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Paralisia Braquial Obstétrica O PLEXO BRAQUIAL O Plexo Braquial é uma rede de nervos formados a partir das raízes cervicais de C5 a T1, sendo responsável pela inervação motora e sensitiva dos membros superiores. As lesões traumáticas mais comuns são as que acometem o tronco superior (formado pelos ramos ventrais das raízes C5 e C6) e o tronco inferior (formado pelos ramos anteriores de C8 e T1). O objetivo desta postagem não é revisar a anatomia do Plexo Braquial, mas para quem quiser relembrar, recomendo uma visita ao Site Aula de Anatomia. e para quem manja de inglês e quiser impressionar na hora da prova, tem um vídeo no Youtube que ensina a desenhar o plexo braquial em 10 segundos (OBS: o vídeo não dura 10 segundos, este é o tempo que você demora pra desenhar o plexo depois de aprender a técnica) Pois bem, voltando ao assunto: As lesões do tronco superior são geralmente causadas por trauma. Os exemplos mais clássicos são a queda sobre o ombro (figura1) ou tração do braço no momento do nascimento (figura 2). FIGURA 1- Queda resultando em afastamento brusco da cabeça em relação ao ombro e consequente lesão do plexo braquial.

Paralisia Braquial Obstétrica

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Paralisia Braquial Obstétrica O PLEXO BRAQUIALO Plexo Braquial é uma rede de nervos formados a partir das raízes cervicais de C5 a T1, sendo responsável pela inervação motora e sensitiva dos membros superiores. As lesões traumáticas mais comuns são as que acometem o tronco superior (formado pelos ramos ventrais das raízes C5 e C6) e o tronco inferior (formado pelos ramos anteriores de C8 e T1). O objetivo desta postagem não é revisar a anatomia do Plexo Braquial, mas para quem quiser relembrar, recomendo uma visita ao Site Aula de Anatomia. e para quem manja de inglês e quiser impressionar na hora da prova, tem um vídeo no Youtube que ensina a desenhar o plexo braquial em 10 segundos (OBS: o vídeo não dura 10 segundos, este é o tempo que você demora pra desenhar o plexo depois de aprender a técnica)

Pois bem, voltando ao assunto: As lesões do tronco superior são geralmente causadas por trauma. Os exemplos mais clássicos são a queda sobre o ombro (figura1) ou tração do braço no momento do nascimento (figura 2).

FIGURA 1- Queda resultando em afastamento brusco da cabeça em relação ao ombro e consequente lesão do plexo braquial.

FIGURA 2- tracionamento das raízes que formam o tronco superior do plexo braquial durante o parto.

Em ambos os exemplos, o mecanismo de lesão foi um afastamento da cabeça em relação ao ombro, causando estiramento das raízes nervosas e conseqüente dano estrutural. Isso sem contar que a lesão nervosa também pode ocorrer devido a lesões por armas de fogo e armas brancas. Na postagem de hoje irei focar somente na paralisia de Erb-Duchenne, deixando para outro dia os casos de lesões traumáticas em adultos.

Paralisia Obstétrica de Erb-Duchenne

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Nota Histórica:Em 1861, Guillaume Benjamin Amand Duchenne cunhou o termo “paralisia obstétrica do plexo braquial” após analisar quatro crianças que exibiam quadro idêntico de paralisia dos músculos do ombro e braço. Em 1874, Wilhelm Heinrich Erb concluiu em sua tese sobre lesões do plexo braquial em adultos que a paralisia associada dos músculos deltoid, biceps e subscapular ocorrem devido a lesões das raízes de C5 e C6 ao invés de lesões isoladas de nervos periféricos.

Lesões do Tronco Superior do Plexo BraquialA lesão do plexo tronco superior que ocorrem em conseqüências de partos difíceis (distocia + tocotraumatismo) com apresentação cefálica é classificada como paralisia obstétrica do tipo Erb-Duchenne.Aqui vai um parênteses: Não é raro que as mães culpem o obstetra por erro médico. Eu acho importante que nós, fisioterapeutas, tenhamos uma postura cética em relação a estes casos. O que quero dizer é que não devemos crucificar o médico junto com a mãe. Não, não se trata de botar panos quentes, ou de ter uma postura “ética”, mas sim de bom senso. Tente se colocar no lugar do obstetra que faz um parto extremamente trabalhoso. Pode ser que devido às dificuldades do parto, ele tenha tido de escolher, literalmente, entre fazer o parto de uma criança com lesão de plexo, ou fazer o parto de um encefalopata devido hipóxia perinatal. Não estou dizendo que não hajam casos de negligência, imperícia ou imprudência, mas é bom que consideremos que talvez estejamos tratando uma criança com paralisia braquial que escapou de ser um neuropata graças a habilidade de um obstetra.

Sinais e SintomasAo exame físico do lactente, pode ser observado reflexo de Moro assimétrico e RTCA somente para um dos lados, ambos causados pela paralisia muscular. O membro afetado assume uma posição característica: o braço ao lado do corpo, em rotação interna com antebraço estendido e pronado (figura 3A e 3B), conhecida como “postura da gorjeta do garçom” (como se fosse um garçom pedindo discretamente uma gorjeta – eu adoro a criatividade dos neurologistas!). A paralisia do bíceps é a principal causa desta posição.

FIGURA 3A - Postura de "gorjeta do garçom", causada principalmente pela paralisia do bíceps braquial.

FIGURA 3B- Postura de "gorjeta do garçom" em criança com paralisia de Erb

A criança mais velha pode exibir o “sinal do corneteiro” quando solicitada a levar a mão à boca. Acontece que devido a paralisia dos músculos do membro superior, ao tentar elevar o braço, a criança assume uma postura como se estivesse levando uma corneta à boca (não sei se eu já disse, mas estes neurologistas têm uma imaginação muito fértil ! ) Infelizmente não consegui

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nenhuma imagem deste sinal para ilustrar a postagem.Com o passar do tempo, pode se desenvolver contratura em rotação interna, a qual pode gerar alterações ósseas secundárias (aumento da retroversão da glenóide) e a longo prazo subluxação posterior do ombro.Dependendo do grau da lesão, o desuso do membro e alterações do desenvolvimento nervoso e circulatório, podem comprometer o crescimento do membro, acarretando hipotrofia do braço afetado.Dependendo do grau de lesão, a paralisia obstétrica pode ter indicação cirúrgica, ou se resolver espontaneamente ao longo de alguns meses. Em muitos casos a lesão não tem indicação cirúrgica e o tratamento é conservador com Terapia Ocupacional e/ou Fisioterapia. Neste caso, é importante ter em mente que estamos tratando uma lesão neurológica estável. Ou seja: o nervo já foi danificado e não há recuperação! Nosso trabalho será principalmente o de orientar e posturar, prevenindo contraturas e deformidades, além de junto com a TO potencializar ao máximo a função residual do membro.

TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO DE CRIANÇAS COM PBOEste protocolo é apenas uma recomendação e as orientações podem variar de paciente para paciente. Por isso antes de iniciar o tratamento, coloque seus neurônios para fosforilar e não se prenda a receitas de bolo.O guideline do Kwait divide o tratamento em cinco fases divididas de forma cronológica. É interessante notar que cada uma das fases possui objetivos bem delimitados. Eu pessoalmente achei esta organização muito interessante, pois não é um protocolo burro, que engessa o tratamento, mas sim algo dinâmico e que permite adaptações em cada uma das fases.

FASES DE TRATAMENTOFase 1. Primeiras duas semanasFase 2. De 2 semanas aos 4 mesesFase 3. Dos 4 aos 6 mesesFase 4. Dos 6 meses ao primeiro anoFase 5. Do primeiro ao quarto ano.

Em relação aos cuidadores:A participação da mãe (ou do cuidador) é fundamental para o sucesso do tratamento. A pessoa responsável pelos cuidados da criança deverá assistir a todas as sessões para aprender com o fisioterapeuta e/ou Terapeuta Ocupacional as técnicas de manuseio e os ajustes posturais.

Fase 1: Primeiras 2 semanasObjetivos Específicos: Educar o cuidador no manuseio e posicionamento da criança nas atividades de vida diária.

Nesta fase, a ênfase do tratamento é para a capacitação da mãe e/ou cuidador, com instruções e demonstrações de cuidados domiciliares.

1. Manuseio e posicionamento:• Instrua os pais para manter o braço preferencialmente em supinação e rotação externa (posição oposta à “gorjeta do garçom”).• Educar os pais para observar a cabeça do paciente e mantê-la o máximo de tempo possível na linha média e usar uma almofada em forma de “C” (Fig. 1 e 2). Quando o paciente estiver em prono, não permita que a cabeça fique posicionada somente para um dos lados, modifique a posição de modo que alterne entre ambos os lados.

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• Oriente para que o braço não fique solto no espaço quando a criança estiver no colo (Fig3). A mãe pode manter o cotovelo flexionado sobre o peito, mas não por longos períodos de tempo

(Fig4).

• Oriente a NUNCA puxar ou levantar a criança pelo braço afetado.Ensine aos pais a maneira correta de envolvê-lo em cobertas (Fig.5).

2. Atividades da vida diária:• Para vestir uma blusa ou casaquinho na criança, comece sempre pelo braço afetado e para despir, inicie sempre pelo o braço não afetado.• Banho e higiene: Orientar a mãe para manter a axila sempre limpa e seca. No banho, apóie o ombro afetado e a escápula com uma mão (evite de deixar o bracinho balançando sem apoio) e lave o bebê com a sua outra mão livre.• Alimentação: manter sempre o braço afetado fletido sobre o tórax do bebê ao alimentá-lo, e lembrar a mãe para alimentar o bebê tanto pela direita quanto pela esquerda.

3. Mobilização Passiva: Mobilize suavemente na ADM passiva as articulações do ombro, cotovelo e articulações do punho (estabilizar a articulação proximal e movimentar a distal).

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Fase 2: De duas semanas - 4 mesesObjetivos específicos:A) Melhorar a ADM, Sensibilidade e força muscular.B) Prevenir encurtamentos muscularesC) Garantir ao aquisição dos marcos de desenvolvimento motor adequados à idade (controle da cabeça, reações de endireitamento).

1. Continuar as mesmas condutas de cuidados domiciliares da primeira fase.2. Se já houver encurtamento muscular, utilizar de modalidades de calor superficial, durante 15 min (eu pessoalmente nunca fiz calor superficial como pré-cinesioterapia em bebês... se alguém tiver alguma experiência colabore com o Blog!).3. Exercícios suaves e lentos dentro da ADM disponível devem ser utilizados para manter a flexibilidade das articulações (Fig. 6 e 7).

4. Treinamento motor precoce com atividades adequadas a faixa etária (por favor, respeitem os marcos motores!) devem ser utilizados para incentivar movimento e evitar compensações com padrões de movimento inadequados (Fig8).

5. A estimulação tátil é na extremidade afetada pode ser feita ao se utilizar materiais com diferentes texturas, vibração e técnicas de escovamento para aumentar a percepção tátil do braço afetado.6. Exercícios de descarga de peso são utilizados para aumentar o input proprioceptivo e co-contração isométrica (Fig9).

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Estágio 3: dos 4 aos 6 mesesObjetivos específicos:A) Aumentar/manter a ADM, sensibilidade e força muscular.B) Alcançar os marcos motores e habilidades apropriadas à idade (rolar, reações de proteção e alcance).C) Prevenir contraturas e deformidades articulares.

1. Continuar o mesmo programa dos estágios 1 e 2.2. Encorajar atividades bimanuais para prevenir a negligência da extremidade envolvida. Principalmente para prevenir o desuso aprendido.3. Caso seja necessário, pode-se utilizar órteses para prevenir maiores deformidades ou para iniciar os movimentos (Apêndice C do guideline original).4. Terapia com bolas e rolos podem também ser utilizados para aumentar a mobilidade, força e input proprioceptivo e reações vestibulares, de retificação, equilíbrio, reações de proteção e

coordenação (Fig 10 e 11). Observação: Fique atento para alterações circulatórias quando aplicando as órteses, como pontos de pressão vermelhos, edema, dormência ou resfriamento.

Estágio 4: Dos seis meses ao primeiro ano de vida.Objetivos específicos:A) Aumentar/manter a ADM, sensibilidade e força muscular.B) Alcançar os marcos motores e habilidades apropriadas à idade

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(sentar, engatinhar, ortostatismo e marcha).C) Prevenir contraturas e deformidades articulares.

1. Continuar o mesmo programa dos estágios 1, 2 e 3.2. Conforme a criança cresce, a força e a coordenação melhoram pelo uso ativo do braço afetado. Fisio e TO devem estar atentos para utilizar atividades apropriadas ao desenvolvimento de modo a desenvolver e estimular habilidades funcionais específicas (Fig 12

e 13). 3. Embora o uso de eletroestimulação seja controverso e sua eficácia não tenha sido devidamente testada, ela pode ser usada em caso de mau prognóstico (a partir do sexto mês), com Eletro estimulação tipo Galvânica de 15 repetições para evitar a atrofia muscular e aumentar a percepção do membro Ref (1).

Estágio 5: De um a 4 anos.Objetivos específicos:A) Alcançar os marcos motores e habilidades apropriadas à idade ( habilidades com jogos e movimentos finos)B) Prevenir o desuso aprendido.C) Prevenir contraturas e deformidades articulares.

1. Quando apresenta contratura muscular, utilizar modalidades de calor superficial, durante 15 min. seguido de massagem ou técnica de liberação miofascial (lembrando que se houver alteração da sensibilidade esta conduta dever ser realizada com extrema cautela) .2. Incentive as atividades bimanuais como jogos nos quais a criança precise segurar uma bola (basquete, queimado), subir uma escada, natação (Fig 14 e 15). Avalie bem o paciente, pois dependendo da gravidade da lesão estas atividades podem ser prejudiciais (principalmente aquelas em que a criança se pendura, como na figura 14 - se eu não tenho bons estabilizadores proximais, corre-se o reisco de uma nova lesão nervosa, desta vez do plexo inferior. Portanto MUITA ATENÇÃO!) .

3. Facilitar as atividades da vida diária e os movimentos finos para aumentar a força e a coordenação do braço afetado e mão.4. Hidroterapia:Ele pode ser introduzido nesta fase para evitar a tensão muscular, melhorar o controle muscular, aumentar a ADM, além de ser divertido para a criança.

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CONSIDERAÇÕES FINAISAntes de iniciar o tratamento, algumas considerações:1. Se houver luxação de ombro ou cotovelo, a articulação afetada deve ser estabilizada e apenas exercícios em cadeia cinética fechada deverão der utilizados.2. Em casos de artrite juvenil de ombro, deve ser evitada a compressão articular (aproximação do úmero contra a glenóide) e todos os exercícios deverão ser realizados dentro da ADM livre de dor.3. Apenas mobilizações suaves devem ser utilizadas quando há lesão dos tecidos moles.4. Se houver fratura na clavícula, inicie o tratamento após duas semanas de repouso, e uma radiografia recente se faz necessária para confirmar a consolidação da fratura.5. O tratamento deve ser interrompido se o paciente desenvolver uma doença infecciosa, ferida aberta, ou febre.6. Modalidades térmicas de tratamento não devem ser utilizadas se houver perda de sensibilidade.

REFERÊNCIAS

PHYSICAL THERAPY MANAGEMENT of obstetric brachial plexus injury - Committee of Physical Therapy protocols, Office of Physical Therapy Affairs, Ministry of Health,Kuwait.

Guidelines on initial management and referral of Obstetric Brachial Plexus Palsy - Yorkhill Hospital,Glasgow, National Obstetric Brachial Plexus Injury Service

Exercícios de ADM Passiva para criança com PBO