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02 Revista de bolsa cultura DEZEMBRO 2008 Paral ela

Paralela - Revista de Bolsa - Edição II

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A Revista Paralela foi desenvolvida como trabalho de conclusão de curso pelas alunas Natalia Barrenha, Maria Emanuela Alves e Natália Tamaio - as quais se graduaram em 2008 no curso de Jornalismo da UNESP/Bauru -, e orientada pelo Prof. Dr. Mauro Ventura. Premiada no XVI Expocom Sudeste, a Paralela traz um novo estilo de jornalismo voltado ao público feminino, com temas que giram em torno de cultura e comportamento. Originalmente uma revista impressa, ela é dividida em duas partes, as quais são justapostas em sentido contrário. Porém, para sua leitura aqui no computador, ela foi "invertida em sentido normal". Dessa maneira, comece apreciando-a a partir da última página. Esta é a segunda edição da revista. Divirta-se!

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Revista de bolsa

cultura

DEZEMBRO

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Douglas Kirkland/www.flickr.com

Parale la

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ParalelaA revista de bolsa de dezembro de 2008 n0 02

Pode entrar!

Chimamanda Ngozi Adichie

Sai da frente dessa TV!

Sofia (a Coppola)

Para os olhos e o coração

Flip X Bienal

Meninas poderosas

Conta um conto 40

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Natalia Barrenha

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A Revista Paralela é uma produção realizada como Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação do Prof. Dr. Mauro Ventura, na FAAC - Faculdade de Ar-

quitetura, Artes e Comunicação / UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

Impressão: Gráfica DPI2008

Capa: Ana Laura Perez

Equipe

Colaboradores

Thiago Siqu e ira Vena nzoni, 21

Thiago é estudante de jornalismo, namorado paciente e cineasta em potencial. Gosta, e entende, de música e literatura. Como bom menino que é, sabe apreciar os prazeres da boa mesa, adora discutir futebol e dorme como ningué[email protected]

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Mariana Mandelli, 22

Mariana é jornalista recém-formadapela Unesp. Como boa nerd, acabou colhendo os frutos de anos de estudo e hoje é foca no Estadão, colaboradoraem um site de cultura pop e vai a quase todos os shows de música mais bacanas que acontecem na [email protected]

Tatiana Koschelny, 23

Alegria de viver com um certo exagero irritante,Tati tem, paradoxalmente, um lado nostálgico, de uma “tristeza bonita”.

Adoradora das pequenas coisas da vida, ela até hoje é pequena, tanto na estatura, quanto nas brincadeiras de “melar a amiga

com o doce”. Adora cantar e reunir amigos sem [email protected]

ParalelaManu é jornalista e gosta das artes, principalmente música e ci-nema. Admira o trabalho de Beck, Strokes, Radiohead, Tarantino, Richard Kelly, Gondry e Kaufman, mas como feminista – no bom sentido – prefere Cat Power, indo aos dois shows dela em 2007,

e Sofia Coppola, cineasta de quem ela revê todos os filmes, quase sempre, nos seus dvds originais.

[email protected]

Natália é uma menina-mulher, daquelas que surpreendem a gente a todo instante. Ela pode rir como uma criança no momento mais ines-

perado ou cometer a travessura de comer uma panela de brigadeiro em um domingo à tarde. Mas ela também é daquelas mulheres decidi-

das, que sabem e vão atrás do que querem. E são essas duas faces que compõem a jornalista, que tem a garra necessária para ir atrás da

notícia e a sensibilidade de um poeta para escrevê-la.. [email protected]

Apaixonada por cinema e literatura, candidata à crítica e man-teiga derretida que chora por toda e qualquer coisa. Avessa

aos haicais e ao Antonioni, amante da nouvelle vague e de Cor-tázar, sonha passar muitas temporadas em Cannes, aprender

francês e escrever (publicar também!) um [email protected]

Maria Emanuela Vasques Alves, 24

Natalia Christofoletti Barrenha, 22

Natália Tamaio de Almeida, 21,

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Eu canto porque o momento existe e a minha alma está completa.

Não sou alegre nem sou triste: Sou poeta.Cecília Meireles

Eu canto porque você existe,E aqui te entrego a minha vida de poeta:

Que é sempre alegre (às vezes triste; ora incompleta).

Raul nobre Martins

Parodiar, parafrasear, transformar versos, palavras e histórias... em universos paralelos. Trazer a você, leitora, o mundo lá fora mais pra perto, o mundo aí dentro mais pra perto. Comparar, conferir, confrontar causos e contos. Identificar emoções,

sensações e sentimentos. Chegar até você, mostrar que nada é inatingível, fazer conhecer, fazer saber, tornar conhecido. Mostrar como faz, como é, como escreve,

como ilustra, como moderniza, como produz, como lê, como ouve, como fala, como se comporta, como acompanha, como conta, como acontece, como veste, como usa. Pro-var que é igual, provar que é diferente, provar que é ambíguo e deixar a dialética

realidade tomar conta das páginas da vida. Ficar com o que interessa, descartar o que não interessa, ficar com o conteúdo, ficar com o visual,

aproveitar-se do completo, provar dos dois lados. Chegar até você, chegar até ela, chegar de você pra ela, dela pra você, de uma pra outra, delas pra elas, de nós pra

você. Fazer DUAS Paralelas incrivelmente cruzarem-se no infinito.

Natália Tamaio

Enim

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Cevo

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também em Estudos Africanos, na Yale. “Pensei que era tempo de finalmente estudar a África”, ela declarou, complementando: “Tenho certeza de que vai aperfeiçoar minha escrita. Eu queria estudar a África formalmente, ler coisas que eu nunca leria sozinha, encontrar respostas que eu nunca encontraria sozinha. Quero participar da comu-nidade de pessoas chamadas africanistas, termo que eu adoro”. E disse que quer dividir seu tempo eventualmente entre a Nigéria e os Estados Unidos, onde ela está apren-dendo aos poucos a se sentir em casa. “Quando cheguei aqui, estava apavorada. As pessoas comem enquanto an-dam na rua. Meus professores iam sentar no gramado com seus alunos e comiam um sanduíche. Você jamais veria isso na Nigéria”, disse.

Felizmente – A vida de Chimamanda é feita de estu-dos, leituras e escrita. “Infelizmente sim. Freqüentemente as pessoas me perguntam se eu faço mais alguma coi-sa, e eu penso: ‘porque eu deveria fazer mais alguma coisa?’”. Então porque infelizmente? “Eu digo isso brin-cando... Às vezes, por exemplo, eu gostaria de tocar

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Nas fotos que via pela Internet, ela parecia tímida e pequena. Quando a vi pessoal-mente, percebi que Chimamanda Ngozi Adi-

chie era “ilogicamente bonita”, como sua personagem Olanna. “Thank you”, ela me respondeu com seu so-taque britânico amanteigado, ao receber meu elogio sobre sua elegante beleza. Chimamanda, cujo nome significa “meu deus nunca vai falhar”, diz que não se preocupa com o com-prometido significado de seu nome, nem com o papel que costumam dar aos escritores e artistas provenientes de países com graves problemas, como o seu – a Nigéria (onde o inglês é a língua oficial). “Os meus professores estavam ávidos em trazer dignidade ao povo, e a minha geração veio com esse legado. Assim, em minha geração é possível uma multiplicidade, diferente de antes, quando havia a ditadura e o colonialismo. Eu não sei se o autor tem um papel, mas eu acho que o autor tem que escrever, e escrever o que quer; não tem que haver a obrigação de uma denúncia”. Ela também comenta que acha interessante quando se fala de literatura – por parecer uma coisa tão grande e inalcançável, e não é. “Para mim, a literatura é contar uma história. Eu venho de uma cultura que não tinha a tradição de escrever a própria história até pouco tempo atrás, uns oito anos. Antes disso, era só literatura oral. Então eu me vejo como uma contadora. Eu amo con-tar e ouvir histórias; eu acho que elas trazem sentido à vida. O que eu quero é contar histórias da melhor ma-neira possível”. E Chimamanda as conta muito bem. Seus dois livros foram sucesso de público e de crítica ao redor do mundo. Após escrever alguns contos e publicar um pequeno livro de poesias na adolescência – que ela diz ser horrível, com uma poesia muito ruim -, a escritora lan-

çou o tímido, mas premiado, Purple Hibiscus (que ainda não tem tradução para o português) em 2003, aos 26 anos. Entretanto, o estouro da moça se deu com o nada tímido e ainda mais bem premiado e elogiado Meio Sol Amarelo (Half of a Yellow Sun), de 2006. A África dos outros – Ela somente mostra a África que conhece. Como já dito, a divulgação política e o pro-testo perdem para os aspectos humanos na obra de Chimamanda. “A África que eu conheço é uma África classe média. Eu cresci filha de um professor, num cam-pus universitário, e para mim é importante contar essa história. Porque a gente só ouve falar de quem morre de fome, tem AIDS ou luta em guerras na África. Você já leu sobre a África?”, ela pergunta. “Quando eu faço essa pergunta, as pessoas dizem que sim, mas histórias escritas por quem? São sempre pelos europeus. E o fato de nossas histórias serem contadas tanto, mas só por estrangeiros, é algo que precisa mudar”. Chimamanda demonstra essa vontade com grande deleite em Meio Sol Amarelo, quando o inglês Richard desiste definitivamente de escrever sobre a cultura e os fatos africanos, tarefa tomada pelo nativo Ugwu.

Doutora - A quinta de seis filhos, Adichie cresceu em Nsukka (distante 450 quilômetros de Lagos, a cidade mais importante da Nigéria, e 250 quilômetros da capital do país, Abuja), uma cidade universitária, onde sua mãe exer-cia um cargo administrativo e seu pai lecionava Estatística. A família vivia numa casa anteriormente ocupada pelo grande novelista nigeriano Chinua Achebe, cujo trabalho ela começou a ler quando tinha apenas dez anos. “Foi a ficção de Achebe que me fez perceber que minha própria história poderia estar em um livro”, ela disse. “Quando comecei a escrever, escrevia histórias sobre Enid Blyton,

Beleza e be licismo

O amor nos tempos do cóleraA beldade nigeriana que com pouco mais de 30

anos e apenas dois livros conquista público e crítica com sua literatura

Texto: Natalia Barrenha Fotos: Isaac Pipano

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embora nunca tivesse ido à Inglaterra. Não pensava que fosse possível para pessoas como eu aparecer em livros”. Por Meio Sol Amarelo, Adichie recebeu uma sinopse de Chinua Achebe, que se entusiasmou com ela em termos que ainda a fazem corar: “Nós não associamos usual-mente sapiência com iniciantes, mas aqui está uma nova autora agraciada com o dom dos antigos contadores de histórias… Adichie veio praticamente pronta”. Embora ela escreva praticamente desde quan-do é capaz de se lembrar, Chimamanda começou a estu-dar Medicina porque, como explicou, “se é bom aluno na Nigéria, todos esperam que se torne um doutor”. Principal-mente para se afastar dos seus estudos de Medicina, a au-tora se mudou para os Estados Unidos em 1997 - primeiro para a Filadélfia e depois para Connecticut, onde sua irmã estava morando. Enquanto estudava na Universidade Estadual do Leste de Connecticut, em Willimantic, ela es-creveu Purple Hibiscus, sua primeira novela. Após terminar Meio Sol Amarelo, a autora en-trou num programa de mestrado em Estudos Africanos na Yale, já concluído. Atualmente, ela está se doutorando –

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violão, esquiar ou andar de caiaque, entre outras coisas que são ótimas, mas para quem se interessa nelas. Mas infelizmente eu só consigo me interessar por livros!”. Ela ri e completa dizendo que cada dia que acorda pensa em quanta coisa há no mundo que ela ainda não sabe. Além dos livros, Adichie se dedica a peque-nas histórias para publicações periódicas como Zoe-trope All-Story e The Iowa Review, entre outras. Ela co-menta que os contos são, para ela, como um refúgio, e fala que por vezes também escreve longos ensaios. E atualmente, o que faz Chimamanda além de estar constantemente entre livros? “Não posso con-tar...”, diz ela.

Amor, repressão, pimentas e flores - Purple Hibiscus é uma história convencional sobre o despertar sexual e mo-ral de uma adolescente tímida e estudiosa, focado através de duas lentes não usuais. Em primeiro plano, algumas vezes dominando a história da maneira como ele domina sua família, está o pai do narrador. Ele é dono de uma fábrica, publicador de um jornal e um herói público, mas também um tirano privado, um convertido ao catolicismo romano tão fanático que tortura seus filhos pelas menores transgressões. Em segundo plano está sempre presente um tumulto político e a incerteza, uma permanente atmos-fera de opressão que a autora afirma ser componente do regime de Babangida do fim dos anos 80 e a ditadura Abacha dos anos 90. Chimamanda descreve o livro como uma história sobre a promessa de liberdade, sobre as linhas esfuma-çadas entre a infância e a idade adulta, entre o amor e o ódio, entre os deuses velhos e novos. A obra foi nomeada para o prêmio Orange (2004), e em 2005 ganhou o prê-mio Commonwealth para escritores, na categoria Melhor Primeiro Livro. Além das tensões entre passado e presente, o papel da mulher na sociedade nigeriana é explorado de maneira constante no livro. Kambili, a protagonista, é colocada por Chimamanda em um ambiente de patriarca-lismo, fundamentalismo religioso e resistência feminina, si-lenciosa e eficiente, na Nigéria infestada pela repressão. A idéia da história veio de um insight enquanto Chimamanda cozinhava arroz jollof e sopa de pimenta na casa de sua irmã, em Connecticut, e percebeu que suas roupas tinham um cheiro apimentado. Meses depois, du-rante uma viagem a Londres, ao ver um casal cercado de felicidades tirando fotos, a escritora começou a pensar e a escrever sobre o casamento e os relacionamentos na Ni-géria, principalmente sobre a desventura de não se poder

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viver com quem se ama por não se ter a aprovação da sociedade. Depois de poucas semanas, ela já tinha um ras-cunho do livro.

Bandeira branca - Qualquer um que tenha crescido no fim dos anos 60 vai se lembrar de ter sido persuadido a terminar seu jantar com o lembrete carregado de culpa de que “há crianças morrendo de fome na África”. Essas crian-ças eram ibos, cidadãos da nação de independência curta da Biafra, que se separou da Nigéria em 1967 durante uma sangrenta guerra civil. Nos três anos seguintes, mais de um milhão de civis morreram, em sua maioria de fome. A Guerra da Biafra (também conhecida como Guerra Civil Nigeriana) foi um dos primeiros conflitos a passar na tele-visão, e as imagens de crianças de olhos profundos e bar-rigões dilatados chocaram os habitantes do Ocidente. Nascida sete anos após o fim do conflito, Chi-mamanda cresceu sob as conseqüências da guerra. Para ela, cujos pais perderam tudo durante o episódio, todas as coisas eram qualificadas com um “antes e depois” do con-flito. “Este é um livro que eu tinha que escrever porque é a minha maneira de enxergar essa história que me define. Escrevê-lo levou quatro anos, mas estive pensando sobre ele durante toda a minha vida”. O que a escritora espera com esse livro é que ele seja lido, e discutido – falar da Guerra da Biafra ainda é tabu na Nigéria -, principalmente pela geração que não vivenciou o conflito. Porém, sua principal intenção não é descrever só os horrores da guerra, mas lembrar como a humanidade das pessoas sobrevive num período de priva-ções como esse – as misérias, os egoísmos e as grandezas humanas estão muito presentes. A narrativa, toda passada em interiores domésticos (cozinhas e salas de estar), reflete de forma sutil o terror que atravessou o país. “Para mim, não interessa a parte sensacionalista da guerra, mas como as pessoas vivem durante a guerra. É ver que um general por dentro é um menino assustado, ver como vive o povo, como as mães criam os filhos, como vão as pessoas por dentro”, diz ela. A obra, cujo título faz alusão à bandeira da Biafra, recebeu o prêmio Orange de ficção e o National Book Cri-tics Circle Award, e vendeu mais de 800 mil cópias. Ambiciosa, a novela começa um pouco antes da guerra, em um otimismo que contrasta com a tormenta que está por vir. Três personagens de realidades distintas con-duzem a história: a voluptuosa Olanna nasceu em berço de ouro, mas nega-se a morar com a família e vai para a pequena cidade de Nsukka para viver sua paixão com Odenigbo, um professor de matemática cheio de idéias revolucionárias; o jornalista britânico Richard Churchill,

namorado da irmã gêmea de Olanna, Kainene, empe-nhado em escrever um livro sobre a Nigéria; e Ugwu, jo-vem simples que trabalha para Odenigbo. “Numa guerra, qualquer guerra, não existe um ponto de vista singular. Sempre haverá múltiplas histórias. Todas igualmente im-portantes e reveladoras”, diz Chimamanda. São as reve-lações dessas três pessoas que pontuam o livro. “Mesmo no meio de tantos conflitos, os três tentam conduzir sua vida da melhor maneira: riem, choram, se apaixonam, fazem sexo, cozinham e fazem coisas boas e horríveis uns com os outros”, afirma. Adichie não viveu a guerra, e pesquisou muito sobre o assunto para escrever o livro. “Eu não aprecio a parte de pesquisa da escrita, mas passei dois anos pesqui-sando sobre o assunto. A Biafra ainda é muito controversa. Não queria escrever um livro que pudesse ser facilmente dispensado por não contar os eventos históricos correta-mente. Mas também não queria escrever algo enfadonho”, confessa. Sua fonte principal foi o pai, além de outras pes-soas que haviam vivenciado o conflito. “Eu tinha uma curiosi-dade enorme sobre a guerra. Como não encontrava tudo o que queria nos livros, perguntava às pessoas sobre esse período – até que um dia meu pai teve que pedir para que eu não incomodasse mais as visitas com esse assunto. Eu que-ria detalhes da vida particular das pessoas, os sentimentos. Eu me interessava por pequenas histórias de humanidade”. Lembrando o feminismo presente em seu primeiro livro, Chimamanda também é uma espécie de feminista que gosta de escrever sobre sexo. Meio Sol Amarelo é repleto de cenas passionais entre Odenigbo e Olanna, que vão para a cama com a mesma freqüência com que debatem política. “Eu quis escrever sobre sexo do modo como escrevo sobre a guerra”, disse Adichie. “Para olhar na sua face e não usar uma linguagem vaga. Acho que é real no senso que, enquanto as bombas estão caindo, as pessoas estão amando. As pessoas seguem com a vida. A meta era humanizar meus personagens. Que-ria que o leitor lembrasse que estas pessoas tinham vidas inteiras antes da guerra”. Apesar de arrojada, a autora ainda inquieta-se com a forma como seu pai vai receber as cenas de sexo explícito da novela. Ela também conta outro episódio sobre seu fe-minismo: “Eu me lembro de que quando estava crescendo ter escutado pessoas dizerem que eu era bonita, mas sem-pre preferi quando diziam que eu era esperta. Sempre digo que muito antes de saber o que significava feminismo, eu já era ferozmente feminista… É claro que ouvir que sou bonita também tem significado. Sempre digo que sou o tipo de feminista que gosta de passar batom”. II

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Série-maníacos Na página de relacionamentos do Orkut eles são mais de 10.000. Eles também estão espalhados pelos mais diversos blogs, fotologs e fóruns de sites oficiais sobre os enlatados americanos mais famosos do momento. E essas são apenas as maneiras virtuais que eles encontram pra expressar seu maior vício: os seriados. Para se ter noção da tamanha adoração que as séries atuais (e antigas também) provocam em seus fãs, é preciso também contar o tempo que eles dedicam a elas quando não estão em frente ao computador, mas sim com o olhar fixo na tela da TV. Os próprios “viciados em séries” muitas vezes não sabem se autodefinir ou mesmo explicar o sentimento com relação ao enredo adorado. Eles sabem reconhecer o vício, como é o caso do desenvolvedor de webs Luiz Fernando Saccani, 23; porém, não sabem explicar ao certo como surge e se obedece a uma regra lógica. “Me considero viciado em seriados, mas na verdade não de tudo e não sigo gêneros. Assisto a um episódio: se me despertou interesse, pronto, já viciei”, conta Luiz Fernando, aos risos. A jornalista Thais Nucci, 24, está no mesmo time de indecisos quanto às séries. “Na adolescência, assistia bastante, e várias ao mesmo tempo”, afirma ela. A publicitária Ana Carolina Simonetti, 31, já prefere ser mais precavida. “Acho que ser considerada viciada em séries é demais (risos), pois são só algumas que me prendem a atenção”, corrige. Como “combustível” para o vício, os telespectadores têm a renovação das séries. E a maioria deles confessa que ela, de fato, acontece. “Hoje sou viciado em Heroes; estou aguardando a terceira temporada fervorosamente”, exagera Luiz Fernando. “Se for contar todas em que fui viciado, incluindo as que já acabaram, aí nossa...”, ri o jovem, concluindo que a lista ficaria enorme. O estudante de medicina Rafael da Costa Monsanto, 21, segue a mesma linha, com “vícios” novos e antigos. “Hoje vejo 30 Rock, House, Friends, mas costumava acompanhar 3rd Rock from the Sun”, conta ele. Já Thais tem uma lista ainda mais extensa, e foi um caso à

parte ao responder essa pergunta durante a entrevista, demonstrando muita empolgação (característica comum dos fãs quando falam de suas séries preferidas). “Assistia Friends

Natália Tamaio

(perdi a última temporada porque estava no cursinho, infelizmente), Charmed, Dawson’s Creek... Em 2001, 2002, talvez um pouco antes... como chamava aquela da menina? Eu vi só as primeiras temporadas, assistia bastante, mas quando ela ainda era criança. Depois parei de ver...ah, Gilmore Girls, era a Rory! Ah, That 70s Show também! Nossa... Eu via! Anos Incríveis acho que assisti a todos. Hoje assisto, quando posso, Heroes, Desperate Housewives, Simpsons, e Lost não perco um. Também acompanhei séries brasileiras no ano passado, assisti tudo de Donas de Casas Desesperadas [adaptação de Desperate Housewives]. Acho que fui a única pessoa! Mas a série acabou!”, conta ela em descrição animada. Ana Carolina Simonetti faz mais o perfil “quase ex-viciada”. “Uma que marcou muito minha adolescência foi Anos Incríveis, não perdia um capítulo, me identificava com os personagens e as situações vividas por eles. Aliás, tenho até hoje o último capítulo salvo no meu micro. Outras séries que assisti bastante (quando tinha TV a cabo) foram Dawson’s Creek e Friends. Hoje, só gosto de Eu, a Patroa e as Crianças”, finaliza ela. Outro aspecto meio sem explicação para esses aficcionados – assim como é natural das paixões – é o porquê da adoração pelas histórias e roteiros, feitos por produtores norte-americanos e exibidos semanalmente, preferencialmente em canais da TV paga. Luiz Fernando despertou seu interesse pelos seriados ao assistir ao drama-teen Dawson’s Creek (que no Brasil chegou a ser exibido na TV aberta pela Globo) e o explica

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através da identificação com a história. “Começou quando eu vi pela primeira vez a série, lembro até hoje, era um dos primeiros episódios da segunda temporada, quando a Joey [uma das personagens-principais] brigava e terminava com o Dawson [personagem-título], algo muito parecido com o que tinha acontecido comigo, me identifiquei e não deixei mais de assistir”, lembra ele, que tinha 14 anos na época. Já Rafael teve um motivo diferente para “apaixonar-se”. “Com House, foi algo que eu comecei a ouvir: um seriado com temática médica, e procurei saber como era. Me interessei pelo fato de ter relação com o que eu pretendo fazer quando terminar meu curso. Fui assistir para saber como era e gostei tanto da dinâmica dos episódios que passei a acompanhar religiosamente”, afirma Rafael. De acordo com Thais, a razão de todo vício está nas histórias criadas pelos escritores. “Os seriados, quando têm um bom roteiro, são meio que ‘viciantes’. Você quer saber o que vai acontecer com cada personagem, com quem cada um vai ficar, é meio como a novela dos brasileiros. Em Friends, por exemplo, apesar de cada episódio ter um ‘tema’, algumas tramas se perpetuavam, como por exemplo o namoro da Mônica e do Chandler [dois dos seis amigos que compõem a trama central da série]. Isso torna o seriado interessante”, argumenta ela. Para Ana Carolina, além das possíveis razões apresentadas, a TV aberta contribui para que cada vez mais pessoas

busquem os seriados em canais fechados. “Falta de opção faz com que as séries se tornem uma boa alternativa”, garante a publicitária. Apesar de muitas dessas séries serem propagadas entre os amigos, que difundem seu mais novo vício, Luiz Fernando garante não ter recebido influência em seu gosto. “Eu estava passando os canais, começava a assistir e pronto. Não conheci nenhuma [série] através de outras pessoas, sempre fui assistir por curiosidade e gostei ou não”, conta o desenvolvedor de web. Por sua vez, Thais conta que conheceu o mundo dos seriados com sua irmã, fã assumida dos enlatados norte-americanos. “Ela assistia bastante. Ela que ‘me apresentou’ aos seriados. Mas, depois, fiquei mais viciada que ela, principalmente em Friends e Dawson’s Creek”, assume a jornalista. Rafael também foi vítima da rede que o ligava a viciados em Friends. “Por indicação de amigos, aluguei alguns episódios para assistir e acabei comprando boxes com todas as temporadas, até o final”, confessa o estudante de Medicina. O tempo que cada um “perde” dedicando-se ao “vício” varia de hábito para hábito (e de tempo livre para tempo livre também). Para tanto, Rafael já aliou atividades cotidianas à vontade de assistir suas histórias preferidas. “House é o que me toma mais tempo, porque assisto a dois episódios diários, no mínimo. Estou fazendo inclusive um trabalho científico na faculdade sobre o seriado, cujo titulo é Aprendendo

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Ética Médica com o Dr. House”, conta ele. Thais já não gosta de “perder tempo” com suas séries, e ela explica porquê: “Quando o canal reprisava um episódio na semana, era uma tortura”, fala ela como viciada assumida. “Eu assistia por volta de uma a duas horas por noite, naquela época, entre 1995 e 2001. Eu lia notícias sobre os seriados na Set [revista de cinema] e na Internet”, afirma. Por se tratarem de histórias vividas em território estrangeiro – principalmente o norte-americano – apesar dos enredos universais, os fãs desses seriados acreditam estar diante de objetos difusores da cultura daquele país. Rafael, que fez a entrevista no cenário onde se passam os episódios de suas séries favoritas (ele reside atualmente nos Estados Unidos) acha que, apesar dessa propagação da cultura norte-americana, ela não é apresentada como foco central de cada capítulo. “Friends é o maior exemplo disso, pois mostra a vida de pessoas que vivem aqui, mas acredito que o retrato da cultura e do povo em geral fica em segundo plano”, defende o estudante. Thais também não acredita que o impacto dessa difusão seja muito grande. “Os seriados, bem ou não, limitam-se a uma classe social, ou seja, nem todos no Brasil tem acesso a eles, além de não refletirem a vida dos brasileiros”, argumenta a comunicadora. Numa comparação com as novelas brasileiras, Ana Carolina conta que, apesar de assisti-

las, elas não despertaram na publicitária o mesmo “vício”, porém entende o fato da população brasileira ter esse apego com os enredos criados em nosso país. “Acho que em termos de qualidade as novelas se equiparam às séries, isso dependendo da emissora. Na minha opinião, o que difere as séries das novelas é que nas séries cada capítulo é uma história diferente, o que já não acontece com as novelas”. Thais tem visão similar. “Não acompanho novela. Só vejo no final mesmo. Os seriados americanos são ótimos, assim como a qualidade das novelas brasileiras. É uma questão cultural - lá, eles assistem seriados. Aqui, as pessoas assistem novela”. Rafael relata um pouco o impacto dos seriados em seu país de origem: “Aqui, pelo que eu percebo, os seriados têm um impacto muito maior do que as novelas têm no Brasil. Os participantes desses seriados são tratados em geral como superstars. Essas séries têm a capacidade de tirar um ator do anonimato e transformá-lo no maior hype, no mundo inteiro. Veja, por exemplo, o que aconteceu com a Cyrus [atriz e cantora Miley Cyrus], da série Hannah Montanna. Ela começou do nada, com um simples seriado. Hoje é febre no mundo todo. A programação norte americana é composta, basicamente, de notícias, filmes e seriados. Tem um seriado aqui que está super na moda, o Gossip Girl. Toda conversa de adolescentes por aqui passa alguma vez pelo que acontece nesse seriado”, conta ele. Pelo visto, vício em seriado é vício... em qualquer canto do mundo. II

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O mundo [indie] de Sofia

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A independência e liberdade criativa de Sofia Coppola

retratadas em sua obraThiago Venanzoni

Em um quarto de hotel, após a morte acidental de uma fã abruptamente atropelada por um carro, a famosa atriz de teatro Myrtle Gordon põe à prova a condição atual da sua vida para um confidente, o também ator, mas inferior em importância, Maurice Aarons, que não compreende seus lamentos. Ela discute o que em sua vida realmente importa, pois se encontra nitidamente insatisfeita com sua carreira e com seu instante. Um dilema existencial acompanhado por uma crise etária e uma rejeição de si mesma. Essa é uma das cenas do belíssimo filme Opening Night (Noite de Estréia), de John Cassavetes, no qual Gena Rowlands interpreta com maestria a atriz Myrtle Gordon, uma mulher em busca da sua própria liberdade. Aliás, esta é uma ambição permanente dos personagens de Cassavetes: a não-satisfação e a fuga constante para um mundo ora onírico - como nesse filme com as alucinações obsessivas que Myrtle atravessa com a jovem morta -, ora realista - com a dona-de-casa Mabel, que por um momento abandona sua inóspita casa em busca de liberdade em um bar, no filme Uma Mulher Sobre Influência.

Fotos: www.flickr.com

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13, Cecile, 14, Lux, 15, Bonnie, 16, Mary, e 17, Therese são as criaturas mais lindas, descreve uma voz em

off. Em Virgens Suicidas, o primeiro trabalho de Sofia Coppola, as irmãs Lisbon são reprimidas por uma mãe conservadora e um pai excêntrico, professor de matemática, que sucumbe aos anseios religiosos da esposa. Cecile seria a primeira a optar por uma solução mais simples, a morte. As outras irmãs ainda experimentariam o gosto da liberdade, simbolizados no prom e nos soft-rocks. Porém, o destino delas seria o mesmo da irmã mais nova. Dois anos mais tarde, Sofia pratica, ao meu ver, uma autobiografia (não que seus outros filmes também não tenham uma relação com sua vida pessoal). Como viveu alguns anos no Japão, desejou realizar um filme que tivesse as excentricidades de Tóquio como pano de fundo para uma fuga pessoal. Em Lost in Translation (Encontros e Desencontros), ela mostra a fuga de Charlotte, uma garota frustrada e formada em filosofia que convive com pessoas que considera fúteis e que não a amam. Encontra sua liberdade no velho e fracassado ator Bob Harris, que também está numa fuga de sua vida, e por isso aceitou o humilhante trabalho de fazer um comercial no Japão. A liberdade é conhecida e vivenciada pelos dois, porém, não é concluída. Em seu último, Marie Antoinette, sobre a jovem rainha francesa, Sofia Coppola enquadra o desconforto de uma menina que casou por obrigação - com Louis XVI – e vive em um mundo que não a pertence, Versailles. Sucumbe, porém não aceita sua condição e anseia por liberdade. Apaixona-se por outro, participa de festas, orgias, e descobre o que procurava. Mas, como todas as personagens de Sofia, não desfruta plenamente dela e morre aprisionada pelos anti-monarquistas.

Coppola e Cassavetes

As comparações entre o cinema contemporâneo de Sofia Coppola e a obra de John Cassavetes vão mais além do que a busca constante de liberdade das personagens em suas narrativas. Cassavetes é reconhecidamente o pai do cinema independente americano, pertencente ao New American Cinema Group, grupo de jovens cineastas norte-americanos que se formou em 1960, com o

intuito de fugir dos estereótipos, de ter liberdade de criação, enfim, de ser autoral. A formação deste grupo se alastrou pelas décadas do cinema americano com Martin Scorsese, John Sayles, David Lynch e Jim Jarmusch, até encontrar-se com o cinema de Sofia, e com um grupo de cineastas que emergiu no final da década de 1990. Entre os nomes, Wes Anderson, Richard Linklater, Charlie Kaufman, entre outros, traduzem uma parcela do espírito independente do cinema americano. Todos eles, e principalmente Sofia Coppola, produzem obras de cunho autoral, com total liberdade de criação, mas se encontram dentro dos grandes estúdios de Hollywood, não sendo tão anarquistas como alguns de outrora. Em Sofia Coppola o problema é ainda maior com a questão de criação. Ela é filha de um dos maiores cineastas de Los Angeles, tendo assim grande trânsito dentro dos estúdios para produzir seus filmes. Ou seja, seria muito mais cômodo produzir o que a indústria cultural clama, já que nasceu dentro de Hollywood. Porém, Sofia herdou o que de mais importante seu pai – bem como John Cassavetes, Maya Deren, David Lynch, Robert Altman... - deixou em seus filmes: autonomia de criação, e, lógico, criatividade. Primeiro, Francis Ford Coppola afirmou ter, no mínimo, dez anos em que não recebia um roteiro tão bem escrito como o de Virgens Suicídas. Depois, se orgulhou do belo trabalho de Sofia e do pouco orçamento utilizado em Lost in Translation, algo em torno de 2 milhões de dólares – valores irrisórios para Hollywood. Em Marie Antoinette (Maria Antonieta), Francis se encantou com a arte e a qualidade imagética do filme, chamando atenção para a maturidade que Sofia havia alcançado na obra. De fato, Sofia Coppola consegue aprimorar sua identidade em seus três longas. Identidade não só enraizada nas referências pop que surgem à vista – só para citar uma delas, o tênis All Star que se revela entre os muitos sapatos da rainha da França – mas também na qualidade dos planos, enquadramentos, que refletem tanto a liberdade ambicionada por suas personagens, quanto a sua independência no cinema, pois saem da rotina quadrada dos estúdios, tal como fez John Cassavetes com seus dramas realistas e sua câmera em um close sufocante. II

As Virgens Suicidas

Encontros e Desencontros

Maria Antonieta

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Arte

Tesouros Escondidos

Maria Emanuela Alves

arte: Ana Laura Perez

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Como você define seu trabalho? Eu diria que meu trabalho é muito feminino e delicado, o que tento transmitir com as cores, motivos e linhas que uso para fazer os desenhos, mas eu também quero que eles tenham um lado obscuro; é por essa razão que eu escolho desenhar as garotas que faço com uma certa expressão, ou é também porque escolho certos temas para desenhar. O que a inspira?

Muitas coisas. Sonhos, imagens que coleciono, memórias, pessoas, revistas, filmes, músicas, outros artistas.Você possui referências na música, cinema, artes

em geral? Quais são elas?

Sim, eu tenho muitas referências. Sou muito segura das coisas que gosto e eu acredito que todas elas tenham alguma coisa a ver com a outra, mesmo se forem em áreas diferentes. Na música eu amo bandas tradicionais como The Who, The Kinks, Blondie, e, pensando em bandas mais modernas, eu tenho ouvido ao novo cd de Goldfrapp, The Strokes, Cat Power, Blonde Redhead e algumas trilhas sonoras. Eu amo cinema; meus diretores favoritos são Wes Anderson, Eric Rohmer, e meus últimos filmes favoritos são Le rayon Vert, Broken English, La Double vie de Veronique, INteriors, The Beales of Grey Gardens, Le dernier jour and 3 women. Pensando sobre o trabalho de outros artistas eu admiro Camille Vivier, Kiki Smith, Julie Morstad, Aurora Robles, Diana Drake, Jessica Williams and Laura Laine.Como pude perceber você é uma artista

independente, certo? Você acredita que essa

independência permita a você maior liberdade de

criação? Como isso afeta seu trabalho?

Bem, eu devo dizer que eu divido meu trabalho em dois: meu trabalho pessoal, onde eu sinto mais liberdade para experimentar e onde eu não tenho especificações em nada, e, por outro lado, o trabalho que eu recebo para fazer, que mesmo tendo sempre minha essência, terá sempre especificações e detalhes que eu devo incluir e ter em mente quando desenho. Mas às vezes também trabalho com pessoas que me deixam fazer o que quero fazer e eu sou paga por isso também, o que é o melhor de tudo.O que você pensa sobre arte independente? Qual a

contribuição desse tipo de trabalho? Eu acredito que a arte é algo muito independente.

Mesmo que você tenha um gerente do seu trabalho ou faça parte de uma agência, você sempre terá que se mexer e conseguir coisas por e para você mesmo, você não tem sempre que trabalhar, você tem que se movimentar para conseguir clientes e conseguir inspiração, e a maioria das coisas depende de você.Quais são as características que definem a

feminilidade em seu trabalho?

Eu acredito que todos os detalhes e as linhas finas que uso são o que tornam meus desenhos delicados e femininos, e também porque na maior parte das vezes eles estão relacionados à moda.Você está trabalhando em algum projeto novo?

Eu tenho muitos projetos, estou sempre pensando em coisas novas para criar, novos desenhos, maneiras de fazê-los, o que fazer com eles, que outros meios de me expressar existem para eu tentar, e conseguir o mesmo resultado de quando desenho. Meu último projeto é ter uma linha de acessórios relacionados com as ilustrações que faço e objetos que uso neles, assim como progredir como ilustradora e ter mais trabalho para aperfeiçoar meus traços, o que é sempre bom. II

Ana Laura Perez nasceu em 1983 em Buenos Aires, Argentina. É formada em Design de Moda pela Universidade de

Buenos Aires, trabalha como ilustradora free lancer e cria acessórios para sua marca Bang!

Leitu ra s

A felicidade das feiras de literatura

Texto: Natalia Barrenha

Qualquer criança devoradora de histórias gos-taria de ter um pai dono de livraria, dizia Cla-rice Lispector. Eu também.

Assim, as feiras de literatura exercem sobre mim um domínio fascinante. Repletas de livros por todos os la-dos, os quais são completamente acima de minhas posses, as feiras me deixam louca pelo fato de não serem meus todos aqueles papéis, aquelas capas, aquelas narrativas fantásticas. Para mim, esses eventos são como a menina sar-denta e gorda de Clarice, que me provocam na esperança de ter um livro para levar para casa. Como no conto da autora, fico esperando aparecer alguém que note aquela crueldade e me deixe ser dona de tudo aquilo. Este ano, cedi a torturar-me e participar das duas maiores feiras desse tipo do país: a FLIP e a Bienal de São Paulo.

A FLIP, Festa Literária Internacional de Paraty, maior evento literário do Brasil e da América Latina, ocor-reu em alguns dias de inverno (nada frios, entretanto) na charmosa cidade do litoral carioca, ao ar livre, à beira-mar, na praça e nas ruas de pedra. A Bienal do Livro de São Paulo, maior evento editorial do Brasil e segundo maior do mundo, tem espaço no Parque do Anhembi, em um enorme barracão de luzes artificiais que não conseguem livrar o ambiente daquele lusco-fusco de fim de tarde, a qualquer hora do dia. Apesar de toda a minha felicidade (nada clan-destina) por estar em meio a todos aqueles objetos de meu desejo, meus sentimentos com relação aos dois even-tos eram muito díspares. Na FLIP, eu havia participado de uma feira de literatura, enquanto na Bienal eu passeava por uma feira de livros.

Fotos: Isaac Pipano

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Vestindo bermuda e chinelo, cheguei para a VI FLIP a Paraty, cidade histórica a mais ou menos uns 300 quilômetros do Rio de Janeiro, e outros 300 quilômetros de São Paulo. Tombada pelo Patrimônio Histórico e repleta de pousadas para todos os gostos (mas nem todos os bolsos), possui pouco mais de 30 mil habitantes, e muitos, muitos gringos (é a 11ª cidade mais visitada por estrangeiros no Brasil). A primeira edição da FLIP realizou-se em 2003 e, apesar do caráter quase artesanal, trouxe grandes nomes das letras e da intelectualidade, funcionando como cartão de visita de excelência das demais edições do evento. A idéia foi da editora inglesa Liz Calder, que morou em Paraty por alguns anos e percebeu que aquele era o lugar perfeito para a celebração do mundo literário. Nesta VI edição, em julho de 2008, grandes nomes da literatura mundial uniram-se a grandes nomes dos quadrinhos, cinema, psicanálise e história. Segundo Flávio Moura, diretor de programação, “em anos anteriores já era visível uma tendência a intensificar o diálogo com outros campos e, nesta edição, foi possível trabalhar com uma idéia ampliada do que seria o literário”. Os debates entre os convidados na Tenda dos Autores são apenas parte da grande festa que ganha a cidade nesses dias (esses debates também são exibidos simultaneamente em um telão ao ar

De literatura

livre, ao lado da Praça da Matriz, na Tenda do Telão). Há ainda a Off FLIP e a FLIP etc., com progra-mação diversificada e gratuita, que conta com outros debates e apresentação da cultura local. Além disso, há a programação infantil: a FLIPINHA, com recitais, saraus, discussões e peças de teatro. Apesar do sucesso da festa e da fabulosa atmosfera do lugar, onde as pessoas falam de literatura durante os debates, na rua ou nos inúmeros cafés, a infra-estrutura de Paraty é uma preo-cupação. Nos dias finais da VI edição, que recebeu em torno de 20 mil pessoas, era difícil encontrar um banheiro que funcionasse e o rio Perequeaçu já não agüentava o esgoto que as pousadas e hotéis jogavam sobre ele, judiando do olfato das pessoas. Em 2007, houve falta de luz. Por isso, a inquietação quanto ao crescimento da festa, que só deve ocorrer em qualidade, e não em número. Na última edição, uma das soluções encontradas foi a transmissão dos debates pela Internet, além dos preços salgados de ingressos e acomodação. Em meio às tendas, pousadas e tentadores livros (não eram muitos, na verdade), as tentado-ras pessoas que os haviam escrito, tomando um cafezinho ou comprando bugigangas nas feirinhas. Por vezes, nem se sabia qual era a famosa Inês Pedrosa, ou o Pierre Bayard. Eram dias para se esquecer do mundo real e cair no mundo de romances, contos e teses, na cidade do século XVI.

Mesa de debates na VI FLIP, com João Gilberto Noll, o mediador Samuel Titan Jr.

e Lucrecia Martel

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A deliciosa Paraty em clima de FLIP: bandeirinhas e muita gente nas ruas; livros para vender, comprar e desfrutar

“Muito mais do que um importante evento comercial”, dizia o site da Bienal do Livro de São Paulo. Olhando bem de perto, a Bienal não se resume a vender livros, mas em incentivar a leitura, sendo palco de inúmeras atrações para editores, livreiros, distribuidores, gestores de bibliotecas, universidades, escolas e ONGs, além de professores, estudantes, autores, agentes literários e outros profissionais do mercado cultural. Entretanto, não é isso que se sente ao an-dar pelos 80 mil metros quadrados do Parque do Anhembi, durante a XX Bienal do Livro de São Paulo. Entre os 350 expositores nacionais e estrangeiros e mais de 900 selos editoriais, a única vontade que aflora nos mais de 800 mil visitantes é comprar, com-prar e comprar. Afinal, 77% das pessoas saem de lá com pelo menos uma nova aquisição. Aliás, depois de tanto andar entre os milhões (sim, milhões!) de livros à venda, ninguém possui mais forças para participar de qualquer uma das atividades paralelas ofereci-das pelo evento. A primeira Bienal aconteceu em 1970, mas vinha de 1950 a idéia de introduzir em terras tupi-niquins a tradição européia das feiras de livros. O evento já foi realizado na Praça da República, no Viaduto do Chá, no Ibirapuera, Expo Center Norte e Centro de Exposições Imigrantes, e desde 2006 rea-liza-se no Pavilhão de Exposições do Anhembi, maior e mais tradicional local de eventos de negócios da América Latina. Na programação cultural, mais de uma centena de atrações. As mais movimentadas são o Salão de Idéias, o qual reúne os escritores com seu público, e o Espaço Literário, onde ocorrem de-bates entre autores. Há ainda o Espaço Universi-tário e o Fala, Professor!, onde ocorrem discussões e palestras mais direcionadas. As crianças também tiveram um espaço nesta XX edição, realizada entre 14 e 24 de agosto de 2008: a Bienal Cri-ança, para a qual foram dedicados 11 mil me-tros quadrados e diversas atividades entre livros e brincadeiras.

De livros

A grandiosa Bienal do Livro de São Paulo, em sua edição de 2008

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A melhor parte da Bienal é o preço, que es-timula a participação de um número cada vez maior de pessoas. Quem faz parte do ramo de livros, como edi-tores, escritores, professores, bibliotecários, entre outros, entra de graça. Para o resto do público, o ingresso sai por R$ 10. Além disso, grande parte do público da Bienal é formada por crianças em excursões escolares, que também entram sem pagar nada.

Assim, enquanto a maré alta enchia as ruas de Paraty, repletas de charretes e burros (os únicos

seres tristes em meio à festa), volumosas formas plásticas faziam parte de uma instalação perto do cais

do porto, e bonecos de papel machê lotavam a praça, acontecia o que há de melhor na FLIP: o encontro

físico entre aqueles que escrevem e aqueles que lêem. No Pavilhão do Anhembi, enquanto os visitantes

espremiam-se entre estandes, desviando de infinitas crianças e livros, contadoras de histórias e ofertas

de assinatura de revistas, uma editora procurava por novos escritores através de um enorme banner e

selos evangélicos buscavam seu filão no mercado editorial, acontecia o que há de melhor na Bienal: o

encontro físico entre aqueles que são lidos e aqueles que lêem.

Já eu, naquela ânsia de ler e levar tudo aquilo para casa, me deliciava em uma felicidade maso-

quista entre livros e literatura. II

Em meio a cheques, sacolas e tentadores livros (eram muitos, infinitos), o tentador desejo de comprá-los. Por vezes, uma aglomeração indicava que o Ziraldo ou o Maurício de Souza estava em uma sessão de autógrafos. Foi um dia (um dia só, e já era suficiente) para se esquecer do limite do cartão de crédito e encher a prateleira de romances, contos e teses, na maior cidade da América do Sul.

Menina s Super Poderosa s

O girl power do século XXIGarotas dos mais diferentes estilos estão dominando o mundo da música e deixando os homens de lado na corrida pelo sucesso

Texto: Mariana Mandelli

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Fotos: www.last.fm No ano em que a rainha suprema do pop completa meio século de vida, o mundo da música vê florescer os resultados de uma espécie de processo “feminista” que vem semeando a cena há décadas. Um verdadeiro boom de cantoras vem provando que as sementes plantadas por Madonna durante seus 25 anos de carreira realmente mudaram o curso da história das celebridades musicais. Depois que Madge mudou tudo com hits polêmicos como Like a Virgin, os anos 80 e 90 foram permeados por baladas melosas de brega-pop que alavancaram nomes como Whitney Hous-ton (quem não se lembra de I Will Always Love You, canção da trilha sonora do cafona O Guarda-Costas, de 1992?) e Mariah Carey (a artista que mais vendeu no milênio, de acordo com o prêmio da World Music Awards, com mais 200 milhões de cópias no mundo inteiro). A reviravolta no planeta pop aconteceu quando Geri Halliwell, Emma Bunton, Victoria Beck-ham, Melanie Brown e Melanie C surgiram, fazendo

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adolescentes do mundo inteiro dançarem ao som de Wannabe e Say You Will Be There. As Spice Girls encerraram a carreira neste ano – ao que tudo in-dica, definitivamente. O legado das garotas apimentadas que pregavam o girl power refletiu no verdadeiro surto de cantoras teen pré-fabricadas, produzidas para ven-derem milhões de discos e aparecerem diariamente nos tablóides e revistas de fofocas. Nos últimos anos do século XX, esse processo ficou ainda mais evidente: a princesinha do pop Britney Spears é o maior exem-plo dessa safra, junto a nomes como Christina Agui-lera e Avril Lavigne. Hoje, no mesmo estilo, existem garotinhas do tipo High School Music e RBD, como Ashley Tisdale, Vanessa Hudgens e Miley Cyrus (a tal Hannah Montana, ícone adolescente). Com a virada do século, a suposta igual-dade de direitos entre os sexos, o respeito que as mulheres vêm conquistando no mercado de trabalho e a consolidação da era da imagem – reforçada pelas novas tecnologias que consagraram a Internet e a onipresença da mídia –, fizeram mais nomes femininos pipocarem e influenciarem milhões de consumidores de música, ávidos pelas novidades da indústria cultural.

Delicadeza bucólica e sofisticação indie A web trouxe acesso ao submundo da músi-ca: o indie rock, estilo alternativo difícil de conceituar que domina as cenas britânica e norte-americana. No universo underground, ninguém tira a coroa de rainha indie de Charlyn Marshall, mais conhecida como Cat Power. Diva suprema da poesia musicada, devota de

Bob Dylan e dona de uma voz naturalmente sedutora, Chan tempera suas canções arrasadoramente tristes com notas de blues e jazz, além de guitarras acústicas e pianos delicados – seus discos Moon Pix (1998) e The Greatest (2006) são provas disso. Com inspiração no indie rock, no folk e também no jazz, pode-se ainda citar nomes como os de Leslie Feist, Julie Doiron, Ida Maria, Casey Dienel (agora usando o nome de White Hinterland), Regi-na Spektor, Joanna Newsom, Ane Brun, Keren Ann, Carina Round, Coralie Clément, Esperanza Spalding, Carla Bruni, Russian Red (Lourdes Hernández), Laura Marling, Marissa Nadler, Kaki King, Hanne Hukkel-berg, Emma Pollock, Mary Timony, Azure Ray (Ma-ria Taylor e Orenda Fink) e Au Revoir Simone (Erika Forster, Annie Hart e Heather D’Angelo), entre uma infinidade de mulheres que está abarcando o under-ground. Todos essas surgiram somente nos anos 2000, o que demonstra que Yael Naïm, Lisa Germano, Col-leen (Cécile Schott), Charlotte Gainsbourg, Fiona Apple, Martha Wainwright, Emiliana Torrini, Neko Case, Ani DiFranco, Aimee Mann, Alanis Morissette e

a própria Chan Marshall, realmente abriram caminho nos anos 90 para as meninas alternativas firmarem-se na cena.

Vozeirão vintage: o retrô e a Motown na moda Amy Winehouse, apesar dos inúmeros es-cândalos – quem nunca viu alguma foto da cantora visivelmente drogada, bêbada ou andando nua pelas ruas de Londres não está bem informado – é, com toda a certeza, o maior ícone dessa febre que o soul, a Motown e a sonoridade retrô vêm provocando na música pop. Back to Black (2006), seu disco confes-sional inteiramente escrito com a influência de porres homéricos e de um coração partido, pode ser consi-derado um dos álbuns da década. Fenômeno mun-dial, Amy conquistou o planeta com seu timbre po-deroso e suas histórias de amores abortados. Apesar das gafes, seu talento óbvio faz dela, pelo menos até agora, a maior cantora deste século. Depois do estrondoso sucesso de Wine-house, tanto nas vendagens de discos quanto nas ca-pas dos tablóides, começaram a surgir as primeiras “cópias” do vozeirão da cantora procurando um lu-gar ao sol. Com influências de Aretha Franklin e Dusty Springfield, a galesa Aimee Anne Duffy, conhecida simplesmente como Duffy, já é considerada a maior

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revelação de 2008. Aos 24 anos, a loirinha e seus potentes timbres vocais emplacaram os hits Mercy e Warwick Avenue, de seu álbum de estréia Rock-ferry (2008). Da Inglaterra também vem outra agradá-vel – e jovem – surpresa no mesmo estilo: Adele Lau-rie Blue Adkins é uma das promessas para o painel de novas cantoras. Com apenas 20 anos, Adele em-placou seu jazz inspirado em Etta James e Ella Fitzge-rald, foi indicada ao Mercury Prize e já vendeu mais de 500.000 cópias de seu debut nomeado como 19. Outra jovem voz que flerta com esse tipo de som é Joss Stone, que, apesar dos 21 anos de idade, é uma veterana. Com três discos lançados – The Soul Sessions (2003), Mind, Body & Soul (2004) e Introducing Joss Stone (2007), a inglesa só conheceu o mainstream no ano passado, com o lançamento do terceiro disco. Com pitadas de hip hop e R&B, o álbum caiu no gosto das rádios e transformou Joss em uma estrela pop.

Desbocadas e divertidas Quando Lily Allen faturou 2007 com seu elogiado Alright, Still (2006), que misturava rock, ska e reggae com letras debochadas sobre os homens (quem ouviu Smile sabe o tamanho da hostilidade), mal sabia ela que estava abrindo um nicho de mer-cado para cantoras amorosamente rancorosas e com vontade de botar a boca no trombone. Kate Nash, por exemplo, resolveu tirar sarro do ex-namorado em seu debut Made Of Bricks (2007), disco recheado de humor ácido – basta ouvir Foundations para ter uma idéia da raiva da garota. A bola da vez, no entanto, é outra Kate. A norte-americana Kate Perry está bombando no mundo todo com os hits I Kissed a Girl e Ur So Gay (o nome da faixa diz tudo), de seu segundo trabalho, One of the Boys (2008).

Divas tupiniquins: as donas do samba O Brasil também está no mapa das bel-dades que dominam o mundo da música – no caso, da chamada Música Popular Brasileira (MPB). Na ver-dade, as mulheres sempre marcaram forte presença na nossa cultura musical. Da era do rádio à bossa nova, passando pelo tropicalismo e pelo rock, há uma infinidade de vozes femininas que soaram pelas cai- xas de som de todo o país nas últimas décadas. De lá para cá, o samba e o axé ganharam

as paradas musicais com intérpretes como Beth Car-valho, Alcione, Daniela Mercury e Ivete Sangalo. O rock ficou mais feminino, especialmente nos anos 80, quando surgiram Cássia Eller e Paula Toller (Kid Abe-lha), seguindo o espírito da eterna musa roqueira Rita Lee. Marina Lima, Marisa Monte, Zélia Duncan e Adri-ana Calcanhoto engrossam o time que fez da década de 90 uma das mais femininas na música brasileira. Toda essa herança resultou no que vemos hoje. Há um verdadeiro domínio de mulheres naquilo que é chamado de “nova MPB”. Quase não há es-paço para os homens, tamanha é a quantidade de novos talentos femininos. Ana Carolina, Céu, Mariana Aydar, Vanessa da Matta (que gravou com Ben Har-per), Cibelle, Roberta Sá, Fernada Takai (do Pato Fu, mas lançou um disco solo com canções de Nara Leão), Maria Rita (filha da pimentinha Elis), Marina de La Riva, Thalma de Freitas e Nina Becker (integrantes da deliciosa Orquestra Imperial) são apenas alguns exemplos. No rock, o principal nome é o de Pitty, a queridinha dos adolescentes. E as próximas gerações estão garantidas: Mallu Magalhães e Stephanie Toth, ambas de 16 anos, já fazem sucesso na cena folk do país. Quem ainda duvida que as mulheres vieram para ficar? II

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Jornadasem

estrelas

Acordo lembrando que amanhã tenho que sair à noite, talvez no domingo também. Aquela querida e doce pergunta amiga então vem

à mente: “Com que roupa eu vou? Puxa, preciso com-prar uma calça!”. Todos - três ou quatro - os jeans que tenho estão desgastados nas coxas, com aqueles furinhos entre pernas. Ingenuamente, vou ao shopping pensando que lá é o lugar onde me esbaldarei num dia de con-sumo frenético e terminarei o dia mais feliz. Entro na loja com esperança de que uma daquelas belezuras dali serão minhas. Começo a olhar cada penca de roupa, de calças, de blusas, e ainda os sapatos... En-tão começo a separar cada peça para experimentar, e quando eu vejo já tenho dez peças na mão – nos-sa, que pesado! Entretanto, se já é difícil achar uma roupa que agrade, imagine encontrar o número certo. Acho que as lojas ainda acreditam nas propagandas – todas elas devem pensar que as mulheres no Brasil são modelos, com 90 de quadril e menos de 100 de bunda... Faço, porém, a primeira tentativa – vou ao provador com a respectiva dezena de peças. No apertado vestiário, mais dificuldade ainda, principalmente para provar aquelas roupinhas que exigem um esforço maior dos braços e pernas, movimentos bruscos e grandes. Visto a primeira - não me serve, pois não é do meu tamanho (foi um dos úni-cos deste número que achei). Visto a segunda – não cai bem, ou fica apertada no quadril e gigante nas

pernas, ou simplesmente não fecha. Visto a terceira – essa serve, mas de alguma maneira me deforma o corpo (aumenta o que não deveria aumentar, diminui o que não deveria diminuir). Vou continuando as ten-tativas até que, no final das contas, de dez peças que provei, uma somente ficou boa. Volto para a loja para olhar a outra seção; trago mais 10 roupas ao provador. Esta jornada acon-tece três vezes, e no final das quase 30 peças (ufa!) somente duas restaram. Então essa é a hora magnífica – provar de novo, ver se realmente ficou bom, decidir e olhar o preço. Se realmente ficou bom? Bem, depois de tantas roupas, de tantos modelos diferentes e boni-tos, essa que restou já perdeu toda a sua graça... E a outra? Ah sim, a outra ainda agrada, então é só ver o preço... Nessa hora, você percebe que, se a loja quer te levar os “olhos da cara”, porque já não leva então tudo o que está “sobrando” no seu corpo? Assim, pelo menos você não precisaria ficar duas horas tentando vestir algo que servisse e que ficasse bom. Então de-sisto. Vamos partir pra outra loja (pena que essa era a única que parcelava em tantas vezes...). De volta aos corredores do shopping, dessa vez já desiludida. Começo a olhar então loja por loja, cada detalhe, para ver se finalmente a bendita da roupa vem até mim, até o meu encontro. Porém, mais uma vez, cada roupa de que gosto está caríssima; na verdade, cada uma delas é incrivelmente caríssima, sem contar que as chances de encontrar o meu ta-manho são remotas! Volto para casa, então, num belo dia de chu-va, com a minha última calça decente para sair, que agora já está toda rasgada na barra. No fim das contas, você percebe que comprar roupa não é mais simplesmente um comércio, um ato, um prazer – se torna uma luta, uma caçada, uma perseguição, uma jornada sem perspectivas de “quando poderei usar uma nova calça?” - que na verdade eu queria para amanhã! II

Tatiana Koschelny

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Meu Mundo ParaleloIlustração: Maria Emanuela Alves

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Conto da

Natalia Barrenha

As possibilidades que os avanços da genética proporcionaram à vida feminina

“Os avanços da genética no século XX podem ser comparados a beber água da mangueira de um bombeiro”, disse há alguns anos um editor

da Nature, prestigiada revista científica. Desse pro-gresso, as mulheres foram grandes beneficiadas: nos últimos quarenta anos, o desenvolvimento da genética alterou vários aspectos da vida feminina de maneira tão extraordinária que o que parecia ser conto da carochinha tornou-se realidade. É difícil pensar nos incrementos ocorridos no mundo da medicina só pela perspectiva feminina.

“Tudo que é mudado na vida das mulheres afeta a so-ciedade em geral. O que mudou na vida das mulheres particularmente é que ela pode planejar a materni-dade, e isso faz toda a diferença. Isso faz com que as mulheres possam entrar no mercado de trabalho”, explica a geneticista e pesquisadora Mayana Zatz, que continua: “Hoje, há muito mais mulheres nas uni-versidades do que homens. Porém, observamos que nos cargos de chefia os homens predominam, e eu acho que isso acontece pelo seguinte fato: a mulher trabalha e vai muito bem até os 35, 40 anos, quando

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carochinha?

ela resolve ter filhos – o que eu acho ótimo, porque ser mãe é uma experiência imperdível – e não tem mais como competir a cargos mais altos porque ela sofre com a dupla jornada, onde tem que escolher se vai trabalhar duro ou se vai cuidar dos filhos”. Entretanto, Mayana crê que em dez ou vinte anos esse quadro mudará, devido ao fato da grande quantidade de mulheres competindo no mercado hoje - apesar de esse número ser pequeno em relação ao de homens. Entre os avanços que a genética proporciona à maternidade, há desde o aconselhamento genético

a casais, utilizado para prevenir doenças genéticas; a possibilidade de tornar-se mãe na idade em que se costumava ser avó; a seleção de embriões, através da qual se pode fazer um bebê sob encomenda, esco-lhendo-se desde o sexo da criança até a cor dos olhos; além da descoberta por cientistas ingleses da obten-ção de espermatozóides na medula óssea feminina. O pesquisador e biólogo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, José Roberto Goldim, tam-bém nos lembra um fator importante: “As principais questões que envolvem temas de genética e mulheres não se relacionam às tecnologias reprodutivas – como a inseminação artificial, por exemplo -, pois não há manipulação genética nestas técnicas, apenas uma série de procedimentos que auxiliam na superação de problemas de fertilidade”. Ele também mostra que os avanços vão muito além das questões de concep-ção (e contracepção): “O grande avanço na genética associado à questão feminina foi sem dúvida alguma a descoberta dos diagnósticos precoces de situações como câncer de mama. A introdução dos testes de BRC1 e BRCA2 foi um importante aliado para permitir o ade-quado enfrentamento precoce deste problema tão sério e fatal há alguns anos. A possibilidade de identificar linhagens com componentes genéticos associados ao câncer de mama tem possibilitado que mais mulheres possam ter acesso a tratamento e prevenção”. Ele também enfatiza os procedimentos de aconselhamento genético: “Esta questão não é restrita às mulheres, mas as mulheres são as maiores interessadas em preservar a sua descendência de problemas genéticos previsíveis. Identificar alterações genéticas que podem ser evita-das através de aconselhamento adequado tem melho-rado a vida reprodutiva de casais com predisposição a problemas sérios de saúde na sua prole”. Renata Lima, professora e pesquisadora da área de biotecnologia, cita mais uma questão relacio-nada à fertilidade da mulher, e que envolve não só o corpo, mas os aspectos emocionais de forma muito forte : “O avanço dos diagnósticos nos casos freqüentes de aborto espontâneo é mais um benefício trazido às mu-lheres pela genética”. Renata também lembra os pro-gressos atingidos pela indústria de cosméticos: “Através de tecnologia genética eles ainda são muito sensíveis, e contam com um grande desenvolvimento mais na área da biotecnologia”. Enquanto isso, Mayana Zatz diz a-creditar que, em poucos anos, as células-tronco poderão também colaborar mais na área da estética. II

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Muitos advogados alegam surtos oca-sionados por fortes emoções, o que levaria seus clientes a cometer o crime. Entretanto, o psiquiatra João Alvarez alega que esses desvios mentais nem sempre são considerados doença, pois nem todo ciúme é patológico e nem sempre é paranóico, em-bora possa facilmente chegar a sê-lo pelo ciúme delirante, obsessivo. Em certos casos, a paixão é uma espécie de obsessão, mas há a necessidade de se verificar quando esta obsessão ou idéia fixa é patológica. Um dos requisitos necessários para ficar configura-da a inimputabilidade do agente é a patologia do indivíduo no momento do crime.

A TPM como cúmplice As mudanças de humor causadas pelos hormônios agitados no corpo feminino já foram e ainda são muito utilizados em defesa dessas mu-lheres que matam por amor. Quando em período da tensão pré-menstrual, algumas se tornam mais sensíveis, podendo essa sensibilidade exacerbada, se combinada com outros fatores, ser prejudicial ao discernimento da mulher. A TPM não justifica o crime: ela serve como um estopim para o ato criminoso. É como se a mu-lher, ao passar por problemas conjugais, e quando acometida da TPM, por estar com o seu estado emo-cional normal prejudicado, se tornasse mais agres-siva e mais propensa ao cometimento de crimes. O DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manu-al of Mental Disorders, isto é, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria), denominou a tensão pré-menstrual como sendo um transtorno disfórico pré-menstrual (caracterizado por sintomas como humor acentuadamente deprimido, ansiedade e instabili-dade afetiva exacerbadas, interesse por atividades diminuído). Estes sintomas podem ser suficientemente severos para interferir de forma aguda no trabalho,

na escola ou em atividades habituais, e devem estar inteiramente ausentes por pelo menos uma semana após a menstruação. No entanto, nem todas as mulheres sofrem al-terações físicas e psíquicas de tão grandiosas propor-ções que as impulsionariam ao cometimento de crimes. Essas características podem aparecer, em algumas mulheres, de forma tão severa que as leva a perder o controle de suas ações e cometer crimes de tal violência. Para os especialistas, até que a mulher seja diagnosticada como sofredora dos sin-tomas caracterizadores da TPM, ela tem de sentir esses sintomas na maioria dos seus ciclos menstru-ais. Se ela sofreu os sintomas apenas uma vez, não significa que ela é acometida da tensão pré-mens-trual. O objetivo do reconhecimento da tensão pré-menstrual como atenuante não é ajudar as mulheres que realmente são culpadas pelo cometimento de crimes a se livrar da aplicação da lei e das re-primendas legais. A finalidade da circunstância de diminuição de pena relativa à tensão pré-menstrual é demonstrar que certas mulheres, devido à severi-dade das alterações originadas pela TPM, acabam por sofrer uma perturbação em sua saúde mental, não devendo, deste modo, ser punidas da mesma forma que as mulheres que cometem determinado crime dolosamente e que possuem absoluta certeza do caráter ilícito de suas condutas e de acordo com estas certezas conseguem controlar suas emoções. Mas nenhuma dessas saídas ajudaram Maria, que dois meses após ser presa e confessar o crime, foi julgada e hoje aguarda a liberdade contando todos os dias que se passam atrás das pesadas grades da lotada cela da penitenciária do Butantã. Maria não tem arrependimentos pelo que fez, mas afirma que hoje não faria isso com outra pessoa. “Uma coisa que aprendi aqui foi a ser mu-lher de verdade, aprendi que homem nenhum vale a minha liberdade”, conclui ela. II

*Nome mudado a pedido da entrevistada

“Não fiz escândalo, não dei baixaria,apenas fiz o que tinha que fazer; naque-la época eu pensava que preferia vê-lo morto a vê-lo com outra”

Natalia Barrenha

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A s mãos agitadas de mulheres saem por todos os lados das grades que parecem intransponíveis. Muitas dessas mãos são

assassinas; mãos que pertencem a mulheres que alegam amar demais. Na penitenciária feminina do Butantã, em São Paulo, estão 400 detentas. Cerca de 20% delas estão presas por homicídio. E 90% desse total matou o marido. A psicóloga Cíntia Ferrari, que atende às detentas no Butantã, diz que nor-malmente os homicídios acontecem após anos de agressões. “Às vezes, elas têm histórias de abuso na adolescência, por parte de pai e mãe, aí elas repetem a mesma história de vida com o marido e chegam a esse ponto”. Entretanto, os ditos crimes passionais, mesmo que em menor número, não são pouco comuns dentro da penitenciária. Foi por amor que Maria* foi para o Bu-tantã, onde deve ficar por pelo menos mais oito anos, se conseguir diminuir sua pena de 16 anos por bom comportamento. Depois de quatro anos de relacio-namento, ela decidiu morar com seu companheiro, e então viveram juntos por mais dois anos, quando a mulher descobriu estar sendo traída. Uma semana depois, Maria estava presa por homicídio doloso. Seu companheiro foi encontrado esfaqueado na cama: o homem teve os cabelos e o órgão genital cortados. “Não fiz escândalo, não dei baixaria, apenas fiz o que tinha que fazer; naquela época eu pensava que preferia vê-lo morto a vê-lo com outra”, afirmou ela. Maria relata calmamente como foi a preparação para executar “aquele homem” – como ela chama o marido - e diz que, se voltasse no tempo, talvez faria a mesma coisa, pois o “amava demais para agüentar ser traída”. Muitos estudos sobre o perfil de mulheres que matam já foram realizados e a conclusão é sempre parecida: as mulheres, por terem uma per-sonalidade extremamente vaidosa, serem pessoas ciumentas, possessivas e inseguras, tendem a come-ter esse tipo de crime com mais freqüência que os homens. Além disso, a falta de amor próprio, que na maioria das vezes essas mulheres apresentam, é um fator considerável neste contexto. A maioria das mulheres costuma ser mais resistente e, quando traídas, perdoam. Já as mais “fracas” tentam o suicídio, pois vêem sua vida dire-tamente ligada à do parceiro. No entanto, quando

cometem este tipo de crime, muitas vezes são mais cruéis que os homens. Exasperadas, passam a ser um monstro de ferocidade, que só respira vingan-ça e só pensa em submeter a sua vítima aos mais atrozes sofrimentos. Verdadeiras especialistas da dor.

O que diz a Lei No Brasil, em muitos desses casos é uti-lizado o artigo 26 do Código Penal Pátrio. Não há dúvida de que as paixões inquietam a mente e que podem ser causas ocasionais de algumas perturba-ções mentais. Porém, para atribuir a cada delito uma justa medida, é preciso considerar as paixões que levaram uma pessoa a violar a lei, não moral-mente nem socialmente, mas psicologicamente. Pode-se entender que nem todos os homi-cidas passionais sofram de algum mal que os torne inimputáveis, de um modo geral e de acordo com a doutrina psicanalítica; a criminalidade não é uma tara, mas sim, defeitos de educação. E no Brasil, a educação de pessoas de baixa renda ainda é patriarcal e machista. Nem todos os homicidas passionais sofrem de algum tipo de doença mental. A maioria come-te este delito por um desequilíbrio emocional mo-mentâneo e que não é considerado uma patologia.Para o estudo do artigo 26 do CPB é necessário ter em mente que os homens são iguais perante a lei, mas profundamente diferentes sob o ângulo bio-lógico e psicológico. Existe, de acordo com o Direito Penal e o Direito Processual Penal, a necessidade de se entender o delinqüente, para que se conheçam as mudanças psicológicas que o levaram a cometer o crime. O artigo 26 está no Código Penal para ga-rantir que as pessoas realmente doentes tenham o atendimento apropriado.

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Natalia Barrenha

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Elas matam porque amam

Mulheres qu e...

Mulheres que cometem crimes contra parceiros são maioria nas penitenciárias

Evelyn Fonseca

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monitora de backstage, nos camarins, pois pude ver de perto como é realizado um grande show, tudo o que acontece, e como as pessoas trabalham para realização de um espetáculo de quinze minutos. São seis meses de trabalho e quinze minutos de apre-sentação, que deve ser a mais perfeita de todas, e pude ver como todos têm uma função essencial para obter esse sucesso e perfeição, desde a faxineira, camareira, costureira, maquiador, cabeleireiro, modelista, os monitores, os modelos, o estilista, o se-gurança, a equipe de produção de boca de cena, a equipe de som, a equipe de luz, o stylist, o co-ordenador do evento, entre muitos outros. A SPFW é uma rotina que dura sete dias: sete dias em que eu acordava às 6h, chegava às 7h no local, cobria dois desfiles da minha sala e saía à meia-noite. Entre esse intervalo, confería-mos as chegadas de modelos, o feitio do make/hair, fazíamos cruzamentos de modelos (existem modelos que fazem desfiles seguidos, e quando acaba um desfile, nós monitores corremos com es-ses modelos pela SPFW, para levá-los para seu próximo desfile, podendo ocorrer durante esse in-tervalo uma tirada de esmalte, ou da maquiagem, lavagem do cabelo do modelo, fora enfrentar a imprensa no meio do caminho para fazer uma en-trevista, tirar uma foto). Após o fim do último desfile do dia da minha sala, tenho que esperar o local ser esvaziado completamente, para assim voltar para casa dormir, e enfrentar o próximo dia”. II

“A São Paulo Fashion Week fornece opor-tunidades para estudantes de moda de qualquer faculdade para poder conhecer um dos maiores eventos de moda do Brasil, e foi em uma das ins-crições para uma das edições que fui selecionada para monitora de sala, e depois para monitoria de backstage (que foi minha função nas três edições seguintes, e na qual a seleção é mais rigorosa, através de entrevista, por ser um trabalho também mais rigoroso). Trabalhei nas datas de 18 a 23 de janei-ro de 2006 como monitora de sala, e de 12 a 18 de julho de 2006, 24 a 29 de janeiro de 2007 e 13 a 19 de junho de 2007 como monitora de backstage. Minha visão da SPFW era de glamour e de grande organização, por ser um evento tão desejado a cada edição, com a participação so-mente de pessoas de alto poder aquisitivo, pessoas que tinham uma função no mundo da moda. Hoje vejo um grande trabalho, mas que, como todos os outros, tem sua parte maçante por trás das cortinas: uma correria na parte da coleção, um desespero para colocar tudo no devido lugar em um determi-nado tempo, uma estrutura fraca apesar do grande show final apresentado. Na verdade, uma outra realidade, dife-rente do que todos imaginam. Um evento que re-cebe pessoas de todos os jeitos, de todos os estilos, de todas as idades, de todas as cores e de todas as classes sociais. Particularmente, gostei de trabalhar como

Os bastidores da maior semana de moda do Brasil

A aluna de moda Bruna Laís Medeiros Jardini, 21, conta como foi a experiência de trabalhar por trás das cortinas da São Paulo Fashion Week, um dos maiores eventos de moda no país

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Texto: Natália Tamaio

Fotos: Arquivo pessoal

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Meu nome é Marina, estou com 64 anos, completados recentemente no dia 28 de julho. Talvez por ser miudinha e muito

ativa, nunca demonstrei minha idade real. Assim, aos 15 anos aparentava 10 e hoje não me sinto com a idade que tenho, que acho absurdamente alta, não correspondendo à minha aparência e disposição. Sinto em mim sempre uma grande jovialidade e vivo com o firme propósito de chegar aos 100 anos de idade ou mais, com muita saúde e disposição para sempre aceitar o novo. Em minha juventude demorei para começar a namorar. Apesar das muitas propostas amorosas, nenhuma convencia-me a entregar meu coração a alguém, até que, no ano de 1970, já com 25 anos, tive meu primeiro namorado. Este relacionamento que culminou em noivado e possível casamento terminou em 1976, num rompimento que transformou a minha vida e custou-me uma grande e inesperada desilusão amorosa. Depois disto, dediquei-me à minha rotina

de trabalho e estudos, mas em meu coração continuei a acalentar o sonho de um dia me casar, ter um lar só meu, um marido carinhoso que me amasse e a quem eu deveria amar muito, e principalmente, ter filhos: este sim era meu sonho maior. Como já completara trinta e quatro anos e sabia que a idade avançada dificulta a gravidez, cheguei a advertir minha escandalizada mãe de que teria um filho, casada ou não, tal era o meu propósito de ser mãe um dia. No final de 1978 conheci meu marido. Começamos o namoro em junho de 1979 e, nove meses depois, em março de 1980, nos casamos. No final do mês de abril deste mesmo ano tive a maior alegria da minha vida ao saber que estava grávida. A gravidez transcorreu normal, tendo apenas no início uma pequeno ameaço de aborto facilmente superado com muito repouso e positivismo. Preparei-me para parto normal por opção própria, apesar do médico insistir na recomendação de uma cesária pelo avanço de minha idade.

álbu m de fa míliaMarina Vasques Blasques Alves

Abril de 1980, onde tudo começou

Dezembro de 1980. João, o primogênito, estava quase chegando

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Meu primeiro filho nasceu de parto “normalíssimo”, às 5 horas da manhã do dia 24 de janeiro de 1981, pesando 4.100 kg e medindo 50 cm: um bebezão, forte, perfeito e lindo. Lembro-me ainda como se fosse hoje que, depois do parto, dormi profundamente, acordei em um dos quartos da maternidade e ouvi os comentários do meu obstetra com a enfermeira na sala contígua. Ele estava perplexo comigo: uma paciente de trinta e seis anos, tendo tido em parto normal, e maravilhoso, um bebê lindo e perfeito, sem nenhum imprevisto, contrariando todas as teses da medicina de que a idade pode limitar a mulher de gerar um filho e, principalmente, por parto normal. Era mesmo um grande acontecimento. Ouvi essas palavras e observei que em nenhum momento de sua fala foi mencionado que no fato havia uma imensa vontade de ser mãe motivando a superação de todos os obstáculos possíveis. Naquele momento, elevei meu olhar e encontrei sobre a porta do quarto a imagem de

Cristo. Dos meus olhos rolaram, naquele instante, as mais verdadeiras e alegres lágrimas de felicidade, derramadas diretamente do meu coração, que em júbilo comemorava e agradecia a realização de um sonho há muito acalentado. Diante das observações orgulhosas do meu obstetra com sua enfermeira, compreendi que naquele dia aquela maternidade atendia e engrossava as suas estatísticas de nascimentos diários com uma grande e feliz exceção às regras da medicina. Ser mãe aos 36 e 39 anos de idade, contrariar as estatísticas para conseguir realizar um sonho e formar um lar feliz, ter hoje a companhia de um marido que ama e respeita uma união perfeita, ter um casal de filhos maravilhosos que só me proporcionam alegria é muito mais do que pude sonhar para mim um dia. O que me resta agora é agradecer a Deus por tudo que Ele me possibilitou e esperar pelos netos maravilhosos que, com certeza, terei a felicidade de um dia alegremente receber. II

Janeiro de 1983, passeio da família em Santos

João com 4 dias de vida

Abril de 1984, Mamãe Marina com os filhos João e Manu

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garantiu um desenvolvimento econômico ímpar, visto na grande quantidade de prédios modernos e pela população mais politizada – Cochabam-ba freqüentemente esteve presente nas aulas de geografia e em noticiários. Sucre, conforme a Constituição, é a capital boliviana de fato (sede do Poder Judiciário), enquan-to La Paz é sede dos Poderes Executivo e Legislativo. Ainda pouco visitada, a cidade possui uma vida cul-tural intensa e é considerada uma das mais belas do país. Com mais de 100 mil habitantes, é considerada Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO, e tem como característica marcante a coloração branca presente em sua arquitetura colonial, além de parques e jardins muito bem cuidados. Potosí, vizinha de Sucre, também é Patrimônio Histórico da Humanidade, e possui um Centro Histórico que é praticamente uma viagem ao túnel do tempo. No século XVII, Potosí chegou a ser uma das cidades mais ricas do mundo, herança de uma antiga mina de prata que era a maior do ocidente. Oruro, entre La Paz e Potosí, é conhecida como a capital cultural da Bolívia. O carnaval lo-cal, que ocorre em fevereiro, é a grande atração da cidade, que tem 90% da população indígena e grande valor histórico. De Oruro pode-se ir até Uyuni, quase na fronteira com o Chile e a mais de quatro mil metros de altitude, onde se encontra o deserto de sal, talvez uma das experiências mais incríveis em solo boliviano. Com aparência de povoado perdido no meio do nada, Uyuni também dá lugar a um interessantíssimo cemitério de trens. Porém, é a proximidade com o fan-tástico Salar que atrai viajantes de todo o mundo: um deserto surreal, todo o branco, que concentra mais de 60% de todo o sal do mundo. Na época das chuvas, a água forma um espelho no chão, que reflete todo o céu. Na seca, o sal racha e forma hexágonos por todo o solo, formando como uma colméia gigantesca. Além disso, montanhas coloridas, estranhas formações rocho-sas (como a Isla del Pescado e seus cactos enormes) e lagoas de águas verdes, azuis e vermelhas, povoadas por raros flamingos, fazem parte do roteiro, que pode chegar até San Pedro de Atacama, no Chile. Sem obje-tividade: Imperdível! A profusão de culturas, monumentos históricos, barulho ensurdecedor e caos fazem de La Paz, capital mais alta do mundo - a 3650 me-

Ruína em Tiahuanaco

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tros acima do nível do mar (o aeroporto da cidade fica a 4100metros) -, também imperdível. Sem con-tar as atrações nos arredores da cidade, como as montanhas de Chacaltaya (com 5400 metros de altitude) e as ruínas de Tiahuanaco. Essa civiliza-ção, praticamente ignorada, é anterior aos incas, e desenvolveu-se de forma brilhante em território boliviano. O desconhecimento dessa parte tão im-portante da história do país deve-se à falta de re-cursos que predomina na Bolívia, fazendo com que seu passado permaneça enterrado. Na fronteira com o Peru, a cidade que deu nome à famosa praia carioca: Copacabana. Às margens do lago Titicaca – que possui as águas navegáveis mais altas do mundo -, de uma cor azul inacreditável, mais uma das surpreendentes belezas bolivianas. Mais ao norte, há a região dos Yungas, cujas maiores cidades são Coroico, Caranavi e Chu-lumani. Uma das principais fontes de exploração de ouro na América do Sul na época da colônia, é nesta região que se desenvolveu a agricultura do

país, além de aí se concentrar zonas importantes de plantação de coca. É nos Yungas também que está a única comunidade negra da Bolívia, trazidos da África durante a exploração do ouro, e que não se miscigenaram, guardando traços originais afri-canos. De clima agradável, a principal atração da região é chegar lá: o percurso de La Paz a Coroico, bom para quem procura emoções fortes, é conhe-cido como “a estrada mais perigosa do mundo”. De Coroico pode-se seguir até a remota Amazônia boliviana. Rurrenabaque é hoje o princi-pal destino da região, onde se tem a sensação de entrar em outro país devido ao verde abundante da paisagem e da fauna diversificada, além do calor constante e do sotaque diferente.

Do deserto à floresta, passando por lagos, cordilheiras e centenas de povoados, a Bolívia ainda é encarada apenas como caminho até o Peru e sua Machu Picchu. Entretanto, o país tem muito mais a oferecer do que apenas chão de passagem, em uma viagem econômica, bela e, o melhor, insólita. II

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acomodação, transporte, alimentação, passeios e os artesanatos (é inevitável não trazer um recuerdo para casa). R$ 1 é equivalente a Bs. 4, 29 (em setembro de 2008, com US$ 1 valendo R$ 1,63, ou Bs. 7). Testado e comprovado, é (muito) mais barato atravessar a Bolívia de leste a oeste em uma viagem de dez dias do que passar uma semana (de baixa temporada) no litoral paulista. Sim, é uma viagem espetacular Os problemas na Bolívia são inúmeros, mas nada tão estranho para um latino-americano. Por vezes, pode-se pensar que você chegou ao século XIX. A infra-estrutura das cidades é insistentemente precária - sa-neamento básico é luxo. Com exceção das áreas nobres ou centrais das grandes cidades, poucas habitações têm banheiro ou água encanada (a que se deve a grande quantidade de banheiros públicos espalhados pelas ruas, os quais podem ser usados em troca de uma moe-dinha, além das pessoas que fazem suas necessidades sem nenhuma timidez, em qualquer lugar), o que faz com que a Bolívia seja portadora de um cheiro peculiar de falta de banho. A sujeira, principalmente nas grandes ci-dades, está por todo o lado, assim como pessoas pedindo esmolas e vendedores ambulantes. Aliás, grande parte do comércio na Bolívia desenvolve-se nos camelódromos. Supermercado? Dizem que só nas grandes cidades. O trânsito de São Paulo é tranqüilo perto do caos das ruas bolivianas, das quais a lei vem da buzina. Os carros são em sua maioria russos e japoneses – os motoristas do país (que dirigem

no banco do lado esquerdo, como no Brasil) tro-cam a direção e o pedal, que chegam do oriente ao contrário. Além disso, a quantidade de carros brasileiros é enorme, e o que surpreende é que são, em sua maioria, roubados. Quer dizer, rou-bados no Brasil. Ao atravessar a fronteira, mesmo sem nenhum documento, pode-se registrar o carro como totalmente legal. Nas estradas, todo trajeto parece uma expedição off road , porém com uma dose maior de adrenalina. Em sua maioria de terra batida, as car-reteras estreitíssimas contornam penhascos e abis-mos que não são para corações dos mais sensíveis. Com os ônibus, há que ter sorte. Alguns (a maioria) podem estar caindo aos pedaços e transportando muito mais passageiros do que poderiam (os quais vão sentados no corredor em viagens de mais de 12 horas). Banheiros são raros – não importa se a viagem é curta, longa ou longuíssima -, e ficar es-perto durante as paradas é uma boa pedida: de repente, o motorista pode resolver ligar o ônibus e simplesmente ir embora, sem esperar ou contar os passageiros, que são deixados em vilarejos no meio do deserto boliviano. Quanto à comida, tem para todos os gos-tos, bolsos e estômagos. O mais tradicional são as refeições com frango frito (ou assado), batatas (que também podem ser fritas ou assadas) e arroz: é o pollo con papas. Há também a quinua, cereal que substitui o arroz, e a carne de llama, muito leve, e

Lago Titicaca: parece mar, mas é o lago navegável mais alto do mundo - e talvez o mais bonito

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parecida com uma mistura de carne de vaca e de frango. A truta, peixe delicioso, também é uma boa alternativa na região do Lago Titicaca. Os cafés da manhã são parecidos com o brasileiro: pãozinho, geléia, manteiga e suco, chá ou café. Para ter leite, tem que pagar mais caro. Além disso, as empana-das, salteñas e outros petiscos são imperdíveis, além da chicha, bebida típica servida em canequinhas não-descartáveis, que são submersas no balde onde fica o líquido, que é acompanhado por um caroço de pêssego. A chicha também pode vir em saquinhos plásticos, que do mesmo modo são muito utilizados para colocar pollo con papas. O chá de coca é encontrado em todo lugar, e é útil contra os efeitos da altitude, que se demonstram no cansaço físico de qualquer caminhada. Mascar folha de coca também ajuda, apesar do gosto ruim. A folha de coca é legal no país, e faz parte da cultura do povo, o que complica as tentativas de acabar com as plantações. A bordo Para entrar na Bolívia não é necessário apresentar o passaporte – devido à parceria no MERCOSUL, basta a carteira de identidade. En-tretanto, é fundamental a comprovação da vacina contra a febre amarela. São Paulo tem vários vôos diários para La Paz e Santa Cruz de la Sierra. Também é pos-sível pegar um ônibus direto da Barra Funda até Puerto Suárez, já na Bolívia, ou de qualquer lugar

do país para Corumbá, no Mato Grosso do Sul, de onde se pode entrar na Bolívia andando. Ao lado de Puerto Suárez há Puerto Quirrajo, aonde começa a viagem com o famoso Trem da Morte (que, no passado, tinha uma parte de seu trajeto passando pelo Brasil). O Trem da Morte não é tão da morte assim, e sim uma boa opção para entrar no clima boliviano. Há o vagão mais barato, que é realmente de matar, mas há também vagões me-lhores, e até primeira classe. Chegando a Santa Cruz de la Sierra, você pode se hospedar na casa de algum [dos muitos] brasileiro que faz medicina em alguma universidade boliviana. Para quem não sabe, uma faculdade de medicina na Bolívia dispensa ves-tibular e custa em média 100 dólares por mês, o que provocou um enorme fluxo de estudantes brasileiros com o sonho do jaleco branco para o país (porém, validar o diploma obtido por lá não é das tarefas mais fáceis). Santa Cruz não é o lugar mais interessante para se gastar muitos dias. Pouco atrativa, é só uma cidade grande. Lá é produzida e concentrada a riqueza da Bolívia, e onde está a maior parte da burguesia do país, e a maior oposição ao presidente Evo Morales. De Santa Cruz, pode-se seguir para Sucre ou Cochabamba. Quem começa a viagem por Cochabam-ba mal pode imaginar a pobreza que assola o país. Por estar numa região mais fértil, a cidade

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La Paz, a capital de nossa vizinha Bolívia, está a apenas quatro horas de vôo de São Paulo, o mesmo tempo que se leva para chegar a Belém, capital

do estado do Pará. Porém, é provável que 99,9% dos brasileiros já pensaram ir a Belém, e nem cogitaram a possibilidade de ir à Bolívia. Para quem não sabe, tem um gigante ador-mecido aqui ao lado. Com cerca de 1, 1 milhão de quilômetros quadrados (quase duas vezes o estado da Bahia), a Bolívia é o quinto país da América Latina em extensão e uma boa oportunidade para carimbar o pas-saporte no exterior sem desembolsar muito dinheiro. A Bolívia não é mais destino somente para mochileiros e aventureiros amalucados. Mesmo pos-suindo boas oportunidades para esses tipos de via-jantes, o país oferece opções mais tranqüilas e luxu-osas para qualquer tipo de turista, que pode ver neve, esquiar, contemplar paisagens incríveis, participar de trilhas, conhecer a floresta amazônica e ver de perto uma das culturas mais antigas do mundo. Com 8, 4 milhões de habitantes, 2/3 da popula-ção é formada por índios. Apesar de manter suas tradições, a cultura boliviana hoje se constitui mais de uma mescla com costumes europeus – afinal, 95% da população é católica. A cultura espanhola também é vista misturada às danças e festividades indígenas. O quéchua e aimara, idiomas nati-vos, são oficiais no país, ao lado do espanhol. País mais pobre da América do Sul até 2007 (quando perdeu o posto para seu vizinho Paraguai), a Bolívia sofre oscilações econômicas e crises de acordo com a política de seus governos. Após golpes, quedas de presidentes, inflação que chegava a 24000% ao ano, em 2006 foi eleito o primeiro presidente indí-gena, o já conhecido de todos Evo Morales.

Campo: o deserto domina a paisa-gem em grande parte do território boliviano

Cidade: vista de La Paz, com a Cordilheira dos Andes ao fundo e seus mais de 4 milhões de habitantes

Mesmo sendo um país paupérrimo, a Bolívia não é um lugar violento. Seqüestros e pes-soas armadas são raros, sendo pequenos furtos os principais problemas, assim como as manifes-tações de trabalhadores ou camponeses, que por vezes fecham estradas e impossibilitam a viagem de uma cidade a outra. A Cordilheira dos Andes corta o país, formando o altiplano andino, a mais de três mil metros acima do nível do mar, onde vive a maioria de seus habitantes. Assim, o clima na Bolívia, prati-camente desértico, apresenta amplitudes térmicas de acordo com a altitude das cidades, e pode dividir-se em duas grandes estações. No inverno, de abril a setembro, os dias costumam ser secos e ensolarados – e sem uma nuvenzinha sequer, num céu azul de doer os olhos -, e lugares elevados sofrem com um frio abaixo de zero. Já no verão, período mais chuvoso, as temperaturas são altas durante o dia, mas as manhãs e noites continuam frias. Calor e umidade o ano todo podem ser en-contrados na área amazônica do país. Viajar pela Bolívia é muito barato, até para o turista mais exigente. Além da moeda, o boliviano (Bs.), valer muito pouco, tudo é barato:

Casa da Liberdade, em Sucre

Símbolo boliviano: as cholas e seus trajes típicos

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Passagem pa ra...

GiganteadormecidoTexto: Natalia Barrenha Fotos: Isaac Pipano

Isla del Pescado, no Salar de Uyuni

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Desisti do espanhol falado sobretudo no Chile, mas não desisti propriamente do espanhol. Tornei-me aficionada pelo acento ao ver Neruda, graças a uma sessão fortui-ta de O carteiro e o poeta na casa de um ex-namorado. Gostei tanto do poeta que ganhei bilhetinhos que con-tinham trechos de Veinte poemas de amor y uma canción desesperada. Não precisou chegar ao terceiro poema, e quem dirá à canção desesperada, para ganhar mi-nha virgindade. Passo pela estação de metrô em frente ao shopping e começo a me confundir no tumulto dos corpos. Num segundo pro outro a cidade está como repleta de pessoas que falam, gesticulam e fogem da garoa que cai fina, acompanhada do sibilar cortante e frio que move lentamente a copa das grandes árvores na alameda. Há uma espécie de zeitgeist que move também aquele centro, um espírito da época absolutamente moderno e antiquado. Instituições provincianas relutam em ceder aos novos adventos tecnológicos que crescem subterraneamente quais lençóis freáticos, intermitentes mantos profundos que guiam e sinalizam a direção de uma humanidade que pende para o rumo da tecnologia. A chuva aperta e sou obrigada a me esgueirar sob a lona de uma das inúmeras barracas que vendem de um tudo, pouco. Nada do que preciso. De fato, sina irremediável. Consulto o relógio, confiro a passagem marcada previamente e me desespero ao ver que em dez minutos alguns milhares de pesos chilenos – padrão monetário atípico baseado em milhar – partirão com o ônibus que me levará à praia. Saco de um dos vários bolsos laterais da minha grande mochila, que nestas alturas pesa à beça nas costas, a fantástica capa de chuva dobrável comprada de um tapeador peruano cativante. Faço esforço des-medido para tirá-la dos ombros e por pouco não desmonto com o peso dos agasalhos dobrados dentro deste armário que carrego nas costas. Travas atravessadas sobre minha barriga (que tem diminuído vertiginosamente com as milhas rodadas, bolsos furados e uma dieta riquíssima baseada em mandarinas e biscoitos de água e sal) aliviam o peso na coluna. Finalmente, chego à estação. Pelo portal imenso, amplo e aberto, cruzo um agrupamento de jovens iguais a mim também com mochilas enormes. Sinto um pouco da semelhança que me toca agora por estar sozinha em terras distantes. Tenho saudade. O barulho da chuva fora da estação amplia o som das vozes e dos caminhantes que passam por entre os guichês onipresentes da Turbus, como uma feira dominical de artesanatos. Tendas de comida, lan houses, e um trio de músicos que marcam notas calorosas em troca de moedas endossam a sensação.

A roleta velha e enguiçada que guarda a entrada para os ônibus como um cão velho que apenas late é um obstáculo para mim e meu enorme kit de sobrevivência preso na cintura. Absolutamente vazio a partir da fileira de poltronas treze-catorze-quinze-dezesseis, o ônibus verde parece apenas me esperar para partir. Não fosse por um rapaz que dorme com os pés esticados no último assento, esta-ria sozinha com uma infinidade de cadeiras isoladas à minha frente.Desenrolo o fio dos fones de ouvido ajustando o aparelho no shuffle, menos pelas músicas em si e mais pelo poder ine-briante que o som tem para mim durante viagens. Esta-rei dormindo tão logo o motorista cruze a cidade e nos leve aos seus arredores, para então rumarmos para o litoral.

O homem adentra o veículo faixa e meia depois. O motor range reclamando do frio e na terceira tenta-tiva começamos a nos afastar da rodoviária. Ao longe, entre as frestas da cortina, vejo cair leve e singelas gotas e gotas de um chuvisco fino que toca o asfalto da larga avenida do libertador. Desde que acordei, não havíamos deixado uma a outra. Confidencio-a, em silêncio, o segredo que me faz vagar por estas terras desconhecidas. Espero que o ônibus cruze outra viela e ela se perca, solitária, sob pneus e passos desapres-

sados. Quando eu voltar, seremos outras. II

Natalia Barrenha

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Que le vaya bien

Isaac Pipano

Pela quinta vez em menos de três tardes passo em frente à loja cuja decoração extravagante possui dependurada uma daquelas vespas

usadas numa época onde meninas vestiam bolinhas e rapazes jaqueta de couro, pentes nos bolsos e ares de Humprey Bogard. Na primeira delas, ainda es-tranha ao lugar, notei somente o pôster de refrige-rante e mesas que se pareciam com antigas casas de hambúrgueres norte-americanas pré-Vietnã. Exclusi-vamente kitsch, ou retirado de algum episódio de The Wonder Years. Caminho pela imensa avenida do libertador Bernardo, olhando a cidade que está como torcera: cinza. Disseram-me, pouco depois de cruzar a frontei-

ra e comer um delicioso sanduíche con salsa de palta em Arica, que San-tiago fica tão bela quanto Buenos Aires, ou São Paulo, quando nebli-na. Porém, fui lembrar-me ime-diatamente da minha Londres; embora sem vielas, buses, ou smog, a mesma atmosfera erma suburbana clássica soa. Os bons costumes, como um bonde que

trafega vagarosamente rumo à nova estação na ou-trora rua de paralelepípedos, convive placidamente com a modernidade, o cool e o erudito dividindo instâncias. Também me disseram para andar sempre com a bolsa na frente do corpo. Aceitei a ousadia de não fazê-lo, adotando como troca a aventura de sair desta cidade com a integridade física, e os bolsos, intactos. O mundo não é assim tão perigoso – pelo menos não assim, de passagem. Cruzo uma das calles rumo ao terminal al-voroçado de ônibus que me levará em pouco menos de duas horas a Valparaíso. As quadras são largas, maiores que as outras dos bairros por onde andei, e pouquíssimas pessoas circulam. Seria um domingo qualquer, se eu não soubesse estar em mera quarta-feira. A não ser que tenha me perdido no calendário, ao longo destes dias de viagens, ou que nos domingos nublados em Santiago nem mesmo pãezinhos quentes e frescos são capazes de dissuadir famílias. A extensão da avenida, no meu pequeno mapa de bolso, é tão maior que as bordas do pa-pel – o que a faz entrecortada num dos pedaços, justamente naquele cujo nome o qual necessito está

assinalado. Arrisco um castelhano tão mal falado com o frentista de um posto que o homem, aten-

ciosamente, pede para que eu vá embora. Não ligo; afinal, me esforço pou-

co para entendê-los.

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Modado Bem

Fotos e produção: Ateliê SERDOBEM

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Bem-vindo à mais uma Paralela! O espetáculo da vida feminina vai recomeçar!Mais uma edição da revista que leva até você um pouco de tudo, desde matérias comportamentais a dicas impor-tantes de moda (e de mundo).Parando com o circo (risos). A Paralela traz em mais uma edição um apanhado de matérias e assuntos pra tornar seu momento de leitura mais prazeroso (e útil, claro! Se é pra pararmos a vida corrida da mulher moderna, que seja por algo que valha a pena, e que mate dois coelhos numa cajadada só – lazer e utilidade pública!). Mas saiba que, tal qual na primeira edição, a idéia aqui é poupar tempo. Não está a fim de ler sobre cultura? É muito pesado, muito cult para o momento? Não lê, amiga! No entanto, o lado de comportamento pode te relaxar... Acompanhe fotos de um ateliê de moda, leia um conto, leia a reportagem de turismo. Agora, se você estiver a fim, mergulhe no vício daqueles que adoram as séries, na matéria entre as diferença da Flip e da Bienal do Livro, e na matéria que mostra quanto a mulherada anda dominando o mundo da música! A Paralela é assim: duas opções, quase duas revistas, duas edições!

Natália Tamaio

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Paralela

Marina V. B. Alves, 64

Isaac Pipano, 21

Evelyn Fonseca, 23

Ateliê SERDOBEM, 2

Uma forrozeira quase que nata, Evelyn tem uma adoração pela dança e também por esportes. Fala francês, mora sozinha, e tem medo

quando ouve algum barulho e não sabe o que é. Tem uma irmã gêmea e já ficou trancada em casa. Mas não acha que seja louca..

[email protected]

ATELIÊ SERDOBEM

Rua Saint Martin 16-34 - Bauru - SP

[email protected]

www.flickr.com/photos/atelieserdobem/

(14) 9771-1881 e 9694-4355

Marina é espanhola em todo sentido da palavra. Baixinha incansável, “arquiteta” recém-descoberta,

cozinheira por hobby, mas poderia ter feito disto profissão. Também poderia ter sido escritora, mas entre tantos outros talentos decidiu se

dedicar ao de ser mãe, em que segue muito bem, [email protected]

Isaac é estudante de jornalismo e candidato a escritor, misto de músico frustrado e crítico de brincadeira, dono de gargalhada constante e inflamada, são-paulino só em dias de título e não assina seus próprios [email protected]

Colaboradores

Manu é jornalista e se veste muito bem, ou com seus achados das lojas de departamentos daqui, ou com sua herança indumentária de Londres, onde morou por um tempo. Faz muitas críticas ao modo de se vestir dos outros, sempre com um olhar diferenciado e engraç[email protected]

Jornalista que antecipa ao extremo o dead-line, Natalia é virginiana convicta obcecada por pontualidade e perfeccionismo. Aventureira em viagens malucas e em experiências gastronômicas exóticas - das quais nunca é autora, pois não entende nada da cozinha além da louça suja -, quer ficar rica logo para aprender a degustar vinhos secos e viajar sem passar [email protected]

Maria Emanuela Vasques Alves, 24

Natalia Christofoletti Barrenha, 22

Natália Tamaio de Almeida, 21

Corintiana roxa, Natália Tamaio não perde um jogo do timão e colo-ca muito homem no chinelo quando o assunto é futebol. No dia-a-dia ela se divide entre o trabalho como jornalista radiofônica e o lazer de ficar por horas na Internet. Mas ela sonha mesmo com dia em que ela vai entrar no campo se tornar a jornalista do curingã[email protected]

A Revista Paralela é uma produção realizada como Trabalho de Conclusão de Curso,

sob orientação do Prof. Dr. Mauro Ventura, na FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes

e Comunicação / UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

Impressão: Gráfica DPI2008

Capa: Ana Laura Perez

EQUIPE

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Cancia Leirissa/ww

w.sxc.hu

A Bolívia é logo ali 22Moda do BEM 6

Mãe aos 40 30 Bastidores SPFW 32Mulheres que... 34

Conto 18A genética e as mulheres 40

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Paralela

Elise.Y/ww

w.flickr.com

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02

Revista de bolsa

comportamento

DEZEMBRO

2008Pa

rale

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