43
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros MARTÍNEZ, LFP. A pesquisa dos professores de Ciências em serviço como expressão da construção da autonomia docente. In: Questões sociocientíficas na prática docente: Ideologia, autonomia e formação de professores [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2012, pp. 189-230. ISBN 978-85-3930- 354-0. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Parte V - A abordagem de questões sociocientíficas (QSC) e a construção da autonomia dos professores de ciências em serviço 15. A pesquisa dos professores de Ciências em serviço como expressão da construção da autonomia docente Leonardo Fabio Martínez Pérez

Parte V - A abordagem de questões sociocientíficas (QSC) e ...books.scielo.org/id/bd67t/pdf/martinez-9788539303540-16.pdf · relacionados com o consumo de ... roberto e Laura) que

  • Upload
    ledien

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros MARTÍNEZ, LFP. A pesquisa dos professores de Ciências em serviço como expressão da construção da autonomia docente. In: Questões sociocientíficas na prática docente: Ideologia, autonomia e formação de professores [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2012, pp. 189-230. ISBN 978-85-3930-354-0. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Parte V - A abordagem de questões sociocientíficas (QSC) e a construção da autonomia dos professores de ciências em serviço 15. A pesquisa dos professores de Ciências em serviço como expressão da construção da autonomia

docente

Leonardo Fabio Martínez Pérez

Carr e Kemmis (1988) desenvolveram a tese do professor como pesquisador embasados nos trabalhos de Stenhouse (1987). Segundo esses autores, o professor como pesquisador constituía um caminho concreto para construir a autonomia docente. assim, um indício da falta de autonomia dos professores consiste na dificuldade que eles enfrentam para se assumir como pesquisadores de sua prática.

embora a maioria (vinte) dos professores participantes da pesquisa tenha determinado a questão sociocientífica (QSC) de seu interesse (Quadro 8), vários deles não explicitaram qual seria o objetivo de ensino trabalhado durante a abordagem da QSC em sala de aula, bem como as formas de coletar e analisar informações de suas aulas.

as discussões desenvolvidas com os professores sobre a importân-cia da pesquisa como parte de sua atuação docente e de sua formação no curso de mestrado1 possibilitaram que os professores fossem as-sumindo a abordagem de QSC de seu interesse como um projeto de pesquisa de seu ensino e dessa forma fossem avançando na construção de sua autonomia.

1 os PP realizavam o segundo ano do curso de mestrado e, portanto, todos eles tinham estudado disciplinas relacionadas com pesquisa.

15a PeSquiSa doS ProfeSSoreS

de ciênciaS em Serviço como exPreSSão da conStrução

da autonomia docente

190 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

nos quadros 11, 12, 13, 15 e 162 apresentaremos uma síntese dos objetivos, referenciais teóricos, dos procedimentos metodológicos e das conclusões dos 23 trabalhos de pesquisa3 que foram entregues pelos PP após a finalização da disciplina ensino de Ciências com en-foque CtSa a Partir de QSC. a partir dos dados constituídos nesses quadros e de outros episódios, buscaremos caracterizar a forma como os professores avançaram na pesquisa sobre sua prática a partir da abordagem de QSC e dessa forma também caracterizaremos avanços sobre a construção de sua autonomia docente.

de acordo com os dados registrados no Quadro 11, evidenciamos que os professores Pedro e Vinícius não consideraram em seus tra-balhos um objetivo de ensino específico sobre a abordagem de QSC. no caso do professor Pedro, seu trabalho esteve limitado à descrição de dados sobre a automedicação, os quais foram levantados com seus alunos que participavam de um curso técnico de Farmácia oferecido a distância. as conclusões constituídas pelo professor são limitadas a descrever causas da automedicação apontadas por moradores de uma cidade da Colômbia.

2 esses quadros são apresentados na medida em que sejam feitas análises sobre os trabalhos dos professores.

3 dos 31 PP foram recebidos 23 trabalhos finais. dois professores que não en-tregaram os trabalhos manifestaram problemas pessoais de ordem familiar; um professor mudou de emprego, dificultando a realização do trabalho; e os cinco professores restantes não manifestaram razões que justificassem a falta de seus trabalhos, apesar de serem motivados permanentemente pelo PU para compar-tilhar suas dificuldades, com o intuito de apoiá-los.

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 191

Quadro 11 – Síntese de trabalhos apresentados pelos professores Pedro e Vinícius

nomes dos professoresPedro Vinícius

objetivos propostos pelos professores

– determinar as causas que in-fluem na automedicação e seus efeitos secundários na saúde e na sociedade dos habitantes de uma cidade X da Colômbia.

– diminuir os fatores de risco relacionados com o consumo de tabaco.

referenciais teóricos

– teorias sobre a saúde.– aspectos legais sobre a saúde pública.

– tabagismo.– Problemas de saúde.

Procedimentos metodológicos

– Metodologia quantitativa des-critiva com o uso de questionários e observações.

– Sensibilização sobre o tema e caracterização de ideias prévias.– realização de oficinas.

Conclusões

– o uso de medicamentos sem receita médica é uma prática ge-neralizada em famílias da cidade X da Colômbia. as pessoas têm o costume de procurar medicamen-tos nas farmácias e, se a doença persiste, procuram ajuda médica.– alguns fatores que geram a automedicação são: a) a burocracia no atendimento do sistema de saúde público; b) dificuldade no sistema de transporte; c) falta de tempo para ir a consultas médicas; d) desinformação da população.

– o tabagismo é um grave proble-ma que exige o compromisso dos diferentes atores sociais, o que exi-ge a elaboração de políticas mais amplas que gerem ações concretas para abordar o problema.

Fonte: Martínez (2010).

apesar de o professor Pedro participar de todos os encontros da disciplina e realizar comentários sobre as propostas de seus colegas, ele não conseguiu abordar pedagogicamente uma QSC em sua prática. essa situação pode ser atribuída à preparação e experiência docente desse professor, pois ele tinha se formado como bacharel em Química Farmacêutica. a experiência profissional do professor, em sua maioria, não esteve vinculada à docência, pois, dos dezesseis anos percorridos por ele após da conclusão do bacharelado, somente sete foram vincu-lados à docência universitária, e não foi registrada experiência alguma no ensino básico.

192 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

o caso do professor Vinícius é diferente, porque ele possuía uma ampla experiência docente no ensino superior e no ensino básico, em um total de trinta anos de serviço. o professor realizou seu trabalho final sobre um programa sobre tabagismo para o ensino fundamen-tal por convicções próprias e porque, segundo ele, o problema do tabagismo requeria estratégias de prevenção, as quais poderiam ser fundamentadas com os subsídios pedagógicos oferecidos na dis-ciplina ensino de Ciências com enfoque CtSa a Partir de QSC. isso foi interessante para nossa pesquisa, porque percebemos uma iniciativa autônoma do professor, embora não estivesse abordando uma QSC em seu ensino. no episódio 11 observamos na fala do professor Vinícius os ganhos de seu trabalho para o fortalecimento de sua iniciativa, a qual tinha sido desconsiderada como trabalho de pesquisa do curso de mestrado.

Episódio 11 (EF Grupo 1)

1. PU: [...] Primeiro vamos conversar sobre o seguinte: o trabalho que temos desenvolvido durante a disciplina os tem ajudado a repensar sua prática de ensino? ou seja, os tem ajudado a considerar como trabalham ou não os tem ajudado? Por que não os tem ajudado?8. Vinícius: Pareceu-me interessante o relacionado com o pensamento crí-tico, isso me levou a fazer um trabalho com a comunidade. o relacionado com o tema de tabagismo é muito bom, pois pensava fazer isso em minha pesquisa de mestrado, mas me falaram que não podia.

a seguir apresentamos as análises sobre as contribuições e dificul-dades caracterizadas a partir dos trabalhos dos professores em cada um dos objetivos de ensino (tomada de decisão, desenvolvimento de pensamento crítico, argumentação e incorporação da perspectiva CtSa à prática docente) propostos por eles para abordagem das QSC de seu interesse.

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 193

A abordagem de QSC e a tomada de decisão

Conforme o Quadro 12, observamos que a maioria dos professo-res (roberta, Cristina, roberto e Laura) que trabalharam a tomada de decisão em sala de aula explicitou em suas conclusões dificuldades enfrentadas com seus alunos ao trabalharem QSC de seu interesse. entretanto, o professor Maurício e a professora Paula apontaram apenas contribuições dessa abordagem.

a partir dos trabalhos da professora roberta e da professora Cris-tina, salientamos o conflito existente entre a cultura dos estudantes (adolescentes) e a cultura do professor de Ciências. a primeira cultura é caracterizada pela espontaneidade e pelas experiências cotidianas dos estudantes que não têm o interesse de abordar o processo de tomada de decisão de forma sistemática e fundamentada. a cultura do professor de Ciências caracteriza-se pela preocupação acadêmica de fundamentar a tomada de decisão como um processo sistemático.

nos referenciais teóricos utilizados pelas professoras em seus trabalhos evidenciamos a apropriação de várias pesquisas sobre a tomada de decisão no ensino de Ciências. os trabalhos de Santos e Mortimer (2002) e ratcliffe (1997) apresentam diferentes modelos para orientar a tomada de decisão, os quais foram utilizados pelas professoras para desenvolver suas atividades em sala de aula, afian-çando dessa forma o caráter acadêmico de seu trabalho.

é interessante destacar que o conflito entre a cultura dos estu-dantes e a cultura acadêmica do professor de Ciências é enfrentado pela professora roberta por meio do “diálogo de saberes”, que foi desenvolvido no decorrer do jogo de papéis e no trabalho colaborativo realizado com seus alunos.

a partir do episódio 12 identificamos o conflito citado anterior-mente e a forma como a professora roberta o enfrenta.

194 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

Qua

dro

12 –

Sín

tese

dos

trab

alho

s apr

esen

tado

s pel

os p

rofe

ssor

es e

m se

rviç

o fo

cado

s na

tom

ada

de d

ecis

ãon

ome

do(a

) pr

ofes

sor(

a)Q

uest

ão so

cio-

cien

tífica

o

bjet

ivos

pr

opos

tos p

elos

pr

ofes

sore

s

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos m

etod

o-ló

gico

sC

oncl

usõe

s

rob

erta

– a

seg

uran

ça

alim

enta

r e se

us

efei

tos s

ocia

is.

– Fo

rmar

os

es-

tuda

ntes

par

a a

part

icip

ação

ci-

dadã

por

mei

o da

re

flex

ão d

e se

u sa

ber

sobr

e um

a Q

SC p

ara

favo

-re

cer a

tom

ada d

e de

cisã

o.

– d

iálo

go d

e sa

-be

res.

– t

omad

a de

de-

cisã

o.

Met

odol

ogia

qua

litat

iva

foca

da n

o di

álog

o de

sa-

bere

s e

estr

utur

ada

nas

segu

inte

s fa

ses:

1)

cara

c-te

riza

ção

da q

uest

ão so

bre

a se

gura

nça

alim

enta

r no

co

ntex

to d

a cr

ise

ambi

en-

tal;

2) es

tudo

e di

scus

são d

a qu

estã

o; 3

) ide

ntifi

caçã

o de

ator

es so

ciai

s rel

acio

nado

s co

m a

QSC

e jo

go d

e pa

-pé

is; 4

) aná

lise d

o pr

oces

so

de to

mad

a de

dec

isão

.

– o

confl

ito en

tre a

cultu

ra d

os es

tuda

ntes

e a d

o pr

ofes

sor i

nflui

no

pro

cess

o de

tom

ada

de d

ecis

ão.

– a

cultu

ra ju

veni

l pod

e fom

enta

r a p

artic

ipaç

ão d

os es

tuda

ntes

e

gera

r nel

es p

roce

ssos

de

cons

cien

tizaç

ão.

– a

per

spec

tiva

Ct

Sa m

elho

ra o

pla

neja

men

to e

o d

esen

vol-

vim

ento

do

mic

rocu

rríc

ulo

(ens

ino

da p

rofe

ssor

a) e

gera

nov

as

dinâ

mic

as e

m sa

la d

e au

la.

Cri

stin

a–

Con

serv

ação

do

rec

urso

hí-

dric

o no

con

-te

xto

esco

lar.

– d

esen

volv

er

nos

estu

dant

es

a to

mad

a de

de-

cisã

o co

mo

uma

pote

ncia

lida

de

hum

ana

a pa

rtir

d

a Q

SC r

ela-

cion

ada

com

a

impo

rtân

cia

e a

pres

erva

ção

do

recu

rso

hídr

ico.

– Q

SC e

per

spec

-tiv

a C

tSa

.–

tom

ada

de d

e-ci

são.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

or

gani

zada

nas

seg

uint

es

etap

as: 1

) le

itura

de

notí-

cias

de

jorn

al re

laci

onad

as

à pr

oble

mát

ica

da á

gua;

2)

esp

aços

de

refl

exão

e

disc

ussã

o so

bre

a Q

SC.

– M

uito

s est

udan

tes d

esco

nhec

em a

QSC

sobr

e a

cons

erva

ção

da ág

ua, n

a med

ida e

m q

ue n

ão sã

o ca

paze

s de v

alor

ar a

ques

tão

nem

de e

stab

elec

er a

s im

plic

açõe

s Ct

Sa. a

pesa

r de a

que

stão

se

r at

ual e

da

cons

ider

ável

info

rmaç

ão s

obre

ela

na

míd

ia,

foi n

eces

sári

o tr

abal

har

com

os

estu

dant

es d

iscu

ssõe

s co

m o

ob

jetiv

o de

anal

isar

as im

plic

açõe

s soc

ioam

bien

tais

da q

uest

ão.

Con

tinua

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 195

nom

e do

(a)

prof

esso

r(a)

Que

stão

soci

o-ci

entífi

ca

obj

etiv

os

prop

osto

s pel

os

prof

esso

res

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos m

etod

o-ló

gico

sC

oncl

usõe

s

rob

erto

– tra

nsgê

nico

s.–

Con

hec

er e

ap

ropr

iar

aspe

c-to

s re

laci

onad

os

com

os

tran

sgê-

nico

s pa

ra a

ssu-

mir

um

a po

stur

a di

ante

do

con-

sum

o de

alim

en-

tos m

odifi

cado

s.

– r

efer

enci

al

epis

tem

ológ

ico:

vi

são

de c

iênc

ia

e to

mad

a de

de-

cisã

o.–

ref

eren

cial

psi

-co

lógi

co:

apre

n-di

zage

m s

igni

fi-

cativ

a.–

ref

eren

cial

di-

dáti

co:

rela

ções

C

tSa

.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

, re

laci

onal

e r

epre

sent

a-ci

onal

. –

o n

ível

des

crit

ivo

en-

volv

e as

com

petê

ncia

s co

-m

unic

ativ

as,

cogn

itiv

as,

cida

dãs e

labo

rais

.–

o n

ível

rela

cion

al ab

ran-

ge h

abili

dade

s de

pen

sa-

men

to c

rític

o.–

o n

ível

repr

esen

taci

onal

ab

rang

e a

elab

oraç

ão d

e m

apas

con

ceitu

ais.

– a

abor

dage

m d

a QSC

pos

sibi

litou

que

os e

stud

ante

s ado

tas-

sem

um

pon

to d

e vi

sta

sobr

e o

cons

umo

de a

limen

tos t

rans

gê-

nico

s, e

stab

elec

endo

van

tage

ns e

des

vant

agen

s.–

a p

rátic

a doc

ente

vol

tada

ao es

tudo

dos

alim

ento

s tra

nsgê

nico

s nã

o te

m si

do m

ais q

ue u

m c

onvi

te e

um

pre

text

o pa

ra m

otiv

ar

a re

flexã

o e

vive

ncia

r um

a av

entu

ra, n

a qu

al o

s es

tuda

ntes

e o

pr

ofes

sor

enfr

enta

m u

m p

roce

sso

difíc

il (e

spec

ialm

ente

com

o

trab

alho

em

gru

po r

ealiz

ado)

, mas

enr

ique

cedo

r, p

ois

as

vivê

ncia

s co

ntri

buír

am c

om a

aqu

isiç

ão d

e co

nhec

imen

tos

e ex

peri

ênci

as, b

em c

omo

com

o a

perf

eiço

amen

to d

os n

ívei

s de

com

unic

ação

.

Mau

ríci

o–

Con

sum

o de

dr

ogas

por

ado-

lesc

ente

s.

– P

oten

cial

izar

no

s es

tuda

ntes

a

tom

ada

de d

e-ci

são

a re

spei

to

do c

onsu

mo

de

drog

as.

– C

onsu

mo

de

dro

gas

na

Co-

lôm

bia.

– d

roga

s ut

iliza

-da

s pe

los

adol

es-

cent

es.

– C

onse

quên

cias

do

con

sum

o de

dr

ogas

.

– M

etod

olog

ia q

uant

itati-

va e

stru

tura

nas

seg

uint

es

etap

as: 1

) tr

abal

ho in

icia

l co

m e

stud

ante

s util

izan

do

um v

ídeo

sob

re d

roga

s e

estu

do d

e um

art

igo

sobr

e o

tem

a; 2

) apl

icaç

ão d

e um

qu

estio

nári

o.

– é

nec

essá

rio

mos

trar

par

a os

jove

ns a

s co

nseq

uênc

ias

do

cons

umo

de d

roga

s pa

ra q

ue e

les

poss

am t

omar

dec

isõe

s da

m

elho

r for

ma.

– o

s est

udan

tes s

e in

tere

ssar

am p

ela

QSC

.–

não

é im

port

ante

ape

nas

cum

prir

[en

sina

r] o

s co

nteú

dos

esta

bele

cido

s no

cur

rícu

lo, m

as ta

mbé

m tr

abal

har

as p

robl

e-m

átic

as e

duca

tivas

.

Con

tinua

196 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

nom

e do

(a)

prof

esso

r(a)

Que

stão

soci

o-ci

entífi

ca

obj

etiv

os

prop

osto

s pel

os

prof

esso

res

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos m

etod

o-ló

gico

sC

oncl

usõe

s

Paul

a–

Man

ipul

ação

ge

nétic

a.–

ana

lisar

o d

e-se

nvol

vim

ento

da

tom

ada

de d

eci-

são

de u

m g

rupo

de

est

udan

tes

a pa

rtir

da

ques

tão

sobr

e a

man

ipu-

laçã

o ge

nétic

a.

– t

omad

a de

de-

cisõ

es

– M

etod

olog

ia q

ualit

ativ

a es

trut

urad

a na

s se

guin

tes

etap

as: 1

) pla

neja

men

to; 2

) in

terv

ençã

o; 3

) ava

liaçã

o.

– o

s est

udan

tes a

umen

tara

m o

inte

ress

e em

con

hece

r a Q

SC.

– Fo

men

tou-

se a

par

ticip

ação

dos

est

udan

tes.

– o

s est

udan

tes a

ssum

iram

pos

tura

s e to

mar

am d

ecis

ões a

par

tir

de su

as c

renç

as, a

s qua

is fo

ram

just

ifica

das p

ertin

ente

men

te.

Lau

ra–

o p

robl

ema

da p

rodu

ção

e di

spos

ição

do

lixo.

– e

xplo

rar

e ca

-ra

cter

izar

asp

ec-

tos

da to

mad

a de

de

cisã

o di

ante

da

QSC

pro

post

a.–

des

envo

lver

um

pro

cess

o de

to

mad

a de

de-

cisã

o di

ante

da

prod

ução

e d

is-

posi

ção

de li

xo n

a es

cola

.

ed

uc

ão

Ct

Sa.

– t

omad

a de

de-

cisã

o.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

de

aco

rdo

com

as

segu

in-

tes

etap

as: 1

) apl

icaç

ão d

e um

que

stio

nári

o in

icia

l; 2)

ex

plic

ação

e d

iscu

ssão

de

aspe

ctos

rela

cion

ados

com

a

prod

ução

e d

ispo

siçã

o do

lixo

; 3) t

raba

lho

sobr

e a

tom

ada d

e dec

isão

; 4) a

pli-

caçã

o de q

uest

ioná

rio fi

nal.

– a

mai

oria

de r

espo

stas

ofe

reci

das p

elos

estu

dant

es m

ostr

a que

a

tom

ada

de u

ma

deci

são

sim

ples

, tal

com

o co

loca

r o

lixo

no

loca

l ade

quad

o, im

plic

a di

nâm

icas

edu

cativ

as m

ais c

ompl

exas

e

difíc

eis,

e n

ão é

um

sim

ples

pro

cess

o m

ecân

ico.

Com

o pr

ofes

sore

s de C

iênc

ias,

tem

os u

m p

apel

e um

a res

pon-

sabi

lidad

e na f

orm

ação

dos

estu

dant

es. e

m ta

l sen

tido

deve

mos

tr

abal

har

a di

men

são

conc

eitu

al, a

atit

udin

al e

os

valo

res

que

favo

reça

m o

com

prom

isso

e a p

artic

ipaç

ão so

cial

nos

pro

cess

os

de to

mad

a de

dec

isõe

s des

envo

lvid

os p

elos

est

udan

tes.

Font

e: M

artín

ez (2

010)

.

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 197

Episódio 12 (EF Grupo 2) 1. PU: [...] então, vamos conversar um pouquinho. o trabalho desen-volvido durante a disciplina lhes permitiu repensar sua prática docente? Permitiu-lhes ou não lhes permitiu? e como lhes permitiu repensar sua prática docente?5. roberta: [...] uma coisa que tem sido muito difícil de vencer na turma é a atitude e seus próprios interesses [dos estudantes], que são colocados por cima do interesse acadêmico. isto tem sido um processo de tensões, eu cedo um pouco para avançar. tem sido um processo de negociação, não explícita, mas implícita. no entanto, eu tenho gostado do que temos feito...

o conflito entre cultura juvenil e cultura acadêmica é um tema pouco explorado no ensino de Ciências e na formação de professores de Ciências. no entanto, alguns trabalhos, tais como os desenvolvidos por Leal e rocha (2008), Corti et al., (2001) e Corti e Souza (2005), oferecem importantes elementos para pensar o conflito em termos de processos de negociação e diálogo.

torres (2001) discute a forma como a cultura juvenil constitui uma das culturas silenciadas ou negadas no currículo, na medida em que sua construção idiossincrática é ignorada frequentemente nos processos de ensino. de modo que a negociação e o “diálogo de saberes” proposto pela professora roberta na abordagem de sua QSC constituem uma possibilidade importante para aproximar culturas diferentes em salas de aula que configuram conflitos no espaço escolar, sobretudo quando a possibilidade do diálogo persuasivo ou polifônico é desconsiderada.

o ensino de Ciências voltado à tomada de decisão por parte dos estudantes é reconstituído como um processo de negociação sobre o tipo de decisões que deveriam ser tomadas e os saberes que contariam nessa tomada de decisão. Portanto, não se trata simplesmente de ensi-nar as estratégias metodológicas para que os estudantes possam tomar decisões responsáveis, como costuma ser focado em pesquisas da área (ratcliffe, 1997; Kortland, 1996). o problema da tomada de decisão também estaria relacionado com aspectos interculturais estabelecidos em sala de aula.

a professora roberta, em vez de desconsiderar o conflito cultural expresso nas discussões realizadas com seus alunos, valoriza-o e busca

198 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

avançar nos processos de ensino voltados à tomada de decisão conforme as expressões culturais dos estudantes.

a seguir apresentamos um recorte do trabalho final apresentado pela professora roberta que evidencia o diálogo de saberes como um processo importante para favorecer aspectos relacionados com a tomada de decisão, tais como identificação do problema e avaliação dos custos e benefícios.

Recorte TF professora Roberta [...] tem-se reconhecido neste trabalho que a complexidade do trabalho realizado em sala de aula se deriva de alguns elementos antagônicos [contraditórios] próprios dos ambientes humanos. no entanto, é ne-cessário reconhecer que a cultura juvenil é um fator determinante no desenvolvimento de estratégias didáticas. o docente não deve esquecer a dinâmica escolar, também não pode esquecer os mundos que entram em contato [em sala de aula]. Por um lado, o mundo acadêmico do professor, que, apesar de reconhecer a individualidade, não se afasta da realidade do que para ele ou para ela constitui uma perturbação: “chamar a atenção dos estudantes”, convidando-os para o diálogo de saberes, o que não é um ato fácil. [...] os elementos da cultura juvenil “da forma de ser jovem” e as complexidades em sala de aula, em um caso de tomada de decisão diante da questão “Que tipo de agricultura urbana desenvolver na escola? orgânica, transgênica, hidropônica, agroquímica?” [...]. Por exemplo, diante da pergunta “Que elementos são importantes para decidir corretamente em um grupo social o tipo de prática agrícola de plantio?”, as opções apresentadas na discussão pelos estudantes foram: conhecimento, custo, pobreza, tecnologia agrícola e manipulação genética de sementes:

estudante4: Pois, pela ignorância não avançamos no conhecimento, você me entende? as pessoas deveriam produzir melhores produtos. Você entende como é a vida, não é? Há “que plantar sem químicos, isto tem que ser ‘algo leve’”. Você me entende?Professora: alguém pode me explicar o que é algo leve neste caso?estudante5: o que ele quer dizer [estudante4] é que, produzindo melhores frutos, as pessoas vão comercializar melhor e vão receber melhores receitas para poder melhorar a tecnologia e a vida.

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 199

Professora: ou seja, você acredita que a qualidade dos produtos influencia na qualidade de vida, e isto faz que pensemos em melhores tecnologias para o plantio.estudante6: isso, professora! “Um abraço para os caras do rap” [o estu-dante provavelmente fala dessa forma porque a aula estava sendo filmada pela professora e os outros estudantes dão risada].

Podemos observar na fala exposta anteriormente que os estudantes in-cluem em suas respostas elementos de sua cultura juvenil, compreendem o contexto [social no qual vivem] e fazem uso de expressões juvenis no processo da tomada de decisão. é relevante considerar que o contexto so-ciocientífico pode ser analisado para a tomada de decisões para o exercício da cidadania diante da questão de segurança alimentar, essa compreensão é característica dos elementos próprios da cultura juvenil [mas da cultura acadêmica do professor].

em contraste com o diálogo de saberes proposto pela professora roberta, a professora Cristina expressa nas conclusões de seu trabalho final (Quadro 12) que, apesar da importância da QSC abordada em sala de aula e das discussões desenvolvidas com seus alunos, voltadas a valorizar as consequências sociais e ambientais relacionadas com o desperdício de água, os jovens não evidenciam um avanço significativo para uma tomada de decisão responsável.

Percebemos no trabalho da professora Cristina um grande esforço para preparar os estudantes para a tomada de decisão segundo esque-mas metodológicos, conforme a cultura acadêmica que ela representa em sala de aula como professora de Ciências. no entanto, a pouca atenção prestada à cultura juvenil de seus alunos poderia ser um fator limitante dos resultados obtidos por ela.

a partir das análises realizadas sobre os trabalhos das professoras roberta e Cristina, podemos inferir que a cultura dos estudantes (cultura juvenil) influi em alcançar os objetivos de ensino propostos na abordagem de uma QSC em sala de aula. Parece não ser suficiente que as QSC sejam impactantes em termos socioambientais para interessar e engajar os estudantes na tomada de decisão. Para isso é necessário aproveitar a riqueza existente no diálogo entre a cultura juvenil dos estudantes e a cultura acadêmica dos professores.

200 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

os currículos escolares e, portanto, os professores que desconside-ram a cultura de seus alunos podem estar perdendo a oportunidade de estabelecer diálogos significativos. o encontro entre diferentes saberes oferece enriquecedoras possibilidades para que os estudantes percebam e reconheçam que sua visão de jovem pode ser ampliada com outras visões expressas por seus professores e colegas. torres (2001, p.165) salienta a importância de levar em consideração o encontro cultural na escola:

Uma instituição que não consiga conectar essa cultura juvenil que tão apaixonadamente os/as estudantes vivem em seu contexto, em sua família, com suas amigas e seus amigos, com as disciplinas acadêmicas do currículo, está deixando de cumprir um objetivo adotado por todo mundo, isto é, o de vincular as instituições escolares com o contexto, única maneira de ajudá-los/las a melhorar a compreensão de suas realidades e a comprometer-se em sua transformação.

Por outro lado, a análise dos trabalhos e das falas dos professores roberto, Maurício, Paula e Laura nos permite identificar outras contri-buições e dificuldades relacionadas com a abordagem de QSC voltadas à tomada de decisão. todos os professores concordam nas conclusões apresentadas em seus trabalhos (Quadro 12) que os estudantes se interessaram pelo estudo das Ciências e também optaram por um posicionamento pessoal diante das questões trabalhadas.

é interessante notar que a professora Laura expressou que a tomada de decisão não é um processo simples de agir de forma bem--comportada, referindo-se à disposição dos estudantes para colocar os resíduos descartáveis (lixo) no local certo. a tomada de decisão estaria relacionada tanto à mudança atitudinal dos estudantes quanto à construção de determinados valores que lhes possibilitem um com-portamento e um agir mais consistente.

a conclusão estabelecida pela professora Laura mostra que uma decisão simples, tal como colocar os resíduos no local certo, pode en-volver um processo complexo, uma vez que o trabalho desenvolvido por ela era com crianças da 4a série do ensino fundamental.

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 201

assim, a partir do episódio 13 podemos identificar a dificuldade exposta pela professora e a forma como ela a enfrentou por meio de atividades específicas.

Episódio 13 (EF Grupo6) 7. PU: bom! Muito obrigado. nesse processo que vocês têm desenvol-vido, que tipo de tensões ou dificuldades têm enfrentado e como as têm enfrentado?16. Laura: na verdade, quando você falou que devíamos encontrar uma QSC, eu pensava nas crianças tão pequeninas e também pensava até onde eu posso trabalhar uma QSC com elas. essa era a primeira questão que me fazia, e a segunda: como oriento meu trabalho? Sei que a primeira coisa que devo fazer é oferecer-lhes [estudantes] uma informação sobre o que é uma decisão, para não limitar sua participação espontânea.17. PU: Como enfrentou essa dificuldade?18. Laura: Pensando em como faria atividades específicas para olhar a participação dos estudantes e avaliar o avanço dessa dificuldade.

a fala do professor roberto no episódio 14 também aponta a difi-culdade de abordar uma QSC com os estudantes, embora ele estivesse trabalhando com jovens e adultos. a dificuldade se deveu à falta de compromisso dos estudantes e à forma como ele foi sistematizando suas atividades. apesar das incertezas apontadas pelo professor, ele conseguiu observar que a abordagem das QSC implica a construção de um currículo diferente.

Episódio 14 (EF Grupo 6) 10. roberto: Para mim era um desafio muito grande [abordar uma QSC]. eu sei que não queria trabalhar, porque lá [na escola] são muito fechados e sem compromisso. no período da noite temos jovens que estão em um contexto totalmente diferente, tinha muitas temáticas para trabalhar, os alimentos transgênicos. Puxa! o impacto é difícil [o professor apresenta admiração diante da temática proposta por ele], não tinha conhecimento algum do que são os alimentos transgênicos, “para nada”, então esse era o desafio, como podia trabalhar essa questão. o que mais me preocupa é a sistematização do trabalho realizado. inclusive tenho me perguntado como

202 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

faço com a gravação para ter um registro físico. [...] no começo não sabia o que era uma QSC. era uma temática ou um tipo de debate? Mas não deixei de lado o grupo de estudo [referindo-se aos grupos de estudos con-formados durante a disciplina] nem a população na qual trabalharia a QSC, pois trabalhar com esta questão é trabalhar com um currículo diferente.

o caso do professor Maurício é interessante porque ele não tinha uma preocupação de pesquisa com o ensino de Ciências, pois tinha se formado como bacharel em Química. além disso, ele mesmo reconhe-cia que se limitava a ensinar os conteúdos específicos de Química. no entanto, esta visão foi ampliada com o trabalho realizado em sala de aula com a QSC de seu interesse.

no episódio 15 observamos que o professor Maurício ainda con-sidera a questão social como um aspecto estranho ao ensino de sua disciplina, mas ele começa a valorizar a inovação trazida pela abor-dagem de QSC, sobretudo quando se enfrentam assuntos morais. o avanço do professor é ratificado nas conclusões estabelecidas por ele em seu trabalho final (Quadro 12), nas quais reconhece a importância das problemáticas educativas e sociais, bem como os conteúdos dis-ciplinares de Ciências.

Episódio 15 (EF Grupo 1) 1. PU: [...] Primeiro vamos conversar sobre o seguinte: o trabalho que temos desenvolvido durante a disciplina os tem ajudado a repensar sua prática de ensino? ou seja, os tem ajudado a considerar como trabalham ou não os tem ajudado? Por que não os tem ajudado?7. Maurício: Focava-me só na parte científica, mas há uma parte social importante. a parte do desenvolvimento de pensamento crítico e a tomada de decisões é importante. também que considerem [os estudantes] a parte formal [da disciplina de Química].

a abordagem de QSC voltada a favorecer processos de tomada de decisão nos estudantes do ensino básico não deve considerar apenas as estratégias didáticas para estruturar e fundamentar as escolhas dos estudantes, pois é relevante também considerar aspectos culturais dos estudantes e da escola que influíam na forma como aqueles se posicio-

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 203

nam e realizam suas escolhas. a análise das implicações educacionais do encontro cultural entre jovens e professores em sala de aula constitui um campo de trabalho interessante para o ensino de Ciências focado na preparação dos estudantes para participar ativamente na sociedade por meio de posicionamentos que valorizem seus interesses, mas também que valorizem a importância da reflexão racional envolvida nesses posicionamentos.

A abordagem de QSC e a argumentação

no Quadro 13 apreciamos que os professores Carol, Janeth, Simone, edith e edvaldo salientam algum tipo de contribuição da abordagem de QSC com respeito ao desenvolvimento de processos argumentativos com seus alunos. Por exemplo, a professora Carol des-creve nas conclusões de seu trabalho final avanços de um considerável número de estudantes de ensino médio em analisar textos, identificar ideias principais, relacionar ideias e organizá-las hierarquicamente. todas essas habilidades, segundo a professora, são importantes para o desenvolvimento de processos argumentativos.

Por sua vez, a professora Janeth expressou em suas conclusões que seus alunos conseguiram enfrentar e discutir aspectos sociais e científicos relacionados com a anorexia e a bulimia, o que enrique-ceu os processos de argumentação desenvolvidos em sala de aula. a professora identifica os baixos níveis de interpretação de estudantes, a linguagem e as idades (de 11 a 13 anos) que eles apresentam como aspectos que limitam o desenvolvimento de processos de argumentação nos estudantes.

a professora Simone salienta que a introdução de QSC ajuda a contextualizar a aprendizagem de conceitos de seus alunos, especifica-mente relacionados com o conceito de pH, que é utilizado para avaliar a qualidade da água da escola. o uso de imagens na abordagem de QSC possibilita que a professora favoreça o desenvolvimento de habilidades da linguagem escrita e de argumentação. é interessante que no trabalho da professora as habilidades descritas são vinculadas a processos de

204 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

argumentação que, conforme nosso ponto de vista, também têm a ver como o desenvolvimento do pensamento dos estudantes.

olson (1999) salienta que a escrita não apenas implica a transcrição da fala, mas também fornece uma forma de pensar a linguagem oral. Para esse autor, a escrita tem uma função epistemológica, pois ajuda a lembrar o pensado e o dito, bem como possibilita apreciar o dito e o pensado de forma diferente.

a professora edith e o professor edvaldo expressam nas conclusões de seus trabalhos que a abordagem de QSC favoreceu a participação de seus alunos e o estabelecimento de relações sociais, no entanto mani-festaram dificuldades em termos curriculares para o desenvolvimento dos processos argumentativos que eles pretendiam favorecer em sala de aula. o professor edvaldo especificou em suas conclusões (Quadro 13) que a abordagem de QSC em sala de aula pode ser limitada por uma questão de tempo, bem como pelo currículo tradicional de Ciências.

da mesma forma, apreciamos no episódio 16 que o professor edvaldo menciona as limitações impostas pelo currículo tradicional que desencadeiam uma atitude passiva em seus colegas, até o ponto de expressar um sentimento de desesperança a respeito de gerar um ensino diferenciado por meio da abordagem de QSC.

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 205

Qua

dro

13 –

Sín

tese

dos

trab

alho

s apr

esen

tado

s pel

os p

rofe

ssor

es e

m se

rviç

o fo

cado

s na

argu

men

taçã

on

ome

do(a

) pr

ofes

sor(

a)Q

uest

ão so

cio-

cien

tífica

o

bjet

ivos

pr

opos

tos p

elos

pr

ofes

sore

s

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos m

etod

o-ló

gico

sC

oncl

usõe

s

Car

ol–C

onta

min

a-çã

o at

mos

féric

a e

impa

cto

am-

bien

tal.

– d

esen

volv

er

nos

estu

dant

es

a ca

paci

dade

de

argu

men

taçã

o po

r m

eio

de t

ex-

tos

expo

siti

vos

sob

re Q

SC d

a Q

uím

ica.

– e

nsin

o po

r pes

-qu

isa.

– t

raba

lho

edu-

cativ

o em

basa

do

na u

tiliz

ação

de

text

os.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

es

trut

urad

a na

s se

guin

-te

s et

apas

: 1)

lei

tura

de

text

os s

obre

a Q

SC;

2)

iden

tifi

caçã

o da

s id

eias

pr

inci

pais

dos

text

os; 3

) es-

tabe

leci

men

to d

e re

laçõ

es

entr

e as

idei

as d

os t

exto

s;

4) o

rgan

izaç

ão h

ierá

rqui

ca

das i

deia

s dos

text

os.

– 52

% d

os e

stud

ante

s de

2a séri

e de

ens

ino

méd

io a

lcan

çara

m

os se

guin

tes p

arâm

etro

s par

a ana

lisar

text

os: 1

) ide

ntifi

caçã

o de

id

eias

prin

cipa

is; 2

) rel

ação

de i

deia

s; 3

) org

aniz

ação

hie

rárq

uica

de

idei

as.

– 48%

dos

estu

dant

es so

men

te al

canç

aram

o pr

imei

ro p

arâm

etro

.

Jane

th–

a an

orex

ia e

a bu

limia

. –

Favo

rece

r o d

e-se

nvol

vim

ento

de

capa

cida

des

de

argu

men

taçã

o e

nego

ciaç

ão p

or

mei

o da

abo

r-da

gem

da

QSC

so

bre

anor

exia

e

bulim

ia.

– a

arg

umen

ta-

ção

no e

nsin

o de

C

iênc

ias.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

es

trut

urad

a na

s se

guin

-te

s et

apas

: 1)

asp

ecto

s:

cont

extu

aliz

ação

soc

ial d

e at

ivid

ades

; 2)

disc

ussõ

es

sobr

e a

QSC

; 3)

com

pro-

mis

sos a

dqui

rido

s.

– d

epoi

s da

aval

iaçã

o da

s int

erve

nçõe

s dos

estu

dant

es a

nalis

a-da

s em

sala

de a

ula

sobr

e a Q

SC a

bord

ada,

obs

ervo

u-se

que

os

estu

dant

es t

raba

lhar

am a

spec

tos

dos

tran

stor

nos

alim

enta

res

gera

dos p

ela

anor

exia

e a

bul

imia

, o q

ue e

nriq

uece

u o

trab

alho

co

m o

s es

tuda

ntes

vis

ando

o d

esen

volv

imen

to d

e pr

oces

sos

argu

men

tativ

os.

– o

s seg

uint

es fa

tore

s lim

itam

e in

terf

erem

no

dese

nvol

vim

ento

de

pro

cess

os ar

gum

enta

tivos

nos

estu

dant

es: 1

) bai

xos n

ívei

s de

inte

rpre

taçã

o; 2

) lin

guag

em li

mita

da; 3

) ida

de d

os e

stud

ante

s,

o qu

e di

ficul

ta a

ate

nção

del

es.

Con

tinua

206 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

nom

e do

(a)

prof

esso

r(a)

Que

stão

soci

o-ci

entífi

ca

obj

etiv

os

prop

osto

s pel

os

prof

esso

res

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos m

etod

o-ló

gico

sC

oncl

usõe

s

Sim

one

– U

so e

abu

so

da á

gua.

– e

stab

elec

er o

gr

au d

e arg

umen

-ta

ção

dos

estu

-da

ntes

de

ensi

no

méd

io a

par

tir d

a ab

ord

agem

da

QSC

sob

re o

uso

e

abus

o da

águ

a na

esc

ola.

– U

tili

zaçã

o de

im

agen

s no

en-

sino

de

Ciê

ncia

s.–

arg

umen

taçã

o.–

QSC

.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

or

gani

zada

em

trê

s m

o-m

ento

s: 1

) ap

rese

ntaç

ão

do p

roje

to;

2) c

olet

a da

in

form

ação

; 3)

anál

ise

da

info

rmaç

ão.

– a

abor

dage

m d

e QSC

ajud

a a co

ntex

tual

izar

a ap

rend

izag

em

de co

ncei

tos p

or p

arte

dos

estu

dant

es. P

or ex

empl

o, o

s est

udan

-te

s ut

iliza

ram

o c

once

ito d

e pH

par

a ar

gum

enta

r se

a ág

ua d

a es

cola

era

pot

ável

ou

não.

– a an

álise

e a e

labo

raçã

o de i

mag

ens p

rom

ovem

a ap

rend

izag

em

dos

estu

dant

es, n

a m

edid

a em

que

fort

alec

em h

abili

dade

s de

lin

guag

em e

scri

ta e

de

argu

men

taçã

o.–

a d

iret

oria

e a

coo

rden

ação

da

esco

la r

ejei

tara

m o

trab

alho

re

aliz

ado

com

a Q

SC e

ince

ntiv

aram

o e

nsin

o de

Ciê

ncia

s tr

adic

iona

l. e

dith

– L

egal

izaç

ão

de d

roga

s.

– P

rom

over

nos

es

tuda

ntes

ca-

paci

dade

s ar

gu-

men

tati

vas

que

lhes

per

mita

m s

e ad

apta

r às

mu-

danç

as e

os d

esa-

fios d

a soc

ieda

de.

– a

rgu

men

ta-

ção

no e

nsin

o de

C

iênc

ias.

– Q

SC.

Met

odol

ogia

qua

lita

ti-

va e

mba

sada

no

jogo

de

papé

is c

onfo

rme

a Q

SC

trab

alha

da.

– o

cur

rícu

lo d

e Q

uím

ica

atua

l não

resp

onde

às

inqu

ieta

ções

do

s est

udan

tes s

obre

seu

ento

rno,

poi

s sup

osta

men

te re

spon

dem

a

perg

unta

s qu

e sã

o re

aliz

adas

nas

Ciê

ncia

s. M

as e

ssa

ciên

cia

não

é at

ual n

em re

laci

onad

a co

m o

cot

idia

no d

os e

stud

ante

s.–

os e

stud

ante

s val

oriz

aram

o tr

abal

ho re

aliz

ado

sobr

e a Q

SC e

reco

nhec

em a

pres

são

soci

al ex

erci

da p

ela f

amíli

a e p

elos

amig

os

sobr

e a q

uest

ão d

a leg

aliz

ação

das

dro

gas,

que

em m

uito

s cas

os

é m

uito

for

te, e

os

leva

a t

omar

dec

isõe

s er

rada

s, o

que

ger

a co

nflito

s e a

ngús

tia.

C

ontin

ua

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 207

nom

e do

(a)

prof

esso

r(a)

Que

stão

soci

o-ci

entífi

ca

obj

etiv

os

prop

osto

s pel

os

prof

esso

res

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos m

etod

o-ló

gico

sC

oncl

usõe

s

edv

aldo

–Con

tam

ina-

ção

gera

da p

ela

chuv

a ác

ida.

– d

esen

volv

er

uma e

stra

tégi

a de

ensi

no e

mba

sada

na

per

spec

tiva

C

tSa

por

mei

o da

que

stão

sob

re

a ch

uva

áci

da

par

a m

elh

orar

a

habi

lidad

e ar

-gu

men

tativ

a do

s es

tuda

ntes

.

Co

nte

úd

os

Ct

Sa.

Met

odol

ogia

des

crit

iva

estr

utur

ada

nas

segu

inte

s et

apas

: 1) s

eleç

ão e

disc

us-

são

de ar

tigos

de j

orna

l que

tr

atam

sobr

e a ch

uva á

cida

; 2)

rea

lizaç

ão d

e tr

abal

ho

expe

rim

enta

l.

– a

s QSC

são

uma

alte

rnat

iva

educ

ativ

a pa

ra fa

vore

cer a

pren

-di

zage

ns so

ciai

s e fo

men

tar a

par

ticip

ação

dos

estu

dant

es so

bre

tem

as p

olêm

icos

de

ciên

cia

e te

cnol

ogia

. –

a a

bord

agem

de

QSC

no

curr

ícul

o de

Quí

mic

a ap

rese

nta

prob

lem

as em

rela

ção

ao te

mpo

, poi

s ess

e cur

rícu

lo es

tá p

rees

-ta

bele

cido

e d

ificu

lta o

trab

alho

abe

rto

e fle

xíve

l pro

post

o pe

la

abor

dage

m d

e Q

SC.

Font

e: M

artín

ez (2

010)

.

208 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

Episódio 16 (EF Grupo 3) 6. PU: bom! no processo que temos desenvolvido durante a disciplina e as atividades práticas trabalhadas de acordo com a perspectiva CtSa a partir de QSC, quais tensões têm enfrentado? Que dificuldades têm enfrentado? e como têm enfrentado essas dificuldades ao trabalhar as QSC na prática [docente]?11. edvaldo: a questão da inovação. os colegas estão resistentes, digamos que pela tradição. temos cumprido os objetivos da instituição. então é um pouco essa resistência e também a parte curricular, porque não encaixava muito bem com a questão do tempo...12. PU: Você, como tem enfrentado essa dificuldade?13. edvaldo: eu tenho tentado envolver os meus colegas, motivando-os individualmente, isso me parece interessante. também devo estar como coordenador da área [Ciências naturais]. Percebe-se um pouco de impo-sição sobre o professor para que faça coisas novas, mas isso também não tem funcionado, então deixei assim.

também identificamos no episódio 17, na fala da professora edith, a limitação e a pressão impostas pela dinâmica burocrática da escola, que faz parte da instrumentalização do currículo focado no controle de resultados por meio de determinados processos avaliativos. no entanto, a atitude da professora diante desse problema é diferente da atitude assumida pelo professor edvaldo no episódio 16, pois ela destaca a forma como o trabalho desenvolvido a partir da QSC revitaliza sua prática docente, o que a motiva a continuar investindo esforços nesse trabalho.

Episódio 17 (EF Grupo 2) 7. PU: Vamos continuar com o que estava falando Paulo para conversar sobre as dificuldades que têm enfrentado durante o trabalho desenvolvido sobre QSC na prática e como têm enfrentado essas dificuldades.12. edith: estamos pressionados pelo tempo, mas cada um é autônomo em sala de aula e no desenvolvimento de seu trabalho. Por casualidade, o coordenador acadêmico [da escola] é um tradicionalista 100% e estabelece uma programação semanal, na qual se definem os temas [de ensino]. Mas ele nunca passa pelas salas para avaliar nosso trabalho. Quem dá auto-nomia é o Comitê de Convivência, e com ele podemos trabalhar. temos

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 209

encontrado resistência do diretor e do coordenador acadêmico, eles não percebem que não vamos conseguir o que lhes exige a normatividade decreto 1278. todo trabalho é deixado para nós. algo que tem servido é a reflexão [referindo-se à abordagem de QSC], e me sinto como uma professora nova, apesar de ter doze anos de experiência. eu me sinto como se tivesse saído da faculdade. Um mundo de profundidade [para trabalhar] com as crianças, o que tem me motivado bastante a continuar trabalhando.

no item “a ideologia do currículo tradicional e as possibilidades de mudança na abordagem de QSC”, discutimos as limitações impostas pela ideologia tecnicista do currículo à abordagem de QSC. novamente desvelamos a força dessa ideologia, que é materializada nas falas do professor edvaldo e da professora edith. a questão do tempo, atrelada à racionalidade técnica do currículo tradicional e à burocratização da escola, pode ser um aspecto que limita a formação continuada de pro-fessores de Ciências embasada em processos de pesquisa sobre a prática do professor, tal como é considerado por Maldaner (2000, p.400):

[...] é a própria organização escolar, sempre com base na racionalidade técnica, que dificulta o tempo de produção coletiva dos professores ao não proporcionar espaços efetivos para encontros de professores, na concep-ção de horário e distribuição das aulas, na concepção de um componente curricular independente dos outros, na prevalência da burocracia sobre outras formas de organização da produção intelectual, na concepção e distribuição do espaço escolar, na avaliação como processo de controle de alunos e professores etc. isto tudo dificulta a organização do tempo de autoformação do professor em processo permanente. o professor é sempre impulsionado a atender à burocracia escolar mais do que às necessidades dos alunos e ao seu próprio desenvolvimento.

embora a racionalidade técnica que fundamenta o currículo tec-nicista limite o trabalho do professor, é interessante analisar nas falas do professor edvaldo e da professora edith os dois tipos de linguagens utilizados por eles. em ambos os casos existe a linguagem da crítica, que questiona as limitações impostas ao trabalho docente, mas no caso da professora edith evidenciamos a linguagem da possibilidade, pois

210 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

ela considera que pode continuar dinamizando seu trabalho docente, apesar das limitações impostas. Por sua vez, o professor edvaldo não percebe maiores possibilidades de superação das limitações curricu-lares, dada a apatia de seus colegas e a lógica tecnicista que naturaliza a passividade do trabalho docente.

apesar das dificuldades analisadas sobre “a abordagem de QSC e a argumentação”, evidenciamos que todos os professores mencionados avançaram em sua formação enquanto pesquisadores de sua prática. Conforme os dados constituídos no Quadro 13, todos os professores conseguiram estabelecer em seus trabalhos um objetivo, um referencial teórico, procedimentos metodológicos e conclusões, o que representa avanços consideráveis da pesquisa voltada ao melhoramento de sua própria prática.

Como exemplo, analisaremos o trabalho da professora Simone, que evidencia indícios importantes do favorecimento de processos argumentativos em seus alunos. escolhemos esse trabalho por sua consistência e porque, em comparação com seus colegas, essa profes-sora conseguiu avançar da elaboração de um trabalho escrito conven-cional para a elaboração de um artigo que sistematiza sinteticamente o trabalho realizado por ela.

no Quadro 14 apresentamos uma síntese dos resultados e das aná-lises do trabalho realizados pela professora Simone em seu artigo. de acordo com essa síntese, evidenciamos que a professora desenvolveu habilidades para promover argumentação nos estudantes por meio de questionamentos e da elaboração de atividades que motivaram os estudantes a realizar entrevistas e levantar dados sobre o consumo e o desperdício da água em sua escola.

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 211

Quadro 14 – Síntese de resultados e análises do trabalho realizado pela professora SimoneMomentos de análise descrição de resultados e análises Primeiro momento: caracteriza-ção de opiniões dos estudantes sobre o fornecimento e a porta-bilidade de água na escola.

– 33% dos estudantes sabem que a escola tem tanques de abastecimento de água. – 33% dos estudantes pensam que a água não é potável.– 91% dos estudantes consideram que a água do tanque é desperdiçada.*

– os estudantes consideram que a água não é potável porque lhes diziam que não podiam beber água da torneira. – os estudantes consideram que a água é desperdiçada porque faltava conhecimento sobre a crise mundial da água.

Segundo momento: análise so-bre os trabalhos desenvolvidos pelos estudantes.

– os estudantes realizam entrevistas com pessoas da escola para determinar por que a água é desperdiçada.– os estudantes determinam o pH da água para saber sobre sua portabilidade.– a maioria dos estudantes alcançou um nível de argu-mentação básico, no qual utilizaram dados empíricos para justificar afirmações tais como “se demonstrás-semos que a água das torneiras é potável, poderíamos consumir essa água e diminuir o desperdício da água do tanque”.– outros estudantes levantaram a hipótese de que a portabilidade diminuiria durante o dia devido à perda de cloro.– nenhum estudante conseguiu alcançar um nível maior de argumentação, no qual deveriam sustentar propostas concretas para diminuir o desperdício da água na escola.

Fonte: Martínez (2010).

interpretando os dados expostos pela professora Simone em seu trabalho, podemos dizer que seus alunos conseguiram um segundo nível de argumentação, representado pela utilização de afirma-ções competitivas com justificações, conforme os quatro níveis de argumentação4 descritos no trabalho de Capecchi, Carvalho e Silva (2000). esse nível de argumentação pode ser evidenciado na

4 nível 1: questionamentos incompletos com justificativas; nível 2: afirmações competindo; nível 3: uso de qualificadores ou refutadores; nível 4: julgamento integrando diferentes argumentos.

212 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

discussão realizada pela professora Simone sobre a portabilidade da água de sua escola.

é interessante que a professora Simone reconhece que não foi pos-sível alcançar um alto nível de argumentação, no qual os estudantes teriam capacidade de realizar julgamentos que integrem diferentes ar-gumentos para fundamentar uma ação responsável sobre o desperdício de água na escola. no entanto, os dados registrados em seu trabalho podem ser um indício de que a abordagem da QSC de seu interesse possibilitou a ela desenvolver algumas habilidades de argumentação com seus alunos. também destacamos o encorajamento da professora Simone enquanto pesquisadora de sua prática.

a professora considera que a dificuldade para os estudantes alcan-çarem um alto nível de argumentação esteve relacionada com as crenças escolares desses estudantes, que não lhes possibilitam problematizar temas controversos, pois eles se orientam, na maioria de vezes, por um raciocínio superficial.

Sadler, Chambers e zeidler (2004) têm evidenciado em suas pes-quisas que alguns estudantes confiam mais em provas ou experiências que confirmem suas crenças, e não naquelas que as contradigam. Por essa razão, é importante incentivar a constituição de evidências pelos próprios estudantes, o que os leva a problematizar suas crenças e os engaja em processos de argumentação.

a abordagem de QSC no ensino de Ciências pode ser focada em processos de argumentação em sala de aula, oferecendo possibilida-des para que os professores realizem intervenções pedagógicas que contribuam para melhorar a qualidade da participação de seus alunos (Santos; Mortimer; Scott, 2001).

A abordagem de QSC e o desenvolvimento de pensamento crítico

Consoante as informações registradas no Quadro 15, apreciamos que o professor antônio e as professoras Fátima, adriana e Fernanda concordam, nas conclusões de seus trabalhos, que a abordagem de QSC

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 213

lhes permitiu desenvolver algum tipo de habilidade de pensamento crítico em seus alunos. o professor e as professoras expuseram em seus trabalhos referenciais teóricos sobre o desenvolvimento de pensamento crítico conforme vários autores (ennis, 1987; Halpern, 1998; 2006; Campos, 2007). Segundo esse referencial, os professores entendem o pensamento crítico como um processo reflexivo e racional, por meio do qual os indivíduos decidem o que fazer e no que acreditar diante de determinadas situações ou problemas.

embasados nos autores citados anteriormente, os professores salientaram a habilidade de análise de argumentos, a de tomada de decisão e a de solução de problemas como habilidades de ordem su-perior, as quais evidenciam o desenvolvimento do pensamento crítico. Salientaram também outras habilidades básicas que caracterizam uma pessoa crítica: a) habilidade para formular questionamentos diante um determinado problema; b) habilidade para buscar informações pertinentes ao tema objeto de discussão; c) habilidade para analisar diferentes pontos de vista; d) habilidade para utilizar conceitos com o intuito de compreender implicações e consequências de uma deter-minada decisão ou ação.

as professoras Fátima, adriana e Fernanda e o professor antônio também utilizaram metodologias semelhantes para abordar as QSC de seu interesse, tendo como objetivo o desenvolvimento de habili-dades básicas de pensamento crítico. de forma geral, os professores realizaram um diagnóstico de habilidades básicas de pensamento e propuseram atividades pedagógicas, tais como jogo de papéis, leitura de textos e discussões abertas, para trabalhar com seus alunos as QSC.

a professora Fátima e a professora Fernanda identificaram em seus trabalhos indícios do desenvolvimento de habilidades para solucionar problemas e da argumentação por parte de seus alunos. no caso da professora Fátima, os estudantes cursavam o ensino superior, e os es-tudantes da professora Fernanda cursavam a 1a série do ensino médio.

a professora Fernanda, nas análises de seu trabalho, comenta o desenvolvimento de habilidades de argumentação de seus alunos de acordo com a qualidade das opiniões emitidas por eles durante os deba-tes realizados. nesse sentido, ela expressa que uns 10% dos estudantes

214 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

Qua

dro

15 –

Sín

tese

dos

trab

alho

s apr

esen

tado

s pel

os p

rofe

ssor

es e

m se

rviç

o fo

cado

s no

pens

amen

to c

rític

on

ome

do(a

) pr

ofes

sor(

a)Q

uest

ão so

cio-

cien

tífica

o

bjet

ivos

pro

post

os

pelo

s pro

fess

ores

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos m

etod

o-ló

gico

sC

oncl

usõe

s

ant

ônio

– o

s bi

ocom

-bu

stív

eis

com

o um

a fo

rma

de

ener

gia

alte

rna-

tiva.

– Fa

vore

cer

o de

senv

ol-

vim

ento

de

habi

lida

-de

s m

enta

is t

ais

com

o a

tom

ada

de d

ecis

ão e

a

reso

luçã

o de

pro

blem

as.

– a

bord

ar c

once

itos

re-

laci

onad

os c

om o

ens

ino

de h

idro

carb

onet

os, o

s bi

ocom

bust

ívei

s e

sua

influ

ênci

a na

soci

edad

e.

– in

corp

oraç

ão

de Q

SC ao

cur-

rícu

lo.

– a

res

oluç

ão

de p

robl

emas

.–

Hid

roca

rbo-

neto

s, o

pet

ró-

leo

e os

bio

-co

mbu

stív

eis.

– M

etod

olog

ia q

ualit

ativ

a es

trut

urad

a na

s se

guin

tes

fase

s: 1

) co

ntex

tual

iza-

ção

dos

aspe

ctos

soc

iais

e

ambi

enta

is d

o pe

tró-

leo;

2)

disc

ussã

o so

bre

aspe

ctos

soc

ioam

bien

tais

re

laci

onad

os a

o pe

tról

eo

e ao

s bi

ocom

bust

ívei

s; 3

) av

alia

ção

do tr

abal

ho.

– a

apl

icaç

ão d

e Q

SC n

o cu

rríc

ulo

educ

ativ

o fa

vore

ce a

di

nâm

ica d

o tr

abal

ho em

sala

de a

ula e

o d

esen

volv

imen

to

de h

abili

dade

s m

enta

is r

elac

iona

das

com

a r

esol

ução

de

prob

lem

as, a

tom

ada

de d

ecis

ão e

a a

rgum

enta

ção

(hab

i-lid

ades

de

pens

amen

to c

rític

o).

– a

reso

luçã

o de

pro

blem

as a

par

tir d

a ap

licaç

ão d

a Q

SC

perm

ite in

tegr

ar te

oria

e p

rátic

a.–

a Q

SC é

um

a im

port

ante

fer

ram

enta

did

átic

a pa

ra

favo

rece

r a p

artic

ipaç

ão d

os e

stud

ante

s.

Fát

ima

– im

plic

açõe

s so

ciai

s do

s xe

-no

biót

icos

na

saúd

e.

– a

nalis

ar a

abo

rdag

em

de Q

SC p

ara

orie

ntar

o

ensi

no d

e b

ioqu

ímic

a pa

ra e

stud

ante

s de

Fi-

siot

erap

ia.

– a

valia

r o

dese

nvol

vi-

men

to d

e du

as h

abili

da-

des:

pen

sam

ento

crí

tico

(aná

lise d

e arg

umen

to) e

re

solu

ção

de p

robl

emas

.

– P

ersp

ecti

va

Ct

Sa e

QSC

.–

Met

odol

ogia

qua

litat

iva

desc

ritiv

a or

gani

zada

nas

se

guin

tes e

tapa

s: 1

) car

ac-

teri

zaçã

o de

hab

ilida

des

de p

ensa

men

to c

ríti

co;

2) e

stud

o de

asp

ecto

s so

-ci

oam

bien

tais

envo

lven

do

xeno

biót

icos

.

– o

s co

nteú

dos

de b

ioqu

ímic

a tê

m s

entid

o pa

ra o

s es

-tu

dant

es d

e Fi

siot

erap

ia q

uand

o el

es o

s re

laci

onam

com

pr

oble

mas

de s

eu fu

turo

pro

fissi

onal

, o q

ue co

ntri

bui p

ara

dese

nvol

ver h

abili

dade

s de

pens

amen

to.

– o

s es

tuda

ntes

se

inte

ress

am p

ela

apre

ndiz

agem

da

bio

quím

ica

quan

do a

bord

am q

uest

ões s

ocio

ambi

enta

is.

– a

abo

rdag

em d

e Q

SC n

o en

sino

de

bio

quím

ica

tem

po

ssib

ilita

do re

fletir

sobr

e a

min

ha p

rátic

a do

cent

e. t

em

tam

bém

favo

reci

do u

m re

posi

cion

amen

to d

e no

ssa

auto

-no

mia

pro

fissi

onal

, tra

nsfo

rman

do o

ens

ino

trad

icio

nal

base

ado

na t

rans

mis

são

de c

onte

údos

em

um

ens

ino

cons

trut

ivo,

form

ativ

o e

críti

co.

Con

tinua

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 215

nom

e do

(a)

prof

esso

r(a)

Que

stão

so

cioc

ient

ífica

o

bjet

ivos

pro

post

os

pelo

s pro

fess

ores

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos m

etod

o-ló

gico

sC

oncl

usõe

s

Fern

anda

– e

xper

imen

-ta

ção

com

ani

-m

ais.

– d

esen

volv

er h

abili

-da

des

de p

ensa

men

to

críti

co t

ais

com

o ra

cio-

cíni

o ve

rbal

, aná

lise

de

argu

men

to, t

omad

a de

de

cisã

o e

solu

ção

de

prob

lem

as p

or m

eio

de

raci

ocín

ios

étic

os s

obre

um

a Q

SC.

– Q

SC.

– e

xper

imen

-ta

ção

com

ani

-m

ais.

– P

ensa

men

to

críti

co.

– r

acio

cíni

o ét

ico

e m

oral

.

– M

etod

olog

ia q

ualit

ativ

a es

trut

urad

a na

s se

guin

tes

etap

as: 1

) di

agnó

stic

o de

ha

bilid

ades

de p

ensa

men

-to

críti

co; 2

) jog

o de p

apéi

s;

3) av

alia

ção.

– a

aná

lise

da a

bord

agem

da

QSC

pos

sibi

litou

que

os

estu

dant

es r

eflet

isse

m s

obre

sua

s co

ncep

ções

de

ciên

cia,

te

cnol

ogia

e s

ocie

dade

, poi

s du

rant

e o

dese

nvol

vim

ento

de

ssa

estr

atég

ia d

idát

ica

com

enf

oque

Ct

Sa f

oram

di

scut

idas

idei

as q

ue o

s es

tuda

ntes

tinh

am s

obre

a Q

SC

trab

alha

da e

am

plio

u-se

sua

visã

o cr

ítica

.–

a re

spei

to d

a QSC

, os e

stud

ante

s con

cluí

ram

que

prá

ti-ca

s exp

erim

enta

is em

basa

das e

m a

spec

tos é

ticos

são

uma

alte

rnat

iva

às p

rátic

as e

xper

imen

tais

trad

icio

nais

. –

a e

stra

tégi

a ta

mbé

m fa

vore

ceu

um r

epos

icio

nam

ento

da

prá

tica

doce

nte.

– C

omo

doce

nte

pesq

uisa

dora

, ava

liou

a es

trat

égia

de

abor

dar u

ma Q

SC em

basa

da n

a per

spec

tiva C

tSa

com

o um

a es

trat

égia

per

tinen

te e

inov

ador

a, o

que

enr

ique

ce o

co

nhec

imen

to e

scol

ar, o

des

envo

lvim

ento

de

habi

lidad

es

de p

ensa

men

to e

a fo

rmaç

ão c

idad

ã.

adr

iana

– im

plic

açõe

s am

bien

tais

dos

b

ioco

mb

ust

í-ve

is.

– Fa

vore

cer

o de

senv

ol-

vim

ento

de

habi

lidad

es

de p

ensa

men

to n

os e

s-tu

dant

es.

– Q

SC.

– b

ioco

mbu

s-tív

eis.

– a

pren

diza

-ge

m a

utôn

o-m

a.–

Hab

ilida

des

de p

ensa

men

to

críti

co.

– M

etod

olog

ia q

ualit

ativ

a es

trut

urad

a na

s et

apas

: 1)

aplic

ação

de

ques

tioná

rio

e de

senv

olvi

men

to d

a pr

i-m

eira

par

te d

e um

rote

iro

de at

ivid

ades

de e

nsin

o; 2

) el

abor

ação

de

estr

utur

as

conc

eitu

ais;

3) s

ocia

lizaç

ão

do tr

abal

ho re

aliz

ado.

– Po

r m

eio

da a

bord

agem

de

QSC

evi

denc

iou-

se n

os

estu

dant

es o

des

ejo

de c

onhe

cer

e ap

rend

er e

stra

tégi

as

que

lhes

per

mita

m m

elho

rar

suas

com

petê

ncia

s le

itora

s e a

lgum

as h

abili

dade

s de p

ensa

men

to, p

ara f

orta

lece

r seu

de

sem

penh

o na

vid

a co

tidia

na.

Font

e: M

artín

ez (2

010)

.

216 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

manifestaram opiniões tais como “não concordo com a clonagem porque não concordo”, sem manifestar justificativa alguma. no en-tanto, aproximadamente 30% de seus alunos manifestaram opiniões com outro tipo de justificativa: “não concordo com a experimentação com animais porque esse tipo de experimentação não oferece resultados comparáveis, pois os animais, por mais parecidos que sejam com os seres humanos, não funcionam da mesma maneira”.

Por sua vez, 60% dos estudantes tentaram incorporar em suas opiniões aspectos éticos: “não concordo com a experimentação uti-lizando animais porque essa experimentação vai contra a vida, pois todos os seres vivos têm o direito de viver. aliás, como vamos saber que um remédio atua da mesma forma no olho de um coelho que no olho de uma pessoa, sabendo que o olho do coelho é diferente do olho humano? Se fôssemos nós que fôssemos utilizados na experimentação, como nos sentiríamos?”. embasada nesses resultados e nessas análises, a professora Fernanda conclui que é possível desenvolver habilidades básicas de pensamento crítico ao trabalhar em sala de aula a QSC de seu interesse, segundo metodologias didáticas fundamentadas na perspectiva CtSa.

no caso da professora Fátima, a habilidade de pensamento crítico trabalhada com seus alunos correspondeu à habilidade para solucionar problemas a partir do estudo de casos clínicos sobre xenobióticos, que era a QSC abordada em sua aula de bioquímica ministrada para estudantes de Fisioterapia.

a professora Fátima adotou a proposta de Kortland (1996) para abordar a solução de problemas com seus alunos. Conforme tal autor, ela estabeleceu critérios para a avaliação de alternativas que permi-tissem solucionar os problemas estipulados e depois monitorar as implicações da solução proposta.

os resultados obtidos pela professora Fátima indicam que 55% de seus alunos avaliaram os efeitos dos xenobióticos nos casos clínicos estudados levando em consideração as propriedades químicas dessas substâncias, seus mecanismos de ação e os resultados de testes de sangue e urina. outra porcentagem de estudantes (25%) avaliou os sintomas e as vias de intoxicação causadas pelos xenobióticos, e os 20%

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 217

restantes de estudantes basearam suas soluções na análise de histórias clínicas. baseada nesses dados, a professora Fátima apresenta indícios do desenvolvimento de habilidades dos estudantes para solucionar problemas.

no caso do professor antônio e da professora adriana, a explica-ção dos avanços a respeito das habilidades para pensamento crítico em seus alunos é realizada em termos gerais, sem oferecer evidências específicas. Por exemplo, o professor antônio menciona que os grupos de estudantes conformados para trabalhar a QSC dos biocombustíveis e dos hidrocarbonetos desenvolviam habilidades básicas, como inter-pretação de dados, para fundamentar as discussões.

no caso da professora adriana, somente propõe um esquema metodológico para o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico e oferece algumas reflexões sobre esse esquema, sem indicar os avanços construídos com os estudantes.

algumas explicações para as limitações evidenciadas, particular-mente pelo professor antônio, estão relacionadas à falta de preparação em pesquisa educacional e à dinâmica escolar, na qual ele realizava seu trabalho. no caso da professora adriana, a dificuldade é apontada na articulação entre a QSC e o conteúdo específico de Ciências, que é abor-dada segundo o ensino tradicional. nos episódios 18 e 19 evidenciamos essas dificuldades e identificamos as contribuições da abordagem das QSC no melhoramento das práticas docentes do professor antônio e da professora adriana.

Episódio 18 (EF Grupo 4) 6. PU: bom! no trabalho que vocês desenvolveram sobre as questões sociocientíficas, que tipo de tensões ou dificuldades vocês enfrentaram?18: antônio: Questões internas [referindo-se à dinâmica escolar], como dizia a colega [andrea]. Como aprender a ensinar? [conforme a abordagem de QSC] Como se faz um trabalho de pesquisa? [...] porque a pesquisa é fundamental para a docência. de fato, não é fácil aprender bem a meto-dologia de pesquisa. nos aspectos externos, temos o tempo estabelecido pela escola.

218 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

Episódio 19 (EF Grupo 1) 1. PU: [...] Primeiro vamos conversar sobre o seguinte: o trabalho que temos desenvolvido durante a disciplina os tem ajudado a repensar sua prática de ensino? ou seja, os tem ajudado a considerar como trabalham ou não os têm ajudado? Por que não os têm ajudado?7. adriana: a dificuldade não tem sido exclusivamente do currículo, porque o tempo tem sido investido no debate [sobre QSC]. estavam tão emocionados [os estudantes] que nós passamos [do tempo]. a outra parte é que devemos amenizar as temáticas, que seriam os hidrocarbonetos, e como é isso.

no episódio 20 identificamos que as professoras Fernanda e Fátima valorizaram o trabalho realizado sobre QSC, porque enriqueceu seus fazeres pedagógicos, favoreceu a motivação de seus alunos, possibilitou o desenvolvimento de algumas habilidades de pensamento crítico e ajudou a melhorar e dinamizar os processos de ensino e aprendizagem de Ciências.

Episódio 20 (EF Grupo 2) 1. PU: [...] então, vamos conversar um pouquinho. o trabalho desen-volvido durante a disciplina lhes permitiu repensar sua prática docente? Permitiu-lhes ou não lhes permitiu? e como lhes permitiu repensar sua prática docente?3. Fernanda: Para mim tem sido muito enriquecedor. também, como diz edith, porque tenho percebido que em meu fazer pedagógico os estudantes têm maior motivação [...]. Parece-me importante, que cada encontro que tenho com estudantes, eu penso e analiso o que estou fazendo em sala de aula, penso em que perguntas eu deveria fazer para gerar mais debate, melhorar sua argumentação, seu pensamento crítico. em relação ao meu trabalho de pesquisa, penso que o pensamento crítico e as QSC podem ir juntos. eu falava algumas vezes sobre a ciência, mas esquecia de formar cidadãos com uma fundamentação teórica. Como vou fazer, como posso melhorar?4. Fátima: Parece-me que tem servido para perceber que tão terrível estava que vinha aplicando a mesma metodologia. o processo tem me ajudado a ver se eles [os estudantes] estão compreendendo os conceitos. não estavam

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 219

aprendendo. a abordagem da QSC através de casos clínicos permitiu não somente ser mais próximos dos estudantes, mas também conhecê-los. [...] Permitiu-me evidenciar que agora encontram [os estudantes] sentido na bioquímica, permitindo vincular os conceitos com a vida real, então isto serve. essas enzimas, esses processos metabólicos servem para algo, pois trabalhando a questão dos antibióticos percebem como são esses conceitos. a QSC permite abrir mais espaços de reflexão, evidenciar outros aspectos da dimensão moral...

é interessante que as dificuldades expressadas pelas professoras Fernanda e Fátima a respeito da abordagem de QSC não estão relacio-nadas com a falta de tempo ou a existência de um currículo imposto. as dificuldades teriam a ver com as relações estabelecidas com seus colegas, que consideram a inovação realizada pelas professoras como algo sem maior importância. no episódio 21 evidenciamos a forma como a atitude de outros professores influencia a disposição das professoras para continuar desenvolvendo seu trabalho. no entanto, identificamos na fala professora Fernanda a utilização da linguagem crítica ao destacar a adaptação de seus colegas aos processos de repro-dução escolar, nos quais caberia a inovação permanente por parte dos professores. a professora Fátima também critica a atitude apática de seus colegas sobre o trabalho pedagógico.

Episódio 21 (EF grupo 2) 7. PU: Vamos continuar com o que estava falando Paulo para conversar sobre as dificuldades que têm enfrentado durante o trabalho desenvolvido sobre QSC na prática e como se tem enfrentado essas dificuldades.11. Fernanda: não tenho percebido tensões ou dificuldades com a escola. os coordenadores não prestam atenção ao que é feito em sala de aula, então eu tenho bastante liberdade. Há alguns objetivos que devemos alcançar, mas os pais dos estudantes nem percebem como vai o processo dos estudantes, então o trabalho docente é realizado diretamente com os estudantes. Há liberdade, e não tenho problema com isso. tenho enfren-tado tensões com meus colegas, porque os estudantes tendem a comparar [a professora cita expressões de seus alunos]: “a aula da professora é legal, mas esta aula eu não sei”, “porque a professora não dá aula para nós”,

220 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

“quando vai dar aula para nós?”. eles comparam dessa forma e lhes [os estudantes] falta ser mais prudentes. então há comentários dos colegas tais como “vassoura nova varre bem, mas vamos ver se daqui a uns cinco anos vai continuar revisando os cadernos dos estudantes, se vai continuar oferecendo coisas diferentes para eles, porque todos fomos desse jeito, mas com o tempo as coisas vão mudando”. então eu tenho sentido essa tensão, é algo incômodo. os colegas se incomodam porque não percebem o objetivo do trabalho...13. Fátima: Já que me lembrei, gostaria de falar. então entrou um colega de Química na sala onde eu estava e deu risada e falou para mim: “Você está aí com as estratégias pedagógicas”. então, é interessante mostrar que os estudantes podem ter um bom rendimento, mas o que tem faltado é dedicação para eles. é difícil vincular os colegas nos processos pedagógicos, porque lá [na faculdade] se trabalha o conhecimento [Químico], então isso é o que mais vale, e não há explicação. [...] no entanto, tivemos uma apresentação sobre informática para considerar algo sobre as habilidades, aí eu participei, e então já falaram que devemos articular a pedagogia. então penso que agora vão [os colegas da professora] considerar a im-portância da pedagogia.

as falas apresentadas pelas professoras Fátima e Fernanda sobre seus colegas nos indicam que esses professores se limitam a ensinar Ciências de forma tradicional, pois não se preocupam em inovar seu ensino e parecem estar restringidos à transmissão dos conteúdos de Ciências sem dar importância aos aspectos pedagógicos que levariam em consideração as características dos estudantes para ensinar de uma determinada forma. Conforme berkowitz e Simmons (2003), podemos dizer que esses professores parecem se perceber como professores especificamente de “Ciências” e, portanto, não devem se preocupar com questões pedagógicas.

Contudo, em termos gerais podemos dizer, conforme os episódios analisados, que a abordagem de QSC por parte das professoras Fátima e Fernanda possibilitou desenvolver habilidades de pensamento crítico em seus alunos, na medida em que foram desenvolvendo seu ensino como um processo de pesquisa.

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 221

Incorporação da perspectiva CTSA à prática docente

de acordo com os dados constituídos no Quadro 16, identificamos que as professoras isabel e natália e o professor Lucas propuseram como objetivo de seus trabalhos o ensino de aspectos éticos vincu-lados às QSC de seu interesse. Por sua vez, as professoras andrea e Verônica focaram na questão atitudinal e a professora Cláudia focou na formação para cidadania.

apesar de as professoras isabel, natália, andrea, Verônica e Cláu-dia e o professor Lucas expressarem certas particularidades em seus objetivos de pesquisa, podemos analisar seus trabalhos em conjunto, uma vez que todos salientaram, de diferentes formas, a incorporação da perspectiva CtSa durante a abordagem das QSC de seus interesses. todos os professores, exceto a professora isabel,5 utilizaram estraté-gias participativas, tais como jogos de papéis, realização de pequenos projetos por parte dos estudantes, trabalhos em grupos e discussões sobre vídeos, que nos mostram indícios da incorporação de aspectos metodológicos da perspectiva CtSa nas aulas desses professores.

a perspectiva CtSa envolve, entre outras coisas, a transforma-ção metodológica do ensino de Ciências centrado na transmissão de conteúdos em um ensino centrado na participação dos estudantes por meio de diferentes atividades, tais como as descritas pelos professores em seus trabalhos, o que contribui para o desenvolvimento de habi-lidades nos estudantes para o exercício de sua cidadania (aikenhead, 1994; Solomon, 1993).

acevedo (1996) ressaltou a elaboração de pequenos projetos por parte dos estudantes, o trabalho colaborativo e a participação ativa daqueles em debates ou discussões como estratégias privilegiadas pela perspectiva CtSa.

5 o trabalho dessa professora apresentava o objetivo de ensino, o referencial teó-rico e a descrição geral da metodologia. no entanto, os resultados expostos eram limitados apenas à descrição de algumas respostas de seus alunos a um questio-nário aplicado por ela, mas não ofereciam evidência alguma sobre as estratégias utilizadas para alcançar o objetivo proposto.

222 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

Qua

dro

16 –

Sín

tese

dos

tra

balh

os a

pres

enta

dos

pelo

s pr

ofes

sore

s em

ser

viço

rel

acio

nado

s co

m a

inco

rpor

ação

da

pers

pect

iva

Ct

Sa n

a pr

átic

a do

cent

en

ome

do(a

) pr

ofes

sor(

a)Q

uest

ão

soci

ocie

ntífi

ca

obj

etiv

os p

ropo

stos

pel

os p

ro-

fess

ores

ref

eren

ciai

s te

óric

osPr

oced

imen

tos

met

odol

ógic

osC

oncl

usõe

s

isab

el–

o a

bort

o.–

Con

stru

ir u

ma

estr

atég

ia d

e en

sino

e a

pren

diza

gem

que

fa

vore

ça a

disc

ussã

o das

que

stõe

s ét

icas

, m

orai

s e

relig

iosa

s do

ab

orto

, par

a, d

essa

for

ma,

fo-

men

tar a

refle

xão n

os es

tuda

ntes

.–

est

abel

ecer

sign

ifica

dos s

obre

a é

tica p

or p

arte

dos

estu

dant

es.

– é

tica

e ci

ênci

a.–

e

du

ca

çã

o C

tSa

.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

est

ru-

tura

da n

as s

egui

ntes

fas

es:

1)

trab

alho

indi

vidu

al; 2

) tra

balh

o em

equ

ipe;

3)

anál

ise

de v

ídeo

so

bre

o ab

orto

.

– a

QSC

do

abor

to tr

abal

hada

com

os e

stu-

dant

es fa

vore

ceu

uma r

eflex

ão so

bre a

spec

tos

rela

cion

ados

com

a é

tica

e a

mor

al. n

esse

se

ntid

o for

am id

entifi

cada

s atit

udes

pos

itiva

s a r

espe

ito d

a ciê

ncia

e de

sua a

pren

diza

gem

.–

os

estu

dant

es c

onfu

ndem

o s

igni

ficad

o en

tre

étic

a e

mor

al.

nat

ália

– Mal

form

açõe

s ge

nétic

as.

– r

essa

ltar

aos

est

udan

tes

a im

port

ânci

a da

étic

a e d

a m

oral

em

rel

ação

às

mal

form

açõe

s ge

nétic

as.

– Fa

vore

cer

o ra

cioc

ínio

étic

o no

s est

udan

tes.

– M

alfo

rmaç

ões

gené

ticas

.–

e

du

ca

çã

o C

tSa

.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

util

i-za

ndo

ques

tioná

rios p

ara a

cole

ta

de in

form

açõe

s.

– n

ão e

stab

elec

eu c

oncl

usõe

s po

rque

as

anál

ises

real

izad

as fo

ram

par

ciai

s.

Luc

as–

Con

tam

ina-

ção

de f

onte

s hí

dric

as c

ausa

-da

por

min

as d

e ca

rvão

.

– r

essa

ltar a

impo

rtân

cia d

a éti-

ca e

da m

oral

na p

repa

raçã

o do

s es

tuda

ntes

de

eng

enha

ria

por

mei

o da

sol

ução

de

prob

lem

as

ambi

enta

is.

– Po

lític

as so

bre o

am

bien

te e

o d

e-se

nvol

vim

ento

.–

aná

lises

físi

co-

-qu

ímic

as d

e ág

uas

cont

ami-

nada

s po

r m

inas

de

car

vão.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

est

ru-

tura

da n

as s

egui

ntes

fas

es:

1)

apre

sent

ação

aos

est

udan

tes

do

proj

eto

de p

esqu

isa:

2)

leitu

ra

de u

ma

notíc

ia re

laci

onad

a co

m

a pr

oble

mát

ica;

3)

trab

alho

em

gr

upos

bas

eado

na e

labo

raçã

o de

pe

quen

os p

roje

tos d

e pe

squi

sa.

– é

rele

vant

e tra

balh

ar co

m u

m te

ma C

tSa

, po

rque

subs

idia

ou

apoi

a a ap

rend

izag

em d

a Q

uím

ica n

o cu

rso

de e

ngen

hari

a, v

incu

lan-

do o

s es

tuda

ntes

ao

proj

eto

de p

esqu

isa

do

depa

rtam

ento

da

facu

ldad

e.–

Con

segu

iu-s

e co

nsci

entiz

ar o

s est

udan

tes

da d

isci

plin

a de

Quí

mic

a ii

sob

re a

impo

r-tâ

ncia

da é

tica e

da m

oral

em su

a pre

para

ção

com

o fu

turo

s eng

enhe

iros

.

Con

tinua

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 223

nom

e do

(a)

prof

esso

r(a)

Que

stão

so

cioc

ient

ífica

o

bjet

ivos

pro

post

os p

elos

pro

-fe

ssor

esr

efer

enci

ais

teór

icos

Proc

edim

ento

s m

etod

ológ

icos

Con

clus

ões

and

rea

– d

espe

rdíc

io

de

alim

ento

s em

um

a es

cola

blic

a.

– F

avor

ecer

nos

est

udan

tes

atitu

des

posi

tivas

sob

re o

des

-pe

rdíc

io d

e alim

ento

s na e

scol

a.

– o

ens

ino

de

Ciê

ncia

s com

en-

foqu

e C

tSa

.–

as a

titud

es d

os

estu

dant

es.

– M

etod

olog

ia q

ualit

ativ

a est

ru-

tura

da n

as s

egui

ntes

fas

es:

1)

diag

nóst

ico

de o

pini

ões

dos

estu

dant

es s

obre

o d

espe

rdíc

io

de a

limen

tos;

2)

intr

oduç

ão e

pr

oble

mat

izaç

ão d

e co

nteú

dos;

3)

con

stru

ção

de m

apas

de

con-

sequ

ênci

as s

obre

o d

espe

rdíc

io

de a

limen

tos.

– Fa

vore

ceu-

se o

mel

hora

men

to a

titud

inal

do

s es

tuda

ntes

sob

re o

des

perd

ício

de

ali-

men

tos,

o q

ue fo

i con

stat

ado

no m

omen

to

em q

ue o

s est

udan

tes s

e reu

niam

na

cant

ina

da es

cola

par

a o co

nsum

o de

seus

alim

ento

s.

Ver

ônic

a –

Pep

tíd

eos

opio

ides

no

leite

e i

mpl

icaç

ões n

a sa

úde.

– in

corp

orar

as r

elaç

ões C

tSa

no

ensin

o de Q

uím

ica p

ara f

avo-

rece

r um

a mud

ança

atitu

dina

l e

uma a

pren

diza

gem

sign

ifica

tiva

nos

estu

dant

es d

e e

ngen

hari

a de

alim

ento

s.

ed

uc

ão

Ct

Sa.

– F

orm

ação

do

prof

esso

r.

– M

etod

olog

ia d

escr

itiva

util

i-za

ndo

ques

tioná

rios p

ara a

cole

ta

de in

form

açõe

s.

– o

s est

udan

tes a

pres

enta

m d

ificu

ldad

es d

e ap

rend

izag

em so

bre

o te

ma

amin

oáci

dos.

– 50

% d

os e

stud

ante

s ide

ntifi

cara

m re

açõe

s de

amin

oáci

dos e

gru

pos f

unci

onai

s, e

outr

a pa

rte i

dent

ifico

u so

men

te gr

upos

func

iona

is.

– e

sse

tipo

de e

nfoq

ue (

Ct

Sa)

cont

ribu

i na

for

maç

ão d

e ci

dadã

os r

espo

nsáv

eis

em

uma

soci

edad

e im

ersa

no

dese

nvol

vim

ento

ci

entífi

co e

tecn

ológ

ico.

Clá

udia

Con

trov

érsi

a so

bre

a in

ven-

ção

de

um

a va

cina

con

tra

a ai

ds.

– C

ontr

ibui

r co

m a

for

maç

ão

para

cid

adan

ia d

os e

stud

ante

s po

r mei

o da a

bord

agem

de Q

SC

cont

rove

rsas

sobr

e a

aids

.

ed

uc

ão

Ct

Sa.

– M

etod

olog

ia v

olta

da a

o de

-se

nvol

vim

ento

da a

pren

diza

gem

co

oper

ativ

a es

trut

urad

a co

nfor

-m

e as s

egui

ntes

etap

as: 1

) dis

cus-

são

sobr

e a Q

SC; 2

) ide

ntifi

caçã

o de

ator

es so

ciai

s e jo

go d

e pap

éis;

3)

expo

siçõ

es em

gru

po; 4

) deb

a-te

aber

to d

e equ

ipes

de t

raba

lho.

– a

abo

rdag

em d

e Q

SC e

m s

ala

de a

ula

é m

otiv

ador

a pa

ra o

s est

udan

tes.

– a

s pol

ítica

s da e

scol

a difi

culta

m a

abor

da-

gem

da

pers

pect

iva

Ct

Sa.

Font

e: M

artín

ez (2

010)

.

224 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

durante o desenvolvimento das estratégias participativas, os pro-fessores foram ressaltando como objetivo geral a preocupação com formação para a cidadania atrelada aos objetivos particulares de seus trabalhos correspondentes aos aspectos éticos, a questão atitudinal e o trabalho colaborativo.

o professor Lucas desenvolveu seu trabalho no ensino superior, e a professora isabel, no ensino básico. a conclusão dos trabalhos de ambos coincidiu: a abordagem de QSC fundamentada na perspectiva CtSa possibilitou que seus alunos se sensibilizassem sobre as impli-cações da ciência e da tecnologia a partir de aspectos éticos e morais trabalhados em sala de aula.

trabalhar a questão ética da ciência em sala de aula é uma pre-tensão interessante para a formação, nos estudantes, de valores que favoreçam melhores processos de convivência social. no entanto, as questões éticas envolvem, na maior parte dos casos, conflitos entre diferentes concepções sobre o que pode ser caracterizado como um comportamento ou uma ação correta.

Para ilustrar algumas dificuldades decorrentes da abordagem de questões éticas em sala de aula, no episódio 22 identificamos a forma como a crença religiosa de um professor pode influenciar na educação para o caráter dos estudantes privilegiando uma determinada concep-ção moral.

Episódio 22 (EF Grupo 5)

8. PU: Pronto! no processo que nós desenvolvemos, que tipo de tensões vocês enfrentaram? e como as enfrentaram? tensões de diferentes tipos [que enfrentaram] durante o desenvolvimento da QSC ou no trabalho que desenvolveram. [uma professora pergunta o que são tensões] tensões são aqueles elementos que podem ser um obstáculo ou são dificuldades que não são fáceis de superar.10. isabel: eu tive uma [dificuldade] muito marcada com um colega, que de certa forma está trabalhando o tema do aborto. trata-se do professor de ética, que é padre, e então a posição dele estava muito fixada nos estu-dantes. estava muito marcada essa concepção religiosa.11. PU: Como enfrentou essa dificuldade?

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 225

12. isabel: eu enfrentei essa dificuldade tentando fazer reflexões, para isso me embasei em casos especiais. não se tratava de mostrar minha posição de aceitação sobre o aborto, mas tentei que eles pensassem. Coloquei o caso de uma mulher grávida na qual foi diagnosticado que o feto apresentava malformações genéticas. [também coloquei] o caso do pai e a mãe que perceberam que sua filha foi estuprada por três homens.

é interessante a forma como a professora isabel favorece discus-sões sobre dilemas morais relacionados com a QSC do aborto a fim de favorecer um raciocínio moral em seus alunos.

enfrentar dilemas morais na abordagem de QSC é um tema com-plexo a ser enfrentado pelos professores em suas práticas. Por exemplo, o dilema sobre o aborto discutido pela professora isabel abrange, por um lado, o direito individual das pessoas de serem respeitadas em sua integridade mental e, por outro lado, o princípio moral de respeitar a vida.

Lemmon apud beauchamp e Childress (2002, p.26) salienta que os dilemas morais ocorrem de duas formas:

1) alguma evidência indica que o ato x é moralmente correto, e algu-ma evidência indica que o ato x é moralmente errado, mas nenhuma das evidências é conclusiva. diz-se algumas vezes que o aborto, por exemplo, é um dilema terrível para as mulheres que veem as evidências dessa forma. 2) Um agente acredita que, por razões morais, deve e não deve realizar o ato x. num dilema moral assim conformado, um agente é obrigado, por uma ou mais regras morais, a fazer x, e, por uma ou mais regras morais, a fazer y, mas o agente está impossibilitado, nas circunstâncias, de fazer ambos. as razões por trás das alternativas x e y são boas e fortes, e nenhum dos conjuntos de razões é claramente dominante. Se a pessoa age segun-do qualquer um dos conjuntos de razões, suas ações serão moralmente aceitáveis sob alguns aspectos, mas moralmente inaceitáveis sob outros.

enfrentar dilemas morais é de tal complexidade que em muitas ocasiões esses dilemas permanecem sem uma solução razoável. Con-tudo, abordá-los em sala de aula é significativo para trabalhar com os estudantes aspectos éticos e morais que passam despercebidos no

226 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

ensino de Ciências tradicional. assim, a questão ética e moral cobra relevância da abordagem de QSC embasada na perspectiva CtSa.

Por intermédio dos dados registrados no Quadro 16, observamos também que a professora Cláudia incorporou a perspectiva CtSa em seu trabalho focando na formação para a cidadania de seus alunos a par-tir da abordagem da QSC sobre a produção de uma vacina contra a aids.

Quadro 17 – opiniões dos estudantes da professora Cláudia sobre a abordagem da QSC em sala de aula e as relações CtSaComo lhes pareceu a metodolo-gia desenvolvida durante as aulas de Biologia para trabalhar a questão das vacinas contra a aids?

Como entendem a relação entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente?

“boa e desorganizada”; “Me pa-receu legal, porque dessa forma compreendemos melhor”; “Gostei de como a professora ensinou, apesar de ser desorganizado”; “Foi legal. aprendeu-se em cada grupo de trabalho”; “Legal, porque pude-mos fazer exposições sobre a aids”; “a professora explicava de uma forma divertida”; “aprendi mais sobre o tema e dialoguei como meus amigos”; “Muito legal; aprendemos bastante, porque é um tema interes-sante”; “Que quando temos uma relação [sexual], devemos tomar cuidado”; “Me colocou a pensar mais e a pesquisar”; “Ótimo, pois nos ensinou que devemos cuidar de nosso corpo e nos orientou so-bre um tema que nunca tínhamos estudado”.

“boa”; “São compatíveis com o trabalho de pesqui-sa”; “Fazem uma boa equipe”; “Funcionam bem ligadas”; “Muito juntas”; “Podem alcançar muitas coisas se estiverem ligadas”; “a ciência trata de muitas coisas, a tecnologia de robôs e o ambiente da paisagem”; “a ciência conscientiza a sociedade sobre que está ocorrendo no ambiente, como o aquecimen-to global, e a tecnologia pode nos ajudar a não causar prejuízos”; “tem relação, porque a ciência precisa da tecnologia, e a tecnologia precisa da ciência”; “não sei são muito parecidas” [a ciência e a tecnologia]; “Se relacionam, porque a ciência vem da tecnologia”; “a ciência implica muito estudo”; “a relação é muito útil para o ambiente”; “a tecnologia tem a ver com materiais”; “a ciência gera a necessidade da tecno-logia”; “Vejo a relação muito ruim, porque a maioria da tecnologia está destruindo o meio ambiente”; “o ambiente na sociedade é desconsiderado, porque as pessoas e o mundo quase não se preocupam por ele”; “boa. importante que façam descobertas para o ambiente”.

Fonte: Martínez (2010).

de acordo com dados levantados pela professora Cláudia, realiza-mos o Quadro 17, no qual observamos que a maioria de seus alunos valorizou positivamente o trabalho desenvolvido sobre a QSC abor-dada pela professora. os estudantes manifestaram de várias formas que o trabalho realizado lhes possibilitou aprender novas coisas de importância para suas vidas, e, apesar de alguns deles considerarem a

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 227

metodologia utilizada um pouco desorganizada, consideram que foi interessante para eles. observamos também nesse quadro que os estu-dantes começaram a estabelecer relações entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente.

apesar das contribuições do trabalho realizado pela professora Cláudia a respeito da motivação e participação de seus alunos, ela percebe que a perspectiva CtSa lhe possibilita a motivação em sala de aula, para depois continuar ensinando os conteúdos estabelecidos no currículo tradicional (episódio 23). de forma semelhante, a pro-fessora Verônica estabelece nas conclusões de seu trabalho (Quadro 16) que a abordagem de QSC embasada na perspectiva CtSa ajuda a contextualizar socialmente os conteúdos de bioquímica que ela necessariamente deve ensinar.

Episódio 23 (EF Grupo 1) 1. PU: [...] Primeiro vamos conversar sobre o seguinte: o trabalho que temos desenvolvido durante a disciplina os tem ajudado a repensar sua prática de ensino? ou seja, os tem ajudado a considerar como trabalham ou não os tem ajudado? Por que não os têm ajudado?2. Verônica: tem me ajudado a entender o ensino [de Química] que se pode abordar além da parte Química.11. PU: bom! então podemos continuar com o seguinte questionamento, já que você [a professora Cláudia] o mencionou. então, para que continue falando: você mencionou algumas tensões enfrentadas durante o desen-volvimento de seu trabalho, uma delas, por exemplo, consistia na grande quantidade de expectativas e interesses que devia considerar. além disso, que tensões ou dificuldades você enfrentou em seu trabalho? 12. Cláudia: a avaliação, pois me revisam [a professora está referindo-se à coordenadora acadêmica, que revisa o trabalho que ela desenvolve em sala de aula] o objetivo e os conteúdos, então eles [os estudantes] já sabem o que vamos trabalhar. igual, devo continuar trabalhando o estabelecido no currículo. então há aulas em que eles [estudantes] estão motivados e aulas que não estão motivados. tenho um grupo no qual trabalho com a QSC e outro grupo que trabalho tradicionalmente. Com o grupo que trabalho de forma diferente [está se referindo à abordagem da QSC embasada na perspectiva CtSa], consigo avançar mais.

228 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

15. Verônica: [...] eu não posso desviar meu trabalho dos temas propostos. a Química do amor pode servir bastante para trabalhar os temas dos hormônios. não aprofundo nessas coisas, mas as considero.

Parece que as professoras Cláudia e Verônica incorporam a pers-pectiva CtSa à abordagem das QSC com o intuito de motivar a participação de seus alunos em suas aulas de Ciências, sem propor uma alteração do currículo estabelecido. esse tipo de incorporação da perspectiva CtS(a) ao ensino de Ciências pode ser interpretado conforme as categorias propostas por aikenhead (2005a) e expostas no Quadro 18. Conforme os níveis propostos pelo autor citado, as professoras Cláudia e Verônica incorporaram a perspectiva CtSa para motivar os estudantes por meio de inclusão casual dessa perspectiva (nível 1-3, Quadro 18), o que permite entrever que as professoras não transcendem o ensino tradicional, mas avançam em contextualizar socialmente os conteúdos disciplinares de Ciências.

Quadro 18 – Categorias de CtS na ciência escolar1. Motivação por meio de conteúdo CtS2. inclusão casual do conteúdo CtS3. inclusão intencional do conteúdo CtS4. disciplina particular por meio de conteúdo CtS5. Ciência por meio de conteúdo CtS6. Ciência ligada ao conteúdo CtS7. inclusão da ciência ao conteúdo CtS8. Conteúdo CtS

Fonte: aikenhead (2005a, p.120, tradução nossa).

a perspectiva CtSa utilizada para favorecer a motivação dos estu-dantes ou destacar a importância do estudo de Ciências tem o risco de permanecer em um nível instrumental, pois as questões relacionadas com os impactos socioambientais da ciência são pouco exploradas e, dependendo do caso, são praticamente desconhecidas.

aikenhead (1994) salientou que um representativo número de pro-postas curriculares embasadas na perspectiva CtS se enquadrara nas primeiras três categorias do Quadro 18. Precisamente na introdução deste livro, salientamos a forma como propostas CtS de grande alcance

QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 229

internacional, tais como Satis, foram se tornando uma “indústria” de produção de materiais que, colocados no “mercado educativo”, pode-riam ser facilmente instrumentalizados por professores despreparados.

apesar de as professoras Cláudia e Verônica não alcançarem níveis altos da incorporação da perspectiva CtSa em seu ensino (nível 5-8), valorizamos os avanços registrados, pois constituem o começo de um processo reflexivo sobre a prática docente, o que antes não existia, pois as professoras estavam limitadas ao ensino tradicional.

a partir da análise do trabalho apresentado pela professora an-drea mostraremos que é possível incorporar a perspectiva CtSa partindo da QSC de seu interesse, e não dos conteúdos disciplinares estabelecidos no currículo, o que é indício de que ela alcançou o nível 5 estabelecido no Quadro 18.

o objetivo proposto pela professora andrea em seu trabalho consistia em favorecer atitudes e ações diferentes de seus alunos sobre o problema do desperdício de alimentos na cantina da escola. Para abordar esse objetivo, a professora primeiro realizou um diagnóstico das possíveis causas do desperdício de alimentos de acordo com as opi-niões dos estudantes. a partir desse diagnóstico, a professora planejou atividades de ensino sobre a boa alimentação utilizando a estratégia de realização de mapas de consequências para que os estudantes refletissem e considerassem as implicações sociais do desperdício de alimentos. Finalmente, a professora mostra em seu trabalho indícios da mudança atitudinal por parte de seus alunos.

a forma como a professora foi trabalhando a perspectiva CtSa merece destaque, pois ela desconhecia as possibilidades de trabalho oferecidas por essa perspectiva a respeito da formação para a cidadania de seus alunos, o que foi valorizado durante o desenvolvimento de seu projeto sobre a abordagem da QSC de seu interesse.

o trabalho da professora andrea representa um indício das pos-sibilidades oferecidas pela perspectiva CtSa para a prática docente dos professores em serviço, uma vez que contribui para que se repense o ensino de Ciências tradicional, focado na assimilação de conteúdos disciplinares, para focar na formação cidadã dos estudantes. nesse sentido, na medida em que invistamos maiores esforços em traba-

230 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz

lhar problemas sociais da realidade escolar ou da realidade local das escolas, poderemos avançar de forma concreta do discurso retórico da perspectiva CtSa para o discurso ativo da perspectiva CtSa. em outras palavras, segundo Hodson (2003), poderemos avançar da retórica à ação responsável.

o ensino de Ciências com enfoque CtSa voltado à ação res-ponsável e crítica implica partir da realidade cultural dos estudantes para, dessa forma, desenvolver processos formativos que encorajem os estudantes em seus próprios posicionamentos.