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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros MARTÍNEZ, LFP. A pesquisa dos professores de Ciências em serviço como expressão da construção da autonomia docente. In: Questões sociocientíficas na prática docente: Ideologia, autonomia e formação de professores [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2012, pp. 189-230. ISBN 978-85-3930-354-0. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.
All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.
Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.
Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.
Parte V - A abordagem de questões sociocientíficas (QSC) e a construção da autonomia dos professores de ciências em serviço 15. A pesquisa dos professores de Ciências em serviço como expressão da construção da autonomia
docente
Leonardo Fabio Martínez Pérez
Carr e Kemmis (1988) desenvolveram a tese do professor como pesquisador embasados nos trabalhos de Stenhouse (1987). Segundo esses autores, o professor como pesquisador constituía um caminho concreto para construir a autonomia docente. assim, um indício da falta de autonomia dos professores consiste na dificuldade que eles enfrentam para se assumir como pesquisadores de sua prática.
embora a maioria (vinte) dos professores participantes da pesquisa tenha determinado a questão sociocientífica (QSC) de seu interesse (Quadro 8), vários deles não explicitaram qual seria o objetivo de ensino trabalhado durante a abordagem da QSC em sala de aula, bem como as formas de coletar e analisar informações de suas aulas.
as discussões desenvolvidas com os professores sobre a importân-cia da pesquisa como parte de sua atuação docente e de sua formação no curso de mestrado1 possibilitaram que os professores fossem as-sumindo a abordagem de QSC de seu interesse como um projeto de pesquisa de seu ensino e dessa forma fossem avançando na construção de sua autonomia.
1 os PP realizavam o segundo ano do curso de mestrado e, portanto, todos eles tinham estudado disciplinas relacionadas com pesquisa.
15a PeSquiSa doS ProfeSSoreS
de ciênciaS em Serviço como exPreSSão da conStrução
da autonomia docente
190 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
nos quadros 11, 12, 13, 15 e 162 apresentaremos uma síntese dos objetivos, referenciais teóricos, dos procedimentos metodológicos e das conclusões dos 23 trabalhos de pesquisa3 que foram entregues pelos PP após a finalização da disciplina ensino de Ciências com en-foque CtSa a Partir de QSC. a partir dos dados constituídos nesses quadros e de outros episódios, buscaremos caracterizar a forma como os professores avançaram na pesquisa sobre sua prática a partir da abordagem de QSC e dessa forma também caracterizaremos avanços sobre a construção de sua autonomia docente.
de acordo com os dados registrados no Quadro 11, evidenciamos que os professores Pedro e Vinícius não consideraram em seus tra-balhos um objetivo de ensino específico sobre a abordagem de QSC. no caso do professor Pedro, seu trabalho esteve limitado à descrição de dados sobre a automedicação, os quais foram levantados com seus alunos que participavam de um curso técnico de Farmácia oferecido a distância. as conclusões constituídas pelo professor são limitadas a descrever causas da automedicação apontadas por moradores de uma cidade da Colômbia.
2 esses quadros são apresentados na medida em que sejam feitas análises sobre os trabalhos dos professores.
3 dos 31 PP foram recebidos 23 trabalhos finais. dois professores que não en-tregaram os trabalhos manifestaram problemas pessoais de ordem familiar; um professor mudou de emprego, dificultando a realização do trabalho; e os cinco professores restantes não manifestaram razões que justificassem a falta de seus trabalhos, apesar de serem motivados permanentemente pelo PU para compar-tilhar suas dificuldades, com o intuito de apoiá-los.
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 191
Quadro 11 – Síntese de trabalhos apresentados pelos professores Pedro e Vinícius
nomes dos professoresPedro Vinícius
objetivos propostos pelos professores
– determinar as causas que in-fluem na automedicação e seus efeitos secundários na saúde e na sociedade dos habitantes de uma cidade X da Colômbia.
– diminuir os fatores de risco relacionados com o consumo de tabaco.
referenciais teóricos
– teorias sobre a saúde.– aspectos legais sobre a saúde pública.
– tabagismo.– Problemas de saúde.
Procedimentos metodológicos
– Metodologia quantitativa des-critiva com o uso de questionários e observações.
– Sensibilização sobre o tema e caracterização de ideias prévias.– realização de oficinas.
Conclusões
– o uso de medicamentos sem receita médica é uma prática ge-neralizada em famílias da cidade X da Colômbia. as pessoas têm o costume de procurar medicamen-tos nas farmácias e, se a doença persiste, procuram ajuda médica.– alguns fatores que geram a automedicação são: a) a burocracia no atendimento do sistema de saúde público; b) dificuldade no sistema de transporte; c) falta de tempo para ir a consultas médicas; d) desinformação da população.
– o tabagismo é um grave proble-ma que exige o compromisso dos diferentes atores sociais, o que exi-ge a elaboração de políticas mais amplas que gerem ações concretas para abordar o problema.
Fonte: Martínez (2010).
apesar de o professor Pedro participar de todos os encontros da disciplina e realizar comentários sobre as propostas de seus colegas, ele não conseguiu abordar pedagogicamente uma QSC em sua prática. essa situação pode ser atribuída à preparação e experiência docente desse professor, pois ele tinha se formado como bacharel em Química Farmacêutica. a experiência profissional do professor, em sua maioria, não esteve vinculada à docência, pois, dos dezesseis anos percorridos por ele após da conclusão do bacharelado, somente sete foram vincu-lados à docência universitária, e não foi registrada experiência alguma no ensino básico.
192 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
o caso do professor Vinícius é diferente, porque ele possuía uma ampla experiência docente no ensino superior e no ensino básico, em um total de trinta anos de serviço. o professor realizou seu trabalho final sobre um programa sobre tabagismo para o ensino fundamen-tal por convicções próprias e porque, segundo ele, o problema do tabagismo requeria estratégias de prevenção, as quais poderiam ser fundamentadas com os subsídios pedagógicos oferecidos na dis-ciplina ensino de Ciências com enfoque CtSa a Partir de QSC. isso foi interessante para nossa pesquisa, porque percebemos uma iniciativa autônoma do professor, embora não estivesse abordando uma QSC em seu ensino. no episódio 11 observamos na fala do professor Vinícius os ganhos de seu trabalho para o fortalecimento de sua iniciativa, a qual tinha sido desconsiderada como trabalho de pesquisa do curso de mestrado.
Episódio 11 (EF Grupo 1)
1. PU: [...] Primeiro vamos conversar sobre o seguinte: o trabalho que temos desenvolvido durante a disciplina os tem ajudado a repensar sua prática de ensino? ou seja, os tem ajudado a considerar como trabalham ou não os tem ajudado? Por que não os tem ajudado?8. Vinícius: Pareceu-me interessante o relacionado com o pensamento crí-tico, isso me levou a fazer um trabalho com a comunidade. o relacionado com o tema de tabagismo é muito bom, pois pensava fazer isso em minha pesquisa de mestrado, mas me falaram que não podia.
a seguir apresentamos as análises sobre as contribuições e dificul-dades caracterizadas a partir dos trabalhos dos professores em cada um dos objetivos de ensino (tomada de decisão, desenvolvimento de pensamento crítico, argumentação e incorporação da perspectiva CtSa à prática docente) propostos por eles para abordagem das QSC de seu interesse.
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 193
A abordagem de QSC e a tomada de decisão
Conforme o Quadro 12, observamos que a maioria dos professo-res (roberta, Cristina, roberto e Laura) que trabalharam a tomada de decisão em sala de aula explicitou em suas conclusões dificuldades enfrentadas com seus alunos ao trabalharem QSC de seu interesse. entretanto, o professor Maurício e a professora Paula apontaram apenas contribuições dessa abordagem.
a partir dos trabalhos da professora roberta e da professora Cris-tina, salientamos o conflito existente entre a cultura dos estudantes (adolescentes) e a cultura do professor de Ciências. a primeira cultura é caracterizada pela espontaneidade e pelas experiências cotidianas dos estudantes que não têm o interesse de abordar o processo de tomada de decisão de forma sistemática e fundamentada. a cultura do professor de Ciências caracteriza-se pela preocupação acadêmica de fundamentar a tomada de decisão como um processo sistemático.
nos referenciais teóricos utilizados pelas professoras em seus trabalhos evidenciamos a apropriação de várias pesquisas sobre a tomada de decisão no ensino de Ciências. os trabalhos de Santos e Mortimer (2002) e ratcliffe (1997) apresentam diferentes modelos para orientar a tomada de decisão, os quais foram utilizados pelas professoras para desenvolver suas atividades em sala de aula, afian-çando dessa forma o caráter acadêmico de seu trabalho.
é interessante destacar que o conflito entre a cultura dos estu-dantes e a cultura acadêmica do professor de Ciências é enfrentado pela professora roberta por meio do “diálogo de saberes”, que foi desenvolvido no decorrer do jogo de papéis e no trabalho colaborativo realizado com seus alunos.
a partir do episódio 12 identificamos o conflito citado anterior-mente e a forma como a professora roberta o enfrenta.
194 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
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QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 197
Episódio 12 (EF Grupo 2) 1. PU: [...] então, vamos conversar um pouquinho. o trabalho desen-volvido durante a disciplina lhes permitiu repensar sua prática docente? Permitiu-lhes ou não lhes permitiu? e como lhes permitiu repensar sua prática docente?5. roberta: [...] uma coisa que tem sido muito difícil de vencer na turma é a atitude e seus próprios interesses [dos estudantes], que são colocados por cima do interesse acadêmico. isto tem sido um processo de tensões, eu cedo um pouco para avançar. tem sido um processo de negociação, não explícita, mas implícita. no entanto, eu tenho gostado do que temos feito...
o conflito entre cultura juvenil e cultura acadêmica é um tema pouco explorado no ensino de Ciências e na formação de professores de Ciências. no entanto, alguns trabalhos, tais como os desenvolvidos por Leal e rocha (2008), Corti et al., (2001) e Corti e Souza (2005), oferecem importantes elementos para pensar o conflito em termos de processos de negociação e diálogo.
torres (2001) discute a forma como a cultura juvenil constitui uma das culturas silenciadas ou negadas no currículo, na medida em que sua construção idiossincrática é ignorada frequentemente nos processos de ensino. de modo que a negociação e o “diálogo de saberes” proposto pela professora roberta na abordagem de sua QSC constituem uma possibilidade importante para aproximar culturas diferentes em salas de aula que configuram conflitos no espaço escolar, sobretudo quando a possibilidade do diálogo persuasivo ou polifônico é desconsiderada.
o ensino de Ciências voltado à tomada de decisão por parte dos estudantes é reconstituído como um processo de negociação sobre o tipo de decisões que deveriam ser tomadas e os saberes que contariam nessa tomada de decisão. Portanto, não se trata simplesmente de ensi-nar as estratégias metodológicas para que os estudantes possam tomar decisões responsáveis, como costuma ser focado em pesquisas da área (ratcliffe, 1997; Kortland, 1996). o problema da tomada de decisão também estaria relacionado com aspectos interculturais estabelecidos em sala de aula.
a professora roberta, em vez de desconsiderar o conflito cultural expresso nas discussões realizadas com seus alunos, valoriza-o e busca
198 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
avançar nos processos de ensino voltados à tomada de decisão conforme as expressões culturais dos estudantes.
a seguir apresentamos um recorte do trabalho final apresentado pela professora roberta que evidencia o diálogo de saberes como um processo importante para favorecer aspectos relacionados com a tomada de decisão, tais como identificação do problema e avaliação dos custos e benefícios.
Recorte TF professora Roberta [...] tem-se reconhecido neste trabalho que a complexidade do trabalho realizado em sala de aula se deriva de alguns elementos antagônicos [contraditórios] próprios dos ambientes humanos. no entanto, é ne-cessário reconhecer que a cultura juvenil é um fator determinante no desenvolvimento de estratégias didáticas. o docente não deve esquecer a dinâmica escolar, também não pode esquecer os mundos que entram em contato [em sala de aula]. Por um lado, o mundo acadêmico do professor, que, apesar de reconhecer a individualidade, não se afasta da realidade do que para ele ou para ela constitui uma perturbação: “chamar a atenção dos estudantes”, convidando-os para o diálogo de saberes, o que não é um ato fácil. [...] os elementos da cultura juvenil “da forma de ser jovem” e as complexidades em sala de aula, em um caso de tomada de decisão diante da questão “Que tipo de agricultura urbana desenvolver na escola? orgânica, transgênica, hidropônica, agroquímica?” [...]. Por exemplo, diante da pergunta “Que elementos são importantes para decidir corretamente em um grupo social o tipo de prática agrícola de plantio?”, as opções apresentadas na discussão pelos estudantes foram: conhecimento, custo, pobreza, tecnologia agrícola e manipulação genética de sementes:
estudante4: Pois, pela ignorância não avançamos no conhecimento, você me entende? as pessoas deveriam produzir melhores produtos. Você entende como é a vida, não é? Há “que plantar sem químicos, isto tem que ser ‘algo leve’”. Você me entende?Professora: alguém pode me explicar o que é algo leve neste caso?estudante5: o que ele quer dizer [estudante4] é que, produzindo melhores frutos, as pessoas vão comercializar melhor e vão receber melhores receitas para poder melhorar a tecnologia e a vida.
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 199
Professora: ou seja, você acredita que a qualidade dos produtos influencia na qualidade de vida, e isto faz que pensemos em melhores tecnologias para o plantio.estudante6: isso, professora! “Um abraço para os caras do rap” [o estu-dante provavelmente fala dessa forma porque a aula estava sendo filmada pela professora e os outros estudantes dão risada].
Podemos observar na fala exposta anteriormente que os estudantes in-cluem em suas respostas elementos de sua cultura juvenil, compreendem o contexto [social no qual vivem] e fazem uso de expressões juvenis no processo da tomada de decisão. é relevante considerar que o contexto so-ciocientífico pode ser analisado para a tomada de decisões para o exercício da cidadania diante da questão de segurança alimentar, essa compreensão é característica dos elementos próprios da cultura juvenil [mas da cultura acadêmica do professor].
em contraste com o diálogo de saberes proposto pela professora roberta, a professora Cristina expressa nas conclusões de seu trabalho final (Quadro 12) que, apesar da importância da QSC abordada em sala de aula e das discussões desenvolvidas com seus alunos, voltadas a valorizar as consequências sociais e ambientais relacionadas com o desperdício de água, os jovens não evidenciam um avanço significativo para uma tomada de decisão responsável.
Percebemos no trabalho da professora Cristina um grande esforço para preparar os estudantes para a tomada de decisão segundo esque-mas metodológicos, conforme a cultura acadêmica que ela representa em sala de aula como professora de Ciências. no entanto, a pouca atenção prestada à cultura juvenil de seus alunos poderia ser um fator limitante dos resultados obtidos por ela.
a partir das análises realizadas sobre os trabalhos das professoras roberta e Cristina, podemos inferir que a cultura dos estudantes (cultura juvenil) influi em alcançar os objetivos de ensino propostos na abordagem de uma QSC em sala de aula. Parece não ser suficiente que as QSC sejam impactantes em termos socioambientais para interessar e engajar os estudantes na tomada de decisão. Para isso é necessário aproveitar a riqueza existente no diálogo entre a cultura juvenil dos estudantes e a cultura acadêmica dos professores.
200 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
os currículos escolares e, portanto, os professores que desconside-ram a cultura de seus alunos podem estar perdendo a oportunidade de estabelecer diálogos significativos. o encontro entre diferentes saberes oferece enriquecedoras possibilidades para que os estudantes percebam e reconheçam que sua visão de jovem pode ser ampliada com outras visões expressas por seus professores e colegas. torres (2001, p.165) salienta a importância de levar em consideração o encontro cultural na escola:
Uma instituição que não consiga conectar essa cultura juvenil que tão apaixonadamente os/as estudantes vivem em seu contexto, em sua família, com suas amigas e seus amigos, com as disciplinas acadêmicas do currículo, está deixando de cumprir um objetivo adotado por todo mundo, isto é, o de vincular as instituições escolares com o contexto, única maneira de ajudá-los/las a melhorar a compreensão de suas realidades e a comprometer-se em sua transformação.
Por outro lado, a análise dos trabalhos e das falas dos professores roberto, Maurício, Paula e Laura nos permite identificar outras contri-buições e dificuldades relacionadas com a abordagem de QSC voltadas à tomada de decisão. todos os professores concordam nas conclusões apresentadas em seus trabalhos (Quadro 12) que os estudantes se interessaram pelo estudo das Ciências e também optaram por um posicionamento pessoal diante das questões trabalhadas.
é interessante notar que a professora Laura expressou que a tomada de decisão não é um processo simples de agir de forma bem--comportada, referindo-se à disposição dos estudantes para colocar os resíduos descartáveis (lixo) no local certo. a tomada de decisão estaria relacionada tanto à mudança atitudinal dos estudantes quanto à construção de determinados valores que lhes possibilitem um com-portamento e um agir mais consistente.
a conclusão estabelecida pela professora Laura mostra que uma decisão simples, tal como colocar os resíduos no local certo, pode en-volver um processo complexo, uma vez que o trabalho desenvolvido por ela era com crianças da 4a série do ensino fundamental.
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 201
assim, a partir do episódio 13 podemos identificar a dificuldade exposta pela professora e a forma como ela a enfrentou por meio de atividades específicas.
Episódio 13 (EF Grupo6) 7. PU: bom! Muito obrigado. nesse processo que vocês têm desenvol-vido, que tipo de tensões ou dificuldades têm enfrentado e como as têm enfrentado?16. Laura: na verdade, quando você falou que devíamos encontrar uma QSC, eu pensava nas crianças tão pequeninas e também pensava até onde eu posso trabalhar uma QSC com elas. essa era a primeira questão que me fazia, e a segunda: como oriento meu trabalho? Sei que a primeira coisa que devo fazer é oferecer-lhes [estudantes] uma informação sobre o que é uma decisão, para não limitar sua participação espontânea.17. PU: Como enfrentou essa dificuldade?18. Laura: Pensando em como faria atividades específicas para olhar a participação dos estudantes e avaliar o avanço dessa dificuldade.
a fala do professor roberto no episódio 14 também aponta a difi-culdade de abordar uma QSC com os estudantes, embora ele estivesse trabalhando com jovens e adultos. a dificuldade se deveu à falta de compromisso dos estudantes e à forma como ele foi sistematizando suas atividades. apesar das incertezas apontadas pelo professor, ele conseguiu observar que a abordagem das QSC implica a construção de um currículo diferente.
Episódio 14 (EF Grupo 6) 10. roberto: Para mim era um desafio muito grande [abordar uma QSC]. eu sei que não queria trabalhar, porque lá [na escola] são muito fechados e sem compromisso. no período da noite temos jovens que estão em um contexto totalmente diferente, tinha muitas temáticas para trabalhar, os alimentos transgênicos. Puxa! o impacto é difícil [o professor apresenta admiração diante da temática proposta por ele], não tinha conhecimento algum do que são os alimentos transgênicos, “para nada”, então esse era o desafio, como podia trabalhar essa questão. o que mais me preocupa é a sistematização do trabalho realizado. inclusive tenho me perguntado como
202 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
faço com a gravação para ter um registro físico. [...] no começo não sabia o que era uma QSC. era uma temática ou um tipo de debate? Mas não deixei de lado o grupo de estudo [referindo-se aos grupos de estudos con-formados durante a disciplina] nem a população na qual trabalharia a QSC, pois trabalhar com esta questão é trabalhar com um currículo diferente.
o caso do professor Maurício é interessante porque ele não tinha uma preocupação de pesquisa com o ensino de Ciências, pois tinha se formado como bacharel em Química. além disso, ele mesmo reconhe-cia que se limitava a ensinar os conteúdos específicos de Química. no entanto, esta visão foi ampliada com o trabalho realizado em sala de aula com a QSC de seu interesse.
no episódio 15 observamos que o professor Maurício ainda con-sidera a questão social como um aspecto estranho ao ensino de sua disciplina, mas ele começa a valorizar a inovação trazida pela abor-dagem de QSC, sobretudo quando se enfrentam assuntos morais. o avanço do professor é ratificado nas conclusões estabelecidas por ele em seu trabalho final (Quadro 12), nas quais reconhece a importância das problemáticas educativas e sociais, bem como os conteúdos dis-ciplinares de Ciências.
Episódio 15 (EF Grupo 1) 1. PU: [...] Primeiro vamos conversar sobre o seguinte: o trabalho que temos desenvolvido durante a disciplina os tem ajudado a repensar sua prática de ensino? ou seja, os tem ajudado a considerar como trabalham ou não os tem ajudado? Por que não os tem ajudado?7. Maurício: Focava-me só na parte científica, mas há uma parte social importante. a parte do desenvolvimento de pensamento crítico e a tomada de decisões é importante. também que considerem [os estudantes] a parte formal [da disciplina de Química].
a abordagem de QSC voltada a favorecer processos de tomada de decisão nos estudantes do ensino básico não deve considerar apenas as estratégias didáticas para estruturar e fundamentar as escolhas dos estudantes, pois é relevante também considerar aspectos culturais dos estudantes e da escola que influíam na forma como aqueles se posicio-
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 203
nam e realizam suas escolhas. a análise das implicações educacionais do encontro cultural entre jovens e professores em sala de aula constitui um campo de trabalho interessante para o ensino de Ciências focado na preparação dos estudantes para participar ativamente na sociedade por meio de posicionamentos que valorizem seus interesses, mas também que valorizem a importância da reflexão racional envolvida nesses posicionamentos.
A abordagem de QSC e a argumentação
no Quadro 13 apreciamos que os professores Carol, Janeth, Simone, edith e edvaldo salientam algum tipo de contribuição da abordagem de QSC com respeito ao desenvolvimento de processos argumentativos com seus alunos. Por exemplo, a professora Carol des-creve nas conclusões de seu trabalho final avanços de um considerável número de estudantes de ensino médio em analisar textos, identificar ideias principais, relacionar ideias e organizá-las hierarquicamente. todas essas habilidades, segundo a professora, são importantes para o desenvolvimento de processos argumentativos.
Por sua vez, a professora Janeth expressou em suas conclusões que seus alunos conseguiram enfrentar e discutir aspectos sociais e científicos relacionados com a anorexia e a bulimia, o que enrique-ceu os processos de argumentação desenvolvidos em sala de aula. a professora identifica os baixos níveis de interpretação de estudantes, a linguagem e as idades (de 11 a 13 anos) que eles apresentam como aspectos que limitam o desenvolvimento de processos de argumentação nos estudantes.
a professora Simone salienta que a introdução de QSC ajuda a contextualizar a aprendizagem de conceitos de seus alunos, especifica-mente relacionados com o conceito de pH, que é utilizado para avaliar a qualidade da água da escola. o uso de imagens na abordagem de QSC possibilita que a professora favoreça o desenvolvimento de habilidades da linguagem escrita e de argumentação. é interessante que no trabalho da professora as habilidades descritas são vinculadas a processos de
204 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
argumentação que, conforme nosso ponto de vista, também têm a ver como o desenvolvimento do pensamento dos estudantes.
olson (1999) salienta que a escrita não apenas implica a transcrição da fala, mas também fornece uma forma de pensar a linguagem oral. Para esse autor, a escrita tem uma função epistemológica, pois ajuda a lembrar o pensado e o dito, bem como possibilita apreciar o dito e o pensado de forma diferente.
a professora edith e o professor edvaldo expressam nas conclusões de seus trabalhos que a abordagem de QSC favoreceu a participação de seus alunos e o estabelecimento de relações sociais, no entanto mani-festaram dificuldades em termos curriculares para o desenvolvimento dos processos argumentativos que eles pretendiam favorecer em sala de aula. o professor edvaldo especificou em suas conclusões (Quadro 13) que a abordagem de QSC em sala de aula pode ser limitada por uma questão de tempo, bem como pelo currículo tradicional de Ciências.
da mesma forma, apreciamos no episódio 16 que o professor edvaldo menciona as limitações impostas pelo currículo tradicional que desencadeiam uma atitude passiva em seus colegas, até o ponto de expressar um sentimento de desesperança a respeito de gerar um ensino diferenciado por meio da abordagem de QSC.
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Episódio 16 (EF Grupo 3) 6. PU: bom! no processo que temos desenvolvido durante a disciplina e as atividades práticas trabalhadas de acordo com a perspectiva CtSa a partir de QSC, quais tensões têm enfrentado? Que dificuldades têm enfrentado? e como têm enfrentado essas dificuldades ao trabalhar as QSC na prática [docente]?11. edvaldo: a questão da inovação. os colegas estão resistentes, digamos que pela tradição. temos cumprido os objetivos da instituição. então é um pouco essa resistência e também a parte curricular, porque não encaixava muito bem com a questão do tempo...12. PU: Você, como tem enfrentado essa dificuldade?13. edvaldo: eu tenho tentado envolver os meus colegas, motivando-os individualmente, isso me parece interessante. também devo estar como coordenador da área [Ciências naturais]. Percebe-se um pouco de impo-sição sobre o professor para que faça coisas novas, mas isso também não tem funcionado, então deixei assim.
também identificamos no episódio 17, na fala da professora edith, a limitação e a pressão impostas pela dinâmica burocrática da escola, que faz parte da instrumentalização do currículo focado no controle de resultados por meio de determinados processos avaliativos. no entanto, a atitude da professora diante desse problema é diferente da atitude assumida pelo professor edvaldo no episódio 16, pois ela destaca a forma como o trabalho desenvolvido a partir da QSC revitaliza sua prática docente, o que a motiva a continuar investindo esforços nesse trabalho.
Episódio 17 (EF Grupo 2) 7. PU: Vamos continuar com o que estava falando Paulo para conversar sobre as dificuldades que têm enfrentado durante o trabalho desenvolvido sobre QSC na prática e como têm enfrentado essas dificuldades.12. edith: estamos pressionados pelo tempo, mas cada um é autônomo em sala de aula e no desenvolvimento de seu trabalho. Por casualidade, o coordenador acadêmico [da escola] é um tradicionalista 100% e estabelece uma programação semanal, na qual se definem os temas [de ensino]. Mas ele nunca passa pelas salas para avaliar nosso trabalho. Quem dá auto-nomia é o Comitê de Convivência, e com ele podemos trabalhar. temos
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 209
encontrado resistência do diretor e do coordenador acadêmico, eles não percebem que não vamos conseguir o que lhes exige a normatividade decreto 1278. todo trabalho é deixado para nós. algo que tem servido é a reflexão [referindo-se à abordagem de QSC], e me sinto como uma professora nova, apesar de ter doze anos de experiência. eu me sinto como se tivesse saído da faculdade. Um mundo de profundidade [para trabalhar] com as crianças, o que tem me motivado bastante a continuar trabalhando.
no item “a ideologia do currículo tradicional e as possibilidades de mudança na abordagem de QSC”, discutimos as limitações impostas pela ideologia tecnicista do currículo à abordagem de QSC. novamente desvelamos a força dessa ideologia, que é materializada nas falas do professor edvaldo e da professora edith. a questão do tempo, atrelada à racionalidade técnica do currículo tradicional e à burocratização da escola, pode ser um aspecto que limita a formação continuada de pro-fessores de Ciências embasada em processos de pesquisa sobre a prática do professor, tal como é considerado por Maldaner (2000, p.400):
[...] é a própria organização escolar, sempre com base na racionalidade técnica, que dificulta o tempo de produção coletiva dos professores ao não proporcionar espaços efetivos para encontros de professores, na concep-ção de horário e distribuição das aulas, na concepção de um componente curricular independente dos outros, na prevalência da burocracia sobre outras formas de organização da produção intelectual, na concepção e distribuição do espaço escolar, na avaliação como processo de controle de alunos e professores etc. isto tudo dificulta a organização do tempo de autoformação do professor em processo permanente. o professor é sempre impulsionado a atender à burocracia escolar mais do que às necessidades dos alunos e ao seu próprio desenvolvimento.
embora a racionalidade técnica que fundamenta o currículo tec-nicista limite o trabalho do professor, é interessante analisar nas falas do professor edvaldo e da professora edith os dois tipos de linguagens utilizados por eles. em ambos os casos existe a linguagem da crítica, que questiona as limitações impostas ao trabalho docente, mas no caso da professora edith evidenciamos a linguagem da possibilidade, pois
210 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
ela considera que pode continuar dinamizando seu trabalho docente, apesar das limitações impostas. Por sua vez, o professor edvaldo não percebe maiores possibilidades de superação das limitações curricu-lares, dada a apatia de seus colegas e a lógica tecnicista que naturaliza a passividade do trabalho docente.
apesar das dificuldades analisadas sobre “a abordagem de QSC e a argumentação”, evidenciamos que todos os professores mencionados avançaram em sua formação enquanto pesquisadores de sua prática. Conforme os dados constituídos no Quadro 13, todos os professores conseguiram estabelecer em seus trabalhos um objetivo, um referencial teórico, procedimentos metodológicos e conclusões, o que representa avanços consideráveis da pesquisa voltada ao melhoramento de sua própria prática.
Como exemplo, analisaremos o trabalho da professora Simone, que evidencia indícios importantes do favorecimento de processos argumentativos em seus alunos. escolhemos esse trabalho por sua consistência e porque, em comparação com seus colegas, essa profes-sora conseguiu avançar da elaboração de um trabalho escrito conven-cional para a elaboração de um artigo que sistematiza sinteticamente o trabalho realizado por ela.
no Quadro 14 apresentamos uma síntese dos resultados e das aná-lises do trabalho realizados pela professora Simone em seu artigo. de acordo com essa síntese, evidenciamos que a professora desenvolveu habilidades para promover argumentação nos estudantes por meio de questionamentos e da elaboração de atividades que motivaram os estudantes a realizar entrevistas e levantar dados sobre o consumo e o desperdício da água em sua escola.
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 211
Quadro 14 – Síntese de resultados e análises do trabalho realizado pela professora SimoneMomentos de análise descrição de resultados e análises Primeiro momento: caracteriza-ção de opiniões dos estudantes sobre o fornecimento e a porta-bilidade de água na escola.
– 33% dos estudantes sabem que a escola tem tanques de abastecimento de água. – 33% dos estudantes pensam que a água não é potável.– 91% dos estudantes consideram que a água do tanque é desperdiçada.*
– os estudantes consideram que a água não é potável porque lhes diziam que não podiam beber água da torneira. – os estudantes consideram que a água é desperdiçada porque faltava conhecimento sobre a crise mundial da água.
Segundo momento: análise so-bre os trabalhos desenvolvidos pelos estudantes.
– os estudantes realizam entrevistas com pessoas da escola para determinar por que a água é desperdiçada.– os estudantes determinam o pH da água para saber sobre sua portabilidade.– a maioria dos estudantes alcançou um nível de argu-mentação básico, no qual utilizaram dados empíricos para justificar afirmações tais como “se demonstrás-semos que a água das torneiras é potável, poderíamos consumir essa água e diminuir o desperdício da água do tanque”.– outros estudantes levantaram a hipótese de que a portabilidade diminuiria durante o dia devido à perda de cloro.– nenhum estudante conseguiu alcançar um nível maior de argumentação, no qual deveriam sustentar propostas concretas para diminuir o desperdício da água na escola.
Fonte: Martínez (2010).
interpretando os dados expostos pela professora Simone em seu trabalho, podemos dizer que seus alunos conseguiram um segundo nível de argumentação, representado pela utilização de afirma-ções competitivas com justificações, conforme os quatro níveis de argumentação4 descritos no trabalho de Capecchi, Carvalho e Silva (2000). esse nível de argumentação pode ser evidenciado na
4 nível 1: questionamentos incompletos com justificativas; nível 2: afirmações competindo; nível 3: uso de qualificadores ou refutadores; nível 4: julgamento integrando diferentes argumentos.
212 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
discussão realizada pela professora Simone sobre a portabilidade da água de sua escola.
é interessante que a professora Simone reconhece que não foi pos-sível alcançar um alto nível de argumentação, no qual os estudantes teriam capacidade de realizar julgamentos que integrem diferentes ar-gumentos para fundamentar uma ação responsável sobre o desperdício de água na escola. no entanto, os dados registrados em seu trabalho podem ser um indício de que a abordagem da QSC de seu interesse possibilitou a ela desenvolver algumas habilidades de argumentação com seus alunos. também destacamos o encorajamento da professora Simone enquanto pesquisadora de sua prática.
a professora considera que a dificuldade para os estudantes alcan-çarem um alto nível de argumentação esteve relacionada com as crenças escolares desses estudantes, que não lhes possibilitam problematizar temas controversos, pois eles se orientam, na maioria de vezes, por um raciocínio superficial.
Sadler, Chambers e zeidler (2004) têm evidenciado em suas pes-quisas que alguns estudantes confiam mais em provas ou experiências que confirmem suas crenças, e não naquelas que as contradigam. Por essa razão, é importante incentivar a constituição de evidências pelos próprios estudantes, o que os leva a problematizar suas crenças e os engaja em processos de argumentação.
a abordagem de QSC no ensino de Ciências pode ser focada em processos de argumentação em sala de aula, oferecendo possibilida-des para que os professores realizem intervenções pedagógicas que contribuam para melhorar a qualidade da participação de seus alunos (Santos; Mortimer; Scott, 2001).
A abordagem de QSC e o desenvolvimento de pensamento crítico
Consoante as informações registradas no Quadro 15, apreciamos que o professor antônio e as professoras Fátima, adriana e Fernanda concordam, nas conclusões de seus trabalhos, que a abordagem de QSC
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 213
lhes permitiu desenvolver algum tipo de habilidade de pensamento crítico em seus alunos. o professor e as professoras expuseram em seus trabalhos referenciais teóricos sobre o desenvolvimento de pensamento crítico conforme vários autores (ennis, 1987; Halpern, 1998; 2006; Campos, 2007). Segundo esse referencial, os professores entendem o pensamento crítico como um processo reflexivo e racional, por meio do qual os indivíduos decidem o que fazer e no que acreditar diante de determinadas situações ou problemas.
embasados nos autores citados anteriormente, os professores salientaram a habilidade de análise de argumentos, a de tomada de decisão e a de solução de problemas como habilidades de ordem su-perior, as quais evidenciam o desenvolvimento do pensamento crítico. Salientaram também outras habilidades básicas que caracterizam uma pessoa crítica: a) habilidade para formular questionamentos diante um determinado problema; b) habilidade para buscar informações pertinentes ao tema objeto de discussão; c) habilidade para analisar diferentes pontos de vista; d) habilidade para utilizar conceitos com o intuito de compreender implicações e consequências de uma deter-minada decisão ou ação.
as professoras Fátima, adriana e Fernanda e o professor antônio também utilizaram metodologias semelhantes para abordar as QSC de seu interesse, tendo como objetivo o desenvolvimento de habili-dades básicas de pensamento crítico. de forma geral, os professores realizaram um diagnóstico de habilidades básicas de pensamento e propuseram atividades pedagógicas, tais como jogo de papéis, leitura de textos e discussões abertas, para trabalhar com seus alunos as QSC.
a professora Fátima e a professora Fernanda identificaram em seus trabalhos indícios do desenvolvimento de habilidades para solucionar problemas e da argumentação por parte de seus alunos. no caso da professora Fátima, os estudantes cursavam o ensino superior, e os es-tudantes da professora Fernanda cursavam a 1a série do ensino médio.
a professora Fernanda, nas análises de seu trabalho, comenta o desenvolvimento de habilidades de argumentação de seus alunos de acordo com a qualidade das opiniões emitidas por eles durante os deba-tes realizados. nesse sentido, ela expressa que uns 10% dos estudantes
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216 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
manifestaram opiniões tais como “não concordo com a clonagem porque não concordo”, sem manifestar justificativa alguma. no en-tanto, aproximadamente 30% de seus alunos manifestaram opiniões com outro tipo de justificativa: “não concordo com a experimentação com animais porque esse tipo de experimentação não oferece resultados comparáveis, pois os animais, por mais parecidos que sejam com os seres humanos, não funcionam da mesma maneira”.
Por sua vez, 60% dos estudantes tentaram incorporar em suas opiniões aspectos éticos: “não concordo com a experimentação uti-lizando animais porque essa experimentação vai contra a vida, pois todos os seres vivos têm o direito de viver. aliás, como vamos saber que um remédio atua da mesma forma no olho de um coelho que no olho de uma pessoa, sabendo que o olho do coelho é diferente do olho humano? Se fôssemos nós que fôssemos utilizados na experimentação, como nos sentiríamos?”. embasada nesses resultados e nessas análises, a professora Fernanda conclui que é possível desenvolver habilidades básicas de pensamento crítico ao trabalhar em sala de aula a QSC de seu interesse, segundo metodologias didáticas fundamentadas na perspectiva CtSa.
no caso da professora Fátima, a habilidade de pensamento crítico trabalhada com seus alunos correspondeu à habilidade para solucionar problemas a partir do estudo de casos clínicos sobre xenobióticos, que era a QSC abordada em sua aula de bioquímica ministrada para estudantes de Fisioterapia.
a professora Fátima adotou a proposta de Kortland (1996) para abordar a solução de problemas com seus alunos. Conforme tal autor, ela estabeleceu critérios para a avaliação de alternativas que permi-tissem solucionar os problemas estipulados e depois monitorar as implicações da solução proposta.
os resultados obtidos pela professora Fátima indicam que 55% de seus alunos avaliaram os efeitos dos xenobióticos nos casos clínicos estudados levando em consideração as propriedades químicas dessas substâncias, seus mecanismos de ação e os resultados de testes de sangue e urina. outra porcentagem de estudantes (25%) avaliou os sintomas e as vias de intoxicação causadas pelos xenobióticos, e os 20%
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 217
restantes de estudantes basearam suas soluções na análise de histórias clínicas. baseada nesses dados, a professora Fátima apresenta indícios do desenvolvimento de habilidades dos estudantes para solucionar problemas.
no caso do professor antônio e da professora adriana, a explica-ção dos avanços a respeito das habilidades para pensamento crítico em seus alunos é realizada em termos gerais, sem oferecer evidências específicas. Por exemplo, o professor antônio menciona que os grupos de estudantes conformados para trabalhar a QSC dos biocombustíveis e dos hidrocarbonetos desenvolviam habilidades básicas, como inter-pretação de dados, para fundamentar as discussões.
no caso da professora adriana, somente propõe um esquema metodológico para o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico e oferece algumas reflexões sobre esse esquema, sem indicar os avanços construídos com os estudantes.
algumas explicações para as limitações evidenciadas, particular-mente pelo professor antônio, estão relacionadas à falta de preparação em pesquisa educacional e à dinâmica escolar, na qual ele realizava seu trabalho. no caso da professora adriana, a dificuldade é apontada na articulação entre a QSC e o conteúdo específico de Ciências, que é abor-dada segundo o ensino tradicional. nos episódios 18 e 19 evidenciamos essas dificuldades e identificamos as contribuições da abordagem das QSC no melhoramento das práticas docentes do professor antônio e da professora adriana.
Episódio 18 (EF Grupo 4) 6. PU: bom! no trabalho que vocês desenvolveram sobre as questões sociocientíficas, que tipo de tensões ou dificuldades vocês enfrentaram?18: antônio: Questões internas [referindo-se à dinâmica escolar], como dizia a colega [andrea]. Como aprender a ensinar? [conforme a abordagem de QSC] Como se faz um trabalho de pesquisa? [...] porque a pesquisa é fundamental para a docência. de fato, não é fácil aprender bem a meto-dologia de pesquisa. nos aspectos externos, temos o tempo estabelecido pela escola.
218 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
Episódio 19 (EF Grupo 1) 1. PU: [...] Primeiro vamos conversar sobre o seguinte: o trabalho que temos desenvolvido durante a disciplina os tem ajudado a repensar sua prática de ensino? ou seja, os tem ajudado a considerar como trabalham ou não os têm ajudado? Por que não os têm ajudado?7. adriana: a dificuldade não tem sido exclusivamente do currículo, porque o tempo tem sido investido no debate [sobre QSC]. estavam tão emocionados [os estudantes] que nós passamos [do tempo]. a outra parte é que devemos amenizar as temáticas, que seriam os hidrocarbonetos, e como é isso.
no episódio 20 identificamos que as professoras Fernanda e Fátima valorizaram o trabalho realizado sobre QSC, porque enriqueceu seus fazeres pedagógicos, favoreceu a motivação de seus alunos, possibilitou o desenvolvimento de algumas habilidades de pensamento crítico e ajudou a melhorar e dinamizar os processos de ensino e aprendizagem de Ciências.
Episódio 20 (EF Grupo 2) 1. PU: [...] então, vamos conversar um pouquinho. o trabalho desen-volvido durante a disciplina lhes permitiu repensar sua prática docente? Permitiu-lhes ou não lhes permitiu? e como lhes permitiu repensar sua prática docente?3. Fernanda: Para mim tem sido muito enriquecedor. também, como diz edith, porque tenho percebido que em meu fazer pedagógico os estudantes têm maior motivação [...]. Parece-me importante, que cada encontro que tenho com estudantes, eu penso e analiso o que estou fazendo em sala de aula, penso em que perguntas eu deveria fazer para gerar mais debate, melhorar sua argumentação, seu pensamento crítico. em relação ao meu trabalho de pesquisa, penso que o pensamento crítico e as QSC podem ir juntos. eu falava algumas vezes sobre a ciência, mas esquecia de formar cidadãos com uma fundamentação teórica. Como vou fazer, como posso melhorar?4. Fátima: Parece-me que tem servido para perceber que tão terrível estava que vinha aplicando a mesma metodologia. o processo tem me ajudado a ver se eles [os estudantes] estão compreendendo os conceitos. não estavam
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 219
aprendendo. a abordagem da QSC através de casos clínicos permitiu não somente ser mais próximos dos estudantes, mas também conhecê-los. [...] Permitiu-me evidenciar que agora encontram [os estudantes] sentido na bioquímica, permitindo vincular os conceitos com a vida real, então isto serve. essas enzimas, esses processos metabólicos servem para algo, pois trabalhando a questão dos antibióticos percebem como são esses conceitos. a QSC permite abrir mais espaços de reflexão, evidenciar outros aspectos da dimensão moral...
é interessante que as dificuldades expressadas pelas professoras Fernanda e Fátima a respeito da abordagem de QSC não estão relacio-nadas com a falta de tempo ou a existência de um currículo imposto. as dificuldades teriam a ver com as relações estabelecidas com seus colegas, que consideram a inovação realizada pelas professoras como algo sem maior importância. no episódio 21 evidenciamos a forma como a atitude de outros professores influencia a disposição das professoras para continuar desenvolvendo seu trabalho. no entanto, identificamos na fala professora Fernanda a utilização da linguagem crítica ao destacar a adaptação de seus colegas aos processos de repro-dução escolar, nos quais caberia a inovação permanente por parte dos professores. a professora Fátima também critica a atitude apática de seus colegas sobre o trabalho pedagógico.
Episódio 21 (EF grupo 2) 7. PU: Vamos continuar com o que estava falando Paulo para conversar sobre as dificuldades que têm enfrentado durante o trabalho desenvolvido sobre QSC na prática e como se tem enfrentado essas dificuldades.11. Fernanda: não tenho percebido tensões ou dificuldades com a escola. os coordenadores não prestam atenção ao que é feito em sala de aula, então eu tenho bastante liberdade. Há alguns objetivos que devemos alcançar, mas os pais dos estudantes nem percebem como vai o processo dos estudantes, então o trabalho docente é realizado diretamente com os estudantes. Há liberdade, e não tenho problema com isso. tenho enfren-tado tensões com meus colegas, porque os estudantes tendem a comparar [a professora cita expressões de seus alunos]: “a aula da professora é legal, mas esta aula eu não sei”, “porque a professora não dá aula para nós”,
220 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
“quando vai dar aula para nós?”. eles comparam dessa forma e lhes [os estudantes] falta ser mais prudentes. então há comentários dos colegas tais como “vassoura nova varre bem, mas vamos ver se daqui a uns cinco anos vai continuar revisando os cadernos dos estudantes, se vai continuar oferecendo coisas diferentes para eles, porque todos fomos desse jeito, mas com o tempo as coisas vão mudando”. então eu tenho sentido essa tensão, é algo incômodo. os colegas se incomodam porque não percebem o objetivo do trabalho...13. Fátima: Já que me lembrei, gostaria de falar. então entrou um colega de Química na sala onde eu estava e deu risada e falou para mim: “Você está aí com as estratégias pedagógicas”. então, é interessante mostrar que os estudantes podem ter um bom rendimento, mas o que tem faltado é dedicação para eles. é difícil vincular os colegas nos processos pedagógicos, porque lá [na faculdade] se trabalha o conhecimento [Químico], então isso é o que mais vale, e não há explicação. [...] no entanto, tivemos uma apresentação sobre informática para considerar algo sobre as habilidades, aí eu participei, e então já falaram que devemos articular a pedagogia. então penso que agora vão [os colegas da professora] considerar a im-portância da pedagogia.
as falas apresentadas pelas professoras Fátima e Fernanda sobre seus colegas nos indicam que esses professores se limitam a ensinar Ciências de forma tradicional, pois não se preocupam em inovar seu ensino e parecem estar restringidos à transmissão dos conteúdos de Ciências sem dar importância aos aspectos pedagógicos que levariam em consideração as características dos estudantes para ensinar de uma determinada forma. Conforme berkowitz e Simmons (2003), podemos dizer que esses professores parecem se perceber como professores especificamente de “Ciências” e, portanto, não devem se preocupar com questões pedagógicas.
Contudo, em termos gerais podemos dizer, conforme os episódios analisados, que a abordagem de QSC por parte das professoras Fátima e Fernanda possibilitou desenvolver habilidades de pensamento crítico em seus alunos, na medida em que foram desenvolvendo seu ensino como um processo de pesquisa.
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 221
Incorporação da perspectiva CTSA à prática docente
de acordo com os dados constituídos no Quadro 16, identificamos que as professoras isabel e natália e o professor Lucas propuseram como objetivo de seus trabalhos o ensino de aspectos éticos vincu-lados às QSC de seu interesse. Por sua vez, as professoras andrea e Verônica focaram na questão atitudinal e a professora Cláudia focou na formação para cidadania.
apesar de as professoras isabel, natália, andrea, Verônica e Cláu-dia e o professor Lucas expressarem certas particularidades em seus objetivos de pesquisa, podemos analisar seus trabalhos em conjunto, uma vez que todos salientaram, de diferentes formas, a incorporação da perspectiva CtSa durante a abordagem das QSC de seus interesses. todos os professores, exceto a professora isabel,5 utilizaram estraté-gias participativas, tais como jogos de papéis, realização de pequenos projetos por parte dos estudantes, trabalhos em grupos e discussões sobre vídeos, que nos mostram indícios da incorporação de aspectos metodológicos da perspectiva CtSa nas aulas desses professores.
a perspectiva CtSa envolve, entre outras coisas, a transforma-ção metodológica do ensino de Ciências centrado na transmissão de conteúdos em um ensino centrado na participação dos estudantes por meio de diferentes atividades, tais como as descritas pelos professores em seus trabalhos, o que contribui para o desenvolvimento de habi-lidades nos estudantes para o exercício de sua cidadania (aikenhead, 1994; Solomon, 1993).
acevedo (1996) ressaltou a elaboração de pequenos projetos por parte dos estudantes, o trabalho colaborativo e a participação ativa daqueles em debates ou discussões como estratégias privilegiadas pela perspectiva CtSa.
5 o trabalho dessa professora apresentava o objetivo de ensino, o referencial teó-rico e a descrição geral da metodologia. no entanto, os resultados expostos eram limitados apenas à descrição de algumas respostas de seus alunos a um questio-nário aplicado por ela, mas não ofereciam evidência alguma sobre as estratégias utilizadas para alcançar o objetivo proposto.
222 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
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224 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
durante o desenvolvimento das estratégias participativas, os pro-fessores foram ressaltando como objetivo geral a preocupação com formação para a cidadania atrelada aos objetivos particulares de seus trabalhos correspondentes aos aspectos éticos, a questão atitudinal e o trabalho colaborativo.
o professor Lucas desenvolveu seu trabalho no ensino superior, e a professora isabel, no ensino básico. a conclusão dos trabalhos de ambos coincidiu: a abordagem de QSC fundamentada na perspectiva CtSa possibilitou que seus alunos se sensibilizassem sobre as impli-cações da ciência e da tecnologia a partir de aspectos éticos e morais trabalhados em sala de aula.
trabalhar a questão ética da ciência em sala de aula é uma pre-tensão interessante para a formação, nos estudantes, de valores que favoreçam melhores processos de convivência social. no entanto, as questões éticas envolvem, na maior parte dos casos, conflitos entre diferentes concepções sobre o que pode ser caracterizado como um comportamento ou uma ação correta.
Para ilustrar algumas dificuldades decorrentes da abordagem de questões éticas em sala de aula, no episódio 22 identificamos a forma como a crença religiosa de um professor pode influenciar na educação para o caráter dos estudantes privilegiando uma determinada concep-ção moral.
Episódio 22 (EF Grupo 5)
8. PU: Pronto! no processo que nós desenvolvemos, que tipo de tensões vocês enfrentaram? e como as enfrentaram? tensões de diferentes tipos [que enfrentaram] durante o desenvolvimento da QSC ou no trabalho que desenvolveram. [uma professora pergunta o que são tensões] tensões são aqueles elementos que podem ser um obstáculo ou são dificuldades que não são fáceis de superar.10. isabel: eu tive uma [dificuldade] muito marcada com um colega, que de certa forma está trabalhando o tema do aborto. trata-se do professor de ética, que é padre, e então a posição dele estava muito fixada nos estu-dantes. estava muito marcada essa concepção religiosa.11. PU: Como enfrentou essa dificuldade?
QUESTõES SOCIOCIENTíFICAS NA PRÁTICA DOCENTE 225
12. isabel: eu enfrentei essa dificuldade tentando fazer reflexões, para isso me embasei em casos especiais. não se tratava de mostrar minha posição de aceitação sobre o aborto, mas tentei que eles pensassem. Coloquei o caso de uma mulher grávida na qual foi diagnosticado que o feto apresentava malformações genéticas. [também coloquei] o caso do pai e a mãe que perceberam que sua filha foi estuprada por três homens.
é interessante a forma como a professora isabel favorece discus-sões sobre dilemas morais relacionados com a QSC do aborto a fim de favorecer um raciocínio moral em seus alunos.
enfrentar dilemas morais na abordagem de QSC é um tema com-plexo a ser enfrentado pelos professores em suas práticas. Por exemplo, o dilema sobre o aborto discutido pela professora isabel abrange, por um lado, o direito individual das pessoas de serem respeitadas em sua integridade mental e, por outro lado, o princípio moral de respeitar a vida.
Lemmon apud beauchamp e Childress (2002, p.26) salienta que os dilemas morais ocorrem de duas formas:
1) alguma evidência indica que o ato x é moralmente correto, e algu-ma evidência indica que o ato x é moralmente errado, mas nenhuma das evidências é conclusiva. diz-se algumas vezes que o aborto, por exemplo, é um dilema terrível para as mulheres que veem as evidências dessa forma. 2) Um agente acredita que, por razões morais, deve e não deve realizar o ato x. num dilema moral assim conformado, um agente é obrigado, por uma ou mais regras morais, a fazer x, e, por uma ou mais regras morais, a fazer y, mas o agente está impossibilitado, nas circunstâncias, de fazer ambos. as razões por trás das alternativas x e y são boas e fortes, e nenhum dos conjuntos de razões é claramente dominante. Se a pessoa age segun-do qualquer um dos conjuntos de razões, suas ações serão moralmente aceitáveis sob alguns aspectos, mas moralmente inaceitáveis sob outros.
enfrentar dilemas morais é de tal complexidade que em muitas ocasiões esses dilemas permanecem sem uma solução razoável. Con-tudo, abordá-los em sala de aula é significativo para trabalhar com os estudantes aspectos éticos e morais que passam despercebidos no
226 LEONARDO FABIO MARTíNEz PéREz
ensino de Ciências tradicional. assim, a questão ética e moral cobra relevância da abordagem de QSC embasada na perspectiva CtSa.
Por intermédio dos dados registrados no Quadro 16, observamos também que a professora Cláudia incorporou a perspectiva CtSa em seu trabalho focando na formação para a cidadania de seus alunos a par-tir da abordagem da QSC sobre a produção de uma vacina contra a aids.
Quadro 17 – opiniões dos estudantes da professora Cláudia sobre a abordagem da QSC em sala de aula e as relações CtSaComo lhes pareceu a metodolo-gia desenvolvida durante as aulas de Biologia para trabalhar a questão das vacinas contra a aids?
Como entendem a relação entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente?
“boa e desorganizada”; “Me pa-receu legal, porque dessa forma compreendemos melhor”; “Gostei de como a professora ensinou, apesar de ser desorganizado”; “Foi legal. aprendeu-se em cada grupo de trabalho”; “Legal, porque pude-mos fazer exposições sobre a aids”; “a professora explicava de uma forma divertida”; “aprendi mais sobre o tema e dialoguei como meus amigos”; “Muito legal; aprendemos bastante, porque é um tema interes-sante”; “Que quando temos uma relação [sexual], devemos tomar cuidado”; “Me colocou a pensar mais e a pesquisar”; “Ótimo, pois nos ensinou que devemos cuidar de nosso corpo e nos orientou so-bre um tema que nunca tínhamos estudado”.
“boa”; “São compatíveis com o trabalho de pesqui-sa”; “Fazem uma boa equipe”; “Funcionam bem ligadas”; “Muito juntas”; “Podem alcançar muitas coisas se estiverem ligadas”; “a ciência trata de muitas coisas, a tecnologia de robôs e o ambiente da paisagem”; “a ciência conscientiza a sociedade sobre que está ocorrendo no ambiente, como o aquecimen-to global, e a tecnologia pode nos ajudar a não causar prejuízos”; “tem relação, porque a ciência precisa da tecnologia, e a tecnologia precisa da ciência”; “não sei são muito parecidas” [a ciência e a tecnologia]; “Se relacionam, porque a ciência vem da tecnologia”; “a ciência implica muito estudo”; “a relação é muito útil para o ambiente”; “a tecnologia tem a ver com materiais”; “a ciência gera a necessidade da tecno-logia”; “Vejo a relação muito ruim, porque a maioria da tecnologia está destruindo o meio ambiente”; “o ambiente na sociedade é desconsiderado, porque as pessoas e o mundo quase não se preocupam por ele”; “boa. importante que façam descobertas para o ambiente”.
Fonte: Martínez (2010).
de acordo com dados levantados pela professora Cláudia, realiza-mos o Quadro 17, no qual observamos que a maioria de seus alunos valorizou positivamente o trabalho desenvolvido sobre a QSC abor-dada pela professora. os estudantes manifestaram de várias formas que o trabalho realizado lhes possibilitou aprender novas coisas de importância para suas vidas, e, apesar de alguns deles considerarem a
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metodologia utilizada um pouco desorganizada, consideram que foi interessante para eles. observamos também nesse quadro que os estu-dantes começaram a estabelecer relações entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente.
apesar das contribuições do trabalho realizado pela professora Cláudia a respeito da motivação e participação de seus alunos, ela percebe que a perspectiva CtSa lhe possibilita a motivação em sala de aula, para depois continuar ensinando os conteúdos estabelecidos no currículo tradicional (episódio 23). de forma semelhante, a pro-fessora Verônica estabelece nas conclusões de seu trabalho (Quadro 16) que a abordagem de QSC embasada na perspectiva CtSa ajuda a contextualizar socialmente os conteúdos de bioquímica que ela necessariamente deve ensinar.
Episódio 23 (EF Grupo 1) 1. PU: [...] Primeiro vamos conversar sobre o seguinte: o trabalho que temos desenvolvido durante a disciplina os tem ajudado a repensar sua prática de ensino? ou seja, os tem ajudado a considerar como trabalham ou não os tem ajudado? Por que não os têm ajudado?2. Verônica: tem me ajudado a entender o ensino [de Química] que se pode abordar além da parte Química.11. PU: bom! então podemos continuar com o seguinte questionamento, já que você [a professora Cláudia] o mencionou. então, para que continue falando: você mencionou algumas tensões enfrentadas durante o desen-volvimento de seu trabalho, uma delas, por exemplo, consistia na grande quantidade de expectativas e interesses que devia considerar. além disso, que tensões ou dificuldades você enfrentou em seu trabalho? 12. Cláudia: a avaliação, pois me revisam [a professora está referindo-se à coordenadora acadêmica, que revisa o trabalho que ela desenvolve em sala de aula] o objetivo e os conteúdos, então eles [os estudantes] já sabem o que vamos trabalhar. igual, devo continuar trabalhando o estabelecido no currículo. então há aulas em que eles [estudantes] estão motivados e aulas que não estão motivados. tenho um grupo no qual trabalho com a QSC e outro grupo que trabalho tradicionalmente. Com o grupo que trabalho de forma diferente [está se referindo à abordagem da QSC embasada na perspectiva CtSa], consigo avançar mais.
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15. Verônica: [...] eu não posso desviar meu trabalho dos temas propostos. a Química do amor pode servir bastante para trabalhar os temas dos hormônios. não aprofundo nessas coisas, mas as considero.
Parece que as professoras Cláudia e Verônica incorporam a pers-pectiva CtSa à abordagem das QSC com o intuito de motivar a participação de seus alunos em suas aulas de Ciências, sem propor uma alteração do currículo estabelecido. esse tipo de incorporação da perspectiva CtS(a) ao ensino de Ciências pode ser interpretado conforme as categorias propostas por aikenhead (2005a) e expostas no Quadro 18. Conforme os níveis propostos pelo autor citado, as professoras Cláudia e Verônica incorporaram a perspectiva CtSa para motivar os estudantes por meio de inclusão casual dessa perspectiva (nível 1-3, Quadro 18), o que permite entrever que as professoras não transcendem o ensino tradicional, mas avançam em contextualizar socialmente os conteúdos disciplinares de Ciências.
Quadro 18 – Categorias de CtS na ciência escolar1. Motivação por meio de conteúdo CtS2. inclusão casual do conteúdo CtS3. inclusão intencional do conteúdo CtS4. disciplina particular por meio de conteúdo CtS5. Ciência por meio de conteúdo CtS6. Ciência ligada ao conteúdo CtS7. inclusão da ciência ao conteúdo CtS8. Conteúdo CtS
Fonte: aikenhead (2005a, p.120, tradução nossa).
a perspectiva CtSa utilizada para favorecer a motivação dos estu-dantes ou destacar a importância do estudo de Ciências tem o risco de permanecer em um nível instrumental, pois as questões relacionadas com os impactos socioambientais da ciência são pouco exploradas e, dependendo do caso, são praticamente desconhecidas.
aikenhead (1994) salientou que um representativo número de pro-postas curriculares embasadas na perspectiva CtS se enquadrara nas primeiras três categorias do Quadro 18. Precisamente na introdução deste livro, salientamos a forma como propostas CtS de grande alcance
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internacional, tais como Satis, foram se tornando uma “indústria” de produção de materiais que, colocados no “mercado educativo”, pode-riam ser facilmente instrumentalizados por professores despreparados.
apesar de as professoras Cláudia e Verônica não alcançarem níveis altos da incorporação da perspectiva CtSa em seu ensino (nível 5-8), valorizamos os avanços registrados, pois constituem o começo de um processo reflexivo sobre a prática docente, o que antes não existia, pois as professoras estavam limitadas ao ensino tradicional.
a partir da análise do trabalho apresentado pela professora an-drea mostraremos que é possível incorporar a perspectiva CtSa partindo da QSC de seu interesse, e não dos conteúdos disciplinares estabelecidos no currículo, o que é indício de que ela alcançou o nível 5 estabelecido no Quadro 18.
o objetivo proposto pela professora andrea em seu trabalho consistia em favorecer atitudes e ações diferentes de seus alunos sobre o problema do desperdício de alimentos na cantina da escola. Para abordar esse objetivo, a professora primeiro realizou um diagnóstico das possíveis causas do desperdício de alimentos de acordo com as opi-niões dos estudantes. a partir desse diagnóstico, a professora planejou atividades de ensino sobre a boa alimentação utilizando a estratégia de realização de mapas de consequências para que os estudantes refletissem e considerassem as implicações sociais do desperdício de alimentos. Finalmente, a professora mostra em seu trabalho indícios da mudança atitudinal por parte de seus alunos.
a forma como a professora foi trabalhando a perspectiva CtSa merece destaque, pois ela desconhecia as possibilidades de trabalho oferecidas por essa perspectiva a respeito da formação para a cidadania de seus alunos, o que foi valorizado durante o desenvolvimento de seu projeto sobre a abordagem da QSC de seu interesse.
o trabalho da professora andrea representa um indício das pos-sibilidades oferecidas pela perspectiva CtSa para a prática docente dos professores em serviço, uma vez que contribui para que se repense o ensino de Ciências tradicional, focado na assimilação de conteúdos disciplinares, para focar na formação cidadã dos estudantes. nesse sentido, na medida em que invistamos maiores esforços em traba-
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lhar problemas sociais da realidade escolar ou da realidade local das escolas, poderemos avançar de forma concreta do discurso retórico da perspectiva CtSa para o discurso ativo da perspectiva CtSa. em outras palavras, segundo Hodson (2003), poderemos avançar da retórica à ação responsável.
o ensino de Ciências com enfoque CtSa voltado à ação res-ponsável e crítica implica partir da realidade cultural dos estudantes para, dessa forma, desenvolver processos formativos que encorajem os estudantes em seus próprios posicionamentos.