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PARTE II
Direito e mudança social: a formação jurídica e as recentes demandas
de reconhecimento no Brasil e na Argentina
Richard Miskolci1 Maximiliano Campana2
1. Introdução
Martha Minow, ao escrever sobre a relação entre direito e mudança social começa expressando o seguinte:
“Penso que existem duas classes de pessoas quando se trata do tema do direito e mudança social: aquelas que pensam que o direito é um importante instrumento de mudança social e aquelas que não creem que seja. […] Quando se trata das relações entre direito e mudança social, não posso dizer quem está errado” (2000, p.1).
Essa reflexão parece‐nos interessante como um pontapé inicial para realizar algumas considerações em torno da utilização do litígio como instrumento de mudança social nas demandas por reconhecimento de direitos. Mas para entender melhor como e para que se mobiliza o direito, é interessante primeiro adentrar no processo de formação e socialização profissional dos/as estudantes de advocacia para seu futuro exercício profissional.
1 Richard Miskolci é professor do Departamento e do Programa de Pós‐Graduação em Sociologia da UFSCar e pesquisador do CNPq. Tem publicações na área de sexualidade, gênero e direitos humanos.
2 Advogado pela Universidade Nacional de Córdoba (UNC). Doutorando em Direito e Ciências Sociais (UNC), coordenador do Programa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos da Faculdade de Direito (UNC) e coordenador da área de litígio estratégico da Clínica de Interesse Público de Córdoba.
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A maioria das pessoas vê o Direito como a área profissional de quem se sente vinculado/a às demandas por justiça. Não é incomum ouvir jovens às vésperas de entrar na universidade refletindo sobre a advocacia como uma possibilidade atraente por causa de seus ideais de fazer valer a igualdade de todos perante a lei e contribuir para uma sociedade mais justa. No entanto, pesquisas em vários contextos nacionais indicam que se o impulso inicial para a carreira pode ser a busca por justiça, a estrutura formativa no Direito tende a frustrá‐la e até mesmo substituí‐la por objetivos mais práticos.3 Neste artigo, buscamos discutir como a formação de advogados/as poderia ser vinculada proficuamente a um comprometimento com a justiça e a igualdade. O compromisso (commitment) com esses valores poderia ter um efeito positivo de democratização de sociedades com uma história marcada por desigualdades, injustiças e autoritarismos. Em especial, nos casos brasileiro e argentino, essas três chagas culturais demandam que a atuação da área da justiça se engaje em um processo em andamento de gradativa transformação social pelo qual passam nossos países desde o fim de suas últimas ditaturas militares.
2. Formação jurídica e socialização dos advogados
Voltemo‐nos para a formação de advogados/as. Para
compreendê‐la melhor podemos nos basear em Basil Bernstein (1977) e seu conceito de “código de conhecimento educativo”, o qual se compõe pelo currículo, a pedagogia e a avaliação:
“Ao aplicar a ideia de código à transmissão educativa que tem lugar nas escolas, Bernstein trata de demostrar que a organização, a transmissão e a avaliação do conhecimento (ou seja, o currículo, a pedagogia e a avaliação respectivamente) estão intimamente
3 Dentre essas pesquisas destacamos as de Carlos Lista e sua equipe na Argentina e a de Boaventura de Souza Santos (2012) em Portugal. No Brasil, há várias investigações sobre o tema e também uma vertente que analisa o contraste entre os ideais de justiça e neutralidade e a forma como a profissionalização os impede ou frustra. Sobre esse último tópico consulte as pesquisas de Bonelli et alli (2008) e Bonelli (2011).
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relacionadas com os padrões de autoridade e de controle social vigentes na sociedade. […] Enfim, o código educativo explica a estrutura de poder e os princípios de controle vigentes na instituição” (Brígido, 2006a, p.45). Dessa maneira, aquele/as alunos/as que tenham internalizado o
“código de conhecimento educativo” da instituição de maneira correta, terão assegurado o êxito na carreira educativa e universitária. Desse modo, o triunfo e a imposição de determinados “códigos” nas faculdades de direito redundará em determinadas concepções de justiça, equidade, liberdade e direitos, concepções que atualmente se caracterizam por serem conservadoras e individualistas. Essa questão não deixa de ser relevante ao levar em conta que em países como a Argentina, o acesso à justiça só é possível pela mão de um/a advogado/a, o que implica a conversão de estudantes de advocacia em profissionais que finalmente custodiariam a liberdade individual e a propriedade privada, dois valores sumamente importantes na sociedade argentina.4
Diante desse panorama, quais são as motivações dos/as estudantes no momento de escolher a carreira de advocacia e quando devem inserir‐se no mercado de trabalho?
Para responder essa pergunta, Tessio Conca (2006) nos adverte que existe uma importante variação na resposta dos/as estudantes. Em geral, essas motivações podem se enquadrar em quatro grupos5: o primeiro deles se vincula com a influência de um círculo próximo, constituído por familiares e amigos/as advogados/as, que influenciam na decisão. Um segundo grupo, por sua parte, manifesta ter escolhido a profissão por sentir certa inclinação por disciplinas vinculadas às ciências sociais e, depois de ter considerado opções como ciência
4 A representação de um advogado matriculado é obrigatória para atuar frente às cortes de justiça, e a condição de advogado condição necessária para ocupar alguns cargos públicos, em particular para ser juiz em qualquer instância do sistema de justiça. É por isso que se deve sublinhar que, na Argentina, os advogados têm o “monopólio” do acesso à justiça e as faculdades de direito um grande poder político.
5 Havia um quinto grupo, que manifestou ter escolhido a carreira “por eliminação”, por não saber o que estudar ou não ter podido ingressar em outras carreiras de seu agrado.
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política, serviço social ou sociologia, escolhem a advocacia por considerá‐la uma carreira que abre perspectivas seguras de trabalho, ao que também incluem a posição de prestígio e poder que ela permite alcançar. O terceiro tipo de motivações está vinculado à busca de uma carreira que abra as portas de uma profissão tradicional, prestigiosa e economicamente rentável. Finalmente, encontramos como principal motivação da escolha da carreira a necessidade de dar resposta a um ideal social e humanitário.
No caso desses ideais, os/as estudantes manifestam que sua verdadeira motivação se vincula ao seu interesse pela justiça, a busca de una sociedade mais igualitária e a defesa dos direitos dos demais: “[…] o que me levou a escolher essa profissão [foi] a sede de justiça, e se me perguntam o que é, digo: buscar que se respeitem as instituições, as leis e as constituições” (apud Tessio Conca, 2006, p.63) Com essa resposta, um estudante se associa claramente com esse último grupo de alternativas. Com certeza, a autora adverte que:
“Conforme vão avançando no curso, suas motivações iniciais começam a se ver contrariadas. A própria estrutura da agência educativa, os conteúdos que se transmitem e as metodologias de ensino vão defendendo uma percepção mais ajustada das possibilidades reais que têm o advogado para mudar situações de injustiça” (Tessio Conca, 2006, p.63). Desse modo, os/as alunos/as que alguma vez acreditaram na
possibilidade de satisfazer seu desejo por uma sociedade mais justa como advogados/as terminam convencendo‐se de que o papel verdadeiro do/advogado/a se centra principalmente em “litigar e ganhar” e que aqueles valores vinculados à proteção de direitos de pessoas desprotegidas e a busca de maior justiça e igualdade social são ideais dificilmente realizáveis no exercício profissional.
Isso se deve, principalmente, ao modo em que se estrutura a educação legal em países como o Brasil e a Argentina. Neles, a maioria dos advogados e advogadas são formados dentro de disciplinas em que
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a formação se caracteriza por ser marcadamente teórica,6 e nas quais se encontram dois núcleos temáticos claros: um central que se vincula ao direito positivo (como é o direito civil, penal ou comercial) e outro, mais periférico, formado por disciplinas consideradas auxiliares ou meramente informativas (entre as quais se encontram a história, a economia e a sociologia). Tudo isso implica uma ausência de conteúdos e debates que fomentem nos/as estudantes perspectivas críticas que discutam com os discursos jurídicos dominantes. A consequência de tudo isso é que as carreiras de advocacia acabam promovendo uma identidade profissional pouco comprometida socialmente, carente de crítica diante dos discursos sócio‐jurídicos tradicionais e altamente individualistas, onde os futuros advogados e advogadas se limitam a reproduzir a ordem social existente (Brígido, 2006b). Segundo Lista (2011), a predominância de uma concepção formal e instrumental de justiça na formação de estudantes de direito na Argentina faz com que eles/as não percebam ou reconheçam a existência de relações de poder. É como se a “neutralidade” da justiça a impedisse de reconhecer desigualdades e, principalmente, diferenças. Denominamos desigualdade o contraste relacional entre sujeitos detentores de condições econômicas, culturais e mesmo de acesso privilegiado à justiça e aqueles/as que não detém essas condições no mesmo nível. Diferenças, por sua vez, referem‐se à forma como cada sociedade distingue/marca as pessoas com relação ao gênero, à sexualidade, à raça, etnia, geração, entre outras categorias.
Se em relação às desigualdades socioeconômicas a esfera jurídica até busca fazer frente ainda é menor o reconhecimento das diferenças como também engendrando desigualdades, as quais não se resumem à renda ou classe social, antes a experiências sociais de discriminação, preconceito e outras formas de violência simbólica.
6 De qualquer forma, nos últimos 28 anos de transição democrática argentina experimentamos diversas mudanças curriculares que apontam para a inclusão em um núcleo de formação prática, a associação do segundo núcleo temático com matérias interdisciplinares que flexibilizariam o currículo, também a diminuição dos anos de curso e a incentivar uma perspectiva crítica na aproximação pedagógica. Nem todos esses objetivos foram alcançados e a implementação dessas reformas ainda está em execução.
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Os contextos brasileiro e argentino são similares na formação de advogados/as, em ambos predominam os aspectos ressaltados por Lista como a predominância da transmissão de conhecimento sobre o desenvolvimento de habilidades que combina três aspectos: “a centralidade do direito e da monodisciplinaridade, fragmentação, forte classificação e hierarquização do conhecimento e a reprodução da abordagem legal positivista e formalista como modelo hegemônico” (2011, p.5).
Nesse modelo de ensino e aprendizado, o Direito tende a ser isolado de suas origens sociais e políticas, portanto apagando sua contingência de forma a reproduzir violências simbólicas típicas da sociedade em que ele se estabeleceu. O passado autoritário e classista em que o acesso à justiça foi mantido um privilégio das elites dominantes é ignorado de forma a preservar intocadas as estruturas legais e culturais que as beneficiam até hoje. Assim, não é de se estranhar o contraste, ao menos no caso argentino, entre os ideais com os quais estudantes ingressam nos cursos e o pragmatismo desencantado com que os deixam tornando‐se profissionais às custas da adoção de um apoliticismo alienante. Afinal, a neutralidade da justiça não pode ser confundida com cegueira com relação às condições de desigualdade em que ela é aplicada ou, inclusive, não é aplicada, mantendo boa parte da população apartada de seus direitos e do reconhecimento de sua cidadania.
Em parte, isso se passa porque o sociológico e o histórico tendem a ser mantidos fora ou apenas parcialmente incorporados na formação legal, por meio, por exemplo, da filtragem das reflexões de cunho sociológico e político pela perspectiva do direito. É clara a tendência dos cursos brasileiros a priorizarem a contratação de advogados para oferecerem disciplinas que permitiriam maior permeabilidade da formação às discussões históricas, sociológicas, antropológicas e políticas. Buscando evitar esses contatos e trocas, os cursos levam a uma formação que prioriza a manutenção – e até mesmo o reforço ‐ de um hermetismo do direito, o que contribui para que estudantes passem a ver com desconfiança fontes que poderiam problematizar conteúdos apresentados como doutrinas e/ou verdades inquestionáveis.
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No Brasil, como analisado por Lista na Argentina, o discurso pedagógico do direito tem quatro características que clamam por crítica: a centralidade e autoridade dos professores, a passividade e indiferença dos estudantes, o estilo ritualístico e dogmático do ensino e a arbitrariedade e o antagonismo nas discussões (Cf. Lista, 2011, p.8). Trata‐se de características não apenas da área do Direito, mas também de sociedades latino‐americanas que vivenciaram uma história comum marcada pelo autoritarismo e pela manutenção do acesso à justiça como privilégio das elites.
Nossas sociedades mudaram e se democratizaram nas últimas décadas e análises críticas como esta ou a de Lista são produtos dessa nova realidade político‐institucional, a qual, infelizmente ainda não interferiu ou modificou a esfera de formação dos aplicadores do direito. Segundo Boaventura de Souza Santos:
“O principal desafio que se coloca nesse contexto é que todo o sistema de justiça, incluindo o sistema de ensino e formação, não foi criado para responder a um novo tipo de sociedade e a um novo tipo de funções. O sistema foi criado, não para um processo de inovação, de ruptura, mas para um processo de continuidade para fazer melhor o que sempre tinha feito” (2012, p.81). Estudantes de Direito formam um contingente grande e
potencialmente poderoso de profissionais que poderia auxiliar no aprofundamento da democracia em nossos países. Infelizmente, sua potencialidade democrática mantém‐se controlada por valores historicamente arraigados e que tendem mais a frear processos de mudança social do que os aprofundar. É paradoxal que as recentes conquistas no Supremo Tribunal Federal brasileiro, como o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo e a constitucionalidade das cotas raciais,7 se deem em um país em que a graduação em Direito mantém um perfil dogmático e conservador. Qual a origem desse descompasso?
7 A respeito das discussões sobre a constitucionalidade das cotas consulte Silvério (2012) e sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo veja Oliveira (2012).
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Estudos como os de Bonelli (2008; 2011) demonstram que as carreiras jurídicas brasileiras, marcadas por alta competitividade, tendem a inculcar nos jovens profissionais discursos universalistas que apagam as problemáticas das diferenças. Quem quer conseguir e manter um emprego como advogado é induzido a adotar estratégias e discursos em que o profissionalismo se confunde com neutralidade. Bonelli et alli (2008) mostra como isso se passa com mulheres advogadas que, na base da profissão, afirmam não reconhecer nenhuma particularidade ou dificuldade extra por serem mulheres em uma área de atuação majoritariamente masculina. Compreensivelmente, depois de ascender profissionalmente o discurso ganha nuances e muitas mulheres reconhecem e trazem ao discurso as dificuldades enfrentadas para serem reconhecidas como boas profissionais em contextos historicamente masculinos.8
Assim, o paradoxo entre as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro e os discursos predominantes na base profissional – em especial na esfera de formação – se torna mais compreensível. A lógica de entrada na área de trabalho ainda é a da adoção, o mais irrestrita possível, das concepções mais tradicionais e arraigadas do que é o Direito, a profissão de advogado/a, do que é passível de discussão ou não. O reconhecimento das diferenças sociais, das desigualdades ou mesmo do acesso desigual à justiça ainda é quase um privilégio de quem conseguiu um emprego e certa estabilidade profissional.
3. O caso argentino dos advogados/as ativistas: os avanços LGBT e o poder conservador dos movimentos contra o aborto
Em contraste com o cenário brasileiro mencionado no item anterior, vale a pena conhecer uma particularidade argentina. Conforme alguns teóricos (Lista, 2012, Manzo, 2011, Vecchioli, 2006), uma nova classe de advogados/as litigantes estaria emergindo no país, fundamentalmente por meio das transformações sociopolíticas e
8 Bonelli et alli (2008) conceitua como “apagamento de gênero” a característica marcante de como a incorporação de mulheres na base da profissão tem se dado em nosso país.
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jurídicas que se deram desde a reinstauração da democracia. Esses novos profissionais poderiam ser chamados de “ativistas” e se caracterizam por estarem vinculados a movimentos sociais e/ou organizações não‐governamentais e compreenderem que o direito pode ser entendido também como uma ferramenta de mudança e transformação social e que o acesso à justiça não pode ser considerado apenas de um ponto de vista formal, antes ser plenamente exercido pelos/as afetados/as. Em relação a isso, e ao referir‐se aos/às advogados/as ativistas, Lista (2012, p.148) reflete:
“Quem adota e promove uma definição de acesso à justiça mais ampla, dinâmica e com base substantiva […] tende a conceber a politização dos conflitos sociais como uma estratégia jurídica na demanda e na defesa dos direitos dos peticionantes. Por sua vez, ao promover a participação e a incorporação dos setores mais desprotegidos nas relações de desigualdade social, tendem a reforçar o poder de tais setores e fortalecer sua autonomia”. A origem desses novos “ativistas” foi favorecida por diversos
fatores, entre os quais se destacam a reforma constitucional de 19949, um maior nível de mobilização de organizações não‐governamentais em defesa dos direitos de incidência coletiva10, uma situação política favorável para a mobilização do direito, a incorporação por parte dos movimentos sociais de profissionais legais em suas fileiras, a adoção por parte desses movimentos de um discurso de direitos humanos e fundamentalmente pelas ajudas econômicas recebidas por parte de organismos internacionais que exigiam, em troca, que entre as medidas
9 Tal reforma implicou a incorporação do reconhecimento de direitos de incidência coletiva e instrumentos jurídicos próprios para a defesa desse tipo de direitos, como o amparo coletivo e a ação de habeas data.
10 Por “direitos de incidência coletiva” entendemos aqueles direitos que possuem um número indeterminado de indivíduos, os quais podem ver‐se afetados diante de determinadas ações ou medidas tanto do Estado como de outros indivíduos. Se incluem nos direitos de usuários e consumidores, direitos a um ambiente sadio, direitos das minorias (sexuais, raciais, etc), entre outros.
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a serem implementadas deviam se desenhar estratégias de litígio de interesse público.11
Dentro desse contexto, surgem as primeiras clínicas jurídicas na Argentina (incentivadas pelo financiamento externo e aplicando um modelo e uma metodologia de trabalho que surgiu nos Estados Unidos na década de 1920 e foi transplantada para a América Latina quase um século depois) que pretendiam ser espaços de reflexão e formação de futuros/as advogados/as, com a ideia de alterar a concepção tradicional do direito em dois sentidos: por um lado, educando advogados/as diferentes, com maior sensibilidade social em defesa dos direitos dos mais desprotegidos, bem treinados em questões de interpretação e crítica ao direito e às instituições; também, a médio e longo prazo, que o direito fosse mobilizado como uma verdadeira arma de transformação social, diminuindo as desigualdades sociais e protegendo direitos historicamente postergados (Puga, 2002).
Desde então, advogados e advogadas comprometidos/as com causas de interesse público ou com a defesa de interesses de movimentos sociais não deixaram de proliferar, e os tribunais em todo país conheceram e resolveram causas novas que vão desde pedidos de proteção ao meio ambiente sadio, saneamento de rios e bacias hídricas, proteção a usuários e consumidores, discriminação racial ou por motivos de gênero, sexualidade, direitos de propriedade dos povos originários, entre muitos outros. E apesar do incômodo e da reticência que essas demandas causaram (e ainda causam) nos distintos órgãos judiciais, uma posição favorável por parte da Corte Suprema de Justiça da Nação diante desse tipo de demandas, na última década, incentivou a utilização estratégica do direito por parte desses/as novos/as profissionais.
Nos últimos anos, em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, diversos grupos vinculados ao movimento da diversidade sexual12
11Por litígio de interesse público entendemos a estratégia de judicializar diversos casos com a finalidade de penetrar nas agendas públicas, gerar mudanças políticas e sociais ou impactar nas políticas de governo. Em relação à ajuda econômica recebida por parte dessas organizações, foi particularmente importante a proveniente da Fundação Ford, que exigia a utilização desse tipo de litígio (Teles, 2008)
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tiveram um grande êxito no momento de obter respostas às suas demandas. Essas se vincularam fundamentalmente ao reconhecimento de direitos, por parte do Estado, para conseguir o matrimônio em condições iguais às dos casais heterossexuais e, posteriormente, para que fosse reconhecida a identidade de gênero autoconferida de toda pessoa que assim o deseje. Durante as campanhas desenvolvidas, se desenharam estratégias judiciais e políticas tendentes a obter respostas judiciais aos seus pedidos, e, em alguns casos, dando bons resultados. É por isso que se deve considerar que esse movimento soube mobilizar com grande efetividade o direito (Manzo, 2011).
No caso das estratégias para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sua origem data do ano de 2006, quando um conjunto de organizações LGBT13 decidiram nuclear‐se em uma federação (imitando o mesmo modelo que tinha demonstrado êxito na Espanha). Assim, surgiu a FALGBT: Federación Argentina de Lesbianas, Gays, Bisexuales y Trans14. Um ano mais tarde, essa federação lançou a campanha pelo reconhecimento do direito ao casamento para casais formados por pessoas do mesmo sexo (denominada “Campanha pelo Casamento Igualitário”), com apresentações diante da justiça. A principal estratégia não consistia tanto em obter uma sentença judicial favorável, antes o
12 Cabe esclarecer que o movimento pela diversidade sexual na Argentina não é um bloco unitário e homogêneo. Ao contrário, existem diversas e importantes divisões dentro dele (Meccia, 2006). O mesmo se passa no Brasil, país em que não se dá unificação similar à observada na Argentina. A ABGLT, com sede em Curitiba, não foi criada a partir de uma coalizão das diversas vertentes LGBT brasileiras tampouco tem um discurso e/ou metas partilhados com elas. Em outras palavras, no Brasil há mais divergências e menos coesão do que na Argentina no que toca às demandas de diversidade sexual.
13 A sigla LGBT faz referência a “Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros/as”. 14 Em relação a isso, Litardo (2009:171) menciona que a FALGBT surge como consequência da “experiência espanhola, FELGBT – Federación Estatal de Lesbianas, gais, bisexuales y trans ‐ (…) a que possibilitou a reforma do código civil espanhol para o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo” no ano de 2005 e que a federação na Argentina “tem uma série de objetivos que se destacam a priori por uma nacionalização da questão GLTTTBI em todo território argentino. A Federación se instalou como um espaço de integração regional em busca de uma articulação em nível federal como estratégia de integração na luta e demanda por direitos civis e políticos da comunidade GLTTTBI”.
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que se buscava era instalar o debate sobre a reforma do casamento na agenda pública de então. Foi por isso que, alguns meses mais tarde, diversos deputados apresentaram na Câmara um projeto de lei de “casamento igualitário” no marco da mesma campanha.
De maneira surpreendente, a estratégia judicial funcionou e, no dia 10 de novembro de 2009, uma juíza da cidade de Buenos Aires resolveu o caso declarando a inconstitucionalidade dos artigos do Código Civil que regulavam o matrimônio, classificando‐a de discriminatória. Em poucos meses, na cidade de Buenos Aires, distintos juízes reconheceram novamente esse direito, gerando uma importante jurisprudência vinculada ao reconhecimento dessas demandas. Com esses precedentes favoráveis, a FALGBT anunciou que lançaria uma “campanha judicial em todo o território nacional” com a finalidade de obter novas sentenças desse tipo em lugares diferentes do país. As representações se fariam por parte de advogados e advogadas da Federación e contariam com a colaboração do Instituto Nacional contra la Discriminación, la Xenofobia y el Racismo (INADI) (Campana, 2011). As respostas a essas novas demandas não foram favoráveis e a questão caiu nas mãos da Corte Suprema de Justicia de la Nación.
Não foi necessário que o órgão máximo judicial do país resolvesse: no dia 15 de julho de 2010, o Congresso argentino aprovava as modificações no Código Civil15, permitindo o acesso ao casamento para os/as homossexuais.
Obtido o direito ao casamento, a FALGBT lançava uma segunda campanha denominada “Derecho a la identidad, derecho a tener derecho” e, com ela, o reconhecimento da identidade de gênero se convertia na nova demanda do movimento pela diversidade sexual na Argentina. Nesse caso, a estratégia seguida foi a mesma: pressionar tanto no âmbito legislativo quanto no judicial. No primeiro, se apresentaram vários projetos de lei e, em novembro de 2011, as comissões de “Legislación General” e “Justicia” da Câmara dos Deputados discutiram e aprovaram um deles16, começando assim o processo legislativo. No 15 Lei nacional número 26.618. 16 Veja “Un paso hacia la identidad de género”. Disponível em http://www. pagina12.com.ar/diario/sociedad/3‐180876‐2011‐11‐09.html. (último acesso: 30 de novembro de 2011).
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âmbito judicial, levaram‐se a cabo vários pedidos de reconhecimento de identidade de gênero diante da justiça e autorização para mudar nomes nos documentos públicos. A novidade dessas solicitações foram que os/as afetados/as alegavam que era sua identidade autodeclarada a que deveria se levar em conta no momento de resolver, e não o fato de terem sido submetidos/as a intervenções cirúrgicas ou perícias médicas, psicológicas ou psiquiátricas.17 Essas demandas obtiveram uma recepção favorável nos mesmos tribunais de Buenos Aires que consideraram que a instituição civil do matrimônio compreendido apenas como entre homem e mulher era inconstitucional (enquanto que, nos tribunais do resto do país, diante da mesma demanda, a resposta era muito diferente), autorizando aos demandantes a mudarem suas identidades sem obrigá‐los/as a submeterem‐se a perícias médicas ou psicológicas, e levando em consideração somente a autonomia de quem demandava. Essa demanda também se resolveu no âmbito legislativo, com a lei nacional 26.743, a qual reconhece a identidade de gênero de todas as pessoas do país.
Nesse caso, resulta difícil aferir a influência que a estratégia judicial pôde ter na decisão do Congresso Nacional argentino. Na verdade, o que se pode supor é que a lei de identidade de gênero seria o primeiro passo de um processo de transformações em diferentes instituições estatais (nas quais se incluem a justiça) que já havia começado.18
17 É importante sublinhar que até o momento, os pedidos de reconhecimento de identidade de gênero para realizar intervenções cirúrgicas de mudança de sexo ou retificar documentos públicos, em sua maioria se caracterizavam por: 1. Outorgar uma grande relevância às distintas perícias a que as pessoas trans deveriam submeter‐se e os informes de experts (médicos forenses, psiquiatras, psicólogos, entre outros) que, em consequência, se produziam. 2. O relato de uma vida de sofrimento. Esses casos, em geral, tratavam sobre pessoas trans que já tinham sofrido intervenções cirúrgicas, e que por suas histórias de vida, caracterizadas pelo sofrimento constante e a discriminação permanente, logravam convencer ao juíz sobre a necessidade de intervenção cirúrgica e/ou retificação dos registros documentais.
18 Já existia o reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans em distintas repartições públicas no momento de aprovação e sanção da lei. Assim, por exemplo, na província de Córdoba, no ano de 2011, o Ministério da Saúde reconheceu a identidade de gênero de travestis e transsexuais que foram atendidas em hospitais públicos da Província (Resol. Ministerial 146/2001). A Universidade Nacional de
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Quando se faz referência ao uso estratégico do direito na Argentina, em geral os teóricos têm uma perspectiva otimista, e entendem que a mobilização do direito pode ser entendida como uma ferramenta capaz de conseguir mudanças sociais significativas no reconhecimento de direitos por meio de vitórias em campos judiciais (Böhmer, 1997; Courtis, 2003; CELS, 2008). Inclusive quando as respostas dos juízes não são favoráveis, se considera que o mero feito de ter utilizado os tribunais produz “efeitos indiretos” benéficos, pois em alguns casos as demandas se instalaram na opinião pública, nos meios de comunicação e nos setores políticos e acadêmicos. Dessa maneira, mantém‐se justificada a estratégia jurídica. Essa postura se baseia na visão estadunidense exposta por Michael W. McCann, o qual, em sua obra Rights at Work (1994), considera que o direito pode participar diretamente em um processo político de contestação contra uma ordem estabelecida. Como sublinha esse autor em um artigo mais recente, o direito proporciona “simultaneamente princípios normativos e estratégicos para a direção das lutas sociais” (McCann, 2004, p.508).
Dentro dessa perspectiva se poderia entender porque uma parte importante do movimento da diversidade sexual optou por uma inclusão de estratégias judiciais em suas campanhas pelo reconhecimento de direitos. Além disso, nos permitiria justificar como as decisões da justiça asseguraram direta e indiretamente o êxito das campanhas lançadas. Desse modo, o uso estratégico do direito por parte do movimento LGBT seria um claro exemplo de quanto os tribunais podem contribuir à mudança social.
Com certeza, se fizermos uma leitura mais detalhada, em ambos os casos, as demandas se resolveram definitivamente no Congresso Nacional e não na justiça. Além disso, não é possível encontrar vínculos diretos entre essas sentenças que reconheciam direitos e a decisão do
Córdoba, por sua parte fez o mesmo em outubro, sendo a primeira universidade na Argentina que legislou sobre esse assunto, garantindo o respeito à identidade de gênero autopercebida de seus membros (Ord. HCS 9/11), e, posteriormente, viria a resolução 1181/2011 do Ministério de Seguridad de la Nación, estabelecendo que “Las personas trans deberán ser reconocidas por la identidad de género adecuada a su percepción, tanto en el trato personal como para cualquier tipo de trámite, comunicación o publicación al interior de las Fuerzas”.
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Poder Legislativo. E mais, em quase todos os casos, as sentenças que se ditaram fora da cidade de Buenos Aires não reconheciam os direitos que o movimento demandava. Assim mesmo, a maior parte da imprensa escrita se centrou no debate parlamentar e houve, comparativamente, uma escassa cobertura dos fatos judiciais (Sgró Ruata e Rabbia, 2011). Tudo isso nos leva a duvidar da efetividade que tiveram realmente as estratégias judiciais empregadas pelo movimento e quanto essas estratégias trouxeram para suas lutas por reconhecimento.
Ainda que não possamos concluir que o movimento pela diversidade sexual tenha sido exitoso pelo emprego de estratégias judiciais, é possível admitir que outros setores, aos quais denominamos “pró vida” têm uma grande eficácia no momento de usar os tribunais argentinos. Esses setores se caracterizam por serem marcadamente conservadores, estarem relacionados com instituições católicas, manterem uma concepção estática e tradicional da sexualidade (à qual vinculam exclusivamente com seu papel reprodutivo) e expressar que seu principal objetivo é a defesa da vida desde a concepção. Ademais, esses setores se caracterizam por ter utilizado tradicionalmente a arena judicial para impedir o avanço em matéria de sexualidade e (não) reprodução. De fato, atualmente, o Ministerio de Salud de la Nación enfrenta nove demandas judiciais somente contra o Programa Nacional de Salud Sexual y Procreación Responsable19 (Peñas Defagó, 2009).
De todos os casos, o mais emblemático foi o “Portal de Belén”20. O caso se originou quando um laboratório farmacêutico obteve uma autorização do Ministerio de Salud de la Nación para produzir a pílula de anticoncepção hormonal de emergência (conhecida como “pílula do dia seguinte”). Essa autorização fez com que uma ONG chamada “Portal de Belén” se apresentasse diante da justiça argumentando que tais pílulas atentavam contra a vida das crianças por nascer, e solicitou que se tirasse sua autorização e se proibisse sua fabricação, distribuição e comercialização em todo país. A Corte Suprema de Justicia de la Nación aceitou a demanda considerando que a vida humana começa desde a 19 Lei 25.673 20 Caso “Portal de Belén Asociación Civil sin fines de lucro c/Ministerio de Salud y Acción Social de la Nación s/Amparo”.
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concepção e tal fármaco devia ser considerado abortivo e, em consequência, ilegal.
Os casos não se esgotam aqui. Esses grupos obtiveram resoluções judiciais favoráveis que impediram as realizações de abortos permitidos pela lei, o ensino de educação sexual nas escolas, a distribuição de métodos contraceptivos em hospitais públicos e, inclusive, a anulação dos primeiros casamentos entre pessoas do mesmo sexo a que fizemos referência anteriormente (Campana, 2011). Se a maioria desses casos se caracteriza por utilizar o sistema judicial para impedir o avanço dos direitos, os tribunais em todo país se mostraram bastante receptivos a esse tipo de demanda, convertendo‐se em aliados importantes quando se disputam essas questões.
O caso dos avanços alcançados pelas demandas de direitos LGBT argentinos e a manutenção de uma visão negativa do aborto podem ser pensados dentro da dinâmica maior em que se enquadram essas disputas judiciais no período democrático recente: uma rediscussão do que é a nação argentina. De forma paralela, o mesmo tem se passado no Brasil, no qual não apenas o aborto continua criminalizado como os direitos LGBT têm avançado mais timidamente. É perceptível que a partir do Governo Dilma Rousseff a agenda geral dos direitos humanos sofreu uma freada, o que o caso recente da eleição de um parlamentar da frente evangélica para a presidência da Comissão do Congresso sobre Direitos Humanos vem corroborar.
De forma apenas parcial e controlada, o que temos assistido em terras brasileiras são algumas conquistas envolvendo nossa diversidade étnico‐cultural, em especial o reconhecimento da constitucionalidade das cotas nas universidades pelo Supremo Tribunal Federal. Compreensivelmente, devido às diferentes composições populacionais e às diferentes histórias, o caso argentino se desenvolve de maneira que demandas de reconhecimento e direitos se dão em uma sociedade que (ainda) se vê de forma mais homogênea enquanto no Brasil a problemática de uma sociedade multirracial se impõe.
A despeito das diferenças, ambas as sociedades passam por um processo democrático de reavaliação do que se compreende como a nação argentina ou brasileira. A seguir refletimos preliminarmente como essa transformação da forma como compreendemos quem faz
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parte de nossas respectivas nações tem se dado a partir de um enquadramento multiculturalista, o qual tem marcas das sociedades que criaram a noção de diversidade e podem limitar os avanços e as conquistas em dois países do Sul Global. 4. Diversidade e diferenças: para onde caminham as nações?
Em relação ao caso argentino e suas conquistas recentes, a
sociedade brasileira e seu legado cultural autoritário parece amortecer as conquistas democráticas recentes em uma das esferas em que elas mais poderiam florescer. Afinal, como já observamos, entre as motivações que levam estudantes a optarem pelo Direito se encontram ideais como o de prestar um serviço à sociedade e aos que mais precisam.
Trata‐se de algo similar ao que se passa em outras esferas profissionais e políticas que mantém esses compromissos vinculados a vertentes de reflexão sobre diversidade e multiculturalismo. As melhores das intenções terminam por traduzir demandas de transformação das relações de poder e diminuição das desigualdades sociais em discursos que apelam à retórica da tolerância e da incorporação de grupos sociais minoritários sem modificar os privilégios dos socialmente majoritários, leia‐se, frequentemente não os mais numerosos, antes os que detém o poder regulador da ordem social.
O fato acima é perceptível no contrassenso de chamar as mulheres ou os negros de minorais em uma sociedade como a brasileira, em que eles/as são metade ou mais da população. Na verdade, minorias, diversidade e multiculturalismo formam um vocabulário tímido e conservador para lidar com desigualdades e injustiças. O termo diversidade é uma noção teórico‐política que surgiu na América do Norte em meio à preocupação com conflitos étnico‐raciais, e mesmo culturais, entre a década de 80 e a de 90 do século passado. Nesse período, havia, por exemplo, desde conflitos culturais entre diferentes comunidades de imigrantes de ex‐colônias na Inglaterra, na França e na Holanda até, na América do Norte, a rivalidade entre as partes de fala francesa e inglesa no Canadá que
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levou a uma tentativa de transformar o Quebec em um outro país. Nos Estados Unidos, no início da década de 1990, entraram para a história episódios de conflitos raciais entre negros e brancos como os que se passaram em Los Angeles.
É neste contexto histórico de grande preocupação social que surge a demanda por reflexões acadêmicas e políticas apaziguadoras e conciliatórias. Em 1990, é lançado um texto fundamental sobre o tema, The Politics of Recognition [A política do reconhecimento] do filósofo canadense Charles Taylor. Nesse artigo há uma reflexão que serve de base para boa parte do que foi produzido daí por diante sobre diversidade, tanto em termos acadêmicos como na forma de políticas sociais. A noção de diversidade busca compreender as demandas por respeito, das demandas por acesso a direitos por parte de pessoas que historicamente não tiveram esses direitos reconhecidos como negros, povos indígenas, homossexuais, mas de forma a que esses direitos particulares sejam reconhecidos dentro de um contexto institucional universalista.
O universalismo se revela intransigente e incapaz de lidar com transformações históricas e sociais em que o apelo à igualdade se sobrepõe ao reconhecimento das injustiças sobre o qual sua tradição intelectual, social e legal se assentou desde ao menos o final do século XVIII (cf. Miskolci, 2010). O multiculturalismo, por sua vez, menos do que antagonizar com o universalismo busca atualizá‐lo para a realidade contemporânea, em particular das nações mais heterogêneas ou – melhor dizendo – mais abertas ao reconhecimento de sua diversidade interna. A despeito dos avanços, o multiculturalismo mantém intocado e inquestionado o olhar hegemônico sobre o qual assenta seus ideais, o qual pode ser claramente definido como os dos grupos estabelecidos e detentores do poder econômico, cultural e político desde a colonização.
No Brasil, um país marcado por séculos de colonização exploratória e pela escravidão, a República foi criada em fins do XIX de forma a preservar os privilégios das classes dominantes brancas, ricas e letradas. Desde então predominou o discurso universalista e os ideais de um liberalismo aparentemente fora de lugar, mas cuja lógica servia a
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manter a imensa maioria da população sem cidadania plena.21 De forma simplificada, pode‐se dizer que apenas após o final da última ditadura militar (1964‐1985) é que surgiram condições políticas abertas a demandas de reconhecimento de diferenças anteriormente ignoradas ou violentamente negadas.
A Assembleia Constituinte de meados da década de 1980 foi um marco ao impulsionar debates democráticos sobre nossa sociedade e seu resultado, a Constituição de 1988, estabeleceu o marco institucional dentro do qual floresceriam as demandas por reconhecimento das diferenças em fins do século XX. Dentre elas, algumas das mais visíveis foram a demanda de igualdade de direitos por parte de homossexuais, a luta dos movimentos negros pelas ações afirmativas e de indígenas e quilombolas por demarcação de suas terras e reconhecimento de suas culturas.
Na Argentina, a situação não é muito diferente. O modelo agroexportador, desenhado no final do século XIX, por uma elite capitalista e liberal quase não se modificou até hoje. E ainda que, formal e legalmente, a cidadania plena se alcançou em 1947, quando se reconheceu o direito ao voto feminino, e os movimentos operários e sindicais estavam bem estabelecidos, não foi antes de 1983, com a reinstauração da democracia, que os diversos movimentos sociais e atores coletivos começaram a ter participação na vida política e institucional do país.
A crescente importância política e institucional que começou a cobrar a sociedade civil na arena política foi juridicamente respaldada pela reforma constitucional de 1994. Essa reforma implicou uma importante transformação nas instituições do país, o reconhecimento de novos direitos e instrumentos jurídicos tendentes a garantir o exercício efetivo deles. Mas, além disso, durante a década de 1990 se produziu uma importante retirada por parte do Estado de várias de suas funções tradicionais e, consequentemente, o surgimento de muitas organizações políticas e sociais tendentes a suprir esse vazio. Dentro desse contexto político e institucional favorável é que floresceram diversas das demandas por reconhecimento de direitos e das diferenças. 21 Sobre essa profícua linha de reflexão sobre os aparentes paradoxos brasileiros consulte a clássica discussão de Roberto Schwarz intitulada “As ideias fora de lugar” (2000).
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Apenas dentro do que as pessoas de fala inglesa denominam de constitutional law e que podemos traduzir por Estado de Direito podemos debater os termos de convivência em uma sociedade que pretende um dia ser plenamente democrática. Muito além das também fundamentais conquistas das eleições diretas, do voto universal, a democracia é um construto histórico e cultural que depende do grau de liberdade de rediscussão dos limites da cidadania, sobretudo buscando ampliá‐la para aqueles e aquelas que não têm reconhecida sua humanidade, seus direitos, sua igualdade jurídica e social. Apenas depois dos anos oitenta que as sociedades brasileira e argentina passaram a viver dentro dessas condições, portanto há apenas menos de três décadas, um curto período dentro de nossa longa história.
Quando alguém se pergunta por que ainda vivemos em uma sociedade injusta e autoritária é só refletir sobre como nossa experiência democrática é recente e curta. No caso brasileiro, vinte e cinco anos são muito pouco tempo dentro desses séculos de experiência histórica colonial, escravagista e mesmo imperial ou republicana dentro dos quais se forjou uma sociedade altamente desigual não apenas em termos econômicos, mas também em outros aspectos não menos importantes como raça/etnia, gênero, sexualidade, etc. De qualquer forma, o Brasil conquistou muito neste quarto de século e avançou a passos largos em comparação com muitas outras nações com histórias similares. Ainda há muito o que fazer, mas vivemos dentro de um clima democrático profícuo para as transformações que, quiçá, possam vir a nos tornar uma sociedade plenamente democrática e com justiça para todos/as.
No caso argentino, os contínuos golpes de estado, a instabilidade das instituições políticas, a alternância entre regimes ditatoriais e democráticos, um modelo baseado na exportação de matérias agrícolas e importação de manufaturas e a dependência econômica das grandes potências produziram um paulatino empobrecimento da maior parte da população, convertendo‐se também em um país altamente desigual.
É em meio ao cenário inaugurado pelas novas Constituições e a rearticulação dos movimentos sociais na década de 1990 que começa a surgir uma nova forma de compreensão da nação e do acesso à cidadania. As políticas criadas sob o rótulo da diversidade buscam fazer
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frente a este novo cenário cultural e político tão recente quanto imprevisível. Não é de se estranhar que em sociedades marcadas pelo comando por elites temerosas com relação ao povo e à possibilidade de perda de sua posição de comando22 busquem, ao menos inicialmente, fazer frente às demandas sociais de reconhecimento das diferenças por meio do filtro político que as traduz na linguagem da tolerância da diversidade.
Tolerar é muito diferente de reconhecer alteridades, de valorizá‐las em sua especificidade e conviver com a diversidade também não quer dizer aceitá‐la. Em termos teóricos, diversidade é uma noção derivada de uma concepção estática de cultura que advoga a tolerância dos “diferentes”, mas mantendo a cultura dominante intocada por esses “Outros” sociais. É como se da ignorância ou do apagamento das diferenças sociais passássemos apenas a reconhecê‐las recusando nos relacionarmos/transformarmos pelo contato com elas. A retórica da diversidade busca manter intocada a cultura dominante criando apenas condições de tolerância para os diferentes, os estranhos, os “outros”. Seu resultado, o multiculturalismo, tende a criar condições sociais e políticas de gestão das diferenças ou, sendo mais direto e claro, o estabelecimento de um regime atualizado das antigas formas de segregação que caracterizaram historicamente sociedades como a norte‐americana.
A retórica da diversidade tem forte apelo, e não apenas no Brasil, na Argentina ou na esfera da política, pois apresenta o mundo como podendo ser diverso sem modificar hierarquias ou relações de poder. Alguns falam de diversidade por meio do termo multiculturalismo, essa utopia euro‐norte‐americana da convivência com imigrantes, não‐brancos, não‐heterossexuais, entre outros, a partir de uma perspectiva que mal encobre sua origem branca, cristã, ocidental e masculina. Trata‐se de uma utopia dos nostálgicos do poder branco colonial, na qual as diferenças seriam toleradas sem modificar profundamente os valores e os privilégios dos grupos sociais dominantes. 22 Sobre as origens históricas desse medo da elite brasileira em relação ao povo consulte Miskolci (2012) e Azevedo (1987). Azevedo mostra que o temor da Abolição originou o medo dos negros no Brasil, Miskolci por sua vez analisa como esse temor dos negros foi transformado em medo do povo após a proclamação da República.
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Distinguir entre diferença e diversidade exige abandonar uma concepção normativa e fossilizada de sociedade. Se a diversidade apela para uma concepção horizontalizada de relações em que se afasta o conflito e a divergência em nome da conciliação, lidar com a diferença é algo incomensurável, mas potencialmente mais democrático e promissor. Uma perspectiva informada pelas diferenças pode questionar e até modificar hierarquias, colocar em diálogo os subalternizados com o hegemônico de forma, quiçá, a mudar a ordem que mantém e reproduz desigualdades.
Os discursos jurídicos e a formação em Direito ainda constituem um conjunto de técnicas que buscam fazer o Outro se enquadrar ou ser reconhecido sem modificar as concepções hegemônicas de justiça e igualdade. Ou seja, demandas de reconhecimento e igualdade a partir da diferença tendem a ser enquadradas em um modelo legal autoritário, normativo, violento. Podemos reavaliá‐lo de forma que, ao invés de homogeneizar ou alocar confortavelmente cada um em uma gaveta por meio das diferenças possamos modificá‐lo e atualizá‐lo de forma a mudar sua histórica conformação aos interesses dos grupos dominantes.
Nas sábias palavras de Adriana Vianna: “Falar de “direito à diferença” implica, em primeiro lugar, reconhecer a possibilidade de heterogeneidade cultural e social como algo legítimo em universos políticos mais amplos, dotados de uma suposta “unidade”, como se dá nos Estados‐nação modernos. Mais do que apreender a diferença como condição inerente aos grupos sociais, isso equivale a defendê‐la como algo relevante na constituição da especificidade de indivíduos e coletividades que não desejam negá‐la para serem reconhecidos como participantes legítimos de unidades abrangentes” (Vianna, 2012, p. 204‐205).
Percebe‐se como as demandas de reconhecimento e acolhimento das diferenças questionam a compreensão ainda corrente do que seria a nação brasileira ou mesmo a argentina. Esse construto cultural e legal, a nação, pode ser repensado e adquirir uma acepção mais inclusiva e democrática. A noção de diversidade busca amortecer as críticas e incorporar de forma controlada e/ou subalterna grupos sociais cuja
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história se confunde com uma de luta constante contra o aniquilamento de suas singularidades. A perspectiva das diferenças tende a ser temida como trazendo consigo necessariamente o conflito e a discórdia, interpretação dos estabelecidos sociais que deixa de reconhecer as alteridades internas à sociedade brasileira ou argentina como interlocutoras em nível de igualdade.
As diferenças podem incitar o debate, fazer com que as divergências se traduzam em diálogos e negociações. Talvez o maior desafio de nossas democracias seja o de deixar para trás os temores elitistas sobre o povo ou as demandas subalternas como ameaças à ordem. Superar este medo dos grupos sociais injustamente mantidos à margem do reconhecimento, do respeito e da justiça exige modificar a histórica aversão de nossas elites políticas, intelectuais e econômicas às divergências ou ao conflito. Em um contexto plenamente democrático todos/as – e especialmente cada um/a – tem o direito de divergir ao mesmo tempo que demanda seu reconhecimento como parte da coletividade.
É nesse contexto em que o papel da formação dos advogados e das advogadas, na Argentina e no Brasil, cumpre um papel central. Concepções jus‐naturalistas, arcaicas, positivistas e conservadoras continuam dominando o currículo quando se tratam de profissões jurídicas. Os estudantes são meros receptores passivos de discursos que não podem ser colocados em dúvida tampouco discutir, são formados sem ferramentas críticas e, em sua maioria, carecem de compromisso social e ideal de justiça. Desse modo, se formam operadores jurídicos cujo papel é reproduzir a ordem existente.
No caso argentino, os/as advogados/as ativistas têm pouca margem para produzir mudanças significativas no que se refere ao reconhecimento de direitos. Nesse mesmo contexto, aqueles/as advogados/as que se oponham ao avanço dos direitos encontram na justiça um campo propício para tornar efetivas suas demandas. Cenário similar se encontra no Brasil, de forma que em ambos os países o direito e a mudança social parecem não se dar bem.
Uma modificação na esfera formativa do Direito seria uma bem‐vinda contribuição para o aprofundamento de nossas democracias. A transformação poderia começar pela incorporação de uma perspectiva
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educacional dialógica, o incentivo ao debate em sala de aula e a incorporação de fontes históricas e sociológicas que tensionam, mas também enriquecem, o aprendizado legal por meio do incentivo à reflexão e a contextualização da prática profissional. Dessa maneira, o próprio Direito passaria a incorporar as diferenças reconhecendo seu papel social não apenas de mantenedor da tradição ou do estabelecido, mas também de veículo de transformação social.
A prática profissional pode adaptar‐se às demandas atuais por maior acesso à justiça, reconhecimento de diferenças historicamente ignoradas ou negadas pela ordem jurídica herdada de nosso passado autoritário. Em suma, o Direto pode manter seu compromisso com a ordem sem deixar de incorporar as demandas que apontam para a construção de uma sociedade mais justa, a qual não alcançará seus ideais de igualdade sem o apoio da esfera jurídica. Bibliografia AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites do XIX. São Paulo, Paz e Terra, 1987. BERNSTEIN, Basil. “Class, codes and control”. Londres. Routledge & Keegan Paul, 1977. BONELLI, Maria da Gloria. Profissionalismo, gênero e significados da diferença entre juízes e juízas estaduais e federais. In: Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, Departamento e Programa de Pós‐Graduação em Sociologia, pp. 103‐123, 2011. BONELLI, Maria da Gloria; CUNHA, Luciana G.; OLIVEIRA, Fabiana L. De; SILVEIRA, M. Natália B. da. Profissionalização por gênero em escritórios paulistas de advocacia In: Tempo Social‐ Revista de Sociologia da USP. São Paulo: PPGS‐USP, v. 20, n.1, pp. 265‐290, 2008. BOHMER, Martín F. “Sobre la inexistencia del derecho de interés público en Argentina”. En Revista Jurídica de la Universidad de Palermo. Buenos Aires, 1997. BRÍGIDO, Ana María. “Claves teóricas para interpretar el proceso de socialización profesional de los futuros abogados”. En La socialización de los estudiantes de abogacía. Crónica de una metamorfosis. Brígido, Ana María et al. Córdoba. Hispania Editorial, 2006a.
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