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ces.uc.pt Doutoramento em Democracia no Século XXI Participação como método de governo? Potencialidades e limites na institucionalização de experiências transcalares de participação social no estado do Rio Grande do Sul, Brasil e na região Toscana, Itália Ipea e CNPq – Brasil | em curso Igor Ferraz da Fonseca Orientadores: Giovanni Allegretti e Leonardo Avritzer Objetivo geral Esta investigação analisa o salto de escala (scaling-up) e a institucionalização da par- ticipação social: nova fronteira nos estudos académicos e na prática política, com im- plicações claras para as teorias da democracia. Para tanto, a investigação tem como objeto de estudo a Consulta Popular, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil e a Polí- tica Toscana de Participação Social, na Itália. Metodologia Esta investigação utiliza ferramentas qualitativas baseadas em estudos de caso cru- ciais, com grande representatividade teórica e empírica em relação à amostra. Os dados coletados (bibliográficos, documentais e entrevistas semiestruturadas) foram analisados a partir da técnica de rastreamento de processos – process tracing. Contribuição conceitual As teorias da democracia representativa (Dahl and Tufte, 1973; Schumpeter, 1961) apontam que a escala é importante limite democrático. Quanto maior a escala, mais indireto seria o processo político, com ênfase nos instrumentos de representação. Nas últimas décadas do século XX, autores que defendiam uma versão participativa (Pateman, 1970) ou deliberativa de democracia (Cohen, 1989; Habermas, 1997, 2002) questionaram o esvaziamento democrático proposto pela democracia representa- tiva, a partir da promoção de experiências locais, como o orçamento participativo (Sintomer et al., 2010) e os minipúblicos (Fishkin, 2009; Grönlund et al., 2014). No entanto, as teorias deliberativas e participativas não conseguiram propor uma solução para o problema da escala. Em anos recentes, surgiram experiências de de- mocracia participativa e deliberativa em escala supralocal que buscam superar tal limite. Tais experiências estão na contramão de pressu- postos clássicos habermasianos, tais como a necessida- de de alcançar uma deliberação ideal, a partir do debate face-a-face entre os cidadãos. A experiências supralocais estão em linha com desenvolvimentos teóricos recen- tes, como a teoria dos sistemas deliberativos (Mansbri- dge et al., 2012) e a teoria latino-americana dos públicos participativos (Avritzer, 2002). Tais teorias questionam a divisão entre democracia representativa, participativa, e deliberativa, propondo uma abordagem híbrida, mais adequada para analisar inovações democráticas em lar- ga escala. Tal abordagem é fruto da combinação de de- senvolvimentos teóricos e empíricos oriundos do norte e do sul global, questionando fronteiras teóricas artificiais que hoje predominam na literatura. Conclusões preliminares A investigação, ainda em curso, permite a elaboração de algumas conclusões preliminares, a saber: • Instrumentos de participação e deliberação são viáveis em escala supralocal e contribuem para democratizar a democracia. Não existe incompatibilidade entre os me- canismos de deliberação e os contextos de maior escala, que vão além dos minipúblicos e das decisões em torno de especificidades locais. • A consolidação por meio de leis (institucionalização) aumenta a resiliência às mudanças de governo e promo- ve maior influência em decisões e políticas centrais de governo. A institucionalização permite minorar um dos principais problemas sobre o qual a literatura recente tem apontado: o gargalo da efetividade das instituições par- ticipativas. Consulta Popular – Ciclo orçamentário anual Referências Avritzer, L., 2002. Democracy and the public space in Latin America. Princeton University Press, Princeton. Cohen, J., 1989. Deliberation and democratic legitimacy, in: Hamlin, A., Pettit, P. (eds.), The Good Polity: Narrative Analysis of the State. Basil Blackwell, New York, pp. 17–34. Dahl, R.A., Tufte, E.R., 1973. Size and Democracy. Stanford University Press, Stanford. Fishkin, J.S., 2009. When the people speak: deliberative de- mocracy and public consultation. Oxford University Press, Oxford. Grönlund, K., Bächtiger, A., Setälä, M. (Eds.), 2014. Delibe- rative mini-publics: involving citizens in the democratic process. ECPR Press, Colchester. Habermas, J., 2002. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Edições Loyola, São Paulo. Habermas, J., 1997. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tempo brasileiro, Rio de Janeiro. Mansbridge, J., Bohman, J., Simone Chambers, Christia- no, T., Fung, A., Parkinson, J., Thompson, D.F., Warren, M., 2012. A systemic approach to deliberative democracy, in: Parkinson, J., Mansbridge, J. (Eds.), Deliberative Systems: Deliberative Democracy at the Large Scale. CUP, Cambrid- ge. Pateman, C., 2012. Participatory Democracy Revisited. Pers- pect. Polit. 10, 7–19. Pateman, C., 1970. Participation and democratic theory. Cambridge University Press, Cambridge. Schumpeter, J.A., 1961. Capitalismo, socialismo e democra- cia. Fundo de Cultura, Rio de Janeiro. Sintomer, Y., Herzberg, C., Allegretti, G., Röcke, A., 2010. Le- arning from the South: Participatory Budgeting Worldwi- de—an Invitation to Global Cooperation. Dialog Glob. 25, 85 Votação da Consulta Popular no município de Novo Hamburgo/RS - 2015 Fonte - Secretaria de Planejamento/RS Consulta Popular – Histórico de votação Ano Total de eleitores 1998 379.205 1999 188.528 2000 281.926 2001 378.340 2002 333.040 2003 462.292 2004 581.115 2005 674.075 2006 726.980 2007 369.417 2008 478.310 2009 950.077 2010 1.271.067 2011 1.134.141 2012 1.028.697 2013 1.125.159 2014 1.315.393 2015 565.558 2016 405.541 CONSULTA POPULAR - CICLO ORÇAMENTÁRIO ANUAL PLANEJAMENTO DO PROCESSO / REUNIÕES PREPARATÓRIAS NAS REGIÕES Janeiro PLANEJAMENTO DO PROCESSO / REUNIÕES PREPARATÓRIAS NAS REGIÕES Fevereiro AUDIÊNCIAS REGIONAIS Março ASSEMBLEIAS MUNICIPAIS Abril FÓRUNS REGIONAIS Maio VOTAÇÃO DE PRIORIDADES Junho FÓRUM ESTADUAL Julho FÓRUM ESTADUAL Agosto ENTREGA DA PEÇA ORÇAMENTÁRIA Setembro ACOMPANHAMENTO DA TRAMITAÇÃO NA ASSEMBLEIA Outubro APROVAÇÃO DO ORÇAMENTO PELA ASSEMBLEIA Novembro SANÇÃO E PUBLICAÇÃO DO ORÇAMENTO AVALIAÇÃO DO CICLO Dezembro

Participação como método de governo? Potencialidades e ... · dge et al., 2012) e a teoria latino-americana dos públicos participativos (Avritzer, 2002). Tais teorias questionam

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Doutoramento emDemocracia no Século XXI

Participação como método de governo? Potencialidades e limites na institucionalização de experiências transcalares de participação social no estado do Rio Grande do Sul, Brasil e na região Toscana, ItáliaIpea e CNPq – Brasil | em curso

Igor Ferraz da FonsecaOrientadores: Giovanni Allegretti e Leonardo Avritzer

Objetivo geralEsta investigação analisa o salto de escala (scaling-up) e a institucionalização da par-ticipação social: nova fronteira nos estudos académicos e na prática política, com im-plicações claras para as teorias da democracia. Para tanto, a investigação tem como objeto de estudo a Consulta Popular, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil e a Polí-tica Toscana de Participação Social, na Itália.

MetodologiaEsta investigação utiliza ferramentas qualitativas baseadas em estudos de caso cru-ciais, com grande representatividade teórica e empírica em relação à amostra. Os dados coletados (bibliográficos, documentais e entrevistas semiestruturadas) foram analisados a partir da técnica de rastreamento de processos – process tracing.

Contribuição conceitualAs teorias da democracia representativa (Dahl and Tufte, 1973; Schumpeter, 1961) apontam que a escala é importante limite democrático. Quanto maior a escala, mais indireto seria o processo político, com ênfase nos instrumentos de representação. Nas últimas décadas do século XX, autores que defendiam uma versão participativa (Pateman, 1970) ou deliberativa de democracia (Cohen, 1989; Habermas, 1997, 2002) questionaram o esvaziamento democrático proposto pela democracia representa-tiva, a partir da promoção de experiências locais, como o orçamento participativo (Sintomer et al., 2010) e os minipúblicos (Fishkin, 2009; Grönlund et al., 2014).

No entanto, as teorias deliberativas e participativas não conseguiram propor uma solução para o problema da escala. Em anos recentes, surgiram experiências de de-mocracia participativa e deliberativa em escala supralocal que buscam superar tal

limite. Tais experiências estão na contramão de pressu-postos clássicos habermasianos, tais como a necessida-de de alcançar uma deliberação ideal, a partir do debate face-a-face entre os cidadãos. A experiências supralocais estão em linha com desenvolvimentos teóricos recen-tes, como a teoria dos sistemas deliberativos (Mansbri-dge et al., 2012) e a teoria latino-americana dos públicos participativos (Avritzer, 2002). Tais teorias questionam a divisão entre democracia representativa, participativa, e deliberativa, propondo uma abordagem híbrida, mais adequada para analisar inovações democráticas em lar-ga escala. Tal abordagem é fruto da combinação de de-senvolvimentos teóricos e empíricos oriundos do norte e do sul global, questionando fronteiras teóricas artificiais que hoje predominam na literatura.

Conclusões preliminaresA investigação, ainda em curso, permite a elaboração de algumas conclusões preliminares, a saber:

• Instrumentos de participação e deliberação são viáveis em escala supralocal e contribuem para democratizar a democracia. Não existe incompatibilidade entre os me-canismos de deliberação e os contextos de maior escala, que vão além dos minipúblicos e das decisões em torno de especificidades locais.

• A consolidação por meio de leis (institucionalização) aumenta a resiliência às mudanças de governo e promo-ve maior influência em decisões e políticas centrais de governo.

• A institucionalização permite minorar um dos principais problemas sobre o qual a literatura recente tem apontado: o gargalo da efetividade das instituições par-ticipativas.

Consulta Popular – Ciclo orçamentário anual

ReferênciasAvritzer, L., 2002. Democracy and the public space in Latin America. Princeton University Press, Princeton.Cohen, J., 1989. Deliberation and democratic legitimacy, in: Hamlin, A., Pettit, P. (eds.), The Good Polity: Narrative Analysis of the State. Basil Blackwell, New York, pp. 17–34.Dahl, R.A., Tufte, E.R., 1973. Size and Democracy. Stanford University Press, Stanford.Fishkin, J.S., 2009. When the people speak: deliberative de-mocracy and public consultation. Oxford University Press, Oxford.Grönlund, K., Bächtiger, A., Setälä, M. (Eds.), 2014. Delibe-rative mini-publics: involving citizens in the democratic process. ECPR Press, Colchester.Habermas, J., 2002. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Edições Loyola, São Paulo.Habermas, J., 1997. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tempo brasileiro, Rio de Janeiro.Mansbridge, J., Bohman, J., Simone Chambers, Christia-no, T., Fung, A., Parkinson, J., Thompson, D.F., Warren, M., 2012. A systemic approach to deliberative democracy, in: Parkinson, J., Mansbridge, J. (Eds.), Deliberative Systems: Deliberative Democracy at the Large Scale. CUP, Cambrid-ge.Pateman, C., 2012. Participatory Democracy Revisited. Pers-pect. Polit. 10, 7–19.Pateman, C., 1970. Participation and democratic theory. Cambridge University Press, Cambridge.Schumpeter, J.A., 1961. Capitalismo, socialismo e democra-cia. Fundo de Cultura, Rio de Janeiro.Sintomer, Y., Herzberg, C., Allegretti, G., Röcke, A., 2010. Le-arning from the South: Participatory Budgeting Worldwi-de—an Invitation to Global Cooperation. Dialog Glob. 25, 85

Votação da Consulta Popular no município de Novo Hamburgo/RS - 2015 Fonte - Secretaria de Planejamento/RS

Consulta Popular – Histórico de votação

Ano Total de eleitores

1998 379.205

1999 188.528

2000 281.926

2001 378.340

2002 333.040

2003 462.292

2004 581.115

2005 674.075

2006 726.980

2007 369.417

2008 478.310

2009 950.077

2010 1.271.067

2011 1.134.141

2012 1.028.697

2013 1.125.159

2014 1.315.393

2015 565.558

2016 405.541

CONSULTA POPULAR -CICLO ORÇAMENTÁRIO

ANUAL

PLANEJAMENTO DO PROCESSO / REUNIÕES PREPARATÓRIAS NAS

REGIÕES

Janeiro

PLANEJAMENTO DO PROCESSO / REUNIÕES PREPARATÓRIAS

NAS REGIÕES

Fevereiro

AUDIÊNCIAS REGIONAIS

Março

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Abril

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Julho

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Setembro

ACOMPANHAMENTO DA TRAMITAÇÃO NA

ASSEMBLEIA

Outubro

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ASSEMBLEIA

Novembro

SANÇÃO E PUBLICAÇÃO DO ORÇAMENTO

AVALIAÇÃO DO CICLO

Dezembro