pelo fato de as represas terem sido construí-das sem a necessária discussão e consentimento da população da bacia. Nessa época, o regime político vigente e o arcabouço legal não permitiam manifes-tações a respeito do projeto. O Sistema Cantareira passou a ser encarado como aquele que beneficia a população da RMSP em detrimento da população da bacia do rio Piracicaba (BANCO MUNDIAL, 2005; ARCE, 2005).

A Sabesp operou o sistema desde 1974, ligada à Secretaria Estadual de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento – SERHS-SP, com outorga de direito de uso concedida até agosto de 2004. A sua renovação nas mesmas condições era o mais interessante para a Sabesp, que argumentava não poder operar com valores menores de vazão para a RMSP. Por outro lado, este era o momento esperado pelas bacias PCJ, que reclamavam do prejuízo dos municípios desde o momento anterior à construção do Sistema. Durante os 30 anos de vigência desta outorga, a comunidade das bacias PCJ organizou-se com o propósito de gerir os recursos hídricos da região de forma mais racional, sustentável e de maneira compartilhada.

Assim, após 10 anos da construção do Sistema Cantareira, em 1984, motivada por uma severa estiagem que causou a mortandade de muitos peixes no rio Piracicaba, foi criada a Operação Estiagem na Bacia do Piracicaba, um grupo formado por técnicos da Sabesp, DAEE, Cetesb e CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz – para regular as obras hidráulicas e controlar as liberações de vazão do Sistema. Sempre se garantia os 31 metros cúbicos por segundo para a RMSP e o restante possível

para as bacias PCJ. Posteriormente, em 1989, com determinação de subsidiar o Plano Estadual de Recursos Hídricos, formou-se o Grupo Executivo de Monitoramento Hidrológico, inserido nas equipes do então Grupo Técnico do Piracicaba. Até o momento, somente a esfera estadual participava da operação do Sistema. Em 1992, o Consórcio PCJ, algumas prefeituras e universidades dessas bacias conseguiram participar das reuniões do grupo, na tentativa de fazer um monitoramento conjunto do Sistema Cantareira. Em 1994, o grupo foi inserido no âmbito do CBH-PCJ como Câmara Técnica de Monitoramento Hidrológico – CT-MH (BOSQUILIA, 2004; CBH-PCJ, 2003).

A CT-MH teve um papel importante nas discussões da renovação da outorga, pois possuía muitos dados sobre o sistema, devido a sua atuação antes mesmo da criação do CBH-PCJ. As funções da CT-MH deixaram de contemplar somente o aspecto quantitativo relacionado à negociação das descargas para a bacia do rio Piracicaba e para São Paulo, e hoje avaliam condições sanitárias, hidrobiológicas e de qualidade da água (BANCO MUNDIAL, 2005).

As discussões em torno da renovação da outorga do Sistema Cantareira começaram em 2001, no âmbito da CT-MH do CBH, pois já era sabido que essa questão precisaria de muita negociação. Nesse início de discussões, os Comitês PCJ se mobili-zaram para obter informações sobre as vazões e o funcionamento do Sistema. Os CBHs não têm atri-buição legal para conceder a outorga (essa é uma atribuição da Agência Nacional de Águas – ANA nos casos de rios federais ou do DAEE, no caso de rios do Estado de São Paulo), mas podem definir algumas diretrizes, como por exemplo, os usos prioritários da água, e diante disso é dada a outorga.

De acordo com as discussões realizadas, pode-se dizer que nem os Comitês PCJ nem o Consórcio Intermunicipal desejavam impedir a renovação da outorga de uso à Sabesp, interrompendo a derivação das águas. Eles esperavam uma distribuição mais im-parcial do volume de água disponível, que atendesse às bacias PCJ com uma garantia de vazão mínima, através de uma gestão compartilhada dos recursos hídricos.

Page 50: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AvAnçoS nA GESTão CoMPARTIlhAdA doS RECuRSoS hídRICoS nAS bACIAS doS... 53

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

Em dezembro de 2003, foi criado o GT Cantareira pela deliberação conjunta dos Comitês PCJ (006/03), no âmbito da CT de Outorgas e Licenças. Seu obje-tivo era estudar, discutir e propor os termos da nova outorga, com a visão de uma gestão compartilhada entre as bacias envolvidas (Alto Tietê e PCJ)9. O GT sistematizou os debates e estudos sobre a renovação da outorga, solicitou e coletou informações e enca-minhou um relatório para apreciação dos Plenários dos Comitês PCJ.

A ANA, a Secretaria de Recursos Hídricos, Ener-gia e Saneamento e o DAEE também participaram das negociações na qualidade de instituições com im-portantes atribuições de gestão de recursos hídricos em níveis federal e estadual. Essas instituições elabo-raram estudos técnicos e exerceram o papel de media-ção. Sendo assim, a negociação se deu entre o DAEE, juntamente com a ANA10 e o GT Cantareira.

O Termo de Outorga (Portaria DAEE n. 1213, de 06 de agosto de 2004) foi emitido, com a con-cordância de todos os interessados, garantindo di-reitos de alocação da água para as Bacias do PCJ e para o abastecimento da RMSP, por meio de regras bem definidas de operação do Sistema Cantareira. Em seu artigo 7°, declara que as vazões serão deter-minadas pela Sabesp e pelos Comitês PCJ. Segundo a ANA, o abastecimento de 31 metros cúbicos por segundo para São Paulo e 5 metros cúbicos por se-gundo para as bacias PCJ poderá ser atendido du-rante 95% do tempo11 (ANA, 2004; CONSÓRCIO PCJ, 2004; DAEE, 2004). Assim, a região das bacias PCJ passou a contar com uma garantia de vazão mínima estabelecida.

Antes da renovação da outorga, a Sabesp era res-ponsável pela operação e gestão do Sistema; com a nova outorga, a gestão passou a ser descentralizada. Assim, nos momentos de escassez, a responsabilida-de de decidir o que fazer também é compartilhada com os Comitês PCJ. O banco de águas também foi aprovado. Isso quer dizer que caso a Sabesp e os Co-mitês PCJ resolvam não utilizar as vazões acordadas para cada mês, estes volumes ficarão armazenados nos reservatórios para futura utilização. Além dis-so, a concessão anterior era de 30 anos, agora, é de

10 anos, podendo ser revisada a qualquer momento (DAEE, 2004).

Outro produto das negociações e articulações en-tre a Sabesp e os Comitês PCJ é o Termo de Com-promisso da Outorga. Nele, prevê-se que a Sabesp tem que encontrar outras fontes de abastecimento para a RMSP, procurando diminuir a dependência do Sistema, além de providenciar o tratamento de esgo-tos urbanos, controle de perdas físicas nos sistemas de abastecimento de água e de ações que contribuam para a recarga do lençol freático (DAEE, 2004).

implementação da Cobrança nas baCias pCJ

Além desse instrumento de gestão, os Comitês e o Consórcio PCJ foram responsáveis pela implementa-ção da cobrança pelo uso da água, aprovada em 2005. Um dos primeiros passos para se implementar a co-brança nas bacias PCJ era compatibilizar as questões de dominialidade dos rios dessas bacias entre a União e os Estados. Para isso, em 2004, o CBH-PCJ e o PCJ Federal criaram um Grupo de Trabalho especí-fico para tratar dessa questão, chamado GT-Cobran-ça, dentro do qual foram discutidas e formuladas, ao longo de um ano, propostas de mecanismos de cobrança e de sugestões de valores a serem cobra-dos (CBH-PCJ, 2005b). A proposta de contribuição elaborada por esse grupo foi aprovada pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos em 28 de novembro de 2005, dando início à implementação da cobran-ça nas bacias do PCJ nos rios de domínio da União (BRASIL, 2005a; CBH-PCJ, 2005b; CONSÓRCIO PCJ, 2005a).

A cobrança pelo uso da água nos rios de domínio da União no PCJ teve início em 1º de janeiro de 2006, sendo recolhida de serviços de saneamento, de empresas e de proprietários rurais que fazem uso da água (captação, consumo e lançamento de esgoto) dos rios Atibaia, Cachoeira, Camanducaia, Jaguari e Piracicaba. Os valores cobrados, que foram denominados Preços Unitários Básicos – PUBs, são de R$ 0,01 por metro cúbico de água captada, R$ 0,02 por metro cúbico de água consumida (água que não retorna ao rio nem mesmo em forma de esgoto), R$ 0,10 por quilo de Demanda Bioquímica de

Page 51: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

54 MARIA CASTEllAno/FAbIAnA bARbI

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

Oxigênio – DBO lançado em corpo d’água e R$ 0,015 por metro cúbico de água captada e transposta para outra bacia (como é o caso do Sistema Cantareira). Poderão ocorrer variações que reduzam os valores acima, as quais serão condicionadas à qualidade da água do manancial usado e às boas práticas de uso e conservação da água (nos casos de uso em propriedades rurais) (CBH-PCJ, 2005b; CBH-PCJ, 2005c; CONSÓRCIO PCJ, 2005b; ANA, 2005).

A implantação desta cobrança será feita de forma progressiva. No primeiro ano, os usuários pagarão somente 60% do valor definido; no segundo ano, 2007, a cobrança alcançará 75% do seu valor real; e a partir de 2008, o contribuinte pagará de forma in-tegral o valor a cobrança: R$ 0,01 por metro cúbico de água. Quando os valores da cobrança forem apli-cados integralmente, a expectativa é que sejam arre-cadados cerca de R$ 20 milhões por ano, somente com a cobrança nos rios federais (CBH-PCJ, 2005d; CONSÓRCIO PCJ, 2005b; ANA, 2005).

Esta decisão dos comitês não envolveu os usos de água dos rios estaduais (caso dos rios Capivari, Jundiaí, Corumbataí, entre outros) e de fontes sub-terrâneas da região, porque a cobrança pelo uso da água nesses mananciais dependia da regulamentação que ocorreu com a aprovação do Projeto de Lei n. 676/00, que tratava da cobrança pelo uso das águas de domínio do Estado de São Paulo (CBH-PCJ, 2005d). Após tramitar durante cinco anos na Assem-bléia Legislativa do Estado de São Paulo, esse PL foi aprovado em dezembro de 2005, resultando na Lei n. 12.183, regulamentada em março de 2006 (SÃO PAULO, 2005, 2006; REDE DAS ÁGUAS, 2005).

Essa lei determinou que “os usuários urbanos e industriais dos recursos hídricos estarão sujeitos à co-brança efetiva somente a partir de 1º de janeiro do ano de 2006” (artigo 1º, Seção V), e que “os demais usuários estarão sujeitos à cobrança somente a partir de 1º de janeiro do ano de 2010” (Parágrafo único, Seção V).

Destaca-se que na redação final da Lei n. 12.183 foram mantidos alguns princípios de grande rele-vância, fruto de discussões realizadas desde 1987, quando se iniciaram os debates sobre a cobrança no Estado de São Paulo (CONEJO, 2000). São eles: a) a

garantia da participação dos diversos setores – socie-dade civil (entidades e usuários), municípios e Esta-do – na definição dos preços a serem cobrados; b) o estabelecimento de que os recursos cobrados dentro de uma Bacia Hidrográfica deverão ser aplicados na própria Bacia, em conformidade com o aprovado no respectivo Comitê de Bacia, sendo que este poderá, excepcionalmente, decidir pela aplicação em outra bacia de parte do montante arrecadado, desde que haja proporcional benefício para a bacia sob sua juris-dição; c) a cobrança será realizada pelas Agências de Bacias ou pela entidade responsável pela outorga de direito de uso nas Bacias Hidrográficas desprovidas de Agências de Bacias, e o produto da cobrança cor-respondente à Bacia em que for arrecadado será cre-ditado na subconta do Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FEHIDRO, de acordo com as condições a serem definidas em regulamento (SÃO PAULO, 2005; THAME 2000; MAURO, 2000).

Também ficou estabelecido na Lei n. 12.183/05 que os serviços de saneamento que comprovarem in-vestimentos com recursos próprios ou financiamen-tos onerosos em estudos, projetos e obras destina-das ao afastamento e tratamento de esgotos (exceto redes) terão desconto de 50% do valor cobrado, até dezembro de 2009. Os usuários do setor rural e os de baixa renda também foram beneficiados. No caso dos primeiros, além de somente começarem a contribuir a partir de janeiro de 2010, os micro e pequenos produ-tores rurais terão isenção, por tempo indeterminado. Para os usuários residenciais de baixa renda, os servi-ços de saneamento não poderão repassar o valor da cobrança, desde que estes assim o comprovem (SÃO PAULO, 2005; CONSÓRCIO PCJ, 2005b).

o ConsórCio pCJ Como agênCia de baCia

Paralelamente à cobrança, foi definida pelos Comitês PCJ a criação da Agência de Água dos Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Não havendo tempo hábil para a criação de uma nova organização antes da implementação da cobrança, e

Page 52: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AvAnçoS nA GESTão CoMPARTIlhAdA doS RECuRSoS hídRICoS nAS bACIAS doS... 55

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

considerando que o Consórcio Intermunicipal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí - Consórcio PCJ atende aos requisitos para assumir funções de Agência de Águas previstas nas legislações federal e mi-neira sobre recursos hídricos, (CBH-PCJ, 2005e, p. 2)

os Comitês decidiram convidar o Consórcio PCJ para desempenhar, por um período de dois anos, as funções de agência de água, em conformidade com o disposto na Lei Federal n.. 9.433/97 (art. 51).12 A proposta foi aceita pelo Consórcio PCJ e aprovada pelos Comitês PCJ e pelo CNRH, sendo firmado um contrato de gestão pelo presidente do Consór-cio PCJ, José Roberto Fumach, e o presidente da ANA, José Machado, conferindo temporariamente ao Consórcio PCJ as funções de Agência de Água PCJ (CONSÓRCIO 2005a, 2005b; CBH-PCJ, 2005e; BRASIL, 1997).

A Agência de Água PCJ foi inaugurada oficialmente em 16 de dezembro de 2005, com sede no município de Piracicaba. Com a implementação da cobrança, tanto nos rios de domínio da União como nos rios estaduais das bacias PCJ, uma das incumbências do Consórcio enquanto Agência consiste em gerenciar os recursos financeiros arrecadados, propondo aos Comitês o plano para sua aplicação destes recursos (BRASIL, 2005b; CONSÓRCIO, 2005b; CBH-PCJ, 2005d).

Considerações finais

Com estes acontecimentos recentes, o conjunto de instrumentos e organismos públicos que visa imple-mentar as políticas das águas – o sistema de gerencia-mento de recursos hídricos – está praticamente im-plantado nas bacias PCJ. O histórico de mobilização e participação nessas bacias contribuiu para as ações

consistentes do Consórcio PCJ e dos Comitês PCJ. A ação conjunta e cooperativa desses dois organismos tem resultado no fortalecimento e institucionalização do sistema de gestão de recursos hídricos.

Com a aprovação da cobrança pelo uso da água nos rios federais e estaduais e com a assinatura do contrato de gestão entre a ANA e o Consórcio PCJ, no qual este passa a ser uma entidade delegatória das funções de Agência de Água, a região das bacias PCJ finalmente tem todos os organismos e instrumentos necessários para promover a recuperação e a preser-vação dos recursos hídricos, para arbitrar adminis-trativamente os conflitos relacionados ao tema, para planejar e regular o uso da água, entre outras funções (CONSÓRCIO PCJ, 2005b).

Soma-se a isso o avanço na renovação da outorga do Sistema Cantareira com critérios mais favoráveis a essa região, além da conquista de uma gestão com-partilhada e transparente desse Sistema.

No entanto, ainda existem incertezas quanto ao funcionamento da cobrança, pois se observa uma preocupação em relação à aprovação da cobrança no Estado, pelo fato desta conter critérios que devem di-ficultar o estabelecimento de cobranças com valores iguais para usos dos rios federais e estaduais.

Mesmo assim, os avanços no sistema de gerencia-mento das águas na região são recebidos com grande entusiasmo. Numa perspectiva nacional, membros dos organismos gestores das águas na região das bacias PCJ esperam que a cobrança tenha repercussão em outras regiões hidrográficas do país. Localmente, a grande expectativa é que, com o excelente índice de adimplência de 97% observado nos primeiros meses da cobrança, sua implementação facilite os investimentos em saneamento e ajude no atendimento às necessidades financeiras dos municípios (CONSÓRCIO PCJ, 2005b).

Page 53: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

56 MARIA CASTEllAno/FAbIAnA bARbI

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

referências bibliográficas

ANA – Agência Nacional de Água. Nota técnica n. 476-2005. Cobrança pelo uso de recursos hídricos nas Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. 2005. Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/CobrancaPCJ/Nota-Tecnica-ANA-476-05_Apresentacao.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2006.

______. Subsídios para a análise do pedido de outorga do Sistema Can-tareira e para a definição das condições de operação dos seus reservatórios. 2004. Disponível em: <http://www.ana.gov.br/AcoesAdminis-trativas/Resolucoes/resolucoes2004/429-Relatorio_Cantareira.pdf>. Acesso em: 10 maio 2005.

ARCE, M.G.J. Renovação da outorga do Sistema Cantareira: um caso da engenharia aplicada à mediação de conflito. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HíDRICOS DE JOÃO PESSOA. João Pessoa: Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 2005.

BANCO MUNDIAL. Transferência de água entre bacias hidrográficas. 1. ed. Brasília: 2005.

BOSQUILIA, S.V. Câmara técnica de monitoramento hidroló-gico. In: REUNIÃO DO GT – CANTAREIRA, 1., Limeira, 13 jan. 2004. Limeira: Ripasa, 2004.

BRAGA, A.R. et al. Educação ambiental para gestão dos recursos hídricos: livro de orientação ao educador. Americana, SP: Con-sórcio PCJ, 2003.

BRASIL. Resolução n. 53, de 28 de novembro de 2005. Delega compe-tência ao Consórcio Intermunicipal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí para o exercício de funções inerentes à Agência de Água das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. São Paulo, 2005a. Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/agenciapcj/Res-CNRH-53-05.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2006.

______. Contrato ANA x Consórcio PCJ n. 030/2005, de 06 de dezembro de 2005, nos termos: “Contrato de gestão que entre si celebram a Agência Nacional de Águas e o Consórcio In-termunicipal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, com a anuência dos Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, visando o

notas

1. A dominialidade dos rios está ilustrada em <http://www.comitepcj.sp.gov.br/RegiaoPCJ.htm> e <http://www.comitepcj.sp.gov.br/>.2. Criada pela Lei Complementar nº 870, de 19 de junho de 2000, ocupa uma área de 3.238 km², compreendendo os muni-cípios de Artur Nogueira, Santo Antonio de Posse, Holambra, Cosmópolis, Jaguariúna, Americana, Paulínia, Nova Odessa, Pedreira, Campinas, Valinhos, Vinhedo, Itatiba, Indaiatuba, Monte Mor, Hortolândia, Sumaré e Santa Bárbara D’Oeste.3. Vale ressaltar que as águas subterrâneas também devem ser consideradas como importantes recursos hídricos nas bacias PCJ, pois, de modo geral, a água subterrânea dos aqüíferos que ocorrem nestas bacias é de boa qualidade, permitindo sua utilização sem grandes restrições. Entretanto, ainda não há estratégias de planejamento concretas para sua utilização (IRRIGART, 2005).4. O Consórcio Intermunicipal é uma associação civil de direito privado, com independência técnica e financeira. Arrecada e aplica recursos em programas e ações ambientais. O poder de decisão cabe ao Conselho de Municípios, formado pelos prefeitos e representantes das empresas consorciadas (CONSÓRCIO PCJ, 2003).5. As Prefeituras fundadoras do Consórcio, além da de Piraci-caba, foram as de Americana, Amparo, Bragança Paulista, Ca-pivari, Campinas, Cosmópolis, Jaguariúna, Rio Claro, Sumaré e Pedreira (CONSÓRCIO PCJ, 2000).6. A Plenária de Entidades é composta por ONGs, sindicatos de trabalhadores de diversas categorias e universidades.

7. Esta contribuição era obrigatória para os demais segmen-tos, e foi aberta uma exceção à Plenária de Entidades.

8. Criado pelo Decreto do Presidente da República, de 20 de maio de 2002, o PCJ Federal foi instalado em 31 de março de 2003, com base na Lei n. 9.433/97.

9. Fizeram parte do GT Cantareira: representantes do governo federal, do governo de São Paulo, do governo de Minas Gerais, de municípios paulistas e mineiros, da Sabesp, do CBH-PCJ, dos usuários e da sociedade civil. A ANA e o DAEE foram convidados para dar suporte técnico ao GT. Participaram, em média, 44 pessoas entre os membros do GT e convidados. Após a renovação da outorga, o GT continua atuando e conta com a Cetesb, o DAEE e o Consórcio PCJ como membros.

10 A ANA seria o órgão concessor da outorga, pois os rios Atibaia e Jaguari são federais; no entanto, ela permitiu que o DAEE a concedesse.

11. No período restante, as vazões deverão ser definidas com base num modelo matemático que considera as projeções de uso do Cantareira para os dois anos seguintes sem permitir que as retiradas possam deixar o sistema abaixo de 5 % da sua capacidade, na pior projeção de estiagem já registrada.

12. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, artigo 51, com reda-ção alterada pelo artigo 10 da Lei Federal n. 10.881, de 9 de junho de 2004, que determina que o Conselho Nacional de Re-cursos Hídricos e os Conselhos Estaduais de Recursos Hídri-cos podem delegar a organizações sem fins lucrativos, dentre elas os consórcios intermunicipais, “por prazo determinado, o exercício de funções de competência das Agências de Água, enquanto esses organismos não estiverem constituídos”.

Page 54: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AvAnçoS nA GESTão CoMPARTIlhAdA doS RECuRSoS hídRICoS nAS bACIAS doS... 57

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

exercício de funções de competência da Agência de Água”. São Paulo, 2005b. Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/agenciapcj/Contrato-ANA-Consorcio-PCJ-030-05.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2006.

______. Lei n. 9.433/97, de 8 de janeiro de 1997. Institui a política nacional de recursos hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerencia-mento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei n. 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei n. 7.990, de 28 de dezembro de 1989. São Paulo, 1997. Disponível em: <ftp://ftp.sp.gov.br/ftp-comitepcj/Lei9433-97.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2006.

CARMO, R.L. A água é o limite? Redistribuição espacial da população e recursos hídricos no Estado de São Paulo. Tese (Doutorado em Demografia) – Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.

CETESB – Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental. Relatório de qualidade das águas interiores do Estado de São Paulo 2004. São Paulo: 2004a. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/agua/rios/relatorios.asp>. Acesso em: 20 jan. 2006.

______. Renovação da outorga do Sistema Cantareira: Aspectos de qualidade. In: REUNIÃO DO GT – CANTAREIRA, 5., Jundiaí, 11 mar. 2004. Jundiaí: Ciesp, 2004b.

COMITÊ DAS ÁGUAS. Comitê não aprova EIA-RIMA de terme-létrica, n. 10, maio/jun. 2000.

CBH-PCJ – Comitê das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Documentos básicos sobre constituição e funcionamento dos plenários e câmaras técnicas. 2005a.

______. Deliberação conjunta dos comitês PCJ n. 025/05. 21 out. 2005b. Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/CobrancaPCJ/DelibConj025-05.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2006.

______. Deliberação conjunta dos comitês PCJ n. 027/05. 30 nov. 2005c. .Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/CobrancaPCJ/DelibConj027-05.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2006.

______. CNRH aprova cobrança pelo uso da água. Informe eletrô-nico da Secretaria Executiva do CBH-PCJ, dez. 2005d.

______. Deliberação conjunta dos comitês PCJ n. 024/05. 21 out. 2005e. Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/agenciapcj/DelibConj024-05.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2006.

______. Água – 1993-2003. São Paulo: Foco, 2003.

______. Deliberação CBH-PCJ/090/00. 25 fev. 2000. Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/Delib/090-00.htm>. Acesso em: 25 maio 2005.

______. Implantação, resultados e perspectivas. Campinas: Arte Brasil, 1996.

CONEJO, J.G.L. O sistema paulista de gerenciamento de recursos hídricos e a cobrança pelo uso da água. In: THAME, A.C.M. et al. A cobrança pelo uso da água. São Paulo: Instituto de Qualificação e Editoração, 2000.

CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DAS BACIAS DOS RIOS PIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIAí. Consorciados. 2006. Disponível em: <http://www.agua.org.br/>. Acesso em: 31 mar. 2006.

______. Um novo tempo para a gestão das águas. 2005a. Disponível em: <http://www.agua.org.br/AguaViva/agua%20viva%20out-dez.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2006.

______. Cobrança e agência de água completam sistema de gestão das águas. 2005b. Disponível em: <http://www.agua.org.br/AguaViva/agua%20viva%20out-dez.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2006.

______. Região tem 36% de esgoto doméstico tratado. Secretaria Exe-cutiva, 2005c. Disponível em: <http://www.agua.org.br/Html/saneamento2005.htm>. Acesso em: 27 mar. 2006.

______. Cantareira tem gestão compartilhada. Jornal Água Viva, n. 54, jul./set. 2004.

______. A gestão dos recursos hídricos – buscando o caminho para as soluções. Americana, SP: 2003.

______. 11 anos de luta. Americana, SP: 2000.

DAEE. Portaria n. 1213/04. 06 ago. 2004. Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/GT-Cantareira.htm#final>. Acesso em: 15 jun. 2005.

FISCHER, J.T. O rio que sempre foi o oxigênio da região. In: LAHÓZ, F.C.C. (Org.). Malucos pela água. Piracicaba, SP: Asso-ciação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba, Consórcio PCJ, 2000.

HOGAN, D.J.; CARMO, R.L. Distribuição espacial da popu-lação e sustentabilidade: alternativas de urbanização no Estado de São Paulo, Brasil. Idéias, Campinas, Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, ano 8, n. 2, 2001.

IRRIGART – Engenharia e Consultoria em Recursos Hídricos. Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí: a situação dos recursos hídricos 2002-2003. Piracicaba: FEHIDRO/PCJ/CBH-PCJ, 2005.

LOPES, P.D. Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. In: JOHNSSON, R.M.F.; LOPES, P.D. (Org.). Projeto marca d’água: seguindo as mudanças na gestão das bacias hidrográficas do Brasil. Brasília: Finatec, 2003. (Caderno 1: retratos 3 x 4 das bacias pesquisadas.).

MAURO, C.A. Cobrança pelo uso da água e abastecimento público. In: THAME, A.C.M. et al. A cobrança pelo uso da água. São Paulo: Instituto de Qualificação e Editoração, 2000.

Page 55: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

58 MARIA CASTEllAno/FAbIAnA bARbI

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006

MONTICELI, J.J. Modelos de gestão de recursos hídricos: con-sórcio intermunicipal. In: SÃO PAULO (Estado). Coordenadoria de Educação Ambiental. Política e gestão de recursos hídricos no Estado de São Paulo. São Paulo: 1993. (Série Seminários e Debates).

NEPO-NEPUR/UNICAMP. Tabulações especiais Nepo-Nepur/Unicamp dos Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000 - IBGE. Disponível em: <http://www.nepo.unicamp.br/vulnerabilidade/atlas/anexos_condi_socioeconomicas.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2006.

REDE DAS ÁGUAS. A cobrança pelo uso da água poderá ser im-plantada em São Paulo em 2006. Informe Eletrônico da Rede das Águas, dez. 2005. Disponível em: <http://www. rededasaguas.org.br>.

REIS, R.V.S. A gestão das águas no Estado de São Paulo: uma avalia-ção de seus instrumentos e práticas. Monografia – Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas e Cetesb, Campinas, 1999.

SÃO PAULO (Estado). Decreto n. 50.667, de 30 março de 2006. Regulamenta dispositivos da Lei n. 12.183, de 29 de dezembro de 2005, que trata da cobrança pela utilização dos recursos hídricos no Estado de São Paulo, e dá providências correlatas (on-line). Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/GT-Cobran-ca/Decreto-50667-06_pg17.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2006.

______. Lei n. 12.183, de 29 de dezembro de 2005. Dispõe sobre a cobrança pela utilização dos recursos hídricos do domínio do Estado de São Paulo, os procedimentos para fixação dos seus limites, condicionantes e valores e dá outras providências (on- line). Disponível em: <ftp://ftp.sp.gov.br/ftpcomitepcj/Lei-12183-05.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2006.

______. Secretaria do Meio Ambiente. Gestão das águas: 6 anos de percurso. São Paulo: SMA, 1997.

______. Decreto n. 27.576, de 11 de novembro de 1987 (*). Cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, dispõe sobre o Plano Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos e dá outras providências. (*) Alterada pelo Decreto n. 36.787, de 18 maio de 1993. Disponível em: <ftp://ftp.sp.gov.br/ftpcomitepcj/Decreto-27576-87.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2006.

THAME, A.C.M. Fundamentos e antecedentes. In: THAME, A.C.M. et al. A cobrança pelo uso da água. São Paulo: Instituto de Qualificação e Editoração, 2000.

ZAMBELLO, E. Abertura. In: LAHÓZ, F.C.C. (Org.). Malucos pela água. Piracicaba, SP: Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba, Consórcio PCJ, 2000.

Maria Castellano

Mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo. ([email protected])

Fabiana barbi

Cientista Social pela Universidade Estadual de Campinas. ([email protected])

Artigo recebido em 10 de abril de 2006. Aprovado em 23 de maio de 2006.

Como citar o artigo:CASTELLANO, M.; BARBI, F. Avanços na gestão compartilhada dos recursos hídricos nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 46-58, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

Page 56: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

Este artigo traz resultados parciais de projeto de pes-quisa apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, na modalidade Políticas Públicas. O mesmo tem como objetivo a incorporação de mecanismos de negociação de conflitos na gestão ambiental, focando o desenvolvimento de uma agenda ambiental para o Porto de Santos.

A metodologia adotada consiste no desenvolvimento de uma proposta de roteiro para a agenda ambiental portuária, estabelecida por consenso entre a agência estadual de controle da poluição, Companhia de Tecnolo-gia de Saneamento Ambiental – Cetesb, e a autoridade portuária, Companhia Docas do Estado de São Paulo – Codesp; no passo seguinte, na incorporação de outros interlocutores estratégicos (prefeituras e setor da pesca); e na abertura posterior do processo de diálogo, a interlocutores variados na região. Paralelamente, serão oferecidas oficinas de capacitação em negociação ambiental, desenvolvidas com base na metodologia de nego-ciação proposta pelos trabalhos do Instituto de Construção de Consensos (Consensus Building Institute, projeto mantido pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology e pela Harvard Law School).

A idéia apresentada aos interlocutores, de quem se espera colaboração, é de construir o avanço para um novo estágio de gestão ambiental das atividades portuárias, promovendo a melhoria da qualidade ambiental em

Resumo: O artigo relata os trabalhos de negociação ambiental relativos ao Porto de Santos, nos quais estão envolvidas a Autoridade Portuária e a Agência Ambiental do Estado de São Paulo, discutindo as oportunidades para articular alianças promotoras da sustentabilidade.

Palavras-chave: Negociação ambiental. Gestão ambiental portuária. Portos e sustentabilidade.

Abstract: The article describes environmental negotiation process about the Port of Santos, in which participate the Port Authority and the State of Sao Paulo Environment Agency. There is a discussion about opportunities to promote sustainable coalitions.

Key words: Environmental negotiation. Ports environmental management. Ports and sustainability.

Negociação ambieNtal em Áreas PortuÁrias e susteNtabilidade

Icaro aronovIch da cunha

Page 57: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

60 IcArO ArONOvIch dA cuNhA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

sua área de influência por meio de esforços comuns baseados no diálogo.

A construção de diálogo e cooperação para enfren-tar situações de difícil equacionamento tem como con-trapartida, nessa visão, a abertura de informações e a possibilidade de participação dos diferentes segmentos da sociedade no processo de definição e acompanha-mento de planos ambientais e seus resultados.

A agenda em construção tem como elementos centrais um arrolamento abrangente e criterioso de todos os aspectos de interesse para a melhoria das condições ambientais na área de influência das ativi-dades portuárias; o reconhecimento das respectivas responsabilidades dos diferentes setores intervenien-tes; o estabelecimento de planos de ação e de seus ca-lendários, vinculados inclusive à criação de condições de viabilidade econômica/financeira; e a definição de metas de qualidade ambiental para os ambientes na-turais e construídos.

A orientação geral para o conjunto da agenda está na idéia de desenvolvimento sustentável, de forma que se entenda a resolução dos conflitos existentes como abertura de novas oportunidades econômicas, associadas à melhoria das condições ambientais, à su-peração de fatores de estrangulamento de certas ati-vidades cujos potenciais são afetados negativamente pela falta de planejamento integrado, e às ações de recuperação ambiental.

As possibilidades de parcerias serão exploradas, aproveitando tendências e oportunidades ligadas ao campo das ações de responsabilidade social das em-presas, que vem se expandindo e pode ser regional-mente orientado por critérios socioambientais; bem como a diversos casos de medidas de compensação ambiental ligadas aos licenciamentos de projetos de expansão portuária, cuja implantação possa ter sua gestão otimizada.

As articulações já desenvolvidas estimulam uma expectativa positiva em relação à adesão de novos interlocutores ao processo de diálogo. Há resultados positivos do diálogo fundador da agenda, entre por-to e agência ambiental, capazes de abrir perspecti-vas estimulantes para estes novos interlocutores, no sentido de serem ouvidos e terem suas demandas levadas em conta.

SuStentabilidade e negociação de conflitoS

O processo de desenvolvimento predatório ultrapas-sa os limites ecológicos sem garantir oportunidades a todos os grupos da população. A produção de es-cassez é uma ameaça não apenas para as próximas gerações: é realidade atual, que se pode constatar na simultaneidade dos males do uso perdulário dos recursos ambientais com o não atendimento às ne-cessidades básicas de amplos contingentes humanos (CMAD, 1988).

Os trabalhos de Ignacy Sachs trouxeram elementos que qualificam as proposições feitas no artigo Nosso futuro comum, apontando dimensões orientadoras para o desenvolvimento a partir da idéia de sustentabilida-de ecológica de Constanza:

um relacionamento entre sistemas econômicos dinâmicos e sistemas ecológicos maiores e também dinâmicos, embora de mudança mais lenta, em que: a) a vida humana pode con-tinuar indefinidamente; b) os indivíduos podem prosperar; c) as culturas humanas podem desenvolver-se; mas em que d) os resultados das atividades humanas obedecem a limites para não destruir a diversidade, a complexidade e a função do sistema ecológico de apoio à vida (COnSTAnzA apud SACHS, 1993).

São cinco as dimensões de sustentabilidade a con-siderar no planejamento: sustentabilidade social, uma busca de maior eqüidade da distribuição de renda; sustentabilidade econômica, com alocação e gestão mais eficientes dos recursos e fluxo regular de inves-timentos; sustentabilidade ecológica, uma limitação no uso de recursos esgotáveis e atividades ambiental-mente prejudiciais; sustentabilidade espacial, evitan-do a destruição de ecossistemas frágeis e garantindo a proteção da biodiversidade; e sustentabilidade cul-tural, de forma a promover mudanças que traduzam o conceito normativo de sustentabilidade em uma pluralidade de soluções particulares, que respeitem as especificidades de cada ecossistema, cultura e local (SACHS, 1993).

Mais recentemente, Sachs sublinhou a centralida-de da preocupação com a geração de oportunidades para inclusão social pelo trabalho dentro da lei. Países

Page 58: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

NEGOcIAçãO AmbIENTAl Em ÁrEAS POrTuÁrIAS E SuSTENTAbIlIdAdE 61

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

como o Brasil vivem as mudanças impulsionadas pelo processo de globalização com a marca da exclusão: as economias em desenvolvimento são arquipélagos de empresas modernas com alta produtividade do traba-lho, imersas num oceano de atividades de produtivi-dade baixa ou muito baixa. A maior parte do PIB, diz Sachs, vem do arquipélago; enquanto a maior parte das pessoas “nadam no oceano, tentando sobreviver” (SACHS, 2004, p.31).

O interesse das empresas numa evolução em di-reção à sustentabilidade guarda outros significados. Almeida (2002) alinha-se com Porter (1999) ao en-tender que as empresas têm ganhos ao incorporar a gestão ambiental, reduzindo seus custos por utiliza-rem menos recursos naturais e diminuírem suas per-das na forma de resíduos.

A sustentabilidade empresarial vem da combinação entre ecoeficiência e responsabilidade social, segundo Almeida, para quem uma boa imagem ambiental é um ativo intangível da empresa. nessa visão, hoje no Brasil as licenças ambientais são decididas pela socie-dade, em função dos mecanismos participativos que cercam a política ambiental, o que torna a reputação ambiental um valor estratégico para a obtenção de legitimidade (AlMEIDA, 2002).

Tais abordagens valorizam a questão da negocia-ção de conflitos como parte de um esforço pró sus-tentabilidade. Sachs (2002) fala da necessidade de construir uma gestão negociada e contratual dos re-cursos ambientais, enquanto a teoria dos stakeholders na administração de negócios indica a necessidade de a empresa negociar os conflitos que surgem com moradores, grupos de consumidores, ambientalis-tas, agências de governo, fornecedores e outros seg-mentos de alguma forma influentes, participando de jogos caracterizados pela interdependência estraté-gica entre os diferentes atores (AnDrADE, 2000; AlMEIDA, 2002).

Os conflitos socioambientais podem ser entendi-dos como disputas entre diferentes grupos humanos, decorrentes das relações desses grupos com o am-biente em função dos distintos usos que do mesmo fazem (lITTlE, 2001). A política ambiental brasilei-ra – que se caracteriza por contar com um repertório amplo de instrumentos técnicos e jurídicos, avança-

dos em vários aspectos – carece ainda de mecanismos de resolução destes conflitos (lEIS, 1999).

conflitoS ambientaiS daS atividadeS PortuáriaS

no Brasil, a zona de costa vive, nas recentes décadas, um processo de (re)ocupação, no qual os portos se somam como pólos de atração à instalação de par-ques industriais, à abertura de estradas e aos proces-sos de expansão imobiliária nos espaços próximos a conjuntos de praias com forte atratividade turística (MOrAES,1999; BArrAgAn MuñOz, 2005).

As atividades portuárias estão na origem de am-plas transformações dos ambientes regionais, e car-regam constantemente vasto potencial de impactos. As dragagens e a disposição dos materiais dragados somam-se neste rol a acidentes ambientais com der-ramamento de produtos; geração de resíduos sóli-dos; contaminações por lavagens de embarcações e drenagens de instalações; introdução de organismos exóticos nocivos embarcados em outras partes do Planeta, nas águas de lastro dos navios; e lançamento de efluentes líquidos e gasosos. Projetos de expan-são de instalações portuárias acarretam alterações na dinâmica costeira, induzindo processos erosivos e alterações na linha de costa a partir da supressão de manguezais e outros ecossistemas costeiros, aterros e dragagens; alterações na paisagem; e comprometi-mento de outros usos dos recursos ambientais, como turismo, pesca ou transporte local (CIrM, 1998; POrTO; TEIxEIrA, 2002).

O papel dos portos na dinâmica territorial vai além. Os portos são infra-estruturas estruturantes, como assinala Barragan Muñoz (1995; 2005): por seu papel de elos entre circuitos econômicos desenvolvi-dos no interior do território e fluxos comerciais ex-ternos concretizados através do transporte marítimo, determinam a (re)configuração de malhas territoriais, articulando-se a outros modais de transporte e dife-rentes regiões produtivas.

Em áreas portuárias, os usos das águas estão na base da dinâmica territorial, assumindo papel central na vida das cidades, desafiadas pelas mudanças pro-dutivas e tecnológicas dos portos a redesenharem-se e

Page 59: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

62 IcArO ArONOvIch dA cuNhA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

reinventarem-se como paisagem, espaço urbano, meio de sobrevivência e socialização, lugar com identidade própria na rede global (FErrEIrA; CASTrO, 1999; MEyEr,1999). Historicamente, as cidades portuárias alternam ciclos de maior e menor integração com seus portos, ora deles vivendo, ora sobrevivendo a eles.

agenda ambiental Portuária local: Promovendo PactoS de Qualidade

A política ambiental brasileira tardou em reconhecer a importância dos portos como fenômenos de modi-ficação dos ambientes regionais. A agenda ambiental portuária data de 1998, articulando as áreas de meio ambiente e transportes através das políticas de ge-renciamento Costeiro e de Modernização dos Portos (CIrM, 1998). Esta agenda propõe o desenvolvi-mento de um modelo de gestão ambiental portuária pautado nas políticas de meio ambiente, recursos do mar e recursos hídricos, orientando-se ainda pelas convenções internacionais e pelo Plano nacional de gerenciamento Costeiro. As propostas de ampliação dos portos devem compatibilizar-se com o zonea-mento ecológico-econômico da costa, e os Planos de Desenvolvimento e zoneamento devem ser concebi-dos de acordo com os planos diretores municipais e propostas de revitalização de áreas portuárias.

A partir dessa política geral, o Ministério do Meio Ambiente e a Agência nacional de Transportes Aquaviários – AnTAQ começam a promover a ela-boração de agendas ambientais locais por parte dos portos. A idéia central sobre o desenvolvimento deste instrumento é que a agenda local seja um plano de ação pactuado com os principais atores regionais, o que significa estruturar um diálogo com as agências ambientais, governos locais, movimentos ambienta-listas e outros grupos de interesse, pescadores e ou-tros segmentos econômicos diretamente interessados na atividade portuária e/ou em seus desdobramentos nos ambientes de utilização comum.

AbordAgens pArA umA gestão negociAdA

Em Santos, o desenvolvimento da agenda ambiental do porto se dá como um processo de

concertação com base na abordagem dos ganhos mútuos, conjunto de orientações presente nos trabalhos dos pesquisadores do Consensus Building Institute (SuSSkInD; FIElD, 1997; SuSSkInD et al., 2000).

Tal visão coloca a possibilidade de construção de jogos de negociação visando a resultados de soma positiva, em que todos os interessados podem obter ganhos. recomenda-se, para tanto, que o negocia-dor coloque-se no lugar do outro e visualize os re-sultados que lhe interessam. Dessa forma é possível compor uma zona de possível acordo, cotejando os objetivos dos diversos atores. Esta pauta deve orientar a organização das conversações e tratativas, numa dinâmica em que é essencial desenvolver arti-culações, organizar coalizões, de forma a ampliar as condições de diálogo e convencimento do conjunto de interlocutores.

Essa dinâmica de diálogo e busca de entendimentos leva em conta, ainda, que os diferentes agentes econô-micos utilizam recursos comuns, de distintas formas.

Trata-se de dimensão que leva a incorporar abordagens como a de Ostrom e Mackean (2001), que vão buscar nas sociedades tradicionais exem-plos de mecanismos de decisão sobre recursos de uso comum, ou recursos de propriedade compar-tilhada, conjuntos de cuja indivisibilidade depen-dem os serviços por eles prestados às sociedades humanas, como florestas produtoras de água ou mares cujas condições de qualidade permitem a renovação de cardumes essenciais ao sustento de certos grupos humanos.

Para estas autoras, as sociedades modernas deve-riam reconhecer que a propriedade privada de de-terminados bens, longe de se contrapor a regras de prudência ecológica que representam limites ao uso de certos recursos, encontra complementaridade na existência de recursos de propriedade compartilhada, em relação aos quais o único uso racional é aquele definido coletivamente, com parâmetros que mantêm a integridade do patrimônio comum.

A convivência das atividades portuárias com ou-tras economias, utilizando, por exemplo, os canais estuarinos, que também servem à pesca tradicional,

Page 60: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

NEGOcIAçãO AmbIENTAl Em ÁrEAS POrTuÁrIAS E SuSTENTAbIlIdAdE 63

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

enseja uma visão de gestão compartilhada de recur-sos comuns, como base em processos negociados.

sAntos: rumo à modernizAção AmbientAl do mAior porto brAsileiro

A motivação para o processo de diálogo em torno da agenda ambiental portuária em Santos vem da percep-ção de que os instrumentos de gestão em uso eram limitados, por ocasião da situação de impasse em torno da licença ambiental para a atividade de dragagem no Estuário de Santos e São Vicente. O Porto de Santos e o Terminal da Cosipa, em Cubatão, tiveram de paralisar esta atividade em 2001, em função da contaminação dos sedimentos do estuário com substâncias tóxicas, em especial em algumas regiões. Estes materiais eram movimentados no trabalho de dragagem e depois des-pejados no mar, defronte ao guarujá. Comprovado seu potencial de contaminação, a agência ambiental condicionou a liberação da atividade à caracterização dos sedimentos movimentados a cada campanha de dragagem e também ao monitoramento dos pontos de disposição e comprovação de manutenção de parâme-tros ambientais ali adequados.

O referido impasse decisório associado a essa ação de controle deveu-se à inexistência de padrões para se-dimentos na legislação brasileira, o que viria a ser con-tornado em 2004, mediante processo de negociação de-senvolvido no interior do Conselho nacional de Meio Ambiente – Conama que resultou na resolução 344.

O Porto de Santos viria a ser autorizado a dragar, já que a poluição, certamente vinculada em boa parte aos despejos industriais em anos pretéritos na região de Cubatão, não é tão acentuada na região do canal de navegação diretamente ligada a este porto, enquanto no Canal de Piaçagüera, acesso ao Terminal da Cosi-pa, registram-se concentrações de substâncias tóxicas em níveis críticos. Aquela instalação portuária partiu para elaborar alternativa mais complexa – e mais cara – de gerenciamento da dragagem e disposição dos materiais, ainda em fase de licenciamento. Santos pôde retomar a dragagem com esquemas de gestão mais sofisticados que os tradicionalmente praticados, que incluem uma rotina de retirada e despejo de ma-

teriais em espaços alternados e monitoramento cons-tante, com dados fornecidos on-line para a Cetesb.

Aderindo à proposta de discussão de sua agenda ambiental, a área de meio ambiente da Codesp reali-zou, em parceria com a unisantos, um seminário sobre o Plano de Desenvolvimento e zoneamento – PDz do Porto de Santos. Foi a primeira ocasião em que o porto abriu-se à discussão pública de seus aspectos ambien-tais, convidando como interlocutores as diversas agên-cias com algum papel de controle de suas operações, os sindicatos e segmentos empresariais representados no Conselho de Administração Portuária.

uma primeira pauta de tópicos para aperfeiçoa-mento da gestão ambiental do porto foi desenhada, incluindo a necessidade de equipar a sua superinten-dência de meio ambiente e qualidade, e estudar for-mas de rever os contratos de arrendamento em que as questões ambientais não foram incluídas. uma des-crição não sistemática de focos de poluição existentes na área do porto foi esboçada, apontando questões como presença de vetores (ratos, pombos) atraídos por restos de cargas. Apareceram também questões ligadas à necessidade de contar-se com um novo pa-drão de desempenho das agências ambientais, sendo uma das lacunas mais gritantes a inexistência de um zoneamento ecológico-econômico regional que pu-desse fornecer diretrizes para os planos de expansão da atividade portuária.

Tornava-se visível para os participantes das discus-sões que a área de meio ambiente da Codesp, a DCQ, enfrenta conflitos internos, tendo sérias dificuldades para participar dos processos de planejamento e opera-ção, o que reforça os obstáculos ao exercício do papel de coordenação das ações de gestão ambiental no conjunto do porto, preconizado pelo documento normativo da agenda ambiental portuária oriundo da CIrM.

o diálogo codesp – cetesb e seus primeiros resultAdos

Iniciado o trabalho de discussão da agenda ambien-tal local, foi estabelecida a estratégia de construir ini-cialmente uma pré-agenda, um roteiro estabelecido por consenso entre a DCQ/Codesp e a Cetesb, com apoio de facilitação a cargo da unisantos, como base para a ampliação gradativa do grupo organizador

Page 61: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

64 IcArO ArONOvIch dA cuNhA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

da agenda local com incorporação de interlocutores prioritários (prefeituras, segmento da pesca, Ibama regional, entidades empresariais, sindicatos, entidades participantes mais ativamente do Conselho de Meio Ambiente local). Os avanços no processo de diálogo deram lugar a vários acordos específicos que, por sua vez, incentivam a prosseguir e ampliar o trabalho.

O primeiro desafio foi organizar uma pauta de discussões com a qual ambas as equipes se identifi-cassem e que pudessem reconhecer como algo ade-quado às suas expectativas, ao mesmo tempo em que experimentavam o processo de diálogo. Num primei-ro tempo deste exercício, ambas as instituições apre-sentaram suas visões sobre os conteúdos da pauta de discussão, trazendo a descrição das situações-pro-blema e a apresentação das expectativas em relação aos conteúdos a desenvolver numa agenda ambiental para o porto.

Com base nestas apresentações, foram identifi-cados tópicos estruturadores: revisão dos procedi-mentos de gestão, listagem das fontes de poluição, identificação dos passivos ambientais, as tensões por-to/cidade e seu equacionamento numa perspectiva de sustentabilidade. Alguns exemplos dos entendi-mentos que começaram a ser estabelecidos ajudam a visualizar os campos de interesse nessa discussão.

O prazo para as licenças de dragagem era um as-sunto tão incômodo para a DCQ/Codesp quanto aparentemente difícil de ser abordado: algo delicado entre interlocutores que alternavam encontros para dialogar sobre uma agenda em construção com ou-tros em que se discutiam solicitações de licença am-biental, exigências a serem incluídas nas mesmas, en-fim se exercitavam papéis formais muito diferentes, no jogo de comando e controle. Quebrado o gelo, e exposta a incomodidade com a exigüidade do pra-zo, do ponto de vista gerencial de uma estatal que a cada contrato de dragagem deve fazer uma licitação – a primeira licença fora expedida para vigorar por um ano – a reação dos técnicos da Cetesb foi ines-perada: a primeira licença foi estabelecida com prazo muito curto, basicamente por tratar-se de um novo campo de atuação para a agência, desconhecendo-se as possíveis evoluções posteriores no relacionamento gerencial com a Codesp. não há, agora, problemas

em passar a trabalhar com prazos mais confortáveis, depois da experiência já acumulada.

Outro passo de um acordo relativo à gestão da dragagem avançou várias reuniões depois, represen-tando, desta vez, uma proposta da Cetesb. A ten-são em torno deste processo de controle associa-se basicamente, como assinalado, às dificuldades de conciliação dos procedimentos gerenciais da esta-tal portuária (licitação, contratação, fiscalização dos contratos etc.) com os prazos das análises e decisões da agência ambiental.

O pessoal da Cetesb trouxe o exemplo de Ro-terdã para sugerir um outro modelo que atenda a ambas as demandas, agregando agilidade de proce-dimentos. Qual o caminho? O porto estuda áreas alternativas para despejo dos materiais dragados e submete à agência ambiental um plano plurianu-al de dragagem, em que cada tipo de sedimento removido (classificado pelo seu grau de contami-nação) é destinado a uma diferente zona de dispo-sição final. Depois, a cada ano, define os pontos a dragar e fornece à agência a caracterização dos sedimentos correspondentes. A agência licencia-dora basicamente irá deliberar sobre a alternativa para a destinação dos sedimentos, pois estará de posse de todos os elementos necessários à avalia-ção. A agilidade decisória aparece como objetivo compartilhado, que pode ser almejado por ambas as partes, com incorporação das inovações de ges-tão necessárias.

Outro exemplo é a integração entre as equipes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e recur-sos Naturais Renováveis – Ibama, órgão executivo da política ambiental federal, e da Cetesb. Identificou-se, numa reunião, considerável fonte de perda de energia e tempo no fato de o pedido de licença global de re-gularização do porto estar tramitando junto ao Ibama em Brasília, sem diálogo com a agência estadual – a quem compete a licença da dragagem de manutenção, entre outros temas.

Para a reunião seguinte, articulou-se a presença da equipe do Ibama responsável pela análise do pedido de licença. nova surpresa positiva: ambiente de fran-ca cooperação, troca imediata de informações sobre procedimentos, acesso a termos de referência para

Page 62: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

NEGOcIAçãO AmbIENTAl Em ÁrEAS POrTuÁrIAS E SuSTENTAbIlIdAdE 65

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

elaboração de documentos informativos do processo, decisão de implantar uma câmara técnica integrada trazendo vantagens a todos os envolvidos em termos de eficácia e economia de tempo e energias.

trabalhando o entroSamento entre aS agênciaS ambientaiS

Como se vê dos pontos pré-acordados para o po-lêmico tópico da dragagem, o que garante a adesão renovada ao processo de diálogo é que o mesmo tem como foco as melhorias no processo de gestão abran-gendo atitudes e procedimentos de ambas as partes, atividade econômica e atividade de controle ambien-tal. Diferentemente de adotar-se uma visão manique-ísta, ingênua, que seria a de uma postura de cobrança unilateral sobre o porto, como se não houvesse o que melhorar no campo das agências ambientais.

Ao contrário, o roteiro da pré-agenda vem incluin-do vários aspectos sobre os quais se considera prio-ritário estabelecer processos de revisão e/ou cons-trução de cooperação. Há lacunas de competência de fiscalização na interface navio/porto; campos não resolvidos relativos ao enquadramento das águas nos espaços portuários e uma longa estrada a percorrer, estabelecendo entrosamento entre as muitas agências com alguma função de gestão ambiental: órgãos fe-derais, estaduais e municipais, de recursos hídricos, de planejamento, de proteção ao patrimônio, de con-trole do desmatamento, de controle da poluição, de controle sanitário, de articulação metropolitana, de unidades de conservação, de avaliação de impactos ambientais, entre outros.

uma demanda estratégica, nesse campo do en-trosamento das políticas, está na construção de um padrão nacional uniforme para o licenciamento dos portos. Santos e rio grande, portos com projeção econômica e que já trilham o caminho da construção da conformidade ambiental, denunciam a concor-rência perversa com outros portos brasileiros que não estão submetidos aos mesmos padrões de exi-gências, praticando preços de fretes diferenciados, numa competição predatória em que a tolerância com práticas negativas do ponto de vista ambiental vira vantagem econômica.

Outro aspecto que a discussão da agenda permi-te trabalhar está no paralelismo entre a fiscalização sobre cada terminal de empresa privada operadora, a cargo da agência estadual, e sobre o conjunto do porto, que fica por conta do Ibama, que chamou a si o licenciamento dos portos brasileiros. Ambas as ações concorrem para a regularização ambien-tal dos portos, que tem como data limite o ano de 2008. Até aqui, uma meta só atingida pelo Porto de rio grande.

De posse de suas licenças, é freqüente que os ges-tores ambientais das empresas que operam terminais entendam não ter muitas razões para preocupar-se com a situação de regularidade geral do porto, o que se desdobra em comportamentos de indiferença ou baixo nível de cooperação com a área de meio am-biente da Autoridade Portuária.

O processo de discussão da agenda deverá escla-recer estes atores sobre a complementaridade entre ambas as situações: cada porto deve ter planos de soluções globais, para disposição e tratamento de resíduos, prevenção e atendimento a emergências, recebimento de águas de lastro etc. Obras de infra-estrutura, como acessos para cargas, dependem igual-mente da situação de regularidade ambiental do porto para serem agilizadas.

Em vários aspectos, cada terminal dependerá, na execução de seus próprios planos de gestão, do avanço nas soluções globais para o porto em que se inserem. A falta de uma visão abrangente sobre a ges-tão do porto e, talvez, uma cultura técnica exagerada-mente focada nos aspectos internos de cada empresa parecem estar na origem deste tipo de comportamen-to dos gestores ambientais das empresas.

do conflito à cooPeração: PlanoS de emergência com ParticiPação da comunidade

Um exemplo positivo de cooperação interinstitucio-nal, para gerar soluções diante de desafios mais com-plexos na convivência porto-cidade, está na questão das emergências ambientais. Dezesseis terminais de produtos químicos e a Codesp são objetos do programa de gerenciamento de riscos da Cetesb que, desde o final da década de 1990, vem promo-

Page 63: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

66 IcArO ArONOvIch dA cuNhA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

vendo medidas de segurança para evitar acidentes nas operações com substâncias perigosas (químicos, petroquímicos, oleosos), e para garantir que existam adequados planos para atendimento a emergências. Destacam-se como espaços de interesse as aglome-rações de terminais especializados da Ilha Barnabé e da Alemôa.

Os terminais devem ter seus planos individuais de emergência, além de esquemas de cooperação orga-nizados para somar meios humanos e materiais em grandes ocorrências, dentro do modelo de planos de auxílio mútuo.

Um novo desafio é envolver a população das vi-zinhanças de instalações perigosas. no Terminal da Alemôa, fronteiriço à Via Anchieta na entrada de Santos, iniciou-se a experiência do Apell – Awareness and Preparedness for Emergencies at Local Level, plano pro-posto pelo Programa de Meio Ambiente das nações unidas para a preparação de respostas a acidentes ambientais tecnológicos. A organização de um con-junto de atividades para que exista alerta e preparação para emergências em nível local, incluindo a partici-pação e treinamento das comunidades potencialmen-te afetadas por ocorrências como grandes incêndios e explosões, depende de uma ampla articulação envol-vendo governo local, órgãos de atendimento a emer-gências, agências ambientais e as próprias lideranças da comunidade.

O Apell é uma iniciativa voluntária da empresa, pois envolve a abertura das informações sobre os riscos ao público, algo entendido nessa metodologia como um direito e uma necessidade para que existam esquemas eficazes que garantam o afastamento de to-dos em casos de acidentes, sem ocorrência de pânico coletivo. No caso da Alemôa, a experiência em desen-volvimento se apóia na adesão da Petrobrás Trans-porte – Transpetro, que já disponibilizou no interior do grupo de coordenação os estudos de análises de riscos do seu terminal aquaviário, motivada pela ex-periência positiva desenvolvida em São Sebastião, onde funciona seu maior terminal. uma das tarefas do grupo será organizar uma adequada comunicação dos riscos aos diferentes públicos.

O trabalho vive a fase inicial, que consiste em de-senvolver um plano de emergência para afastamento

rápido na eclosão de um acidente de grande porte, de baixíssima probabilidade em função das medidas pre-ventivas implantadas, mas ainda assim possível. Essa operação envolverá necessariamente trabalhadores das empresas vizinhas da aglomeração de terminais líquidos, caminhoneiros e moradores de bairros vizi-nhos, a quem se deve garantir esquemas de retirada ou somente de informação para evitar o pânico, mas sempre com treinamentos. Trata-se de esquema de alta complexidade, envolvendo, entre outros aspec-tos, um plano de tráfego para uma via de acesso ao porto que fica fortemente congestionada em perío-dos de escoamento de safras.

aceSSo à informação e relaçõeS de confiança

O caso do atendimento a emergências é uma situ-ação-limite que coloca todos os atores diante da necessidade de administrar, de forma cooperativa, situações de fato. limitar-se aos papéis tradicionais de agência que faz controle ambiental – aquela que exige providências mediante licenças ou penalidades – e empresa controlada, que se atém à busca da con-formidade legal, não dá conta da proteção às vidas de numerosos moradores e trabalhadores, em condições de crescimento desordenado das malhas urbanas en-trelaçadas às instalações portuárias, até mesmo por inexistência em épocas anteriores de mecanismos de gerenciamento ambiental que abrangessem a questão dos riscos.

A área de meio ambiente da Codesp vem incor-porando a importância da informação aberta ao pú-blico para estruturar processos de diálogo. nessa li-nha, desenvolveu o que vem sendo chamado de PDZ Ambiental, ou um capítulo de meio ambiente para in-serção no Plano de Desenvolvimento e zoneamento do Porto, cujos conteúdos serão disponibilizados ao público na seqüência dos trabalhos de discussão da agenda ambiental. Partindo da autoridade portuária, surge um rol abrangente das questões ambientais re-lacionadas à vida do porto, para compor um plano de trabalho que poderá ser acompanhado – e cobrado – por todos os setores interessados.

O Estudo de Conflitos Legais e Socioambientais para Ocupação do Solo em Área Destinada à Atividade Por-

Page 64: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

NEGOcIAçãO AmbIENTAl Em ÁrEAS POrTuÁrIAS E SuSTENTAbIlIdAdE 67

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

tuária, já encaminhado ao Departamento de Avaliação de Impactos Ambientais da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, elenca informações sobre ocupação do solo e cobertura vegetal, áreas de preservação permanente, patrimônio histórico e arqueológico, fontes de poluição, atividades de pesca artesanal, zoneamentos municipais. Coteja o atual PDz do porto com estes dados e apre-senta uma carta síntese de conflitos socioambientais.

Os conflitos identificados incluem dois aspectos de localização de projetos de expansão. Casos de competição pelo espaço com comunidades instaladas de forma mais ou menos irregular – como no Sítio Conceiçãozinha, em guarujá, onde uma população que inclui pescadores tradicionais disputa a frente de água na vizinhança do terminal da Cargill Agrícola S.A. Casos em que o conflito se refere à destinação de preservação natural ou cultural de certas áreas pre-tendidas para implantação de terminais.

A coexistência dos canais portuários com rotas de pesca de cinco comunidades de pescadores artesanais é assinalada e localizada. Conflitos de operação envolvem casos de poluição – como as emissões aéreas das ope-rações com granéis sólidos no Terminal de Fertilizantes, ou a perda de produtos ao longo das vias de acesso; ou situações de riscos de acidentes. São identificados con-juntos naturais, como o largo de Santa rita ou o largo do Caneu, que mantêm boas condições para manuten-ção de vida marinha e avifauna, ou para reprodução de peixes e crustáceos, servindo de ponto de pesca artesa-nal, o que concorre com o tráfego portuário.

no centro de Santos, as disparidades porto-cidade se dão em sítio histórico, incluído em projetos de re-qualificação urbana. Outro exemplo de conflito por-to-cidade se dá no Corredor de Exportações, vizinho ao bairro da Ponta da Praia dessa mesma cidade, face aos incômodos das emanações de odores e à atração de pragas urbanas, como pombos e ratos.

No conjunto, são mapeados 11 conflitos de expan-são portuária e 12 conflitos de operações. A matriz de fontes de poluição elencou dados de 17 faixas de cais. Várias dessas situações têm soluções sendo implanta-das, enquanto outras permanecem ainda sem contro-le (COnSulTOrIA PAulISTA, 2006).

Estas informações se somam a outras, já costu-meiramente divulgadas, como os avanços em certi-

ficação ambiental dos diferentes terminais, que no conjunto do porto já englobam 19 sistemas de gestão orientados pelas normas da série ISO 14000.

O tratamento da agenda a estes tópicos será apre-sentar para cada um a informação clara sobre a situ-ação, as responsabilidades correspondentes, as pro-postas de prazos para os investimentos necessários à superação progressiva dos aspectos ambientais ne-gativos. Exemplos de boas práticas merecerão trata-mento especial, visando reforçar a idéia de que este é o caminho para a expansão da economia portuária.

exPandindo o ProceSSo de diScuSSão e entendimento: há razõeS Para eSPerar colaboração?

nos debates iniciais sobre as questões ambientais liga-das ao Porto de Santos, antes relatados, diversos depoi-mentos traziam uma imagem difusa, de senso comum, tratando do porto como um emaranhado de situações praticamente insolúveis em termos de gestão ambien-tal, uma caixa preta de dimensões insuspeitadas.

Na dinâmica de conflitos, o desconhecimento so-bre os riscos gera agressividade do público, sendo to-mado como uma imposição de ameaça por parte de ator com grande poder (SuSSkInD; FIElD, 1997). no caso, este ator é o porto, este polvo que vai ocu-pando vorazmente os espaços das cidades e do estu-ário, com seus pátios de cargas.

Para os administradores do Porto Organizado, visan-do a uma redução do índice de conflito, deixar para trás essa etapa seria algo vantajoso, pois a possibilidade do aceso às informações demonstra senso de responsabi-lidade e sensibilidade em relação aos outros interesses. Por esse caminho, poderá tornar-se possível ao públi-co entender que o volume das operações portuárias e o poder de seus administradores são grandezas diferentes, devendo os administradores lidar com as dificuldades orçamentárias e burocráticas habituais no Brasil.

A agenda deverá naturalmente, no devido tem-po, servir de base para uma consulta a organismos financiadores, visando a viabilização de um plano de qualidade ambiental que nascerá – desde que a agenda avance com sucesso – com aval de diferentes segmentos regionais, o que agrega diversas vantagens

Page 65: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

68 IcArO ArONOvIch dA cuNhA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

para a confiabilidade na execução dos investimentos propostos. Para o porto, este horizonte é importante para ampliar as possibilidades de superação dos gar-galos financeiros que emperram sua capacidade de responder às exigências ambientais.

Para as empresas que operam terminais e apostam na certificação como principal estratégia ambiental de negócios, o requisito de conformidade legal, sempre cobrado nas auditorias periódicas, pode se solidificar com a evolução geral do porto. Os depoimentos reco-lhidos no trabalho de pesquisa sobre gestão ambiental portuária junto a gestores dos portos de rio grande, São Sebastião e Santos indicam ser uma tendência que se fortalece, no contato com os agenciadores das gran-des cargas, a demanda por padrões avançados de ges-tão ambiental dos portos, já sendo hoje uma agregação de valor para os negócios portuários poder ostentar um novo patamar de desempenho nesse campo.

Essa dinâmica se alimenta das demandas do sistema de gestão ambiental da série ISO 14000, cuja adoção se desdobra na questão do ciclo de vida dos produtos, o que acaba por remeter importadores e exportadores a verificar os diferentes elos da cadeia logística.

As empresas que buscam construir um estágio mais avançado em termos de relações de confiança com o público em contextos conflitantes ligados a instalações perigosas, como a Petrobras, têm no pro-cesso da agenda uma vertente auxiliar estratégica. Trata-se de enfrentar os ciclos de refluxo na mobili-zação de energias das diferentes instituições envolvi-das na organização de planos de resposta a acidentes. A empresa, sem concurso dos órgãos públicos – em especial o governo local, a quem se liga a Defesa Civil – não consegue operar a implantação e manutenção de ações como as do Plano Apell. Mas arcará com todos os ônus e agravos de imagem que decorram de qualquer acidente com conseqüências de grandes proporções. nesse sentido, será fundamental o acrés-cimo de visibilidade que a agenda trará ao Apell.

Evidentemente, os diferentes segmentos da popu-lação regional terão benefícios a esperar com os ga-nhos em segurança e qualidade ambiental decorren-tes das ações concertadas por meio da agenda. Em específico, diferentes grupos, como os de pescadores artesanais, terão aí um ambiente favorável a con-

quistar reconhecimentos de seus direitos e articular parcerias que podem apoiar projetos de capacitação para novas estratégias de geração de renda ligadas ao turismo, programas de aqüicultura e outros.

As agências ambientais governamentais sofrem constantemente um forte desgaste com o conflito as-sociado às decisões de licenciamento, freqüentemen-te desacreditadas em seu rigor – ocasionando por ve-zes iniciativas judiciais – e pressionadas de outro lado pelas críticas dos segmentos empresariais ao tempo tomado pelas decisões. Como visto no caso da draga-gem, uma comunicação desarmada entre as partes fa-vorece a compreensão mútua das dificuldades decisó-rias e o amadurecimento de inovações gerenciais que poderão permitir análises mais eficazes e rápidas.

Evidentemente, haverá numerosas razões para que interesses diversos e até contraditórios com es-sas perspectivas busquem manter os padrões tradi-cionais de administração da situação. O desafio de um trabalho de concertação também deve incluir o entendimento destes interesses e a abertura de alter-nativas a seus protagonistas.

PortoS da mata atlântica: buScando coalizõeS SuStentáveiS

O baixo nível de eficácia da gestão ambiental pública nos compartimentos da costa se liga à desarticulação entre as diferentes burocracias. Especial atenção deve ser dada à falta de combinação dos diferentes instru-mentos de gestão ambiental, com destaque para o des-colamento entre controle ambiental e planejamento.

Os portos, deixados por muito tempo à margem de uma gestão ambiental abrangente, passam a ser focos de ações de controle, que têm natureza fortemente con-flitante. Falta repertório de resolução destes conflitos, o que se agrava sempre que os gestores portuários, do setor público ou privado, demonstram pouco domínio do jogo institucional da administração ambiental.

Esse padrão de desempenho dos diferentes atores conduziu a impasses decisórios, uma situação de per-plexidade que pode ser aquilatada pela manifestação de ninguém menos que o Presidente da república, proclamando recentemente a necessidade de “um pacto entre a Codesp e a Cetesb”, nos assuntos de

Page 66: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

NEGOcIAçãO AmbIENTAl Em ÁrEAS POrTuÁrIAS E SuSTENTAbIlIdAdE 69

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

meio ambiente, para superar o emperramento dos investimentos necessários à expansão dos negócios portuários (A Tribuna, 1 set. 2006).

Com seu papel estruturador da dinâmica territo-rial, portos como os da costa de São Paulo influen-ciam não apenas os ambientes marinhos em exten-sões consideráveis, mas também ecótonos terrestres das zonas de entorno das unidades de conservação da Mata Atlântica.

Sendo pólos dinâmicos das economias regionais, os portos têm no desenvolvimento das agendas am-bientais locais a possibilidade de articulação de alian-ças pró-qualidade ambiental, em que surjam novas oportunidades de sinergias entre distintos ramos econômicos, inclusive combinando-se setores tradi-cionais a outros do campo das tecnologias mais dinâ-micas na presente configuração econômica.

Interessa verificar se este é um caminho para mu-dar a configuração das tradicionais alianças regionais, em que as operações portuárias compõem, no jogo de conflitos, um bloco de interesses de caráter predató-

rio, devastador, que articula novos acessos de cargas e passageiros desenhados e implantados sem prudên-cias ecológicas, uso especulativo do território e pólos produtivos de alto impacto, num padrão de organiza-ção dos assentamentos caracterizado pela segregação espacial dos mais pobres e pela desestruturação de modos alternativos, tradicionais, de sobrevivência.

O cenário positivo do ponto de vista da susten-tabilidade articula portos com padrões avançados de gestão ambiental, planos territoriais que garantem usos múltiplos dos recursos ambientais, com amplia-ção do papel do turismo e resgate de culturas tradi-cionais como base para novas formas de produção.

Acompanhar a experiência das agendas ambien-tais portuárias locais permitirá verificar se pode prosperar a hipótese de as mesmas tornarem-se base para a articulação de coalizões sustentáveis, alianças que sejam promotoras de novas economias mais harmônicas em relação aos patrimônios ambientais regionais, e capazes de impulsionar a inserção social pelo trabalho dentro da lei.

referências bibliográficas

AlMEIDA, F. O bom negócio da sustentabilidade. rio de Janeiro: nova Fronteira, 2002.

AnDrADE, J.C. Conflito, cooperação e convenções: a dimensão político-institucional das estratégias socioambientais da Ara-cruz Celulose S.A. (1990-1999). Tese (Doutorado) – Escola de Administração da uFBA, Salvador, 2000.

BArBIErI, J.C. Gestão ambiental empresarial. São Paulo: Saraiva, 2004.

BArrAgAn MuñOz, J.M. La gestión de áreas litorales en España y Latinoamérica. Cádiz: universidad de Cádiz, 2005.

______. Puerto, ciudad y espacio litoral en la Bahía de Cádiz. Salaman-ca: Autoridad Portuaria de la Bahía de Cádiz, 1995.

CÂMArA PAulISTA DO SETOr POrTuÁrIO. Gestão ambiental no contexto do desenvolvimento regional. São Paulo: Cetesb, 1996a.

______. Memória técnica. São Paulo: Cetesb, 1996b.

CIrM – Comissão Interministerial para os recursos do Mar. Agenda ambiental portuária. Brasília: 1998.

CMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvol-vimento. Nosso futuro comum. rio de Janeiro: Editora da Fundação getúlio Vargas, 1988.

CETESB – Companhia Estadual de Saneamento Ambiental. Relatório sistema estuarino de Santos e São Vicente. Santos: 2001.

______. Plano de controle ambiental do Porto de Santos: levantamento das fontes poluidoras. Santos: 2000.

COnSulTOrIA PAulISTA. Estudo de conflitos legais e socioam-bientais para ocupação do solo em área destinada à atividade portuária. Santos: 2006.

CUNHA, I. Conflitos ambientais das atividades portuárias e política de gerenciamento costeiro. In: JunQuEIrA, l. (Org.) Desafios da modernização portuária. São Paulo: Aduaneiras, 2002.

CunHA, I.; MOSSInI, E. O Estuário de Santos como cenário de negociação ambiental. In: EnAnPAD, 26., Salvador, set. 2002. Anais... Salvador: Associação nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, 2002.

DIEguES, A.C. Ecologia humana e planejamento em áreas costeiras. São Paulo: nuPAuB/uSP, 1996.

FErrEIrA, V.M.; CASTrO, A. Cidades de água – a lenta descoberta da frente marítima de lisboa. In: FErrEIrA, V.M.;

Page 67: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

70 IcArO ArONOvIch dA cuNhA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006

Icaro aronovIch da cunha

Sociólogo, Doutor em Saúde Ambiental, Professor do Mestrado em Gestão de Negócios da Universidade Católica de Santos.([email protected])

Artigo recebido em 10 de abril de 2006. Aprovado em 15 de maio de 2006.

Como citar o artigo:CunHA, I.A. negociação ambiental em áreas portuárias e sustentabilidade. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 59-70, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; < http://www.scielo.br>.

InDOVInA, F. (Org.). A cidade da Expo’ 98: uma reconversão da frente ribeirinha de lisboa? lisboa: Bizâncio, 1999.

lEIS, H. um modelo político-comunicativo para superar o impasse do atual modelo político-técnico de negociação am-biental no Brasil. In: CAVAlCAnTI, C. (Org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez/ recife: Fundação Joaquim nabuco, 1999.

LITTLE, P. Os conflitos socioambientais: um campo de estudo e ação política. In: BurSzTIn, M. (Org.). A difícil sustentabili-dade – política energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: garamond, 2001.

MAgAnO, C. Proteção ambiental e a lógica dos negócios por-tuários. In: CunHA, I.(Org.). Portos no ambiente costeiro. Santos: leopoldianum, 2004.

MC kEAn M.A.; OSTrOM, E. regimes de propriedade comum em florestas: somente uma relíquia do passado? In: DIEguES, A.C.S.; MOrEIrA, A.C.C. Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: nuPAuB / uSP, 2001.

MEyEr, H. City and port – Transformation of port cities: lon-don, Barcelona, new york, rotterdam. utrecht: International Books, 1999.

MInISTÉrIO DOS TrAnSPOrTES. Política ambiental do Ministério dos Transportes. Brasília: 2002.

MIrAnDA, l.B. O sistema estuarino de Santos. In: CÂMArA PAulISTA DO SETOr POrTuÁrIO. Memória técnica. São Paulo: Cetesb, 1996.

MMA – Ministério do Meio Ambiente. Agenda ambiental portuária – Qualidade ambiental e atividade portuária. Brasília: 2005.

MOrAES, A.C.r. Contribuições para a gestão da zona costeira do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1999.

OLMOS, F. et al. Manguezais da Baixada Santista – uma área prioritária para a conservação da Biodiversidade. In: CÂMArA PAulISTA DO SETOr POrTuÁrIO. Memória técnica. São Paulo: Cetesb, 1996.

POrTEr, M. Competição: estratégias competitivas essenciais. 3. ed. rio de Janeiro: Campus, 1999.

POrTO, M.; TEIxEIrA, S.g. Portos e meio ambiente. São Paulo: Aduaneiras, 2002.

RODRIGUES, F. et al. Os manguezais da Baixada Santista: uma proposta para classificação. In: CÂMArA PAulISTA DO SETOr POrTuÁrIO. Memória técnica. São Paulo: Cetesb, 1996.

rODrIguES, J.; VAz, J. Porto de Santos – uma década de transformações. Santos: Codesp/ unisanta, 2001.

SACHS, I. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. rio de Janeiro: garamond, 2004.

______. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 2. ed. rio de Janeiro: garamond, 2002.

______. Estratégias de transição para o século XXI - Desenvolvimen-to e meio ambiente. São Paulo: Studio nobel / Fundap, 1993.

SCF – Sustainability Challenge Foundation. Selected Readings. 1st. International Programme on the Management of Sustainability. Países Baixos: Nijenrode Business School, 1994.

SuSSkInD, l.; FIElD, P. Em crise com a opinião pública. São Paulo: Futura, 1997.

SuSSkInD, l.; lEVy, P.; THOMAS-lArMEr, J. Negotiating environmental agreements. MIT – Harvard Public Disputes Program. Washington: Island Press, 2000.

Page 68: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

A s reservas da biosfera representam mais do que uma fi gura tradicional de conservação ambiental. A visão tradicional de gestão das áreas protegidas tende, em muitos casos, a considerar o ambiente natural isoladamente, desconectando-o do seu contexto ecológico, social, econômico e cultural. Embora esta perspectiva convencional tenha contribuído signifi cativamente com a conser-vação da natureza, é crescente o consenso em favor da necessidade de se ampliar o alcance do conceito.

Neste sentido, a conservação transita por uma fase de reorientação. Ganham espaço os enfoques que consi-deram os sistemas de co-gestão, que negociam os interesses e os confl itos dos diferentes atores com o propó-sito de se conciliarem os objetivos de conservação e de desenvolvimento. A implementação destes enfoques, contudo, constitui um enorme desafi o, com implicações jurídicas, institucionais e administrativas. Para que esta reorientação teórica seja operativa na prática, deve-se modifi car substancialmente a participação e o papel dos grupos interessados no processo de tomada de decisão (JAEGER, 2005).

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar como o marco de gestão constituído pela Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo contribui com a gestão sustentável integrada da região, especialmente no que se refere à manutenção de seus serviços ambientais e do bem-estar humano.

Palavras-chave: Reserva da biosfera. Serviços ambientais. Bem-estar humano.

Abstract: This article aims at explaining how the Sao Paulo City Green Belt Biosphere Reserve management framework can contribute with the region’s integrated sustainable management, especially as regards its ecosystem services and human well-being.

Key words: Biosphere reserve. Environmental services. Human well being.

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA

A GESTÃO INTEGRADA DA CIDADE, SEUS SERVIÇOS AMBIENTAIS E O BEM-ESTAR HUMANO

ELAINE APARECIDA RODRIGUES

RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR

BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

Page 69: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

72 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

Seguindo essa perspectiva atual e inovadora, as reservas da biosfera, criadas pelo Programa o Homem e a Biosfera – MAB, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, baseiam-se em um conceito que aponta explicitamente para a conciliação en-tre conservação e desenvolvimento, convergindo com os novos rumos que orientam estas ques-tões na atualidade.

A Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Ci-dade de São Paulo – RBCV abrange integralmente a Região Metropolitana de São Paulo e Baixada San-tista e, parcialmente, as Regiões Administrativas de Campinas, Registro, São José dos Campos e Soroca-ba, abrigando importantes serviços ecossistêmicos, como recursos hídricos, fl orestais, gêneros agrícolas, controle de desastres naturais, aspectos culturais, etc. Por sua vez, estes serviços estão vinculados ao coti-diano metropolitano e são infl uenciados por vetores diretos e indiretos de alteração ambiental, gerados pelo mesmo aglomerado urbano.

Neste contexto, o objetivo do presente artigo é avaliar como a aplicação do conceito de reserva da biosfera contribui para a conservação dos serviços ambientais e o bem-estar humano no meio urbano e periurbano. A metodologia utilizada é a investi-gação qualitativa dos indicadores de planejamen-to e gestão das reservas da biosfera e da gestão integrada, por meio de um estudo de caso. Nesta perspectiva, a RBCV foi analisada, a partir de sua descrição, da avaliação de sua estrutura em relação ao conceito de reservas da biosfera e do enfoque ecossistêmico.

O referencial teórico da Avaliação Ecossistêmica do Milênio – AM (ALCAMO et al., 2003) e do conceito de reserva da biosfera constituem o modelo conceitual para o estudo de caso (UNESCO, 1996; 2003a).

Este artigo está organizado em quatro partes, além dessa introdução. A primeira apresenta as bases conceituais sobre serviços ambientais e o ecossiste-ma urbano. A segunda defi ne o conceito de reservas da biosfera e sua aplicação nos sistemas urbanos. Na terceira seção é analisada a RBCV enquanto marco conceitual de gestão integrada. Por fi m, a quarta apre-senta as conclusões do artigo.

OS ECOSSISTEMAS, SEUS SERVIÇOS E O AMBIENTE URBANO

O enfoque ecossistêmico foi defi nido na segunda reunião das Partes Contratantes da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB (2ª Reunião Yakarta, novembro de 1995) como “uma estratégia para o ma-nejo integrado de terras, extensões de água e recursos vivos que promove a conservação e o uso susten-tável de modo eqüitativo” (CDB/PNUMA, 1999a; 1999b). O enfoque por ecossistemas, no contexto da CDB, baseia-se na investigação dos processos do ecossistema e suas funções, com ênfase nos proces-sos críticos ecológicos, que requerem modelagem por grupos multidisciplinares, aplicação ao desenvolvi-mento sustentável e às práticas de manejo de recursos (PNUMA, 1996). O conceito de serviços ambientais é parte desta discussão e representa os benefícios que os indivíduos obtêm dos ecossistemas (DAILY apud ACAMO et al., 2003; COSTANZA et al., 1997), sen-do importante lembrar que o ser humano integra este complexo de interações e depende do fl uxo desses serviços para sua sobrevivência e bem-estar.

De acordo com Alcamo et al. (2003), os serviços ambientais podem ser categorizados de diversas for-mas. Para as fi nalidades operacionais deste artigo, op-tou-se pela classifi cação em linhas funcionais (Qua-dro 1), compreendendo os benefícios de provisão (alimentos, água, madeira, fi bras), de regulação (cli-ma, controle de inundações e doenças, qualidade da água), culturais (recreacionais, estéticos, espirituais, educacionais) e os serviços de suporte (formação do solo, fotossíntese, ciclagem de nutrientes).

Se por um lado existe uma demanda crescen-te pelos serviços ambientais, por outro ocorre uma degradação cada vez mais aguda da capacidade que os ecossistemas têm para proporcioná-los. A própria falta de conhecimento constitui uma das barreiras à proteção do patrimônio natural.

Partindo da premissa de que a humanidade de-pende fundamentalmente do fl uxo dos serviços am -bientais, o programa intergovernamental Avalia ção Ecossistêmica do Milênio confi gura o maior esforço já empreendido de diagnóstico dos ecossistemas do planeta. Este processo objetivou trazer ao conhe-

Page 70: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 73

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

cimento público o quanto às alterações ambientais interferem no bem-estar humano desta e de outras gerações, quais os possíveis cenários futuros que podem ser enfrentados e as opções de respostas para seus problemas (ALCAMO et al., 2003; MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005).

A AM defi niu quatro escalas geográfi cas de ava-liação. A escala global foi coberta pelo processo de avaliação global; já as escalas regionais (ou subcon-tinentais), de bacias hidrográfi cas e locais (comuni-dades, parques, etc.) são abordadas pelas avaliações subglobais. A principal conclusão desta avaliação é que a sociedade humana pode diminuir as pressões que exerce sobre os serviços naturais do planeta. To-davia, a sua utilização predatória contribui para alte-rar a funcionalidade dos ecossistemas, resultando em perdas crescentes, sinérgicas e acumulativas.

Considerando a humanidade parte integrante dos ecossistemas (CDB, 2001), o meio urbano confi gura-se, ao mesmo tempo, em habitat do ecossistema humano e em grande gerador de vetores de alteração ambiental, evidenciando a relevância das tendências demográfi cas.

A população urbana mundial saltou de aproximada-mente 200 milhões (aproximadamente 15% da popula ção

mundial) em 1900 para 2,9 bilhões em 2000 (cerca de 50% dos habitantes do planeta). Nesse mesmo ano, 388 cidades do mundo já possuíam mais de 1 milhão de habitantes (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005). Tanto a falta de compreensão da extensão dos impactos de uma cidade como o desconhecimento da abordagem ecossistêmica para a gestão urbana, contribui para que as cidades onerem o meio ambiente e o bem-estar de parcela substantiva da população do planeta.

De acordo com a AM (2005), quatro fatores prin-cipais comprometem a discussão sobre os serviços ambientais no meio urbano: • são providos por processos complexos e

insufi cientemente compreendidos, ocorridos, na maioria das vezes, além dos limites urbanos;

• são de difícil apropriação e comercialização por parte de agências privadas;

• são de difícil gestão e regulação por parte das agências públicas; e

• aqueles grupos que mais dependem dos serviços ambientais são social e fi sicamente mais vulne-ráveis e tendem a ser econômica e politicamente menos infl uentes.Devido à complexidade do espaço urbano, sua

gestão sustentável necessita de mudanças estruturais

Quadro 1

Serviços dos Ecossistemas

Fonte: Adaptado de Alcamo (2003, p. 57).

S erviços de P rovis ão S erviços de R egulação S erviços Culturais

Produtos obtidos dos ecossistemas Benefícios obtidos pela regulação dos processos ecossistêmicos

Benefícios não-materiais obtidos dos ecossistemas

– Alimento – Regulação climática – Espiritual e religioso

– Água – Controle de doenças – Recreação e ecoturismo

– Combustível – Regulação hídrica – Estético

– Fibra – Purificação da água – Inspiração

– Bioquímicos – Polinização – Educacional

– Recursos genéticos – Pertencimento ao lugar

– Herança cultural

– Formação do solo – Ciclagem de nutrientes – Produção primária

Serviços necessários para a produção de todos os outros serviços do ecossistema

S erviços de S uporte

Page 71: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

74 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

nas concepções de planos e de políticas públicas, desenvolvendo processos de gestão participativos. Embora o enfoque de gestão das áreas protegidas considerando a dimensão humana não constitua ne-nhuma novidade (JAEGER, 2005), em geral, esses instrumentais ainda são timidamente aplicados. Dentro do programa MAB da Unesco, as reservas da biosfera se baseiam em um conceito que aponta explicitamente para a conciliação da conservação e do desenvolvimento, numa perspectiva socioam-biental integradora.

RESERVAS DA BIOSFERA: UM MARCO CONTEMPORÂNEO PARA A GESTÃO DAS CIDADES

O programa intergovernamental MAB da Unesco iniciou-se em 1971, quando ainda não eram evidentes os esforços para conciliar a conservação e o desenvolvimento. As re-servas da biosfera, criadas em 1976, constituem elemento essencial do programa. São laboratórios vivos designados por governos nacionais para a experimentação e demonstração da gestão integrada da terra, água e biodiversidade, aplican-do in situ os conceitos do programa.

As reservas da biosfera permanecem sob a juris-dição soberana de cada país, compartilhando suas

idéias e experiências no âmbito da Rede Mundial de Reservas da Biosfera (UNESCO, 1996, 2006b).

Jaeger (2005) descreve a síntese da criação do pro-grama MAB e das reservas da biosfera, apresentadas neste artigo em linhas gerais. Esta evolução é retratada na Figura 1, que ilustra os principais acontecimentos e datas da história das reservas da biosfera, refl etindo, ao mesmo tempo, a evolução do programa MAB.

O reconhecimento crescente da necessidade de conceitos integrados e o escasso êxito de sua imple-mentação na prática constituíram a base para a Con-ferência Internacional sobre Reservas da Biosfera, em 1995, em Sevilha, Espanha. A Estratégia de Sevilha, elaborada nesta conferência, recomenda ações para o futuro desenvolvimento das reservas da biosfera no século XXI. Esta conferência também defi niu o Marco Estatutário da Rede Mundial de Reservas da Biosfera (UNESCO, 1996).

Conceitualmente, as reservas da biosfera consti-tuem sítios destinados a explorar e demonstrar enfo-ques da conservação e do desenvolvimento sustentá-vel em escala regional (JAEGER, 2005). De acordo com o Marco Estatutário (UNESCO, 1996), suas funções são: • conservação: contribuir para a conservação das paisa-

gens, ecossistemas, espécies e diversidade genética;

Figura 1

Marcos na Evolução do Programa MAB

Fonte: Price apud Jaeger (2005).

ConferênciaIntergovernamental

sobre a Biosfera1968

Grupo de Trabalhosobre as

reservas da biosfera1974

Congressode Minsk

1983

Conferência de Pamplona

2000

1971Lançamento do

Programa

MAB

1995Conferênciade Sevilla

1976Lançamento daRede Mundialde Reservas da Biosfera

Page 72: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 75

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

• desenvolvimento: impulsionar um desenvolvimento econômico e humano que seja sustentável do pon-to de vista social, cultural e ecológico;

• apoio logístico: apoiar projetos demonstrativos, de edu-cação e capacitação em temas ambientais, além da investigação e observação permanente dos aspec-tos locais, regionais, nacionais e globais vinculados à conservação e ao desenvolvimento sustentável.O artigo 4 do referido documento dispõe sobre o

sistema de zoneamento das reservas da biosfera, que inclui as áreas núcleo dedicadas à proteção a longo prazo, as zonas de amortecimento circundante e as zonas exteriores de transição. A participação e a inte-gração dos diferentes atores devem ser facilitadas na concepção e execução das funções da reserva.

No ano de 2000, em Pamplona, Espanha, realizou-se a reunião conhecida como Sevilla + 5, com o objetivo de verifi car a implementação da Estratégia de Sevilha e identifi car prioridades, obstáculos e temas emergentes (UNESCO, 2000a). Em Sevilla + 5, foi enfatizado que o envolvimento da população local constitui a chave de êxito ou fracasso de qualquer reserva. As revisões periódicas das reservas devem ser fortalecidas buscan-do, ao mesmo tempo, seu envolvimento no marco de acordos multilaterais sobre meio ambiente.

O entendimento atual sobre a conservação pos-sibilita que as reservas cubram regiões de extrema complexidade socioambiental, conferindo-lhes novas opções de gestão, integrando mosaicos, corredores ecológicos, cordilheiras, biomas transfronteiriços e sistemas urbanos.

O programa MAB é reconhecido como o primei-ro esforço internacional para considerar as cidades como sistemas ecológicos (CELECIA, 2006). Os marcos conceituais e enfoques metodológicos desen-volveram-se a partir da experiência de mais de uma centena de projetos interdisciplinares de planejamen-to e de gestão, iniciados na década de 1970, nas reser-vas da biosfera. Embora, desde o início do progra-ma, as reservas em áreas urbanas fossem declaradas, poucas estabeleceram a cidade como referência para a sua gestão.

A Unesco empreendeu algumas iniciativas para o preenchimento dessa lacuna, destacando-se os seguintes marcos:

• elaboração do documento Application of the Biosphere Reserve Concept to Urban Areas and Their Hinterlands (UNESCO, 1998), ensejando a criação do Grupo Urbano do MAB;

• contribuições do Columbia Unesco Program on Biosphere and the Society (Cubes);

• constituição do Grupo Urbano do MAB, em 2001, para a construção do referencial sobre criação e gestão de Reservas da Biosfera Urbanas – RBUs. Em decorrência do programa Cubes da Unesco,

foi desenvolvido um programa piloto para a implementação do conceito de reserva da biosfera na Cidade do Cabo, África do Sul. O mesmo programa também promoveu, em 2003, na cidade de Nova Iorque, a realização do seminário Urban Biosphere and Society – Partnership of Cities sobre o uso do conceito de reserva da biosfera enquanto ferramenta apropriada para a gestão urbana/periurbana integrada.

Neste evento, foram apresentadas as experiências de Cidade do Cabo, Roma, Nova Iorque, Seul, Dar-es-Salaam (Tanzânia), Estocolmo e Kristianstad (Suécia), Chicago, Nova Orleans, São Paulo, entre outras (UNESCO, 2004). Algumas dessas cidades interessaram-se na declaração de suas RBUs, sendo que a cidade sueca de Kristianstad foi reconhecida como RBU em 2005. Já no âmbito da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, as cidades de Recife e Florianópolis implementaram iniciativas piloto de gestão nos moldes conceituais das RBUs.

Desde sua criação em 2001, o Grupo Urbano do MAB fomenta a criação de novas reservas, ao mesmo tempo em que auxilia as reservas existentes na me-lhor utilização do seu potencial de gestão ambiental urbana. O grupo é responsável pela elaboração de importantes documentos de trabalho sobre a temáti-ca, destacando-se: Ornam Biosphere Reserves in the context of the Statutory Framework and the Seville Strategy for the World Network of Biosphere Reserves (UNESCO, 2003a); e Urban Biosphere Reserves – A Report of the MAB Urban Group (UNESCO, 2006a).

Em termos conceituais, as RBUs são defi nidas como

reservas caracterizadas por importantes áreas urbanas den-tro ou adjacentes a seus limites, onde os ambientes natural,

Page 73: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

76 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

socioeconômico e cultural são moldados por infl uências e pressões urbanas. São estabelecidas e geridas para a miti-gação dessas pressões com vistas à melhoria da sustentabili-dade urbana e regional (UNESCO, 2003a).

Em Unesco (2006a) encontra-se importante refe-rencial sobre conceitos, critérios e propostas de cria-ção e gestão de RBUs. Segundo o mesmo documen-to, para que uma RBU tenha signifi cado, deve agregar benefícios tangíveis para uma área urbana, tais como estrutura de gestão consistente e não confi gurar-se apenas como mais uma esfera administrativa. Para tanto, a comunidade do MAB deve reconhecer as contribuições únicas que tais ambientes podem ofe-recer às funções das reservas da biosfera.

O referido documento ainda elenca uma série de características desejáveis às RBUs, destacando-se: • reconhecimento do valor e dos serviços ofereci-

dos pelo ambiente urbano; • existência e implementação de um plano para a

conservação da biodiversidade urbana, bem como dos seus serviços ambientais;

• demonstração local de interesse na conservação da natureza e compromisso dos governos locais e regionais no sentido de internalizar as questões am-bientais nas políticas sociais e de desenvolvimento;

• práticas inovadoras com benefícios ambientais tais como telhados verdes, políticas de água e energia, gestão de resíduos e restauração urbana;

• escala adequada para a gestão ecossistêmica com atenção às dinâmicas temporais;

Figura 2

Categorias das Reservas da Biosfera Urbanas

Fonte: Adaptado de Unesco (2003a, p. 3).

C ategoria 1Reserva da Biosferado Cinturão Verde Urbano

C ategoria 2Reserva da Biosferade Corredor Verde Urbano

C ategoria 3Reserva da BiosferaMultinucleada Verde Urbana

C ategoria 4Reserva da Biosferade Região Urbana

A cidade é envolta pela reserva da biosfera, que ajuda a proteger as áreas verdes do processo de urbanização e expansão urbana

Corredores verdes dentro da cidade permitem a interligação entre áreas verdes externas à cidade, que caso contrário, correriam o risco de ficarem isoladas.

Parques e outros ambientes naturais dentro ou fora da cidade são combinados em um agrupamento.

Uma região inteira, incluindo centro e periferia, estão inseridos dentro da reserva da biosfera.

Page 74: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 77

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

• capacidade de pesquisa e educação para investigar os processos e respaldar as políticas urbanas;

• explorar práticas e modelos para a redução da exclusão social em áreas urbanas e periurbanas por meio de ações de conservação ambiental (UNESCO, 2006a).Conforme defi nido pelo Grupo Urbano do MAB

(UNESCO, 2003a), as RBUs podem enquadrar-se nas seguintes categorias: a) Reserva da Biosfera do Cinturão Verde Urbano; b) Reserva da Biosfera do Corredor Verde Urbano; c) Reserva da Biosfera Mul-tinucleada Verde Urbana; e d) Reserva da Biosfera de Região Urbana (Figura 2).

Para Celecia (2006), o programa MAB exerce im-portante infl uência no desenvolvimento e aplicação de enfoques ecológicos em sistemas urbanos e em outros assentamentos humanos, na aceitação do con-ceito de ecossistema aplicado à cidade e na sensibili-zação de grande número de protagonistas no meio urbano para a ecologia urbana como estratégia holís-tica e integradora, orientada à solução de problemas.

O conceito de reserva da biosfera e sua aproxima-ção ao contexto urbano, estabelecem as bases para um planejamento integrado dos sistemas urbanos e periurbanos, possibilitando a visualização de suas equivalências com outros sistemas ecológicos, pois evidencia uma série de características que, em con-junto, conferem unicidade ao ecossistema urbano e periurbano.

Para facilitar o entendimento dos conceitos apre-sentados, a próxima seção discorre sobre a imple-mentação da RBCV.

POR QUE UMA RESERVA DA BIOSFERA AO REDOR DE SÃO PAULO?

O processo de formação da RBCV emanou de um grande movimento popular na década de 1980, que reuniu 150 mil assinaturas em resistência à Via Peri-metral Metropolitana Urbana (versão anterior do atu-al Rodoanel) que, simultaneamente, solicitava a decla-ração do cinturão verde como reserva da biosfera.

O Instituto Florestal – IF foi responsável pela ela-boração da documentação técnica-científi ca e pelo en-caminhamento do processo, enquanto órgão estadual

gestor da maioria das áreas protegidas, que passariam a constituir a zona núcleo da Reserva. Em 1994, a Unes-co declarou a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo – RBCV, como integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, criada em 1991 e de abrangência interestadual. As duas reservas da biosfera são consideradas interdependentes unindo-se por meio de seus sistemas de gestão, porém mantendo identidades e focos de atuação próprios.

A RBCV abrange 73 municípios, abarcando duas regiões metropolitanas praticamente inteiras (Região Metropolitana de São Paulo e Baixada Santista) e par-cialmente as regiões de Sorocaba, São José dos Campos, Registro e Campinas; várias bacias e sub-bacias hidro-gráfi cas; inúmeras unidades de conservação; áreas culti-vadas e cerca de 23 milhões de habitantes, o equivalente a mais de 10% da população brasileira (Quadro 2).

A defi nição dos limites da RBCV considerou os as-pectos sistêmicos do metabolismo metropolitano, abar-cando uma área em que ocorrem relações de troca entre o Cinturão Verde e as cidades que ele circunda. A natu-reza dessa troca, entretanto, é bastante desequilibrada. O foco da RBCV é o estabelecimento desse ponto de equilíbrio: que o cinturão consiga, por tempo indetermi-nado, assegurar a conservação da biodiversidade de suas áreas e o bem-estar de sua população proporcionando serviços ambientais de seus ecossistemas e, em contra-partida, harmonizar a relação e diminuir a pressão da cidade sobre seu entorno. Nesse sentido, são descritas a seguir as principais linhas de ação da RBCV bem como seu sistema de gestão, visando a sustentabilidade deste signifi cativo espaço urbano e periurbano.

GESTÃO E AÇÕES DA RBCV

O sistema de gestão da RBCV (Figura 3) defi ne suas funções, objetivos e instâncias representativas, assegu-rando-lhe sustentabilidade ao longo do tempo.

O sistema de gestão foi estabelecido a partir da Deliberação n. 01 de 04/05/2005 de seu Conselho de Gestão, criado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC e Decreto Estadual n. 47.094, de 18 de setembro de 2002. A Figura 3 ilustra o en-volvimento do Ministério do Meio Ambiente – MMA por meio da Comissão Brasileira do Programa MAB

Page 75: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

78 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

Quadro 2

Informações Gerais sobre a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde – RBCV da Cidade de São Paulo

Item Número / informação

Área (somente RBCV) 1.540.032 hectares

Área urbana envolvida pelo cinturão verde 220.279 hectares

Área (RB + área urbana) 1.760.311 hectares

Instituição Declaração da UNESCO em 9 de junho de 1994, como parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica; coordenação executiva do Instituto Florestal da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

População total 23 milhões de habitantes

Número de municípios 73 (setenta e três)

Regiões administrativas RMSP e RMBS (integralmente) e, parcialmente, as regiões de Sorocaba, São José dos Campos, Registro, Campinas

Área total de vegetação 614.288 hectares

Tipos principais de vegetação Floresta Atlântica Ombrófi la Densa e Semidecidual, Contato Savana - Floresta Ombrófi la Densa, Cerrado, Campos Naturais, Florestas de Altitude, Restingas, Manguezais

Superfície de reservatórios 64.517 hectares

Bacias hidrográfi cas Integralmente: Alto Tietê e Baixada Santista; parcialmente: Sorocaba, Médio Tietê e Piracicaba.

Sistemas de abastecimento de água Oito sistemas de abastecimento somente na região metropolitana, além de outros (incluindo Baixada Santista) que fornecem água para mais de 20 milhões de habitantes

Unidades de conservação estaduais deproteção integral

12 parques estaduais, 1 reserva biológica, 1 reserva estadual e 1 estação ecológica(Área total = 220.422 hectares)

Unidades de conservação de uso sustentável / outras categorias de áreas protegidas

25 áreas tombadas, 10 áreas de proteção ambiental(Área total aproximada = 50.000 hectares)

PIB da região Aproximadamente 20% PIB em relação ao país

Área de refl orestamento com espécies exóticas 118.889 hectares

Fonte: RBCV (2003).

– Cobramab, colegiado responsável pelo planejamen-to, coordenação e supervisão no Brasil das atividades relacionadas ao programa. A mesma fi gura também ilustra a estrutura do Sistema de Gestão da RBCV, composto por três instâncias: o Conselho de Gestão, o Bureau e a Secretaria.

O Conselho de Gestão tem a missão de propor e acompanhar a gestão da reserva, por meio de defi ni-ção de políticas e estratégias capazes de implementar ações concretas para a conservação ambiental, o de-senvolvimento sustentável e a qualidade de vida das

populações envolvidas em sua área de abrangência, e confi gurar-se como um fórum capaz de incorporar as demandas e propostas dos mais variados segmentos da sociedade, promovendo a gestão participativa pre-ceituada pelo programa MAB.

O Conselho de Gestão da RBCV é composto por 34 membros, sendo 17 representantes de instâncias governamentais e 17 representantes de instâncias não-governamentais. Os representantes da bancada governamental são: seis representantes de governos municipais; dois representantes do Instituto Florestal;

Page 76: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 79

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

uma representação da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo; do Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica; da Empresa Metropoli-tana de Planejamento do Estado de São Paulo (Empla-sa); da Empresa de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp); da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb); do Ministério Público Estadual; da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma); da Secretaria da Casa Civil; do Ministério do Meio Ambiente; do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) governamental.

Já em relação aos representantes não governamen-tais tem-se: uma representação do setor primário, ocu-pada pela Federação de Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp); do setor secundário, ocupada pela Fede-ração das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); do setor terciário, ocupada pela Associação Comer-cial; do Comitê da Bacia Hidrográfi ca do Alto Tietê; do Comitê da Bacia Hidrográfi ca da Baixada Santista; do Comitê da Bacia Hidrográfi ca dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí; da bancada não-governamental do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema);

Figura 3

Sistema de Gestão da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde – RBCV da Cidade de São Paulo

Fonte: Elaboração dos autores.

Reconhecido por Leis e Decretos federais

34 membros (17 governamentais e

17 não-governamentais)

Define a política geral e o Plano

de Ação da RBCV

Delibera sobre os assuntos da RBCV

Esfera Execut iva

do Conselho

9 membros

CONSELHO DE GESTÃO

(SUB-COMITÊ ESTADUAL RBMA)

SECRETARIA

(Instituto Florestal

de São Paulo)

Coordenador da RBCV

(Governo do Estado)

8 funcionários (servidores públicos e equipe de projetos)

Implementa a políticageral e o Plano

de Ação da RBCV

Implementa osprogramas e

projetos da RBCV

Designado pelo Instituto Florestal

COORDENADORDA RBCV

(Governo do Estado)

BUREAU

PRESIDENTE DO CONSELHO DE

GESTAO DA RBCV

(Sociedade Civil ou Governo)Selecionado entre

os membros do Conselho

Governo Brasileiro

MMA

UNESCO

Rede Mundial de Rbs

Rede IberoMab

Rede Ibero-Americana de Rbs

Cobramap

RB Mata Atlântica

RB do Cinturão Verde da Cidade

de São Paulo

RB Pantanal

RB Cerrado

RB Caatinga

RB Amazonia Central

RB Serra do Espinhaço

Page 77: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

80 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

duas representações da comunidade científi ca; duas de moradores da região; três de ONGs atuantes na região e três convidados do comitê transitório da RBCV.

O bureau da RBCV é uma instância executiva do conselho de gestão. Suas atribuições incluem o apoio ao gerenciamento de recursos, a representatividade pública da Reserva, a elaboração do planejamento de atividades, a organização de reuniões do conselho e o encaminhamento de questões para sua deliberação.

A secretaria, com a função de coordenação execu-tiva, está a cargo do Instituto Florestal da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo. Essa coordenação tem o papel de propor e executar programas e proje-tos no âmbito da RBCV, assessorar seu conselho de gestão e executar as políticas por este defi nidas.

Os principais documentos norteadores da RBCV são o sistema de gestão; o regimento interno, com as

normas e procedimento do sistema e suas instâncias; e o plano de ação da RBCV, com orientações sobre as atividades da RBCV.

PLANO DE AÇÃO DA RBCV

A agenda de atuação da RBCV é dada principalmen-te por seu plano de ação, que consiste na consolida-ção das ações, projetos e programas norteadores da Reserva para sua implementação enquanto RBU. O plano abarca 19 ações divididas em cinco classes de prioridade.

A elaboração do plano de ação foi uma das prin-cipais contribuições do bureau da RBCV, confi gu-rando-se em seu referencial estratégico de gestão. A construção do plano ocorreu em três etapas distin-tas. Primeiro, a condução do processo de avaliação

Quadro 3

Plano de Ação da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde – RBCV da Cidade de São Paulo

Grupo 1: Ações prioritárias de baixa/média difi culdade (realização imediata)

• Realização de estudos de interesse de atores envolvidos na área da RBCV; • Continuidade do Programa de Jovens-Meio Ambiente e Integração Social – PJ-MAIS; • Reconhecimento da Associação Holística de Participação Comunitária e Ecológica-Núcleo

da Terra – AHPCE como ONG de apoio à gestão e desenvolvimento de projetos;• Formulação de estratégias para mobilização de recursos (materiais, fi nanceiros e humanos).

Grupo 2: Ações prioritárias de média/alta difi culdade (início imediato, mas duração indeterminada)

• Desenvolvimento do programa de comunicação;• Disseminação da Estratégia de Sevilha entre as várias instâncias da RBCV;• Implementação da Avaliação Subglobal da RBCV;• Fortalecimento das relações com pesquisadores e instituições de pesquisa para fomento

de estudos de interesse recíproco;• Articulações institucionais para ampliação de recursos humanos;• Capacitação de gestores municipais, agentes de zonas-núcleo, 3ª idade e grupos específi cos;• Estratégias de fortalecimento da interação da RBCV com redes nacional e internacional.

Grupo 3: Ações importantes (desejável realizar)

• Rezoneamento da RBCV, atualizando-se as áreas-núcleo, tampão e transição;• Estratégia de aproximação com as prefeituras;• Ofi cina e/ou tópicos de ensino voltados ao monitoramento e observação do ambiente.

Grupo 4: Ações complementares (realizar se possível)

• Aproximação entre a RBCV e as instâncias de gestão da RMSP, RMBS e outras esferas de formulação de políticas urbanas;

• Consolidação das bases existentes e construção de sistema de informações;• Avaliação dos programas existentes buscando maior efi ciência e efi cácia;• Implementação das instâncias descentralizadas de gestão da RBCV;• Interação com grupo de mudanças climáticas.

Grupo 5: Ações sugeridas durante a plenária

• Integração das ações da RBCV com as iniciativas da sociedade civil voltadas ao meio ambiente, inclusive aquelas relativas ao resgate dos conhecimentos tradicionais;

• Análise da legislação ambiental existente e em tramitação incidente na área da RBCV com eventuais proposições de consolidação e complementação.

Page 78: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 81

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

da implementação da Reserva da Biosfera, com base em indicadores oferecidos pela Estratégia de Sevilha (UNESCO, 1996) e outros construídos em função da identidade urbana da Reserva. Segundo, a partir des-sa avaliação e analisando as fortalezas, debilidades e necessidades da Reserva foram propostas ações, pon-tuais ou estratégicas, que representassem referencial para sua gestão. Terceiro, priorização das ações em função de sua urgência e exeqüibilidade.

A execução das ações está subdividida entre coorde-nação executiva, bureau e conselho de gestão, este último responsável pela aprovação do plano (Quadro 3).

A seguir, serão discutidas duas das ações do pla-no sobre as quais se concentram a maior parte dos esforços da RBCV, decorrentes de sua importância estratégica. Estas ações, embora complementares, pertencem a temáticas e escalas geográfi cas distintas no âmbito da Reserva.

PROGRAMA DE JOVENS – MEIO AMBIENTE E INTEGRAÇÃO SOCIAL

Na RBCV existem interfaces indisso-ciáveis entre as problemáticas social e ambiental, principalmente porque as áreas mais ambientalmente sensíveis e importantes, localizadas nas chama-das periferias e zonas periurbanas, são também as que apresentam maiores índices de exclusão social (IZIQUE, 2003). Destaca-se a complexidade de inter-relações envolvidas e o desafi o de se conceberem políticas públicas articuladas ajustadas a essa realidade, que carece de um enfoque interdis-ciplinar para sua compreensão e en-frentamento.

Inspirado pela Organização para Alimentos e Agricultura da ONU, e lançado em 1996, com o apoio da Unesco, o Programa de Jovens – Meio Ambiente e Integração Social – PJ-MAIS constitui uma proposta inova-dora de intervenção socioambiental, baseada na constatação de que as po-líticas públicas em favor do meio am-

biente devem, necessariamente, envolver a sociedade. O PJ-MAIS é um programa de educação ecoprofi ssio-nal e formação integral de adolescentes entre 15 e 21 anos de idade, habitantes de zonas periurbanas e de entorno de áreas protegidas da RBCV, em situação de vulnerabilidade social (RBCV, 2006).

Os locais de treinamento do PJ-MAIS são os cha-mados Núcleos de Educação Ecoprofi ssional – NEEs, estabelecidos em sistema de parceria entre Estado, so-ciedade civil, prefeituras e inúmeros parceiros locais. A secretaria executiva da RBCV é responsável pela coorde-nação geral do programa, realizando permanentemente assessoria técnica, pedagógica e mercadológica, enquan-to a Associação Holística de Participação Comunitária e Ecológica – Núcleo da Terra – AHPCE atua como parceira desde 1997, na captação de recursos e opera-cionalização de ações no âmbito da rede de NEEs. Em-bora não façam parte da gestão do programa, a Unesco, o Ministério do Meio Ambiente e a Fundação Florestal de São Paulo são apoiadores permanentes da Coorde-

Quadro 4

Evolução do Programa de Jovens – Meio Ambiente e Integração Social na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde – RBCV da Cidade de São Paulo

Ano de Inauguração Núcleo de Educação Ecoprofi ssional

1996 NEE de São Roque

1999 NEE Santos (temporariamente sem atividades)

2000 NEE de Santo André – Paranapiacaba

NEE de São Bernardo do Campo

NEE de Itapecerica da Serra

NEE de Guarulhos

2002 NEE de Cotia – Caucaia do Alto

2005 NEE de Santo André – Parque do Pedroso

NEE de Cotia – Morro Grande

2006 NEE de Embu-Guaçu

NEE de Caieiras

NEE de São Paulo – Horto / Cantareira

NEE de São Paulo – Perus

NEE de Cajamar

NEE de Diadema

Fonte: Adaptado de RBCV (2006).

Page 79: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

82 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

nação. Dentre os apoiadores pontuais, estão a Fundação das Nações Unidas, Fundo Nacional dos Direitos Difu-sos e o Banco Mundial.

Em âmbito local, as coordenações de núcleos são geralmente assumidas pelas prefeituras municipais em parceira com outras instituições do setor privado, não-governamental, acadêmico ou voluntariado. Embora haja um rol de parcerias em cada núcleo, as prefeituras municipais são as principais responsáveis pelo desenvol-vimento local dos NEEs, disponibilizando espaço, es-trutura, equipe técnica e de apoio. A articulação de par-ceiros locais também é responsabilidade do município.

O programa cresceu expressivamente nos últimos dois anos, com o ingresso de quatro novos municí-pios e seis novos núcleos. Em 10 anos de existência, foram atendidos mais de 1.300 jovens. Entre 2000 e 2005, o PJ-MAIS e seus parceiros promoveram 560 oportunidades de atuação no ecomercado de traba-lho, benefi ciando mais de 320 jovens (RBCV, 2006).

O processo de capacitação tem duração de dois anos e é realizado simultaneamente à educação do ensino médio. A educação ecoprofi ssional implica na criação de oportunidades de participação, treinamento e capa-citação em quatro ofi cinas temáticas: produção e mane-jo agrícola e fl orestal sustentáveis; turismo sustentável; consumo, lixo e arte; e agroindústria artesanal.

O objetivo do PJ-MAIS é promover a inclusão social de jovens em situação de risco através do res-gate de valores ligados à solidariedade, auto-estima, cidadania e valorização da natureza, além do fortale-cimento do ecomercado de trabalho e do fomento ao empreendedorismo ambiental.

A institucionalização do PJ-MAIS está em implemen-tação por meio da edição de decreto estadual, e de leis e convênios com as prefeituras parceiras do programa. As oportunidades de atuação no ecomercado de trabalho, preconizadas pelo PJ-MAIS, constituem objeto de in-terface com o modelo conceitual da avaliação subglobal – ASG da RBCV, facilitando a visualização de oportuni-dades de desenvolvimento local e geração de renda.

AVALIAÇÃO SUBGLOBAL DA RBCV

No processo de AM, as ASGs foram estabelecidas para que a mesma metodologia da avaliação global fosse

aplicada em escalas menores. As avaliações foram sele-cionadas a partir de candidaturas locais, em função da relevância das suas informações para o processo glo-bal. São 35 ASGs no mundo, abrangendo uma enor-me gama de realidades ambientais (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2006).

Em uma análise do contexto socioambiental da RBCV, verifi ca-se que os caminhos da degradação são múltiplos e encontram-se fortemente intrincados. Este cenário, aliado à sua relevância geopolítica e so-cioambiental, denota a importância de se conduzirem avaliações integradas na região, sobretudo para gerar informação adequada à tomada de decisão.

Em linhas gerais, o Quadro 5 apresenta a síntese dos principais serviços ambientais proporcionados pelos ecossistemas associados à RBCV, evidencian-do a importância de sua atuação na conservação do patrimônio natural e cultural e, em conseqüência, na melhoria da qualidade de vida de sua população.

A ASG da RBCV contempla a avaliação dos ser-viços ambientais e as relações com o bem-estar hu-mano da sua população. Observando-se os vetores de alteração ambiental, seu objetivo é fornecer infor-mações sobre a importância dos bens e serviços am-bientais proporcionados às metrópoles de São Paulo e Santos, as formas pelas quais os vetores de alteração ambiental ameaçam a continuidade desses processos vitais, as conseqüências desses processos para o bem-estar da população e as possíveis opções de respostas para contrapor-se à problemática.

Em grande parte, a avaliação é uma rotina de le-vantamentos bibliográfi cos e de determinados estu-dos de campo, tendo como base dados secundários e um número limitado de levantamentos novos. A estrutura da AM considera como essencial a integra-ção temática dos diversos pesquisadores e a consoli-dação das informações já existentes, freqüentemente fragmentadas e dispersas em inúmeras bases. A ASG-RBCV foi estruturada em três fases:• Fase I: o Instituto Florestal de São Paulo enga-

jou-se em 2002 na AM e propôs a candidatura da RBCV para compor as avaliações subglobais. Esta candidatura foi aprovada em 2005, após um pro-cesso que envolveu a consulta a diversos setores da comunidade científi ca, governo e sociedade

Page 80: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 83

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

Quadro 5

Síntese dos Principais Serviços Ambientais Associados à Reserva da Biosfera do Cinturão Verde – RBCV

Serviço Ambiental Descrição e Importância do Serviço Ambiental

SERVIÇOS DE SUPORTE

Manutenção dos processos ecológicos e da biodiversidade

A Mata Atlântica é um dos biomas mais biodiversos do planeta. A manutenção de sua riqueza biológica é dever ético da população e resguardo, sob vários pontos de vista, do próprio bem-estar do ser humano. Localmente, as matas do Cinturão Verde confi guram-se como importantes corredores ecológicos, verdadeiros elos entre diferentes áreas fl orestais do Brasil. Dentro dessa categoria, os ecossistemas determinam serviços como formação dos solos, ciclagem de nutrientes, produção primária, polinização, resiliência, etc.

SERVIÇOS DE PROVISÃO

Conservação e oferta de água (superfi cial e subterrânea)

Os recursos hídricos abrigados pelo Cinturão Verde abastecem mais de 20 milhões de pessoas. Seu comprometimento pode gerar um colapso no abastecimento público, cuja escassez já é sentida nas épocas mais secas do ano. Existe também grande correlação entre preservação de fl orestas e qualidade da água, com fortes implicações econômicas.

Oferta de princípios ativos e recursos genéticos

A Mata Atlântica é uma reserva para descobertas em benefício do homem, como a produção de fármacos e substâncias de valor econômico.

Segurança alimentar Atualmente, 15% do alimento do mundo é produzido em quintais e pequenos terrenos (Ian Douglas, Universidade de Manchester, 2002, informação pessoal). O Cinturão Verde tem essa vocação e hoje é uma das principais regiões de produção orgânica do país. Além disso, a opção agrícola em regiões periurbanas é vista como alternativa ao inchaço das grandes cidades.

Recursos fl orestais madeireiros e não-madeireiros

A matéria-prima fl orestal produzida no Cinturão Verde é representativa na economia de base fl orestal do Estado de São Paulo, principalmente em função dos refl orestamentos. As fl orestas naturais também fornecem recursos importantes para diversas comunidades no âmbito do Cinturão, e o desenvolvimento técnico-científi co, aliado à implementação de políticas públicas saudáveis, pode incrementar a participação dessas fl orestas no aporte de recursos importantes à economia e ao bem-estar da população.

SERVIÇOS DE REGULAÇÃO

Regulação climática O Cinturão Verde tem relação direta com amenização climática da região, em contraponto as áreas densamente antropizadas, que geram aumento de temperatura (ilhas de calor). Esse fenômeno tem apresentado encadeamentos que extrapolam a questão do conforto térmico e passa a interferir em regime pluviométrico, com grandes enchentes na região urbana.

Seqüestro de CO2 e redução de poluentes

O Cinturão Verde tem 311.407 hectares de vegetação secundária e 120.000 hectares de refl orestamentos, vegetações em crescimento com importante papel no seqüestro do CO2 gerado pela metrópole; complementarmente, as fl orestas representam importante barreira física para o avanço de poluentes produzidos nas metrópoles. Tudo isso implica em impactos globais e locais, inclusive de saúde pública.

Conservação do solo e controle de enchentes

Combate à erosão de solo, estabilização de áreas sensíveis, manutenção da permeabilidade do solo, minimização de enchentes e calamidades públicas.

SERVIÇOS CULTURAIS

Lazer, recreação, estética As metrópoles de São Paulo e Santos são pobres em áreas verdes. As áreas envoltórias dessas urbes, representadas pelo Cinturão Verde, em muitas situações, constituem importantes alternativas para que a população mantenha contato com o meio natural. Isso é fundamental para a humanização e a saúde física e psíquica da população. Igualmente, o padrão estético da região, determinado pelas fl orestas, áreas silvestres, mar, mangue, praias, áreas rurais, é um patrimônio de valor inestimável, com refl exos na economia, no bem-estar e no pertencimento da população.

Abrigo da história e do patrimônio cultural

O Cinturão Verde testemunhou passagens importantes da história do Brasil antes e depois de sua descoberta, e abriga vestígios dessa memória popular, perpetuando-a.

Turismo sustentável As áreas integrantes do Cinturão Verde guardam enorme potencial para a prática do turismo sustentável em várias de suas modalidades, incrementando o rol das iniciativas para o desenvolvimento sustentável e a geração de renda de vários setores e comunidades.

Fonte: RBCV (2003).

Page 81: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

84 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

sobre a necessidade da avaliação, seu interesse na participação do processo e utilização dos produtos fi nais. O resultado desta primeira fase foi a avalia-ção preliminar dos principais aspectos do Cinturão Verde para o bem-estar da população abrangida, principais ameaças, possíveis alternativas de gestão e cenários para a região (RBCV, 2003).

• Fase II: iniciada a partir da aprovação da candidatura da RBCV em 2005 e com término previsto para 2007, caracteriza-se pela consolidação de parcerias, engajamento de pesquisadores e de usuários da avaliação, detalhamento da proposta em projetos e subprojetos específi cos, e consolidação de uma estratégia de captação de recurso.

• Fase III: corresponde à implementação da ASG-RBCV propriamente dita, com duração aproximada de três anos e início previsto para 2007/2008.A ASG-RBCV deverá ser o estudo mais completo

da região da Reserva da Biosfera sobre as interdepen-dências dos seus ecossistemas e serviços prestados para a conservação ambiental, bem-estar humano e economia regional. Por ser um processo de constante diálogo com a sociedade, o programa conta com ati-vidades de consultas a grupos de usuários, como po-deres municipais, estadual e federal, comitês de bacia, mídia, ONGs, setor privado, etc. A consulta a esses setores, inclusive, representa eventuais reorientações ao processo.

A implementação da Avaliação possibilita a con-solidação das principais políticas e ações necessárias para a gestão integrada da região urbana e seus re-cursos naturais, potencialmente válidos para outras regiões de mata atlântica ou outros centros urbanos do país. A partir da base conceitual sobre serviços ambientais e reservas da biosfera, e considerando o delineamento geral da RBCV, é possível desenvolver algumas considerações sobre sua atuação.

AVALIAÇÃO DE IMPLEMENTAÇÃO, LIMITAÇÕES DO CONCEITO E POTENCIAL DE GESTÃO

As considerações apresentadas no decorrer deste artigo objetivaram esclarecer o potencial do concei-to de RBU e sua utilização como ferramenta para a

gestão integrada e sustentável de uma cidade ou me-trópole. No caso da RBCV, a constatação de que os serviços ambientais necessários ao bem-estar de sua população estão concentrados em suas zonas periur-banas, sugere que o marco propiciado pela reserva da biosfera é apropriado para a gestão integrada das manchas urbanas e seus entornos.

Entretanto, a sua plena implementação, incluindo ações e sistema de gestão, é extremamente complexa, especialmente pelas especifi cidades da Região Me-tropolitana de São Paulo e adjacências, que inclui ex-pressiva dinâmica urbana e econômica, signifi cativo contingente populacional, extensão dos problemas socioambientais, e elevada diversidade de espécies, paisagens e ecossistemas.

Diante desse quadro, alguns questionamentos são evidenciados: O que se pode esperar da RBCV? Será esse conceito utópico para a região? Suas contribui-ções para a gestão urbana e periurbana se diluem frente aos profundos problemas socioambientais? Qual nível de capilarização social e institucional é ne-cessário para validar sua implementação?

Em análise à RBCV e ao seu potencial de gestão, várias lacunas e difi culdades são visualizadas. Por ser um processo em construção, a própria área de atua-ção e o seu papel na sociedade não estão claramen-te defi nidos. As escalas de tempo e espaço também constituem variáveis signifi cativas, de modo que a Reserva pode ser mais efetiva na escala das comu-nidades que na metropolitana, embora esta situação possa variar com o tempo ou regionalmente. Ade-mais, atores relevantes podem não aderir à Reserva como instrumento de gestão regional, fragilizando o processo.

Verifi ca-se, portanto, que existem limites à aplica-ção mais generalizada do conceito. Mesmo que não haja resistência de setores da sociedade, o processo de implementação per se é lento e complexo, especial-mente porque os espaços de atuação na área ambien-tal são disputados intensamente por diversos agentes. Nesse cenário, a efetividade da comunicação institu-cional é fundamental para a resolução de confl itos e defi nição de atribuições.

Em 2005, o processo de avaliação da efetivi-dade da RBCV, baseado nos Indicadores de Im-

Page 82: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 85

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

Quadro 6

Avaliação da RBCV com Base nos Indicadores de Implementação da Estratégia de Sevilha 1994-2005

Tema/IndicadoresNível de Implementação

Muito Baixo Baixo Regular Alto Muito

Alto

Político Institucional: 1) estudo dos interesses das partes envolvidas; 2) incentivos para a conservação e uso sustentável por parte das populações locais; 3) fomento das iniciativas do setor privado para estabelecer e manter atividades socioambientais sustentáveis; 4) material de informação e promoção da Reserva; 5) estratégias para obter fundos de empresas, organizações não governamentais e fundações.

Estudos Técnico-Científi cos: 1) identifi cação dos fatores que contribuem para a degradação do meio ambiente; identifi cação dos fatores que contribuem para seu uso sustentável; 2) avaliação dos produtos naturais e dos serviços da Reserva; 3) instalação de sítios de demonstração regionais; 4) aplicação de planos de investigação e observação; 5) elaboração de indicadores de sustentabilidade aplicáveis às populações locais;6) localização e cartografi a das diferentes zonas; 7) redefi nição, se necessário, das zonas tampão e de transição.

Programa de Gestão das Atividades da RBCV: 1) preparação de planos de distribuição eqüitativa de benefícios; 2) estabelecimento de mecanismos para administrar, coordenar e integrar os programas e as atividades da Reserva; 3) estabelecimento de sistemas funcionais de gestão de dados; 4) participação da comunidade local no planejamento e administração da Reserva; 5) estabelecimento de mecanismos para seguir e avaliar a aplicação da Estratégia de Sevilha.

Iniciativas Educacionais: 1) utilização da Reserva para elaborar e ensaiar métodos de observação permanente; 2) participação dos interessados locais nos programas de educação, capacitação e observação permanente; 3) produção de material informativo para os visitantes; 4) estabelecimento de centros educativos na Reserva; 5) utilização da Reserva para atividades de capacitação in situ.

Dimensão Urbana: 1) a Reserva da Biosfera tem seu olhar voltado para questões urbanas e periurbanas; 2) a Reserva inova nessas questões, tornando-se uma referência importante; 3) forma como a gestão contempla, do ponto de vista urbano/periurbano, conservação/desenvolvimento/ pesquisa/monitoramento; 4) inserção da Reserva em políticas públicas urbanas/periurbanas; 5) representatividade da dimensão urbana/periurbana da Reserva em seu Conselho de Gestão; 6) capacidade (potencial e efetiva) da Reserva ser uma instância de mudança de paradigmas de desenvolvimento urbano.

Ação em Redes Nacionais e Internacionais: 1) ações internacionais; 2) ações nacionais.

Page 83: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

86 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

plementação da Estratégia de Sevilha (UNESCO, 1996), examinou o nível de avanço de suas áreas estatutárias de atuação (Quadro 6). Os indicadores mostram desempenho fraco ou mediano em alguns grupos temáticos.

De forma sintética, as seguintes debilidades, em graus diferenciados, explicam o desempenho fraco ou mediano da Reserva: • incipiente articulação com o setor privado para

incentivar as políticas ambientais e apoiar seus projetos;

• falta de uma política de comunicação mais agressiva; • necessidade de consolidação de estratégias de ob-

tenção de fundos; • incipiente posicionamento no campo técnico cien-

tífi co (esta fragilidade deve ser superada com a im-plementação da ASG-RBCV);

• necessidade de consolidação de banco de dados consistente e atualizado;

• maior inserção da Reserva em questões críticas da gestão socioambiental da região;

• preconceitos e falta de entendimento de indiví-duos e setores da sociedade em relação à fi gura da Reserva;

• divergências no âmbito de seu heterogêneo conse-lho de gestão.Por outro lado, foram reconhecidos importantes

avanços na implementação da Reserva como um todo, evidenciando seu potencial no desempenho das funções de RBU. Os seguintes aspectos denotam as contribuições que a RBCV pode oferecer para a gestão de sua região, enquanto marco conceitual e geográfi co, numa perspectiva real de sustentabilidade socioambiental urbana e periurbana:• proposta básica de atuação da RBCV está no

campo da articulação interinstitucional, objeti-vando a sinergia e integração entre instituições, políticas e atores;

• forte potencial para complementar e integrar as diversas ações de gestão, considerando que os processos necessários à sustentabilidade ambien-tal urbana/metropolitana podem ocorrer fora do âmbito geográfi co de instâncias tradicionais de gestão (municípios, região metropolitana, bacias hidrográfi cas, etc.);

• o sistema de gestão é bastante condizente com sua complexidade e desafi os de gestão, incentivando a participação, a tomada de decisão democrática e o papel da Reserva na mediação de confl itos;

• sua atuação ocorre em áreas críticas para a sus-tentabilidade da região, abrangendo a inclusão so-cial de comunidades a partir do meio ambiente e a promoção de estudos que valorizam o entendi-mento das relações sistêmicas;

• como sua coordenação executiva é implementada pelo Instituto Florestal, órgão gestor da maioria das zonas-núcleo da Reserva, é facilitado o diálogo entre essas unidades e seu entorno;

• a RBCV tem se destacado pela aplicação prática de preceitos de gestão adotados internacionalmente, como a “abordagem ecossistêmica” (CDB, 2001). Cabe destacar que a RBCV observa os cinco pon-

tos que a Unesco recomenda para implementar o en-foque ecossistêmico: foco nas relações funcionais e processos ecossistêmicos; promoção do acesso justo e eqüitativo aos serviços ambientais e o uso de seus componentes; uso de práticas de gestão adaptativa (“aprender fazendo”); condução de ações de gestão na escala apropriada ao item em questão, privilegian-do a descentralização; e promoção da cooperação in-tersetorial (UNESCO, 2000b).

Tanto o zoneamento da RBCV quanto seu sistema de gestão seguem as orientações do Marco Estatu-tário (UNESCO, 1996), incluindo a regulamentação do Conselho de Gestão, a delimitação das atribuições deste Conselho, do Bureau e da Secretaria da Reserva, e a concepção de programas de pesquisa, educação, capacitação e avaliação. Em relação às funções atri-buídas às reservas da biosfera pelo Marco Estatutário (UNESCO, 1996), as linhas de ação do PJ-MAIS e da ASG-RBCV confi guram-se como estratégias de intervenção relacionadas à conservação, desenvol-vimento e apoio logístico. Entretanto, no tocante à conservação, faltam dados quantitativos para validar a efi cácia dessas ações na conservação dos ecossiste-mas, espécies e diversidade genética.

Na função de desenvolvimento, nota-se que o PJ-MAIS cumpre esse papel na medida em que se delineia como estratégia integrada que busca inserir comunidades excluídas, especifi camente o jovem das

Page 84: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 87

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

regiões periurbanas, no chamado ecomercado de tra-balho, com o objetivo de viabilizar a obtenção de ren-da a partir de atividades econômicas que contribuam com a conservação ambiental.

Uma das lacunas existentes em relação ao pro-grama é a ausência de dados quantitativos sobre sua contribuição para a conservação ou recuperação dos ecossistemas ameaçados. A base local do PJ-MAIS constitui o principal ponto frágil, em decorrência da descontinuidade gerencial das prefeituras. As mu-danças quadrienais no governo municipal podem acarretar alterações no corpo técnico dos núcleos, inclusive comprometendo a condução local. Para consolidar a base legal e institucional do PJ-MAIS, e minimizar um dos principais obstáculos à sua sus-tentabilidade, está em curso seu processo de institu-cionalização, compreendendo três pilares: edição de decreto estadual no âmbito do governo do Estado de São Paulo, edição de decretos e leis municipais no âmbito dos núcleos existentes (parcialmente im-plementado, com a edição de decretos nos muni-cípios de Guarulhos e Cotia) e estabelecimento de convênio entre as partes envolvidas, incluindo as entidades da sociedade civil.

Sobre o apoio logístico, nota-se forte atuação da RBCV, tanto no âmbito do PJ-MAIS, onde ocorrem processos de educação e capacitação profi ssional em temas ambientais, quanto na ASG da RBCV. Como as duas linhas de ação se desenvolvem sinergica-mente, as oportunidades de atuação no ecomercado de trabalho são reforçadas pela ASG da RBCV.

Outro importante aspecto do apoio logístico re-fere-se às ações de investigação e monitoramento da conservação e desenvolvimento sustentável, concreti-zadas na proposta de candidatura e na implementação da ASG. Esta ação objetiva a sistematização de um conjunto de informações sobre o estado dos ecossiste-mas, auxiliando os tomadores de decisão, promovendo a investigação e observação dos aspectos ambientais da região e de alternativas para sua conservação.

Em análise às características desejáveis às RBUs (MAB, 2006a), podem-se identifi car pelo menos três aspectos desenvolvidos pela RBCV: demonstração lo-cal de interesse na conservação da natureza e compro-misso com os governos locais, ressaltando a atuação

do PJ-MAIS no desenvolvimento de políticas sociais e de desenvolvimento local; capacidade de pesquisa e educação para investigar os processos e respaldar políticas urbanas, com destaque para o processo de ASG, com a sistematização de informações para sub-sidiar as políticas de gestão no âmbito das prefeituras e do governo do Estado; e explorar práticas e mo-delos para a redução da exclusão social em áreas ur-banas e periurbanas, considerando o PJ-MAIS como uma linha de ação consolidada e a implementação da ASG como instrumento que possibilita o desenho de respostas adequadas à RBCV.

CONCLUSÃO

A questão da qualidade de vida irrompe no momen-to em que a massifi cação do consumo converge para a deterioração do ambiente. No entanto, o bem-estar humano depende essencialmente da melhoria na ges-tão dos ecossistemas para garantir sua conservação e seu uso sustentável. Chama-se a atenção para a utili-zação da aproximação ecossistêmica para o enfrenta-mento dos desafi os socioambientais, a conservação e utilização sustentável dos serviços ambientais e da bio-diversidade e a melhoria do bem-estar humano.

A utilização do enfoque ecossistêmico na RBCV, a partir do conceito de reserva da biosfera urbana, representa um instrumental de expressiva importân-cia para a tomada de decisão neste espaço constituí-do por ecossistemas signifi cativos, cuja conservação é fundamental para a manutenção dos serviços am-bientais que proporcionam e para o bem-estar de sua população urbana e periurbana.

Na RBCV, o desafi o de conciliar os objetivos de conservação e de desenvolvimento, evidencia que a área urbana depende dos serviços ambientais proporcionados pelos sistemas naturais. Por sua vez, estes dependem dos investimentos e das intervenções adequadas no meio urbano para garantir sua sustentabilidade, constituindo importante marco analítico.

A adoção do conceito de reserva da biosfera ur-bana para a gestão integrada da cidade de São Paulo e seu entorno, constitui resposta adequada à proble-mática socioambiental regional. Sua implementação possibilita o desenho de estratégias de intervenção

Page 85: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

88 ELAINE APARECIDA RODRIGUES/RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR/BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

Referências Bibliográfi cas

ALCAMO, J. et al. Ecosystems and human well-being: a framework for assessment: Millennium Ecosystem Assessment. EUA: Word Resources Institute, 2003.

BRASIL. Decreto n. 74.685, de 14 de outubro de 1974, alterado pelo Decreto Federal de 21 set. 1999. Dispõe sobre a Comissão Brasileira para o programa MAB – Cobramab, e dá outras providências.

CAMOLESI, A.B. Metodologia de intervenção socioambiental: a consolidação de interfaces na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004.

CATHARINO, E.L.M.; BERNACCI, L.C.; FRANCO, G.A.D.; DURIGAN, G.; METZGER, J.P. Composição e riqueza do componente arbóreo das fl orestas do Morro Grande. Cotia, SP, [s.d.]. Mimeografado.

CBD – Convention Biological Diversity. Ecosystem Approach. Decisión V/6. In: COPs, 5., 2001.

CBD/PNUMA. Desarrollo de indicadores de la diversidad biológica – Nota del estudio del Secretario General. In: REUNIÓN DEL ÓRGANO SUBSIDIARIO DE ASESORAMIENTO CIENTÍFICO Y TECNOLÓGICO. 5., 31 jan./4 fev. 2000, Montreal. UNEP/CBD/SBSTTA/5/12, 22 out. 1999a.

______. Enfoque por ecosistemas: ulterior elaboración conceptual. Nota de estudio del Secretario General. In: REUNIÓN DEL ÓRGANO SUBSIDIARIO DE ASESORAMIENTO CIENTÍFICO, TÉCNICO Y TECNOLÓGICO. 5., 31 jan./4 fev. 2000, Montreal. UNEP/CBD/SBSTTA/5/11, 23 out. 1999b.

CELECIA, J. El fenómeno urbano y el programa MAB de Unesco. Revista Ambiente Digital, n. 96, 2006. (Un resurgimiento esperado, las Reservas de Biosfera en ambientes urbanos).

COSTANZA, R. et al. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, v. 387, p. 253-260, 1997.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 jun. 2006.

IZIQUE, C. O mapa da exclusão. Pesquisa Fapesp, n. 83. São Paulo, jan. 2003.

IZKO, X.; BURNEO, D. Ferramentas para a valoração e manejo fl orestal sustentável nos bosques sul-americanos. UICN-Sur: 2003.

JAEGER. T. Nuevas perspectivas para el programa MAB y las Reservas de Biosfera: Lecciones aprendidas en América Latina y el Caribe. Programa de Cooperación Sur-Sur. França, Unesco, 2005. (Documientos de Trabajo, n. 35).

MAGLIO, I. Uma abordagem ambiental na elaboração do plano diretor: lições apreendidas no plano diretor estratégico de São Paulo – PED 2002-2012. In: PREFEITURA MUNICIPAL DE SUZANO. Secretaria Municipal de Política Urbana. Caminhos do Rio Tietê: perspectivas ambientais para os Rios de Suzano. Suzano-SP, 2005.

MA – Millennium Ecosystem Assessment. Disponível em <http://www.millenniumassessment.org.> Acesso em: 20 jun. 2006.

______. Ecosystem and human well-being: Synthesis. Washington, DC: Island Press, 2005.

MITTERMEIER, R.A.; MITTERMEIER, C.G.; MYERS, N.; ROBLES G.P. Hotspots: earth’s biologically richest and most endangered terrestrial ecoregions. Ciudad de México: Cemex, Conservation International, Agrupación Sierra Madre,1999.

MUG, M. Grande São Paulo tem 60 km2 de favelas. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 05 out. 2005. Caderno Metrópole, p. C1.

ODUM, E.P. Ecologia. São Paulo: Pioneira, 1977.

ONU – Organização das Nações Unidas. Rio declaration on environment and development. Nova York: 1992.

POCHMANN, M. Inclusão juvenil como estratégia pública. Folha de S.Paulo, São Paulo, 23 abr. 2002. Caderno Brasil, p. A3.

RAMOS, M.N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001.

RBCV. Educação ecoprofi ssional na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo. Proposta de candidatura ao Programa Petrobrás Fome Zero 2006. São Paulo: 2006.

e de gestão inovadoras, considerando a conservação dos sistemas naturais e sua relação com a sociedade humana. O mesmo referencial facilita, ainda, a ado-ção de ações integradas e holísticas para o planeja-

mento e gestão da região, favorecendo a cooperação e a colaboração dos diferentes atores e a incorpora-ção dos resultados de avaliações integradas nos pro-cessos de decisão.

Page 86: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

A RESERVA DA BIOSFERA DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO COMO MARCO PARA ... 89

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006

ELAINE APARECIDA RODRIGUES

Mestre em Política Internacional e Pesquisadora científi ca do Instituto Florestal – SP.(erodrigues@ifl orestal.sp.gov.br)

RODRIGO ANTONIO BRAGA MORAES VICTOR

Engenheiro fl orestal e Coordenador da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo. ([email protected])

BELY CLEMENTE CAMACHO PIRES

Mestre em Administração de Empresas, Professora do curso de Administração da Faculdade Cantareira e Consultora de projetos de ecomercado na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo.

([email protected])

Artigo recebido em 10 de abril de 2006.Aprovado em 30 de junho de 2006.

Como citar o artigo:RODRIGUES, E.A.; VICTOR, R.A.B.M.; PIRES, B.C.C. A reserva da biosfera do cinturão verde na cidade de São Paulo como marco para a gestão integrada da cidade, seus serviços ambientais e o bem estar humano. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 71-89, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

______. Proposta de candidatura à avaliação subglobal. São Paulo: 2003.

SÃO PAULO (Estado). Decreto n. 47.094, de 18 set. 2002. Cria o Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Estado de São Paulo, incluindo o Conselho de Gestão da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, e dá providências correlacionadas.

UNESCO. Urban biosphere reserves – A report of the MAB Urban Group. 2006a.

______. MAB: Man and biosphere: People, biodiversity and ecology. 2006b. Disponível em: <http://www.unesco.org/mab>. Acesso em: 22 jun. 2006.

______. Urban biosphere and society: Partnership of cities. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 1023, 2004.

______. Urban biosphere reserves in the context of the Statutory Framework and the Seville Strategy for the world network of biosphere reserves, MAB Urban Group. Draft: June 2003a.

______. Urban ecosystems analysis – Identifying tools and methods. United Nation University, May 2003b

______. Seville+5. Reunión Internacional de Expertos, Actas, Pamplona, España, 23-27 oct. 2000. MAB Report Series, Paris, n. 69, 2000a.

______. Solving the puzzle: The ecosystem approach and biosphere reserves. Paris, 2000b.

______. Application of the biosphere reserve concept to urban areas and their hinterlands. In: REUNIÃO DO ADVISORY COMMITTEE FOR BIOSPHERE RESERVES. 5., 7-10 jul. 1998. (Doc. SC-97/CONF. 502/4. 5 jul 1998).

______. Biosphere reserves. La Estrategia de Sevilla y el Marco Estatutario de la Red Mundial de Reservas de Biosfera. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001038/103849sb.pdf>. Acesso em: 1996.

______. Task Force on criteria and guidelines for the choice and establishment of biosphere reserves. MAB Report Series, Paris, n. 22, 1974.

VICTOR, RA.B.M. A importância e a identidade do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo. In: VICTOR, R.A.B.M.; COSTA NETO, J.B. (Org.). A aplicação do conceito de reserva da biosfera em áreas urbanas: o caso da reserva da biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo. São Paulo: RBCV/Unesco, 2003. p. 86-87.

Page 87: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

Apesar da reconhecida importância da coleta seleti-va no contexto da gestão integrada de resíduos sólidos e do seu papel na redução da pressão sobre os recursos naturais, minimização da produção de resíduos e aumento da vida útil dos aterros sanitários, apenas 6,4% dos municípios brasileiros têm programas de coleta seletiva. Na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, responsável pela coleta de cerca de 10% dos resíduos sólidos domiciliares produzidos no país, não existem registros sistemáticos sobre os programas municipais de coleta seletiva.

Este texto apresenta uma análise sobre a gestão de resíduos sólidos na RMSP e os resultados da pesquisa Pro-gramas municipais de coleta seletiva de lixo como fator de sustentabilidade dos sistemas públicos de saneamento ambiental – Coselix. Esta foi concebida com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre a gestão dos resíduos sólidos e, em espe-cial, sobre os programas municipais de coleta seletiva, em parceria com organizações de catadores na RMSP. A pesquisa foi coordenada pela Faculdade de Saúde Pública e realizada em parceria com o Procam/USP e o Centro Universitário Senac - Área de Gestão Ambiental, com fi nanciamento da Fundação Nacional de Saúde – Funasa, em 2005.1

A pesquisa se centrou na sistematização e análise de trabalho de campo nos municípios e junto às organiza-ções de catadores, visando a verifi cação do nível de sustentabilidade e a partir destes dados se construiu indica-dores de desempenho, segundo instrumental metodológico elaborado pela equipe. É importante enfatizar que

Resumo: O artigo apresenta resultados empíricos de pesquisa concluída em 2005 sobre os programas municipais de coleta seletiva desenvolvidos em parceria com organizações de catadores de materiais recicláveis na RMSP, no contexto da problemática da gestão de resíduos sólidos urbanos no Brasil.

Palavras-chave: Resíduos sólidos. Organizações de catadores. Indicadores de sustentabilidade.

Abstract: The article presents the empirical outcomes of research concluded in 2005 on the municipal programs of selective waste collection in partnership with scavenger organizations in the Metropolitan Region of Sao Paulo, within the context of the management of urban solid waste in Brazil.

Key words: Solid waste. Scavenger organizations. Indicators of sustainability.

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOSNA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

avanços e desafi os

PEDRO R. JACOBI

GINA RIZPAH BESEN

Page 88: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: ... 91

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

a pesquisa se ateve à obtenção de dados empíricos, sem desconsiderar que as questões referentes à pro-blemática dos resíduos sólidos, na sua complexidade, envolvem um desafi o teórico-paradigmático suscita-do pela problemática interdisciplinar do tema, nota-damente no tangente às dimensões da inclusão social e das práticas inovadoras numa perspectiva integrada e compartilhada.

A metodologia consistiu na caracterização dos programas e das organizações, a partir de entrevistas e questionários aplicados aos gestores municipais nos onze municípios que desenvolvem essa modalidade de programa na RMSP – que a iniciaram até dezem-bro de 2003 – e presidentes das 32 organizações de catadores parceiras.

A partir dos resultados desta caracterização, de-senvolveu-se a defi nição conceitual dos fatores que contribuem para a sustentabilidade socioambiental e econômica dessa modalidade de programa de coleta seletiva, e se construiu indicadores que resultaram na formulação de índices de sustentabilidade tanto para os programas, quanto para as organizações de cata-dores de materiais recicláveis.

Estes indicadores, de fácil aplicação, possibilitam ao poder público e às organizações de catadores o monitoramento e o aprimoramento na perspectiva da sustentabilidade.

RESÍDUOS SÓLIDOS E SUSTENTABILIDADE URBANA

A geração crescente de resíduos sólidos nos aglome-rados urbanos constitui um grave problema socioam-biental, que resulta dos padrões atuais insustentáveis de produção e consumo, e que provoca impactos ambien-tais e de saúde pública que precisam ser enfrentados.

Reduzir as milhões de toneladas dos vários tipos de resíduos sólidos – e seus impactos – que nossa civilização produz diariamente e garantir o uso sus-tentável dos recursos naturais constituem-se em me-tas planetárias para o século XXI, para que se possa atingir um modelo de desenvolvimento socialmente includente, ambientalmente sustentável e economica-mente sustentado.

A produção crescente dos resíduos sólidos resulta de vários fatores: o crescimento demográfi co acele-

rado e a longevidade, o processo intensivo de indus-trialização, a concentração da população em cidades, e os padrões insustentáveis de produção e consumo da sociedade moderna.

A extração dos recursos naturais para a produção dos bens de consumo se encontra acima da capacidade de suporte do planeta, benefi cia uma minoria da popu-lação mundial em detrimento de uma grande maioria excluída, colocando em risco os serviços ambientais essenciais para a sobrevivência das futuras gerações (CONSUMERS INTERNACIONAL, 1998).

A gestão e a disposição inadequada dos resíduos sólidos também causam impactos socioambientais, principalmente: a degradação do solo, o comprome-timento dos corpos d’água e mananciais, a contribui-ção para a poluição do ar e proliferação de vetores de importância sanitária nos centros urbanos, a catação de lixo em condições insalubres nos logradouros pú-blicos e nas áreas de disposição fi nal.

Portanto, a produção excessiva de resíduos só-lidos e o uso insustentável dos recursos naturais se confi guram numa lógica destrutiva e num risco para a sustentabilidade do planeta, cuja reversão depende da modifi cação das atitudes e práticas individuais e coletivas (BECK, 1992; GUIVANT, 1998; FERREIRA, 2006).

No âmbito das políticas ambientais, a Confe-rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, e a consolidação dos compromissos assumidos na Agenda 21 incor-poraram novas prioridades à gestão de resíduos sólidos no Brasil. Os três Rs, reduzir a produção de resíduos na fonte geradora, reutilizar visando ao aumento da vida útil dos produtos, reciclar e, principalmente, incorporar à cultura dos resíduos sólidos os aspectos voltados à modificação dos padrões de produção e de consumo sustentável passaram a integrar a agenda dos movimentos so-ciais e do setor público.

Na Conferência de Johanesburgo, em 2002, no contexto das discussões sobre a implementação do Protocolo de Kyoto, os projetos de recuperação de energia a partir do aproveitamento dos resíduos sólidos domiciliares em aterros sanitários, passa-ram a se constituir também numa oportunidade de

Page 89: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

92 PEDRO R. JACOBI/GINA RIZPAH BESEN

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

negócios, como Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDL – instrumento inserido no Protocolo de Kyoto – que permitem aos países desenvolvidos fi nanciar projetos de diminuição da poluição, para atingir suas metas de redução das emissões de car-bono (GOLDENBERG, 2003).

O atendimento das necessidades de consumo da sociedade exige uma diversidade cada vez maior de produtos, que em seu processo de produção e após o seu consumo geram resíduos diversos e com diferentes graus de periculosidade. E um fator importante que precisa ser considerado é a forma como estes resíduos são gerenciados, desde a sua produção até a sua disposição fi nal, que deve ser ambientalmente segura. A gestão dos vários tipos de resíduos – domiciliares, comerciais, industriais, tec-nológicos, urbanos, da construção civil, de serviços de saúde, de portos e aeroportos, nucleares – têm responsabilidades defi nidas em legislações específi -cas e precisam de sistemas de coleta, tratamento e disposição fi nal diferenciados.

O quadro brasileiro da produção e da gestão de resíduos sólidos mostra que apesar de alguns avanços importantes, principalmente nos índices de atendi-mento pela coleta dos resíduos sólidos domiciliares, a situação de crescimento exponencial da produção do lixo verifi cada e sua destinação ainda é inadequada na maioria dos municípios, assim como ainda é preocu-pante a situação dos baixíssimos índices de tratamen-to dos resíduos de serviços de saúde, industriais e da construção civil.

O CENÁRIO BRASILEIRO DOS RESÍDUOSSÓLIDOS E DA COLETA SELETIVA

Cada cidadão brasileiro produz entre 0,5 e 1 quilo de lixo domiciliar. O aumento da produção de re-síduos sólidos domiciliares verifi cado entre os anos de 1992 e 2000 (IBGE/PNSB, 2000) é preocupan-te. Enquanto o crescimento populacional passou de 146 para 170 milhões de habitantes (16,4%), a gera-ção de resíduos sólidos domiciliares passou de 100 a 140 mil toneladas por dia (49%), ou seja, três vezes maior. Em relação ao atendimento da população pelos serviços básicos de coleta de lixo domiciliar,

tem-se que no ano 2000, 79% da população brasi-leira era atendida (IBGE) e 35 milhões de pessoas excluídas de atendimento.

A concentração da população em áreas urbanas é crescente: 8 em cada 10 habitantes vive em cida-des (IBGE, 2000). Estudos mostram que existe uma relação direta entre o porte da cidade e a produção de resíduos sólidos domiciliares, ou seja, verifi ca-se o aumento dos valores per capita gerados à medida que cresce a população do município (CETESB, 2005; IBGE, 2000).

A situação ainda é agravada pelo fato de que cerca de 60% da massa destes resíduos e 50% dos muni-cípios ainda destinam seus resíduos a lixões (IBGE, 2000) e aterros denominados controlados.2 Ainda, um dos maiores problemas em cidades densamente urba-nizadas, principalmente nas regiões metropolitanas, é a falta de locais apropriados para dispor os resíduos adequadamente. Isto se deve à existência de áreas am-bientalmente protegidas e aos impactos de vizinhan-ça das áreas de disposição.

A crescente redução da disposição em lixões, veri-fi cadas entre os anos de 1992 e 2000 (IBGE/PNSB), deve-se ao fato das 13 maiores cidades, com popu-lação acima de um milhão de habitantes, coletarem 32% de todo o lixo urbano do país e terem seus locais de disposição fi nal em melhor situação.

A coleta dos resíduos sólidos urbanos está cada vez mais privatizada. Em 2000, 45 empresas fi liadas à Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – Abrelpe eram res-ponsáveis pela coleta de cerca de 70% dos resíduos sólidos domiciliares no país, atuando principalmente nas grandes e médias cidades. Considerando o total de resíduos sólidos urbanos coletados (164.774 to-neladas/dia), os 18 aterros privados em operação no Brasil já respondem por 14% da destinação fi nal dos resíduos sólidos urbanos, provável conseqüência da falta de investimentos públicos relevantes nos últi-mos dez anos. Em relação a outros tipos de resí duos, a situação é crítica: apenas 28% dos resíduos de ser-viços de saúde e 22% dos industriais são tratados ade-quadamente (ABRELPE, 2005).

Os resíduos da construção civil (entulho) também representam um grande problema ambiental, princi-

Page 90: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: ... 93

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

palmente pela disposição inadequada em córregos, terrenos baldios e beira de estradas. Nas cidades de médio e grande porte no Brasil, estes constituem mais de 50% da massa dos resíduos urbanos.

Destaca-se ainda a presença expressiva de outros materiais na composição dos resíduos sólidos urba-nos, dentre estes: trapos, couro, panos, borrachas, resíduos tecnológicos como as pilhas, baterias, dis-quetes, CDs, celulares, relógios, rádios, eletrodomés-ticos portáteis, equipamentos de microinformática, ferramentas elétricas, DVDs, lâmpadas fl uorescentes, brinquedos eletrônicos e muitos outros produtos des-cartáveis. A produção dos Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos – REEE apresenta tendência de crescimento mundial. Estes contêm substâncias perigosas que provocam signifi cativos impactos am-bientais e econômicos quando não tratados apropria-damente após o seu uso; e o não aproveitamento de seus resíduos representa, também, um desperdício de recursos naturais não renováveis.

Desde 2003 a União Européia possui legislação específi ca para a coleta e tratamento dos REEE3 (EUROPEAN UNION, 2005). No Brasil, não exis-tem ainda sistemas adequados para a sua coleta ou tratamento e a maioria destes resíduos são descartados em lixões e aterros (RODRIGUES, 2003).

É importante destacar que a matéria orgânica re-presenta mais de 50% da massa do lixo coletado e disposto em aterros sanitários no Brasil, e apenas 1,5% é aproveitada em processos de compostagem para ser usada como condicionador de solo (adubo) (BESEN, 2006). Em alguns municípios brasileiros, existem sistemas de coleta especiais de alimento, ain-da em bom estado, em feiras ou centrais de abasteci-mento, que são processados para a produção de ração para animais ou encaminhados para a compostagem. Nesse sentido, a cidade de Belo Horizonte desenvol-ve um sistema pioneiro de coleta, processamento e distribuição de alimentos perecíveis próprios para o consumo humano, que não foram comercializados em supermercados e sacolões e que são distribuídos para uma população residente em áreas de extrema exclusão social (BESEN, 2005).

O quadro apresentado mostra que a problemáti-ca dos resíduos sólidos tem múltiplas difi culdades a

serem enfrentadas e que a maior parte dos municí-pios brasileiros ainda não resolveu satisfatoriamen-te o problema do seu gerenciamento. Mais de 50% dos municípios não cobram pelos serviços públicos de limpeza urbana e, quando cobrados, estes valores são insufi cientes para a cobertura das despesas com a prestação dos serviços.

Os modelos tradicionais de gestão apresentam uma série de problemas e a gestão integrada ainda não foi incorporada como prática em razão de sua demanda de capacitação técnica e recursos fi nancei-ros. As propostas alternativas têm sido timidamente implementadas e freqüentemente interrompidas, o que vem tornando difícil um avanço qualitativo. As administrações municipais têm difi culdades técnicas e gerenciais para a realização da coleta, tratamento e destinação fi nal de resíduos sólidos e para a cobran-ça adequada dos munícipes pelos serviços prestados para fi nanciar os altos custos da coleta terceirizada e para minimizar os impactos ambientais de seu trata-mento. Apesar de o governo federal ter aumentado seu investimento em resíduos sólidos, estes continu-am muito inferiores às necessidades do setor.

Em São Paulo, a Política Estadual de Resíduos Só-lidos (Lei n. 12.300, de 2006)4 foi aprovada e aguarda a regulamentação. Apresenta avanços, tais como a in-clusão dos catadores de materiais recicláveis, exigên-cia dos planos de gerenciamento para os produtores de resíduos, inclusive para as prefeituras, elaboração do plano estadual e dos planos regionais, e criação do sistema declaratório de resíduos sólidos.

O CENÁRIO BRASILEIRO DA COLETA SELETIVA

A coleta seletiva, apesar de não ser a única solução para a problemática dos resíduos sólidos, promove o hábito da separação do lixo na fonte geradora para o seu aproveitamento, a educação ambiental voltada para a redução do consumo supérfl uo e do desperdí-cio, a prevenção e controle das doenças decorrentes da gestão inadequada do lixo, a geração de emprego e renda (inclusão social), a melhoria da qualidade da matéria orgânica para a compostagem, a economia de recursos naturais e a valorização de bens econômicos (materiais recicláveis).

Page 91: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

94 PEDRO R. JACOBI/GINA RIZPAH BESEN

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

Apenas 451 (6,4%), dos 5.670 municípios brasileiros possuem programas de coleta seletiva de materiais recicláveis; destes, cerca de 50% afi rmam desenvolver programas em parceria com catadores organizados e 96 municípios afi rmam estar organizando catadores (IBGE, 2000). Dentre estes, apenas 178 afi rmam que a abrangência da coleta seletiva é de 100% da área urbana. A coleta seletiva está sendo implementada em muitos dos municípios mais populosos do país e cerca de 25 milhões de brasileiros têm acesso a esses programas (CEMPRE, 2006). A Tabela 1 mostra a concentração dos programas nas regiões Sul e Sudeste, e a existência de um número muito baixo nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.

A modalidade de programas municipais de cole-ta seletiva, desenvolvidos em parceria com organi-zações de catadores de materiais recicláveis, vem se multi pli cando pelo país e se tornando mode-lo de política pública de resíduos sólidos. Estes programas aliam a minimização de resíduos com a in-clusão social e geração de trabalho e renda. Os catadores se organi-zam em cooperativas, associações e, mais recentemente, em Organi-zações da Sociedade Civil de Inte-resse Público – Oscips,5 na lógica da economia solidária (SINGER; SOUZA, 2000; SINGER, 2002). Os tipos de parcerias com as pre-feituras variam de acordo com as realidades locais.

O contexto socioeconômico e ambiental que envolve os programas municipais de coleta seletiva de materiais recicláveis não tem sido considerado no entendimento da dimensão ampliada que a questão merece. Embora o modelo de programas municipais em parceria com organi-zações de catadores tenha surgido há mais de dez anos e, atualmente, faça parte da realidade nacional, sua aplicação não está totalmente consolidada e não consegue integrar os milhares de catadores autôno-mos que continuam a atuar nas ruas dos grandes centros urbanos.

Tabela 1

Municípios com Programas de Coleta Seletiva, por RegiãoBrasil – 2000

Região Número de Municípios % de Programas

por Região com Coleta Seletiva Brasil Região

Brasil 5.507 451 8,2 -

Norte 449 1 0,2 0,2

Nordeste 1.787 27 6,0 1,5

Sudeste 1.666 140 31,0 8,4

Sul 1.159 274 60,8 23,0

Centro-Oeste 446 9 2,0 2,0

Fonte: IBGE; PNSB (2000).

Estudos acadêmicos mostram que esses progra-mas enfrentam vários desafi os que põem em risco sua sustentabilidade (CONCEIÇÃO, 2003; MARTINS, 2005; ROMANI, 2004; DEMAJOROVIC et al., 2006; BESEN, 2006). Os programas caracterizam-se pela baixa cobertura de atendimento, fragilidade do arranjo institucional da parceria, alta dependência da municipalidade e, portanto, insegurança permanente das organizações de catadores a cada mudança ad-ministrativa. Na maioria deles, verifi ca-se a queda na quantidade de recicláveis coletados devido à sua interceptação antes da coleta, por catadores autôno-mos – outros atores interessados no valor agregado dos materiais recicláveis – que se multiplicam no país. A qualidade dos materiais recicláveis coletados não é satisfatória, induzindo a um alto índice de rejeito.

Dentro das organizações, verifi cam-se também difi -culdades de adaptação dos membros aos preceitos que regem o sistema cooperativista e sua lógica de gestão (JACOBI et al., 2006).

Entretanto, deve ser considerado que esse quadro é dinâmico e afetado pela inexistência de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos no país, que defi na, entre outros princípios, a responsabilidade pós-consumo.

Já existem indicadores de coleta seletiva validados para o Brasil (BRINGHENTI, 2004), no entanto,

Page 92: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: ... 95

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

inexistem estudos consagrados de avaliação que en-foquem a sustentabilidade dos programas municipais de coleta seletiva, como também há carência de crité-rios e de indicadores para essa avaliação (GUNTHER et al., 2006).

COLETA SELETIVA NA RMSP: RESULTADOS DE PESQUISA

A RMSP é um dos maiores aglomerados urbanos do mundo. Segundo o Censo 2000, a população era de 17,8 milhões de habitantes, dos quais mais de 10 milhões moram no Município de São Paulo. Forma-da por 39 municípios, abrange a capital do Estado e mais 38 municípios vizinhos e é responsável pela produção de mais de 10% do lixo coletado no país. Segundo estimativa da Cetesb (2005), cerca de 17.690 toneladas de resíduos domiciliares são coletados na RMSP, das quais 9.000 toneladas no Município de São Paulo (CETESB, 2005).

Verifi cam-se altos índices de atendimento da coleta de lixo domiciliar em relação ao país, e apenas cinco municípios possuem uma cobertura inferior a 90%. No que se refere à disposição fi nal, mais da metade dos municípios dispõe estes resíduos em aterros sa-nitários e a outra parte em aterros controlados; e 61,5% apresentam condições adequadas de disposição fi nal de resíduos, de acordo com o Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Domiciliares (CETESB, 2005).

A maioria dos municípios da RMSP, 23 dos 39 existentes, dispõe seus resíduos em outros municí-pios; sete deles dispõem em Itaquaquecetuba, situação considerada controlada (CETESB, 2005) e cinco em Mauá, em situação considerada adequada. Na RMSP, operam oito aterros sanitários privados que recebem cerca de 13.500 toneladas por dia de resíduos sólidos urbanos, correspondendo a 57,5% do total destinado aos aterros privados do Brasil (ABRELPE, 2005).

As restrições ambientais em 54% do território me-tropolitano, que se encontra em áreas de proteção aos mananciais, difi cultam a instalação de equipamentos de tratamento ou de disposição fi nal de resíduos e acarretam o transporte dos resíduos para áreas cada vez mais distantes, implicando em custos maiores para as municipalidades. Dez dos 39 municípios da

RMSP possuem mais de 75% de sua área territorial inserida em Área de Proteção aos Mananciais, e seis com mais de 50%.

A pesquisa mostra que a coleta seletiva municipal está disseminada na RMSP. Dos 39 municípios, 23 (59%) têm programas de coleta seletiva de lixo, e den-tre estes, 19 apresentam parceria com organizações de catadores, três têm a coleta realizada por empresa contratada pela prefeitura e um realiza a coleta e doa o material reciclável. É importante destacar que nove municípios que ainda não tinham programas de cole-ta seletiva possuíam projeto de implantação.

O Mapa 1 apresenta o percentual de municípios da RMSP, classifi cados segundo as cinco modalidades de coleta seletiva consideradas na pesquisa.

O Município de São Paulo possui parceria com 15 cooperativas de catadores; o município de Diade-ma, com cinco associações; Santo André e São Ber-nardo do Campo, com duas cada um; e os demais, com uma organização. O Programa de Coleta Seletiva Solidária da prefeitura de São Paulo implantou 15 das 31 centrais de triagem previstas (uma por subprefei-tura). Outras 56 organizações de catadores exercem essa atividade na cidade sem estarem ofi cialmente in-tegradas ao programa (GRINBERG et al., 2005).

A maioria dos programas em parceria teve início após o ano 2000 e somente o município de Embu-Guaçu apresenta essa modalidade desde 1994. A maioria das prefeituras promoveu capacitação ge-rencial das organizações, tanto através de instituições públicas, quanto de universidades. Das 11 prefeituras envolvidas, 9 (81,8%) tiveram iniciativas de capacita-ção gerencial da organização.

Os municípios pesquisados coletam volumes de re-síduos sólidos pela coleta regular, que vão de 60 a 8.700 toneladas por dia; seis municípios coletam até 160 t/dia (56,6%), quatro municípios de 250 a 800 t/dia (36,4%), e São Paulo coleta 8.700 t/dia. Essa diversidade de vo-lumes retrata as extremas diversidades demográfi ca e socioeconômica dentre os municípios da RMSP. Destes 11 municípios, quatro (36,4%) depositam os resíduos sólidos domiciliares em aterros sanitários e sete (63,7%) em aterros controlados.

Os 11 municípios estudados coletam regular-mente os resíduos sólidos de 75% a 100% de seus

Page 93: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

96 PEDRO R. JACOBI/GINA RIZPAH BESEN

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

habitantes. Quanto à cobertura de atendimento da coleta seletiva, em porcentagem de seus habitantes, a freqüên cia encontrada foi a seguinte: até 10% em três municípios (27,3%); 20% a 30% em quatro municí-pios (36,4%); 50% a 75% em um município; (9,1%), 75% a 100% em dois municípios (18,2%); e um mu-nicípio não soube indicar.

Observa-se que em 63,7% dos municípios pesqui-sados a coleta seletiva atende a, no máximo, 30% dos habitantes, o que representa baixos índices de atendi-mento. Apenas em dois municípios, Santo André e Ba-rueri, a coleta seletiva abrange 100% da área urbana.

Os volumes de resíduos coletados seletivamente variam de 25 a 2.340 t/mês, sendo que oito municí-pios coletam menos que 150 t/mês; um município 500 t/mês e São Paulo 2.340 t/mês.

Responsáveis em sete prefeituras não souberam informar qual o custo mensal dos programas para as mesmas. Os custos aproximados para as quatro prefeituras que prestaram informações foram de: R$ 10.538 (Embu), R$ 47 mil (Santo André); R$ 90 mil (São Bernardo) e R$ 375 mil (São Paulo).

A organização dos catadores em cooperativas de trabalho prepondera (72%), sendo que 81% das orga-nizações entrevistadas encontram-se regularizadas, mas somente 31,3% possuem convênios assinados com as municipalidades. A pesquisa não verifi cou, como no caso de outros estudos (CONCEIÇÃO, 2003), sobre a efetiva aplicação das normas cooperativistas. O que se analisou foi a dinâmica organizacional e o capital social existente, notadamente no processo decisório, e o nível de participação nas assembléias e atividades coletivas.

Mapa 1

Coleta Seletiva nos MunicípiosRegião Metropolitana de São Paulo – 2005

São Paulo

Juquitiba

Embu-GuaçuSãoLourenço

da Serra

Itapecericada Serra

Taboão da SerraEmbu

Cotia

Vargem GrandePaulista

ItapeviJandira

Carapicuíba

OsascoBarueri

Santana de Parnaíba

Mairiporã

Guarulhos

Santa Isabel

Arujá

Itaquaquecetuba

Poá

Ferraz deVasconcelos

SuzanoMauá

SantoAndré

São Caetanodo Sul

Diadema

São Bernardo do Campo

Ribeirão Pires

Rio Grandeda Serra

Mogi dasCruzes Salesópolis

Guararema

Caieiras

Franco da Rocha

Francisco Morato

CajamarPirapora doBom Jesus

Birit ibaMirim

Coleta municipal/Destino externo

Empresa terceirizada

Parceria com cooperativa/associação

Sem programa, com projeto

Sem programa, sem projetoO

N

L

S

Fonte: Pesquisa Programas municipais de coleta seletiva de lixo como fator de sustentabilidade dos sistemas públicos de sanea-mento ambiental – Coselix. FSP-USP/Procam-USP/Centro Senac, 2005.

Page 94: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: ... 97

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

As instalações de triagem são cedidas pelas prefei-turas (90,3%), assim como os equipamentos utiliza-dos; as organizações apresentam elevada rotatividade dos membros e, em sua grande maioria, desenvolvem atividade de coleta, triagem e comercialização de ma-teriais recicláveis e divulgação dos programas nos municípios.

As modalidades de coleta seletiva empregadas pe-las organizações e pelas prefeituras podem ser múl-tiplas, envolvendo: porta a porta (88,5%); postos de entrega voluntária (84,6%); as próprias centrais de triagem, que funcionam como ponto de entrega vo-luntária (71,4%); pontos específi cos (88,5%); e por material coletado pela prefeitura ou empresas contra-tadas (84,6%).

O índice de rejeitos – indicador da qualidade na separação dos materiais recicláveis pela população – é

elevado na maioria das organizações (acima de 7%). Em 12 delas este índice é superior a 20%, sendo que somente em 8 das 32 organizações o mesmo encon-tra-se abaixo de 5%; e na faixa intermediária existem 11 organizações.

As organizações variam entre um número mínimo de cinco participantes e máximo de 97. O crescimen-to do número total de membros entre o início dos programas e o momento atual foi de 762 para 1.170. Observou-se uma elevação no número de membros em 26 das 32 organizações. A metade das organiza-ções possui entre 30 e 50 membros (48,4%).

Quanto às características dos compradores de ma-teriais recicláveis, consideraram-se três categorias: a venda para sucateiros, para a indústria e para inter-mediários (legalizados). Enquanto em São Paulo se observa a venda dos materiais predominantemente

Tabela 2

Resíduos Coletados Seletivamente, Comercializados e Porcentagem de Rejeito RelatadaRegião Metropolitana de São Paulo – 2005

Município

ColetaRegular

Coleta Seletiva

(coletado)

ColetaSeletiva

(comercializado)Rejeito Índice de

Recuperação de Materiais Recicláveis

(2)Tonelada/

dia

Tonelada /mês

(26 dias)

Tonelada /mês

Tonelada /mês Tonelada

/mês % (1)

1 São Paulo 8.700 226.200 2.340 1.670 670,0 28,6 alta 0,73

2 Barueri 160 4.160 150 130 20,0 13,3 média 3,02

3 Carapicuíba 250 6.500 40 não sabe - - não sabe -

4 Diadema 802 20.852 54 44 10,0 18,5 média 0,21

5 Embu 160 4.160 62 52 10,0 16,1 média 1,23

6 Itapecerica da Serra 93 2.418 30 29 1,5 5,0 muito baixa 1,16

7 Jandira 60 1.560 não sabe 3 - - média -

8 Poá 80 2.080 25 23 2,0 8,0 baixa 1,09

9 Santana de Parnaíba 70 1.820 70 46 24,5 35,0 muito alta 2,41

10 Santo André 628 16.328 500 250 250,0 50,0 muito alta 1,49

11 São Bernardo do Campo 625 16.250 88 não sabe - - não sabe -

Fonte: Pesquisa Programas municipais de coleta seletiva de lixo como fator de sustentabilidade dos sistemas públicos de saneamento ambiental – Coselix. FSP-USP/Procam-USP/Centro Senac, 2005.(1) Rejeito: até 5% = muito baixa; 5-10% = baixa; 10-20% = média; 20-30% = alta; acima de 30% = muito alta.(2) IR = (coleta seletiva - rejeito) X 100 / (coleta regular + coleta seletiva).

Page 95: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

98 PEDRO R. JACOBI/GINA RIZPAH BESEN

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

para indústrias e intermediários, provavelmente devi-do à escala, nos demais municípios prevalece a ven-da para sucateiros, com exceção de alguns tipos de plásticos que são comercializados com as indústrias. Destaca-se que, para algumas organizações, não há diferença entre sucateiros e intermediários; já outras fazem questão de diferenciá-los, o que difi culta a in-terpretação dos dados coletados.

A pesquisa também abordou aspectos relativos ao pagamento de tributos e tarifas. Apenas sete or-ganizações (21,9%) pagam INSS. Já quanto ao paga-mento de outras despesas realizadas pelas organiza-ções, 75% arcam com as contas telefônicas, apenas 15,6% com a conta de luz e 10,3% com a conta de água. Quanto ao recolhimento de recursos destina-dos a Fundos, 59,4% afi rmam recolher. Em relação ao pagamento de INSS pelos cooperados, 58,1% dos membros não pagam.

Os resultados obtidos sobre a receita das organi-zações e dos membros mostraram que os valores mé-dios mensais arrecadados pelas organizações variam entre R$ 1 mil e R$ 56 mil. Apenas 27 organizações declararam renda, sendo que dez tem renda mensal até R$ 10 mil (37%), oito de R$ 10 mil a R$ 20 mil (29,6%), cinco de R$ 20 mil a R$ 30 mil (18,5%) e quatro acima de R$ 30 mil (14,8%). Apenas duas or-ganizações afi rmam possuir outra fonte de arrecada-ção, além da comercialização dos materiais. Quanto ao valor arrecadado per capita, observa-se que a média mensal gira em torno de R$ 405. O valor mínimo é de R$ 125 e o máximo de R$ 941,44.

A pesquisa também abordou aspectos referentes à saúde do trabalhador e às condições de trabalho dos membros das organizações. As condições de saúde dos trabalhadores das organizações foram avaliadas de forma indireta, considerando-se o uso de Equipa-mentos de Proteção Individual – EPIs, relato de aci-dentes de trabalho e observação, pelos pesquisadores, das condições ambientais do local do trabalho. Em relação aos EPIs disponibilizados pelas organizações aos trabalhadores, das 31 organizações que responde-ram, a partir de respostas múltiplas, 93,5% dispõem de luvas, 83,8% de botas, 80,6% de óculos e 58% de máscara, 40,6% de protetor auricular e duas não oferecem equipamentos. Portanto, observa-se que,

em geral, as organizações oferecem condições bási-cas adequadas aos membros para o exercício de suas atividades. Entretanto, em relação à utilização dos equipamentos, obteve-se que: o uso de luvas por seus membros é praticado em 28 organizações (93,3%), de botas em 23 (76,7%), de óculos em 19 (63,4%), de máscaras em 12 (40%), de protetor auricular em sete (23,4%) e duas não utilizam.

Quanto aos acidentes de trabalho (registro dos úl-timos seis meses), 62,5% relataram a ocorrência de acidentes, sendo estes na sua maioria, resultantes de cortes com vidro. Apesar de 95% das organizações entrevistadas afi rmarem utilizar luvas, constata-se uma incidência signifi cativa de acidentes de trabalho causados por cortes e pela falta de uso adequado de EPIs, o que indica uma provável falha de orientação para o uso do equipamento.

Considerando-se que as prefeituras são parceiras das organizações, pesquisou-se o perfi l das demais parcerias. Estas consistem em diversas atividades de apoio: doação de equipamentos, capacitação, alfabe-tização, doação de materiais, inclusive de divulgação, e num importante fator de consolidação dos progra-mas. Em respostas de múltipla escolha, obteve-se que as indústrias são parceiras de 19 organizações (59,4%); seis mencionaram as ONGs (18,7%); três, o Poder Público Estadual (9,4%); cinco, as entidades religiosas (15,6%); seis, outros parceiros; e cinco afi r-maram não ter parcerias (15,6%).

A divulgação permanente do programa é muito importante para se obter a participação da população. Obteve-se que 12,5% das organizações afi rmam que a divulgação do programa só ocorreu no seu início, 65,6% periodicamente, uma vez a cada três meses, e 15,6% esporadicamente, uma vez por ano.

Sobre a participação da população no programa, conclui-se que existe pouca visibilidade da atuação das organizações, o que torna mais restrito o apoio e interesse da mesma. As organizações responderam mediante escala de avaliação qualitativa e nenhuma considerou essa participação alta ou muito alta, 18,8% a consideram baixa, 59,4% a consideram muito baixa e cinco a consideram regular (15,6%).

Quanto aos problemas enfrentados pelas organi-zações, três são os mais apontados, considerando-se

Page 96: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: ... 99

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

múltiplas respostas: precariedade na infra-estrutura de trabalho, problemas de relacionamento entre os membros e de organização interna, e falta de capa-citação para o empreendedorismo. Outros aspectos destacados foram: queda na quantidade de material reciclável, falta de conscientização da população, pro-blemas na divulgação do programa, falta de capital de giro e falta de apoio da prefeitura.

Quanto à falta de material reciclável ou queda na quantidade coletada, 17 organizações (41,1%) rela-taram o problema, ou seja, todas, menos as de São Paulo, provavelmente devido à diferença de escala e à alta quantidade de resíduos gerados.

Já no que se refere à opinião sobre a consolidação do programa no município, 10 organizações (31,3%) consideram que o programa está consolidado e 17 (53,2%) que não está. A justifi cativa da não consoli-dação dos programas mais citada é a falta de informa-ção e divulgação, e carência de educação ambiental (41,1%). Em relação aos que responderam afi rmati-vamente, a ênfase é que o nível de conscientização da população permitirá exigir da prefeitura a continui-dade dos programas (30% das organizações) e fi de-lidade das parcerias (6,2%). As demais apontaram as seguintes razões da consolidação: rendimento estável dos cooperados, divulgação do programa pela coo-perativa, reconhecimento nacional e internacional, importância para a vida útil do aterro e valorização do trabalho dos catadores.

Os resultados obtidos nesta fase da pesquisa per-mitiram aprofundar o conhecimento sobre os pro-gramas e as organizações de catadores, apoiados por uma pesquisa sobre indicadores de resíduos sólidos, de coleta seletiva e de sustentabilidade, assim como o conhecimento técnico da equipe de pesquisadores possibilitou o avanço na direção de construir indica-dores e índices de sustentabilidade, conforme relata-do a seguir.

DEFINIÇÃO DE INDICADORES E ELABORAÇÃO DE MATRIZES E ÍNDICES DE SUSTENTABILIDADE

Na pesquisa, defi niram-se os conceitos de sustentabili-dade socioeconômica e institucional para os programas de coleta seletiva, como “a capacidade de desenvolver suas atividades com garantia legal e de recursos, e com a meta de universalização dos serviços e obtenção de resultados ambientais e sociais crescentes”; e para as organizações de catadores de materiais recicláveis como “a capacidade de desenvolver suas atividades com a garantia de regularização institucional e a rea-lização de trabalho, e geração de renda em condições adequadas aos membros da organização”.

A metodologia aplicada para a construção dos ín-dices de sustentabilidade se apoiou em: a) defi nição de categorias de sustentabilidade, selecionadas em função dos resultados da pesquisa e compostas por variáveis qualitativas e indicadores quantitativos com

Quadro 1

Gradação dos Indicadores de Sustentabilidade dos Programas Municipais

Indicador + - +/-Sustentabilidade econômica Existência de taxa específi ca Não existência de cobrança Cobrança de taxa no IPTU

Marco legal Possui lei e convênio Não tem lei nem convênio Só lei ou só convênio

Parcerias do programa de coleta seletiva Duas ou mais Não tem Menos de duas

Cobertura da coleta Alta – 75% a 100% Baixa – menos de 30% Média – 31% a 74,9%

Índice de recuperação de materiais recicláveis – IRMR

Alto – acima de 11% Baixo – até 5% Médio – entre 5,1% e 10%

Índice de rejeito – IR Baixo – até 7% Alto – acima de 21% Médio – entre 7,1% e 20%

Fonte: Pesquisa Programas municipais de coleta seletiva de lixo como fator de sustentabilidade dos sistemas públicos de saneamento ambiental – Coselix. FSP-USP/Procam – USP/Centro Senac, 2005.

Page 97: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

100 PEDRO R. JACOBI/GINA RIZPAH BESEN

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

peso eqüitativo; e b) sistema de pontuação para cada variável ou indicador considerado, baseado numa escala gradativa de sustentabilidade, composta pelos graus: baixo, médio e alto.

Para defi nir a sustentabilidade dos programas mu-nicipais de coleta seletiva foram escolhidas seis cate-gorias ou indicadores, e para a sustentabilidade das organizações de catadores foram selecionadas cinco categorias e, dentro delas, 12 variáveis ou indicadores de sustentabilidade. Cada um dos indicadores foi ob-jeto de uma gradação qualitativa.6

A seguir, todos os indicadores foram pontuados7 e estruturaram-se duas matrizes de sustentabilidade: uma para os programas municipais e outra para as organizações de catadores, que levaram à compo-sição de índices de sustentabilidade distintos para cada um deles. A Tabela 3 exemplifi ca a matriz de sustentabilidade dos programas.

Os valores numéricos atribuídos à sustentabili-dade foram enquadrados em intervalos de valores, que representam os graus de sustentabilidade: alta, média, e baixa.

Nenhum dos programas municipais de coleta sele-tiva atingiu alto grau de sustentabilidade. O que mais se aproximou da sustentabilidade foi o município de Santo André e, mesmo assim, com a pontuação de 3,5. Oito programas (72,72%) fi caram com grau médio e três programas (27,3%) apresentaram baixo grau de sustentabilidade (Carapicuíba, Jandira e San-tana do Parnaíba).

Os indicadores que, em seu conjunto, mais afeta-ram negativamente o índice de sustentabilidade dos programas foram: inexistência de taxa específi ca, índice de recuperação de materiais recicláveis e co-bertura da coleta;, enquanto que os indicadores que afetaram positivamente os programas foram: a exis-tência de marco legal e as parcerias do programa.

Em relação à sustentabilidade, apenas duas organi-zações atingiram grau alto (6,25%); 28 atingiram grau médio (87,50%) e só duas, grau baixo (6,25%).

Os indicadores que, no seu conjunto, mais afeta-ram negativamente o índice de sustentabilidade das organizações foram: a inexistência de convênios fi r-mados com as prefeituras, a falta de área própria e

Quadro 2

Gradação dos Indicadores de Sustentabilidade das Organizações de Catadores

Indicador + - +/-1. Regularização da organização Regularizada Não regularizada

2. Instrumento legal de parceria Cooperativa com convênio ou Oscip com contrato

Não possui Associação com convênio

3. Rotatividade anual dos membros Até 25% dos membros Mais de 50% De 25 ate 50%

4. Capacitação dos membros Incubada Não incubada/ não capacitada

Capacitada

5. Renda mensal por membro Dois salários mínimos Um salário mínimo Entre um e dois salários mínimos

6. Participação dos membros Alta Baixa Média

7. Condição da Instalação Própria Cedida Alugada

8. Equipamentos/Veículos Próprios Cedidos Próprios / Cedidos

9. Horas trabalhadas dia/membro Mais de 6 Até 4 Entre 4 e 6

10. Benefícios para os membros 3 ou mais Nenhum Menos de 3

11. EPIs Usam EPIs Não possuem EPIS Não usam

12. Nº de parcerias das organizações Duas ou mais Uma Não tem

Fonte: Pesquisa Programas municipais de coleta seletiva de lixo como fator de sustentabilidade dos sistemas públicos de saneamento ambiental – Coselix. FSP-USP/Procam – USP/Centro Senac, 2005.

Page 98: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: ... 101

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

de equipamentos/veículos próprios e a baixa capaci-dade das organizações de proporcionarem benefícios aos seus membros; enquanto que os indicadores que contribuíram positivamente foram: a situação de re-gularização das organizações, a existência de cursos de capacitação e o fato de seus membros trabalharem mais de seis horas.

Não foi possível estabelecer uma correlação entre a sustentabilidade dos programas e a sustentabilida-de das organizações, porém, verifi ca-se que há um grau de similaridade das mesmas nos municípios de Carapicuíba, Poá, Santo André, São Bernardo e São Paulo, para os quais, tanto os programas como as or-ganizações obtiveram um grau médio de sustentabili-dade. Em quase todos os casos, o grau de sustentabilida de das organizações é mais alto que o grau dos programas.

CONCLUSÕES

A pesquisa mostra as fragilidades dos programas de coleta seletiva em parceria com organizações de ca-tadores, mas mostra também as suas potencialidades.

Existem problemas no arranjo institucional da parceria entre poder público e organizações de cata-dores, que não contemplam a inserção dos catadores de forma sustentável nos sistemas de limpeza pública municipais. Na medida em que as organizações não atuam enquanto prestadoras de serviços – e, por-tanto, remuneradas pelos serviços prestados – estão sujeitas às vontades políticas e a um permanente ris-co de continuidade. Tanto as prefeituras quanto as organizações ressaltam que a falta de capital de giro difi culta a aquisição de equipamentos para adequa-ção tecnológica e a manutenção dos equipamentos de trabalho; assim como a possibilidade de aquisição

Tabela 3

Ranking de Sustentabilidade Social e Institucional dos Programas Municipais de Coleta SeletivaRegião Metropolitana de São Paulo – 2005

MunicípiosRanking de Sustentabilidade Índice de

SustentabilidadeGrau de

Sustentabilidade1 2 3 4 5 6

São Paulo + + – – – – 2,0 Médio

Barueri – + – + – +/– 2,5 Médio

Carapicuíba +/– +/– + – – NS 1,5 Baixo

Diadema – +/– +/– – – +/– 2,0 Médio

Embu +/– +/– + +/– – +/– 3,0 Médio

Itapecerica – +/– +/– NS – + 2,0 Médio

Jandira – +/– – – – NS 0,5 Baixo

Poá +/– + + – – +/– 3,0 Médio

Santana do Parnaíba +/– – +/– – – – 1,0 Baixo

Santo André + + +/- + – – 3,5 Médio

São Bernardo +/– +/– + – – NS 2,0 Médio

Fonte: Pesquisa Programas municipais de coleta seletiva de lixo como fator de sustentabilidade dos sistemas públicos de saneamento ambiental – Coselix. FSP-USP/Procam – USP/Centro Senac, 2005.

Page 99: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

102 PEDRO R. JACOBI/GINA RIZPAH BESEN

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

dos recicláveis coletados por catadores autônomos certamente facilitaria o seu engajamento junto a estas organizações e promoveriam a sua inclusão social.

Outros dois fatores que afetam a sustentabilidade das organizações são a competição entre os vários atores da cadeia de reciclagem pela coleta dos mate-riais recicláveis, que tem acarretado a queda na quanti-dade de material reciclável que chega às organizações, assim como as oscilações no mercado desse material. Sendo a comercialização dos recicláveis a única fonte de renda das cooperativas/associações, estas fi cam totalmente vulneráveis e menos atrativas, acarretando um aumento da rotatividade, necessidade de capaci-tação de novos membros ao sistema cooperativista, tornando-se problemáticas para as prefeituras.

Verifi ca-se também que os volumes de resídu-os coletados e desviados de aterros por esses pro-gramas são pouco signifi cativos, principalmente se comparados às quantidades coletadas por catadores autônomos. Isto indica a necessidade de descentrali-zar os programas e investir em recursos humanos e fi nanceiros na identifi cação, organização e integração dos catadores autônomos aos programas. Observa-se também a necessidade de investir mais em programas

de educação ambiental, em campanhas periódicas de conscientização e informação da população, e na capacitação permanente dos membros das organi-zações de catadores para melhorar a efi ciência dos programas.

É importante destacar que o custo de geração de postos de trabalho na coleta seletiva é muito mais baixo do que em qualquer setor formal ou até em relação a alguns setores informais de trabalho, o que mostra o grande potencial de geração de trabalho e renda desta atividade.

Esta situação requer políticas públicas efetivas, que possibilitem a inserção destes programas nos sistemas de limpeza pública dos municípios. Também deman-da o reconhecimento das organizações de catadores na condição de protagonistas da gestão integrada e compartilhada de resíduos sólidos, assim como a inserção dos catadores autônomos aos programas, investimentos públicos e privados em programas de fortalecimento institucional para gerar mais postos de trabalho e renda. Além dos aspectos relativos às políticas locais, também deve ser considerada a ne-cessidade de mudanças na legislação federal referente às contratações de serviços de cooperativas.

Notas

1. A pesquisa foi coordenada pela professora Helena Ribeiro da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e desenvolvida pelos professores Pedro Roberto Jacobi, Wanda Günther e Jacques Demajorovic, mestrandas Gina Rizpah Besen e Mariana Viveiros e equipe de apoio: Alexandre Rathsam, Flávio Gomes da Silva, Marco Antonio R. Oliveira Jr. e Fernanda Luiz. 2. Atendem parcialmente às normas de engenharia sanitária e ambiental.3. Em 2003, a União Européia promulgou a diretiva 2002/96/EC, do Parlamento Europeu e do Conselho de Resíduos de Equipamentos Eletro-eletrônicos, Waste of Electric and Electronic Equipment (WEEE). Esta legislação foi implementada como lei nacional, em 2004, na maioria dos estados membros e tem ampliado a reutilização e reduzido o descarte destes equipamentos em aterros. 4. Assinada de forma inovadora por um grupo de oito deputa-dos de diferentes partidos, foi discutida em audiências públicas

por setores representativos do governo, da sociedade civil e do setor de reciclagem.

5. A Oscip Pacto Ambiental de Diadema reúne cinco coo-perativas com 62 trabalhadores incluídos no Programa Vida Limpa, iniciado em 2002 pela administração municipal.

6. Esta variou entre mais (+), mais ou menos (+/-) e menos (-), correspondente a gradações de aspectos importantes conside-rados em cada indicador, que serviu para caracterizar maior ou menor proximidade do que se considerou sustentabilidade em relação ao próprio indicador, conforme mostram os Quadros 2 e 3. Assim, a classifi cação + signifi ca mais próximo do objetivo de sustentabilidade e às demais no sentido inverso.

7. Para tanto, considerou-se que cada valor + (mais), atribuído ao indicador em análise, valeria 1 ponto; cada valor +/– (mais ou menos) valeria 0,5 pontos e cada valor – (menos) não soma-ria nenhum ponto. A somatória dos valores numéricos levou a um número que representa o índice de sustentabilidade do programa ou organização.

Page 100: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: ... 103

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

Referências Bibliográfi cas

ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil. 2005. Disponível em: <http://www.abrelpe.com.br/panorama_2005.php>. Acesso em: 18 mar. 2006.

BECK, U. Risk society. London: Sage Publications, 1994.

BESEN, G.R. Programas municipais de coleta seletiva em parceria com organizações de catadores na Região Metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

______. Programa alimentar – a coleta de orgânico com eco-cidadania. São Paulo, Fundação Getulio Vargas, 2005. Disponível em: <http://inovando.fgvsp.br/conteudo/dados_novo/vis_busca.cfm?ID_Programa=1864>. Acesso em: 12 mar. 2006

BRINGHENTI, J. Coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos: aspectos operacionais e da participação da população. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004.

CETESB – Companhia de Tecnologia em Saneamento Ambiental. Inventário estadual de resíduos sólidos domiciliares: relatório de 2005. São Paulo: 2006.

CONCEIÇÃO, M.M. Os empresários do lixo: um paradoxo da modernidade – análise interdisciplinar das cooperativas de reciclagem. Campinas: Átomo, 2003.

CONSUMERS INTERNATIONAL. Consumo sustentável – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente/Idec, 1998.

DEMAJOROVIC. J. et al. Os desafi os da gestão compartilhada de resíduos sólidos face à lógica de mercado. In: JACOBI, P.; FERREIRA, L. (Org.). Diálogos em ambiente e sociedade no Brasil. São Paulo: ANNPAS/Annablume, 2006.

EUROPEAN UNION. Directive 2002/96/EC of the European Parliament and of the Council of 27 January 2003: on waste electrical and electronic equipment (WEEE). Disponível em: <http://www.uk.farnell.com/static/rohs/official_pres/weee.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2005.

FERREIRA, L. Idéias para uma sociologia da questão ambiental no Brasil. São Paulo: Annablume, 2006.

GOLDENBERG, J. Energia. In: TRIGUEIRO, A. (Coord.). Meio Ambiente no séc. 21: 21 especialistas falam da questão ambiental em suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 171-182.

GONÇALVES, J. (Coord.). Metodologia para a organização social dos catadores. São Paulo: Peirópolis, 2002.

GRINBERG, E; TUSZEL, L; GOLDFARB, Y. Gestão sustentável de resíduos sólidos e inclusão social: estudo de caso sobre

as cooperativas das centrais de triagem do programa coleta seletiva solidária da cidade de São Paulo. 2005. Disponível em: <http//www.instituto polis.org.br/download/80.pdf >. Acesso em: 4 mar. 2006.

GUIVANT, J. A trajetória das análises de risco: da periferia ao centro da Teoria Social. Revista Brasileira de Informação Bibliográfi ca em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Relume Dumará/Anpocs, n. 46, p. 3-38, 1998.

GUNTHER, W. et al. Programas de coleta seletiva em parceria com organizações de catadores: indicadores de sustentabilidade.In: Anais da ISWA Beacon Conference. São Paulo, 9-12 maio 2006. CD-ROM.

IBGE. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB. 2000. Rio de Janeiro: 2001.

______. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – 1991. Rio de Janeiro: 1992.

JACOBI, P.R. (Org.). Gestão compartilhada dos resíduos sólidos no Brasil: inovação com inclusão social. São Paulo: Annablume, 2006.

JACOBI, P.R. et. al. Programas municipais de coleta seletiva em parceria com organizações de catadores na Região Metropolitana de São Paulo – sustentabilidade socioeconômica, sanitária e ambiental. In: ENCONTRO DA ANPPAS, 3., Brasília, 23-26 maio 2006. Disponível em: <http://www.anppas.org.br>. Acesso em: 15 mar. 2006.

MARTINS, C. Trabalhadores na reciclagem do lixo: dinâmicas econômicas, socioambientais e políticas na perspectiva do empoderamento. PortoAlegre, FEE, 2005. (Teses FEE, 5).

PORTILHO, F. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2005.

RODRIGUES, A. Resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos: alternativas de política e gestão. Monografia – Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, 2003.

ROMANI, A. O poder público municipal e as organizações de catadores. Rio de Janeiro: Ibam/Duma/Caixa, 2004.

SINGER, P. A recente ressurreição da economia solidária no Brasil. In: SANTOS, B. (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 81-126.

SINGER, P.; SOUZA, A. (Org.). A economia solidária no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.

Page 101: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

104 PEDRO R. JACOBI/GINA RIZPAH BESEN

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006

PEDRO R. JACOBI

Sociólogo, Professor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP.([email protected])

GINA RIZPAH BESEN

Psicóloga, Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.([email protected]).

Artigo recebido em 10 de abril de 2006.Aprovado em 5 de maio de 2006.

Como citar o artigo:JACOBI, P.; BESEN, G.R. Gestão de resíduos sólidos na Região Metropolitana de São Paulo: avanços e desafi os. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 90-104, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; < http://www.scielo.br>.

Page 102: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

O presente texto refere-se à questão de áreas degra-dadas e áreas contaminadas do ponto de vista de sua ocorrência, caracterização e das demandas e tendências de revitalização urbana, no espaço da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, enfocando aspectos ambientais e de saúde, no contexto da poluição, da degradação ambiental e das políticas públicas envolvidas. O surgimento de tais áreas é o resultado de processos socioeconômicos não ambientalmente sustentáveis e do decorrente uso e ocupação do solo sem observância aos parâmetros de proteção ambiental. Não cabe nos limites deste texto a análise teórica das razões que levaram ao aparecimento destas áreas.

As questões atuais de poluição urbana no Brasil refletem o passado histórico marcado pelo modelo de in-dustrialização, pelo processo de acumulação do capital, pela escalada da urbanização e expansão urbana, pelo fenômeno da espoliação urbana e pela conseqüente forma de organização do espaço, os quais ocorrem com reduzida ou nenhuma participação e controle social. Na RMSP, esses fenômenos são mais visíveis e determi-nam claramente o panorama ambiental urbano atual, que carece de um conjunto de decisões e ações, visando à minimização dos impactos e riscos à saúde humana e ao ambiente.

No contexto explosivo do crescimento metropolitano, o poder público só se muniu tardiamente dos ins-trumentos legais para buscar um mínimo de ordenação ao uso do solo (KOwaRicK, 1979). Por outro lado, a insuficiência ou o baixo alcance das políticas públicas ambientais e de desenvolvimento urbano não lograram

Resumo: Área contaminada é a expressão mais contundente do uso e ocupação do solo, marcada pelo modelo de urbanização e industrialização adotado. A revitalização dessas áreas pressupõe a integração de políticas públicas de ambiente, saúde e desenvolvimento urbano, sustentáveis e participativas,

que visem à reutilização segura desses passivos ambientais e sua reintegração ao tecido urbano.

Palavras-chave: Áreas contaminadas. Gestão urbana. Políticas públicas.

Abstract: Contaminated site is the biggest consequence of the soil use and occupation which is highlighted by the adopted model of urbanization and industrialization. The revitalization of these areas should integrate public policies of health, environment and urban development, which should be

sustainable and participative that aim at safe reutilization of these environmental passive, reintegrating them to the urban area.

Key words: Contaminated sites. Urban management. Public policies.

Áreas contaminadas no contexto da gestão urbana

Wanda M. Risso GüntheR

Page 103: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

106 WAndA M. Risso GünTheR

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

conter os efeitos da degradação urbana, a qual tem resultado em sérias conseqüências ambientais: polui-ção dos recursos hídricos, com destaque para a de-terioração de mananciais de abastecimento; poluição atmosférica decorrente de processos produtivos, em especial por emissões provenientes da frota automoti-va, agravada pela formação de poluentes secundários na atmosfera; episódios de inundações de áreas vul-neráveis, devido à impermeabilização do solo e com-prometimento dos canais naturais de escoamento das águas; ocorrências de proliferação de vetores, com elevação de casos de agravos à saúde ou incômodos à população local; dificuldades no gerenciamento dos resíduos sólidos com crescente número de áreas de disposição inadequada; e a ocorrência de áreas degrada-das1 e áreas contaminadas2 no espaço urbano.

Desde o final do século XX, a questão das áre-as degradadas e áreas contaminadas têm integrado o tema da revitalização urbana,3 cujo objetivo é conferir novo uso sustentável 4 a essas áreas e integrá-las ao te-cido urbano, estimulando a requalificação urbana. O reconhecimento de áreas nas quais foram desenvol-vidas atividades potencialmente poluidoras tem se intensificado nos últimos anos, sobretudo em regiões densamente povoadas e industrializadas, e sua reu-tilização de forma indiscriminada representa risco à saúde (ROcca, 2006).

a presença de área contaminada – um caso particu-lar de área degradada, em que a concentração de con-taminantes ultrapassa valores de referência ambiental-mente aceitáveis – torna mais complexo o processo de reinserção urbana. Tal área deve ser submetida à avalia-ção e remediação5 e, somente após, ser revitalizada.

Na reflexão sobre a temática da sustentabilidade ambiental das grandes cidades, a questão específica das áreas contaminadas merece destaque. Decorren-tes de padrões ambientalmente insustentáveis de pro-dução e consumo nos moldes capitalistas, do modelo de uso e ocupação do território e dos processos de desconcentração/desinstalação do parque industrial que marcam, de forma geral, as metrópoles brasilei-ras, a ocorrência dessas áreas compromete o ambien-te natural e construído, resulta em situações de risco à saúde da população exposta aos contaminantes e afeta a qualidade de vida urbana.

Embora o tema não se constitua em escopo do pre-sente trabalho, cumpre lembrar que a visão neoliberal de desenvolvimento sustentável, difundida pela agenda 21 (2006), tem sido contestada por autores como Ro-drigues (2006), principalmente quanto à não inclusão da apropriação das riquezas, das contradições e conflitos de classes e da importância do território na discussão. Se-gundo a autora, essa noção de sustentabilidade propõe a resolução das contradições e dos conflitos ambientais por meio da ação de todos para a preservação do am-biente para as gerações presente e futura, ou seja, baseia-se na igualdade de direitos para inferir que todos são igualmente responsáveis pela degradação e esgotamento dos recursos naturais. Porém, os efeitos da degradação não são causados por indivíduos isoladamente, mas pelo modo de produção de mercadorias e reprodução do ca-pital e por agentes propulsores do desenvolvimento, que não são considerados como depredadores dos recursos naturais. assim, segundo a autora,

a matriz discursiva relacionada à problemática ambiental desloca as análises da produção para o consumo e, princi-palmente, de conflitos e contradições de classes, para confli-tos entre gerações (RODRiguES, 2006, p. 107).

Embora exista uma pluralidade de abordagens que sustentam um debate em construção, a sustentabilida-de vem se evidenciando como tema transversal nos estudos teóricos sobre a questão ambiental, nesse iní-cio de século. isto é verdade particularmente naque-les estudos que pretendem uma abordagem sistêmica dos aspectos saúde e ambiente, por meio dos quais se busca subsidiar a formulação de políticas públicas, promovidas por distintos atores sociais. Para ignacy Sachs (1994), a sustentabilidade ambiental deve ser contemplada por meio de suas dimensões integradoras e plurais, de modo a incorporar as repercussões da sus-tentabilidade em âmbito social, econômico, ecológico, espacial, político e cultural. Segundo o autor, a partici-pação social e democrática da população, a educação ambiental e o advento de políticas públicas adequadas constituem alternativas eficazes para o enfrentamento de problemas ambientais (SachS, 1994).

O enfoque sistêmico que a questão requer envolve ainda a integração dos setores públicos, nos três ní-

Page 104: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

ÁReAs ConTAMinAdAs no ConTexTo dA GesTão URbAnA 107

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

veis de governo, do setor privado e da sociedade civil, na busca de políticas públicas integradas e alinhadas. cabe a elas estabelecer, de um lado, os mecanismos de responsabilização, os instrumentos de ação e con-trole para recuperação e uso das áreas contaminadas e as medidas de acompanhamento da saúde dos atin-gidos; e de outro lado, contemplar a revitalização do espaço e a reinserção urbana, na ótica da sustentabili-dade ambiental e em resposta aos desafios do enfren-tamento da degradação ambiental nas cidades.

Teoricamente, a ocorrência de áreas degradadas e, mais especificamente, de áreas contaminadas, evi-dencia os argumentos de Ulrich Beck (1995; 2003) quanto ao conceito de sociedade de risco, aquela que reparte seus males e danos: há uma lógica de distri-buição de riscos na sociedade que afeta desigualmen-te a população. Os efeitos das situações de risco são propagados de modo desigual e atingem, de forma mais iníqua, segmentos pauperizados ou desprotegi-dos da sociedade. Indivíduos em melhores condições socioeconômicas teriam mais facilidades de se prote-ger ou minimizar os efeitos de situações de risco.

Pensando-se nas áreas degradadas, estas retratam categoricamente a afirmação de Beck, pois a degrada-ção ambiental é mais acentuada em áreas de exclusão social, carentes de infra-estrutura e de serviços básicos, para as quais se dirigem as classes menos privilegia-das economicamente. as áreas contaminadas estão mais associadas a processos produtivos industriais e a atividades comerciais potencialmente geradoras de situações de risco, a exemplo da comercialização de combustíveis; ocorrem nos locais onde tais atividades foram implantadas ou no trajeto que a circulação de produtos utiliza, como no caso dos acidentes de trans-porte; ou ainda nos locais de lançamento ou disposição dos resíduos resultantes dessas atividades. a falta de um sistema de tratamento dos dados sobre áreas con-taminadas, que possibilite conhecimento detalhado de sua distribuição espacial, no âmbito da RMSP, dificulta a análise em termos da distribuição dos efeitos dano-sos aos diferentes estratos socioeconômicos.

Giddens (1998), alinhando-se às reflexões de Beck, identifica que, na sociedade de risco, os efeitos nefas-tos da expansão urbana e da industrialização são tidos como externalidades, são arcados por terceiros, de for-

ma involuntária. Esses atores, no caso enfocado, são representados em especial por moradores e trabalha-dores das comunidades locais atingidas pelo evento da contaminação, indivíduos não envolvidos no processo econômico-produtivo, mas que sofrem os efeitos des-te. Epidemiologicamente caracterizam-se como popu-lação sob risco de exposição, na qualidade de portado-res de riscos decorrentes de externalidades.

Nesse aspecto, a questão das áreas degradadas e áreas contaminadas têm despertado atenção de ur-banistas, especialistas ambientais, cientistas sociais e estudiosos do direito ambiental, portanto, requer tratamento multidisciplinar e integrado. a questão insere-se como componente a ser considerado no en-foque sistêmico, sob o qual devem ser desenhadas as políticas públicas de desenvolvimento urbano, meio ambiente e saúde, um desenho ainda não consolidado no país, salvo em algumas iniciativas no Estado de São Paulo.

O desenvOlvimentO industrial, a expansãO urbana e seus efeitOs sObre O espaçO urbanO na fOrma de áreas cOntaminadas

a industrialização brasileira experimentada a partir da década de 1950 contribuiu para a formação das grandes cidades e dos centros metropolitanos, mas deixou em seu rastro marcas que se traduziram em problemas ambientais urbanos, com destaque, neste estudo, para a questão da disposição dos resíduos in-dustriais, da desativação industrial e da ocorrência de áreas degradadas e/ou contaminadas. constituiu-se, assim, em mais um dos ciclos econômicos brasileiros acompanhados da predação ambiental já apontada por Prado Jr. (1990).

O processo brasileiro de urbanização e expansão urbana, condicionado pelo modelo urbano-industrial característico de sociedades capitalistas ocidentais em expansão, resultou na formação de centros de alta concentração populacional e na ocupação do espaço de modo polarizado e desigual. Esse processo culminou na concentração de 47% da população brasileira em 12 regiões metropolitanas e 37 aglomerações urbanas não-metropolitanas. Nestes 12 centros metropolitanos, uma população

Page 105: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

108 WAndA M. Risso GünTheR

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

de 52,7 milhões de habitantes (33,6% da população do país) assenta-se em conglomerados contíguos que envolvem 200 municípios (iPEa/uNicaMP-iE-NESuR/iBgE, 1999). No decorrer da segunda metade do século XX, além do forte adensamento populacional, impulsionado pela intensa migração campo-cidade, as metrópoles conviveram com verticalização das moradias e vazios urbanos, estraté-gias do setor imobiliário para valorização do capital, que privilegiou as classes sociais mais favorecidas economicamente e induziu a população de baixos ingressos à periferização (MaRicaTO, 1987). Segundo Kowarick (1979), a distribuição espacial da população no quadro do crescimento caótico da RMSP é reflexo da condição social dos habitantes da cidade, espelhando no nível do espaço a segregação imperante no âmbito das relações econômicas.

No quadro de recessão econômica, enfrentado nas décadas de 1980 e 1990, o processo de metropoliza-ção se atenuou, com o crescimento mais intenso das cidades de porte médio (4,8%) contra o das metró-poles (1,3%), porém a exclusão social se aprofundou (MaRicaTO, 2000) e a degradação ambiental se intensificou. A expansão urbana rumo às áreas pe-riféricas caracterizou-se pela ocupação desordenada – ordenada segundo a lógica de reprodução do ca-pital (KOwaRicK, 1979) – e irregular de várzeas, morros, alagados e pela invasão de áreas vulneráveis e de proteção ambiental, gerando desmatamento, supressão de matas ciliares, erosão, ocupações irre-gulares em áreas de risco, poluição ambiental, além da alteração do curso e canalizações de rios. as áre-as ocupadas, carentes de infra-estrutura, passaram a demandar a expansão dos sistemas de saneamento: abastecimento de água, coleta de esgotos sanitários e de resíduos sólidos, os quais não acompanharam o ritmo do crescimento ou não puderam ser implanta-dos, devido às restrições impostas pela lei de prote-ção dos recursos hídricos. Como conseqüência, novas fontes de poluição emergiram, principalmente devido ao esgoto sanitário bruto lançado em corpos d’água e aos resíduos sólidos dispostos a céu aberto.

Neste contexto, a questão da geração dos resíduos industriais6 e dos resíduos sólidos urbanos7 se faz presen-te e reflete os avanços, a expansão e a diversificação

dos processos produtivos industriais, a emergência e crescimento do setor de comércio e de serviços e o adensamento populacional nas áreas urbanas e periurbanas. Nas últimas décadas do século XX, a questão dos resíduos sólidos evidencia-se não só pelo aumento dramático da quantidade, mas pela presença cada vez maior de substâncias perigosas nos proces-sos industriais e em algumas atividades comerciais e domésticas. Quanto aos resíduos urbanos, volumes crescentes são produzidos e, dentro da lógica vigente do gerenciamento tradicional, que privilegia apenas a coleta e o afastamento do local de geração, estes acabam, em sua maioria, descartados no solo. No caso de resíduos industriais, resíduos de serviços de saú-de8 e alguns resíduos especiais,9 o gerenciamento cabe ao gerador. incluem-se nesses grupos muitos resíduos perigosos, que necessitam de tratamento prévio à sua disposição no solo, o que muitas vezes não acontece. a situação agrava-se quando o descarte no solo não segue critérios construtivos e de adequação ambien-tal e sanitária, situação que pode dar origem a áreas contaminadas, constituindo passivos ambientais10 para as gerações futuras.

No contexto da recessão econômica, verificada no país a partir da década de 1980, evidencia-se também o processo de desativação crescente de instalações produtivas em regiões urbano-industriais (NEgRi, 1996), fenômeno conhecido como desindustrializa-ção (SáNchEz, 2001), cujas causas fogem ao esco-po deste trabalho. Esse êxodo industrial das metrópo-les, rumo às cidades do interior e Estados com menor tradição industrial, impulsionou o crescimento das cidades de porte médio, originou pólos industriais se-toriais e deixou, no local da evasão produtiva, instala-ções e equipamentos abandonados – brownfields,11 que são espaços urbanos desocupados e disfuncionais muitas vezes contaminados. Silva (2002) mostra que, em uma amostra de 309 indústrias instaladas no Mu-nicípio de São Paulo na década de 1980, apenas 46% permaneciam em atividade em 2001/2002; 19% en-contravam-se desativadas (5,1% para alugar ou ven-der); e 34,9% foram desativadas e encontraram novo uso, sendo 13,6% destas para novo uso industrial e 21,3% para novo uso não-industrial. Estes dados evi-denciam a magnitude do problema e apontam para a

Page 106: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

ÁReAs ConTAMinAdAs no ConTexTo dA GesTão URbAnA 109

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

questão mais preocupante para a saúde pública, que é a reutilização dos brownfields sem controle ambiental e os riscos associados a essa prática, principalmente se estiverem contaminados. Este panorama tem se mostrado freqüente na RMSP, pelo vigor do merca-do imobiliário voltado para construção de edifícios de média e alta renda e grandes empreendimentos comerciais e de lazer.

a situação de abandono de áreas ou instalações resulta em depreciação do capital imobilizado no local ou no entorno imediato, influencia a ocupação irregu-lar e o surgimento de atividades marginais e deteriora a paisagem urbana. a ocorrência de áreas contaminadas, por sua vez, além dos impactos negativos atribuí-dos às áreas abandonadas, pode representar risco à saúde humana devido à exposição da população aos contaminantes ali presentes. assim, o processo de gestão am-biental urbana vai conviver com a necessidade imediata de recu-peração das áreas, visando adap-tá-las a novo uso e função confi-gurados pelo momento atual, na promoção do desenvolvimento urbano local. Este é o objetivo da revitalização de áreas degrada-das e contaminadas, considerada como um instrumento do desenvolvimento urba-no sustentável, em que pese sua característica de intervenção de cunho corretivo.

áreas degradadas e áreas cOntaminadas: revendO cOnceitOs

Torna-se extremamente didático e contribui para a compreensão do assunto a clara diferenciação entre os conceitos de área degradada e área contaminada (já citados na introdução), como também os processos utilizados para recuperação de tais áreas. Sánchez (2004) apre-senta uma representação gráfica que contribui para melhor compreensão das interfaces e dos espaços pró-

prios de ambas e dos brownfields (Figura 1). Dela resulta que, das áreas ocupadas pelos assentamentos urbanos, uma parte constitui-se em áreas degradadas. as áre-as contaminadas, como um caso particular das áreas degradadas, estão totalmente contidas nessas, ou seja, toda área contaminada é também uma área degradada. as áreas abandonadas ou brownfields podem se consti-tuir em áreas contaminadas, se apresentarem concen-trações de contaminantes que configurem situação de risco à saúde dos expostos, mas, por outro lado, podem

apresentar degradação ambiental não acompanhada de contaminação. Nos brownfields, se houver suspeita ou percepção da possibilidade de contaminação, mesmo que esta não seja efetiva, já será suficiente para dificul-tar sua reutilização.

O conceito de áreas contaminadas deve ser compreendido em seu real significado e dentro de um enfoque sistêmico, pois não se refere apenas ao locus da contaminação, ou seja, ao solo que re-cebeu os contaminantes: a área contaminada envolve o conjunto dos compartimentos ambientais (ar, água, solo, vegetação) afetados; as construções, instalações e equipamentos ali presentes, as ativi-dades ali desenvolvidas; e as populações (animal ou

Figura 1

diagrama esquemático referente à degradação ambiental de áreas

Áreas Contaminadas

Áreas Ocupadas

Áreas Degradadas

Brownfields

Fonte: Sánchez (2004).

Page 107: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

110 WAndA M. Risso GünTheR

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

humana) sob risco da exposição aos seus contami-nantes. Nessas áreas, os poluentes e contaminan-tes podem concentrar-se na superfície do terreno ou em subsuperfície, nos diferentes meios: solo, água, ar, biota e também no ambiente construído, como edificações, instalações, material utilizado para aterro, o que justifica a denominação de área contaminada e não apenas solo contaminado, como tem sido tratado em alguns casos.

áreas degradadas devem ser revitalizadas e rein-tegradas ao tecido urbano, de modo que sua reu-tilização possa se caracterizar como instrumento de requalificação urbana (SaNchEz, 2004). áre-as contaminadas necessitam passar por remediação, para eliminar o risco à saúde ou torná-lo aceitá-vel (ROcca, 2006) antes de serem revitalizadas e reinseridas no meio urbano.

Nas últimas décadas do século XX, quando se iniciou o processo de recuperação de áreas conta-minadas, isto é, da aplicação de medidas correti-vas de remediação com o objetivo de viabilizar sua utilização para um novo uso, buscava-se atender ao princípio da multifuncionalidade,12 o qual prevê a restauração das condições naturais do solo. Seu alto custo levou a repensar essa forma de inter-venção. atualmente, adota-se a meta de recuperar a área para torná-la apta a absorver um uso futuro determinado, medida que é menos restritiva e mais viável técnica e economicamente.

Áreas Contaminadas: Fontes, Causas e eFeitos

as principais causas de ocorrência de áreas contami-nadas são: incidentes devido à disposição inadequa-da de resíduos no passado; manejo inadequado de substâncias perigosas nos processos industriais em operação, o que caracteriza a contaminação do site de indústrias ativas; a inadequada disposição de resíduos ou emissões industriais, perdas durante o processo produtivo, armazenamento inadequado, vazamento nos processos e acidentes, além da desativação de processos produtivos.

Diversas fontes de poluição podem dar origem a áreas contaminadas. O perigo está presente em sistemas de armazenamento de produtos e resíduos tóxicos; sis-

temas de tratamento e disposição de efluentes líquidos e de resíduos sólidos; lançamento e infiltração no solo de esgotos sanitários e efluentes industriais; emissões gasosas de compostos poluentes que são trazidos ao solo pelo vento ou chuva; aplicação indevida de agro-tóxicos; acidentes no transporte de cargas perigosas; armazenamento e distribuição de substâncias quími-cas, com destaque para a comercialização de combus-tíveis; vazamento de tanques e tubulações; abandono de embalagens contendo produtos químicos ou resí-duos perigosos; e depósitos de rejeitos radiativos. a indústria destaca-se como a fonte prioritária, devido à quantidade de operações que são desempenhadas nas instalações produtivas, ao volume e diversidade de substâncias químicas que demanda e à quantidade de resíduos perigosos que produz.

as áreas contaminadas não gerenciadas funcionam como fontes dinâmicas de contaminação secundária, uma vez que podem extrapolar os contaminantes para além da área afetada e para outros meios, ca-racterizando uma poluição multimeios; e podem dis-sipar poluentes mediante diferentes mecanismos de transporte, o que amplia seu campo de influência e a exposição. Em função das facilidades ou dificuldades da propagação de contaminação, a área contaminada é ampliada, estendendo seus efeitos deletérios a áreas imediatas e contíguas. Portanto, a contaminação nes-ses espaços é um fator dinâmico.

A exposição humana, fato que implica no risco à saúde, pode ocorrer por três vias distintas e simultâ-neas: inalação de gases ou material particulado; in-gestão de água e produtos vegetais ou animais con-taminados; e contato dérmico com materiais ou solo contaminado. Essas vias de acesso de contaminantes ao organismo humano são consideradas na análise de risco, ferramenta utilizada para determinar o risco à saúde humana dos indivíduos expostos à dada área considerada potencialmente contaminada.

São inúmeros os problemas que decorrem da existência de áreas contaminadas. Sánchez (2001) identifica quatro principais: risco à saúde humana e aos ecossistemas, risco à segurança dos indivíduos e da propriedade, redução do valor imobiliário da propriedade e restrições ao desenvolvimento urbano. há ainda a possibilidade de contaminação dos recursos

Page 108: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

ÁReAs ConTAMinAdAs no ConTexTo dA GesTão URbAnA 111

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

hídricos, especialmente águas subterrâneas utilizadas para abastecimento público, e o comprometimento dos aqüíferos ou reservas importantes de águas subterrâneas (cETESB, 1999). Em âmbito mundial, existem inúmeros relatos de contaminação de águas subterrâneas por diversas fontes. No Brasil, assume dimensões preocupantes, considerando-se a proporção de utilização de águas subterrâneas para abastecimento público. Somente no Estado de São Paulo, 72% dos municípios paulistas são totalmente ou parcialmente abastecidos com água proveniente do subsolo, índice que representa aproximadamente 54 metros cúbicos por segundo ou 18% do captado de fontes superficiais (cONSóRciO JMR-ENgEcORPS, 2004). Outros problemas, como o acúmulo de gases originados de substâncias voláteis presentes, por exemplo, por vazamento de combustíveis, ou a geração de gás metano resultante da degradação de resíduos sólidos urbanos, oferecem risco de incêndio e explosões e requerem ações emergenciais.

Os agravos à saúde que advém das áreas conta-minadas evidenciam um novo perfil de doenças, as crônico-degenerativas e o câncer, decorrentes da ex-posição a poluentes químicos perigosos (câMaRa, 2002). Nesse caso, o tempo de exposição e a con-centração dos contaminantes são considerados como fatores determinantes dos efeitos à saúde humana. A exposição se processa de modo lento e gradual, geral-mente por longo período de tempo e a baixas doses de exposição. Os efeitos à saúde poderão surgir no futuro, em longo prazo, o que caracteriza os proces-sos crônicos, cujos efeitos não se tornam evidentes. Entre esses efeitos destacam-se os distúrbios respi-ratórios, hepáticos, renais, cardiovasculares, repro-dutivos e neurológicos, além do câncer, o qual pode surgir muito tempo depois da exposição.

Essas peculiaridades, acrescidas da não especificida-de desses agravos, pois estes são multicausais, envolvem uma nuvem de incerteza e dificultam o estabelecimento do nexo causal entre contaminação e efeitos à saúde. assim, a comprovação do dano, a partir das condutas clínicas e parâmetros epidemiológicos, não se tem evi-denciado como condição necessária para a definição e implementação de ações. a avaliação de risco à saúde humana deve ser reconhecida como ferramenta adequa-

da para indicar a probabilidade de efeitos danosos à saú-de e, dependendo de seu resultado, permitir a tomada de decisão quanto às ações de gerenciamento dessas situa-ções, com a finalidade de prevenção de danos à saúde. Mesmo quando a contaminação não se apresenta como um perigo imediato, cuidados especiais devem ser toma-dos para evitar problemas de saúde no futuro.

Outro aspecto a ser considerado, diretamente li-gado à questão do planejamento urbano, refere-se à restrição imposta às áreas contaminadas para determi-nados usos futuros, tais como loteamentos residenciais e agricultura, que propiciam um contato mais direto com a fonte de contaminação. a reutilização, incenti-vada como estratégia de reintegração da área na malha urbana, requer critérios, avaliação e tomada de decisão, no campo da saúde ambiental, quanto aos usos preten-didos, em função das características da contaminação: tipo de contaminantes, concentrações e recursos técni-cos e econômicos disponíveis. Situações de risco têm ocorrido com a reutilização de áreas contaminadas, principalmente quando o novo proprietário não tem conhecimento de sua contaminação anterior ou negli-gencia essa informação. a adoção de políticas públicas contendo medidas de saúde ambiental pertinentes a cada situação e a implementação de instrumentos jurí-dico-legais constituem estratégia de proteção à saúde.

a Questão na região metropolitana de são paulo

No contexto econômico e social da RMSP, dois as-pectos merecem destaque na questão em pauta: o fenômeno da desativação industrial, ocorrido prin-cipalmente a partir dos anos 1980, que resultou em brownfields em locais que, em décadas passadas, foram privilegiados pelo processo de instalação e crescimen-to do parque industrial, especialmente junto às rotas de acesso de insumos e de escoamento da produção, ao longo de eixos de desenvolvimento socioeconô-mico; e a ocupação do espaço contíguo às instalações industriais por contingentes populacionais de força de trabalho, devido à atração que os processos produ-tivos representavam, fenômeno que se verificou no país a partir da década de 1930.

Na RMSP, o fenômeno da desindustrialização en-volveu a chamada interiorização do crescimento eco-

Page 109: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

112 WAndA M. Risso GünTheR

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

nômico paulista (NEgRi, 1996) e a migração inte-restadual, especialmente para Estados que ofereciam incentivos fiscais e empreendiam menor fiscalização e controle ambiental sobre as atividades produtivas. a busca por maior espaço físico, diminuição de cus-tos operacionais e, em alguns casos, de alternativa às sanções ambientais, entre outros fatores, influencia-ram a tomada de decisão de muitos empreendedores e o reinício em outras regiões. algumas indústrias encerraram suas atividades devido à falta de susten-tação econômica ou à impossibilidade de responder ao novo perfil exigido pelo mercado; outras pela exi-gência dos órgãos de controle ambiental, devido à situação de risco que suas atividades representavam à população do entorno; outras ainda devido à forte pressão sindical. No município de São Bernardo do Campo, integrante da RMSP, houve a desativação de 1617 indústrias,13 no período de 1990 e 2002, a maio-ria delas em bairros com alta concentração industrial como Rudge Ramos, Paulicéia e Taboão.

Os casos de desinstalação dos processos econômi-co-produtivos resultaram em diversas áreas desativa-das, potencialmente contaminadas, constituindo um mosaico urbano, alinhado a partir das áreas centrais, especialmente, ao longo das vias de escoamento ro-doferroviário. O encerramento das atividades produ-tivas, por se tratar de tema inédito não previsto na legislação ambiental vigente, conferiu a estas áreas, num primeiro momento, imunidade quanto à fisca-lização e controle ambiental por parte dos órgãos competentes, que conheciam a situação e os efeitos potenciais de sua reutilização, mas eram impotentes para exercer qualquer forma de controle ambiental. a utilização de tais áreas para outros fins só encontrava restrições locacionais, sujeitando-as somente ao cum-primento das leis municipais de zoneamento urbano. Esta situação somente veio a ser alterada, no Estado de São Paulo, com a Lei Estadual n. 9.999/98, que disciplina o uso de áreas industriais.

Por outro lado, o modelo de ocupação urbana im-plantado com as primeiras indústrias na RMSP indu-ziu ao adensamento populacional no entorno destas. A força de trabalho concentrava-se no espaço contí-guo à fábrica, onde o ambiente doméstico era a ex-tensão natural do ambiente de trabalho. Do ponto de

vista de saúde pública, este fato é significativo, pois marcou uma época em que os trabalhadores convi-viam com uma dupla exposição a poluentes: no am-biente ocupacional e após a jornada de trabalho, pois continuavam expostos às emissões industriais em seu ambiente domiciliar. Essas áreas experimentaram, posteriormente, adensamento do setor comercial e de serviços, tornando-se, em muitos casos, altamen-te valorizadas. Dessa forma, a desativação de antigas indústrias, constituindo-se em áreas potencialmente contaminadas, deixa como rastro toda a população do entorno em condição de vulnerabilidade, ou seja, a população pode se encontrar, involuntariamente e sem conhecimento, em situação de risco.

assim, aliadas às políticas preventivas, com medi-das que visam à minimização da ocorrência de impac-tos ambientais, há necessidade de iniciativas concretas de reparação dos danos causados no passado – o pas-sivo ambiental. Nesses casos, a contaminação do solo decorrente das atividades e processos industriais ou do lançamento de resíduos sólidos, líquidos e mesmo gasosos no ambiente, é uma das mais significativas evidências do passivo ambiental (SáNchEz, 2004). Por outro lado, a revitalização urbana de áreas degra-dadas também já se torna realidade em centros ur-bano-industriais do país, principalmente nas regiões metropolitanas. além de seus objetivos urbanísticos e de uso e ocupação do espaço, não deve ser despre-zada a interface com a questão social, ambiental e de saúde existente.

O enfrentamentO da questãO das áreas cOntaminadas nO estadO de sãO paulO

a questão das áreas contaminadas tem merecido destaque nas três últimas décadas, especialmente em países industrializados como os Estados unidos e na Europa, em decorrência de diversos episódios críti-cos que envolveram a saúde de inúmeras pessoas e diferentes fontes e contaminantes. Países de indus-trialização mais antiga apresentam elevado número de áreas contaminadas, mas este fato não exclui os países em desenvolvimento que possuem áreas in-dustrializadas, como o Brasil, nas quais também são observados diversos casos de contaminação de solo e

Page 110: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

ÁReAs ConTAMinAdAs no ConTexTo dA GesTão URbAnA 113

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

águas subterrâneas. Em tais países, a conscientização sobre os riscos é menor e dificilmente existem locais adequados para a disposição final dos resíduos indus-triais. Muitos países convivem também com menor disponibilidade de recursos para a implementação de ações de intervenção e controle. Logo, os problemas são mais críticos em centros urbanos de países em desenvolvimento, como a RMSP.

No Brasil, não há uma política específica para a questão das áreas contaminadas e a política nacional de resíduos sólidos, que deveria contemplar aspectos da superposição entre estas duas políticas, repousa há anos sem definição.

No Estado de São Paulo, a questão começou a ser tratada a partir de 1993, por meio de um programa de cooperação entre o órgão estadual de meio ambiente, Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – cetesb, e entidade de cooperação técnica do gover-no alemão, GTZ – Deutsche Gesellschaft für Techni-sche Zusammenarbeit. Os resultados desse programa compreendem o que há de mais avançado na Améri-ca Latina para a gestão ambiental de áreas contamina-das. a metodologia de gerenciamento criada a partir dessa parceria é considerada modelo para os países da região e demais Estados brasileiros.

como resultado da cooperação foi produzido o Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas (cETESB, 1999) e o Cadastro de Áreas Contaminadas (cETESB, 2006). O manual estabelece a metodologia de gerenciamento adotada no Estado e possibilita a efetiva atuação e encaminhamento de soluções à questão, do ponto de vista da recuperação ambiental. O cadastro apresenta a listagem e as respectivas características de áreas que já passaram por processo de investigação e tiveram a contaminação confirmada. Em novembro de 2006, estavam registradas 1.822 áreas contaminadas no âmbito do Estado de São Paulo, sendo 972 (54%) na RMSP, 608 (33%) em municípios do interior, 135 (7%) no litoral e 107 (6%) no Vale do Paraíba. O Município de São Paulo apresentava 594 áreas contaminadas (33% do total) (cETESB, 2006).

a contaminação decorrente de postos de combus-tíveis destaca-se com 1.352 registros (74%). A seqüên-cia de ocorrência apresenta a atividade industrial com 279 casos (15%), atividade comercial com 105 ocor-

rências (6%), depósitos de resíduos com 66 registros (4%) e 20 casos (1%) referentes a acidentes desco-nhecidos (cETESB, 2006). O grande número de ocorrência para postos de combustíveis é devido ao programa de licenciamento obrigatório imposto pela cetesb a esse setor de atividade, a partir da publica-ção da Resolução conama 273/2000. Esse programa de licenciamento exige a investigação confirmatória como medida para identificar a situação ambiental de cada posto de serviço a ser licenciado.

O cadastro permite ainda acompanhar a evolução do quadro de contaminação de áreas, pois novas lista-gens têm sido publicadas periodicamente. Elaboração do cadastro e favorecimento do acesso aos dados são fundamentais para a alimentação de indicadores que permitam avaliar as ações de gerenciamento imple-mentadas e formular políticas públicas e metas para o encaminhamento da questão. O conhecimento das condições dos imóveis pela sociedade, incluindo os possíveis investidores, minimiza o desconforto da aquisição de um passivo ambiental sem saber qual sua real condição e riscos à saúde de futuros usuários do imóvel.

Outro instrumento de gerenciamento, desenvolvi-do pela cetesb, publicado e também disponível para uso público, é o Relatório de Estabelecimento de Valores Orientadores para Solos e Áreas Contaminadas para o Estado de São Paulo (caSaRiNi et al., 2001). Para responder a questões como: o que é solo limpo e o que é uma área contaminada ou suspeita de contaminação foi necessário o estudo e adoção de valores de referência de qualidade e de intervenção, com objetivo de forne-cer diretrizes e subsidiar decisões no gerenciamento de áreas contaminadas. Valores de referência de qua-lidade, alerta e intervenção foram estabelecidos por meio da aplicação de modelos de análise de risco, que contemplou diferentes cenários de uso e ocupação do solo, a quantificação de variáveis toxicológicas e distintas vias de exposição aos contaminantes. a lista de valores orientadores resultante permite orientação quantitativa na avaliação das áreas contaminadas, por meio de uma consulta rápida a esses valores, o que reduz tempo e custo.

Na esteira da implementação de instrumentos de gestão, e de normativa sobre o tema, destaca-se ainda

Page 111: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

114 WAndA M. Risso GünTheR

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

o Guia para Avaliação do Potencial de Contaminação em Imóveis (SiLVa et al., 2003) que apresenta as precau-ções e procedimentos a serem adotados na aquisição de um imóvel ou no início do desenvolvimento de projeto de reutilização. Esse guia nasceu da necessi-dade de identificar a possível presença de contamina-ção em imóveis, antes de sua aquisição, o que permite ao investidor decidir pela aquisição ou não, evitando conflitos futuros. Com este, a alegação de desconhe-cimento ou falta de orientação não mais se sustenta.

Além dessas ferramentas, houve avanços no mar-co legal regulatório com relação ao tema das áreas contaminadas, no sentido de flexibilizar a reutilização sem perder o controle dos aspectos ambientais e sa-nitários, tais como:• Lei Estadual n. 9.999/98 – permite a ocupação,

nas zonas de uso Predominantemente industriais – zuPi por outros usos (residencial, comercial, serviços e institucional), até então vetados, quan-do se tratar de zona que tenha sofrido descarac-terização significativa do uso industrial e não haja contaminação da área.

• Decreto Estadual n. 47.400/2002 – estabelece a obrigatoriedade de comunicação ao órgão compe-tente sobre o encerramento das atividades aos em-preendimentos passíveis de licenciamento ambien-tal, exigindo apresentação de plano de desativação.ambos constituem-se em instrumentos legais de

extrema importância para disciplinar o processo de reutilização de áreas potencialmente contaminadas e prevenir novos usos incompatíveis com a qualidade do solo. O plano de desativação e a informação sobre a necessidade de medidas de recuperação da qualida-de ambiental, quando for o caso, serão fundamentais para prevenir a ocorrência de novas áreas órfãs.14

Em março de 2006 foi assinada a lei que institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos – Lei Esta-dual n. 12.300, cuja regulamentação está em curso. a lei dá as diretrizes da gestão integrada de resíduos sólidos e contempla aspectos da disposição de resí-duos no solo. Encontra-se também em tramitação na assembléia Legislativa o projeto de lei sobre prote-ção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas do Estado de São Paulo, que será um marco para a questão das áreas contaminadas. Esta

lei específica deverá estabelecer diretrizes, competên-cias e responsabilidades e traz a previsão de criação de um fundo financeiro para custeio das ações de remediação das áreas. a proposta contempla vários instrumentos de gestão ambiental e favorece alguns aspectos do planejamento urbano, porém apenas tan-gencia a questão dos efeitos à saúde decorrentes da contaminação de áreas.

No Estado de São Paulo, alguns municípios já in-corporaram em sua agenda ambiental a questão das áreas contaminadas, considerando-se a responsabili-dade municipal na regulação do uso e ocupação do solo. iniciativas ainda tímidas começam a vislumbrar o horizonte e apenas o Município de São Paulo apre-senta resultados: o Decreto Municipal n. 42.319/2002, a Lei Municipal n. 13.564/2003 e um parágrafo no Plano Diretor Estratégico do município. O decreto citado dispõe sobre diretrizes e procedimentos para gerenciamento de áreas contaminadas no Município de São Paulo e estabelece que a aprovação ou regu-larização de qualquer forma de parcelamento, uso e ocupação do solo, em áreas contaminadas ou suspei-tas de contaminação, fica sujeita à realização, pelo empreendedor, de investigação do terreno e avaliação de risco para o uso existente ou pretendido, e submis-são para apreciação do órgão ambiental competente. a lei municipal trata da aprovação de parcelamento de solo, edificação ou instalação de equipamentos em terrenos contaminados ou suspeitos de contamina-ção, condicionando-os à apresentação de Laudo Téc-nico de Avaliação de Risco que comprove a existência de condições ambientais aceitáveis para o uso pretendi-do no imóvel.

cOnsiderações finais

Entende-se que seja urgente para a RMSP, e também em âmbito nacional, a implementação de políticas públicas de gestão integrada que enfoquem a ques-tão das áreas degradadas e, em particular, das áreas contaminadas. É fundamental que a componente ambiental das políticas públicas privilegie ações dire-cionadas à remediação e reutilização sustentável dos passivos ambientais. constitui imperativo que a com-ponente de desenvolvimento urbano das políticas pú-

Page 112: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

ÁReAs ConTAMinAdAs no ConTexTo dA GesTão URbAnA 115

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

blicas, com o olhar na reintegração das áreas degra-dadas no tecido urbano, esteja perfeitamente ajustada aos usos do solo e funções sociais da propriedade. ademais, torna-se essencial desenvolver políticas de saúde que definam a atuação, as ações e os serviços junto às populações humanas em situação de risco. No entanto, é imprescindível a intersetorialidade e a integração dessas políticas, de forma que propiciem a ação conjunta e ajustada entre esses três campos, visando à economia de recursos e à racionalidade e eficácia das ações.

Por outro lado, o envolvimento de outros atores sociais na busca de solução à questão é primordial. O setor privado e a sociedade civil não podem ficar alijados do processo. O primeiro, pelo montante dos recursos que ações dessa natureza representam e a in-viabilidade de seu aporte unicamente pelo setor públi-co. O segundo, porque os novos usos contemplados pela revitalização urbana devem atender aos interes-ses da sociedade, portanto, seu envolvimento e parti-cipação na tomada de decisão devem ser contempla-dos. Além disso, quando há exposição da população aos contaminantes advindos das áreas contaminadas, a sociedade e, principalmente, os afetados, devem ser informados dos reais riscos à saúde e chamados a participar, não como meros expectadores no aguardo por decisões sobre sua saúde e se desocupam ou não suas moradias afetadas, mas de forma ativa em todo o processo de decisões.

Nesse sentido, iniciativas de parcerias entre o setor público e privado tem ocorrido em países como ale-manha, Suíça e Estados Unidos, com bons resultados,

e já despontam no horizonte nacional como um cami-nho interessante. Neste propósito, cabe ao setor pú-blico definir as atribuições legais, buscar a viabilização de financiamentos públicos e a concentração e flexi-bilização dos trâmites burocrático-legais, enquanto o setor privado entra com o gerenciamento e as tecno-logias, recursos financeiros e a flexibilidade executiva e comercial características. O mercado, nesse contexto, também tende a se ajustar, pois a demanda por espa-ços urbanos cresce e os brownfields se apresentam como uma alternativa de oferta de áreas, contemplada com toda a infra-estrutura urbana. uma legislação ambien-tal e urbana mais restritiva não vem afastando os em-preendedores dos passivos ambientais, contrariamente ao que se presumia na década de 1990. atualmente, está em curso na RMSP a aquisição de áreas contami-nadas por grandes empreendedores imobiliários, que se encarregam do processo de remediação e, ao mes-mo tempo, implantam seus empreendimentos imobi-liários no local, pois os custos do passivo são perfei-tamente internalizados nas transações econômicas do setor imobiliário. Tal fato pode ser comprovado pelo registro de áreas contaminadas em nome de empresas do setor imobiliário, no cadastro estadual de áreas con-taminadas (cETESB, 2006).

Vislumbram-se, assim, novas perspectivas que, no entanto, devem ser gerenciadas pelo poder público e mediadas pela participação e controle social, em con-formidade com a política pública integradora e parti-cipativa que vier a ser definida, na busca do ambiente urbano sustentado e da saúde e qualidade de vida de seus ocupantes.

notas

1. Área degradada: área onde há a ocorrência de alterações negativas de suas propriedades físicas, tais como sua estrutura ou perda de matéria devido à erosão e a alteração de caracterís-ticas químicas, devido a processos como salinização, lixiviação, deposição ácida e introdução de poluentes (cETESB, 1999).2. Área contaminada: área, local, terreno, instalação, edifica-ção ou benfeitoria que contém quantidades ou concentrações de matéria em condições que causem ou possam causar danos à saúde humana, ao meio ambiente ou a outro bem a proteger (Secretaria do Meio ambiente do Estado de São Paulo, docu-mento interno, 2003).

3. Revitalização urbana: processo de reinserção de áreas de-gradadas e/ou contaminadas no tecido urbano, de modo que sua reutilização de tais áreas contribua para a requalificação urbana (SáNchEz, 2004).

4. uso sustentável: considerado como o uso que leva em conta a sustentabilidade ambiental e a saúde dos indivíduos expostos.

5. Remediação: ação de recuperação ambiental realizada em áreas contaminadas, que implica em intervenção direta, com o objetivo de conter, isolar, remover ou reduzir as concentrações de contaminantes presentes.

6. Resíduos industriais: resíduos gerados pelo processo pro-dutivo industrial.

Page 113: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

116 WAndA M. Risso GünTheR

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

referências bibliográficas

AGENDA 21. Disponível em: <http://www.ecolnews.com.br/agenda21>.

BECK, U. From industrial society to the risk society: questions of survival, social structure and ecological enlightenment. In: REDcLiFT, M.; wOODgaTE, g. (Ed.). The sociology of the environment. Aldershot: Edwar Elgar, 1995. v. 3. p. 79-105.

BEcK, u. Risk society: Towards a new modernity. Londres: Sage Publications, 2003.

câMaRa, V.M. abordagens integradoras para a avaliação da relação entre o ambiente e a saúde. in: PORTO, M.F.S.; FREiTaS, c.M. (Org.) Problemas ambientais e vulnerabilidade: abordagens integradoras para o campo da Saúde Pública. Rio de Janeiro: cESTEh/ENSP/Fiocruz, 2002. p. 79-98.

caSaRiNi, D.c.P. et al. Relatório de estabelecimento de valores orientadores para solos e águas subterrâneas no Estado de São Paulo. São Paulo: cetesb, 2001. 73 p.

CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambien-tal. Cadastro de áreas contaminadas. 2006. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/Solo/areas_contaminadas/areas.aps>.

______. Manual de gerenciamento de áreas contaminadas. São Paulo: cetesb/gTz, 1999.

cONSóRciO JMR-ENgEcORPS. Síntese dos planos de bacia. Relatório R1. Plano estadual de recursos hídricos 2004/2007. São Paulo: Secretaria de Energia, Recursos hídricos e Saneamen-to de São Paulo, 2004. 378 p. cD-ROM. (versão jun. 2004).

EPa – Environmental Protection agency. Cost estimating tools and resources for addressing sites under the brownfields initiative. Washington, EPA-625-R-99-001, 1999. 33 p.

GIDDENS, A. Risk society: the context of British politics. in: FRaNKLiN, J. (Ed.). The politics of risk society. cambridge: Polity Press, 1998.

iPEa/uNicaMP-iE-NESuR/iBgE. Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil. campinas: unicamp, 1999. (coleções Pesquisas, 3).

KOwaRicK, L. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

MaRicaTO, E. urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fun-dação Seade, v. 14, n. 4, p. 21-33, out./dez. 2000.

______. A política habitacional do regime militar. Petrópolis: Vozes, 1987.

MaRTiNS, E.; RiBEiRO, M. de S. a informação como instru-mento de contribuição da contabilidade para a compatibilização do desenvolvimento econômico e a preservação do meio am-biente. Boletim IBRACON, ano XVII, n. 208, set. 1996.

NEgRi, B. Concentração e desconcentração industrial em São Paulo: 1880-1990. campinas: Editora da unicamp, 1996.

PRaDO JR., c. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990.

ROcca, a.c.c. Os passivos ambientais e a contaminação do solo e das águas subterrâneas. in: ViLELa JR., a. DEMaJOROVic, J. (Org.). Modelos e ferramentas de gestão ambiental: desafios e perspectivas para as organizações. São Paulo: Editora Senac, 2006. p. 247-284.

RODRIGUES, A.M. Desenvolvimento sustentável: dos confli-tos de classes para o conflito de gerações. In: SILVA, J.B.; LiMa, L.c.; DaNTaS, E.w.c. (Org.). Panorama da geografia brasileira II. São Paulo: annablume, 2006. p. 101-113.

7. Resíduos sólidos urbanos: aqueles cujo gerenciamento é de responsabilidade do poder público, incluindo os resíduos sóli-dos domiciliares, resíduos comerciais de pequenos geradores e resíduos da limpeza pública.8. Resíduos de serviços de saúde: aqueles resultantes das atividades que, direta ou indiretamente, referem-se à saúde humana e animal.9. Resíduos especiais: aqueles que necessitam de gerencia-mento específico em razão da tipologia ou quantidade, como resíduos da construção civil, embalagens de agrotóxicos, pilhas e baterias, rejeitos radioativos e outros.10. Passivo ambiental: os benefícios econômicos (ou os resul-tados econômicos) que serão sacrificados em função da pre-servação, recuperação e proteção do meio ambiente, de modo a permitir a compatibilidade entre este e o desenvolvimento

econômico; benefícios econômicos a serem sacrificados em decorrência de uma conduta inadequada em relação às ques-tões ambientais (MaRTiNS; RiBEiRO, 1996).

11. Brownfields: instalações industriais e comerciais abandona-das, vagas ou subutilizadas, cuja reutilização é dificultada por problemas reais ou percebidos de contaminação ambiental (EPa, 1999).

12. Multifuncionalidade: condição apresentada pelo solo que via-biliza todos os tipos de uso, geralmente sua condição natural.

13. Dado obtido do cadastro de indústrias desativadas do De-partamento de Receita da Secretaria de Finanças da Prefeitura Municipal de São Bernardo do campo, 2003.

14. Áreas órfãs: aquelas que não são passíveis de identificação dos responsáveis e que quedam como passivos para o Estado.

Page 114: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

ÁReAs ConTAMinAdAs no ConTexTo dA GesTão URbAnA 117

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006

Wanda M. Risso GüntheR

Engenheira Civil e Socióloga; Mestre e Doutora em Saúde Pública (FSP/USP); Professora e Pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

([email protected])

artigo recebido em 10 de abril de 2006. aprovado em 19 de maio de 2006.

Como citar o artigo:gÜNThER, w.M.R. áreas contaminadas no contexto da gestão urbana. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 105-117, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; < http://www.scielo.br>.

SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI. In: BuRSzTYN, M. (Org.). Para pensar o desenvolvimento sustentável. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

SáNchEz, L.E. Revitalização de áreas contaminadas. in: MOERi, E.; cOELhO, R.; MaRKER, a. (Ed.). Remediação e revitalização de áreas contaminadas. São Paulo: Signus Editora, 2004. p. 79-90.

______. Desengenharia. O passivo ambiental na desativação de empreendimentos industriais. São Paulo: Edusp, 2001.

SiLVa, a.c. M.a. et al.; PiRES, M.c. (coord.). Guia para avaliação do potencial de contaminação em imóveis. São Paulo: cetesb, 2003. 80 p.

______. A importância dos fatores ambientais na reutilização de imóveis industriais em São Paulo. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica da universidade de São Paulo, São Paulo: 2002.

Page 115: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

A atividade agrícola na bacia do Alto Tietê-Cabeceiras já teve maior expressão nacional. Ela vem se afastando da área urbana de alta densidade e resistindo nas franjas do seu território periurbano. Os principais fatores que atuam contra a agricultura destas áreas são: a valorização do preço da terra; a integração do mercado de trabalho e a pressão no custo de produção; o aumento da violência contra a família agricultora, sua produção e instrumentos de trabalho; e a deterioração da qualidade da água para irrigação.

A contaminação por agrotóxicos, assim como o uso das várzeas e da água, faz com que a agricultura seja vista como atividade degradadora, a ser desestimulada nas áreas de mananciais. Entretanto, a agricultura pode prestar serviço ambiental, desde que promova ajustes tecnológicos e estruture a rede social nas áreas de baixa densidade de ocupação.

O objetivo deste texto é argumentar que a agricultura familiar pode contribuir para a preservação da capa-cidade de abastecimento de água das cidades, em áreas com forte processo de expansão urbana desordenada,

Resumo: O modelo tecnológico hegemônico da agricultura tem contribuído para a degradação ambiental. Em outra perspectiva, enfatiza-se o papel da agricultura na preservação ambiental, desde que ela incorpore adaptações tecnológicas e assuma seu papel de fomentadora e estimuladora da mobilização

social da população que vive e desfruta da qualidade de vida das áreas menos densamente ocupadas. A partir dos agricultores da Bacia do Alto Tietê-Cabeceiras avalia-se esta possibilidade.

Palavras-chave: Multifuncionalidade. Controle Social. Selo de qualidade ambiental.

Abstract: The hegemonic technological model for agriculture has been contributing to environmental degradation. In other perspective, the agriculture’s role in providing environmental services is emphasized if it implements technological changes and enhances social organization

in low population density areas. This possibility is evaluated considering the Alto Tietê-Cabeceiras watershed.

Key words: Multifuncionality. Social control. Environmental label.

AgriculturAserviço ambiental para a Bacia do Alto tietê-cabeceiras

Yara Maria Chagas de Carvalho

Jener Fernando leite de Moraes

Maria Carlota Meloni viCente

suzana sendaCz

terezinha JoYCe Fernandes FranCa

Page 116: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 119

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

contanto que seja fortalecida uma política de desen-volvimento local que contemple a indução gradual de transformação tecnológica para além da recuperação da mata ciliar.

A proposta a seguir baseia-se em dois instrumen-tos: a multifuncionalidade da agricultura e o desen-volvimento de um selo de qualidade, garantido por controle social, que pode vir a instrumentalizar a ação dos comitês de bacia, em áreas metropolitanas.

O interesse dos agricultores familiares pela pro-posta é analisado a partir da realidade da sub-bacia do Alto Tietê-Cabeceiras, na Bacia Alto Tietê. Esta última corresponde, aproximadamente, à Região Me-tropolitana de São Paulo – RMSP.

CaraCterização e evolução do uso da terra na sub-baCia tietê-CabeCeiras

O levantamento do uso da terra de uma área apresenta como características a grande quantidade de informa-ções e a dinâmica temporal/espacial, requerendo uma fonte de coleta de dados que atenda essas exigências de forma ágil e com custo relativamente baixo.

As técnicas de geoprocessamento são extrema-mente eficientes para integração e planejamento de dados em bacias hidrográficas, possibilitando a co-leta e análise das informações temáticas (VALÉRIO FILHO, 1994; MORAES, et al., 2000). A análise da evolução do uso e ocupação das terras foi realizada através das técnicas de geoprocessamento (MORAES et al., 2005), na sub-bacia Tietê-Cabeceiras, e consi-derou três épocas distintas: 1977, 1988 e 2001.

Constatou-se que as áreas preservadas, em 2001, com mata primária ou secundária, represen-tam apenas 35% da área total da sub-bacia, sendo que a mata primária encontra-se principalmente no Parque da Serra do Mar. As áreas urbanizadas per-fazem 22% do total. O eixo de expansão urbana, proveniente da Grande São Paulo, estende-se para os municípios de Poá, Ferraz de Vasconcelos, Su-zano e Mogi das Cruzes.1

A análise do uso do solo revela que a importância das áreas urbanizadas é seguida pela das áreas de refloresta-mento e pasto, de ocorrência generalizada, com maior concentração nas regiões de Salesópolis e Paraibuna.

As áreas agrícolas, principalmente horticultura e fruticultura, estão concentradas nos municípios de Suzano, Mogi das Cruzes e Biritiba Mirim, ocupan-do uma área de 13.125 hectares (7,3% do total). No Gráfico 1, tem-se a distribuição relativa das principais classes de uso e ocupação das terras por município.

A partir do Município de São Paulo, entre Guaru-lhos e Poá, até Suzano, há predominância da urbani-zação. O índice médio de urbanização está em torno de 63%, enquanto o da agricultura não passa de 6%. Acompanhando esse processo de urbanização, nota-se uma redução das áreas ocupadas com mata.

Afastando-se de São Paulo, na direção leste, a agri-cultura, notadamente a hortifruticultura, apresenta-se como atividade com alguma representatividade. Nos municípios de Suzano, Mogi das Cruzes e Bi-ritiba Mirim, o índice médio das atividades agrícolas corresponde a 16%. Paraibuna e Salesópolis têm no reflorestamento sua principal atividade, e a hortifru-ticultura é insignificante. O bairro dos Remédios, em Salesópolis, é uma extensão de Biritiba Mirim na pai-sagem e organização social. A área urbana é reduzida e está praticamente contida na sub-bacia. Por esta ra-zão, Salesópolis é considerado, pelo subcomitê Cabe-ceiras, como o quarto município agrícola.

Evolução da ocupação das TErras EnTrE 1978 E 2001

A evolução da ocupação das terras entre 1978 e 2001, por classes de uso e ocupação, é apresentada na Ta-bela 1. As áreas de várzea se reduziram de 14.224 hectares, em 1978, para 8.804 hectares, em 2001. A mancha urbana cresceu 95% entre 1978-1988. Entre 1988 e 2001, houve aumento de 39% das áreas de mi-neração ou solo exposto, 27,5% de reflorestamento e um aumento de 14% na área urbana. Neste período, houve redução significativa das áreas cultivadas com culturas temporárias, mas, por outro lado, o cultivo de hortaliças e frutas manteve-se praticamente está-vel, apesar da redução de 40%, entre 1978-1988.

A análise da dinâmica da ocupação das terras entre os anos de 1978 e 2001 mostrou que o aumento das áreas urbanizadas ocorreu principalmente sobre áreas de várzea. Entre 1978-1988, 20% destas áreas foram urbanizadas, 13,4% foram ocupadas com horticultura

Page 117: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

120 YArA MArIA ChAgAS dE CArvAlhO ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

gráfico 1

distribuição relativa das Classes de uso e ocupação das terrasbacia do alto tietê-Cabeceiras – 2001

Fonte: Moraes et al. (2005).

tabela 1

Áreas de ocorrência e distribuição das Classes de uso e ocupação das terrasbacia do alto tietê-Cabeceiras – 1978-2001

Uso e OcupaçãoÁrea Absoluta (em hectares) Variação (%)

1978 1988 2001 1978-1988 1988-2001

Total 181.864,9 181.864,9

Água 3.185,8 3.263,7 4.591,0 2,4 40,7

Área Urbana 17.740,7 34.725,4 39.625,1 95,7 14,1

Cultura Temporária 2.655,0 1.881,0 -29,2

Edificações 339,8 423,8 24,7

Horticultura + Fruticultura 22.376,5 13.410,4 13.125,9 -40,1 -2,1

Mata 83.266,9 68.769,9 63.441,5 -17,4 -7,7

Mineração ou Solo Exposto 781,2 1.086,1 39,0

Pasto 18.773,9 25.790,5 23.227,5 37,4 -9,9

Reflorestamento 20.002,2 18.558,8 23.657,6 -7,2 27,5

Várzea 14.224,2 11.582,1 8.804,5 -18,6 -24,0

Fonte: Moraes et al. (2005).

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

Guarulhos Arujá Itaquaquecetuba Ferraz deVasconcelos

Poá Suzano Mogi dasCruzes

Biritiba Mirim Salesópolis Paraibuna

%Mata Reflorestamento Agricultura Urbano

Page 118: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 121

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

e 13,5% com pastagem. A urbanização atingiu 17,8% das áreas hortícolas nesse mesmo período. Em torno de 15,7% das áreas de mata foram substituídas pela ocupação urbana. Entre 1988 e 2001, pode-se dizer que a expansão urbana foi ainda o principal vetor de transformação da forma de ocupação, tanto nas áreas de horticultura como de várzea.

a agriCultura na sub-baCia do alto tietê-CabeCeiras

A agricultura de Cabeceiras esteve sempre associada ao mercado consumidor da RMSP. Inicialmente, era itinerante, baseada na queimada e pousio. A expansão do café, no final do século XIX, promoveu o cres-cimento da cidade de São Paulo. A crise estimulou o deslocamento de colonos e a implantação de uma agricultura com nova base tecnológica, de produtos altamente perecíveis e base familiar, favorecida pela proximidade e facilidade de transporte ao mercado consumidor (CARVALHO; FRANCA, 2005). A pro-dução expandiu-se em resposta à grande ampliação e diferenciação do mercado consumidor, incrementada pelas redes de fast-food, supermercados e por um mer-cado consumidor de alta renda (BALSADI, 2001).

Com base nos dados do Levantamento das Unida-des de Produção Agropecuária – LUPA do Estado de São Paulo de 1995-96 (PINO et al., 1997), identifica-se, na sub-bacia de Tietê-Cabeceiras, 2.710 unidades de produção agropecuária – UPAs,2 com área total de 61.307,5 hectares, dos quais 24,4% com vegetação natural, 29,7% destinados ao reflorestamento, 12,6% com pastagens (natural e cultivada), 12,9% com cul-turas anuais e o restante com outras ocupações. As UPAs com até 10,0 hectares somam 1.702 unidades (62,8% do total), ocupando área de 7.595,4 hectares (12,4%). Acima de 50,0 hectares, foram registradas 156 unidades (5,8% do total) com área correspon-dente a 36.980,8 hectares (60,3%) (VICENTE et al., 2006). As unidades familiares garantem as caracte-rísticas fundamentais da vida rural e integram-se às grandes propriedades através de laços sociais, mas, também, de forma crescente, comerciais. Na oleri-cultura, os grandes produtores assumem o papel de

intermediários para os supermercados, pois entregam sua produção e precisam complementá-la.

Nas menores unidades produtivas (até 15 hectares) predominam cultivos anuais, principalmente oleríco-la, mas ocorrem também frutas e flores. Nas maiores, também há pastagens e reflorestamento. A vegetação natural variou de 12,3% da área total ocupada pelas UPAS até 5 hectares, a 28,7% para as que têm mais de 50 hectares.

A agricultura ocupa cerca de 13 mil pessoas. Pre-dominam os trabalhadores permanentes (48,6%, as-salariados permanentes e parceiros) e os proprietários e familiares (28,3%). A seguir, têm-se os trabalhado-res volantes (15,4%), arrendatários (6,4%) e assenta-dos (1,3%). Do total de proprietários, 47,2% residem na UPA. Os cultivos predominantes são intensivos em mão-de-obra, pois apresentam ciclos produtivos curtos.

Com relação às práticas culturais no processo pro-dutivo, a região, em comparação ao Estado, apresen-ta percentuais superiores no uso de adubação verde orgânica (47% contra 30,6% no Estado) e de plasti-cultura (14,3% e 2%, respectivamente), mas o uso de semente melhorada é similar (48,3% e 46,2%).

A irrigação ocorre em 39,6% das UPAs e predo-mina o processo de aspersão, através de conjunto para irrigação convencional. O gotejamento foi in-formado em 1,7% das UPAs, sendo mais utilizado na produção de verduras. A presença de tratores de pneus foi constatada em 36,5% e a de microtratores em 23,6% das UPAs, enquanto no Estado, os valores observados foram de 31,8% e de 2,2%, respectiva-mente. Na região existem 4,6 tratores para cada 100 hectares, enquanto que para o Estado a relação é de 1 para 100 hectares.

A energia elétrica está disponível em 87,6% das UPAs da região; o telefone em 47,3% e o compu-tador, para gerenciamento das atividades agrícolas, em 4,9. Estes indicadores posicionam a sub-bacia de Tietê-Cabeceiras em condição favorável em relação ao Estado, cujos percentuais observados foram de 73,1%; 15,9% e 3,6%, respectivamente.

Pode-se assim concluir que a agricultura da re-gião é compatível tecnologicamente com a do resto do Estado. Caracteriza-se pela maior intensidade do

Page 119: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

122 YArA MArIA ChAgAS dE CArvAlhO ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

uso do solo e do trabalho e pela prática da adubação orgânica integrada ao uso do pacote tecnológico mo-derno.

A participação sindical é maior na região (38,9%, enquanto no Estado é 30,7%). A assistência técnica atinge 34,3% dos produtores da sub-bacia, sendo mais representativa a assistência privada. No Estado, 14,8% das UPAs são atendidas, mas predomina o atendimento governamental.

Tomando por base de comparação o Estado de São Paulo, pode-se afirmar que a olericultura da re-gião, principal atividade agrícola, apresenta padrão tecnológico moderno. A racionalidade econômica de maior intensidade do uso da terra está associada a grande disponibilidade de tratores, a preferência por cultivos de ciclo curto e pela maior ocorrência da plasticultura. O uso da adubação verde orgânica reflete preocupações tecnológicas e de custo, com impacto positivo para o ambiente. A organização social existente ainda é compatível com os padrões do Estado. Assim sendo, a pressão urbana e a re-dução da área agrícola da região não parece estar associada a uma precarização da tecnologia agrícola empregada, e nem mesmo a uma desarticulação da organização social existente no meio rural.

a agriCultura e a Qualidade da Água nos reservatÓrios

O Sistema Produtor Alto Tietê – SPAT, localizado na sub-bacia Cabeceiras, foi concebido em meados dos anos 1960 e construído a partir dos anos 1970. É voltado ao aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos, e consiste em cinco reservatórios: Ponte Nova, Jundiaí, Taiaçupeba, Biritiba, Paraitinga e suas interligações. Os dois últimos foram recentemente concluídos. Na sua configuração final, o SPAT deve-rá disponibilizar até 15 mil litros de água por segundo para a RMSP. Atualmente, fornece aproximadamente 13 metros cúbicos por segundo, 12% do total abaste-cido para a RMSP. Cabeceiras é a única área no Alto Tietê que pode ampliar a oferta de água de qualidade. Preservar as características de ocupação de baixa den-sidade é uma estratégia fundamental para a viabiliza-ção de água para a RMSP.

Logo após o enchimento, os reservatórios apre-sentaram elevada concentração de nutrientes, libera-dos do sedimento para a coluna de água. A conse-qüência é a aceleração do processo de eutrofização e a conseqüente deterioração da qualidade da água. Verificou-se um intenso desenvolvimento de ciano-bactérias, que potencialmente podem produzir toxi-nas, além do crescimento excessivo de plantas aquá-ticas tais como o aguapé (Eichornia crassipes) e alface d’água (Pistia stratiotes). O efeito do escoamento su-perficial em solo agrícola acelera o processo de enri-quecimento natural dos corpos de água.

O aporte de nutrientes ao reservatório segue três caminhos: uma parte é assimilada, outra abandona o sistema pelos emissários e, normalmente, em função das características do sistema, a maior parte precipita no sedimento. A retirada de energia na transforma-ção de um sistema lótico em lêntico, através da cons-trução da barragem, produz o efeito de entulhamento (acúmulo de compostos transportados na fase rio) no reservatório. Vários reservatórios experimentam processo gradual de eutrofização ou já se encontram altamente eutrofizados em decorrência dos elevados aportes de fósforo, sendo a agricultura um impor-tante elemento causador deste processo (TUNDISI et al., 1998; HENRY et al., 1999; RIOS, 1999).

No Alto Tietê-Cabeceiras, outros fatores vem contribuindo para a degradação da qualidade da água dos reservatórios. Estudos recentes têm demonstra-do que o problema está mais associado ao manejo do sistema do que diretamente às formas de uso do solo e, particularmente, da agricultura.

Os reservatórios que compõem o SPAT estão submetidos a um manejo hidráulico que contempla transposições de água entre represas. Túneis e canais interligam os reservatórios do sistema, causando um impacto negativo acumulativo nos corpos receptores. As elevadas vazões nos canais de interligação entre as represas acarretam grandes cargas de nitrogênio e fósforo. Em 2003, constatou-se que, no período seco, 68% da carga de nitrogênio e 24% da carga de fós-foro que entraram num dos reservatórios do sistema foram exportados via canal (SENDACZ et al., 2005). Segundo Carmo et al. (2002), as exportações de nu-trientes em reservatórios estão normalmente associa-

Page 120: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 123

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

das à produção autóctone em sistemas eutrofizados, em função de estoques potenciais de nutrientes no sedimento e grande biomassa de algas.

O SPAT foi implantado em áreas de solo rico em nutrientes, devido ao uso agrícola anterior e o desma-tamento parcial prévio ao enchimento. Assim, um dos principais responsáveis pela aceleração da eutrofiza-ção é a carga de nutrientes, oriunda do sedimento.

O SPAT funciona em cascata. Diferente de outros sistemas similares, as concentrações de nitrogênio e fósforo aumentam ao longo da série, verificando-se, ao invés de uma diminuição progressiva dos efeitos da eutrofização, um agravamento do processo. Estu-dos indicam que o uso e a ocupação do solo não são as principais forças responsáveis pelo processo de eu-trofização, mas sim o manejo a que estão submetidos os reservatórios, através da regulação de vazões. Mu-danças no tempo de residência da água, em função do controle de vazão de saída do sistema, provocam alterações na qualidade da água e modificam o equilí-brio entre os compartimentos do sistema, promoven-do a exportação de nutrientes e comprometendo os corpos de água existentes à jusante.

A definição de estratégias de recuperação, con-servação e manejo da bacia hidrográfica passam pelo controle das fontes pontuais e não pontuais de aporte de nitrogênio e fósforo. No entanto, a remoção de atividades agrícolas e a diminuição da drenagem de nutrientes da área do entorno não causará a redução imediata do processo de eutrofização. Os efeitos pro-duzidos pela carga interna permanecem muito tem-po após ter cessado a contribuição externa. Cumpre também salientar o baixo percentual da área ocupada com agricultura (8,3%) na sub-bacia.

Fica assim fortalecida a perspectiva da agricultura vir a ser fomentada como serviço ambiental, desde que se desenvolvam estratégias para promover sua adequação tecnológica.

serviço aMbiental e agriCultura

No âmbito do Millenium Ecosystem Assessment – MA (UNEP, 2005) definiu-se que “Serviços am-bientais dos ecossistemas são os benefícios que a po-pulação obtém deles”. Ecossistema é definido “como

um complexo dinâmico de vegetação, animal, comu-nidade de microorganismos e do ambiente sem vida, interagindo como uma unidade funcional”. Uma defi-nição pragmática considera a intensidade da interação entre seus componentes e outros ecossistemas para delimitar suas fronteiras. Podem ser caracterizados em um contínuo desde os não perturbados, como as florestas naturais, passando pelos que sofrem padrões diferentes de uso humano, até os que apresentam for-te impacto da ação e gestão humana. Os serviços são classificados em: • de provisão: água, alimento e madeira; • de regulação: os que afetam clima; doenças; enchentes

e secas, degradação do solo ou erosão; qualidade da água;

• culturais: recreação; estética e benefícios espiri-tuais; e

• de apoio: formação do solo; fotossíntese e ciclo de nutrientes. O bem estar da humanidade sempre dependeu

dos serviços fornecidos pela biosfera e seus ecossis-temas. Hoje, devido a crescente demanda por estes serviços, há necessidade de escolher entre os serviços potenciais. O bem-estar humano está sendo afetado pela redução da oferta destes serviços e pelo aumen-to do risco e vulnerabilidade da comunidade, particu-larmente a população marginalizada.

O ser humano é parte integral do ecossistema. Existe interação dinâmica dentro e entre a espécie e os outros componentes do ecossistema. Mudanças na condição humana levam a mudanças no ecossis-tema e no bem-estar humano. As condições sociais, econômicas e culturais não são relacionadas ao ecos-sistema, mas afetam a condição humana e sua forma de relação com o ecossistema. As forças naturais afe-tam diretamente o ecossistema.

Bem-estar é o oposto da pobreza, definida na MA como “profunda privação de bem-estar”. Este, como experimentado e percebido pela população, é localmente definido refletindo as circunstâncias ge-ográficas, culturais e ecológicas. Serviços ambientais influenciam o bem-estar humano por meio das condi-ções materiais básicas; da saúde, que inclui ter um am-biente saudável, como ar e água limpa; da coesão so-cial e respeito mútuo; da segurança, incluindo acesso

Page 121: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

124 YArA MArIA ChAgAS dE CArvAlhO ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

aos recursos naturais, segurança pessoal e em relação a desastres naturais ou causados pelo homem; da liber-dade de escolha e de ação, incluindo a oportunidade de obter o que o indivíduo valoriza fazer e ser.

Os serviços ambientais que podem ser prestados pela agricultura são diversos. A produção primária, formação do solo e preservação do ciclo de nutrientes são serviços de apoio. Como provisão, gera alimento e água. Contribui na regulação através da criação de condições favoráveis para melhorar a qualidade do ar e da água; na preservação da permeabilidade das várzeas; controle de enchentes e criação de microcli-mas agradáveis. O serviço cultural está associado à preservação da paisagem rural, preservando a história local da relação homem e ambiente, a manutenção dos espaços propícios à recreação e ao desenvolvi-

mento pessoal e espiritual, através do contato com a natureza. Alguns destes serviços são realizados em conjunto com outras atividades humanas produtivas desenvolvidas no espaço rural (Figura 1).

A Convenção da Biodiversidade considera que a abor-dagem do ecossistema é uma estratégia adequada para a gestão integrada de solo, água e recursos vivos, promo-vendo a conservação e o uso sustentável de forma eqüita-tiva. Como o ser humano é dependente do ecossistema, a questão fundamental da política refere-se a como for-talecer a conservação dos ecossistemas de forma a que possam contribuir para o bem-estar humano.

A política deve também considerar que a degra-dação do ecossistema pela ação humana está muitas vezes associada à falta de informação e compreensão das comunidades sobre seu funcionamento. Estes

Figura 1

serviços ambientais da agricultura para a Promoção do bem-estar

Fonte: Adaptação de UNEP (2005).

SERVIÇOS

AGRICULTURA

De apoio:

Produção primária;

Formação do solo;

Ciclo de nutrientes.B

E

M

-

E

S

T

A

R

Segurança:

Pessoal;

Desastres;

Acesso a recursos.

Provisionamento:

Alimento;

Água.

Necessidades básicas

Regulação

Clima;

Pouição do ar;

Purificação da água;

Controle enchentes.

Boas relações sociais

Coesão social;

Respeito mútuo;

Habilidade para ajudar outros.

Cultural:

Paisagístico;

Espiritual;

Recreacional.

Saúde

Page 122: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 125

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

elementos precisam ser considerados ao desenhar uma política de fortalecimento e adequação da agri-cultura às condições de área de manancial.

Assim sendo, uma política voltada ao fortalecimen-to da agricultura como serviço ambiental tem que ser desenvolvida com três componentes principais: pro-jeto de desenvolvimento sustentado do ecossistema para promoção do bem-estar onde a agricultura se insere; capacitação técnica e motivação dos agriculto-res; e sistema de monitoramento sobre o impacto da atividade agrícola no ecossistema.

Com base no caso da agricultura da bacia do Alto Tietê-Cabeceiras vai se argumentar que a política de multifuncionalidade da agricultura pode ser o mar-co teórico para elaboração do projeto de desenvol-vimento, enquanto o selo de qualidade ambiental da produção agrícola é uma boa estratégia para capacitar e estimular o envolvimento dos agricultores a promo-verem transformações no seu processo de produção.

organização social E a consTrução dE um projETo local dE dEsEnvolvimEnTo

Com origem na Comunidade Européia, a multifun-cionalidade surge como política alternativa ao modelo produtivista de desenvolvimento agrícola, na medida em que enfatiza seu aspecto espacial, ambiental, social e econômico. Identifica-se que a agricultura tem a função de produzir alimento suficiente e de qualidade para a população, mas também proteger o ambiente, fortalecer o social e preservar os aspectos culturais e simbólicos que caracterizam uma dada sociedade. Identificam o turismo e a produção artesanal como atividades produtivas complementares (CARVALHO; FRANCA, 2005).

Para Pecqueur (VOLLET, 2002), a multifunciona-lidade está associada a territórios em que o modelo produtivista não encontra as condições adequadas para seu desenvolvimento e, então, os atores se vol-tam à produção de qualidade, em substituição à pro-dução em massa. A multifuncionalidade resulta da coordenação das atividades monofuncionais da agri-cultura e do conjunto de atores, em estratégias co-letivas de combinação destas funções, portanto, de-pende da regulação pela cooperação e reciprocidade.

O território é um lugar construído pelo grupo social que identifica, no seu espaço físico de vida, uma par-ticularidade que lhes garante a produção de bens com características únicas. Território, para o autor, “é um espaço de coordenação dos atores que em um dado momento resolve um problema produtivo específi-co” (VOLLET, 2002, p. 62).

Os elementos fundamentais da política de multi-funcionalidade são: território definido social e não geográfica ou administrativamente; contrato formal ou informal entre os atores, identificando direitos e responsabilidades; parcerias horizontais e verti-cais construídas a partir do diagnóstico participa-tivo; facilitador: agente catalisador e estimulador da construção de um novo processo associado à “en-genharia de desenvolvimento rural” (CARVALHO; FRANCA, 2005).

Para que a política de multifuncionalidade possa ser considerada viável, algumas pré-condições preci-sam ser satisfeitas: identidade social dos atores com o espaço; perspectivas “mais ou menos associadas ou dependentes” dos diversos atores coexistindo no espaço rural; a identificação do grupo social por uma “particularidade que lhes garanta a produção de bens com características únicas, no seu espaço físico de vida”; e a disponibilidade para participar de pro-cessos de concertação3 que poderão ser fortalecidos através da ação pública.

A viabilidade da política de multifuncionalidade dos espaços rurais na Bacia do Alto Tietê foi consi-derada a partir da microbacia do Ribeirão Balainho, em Suzano. A área escolhida para estudo de caso está localizada no continuum de uma das principais áreas do Cinturão Verde de São Paulo, próxima ao limite da mancha urbana. Desta forma, apresenta as con-dições mais desfavoráveis para o atendimento das pré-condições acima mencionadas, em função da desestruturação da atividade agrícola e da sua orga-nização social. Representa também a agricultura dos municípios onde a agricultura resiste em meio a forte urbanização: Ferraz de Vasconcelos, Poá, Arujá e Ita-quaquecetuba (Gráfico 1).

Parte-se do pressuposto que o Comitê de Bacia, responsável pela gestão compartilhada do solo e da água do território, pode assumir a função de agen-

Page 123: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

126 YArA MArIA ChAgAS dE CArvAlhO ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

te catalisador do processo de concertação entre os diversos atores, na formulação da política da multi-funcionalidade. A avaliação desta possibilidade ainda está por ser realizada, embora existam evidências que demonstrem uma crescente percepção do papel que a agricultura e o turismo rural precisam assumir no desenvolvimento da região. Estas evidências estão re-lacionadas às experiências no jogo TerÁguas,4 à apre-sentação da proposta do selo de qualidade ambiental à Câmara Técnica do subcomitê Cabeceiras do Tie-tê e à mudança de visão da agricultura observada ao longo dos seis anos de experiência de trabalho con-junto com o subcomitê.

Neste texto, analisa-se a possibilidade da agricul-tura da região ainda possuir as condições necessárias para vir a assumir o papel preconizado. Em textos anteriores (CARVALHO et al., 2005; CARVALHO, FRANCA, 2005), a perspectiva adotada foi da bacia do Alto Tietê. Neste, restringe-se ao Balainho e de-senvolve-se uma nova tipologia dos agricultores.

Foi feito levantamento com cerca de 25% dos pro-dutores da microbacia do Balainho (31 entrevistas), utilizando a metodologia de sistemas agrários, com o objetivo de analisar as perspectivas da agricultura na região. Cobriu-se a diversidade dos sistemas de pro-dução observados na paisagem e, entre as diversas questões formuladas, algumas referem-se à questão da organização social (CARVALHO et al., 2005). Dos 31 entrevistados, 3 (10%) diferem dos demais por não serem estabelecimentos agrícolas propriamente ditos, isto é, um empreendimento turístico que planta euca-lipto; uma monocultura de eucalipto sem moradia; e um haras. Baseando-se neste levantamento, é possível propor uma tipologia dos produtores do Balainho, segundo o critério da organização social.

Com base nesses 28 estabelecimentos agrícolas, pode-se afirmar que no Balainho existem dois gru-pos de produtores que se diferenciam pelo tempo na região, pela origem da família e pela forma como es-tabelecem suas relações de convívio social.

Os mais antigos são descendentes de imigrantes ja-poneses5 (54% dos entrevistados, considerando aque-les que o nome sugere a descendência), geralmente proprietários da terra (87%), que complementarmen-te podem também arrendar (27%). Eles chegaram à

região a partir de 1930. As famílias mais recentes são de 1994 e 2003, e são os dois únicos agricultores que não residem na própria microbacia e não participam da vida comunitária local (13%). A média e a moda, em termos do ano de chegada das famílias, é 1960 e aproximadamente 63% das ocorrências foram ante-riores há este ano. A área média total dos estabele-cimentos é de 7,78 hectares, sendo que as menores (0,25 e 0,60 hectares) são dos moradores urbanos já mencionados e a maior é de 17 hectares. Quanto à área cultivada, a média é de 4,8 hectares, mas dois produtores não forneceram informação. A maior de-fasagem entre área total e cultivada ocorre nos esta-belecimentos das famílias que chegaram à região em 1937, 1957 e 1964 e parece estar associada à baixa disponibilidade de mão-de-obra familiar e a gradativa paralisação da atividade agrícola (67%).

No passado, participaram (60%) ativamente do Kaikan6 do bairro e ainda o freqüentam, embora a assiduidade tenha se reduzido. Dos restantes, 25% consideram que sua vida social se desenvolve nos bairros urbanos, no interior e na fronteira da micro-bacia. A maioria tem tradição de trabalho na região (73%), enquanto outros 20% podem também ter esta experiência, apesar da resposta dada não ser clara. Somente 7% informaram ter exclusivamente experi-ência urbana. A atividade agrícola é a principal fonte de renda para 94% das famílias entrevistadas. A única exceção refere-se ao fato do sucessor na propriedade ser mulher. No entanto, 31% recebem renda comple-mentar. Além do caso já citado, que é bancário, há um aposentado e dois que recebem remessa do exterior.

Comparando o nível mais alto da escolaridade dos pais e dos filhos, pode-se afirmar que a geração atual permanece mais anos na escola. Enquanto 20% dos pais têm primeiro grau incompleto e outros 27% o concluíram, entre os filhos não há nenhum caso de incompleto e somente 6% não o terminaram. Com relação ao ensino médio completo e o ensino univer-sitário, a relação se inverte. Em ambos os casos, se enquadram 20% dos pais; enquanto os percentuais para os filhos são de 33% e 27%, respectivamente. Para 27% dos entrevistados, as informações obtidas sobre os filhos não são relevantes por conta de es-tarem em idade escolar, mas estão cursando níveis

Page 124: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 127

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

compatíveis com a idade. Não foi obtida informação em 13% e 7% dos questionários levantados para pais e filhos, respectivamente.

O sistema de produção predominante é a oleri-cultura diversificada (47%), mas a busca de novas alternativas é marcada principalmente pela introdu-ção do cogumelo (champignon e do sol) em 27% dos estabelecimentos e das plantas ornamentais em 7%. Resiste ainda na região à avicultura de corte e ovos (13%). A principal forma de comercialização (73%) é a entrega para feirantes ou pequenos compradores, que buscam no local. Um dos casos (7%) vende no varejo, mas faz a entrega. Os demais casos referem-se à venda para o atacado (7%); exportação (7%) ou não identificou o tipo de comprador que retira no local (7%). Pode-se, portanto, constatar que o agricultor de origem japonesa busca estratégias de ampliação da sua renda e de permanência na atividade, por meio da introdução de novas atividades e da apropriação de ganhos na comercialização.

Em relação à perspectiva da família se manter na região e na atividade agrícola, foi analisado o ciclo de vida da família, a existência de sucessor, a satisfa-ção com o resultado econômico da atividade e com a qualidade de vida. Cerca de 87% provavelmente per-manecerão na região, mas somente 40% acreditam manter-se na atividade. Alguns (33%) informaram conhecer e conviver com os outros agricultores que se estabeleceram na região.

Outro grupo de agricultores é constituído de mi-grantes (46%), de diversas regiões do país, com pre-domínio de paranaenses (62%). A forma predomi-nante de acesso a terra é o arrendamento (77%), mas foi considerado entre os proprietários um caso em que quase a totalidade da área cultivada é arrendada (8%). Iniciaram a atividade agrícola na região, a partir de 1953, como dono de sítio de lazer. Outra família chegou à região, em 1970, para dedicar-se a pecuária. As famílias mais recentes são de 2000 e 2003. O ano médio de chegada é 1987 e a maior parte dos agricul-tores (70%) se estabeleceu na região entre as décadas de 1980 e 1990. A área média total dos estabelecimen-tos é de 8,79 hectares, sendo que as menores (0,68 e 0,80 hectares) são dos moradores urbanos, últimos a chegar à região. A maior é de 36,3 hectares, uma fa-

zenda em inventário, que desenvolve a pecuária. Em termo de área cultivada, a média é de 7,6 hectares. A defasagem entre área total e cultivada ocorre em fun-ção de três estabelecimentos, por razões fortuitas.

A organização social deste grupo de agricultores é mais frágil. Não participam de nenhuma associação ou cooperativa, somente duas famílias (15%) iden-tificaram local de lazer na comunidade e o mesmo número informou ser sindicalizado. Foram identi-ficadas duas lideranças que não são de agricultores. Apesar disto, quando perguntados sobre a questão de convívio social, todos informaram fazer sua vida na microbacia. Foram entrevistados quatro agricultores de uma mesma família, sendo que somente um deles considerou que sua vida social não se limita à família. Para os entrevistados, existem dois bairros que pola-rizam sua vida social: a V Divisão, pequeno bairro ru-ral no interior da microbacia, e Vila Ipelândia, bairro urbano limítrofe, onde está localizado o Kaikan.

A maioria do grupo manteve sua experiência de trabalho exclusivamente na agricultura (69%), mas alguns são egressos do setor de serviços ou indústria (31%). A atividade agrícola é a única fonte de renda para 84% das famílias entrevistadas. Há um caso de recebimento de aposentadoria, fonte secundária, e de familiar explorando um bar no bairro rural.

Comparando gerações, pode-se afirmar que há também uma escolarização crescente. Predomina a situação de pelo menos um dos pais terem completa-do o ensino fundamental (46%), mas um percentual significativo não o completou (38%). Existe um só caso de analfabetismo e outro de ensino médio com-pleto (8%). Com relação aos filhos, predomina estar cursando grau compatível com sua idade (38%) ou não ter ainda atingido idade escolar (23%). Só existe um caso de incompatibilidade entre a idade e o cur-so sendo realizado. O ensino fundamental e o ensi-no médio foram ambos completados por 15%. De forma geral, pode-se concluir que a escolaridade dos pais e dos filhos deste grupo é menor que a do grupo anterior. No entanto, são mais jovens e os filhos estão em idade escolar.

O sistema de produção predominante é a olericul-tura diversificada (69%) e a busca de novas alternati-vas é menos intensa. O cogumelo e as ornamentais

Page 125: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

128 YArA MArIA ChAgAS dE CArvAlhO ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

são alternativas para somente duas família (16%). A criação de gado também tem uma ocorrência. A principal forma de comercialização (85%) é a entrega para feirantes ou pequenos compradores que buscam no local. Há um caso de produtor que vende para atravessador (8%). O caso remanescente é o pecua-rista que vende também no local. Não parece existir diferença fundamental na produção e comercializa-ção dos dois grupos, embora exista maior busca por novas alternativas, novos mercados e atuação na co-mercialização no primeiro grupo.

Com relação à perspectiva da família agricultora de se manter na região e na atividade agrícola, o gru-po apresenta comportamento distinto. Com relação à permanência na região, menos da metade (46%) mos-tra laços fortes com a região, mas são mais interes-sados em permanecer na atividade (62%). Há quem considere sua presença na região como estratégia de acumulação para voltar ao seu local de origem. So-mente 31% têm como perspectiva se manter na re-gião e na atividade. Estas famílias chegaram há menos tempo, mas já estão bastante enraizadas e começam a criar novas relações sociais. Residem próximas às áreas de produção, em geral, na exploração. Há um residente de pequeno aglomerado urbano próximo.

O processo de redução da área agrícola, identificada através das imagens de satélite, parece esconder um processo duplo: abandono por parte das famílias de origem japonesa e ampliação das áreas cultivadas por migrantes, particularmente do Paraná. Se não existe diferença substancial em termos dos produtos gerados e das estratégias de comercialização, existem diferenças em termos educacionais, culturais, organização social e vida em comunidade. Também importante é a diferença em termos da identidade com a região e a perspectiva de manterem-se como agricultores. Desta forma, exigem estratégia específica para virem a participar de um projeto conjunto.

Para o conjunto dos agricultores, somente em 13% dos casos a atividade está ameaçada pela falta de des-cendente interessado em mantê-la. A maior parte dos entrevistados manifestou um forte sentimento de per-tencimento (59%) e a perspectiva de se manter na ati-vidade e na região (31%). Entre os que possuem fortes laços na região, mas não se mostram seguros quanto a

manter-se na atividade (36%), predominam as famílias de origem japonesa (80%). As causas identificadas para desistência foram: econômicas (80% dos casos), falta de sucessor (40%) e violência (20%).

Os agricultores do Balainho residem junto à área de produção (93%) e sua vida social e cultural ocorre na microbacia, particularmente nos bairros próximos (83%). A agricultura é a única atividade econômica (94%); cultiva-se fundamentalmente hortaliças (58% e 71%, incluindo produtores de cogumelos) e a venda é na propriedade, para o mercado varejista.

A rede social se mantém em volta das escolas da região (35%), da igreja (26%) e do Kaikan (26%). Existe uma granja que contribui à permanência das famílias na área rural, pois contrata seus empregados entre os melhores alunos da escola local.

Em trabalho anterior (FRANCA et al., 2005), identificou-se que esta região parece ter criado siner-gia entre a paisagem preservada por matas, a agricul-tura e as atividades turísticas. Donos de sítios de lazer, ao se aposentarem, dedicam-se à agricultura. Cavalga-das, para romaria ou passeio, atraem turistas, donos de sítios e seus caseiros. Alguns donos de sítios co-nheceram a região visitando equipamentos turísticos. A freqüência das visitas dos donos de sítios de lazer é alta. Alguns aposentados residem parcialmente no local e parte deles parece se integrar à vida local, par-ticularmente através da igreja.

No Balainho, a população da área periurbana pare-ce ainda preservar as características do modo de vida rural e os bairros, particularmente a V Divisão, con-tribuem para isto. Existe forte identidade dos agri-cultores de origem japonesa com a região, enquanto a dos demais é mais frágil. A vida social se dá dentro da própria região. Alguns donos dos sítios de lazer e seus caseiros buscam se inserir na rede local de conví-vio social (CARVALHO et al., 2005). A proximidade urbana traz maior índice de violência (53% considera o roubo como uma desvantagem da proximidade da cidade), o que tem efeito direto sobre a possibilida-de de convívio social. Segundo um agricultor jovem, “reuniões são cada vez mais difíceis porque a noite todos têm medo de sair de casa e durante o dia só se tem tempo para trabalhar”.

Page 126: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 129

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

Assim, a microbacia do Balainho parece ainda sa-tisfazer as pré-condições para a viabilização da polí-tica de multifuncionalidade: o sentimento de perten-cimento; a existência de rede social ainda que frágil; a sinergia entre os projetos individuais dos diversos atores. Não se pode, entretanto, olvidar que existem grupos distintos cuja organização social se sobrepõe e somente começam a interagir. São as “rugosidades” definidas por Santos.7 Elas nos oferecem restos de uma divisão internacional do trabalho manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizado (SANTOS, 1986, p. 138). A violência é, entretanto, um fator de risco à proposta. A viabilidade de envolver moradores ru-rais na construção da política de multifuncionalidade precisa apoiar-se no fortalecimento da organização social local focando nos dois grupos identificados e na melhoria das condições de vida, particularmente, segurança e remuneração ao agricultor. O selo de qualidade ambiental com controle social é um ins-trumento que responde às necessidades econômicas do produtor e deve promover sua permanência na região, ao mesmo tempo em que fortalece a organi-zação social.

sElo dE QualidadE ambiEnTal

A transição tecnológica para um padrão compatível com a preservação do ecossistema é construída a par-tir da informação aos agricultores sobre os impactos da tecnologia utilizada e pela determinação destes em adotar melhores práticas. Este processo pode ser esti-mulado por benefício econômico. O desenvolvimen-to e a introdução de um selo de qualidade, associado a prestação do serviço ambiental, podem permitir ao consumidor identificar este produto agrícola como diferenciado e, estando disposto a pagar pela preser-vação ambiental, oferecer uma recompensa financei-ra pelo serviço. Esta é uma alternativa ao pagamento direto pelo serviço, que poderia ser feito ao produ-tor, na forma de subsídio. De qualquer forma, para promover boas práticas, é necessário desenvolver um programa de construção da qualidade desejada, com os agricultores. Esta viabilidade foi testada através de

uma série de oficinas na sub-bacia Tietê-Cabeceiras (CARVALHO et al., 2006).

Segundo Valceschini e Nicolas (1995), a qualida-de de um produto pode estar associada à aptidão em atender às necessidades dos consumidores. A preser-vação do verde em torno da cidade de São Paulo e de suas fontes de abastecimento de água é, de forma crescente, uma necessidade do consumidor.

Um programa de qualidade baseia-se na definição de normas, critérios de classificação ou enquadramen-to e no sistema de garantia da observância das regras propostas. Quando voltado a promover a transfor-mação tecnológica da agricultura como serviço am-biental, estabelece padrões (normas) tecnológicos a serem observados que não degradem o ambiente.

Os sistemas existentes de garantia da qualidade estão baseados na adesão voluntária, na certificação por auditoria ou no controle social dos sistemas de avaliação de conformidade participativa. O sistema de garantia com controle social está sendo desenvol-vido pela rede Ecovida, atuante no Sul do Brasil, na produção agro-ecológica ou orgânica. Nos mesmos moldes, está sendo criado o selo Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.

Este sistema depende do envolvimento e compro-metimento dos produtores. A ênfase é dada no pro-tagonismo do produtor dialogando com o consumi-dor, ou seus representantes, construindo não apenas normas e o sistema de garantia, mas também a base local de uma relação de confiança e credibilidade. Esta base local é um nó de rede, onde estas relações se enraízam. A interação entre grupos semelhantes vai tecendo e fortalecendo uma rede em que essas relações são reconhecidas e transferidas entre grupos. Cria-se assim a base de sustentação de um sistema alternativo de garantia que transcende as relações di-retas. No local, a relação de confiança pressupõe uma organização de agricultores, integrada a consumido-res e agrônomos, que dão neutralidade e embasamen-to técnico ao processo (MEDAETS, 2003; SANTOS, 2004; GAO, 2004).

A adequação desta proposta aos agricultores familiares do Alto Tietê-Cabeceiras foi testada em quatro microbacias. Foi avaliado seu interesse e pos-sibilidade de participar em um programa de quali-

Page 127: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

130 YArA MArIA ChAgAS dE CArvAlhO ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

dade ambiental da produção agrícola, garantido por meio de controle social. Isto representa predisposi-ção para mudar o manejo da produção e se envolver na construção da rede de confiança e credibilidade. As quatro microbacias selecionadas foram identi-ficadas em parceria com a extensão rural, uma em cada município, identificados na região como agrí-colas. Participar do programa de microbacias exige que os agricultores sejam predominantemente fami-liares e que a área tenha interesse ambiental. No Ba-lainho, as reuniões foram feitas somente no Kaikan, limitando assim, como esperado, a participação dos produtores de origem não japonesa.

Foram organizadas seis oficinas, realizadas men-salmente, em cada uma das áreas selecionadas, tendo como temas: a comercialização da produção olerícola regional; rentabilidade econômica dos principais sub-sistemas de cultivo da região; qualidade da produção agrícola e sistemas de garantia; boas práticas no uso de insumos; boas práticas na irrigação; sistema de controle social da qualidade. Os temas propostos es-tavam vinculados a pesquisas com dados primários (duas primeiras e a quinta) ou secundários. As infor-mações eram apresentadas em cerca de 30 minutos para estimular o diálogo. Na última, o processo foi exclusivamente interativo. A metodologia utilizada foi a de grupos focais (CARVALHO et al., 2006; KRUEGER, 1994).

As quatro primeiras oficinas contaram com cer-ca de 20 produtores. Os agricultores construíram a perspectiva de longo prazo da comercialização na re-gião, estimulada por estudo feito seguindo o fluxo da produção local até o equipamento de varejo (SATO et al., 2006). Identificou-se que a melhor garantia que o produtor tem na hora da comercialização é a quali-dade do seu produto, principalmente aparência. Con-siderou-se que o principal atributo diferenciador da região é ser uma área importante para o abastecimen-to de água da RMSP. Assim foi proposta a temática da qualidade e solicitado que se manifestassem sobre o interesse em construir um selo de qualidade regional associado à preservação da água. Foi então sugerido o programa de oficinas, encerrando com apresentação da proposta à Câmara Técnica do subcomitê e para os órgãos locais de extensão rural.

O tema do segundo grupo de oficinas foi a rentabi-lidade econômica. Foram feitas estimativas para cerca de 30 subsistemas de cultivo, basicamente de horta-liças e frutas (MARTINS et al., 2006). Identificou-se que no mês do levantamento, período de chuvas e de menor rentabilidade, um entre três agricultores ob-teve lucro. A irrigação geralmente não é necessária, mas quando a utilizam, tem custo mais elevado por ocuparem áreas de encosta. Segundo produtores de origem japonesa, na microbacia do Cocuera, o maior problema econômico é que a rentabilidade na boa estação está decrescendo e com isto reduz-se a ca-pacidade de resistência no período de chuvas. Nesta perspectiva, a cobrança pelo uso da água levaria à re-dução do número de agricultores e da proteção social à expansão urbana desordenada. O custo da irrigação é irrelevante frente ao custo total. Isto se dá porque a água é um bem livre, os agricultores são economi-camente eficientes na escolha das áreas de cultivo e devido à distribuição favorável das chuvas durante o ano (MARTINS et al., 2006).

Na oficina seguinte, apresentou-se o que é um sis-tema de qualidade e como funciona. Nas posteriores, foi apresentado um conjunto de boas práticas no uso de insumos e irrigação, para que eles avaliassem suas próprias práticas e identificassem o que já fazem ou poderiam fazer facilmente. Na última, foi mostrado, de forma interativa como se constrói um sistema de garantia com controle social e qual seria a responsa-bilidade de cada um no processo.

Foi estabelecido um conjunto de normas que re-presentam as boas práticas ambientais dos agriculto-res familiares da região com respeito à irrigação e ao uso de insumos, assim como as regras para um efe-tivo controle social. Estes resultados foram apresen-tados pela coordenação do projeto à Câmara Técnica de Planejamento do Comitê de Bacia do Alto Tietê-Cabeceiras e aos órgãos de extensão rural da região: Escritório de Desenvolvimento Regional – EDR de Mogi das Cruzes e Casas de Agricultura Municipais além dos técnicos do programa Sistemas Agro Indus-triais – SAI. O objetivo foi convidá-los a participar da reunião com agricultores para conhecerem a propos-ta do selo de qualidade ambiental da produção hor-

Page 128: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 131

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

tícola da bacia do Alto Tietê e tornarem-se parceiros na continuidade dos trabalhos.

As oficinas demonstraram a necessidade, impor-tância e o alto grau de resposta que os agricultores familiares dão às reuniões organizadas quando são tratados como “agentes ativos” (SEN, 1999), com a preocupação do empoderamento do grupo. Havia total desconhecimento sobre o caráter participativo dos comitês de bacia e as possibilidades de ação que se abrem para eles. No início, referiam-se às oficinas como palestras, mas, ao final, a denominavam de reu-nião. Houve clara compreensão de que padrões fa-cilmente observáveis por agricultores familiares não o são por agricultores de grande escala e que dois sistemas precisam ser desenvolvidos se houver a pre-ocupação de não eliminar um grupo do processo. Um grande desafio, identificado para o aprimora-mento ambiental das práticas agrícolas, é que a lógica do manejo da irrigação não se paute por considera-ções econômicas, mas pela economia de trabalho. A adoção das práticas precisa considerar esta restrição. Foram também identificados problemas associados à qualidade dos insumos industriais e legislação, entre outros. Isto motivou os agricultores a participarem do subcomitê e ter mais fácil acesso às informações e instâncias de poder e decisão.

As oficinas identificaram a necessidade de capa-citação dos agricultores para melhorarem suas téc-nicas e, conseqüentemente, as normas. Constatou-se a necessidade de trabalho mais integrado com as organizações locais de extensão rural para implantar canais de comercialização conjunta e o sistema de controle social.

A demanda apresentada pelos agricultores fami-liares não se restringe ao desenvolvimento da marca Alto Tietê-Cabeceiras, mas também à promoção do produto, financiamento do projeto de implementa-ção e participação na construção de novas institui-ções necessárias para o sistema de garantia com con-trole social. Parte importante das atividades acontece no nível municipal, sendo necessário o envolvimento das Casas de Agricultura e governos municipais. A integração dos núcleos municipais demandaria or-ganização regional, considerado como atribuição ao subcomitê. A concertação entre subcomitê, prefeitu-

ras, agricultores e organizações sociais locais, ainda está por ser desenvolvida.

Na reunião final, com representantes das organiza-ções de extensão rural local, subcomitê e municípios, estavam presentes cerca de 20 produtores, das quatro microbacias. Muitos relataram que precisaram acor-dar mais cedo para fazer a colheita antes da reunião.

Além da participação dos agricultores nas di-versas oficinas e, particularmente, na reunião final, onde fizeram a defesa da proposta, há alguns ou-tros indicadores da apropriação pelos agricultores. Cerca de um quarto dos participantes fizeram regis-tro diário do tempo de irrigação, durante um mês, para subsidiar a oficina sobre boas práticas no uso da irrigação. Na oficina de comercialização, em uma microbacia, emergiu aparente conflito de interesse com intermediários. Deixou-se de fazer reuniões no local. Na medida em que se apresentou as normas de insumos ao grupo, eles a solicitaram. Em Suzano, onde a participação nas reuniões é mais difícil, os poucos produtores interessados levaram a equipe a participar das atividades da comunidade, para sensi-bilizar novos participantes.

No Balainho, como esperado, a participação foi mais fraca que nas outras microbacias. Uma das reu-niões não ocorreu (época dos ataques do Primeiro Comando da Capital – PCC) por estarem presentes somente duas famílias. As reuniões foram feitas no Kaikan, que dista do bairro da V Divisão, e somen-te os agricultores de origem japonesa participaram. Houve, entretanto, uma clara mudança no compor-tamento dos agricultores ao longo do processo. Ini-cialmente, a relação era de desconfiança e descrédito, pois, segundo disseram, muitas foram as vezes que reuniões no Kaikan foram marcadas e não acontece-ram, sem aviso prévio. Explicavam isto pela distância e pelo impacto da urbanização na microbacia. Busca-ram diversas formas de demonstrar interesse prestan-do serviços e oferecendo produtos para a equipe do projeto. Três produtores da microbacia participaram da reunião final, o último a se envolver levou a famí-lia. Em suas palavras, o “projeto tem como objetivo promover o uso racional da água”.

As atividades no Balainho foram sempre marca-das pela presença de algum representante do governo

Page 129: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

132 YArA MArIA ChAgAS dE CArvAlhO ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

municipal, inclusive o próprio Secretário Municipal, apoiando a iniciativa e, ao mesmo tempo, participando da pequena mobilização obtida. A prefeitura de Suza-no foi a única efetivamente envolvida no processo.

O principal desafio para o sucesso da proposta é a frágil organização social. O comprometimento dos participantes foi viabilizado considerando que a cé-lula básica das relações de confiança poderia ser de três pessoas. Sobre esta é que se construiria a rede de confiança e controle social. A qualidade da rela-ção necessária entre membros de um mesmo grupo só é factível, segundo eles, nestes pequenos grupos. Isto coloca mais dificuldade na existência de recursos humanos de não agricultores, para participarem das visitas em que também se dá a avaliação da confor-midade do processo de produção.

As evidências são, portanto, de que é possível dar início ao processo de envolvimento dos agricultores no programa gradativo de transformação do padrão tecnológico, cujo sucesso dependerá fundamental-mente da construção de relações estáveis de comer-cialização. Mais que preço, os agricultores familiares buscam relações comerciais estáveis e confiáveis (bons pagadores). O incentivo econômico pela redu-ção do custo de produção e comercialização diferen-ciada é uma estratégia win-win para a gestão sustentá-vel do solo e da água.

O envolvimento dos agricultores é uma condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimen-to da proposta. Em outra ocasião, será necessário avaliar a possibilidade de efetivamente envolver os demais atores e de definir recursos para sua viabili-zação. Em termos gerais, a viabilidade da proposta depende fundamentalmente do comprometimento do subcomitê com a proposta e da viabilização de recursos para sua implementação.

agriCultura CoMo serviço aMbiental

A agricultura é atividade econômica estratégica para preservar o manancial. Há evidências, entretanto, de que a urbanização e a evolução social, econômica e institucional da agricultura, nas sub-bacias de abas-tecimento urbano da RSMP, estão afetando negati-vamente a atividade. No entanto, a agricultura que

resiste se caracteriza pelo seu padrão tecnológico mo-derno e a organização social dos agricultores, embora fragilizada, também resiste e se reconstrói. A cobran-ça da água pode ser um fator adicional a estimular o abandono da atividade.

Considerar a atividade agropecuária como presta-dora de serviço ambiental, implica na promoção da política de multifuncionalidade, na sua adequação tecnológica e na busca de instrumentos para torná-la economicamente viável e competitiva frente aos usos alternativos do solo pelo mercado urbano. É um desafio possível de ser construído por meio da con-certação entre os diversos atores que compartilham a responsabilidade da gestão de solo e água e, mais especificamente, pela parceria produtor-consumidor de alimentos e de água.

A viabilidade da proposta depende do comprome-timento do subcomitê de bacia e de seu interesse em assumir a condição de agente catalisador e animador da construção do contrato com os atores locais, que definem o uso e ocupação do solo e da água em área de baixa densidade de ocupação demográfica. Isto ainda está por ser realizado.

A análise da existência das pré-condições neces-sárias para implantação da política da multifunciona-lidade foi realizada a partir dos produtores do Balai-nho. Identificou-se que existem dois grupos distintos de produtores: os de origem japonesa e os demais. O primeiro grupo tem forte identidade com a re-gião, embora as condições econômicas e a violência os esteja afastando da atividade. Os demais apresen-tam uma menor identidade com a região, mas existe também aqueles que já estão criando seus vínculos. De qualquer forma, praticamente todos organizam suas vidas dentro da própria microbacia e nos bairros limítrofes. Existe grande similaridade entre os agri-cultores em termos tecnológicos e das alternativas desenvolvidas o que sinaliza uma convergência de in-teresses na busca de melhorias econômicas. O fato de organizarem suas vidas no próprio bairro coloca suas prioridades em serviços e benfeitorias em sincronia. O combate à violência é a principal demanda dos re-sidentes do rural.

A qualidade ambiental da produção agrícola, associada à água, foi definida durante as oficinas

Page 130: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 133

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

realizadas, como o atributo específico da produção regional. Foi também neste espaço que se constatou o interesse e o comprometimento de participarem do processo de concertação para elaboração do projeto de gestão compartilhada da área rural da sub-bacia Tietê-Cabeceiras. Houve interesse manifesto por virem a participar do subcomitê de bacia.

As evidências obtidas junto aos agricultores familiares, por meio das oficinas, demonstraram que eles têm interesse em construir a proposta de transformação gradual do seu padrão tecnológico, por meio de cursos de capacitação. Esperam também que se identifique e busque solucionar gargalos existentes nos encadeamentos a jusante e a montante da produção agrícola, que sejam apoiados pelas instituições existentes na construção de uma nova instituição e que o mercado de produtos de qualidade ambiental diferenciada seja estruturado.

O maior desafio está, entretanto, na delicada organização social que, embora ainda persista, é fortemente ameaçada pelo abandono da atividade, pelas dificuldades enfrentadas e, principalmente, pela violência. A situação atual, no entanto, continua permitindo que se dê início ao processo de concertação do projeto de gestão compartilhada do uso do solo e da água no meio rural assim como à construção da qualidade ambiental da produção agrícola. Por meio do “empoderamento” do agricultor familiar, o capital social poderá ser construído, como externalidade. O fortalecimento da organização social melhorará as condições para implantação da política de multifuncionalidade. Através desta, a agricultura promoverá a preservação da paisagem, a transformação gradativa da tecnologia utilizada e ajudará a manter as condições para preservação da produção de água (CARVALHO et al., 2005).

Notas

Este texto sintetiza vários trabalhos realizados no âmbito do projeto Negowat – Agência Paulista de Tecnologia dos Agro-negócios, financiado pela Comunidade Européia e Fapesp.1. Para melhor compreensão, ver: <http://www.iac.sp.gov.br/jndmirim/negowat/pdf/cab_uso_01.pdf>.2. Uma vez que os dados do projeto LUPA encontram-se dis-poníveis em nível municipal, realizou-se estudo para recorte espacial que possibilitasse a análise para a sub-bacia de Tietê-Cabeceiras. É importante ressaltar que áreas de mata fora das Unidades de Produção Agropecuárias – UPAs, não são consi-deradas no levantamento.3. Processo de construção coletiva do projeto que atende as expectativas e interesses dos diversos atores. Como não há conflitos de interesse, o processo não é de negociação, embora possa também surgir esta necessidade. 4. Jogo desenvolvido para promover a negociação sobre a gestão da água na Bacia. Simula uma realidade física seme-lhante e identifica um grupo de atores: gerente de empresa

de manejo do sistema SPAT, gerente da empresa estadual de saneamento, prefeito de um município com empresa própria de saneamento, prefeito de município atendido pela empresa estadual de saneamento, empresário industrial e agricultor. O jogo estimula a reflexão sobre a gestão compartilhada da água. Quando estimulados pela demanda do agricultor, o projeto do grupo buscou incorporá-las. Isto ocorreu em duas ocasiões: uma com a Câmara Técnica do sub-comitê e outra na Agência da Bacia. Não houve experiência direta com o Comitê de Bacia nem a apresentação da proposta de consertação de um contra-to baseado na política da multifuncionalidade.

5. As informações a seguir serão analisadas sempre com rela-ção ao total de entrevistados na região de estudo.

6. Centro da vida social, cultural e comunitária das comunida-des japonesas.

7. São heranças físico-territoriais, socioterritoriais e socioge-ográficas dos sistemas técnicos entendidos como o conjunto de objetos suscetíveis de funcionar como meio ou como resul-tado, entre os requisitos de uma atividade técnica (SANTOS, 1997, p. 32).

Page 131: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

134 YArA MArIA ChAgAS dE CArvAlhO ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

referências Bibliográficas

BALSADI, O.V.; BELIK, W. Emprego na agricultura: atividades intensivas em mão-de-obra oferecem alternativas reais de emprego e renda na agricultura. Agroanalysis, Rio de Janeiro, IBRE/FGV, v. 21, n. 10, out. 2001.

CARMO, C.F. et al. A degradação nos reservatórios do PEFI. In: BICUDO, D.C.; FORTI, M.C.; BICUDO, C.E.M. (Ed.). Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI): unidade de conservação que resiste à urbanização de São Paulo. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2002. p. 273-296.

CARVALHO, Y.M.C.; FRANCA, T.J.F. A preservação dos mananciais da Região Metropolitana de São Paulo e a multifuncionalidade. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL. 43., jul. 2005 Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto, SP, Sober, 2005. CD-ROM.

_____. The Sao Paulo´s Metropolitan area: environmental protection and poverty alleviation. 2004. Disponível em: <http://www.irsa-world.org/XI/>. Acesso em: 20 out. 2004.

CARVALHO, Y.M.C. et al. Desafio para a gestão de bacia periurbana: transformar em serviço ambiental a produção da agricultura familiar. In: CARVALHO, Y.M.C. (Org.). Negowat-Apta - Final Report. São Paulo: IEA, 2006. p. 245-266.

CARVALHO, Y.M.C. et al. Perspectivas para a agricultura da Bacia do Alto Tietê. In: DUCROT, R. (Coord.). Negowat Project Report. Montpellier: Cirad, 2005.

FRANCA, T.J.F. et al. Turismo e lazer em áreas periurbanas de proteção de mananciais: território, paisagem e multifuncionalidade. In: CARVALHO, Y.M.C. (Org.). Negowat-Apta - Final Report. São Paulo: IEA, 2006. p. 312-329.

GAO – Grupo de Agricultura Orgânica. Construindo a certificação participativa em rede no Brasil: cartilha para subsidiar as oficinas locais. Florianópolis: [s.n.]. 2004. 44 p.

HENRY, R.; SANTOS, A.A.N.; CAMARGO, Y.R. Transporte de sólidos suspensos, N e P total pelos rios Paranapanema e Taquari e uma avaliação de sua exportação na represa Jurumirim (São Paulo, Brasil). In: HENRY, R. (Ed.) Ecologia de reservatórios: estrutura, função e aspectos sociais. Botucatu, SP: Fapesp/Fundibio, 1999. p. 689-710.

KRUEGER, R. Focus Group: a practical guide for applied research. California-London-New Delhi: Sage Publications Inc., 1994. 255 p.

MARTINS, S.S. et al. Indicadores de custo de produção e rentabilidade de subsistemas de produção na Cabeceira do Alto Tietê. In: CARVALHO, Y.M.C. (Org.). Negowat-Apta - Final Report. São Paulo: IEA, 2006. p. 203-217.

MEDAETS, J.P.P. A construção da qualidade na produção agrícola familiar: sistemas de certificação de produtos orgânicos. Tese (Doutorado) – Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal de Brasília, Brasília, 2003.

MORAES, J.F.L.; CARVALHO, J.P.; CARLSTROM FILHO, A.A. Caracterização e evolução do uso das terras na sub-bacia Tietê-Cabeceiras. In: DUCROT, R. (Coord.). Negowat Project Report. Montpellier: Cirad, 2005. 11 p.

MORAES, J.F.L. et al. Land planning for sustainable development in watersheds using geographical information system. Amsterdã: ISPRS, International archives of photogrametry and remote sensing, v. 33, n. 3, 2000. p. 895-900.

PINO, F.A. et al. (Org.). Levantamento censitário de unidades de produção agrícola do Estado de São Paulo. São Paulo: IEA/Cati/SAA, 1997. 4 v.

RIOS, L. Distribuição espaço temporal e balanço de massa de fósforo na represa de Salto Grande, Americana (SP). 1999. 159 p. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Carlos, 1999.

SANTOS, L.C.R. (Coord.). Caderno de formação: certificação participativa de produtos ecológicos. Florianópolis: Rede Ecovida de Agroecologia, 2004.

SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1997. 448 p.

______. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1986.

SATO, G.S. et al. Fluxo de comercialização de hortaliças produzidas, na região do Alto Tietê-Cabeceiras. In: CARVALHO, Y.M.C. (Org.). Negowat-Apta - Final Report. São Paulo: IEA, 2006. p. 167-186.

SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

SENDACZ, S. et al. Sistemas em cascata: concentrações e cargas de nutrientes no Sistema Produtor Alto Tietê, São Paulo. In: NOGUEIRA, M.G.; HENRY, R.; JORCIN, A. (Ed.). Ecologia de reservatórios: impactos potenciais, ações de manejo e sistemas em cascata. São Paulo: RiMa, 2005. p. 417-434.

TUNDISI, J.G. et al. Reservoir management in South America. International Journal of Water Resources Development, London, Taylor and Francis Group, n. 14, p. 141-155, 1998.

UNEP – United Nations Environment Programme. Ecosystem and well being. Our human planet: Summary for decision makers. Washington, D.C.: Island Press, 2005a.

______. Ecosystem and well being. Multiscale assessments: Findings of the sub-global assessments working groups. Washington, D.C.: Island Press, 2005b.

VALCESCHINI, E.; NICHOLAS, F. La dynamique économique de la qualité agro-alimentaire. In: NICHOLAS, F.;

Page 132: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

AgrICulTurA: SErvIçO AMBIEnTAl pArA A BACIA dO AlTO TIETê-CABECEIrAS 135

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006

VALCESCHINI, E. (Ed.). Agro-alimentaire: une economie de la qualité. Paris: Economica, 1995. p. 15-38.

VALÉRIO FILHO, M. Técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto aplicadas ao estudo integrado de bacias hidrográficas. In: PEREIRA, V.P.; FERREIRA, M.E.; CRUZ, M.C.P. (Coord.). Solos altamente suscetíveis à erosão. Jaboticabal: Unesp, 1994. p. 223-242.

Yara M. Chagas de Carvalho

Economista, Doutora em Teoria Econômica, Pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola/Apta/SAA-SP. ([email protected])

Jener Fernando leite de Moraes

Engenheiro agrônomo, Doutor em Ciência, Pesquisador do Instituto Agronômico/Apta/SAA-SP. ([email protected])

Maria Carlota Meloni viCente

Engenheira agrônoma, Doutora em Geografia Humana, Pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola/Apta/SAA-SP. ([email protected])

suzana sendaCz

Bióloga, Doutora em Ciências, Pesquisadora do Instituto de Pesca/Apta/SAA-SP. ([email protected])

terezinha JoYCe Fernandes FranCa

Economista, Mestre em Economia Aplicada, Pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola/Apta/SAA-SP. ([email protected])

Artigo recebido em 10 de abril de 2006. Aprovado em 28 de junho de 2006.

Como citar o artigo:CARVALHO, Y.M.C. et al. Agricultura: serviço ambiental para a bacia do Alto Tietê-Cabeceiras. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 118-135, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

VICENTE, M.C.M. et al. Indicadores da atividade agropecuária e dos produtores nas sub-bacias de Tietê-Cabeceiras e de Guarapiranga. In: CARVALHO, Y.M.C. (Org.). Negowat-Apta - Final Report. São Paulo: IEA/Apta, 2006. p. 37-49.

VOLLET, D. (Org.). Les cahiers de la multifonctionnalité. Multifonctionnalité et territoires: justifications et modalités de la territorialisation des politiques publiques. França: Dispositif Inra-Cemagref-Cirad, n. 1 , 2002.

Page 133: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

Embora o desenvolvimento, na sua mais ampla acep-ção, seja desejável em qualquer sociedade, a maneira como o mesmo ocorre e os processos que o regulam podem ter implicações importantes na saúde e na qualidade de vida da população. Observando o modelo de desenvolvimento e urbanização brasileiro, caracterizado na grande maioria dos casos pelo crescimento rápido e desorganizado das cidades, nota-se que, embora esse processo possa ter trazido inúmeros benefícios à socie-dade em geral, ele também contribuiu para gerar e aprofundar uma série de problemas ambientais que afetam, em maior ou menor grau, as populações dessas cidades.

Tome-se o exemplo da poluição atmosférica na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP. Na segunda metade do século passado, o desenvolvimento econômico impulsionou um crescimento desordenado, não planejado, da cidade de São Paulo e seus municípios vizinhos. Esse desenvolvimento permitiu, por exemplo, a instalação de inúmeras indústrias na região, sem que houvesse a preocupação com o controle de suas emissões atmosféricas. Dessa forma, além da prosperidade econômica e melhoria da qualidade de vida, a população da RMSP passou a conviver com níveis de poluição atmosférica acima dos padrões considerados aceitáveis pelas agências ambientais e pela Organização Mundial de Saúde (CETESB, 1993). Como conseqüência, expôs sua saúde a um novo risco.

Resumo: O artigo procura examinar algumas políticas ambientais de controle da poluição do ar postas em prática na Região Metropolitana de São Paulo nas últimas décadas e discuti-las no contexto do crescimento e transformação da região. As dificuldades para a implementação dessas políticas,

assim como tendências recentes no trato da questão, são exploradas.

Palavras-chaves: Poluição do ar. Políticas públicas. Impactos.

Abstract: This article examines some policies targeting air pollution control in the metropolitan region of Sao Paulo in the past decades and discusses them in the context of the growth and transformation of the region. Difficulties to implement such policies will also be explored.

Key words: Air pollution. Public policies. Impacts.

os Impactos do desenvolvImento (In)sustentável do setor de transportes

na saúde da população de são paulo

NelsoN Gouveia

Page 134: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

OS IMPAcTOS DO DeSenvOlvIMenTO (In)SuSTenTável DO SeTOR De TRAnSPORTeS... 137

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

Esse crescimento econômico e populacional tam-bém gerou e continua gerando uma grande demanda por mobilidade, já que esta permite a produção e a troca de bens e serviços, que por sua vez colaboram para a continuidade do desenvolvimento. Porém, o crescimento do principal setor responsável pela mo-bilidade, o transporte, continua se dando de maneira pouco sustentável. A inabilidade do Estado em pro-ver infra-estrutura e serviços de transporte eficientes e adequados, a deterioração simultânea dos transpor-tes públicos de massa e a conseqüente ampliação da frota de veículos para uso individual, têm contribuído para aumentar os custos do transporte, a desigualda-de social na distribuição dos custos e benefícios des-se setor e a degradação do ambiente, sobretudo do ar. Isso afeta a qualidade de vida da população, bem como a eficiência econômica e a própria produtivida-de das cidades (HABITAT, 1994).

Característica freqüentemente encontrada nos grandes centros urbanos do mundo, o aumento da frota veicular vem ocupando o lugar das indústrias como principal fonte de contaminação atmosférica. As emissões decorrentes da utilização de combustí-veis fósseis pelos veículos automotores circulantes, incluindo automóveis, ônibus e caminhões, são res-ponsáveis por cerca de 90% dos gases e 40% do ma-terial particulado lançado diariamente na atmosfera da cidade de São Paulo (CETESB, 2006a).

Sabe-se hoje que a exposição a esses poluentes está associada a uma elevação no risco de se contrair diversas doenças, desde as respiratórias, as mais in-tuitivamente relacionadas com a poluição do ar, até as cardiovasculares, passando pelo câncer, as mal-formações congênitas, a restrição do crescimento intra-uterino e distúrbios da fertilidade (GOuvEIA, MAISONET, 2006). Os impactos sociais e econômi-cos da exposição à poluição do ar são consideráveis. Estima-se que cerca de 800 mil óbitos por ano no planeta sejam atribuíveis à contaminação atmosféri-ca, sendo esta considerada uma das mais importantes causas de morte no mundo (COHEN et al., 2005; EzzATI et al., 2002).

Cientes ou não dos malefícios à saúde ocasionados pela poluição atmosférica, os governos vêm adotan-do uma série de medidas que visam à redução dos

níveis urbanos desses contaminantes. Essas políticas ambientais objetivam melhorar a qualidade do ar nas cidades e, sendo efetivas, conseqüentemente contri-buem para diminuir os efeitos na saúde associados a essa exposição. Entretanto, medidas praticadas aqui, assim como em outros países, não têm sido regular e consistentemente avaliadas de maneira a se conhecer a sua real efetividade, seu custo-beneficio, seu impac-to na saúde e no meio ou sua sustentabilidade.

Desse modo, este artigo procura discutir o im-pacto, tanto nos níveis de poluição quanto nos seus efeitos associados à saúde, de algumas políticas am-bientais de controle da poluição do ar advinda dos veículos automotores, colocadas em prática na cidade de São Paulo nas últimas décadas. Serão foco des-sa avaliação as medidas que alteraram a composição dos combustíveis, mais especificamente a adição de álcool à gasolina, a utilização de veículos movidos ex-clusivamente a álcool, a redução gradativa dos limites de emissão de poluentes pelos veículos novos e a me-dida de restrição à circulação veicular.

Não se trata aqui de fazer uma análise exaustiva e detalhada, com emprego de técnicas quantitativas sofisticadas. Ao contrário, procurou-se apenas fazer simples comparações de valores e tendências em pe-ríodos recentes e contextualizar as medidas imple-mentadas e seus impactos. É importante lembrar que não fazem parte do objeto dessas análises outros im-pactos importantes associados a medidas regulatórias do setor de transportes como os acidentes de trânsito e a poluição sonora, entre muitos outros.

AlgumAs medidAs AplicAdAs em relAção à quAlidAde do Ar

Desde a década de 1970, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – Cetesb da Secretaria de Estado do Meio Ambiente vem exercendo controle sobre as emissões industriais. Inicialmente, foi implementado um programa para redução das emissões de material particulado – MP e, posteriormente, um outro para a redução das emissões de dióxido de enxofre (SO2). Ainda na década de 1980, observaram-se reduções significativas dos níveis de SO2, poluente mais associado às emissões industriais, na atmosfera

Page 135: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

138 nelSOn GOuveIA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

da RMSP. Até hoje, todas as áreas da região atendem ao padrão de qualidade do ar para esse poluente (CETESB, 2006b).

Com as fontes industriais sob controle e com a mudança gradual no perfil da região metropolitana de uma economia industrial para uma economia basea-da em serviços, a Cetesb começou a detectar níveis elevados de contaminantes atmosféricos provocados agora pelas emissões dos veículos movidos à gasolina (CETESB, 2006a).

Nessa mesma época nascia o Programa Nacional do Álcool – Proálcool, com o objetivo de diminuir a dependência externa de energia, mais especificamente do petróleo importado. A intenção de utilizá-lo como combustível encontrou respaldo em estudos das emis-sões veiculares que verificaram que a adição de etanol à gasolina contribuía para a diminuição da emissão de monóxido de carbono (CO), cujos níveis encontra-vam-se elevados na RMSP (CETESB, 2006b).

A partir do início dos anos 1980, o álcool passou a ser o aditivo adicionado à gasolina em substituição ao até então utilizado chumbo. Dessa forma, além de deixar de emitir chumbo na atmosfera, medida que trouxe enormes benefícios à saúde da população (PAOlIEllO; DE CAPITANI, 2005), essa mistura de combustíveis também objetivava controlar os níveis de outros poluentes, como o CO, proveniente das emissões da crescente frota automotiva.

O Proálcool incentivou também a utilização de veículos movidos exclusivamente a álcool hidratado, e estes passaram a ser produzidos em grande escala, pouco a pouco ganhando o gosto popular. No final da década de 1980, cerca de metade da frota de veí-culos leves do Município de São Paulo rodava exclu-sivamente a álcool (Gráfico 1). Entretanto, o risco de desabastecimento devido à escassez do etanol anidro no mercado brasileiro desestimulou a aqui-sição desses veículos pela população e sua partici-

Gráfico 1

evolução do Número de Veículos Novos a Álcool e a gasolinamunicípio de são paulo – 1981-2000

Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego – CET.

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Gasolina ÁlcoolEm milhares

Page 136: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

OS IMPAcTOS DO DeSenvOlvIMenTO (In)SuSTenTável DO SeTOR De TRAnSPORTeS... 139

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

pação no mercado diminuiu nos anos subseqüentes, embora o programa de adição de álcool à gasolina tenha se mantido.

Posteriormente, foi criado o Programa de Con-trole da Poluição do Ar por veículos Automotores – Proconve, que iniciou o controle das emissões vei-culares para veículos novos (CETESB, 2006b). Esse programa exige que os veículos e motores novos atendam a limites máximos de emissão, cujos valores foram sendo gradativamente rebaixados. Os fabri-cantes de veículos vêm cumprindo as exigências do Proconve. Desse modo, um automóvel novo produ-zido hoje emite cerca de 40 vezes menos poluentes que um veículo fabricado no início da década de 1980 (Gráfico 2).

Além dessas duas medidas, caracteristicamente mais permanentes ou de longo prazo, a RMSP experi-mentou também um outro tipo de medida, de caráter mais emergencial e preventivo, que visava diminuir as

Gráfico 2

evolução dos Fatores médios de emissão (g/Km) de monóxido de carbono (co) de Veículos leves Novos a Álcool e a gasolina

município de são paulo – 1980-2000

Fonte: Cetesb (2006).

concentrações elevadas de poluentes, principalmente de CO, na atmosfera. Em 1995, a Secretaria de Esta-do do Meio Ambiente introduziu a Operação Rodí-zio. Mirando o exemplo de algumas cidades ao redor do mundo, como Santiago do Chile, a Cidade do Mé-xico, Atenas e Paris, adotou-se a prática da restrição veicular, ou seja, a proibição da circulação de veícu-los automotores em determinados dias da semana de acordo com o número final da placa. Com isso, cerca de 20% dos automóveis seriam retirados das ruas nos dias úteis (JACOBI; GOuvEIA, 1999).

O programa foi implantado experimentalmente durante uma semana em agosto de 1995, sendo que, naquela ocasião, a adesão foi voluntária. Nos anos se-guintes, a medida foi regulamentada e implementada em caráter compulsório por meio de lei específica, sempre no mês de agosto, período de inverno que tradicionalmente apresenta maiores índices de polui-ção do ar (JACOBI; GOuvEIA, 1999).

0

5

10

15

20

25

30

35

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

CO (g/Km)

Gasolina Álcool

Page 137: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

140 nelSOn GOuveIA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

Todavia, em parte devido ao caráter controvertido dessa medida, que contava com boa aceitação popular, mas ao mesmo tempo era muito criticada (JACOBI, 2003), o rodízio, da forma como foi originalmente planejado, durou apenas mais três anos.

o que seriA esperAdo dessAs medidAs

A mudança na composição dos combustíveis, com a adição de álcool à gasolina, e a entrada em circulação dos veículos movidos exclusivamente a álcool, alteraram o padrão de emissão de poluentes. Os efeitos mais visíveis foram observados para o chumbo, cujos níveis atmosféricos mostraram uma diminuição acentuada logo no início da década de 1980 (CETESB, 2006b). Porém, mesmo somando os efeitos dessa medida à gradativa diminuição dos limites de emissão para veículos novos, não se observou, na prática, uma tendência clara de diminuição nos níveis dos principais poluentes do ar no Município de São Paulo nesse período.

Como se pode observar no Gráfico 3, o nível de material particulado inalável – PM10 vem decaindo nas duas últimas décadas, mas não de maneira constante, tendo apresentado tendência crescente em alguns períodos. Este poluente ainda apresenta ultrapassagens diárias do padrão de qualidade do ar e as médias anuais continuam algumas vezes acima do valor de 50µg por metro cúbico recomendado pela OMS. Mesmo analisando as médias diárias de CO (Gráfico 4), o poluente mais diretamente vinculado às emissões automotivas, é difícil observar uma tendência decrescente no período, embora as ultrapassagens do padrão venham sendo um pouco menos freqüentes (CETESB, 1993, 2006).

Uma das possíveis razões para a dificuldade em detectar efeitos mais pronunciados nos níveis de contaminação atmosférica das medidas implemen-tadas é o aumento vertiginoso na frota de veículos que vem ocorrendo no Município de São Paulo (Gráfico 5). Observa-se que, enquanto a população do município aumentou cerca de 20% entre 1980

Gráfico 3

evolução das médias Anuais de material particulado inalável (pm10

) (µg/m3)município de são paulo – 1981-2000

0

25

50

75

100

1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

PM (µg/m )10 3

Fonte: Cetesb (1993, 2006).

Page 138: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

OS IMPAcTOS DO DeSenvOlvIMenTO (In)SuSTenTável DO SeTOR De TRAnSPORTeS... 141

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

Gráfico 5

evolução da Frota de Veículos e crescimento da populaçãomunicípio de são paulo – 1980-2000

Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego – CET; Fundação Seade.

0

1

2

3

4

5

6

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Frota (10 )

8

8,5

9

9,5

10

10,5

11

População (10 )

frota população6 6

Gráfico 4

evolução dos Níveis máximos de oito Horas para monóxido de carbono (co) (ppm)município de são paulo – 1984-2000

0

10

20

30

40

1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

CO (ppm)

PRAÇA DO CORREIO

CENTRO

PARQUE D.PEDRO II

MOOCA

PARQUE IBIRAPUERA

CONGONHAS

LAPA

CERQUEIRA CESAR

SANTO AMARO

Fonte: Cetesb (1993, 2006).

Page 139: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

142 nelSOn GOuveIA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

Gráfico 6

evolução da Velocidade média (Km/h) dos Veículos em circulaçãomunicípio de são paulo – 1981-2000

15

20

25

30

35

1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Km/h

Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego – CET; Fundação Seade.

e 2000, a frota de veículos quase quintuplicou no mesmo período.

Com o aumento do número de veículos, aumenta-ram também os congestionamentos, como indireta-mente indicado pela diminuição perene da velocidade média dos veículos em circulação (Gráfico 6). Sabe-se que o congestionamento ou a redução da velocida-de média aumenta muito a emissão de cada veículo (CETESB, 2006). Esses fatores certamente contri-buíram para contrabalançar os benefícios que seriam esperados das medidas de controle da poluição do ar por veículos automotivos.

Com relação à restrição à circulação de veícu-los, esta deve ser examinada numa escala tempo-ral diferente. Os Gráficos 7 e 8 mostram os níveis diários de PM10 e CO entre 1993 e 1998, desta-cando os dias em que o rodízio estava ocorren-do. Observa-se que há uma tendência à diminui-ção nos níveis desses dois poluentes no período analisado. De fato, a comparação das médias anuais

neste período revela um aparente sucesso do rodízio, uma vez que nos meses de agosto de 1993 a 1995 as médias desses poluentes foram significantemente maiores que nos três anos posteriores (GOuvEIA, 2002).

Porém, análises mais detalhadas, levando em conta a influência de outras variáveis, como as condições meteorológicas, indicam que a contribuição do rodí-zio para a diminuição dos níveis de poluição na RMSP pode ter sido menor que o esperado, assim como foi também praticamente inexistente o seu efeito na saúde da população, medido por meio da análise das variações nas internações hospitalares por doenças respiratórias (GOuvEIA, 2002). Isto significa que os valores médios mais baixos para os dois poluentes, e mesmo as variações observadas nas hospitalizações, não foram devidas somente ao rodízio, mas podem ter sido fruto de uma tendência decrescente que já vi-nha ocorrendo, assim como das variações climáticas experimentadas no período.

Page 140: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

OS IMPAcTOS DO DeSenvOlvIMenTO (In)SuSTenTável DO SeTOR De TRAnSPORTeS... 143

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

Gráfico 7

evolução das médias diárias de material particulado inalável (pm10

)município de são paulo – 1993-1998

0

50

100

150

200

250

out-92 mar-93 ago-93 jan-94 jun-94 nov-94 abr-95 set-95 fev-96 jul-96 dez-96 abr-97 set-97 fev-98 jul-98 dez-98

PM (µg/m³)10

Fonte: Gouveia (2002).Nota: Os pontos mais claros representam dias em que houve rodízio de veículos. A linha contínua mostra a tendência linear dos valores no período.

Gráfico 8

evolução das médias diárias de monóxido de carbono (co)município de são paulo – 1993-1998

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

out-92 mar-93 ago-93 jan-94 jun-94 nov-94 abr-95 set-95 fev-96 jul-96 dez-96 abr-97 set-97 fev-98 jul-98 dez-98

ppm

Fonte: Gouveia (2002).Nota: Os pontos mais claros representam dias em que houve rodízio de veículos. A linha contínua mostra a tendência linear dos valores no período.

Page 141: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

144 nelSOn GOuveIA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

o deseNVolVimeNto NecessÁrio

Os três exemplos selecionados de políticas ambien-tais implementadas na RMSP nas últimas décadas mostraram-se relativamente pouco efetivos na redu-ção, de modo consistente e sustentado, dos níveis de contaminação atmosférica na região. Apesar destas e de outras medidas aplicadas, São Paulo ainda hoje apresenta níveis de alguns poluentes atmosféricos acima dos padrões estabelecidos de qualidade do ar.

A introdução do álcool combustível e do progra-ma de redução gradativa dos limites de emissão de veículos novos do Proconve obteve reconhecido su-cesso na redução das emissões veiculares e foi impor-tante para, ao menos, não permitir que os níveis de poluição em São Paulo deteriorassem. Por outro lado, como políticas isoladas, não foram suficientes para garantir um ar de qualidade para seus habitantes.

Há indicações de que essas medidas, mesmo sen-do efetivas, foram insuficientes dado o crescimento da demanda por transporte e as respostas inarticula-

das do setor. A não priorização de esforços e recursos dirigidos ao transporte de massa gerou um sistema no qual a cobertura, ou a qualidade, e freqüentemente ambos, não estimulam a população a deixar o trans-porte individual. Nota-se que no mesmo período em que as medidas aqui discutidas foram implementadas, a frota de ônibus do município de São Paulo pratica-mente não variou, chegando até a diminuir em alguns períodos (Gráfico 9). Em 1980, a cidade contava com pouco menos de 20 quilômetros de linhas de metrô e 24 estações. Esses números praticamente dobraram no final da década de 1990, mas continuam irrisó-rios face ao tamanho e a complexidade da metrópole (METRô, 2006; SPTRANS, 2006).

Dessa forma, o impacto a médio e longo prazos dessas medidas foi parcialmente contrabalançado pelo enorme aumento da frota automotiva, aliado ao conseqüente crescimento dos congestionamentos, importantes fatores a impedir a melhora da qualidade do ar na RMSP.

Mesmo medidas de impacto mais imediato, como o rodízio de veículos, embora tenham alcançado algum

Gráfico 9

evolução da Frota de Ônibusmunicípio de são paulo – 1983-2000

Fonte: SPTrans (2006).

8.000

9.000

10.000

11.000

12.000

13.000

1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Nos Absolutos

Page 142: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

OS IMPAcTOS DO DeSenvOlvIMenTO (In)SuSTenTável DO SeTOR De TRAnSPORTeS... 145

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

sucesso no que tange à diminuição dos níveis de alguns contaminantes, esbarrou também na ausência de políti-cas de transporte, crescimento e planejamento urbano sustentável. Além de enfrentar, como esperado, a total desarticulação entre os diferentes setores da gestão urba-na e entre as esferas de poder político (JACOBI, 2003).

O modelo de desenvolvimento urbano que a gran-de maioria das cidades brasileiras tem experimentado privilegia o transporte individual, relegando o trans-porte de massa a um segundo plano. A cidade é volta-da para os interesses daqueles que possuem veículos. A apropriação que se faz do espaço urbano é inú-meras vezes mais favorável aos automóveis que aos cidadãos. O próprio Poder Público faz investimentos importantes nesse sentido, incentivando mais ainda os indivíduos a utilizar o transporte individual – por exemplo, quando investe em grandes obras viárias como túneis, viadutos e avenidas, cuja real necessida-de ou prioridade nem sempre é clara.

A qualidade do ar urbano que respiramos não pode ser equacionada através de ações únicas e desar-ticuladas. Medidas para redução dos níveis de polui-ção do ar devem estar integradas a outras estratégias que visem, por exemplo, a redução na utilização de combustíveis fósseis, principalmente pelos veículos automotores, já que estes representam a principal fonte de poluentes atmosféricos nos grandes centros urbanos. Novas tecnologias precisam ser exploradas

e, contanto que não introduzam outros riscos, devem ser incorporadas.

Certamente não é fácil implementar políticas que incentivem a utilização de transportes de massa e res-trinjam o uso de veículos particulares, mas esta pare-ce ser a direção a seguir rumo a um desenvolvimento mais sustentável.

Há que se lembrar ainda da necessidade de avaliar regularmente as políticas públicas, de modo a verifi-car se estão sendo efetivas no cumprimento de seus objetivos e, caso necessário, reorientá-las. A avaliação das intervenções também é importante para evitar a adoção de medidas paliativas para problemas que re-querem soluções mais integradas.

As políticas de transporte têm impacto na saúde da população, não apenas pelos efeitos mencionados da poluição do ar no organismo humano, mas tam-bém pelas injúrias advindas dos acidentes, do estres-se físico e emocional, entre outros. Desse modo, a preocupação com a saúde e a qualidade de vida dos indivíduos deve estar presente na formulação de po-líticas de gestão urbana. Nesse contexto, indicadores mais precisos dos efeitos da poluição do ar na saúde são importantes para auxiliar aqueles envolvidos no processo de tomada de decisão em busca de políticas públicas mais consistentes, eficientes e que contri-buam para um desenvolvimento urbano sustentável, com inclusão social.

referências Bibliográficas

CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Relatório de qualidade do ar no Estado de São Paulo 2005. São Paulo: 2006a.

_____. Qualidade do ar – histórico. São Paulo: 2006b. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/Ar/ar_historico.asp>.

_____. Relatório de qualidade do ar no Estado de São Paulo 1992. São Paulo: 1993.

COHEN, A.J. et al. The global burden of disease due to outdoor air pollution. J Toxicol Environ Health A, n. 68, p. 1301-1307, 2005.

EzzATI, M. et al. Comparative risk assessment collaborating group. Selected major risk factors and global and regional burden of disease. Lancet, n. 360, p. 1347-1360, 2002.

GOuvEIA, N.; MAISONET, M. Health effects of air pollution. In: WORlD HEAlTH ORGANIzATION. WHO Air Quality Guidelines: 2005 update. Netherlands: 2006.

GOuvEIA, N. Avaliação de políticas ambientais para a redução dos níveis urbanos de poluição do ar. In: GlOBAl CONfERENCE – Building a sustainable world. São Paulo: 2002. CD-ROM.

HABITAT – united Nations Centre for Human Settlements. Improvement of urban public transport in developing countries.

Page 143: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

146 nelSOn GOuveIA

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006

NelsoN Gouveia

PhD, Médico Epidemiologista, Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. ([email protected])

Artigo recebido em 10 de abril de 2006. Aprovado em 12 de maio de 2006.

Como citar o artigo:GOuvEIA, N. Os impactos do desenvolvimento (in)sustentável do setor de transportes na saúde da população de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

In: REPORT Of THE REGIONAl SEMINAR: Strategic options for public transport improvement in large cities of developing countries. Pune, Índia, 27-28 January, 1993. Nairobi, 1994.

JACOBI, P. Participación de la ciudadanía y fortalecimiento de su intervención activa en la lucha contra la contaminación atmosférica en América latina. In: SIMIONI D. Contaminación atmosférica y conciencia ciudadana. Santiago do Chile: Cepal, 2003. p. 67-94.

JACOBI, P.; GOuvEIA, N. Air pollution in Sao Paulo – The challenge of environmental co-responsibility and innovative crisis management. In: ATkINSON, A. et al. The challenge of

environmental management in metropolitan areas. 1. ed. Hants, England: Ashgate, 1999. p. 115-126.

METRô – Companhia do Metropolitano de São Paulo. Estrutura física em números. 2006. Disponível em: <http://www.metro.sp.gov.br/empresa/numeros/estrutura/numeros.shtml>.

PAOlIEllO, M.M.; DE CAPITANI, E.M. Environmental contamination and human exposure to lead in Brazil. Review of Environmental Contamination and Toxicology, n. 184, p. 59-96, 2005.

SPTRANS. Indicadores de frota cadastrada. São Paulo: 2006. Dis-ponível em: <http://www.sptrans.com.br/new05/conteudos/indicadores/frotaCont/>.

Page 144: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

A ocupação do espaço territorial urbano é dinâmica, passível de conflitos e sujeita à regulamentação, normalização e fiscalização efetivas. As definições técnicas que fazem parte do projeto, da implantação, manutenção e operação de um empreendimento subterrâneo são alta-mente complexas e decorrem não apenas das exigências específicas da obra, mas dependem, principalmente, de aspectos tais como ocupação do solo, preservação do meio ambiente e patrimônio histórico. Essas definições, condicionam-se às características geológicas, topográficas e geotécnicas, especificações do uso ao qual se desti-na, característica do sistema produtivo e, não por último, aos aspectos legais.

A interface do sistema subterrâneo com o meio urbano superficial é importantíssima e deve ser cuidadosamente planejada, dimensionada e inserida na funcionalidade do local. Esta exigência é evidente nos pátios de manutenção e nas áreas próximas às estações metroviárias, onde ocorre a integração com outros equipamentos de transporte, termi-nais, passarelas, acessos, além de instalações de utilidade pública como áreas comerciais, praças e jardins. Tais caracte-rísticas influenciam no custo e licenciamento do empreendimento, o que exige um planejamento prévio minucioso.

Os subterrâneos das cidades foram inicialmente ocupados por canalizações, redes de água e esgotos, e pe-quenos túneis que possibilitassem a fuga ou acesso rápido. Atualmente, o espaço antes inexplorado e invisível à

Resumo: A cidade de São Paulo enfrenta uma crescente demanda por obras de infra-estrutura. Para ordenar essa ocupação, propõe-se que o Poder Público promova as regulamentações legais e um plano diretor, fundamentados nas características geológico-geotécnicas locais e no

desenvolvimento de pesquisas geotecnológicas nas universidades e institutos de pesquisa, sob o conceito da sustentabilidade.

Palavras-chave: Subterrâneos. São Paulo. Espaço Urbano.

Abstract: Sao Paulo city demands lots of infrastructure urban constructions. To organize the new constructions, this paper recommends that the government creates specific laws, based on geotechnical characteristics of soils and universities research, to get a sustainable development of the city.

Key words: Underground. Sao Paulo city. Urban space.

O “INVISÍVEL” ESPAÇO SUBTERRÂNEO URBANO

Gisleine Coelho de Campos

Wilson shoji iyomasa

adir janete Godoy dos santos

josé rodolfo sCarati martins

marCelo menezes

Page 145: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

148 GiSlEinE CoElho dE CAmPoS ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

maior parte da população, é ocupado por obras viá-rias, estacionamentos, sistemas de transporte de alta capacidade, como é o caso do trem metropolitano (metrô) e parte de edifícios comerciais e residenciais. Como complemento, o uso do espaço subterrâneo urbano constitui uma das formas mais promissoras de revitalização dos centros históricos das cidades e, conseqüentemente, da preservação do patrimônio, bem como de implantação de novas opções de lazer e de melhoria da qualidade de vida para o cidadão. Um dos melhores exemplos de revitalização na cidade de São Paulo é o da Estação da Luz, no qual o uso do espaço subterrâneo local permitiu a modernização da área, mantendo-se a arquitetura preservada.

Entretanto, a ocupação do subterrâneo vem sendo feita sem planejamento e controle específicos; sem a participação e mediação do poder público, os interes-ses privados estão prevalecendo, em detrimento de um crescimento organizado e pautado no conceito de sustentabilidade.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (capítulo II, título VII), atribuiu centralidade ao Plano Diretor Muni-cipal, como instrumento básico da política urbana. Esta-beleceu como competência do poder público municipal, a responsabilidade pela execução da política de desen-volvimento urbano, podendo contar, para tanto, com a cooperação das instituições representativas no desenvol-vimento municipal (art. 29, inciso X), e, ao mesmo tempo, articulando-se às ações promovidas pelo governo federal (BRASIL, 1988).

O enfoque da constituição atual foi mantido no estatuto da cidade, Lei n. 10.257, publicada em 10 de julho de 2001, estabelecendo que a função social da propriedade é definida no âmbito do Plano Diretor. Dessa forma, reforça-se o plano como instrumento privilegiado da política urbana. Com bases legais, o processo de gestão democrática no município foi possibilitado pela articulação estratégica entre o po-der público, seus cidadãos, a área acadêmica com seu setor de tecnologia, saúde e humanidades e o setor produtivo com suas indústrias, serviços, lazer e turis-mo (BRASIL, 2001).

A cidade de São Paulo dispõe de um Plano Diretor desde 1971, com a publicação da Lei n. 7.688 (SÃO PAULO, 1972), posteriormente atualizado por novas

leis de 1988 e 2003 (SÃO PAULO, 1988, 2002). Es-tas atualizações visam à articulação dos interesses da sociedade e do Poder Público, empregando projetos construtivos e urbanísticos para o território delimita-do. O grande entrave na execução de tais projetos é a incerteza de continuidade e investimento financeiro, por implicações principalmente políticas e secunda-riamente técnicas, de gestão e monetárias.

De modo geral, a demanda crescente de obras urbanas subterrâneas é dificultada pela não previsão deste item no Plano Diretor, pela inexistência de um cadastro municipal atualizado de todas as instalações subterrâneas, pelas limitações dos métodos de inves-tigação não-destrutivos do terreno, pela ocupação superficial da área, pelo custo e tipologia das obras e pelas interferências subterrâneas existentes (lençol freático, sistemas de drenagem). Nesse último caso, cabe lembrar os problemas recentes de recalques nas fundações de casas antigas no bairro de Moema, na cidade de São Paulo (IPT, 2000), que estão associados ao lençol freático raso e às novas formas de ocupação do solo, em especial pelos edifícios residenciais com garagens subterrâneas, que exigem o bombeamento constante da água.

Cadastros e legislações específicas para esse tipo de ocupação do solo certamente representariam um grande avanço para as áreas de engenharia e geologia, que contariam com subsídios para favorecer o uso e ocupação ordenada dos subsolos de uma área já ocu-pada. É nesse contexto que se enquadra o presente trabalho, apresentando a situação atual do Município de São Paulo, os estudos em desenvolvimento e as tendências futuras, sob a visão da chamada Geologia de Engenharia.

CENÁRIO ATUAL

Ao caminhar pelas ruas de uma grande cidade como São Paulo, não se imagina que, sob os pés, existe um gigantesco porão urbano, pelo qual circulam as es-truturas e sistemas que permitem que a vida se de-senvolva na superfície do terreno. Para exemplificar, atualmente encontram-se cerca de:• 17.293 quilômetros de rede de água só na cidade

de São Paulo (SÃO PAULO, 2001);

Page 146: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

o “inViSÍVEl” ESPAÇo SUBTERRÂnEo URBAno 149

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

• 13.613 quilômetros de rede de esgotos, que signi-fica um atendimento quase que total da população de São Paulo (PMSP, 2001);

• 57,6 quilômetros de linhas de metrô; com as obras de expansão em andamento, esse número chega-rá a 88 quilômetros (REVISTA ENGENhARIA, 2004); e

• 3.800 quilômetros de tubos de gás distribuídos por todo o Estado de São Paulo (COMGáS, 2005).Outras estruturas, tais como túneis viários, redes de

fibras óticas e cabos de alta tensão também dividem o espaço subterrâneo de São Paulo, mas não existem in-formações seguras sobre os quantitativos já instalados.

A operação e manutenção desta extensão de cabos e dutos são feitas por um exército humano, que aden-tra no subterrâneo por diversos poços e galerias de acesso espalhadas por entre as estruturas superficiais. A vida se desenvolve simultaneamente na superfície e nos subsolos, aumentando cada vez mais a comple-xidade das obras de construção e ampliação da infra-estrutura urbana.

O número crescente da população nas cidades brasileira, que passou de 25% para 75% na segun-da metade do século XX, como mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, e o aumento das edificações (shopping centers, condomínios verticais e megaempreendimentos imo-biliários), evidenciam a grande demanda por obras urbanas (BITAR et al., 2000).

Com efeito, essa demanda requer o desenvolvi-mento de pesquisas para vencer os grandes desafios tecnológicos e promover o progresso, baseando-se no conceito da sustentabilidade e nas necessidades do conforto e bem-estar da população.

Além dos chamados usos tradicionais do espaço subterrâneo, o meio técnico brasileiro já discute as novas alternativas que vêm surgindo a cada dia. A li-teratura especializada tem dado destaque, por exem-plo, à tendência mundial de construção de linhas subterrâneas de metrôs e à incorporação de centros de compras associados às estações, que representam uma fonte de renda não operacional significativa para as empresas e, também, um volume gigantesco de es-cavação para as firmas responsáveis por suas constru-ções (SALVADORI, 2004).

Outro enfoque atual sugere que o espaço subter-râneo seja também ocupado para a implantação de reservatórios naturais para a estocagem de água. No Brasil, por exemplo, em um estudo desenvolvido na cidade de Florianópolis, onde se encontram rochas graníticas, essa hipótese já foi aventada, destacan-do que isto melhoraria as condições de superfície (ALMEIDA, 2004). Projeto para armazenar água em cavernas escavadas, também já foi apresentado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp (IPT, 1995).

Dentro desta mesma linha de estudo, alguns pesqui-sadores brasileiros avaliaram a possibilidade de estoca-gem de gás natural em estruturas geológicas, próximo aos centros urbanos (IyOMASA et al., 2004). Trata-se de uma técnica muito empregada nos Estados Unidos, Alemanha, França, Rússia, entre outros países, e que certamente poderia sustentar a demanda da Região Metropolitana de São Paulo por longo período.

Também resultado de pesquisa nacional, a idéia das chamadas ruas subterrâneas resultaria na libera-ção da superfície do solo, para o uso exclusivo dos pedestres, e viabilizaria a reconstrução total da paisa-gem urbana (yOShINAGA, 2004).

Verifica-se, portanto, que existem inúmeras possi-bilidades e alternativas para o melhor aproveitamento do espaço subterrâneo de uma grande cidade como São Paulo, com vistas à melhoria da qualidade do es-paço superficial. Entretanto, limitações tecnológicas de procedimentos investigativos e a ausência de legis-lações representam, ainda no século XXI, empecilhos para o crescimento organizado deste setor.

O PAPEL DA GEOLOGIA DE ENGENHARIA NOS SUBTERRÂNEOS DAS CIDADES

O crescimento desordenado de São Paulo requer, cada vez mais, soluções tecnológicas tanto da Enge-nharia Civil como da Geologia de Engenharia para resolver problemas simples de interferências de obras. Mapas geológico-geotécnicos básicos podem auxiliar na tomada de decisões, sobretudo na elaboração de projetos; porém, muitas vezes, as informações conti-das não são suficientemente detalhadas para permitir a adoção de soluções de engenharia.

Page 147: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

150 GiSlEinE CoElho dE CAmPoS ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

Diante desta situação, fica evidente a importância das investigações geológico-geotécnicas e da aplicação de novos métodos construtivos para a ocupação do espaço subterrâneo. Para minimizar os impactos re-sultantes da construção de obras enterradas, há que se conhecer previamente as características dos maci-ços de solo e rocha a serem escavados, assim como as eventuais interferências existentes no local (redes ante-riormente implantadas, fundações de edifícios, galerias já desativadas e até mesmo sítios arqueológicos).

O Município de São Paulo foi construída sobre uma bacia sedimentar, com solos de consistência e compacidade variáveis em função de sua localização (COzzOLINO et al., 1994; TAkIyA, 1991). Essa diversidade de materiais e da gênese das unidades geo-lógicas condiciona a escolha dos métodos de escava-ção e construção a serem empregados. Entretanto, as informações disponíveis sobre o subsolo estão dis-persas, sendo necessário consultar uma infinidade de documentos e mapas, para se obter uma possível des-crição atualizada dos subterrâneos da cidade e, assim, planejar e projetar a implantação de novas obras.

Exemplo interessante, voltado ao planejamento de obras subterrâneas, é o estudo desenvolvido pela Escola de Engenharia de São Carlos – EESC, na ci-dade de Curitiba. Um mapeamento, com dados apre-sentados em formato digital em três dimensões, foi feito e, em 2001, resultou na elaboração de um mapa geotécnico em escala municipal, destinado a subsidiar a tomada de decisões, quando os temas em foco es-tiverem relacionados à ocupação dos subsolos. Esta iniciativa poderia ser estendida para outras localida-des, como São Paulo, por exemplo, cujo crescimento se deu de forma bem mais desordenada que Curitiba, considerada modelo para muitos urbanistas (EESC/USP, 2005).

Entretanto, promover a investigação geológico-geotécnica, visando à construção de obras civis, tor-na-se uma tarefa das mais difíceis ao se considerar a densidade da ocupação urbana de São Paulo. Acres-cente-se a essa dificuldade, as modificações associa-das aos processos promovidos pelo homem ao longo da história, como agente geológico (WILkINSON, 2005): retificações de córregos e rios, aterramentos, escavações, entre outras.

Os recentes problemas enfrentados pelos constru-tores da Linha 2 do metrô de São Paulo, no Jardim Aurélia, próximo à Rua Vergueiro, mostram exata-mente esse tipo de desafio enfrentado por geólogos e engenheiros civis. Num determinado trecho, o túnel do metrô deverá passar sob um conjunto de residên-cias antigas (edificações simples e construídas lado a lado), em profundidade variável entre 10 e 40 metros de profundidade, onde existem cacimbas e fossas ne-gras desativadas e que podem interferir na estabili-dade da obra. O grande desafio colocado é localizar essas cacimbas e fossas em área densamente ocupada e com muitas interferências, como rede de água e es-goto, ligações elétricas de subsuperfície, aterros com diferentes materiais, entre outras. Os resultados preli-minares de ensaios com radar de penetração no solo (COLLINS; CUM; hANNINEN, 1994), realizados nesse local como parte de uma pesquisa em desenvol-vimento por um dos autores desse artigo, mostraram as deficiências tecnológicas ainda existentes nas téc-nicas geofísicas para investigação do subterrâneo em áreas densamente ocupadas e com muitas redes de infra-estrutura enterradas.

Nesse sentido, o papel da Geologia de Engenha-ria na campanha de investigação e caracterização dos materiais requer conhecimento não apenas da geolo-gia e geotecnia, ou das técnicas de investigação, mas também da história da ocupação local, que por vezes pode ser recuperada por meio de mapas e cadastros disponíveis em bibliotecas e prefeituras municipais. As técnicas de investigação direta, como trincheiras, poços de inspeção e mesmo as sondagens mecânicas, tornam-se obsoletas diante da complexidade da geo-logia, das interferências com outras obras existentes e das modificações antrópicas.

Resta aos profissionais recorrer aos métodos de investigação por meio indireto. Entretanto, salien-tam-se os grandes desafios tecnológicos que devem ser vencidos, pois os métodos de investigação não-destrutivos, como o radar de penetração no solo e a sísmica de reflexão rasa, ainda apresentam limitações significativas (PRADO, 2000), a despeito da evolução dessas técnicas, de forma expressiva na última déca-da, e que acompanhou o desenvolvimento da tecno-logia da informática.

Page 148: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

o “inViSÍVEl” ESPAÇo SUBTERRÂnEo URBAno 151

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

A sísmica de reflexão é a técnica mais difundida na investigação de terrenos, sobretudo devido às suas aplicações nas áreas de pesquisa de hidrocarbonetos. A partir da década de 1980, essa técnica passou a ser aplicada nas áreas de engenharia e meio ambiente, com a finalidade de obter informações do subso-lo, normalmente em profundidades inferiores a 50 metros. O princípio básico da técnica é o estudo do comportamento das ondas elásticas no terreno, no intervalo de tempo compreendido entre a geração, a propagação por diversas trajetórias possíveis e o re-gistro de chegada em um receptor.

Tais estudos permitem determinar estruturas das ca-madas geológico-geotécnicas em subsuperfície e o co-nhecimento das propriedades físicas dos materiais, visto que as ondas sísmicas se propagam com velocidades determinadas pelos módulos de elasticidade e densidade dos materiais constituintes (PRADO, 2000). O conjunto de equipamentos é composto por uma fonte geradora de ondas (por exemplo, martelo), um sismógrafo regis-trador e geofones (receptores de ondas).

Por outro lado, o sistema do Ground Penetrating Radar – GPR (radar de penetração no solo) também pode ser utilizado para identificar dutos ou redes de galerias enterradas. O sistema é constituído por uma unidade de controle, uma antena transmissora e uma antena receptora. Uma onda de rádio, com freqüên-cia entre 50 e 1.000 Mhz, é emitida por uma fonte e transmitida pela antena. Este pulso se propaga no solo e, ao atingir um meio com propriedades elétri-cas diferentes, é refletido, retornando à superfície onde é detectado pela antena receptora (TILLARD; DUBOIS, 1995). O tempo decorrido entre os pulsos transmitido e refletido pelo alvo investigado é regis-trado num notebook acoplado ao sistema.

O conjunto de antenas é deslocado na superfície e um novo pulso é enviado, repetindo o processo e, assim, uma seção dos registros da posição-tempo é gerada e exibida na tela do computador.

Novas tecnologias de investigação estão sendo desenvolvidas, como o da perfuração direcional, que, para aplicação adequada, requer conhecimento deta-lhado dos materiais de subsuperfície, sobretudo por meio de investigação com métodos não-destrutivos, quando se tratar de área urbanizada.

Em São Paulo, por exemplo, o uso de perfuração direcional não destrutiva para passagem de dutos elé-tricos vem se destacando como uma técnica viável e segura de instalação (TÉChNE, 2005). Com o uso de bentonita e polímeros à base de água, pode-se evi-tar os desmoronamentos do solo, além dos bloqueios no trânsito e a construção de valas comumente em-pregadas nas técnicas tradicionais, circunstâncias que causam transtornos à vida urbana. Entretanto, o su-cesso do uso dessa técnica depende do conhecimento das características geológico-geotécnicas do terreno e das redes de infra-estrutura.

Portanto, é necessário investir no desenvolvimen-to das técnicas não-destrutivas, como vêm ocorren-do em alguns países que já iniciaram a produção de equipamentos e softwares para investigação por meio de tomografia em três dimensões (3 D), à semelhança do que ocorreu na área da medicina. Deste modo, tecnologias inovadoras podem permitir o atendimen-to das demandas da população sem causar grandes impactos ao ambiente.

REGULAMENTAÇÕES PARA A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO SUBTERRÂNEO

Segundo Silva e Machado (2001), o controle do subsolo constitui o componente central da gestão urbana democrática, pois ao mesmo associam-se a oferta de serviços e a segregação social. Dada sua importância, o uso do subsolo necessita de regula-mentação específica e de legislações disciplinadoras para organização do espaço. Na cidade de São Pau-lo, existem algumas normas que, isoladamente, con-trolam seu uso; no entanto, não há uma agregação dessas normas, de forma que se tenha um conjunto organizado de regras que permitam gerir adequada-mente o espaço subterrâneo.

Desde a década de 1970, observa-se a preocupa-ção com a regulamentação do espaço subterrâneo, em particular para as obras e serviços executados nas vias e logradouros públicos. Algumas leis e decretos foram promulgados, como mostra o histórico apre-sentado por Silva e Machado (2001), mas sem uma articulação direta com os organismos diretamente ligados à aprovação das obras e, principalmente, ao

Page 149: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

152 GiSlEinE CoElho dE CAmPoS ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

controle das mesmas. Esse controle pressupõe a rea-lização de um cadastro detalhado de todas as interfe-rências, posições, dimensões, etc. das redes implanta-das, a fim de facilitar a realização de manutenções e expansões futuras.

A fim de disciplinar a ocupação subterrânea, há a necessidade de uma legislação específica e organi-zada, que limite e forneça as diretrizes básicas para obras enterradas e ainda estabeleça as responsabilida-des e atribuições por eventuais acidentes ou impactos decorrentes destas intervenções. O não cumprimen-to deste requisito resulta na impossibilidade de uma gestão planejada, integrada e global sobre a ocupação do solo e subsolo.

O município de Porto Alegre pode ser conside-rado como exemplo a ser seguido quando o assun-to é a ocupação do espaço subterrâneo, possuin-do uma legislação específica para o licenciamento ambiental de redes de infra-estrutura urbana. Em 1998, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente da cidade finalizou a desorganização existente até en-tão para a ocupação dos espaços do subsolo, crian-do uma lei que organiza a ocupação dos espaços aéreos e subterrâneos. Por meio desta lei, a prefei-tura local recebe um pagamento das empresas que desejem usar o espaço subterrâneo para instalação de seus sistemas e disciplina a realização de escava-ções no solo urbano.

Além disso, a lei estabelece que é de responsabili-dade do governo municipal o planejamento das redes de infra-estrutura, devendo estimular o compartilha-mento por empresas diversas, a fim de evitar a multi-plicação desordenada de cabos e dutos de diferentes sistemas, e minimizar os impactos decorrentes de suas instalações (PPA, 2005).

Paralelamente à criação dessa lei, a Universida-de Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS jun-tamente com a Prefeitura Municipal, elaborou o Atlas Ambiental de Porto Alegre, que apresenta a história da evolução das unidades geológicas pre-sentes na cidade, dados organizados das caracterís-ticas geotécnicas, avaliação de possíveis impactos ambientais decorrentes de construções civis, entre outras informações básicas relacionadas ao meio físico (MENEGAT et al., 1998).

Este caso representa um mecanismo disciplina-dor do uso do espaço subterrâneo, minimizando a probabilidade de, num futuro próximo, a população deparar-se com um nível de congestionamento insus-tentável dos subsolos urbanos.

IMPACTOS DECORRENTES DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO SUBTERRÂNEO

À construção de quaisquer estruturas estão associa-dos alguns impactos ao meio ambiente, cujo risco é decorrente do porte, do tipo da obra e das caracterís-ticas da vizinhança. Em especial nos casos de obras subterrâneas, a análise dos riscos envolvidos deve ser muito mais detalhada, visto que muitas vezes estão sendo atravessados maciços de solo ou rocha sob al-tos edifícios, vias de tráfego intenso e até mesmo rios e córregos. Nestes casos, acidentes provocam sérios transtornos à população, além de representar risco à vida humana.

Em relação aos impactos no meio físico, decor-rentes da ocupação subterrânea de áreas urbanas, sobretudo se esta ocorrer de forma desordenada, é importante destacar pelo menos dois deles: a possibi-lidade de se provocar alterações danosas no sistema de aqüíferos naturais, com rebaixamento do seu ní-vel ou até mesmo promovendo contaminações, e a dificuldade em se encontrar áreas adequadas para a deposição do material escavado.

A despeito da necessidade de se promover o de-senvolvimento sustentável, a construção de obras civis, principalmente as subterrâneas, contribuíram de forma significativa para a produção de enormes quantidades de sedimentos. A quantidade de solo e rocha removidos per capita no mundo é de seis tone-ladas por ano, em média; o homem ultrapassou, pois, a natureza, na capacidade de remover solos e rochas (WILkINSON, 2005).

Um dos principais problemas envolvendo obras subterrâneas é a instabilidade das escavações, que pode provocar rupturas abruptas ou recalques de elevada magnitude para as estruturas de superfície. Analisando-se a bibliografia disponível (BITAR et al., 2000), encontram-se relatos de vários acidentes com túneis e passagens subterrâneas viárias, cujas conse-

Page 150: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

o “inViSÍVEl” ESPAÇo SUBTERRÂnEo URBAno 153

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

qüências são de conhecimento de toda a população, mas cujos custos sociais e impactos não são usual-mente quantificados. Cabe lembrar que muitos aci-dentes nem sequer são relatados e publicados.

Atualmente, parte das despesas (consumo extra de combustível, tempo no trânsito, os quais aumen-tam o custo médio previsto na atividade) decorren-tes de acidentes com obras subterrâneas, é estimada por meio de cálculos estatísticos, como faz a Com-panhia de Engenharia de Tráfego da Prefeitura Mu-nicipal de São Paulo. Essa emprega o sistema com-putacional canadense EMME/2 e abrange toda a Região Metropolita-na de São Paulo. O estudo de esti-mativa tem como base de simulação a matriz de viagens origem/destino, da Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, de 1997 (AzE-VEDO, 2002).

Entretanto, existem outros cus-tos indiretos aos cidadãos, como a elevação do nível de estresse, maior desconforto, perdas e danos morais, entre outros, que merecem consi-deração especial porque, em geral, nesses itens o cidadão não é ressar-cido, embora isso afete diretamen-te a sua qualidade de vida. Estas e muitas outras questões precisariam ser respondidas e quantificadas para que fosse possível mensurar efeti-vamente os impactos de uma obra subterrânea, e de eventual acidente na fase construtiva, sob uma análise multiobjetivo, que considere o custo social do empreendimento.

Para exemplificar o impacto que um acidente pode causar na população de uma cidade, cita-se a ruptu-ra que ocorreu na frente de escavação de um túnel (CAMPOS et al., 2000) da antiga Empresa Paulista de Transmissão de Energia Elétrica S.A. – EPTE. Na tarde do dia 4 de março de 1998, ocorreu a interrup-ção no fornecimento de energia na região do bairro do Cambuci, provocando a paralisação dos sistemas de rebaixamento d’água para a escavação do túnel. Uma forte chuva, com duração superior a uma hora,

provocou a inundação das ruas circunvizinhas aos poços de acesso ao túnel e, aproximadamente uma hora e meia depois, pôde-se verificar a entrada de água para o interior do mesmo. Em seguida, um forte estrondo e a formação de dois vórtices resultaram da ruptura do túnel. Em superfície, na rua Luís Gama, próximo à Avenida do Estado, abriu-se uma crate-ra com diâmetro equivalente a cerca de 10 metros e 19 metros de profundidade (Foto 1).

Outro exemplo recente de impacto na cidade de São Paulo, já citado no item 1, é o afundamen-

to que vem sendo observado no bairro de Moema (AFUNDAMENTO..., 2005; IPT, 2000). Esse caso vem chamando a atenção dos gestores públicos para a implantação de legislação específica para regular obras subterrâneas. Associado às intervenções no lençol freático, esses afundamentos (Foto 2) não são os primeiros registrados na cidade e, certamente, não serão os últimos, dadas as características geológico-geotécnicas do subsolo local e, principalmente, à crescente instalação de sistemas de rebaixamento do nível d’água para a construção de garagens no subso-lo. Problemas desse tipo não são desejáveis, mas cer-

Foto 1

Cratera aberta devido à ruptura de um túnel na rua Luís GamaMunicípio de São Paulo – Mar. 1998

Fonte: OESP.

Epitá

cio

Pess

oa

Page 151: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

154 GiSlEinE CoElho dE CAmPoS ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

tamente contribuem para o despertar da consciência sobre a necessidade urgente de se regulamentar o uso do solo e, mais especificamente, do subsolo de uma grande cidade como São Paulo.

TENDÊNCIAS E DESAFIOS FUTUROS

Com apoio da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental – ABGE e do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, no âmbito do Programa de Apoio ao De-

senvolvimento Científico e Tecnológico – PADCT, desenvolveu-se amplo estudo para identificar de-safios tecnológicos de Geologia de Engenharia, re-queridos pelas obras civis (zUqUETTE, 1996). O estudo, fundamentado em consultas a profissionais e em publicações nacionais e internacionais, indicou a necessidade em investir na formação de recursos hu-manos (cursos de pós-graduação e de atualização), no desenvolvimento de laboratórios básicos fora do eixo Rio-São Paulo e em linhas de pesquisas tecnológicas. Dentre essas linhas, destacam-se:

• metodologias para avaliações geotécnicas voltadas ao planejamento ambiental e territorial;

• monitoramento de perfurações (sondagens, etc.);• propriedades geotécnicas de solos;• novos métodos de investigação de maciços, em

especial os não-destrutivos;• disposição de rejeitos e resíduos; e• desenvolvimento de softwares e uso de Sistema de

Informações Geográficas.Apesar desse estudo não estar focado nas obras

subterrâneas urbanas, ele mostrou que no Municí-pio de São Paulo há uma crescente demanda por obras de infra-es-trutura que, aliada aos conflitos e disputas pelo uso do solo, tem in-duzido e intensificado a ocupação do subterrâneo da cidade. Con-tribuem, ainda, para a ocupação subterrânea, os altos custos asso-ciados a desapropriações de terre-nos. Contudo, o mesmo processo histórico de ocupação desordena-da do solo presenciado na cidade, sobretudo nas últimas décadas, começa a ser reproduzido também no subsolo, dando origem a pro-blemas diversos na construção de obras, os quais muitas vezes resul-tam em acidentes e danos à pró-pria infra-estrutura já instalada, além de impactos ambientais que poderiam ser evitados.

Essa ocupação crescente do subterrâneo, seus impactos no

meio ambiente e implicações na qualidade de vida da população são desafios que devem ser enfrenta-dos pela engenharia brasileira. Para o ordenamento dessa ocupação, na cidade de São Paulo, é necessá-rio que o Poder Público estabeleça o Plano Diretor de obras subterrâneas, como já implementado em outras cidades, principalmente de países desenvol-vidos. Para isso, é preciso formular estratégias e diretrizes técnicas que visem a orientar e ordenar o uso e a ocupação do subsolo no o Município de São Paulo, à semelhança do zoneamento de su-

Foto 2

Afundamento em MoemaMunicípio de São Paulo – Set. 2005

Gera

ldo

Gam

a

Page 152: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

o “inViSÍVEl” ESPAÇo SUBTERRÂnEo URBAno 155

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

perfície, considerando-se em especial a análise da interação entre os diferentes tipos de obras subter-râneas (túneis, passagens, garagens, redes, cabos, entre outras), instaladas e planejadas, e as caracte-rísticas geológico-geotécnicas e hidráulicas presen-tes no subsolo paulistano.

Também é necessário levantar informações so-bre a infra-estrutura urbana subterrânea e propor instrumentos técnico-legais que propiciem à pre-feitura de São Paulo gerenciar adequadamente os problemas e conflitos decorrentes, corrigindo as situações críticas existentes e prevenindo as po-tenciais. Deve-se objetivar a elaboração de um sistema de planejamento e gestão destinado a as-segurar a melhoria e o monitoramento das ações previstas no Plano Diretor. Dentre as ações neces-sárias destacam-se:• estabelecimento de legislação especial para disci-

plinar o uso do espaço subterrâneo dos grandes centros urbanos;

• estabelecimento de incentivos, por parte do gover-no e de agências de fomento, para o desenvolvi-mento de novos programas e linhas de pesquisa que permitam a exploração e o uso ambientalmen-te corretos do subsolo;

• investimento em programas de pesquisa ligados à Geologia de Engenharia, hidrogeologia e Enge-nharia Civil, cujos resultados podem oferecer sub-sídios para a escolha das melhores alternativas de ocupação dos subterrâneos; e

• desenvolvimento de metodologias para investi-gação do subsolo com técnicas não-destrutivas, como o radar de penetração em solo, a eletrorre-sistividade, a reflexão rasa, ou a composição entre essas técnicas.

CONCLUSÕES

São grandes os desafios geotecnológicos relaciona-dos às construções e ocupação dos espaços subterrâ-neos, sobretudo na cidade de São Paulo. Tais desafios iniciam-se nas necessidades das questões legais e do Plano Diretor, passam pelos problemas de investiga-ção do terreno e vão até o estabelecimento de novos métodos de construção de obras subterrâneas.

Os poderes municipais (câmara e prefeitura), res-ponsáveis pelas questões legais, devem fomentar as discussões necessárias para elaborar diretrizes que dis-ciplinem o uso do espaço subterrâneo, buscando apoio na geologia e geotecnia para que o Plano Diretor, ou as legislações específicas para o licenciamento de obras de infra-estrutura urbana, sejam fundamentadas e ade-quadas às características técnicas dos terrenos.

As empresas construtoras, projetistas e concessio-nárias de serviços públicos podem auxiliar na elabo-ração do cadastro das redes subterrâneas, fornecendo aos órgãos municipais ou estaduais competentes os ar-quivos digitais das plantas e seções dos seus projetos.

Às universidades e aos institutos de pesquisas, em especial aos que trabalham com temas relacionados ao meio físico, cabe promover o desenvolvimento geotecnológico por meio da adoção de programas de pesquisas que priorizem o estudo e o aprimoramento das ferramentas de investigação; a inserção de novos métodos construtivos, sobretudo os relacionados com as obras subterrâneas; e o desenvolvimento de novos materiais para uso nas obras civis.

Tais programas de desenvolvimento geotecnológico devem ter como princípio a sustentabilidade, favore-cendo o conforto, reduzindo os impactos ao ambiente e melhorando as condições de vida da população.

Page 153: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

156 GiSlEinE CoElho dE CAmPoS ET Al.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

Referências Bibliográficas

AFUNDAMENTO em Moema faz SP discutir o uso de seu subsolo. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 out. 2005. Caderno Cotidiano, p. 8.

ALMEIDA, E.S. Geóloga propõe obras no subsolo. Notícias, Florianópolis, Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina. 2004. Disponível em: <http://www.mic.ufsc.br/index.php?url=primeira_edicao/conteudo/int_geografa.htm>. Acesso em: 11 mar. 2005.

AzEVEDO, A.A. A incorporação de incerteza de natureza geológica no projeto e construção de túneis urbanos – proposta metodológica baseada na teoria da decisão. 2002, 181 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

BITAR, O.y.; IyOMASA, W.S.; CABRAL JÚNIOR., M. Geotecnologia: tendências e desafios. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v. 14, n. 3, p.78-90, jul./set. 2000.

BRASIL. Lei n. 10.257. Estatuto da Cidade. Regulamenta os artigos 182 e 183 da constituição federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 jul. 2001.

______. Congresso. Senado. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988.

CAMPOS, G.C.; IyOMASA, W.S. e hAMASSAkI, L.T. Ruptura da frente de escavação de um túnel urbano. In: SEMINáRIO DE ENGENhARIA DE FUNDAçõES ESPECIAIS, 4., 2000, São Paulo. Atas... São Paulo, ABEF/ABMS, 2000. v. 2. p. 496-505.

COLLINS, M.E.; CUM, M.; hANNINEN, P. Using ground-penetrating radar to investigate a subsurface karst landscape in north-central Florida. Geoderma, n. 61, p. 1-15, 1994.

COMGáS. Rede. Disponível em: <http://www.comgas.com.br>. Acesso em: 10 out. 2005.

COzzOLINO, V.M.; MARTINATI, L.R.; BUONO, A.V.D. Contribuição ao estudo dos movimentos tectônicos sin e pós-sedimentar na bacia de São Paulo a partir de evidências observadas nas escavações do túnel da Eletropaulo. Solos e Rochas, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 13-29, 1994.

EESC/USP – Escola de Engenharia de São Carlos da Uni-versidade de São Paulo. Mapeamento de subsolo possibilita planejar obras subterrâneas. Disponível em: <http://www.usp.br/agen/bols/2002/rede1112.htm>. Acesso em: 11 mar. 05.

IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Visita técnica a condomínio situado à Av. Jamaris, n. 571, em São Paulo – SP. São Paulo, Parecer técnico IPT n. 7.761, 2000. 11p.

______. Verificação da qualidade de registros sismográficos provenientes do desmonte com explosivos em gnaisses alterados do emboque da janela do tú-nel-reservatório do Guaraú, Serra da Cantareira, Município de São Paulo, SP. São Paulo, Relatório técnico IPT n. 33.298, 1995. 45p.

IyOMASA, W.S. et al. Estocagem subterrânea de gás natural (ESGN) em meios porosos para uso em termelétricas: estudo geológico e de pré-viabilidade econômica no Estado de São Paulo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA: RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO SOCIOECONôMICO, 42., 2004, Araxá.

MENEGAT, R.; PORTO, M.L.; FERNANDES, L.A.D. Atlas ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS; Prefeitura de Porto Alegre, 1998. 228 p. Disponível em: <http://www.portoalegre.rs.gov.br/dmlu/default.htm>. Acesso em: 30 abr. 2005

PRADO, L.R. A sísmica de reflexão rasa e o radar de penetração no solo na investigação geológico-geotécnica em ambientes urbanos: um estudo na cidade de São Paulo-SP, Brasil. 2000, 174 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista – Unesp, São Paulo, 2000.

REVISTA ENGENhARIA, São Paulo, Engenho Editora Técnica, ano 62, n. 568, 31 mar. 2005. ISSN 00013-7707.

______. O metrô de São Paulo. São Paulo, Engenho Editora Técnica, ano 61, n. 564, p. 35, 2004. ISSN 00013-7707.

SALVADORI, S.E.F. As obras subterrâneas urbanas: por que são diferenciadas? In: SEMINáRIO DE ENGENhARIA DE FUNDAçõES ESPECIAIS, 5., 2004, São Paulo. Anais... São Paulo, 2004. v. 1. p.315-321.

SÃO PAULO (Município). Lei n. 13.430. Institui o Plano Diretor Estratégico e o Sistema de Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo. Diário Oficial do Município de São Paulo, São Paulo, 7 nov. 2002 e 9 nov. 2002. Retificação.

______. Números da cidade – 2001. São Paulo, Prefeitura de São Paulo, 2001. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em: 11 out. 2005.

______. Lei n. 10.676. Dispõe sobre a instituição do plano diretor do Município de São Paulo. Câmara Municipal São Paulo. Diário Oficial do Município de São Paulo, São Paulo, 7 nov. 1988.

______. Lei n. 7.688. Dispõe sobre a instituição do Plano Dire-tor de Desenvolvimento Integrado do Município de São Paulo - PDDI-SP, e dá outras providências. Diário Oficial do Município de São Paulo, São Paulo, 16 jan. 1972. Retificação.

SILVA, R.T.; MAChADO, L. Serviços urbanos em rede e controle público do subsolo – Novos desafios à gestão urbana. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 15, n. 1, p. 102-111, jan./mar. 2001.

Page 154: Palavras-chave - Fundação Seade · Palavras-chave: Aprendizagem social. Recursos hídricos. Práticas educativas. Abstract: This article analyzes how Social Learning – SL, educational

o “inViSÍVEl” ESPAÇo SUBTERRÂnEo URBAno 157

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006

Gisleine Coelho de Campos

Doutora em Engenharia Civil, Professora e Coordenadora de Engenharia Civil da Universidade Anhembi Morumbi, Pesquisadora do IPT.

([email protected])

Wilson shoji iyomasa

Doutor em Geotecnia, Professor de Engenharia Civil da Universidade Anhembi Morumbi, Pesquisador do IPT. ([email protected])

adir janete Godoy dos santos

Doutora em Química, Professora de Engenharia Civil da Universidade Anhembi Morumbi, Pesquisadora do IPEN. ([email protected])

josé rodolfo sCarati martins: Doutor em Engenharia Civil, Professor de Engenharia Civil da Universidade Anhembi Morumbi,

Pesquisador da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica. ([email protected])

marCelo menezes

Doutor em Engenharia de Produção, Professor da Universidade Anhembi Morumbi. ([email protected])

Artigo recebido em 20 de dezembro de 2005. Aprovado em 5 março de 2006.

Como citar o artigo:CAMPOS, G.C. et al. O “invisível” espaço subterrâneo urbano. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

TAkyIA, h. Aplicação de métodos quantitativos espaciais a dados geológicos da bacia de São Paulo. 1991. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.

TÉChNE. Perfuração não destrutiva. Revista Téchne, São Paulo, n. 96, p. 20, mar. 2005.

TILLARD, S.; DUBOIS, D.C. Analysis of GPR data: wave propagation velocity determination. Journal of Applied Geophysics, n. 33, p. 77-91, 1995.

WILkINSON, B.h. humans as geologic agents: A deep-time perspective. The Geological Society of America. Geology, v. 33, n.

3, p. 161-164, 2005. Disponível em: <http://www.gsajournals.org/perlserv/?request=get-document&doi=10.1130%2FG21108.1>. Acesso em: 11 mar. 2005.

yOShINAGA, M. Infra-estrutura urbana: ruas subterrâneas. Revista Eletrônica Vitruvius, Portal de Arquitetura da Universi-dade de São Paulo, abr. 2004. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc095/mc095.asp>. Acesso em: 11 mar. 2005.

zUqUETTE, L.V. Relatório final sobre o diagnóstico da subárea de Geologia de Engenharia. São Paulo: ABGE, Projeto PADCT-CNPq. 1996. p. 1-19.