PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL PAPEL DO SERVIDOR PÚBLICO NA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE: uma análise sob o prisma de redes Lidiane Ferreira Sant’ Ana Belo Horizonte 2011
Esta dissertação reflete acerca da relação entre Estado e sociedade sob o prisma da comunicação pública e da estrutura de redes. Foi analisado o fluxo interno das demandas e sugestões que os cidadãos apresentam nos guichês da Central de Atendimento BH Resolve, criada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em 2010 como modelo de relacionamento presencial com os cidadãos. A análise na perspectiva da Análise de Redes Sociais (ARS) permitiu traçar a estrutura da rede de relacionamento intrainstitucional da Prefeitura, mapear os fluxos formais e informais das informações e analisar as relações estabelecidas entre os servidores. O objetivo da pesquisa foi avaliar a possibilidade de os cidadãos contribuírem para a adequação ou elaboração de políticas públicas, a partir das demandas, críticas, sugestões e elogios que apresentam aos atendentes. Foram identificados os servidores que mais enviam e recebem informações e a forma como se relacionam. Levou-se em conta que a utilização integrada das informações relativas ao processo de relacionamento com o cidadão pode prover a Prefeitura de conhecimentos novos, importantes para ampliar sua efetividade e legitimidade.
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1. PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE
DE COMUNICAO E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO SOCIAL
PAPEL DO SERVIDOR PBLICO NA INTERAO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE: uma
anlise sob o prisma de redes Lidiane Ferreira Sant Ana Belo
Horizonte 2011
2. Lidiane Ferreira Sant AnaPAPEL DO SERVIDOR PBLICO NA INTERAO
ENTRE ESTADO E SOCIEDADE: uma anlise sob o prisma de redes
Dissertao apresentada ao programa de Ps- Graduao em Comunicao
Social: Interaes Miditicas, da Pontifcia Universidade Catlica de
Minas Gerais, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre
em Comunicao. Orientadora: Profa. Dra. Ivone Lourdes de Oliveira
Belo Horizonte 2011
3. FICHA CA TALOGRFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifcia
Universidade Catlica de Minas Gerais SantAna, Lidiane FerreiraS232p
Papel do servidor pblico na interao entre Estado e sociedade: uma
anlise sob o prisma de redes / Lidiane Ferreira SantAna. Belo
Horizonte, 2011. 137f. : il. Orientadora: Ivone Lourdes de Oliveira
Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de Minas
Gerais. Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social. 1. Servidores
pblicos. 2. Comunicao na administrao pblica. 3. Democratizao. 4.
Rede de relaes sociais. 5. Redes de informao. I. Oliveira, Ivone
Lourdes de. II. Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais.
Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social. III. Ttulo. CDU:
35.081.71
4. Lidiane Ferreira Sant AnaPAPEL DO SERVIDOR PBLICO NA INTERAO
ENTRE ESTADO E SOCIEDADE: uma anlise sob o prisma de redes
Dissertao apresentada ao programa de Ps- Graduao em Comunicao da
Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, como requisito
parcial para obteno do ttulo de Mestre em Comunicao. Profa. Dra.
Ivone de Lourdes Oliveira (Orientadora) Profa. Dra. Maria ngela
Mattos - (PUC Minas) Profa. Dra. Ana Maria Cardoso - (PUC Minas)
Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2011.
5. minha famlia, pelo incentivo e compreenso.Aos professores da
PUC Minas, pelos atenciosos e dedicados ensinamentos. Aos colegas
da PBH, pelo imenso apoio e disponibilidade.
6. RESUMOEsta dissertao reflete acerca da relao entre Estado e
sociedade sob o prisma dacomunicao pblica e da estrutura de redes.
Foi analisado o fluxo interno dasdemandas e sugestes que os cidados
apresentam nos guichs da Central deAtendimento BH Resolve, criada
pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em2010 como modelo de
relacionamento presencial com os cidados. Por meio deentrevista em
profundidade, observao direta e questionrios com questesabertas e
fechadas foram obtidos dados que possibilitaram fazer
anlisesqualitativas e quantitativas na perspectiva da Anlise de
Redes Sociais (ARS). Ametodologia utilizada permitiu traar a
estrutura da rede de relacionamentointrainstitucional da
Prefeitura, mapear os fluxos formais e informais das informaese
analisar as relaes estabelecidas entre os servidores. O objetivo da
pesquisa foiavaliar a possibilidade de os cidados contriburem para
a adequao ou elaboraode polticas pblicas, a partir das demandas,
crticas, sugestes e elogios queapresentam aos atendentes. Foram
identificados os servidores que mais enviam erecebem informaes e a
forma como se relacionam. Levou-se em conta que autilizao integrada
das informaes relativas ao processo de relacionamento com ocidado
pode prover a Prefeitura de conhecimentos novos, importantes para
ampliarsua efetividade e legitimidade. Os resultados mostram que o
contato direto eindividual entre o cidado e o Estado tem restritas
possibilidades de influenciar aexecuo e elaborao das polticas que
regem os servios. A unilateralidade e abaixa densidade das relaes
entre os servidores apontam que a permeabilidade darede influncia
do cidado reduzida. Apesar de a Central de Atendimento BHResolve
ser fruto de um projeto focado em metas e resultados, as relaes
tendem aseguir um padro burocrtico, pois quem mais acessa as
informaes so aquelesque ocupam cargos de maior destaque hierrquico.
Diante disso, a efetividade daparticipao individual requer
primeiramente a democratizao das relaes dentrodo prprio Estado. A
reconfigurao estrutural da rede de interaes pode resultarna
democratizao das relaes dos servidores entre si e com o
cidado.Palavras-chave: Servidor Pblico. Comunicao Pblica.
Democratizao. Anlisede Redes Sociais. Fluxo de Informao.
7. ABSTRACTReflections on the relationship between State and
society under the light of publiccommunication and network. The
internal flow of requests and suggestionspresented by citizens at
the attendance desks of BH Resolve [Belo HorizonteSolves your
Problem] created by the Local Government of Belo Horizonte in 2010
asa face-to-face relationship with citizens model is analyzed.
Through in-depthinterviews, direct observation and questionnaires
with open and multiple choicequestions, data that enable
qualitative and quantitative analysis used in theperspective of the
Social Networks Analysis (ARS in Portuguese) were assessed.The
employed methodology enabled not only the sketching of the
relationshipnetwork within the Local Government, but also the
formal and informal flows ofinformation, and the analysis of the
relationship established among the publicservants. The objective of
this research is to examine the possibility of the citizens toadd
to the adequacy or development of public policies by means of the
requests,criticism, suggestions and commendations presented to the
attendants. Themethodology searched for the identification of the
servants who mostly send andreceive information, and the way they
relate. It was taken into account that theintegrated use of
information related to the relationship process with citizen may
addnew knowledge to the Local Government, which is important to
broaden itseffectiveness and legitimacy. The results point out that
the direct and individualcontact between citizen and State has
limited possibilities to influence theperformance and development
of the policies that rule services. The one-sidedrelationship
between the servants and the low density indicate the
reducedpermeability of the network to the citizens influence.
Although the attendance desksnamed BH Resolve are the outcome of a
project focused on aims and results, therelationships tend to
follow a bureaucratic pattern because those who mostly
accessinformation are the same who occupy the top posts. Therefore,
the effectiveness ofindividual participation requires, in the first
place, the democratization of therelationships within the State
itself. The restructuring of the interaction network mayresult in
the democratization of the relationships of the servants among
themselvesand with the citizen.Key words: Public Servant. Public
Communication. Democratization. SocialNetworks Analysis. Flow of
Information.
8. LISTA DE FIGURAS E TABELASFIGURA 1 Modelos de Comunicao dos
rgos Pblicos Federais.......................36QUADRO 1 Mtricas
Bsicas
....................................................................................78QUADRO
2 Cliques da Rede de
Interaes..............................................................87TABELA
1 Funo dos
entrevistados........................................................................81TABELA
2 Recebimento e envio de informaes (degree centraly
measures).........89TABELA 3 Recebimento e envio de informaes entre
coordenadores....................91TABELA 4 Intermediao de
informaes (betweenness centrality measures)........92TABELA 5
Resumo dos indicadores das
redes.........................................................98GRFICO
1 Rede de Interaes
...............................................................................85GRFICO
2 Rede de Interaes
(Funo)................................................................86GRFICO
3 Rede de Conscincia de
Competncias............................................... 95
9. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASAERP - Assessoria Especial de
Relaes PblicasANT - Actor-Network TheoryARS - Anlise de Redes
SociaisCETIC - Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informao e
da ComunicaoDASP - Departamento de Administrao do Servio PblicoDIP
- Departamento de Imprensa e Propagandae-Gov Governo
EletrnicoNetDraw - Graph Visualization SoftwarePBH Prefeitura de
Belo HorizontePDRAE - Plano Diretor da Reforma do Aparelho de
EstadoSECOM - Secretaria de Comunicao do GovernoSAC - Servio de
Atendimento ao CidadoSIASP - Sistema de Administrao de Solicitaes e
ProcessosSMARU Secretaria Municipal Adjunta de Regulao UrbanaTICs
Tecnologias da Informao e da ComunicaoUCINET Software for Social
Network Analysis
10. SUMARIO1
INTRODUO........................................................................................................102
COMUNICAO PBLICA NA LEGITIMAO DO ESTADO BRASILEIRO........142.1
Trajetria recente do Estado
brasileiro................................................................162.1.1
Formas de participao
democrtica................................................................182.1.2
Reformas
administrativas..................................................................................222.1.3
Administrao baseada na comunicao e na
confiana.................................262.1.4 Comunicao nos
governos federais do
Brasil.................................................302.2 Para
entender a Comunicao
Pblica................................................................362.2.1
Agentes da Comunicao
Pblica....................................................................422.2.2
Estado: de emissor isolado a interlocutor
atento..............................................432.2.3 A
sociedade sob a tica da cidadania...
...........................................................453
REDES DE POLTICAS PBLICAS: O ESTADO COMO INTERLOCUTOR.........523.1
Redefinio das
relaes.....................................................................................523.2
Rede.....................................................................................................................543.2.1
Redes de Polticas Pblicas como estruturas de
governana..........................573.3 O servidor na interao
entre o Estado e a
sociedade........................................633.4 Anlise de
redes sociais na comunicao
organizacional...................................694 BH RESOLVE: O
RELACIONAMENTO COM O CIDADO SOB
NOVAPERSPECTIVA..........................................................................................................724.1
Percurso
metodolgico.........................................................................................754.1.1
Anlise de Redes
Sociais..................................................................................764.1.2
Universo
pesquisado.......................................................................................
804.1.3 Coleta de
dados................................................................................................824.1.4
Sistematizao dos dados
...............................................................................834.1.5
Anlise dos
dados.............................................................................................844.2
Anlise da Rede de
Interaes............................................................................854.2.1
Centralidade de Grau (indegree e outdegree
centrality)...................................894.2.2 Centralidade
de Proximidade (closeness
centrality).........................................914.2.3
Centralidade de Intermediao (betweenness
centrality).................................924.2.4 Centralidade de
Informao (information
centrality).........................................934.2.5
Centralidade de Fluxo (flow
centrality)..............................................................944.3
Anlise da Rede de Conscincia de
Competncias............................................944.3.1
Centralidade de Grau (indegree e outdegree
centrality)...................................954.3.2 Centralidade
de Proximidade (closeness
centrality).........................................964.3.3
Centralidade de Intermediao (betweenness
centrality).................................974.3.4 Centralidade de
Informao (information
centrality).........................................974.3.5
Centralidade de Fluxo (flow
centrality)..............................................................984.4
Conscincia de Competncias na Rede de Interao
........................................985 CONSIDERAES
FINAIS..................................................................................105REFERNCIAS
......................................................................................................
110APNDICE
..............................................................................................................128
11. 101 INTRODUO A administrao pblica tem dado sinais de que
procura adequar-se smudanas sociais e mercadolgicas, substituindo a
centralizao peladescentralizao, o modelo rgido de trabalho pelo
flexvel, abrindo novos espaosde participao e adotando a
intersetorialidade como resposta s presses externasda sociedade,
cada vez mais apta a cobrar direitos e servios de qualidade. Se
para as empresas privadas lucrativo criar formas de interao com
asociedade, para as instituies pblicas, este um dever
constitucional,1pressuposto bsico para cumprir sua funo. Alm disso,
o novo padro deaccountability exigido pela sociedade requer que o
Estado atue de forma maisdialgica. Nessa perspectiva, a
governabilidade deve ser mantida por meio derelaes que possibilitem
maior acesso dos diversos segmentos sociais eeconmicos s informaes,
discusses e decises do governo. Como instituiomovida pela poltica,
mais ainda que as demais instituies, o Estado precisa gerircom
competncia o relacionamento com os diversos grupos de atores
sociais. Afinal,a negociao a base da democracia e para que ela seja
promovida sonecessrios fluxos relacionais que possibilitem o dilogo
entre os atores sociais. No cenrio governamental, observa-se uma
crescente ateno para acomunicao com a sociedade. A disponibilizao
de informaes sobre servios e aprestao de contas via sites oficiais,
ampliao das equipes e da estrutura dasassessorias de comunicao, alm
de permanentes aes de assessoria deimprensa e anncios publicitrios
na grande mdia, somados produo deimpressos prprios, destinados a
divulgar servios ou rgos, so exemplos dointeresse do setor pblico
em comunicar. A questo saber at que ponto a buscapela visibilidade
oferece abertura ao dilogo. O fato que, sobretudo, aps a aprovao e
consolidao do Cdigo deDefesa do Consumidor e do voto direto, o
cidado assume uma postura cada vezmais questionadora, no mais
compatvel com a perspectiva do comunicar, comoprtica de produo de
informao.1 De acordo com o artigo 5, inciso XXXIII, da Constituio
Federal, os cidados tm o direito de ser informados de tudo que se
relaciona com a vida do Estado, e que, por conseguinte de seu
peculiar interesse. Esse direito de informao faz parte da essncia
da democracia.
12. 11 A circulao da informao indispensvel, mas insuficiente na
tica dacomunicao pblica. Nesse novo cenrio, preciso pensar e
utilizar a comunicaocomo forma de relacionamento. (ZMOR, 1995).
Segundo Duarte (2003) estar emrelao implica a emergncia de uma
superfcie comum de troca, ou uma zona deencontro de percepes dos
emissores e receptores. Em concordncia com taisentendimentos, esta
pesquisa foi estruturada sob a luz dos ideais da comunicaopblica. O
eixo terico do estudo delineado em torno dessa perspectiva percorre
osprocessos de modernizao administrativa do Estado, a consolidao de
novasformas de participao democrtica, a concepo de cidadania
comunicativa, bemcomo a perspectiva das redes sociais. A definio do
objeto de estudo e da forma de abordagem terico-metodolgica, partiu
do pressuposto de que as instituies pblicas buscamcontinuamente
estabelecer processos comunicacionais e interacionais que
aslegitimem. Ao mesmo tempo, porm, no obstante os requisitos legais
a cumprir, asinstituies so compostas por pessoas com vises e
interesses particularesdiversos. Ideia corroborada por Pierre
Bourdieu (1983), para quem o Estado umainstituio ambgua, isto ,
possui uma funo manifesta universalista, mas umafuno latente
particularista, podendo agir favorecendo e sendo influenciado
porsaberes e poderes de classes ou de grupos especficos. A motivao
para este estudo consiste em saber se possvel que asinformaes que
acessam a administrao pblica pela porta do atendimentoindividual
influenciem na adequao e formulao de polticas pblicas.
Busca-seavaliar a possibilidade de as demandas, crticas, sugestes e
elogios dos cidados,captados nos guichs de atendimento, contriburem
para subsidiar a adequao ouelaborao de novas polticas pblicas,
condizentes com suas expectativas enecessidades. O estudo acerca de
tal questo foi realizado na Central de Atendimento BHResolve,
criada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) em 2010,
com oobjetivo de democratizar sua relao com o cidado e ampliar a
satisfao com osservios. Busca-se analisar se a relao que entre si
estabelecem o servidor que atuana Central de Atendimento BH Resolve
e o cidado por ele atendido constitui umapossibilidade de
participao. Para entender como os servidores envolvidos
noatendimento direto e indireto ao cidado interagem entre si foi
utilizada a
13. 12metodologia de Anlise de Redes Sociais (ARS). Alm de
fornecer elementos para aanlise da comunicao interpessoal
cotidiana, a ARS verifica as influncias docomportamento
comunicacional e analisa, de forma integrada, os determinantes e
osefeitos da participao de cada um. Os dados foram obtidos por meio
de pesquisa documental, entrevistas,observao e questionrios. O
software UCINET forneceu mtricas relativas estrutura do grupo, bem
como posio e influncia de cada ator na troca deinformaes. Traar
essa rede possibilitou identificar os servidores com maior
probabilidadede enviar e receber informaes, o nvel hierrquico no
qual as demandas sodiscutidas e o tipo de deciso que podem
influenciar. Leva-se em conta que autilizao integrada das informaes
relativas ao processo de relacionamento com ocidado pode prover a
Prefeitura de conhecimentos novos, importantes para ampliarsua
efetividade e legitimidade. Nessa perspectiva, o ambiente
institucional abordado sob o enfoqueneoinstitucionalista,
destacando que grupos burocrticos estabelecem padres devnculos
especficos com atores externos ao Estado. Tais grupos no so
meracorreia de transmisso, pois tambm tm interesses e influenciam
diretamente aexecuo das polticas. Considera-se, portanto, o Estado,
no como um ente distante e impessoal,mas composto por pessoas com
interesses, perspectivas e ligaes sociaisdiversas. Em funo dos
contatos que estabelecem e das informaes queacessam, os servidores
so considerados atores-chave para o funcionamento doEstado e dos
princpios democrticos. Com base em tais aspectos, esta dissertao
foi estruturada em trs eixosprincipais. Aps esta breve introduo, o
Captulo 2 retoma os antecedenteshistricos da configurao do Estado
brasileiro. Consideram-se as tentativas doEstado de aprimorar sua
estrutura administrativa, bem como as mudanas nasformas de
participao popular. Destaca-se a importncia de ambos os
movimentospara a legitimidade do Estado em um cenrio marcado pela
reconfigurao do seupapel. Um breve relato sobre as estratgias de
comunicao utilizadas pelosgovernos federais do Brasil busca
identificar suas tendncias e contribuies para oestreitamento das
relaes entre o Estado e a sociedade. Por fim, a comunicao
14. 13pblica apresentada como possibilidade de comunicao
democrtica e promotorada cidadania. A relao modificada no processo
de formulao de polticas, baseada emrelaes mais horizontais que
privilegiam a diversidade e o dilogo, converge para aperspectiva de
redes sociais, abordada no Captulo 3. A contribuio do conceito
deinterconexo providencial para entender que a elaborao e a
implementao depolticas pblicas decorrem de processos complexos de
interaes e relaes deinterdependncia entre indivduos e instituies. A
rede tambm apresentada comouma forma de abordar a comunicao no
contexto intrainstitucional do Estado comoprocesso relacional e
informal. Aps apresentar o objeto do estudo emprico, o Captulo 4
apresenta ametodologia de Anlise de Redes Sociais (ARS). A coleta,
sistematizao e anlisedas mtricas e dos grafos demonstram a adequao
do mtodo anlise dasrelaes existentes entre os servidores. No
Captulo 5 so apresentadas as consideraes finais da pesquisa.
Osresultados obtidos por meio da ARS so articulados com o percurso
tericodesenvolvido nos demais captulos. Apresentam-se a tambm
algumas propostaspara novos estudos em torno da temtica.
15. 142 COMUNICAO PBLICA NA LEGITIMAO DO ESTADO BRASILEIRO As
inovaes tecnolgicas e a globalizao econmica mudaramsensivelmente as
interaes sociais, desterritorializando os interlocutores
epossibilitando instantaneidade e interatividade sem precedentes. O
fluxo global evirtual de influncias, poder e decises e a
diversidade de movimentos sociais, quese disseminam e se
institucionalizam na defesa de interesses cada vez maisespecficos e
diversos, impossibilitam o Estado de decidir sozinho. Sob o risco
deperder sua legitimidade, ele se v obrigado a rever seu papel e se
reposicionar. O contexto de reconfigurao do mercado e das
instituies sociais e polticasconstitui uma base emprica vasta para
se repensar as relaes entre Estado esociedade sob o prisma da
comunicao. Isso porque ele marcado pela ocupaodo espao pblico por
atores privados com finalidade pblica, pela democratizaoda vida
pessoal e da esfera poltica, abertura participao
cidad,responsabilizao e accountability e pelo descontentamento com
a democraciarepresentativa. Exemplo bem-sucedido dessa adaptao, as
organizaes sem finslucrativos, pari passu com as empresas privadas,
se destacam na diversidade ecomplementaridade das estratgias de
comunicao utilizadas em favor de suascausas. Se por um lado, pautam
a mdia com eventos miditicos, produzidos sobmedida para as cmeras,
sempre com boa dose de senso de oportunidade,criatividade e
ineditismo, por outro lado, demonstram maestria em lanar mo
deestratgias de comunicao dirigida2 para gerar e manter vnculos de
identificao ecorresponsabilidade. (SIMEONE, 2004). Na contramo
desse amplo leque de possibilidades comunicativas, asinstituies
pblicas pouco tm evoludo na diversificao e adequao dasestratgias de
comunicao s demandas sociais. () quando se observa o Estado, se
verifica o quanto atrasado o tratamento dispensado comunicao, quer
no mbito federal, quer nos mbitos estaduais e municipais,
especialmente se abordados como emissores de informao de interesse
pblico. A demanda existe: no ambiente externo, parte substancial do
contedo informativo dos meios de comunicao de massa ocupada com
assuntos que envolvem os rgos pblicos estatais. (...) No meio
interno, as informaes se perdem em meio2 Comunicao direta e
segmentada com pblico especfico. KUNSCH, 2003.
16. 15 aos meandros da burocracia, no circulam entre os
funcionrios que, nos balces e nos terminais telefnicos, no sabem o
que dizer aos cidados. (HASWANI, 2006, p. 27). Neste cenrio,
abordar a comunicao sob o prisma da relao entre Estado3e sociedade
no s uma tentativa de motivar reflexes acerca do
potencialestratgico da comunicao nesse mbito, como tambm um desafio
que implicaconsiderar uma complexa rede de relaes. Discusses e
implementaes de reformas administrativas demonstram que oEstado no
permaneceu inerte s mudanas socioeconmicas ao longo dos anos.Mas,
embora as reformas do Estado passem pelo debate acerca de
governabilidade,isto , do equilbrio entre as demandas e a
capacidade do governo de atend-las, ede governana, entendida como a
capacidade do Estado de planejar, formular eimplementar polticas
pblicas de forma efetiva e eficiente (DINIZ, 1997), acorrelao de
tais propostas com os processos de comunicao tem sido, via deregra,
negligenciada. A democratizao do Estado diz respeito a todas as
medidas voltadas para a mudana nas suas relaes com a sociedade
(...) Essa dimenso a grande esquecida nos processos de reforma. Alm
das poucas iniciativas voltadas para a melhoria do atendimento em
algumas reas do servio pblico, como os SACs ou os shoppings ou
casas do cidado, quase nada se faz nesse sentido. (COSTA, 2000, p.
268) Diante disso, o conceito de governana vem sendo ampliado.
Caminha-se nosentido de abrir cada vez mais espaos para participao
da sociedade nasdecises da administrao pblica. O novo padro de
accountability requer que oEstado, enquanto instituio poltica, mais
ainda que as demais instituies sociais,altere seu modo de
administrar e mantenha relao prxima com os diversos gruposde atores
sociais. Embora democratizar at mesmo o simples acesso informao
ainda sejaum desafio para a administrao pblica, diante das
possibilidades de interao ecidados cada vez mais aptos a
reivindicar seus direitos, no cabe mais apenasdisponibilizar
informao. A democracia participativa surge, ento, como proposta
dedeliberao constante, que amplia a participao poltica para muito
alm do voto. A3 Compreendido aqui como o conjunto das instituies
ligadas ao Executivo, Legislativo e Judicirio, incluindo empresas
pblicas, institutos, agncias reguladoras, rea militar e no deve ser
confundido com governo, entendido como o gestor transitrio do
Estado.
17. 16democracia se legitima, assim, por meio da permanente
negociao, que qualifica osatores sociais cada vez mais para o
exerccio da cidadania. Diante disso, a proposta lanar um olhar
atento sobre os servidores pblicose suas formas de interao, na
tentativa de visualizar como encaminham asdemandas que o cidado
lhes apresenta de forma direta e pessoal. Nesta mesmaperspectiva de
utilizar a comunicao de forma estratgica para aproximar os
atoressociais da esfera de deciso do Estado, Martn-Barbero (2000)
aborda o papel dacomunicao na sociedade contempornea: Hablar de
comunicacin significa reconocer que estamos en una sociedad en la
cual el conocimiento y la informacin han entrado a jugar un papel
primordial, tanto en los procesos de desarrollo econmico, como en
los procesos de democratizacin poltica y social. (MARTIN-BARBERO,
REY; RINCON, 2000, p. 54). Construir relacionamento requer
predisposio de todos os envolvidos, mas arigidez estrutural e
cultural das instituies pode ser um obstculo. A implementaode
processos de comunicao inovadores e democratizantes requer
umaremodelagem que formate as estruturas da administrao pblica para
acontemporaneidade. Se o servio pblico ruim, a comunicao no vai
consertar aimagem da administrao. (REGO, 2002, p. 84).2.1 Trajetria
recente do Estado brasileiro Nas ltimas dcadas, a reconfigurao do
papel do Estado passa pelofortalecimento de diversas outras fontes
de poder numa rede de fluxos e conexeseconmicas, polticas,
culturais e sociais em nvel mundial. Diante da proliferao
decomunidades transnacionais, geradoras de influncias ideolgicas e
econmicas, oEstado tende a ceder parte de sua soberania para
aliar-se a blocos supranacionais.Mais que uma unio cultural e
social, eles buscam fortalecimento para negociaesinternacionais.
Por outro lado, no mbito nacional, presses de uma imensadiversidade
de grupos de interesse cada vez mais fragmentados geram demandaspor
servios e polticas pblicas especficas, levando o Estado a
descentralizar seusservios e a buscar parcerias privadas e com
instituies sociais.
18. 17 (...) o Estado encontra-se submetido a uma rede de
fontes de autoridade da qual apenas um dos ns, sofrendo uma
concorrncia de vrias formas de poder: ONGs, redes criminosas,
movimentos tnicos, redes de capital e de produo, religies, mdia,
mercado financeiro etc. Passa, portanto, de sujeito soberano a ator
estratgico, permanecendo a exercer influncia considervel, mas sem o
poder de, por si s, buscar solues isoladas da coordenao com
macroforas supranacionais e de microprocessos subnacionais. (NEVES,
2006, p. 14). Nesse contexto, que intensifica e concilia o
intercmbio de vivncias quesuperam fronteiras e nacionalidades,
emerge uma relao de interdependncia entreuma cidadania nacional e
outra cidadania mundial, que segundo Habermas (1995)formam um
continuum. Essa abordagem dialgica de cidadania global desafia
asinstncias democrticas, propondo novas formas de participao e
legitimao quepromovam uma renovao da vida pblica e da democracia,
pois uma vez que a posio do Estado-nao na ordem mundial est
mudando, e paralelamente h novas formas de organizao local e
internacional proliferando, de se esperar que novas formas de
envolvimento, de arranjos participativos e de participao em
polticas pblicas tendam a crescer. (FERRAREZI, 2007, p. 96). A
reduo do poder de uma instituio que teve como origem justamente
aavocao a si do direito de impor regras e determinar a ordem em um
certo territrioresulta em verdadeira crise. (BAUMAN, 1999). H uma
tendncia de migrao dodebate poltico para fora dos canais
tradicionais da democracia representativa. Talfenmeno apresentado
por Gramsci (1971) como crise de hegemonia,caracterizada pela
incapacidade do Estado de lidar com a ruptura da passividadepoltica
de certos grupos sociais, e em Habermas (1980) entendido como crise
delegitimao, deflagrada quando o Estado se v impotente diante dos
conflitos dasociedade e no consegue se justificar perante o
eleitorado. A reeducao do cidado para a integrao multicultural
requer a superaoda desigualdade, por meio da participao democrtica,
na defesa de interessescoletivos. Diante disso, parece inevitvel
que a discusso sobre o novo papel doEstado e dos cidados passe pelo
entendimento da atuao da sociedade civil4 na4 Conjunto de sujeitos
que tematizam novas questes e problemas, que clamam por justia
social e que organizam e representam os interesses dos que so
excludos dos debates e deliberaes polticas. (LUCHMANN, 2002, p.
10).
19. 18esfera pblica5 e pelo fortalecimento da democracia
participativa. Antes, porm, umsucinto resgate dos estudos acerca
dos ideais democrticos parece fundamentalpara subsidiar esta
proposta.2.1.1 Formas de participao democrtica A ideia de
democracia representativa como forma de organizao poltica tempouco
mais de um sculo. De modo geral, as teorias polticas caracterizam
ademocracia como o regime da soberania das leis e da participao
poltica,entendida de formas diversas em cada modelo de democracia
(elitista, pluralista,participativa e deliberativa). Embora tenha
sido precedida pelo menos por doissculos pela concepo moderna de
direito, o exerccio da democracia dependetambm de uma cultura
poltica democrtica que lhe d sustentao. (...) o direito ao voto,
consagrado nos direitos polticos, no existia de fato na medida em
que preconceitos de classe intimidavam efetivamente os eleitores da
classe trabalhadora. Mesmo aps a conquista do voto secreto e da
universalizao do direito de voto, houve um longo caminho a
percorrer at que a classe trabalhadora deixasse de acreditar que os
representantes do povo e os membros do governo deveriam ser
recrutados nas elites. Essa quebra de monoplio de classe na poltica
exige tambm uma transformao na cultura poltica da sociedade que no
resulta somente do estabelecimento de novas leis. (NOBRE, 2004, p.
26). Tendo em vista que as eleies podem registrar o bruto e bvio da
opiniopblica, mas no podem, de outra forma, representar a vontade
popular (DRYZEK,2004, p. 53), o povo passa a lutar por uma
participao que v alm da escolhaeleitoral. A Constituio Federal de
1988 foi o grande marco dessa luta. Um amplomovimento de Participao
Popular na Constituinte elaborou emendas Constituio Brasileira
dando relevncia democracia participativa. A Constituiocidad, j em
seu artigo 1, declara que Todo poder emana do povo, que o
exerceindiretamente, atravs de seus representantes eleitos ou
diretamente, nos termosdesta Constituio e no artigo 14 prev a
participao direta dos cidados, por meiodos chamados institutos de
democracia direta ou semidireta como o plebiscito, o5 Esfera ou
espao pblico um fenmeno social descrito como uma rede adequada para
a comunicao de contedos, tomadas de posio e opinies; nela os fluxos
comunicacionais so filtrados e sintetizados, a ponto de se
condensarem em opinies pblicas enfeixadas em temas especficos.
(HABERMAS, 1997, p. 92).
20. 19referendo, a iniciativa popular de lei, as tribunas
populares, os conselhos e outroscanais institucionais de
participao. Desde ento, os aspectos discursivos do processo poltico
tm sido cada vezmais destacados nos estudos da teoria democrtica. H
uma clara tendncia decompreender a vontade geral e articul-la com
as instncias de tomada de decisopor meio da comunicao, ideia
evidenciada na proposta da democracia deliberativa.(CARVALHO,
2003). Apesar de possuir razes mais antigas, a democracia
deliberativa fortementebaseada nas ideias de Joshua Cohen e Jrgen
Habermas. Cohen (1989) foi oprimeiro a definir em detalhe as
caractersticas de um procedimento deliberativo paraa tomada de
deciso poltica, atravs das suas teorias do espao pblico ecomunicao.
Eles estabelecem uma relao direta entre participao eargumentao, de
modo que a tomada de posio baseada na fora no coercitivado melhor
argumento, defendido publicamente por cidados livres e
iguais.(COHEN, 1989; HABERMAS, 1997). Habermas (1995) acentua a
importncia da esfera pblica no projetodemocrtico, sob o prisma de
que a construo conjunta do entendimento dlegitimidade poltica. Para
ele, o processo histrico que levou ascenso daburguesia permitiu o
estabelecimento de uma nova forma de relao com o poder. No
pensamento habermasiano, a possibilidade de reconstruo democrtica
da esfera pblica, numa perspectiva emancipatria, contempla o
implemento de procedimentos racionais, discursivos, participativos
e pluralistas, que permitam aos sujeitos, no enfrentamento das
conflitualidades sociais, desenvolver mecanismos de coordenao da ao
social com base nos princpios tico-normativos da racionalidade
comunicativa, resgatando e ampliando os espaos interativos de
comunicao pblica, potencialmente democrticos, livres dos
imperativos sistmicos, isto , dos controles burocrticos do Estado e
das imposies econmicas do mercado. (GARCIA, 2007, p.1). Nessa
perspectiva de centralidade do momento argumentativo, formao
daopinio e da vontade comum, a legitimao dos processos de tomada de
decisoresulta da argumentao racional, participao de todos os
afetados, igualdade entreos participantes, ausncia de restrio de
temas e possibilidade de rever decises luz de novas questes. A
comunicao e o debate, portanto, so colocados nocentro da anlise do
processo de deciso do ideal democrtico.
21. 20 (...) a democracia deliberativa constitui-se como um
modelo ou ideal de justificao do exerccio do poder poltico pautado
no debate pblico entre cidados livres e em condies iguais de
participao. Diferente da democracia representativa, caracterizada
por conferir a legitimidade do processo decisrio ao resultado
eleitoral, a democracia deliberativa advoga que a legitimidade das
decises polticas advm de processos de discusso que, orientados
pelos princpios da incluso, do pluralismo, da igualdade
participativa, da autonomia e do bem comum, conferem um
reordenamento na lgica de poder tradicional. (LUCHMANN, 2002, p.
1). Com isso, os processos decisrios so deslocados dos espaos
fechados erestritos do poder tradicional para espaos sociais que
permitam o pluralismo e aigualdade participativa. O desafio de
garantir a manifestao da pluralidade e dadiversidade de vises de
mundo presentes na esfera pblica, no entanto, passa peladefesa da
comunicao como direito e da retomada da cidadania e da
soberaniapopular.6 A partir da, seria possvel emergirem sujeitos da
comunicao aptos aexpressarem seus pontos de vista acerca das
questes de interesse pblico. As discusses tericas de Giddens
(1996), Habermas (1997) e Miller (1992)apontam para a democracia
deliberativa como complemento para a democraciarepresentativa. De
um lado, ascende a importncia do controle e responsabilizaodos
representantes polticos, e de outro, o potencial da participao em
que oscidados podem exercer ao coletiva que influencia na agenda
poltica e social.(FERRAREZI, 2007, p. 99). No entanto, a democracia
deliberativa, tal como definida por Cohen (1989),parece impossvel,
na medida em que o autor destaca que a legitimidade da decisorequer
o assentimento de todos os indivduos sujeitos s conseqncias. Ao
passoque nas deliberaes do mundo real, a totalidade ou certamente a
maioria dosafetados, no parece participar, tornando dessa forma a
democracia deliberativavulnervel ao destronamento de suas pretenses
de legitimidade. (DRYZEK, 2004,p. 41). A questo que se delineia,
diante disso, como dar condies de acesso eparticipao efetiva a
todos os que quiserem participar, tratando diferenciadamenteos
desiguais. Para incentivar formas de socializao da informao que
permitam levar emconta a diferena, surge a proposta de aperfeioar
os mecanismos deliberativos pormeio de uma representatividade que
no seria mais de pessoas, mas de ideias.(MAIA, 2006). Em sua teoria
sobre a representao discursiva, Dryzek (2004)6 O povo como nica
fonte do poder, que se exprime pela regra constitucional de que
todo poder emana do povo.
22. 21prope diferenciar a representao de pessoas e interesses e
a de discursos. Ajustificativa que o mesmo discurso pode ser
compartilhado por atores sociais dediferentes segmentos e que um
processo de discusso aberta, no qual todos ospontos de vista possam
ser ouvidos, pode legitimar o resultado. Para produzir resultados
mais razoveis, com frequncia, no faz mais sentido exigir uma
participao mais ampla, mas, em lugar disso, buscar uma formao mais
refinada, mais deliberativa e mais reflexiva dos motivos e demandas
que so introduzidos nos processos de participao j em curso. (NOBRE,
2004, p. 30). Essa forma de representao seria viabilizada por uma
deliberao mediada,na qual a mdia considerada como um frum para o
debate cvico, capaz depropiciar a troca argumentativa entre
representantes formais e informais dediferentes instncias sociais.
Sem considerar os aspectos tendenciosos da mdia,essa perspectiva
entende que ela permite que problemas complexos
comosustentabilidade ambiental e violncia urbana sejam discutidos
com base empercepes de diferentes segmentos e variados nveis de
poder de deciso. Ao discordar da separao entre pessoas e ideias,
Avritzer (2007) propepensar na complementaridade entre a
representao eleitoral e a representao dasociedade civil. O futuro
da representao eleitoral parece cada vez mais ligado sua combinao
com as formas de representao que tm sua origem naparticipao da
sociedade civil. (AVRITZER, 2007, p. 459). Para o autor,
arepresentao seria vinculada autorizao e os diferentes tipos de
autorizaoestariam relacionados a trs papis polticos diferentes: o
de agente, o de advogadoe o de partcipe. O agente aquele escolhido
no processo eleitoral. O advogadoseria escolhido com base na
afinidade com o tema ou situao, como as ONGs, quedefendem atores
que no as indicaram. O papel de partcipe, por sua vez, se d
narepresentao da sociedade civil, a partir da especializao temtica
e daexperincia. O importante em relao a essa forma de representao
que ela tem sua origem em uma escolha entre atores da sociedade
civil, decidida freqentemente no interior de associaes civis. (...)
A diferena entre a representao por afinidade e a eleitoral que a
primeira se legitima em uma identidade ou solidariedade parcial
exercida anteriormente. (AVRITZER, 2007, p. 458).
23. 22 A representao adequada de interesses e identidades
compartilhadas(territoriais, tnicas, religiosas) democratiza a
deliberao e essencial para evitar afalta de confiana dos
representados em relao aos representantes. Reis (2004)chama a ateno
para a necessidade de identificao do representado com
seurepresentante, sob o risco de seu melhor preparo, pelo contrrio,
ser percebidocomo ameaa aos interesses do representado.
fundamental, no entanto, considerar que a democracia poltica
dependetambm em grande parte do contexto (cultural e
organizacional) das instituiespolticas que do suporte construo das
experincias participativas. Portanto, ademocracia deliberativa, ao
pretender ampliar a participao dos cidados para ocarter decisrio,
requer primeiramente que a sociedade civil e os atores
poltico-institucionais se mobilizem na busca da reconfigurao da
estrutura institucional doEstado. A vontade e o comprometimento do
Estado constituem-se, portanto, como uma varivel crucial para o
sucesso de experincias de democracia deliberativa. Enquanto modelo
que resultante das articulaes, vontades e compromissos entre Estado
e sociedade, a democracia deliberativa requer, por outro lado, um
formato institucional que, dinmico e submetido ao dilogo constante
entre o pblico participante, possibilite, na prtica, a realizao de
um processo deliberativo pautado na ampliao e na qualificao da
participao. (LUCHMANN, 2002, p. 31). Caberia, portanto, ao Estado
se reorganizar para oferecer novas formas departicipao condizentes
com a proposta de democracia deliberativa. Uma breveretrospectiva
dos principais movimentos de mudanas estruturais do
Estadobrasileiro parece til para visualizar avanos e limitaes na
efetivao de processosmais participativos.2.1.2 Reformas
administrativas O processo histrico da administrao pblica no Brasil
tem inicialmente umaformatao exclusivamente patrimonialista, no
Brasil Colnia (1500-1822), noImprio (1822-1889) e na Repblica Velha
(1889-1930). Mas, em sua histriarecente, tal como no
patrimonialismo, embora a abordagem da coisa pblicacontinue em
grande parte voltada para interesses da elite, em contraposiao
aosinteresses coletivos, o pas experimentou outros modelos
administrativos. Durante o
24. 23sculo XX, o Brasil tornou-se um dos pases da Amrica
Latina que maisimplementou reformas na administrao pblica. O
objetivo geral foi aperfeioar asestruturas e os processos do Estado
e, em ltima instncia, minimizar o descrditodos governos e da coisa
pblica pela sociedade. A primeira dessas reformas foi realizada
pelo presidente Getlio Vargas(1930-1945), pioneiro ao empreender um
esforo sistemtico de modernizao doEstado. J no discurso de posse,
Vargas propunha reformas nas estruturas doEstado oligrquico da
Repblica Velha. A reforma administrativa do Estado Novobaseou-se na
busca de superao do patrimonialismo e, a partir de 1937,
promoveuuma srie de transformaes, que tinham como vertente
principal a racionalizaoburocrtica, por meio da centralizao e
padronizao dos procedimentos. O Departamento de Administrao do
Servio Pblico (DASP) focou ocombate ao patrimonialismo, ao
clientelismo e ao nepotismo, mediante aimplantao de rgidos padres
hierrquicos e de controle de processos. Nesseperodo os controles
administrativos visando evitar a corrupo e o nepotismo sosempre a
priori. Parte-se de uma desconfiana prvia nos administradores
pblicose nos cidados que a eles dirigem demandas. (BRASIL, 1995, p.
15). Com isso,durante a ditadura militar, observou-se a consolidao
do estilo tecnocrtico, quereforou a supremacia da abordagem tcnica
na formulao das polticas pblicas. No perodo ps-37, o governo Vargas
passou a assumir as feies de umestado intervencionista, lanando as
bases do desenvolvimentismo. A alavancagemindustrial foi tambm o
centro dos esforos dos governos democrticos que sesucederam no
poder entre 1946 e 1964, perodo compreendido entre a promulgaoda
constituio e o golpe militar. Com isso, eles no realizaram nenhum
experimentoimportante no que diz respeito reforma do Estado (DINIZ,
2005, p. 11). Emboradurante os governos de Getlio Vargas
(1951-1954), Juscelino Kubitschek (1956-1960), Jnio Quadros (1961)
e Joo Goulart (1961-1964) tenham ocorrido vriasdiscusses sobre os
aspectos a serem reformados, o que se observa amanuteno de prticas
clientelistas, que negligenciavam o que a burocraciabuscava
combater. O governo militar, estabelecido aps o golpe de 1964,
promoveu, suamaneira, uma ampla reforma. A segunda experincia
relevante de reformaadministrativa implementada no pas foi feita
por meio do Decreto-Lei 200/1967.Caracterizado por Costa (2008)
como o mais sistemtico e ambicioso
25. 24empreendimento para a reforma da administrao federal, o
decreto props:planejamento; expanso das empresas estatais, fundaes
pblicas e autarquias;fortalecimento e expanso do sistema de mrito;
um novo plano de classificao decargos e o reagrupamento de
departamentos, divises e servios. No entanto, esta primeira
tentativa de implementar um novo modelo gerencialna administrao
pblica ficou pela metade. Em primeiro lugar, o ingresso de
funcionrios sem concurso pblico permitiu a reproduo de velhas
prticas patrimonialistas e fisiolgicas. E, por ltimo, a negligncia
com a administrao direta burocrtica e rgida que no sofreu mudanas
significativas na vigncia do decreto, enfraquece o ncleo estratgico
do Estado, fato agravado pelo senso oportunista do regime militar,
que deixa de investir na formao de quadros especializados para os
altos escales do servio pblico. (COSTA, 2008, p. 855). O governo
civil que se instalou em 1985, aps mais de duas dcadas deditadura
militar, herdou um aparato administrativo extremamente
centralizado.Paralelamente ao desafio da redemocratizao, era
preciso lidar com uma severacrise econmica, marcada pela grande
desigualdade social. A misso mais urgenteera promover o
desenvolvimento. Em 1986, foi lanado o primeiro programa de
reformas do governo Sarney(1985-1990), com trs objetivos
principais: racionalizao das estruturasadministrativas; formulao de
uma poltica de recursos humanos e conteno degastos. (MARCELINO,
2003). Na prtica, nem a comisso, nem o grupo executivo que a
sucedeu conseguiu implementar as medidas que preconizaram. A ampla
reforma modernizadora e democrtica foi deixada de lado para dar
lugar mais tradicional estratgia de reforma administrativa a
racionalizao dos meios. (COSTA, 2008, p.857). A Constituio de 1988
produziu avanos significativos no que se refere democratizao da
esfera pblica. Ela institucionalizou e deu substncia
aosinstrumentos de poltica social e, nesse sentido, representou uma
verdadeirareforma do Estado. Entretanto, do ponto de vista da gesto
pblica, buscou reduziras disparidades entre a administrao central e
a descentralizada, mas acaboueliminando a flexibilidade da
administrao indireta. Embora tenha participado daadministrao do
presidente Sarney, Bresser Pereira (1998) acredita que, no
plano
26. 25gerencial, houve uma volta aos ideais burocrticos dos
anos 1930 e, no planopoltico, uma tentativa de retorno ao populismo
dos anos 1950. Em 1990, tomou posse o primeiro governo civil eleito
pelo voto direto. Opresidente Collor tentou cumprir seus propsitos
reformadores com aes semplanejamento. Assim, a proposta de reduzir
o tamanho e o nmero de servidores damquina governamental foi
implantada de forma radical, desagregando edesmotivando o
funcionalismo pblico. Depois do incio da crise de seu
governo,Collor voltou ao velho sistema de concesses polticas para
atrair apoios,desmembrando e criando ministrios. Itamar Franco,
vice de Collor, assumiu ogoverno aps seu impeachment e se
restringiu a restabelecer ministrios extintospor seu antecessor e
dar seguimento ao programa de privatizao. Aps anos de mudanas
tmidas e de retrocesso na reforma administrativa doEstado
brasileiro, o governo Fernando Henrique (1995-2002) reiniciou o
processo demudana organizacional e cultural da administrao pblica.
O Plano Diretor daReforma do Aparelho de Estado (PDRAE), lanado em
1995, o terceiro marco nahistria administrativa mais recente. O
debate sobre a reforma do Estado foi lideradopelo professor e
ministro Luis Carlos Bresser Pereira. A proposta central
erainaugurar a administrao gerencial. A chamada nova administrao
pblica (newpublic manegement), props substituir o modelo rgido,
lento e autorreferenciado deadministrao burocrtica por formas de
gesto que promovessem um Estado maisflexvel e gil, introduzindo os
conceitos de cidado, accountability, equidade ejustia social.
(ABRUCIO, 1996). Com o objetivo de aumentar a governana, ou seja, a
capacidade deimplementar polticas pblicas at ento limitada pela
rigidez e ineficincia damquina administrativa, a reforma proposta
no Plano Diretor possui cinco pontosprincipais: institucionalizao,
a partir da reforma da Constituio; racionalizao ecortes de gastos;
flexibilizao e mais autonomia para os gestores; transfernciapara
organizaes pblicas no estatais de atividades no exclusivas do
Estado;desestatizao, com privatizao, terceirizao e desregulamentao.
Essasgrandes diretrizes se traduziram na mudana institucional
introduzida pela EmendaConstitucional n 19, promulgada em 1998.
Abrucio (2007) lembra que a Reforma Bresser props um modelo
gerencialvoltado para resultados e, embora tenha fracassado em
muitos aspectos, gerou umchoque cultural.
27. 26 Aps 20 anos de centralismo poltico, financeiro e
administrativo, o processo descentralizador abriu oportunidades
para maior participao cidad e para inovaes no campo da gesto
pblica, levando em conta a realidade e as potencialidades locais.
(ABRUCIO, 2007, p.69). Os dois mandatos do presidente Lula
(2003-2010) foram marcados pelarevitalizao do Estado, com papel
ativo na reduo das desigualdades sociais e napromoo de
desenvolvimento econmico. Ao mesmo tempo em que implementoualgumas
prticas e princpios propostos no PDRAE, reproduzindo e consolidando
aNova Administrao Pblica no Brasil, como o foi para a poltica
macroeconmica,postou-se contrrio a pontos da agenda anterior ao
reverter terceirizaes, reabrirconcursos, politizar agncias e
paralisar privatizaes. (SILVA, 2008, p. 202). Assim, durante a
maior parte do sculo XX, houve um continuado processode modernizao
das estruturas e dos processos do aparelho de Estado brasileiro.No
entanto, na maioria das reformas, optou-se por cortas gastos,
deixando ademocratizao, com mudana nas relaes com a sociedade e
melhoria doatendimento, para segundo plano. Mesmo tendo
proporcionado avanos como acriao de sistemas de cogesto,
planejamento e oramento participativo, asreformas no geraram
mudanas efetivas nas relaes cotidianas entre Estado esociedade.
Abrucio (2007) chama a ateno para a compartimentalizao e falta
dearticulao entre os nveis de governo e, tal como Rezende (2003),
reconhece que,diante do dilema entre maior controle para efetuar o
ajuste fiscal e menos controlepara descentralizar e delegar
responsabilidades, na maioria das reformas, optou-sepor privilegiar
o ajuste fiscal. Afinal, descentralizar e delegar
responsabilidadessignifica ter menor controle sobre os gastos
(ABRUCIO, 2007; REZENDE, 2003), namedida em que as decises acerca
da aplicao e priorizao dos investimentosso atribudas a diversos
setores quase sempre geograficamente dispersos.2.1.3 Administrao
baseada na comunicao e na confiana A administrao pblica no Brasil
marcada por modelos administrativos que,ao contrrio das propostas
reformistas, no rompem com o aspecto burocrtico dasrelaes internas
e externas do Estado.
28. 27 Marcado pelo trato da coisa pblica com base em valores
particulares, opatrimonialismo coloca o Estado a servio dos
interesses de poucos, privilegiando aclasse dominante, em
detrimento das causas de cunho coletivo. O patrimniopblico e o
privado se confundem. O nepotismo e o empreguismo, seno acorrupo,
so normas. (PEREIRA, 1996, p. 4). No modelo de administrao
burocrtica, o poder emana das normas. Ascaractersticas de
formalidade e impessoalidade servem para controlar os
agentespblicos, as comunicaes, as relaes intraorganizacionais e da
organizao com oambiente. (SECCHI, 2009, p.362). Somado a isso, um
dos aspectos centrais aseparao entre planejamento e execuo, com
base na distino entre a poltica ea administrao pblica, na qual a
poltica (alto escalo do governo) responsvelpela definio de
objetivos e cabe administrao pblica (servidores em
geral)transformar as decises em aes concretas. A preocupao com a
eficinciaorganizacional, a equidade entre empregados que
desempenham tarefas iguais, ocontrole procedimental de tarefas e a
imparcialidade tambm so destacados nomodelo burocrtico. (WEBER,
1979). As crticas a essa forma de administrar so enfticas. Robert
Merton (1949)analisou seus efeitos negativos denominando-os de
disfunes burocrticas. Eleargumenta que a prescrio estrita de
tarefas reduz a motivao dos empregados,gera resistncia s mudanas e
o desvirtuamento de objetivos devido obedinciaacrtica s normas.
Ademais, a impessoalidade pode levar a organizao a no darateno s
peculiaridades individuais. Vrios episdios cotidianos pem em
evidncia a inadequao do paradigma clssico da administrao pblica aos
tempos atuais: qual cidado gostaria de ser atendido, num servio
pblico, por um funcionrio taylorista? Qual funcionrio pblico se
conformaria simples e mecnica execuo de tarefas detalhadamente
pr-descritas? Quem duvidaria de que a impessoalidade weberiana
exagerada leva ao anonimato, falta de responsabilizao e
ineficincia? Quem, hoje, suporta o comportamento burocrtico da
burocracia? (PACHECO, 1998, p. 4). Diante das limitaes do modelo
burocrtico, o modelo de administraopblica gerencial e o paradigma
relacional de governana pblica so apresentadoscomo alternativas.
(SECCHI, 2009). No Plano Diretor da Reforma do Aparelho doEstado
(1995), Bresser Pereira explicitou a proposta da nova gesto pblica
(newpublic management):
29. 28 A administrao pblica gerencial constitui um avano e at
um certo ponto um rompimento com a administrao pblica burocrtica.
Isto no significa, entretanto, que negue todos os seus princpios.
Pelo contrrio, a administrao pblica gerencial est apoiada na
anterior, da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus
princpios fundamentais, como a admisso segundo rgidos critrios de
mrito, a existncia de um sistema estruturado e universal de
remunerao, as carreiras, a avaliao constante de desempenho, o
treinamento sistemtico. A diferena fundamental est na forma de
controle, que deixa de basear-se nos processos para concentrar-se
nos resultados, e no na rigorosa profissionalizao da administrao
pblica, que continua um princpio fundamental. (BRASIL, 1995, p.
16). A proposta de governana pblica, por sua vez, vai alm do modelo
normativode administrao pblica gerencial, baseado em valores de
eficincia, eficcia edesempenho. Ele prope envolver outros atores,
alm do prprio governo, noprocesso de governar. O movimento da
governana pblica se traduz em ummodelo relacional, porque oferece
uma abordagem diferenciada de conexo entre osistema governamental e
o ambiente que circunda o governo. (SECCHI, 2009, p.349). No existe
um conceito nico de governana pblica, mas antes uma srie de
diferentes pontos de partida para uma nova estruturao das relaes
entre o Estado e suas instituies nos nveis federal, estadual e
municipal, por um lado, e as organizaes privadas, com e sem fins
lucrativos, bem como os atores da sociedade civil (coletivos e
individuais), por outro. (KISSLER; HEIDEMANN, 2004, p. 480).
Governana, entendida como um modelo horizontal de relao entre
atorespblicos e privados (KOOIMAN, 1993; RICHARDS E SMITH, 2002
apud SECCHI,2009) traduz uma mudana do papel do Estado na soluo de
problemas. Esse novomodelo poltico baseado na negociao, comunicao e
confiana e situado entre osextremos da regulao
poltico-administrativa autnoma e da autorregulao pura demercado,
pode gerar solues inovadoras para os problemas sociais e
umdesenvolvimento sustentvel para todos os participantes. (KISSLER;
HEIDEMANN,2004). A governana tambm envolve um processo, mas um
processo mais amplo, na medida em que transmite a ideia de que as
organizaes pblicas no estatais ou as organizaes da sociedade civil,
empresas comerciais, cidados individuais e organizaes
internacionais tambm participam do processo de tomada de decises,
embora o governo continue sendo o ator central. (PEREIRA, 2007, p.
13)
30. 29 A autoridade central hierrquica, bem como a transferncia
deresponsabilidade para o setor privado, proposta pelo modelo de
Estado mnimo,dariam lugar soma de esforos de diversas fontes
internas e externas ao governo.No se trata de enfraquecimento do
Estado, mas de governos que, diante dadiversificao de demandas,
mais que planejar ou executar, estejam aptos acoordenar. A
implementao de polticas requer hoje a cooperao de vrias agncias,
pertencentes a uma ou mais esferas de governo, ou ainda a cooperao
com os setores privado e no lucrativo, substituindo a especializao
de cada agncia (segundo a poltica a ser implementada), antes
compatvel com a setorializao das polticas pblicas, por uma
complexidade institucional muito maior, que requer a organizao
destas agncias em redes. (BEHN, 1998 apud PACHECO, 1998, p. 4). No
modelo de governana a principal caracterstica a funo de direo.Nela,
o Estado tem o papel de coordenar atores pblicos e privados,
organizaespblicas, cidados, redes de polticas pblicas e organizaes
privadas, na busca desolues para problemas coletivos. Secchi (2009)
identifica o prisma pelo qual cada modelo administrativo tendea
abordar o cidado. No modelo burocrtico, ele chamado de usurio dos
serviospblicos. Na retrica do modelo gerencial os cidados so
tratados como clientes, ena proposta de governana pblica os cidados
e outras organizaes sochamados de parceiros, com os quais a esfera
pblica constri modelos horizontaisde relacionamento e coordenao.
Desse modo, percebe-se que a grande contribuio democrtica do
modelogerencial e do modelo de governana pblica a abertura no
relacionamento entreos ambientes internos e externos organizao
pblica. Mecanismos de suavizaodas fronteiras formais do Estado so
sugeridos, como as prticas deliberativas, asredes de polticas
pblicas, as parcerias pblico-privadas e o princpio de
governocatalisador.7 A abordagem relacional e o uso das redes
sociais como estruturas deconstruo de polticas pblicas so as
inovaes mais relevantes propostas pelostericos da governana pblica,
segundo Brugu e Valls (2005). Com isso, elapromove uma aproximao
indita entre poltica e administrao pblica.7 Governo catalisador
entendido como aquele que utiliza mecanismos de mercado na prestao
de servios pblicos. Para aprofundamento ver: OSBORNE; GAEBLER
(1995).
31. 30 A diluio da forma de definir e implementar as polticas
pblicas entrediversos agentes suscita polmicas em torno do papel do
Estado. Kooiman (1993) eRhodes (1997) percebem uma reduo do
protagonismo estatal no processo decoproduo e cogesto das polticas.
Richards e Smith (2002) contestam esse tipode entendimento,
ressaltando que o Estado mantm seu papel de liderana. Embora
estimulem novas formas de arranjos institucionais e de
cooperaoentre atores estatais e privados, tais alianas ainda so
restritas a atores com algumpoder de ao, administrao ou
investimento, alm de terem amplitude limitada.Apesar do nmero
reduzido de participantes, os representantes eleitos ainda
tmdificuldade em exercer algum controle sobre as parcerias pblico
privadas.(KISSLER; HEIDEMANN, 2006). Alm dessas limitaes, o que
mais se destaca que o modelo de estadocooperativo no otimizou os
processos polticos de deciso. Os interesses dasociedade civil ainda
esto claramente sub-representados (...).. (KISSLER;HEIDEMANN, 2006,
p. 492). Mais que coproduzir, ou, ajudar o estado produzindo oque
considerado de baixa relevncia estratgia atuando onde ele falho,
ouonde lhe interessa abrir mo, busca-se participar do que o Estado
faz, ou seja, dadefinio e implementao das polticas essenciais,
compartilhar poder. Os autores kissler e Heidemann (2006) indicam
que a governana pblicapoderia constituir o terceiro pilar da
democracia comunitria, ao lado da democraciarepresentativa e da
democracia direta, desde que inclua os grupos-alvo, os parceirosdo
terceiro setor e as foras da sociedade civil. Eles prprios, no
entanto,questionam a fora legitimadora dos procedimentos da
governana pblica parafundamentar o exerccio do poder do povo pela
cooperao.2.1.4 Comunicao nos governos federais do Brasil Viabilizar
uma interao ampla e produtiva entre o Estado e a sociedadepersiste
como um grande desafio. Marcadas por estratgias de manipulao,
nemmesmo as polticas de comunicao dos governos federais do Brasil
contriburam deforma efetiva para a democratizao do pas. Num perodo
de mais de setenta anos,percebe-se a existncia de iniciativas
pontuais. As investidas em polticas pblicas
32. 31de comunicao, em grande parte, tiveram como foco a emisso
unilateral deinformaes de interesse dos governantes. Em 1939, o
presidente Getlio Vargas criou o Departamento de Imprensa
ePropaganda (DIP). Ele centralizava as estratgias de comunicao da
administraopblica federal e entidades autrquicas, alm de ser
responsvel pela censura aoteatro, cinema e imprensa. Forte
instrumento de promoo pessoal do chefe dogoverno e das autoridades
em geral, o trabalho do DIP foi direcionado para formar aimagem de
Getlio Vargas como Pai dos Pobres. Jnio Quadros e Juscelino
Kubitschek tambm utilizaram intensamente acomunicao sob o vis do
marketing poltico. Jnio teve uma carreira meterica echegou ao posto
de presidente prometendo varrer a corrupo do pas. O smbolode sua
campanha era uma vassoura e o jingle prometia varrer a
bandalheira.Juscelino, por sua vez, fez do slogan Cinqenta anos em
cinco a marca de seugoverno. (SCOTTO, 2001, p. 100). Nos anos
seguintes no foi diferente. Durante o regime ditatorial
(1964-1985),a comunicao governamental brasileira era baseada na
propaganda ideolgica, queveiculava padres de comportamento cvico,
urbano e educativo. No auge daditadura militar, a Assessoria
Especial de Relaes Pblicas (AERP) centralizou todaa propaganda
poltica do governo Mdici, antes feita por organismos
pblicosindependentes. Segundo Sequeira (2004), a partir da foi
iniciada a mais organizada,sistematizada e ampla campanha de
propaganda poltica, jamais vista no Brasil, como objetivo de
estabelecer consenso em relao ao regime. A AERP criou e executou
todo o processo estratgico de comunicao socialdurante os quatros
anos do governo Mdici, sobretudo em torno do binmiosegurana
nacional/desenvolvimento. De maneira a motivar o esforo nacional
econtribuir para o prestgio internacional do Brasil, promoveu
campanhas com slogansufanistas como Voc constri o Brasil, Ningum
segura este pas, Brasil, Contecomigo. As estratgias voltaram-se,
sobretudo, para a televiso que, como emnenhum outro governo at
ento, torna-se um privilegiado instrumento depropaganda poltica.
Filmetes enalteciam o pas e mostravam um governoempreendedor. Com
mensagens simples e um portugus primrio, cria-se a imagemdo governo
identificado com o povo. Sarney (1985-1989) tentou, sem sucesso,
implantar um projeto decomunicao pblica participativa. A experincia
no sobreviveu ao Plano Cruzado,
33. 32cujo fracasso foi sucedido por tcnicas de marketing, que
cada vez mais permearame constituram o cerne da comunicao
governamental, especialmente a partir dagesto Collor de Mello
(1990-1992), que se elegeu sob o titulo de caador demarajs. Se
durante o governo Itamar (1992-1994) ocorreu um recuo na
utilizaodessas tcnicas de marketing, a partir do governo Fernando
Henrique (1995-2002),houve uma intensa associao entre comunicao
governamental e marketing. (...) a preocupao com imagem e discurso
foi trao constante da estratgia poltica e de seduo imagtica de FHC.
(...) Sua liderana dependia da capacidade de adeso das mdias e do
tradicional uso das mquinas eleitorais. Ao mesmo tempo,
representava um heri intelectualizado para o mundo ver e, muito
especialmente, para orgulhar o Brasil. (MORAES, 2003). Tcnicas de
marketing, em diferentes intensidades, permearam as estratgiasde
comunicao do Estado de tal modo que Matos (2009a, p.106) sentencia
quedesde Vargas at Fernando Henrique Cardoso, (...) tratou-se de
pouca ou nenhumacomunicao pblica. No obstante, fundamental
considerar que nas dcadas de 1980 e 1990, asociedade brasileira
passa por mudanas importantes que desenham um novocenrio
participativo. A aprovao e consolidao do Cdigo de Defesa
doConsumidor, a Constituio de 1988, o voto direto e a disseminao do
uso dainternet so alguns elementos que impulsionam a disseminao e
solidificao demovimentos sociais. O cidado assume uma postura mais
questionadora, no maiscompatvel com a perspectiva do comunicar como
prtica de transmisso unilateralde informao. Experincias de cogesto
das polticas pblicas comeam a sersedimentadas e ampliadas. Nesse
contexto em que o uso de tcnicas de marketing e a busca
devisibilidade por si s no respondem s presses sociais por dilogo e
participao,promover a interao, incluir o cidado nas discusses e
deliberaes polticastorna-se inevitvel. (...) preciso tambm buscar,
alm da tendncia dominante do marketing como linguagem da comunicao
poltica, a presena de grupos sociais com vrios nveis de organizao,
capazes de encontrar espaos e mdias para a manifestao de diferentes
vozes e demandas. (Matos, 2009b, p. 6).
34. 33 A partir do Governo Lula o conceito de comunicao pblica
com o sentido deinformao para a cidadania comea a ser citado com
freqncia. (BRANDO,2007). No entanto, cabe destacar que as radicais
mudanas estticas ecomportamentais de Luiz Incio Lula da Silva desde
o ano de 1989, quando aindaera candidato, eram parte de apuradas
estratgias de marketing poltico. Na era Lula, o contato com a
imprensa no foi dos mais amigveis. Pordiversas vezes, o presidente
criticou os jornalistas abertamente e o governo sempremanteve uma
postura resguardada. Foram concedidas poucas entrevistas coletivase
as falas reproduzidas pela imprensa eram, na maioria, fragmentos de
discursosfeitos em eventos oficiais. Alm disso, o governo no seguiu
a cartilha degerenciamento de crises ao evitar falar sobre as
denncias de corrupo e deixarque a imprensa ouvisse fontes variadas
do governo, com verses por vezescontraditrias. Bernardo Kucinski,
ex-assessor de comunicao do governo Lula, reconheceque a poltica de
comunicao foi equivocada, sobretudo quanto s relaes com amdia e a
existncia de feudos que seguiam suas prprias estratgias e
polticasna esfera da comunicao. Dentre eles, cita a secretaria de
comunicao, o gabinetedo porta-voz e a assessoria de imprensa, alm
do Ministrio das Comunicaes eMinistrio da Cultura. (KUCINSKI,
2008). Toda a histria da comunicao dos governos brasileiros tem o
selo dapropaganda e ele tambm foi largamente usado no governo Lula.
O uso da marcaBrasil um pas de todos foi um instrumento para
demarcar as aes do governopas afora. A nova marca assume a
necessidade de levar mais Brasil para Braslia.Isso espelha a inteno
de tornar o governo mais prximo das pessoas, maisprximo da
realidade dos cidados, mais prximo do Brasil, define a Secretaria
deComunicao do governo. (SECOM, 2009). A campanha Mais Brasil para
mais brasileiros outro destaque no campodas aes publicitrias.
Produzida com o intuito de destacar o crescimentoeconmico e a reduo
das desigualdades sociais, ela consistiu em peasdiferenciadas,
feitas sob medida para cada um dos estados federativos. A
estratgiade regionalizao da comunicao institucional buscou
aproximar o cidado dogoverno federal e valorizar os veculos
regionais de comunicao. A implantao do governo eletrnico no setor
pblico brasileiro foi iniciada em2000. A partir da, o governo comea
a utilizar as tecnologias da comunicao e da
35. 34informao para a prestao de servios e interao com o
cidado, empresas eoutros governos. A proposta procurou priorizar a
incorporao das novas tecnologias da informao aos processos
administrativos do governo e prestao de servios ao cidado.
Inicialmente, foram implantados no portal Rede Governo, no final de
2001, cerca de 1.350 servios e 11 mil tipos de informao disponveis.
No final de 2002, o nmero de servios j havia crescido para cerca de
1.700, com aproximadamente 22 mil links de acesso direto a servios
e informaes de outros websites governamentais. (DINIZ, BARBOSA;
JUNQUEIRA; PRADO, 2009, p. 36). O Portal da Transparncia, criado em
2004 pela Controladoria Geral da Unioe cuja implantao por todas as
instncias de governo tornou-se lei, um exemploda aplicao das novas
tecnologias gesto governamental para fins de controlesocial. O
portal disponibiliza a execuo oramentria dos programas e aes
doGoverno Federal, incluindo os repasses de recursos a Estados e
municpios e osgastos do Governo Federal com compras ou contratao de
obras e servios. A busca de informaes e servios pblicos via
internet crescente. Na reaurbana houve um crescimento de 30,5
milhes de internautas em 2005 para 58,5milhes em 2009, embora esse
nmero represente apenas 35% da populao. Em2010, 2mil pessoas foram
entrevistadas sobre o uso de e-gov. Entre os entrevistadosque
utilizaram servios de governo pela Internet nos 12 meses anteriores
pesquisa, 87%8 concordam que eles tm resultados mais rpidos do que
os serviosrequeridos pessoalmente e 80% concordaram que a maioria
dos sites so fceis deserem encontrados. No entanto, eles apontam
aspectos a serem aperfeioados.Cerca de 60% dos respondentes
perceberam demora para carregar as pginas; 48%no encontraram a
informao desejada e 35% alm de no ter encontrado oservio desejado,
declararam haver excesso de informao na pgina inicial (27%). As
instncias governamentais esto ainda aprendendo a lidar com esse
novomeio de visibilidade. A linguagem e a organizao das informaes,
sem dvida,precisam tornar-se mais acessveis, porm a disponibilizao
desses dados j umavano no uso democrtico da comunicao. O presidente
Lula, no obstante diversos deslizes em suas falas, parece tersido a
principal pea de comunicao do seu governo. Houve um uso intenso
dasua imagem. Sua postura carismtica e o uso de uma linguagem
simples, repleta de8 Pesquisa do Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informao e da Comunicao (CETIC.br), sobre e o uso
das TICs no Brasil - TIC Governo Eletrnico 2010.
36. 35analogias, o aproximaram do povo. Para ele, mais que para
as estratgias de suaequipe de comunicao, parece ir o mrito pela
sobrevivncia do governo sdiversas crises deflagradas por denncias
de corrupo, e pelo encerramento domandato com uma aprovao pessoal
recorde de 87%9 e de 83,4% para o seugoverno, deixando em sua
cadeira uma sucessora escolhida por ele. Com base em uma pesquisa
realizada em 2008, Curvello elenca os quatromodelos de comunicao
mais encontrados no mbito interno dos rgos pblicosfederais (Figura
1). Dentre eles, predomina o modelo informacional, no qual ogoverno
comunica de forma unilateral, sem se interessar em ouvir o
servidor.Segundo o autor, h tambm o modelo de consulta, no qual o
governo aciona oservidor/cidado e espera receber, em troca, o
retorno da informao pararealimentar o ciclo de conversaes. Outros
dois modelos so o de participaoativa, atravs do qual o servidor
ganha papel central na interao entre governo esociedade e, o de
rede de relacionamentos, em que o governo est em interaocom outros
sistemas interdependentes. Tomando como referncia essa classificao
das relaes entre a cpula dogoverno e os servidores, nesta pesquisa,
considera-se o servidor sob o prisma dosmodelos de participao ativa
e de rede de relacionamentos. Desse modo,considera-se que o
servidor parte de uma rede que compe o prprio Estadointernamente,
ao mesmo tempo em que se posiciona entre governo e
sociedade,configurando-se como principal elo entre a rede
intraorganizacional do Estado e asdemais redes externas a ele.9
Instituto Datafolha nov./2010.
37. 36Figura 1: Modelos de Comunicao dos rgos Pblicos
FederaisFonte: Curvello (2008) Tendo em vista as estratgias de
comunicao utilizadas pelo governo federalna histria recente do pas,
percebe-se que, embora a dimenso informacional aindapredomine, a
comunicao com um vis mais participativo tende a ganhar cada vezmais
fora. Ela pode proporcionar as condies necessrias implementao
daproposta dialgica da democracia deliberativa, convergindo
diferentes ideias paraum mesmo espao de discusso, de modo a
subsidiar polticas pblicas sob umprisma coletivo.2.2 Para entender
a Comunicao Pblica Trabalhar a comunicao como elo entre o Estado e
a sociedade requerentender a comunicao pblica na sua perspectiva
conceitual e histrica. Oconceito est ainda em construo, mas as
discusses tericas indicam que elapode ser o caminho mais assertivo
para consolidar a democracia.
38. 37 Tendo em vista que a comunicao pblica comumente
confundida comoutros conceitos, as discusses acerca do tema
evidenciam a preocupao dosestudiosos em deixar evidente o que ela
no . Sendo assim, para melhor entend-la, sero traados os aspectos
que a diferenciam, para posteriormente, analisar oscaminhos
apontados para a definio do conceito. No Brasil, os termos estatal
e pblico eram utilizados como sinnimos. Issoporque, no sculo XX,
ambos definiam os canais de rdio e televiso que recebiamconcesso do
governo para transmitir assuntos de interesse pblico. Embora
aConstituio Federal de 1988, no artigo 223, diferencie os servios
de radiodifusoem sistemas complementares identificados como
privado, pblico ou estatal, esseartigo permanece at hoje sem
regulamentao. Diante disso, os campos deatuao de cada um dos
sistemas, que lhes confeririam as necessrias eesclarecedoras
especificidades, no foram definidos. Argumenta-se, entre
outrosaspectos, que separar o pblico do estatal sugere que o
estatal no seja pblico.Tambm questionada a existncia de um sistema
privado de radiodifuso, tendoem vista que as emissoras privadas
exploram comercialmente um servio que pblico, pois o utilizam por
meio de concesso pblica. Ao longo dos anos, a noo de comunicao
pblica foi bastante ampliadaem relao ideia de mdia pblica,
financiada e gerida pelo Estado, mas aproxima-se, no entanto, do
que entendido como comunicao governamental, institucionale poltica.
Diferenci-la tambm desses conceitos fundamental para sustentar
seupotencial dialgico, conforme explicado a seguir. Matos (2009b)
entende comunicao governamental como aquela voltadapara campanhas
que visam alterar comportamentos e mentalidades, convocar oscidados
para o cumprimento de deveres ou melhorar a imagem pblica do
governo,construindo um quadro compartilhado de sentidos. Assim, na
viso da autora, elapode at promover o debate pblico, mas no promove
o dilogo entre Estado esociedade. O dilogo na busca coletiva pelo
entendimento seria ento o principal pontodiferenciador da comunicao
pblica, em relao comunicao governamental,na medida em que a
comunicao pblica exige a participao da sociedade e seussegmentos.
No apenas como receptores da comunicao do governo e de seuspoderes,
mas tambm como produtores ativos do processo, explica Matos
(2009b,p. 6).
39. 38 Tambm importante perceber que, embora ambas deem
visibilidade aopapel das instituies pblicas, promovam os servios
oferecidos, contribuam para aprojeo e consolidao da identidade e da
imagem, prestem contas sociedadedas aes do governo e estimulem a
participao, os objetos de estudo sodistintos. A comunicao pblica
diz respeito ao Estado,10 ao passo que acomunicao governamental
direcionada ao governo, portanto, vinculada aperodos de mandato e,
conseqentemente, de carter mais transitrio. Cabe, ainda,
diferenciar a comunicao poltica em relao comunicaopblica. H entre
elas uma relao bastante controversa que visa desvincular asegunda
da conotao de persuaso e manipulao, associada s estratgias
decomunicao poltica, tais como marketing poltico e publicidade
governamentalfocada em promover o nome e a ao das autoridades
polticas sobretudo duranteseu mandato. As peculiaridades so
esclarecidas por Matos (2009a). Para a autoraa comunicao poltica
baseada em tcnicas de marketing que buscam legitimar emanter o
poder. Por outro lado, h a possibilidade de uma comunicao
pblica,que envolveria o cidado de maneira diversa, participativa,
estabelecendo um fluxode relaes comunicativas entre o Estado e a
sociedade. (MATOS, 2009a, p. 102). Por fim, Zmor (1995) chama a
ateno para a distino entre a comunicaopblica e a comunicao
institucional, destacando que a pblica inclui a institucional,e vai
alm, tornando as instituies conhecidas inclusive a elas mesmas,
primandopela transparncia, e tambm destacando o cidado como
codecisor e coprodutordos servios. O foco central, portanto, sai da
propaganda e da relao de emisso erecepo para centrar-se no
relacionamento entre cidado e Estado. Estar emrelao implica a
emergncia de uma superfcie comum de troca, ou uma zona deencontro
de percepes dos emissores e receptores. (DUARTE, 2003, p. 46). Com
base nas delimitaes apresentadas, possvel afirmar que acomunicao
pblica no comunicao institucional, governamental ou poltica,embora
possua elementos que caracterizem tais modalidades. As
diferenciaesdestacadas possibilitam avanar na identificao da
comunicao pblica comopossibilidade de comunicao democrtica e
promotora da cidadania, que buscano s tornar o Estado mais visvel,
como tambm estreitar relaes para promovero interesse geral.10 Na
perspectiva weberiana, o Estado mais que um governo. Configura-se
como um sistema contnuo de administrao, leis, burocracia e
coero.
40. 39 Os estudos atuais parecem convergir para o entendimento
de que acomunicao pblica no definida conforme a origem das
informaes, isto , deacordo com a instituio interlocutora, mas pela
natureza da mensagem. Nessaperspectiva, o que em primeira instncia
caracteriza a comunicao pblica suacapacidade de possibilitar o
debate em torno de questes de interesse pblico,entendido como a
expresso dos direitos individuais, vista sob um prisma
coletivo.Assim, ela estabelece dilogo que possibilita um
atendimento mais preciso acercade demandas especficas e, de acordo
com Monteiro (2007), pode ser praticada pororganizaes no
governamentais e at mesmo por empresas privadas, por meio deaes que
promovam a cidadania. O ganho social diante dessa abertura do
conceito para outras esferas, almda poltica, parece inquestionvel,
sobretudo quando se considera a crescenteconvergncia evidenciada
nas parcerias pblico-privadas. Por outro lado, requercuidados na
delimitao do conceito e na definio das prticas de comunicao
quequerem ser democratizadoras, principalmente por divergirem das
estratgias decomunicao associadas ao marketing de produtos. Zmor
(1995) entende que acomunicao pblica parte essencial da prestao do
servio oferecido peloEstado, da a fundamental importncia que ela
seja baseada em uma lgicadiferente da utilizada pelo mercado. (...)
os servios pblicos oferecidos ao usurio pblico no podem ser
reduzidos a um produto descrito em um catlogo ou exposto em uma
vitrine. Os casos apresentados em uma administrao pblica demandam
um tratamento personalizado. O servio deve ser ajustado, a aplicao
das regras adaptadas ao interlocutor, os procedimentos corrigidos
em seus detalhes. (ZMOR, 1995, p. 3). Na viso de Jorge Duarte
(2007), a comunicao pblica ocupa-se daviabilizao do direito social
coletivo e individual ao dilogo, informao e expresso. Para que essa
perspectiva de comunicao pblica como peacontributiva de estratgias
democratizadoras no seja banalizada, o autor alerta: Comunicao
pblica, ento, deve ser compreendida com o sentido mais amplo do que
dar informao. Deve incluir a possibilidade de o cidado ter pleno
conhecimento da informao que lhe diz respeito, inclusive aquela que
no busca por no saber que existe, possibilidade de expressar suas
posies com a certeza de que ser ouvido com interesse e a
perspectiva de participar ativamente, de obter orientao, educao e
dilogo. Na prtica, isso inclui o estmulo a ser protagonista naquilo
que lhe diz respeito, ter conhecimento de seus direitos, a orientao
e o atendimento
41. 40 adequado, passando pelo direito a saber como so gastos
os recursos pblicos, o motivo e o voto de um parlamentar, at a
possibilidade de ter participao efetiva nas decises sobre aquilo
que de interesse pblico. A viabilizao da comunicao exige informao,
mas tambm credibilidade dos interlocutores, meios e instrumentos
adequados, valorizao do conhecimento dos sujeitos, facilidade de
acesso e uma pedagogia voltada para quem possui mais dificuldades.
(DUARTE, Jorge, 2007, p. 64). Considerando-se tais perspectivas,
entende-se que a questo central passapela participao e abertura ao
dilogo com o cidado. Aspectos como adaptao sdemandas e perfil do
interlocutor, e abertura dos processos decisrios so centraispara a
compreenso dessa nova ordem interativa. Demonstradas as principais
questes sobre a conceituao e levando emconta o objeto em estudo,
neste trabalho, comunicao pblica abordada como(...) processo de
comunicao instaurado em uma esfera pblica que englobeEstado,
governo e sociedade, alm de um espao para debate, a negociao e
atomada de decises relativas vida pblica do pas. (MATOS, 2006, p.
6). Partir de tal definio significa optar por trabalhar a comunicao
pblicatambm sob um vis sociolgico, que reconhea a importncia do
patrimniosimblico, das relaes e do contexto para o processo
comunicativo e participativo. A proposta reenquadrar a busca de
visibilidade na proposta de comunicaopblica sob o ngulo da prestao
de contas, deixando para pocas passadas acomunicao centrada em
promover personalidades polticas e seus feitos. Essanova concepo de
visibilid