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Texto elaborado pela Professora: Rita Souto Maior Março de 2014 PARTE 1: POR QUE LINGUÍSTICA APLICADA NÃO É APLICAÇÃO DE LINGUÍSTICA? A PESQUISA E O PROFESSOR PESQUISADOR

Parte 1_Linguística Aplicada e Professor Pesquisador

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Linguística Aplicada

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  • Texto elaborado pela Professora: Rita Souto Maior

    Maro de 2014

    PARTE 1:

    POR QUE LINGUSTICA APLICADA NO APLICAO DE

    LINGUSTICA?

    A PESQUISA E O PROFESSOR PESQUISADOR

  • Lingustica Aplicada: introduo

    A partir do final dos anos 40, a ateno dos pesquisadores se voltou para a

    observao da linguagem em uso, para a ao do usurio nesse uso e, principalmente,

    para as implicaes lingusticas desse redirecionamento de estudo.

    Desse modo, esse olhar para o funcionamento lingustico trouxe reflexes

    que so prprias s condies de produo real da lngua como atividade discursiva,

    situadas historicamente. Passaram a integrar os estudos lingusticos outras pesquisas

    que no s viam a lngua numa perspectiva imanente (dentro dela mesma) ou como

    sistema a ser analisado ou ainda como estrutura a ser descrita. A lingustica passa a ser

    entendida tambm num sentido macro, como discutido no incio da disciplina Teoria

    Lingustica 2 . Nesse sentido macro de estudos, outros fatores interessam ao campo

    lingustico, como: interlocutores, contexto imediato, contexto mediato, cultura,

    intenes discursivas, interao, aspectos regionais etc. Algumas reas surgem a partir

    desse perodo, como: a sociolingustica variacionista, a sociolingustica interacional, a

    pragmtica, a lingustica textual, a anlise da conversao, as anlises do discurso etc.

    Dentre essas, tambm surge a lingustica aplicada objeto de estudo de nossa disciplina

    este semestre. Comearei a discusso respondendo o que a LA, explicando sua

    postura interdisciplinar e as demais caractersticas que compem seus estudos. Em

    seguida, mostrarei um breve histrico de como a rea surgiu e a importncia da

    pesquisa para essa construo at hoje. Por fim, iniciarei reflexes sobre o que

    assumir a postura de professor-pesquisador com exemplos prticos, finalizando com a

    indicao de leitura de parte de um artigo que trata do tema. Bom estudo para tod@s!

    1. O que a Lingustica Aplicada? Por que ela transdisciplinar? Quais suas demais

    caractersticas?

    1.1 O que a Lingustica Aplicada

    A Lingustica Aplicada, como qualquer outro campo de conhecimento,

    assumiu mudanas em seu modo de fazer cincia ao longo de seu caminho. Durante

    muito tempo foi considerada como aplicao de teoria lingustica prtica de ensino

  • de lnguas (CAVALCANTE, 1986, p. 50). No entanto, hoje consenso considerar que ela

    reflete sobre prticas sociais de linguagem numa perspectiva processual. Por outro

    lado, isso pode significar tantas coisas quanto pode significar considerar que a

    Lingustica estuda a lngua/linguagem. Bem especificamente, ento, posso iniciar a

    apresentao da rea dizendo que a Lingustica Aplicada (doravante LA) assume a

    perspectiva interpretativista no olhar para os fatos da linguagem e que

    fundamentalmente interdisciplinar.

    Desse modo, como esse campo lana olhares interdisciplinares para os

    acontecimentos sociais de lngua, as temticas de seu interesse so muitas e surgem

    do contexto investigado. De qualquer forma, importante considerar que ela no ir

    determinar o que certo ou errado ao investigar/analisar determinado

    acontecimento, a LA ir, antes:

    a) descrever o que est sendo vivenciado pelo/a pesquisador/a;

    b) correlacionar esse recorte dos fatos com algumas das discusses

    tericas j construdas por outras teorias ou por ela mesma;

    c) interpretar e reelaborar o conhecimento no registro de uma nova

    investigao.

    Posso considerar, assim, que ela inscreve um pesquisador como parte da

    elaborao do conhecimento humano no mundo. Sua postura investigativa e

    complexificadora, pois no se atm ao que j est dito sobre determinado

    acontecimento de linguagem e seu corpo terico se encontra em permanente

    transformao.

    Quanto s temticas, ela pode desde observar processos de ensino e

    aprendizagem de textos orais da lngua espanhola a descrever e analisar constituies

    identitrias que surgem em novas prticas sociais na lngua estrangeira (desde a

    concepo histrico-ideolgica apresentada em um Livro didtico at a construo

    retrica de uma produo nessa lngua).

    Mas a LA no est apenas interessada em aspectos do processo de ensino-

    aprendizagem. Na realidade qualquer fenmeno lingustico-discursivo envolvido em

  • prticas da/na/com a linguagem pode ser o mote de uma investigao em LA, como

    consultrio mdicos, discursos de jornais sobre determinado evento etc. No entanto,

    nesta disciplina, iremos tratar apenas de situaes vinculadas ao ensino e

    aprendizagem de Lnguas.

    Partindo dessas consideraes, importante dizer que o contexto outro

    elemento chave na LA. Esses fatos de linguagem de uma pesquisa no sero

    observados, descritos, analisados e repensados em si mesmos sem nenhuma relao

    com o exterior. O ambiente em que esses fatos de linguagem se encontram, os

    significados que adquirem no local de sua existncia, a representao que tm no

    espao histrico-fsico-social tambm fazem parte da construo interpretativa do

    investigador em sua pesquisa. Desse modo, o que se observa como objeto da cincia

    na LA s tem sentido no contexto em que observado e, em alguns casos, tambm se

    relaciona com a interpretao que os sujeitos fazem.

    Dando continuidade a essa caracterizao, outro ponto que destaco na LA

    que ela assume uma postura de transdisciplinaridade. Consideramos que a

    multiplicidade de olhares na LA proporciona outras maneiras de ver a mesma coisa, os

    presumidos mesmos fatos de linguagem. Assume-se em LA que os olhares ao objeto

    so mltiplos e que

    [esses] vrios olhares a um objeto, no mnimo, cercariam-no a ponto

    de se no o esgotar (j que seria incoerente com a prpria

    caracterstica de atualizao permanente da lngua, do social, da

    histria), de o compreender nos diferentes lugares em que ele pode

    ser observado (SOUTO MAIOR, 2007).

    1.2. Por que ela transdisciplinar? A inter/trans/pluridiscplinaridade na

    Lingustica Aplicada.

    Alguns autores discutem os termos inter, trans, pluri, e, at, multi,

    relacionados ao termo disciplinaridade no contexto da LA. Aqui, no entanto, no

    iremos nos ater a essas diferenas, ou supostas diferenas, apenas consideraremos

    que a LA no um campo de estudo que ir partir de uma nica teoria ou perspectiva

    terica, construda e considerada a priori. Na verdade, ela ir partir dos fatos

    contextuais observados pelo pesquisador-professor e, a partir deles, focalizar

  • determinadas reflexes tericas, sem restringir os possveis encontros nos discursos

    proferidos, mesmo que em diferentes disciplinas (lingustica textual e sociolingustica

    interacional, dando exemplo dentro dos estudos lingusticos; ou ainda cincias sociais

    e estudos retricos, exemplificando em reas disciplinares consideradas diferentes).

    A proposta de juntar diversos olhares pressupe e assume que o

    conhecimento no compartimentalizado pode proporcionar a viso menos atomista

    dos questionamentos cientficos. Segundo Moita Lopes (1996), a LA tem como uma

    de suas tarefas no percurso de uma investigao mediar entre o conhecimento terico

    advindo de vrias disciplinas. (p.20).

    No entanto, isso no feito de maneira aleatria, o corpo de conhecimento

    terico utilizado pelo linguista aplicado vai depender das condies de relevncia

    determinadas pelo problema a ser estudado (...) (MOITA LOPES, 1996, p. 21).

    Segundo ele, o Linguista aplicado pode partir de um problema com o qual as pessoas

    se deparam ao usar a linguagem na prtica social e em um contexto de ao e procura

    fontes de respostas ou encaminhamentos para esse problema em vrias disciplinas

    que possam iluminar teoricamente a questo apresentada e ajudar a esclarec-la.

    bvio que o dilogo com a lingustica muito forte na rea, tanto pelo

    caminho trilhado pelos pesquisadores que vem da lingustica, quanto pelo fato de

    ambas terem a lngua/linguagem como objeto de reflexo, mas, a depender do

    objetivo do estudo, a interdisciplinaridade com outra rea que no a lingustica pode

    ser at maior.

    1.3. Demais caractersticas da rea

    Luiz Paulo da Moita Lopes no captulo Afinal, o que lingustica aplicada?

    (1996), buscando encaminhar essa resposta, apresenta e discute caractersticas e

    paradigmas da rea. Ele parece responder sua prpria pergunta caracterizando a LA

    como rea que: oferece contribuies para o desenvolvimento do conhecimento e a

    formulao terica; focaliza a linguagem na perspectiva do uso/usurio, no processo

    da interao lingustica escrita e oral; apresenta o percurso de investigao

    interdisciplinar; co-relaciona o conhecimento terico e o problema de uso da

  • linguagem, gerando teoria; focaliza os fenmenos na perspectiva do interpretativismo

    e positivismo (acrescento que essa ltima dificilmente vista na rea).

    A partir dessas consideraes, podemos assumir que atualmente as

    seguintes caractersticas podem ser depreendidas das atuaes dos pesquisadores na

    rea:

    Viso processual de linguagem;

    Natureza transdisciplinar;

    Diversidade de interesses temticos;

    Abordagem qualitativa de pesquisa.

    Por fim, acredito que uma das razes para que ainda haja certa dificuldade

    na compreenso da LA venha do engessamento da ideia de que sempre ter que ser

    apresentada uma nica teoria para a aplicao e no uma perspectiva de observao

    dos fenmenos (fatos de linguagem) que, por sua vez, podem re-significar e gerar

    reflexes tericas dentro da LA. Nas Cincias Humanas e Sociais, sem querer deixar

    rasa a discusso, as aes, permeadas pela linguagem que tambm no apenas

    estrutura, so impregnadas de sentidos mltiplos e envolvem concepes de mundo

    diferentes porque so respaldadas em diversas subjetividades. Voltarei a discutir com

    vocs essa noo mais adiante quando tratarmos da metodologia em LA; discutirei

    ento como a objetividade surge nas pesquisas em LA, como a busca dessa

    objetividade clara em metas, recortes, objetivos e questes de pesquisa, contribui para

    o desenvolvimento dos estudos na rea e o registro nos trabalhos acadmicos.

    2. Histrico da rea: de onde viemos?

    Como foi dito no incio, a LA, como outros campos tericos que

    compreendem que a lngua se relaciona com outros elementos exteriores a sua

    estrutura, surge em meados do sculo passado. Em 1960, a LA se inicia como um

    campo de Teoria do Ensino, pois sua proposta era de aplicao de teorias lingusticas

    na prtica de sala de aula (no ensino de lnguas estrangeiras principalmente). Na

    dcada de 80, ela j se assume cada vez mais dentro de uma perspectiva

  • interdisciplinar e j no mais atua somente como aplicao de Lingustica no ensino de

    lnguas. A rea busca agora, primordialmente, a soluo de problemas com a

    confluncia de vrias contribuies das cincias fontes. A partir da dcada de 90, a LA

    j se apresenta como rea cientfica, com metodologia e objeto de estudos prprios;

    sua proposta de atuao de construo terica e metodolgica. A partir dessa

    dcada, ela assume a perspectiva de interveno:

    seu foco em problemas de uso da linguagem enfrentados pelos participantes do discurso no contexto social, isto , usurios da linguagem (leitores, escritores, falantes, ouvintes) dentro do meio de ensino/aprendizagem e fora dele (por exemplo, em empresas, consultrio mdico etc). (MOITA LOPES, 2006, p. 20)

    No entanto, sem negar essa possibilidade de ao, cada vez mais a rea

    vem se empenhando em no s propor respostas a determinadas situaes problemas

    encontradas nos contextos nos quais ela se insere, como tambm ela se reconfigura

    como rea de questionamentos, ou seja, ela no s se resume a querer responder

    demandas dos contextos pesquisados como tambm at mesmo fazer perguntas que

    ainda no tinham sido feitas, observando situaes antes naturalizadas.

    Com o advento do novo sculo, a LA considera que dialoga com teorias,

    no somente Lingusticas, e busca principalmente a exploso entre a dicotomia

    teoria e prtica. Isso significa dizer que as pesquisas buscam descrever fatos de

    linguagem e, ao mesmo tempo em que refletem sobre esses fatos, reconstri o

    pensamento cientfico sobre ele.1

    Sua preocupao com o desvelamento dos acontecimentos na

    contemporaneidade, sua descrio e anlise contextual. Ela busca problematizar e

    refletir sobre fenmenos sociais, considerando-os que complexos.

    1 As fontes desta parte do texto so: 1. ALMEIDA FILHO, Jose Carlos Paes. Lingstica Aplicada, aplicao de Lingstica e ensino de lnguas. In: ALMEIDA FILHO, Jose Carlos Paes. Lingstica Aplicada: Ensino de lnguas e comunicao. 2. ed. Campinas, So Paulo: Pontes editores e Arte Lngua, 2007. 2. MOITA LOPES, Luis Paulo da. Oficina de Lingstica Aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras Editora, 1997, 17 - 33.

  • Nesse sentido, h perguntas

    fundamentais na rea, como: O que est

    acontecendo aqui? Por que isso acontece? Como isso

    est acontecendo nesse contexto? Quais as relaes

    scio-discursivas desse fato de linguagem?

    3. Importncia da pesquisa em LA

    A metodologia de pesquisa a

    organizao da viso que daremos ao objeto de

    pesquisa e a postura de investigao que o estudioso

    ter diante desse fenmeno que ser estudado.

    Dentro da LA, o pesquisador descreve informaes

    sobre determinado contexto, objeto, pessoa, ao

    etc. e opera a seleo do recorte de pesquisa que

    proporciona a focalizao do estudo.

    Como vimos, a pesquisa uma palavra fundamental para a Lingustica

    Aplicada. Ela no busca ver a realidade, nem quer instituir a verdade absoluta

    sobre algum fato. Ela descreve os acontecimentos de linguagem e os interpreta a partir

    de algumas pistas do contexto que tambm so coletados e correlacionados para se

    chegar a um encaminhamento de pesquisa. Nesse sentido seus estudos no esto

    pautados na postura de cientificidade estruturante, nem busca relaes de causa e

    consequncia como acontece, de um modo geral, nas cincias exatas.

    A viso que ela lana ao seu objeto de estudo de perspectivas (histrica,

    social, cultural) e tem carter qualitativo. A pesquisa qualitativa tem o ambiente

    natural como fonte direta dos dados (CHIZZOTTI, 2002) e fundamentalmente

    descritiva. A Coleta e a anlise de dados, na pesquisa qualitativa, no se separam,

    esto sempre se retro-alimentando (TRIVIOS, 2006). Apresento adiante as duas

    principais abordagens de estudo na LA: o estudo de caso, de cunho etnogrfico e a

    pesquisa-ao.

    a) O estudo de caso uma categoria de pesquisa cujo objetivo uma

    unidade que se analisa aprofundadamente.

    PESQUISA DE PRODUTO OU

    PROCESSO?

    NA PESQUISA DE PRODUTO, O

    FENMENO OBSERVADO

    CONSIDERADO COMO ALGO

    ACABADO E FECHADO EM SI MESMO;

    NA DE PROCESSO, A QUESTO

    OBSERVADA VISTA DENTRO DO

    CONTEXTO

    EM QUE ELA OCORRE. NO

    ENSINO/APRENDIZAGEM, POR

    EXEMPLO, A PESQUISA FEITA

    DENTRO DO PROCESSO DE

    ENSINAR/APRENDER. (MOITA LOPES,

    1997; ANDR, 1995).

  • b) J a abordagem etnogrfica, muito presente nas pesquisas em LA, obriga

    os sujeitos e o investigador a uma participao ativa onde compartilham modos

    culturais de vivncia (tipo de refeies, interpretao de aes, formas de lazer,

    maneiras de atuao etc.). O pesquisador, nesse sentido, no fica fora da realidade

    que estuda e a validade de suas reflexes reside na exatido com que realiza a busca

    de significados e a registra na produo de seu trabalho (ANDR, 1991).

    c) A pesquisa-ao ficou conhecida, na Amrica Latina, como pesquisa

    participante (ANDR, 1995) porque o estudioso envolvido no processo participa no s

    das interpretaes, mas do prprio lugar observado. Especificando mais suas

    caractersticas, Thiollent (1988) define a pesquisa-ao como

    um tipo de pesquisa social com base emprica que concebida e

    realizada em estreita associao com uma ao ou com a

    resoluo de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e

    os participantes representativos da situao ou do problema

    esto envolvidos de modo cooperativo ou

    participativo.(THIOLLENT, 1988, p. 14).

    Esse tipo de pesquisa exige a discusso permanente dos acontecimentos

    para o prximo passo e um dispositivo metodolgico em que a atitude requerida

    para a escuta sensvel a de uma abertura holstica. (BARBIER, 2006, p.98). Essa

    postura proporciona uma busca incessante de novos caminhos para novos caminhares,

    sensibilidade essa que re-planeja passos a medida que teoriza sobre e com a prxis. A

    pesquisa-ao envolve um plano de ao, que se baseia em objetivos, em um

    processo de acompanhamento e controle de ao planejada e no relato concomitante

    desse processo. Muitas vezes esse tipo de pesquisa recebe o nome de interveno.

    (ANDR,1995, p.33).

    Por fim, apresento adiante algumas das tcnicas e instrumentos de coleta

    que podem ser utilizadas em pesquisas na LA: a) A entrevista semi-estruturada. b) A

    entrevista aberta ou livre. c) O questionrio aberto. d) A observao livre. e) O mtodo

    de anlise de contedo. f) As autobiografias etc.

    5. O professor Pesquisador

    Santos (2013) afirma que em qualquer reflexo sobre ensino e

    aprendizagem imprescindvel considerar a formao do professor, principalmente

  • com o objetivo de operar mudanas nas prticas pedaggicas. Por isso, segundo ainda

    Santos (2013), um caminho produtivo e decisivo a ser trilhado aquele no qual esse

    professor assuma tambm o lugar de pesquisador. nesse sentido que se situa essa

    disciplina para a formao de professores na rea de ensino de lnguas.

    Ao planejar aes de ensino, o professor precisa, muitas vezes, rever o que

    foi planejado e essa reviso pode gerar reflexes que extrapolam o contedo

    ensinado. Abaixo, descrevo dois exemplos:

    Exemplo 1:

    Em uma aula de lngua espanhola, o professor poderia planejar oficinas

    coletivas para a produo de folders informativos sobre o horrio de funcionamento

    de cada espao na escola. Observa-se, nesse caso, que o gnero iria requerer certo

    resumo das informaes e chamadas interessantes sobre o tema (prprias do gnero).

    No entanto, no desenvolvimento da atividade, o professor pode observar que no

    resultado alcanado no houve o emprego adequado: 1 da modalidade formal de

    lngua (houve muita informalidade no registro); 2 da quantidade de informaes

    necessrias; 3 da construo lingustica de certos enunciados na lngua estrangeira.

    O que fazer nesse caso? Se o professor pesquisa sua prtica e tem

    conhecimento prtico-terico da linguagem, ele ir entender essas inadequaes

    como pistas para sua futura atuao. Primeiramente, o professor ter que assumir que

    a escrita em determinado gnero requer o conhecimento de padres de linguagem

    nesse gnero, a proficincia no conhecimento do emprego de termos na lngua alvo

    etc. Muitas vezes, uma atividade gera apenas a avaliao formal da lngua que so bem

    pontuais e no observam os aspectos gerais da produo. Esses outros elementos que

    tambm constituem a linguagem em sua existncia real na sociedade, muitas vezes,

    no so sequer tocados no ensino de lnguas.

    Exemplo 2: Observando o livro didtico (LD) de espanhol

    Ao ler o material que ser trabalhado em sala de aula, o professor

    considera que o LD apresenta certos esteretipos dos falantes de espanhol, tanto no

    que se refere o registro lingustico quanto s imagens que so associadas s pessoas

    que falam a lngua (tambm com a ideia de que s se fala espanhol na Espanha). Nesse

    sentido, algumas perguntas podem gerar a postura de pesquisador na prtica docente,

    como as que seguem:

    Como o falante da lngua espanhola apresentado no LD em questo? Quais as marcas dessa construo de imagens do falante? Como uma prtica de ensino em sala de aula pode desmistificar essa

    padronizao do falante?

  • Muitas outras perguntas poderiam ser feitas e so elas que movem nossa

    postura de investigadores de nossa prtica. Disponibilizarei, abaixo, trecho de um

    artigo que traz algumas reflexes sobre a ao de pesquisar como fundamental na

    formao do professor e que apresenta tambm determinado recorte metodolgico.

    O PROFESSOR-PESQUISADOR NO ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA

    Lcia de Ftima Santos2

    Em qualquer reflexo sobre ensino e aprendizagem, importante considerar a

    formao do professor, principalmente quando se tem como objetivo mudanas nas prticas

    pedaggicas. Nesse sentido, um caminho produtivo e decisivo a ser trilhado aquele no qual esse

    professor assuma tambm o lugar de pesquisador. As diferentes experincias vivenciadas com o

    trabalho de formao de professores no Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia (Pibid)

    tem consolidam cada vez mais essa posio e asseguram a necessria relao entre ensino e pesquisa.

    Neste artigo tenho como objetivo discutir essa relao entre ensino e pesquisa com base

    em reflexes de professores de Lngua Portuguesa (LP) sobre as orientaes adotadas em atividades de

    escrita e de leitura, desenvolvidas em turmas do ensino fundamental. Os dados analisados so

    provenientes do projeto A formao de professores de Lngua Portuguesa em contextos de leitura e

    produo de textos, vinculado ao Pibid. Trata-se de um projeto que tem como um de seus objetivos a

    elaborao de propostas que visem a mudanas na formao inicial dos professores sobre o trabalho

    com leitura e produo de textos de modo integrado com as prticas pedaggicas da educao bsica.

    Nesse processo de construo de propostas, enfatiza-se a formao dos professores como

    pesquisadores. De acordo com Erickson (2001), somente o lugar de professor-pesquisador possibilita

    observar os pontos cegos que o envolvimento na conduo das atividades pedaggicas s vezes

    ofusca.

    Para Freire (1998, p. 32), o que h de pesquisador no professor no uma qualidade

    ou forma de ser ou de atuar que se acrescente de ensinar. Faz parte da natureza da prtica docente a

    indagao, a busca, a pesquisa. O de que se precisa que, em sua formao permanente, o professor se

    perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador. Sob essa perspectiva de Freire, infere-se

    que todo professor assume, simultaneamente, o lugar de pesquisador. Nesse sentido, ainda segundo

    esse autor

    No h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um

    no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque

    indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho intervindo,

    educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda no conheo e comunicar ou anunciar a

    novidade.

    Embora a denominao de professor-pesquisador esteja atrelada reflexo sobre a

    prpria prtica pedaggica, autores como Geraldi et al (1998), Ldke (2005), Cunha e Prado (2007),

    entre outros questionam a constituio do professor como pesquisador. Cunha e Prado (2007) afirmam

    que, apesar de existir uma relao necessria entre pesquisa e reflexo, elas se diferenciam:

    2 Doutora em Letras e Lingustica (Ufal), professora da Faculdade de Letras (Ufal), coordenadora do Pibid/Letras/Ufal.

  • A reflexo no necessariamente pesquisa e ocupa-se da totalidade, procurando levar em

    conta vrias dimenses e perspectivas. A pesquisa exige um processo reflexivo especial, que demanda

    a delimitao de um problema, um foco determinado que possa ser estudado com mais profundidade.

    Segundo o autor, a reflexo condio necessria para a pesquisa, que solicita ainda leitura, descrio

    do fenmeno educativo, certo distanciamento da ao e um tratamento interpretativo e analtico. [...]

    De acordo com as reflexes de Zeichner (1995), somente se reconhece como pesquisa

    legtima aquela que produzida por acadmicos. A produo do professor da educao bsica que

    interroga a sua prtica, investiga, documenta o seu trabalho, analisa, faz leituras, dialoga e constri

    uma forma de compreenso e interpretao da realidade no reconhecida como pesquisa, se no tiver

    sob a orientao de um acadmico. Ainda, segundo Zeichner, essa concepo de pesquisa tem sido um

    grande negcio e visa manuteno de uma relao de poder. Essa realidade, segundo esse autor,

    explica uma das razes por que, apesar de toda a bibliografia sobre a pretenso de reformar as escolas,

    ainda inexistem alternativas promissoras j que tais reformas, de um modo geral, consideram os

    professores como meros executores passivos de idias concebidas em outra parte. (p.386)

    Castilho (2007, p.16) concebe a pesquisa como uma alternativa para o professor

    desvencilhar-se dessa caracterizao. Segundo esse autor, a pesquisa atrelada ao ensino possibilita a

    instaurao de uma nova tica no trabalho pedaggico, porque oferece condies de o professor

    distanciar-se da prtica da aula-pacoteira, em que respostas so dadas a perguntas que no foram

    formuladas, em que a emoo da descoberta soterrada pelo tdio das duras rotinas, em que todo

    mundo continuar com a sensao de tempo perdido, do aprendizado nenhum, da monotonia sem fim.

    Ainda enfatizando a importante relao entre ensino e pesquisa, Castilho afirma

    Nossos alunos sero nossos parceiros nos caminhos da descoberta cientfica. Um novo

    ritmo se desenvolve nas salas de aula, em que perguntas sero formuladas, respostas sero buscadas

    nos dados da lngua, seus resultados sero redigidos, compartilhados, discutidos. Novas perguntas sero

    trazidas pelas respostas, e o interminvel fazer cientfico poder integrar-se como tarefa do dia-a-dia em

    nossos ambientes de trabalho.

    Essa posio compatvel com a concepo de ensino e pesquisa desenvolvida no

    trabalho realizado no projeto do Pibid/Letras/Ufal, onde o desenvolvimento de todas as atividades

    pedaggicas acontece de modo conjugado com as prticas de pesquisa. Assim, todos os participantes do

    projeto so incentivados a transformar em objeto de investigao e anlise questes do cotidiano,

    registradas nos gneros discursivos dirio e anotao de campo.

    Do amplo banco de dados do Pibid, selecionei dois recortes que ilustram como,

    assumindo o lugar de pesquisadores, professores da formao inicial analisam orientaes adotadas em

    aulas de LP acerca de atividades de leitura e produo de textos. Nas duas situaes mencionadas, os

    professores refletem sobre a prpria prtica em dirios construdos aps a realizao das atividades.

    Portanto, caracterizam-se como dados de autorreflexo: a primeira situao uma reflexo sobre uma

    das oficinas de leitura e escrita ministrada por Maria; a segunda, uma aula ministrada por talo e

    Murilo, na qual eles realizaram uma leitura crtica com uma turma sobre uma prova de seleo da qual

    alguns alunos iriam participar.

  • REFERNCIAS

    ALMEIDA FILHO, J. C. P. Lingstica Aplicada, aplicao da Lingstica e ensino de

    lnguas. Anais do III Seminrio de Ensino de Lngua e Literatura. Porto Alegre: PUC/RS e

    Centro Yzig de Educao e Cultura, 1987.

    ANDR, M. Etnografia da prtica escolar. So Paulo: Papirus, 1995. CAVALCANTI, M.

    & MOITA LOPES, L. P. Implementao da pesquisa na sala de aula de lnguas no contexto

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