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Ministério Público de Contas do Estado de Rondônia Procuradoria-Geral de Contas 2 - II Fls.n o . Proc.n o 2278/11 .............. 1 PARECER Nº 362/2011 PROCESSO: 2278/2011 ASSUNTO: Fiscalização de Atos e Contrato 1 – Concessão de Isenção da Cobrança de ICMS nas Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau RELATOR: Conselheiro Paulo Curi Neto Tratam os vertentes autos de denúncia, formulada pelo Senhor Francisco das Chagas Barroso, que tem por objeto a ilegitimidade da concessão de isenção da cobrança de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, beneficiando as empresas geradoras e concessionárias de transmissão de energia elétrica, nas hipóteses previstas no Convênio ICMS 47/2011, que originou a lei nº 2.538/2011. O Corpo Técnico, em seu primeiro relatório 2 , defendeu de forma incisiva a legitimidade ativa do Estado de 1 Conforme expedido mais adiante, necessária a retificação da autuação do processo, já que a denúncia apresentada atendeu aos pressupostos legais.

Parecer do Ministério Público de Contas · Técnica do Tribunal. Nada obstante o defendente alegue que a importação de máquinas e equipamentos por outro Estado não afronta o

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Ministério Público de Contas do Estado de Rondônia

Procuradoria-Geral de Contas

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Fls.no. Proc.no 2278/11 ..............

1

PARECER Nº 362/2011 PROCESSO: 2278/2011

ASSUNTO: Fiscalização de Atos e Contrato1 – Concessão de

Isenção da Cobrança de ICMS nas Usinas

Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau

RELATOR: Conselheiro Paulo Curi Neto

Tratam os vertentes autos de denúncia, formulada

pelo Senhor Francisco das Chagas Barroso, que tem por objeto a

ilegitimidade da concessão de isenção da cobrança de Imposto

Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de

Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação –

ICMS, beneficiando as empresas geradoras e concessionárias de

transmissão de energia elétrica, nas hipóteses previstas no

Convênio ICMS 47/2011, que originou a lei nº 2.538/2011.

O Corpo Técnico, em seu primeiro relatório2,

defendeu de forma incisiva a legitimidade ativa do Estado de

1 Conforme expedido mais adiante, necessária a retificação da autuação do processo, já que a denúncia apresentada atendeu aos pressupostos legais.

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Rondônia para a cobrança do tributo, além de vislumbrar

ilegalidade na pretensa isenção, sustentando, para tanto,

infringência a dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal,

bem como a diversos Princípios de Direito Público, tais como

moralidade, razoabilidade, proporcionalidade e a supremacia do

interesse público sobre o privado.

Das irregularidades capitaneadas pela Unidade

Técnica do Tribunal de Contas foram cientificados, para fins de

apresentação de justificativas, os Senhores Confúcio Aires Moura

– Governador do Estado de Rondônia; e Benedito Antônio Alves –

Secretário de Estado das Finanças – SEFIN.

Somente este último veio aos autos, rechaçando

integralmente, em seu pronunciamento3, as irregularidades aduzidas

pelo Corpo Técnico, lastreado, em suma, nas seguintes premissas:

a) a caracterização das máquinas e equipamentos como

insumos de uma obra de construção civil inviabilizaria a

cobrança do diferencial de alíquotas de ICMS, conforme

súmula 432 do STJ;

b) as empresas (construtoras das hidrelétricas) não são

obrigadas a importar pelo Estado de Rondônia, podendo fazê-

lo por qualquer outro Estado da Federação e depois realizar

a transferência para as usinas, valendo-se da aplicação da

Súmula 166 do STJ para não recolher ICMS;

2 Fls. 50/102. 3 Fls. 111/117.

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c) o valor do crédito advindo do ICMS não foi considerado

no momento da elaboração do orçamento, em face do que

“eventual dispensa ou a não realização” não afetará o

orçamento aprovado, não subsistindo afronta à Lei de

Responsabilidade Fiscal.

O Corpo Instrutivo, em seu derradeiro relato4,

considerou que as justificativas carreadas ao processo pelo

Secretário da SEFIN não deveriam prosperar, pugnando pela

manutenção de todas as irregularidades anteriormente apontadas.

É o breve relato.

Por intróito, insta consignar a necessidade de

reautuação do feito, nos termos aduzidos pelo Corpo Técnico,

tendo em vista que a denúncia apresentada pelo Senhor Francisco

das Chagas Barroso atendeu aos pressupostos de admissibilidade

insculpidos em lei. Não há, portanto, que se falar em

fiscalização de atos e contratos, nomenclatura, como se sabe,

adequada aos trabalhos desenvolvidos ex officio pela Corte de

Contas.

Avançando no mérito do caso trazido à baila,

percebe-se que o cerne da questão cinge-se à isenção da cobrança

de ICMS, concedida pelo Estado de Rondônia por meio da Lei nº

2.538/20115, em relação à:

4 Fls. 120/164. 5 Saliente-se que, inicialmente, o benefício havia sido concedido por meio da lavratura de convênio. No entanto, a aprovação da referida lei faz com que sejam desnecessárias maiores elucubrações sobre o teor do convênio antes celebrado.

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(i) importação de máquinas, aparelhos e

equipamentos, suas partes e peças e outros materiais, sem similar

nacional;

(ii) aquisição e transferência interestadual de

bens destinados a integrar ativo imobilizado, adquiridos para a

construção e operação das usinas hidrelétricas e linhas de

transmissão por empresas geradoras e concessionárias de

transmissão de energia elétrica, relacionadas às Usinas de Santo

Antônio e Jirau, no Rio Madeira6.

Com vistas ao adequado entendimento das hipóteses

de isenção supracitadas, proceder-se-á à análise apartada da

matéria, nos tópicos subsequentes.

I – Importação de Máquinas, Aparelhos e Equipamentos

O regime relativo à incidência do ICMS nas

importações está insculpido no art. 155, § 2º, IX, “a”, da

Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

IX - incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua

6 Art. 2º da Lei nº 2.538/2011.

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finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) grifou-se

Percebe-se que o texto constitucional estabelece

de forma inexorável que as operações de importação que envolvam a

entrada de bens ou mercadorias caracterizam fatos geradores do

imposto. Nesse sentido, tanto a doutrina quanto a jurisprudência

são uníssonas.

Na situação em comento, que envolve a

possibilidade de cobrança de ICMS em relação à importação de

máquinas, aparelhos e equipamentos, sem similar nacional, para

utilização nas Usinas em construção no Rio Madeira, a incidência

de ICMS é incontroversa, sendo admitida pelo próprio Secretário

da SEFIN7.

A justificativa para a concessão de isenção

estaria consubstanciada, segundo consta, no fato de que as

empresas não seriam “obrigadas a importar pelo Estado de

Rondônia”, podendo “fazê-lo por qualquer outro Estado e depois

realizar a transferência para as usinas”.

Explicando em miúdos a alegação do Secretário da

SEFIN, tem-se que algumas empresas responsáveis pela construção

das hidrelétricas possuem estabelecimento tanto em Rondônia

7 Afirma o Secretário, em trecho de sua peça de defesa, que “não existem dúvidas acerca da incidência do ICMS nas operações de importação”.

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(filiais) quanto em outros Estados da Federação8 (matriz). Dessa

forma, poderiam importar as máquinas, aparelhos e equipamentos

necessários por esses e, em seguida, remeter às filiais

localizadas em Rondônia. O transporte dos bens, por sua vez,

estaria amparado pela Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça,

que aduz que “não constitui fato gerador do ICMS o simples

deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do

mesmo contribuinte”.

O procedimento, se efetivado, constituiria, a

toda evidência, tentativa de burla à competência tributária ativa

do Estado de Rondônia. Tendo em vista que a incidência do ICMS

em operações que envolvam a importação de bens e mercadorias é

resguardada constitucionalmente, pode-se invocar o Método Tópico-

Problemático de interpretação constitucional para o exame da

questão.

Segundo leciona J.J Gomes Canotilho9:

“o método tópico de interpretação constitucional parte das

seguintes premissas: a) caráter prático da interpretação

constitucional, haja vista que toda interpretação visa

resolver problemas concretos; b) caráter aberto,

fragmentário ou indeterminado da lei constitucional;

preferência pela discussão do problema em virtude da

textura aberta das normas constitucionais que não permitem

qualquer dedução subsuntiva a partir delas mesmo.’

8 É o caso, v.g., da empresa Energia Sustentável do Brasil S.A, que possui sede no Rio de Janeiro. 9 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1999, pag. 1.137.

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Vê-se que, de acordo com esse Método, a

interpretação constitucional deve partir do problema enfrentado

diante de um caso concreto para a norma regulamentadora da

matéria, tudo em busca da solução mais justa da pendenga.

Nesse diapasão, saliente-se que o vocábulo

“topoi” (do qual deriva a expressão “Tópico-Problemático”),

trazido à tona inicialmente por Aristóteles, no Livro I da

Tópica, significa:

“pontos de vista utilizáveis e aceitáveis em toda parte,

que se empregam a favor ou contra o que é conforme a

opinião aceita e que podem conduzir a verdade.

[...] tratado se propõe encontrar um método de

investigação graças ao qual possamos raciocinar, partindo

de opiniões geralmente aceitas, sobre qualquer problema que

nos seja proposto, e sejamos também capazes, quando

replicamos a um argumento, de evitar dizer alguma coisa que

nos cause embaraço10."

Trazendo a lição para o mundo jurídico, é

possível afirmar que a tópica é a técnica de raciocínio que se

dirige especificamente ao problema e, por meio da utilização de

opiniões geralmente aceitas, tem o escopo de ofertar ao jurista

uma solução consentânea com o conceito de justiça.

10 VIEHWEG, THEODOR. Tópica e Jurisprudência. Brasília, Departamento de

Imprensa Nacional, 1979, Trad. Tércio Sampaio Ferraz Jr., pag 27.

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O STF já utilizou por diversas vezes a técnica na

solução de questões constitucionais, cumprindo destacar caso em

que se desconsiderou a vedação constitucional de violação ao

sigilo das correspondências, legitimando-se a leitura de cartas

oriundas de presos, os quais se valiam da regra para praticar

crimes. O fundamento primordial para a decisão lastreou-se na

premissa (topoi) de que o direito não pode servir de manto

protetor para a prática de condutas ilícitas.

Na situação em apreço, a par do propósito

manifestamente argiloso dos contribuintes, não se mostra justo (e

nem jurídico, como expendido adiante) que valores relativos a

impostos sejam destinados a outro Estado, quando todos os

impactos das obras, mormente ambientais, serão suportados pela

população rondoniense.

Assim, ainda que o estratagema alardeado em

defesa seja levado a cabo, decerto não encontrará guarida nos

tribunais pátrios, principalmente levando-se em conta a

existência do precedente do STF trazido à tona pela Unidade

Técnica do Tribunal.

Nada obstante o defendente alegue que a

importação de máquinas e equipamentos por outro Estado não

afronta o posicionamento da Suprema Corte no exame do Recurso

Extraordinário nº 268.586, não é o que se pode aferir da leitura

da decisão.

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Na espécie, contribuinte que possuía

estabelecimentos nos Estados do Espírito Santo e São Paulo

importou, pelo primeiro, mercadorias que foram destinadas

diretamente a empresas situadas no segundo, valendo-se de relação

jurídica de cunho privado firmada entre ambos.

A peculiaridade da negociação residia no fato de

que a empresa situada no Estado do Espírito Santo gozava de

benefícios fiscais, ou seja, o artifício utilizado pelo

contribuinte permitia o desembaraço aduaneiro no Estado de São

Paulo, de mercadorias importadas, com o recolhimento do tributo

em valores significativamente inferiores.

Verifica-se que se trata de situação que guarda

íntima correlação com a pretensão que teria sido externada pelos

consórcios que se beneficiariam da isenção, no sentido de

importar por estabelecimento situado em outro Estado e depois

transportar os bens para Rondônia.

É o que se pode depreender do relato do Eminente

Ministro Cezar Peluso, in verbis:

“1. Insurge-se a recorrente contra o acórdão do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo que manteve sentença, a qual

reconheceu a esse Estado competência para exigir o ICMS

incidente na importação realizada por OCEANIA IMPORTAÇÃO E

EXPORTAÇÃO LTDA, empresa situada no Estado do Espírito

Santo, e cuja mercadoria foi remetida ao estabelecimento

paulista da mesma recorrente.” Grifou-se

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O Ministro Relator do feito, Marco Aurélio de

Mello, em seu voto, repeliu veementemente a intenção astuciosa do

contribuinte:

“Poucas vezes defrontei-me com processo a revelar drible

maior ao fisco. O acordo comercial FUNDAP, formalizado

entre a importadora e a ora recorrente, é pródigo na

construção de ficções jurídicas para chegar-se à mitigação

do ônus tributário, isso em vista do fato de a importadora

encontrar-se cadastrada no sistema FUNDAP, tendo jus, por

isso, a vantagens fiscais.

[...] Onde a lealdade aos princípios básicos à vida

democrática, aos princípios assentados na Lei Maior? A toda

evidência, tem-se quadro escancarado de simulação”.

O Ministro Cezar Peluso, em voto-vista que se

mostrou consentâneo com o do Relator, interpretou com propriedade

a cláusula final do art. 155, § 2º, IX, “a”, da CF/88, que

estabelece caber “o imposto ao Estado onde estiver o domicílio ou

o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bens ou

serviço”.

“O decisivo é saber a quem, segundo o teor do negócio

jurídico subjacente ao ato material da importação, é

destinada a mercadoria que o próprio adquirente ou, por

ele, terceiro traz do exterior. Isto é, quem adquire a

mercadoria à importação”.

[...] Cumpre apurar então, no caso, quem é, na acepção

designada, o destinatário da mercadoria, se a importadora

domiciliada no Espírito Santo, ou a recorrente com

domicílio em São Paulo”

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[...] O destinatário é, pois, sem sombra de dúvidas, para

efeitos de incidência do ICMS na importação, a ora

recorrente. A emissão de notas fiscais da saída pela

empresa importadora OCEANIA IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. e

o errôneo recolhimento do imposto no Estado do Espírito

Santo não desnaturam o negócio jurídico realizado entre a

recorrente e o exportador. A importadora foi só

intermediária na aquisição, não destinatária da

mercadoria.” grifou-se

O voto resultou no desprovimento do recurso

interposto pela empresa contribuinte, acarretando a edição da

seguinte ementa:

“ICMS - MERCADORIA IMPORTADA - INTERMEDIAÇÃO - TITULARIDADE DO TRIBUTO. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços cabe ao Estado em que localizado o porto de desembarque e o destinatário da mercadoria, não prevalecendo a forma sobre o conteúdo, no que procedida a importação por terceiro consignatário situado em outro Estado e beneficiário de sistema tributário mais favorável." (RE nº 268.586, rel. Min. MARÇO AURÉLIO, 1ª Turma, DJ de 18.11.2005). No mesmo sentido: (AI nº 765.892, rel.Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJ de 25.08.2009) 3. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei nº 8.038, de 28.05.90, e art. 557 do CPC). Publique-se. Int..Brasília, 28 de janeiro de 2010.Ministro CEZAR PELUSO Relator.” grifou-se

Sendo extreme de dúvida que o ICMS cabe ao Estado

de destino final da mercadoria ou bem, e que, no caso em comento,

todas as máquinas e equipamentos serão empregados nas obras

realizadas em Rondônia, inequívoco que este será o sujeito ativo

do tributo, independentemente de qualquer artifício utilizado

pelas empresas construtoras.

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Demais disso, o estado avançado das obras e os

efeitos retroativos concedidos pela lei nº 2.838/2011, permitem

inferir que diversos equipamentos importados já adentraram no

solo estadual, tendo ocorrido o fato gerador do tributo, de modo

que a ficção alardeada pelas concessionárias seria inviável.

Também não parece crível pressupor que as

responsáveis pelo empreendimento promoveriam a importação por

outros Estados, já que, em todo caso, teriam que recolher o

imposto na localidade, além de terem de arcar com custos

adicionais e com a eventual incidência do diferencial de alíquota

pelo transporte interestadual.

Sob outra óptica, transbordando-se a matéria para

o ramo tributário, pode-se apontar que a importação, por outro

Estado da Federação, dos bens necessários à operacionalização das

Usinas, constituiria alusão fiscal, ou como preferem alguns

especialistas, elisão ineficaz.

Em estudo sobre o tema, César A. Guimarães

Pereira elenca três formas distintas de o contribuinte se eximir

do pagamento de tributos, quais sejam: evasão tributária, elisão

tributária eficaz e elisão tributária ineficaz.

Preleciona o autor que:

“No segundo caso (elisão ineficaz), a Administração

tributária comprova a existência de negócio simulado e o

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desconsidera através de lançamento de ofício. No primeiro

caso (elisão eficaz), o negócio elisivo é enquadrado na

hipótese normativa ou na área de omissão legislativa

visadas pelo particular (ou seja, recebe a qualificação

jurídica proposta pela conduta elisiva), sem que nada possa

ser objetado pela Administração tributária ou pelo Poder

Judiciário)”.11

Heleno Taveira Tôrres, por sua vez, aduz:

“No caso da alusão, o contribuinte assume o risco pelo

resultado, visando a uma tributação menos onerosa, mediante

o uso de meios atípicos, seja para evitar a ocorrência do

fato gerador, seja para pô-lo em subsunção com uma norma

menos onerosa. Aqui já não se trata de economia de

tributos; outrossim, sem que sua atitude se constitua numa

modalidade de simulação, num agir impulsionado por

escapatória, ardil, escamoteação, estratagema, subterfúgio,

visando prejudicar a aplicação da legislação tributária12.”

Diante da materialização do procedimento de

simulação, caberia à Administração Tributária, de imediato,

frustrar os fins almejados pelos sujeitos passivos do imposto,

procedendo imediatamente o lançamento de ofício.

11 PEREIRA, César A. Guimarães. Elisão tributária e função administrativa. São

Paulo: Dialética, 2001, p.212.

12 MARINS, James (coord.). Tributação & antielisão. Curitiba: Juruá, 2002, p.

36-37.

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Caberia à parte, entendendo plausível, ingressar

com contenda judicial, fazendo valer seu direito subjetivo de

ação. O que se mostra inadmissível, na espécie, é o Estado,

diante da ameaça efetivada pelos contribuintes, deixar,

simplesmente, de realizar a cobrança de tributos cuja incidência

é incontestável.

II – Das Operações Interestaduais

No que se refere à aquisição e transferência

interestadual de bens destinados aos ativos das empresas

responsáveis pela construção das hidrelétricas do Rio Madeira,

constata-se, de fato, a existência de grande controvérsia acerca

da possibilidade de cobrança do imposto.

O Corpo Técnico defende de maneira incisiva a

incidência do ICMS na espécie, considerando, para tanto, que o

maquinário e os equipamentos serão utilizados na produção de

energia elétrica, integrando o ativo imobilizado das empresas.

O próprio defendente parece concordar com o

entendimento, ao afirmar que:

“o Estado tem defendido a incidência do ICMS diferencial de

alíquotas das máquinas e equipamentos utilizados para

geração de energia elétrica sob o fundamento de que são

componentes do ativo imobilizado do estabelecimento,

possibilitando, inclusive a utilização do crédito fiscal

desse ativo, nos termos da LC. 87/96.

Pela tese do Estado as turbinas e os equipamentos não são

considerados como insumos de uma obra em execução por

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empresa de construção civil, mas sim máquinas e

equipamentos destinados ao ativo imobilizado de

contribuinte do imposto.”

Nada obstante, o Senhor Wagner Luis da Souza

alerta, de um lado, que as empresas beneficiárias da isenção não

concordam com a tributação, ameaçando efetivar contestação

judicial, e, de outro, que existe a possibilidade de que tais

equipamentos sejam considerados insumos de uma obra da construção

civil, em face do que seria possível aplicar a Súmula nº 432 do

Superior Tribunal de Justiça – STJ, que estatui:

“Súmula 432: As empresas de construção civil não estão obrigadas a pagar ICMS sobre mercadorias adquiridas como insumos em operações interestaduais.”

Nesse sentido, citando a “caracterização das

turbinas como parte indissociável de obra de construção civil”,

vale-se do RE nº 947.935 – RS, da mesma Egrégia Corte, precedente

que evidenciaria a impossibilidade de cobrança de ICMS na

vertente situação.

Pois bem, o exame acurado dos precedentes

judiciais trazidos à tona não contribui de forma definitiva para

o deslinde da contenda. A questão, sem sombra de dúvidas, pode

gerar intenso debate jurídico perante o Poder Judiciário e o

resultado da lide é deveras imprevisível.

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Apesar disso, não pode o gestor simplesmente

dispor de potenciais recursos públicos, devendo, se for o caso,

em atenção aos diversos princípios e regras que regem a atuação

da Administração Pública, litigar até as últimas instâncias em

prol do interesse do Estado.

III – Da Infringência a Princípios Constitucionais e ao Regime

Jurídico Administrativo

Não é inoportuno salientar que a ameaça de

impetração de medidas judiciais, feita pelos consórcios

responsáveis pela construção das Usinas do Madeira, não se presta

a justificar a concessão de benefício que ultrapassa a cifra dos

milhões, notadamente na espécie, em que é possível se constatar,

sem grande esforço, a afronta a regras comezinhas de Direito

Público.

Com efeito, não se pode olvidar que a relação

jurídica controvertida se insere dentro do Regime Jurídico

Administrativo13, devendo, dessa forma, obedecer, além dos

Princípios de Direito Constitucional, também aos de Direito

Administrativo.

13 O Direito Tributário, não custa dizer o óbvio, é ramificação didática do próprio Direito Administrativo e, como tal, deve seguir as mesmas normas que o regem.

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O assunto, vale destacar, já mereceu extensa

abordagem nas duas manifestações do Corpo Instrutivo, razão pela

qual se evitará a repetição desnecessária de teses devidamente

lançadas.

Avançando, é clarividente a afronta aos

Princípios que são considerados “pedras de toque”14 da matéria.

Deveras, a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado parece

subjugada diante da isenção em apreço.

Isso porque, o benefício, diante do contexto

fático experimentando (que inclui a propensão natural do Estado

para o empreendimento, a situação avançada das obras e a

relevância econômica dessas para o país), aparenta resguardar

mais os interesses dos consórcios construtores do que os da

sociedade, que poderia ser beneficiada de inúmeras formas com os

recursos advindos da arrecadação do ICMS.

Outrossim, patente o desrespeito ao Princípio da

Indisponibilidade do Interesse Público, que determina que o

gestor não pode dispor livremente de bens e interesses do Estado,

que devem ser manejados exclusivamente em benefício da

coletividade. Nessa esteira, verifica-se que a benfeitoria

trazida ao Estado pela concessão da isenção não é palpável,

mormente em face da ausência de critérios relativos a eventuais

compensações, tema que será abordado com pormenores mais adiante.

14 A expressão é de autoria do doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, que a utiliza em referência aos Princípios da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e da Indisponibilidade do Interesse Público.

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18

Cumpre consignar, ainda, afronta chapada ao

Princípio da Isonomia, consubstanciada no fato de que a isenção é

direcionada exclusivamente aos consórcios responsáveis pela

construção das usinas, não contemplando quaisquer outras empresas

que importem bens, sem similaridade no país, ou adquiram e

realizem a transferência interestadual de bens destinados a

integrar ativo imobilizado15.

Ressalte-se que a concessão do benefício esbarra

também nos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.

Acerca do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello16, com a

propriedade que lhe é peculiar, obtempera:

“Procede, ainda, do Princípio da legalidade o Princípio da

proporcionalidade do ato à situação que demandou sua

expedição. Deveras, a lei outorga competências em vista de

certo fim. Toda demasia, todo excesso desnecessário ao seu

atendimento, configura uma superação do escopo normativo.

Assim, a providência administrativa mais extensa ou mais

intensa do que o requerido para atingir o interesse público

insculpido na regra aplicanda é inválida, por consistir em

um transbordamento da finalidade legal.”

Mais adiante, preleciona ainda o renomado autor,

in verbis:

15 A constatação se acentua diante da assertiva de que o Estado considera, ordinariamente, a incidência do imposto nas hipóteses de isenção previstas na lei, conforme informação trazida pelo próprio Secretário da SEFIN. 16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25ª Ed., Malheiros, 2007, p. 79 e 108.

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19

“Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador

certa liberdade (margem de descrição) significa que deferiu

o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a

serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual

delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja

outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito,

de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou

critérios personalíssimos, e muito menos significa que

liberou Administração para manipular a regra de Direito de

maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos

pela lei aplicanda.”

No caso sub examine, o Estado finda concedendo

benefício a empresas particulares diante da possibilidade de

receber, em contrapartida, investimentos, nos termos previstos no

inciso III, § 2º, do art. 2º da Lei nº 2.538/2011, ipsis

litteris:

“Art. 2º. [...]

§ 2º. A fruição da isenção prevista neste artigo fica

condicionada:

III – à celebração de termo de compromisso, nos termos do

anexo único, objetivando a realização pelas empresas

beneficiárias de outros investimentos no Estado e aumento

das compensações, além das obras especificadas neste

artigo.”

O procedimento, a toda prova, não é o mais

adequado para a consecução do fim desejado pelo Estado, qual

seja, a prestação de serviços públicos à sociedade. Ora, é

axiomático que só há que se falar em isenção diante de fato

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tributável. Estando diante de hipótese de incidência do imposto,

não subsiste motivo para a busca de forma diversa de prestação de

serviços, que não perpasse pela arrecadação de recursos públicos,

principalmente tendo em conta as diversas repercussões do

ingresso de valores no erário.

Deveras, a Atividade Financeira do Estado obedece

a diversas normas de Direito Público que visam, sobretudo,

proteger a probidade administrativa e o emprego regular de

valores públicos.

Nesse sentido, o Estado deve efetivar, querendo

adquirir bens, realizar obras ou prestar serviços, procedimento

licitatório, que deve necessariamente observar o Princípio da

Igualdade, possibilitando a participação de todo e qualquer

interessado que atenda aos requisitos previstos em lei e no

edital, tudo com o escopo de trazer ao Estado a proposta mais

vantajosa.

A execução da despesa pública, por sua vez, deve

seguir criteriosamente as fases previstas na Lei nº 4.320/6417,

que possibilitam o controle de gastos e, em última instância, a

responsabilização dos agentes públicos que deixarem de observar

prescrições legais.

Não se pode esquecer, ainda, que o montante da

Receita Pública repercute diretamente na Receita Corrente

17 Empenho, liquidação e pagamento.

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Líquida, que é parâmetro para alguns relevantes “limites” que

devem ser observados pelo Poder Públicos, como, v.g., a

remuneração de pessoal.

De mais a mais, todo e qualquer gasto perpetrado

de forma irregular pela Administração Pública possibilita a

punição mais severa dos agentes responsáveis, nos termos

previstos no Código Penal (Crimes Contra a Administração Pública,

Crimes Contra a Lei de Licitações, Crimes Contra as Finanças

Públicas, etc.) e na Lei de Improbidade Administrativa.

Vê-se, pois, que a pretensão de delegar aos

consórcios a realização de investimentos ou de compensações, além

de infringir diretamente diversos Princípios de Direito Público,

finda por enfraquecer o controle de gastos, facilitando o desvio

de verbas públicas.

IV – Das Compensações e Investimentos como Contrapartida pela

Isenção

Observando-se o inciso III, § 2º, do art. 2º da

Lei Estadual nº 2.538/2011, percebe-se que o gozo efetivo da

isenção concedida é condicionado à celebração de Termo de

Compromisso, que tem por objeto a realização, por parte das

beneficiárias, de “outros investimentos no Estado e aumento das

compensações“.

Ocorre que a apreciação do referido Termo de

Compromisso (anexo único da lei) indica a absoluta falta de

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critério no que diz respeito aos “investimentos na área social”

que os consórcios se comprometerão a realizar. Não existe

especificação de quais seriam esses investimentos e em que local

eles se dariam.

Inexiste ainda estipulação do valor da

“contrapartida” dos consórcios beneficiários, de forma que, no

que atine a esses, o Termo caracteriza verdadeiro “cheque em

branco”. Demais disso, a cláusula segunda do citado instrumento

aduz que os valores aplicados a título de investimento deverão

guardar consonância com “especificações contidas em planilha em

anexo”. Ocorre que não existe nenhuma planilha anexada à lei ou

ao Termo de Compromisso.

Impende citar, ainda, a incoerência verificável

na contraposição dos argumentos carreados pelo Secretário da

SEFIN e os termos contidos no Termo de Compromisso anexo à lei

2.538/2011.

Com efeito, ao passo que a SEFIN alega a

possibilidade de que a cobrança de ICMS seja indevida, a cláusula

terceira do Termo de Compromisso estipula que o seu

descumprimento implicará no “cancelamento automático e revogação

do benefício fiscal, restabelecendo-se a cobrança do ICMS

devido”.

Percebe-se, dessa forma, que a lei concessiva de

benefício milionário passou por todo o processo legislativo, que

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inclui a sanção do Governador do Estado, sem observar seus

próprios termos.

V – Da Lesão ao Pacto Federativo

Sabe-se que o Brasil constitui uma Federação

Atípica18, com organização político-administrativa formada pela

União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos

autônomos, nos termos da Constituição (CF/88, artigos 1º e 18).

A autonomia das entidades federativas pressupõe

repartição de competências para o exercício e desenvolvimento de

atividade normativa19. Acerca da citada repartição, o

constitucionalista José Afonso da Silva ensina:

“O princípio geral que norteia a repartição de competência

entre as entidades componentes do Estado Federal é o da

predominância do interesse, segundo o qual à União caberão

aquelas matérias e questões de predominante interesse

geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as

matérias e assuntos de predominante interesse regional, e

aos Municípios concernem os assuntos de interesse

local...20”

Pois bem, para o exercício das competências

distribuídas pela Constituição Federal, União, Estados, DF e 18 A federação brasileira é atípica ou anômala, pois há dois entes típicos (União e Estados), o que, por definição, é a regra, e dois entes atípicos (DF e Municípios). 19 HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estado-membro no direito constitucional brasileiro, pag. 49. 20 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. 28ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pag. 478.

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Municípios necessitam de recursos, que são arrecadados de forma

originária e/ou derivada.

As receitas originárias são oriundas da

exploração do próprio patrimônio estatal21, enquanto as receitas

derivadas são auferidas por meio do poder de império do Estado,

que impõe aos administrados o recolhimento de diversas espécies

de tributos.

A utilização dessas verbas públicas, por cada

componente da Federação, guarda correlação com as respectivas

necessidades, aferidas pelo Chefe do Executivo, por meio de ações

planejadas, que resultam da elaboração das peças orçamentárias

(PPA, LDO e LOA) e que são, de forma subsequente, apreciadas pelo

Poder Legislativo22. Saliente-se que, nesses moldes, cada esfera

federativa elenca, com certa discricionariedade, as áreas

prioritárias em que serão aplicados os recursos públicos que lhe

cabem.

Trazendo-se a intelecção para o caso em tela,

vislumbra-se que o ICMS é um imposto cuja instituição e

arrecadação cabe aos Estados-Membros, conforme preceitua o art.

155, II, da CF/8823.

21 Como, por exemplo, com a receita de aluguel e de juros (decorrente da aplicação financeira do dinheiro público). 22 Processo legislativo relativo às leis orçamentárias. 23 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

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25

Sem embargo, a Carta Maior determina que, do

total de ICMS arrecadado pelo Estado, 25% pertencem ao Município,

que poderá utilizá-lo da forma que julgar mais conveniente, in

verbis:

Art. 158. Pertencem aos Municípios:

IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

Nesses termos, a concessão de isenção pelo Estado

de Rondônia, com fulcro na realização de investimentos e

compensações pelos consórcios responsáveis pela construção das

Usinas do Rio Madeira, constitui afronta ao pacto federativo, na

medida em que, em decorrência da manobra:

(i) o Governo Estadual poderá direcionar a

aplicação dos valores de forma irrestrita, nas áreas em que

julgar mais conveniente;

(ii) o Governo Municipal deixará de arrecadar

valores que poderiam ser direcionados ao atendimento de suas

necessidades locais, além de não ter qualquer participação no

direcionamento dos investimentos e compensações prometidos.

Verifica-se, portanto, infringências aos artigos

1º, 18 e 158, inciso IV, da CF/88, que poderão resultar na

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impetração de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelos órgãos

legitimados.

VI – Do Desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal

A Lei de Responsabilidade Fiscal foi elaborada

com o objetivo de se promover o equilíbrio das contas públicas,

buscando impedir que o gestor público promova gastos que

ultrapassem a capacidade financeira de determinado ente estatal.

O Estado, portanto, somente deve “gastar aquilo

que foi planejado em função da arrecadação de receita, o que

pressupõe ação planejada e transparente dos atos praticados pelo

Administrador Público responsável”24.

O ponto é, inclusive, objeto de um dos Princípios

mais importantes do Direito Financeiro, qual seja, o Equilíbrio.

Sobre o tema, José Carlos Oliveira de Carvalho ensina:

“Trata-se do equilíbrio formal. A priori, só é recomendável

que se gaste aquilo que se tem. Assim, o orçamento deve

funcionar como uma ferramenta de planejamento real,

contemplando gastos que serão realizados em função das

receitas que serão arrecadadas. Por isso, não se deve

prever mais despesas que receitas.”25

24 SILVA, Moacir Marques da. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal: abordagem contábil e orçamentária para os municípios. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pags. 20/22. 25 CARVALHO, José Carlos Oliveira de. Orçamento Público: teoria e questões atuais comentadas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, pag. 14.

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27

Um dos mecanismos utilizados com vistas a

proteger o equilíbrio das contas públicas e, ao mesmo passo,

garantir o atendimento às necessidades coletivas, é a plena e

irrestrita arrecadação dos impostos de competência de cada um dos

entes federativos.

É o que a LRF determina em seu artigo 11, senão

vejamos:

Art. 11 - constituem requisitos essenciais da

responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e

efetiva arrecadação de todos os tributos da competência

constitucional do ente da Federação.

Diante da normativa, ao gestor estatal não resta

alternativa que não seja a “previsão e efetiva arrecadação” dos

tributos que se insiram na sua esfera de competência.

Dessa forma, infere-se, de antemão, a

infringência ao citado dispositivo legal, já que o Secretário da

SEFIN afirma de maneira categórica que a receita advinda do ICMS

não foi considerada no momento da elaboração das peças

orçamentárias do Estado de Rondônia.

A confissão denota a existência patente de falha

na elaboração das peças orçamentárias. Como bem afirmado pelo

Corpo Técnico “uma Administração Pública eficiente tem estudo

capaz de estimar o quantum provável das receitas a ingressar nos

cofres públicos”.

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A construção das Usinas do Rio Madeira é uma

realidade que remete ao ano de 200726, não havendo justificativa

plausível para a desconsideração de valores substanciais que

poderiam advir da cobrança de impostos, gerados a partir do

início de tais empreendimentos.

Por outro lado, a Renúncia de Receita, que se

materializaria por meio da isenção da cobrança de ICMS, deveria

inexoravelmente observar as disposições constantes do artigo 14

da LC 101/2000, quais sejam:

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

26 Isso no caso de se considerar o ano em que foi realizado o primeiro leilão, destinado à Construção da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio.

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§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.”

O preceptivo legal supra estatui, em seu caput,

que a concessão do benefício deveria, inicialmente, conter

estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que

se iniciar e nos dois subsequentes.

Além disso, a isenção ficaria condicionada a

apresentação de ao menos uma das seguintes condições:

(i) demonstração pelo proponente de que a

renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei

orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas

de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de

diretrizes orçamentárias;

(ii) estar acompanhada de medidas de compensação,

no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita,

proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de

cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Quanto ao estudo trienal sobre os impactos

decorrentes do benefício, depreende-se, da defesa trazida pelo

Senhor Wagner Luis de Souza, a ausência de qualquer trabalho ou

estimativa com esse desiderato.

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30

Não há também notícia acerca de qualquer sorte de

medidas de compensação por meio do aumento de receita, nos termos

da exigência prevista no inciso II do art. 14.

O Defendente se limitou a alegar que o valor do

crédito advindo da arrecadação de ICMS não foi considerado no

momento da elaboração do orçamento, de modo que “eventual

dispensa ou não realização” não caracterizaria afronta à LRF.

A assertiva, a priori, poderia se enquadrar na

exigência contida no inciso I do art. 14 supra, já que, de fato,

a arrecadação do imposto não foi considerada na previsão da

receita orçamentária. Não é possível renunciar ao que não se

previu. Logo, pode-se pressupor a ausência de afetação das metas

de resultados fiscais previstas no anexo próprio da Lei de

Diretrizes Orçamentárias.

Nada obstante, o procedimento, decerto, não

atende à vontade subjacente do legislador, que, no caso, se daria

por meio da ação planejada e transparente do Administrador

Público, materializada na previsão de arrecadação do tributo e em

estudo que atendesse pontualmente aos termos da lei. Aplicável

também, na espécie, Princípio Geral de Direito, expresso no

brocardo latino: turpitudinem suam allegare potest27.

27 A ninguém é dado beneficiar-se de sua própria torpeza.

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Assim, a omissão atinente à ausência de previsão,

na Lei Orçamentária Anual do Estado, acerca do crédito advindo da

arrecadação de ICMS, não pode servir de subterfúgio para a

concessão de benefício fiscal.

Demais disso, a complacência com a omissão

caracterizaria sério precedente que poderia ser utilizado por

outras Unidades Jurisdicionadas da Corte de Contas, dificultando

ações de controle.

Ressalte-se que mesmo que todas as exigências

legais houvessem sido atendidas quando da elaboração da lei em

comento, os diversos princípios infringidos pela concessão do

benefício, na forma abordada alhures, assim como a ausência de

interesse público manifesto, inquinariam a legitimidade da

isenção, conforme explanado adiante.

VII – Da Ausência de Interesse Público.

A priori, cabe consignar que a Lei nº 2.538/2011

configura, em verdade, ato administrativo material, já que não

possui abstração e impessoalidade características das leis em

geral, em face do que pode ser considerada “lei de efeitos

concretos”.

Maria Sylvia Zanella di Pietro conceitua leis de

efeitos concretos nos seguintes termos:

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“é aquela emanada do Poder Legislativo, segundo o processo

de elaboração das leis, mas sem o caráter de generalidade e

abstração próprio dos Atos Normativos. Ela é lei em sentido

formal, mas é Ato Administrativo em sentido material

(quanto ao conteúdo), já que atinge a pessoas

determinadas28.” grifou-se

Podendo a lei concessiva da isenção de ICMS ser

considerada ato administrativo em sentido material, cumpre

discorrer acerca da ausência de interesse público do Estado na

edição do ato.

Interesse público, nas palavras de Celso Antônio

Bandeira de Mello, é o “interesse resultante do conjunto de

interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em

sua qualidade de membros da Sociedade e pelos simples fato de o serem”.

Vigliar, por sua vez, aduz que:

“Assim é que se propõe, modernamente, que o interesse público constitua noção inseparável do interesse da coletividade como um todo e não apenas o do Estado, enquanto centro de direitos e obrigações29.”

Vale ressaltar que o interesse público não pode

sucumbir diante da alegação de edição de atos por critério de

conveniência e oportunidade. É o que ensina Figueiredo:

28 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 17ª Ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 666. 29 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública, 3ª Ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 39.

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“De conseguinte, é ledo engano afirmar que interesse

público, conveniência e oportunidade são palavras

abrangentes de qualquer conteúdo. Os conceitos têm núcleos

semânticos. Destarte, a razoabilidade e a boa-fé deverão

informar toda e qualquer interpretação. Trazemos a contexto

a noção de interesse público dada por Philippo Satta:

‘Interesse público não pode, pois, constituir-se em noção

genérica, como se tratasse de interesse de qualquer

sujeito, qualificado pela natureza pública deste; ao

contrário, designa um interesse enquanto objeto de previsão

normativo, portanto disciplinado por uma norma, no âmbito

da qual e das quais a Administração deve prover30”.

Depreende-se, pois, que a atuação estatal só é

legítima na medida em que tem por escopo resguardar os interesses

da coletividade, real detentora do poder de que se vale Estado

para a gestão da coisa pública.

Na situação em comento, a defesa apresentada pelo

Secretário da SEFIN, em consonância com a Lei Estadual nº

2.538/2011, aponta que a isenção não atende ao interesse público

da comunidade local, qual seja, a utilização da máquina

administrativa da maneira menos gravosa ao erário.

Nem se pode argumentar que o benefício

direcionou-se a fomentar o crescimento econômico do Estado, já

que este foi escolhido por sua predisposição natural para a

geração de energia hidrelétrica, independentemente de qualquer

condição mais favorável às empresas interessadas.

30 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. “Curso de Direito Administrativo”, São Paulo, Ed. Malheiros, 3.ª edição, p. 142.

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34

O fato supramencionado, aliado à circunstância de

que a concessão para os empreendimentos fora efetivada anos antes

da edição da lei e à inexistência de menção aos valores que

seriam aplicados pelos consórcios, como investimentos ou

compensações, em função do benefício, indicam que as únicas reais

favorecidas pela isenção são as construtoras das Usinas.

A ausência de interesse público, fim último do

Estado, macula o ato administrativo em sentido material em

apreço. Nesse diapasão, vale salientar a impetração, pelo

Ministério Público do Estado de Rondônia, de Ação Civil Pública31,

em que se pleiteou, com supedâneo em decisões do STF e do STJ, a

anulação da Lei nº 2.538/2011, considerada pelo Parquet ato

administrativo em forma de lei.

No caso, a Eminente Juíza Inês Moreira da Costa,

responsável pela 1ª Vara da Fazenda Pública, deferiu pedido de

tutela antecipada, determinando a suspensão da eficácia da “lei”

supracitada.

Ressalte-se que, no âmbito do Tribunal de Contas,

tratando-se de lei propriamente dita, ou seja, de efeitos

abstratos e impessoais, e estando-se diante de um caso concreto,

caberia somente negar executoriedade àquela e, concomitantemente,

representar aos órgãos legitimados para a impetração de Ação

Direta de Inconstitucionalidade.

31 Processo nº 0016670-44.2011.8.22.0001.

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Nada obstante, o normativo em comento pode,

conforme externado, ser considerado ato administrativo em sentido

material. Dessa ilação é possível aferir duas consequências

substanciais.

A primeira delas é de que a possibilidade de

controle de constitucionalidade da lei por meio de ADIN é

questionável. Com efeito, a Suprema Corte, de maneira geral,

considerava que leis orçamentárias não poderiam ser objeto de

controle, haja vista se tratarem de leis com efeito concreto, ato

administrativo em sentido material. Este é o teor da ementa

derivada do julgamento da ADI 2.100:

CONSTITUCIONAL. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS. VINCULAÇÃO DE PERCENTUAIS A PROGRAMAS. PREVISÃO DA INCLUSÃO OBRIGATÓRIA DE INVESTIMENTOS NÃO EXECUTADOS DO ORÇAMENTO ANTERIOR NO NOVO. EFEITOS CONCRETOS. NÃO SE CONHECE DE AÇÃO QUANTO A LEI DESTA NATUREZA. SALVO QUANDO ESTABELECER NORMA GERAL E ABSTRATA. AÇÃO NÃO CONHECIDA. grifou-se

No entanto, decisão mais recente do STF,

prolatada em sede cautelar, evidencia a possibilidade de revisão

do entendimento:

“CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS

ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo

Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de

fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos

normativos quando houver um tema ou uma controvérsia

constitucional suscitada em abstrato, independente do

caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu

objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias

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ao controle abstrato de constitucionalidade.” (ADI 4.048-

MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.5.2008, DJE de

22.08.2008)

Haja vista que a decisão acima transcrita foi

tomada em medida cautelar, entende-se que nada impede que o

Pretório Excelso reveja o entendimento quando do julgamento

definitivo a ação, mormente diante da grande divergência

instaurada entre os Ministros, que resultou em julgamento

apertado, por maioria de votos.

A possibilidade tanto existe que o Procurador

Geral de República, ao se manifestar na ADI 4.047, considerou que

o STF não pode examinar ato de efeito concreto, pedindo que se

retome o posicionamento anterior que não admitia ADI tendo por

objeto ato de efeito concreto32.

Demais disso, todos os precedentes citados tratam

de leis orçamentárias, que são dotadas de peculiaridades que

podem não ser identificadas na Lei Estadual nº 2.538/2011. De

todo incerto, portanto, o enfrentamento de eventual ADI

interposta.

Banda outra, tratando a lei em tela de ato

administrativo em sentido material, entendo que poderia a Corte

32 Cf. Notícias STF 06.01.2009.

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de Contas adotar as medidas previstas no artigo 49, IX, da

Constituição Estadual de 198933, in verbis:

Art. 49. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade, sustando, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembléia Legislativa;

O exato cumprimento da lei34, in casu, perpassa

pela anulação Lei Estadual nº 2.538/2011, procedimento,

inclusive, almejado pelo Parquet Estadual em sede de Ação Civil

Pública. Não sendo acatada a determinação do Tribunal de Contas,

este poderia sustar a execução do ato impugnado35.

De qualquer sorte e independentemente das

intelecções lançadas alhures, todos os órgãos legitimados à

impetração de ADI deverão ser admoestados das irregularidades

verificas nos presentes autos, os quais deverão ponderar, dentro

de suas competências constitucionais, acerca da viabilidade do

exercício de ação.

33 Saliente-se que o teor do normativo é repetido na Lei Complementar nº 154/96 (Lei Orgânica) e no Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. 34 Nesse sentido, devem ser considerados todos os argumentos trazidos no vertente parecer, tais como: infringência a diversos princípios de Direito Público; desrespeito a artigos da Constituição Federal; e afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal. 35 Procedimento desnecessário no momento, tendo em vista que a lei se encontra suspensa por decisão judicial.

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VIII – Do Equilíbrio Econômico-Financeiro

É de conhecimento público que os consórcios

responsáveis pela Construção das Usinas Hidrelétricas de Santo

Antônio e de Jirau, ambas no Rio Madeira, venceram leilões

realizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANELL), que

tiveram como critério de julgamento a menor tarifa média pela

energia a ser gerada pelas Usinas.

Dentre as garantias decorrentes da assinatura do

contrato administrativo, derivado do leilão, encontra-se a

necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

Celso Antônio Bandeira de Mello, abordando o tema, obtempera o

que segue:

“Aliás, a garantia do contratado ao equilíbrio econômico-

financeiro do contrato administrativo não poderia ser

afetada nem mesmo por lei. É que resulta de dispositivo

constitucional, o art. 37, XXI, pois, de acordo com seus

termos, obras, serviços, compras e alienações serão

contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de

pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta.

É evidente que, para serem mantidas a efetivas condições

das propostas (constantes da oferta vencedora do certame

licitatório que precede o contrato), a Administração terá

de manter íntegra a equação econômico-financeira inicial.

Ficará, pois, defendida também contra os ônus que o

contratado sofra em decorrência de alterações unilaterais,

ou comportamento faltosos da Administração36”

36 Pag. 625.

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Verifica-se que o equilíbrio econômico-

financeiro37 se caracteriza como sendo uma relação, estabelecida

pelas próprias partes contratantes no instante em que firmado o

contrato, que envolvem um plexo de direitos e de encargos do

contratado, de onde se extrai a equação, imutável, e que inclui o

lucro do particular.

Nessa equação, obviamente, estão inseridos todos

os custos com que o particular contratado terá de arcar, de modo

que qualquer alteração, para mais ou para menos, deverá ser

compensada.

No ponto, diversas notícias divulgadas na mídia

dão conta de que o pagamento de ICMS, nas operações beneficiadas

pela isenção, foi considerado tanto na elaboração de projetos

para fins de financiamento junto ao Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social, quanto na composição dos

preços oferecidos no leilão promovido pela ANNEL.

Nessa senda, a benesse conferida aos consórcios

causaria alteração da equação econômico-financeiro do contrato

celebrado, gerando o aumento substancial do lucro auferido pelas

empresas, em detrimento do interesse público que deveria

prevalecer.

Assim, mister se faz que o Tribunal de Contas da

União, órgão responsável pela fiscalização do leilão levado a

37 Também denominado por alguns autores como “equação financeira do contrato”.

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cabo, seja admoestado da referida possibilidade, para que adote

as medidas apropriadas sob o prisma legal.

IX - Conclusão

Diante do exposto, o MPC se manifesta como segue:

I – Que se promova a retificação da autuação do

feito, que deverá ser tratado como denúncia, considerando que

foram atendidos os pressupostos legais e regimentais necessários

a sua admissibilidade;

II – No mérito, seja a denúncia considerada

procedente, tendo em vista que:

a) Sobre as importações de máquinas, aparelhos e

equipamentos, pelos consórcios responsáveis pela Construção das

Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, incide,

inequivocamente, o ICMS;

b) Em relação à aquisição e transferência

interestadual de bens destinados aos ativos imobilizados das

referidas empresas, o Estado deve, como o faz ordinariamente,

considerar a incidência do imposto;

c) A isenção concedida pelo Estado afronta os

seguintes Princípios: Supremacia do Interesse Público Sobre o

Privado; Indisponibilidade do Interesse Público; Moralidade;

Isonomia e Razoabilidade e Proporcionalidade;

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d) A realização de compensações e investimentos,

como contrapartida pela isenção conferida, enfraquece o controle

de gastos públicos, facilitando o desvio, além do que não existem

critérios objetivos regulando o quantitativo e os locais em que

aqueles deverão ser aplicados;

e) A concessão de isenção pelo Estado de

Rondônia, com fulcro na realização de compensações e

investimentos, constitui lesão ao pacto federativo (afronta aos

artigos 1º, 18 e 158, IV, da CF/88), na medida em que subtrai do

Município a livre disposição da parcela de 25% do ICMS que lhe

deveria ser repassada;

f) A concessão da Renúncia de Receita (isenção)

não observou os requisitos constantes dos incisos I e II, artigo

14, da Lei de Responsabilidade Fiscal;

g) Não existe qualquer razão de interesse público

que justifique a isenção concedida;

III – Represente-se, com o envio de cópia dos

autos, ao Procurador-Geral da República e ao Procurador-Geral de

Justiça do Estado, apontando as infringências, pela Lei Estadual

nº 2.538/2011, a princípios constitucionais e aos artigos 1º, 18

e 158, IV, da CF/88, para que, em sendo o caso, interponham ADI;

IV – Represente-se, com o envio de cópia dos

autos, com os mesmo fundamentos, ao Conselho Federal da Ordem dos

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Advogados do Brasil, considerando a legitimidade do órgão para a

propositura de ADI;

V – Represente-se, com o envio de cópia dos

autos, à Controladoria-Geral da União e ao Tribunal de Contas da

União, alertando os citados órgãos sobre a possível quebra do

equilíbrio econômico-financeiro do contrato assinado após os

leilões promovidos pela ANEEL, para a construção das Usinas

Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, no Rio Madeira;

VI – Determine-se ao Secretário da SEFIN, com

supedâneo no art. 48, IX, da Constituição Estadual de 1989, que,

no prazo máximo de 15 (quinze) dias, anule o ato administrativo

em sentido material, consistente na Lei Estadual nº 2.538/2011,

tendo em vista a infração a Princípios Constitucionais e de

Direito Administrativo; a afronta aos artigos 1º, 18, e 158, IV,

da CF/88; o não atendimento aos requisitos para a concessão de

isenção, previstos no art. 14, I e II, da LRF e a ausência de

interesse público para a concessão da benesse.

É o Parecer.

Porto Velho, 1º de Setembro de 2011.

Érika Patrícia Saldanha De Oliveira

Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas