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Pastoral do Matrimónio Cristão Inculturado – D. Kalilombe, Mafr. 43 PASTORAL DO MATRIMÓNIO CRISTÃO INCULTURADO Rt Rev P.A. Kalilombe, Mafr. OBSERVAÇÕES PRELIMINARES É adequado e próprio que o nosso estudo da Pastoral do Matrimónio Cristão Africano seja feito, acompanhando o programa que o Sínodo Africano traçou para a Igreja Africana. De maneira apropriada o Sínodo adoptou “A Igreja família de Deus” como a ideia – guia para a Evangelização em África. 1 Este é um sinal de que o tema da Família e do Matrimónio é central na nossa actual reflexão pastoral. O objectivo principal do Sínodo era equipar a Igreja Africana para a sua missão evangelizadora no presente e no futuro de África. É a esta luz que devemos ver a urgência em revitalizar a nossa actividade pastoral. Depois de tudo, a questão é saber como as nossas pequenas comunidades cristãs podem, efectivamente, ser evangelizadas de maneira que, por sua vez, se tornem sinais de esperança num continente cheio de más notícias. A África está, presentemente acabrunhada com problemas, tais como: o aumento da pobreza, urbanização, a dívida internacional, refugiados e pessoas deslocadas, a preocupação demográfica e as ameaças contra a família 2 . Parece que o Sínodo estava convencido de que, de uma maneira ou de outra, esses problemas eram o 1 Cf A Igreja em África, nº 63. Ver, também, A.E.Orobator’, A Igreja como Família: Eclesiologia Africana no seu contexto social: Paulines Publications Africa, 2000, onde este tema está discutido profundamente. 2 Ecclesia in Africa, #51.

PASTORAL DO MATRIMÓNIO CRISTÃO INCULTURADO · pastoral, porque é aqui onde nos confrontamos com a consciência e a responsabilidade do povo. É o povo quem, em dadas circunstâncias,

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PASTORAL DO MATRIMÓNIO CRISTÃO INCULTURADORt Rev P.A. Kalilombe, Mafr.

OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

É adequado e próprio que o nosso estudo daPastoral do Matrimónio Cristão Africano seja feito,acompanhando o programa que o Sínodo Africano traçoupara a Igreja Africana. De maneira apropriada o Sínodoadoptou “A Igreja família de Deus” como a ideia – guia paraa Evangelização em África.1 Este é um sinal de que o temada Família e do Matrimónio é central na nossa actualreflexão pastoral.

O objectivo principal do Sínodo era equipar a IgrejaAfricana para a sua missão evangelizadora no presente eno futuro de África. É a esta luz que devemos ver aurgência em revitalizar a nossa actividade pastoral. Depoisde tudo, a questão é saber como as nossas pequenascomunidades cristãs podem, efectivamente, serevangelizadas de maneira que, por sua vez, se tornemsinais de esperança num continente cheio de más notícias.A África está, presentemente acabrunhada com problemas,tais como: o aumento da pobreza, urbanização, a dívidainternacional, refugiados e pessoas deslocadas, apreocupação demográfica e as ameaças contra a família2.

Parece que o Sínodo estava convencido de que, deuma maneira ou de outra, esses problemas eram o

1 Cf A Igreja em África, nº 63. Ver, também, A.E.Orobator’, A Igrejacomo Família: Eclesiologia Africana no seu contexto social: PaulinesPublications Africa, 2000, onde este tema está discutido profundamente.2 Ecclesia in Africa, #51.

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resultado das mudanças rápidas no campo cultural, social,económico e político em curso em África. Primeiro, foi oimpacto perturbador da dominação colonial no passadorecente. Agora, temos o neocolonialismo com o seuprojecto de ‘globalização’. Existe uma mudança culturaldramática causando impacto na vida do povo, não só emsituação urbana, mas também nas áreas mais remotas. Otema da Inculturação, que é um dos elementos marcantesna mensagem do Sínodo, não foi incluído como umareflexão tardia. Foi visto como um enfoque crucial eapropriado no esforço por resolver os problemas presentes,assim como um método efectivo para proclamar a BoaNova. O que acontece na cultura do povo deve ser tomadoa sério, porque aí encontramos os desafios de umaevangelização efectiva.

O principal objectivo desta dissertação é que , naárea da família e matrimónio, como nas outras áreas, nãopode ser ideada nenhuma pastoral efectiva sem ter emconta as questões da cultura e das mudanças culturais. Osproblemas que tentamos abordar na área do matrimónioestão interligados com as mudanças que se estão dandonas culturas de nossos povos. Quero sugerir, portanto, queos nossos esforços pastorais na questão da família e domatrimónio sejam acompanhados, primeiramente e,sobretudo, por técnicas e métodos de tratamento dasmudanças culturais. Isto não deve ser entendido como umaconcessão às técnicas meramente seculares, mas umintroduzir dentro do serviço religioso e espiritual todo aquiloque as ciências humanas podem oferecer de válido e útil.Parece que este é o tipo de metodologia que foi seguidoem Matrimónio Cristão Africano, o relatório recentemente

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reeditado da “Churches Research on Marriage in Africa”.(CROMIA)3

DANDO A ATENÇÃO DEVIDA À CULTURA E ÀSMUDANÇAS CULTURAIS

Na área do Matrimónio e da família, o ministériopastoral é frequentemente chamado à acção, quandoaparecem casos específicos de fracasso ou de dificuldade,em geral, na vida dos indivíduos, casais ou da comunidade.Pode ser o caso de uma jovem que sente que foi forçada aum matrimónio que ela não queria; pode ser, também, ocaso de um casal que briga e aparece o perigo de umaseparação no seu lar. Noutro lugar um paroquiano pode terabandonado a sua esposa e ter ido viver com outra mulher;ou uma esposa pode ter abandonado o seu marido e custaa trazê-la de volta para a sua família. Este e outros casosparecidos parece que são como “acidentes” individuais queo pastor, catequista ou responsável da Igreja é chamado aresolver, quando acontecem. As circunstâncias específicasdos casos vão determinar o que fazer e como procederpara resolver desentendimentos , corrigir atitudes ecomportamentos errados, exortando a um perdão mútuo e àreconciliação, ou lembrando às pessoas envolvidas o que afé cristã e o seu compromisso requer delas.

Aqui, o ministério pastoral dirigiu-se a casos epessoas individuais. O sucesso na resolução de taisproblemas ou dificuldades, geralmente cria no pastor osensação de satisfação; e com razão! Mas, que acontecequando os problemas voltam e se tem a sensação de que,para um caso que você conseguiu resolver, uma outra dúzia

3 Benezeri Kisembo, Laurenti Magesa, and Aylward Shorter, AfricanChristian Marriage, Nairobi: Paulines Publications Africa, 1998, 2nd

revised edition.

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deles se amontoou, frequentemente na mesma área.? Queacontece quando você se dá conta de que parecidos“acidentes” acontecem noutras partes do País, ou quemuitos outros tipos de problemas, diferentes daquele quevocê tratou, acossam as pessoas na mesma área domatrimónio? Isso, certamente, vai temperar a sensação desucesso. Você começa a compreender em cada caso que,mais do que resolver casos individuais é necessária umapastoral matrimonial. Deve-se prestar atenção ao queacontece no âmbito mais amplo da sociedade, pois ela é afonte dos problemas que os indivíduos encontram.

O Ministério Pastoral deve exercer-se a dois níveis:o nível dos casos individuais ou particulares, e o nível maisamplo da sociedade ou da comunidade. Em última análise,o caso individual é o contexto imediato do ministériopastoral, porque é aqui onde nos confrontamos com aconsciência e a responsabilidade do povo. É o povo quem,em dadas circunstâncias, se comporta de uma maneira oude outra e que sofre as consequências. Mas, então, nãodevemos esquecer este facto importante. As pessoas deque se trata não vivem nem funcionam como indivíduosisolados: Eles formam parte de uma sociedade ou grupo, noqual, há interdependência das pessoas, através de todo tipode interacção e cooperação, enquanto tratam de construiruma maneira de viver significativa e de sucesso. Aspessoas comportam-se de uma maneira ou de outra com avista posta nos seus vizinhos e familiares. Em grande parte,as escolhas e decisões que fazem são influenciadas porideias, valores, juízos, costumes e maneiras de fazer ascoisas que são comuns dentro do grupo. Claramente essescostumes ou comportamentos , começam como escolhas edecisões individuais. Mas depois, quando mais e maispessoas os seguem, aparece um tipo de modelo regular eprevisível de pensar e de fazer que nalgum momento setorna normal. Em circunstâncias normais, os membros do

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grupo seguem esse modelo de comportamento. É o quenós chamamos de cultura.

A ideia de cultura está, actualmente muito em voga.;mas, talvez, nem todos aentendem da mesma maneira. Consequentemente existem,frequentemente, muitos mal-entendidos: a gente não fala damesma coisa. Penso que a descrição dada por C.H. Kraft éao mesmo tempo suficientemente abarcante e fácil de usarem ocasiões como a deste encontro. Ele define culturacomo sendo “um mecanismo de sobrevivência, integrado ecomplexo, de uma sociedade, consistindo em conceitos ecomportamentos padrão e aprendidos, para além dasperspectivas a eles subjacentes (visão do mundo) e dosartefactos que deles resultam (cultura material).”4

Para nós os pontos a notar são:

1. A cultura é um mecanismo que uma sociedade cria parasi própria como um instrumento ou estratégia desobrevivência, ou seja, para se adaptar o melhor possível àconstituição biológica humana e ao ambiente geográfico esocial que a rodeia. Esta adaptação é feita na tentativa deultrapassar as dificuldades e problemas encontrados efazendo o melhor uso das oportunidades oferecidas emcada circunstância. O objectivo é assegurar a sobrevivênciae, sobretudo, alcançar um modo de vida que tenha sentido,

4 Charles H. Kraft, Anthropology for Christian Witness, Maryknowll,N.Y.: Orbis Books, 1996, p.38. Todo o livro é útil para as questõesreferentes à cultura e às mutações culturais. Há mais no seu primeirotrabalho: Christianity in culture: A study in Dynamic BiblicalTheologizing in Cross-Cultural Perspective, Matyknowll: Orbis, 1979.Muitos estarão acostumados com o também muito compreensível estudoda inculturação de A. Shorter: Toward a Theology of inculturation,Maryknowll: Orbis, 1998.

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seja satisfatório e digno.

2. Este mecanismo expressa-se visivelmente numa formade comportamento integrado ou abarcante(relacionando harmoniosa e logicamente os diferentesaspectos da vida humana). É padronizado, quer dizer,segue certas e determinadas vias que ocorremregularmente e quase previsivelmente. Assim, hácostumes, procedimentos e maneiras específicas defazer coisas em alturas e circunstancias específicas. Aconformidade com o comportamento cultural éassegurado por sanções explícitas ou implícitas(censura verbal, murmuração, ostracismo, puniçãopsicológica ou mesmo física). Essa forma decomportamento é um dos aspectos observáveis dacultura (Outros aspectos são os artefactos ou produtosmateriais). Em condições normais, os membros de umadeterminada cultura tenderão a aceitar ocomportamento normativo da sociedade. Mas é possívelque, em determinadas instâncias, certos indivíduos seafastem do comportamento esperado, se tiveremmotivações fortes para o fazer. Mesmo assim, devemcontar com o ser sujeitos a sanções da parte dacomunidade. Serão capazes de persistir no seucomportamento apenas se poderem fugir a essassanções. Mas se este desvio ao comportamentonormativo for tolerado ou aceite pela maioria, poderáconstituir o inicio de uma “mudança cultural”.

3. A cultura é o resultado de acordos cumulativos dosmembros de um grupo que se mantiveram e foramtransmitidos ao longo das gerações subsequentes atravésda educação ou “enculturação”. (É um comportamentoaprendido). É por isso que na questão da cultura grandeimportância é dada ao papel dos “antepassados”. Umadeterminada maneira de fazer as coisas não poderia ter-se

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formado e mantido se a maioria das pessoas envolvidasnão a aprovassem implícita ou explicitamente. Assim, numaanálise final, a cultura é formada através dum consenso nogrupo; e continua vigente enquanto esse acordo foroperativo. A mudança cultural tem inicio quando esseacordo é quebrado em áreas suficientemente numerosas eimportantes.

4. Subjacente ao comportamento observável, está todauma rede de ideias, conceitos, valores e formas particularesde compreender a realidade (visão do mundo). Estas são asraízes reguladoras do comportamento: elas dão-lhe umaforma e modalidade específicas. Estes valores e conceitosrelacionam-se com o projecto de construir um modo de vidaviável, assegurando o Bem Comum para o grupo. Essesvalores são, por exemplo: cooperação, reconciliação,cuidado pelos mais necessitados e vulneráveis, importânciada ordem, respeito pela autoridade, promoção epreservação da vida, etc. É certo que cada cultura sebaseia numa configuração e ordenação particulares dessesvalores positivos (promotores de vida); e que os costumes,procedimentos e maneiras de fazer as coisas numadeterminada cultura servem para os incorporar no contextoconcreto da história e do ambiente do grupo. É igualmenteverdade que cada cultura tem claramente conhecimento doreverso da medalha: a ameaça do mal (que em termoscristãos chamaríamos Pecado) que constantemente pairasobre a comunidade. Tipicamente, a maior parte dasculturas distingue dois lugares de origem de tal ameaça: asforças impessoais da natureza e as tendências más danatureza humana. O mal devido à acção humana éinterpretado como expressão de egoísmo: a busca dedesejos e objectivos que vão contra o Bem Comum(comportamento anti-social). As pessoas sabem que o malpode facilmente inserir-se nas expressões culturaisconcretas que foram criadas para promover o Bem Comum.

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Nessa altura, essas expressões culturais tornam-secorruptas e são destorcidas para servirem objectivosdestrutivos. As expressões culturais não sãointrinsecamente más, mas é o seu mau uso ou abuso porpessoas más que as corrompe. Uma cultura podecorromper-se e tornar-se má, não em si mesma, masdevido ao que o mau coração das pessoas conseguiu fazer-lhe. Mas, nesse caso, assim como uma cultura boa se podetornar em má, também uma cultura corrupta se pode curaratravés de uma mudança cultural apropriada. Sempre queestejamos conscientes do mau estado da cultura, é muitoimportante analisá-la para descobrir quais são os valorespositivos que estão a ser destorcidos e quais são os pontosem que o mal nela penetra.

5. A particular “Visão do Mundo” na qual uma cultura sebaseia merece uma atenção especial porque nos ajuda acompreender a interpretação (atribuição de sentido) feitapelas pessoas dos vários aspectos da sua cultura, assimcomo a sua avaliação (atribuição de valor). Também ajudaa compreender e a medir o padrão da aliança (entrega ededicação) que a comunidade tem à sua cultura. Kraftdescreveu a “visão do mundo” como sendo “as suposições,valores, e entrega a alianças culturalmente estruturadassubjacentes à percepção da realidade por um povo e a suaresposta a essas percepções”2. Ele lembra-nos que acultura abarca diversos aspectos da vida global de umapessoa, tais como: relações sociais é aqui que a questão dafamília se localiza), cultura material, economia, linguagem ereligião. Como resultado de factores históricos, geográficose culturais, culturas diferentes dão ênfases diferentes aestes aspectos. Algumas culturas (por exemplo, a cultura“ocidental” moderna?) dão muito mais ênfase aos aspectos

2 Anthropology, p. 52.

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materiais e económicos, e menos aos da religião e relaçõessociais. Essas culturas dão grande importância à ciência etecnologia, ao desenvolvimento material e à produção econsumo de bens e serviços, mas talvez menos às relaçõespessoais e à religião (ou seja, os meios de se relacionareme lidarem com a parte importante do universo não humano:o sobrenatural). Kraft classifica essas culturas como“sociedades naturalisticamente orientadas”.

Outros, pelo contrário, podem por maior ênfase nasrelações sociais e na religião, e menos nos aspectosmateriais e económicos. A estes ele chama de “sociedadesorientadas sobrenaturalisticamente”. Estas diferenças são aexpressão de como as sociedades percebem e avaliamdeferentemente o mundo da realidade. As culturas sãoafectadas por tais ênfases Para nós, será importantelembrar que a maioria das sociedades africanas(certamente as dos nossos países) foram “orientadassobrenaturalmente”; Isto é: o mundo da realidade era vistomuito mais como o determinado por relações com o supra-natural, e também determinado por relações sociais.Consequentemente as questões de família e matrimóniodominadas, como também as questões de relações com omundo invisível/sobre-humano: o divino, os espíritos, ospoderes e forças supranaturais, tanto pessoais comoimpessoais. No aparecimento de uma mudança cultural avisão universal é a parte mais resistente da cultura. Mesmoquando aspectos materiais e tecnológicos da cultura ficammodificados, o peso da visão universalista se faz sentir etem que ser tida em conta com cuidado.

6. A cultura está sempre num processo de mudança,devida tanto a factores internos como externos. Asmudanças chegam quando o contexto da vida do povo sofretransformações: o contexto ecológico e geográfico, mastambém o contexto social ou de relações. Acontece, então,uma queda do convencional ou do equilíbrio que se tinha

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conseguido através dum processo anterior. Isto podeacontecer, por exemplo, por causa de guerras, deslocaçãode indivíduos ou grupos, epidemias ou outros desastresecológicos ou históricos. Esses acontecimentos sãosuficientes para deixar inadequados ou fora de tempo os“arranjos” tradicionais ( a cultura) que a sociedade tinha, nopassado adquirido para lidar com o contexto existente.. Asociedade deve, agora, tentar um novo processo paraencontrar uma nova resposta, isto é: Quando a cultura entranum estado de incerteza e desorientação, procuraencontrar novos mecanismos. Esse período de incertezapode ser curto ou longo, fácil de tratar ou muito mais difícil.No caso de um acontecimento repentino e radical ouviolento que opera uma mudança a deslocação da cultura é,geralmente tal que toma por surpresa a sociedade eprecisará, portanto, muito tempo antes de que se consigauma situação satisfatória. Mudanças bem sucedidasaparecem quando a sociedade pode identificar, entre o seurepertório de valores e perspectivas, aquelas que são maisapropriadas para lidar com a situação, e encontra caminhospráticos para dar corpo a tais valores de maneira aresponder aos novos problemas. Nos nossos paísesestamos metidos nesse processo de mudança radical erepentina. É por isso que existe uma gama de problemasque enfrentamos, sobretudo na área do matrimónio e dafamília.

7. Qual é a relação entre cultura e cristianismo?Esta pergunta é importante porque, como já dissemosantes, a Pastoral do Matrimónio Cristão Inculturado queestamos tratando, deve ser visto como um caminho derealizar a missão evangelizadora da Igreja na África dehoje. Neste caso, a evangelização significa a proclamaçãoda Boa Nova de Jesus Cristo ao nosso povo, tomando asério a sua cultura. É o cristianismo, portanto, uma cultura,uma visão universal, uma religião, um sistema de valores e

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uma orientação da vida ou um caminho de vida estruturadoem volta de umas crenças ou de uns costumes? Não é fácilresponder directamente a esta questão, porque precisamosde fazer alguns esclarecimentos primeiramente. Em certosentido, o cristianismo não é nada disso; mas noutrosentido é todo isso. Alguns estudiosos5 sugerem falarassim: O cristianismo não é um sistema cultural específicoque existe independentemente.. É antes uma Fé reveladapelo próprio Deus na pessoa de Jesus Cristo. Essa fénão está intrinsecamente ligada a nenhuma cultura humanaespecífica. Mas, também, não é intrinsecamente contranenhuma cultura, ou está fora das culturas, ou realmentepor cima das culturas. Precisa de estar em culturashumanas concretas; E, certamente, a sua missão é a dedirigir-se ou confrontar-se com toda e qualquer culturahumana para a influenciar e a transformar.

Mas como é que esta fé existe e funcionarealmente? Mostra-se como uma visão do mundo, e, nisso,manifesta-se, definitivamente, como uma maneira decompreender e avaliar as realidades: de acordo com osplanos e objectivos originais de Deus. Esta visão do mundoinclui valores identificáveis, perspectiva e orientações paraa vida; pode avaliar ou julgar qualquer cultura humanaconcreta para ver se a visão do mundo dessa cultura estáde acordo ou se opõe àquela de Deus em Cristo. Podeavaliar os valores e orientações de um sistema culturalconcreto e ser capaz de dizer se estão ou não de acordo.Realmente toda e qualquer cultura possui valores eorientações que estão de acordo com a fé cristã. Quando acultura é evangelizada a Fé Cristã é capaz de identificaresses valores e confirmá-los. ( É o caso dos valores a quechamamos de construtores de comunidade ou

5 for example, in Martin Ott, African Theology in Images, Blantyre:CLAIM, Kachere Monograph No 12, esp pp 55-60 and 67-71.

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fortalecedores da vida). Mas, por causa do pecado nanatureza e na história humana, toda e qualquer culturapossui também, elementos que são contrários à Fé Cristã,precisamente porque são distorções ou abusos do que épositivo na cultura. Mas, sobretudo, a Fé Cristã é capaz detransformar ou mudar a visão do mundo das culturas,valores, orientações ou perspectivas, de tal maneira que umcomportamento concreto, costumes, e maneiras de fazer dopovo em causa são mudadas e transformadas. É importanteao estudar uma cultura, identificar nela os pontos frágeis,quer dizer: os lugares onde a deformação dos valores podeacontecer. Frequentemente são os costumes e asinstituições aquilo que é mais facilmente mal-utilizado paraservir objectivos opressivos, exploradores ou egoístas.

A Fé Cristã nunca aparece isolada: aparece sempreencarnada em culturas humanas concretas; o seu conteúdosó pode ser revelado e exprimido quando a fé se relacionae confronta as culturas. Este facto tem consequênciasimportantes. A Evangelização é sempre feita através de umencontro de culturas humanas. Em alguns casos (PrimeiraEvangelização) uma dessas culturas teve já a sorte de‘Encarnar’ a Fé e, portanto, está em posição de encontraroutras culturas que não foram influenciadas de maneira apartilhar com elas a própria fé. Noutros casos, culturas quetiveram contacto com a Fé podem entrar em contacto entreelas. Podem, então, seguir o processo de evangelizaçãodesafiando-se mutuamente uma a outra para confirmaraquilo que já foi cristianizado e ajudar a mostrar e erradicaro que não está de acordo com a fé. Em todos estes casos,inevitavelmente há um diálogo de culturas e, nem sempre éfácil diferenciar entre o que é especificamente cristã e oespecífico da cultura.

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INCULTURAÇÃO DA PASTORAL DO MATRIMÓNIOCRISTÃO EM ÁFRICA

As observações que seguem talvez não sejamnecessárias para aqueles que se familiarizaram com otema da cultura. Mas elas são como que o pano de fundopara tudo o que desejo propor como directrizes para umministério pastoral na área da família e do matrimónio. Nãopretendo que sejam uma receita detalhada, mas algumassugestões para aqueles que andam à procura de umcaminho de Inculturação do apostolado familiar.Actualmente todos nós os que estamos envolvidos notrabalho da Igreja nos nossos países de África, estamosconvencidos que a preocupação pela família é um deverurgente. O Sínodo Africano justificou a importância dadiscussão sobre a família no contexto da evangelização,recordando o que o Papa João Paulo II tinha dito naexortação Apostólica: Igreja em África: “O futuro do mundoe da Igreja passa através da família”6 E continua dizendo:

“Com efeito, a família é a primeira célula não apenasda comunidade eclesial viva, mas também dasociedade. Na África, de modo particular, a famíliarepresenta a base sobre a qual está construído oedifício da sociedade. Por isso mesmo, o Sínodoconsidera a evangelização da família africana comouma das maiores prioridades …, Do ponto de vistapastoral, isso constitui um verdadeiro desafio, dadasas dificuldades de ordem política, económica, sociale cultural que os núcleos familiares em África têm deenfrentar no contexto das grandes mudanças dasociedade contemporânea.”

1. Um ministério pastoral eficaz deve ser a dois níveis: onível do particular/específico e o nível da sociedade como

6 Ecclesia in Africa, # 80

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um todo. O nosso ministério localiza-se, primeiramente nonível específico: tratamos de casos concretos envolvendocomportamentos individuais em certas circunstâncias. Aspessoas enfrentam dificuldades específicas que surgem deuma série de acontecimentos convergentes experimentadosa nível pessoal lá onde existe um condicionamentocomplicado devido a uma decisão individual, educação,história passada, e muitas outras influências. Quando háproblemas matrimoniais, são as pessoas imediatamenteimplicadas que são chamadas em primeiro lugar para fazerescolhas e decisões pessoais. Há, portanto um nível emque as generalidades não ajudam. Em nossos dias algumconhecimento dos princípios da psicologia individual (ex.Eneagram ou Myers-Briggs análise) é muito recomendadopara os agentes de pastoral).

Mas este nível individual não é suficiente. Existesempre a influência da sociedade que precisa ter-se emconta nos comportamentos individuais. Portanto, a áreaespecializada do apostolado matrimonial e da família nãodeve ser visto ou praticado separado do ministério maisamplo da Igreja que pretende ter em conta o impacto dasmudanças culturais na nossa sociedade.

A Igreja está envolvida, por exemplo, em programasde reabilitação económica, e no reforço da justiça social,promoção da paz e da reconciliação, educação de adultos,edificação da comunidade e outros. Nestes programas, aIgreja procura encontrar respostas práticas, inspiradas pelamensagem do Evangelho, para os problemas quetrouxeram as mudanças culturais modernas. De maneiraparecida, para assuntos diferentes, os que trabalham nessaárea, frequentemente descobrem raízes comuns em umnúmero de instâncias sociais identificáveis e em quedacultural. Depois de tudo, as pessoas envolvidas nessesprogramas são frequentemente as mesmas. Não é deadmirar então que o progresso num projecto depende doprogresso em outras áreas. Daí aparece a necessidade de

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trabalhar juntos, partilhar experiências, trocar ideias, eestruturar juntos estratégias coordenadas e que se apoiammutuamente. O apostolado matrimonial e o familiarganhariam, entrando em contacto com esses outrosprogramas. Como? Por exemplo, organizando sessões detrabalho conjuntas para líderes, reuniões de planejamento ede actividades em coordenação entre elas, partilha deinformação, ou pedido de formação da parte de outrosactivistas de assuntos de interesse comum. O que querosugerir é que num espaço como uma diocese ou um grupode Igrejas vizinhas devia haver o costume reunir-seregularmente para sessões de trabalho como a queestamos a ter esta semana..

2. É necessário identificar claramente as causasprincipais da deslocação cultural na área do matrimónio eda família. Os problemas e questões que temos queenfrentar no nosso trabalho pastoral com as famíliasdeveria ser visto e analisado como o resultado daspresentes mudanças culturais na nossa sociedade. Isto vaiajudar a descobrir que aspectos da cultura tradicional foramafectados e como. A partir daí, talvez fosse fácil localizar osvalores que a cultura tradicional pretende promover emanter através de costumes visíveis, instituições emaneiras de fazer que neste momento sãodesconsideradas ou abandonadas. O que geralmente noschama a atenção são esses costumes ou instituições queestão mudando. E não é difícil ligar essas mudanças commateriais específicos ou factores sociais. Facilmente nosdamos conta, por exemplo, que os jovens não seguem oscostumes tradicionais de respeito aos velhos; e facilmenteatribuímos isso ao facto de que esses jovens não passarampela iniciação porque estava ausentes, na escola.

Mas nós temos que fazer uma análise maisaprofundada. Levando esses problemas através das

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mudanças culturais, seriamos capazes de ter uma melhorcompreensão da própria natureza dessas coisas e,também, dos laços que os unem a outros problemas emoutras áreas aparentemente não relacionadas da vida dopovo. A cultura é um sistema integrado. Quando umaspecto é afectado de uma maneira ou de outra, há umagrande chance de que outras áreas também foramafectadas. Seria bastante ineficaz enfrentar problemasisolados, como aparecem, sem olhar para assuntosrelacionados onde se podem revelar as verdadeiras raízesdo problema.

Portanto devemos, primeiramente lembrar o que foi quecausou essas mudanças culturais. A minha sugestão éque, no nosso caso, os principais factores foram estes:

a. Globalização: Este é o processo pelo qual as nossasculturas que eram até agora muito isoladas eindependentes foram forçadas a formar parte de umarede mundial de relações em assuntos de mercado eeconomia. Isto trouxe implicações em outras áreascomo vida social, política, e também, relações sociais.Na teoria, a globalização significa o processo departilhar e trocar em pé de igualdade entre diferentesculturas do mundo. Mas, de facto, as culturas e osarranjos das nações mais poderosas do Ocidente ou do“Norte” são as que dominam e fazem lei, desfazendo,assim as culturas mais débeis do terceiro mundo ou do“Sul” As sociedades mais fracas são obrigadas a mudarseus arranjos culturais na esperança de receber algoda relações globais. Mas, de facto, mesmo se procuramcom força mudar as suas culturas , os novos arranjossimplesmente não dão com o contexto real do povo. Eportanto há confusão.

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b. Mobilidade: Os factores da globalização produzem umamaior mobilidade na população do que no passado.Indivíduos e grupos inteiros transladam-se do seu lugarde origem para ir, por exemplo para lugares distantes àprocura de emprego ou para começar uma nova família.Também há mobilidade na vida e no trabalho dosindivíduos: mudança frequente de emprego, de estatutosocial, e, como consequência nas relações com osoutros na comunidade.

c. Individualismo: Por causa da tal mobilidade, as pessoaspodem contar cada vez menos com o apoio dos seusfamiliares ou vizinhos. Têm que aprender a dependermuito mais de si próprios, de dar prioridade aos própriosinteresses e, consequentemente, aprender a não deixarque laços familiares ou sociais ponham em perigo osseus próprios interesses.

d. Visão Científica: A cultura que vem com a globalizaçãoestá mais baseada numa percepção científica e seculardas realidades, do que na compreensão religiosa dopassado. Isto é verdade sobretudo na percepção dascausas (causalidade). Processos e acontecimentos sãopercebidos como dependendo de causas naturais quesão assumidas como formando parte da capacidade deesforço humano e não tanto como dependendo deforças invisíveis ou sobrenaturais. A cultura globalapoia-se grandemente no domínio das chamadas “Leisnaturais” através dum desenvolvimento contínuo datecnologia. É este domínio tecnológico , como se pensa,que permite aos seres humanos ter sucessos nodesenvolvimento material e social. Assim se tornou umfactor determinante para a forma e o processo dacultura moderna que acompanha a globalização actual.Esta característica da cultura moderna é causa de muitaperturbação na vida do nosso povo. Enquanto se espera

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que eles organizem as suas vidas de uma maneirasecular , a visão religiosa do passado ainda está muitopresente dentro deles e em volta deles.

e. .Orientação Materialística: O processo actual deglobalização caracteriza-se por uma predominância deinteresses materiais. O objectivo principal é o demanufacturar bens e vendê-los nos maiores lugarespossíveis para conseguir o maior benefício possível.Para consegui-lo põe-se em acção uma enorme energiapara encontrar os melhores mercados e para criar maise mais necessidades para promover o consumo. Asculturas tradicionais como a nossa que estavamacostumadas a um ritmo simples de vida , agorasentem-se pressionadas ao estarem expostas a novasnecessidades que devem ser satisfeitas.. Ao combinaristo com o individualismo, as prioridades na culturatradicional, facilmente são distorcidas. A urgência de teracesso a tais bens materiais para satisfazer asnecessidades criadas recentemente conduz à queda dealguns valores cruciais na maneira tradicional de viver,por exemplo, de promover as relações familiares e degrupo e a importância de partilhar os recursos mesmomagros.

f. Em breve, podemos dizer que a mudança cultural quepresentemente encontramos na nossa sociedade estátendo como resultado o desaparecimento dos arranjosdo próprio funcionamento das relações sociais dentrodas pequenas comunidades onde havia relativamentepouco avanço tecnológico. Para enfrentar a suasituação vital, o povo desenvolveu uma cultura na qualse dava muita importância às relações sociais e aosligamens com o mundo dos poderes invisíveis. Osvários costumes, instituições e orações eram inspiradas

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por uma gama de valores organizados segundo umaordem de prioridades.

g. No que diz respeito à Família e ao Matrimónio emÁfrica, gostaria de identificar e sublinhar os valores queforam exprimidos e promovidos em áreas tais como:

- Iniciação como rito de passagem e como educaçãopreparatória para a vida familiar.- O envolvimento da família alargada na escolha dos

parceiros.- O processo matrimonial através de várias etapas.- A instituição do Lobolo.- A instituição da Poligamia (várias esposas)- O costume do levirato e o cuidado das viúvas.

3. Agora deveríamos ordenar os valores positivos na culturatradicional que foram ameaçados pela presente mudançacultural. Por detrás das expressões concretas de cadacultura, existe um certo número de atitudes e valores quesão promovidos porque, nessas circunstâncias, são osmais aptos para conseguir a promoção do bem comum.Quando muda o contexto vital como resultado do contactocom uma cultura diferente, são adoptada novas maneirasde fazer que são as expressões externas da nova cultura.Estes caminhos novos, talvez foram desenvolvidos paraapoiar uma gama de valores diferentes dos da culturatradicional. O perigo está em que a adopção de novasmaneiras pode ser interpretado como a rejeição ou odegradar dos valores tradicionais. Assim a mudança decostumes, instituições ou maneiras de fazer pode ter comoresultado a perca desses valores. Porém, é muito possívelque esses valores ainda sejam necessários na construçãoda nova cultura. Portanto, é importante identificar os valoresespecíficos que estão em perigo de ser esquecidos nodecorrer da mudança cultural, de maneira que se lhes

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encontre um novo lugar na construção dessa nova maneirade viver.

Os valores em perigo devem ser identificadosclaramente.Eis aqui alguns exemplos:

a. A importância da cooperação e interdependência: Osfactores que impõem uma maneira de viverindividualista, provavelmente vão enfraquecer ocostume importante de estar atentos aos outros etrabalhar junto com eles na aceitação de que todosprecisamos de todos. Em grande medida, a “culturamoderna” que está sendo adoptada pelas novasgerações tende a promover a autonomia eindependência pessoal. Encoraja a expressãoindividual e a protecção da esfera privada, à vezes atéao ponto de não se preocupar da repercussão que asacções individuais podem ter nos outros. Mais ainda,trata-se da cultura de uma sociedade muito competitivaem que , em muitas áreas da vida, indivíduos e gruposmais bem vão competir mais entre si do que cooperar.Na sociedade tradicional muitas das instituições ecostumes pretendiam promover os valores dacooperação e da atenção aos outros. Quando, por umarazão ou por outra, tais costumes mudam, há o perigode que os valores de ajuda mútua e de cooperaçãopossam perder-se.

b. Respeito pelos Anciãos e pela Autoridade: Na vidatradicional, os anciãos eram considerados como a fonteda sabedoria por causa da sua suposta experiência davida. Mais ainda, eram vistos como estando próximosdos Antepassados dos quais a comunidade recebeprotecção e guia. Da mesma maneira os constituídosem autoridade eram especialmente respeitados porque

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eles eram representantes oficiais dos Antepassados;mas também, na prática, porque eles eram os garantesda ordem e da segurança. No contexto moderno, osucesso parece depender mais da aquisição e dacompetência da tecnologia e da ciência moderna. Sobreestes , a autoridade tradicional não tem domínioautomático. A sabedoria que eles podem reclamar parasi é quase irrelevante na nova maneira de viver. Alémdisso, dada a tendência secular da vida moderna, aligação com os Antepassados e o mundo dossobrenatural tende a não ter especial valor. As atitudestomadas da cultura moderna podem, portanto, ter comoconsequência o enfraquecimento do respeito pelosAnciãos e pela autoridade. Porém esses valores semprepermanecerão cruciais na construção de uma novacultura.

c. Há mais valores em perigo que correm o risco de seremesquecidos. O principal aqui é estar atentos a elesquando estamos a tratar problemas de família ou davida matrimonial. Mesmo que o contexto presente possanão favorecer a continuação de costumes e maneirasde fazer nas quais esses valores se exprimiam, ospróprios valores devem ser lembrados. Precisarão deencontrar novas expressões na cultura que sedesenvolve.

4. Devemos identificar, também, os valores que aparecemna cultura moderna. Primeiramente porque essas maneirasde fazer vieram para ficar. Não podemos por o relógio nopassado, tentando restaurar toda a gama de costumes einstituições na esperança vã de que sirvam para expressaros mesmos valores como no passado. Seria um exercíciofútil de arqueologia: a tentativa de criar peças de museu quenão funcionam no contexto vital em mutação. De umamaneira ou de outra, os novos caminhos da cultura tentam

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expressar outros valores que são mais apropriados paradesenvolver a nova maneira de viver que pode ser tão bemsucedida como a tradicional. Devemos tentar identificaresses valores e explorar de que maneiras podemenriquecer a cultura futura.Alguns exemplos:

a. O valor e os direitos da pessoa humana: Todos os sereshumanos criados a imagem de Deus, tem um valorpessoal e intrínseco só pelo facto de serem sereshumanos. Este valor não depende dos desejos ouescolhas da sociedade. Consequentemente eles têmdireitos inalienáveis que devem ser respeitados pelosoutros e pela sociedade. Na construção da sociedademoderna há a tentação de tratar os indivíduos comocoisas ou objectos, ou desprezar os direitos humanosdos indivíduos. O que identificamos na cultura modernacomo uma tendência para o individualismo pode,também, ser visto como afirmação de este valor dapessoa humana.

b. A importância da auto-suficiência: No contexto da vidamoderna não é realístico depender sempre dos outros;muito menos, viver como parasitas na casa de parentes,amigos ou benfeitores, quando a pessoa pode defender-se por si própria. Cada um tem que ser auto-suficiente,o mais possível. Há muitos problemas hoje nas famíliase nas comunidades porque se abusa muito do valortradicional de interdependência. A vida moderna seráum sucesso desde que os indivíduos e as comunidadesse esforçam por serem o mais auto-suficiente possível.

c. O desejo de desenvolver e conseguir uma melhor vida,tanto económica como social: A vida moderna estadireccionada para um maior progresso material eeconómico. Isto pode ser uma expressão de um

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materialismo crasso; mas, por outro lado, leva consigo odesejo de fazer a vida mais humana, de vencer apobreza e a doença, e de fazer um mundo melhor paraos filhos de Deus. Isto é certamente um valor que deveinspirar a gente no seu trabalho por um mundo melhor.

d. Podemos identificar outros muitos valores que são olado positivo da cultura moderna. É importante lembrar-se deles quando estamos lutando com os problemas dafamília e do matrimónio.

5. “A invenção da Tradição”: É o título de um livro publicadoem 1983 7 O livro examina alguns costumes europeus,rituais e instituições que foram apresentadas e aceitescomo ‘tradições’ trazidas de um passado longínquo. O livroargumenta que , em muitos casos, essas tradições foramdesenvolvidas só recentemente como poderosos símbolospara estimular uma identidade nacional. São dadosexemplos, incluindo instituições e rituais usados em Áfricapelos governos coloniais e transmitidos como tradiçõeseuropeias. O que acontecia aqui era que alguns itens dopassado tradicional desta ou daquela comunidade europeiaque perderam sua função prática na vida moderna foramnovamente trazidas e implementadas. Receberam, então,uma nova significação e objectivo capaz de ser usado paraconseguir objectivos nos empreendimentos coloniais,mostrando força ou dignidade, etc. aos olhos do povosubmetido. Embora uma tal reprodução de itens do passadoera um mero arqueologismo, serviu um objectivo muito útilporque criou instrumentos válidos para manter o podercolonial. Foi feito investindo os itens passados com umpoder novo para afirmar a identidade dos assuntos coloniais

7 Eric Hobsbawm and Terence Ranger, eds, The Invention of Tradition,Cambridge University Press, 1983

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e para arrancar respostas apropriadas dos povoscolonizados.

Na situação presente de mudança cultural em África,não há razão para nós não aprender-mos com esteprocesso de inventar ‘tradições’ úteis explorando temas dopassado africano. Itens bem escolhidos podem se tornarsímbolos poderosos que mobilizem o orgulho da gente e aafeição pela sua identidade africana e que sejam capazesde exprimir valores, atitudes e sentimentos que reforçam oseu compromisso cristão. Isto é o que o movimento para a‘Inculturação está tentando fazer. Neste empreendimento oproblema é como unir símbolos apropriados com os valoresverdadeiros. Existe sempre o perigo de escolher umsímbolo que evoca conotações erradas e que se tornacontraproducente. Algumas pessoas estão contra a ideiamesma de ‘Inculturação’ por causa desse perigo. Estãoobsessionadas pelo medo de ‘voltar ao paganismo’. Mas orisco de fazer coisas más, não nos deve afastar deexperimentar. Somente temos que permanecersuficientemente humildes para abandonarempreendimentos que não foram um sucesso. O métodomais útil é envolver a mesma gente tanto no trabalho deinventar como também na avaliação.

A área do matrimónio e da família apresenta muitaspossibilidades de descobrir símbolos potenciais deste tiponas cerimónias, rituais e factos culturais. Em alguns paísesforma feitos experimentos que se tornaram úteis. Isto é umencorajamento para nós para intensificar os nosso esforçosde Inculturação.

6. As Pequenas Comunidades Cristãs como o lugar maisapropriado para um ministério pastoral da família e domatrimónio. A maior parte dos problemas que afectam omatrimónio e a vida familiar são devidos à desintegração da

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vida comunitária tradicional. Os vários costumes eprocedimentos que se usavam para fortalecer a instituiçãodo matrimónio estavam enraizadas na experiência do povovivendo juntos como uma entidade corporativa: famíliaalargada, aldeia, clã e outros. Dentro destas comunidadesos parceiros matrimoniais podiam encontrar orientação,apoio, e objectivos. Agora que essas comunidades naturaisperdem coesão, é na comunidade cristã que a instituição domatrimónio terá a possibilidade de encontrar aquele apoio.Nos nossos países, o projecto de basear a vida e aactividade da Igreja nas Pequenas Comunidades Cristãs foijá declarado como prioridade. Ao esforçarmo-nos porrealizar este programa temos que fazer um esforço especialpara integrar o apostolado familiar no funcionamento geralde tais comunidades.