Páscoa - Da tradição judaica à vivência cristã

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  • 8/14/2019 Pscoa - Da tradio judaica vivncia crist

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    Pscoa: Da tradio judaica vivncia crist

    A festa Pscoa, tal como ns a concebemos, deve ser vista como um todo, de modointegrado (Pscoa judaica e Pscoa crist), o que nos ajuda a compreender e perceber asimbologia da nossa Pscoa e da nossa liturgia, j que das tradies judaicas que ns

    recebemos o quadro de referncia que d sentido linguagem e aos diversos smbolosque usamos nas nossas celebraes. Por exemplo: Ceia pascal, Cordeiro pascal, a Noite

    pascal, etc.

    Alm das referncias directas s festas, temos tambm muitos motivos que so tomadasda simbologia das festas e da sua fundamentao teolgica, recorrendo aos textos doAntigo Testamento. No caso da Pscoa, os textos mais significativos so: Ex 12; Lv23,5-8; Nm 28,16-25; Dt 16,1-8.

    Todas as festas tm na sua base e origem um sentido agrcola (ou agrrio, se quisermos)e nomdico. Correspondem s grandes etapas (ou fases) da vida agrcola, da vida doscampos e dos nmadas. A Pscoa: sada dos rebanhos, aps as chuvas de Inverno, noincio da Primavera, correspondendo tambm poca do germinar da vida e doscampos.

    Portanto, temos aqui duas perspectivas fundamentais: Celebrar a vida nova que renascee agradecer os dons recebidos, testemunhando assim que tudo isso um dom que oPovo de Israel, agradecido, vive e celebra.

    A Pscoa Judaica: O que ?

    A festa da Pscoa (Pesah) de todas a mais significativa do calendrio judaico e aprimeira das chamadas festas de peregrinao (Ah harregalm: Pscoa, Pentecostes eTabernculos). Estas festas celebravam os principais acontecimentos da histria dasalvao e, por isso, todo o israelita devia subir a Jerusalm por ocasio de uma dessastrs festas, para a festejar os dons de Deus e a Sua aliana. A celebrao da Pscoa, nanoite de 14 de Nisn, estava inserida e dava incio a uma outra festa, a dos zimos quedurava sete dias e se conclua com uma convocao solene no 7 dia da festa (Dt 16,8)que assim encerrava o ciclo da solenidade pascal.

    Os textos que chegaram at ns mostram-nos duas tradies muito fortes que semisturam e entrecruzam na sua redaco; falam-nos de origens nomdicas (tradies

    pastoris) e da experincia da sada do Egipto (tradies do xodo). Estas fontes podemter existido separadas e durante muito tempo, tendo depois sido cruzadas e elaboradascomo uma narrativa conjunta. Quando e como?

    O texto de Josu (5,10-11) leva-nos a supor que este cruzamento das diversas tradies tardio, talvez j ligado s escolas sacerdotais e teolgicas que agora colocam emevidncia a experincia do xodo, j que com a sedentarizao na terra e a centralidadecultural no Templo no fazia sentido privilegiar o sentido nomdico, mas antes realar aaco libertadora de Yahw que arrancou o Seu povo do Egipto.

    Com a experincia do exlio da Babilnia e o regresso a Jerusalm, constituindo-se acomunidade eleita dos judeus santos e sacerdotes, as tradies da libertao do Egipto

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    assumem ainda maior fora e representam o verdadeiro padro do Israel eleito que foiresgatado e que de novo retoma a sua caminhada.

    2. A celebrao da Pscoa judaica

    A festa da Pscoa (Pesah), de todas a mais significativa do calendrio judaico, eraessencialmente um memorial (Ex 12,14) da libertao do Egipto. Em Jos 5,10-11, apsa passagem do Jordo, os israelitas celebraram a 1 Pscoa j na terra prometida,comendo dos frutos da terra: pes zimos e espigas tostadas. Trata-se, naturalmente,de uma espcie de ritual de exorcizao do local, para a manifestar a supremaciasobre os costumes dos cananeus. Os textos da tradio do xodo j combinavam asdiferentes tradies das tribos. Assim, Ex 23,15-19, que tinha a sua origem no Norteconhecia a tradio dos zimos mas desconhecia a Pscoa, enquanto que em Ex 34encontramos j uma conjugao dos dois ritos, conjugao esta que depois estconsagrada em Lv 23,5-8 e Dt 16,1-8. Por sua vez, o livro das Crnicas faz-se eco deduas celebraes da Pscoa: uma ao tempo de Ezequias (2 Cr 30,1) e a outra na pocade Josias (2 Cr 35,1). O seu ritual evoca a sada do Egipto com a imolao do cordeirono Templo e a asperso do altar com o seu sangue.

    A literatura apcrifa d igualmente grande relevo celebrao da festa de Pscoa. Olivro dos Jubileus faz remontar a celebrao da Pscoa a Abrao e estabelece umarelao intrnseca entre o sacrifcio de Isaac e a festa (18,13-19). Esta mesma relaoencontra-se tambm no Targum Lv 26,46, em que o sacrifcio de Isaac consideradocomo o verdadeiro fundamento da Aliana.

    Enquanto o judasmo palestiniano destacava esta relao entre o sacrifcio de Isaac e a

    Pscoa, o judasmo alexandrino sublinhava mais o sentido alegrico da festa, comosmbolo da primeira criao e anncio da nova criao. particularmente Filo deAlexandria que desenvolve este sentido alegrico da sada do Egipto, fazendo destafesta um memorial e uma aco de graas da libertao. Idntica perspectivaencontra-se no livro da Sabedoria com um sentido de reactualizao do tema do xodo

    para a comunidade judaica de Alexandria.

    O centro da celebrao litrgica da festa da Pscoa decorria no Templo e nas famlias,com o Seder pascal: a refeio da famlia. a partir da reunio familiar que sedesenvolve a Haggadah pascal que , ao mesmo tempo, um ordo da refeio e ummemorial do acontecimento celebrado que no se confina apenas libertao do Egipto,

    mas tambm abarca os principais momentos da histria da salvao.

    No que diz respeito liturgia sinagogal, um dos textos mais belos e sugestivos sobreesta festa aquele que nos provm do Targum Nefiti. Trata-se de um comentrio detipo midrshico que encontra o seu desenvolvimento a partir do facto do autor de Ex 12referir 4 vezes o termo noite. Vejamos:

    Quatro so as noites que esto inscritas no livro das memrias. A primeira noite Deusmanifestou-se sobre o mundo para o criar. O mundo era confuso e trevas. As trevascobriam o abismo. A Palavra de Yhaw era a luz e brilhava. Chamou-se a primeiranoite.

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    A segunda noite, quando Yhaw apareceu a Abrao com a idade de 100 anos e a Sarah,sua esposa, com a idade de 90 anos, para realizar a Escritura que diz: Ser queAbrao, com 100 anos de idade, vai gerar e Sarah, sua esposa, com 90 anos, vai dar luz? Isaac tinha 37 anos quando foi oferecido em sacrifcio sobre o altar Chamou-sea segunda noite.

    A terceira noite Yhaw apareceu aos egpcios no meio da noite: a sua mo matou osprimognitos dos egpcios e a sua direita protegeu os primognitos de Israel para que se cumprisse a Escritura que diz: Meu filho primognito, Israel Chamou-se aterceira noite.

    A quarta noite o mundo chegar ao seu fim para ser destrudo; os jugos de ferro serodestrudos e as geraes perversas sero aniquiladas. Moiss subir do meio dodeserto e o Rei Messias vir do alto. Um caminhar frente do rebanho e o outrocaminhar frente do rebanho e a sua Palavra caminhar entre os dois. Eu e elescaminharemos lado a lado. a noite da Pscoa para a libertao de todo Israel (1)

    Quanto aos textos rabnicos, a Pscoa aparece bem documentada nessas fontes,particularmente no tratado Pesahim da Mishn. Os captulos 5 e 10 oferecem-nos umadetalhada descrio dos ritos fundamentais da festa segundo a tradio rabnica, masrecolhendo tradies que, provavelmente, so j do perodo posterior destruio doTemplo, uma vez que no h aluses celebrao festiva no Templo e os rabinoscitados so, em geral, tambm do perodo posterior a 70. Os rituais festivos que estetratado nos apresenta tm uma forte componente alusiva celebrao familiar eassemelham-se em muito s tradies que se perpetuam na Haggadah pascal que umtexto que condensa em si esse sentido da festa celebrada e vivida na famlia comomemorial da histria da salvao.

    Em termos teolgicos, podemos sintetizar a teologia da Pscoa em 3 grandesperspectivas:

    a) Sentido messinico-escatolgico da celebrao pascal

    A festa actualiza a sada do Egipto na vida da comunidade e, ao mesmo tempo, antecipaa libertao definitiva. A simbologia dos ritos festivos tm uma dimenso escatolgica,

    prefigurada no vinho do banquete messinico, tal como o deixa entender o Targum doCntico dos Cnticos. De acordo com Gn 49,11, o vinho tem um sentido profundamente

    messinico, pois o Messias lavar as suas vestes no sangue da videira (2). Estadimenso messinica tambm confirmada por Pesh 9,11 que refere que os habitantesde Jerusalm convidavam os pobres para a refeio pascal, j que Elias se manifestariasob a forma de um pobre, antes do advento do Messias que deve acontecer na noite

    pascal.

    A Pscoa tambm a festa do anncio da libertao que Yhaw concede ao seu povo,fazendo-o passar da casa da escravido que era o Egipto para a libertao que a TerraPrometida. No se trata de um anncio celebrativo, memria do passado; ele antes umgrito de esperana que percorre toda a histria do povo e aberto ao futuro. De facto, a

    perspectiva escatolgica da liturgia pascal est bem presente num texto atribudo a

    Rabban Gamaliel (3), em que cada um dos crentes judeus convidado a celebrar a festacomo se ele prprio tivesse estado presente na altura da sua instituio. Diz o texto:

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    Cada um de ns tem o dever de se considerar como se ele prprio tivesse sado doEgipto, j que est escrito: Explicars ao teu filho naquele dia, dizendo: pelo que oSenhor fez em meu favor quando sai da terra do Egipto. Por isso, estamos obrigados adar-lhe graas, louv-lo, cantar, magnificar, exaltar, glorificar, bendizer aquele que fez,em favor dos nossos antepassados e por ns, todos estes prodgios. Ele conduziu-nos da

    escravido liberdade, da tristeza alegria, do luto festa, das trevas luz, daescravido redeno. Cantemos em Seu louvor, Aleluia.

    Esta dimenso escatolgica da festa aquela que melhor se coaduna e que maisfacilmente foi assumida pela liturgia crist. De acordo com os Evangelhos Sinpticos, o

    prprio Jesus tinha conscincia da dimenso escatolgica da Sua ceia pascal, quandoaps a bno da taa do vinho acrescenta: Eu vos asseguro que j no beberei do frutoda videira at ao dia em que o beba de novo no reino de Deus (Mc 14,25) (4). Jesusno s conferiu refeio pascal com os discpulos este sentido escatolgico, mastambm a prpria comunidade crist primitiva encontrou aqui a chave de leitura davida do Mestre. O seu sangue, tal como o do cordeiro pascal, selou uma nova aliana,

    a aliana escatolgica que fora proclamada pelos profetas e que agora se concretiza nomistrio da sua Pscoa.

    b) A Pscoa como nova criao

    O judasmo alexandrino cultivou muito o mtodo alegrico e simblico na sequncia datradio platnica. Muitos dos acontecimentos da histria do povo de Israel foraminterpretados e comentados como alegorias de realidades futuras ou, ento, como

    prottipos dos verdadeiros mistrios da salvao (5). Tambm com a festa da Pscoasucede o mesmo. Assim, sendo o ms de Nisn o primeiro dos meses (Ex 12,2) [6],Filo de Alexandria interpreta isso como sendo um memorial da origem do mundo (7)e a Pscoa, enquanto festa da primavera, era o memorial da nova criao que Deusrealiza, libertando o Seu povo da escravido para a liberdade (8). A leitura do Cnticodos Cnticos (Shir haShirim) que era feita na liturgia pascal confere a esta celebraoum sentido de npcias festivas entre Deus e o Seu povo e dessas npcias nasce um

    povo novo, o povo da aliana. A prpria tradio rabnica tambm interpreta o xodocomo uma espcie de criao precedendo o nascimento de Israel (9), j que para certosrabinos a origem do mundo teria tido lugar no ms de Nisn. A prpria simbologia dos

    pes zimos (os matzot) confere o significado de algo novo, original celebrao,determinando assim o comeo de uma realidade que se inicia sem qualquer mcula, ouseja, em santidade. O mesmo se pode dizer do ovo que se coloca na ceia pascal,

    simbolizando a origem da vida, mas tambm a vida nova da ressurreio. Podemosdizer que a liturgia pascal , por ela mesma, um apelo esperana, no s a Israel, mastambm a toda a humanidade, que se renova num novo dinamismo de libertao. estaa mensagem que o texto de Pesh 10,5 nos deixa quando diz que a Pscoa a passagemdas trevas luz, passagem que o Targum confirma pondo a noite pascal em ligaocom a noite da criao.

    c) A Pscoa e a Aqedah de Isaac

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    A liturgia judaica, tal como se pode constatar pelo texto do Targum Nefiti a Ex 12,42,estabelecia uma estreita relao entre a festa da Pscoa e o sacrifcio de Isaac. Estarelao foi tambm assumida pela liturgia crist que na noite de Pscoa retoma a leiturade Gn 22 como um dos momentos mais significativos da histria da salvao e pr-figurao do sacrifcio de Cristo, o novo Isaac.

    De facto, a teologia judaica sempre interpretou a entrega de Isaac no pas de Moricomo o nascimento do povo de Israel na pessoa do filho de Abrao. em ateno aosmritos de Isaac que Israel subsiste aos olhos de Deus. Para o Livro dos Jubileus (18,3),o sacrifcio de Isaac teve lugar a 15 de Nisn. A inteno do autor dos Jubileus a demostrar que as festas judaicas, especialmente a mais importante de todas a Pscoa tinham j uma origem patriarcal atravs da concretizao do apelo que Yhaw lhefizera. Os sete dias da festa de Pscoa eram a memria dos sete dias da viagem deAbrao at ao pas de Mori. O mesmo se pode deduzir desta haggadah a Ex 12,2 quediz:

    Este ms ser para vs o primeiro dos meses (Ex 12,2). O Santo, bendito seja Ele,designou para os israelitas um ms de redeno no qual eles foram redimidos do

    Egipto e no qual eles sero redimidos Nesse ms nasceu Isaac, e nesse ms ele foiligado (10).

    No entanto, a relao simblica entre os dois acontecimentos no se restringe apenas data; muito mais profunda. Assim, o cordeiro pascal recorda o cordeiro sacrificado porAbrao em substituio do prprio filho, embora, como diz o Targum, Isaac overdadeiro cordeiro para o sacrifcio. Ele mesmo, quando est a ser atado ao altar,suplica ao pai para que o ate bem, j que no quer remexer-se nem manifestar qualquerrecusa da sua entrega, a fim de que o seu sacrifcio no seja invlido e desta forma Israel

    possa ser redimido pelos seus mritos. Isaac assim a perfeita imagem do cordeiropascal que se oferece para merecer a salvao para Israel. Por sua vez, o Targum de Lv22,27 reconhece que os cordeiros oferecidos no Templo o eram para fazer memria dosacrifcio de Isaac. Desta forma, Isaac o prottipo do crente israelita que se entrega aDeus para expiar o pecado do mundo, tal como outrora ele se oferecera no altar. Foi emateno ao sacrifcio de Isaac que Yhaw preservou, na noite pascal da libertaoatravs do sangue do cordeiro, os primognitos dos israelitas.

    Esta teologia fundada na Aqedah de Isaac foi tambm desenvolvida pelos autorescristos que a aplicaram ao sacrifcio de Cristo, tal como nos mostra Melito de Sardes

    no seu Peri Pascha. O facto do judasmo ps-rabnico e moderno ter transferido omemorial da Aqedah de Isaac para a festa de Rosh haShanah (festa do ano novo, no msde Tishri) pode ser uma consequncia da apropriao feita pelo cristianismo do tema dosacrifcio de Isaac e da sua releitura como chave interpretativa do sacrifcio de Cristo,novo Isaac.

    Da Pscoa Judaica Pscoa Crist

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    No calendrio das festas crists, a Pscoa a maior de todas. Embora no ocorra numdia fixo, como acontece com o Natal, a Pscoa celebra-se num Domingo do incio daPrimavera, como acontece tambm na tradio judaica. Alis, na tradio judaica queos cristos enraizaram esta celebrao porque os textos do Novo Testamento, tanto dosEvangelhos como de S. Paulo, remetem os acontecimentos da morte e da ressurreio

    de Jesus para o contexto da Pscoa judaica.

    As origens da celebrao da Pscoa judaica no so de todo claras. A opinio maisseguida afirma que, nos incios, antes da prpria chegada dos israelitas terra de Cana,existiria uma dupla festa: a da pscoa e a dos pes zimos, ambas celebradas na

    primavera. A primeira, prpria das populaes nmadas, seria celebrada por pastores econsistia na oferta de um cordeiro divindade, de um ano de idade, para que, por meiodesta oferta, os favores divinos se fizessem sentir dando novamente o nmero decordeiros necessrios para compor os rebanhos e assegurar a subsistncia das famlias.A segunda, celebrada pelas populaes sedentrias, consistia na eliminao de todo ofermento (da farinha velha) comendo durante sete dias po zimo (sem fermento) para

    augurar assim novas e grandes colheitas.

    Quando os israelitas chegaram a Cana tiveram conhecimento destas festas, assumiram-nas e deram-lhe um novo significado, fruto da sua experincia histrica. Para eles, omaior acontecimento foi o que sucedeu tambm numa primavera: a libertao do Egipto

    por aco de Deus e que culminou com a chegada e instalao na terra que havia sido prometida aos antepassados. Nessa altura, ter-se-iam unido estas festas, e Israelprojectou nelas a sua prpria experincia: o cordeiro passa a representar a salvaooperada por Deus que livrou os israelitas do extermnio pois o seu sangue assinalou ascasas que haveriam de ser poupadas e a refeio com a carne do cordeiro o memorialdesse acontecimento libertador; os pes zimos recordam que Israel teve de fugir

    pressa, a tal ponto que o po no teve tempo de fermentar.

    Assim como as origens agrcolas da festa celebravam a passagem do velho, portador damorte, para o comeo do novo, portador da vida, assim tambm Israel interpreta estessmbolos em termos histricos: como a natureza passa da morte para a vida, assim o

    povo passou da escravido para a liberdade; no porm, de forma automtica, mascomprometendo-se a seguir um caminho de solidariedade e de responsabilidade, criadorde uma nova identidade ao servio do Senhor.

    Supe-se que, no princpio, esta festa fosse uma festa celebrada em famlia (ver Ex

    12,3-4.21-23). Mas no memorial do xodo e da libertao cada um torna-se solidriocom todas as geraes de oprimidos: de gerao em gerao, cada homem devereconhecer-se a si mesmo, como se tivesse sado do Egipto. Este sentimento desolidariedade e as transformaes histricas levaram a que no sculo VII a.C. estarecordao e actualizao se convertesse numa festa nacional e se passasse a celebrar notemplo de Jerusalm. Ao tempo de Jesus, era no templo que se imolavam os cordeiros.Como que desta Pscoa judaica surge a Pscoa crist? A razo da mudana est emJesus. Como bom judeu, ele celebrou certamente a Pscoa segundo o ritual judaico doseu tempo. Mas houve uma ocasio singular em que, no decorrer da celebrao de umaPscoa, Jesus reuniu os seus discpulos em Jerusalm, antes de ser morto e, durante arefeio pascal, pegou no po e no vinho e deu-lhes um novo significado. Os discpulos

    entenderam que aquelas palavras e o sentido daquela ceia eram totalmente novos,sobretudo depois que Jesus foi morto e ressuscitou. Para eles j no fazia sentido outro

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    cordeiro depois que Jesus foi imolado na cruz: foi Ele que, com o seu sangue, nossalvou. E o modo de tornar presente este acontecimento salvador a refeio, maneirada que Ele celebrou antes, e onde o po e o vinho, pelas suas prprias palavras,significavam a entrega da sua pessoa para a salvao de todos. isto que a Igrejacontinua a fazer em cada Domingo, Pscoa semanal e, uma vez por ano, nos incios da

    Primavera, na festa da Pscoa.

    Pscoa

    Todos os cristos sabem que Pscoa o aniversrio da ressurreio de Jesus. Muitosignoram que Pscoa foi uma festa, uma grande festa, muito antes de Jesus no mundo.O Evangelho, entretanto, nos convida a nela reflectir. Ele no nos diz somente que cadaano Jesus ia a Jerusalm para a festa da Pscoa; ele no fala somente que a paixo, amorte e a ressurreio de Jesus tinham lugar durante as festas da Pscoa; ele nos mostrao Cristo ensinando seus discpulos que "sua hora", era aquela da Pscoa: "Desejeiardentemente comer esta Pscoa convosco". A Pscoa crist saiu da Pscoa judaicacomo de uma velha rvore um ramo cheio de seiva.A Igreja a no se engana. Durante a Semana Santa e especialmente na 6 a Feira e SbadoSanto, ela multiplica suas aluses antiga Pscoa. Se queremos com ela celebrar aPscoa Crist, precisamos olhar a Pscoa judaica e retomar, para ultrapassar, a emoo ea alegria dos judeus de quando eles iam cada ano a Jerusalm para festejar a Pscoa.1. A PSCOA JUDAICA

    Naquele tempo, quer dizer, doze ou catorze sculos antes de Jesus Cristo, os judeuseram escravos no Egipto, sujeitos a duros trabalhos. O rei do Egipto, o Fara, haviaordenado fossem mortas todas as crianas do sexo masculino. Ele queria exterminar araa. Fatos recentes nos permitem compreender a grosseria da luta e o drama horrveldas famlias.

    Deus intervm para salvar este povo, e no somente para salvar, mas para lhe dar umamisso. Porque este povo devia preparar no mundo a vinda do Messias.A libertao se faz em trs tempos: (Ex 12,1-14; 21-28)

    1- Uma preparao misteriosa. Sob a ordem de Deus em cada famlia, matava-se umcordeiro e comia-se um cordeiro e comia-se s presas depois de ter colocado seu sanguenos batentes das portas.2- Uma situao desesperadora. Logo aps esta ceia o povo colocar-se-ia sob aconduo de Moiss. Mas Fara e seus exrcitos alcanaram os judeus no momento emque eles chegaram no Mar Vermelho. Encurralados no mar, sem armas, eles vo seraniquilados. Os sobreviventes deveriam se sujeitar a uma escravatura pior ainda queaquela que j conheciam.

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    3- Um milagre se processa. ento que Moiss, sob a ordem deDeus, estende a mo em direco ao mar, e as guas se abrem paradar passagem aos hebreus. Assim que eles terminaram de passar eque Fara quer tomar o mesmo caminho, o mar volta ao seu

    percurso matando os egpcios e todo seu exrcito. A alegria brilha.

    Um cntico de dao de graas ecoou. O povo est so e salvo, livre. Vai assim caminhar para a Terra Prometida.b) Uma Festa anual

    A passagem do Mar Vermelho a maior data histricanacional dos judeus e uma das maiores da histria religiosa domundo.

    Este dia, graas interveno de Deus, os Judeus passaram (Pscoa quer dizerpassagem) da escravido liberdade, do exlio ptria, da terra dos dolos quela doverdadeiro Deus, do pas de escravido terra prometida. Ontem eles esperavam amorte, hoje a vida lhes dada. Um tal acontecimento no poderia ficar na sombra.

    Cada ano, na data do aniversrio da passagem do Mar Vermelho, os judeus se dirigiam Jerusalm para ir celebrar uma festa: a Pscoa. Como outrora seus pais, antes de deixaro Egipto, eles refaziam a misteriosa preparao, comiam um cordeiro, o cordeiro pascal;depois durante a ceia, cantavam como seus pais outrora, depois da passagem do MarVermelho, salmos de louvor a Deus que libertou seu povo.

    2. A PSCOA DE CRISTO

    Cada ano, Jesus celebrava a festa da Pscoa e comia o cordeiro pascal. Mas ele sabia oque significava este alimento misterioso. Era Ele, o verdadeiro Cordeiro de Deus cujosangue derramado sobre o madeiro da Cruz nos abriria caminho do cu. Uma Pscoa,

    uma outra passagem o esperava. Leiamos umtrecho do evangelho de So Lucas, que noscoloca dentro desta realidade (Lucas 22,7-20). o incio da Pscoa de Cristo...a) Uma preparao misteriosa. Na Quinta-

    feira Santa, com seus discpulos, ele toma aceia pascal, primeira vez celebra a eucaristia.Ceia misteriosa tambm.

    b)Uma situao desesperadora. Na Sexta-feira Santa, depoisde uma agonia, dois processos, a flagelao, o coroamento deespinhos e a pregao na cruz, ele morre. Todas as esperanasdesaparecem. Tudo parece perdido.c) Um milagre sem precedente. Mas na manh da Pscoa,

    Jesus ressuscitou. Ele s passou pela morte para entrar navida. Passou agora da morte vida, da vida do tempo aquela

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    da eternidade, da escravido para a liberdade, do sofrimento para a alegria, da terra dosdolos quela de seu Pai, do exlio Ptria. Esta passagem, esta Pscoa de Cristo, averdadeira Pscoa. A Pscoa antiga no seno figura da nova Pscoa.

    3. A PSCOA DOS CRISTOS

    a)O Baptismo: o baptismo que nos associa Pscoado Cristo e traz at ns seus benefcios. O baptismo nosfaz passar, ns tambm, da terra dos dolos quela doverdadeiro Deus, do exlio Ptria, do Imprio de Satao reino de Deus, da vida da terra quela do Esprito, daescravido do pecado para a liberdade dos filhos deDeus. Ele nos introduz na Igreja, de que a terra

    prometida era uma figura. Ele nos faz passar da morte

    do pecado vida da graa. Como a primeira Pscoa, elese opera na gua. Como a Pscoa do Cristo ele nos d avida eterna.

    b) Uma Festa anual: A festa da Pscoa a grande celebrao anual da Pscoa de Cristoe do Baptismo. Toda a nossa liturgia nos convida a seguir, passo a passo, os gestos de

    Cristo durante os ltimos dias de sua vida mortal edurante as primeiras horas de sua ressurreio. E quandochega o momento mais solene desta semana, no ofciodo Sbado Santo, o Baptismo se torna a grande

    preocupao da Igreja. Pelo Baptismo ns reproduzimosa morte e a ressurreio de Jesus. Pscoa umaniversrio. Muito mais que um aniversrio. Da mesmaforma que os judeus, celebrando a sua Pscoa, davamgraas a Deus por sua libertao, assim tambm duranteos dias da grande Semana da Pscoa, ns louvamos aDeus que nos resgatou e que faz de todos ns o seu

    povo. E desde j, sabendo que a paixo, morte e

    ressurreio de Cristo nos merecem o cu, nsaspiramos por esta ltima Pscoa, que, um dia far todosos baptizados entrarem no canto de aco de graas na verdadeira e definitiva TerraPrometida.

    Os dias da Semana Pascal formam um todo. Pscoa no um dia. Pscoa umapassagem. A passagem da vida, restrita no tempo, vida, marcada pela eternidade. Acelebrao desta passagem, na liturgia da Pscoa, comea no Domingo de Ramos ecaminha at a aurora da ressurreio. No se deve separar o que Deus uniu. No se deveolhar a cruz sem antever a ressurreio. No se pode contemplar o Cristo Ressuscitado

    sem ver o seu corpo glorioso marcado pelas cicatrizes da Paixo. So os sinais da sua

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    passagem pela morte. So as provas irrecusveis de que ele nos mereceu a graa depassar da terra dos homens quela de Deus.

    Pe. Antnio Geraldo Dalla Costa, CS

    O Conclio de Nicia Decreta Esse Dia Como Sendo a Data MaisRemota do Ano Para a Celebrao da Pscoa Crist

    Qual o dia mais importante do ano cristo? Pergunte isso a uma pessoa comum nosEstados Unidos e voc ter chances de ouvir "o Natal". Porm, o Dia da Ressurreioera o mais importante dos dias cristos nos primeiros sculos da Igreja.

    Ressurreio de Jesus

    A Igreja, desde os seus dias mais remotos, celebra, anualmente,o aniversrio da ressurreio de Jesus; e algumas vezes chama-ode A Pscoa Crist. (O nome grego para Pscoa Pasch.)Mesmo quando os apstolos estavam vivos os cristos mudaramo dia de culto para o domingo porque Cristo havia sidolevantado da sepultura no primeiro dia da semana. Cristos so,

    por vezes, baptizados no Dia da Pscoa.

    No segundo sculo, porm, foi levantado um debate sobre apoca de se celebrar a Ressurreio. Muitas igrejas festejavam a

    mesma no domingo mais prximo da Pscoa Judaica. Algumas vezes havia dvidasacerca de qual dos dois domingos deveriam ser observados. As igrejas daÁsia Menor frequentemente observavam a Ressurreio no mesmo dia daPscoa Judaica; mesmo quando o dia no caa num domingo. As igrejas em Romaobservavam esse dia em diferentes ocasies!

    Durante os trs primeiros sculos da Igreja, por esta estar frequentemente sobperseguio, no havia tentativas de se estabelecer as Festas Crists. Porm, quandoConstantino se tornou imperador, e o Cristianismo j no era mais ilegal, foi possvelconsiderar mais cuidadosamente a data da Pscoa. Um dos propsitos do Conclio de

    Nicia, em 325 D.C., era o de definir aquela data.

    Constantino no queria que a Pscoa fosse celebrada no dia da Pscoa Judaica. Ele disseque era uma "uma obrigao crist no ter nada em comum com os assassinos do NossoSenhor" (embora tenha ignorado o fato de que a execuo de Cristo foi um esforocomum entre Judeus e Gentios).

    Ao Conclio de Nicia foi requerido determinar que a festa da ressurreio fossecelebrada num domingo, e nunca no dia da Pscoa Judaica. A Pscoa Crist seriacelebrada no domingo depois da lua cheia seguida do equinox da Primavera. Issosignificou que a data da Pscoa Crist iria sempre cair entre 22 de Maro e 25 de Abril.

    Assim, o dia 22 de Maro a data mais remota na qual a Pscoa Crist pode sercelebrada. Porque acontece de haver, de vez em quando, lua cheia no dia 21 de Maro, a

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    Pscoa Crist no cai sempre nesse dia. A ltima vez foi 1818. No sculo vinte elanunca foi celebrada nesse dia.

    O decreto daquele conclio no foi imediatamente aceito em todos os lugares; e no foibem recebido por aqueles que celebravam a ressurreio de Cristo no dia da Pscoa

    Judaica. Por causa dessa oposio, aqueles comearam a ser chamados de herticos. Aconfuso tambm foi causada porque tanto Roma como Alexandria fixaram o equinoxda Primavera (que o dia naquela estao em que o dia e a noite so iguais) atravs dediferentes mtodos. Mais tarde, porm, o decreto do Conclio de Nicia foi aceito portoda a igreja do Ocidente.

    Existe alguma relao entre a Pscoa judaica e a Pscoacrist?

    Existem alguns paralelos significativos entre os dois feriados. Ambos comemoram aredeno: Pessach celebra a redeno de um povo, enquanto a Pscoa comemora aredeno e ressurreio de um homem. Ambas ressaltam a liberdade: Pessach - um povolibertando-se do cativeiro; Pscoa - um homem libertando-se do pecado e da morte.

    O que se comemora em Pessach?

    Pessach, a Pscoa judaica, comemora a libertao dos filhos de Israel aps mais de doissculos de cativeiro no Egipto: sua misria e sofrimento, a divina misso confiada aMoiss e seu irmo Aaro, os incansveis esforos de ambos para conseguirem libertarseu povo da opresso, a obstinada resistncia do Fara, as pragas que Deus lanou sobreos egpcios para que o Fara permitisse a sada dos israelitas, e finalmente sua partidado Egipto.

    O xodo do Egipto tornou-se o ponto central da histria judaica, pois cristalizou nossaidentidade nacional e marcou o nascimento dos judeus como um povo livre.

    De onde vem o conceito do Messias?

    A palavra "Messias" vem do hebraico Mashiach, que significa "ungido". Nos temposbblicos, a uno com leo santo era um ato de consagrao. No sentido original dotermo, os "Messias" eram pessoas supostamente encarregadas par Deus para cumpriruma misso especial, e sua uno expressava o carcter sagrado do seu cargo. Alis, ocostume da uno com leo santo persiste at hoje, na coroao de reis e rainhascontemporneos.

    Com o passar do tempo, firmou-se entre os judeus a ideia Proftica de que Deus fariauma interveno dramtica na histria em prol dos seus eleitos, por intermdio de um

    descendente do Rei David, que libertaria o povo judeu do cativeiro e o restabeleceria naTerra de Israel. A palavra Mashiach passou ento a significar "o ungido de Deus", o

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    mensageiro do Todo-Poderoso que traria a redeno, no s para os israelitas, mas simpara toda a raa humana. Com a vinda do Messias, todos os homens enxergariam umanova luz e passariam a viver de acordo com os Ensinamentos Divinos. Cessariam entoa discrdia e a guerra, e a humanidade entraria numa nova era de paz universal.