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1 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS PÁTRIA EDUCADORA: A QUALIFICAÇÃO DO ENSINO BÁSICO COMO OBRA DE CONSTRUÇÃO NACIONAL Este documento, proposta preliminar para discussão, apresenta diretrizes de um projeto nacional de qualificação do ensino básico. O documento divide-se em duas partes. A primeira parte -- A TAREFA -- esboça o ideário do projeto. A segunda parte -- INICIATIVAS -- elenca conjunto de ações que, executadas em ordem sucessiva, começariam a dar realidade ao ideário. Brasília, 22 de abril de 2015

Pátria Educadora - Qualificação do ensino básico como obra de construção nacional

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Documento da Secretaria de Estudos Estratégicos da Presidência da República. Versão preliminar.

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    PRESIDNCIA DA REPBLICA SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATGICOS

    PTRIA EDUCADORA:

    A QUALIFICAO DO ENSINO BSICO COMO OBRA DE CONSTRUO NACIONAL

    Este documento, proposta preliminar para discusso, apresenta diretrizes de um projeto nacional de qualificao do ensino bsico. O documento divide-se em duas partes. A primeira parte -- A TAREFA -- esboa o iderio do projeto. A segunda parte -- INICIATIVAS -- elenca conjunto de aes que, executadas em ordem sucessiva, comeariam a dar realidade ao iderio.

    Braslia, 22 de abril de 2015

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    PARTE I: A TAREFA O Brasil j avanou decisivamente na ampliao do acesso ao ensino, desde a creche at a universidade. H muito ainda a fazer para assegurar a universalizao do acesso em todos os nveis. No podemos, porm, aguardar que a universalizao se complete para enfrentar nosso outro grande problema em matria de educao pblica: a qualidade do ensino. A onda da ampliao precisa ser seguida agora por onda de qualificao. Nossa situao dramtica. No h outro pas entre as maiores economias do mundo que figura, como figura o Brasil, entre os pases com pior desempenho nas comparaes internacionais. Oito estados brasileiros tm, pelos critrios utilizados nestas comparaes, resultados piores do que o ltimo pas nos rankings. No final do terceiro ano do ensino mdio, mais da metade dos alunos mal consegue ler ou escrever texto simplrio. E s pequena porcentagem alcana em matemtica nvel considerado internacionalmente aceitvel. A tarefa de qualificar o ensino pblico desdobra-se em trs vertentes: a construo de iderio que oriente a transformao pretendida; a definio de elenco de aes que sinalize o caminho e identifique os primeiros passos para trilh-lo; e a organizao de debate que engaje a nao na definio e execuo da tarefa. Na histria moderna, os que lideraram a qualificao do ensino pblico tornaram-se figuras centrais na histria de seus pases, identificados como refundadores ou libertadores de suas naes. Foi no sculo 19 o caso de Domingos Sarmiento na Argentina e no sculo 20 o de Jos Vasconcelos no Mxico. No Brasil, Ansio Teixeira foi quem mais se aproximou deste papel, embora tenha ficado longe de exercer influncia da dimenso destes inovadores. No h na histria do Brasil ou do mundo um nico exemplo de grande mudana em educao que no tenha sido liderada por grupo coeso e vanguardista, com posio dentro do Estado ou influncia forte sobre as polticas pblicas. Em cada caso de transformao, tal grupo formou iderio que definiu trajetria. Traduziu o iderio em iniciativas que representaram os primeiros passos de caminho ambicioso. E construiu,

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    com base no iderio e nas iniciativas, mstica nacional capaz de despertar adeso e arrebatamento. No h exemplo de qualificao do ensino que tenha dado certo apenas pelo caminho de aes pontuais, por mais meritrias que fossem. H de haver, mais em educao do que em qualquer outro campo, dialtica entre a viso inspiradora e as iniciativas imediatas. Ao mexer simultaneamente com instituies e com conscincias, qualquer mudana sria em educao revolucionria em seu alcance, ainda que progrida em partes e por etapas. Ningum faz revoluo com mentalidade ou mtodo de tecnocrata.

    O contexto maior da empreitada O esforo para qualificar o ensino pblico surge no Brasil dentro de contexto maior: a construo de nova estratgia de desenvolvimento nacional. Nas ltimas dcadas nosso crescimento econmico foi alavancado pela produo e exportao de commodities e pela popularizao do consumo. Milhes de brasileiros foram resgatados da pobreza. A alta no preo de nossos produtos agropecurios e minerais obscureceu, porm, as limitaes e as fragilidades desta maneira de crescer. Temos agora de fazer a travessia para outra estratgia de desenvolvimento: produtivismo includente, pautado por democratizao de oportunidades econmicas e educacionais. Trata-se de democratizar a economia do lado da oferta, no apenas, como foi at agora, do lado da demanda. A democratizao do lado da demanda pode progredir s com dinheiro. A democratizao do lado da oferta requer inovao institucional. E tem por contraparte e condio o aprofundamento da democracia. O objetivo, mais do que construir novas vantagens comparativas na economia mundial, dar a cada brasileiro chance melhor para ficar de p. neste quadro que se insere a qualificao do ensino bsico: ela a parte mais importante deste novo modelo de desenvolvimento -- produtivista, capacitador e democratizante.

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    Pontos de partida A proposta a construir e a implementar tem trs pontos de partida. 1. Aproveitar e ultrapassar o exemplo do que deu certo. Nos ltimos anos o Brasil viu grande nmero de experimentos na tentativa de melhorar os resultados do ensino pblico. Muitos destes experimentos seguiram lgica de eficincia empresarial, valendo-se de prticas como a fixao de metas de desempenho, a continuidade da avaliao, o uso de incentivos e de mtodos de cobrana, o acompanhamento e, quando necessrio, o afastamento de diretores, a despolitizao da escolha de diretores e a individualizao do ensino, especialmente para alunos em dificuldade. Tais prticas surtiram efeitos positivos inegveis. Devem ser incorporadas ao projeto de qualificao do ensino pblico. Esto, porm, longe de compor o conjunto do projeto de que precisamos: so mais eficazes nos degraus inferiores do ensino bsico do que nos superiores; tm eficcia decrescente, uma vez alcanado o patamar que possibilitam alcanar; deixam intocado o paradigma curricular e pedaggico e no sustentam o movimento de que precisamos para enfrentar interesses e preconceitos contrariados. Temos muito a aprender com a orientao empresarial. Precisamos, contudo, de muito mais do que ela capaz de oferecer. 2. Mudar a maneira de ensinar e de aprender. Nosso ensino tradicionalmente pautado por enciclopedismo raso e informativo. De acordo com o ponto de vista que imperou no Brasil, o melhor aluno seria o que melhor conseguisse decorar a enciclopdia ainda que no demonstrasse capacidade para mobilizar a informao a servio do raciocnio analtico. A interpretao de textos exemplifica o problema. Mesmo quando vence a barreira da alfabetizao funcional grande parte de nossos alunos no consegue ou mal consegue interpretar textos, sobretudo quando nestes textos se introduz algum componente de abstrao. Instados a interpretar o texto, repetem seu contedo, literalmente ou por parfrase. Oscilam entre repetio e devaneio.

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    Que futuro pode ter um pas em que repetio e devaneio so as nicas duas maneiras de responder a ideias escritas? O que encontram dificuldade em fazer os estudantes formados por este regime destrinchar os elementos do texto, compreender e explicar as relaes entre eles e tom-los como base para outras formulaes. Tal prtica pedaggica a negao de ns mesmos: das caractersticas mais constantes de nossa maneira de ser. E contradiz os requisitos do experimentalismo cientfico e do vanguardismo tecnolgico. Precisamos de ensino que use o aprofundamento seletivo como palco para a aquisio de capacitaes analticas, direcionadas s habilidades centrais de anlise verbal e de raciocnio lgico. E que permita massa de alunos, vindos do meio pobre, superar as barreiras pr-cognitivas que os impedem de aceder s capacitaes analticas. Ser obra de libertao. 3. Organizar a diversidade para permitir a evoluo. Nunca tivemos sistema nacional de ensino. A educao pblica no Brasil tem sido simultaneamente desorganizada e uniforme: uniforme no conformismo com a mediocridade. Ao propor organizar sistema nacional de ensino, corremos o risco de nos deixar seduzir pela associao de organizao com uniformidade. Resistamos a esta tentao. A imposio de planilha uniforme ao ensino brasileiro seria incompatvel com nosso federalismo e com nossas diferenas. E suprimiria o espao para o experimentalismo. Nosso objetivo deve ser o de substituir a uniformidade desorganizada pela diversidade organizada. Sem organizao no h como aprender com a experincia. No h como evoluir.

    Eixos da qualificao do ensino pblico A transformao do ensino pblico que comece nestes pontos de partida deve incluir iniciativas em quatro campos: a organizao da cooperao federativa na educao; a reorientao do currculo e da maneira de ensinar e de aprender; a qualificao de diretores e de professores e o aproveitamento de novas tecnologias.

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    Cada aspecto deste projeto animado pelo mesmo esprito: o de construir ensino que d olhos energia humana que fervilha, desequipada, no Brasil.

    Construir o federalismo cooperativo no ensino bsico Em todos os setores das polticas pblicas, avanos costumam depender de cooperao dentro da federao. Graas ao Sistema nico de Sade (SUS), a cooperao federativa est desenhada muito melhor na sade do que na educao. Na educao temos apenas elementos fragmentrios do federalismo cooperativo, explcito no desenho do FUNDEB e implcito na prtica do FNDE. O Plano Nacional de Educao invoca o regime de cooperao, porm no o desdobra em pormenor. Nunca vivemos na educao movimento como aquele que culminou no SUS. Maneira simples de colocar a problemtica do federalismo cooperativo na educao dizer que se destina a reconciliar a gesto das escolas pelos estados e municpios com padres nacionais de investimento e de qualidade. A qualidade do ensino que uma criana brasileira recebe no deve depender do acaso do lugar -- ou da classe social -- em que ela nasce. A soluo em pas de nosso tamanho, de nossa complexidade e de nossas tradies polticas e constitucionais no federalizar o ensino bsico. organizar o federalismo cooperativo em educao. Para reconciliar gesto local com padres nacionais, precisamos de trs instrumentos: sistema nacional de avaliao e de acompanhamento; mecanismo para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres e procedimentos corretivos para consertar redes escolares locais defeituosas. 1. Na avaliao estamos na vanguarda mundial. H, porm, duas iniciativas teis ao projeto maior. A primeira iniciativa o uso da Prova Brasil para estabelecer Cadastro Nacional de Alunos. O Cadastro facilitar a individualizao de oportunidades de ensino: medidas de apoio a alunos com baixo desempenho e admisso de alunos a programas e escolas de referncia.

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    A segunda iniciativa o desempenho pelo INEP, ou de entidade alternativa, da funo de identificar os experimentos mais exitosos no Sistema Pblico de Ensino e de dissemin-los. Crucial para regime aberto ao experimentalismo que tenha como reagir ao xito diferencial dos experimentos, propagando o que melhor funcionar em vez de ficar sujeito fora inercial das prticas herdadas. 2. Nos mecanismos redistribuidores, convm distinguir entre o que factvel a curto, a mdio e a longo prazo. A curto prazo, o melhor caminho reorientar o FNDE para financiar, mediante adeso dos estados e municpios, a maior parte dos programas propostos aqui. Embora estes programas no sejam explicitamente redistribuidores, eles o so implicitamente: trabalham em favor da obedincia a critrios nacionais de qualidade. Ao colocar recursos federais a servio da elevao de todos a tais nveis, estaremos de fato praticando a redistribuio. Desde que o faamos por meio de programas a que os estados e municpios possam aderir voluntariamente, no transgrediremos as regras federativas constitudas. natural que este trabalho se faa por meio do FNDE: em primeiro lugar, porque os programas do FNDE no esto sujeitos s normas restritivas do FUNDEB; em segundo lugar, porque os recursos federais no FNDE representam mltiplo dos recursos federais no FUNDEB. 3. no terceiro campo, o do conserto de escolas ou redes escolares persistentemente malogradas, que temos mais trabalho a fazer e maior necessidade de mudar as leis ou at de emendar a Constituio. A ideia central dispor de procedimento que una os trs nveis da federao em colegiados capazes de atuar, juntos, para consertar partes do sistema pblico que no atinjam o patamar mnimo. Teriam de ser, no incio, as situaes mais extremas, onde a carncia mais premente vem acompanhada da menor capacidade institucional. Se os incentivos ao que funciona no tiverem como contrapartida o conserto do que malogra, o resultado ser apenas aumentar a desigualdade dentro da federao.

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    Em primeira etapa, quadro prprio do governo federal trabalharia com suas contrapartes nos estados para tratar das situaes mais graves. Os diretores de escolas com desempenho insatisfatrio receberiam apoio e orientao. Em ltimo caso, seriam afastados e substitudos. Em ambas as situaes, atuariam equipes de reforo, compostos por orientadores indicados pelo Ministrio da Educao e das secretarias de educao dos estados. O financiamento viria de recursos discriminados dentro do FNDE. Em segunda etapa, seria estabelecido colegiado transfederal para cumprir a tarefa corretiva. A melhor analogia com que contamos dentro das regras atuais so as comisses tripartites ou intergestoras do Sistema Unificado de Sade. Disponibilizados mais recursos, como os do pr-sal no futuro, um terceiro fundo poderia ser constitudo, ao lado do FUNDEB e do FNDE, com vocao ostensivamente redistribuidora. Entre as atribuies deste fundo estaria a de financiar as aes corretivas. As aes de cooperao federativa descritas acima avanaro em trs passos. Muito pode ser feito, nos trs campos -- avaliao, redistribuio e correo -- por iniciativa infralegal, graas a mera mudana de prticas. O desdobramento, porm, exigir legislao, inclusive leis que especifiquem o regime de cooperao invocado no Plano Nacional de Educao e que regulamentem a disciplina constitucional das competncias concorrentes dentro da federao (artigo 23 da Constituio). Por fim, nos desdobramentos mais ousados deste desenho, caber emenda constitucional para organizar a cooperao federativa na educao.

    Mudar o paradigma curricular e pedaggico do ensino bsico A essncia da mudana necessria a substituio progressiva de decoreba enciclopdica por capacitao analtica. A primazia deve caber sempre s capacitaes analticas: interpretao e composio de texto e raciocnio lgico. A reorientao deve ter trs focos: a prioridade dada no currculo a aprofundamento seletivo, a ateno a capacitaes analticas e o enfrentamento das inibies pr-cognitivas (comumente chamadas de socioemocionais) ao domnio das capacitaes analticas. So as

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    capacitaes de comportamento, sobretudo as de disciplina e de cooperao. 1. Aprofundamento seletivo. A tradio o enciclopedismo raso: a memria ocupa o lugar do entendimento e da capacitao. Na ausncia de currculo nacional, os contedos a serem decorados so os do livro didtico: os vcios do enciclopedismo so, por conseguinte, agravados pelo cunho acidental e arbitrrio da histria dos livros didticos. O temrio estudado vira amontoado de (supostos) fatos: o mundo reduzido a museu de curiosidades inexplicadas. Desprovido de equipamento para pensar e para mobilizar a informao a servio do pensamento, o aluno afunda na incapacidade e no tdio. Quando se prope rejeitar o enciclopedismo informativo, a tentao substituir a enciclopdia grande por enciclopdia menor. a ideia de currculo nuclear, de contedos comuns. No o melhor caminho: aquele que leva ao empoderamento progressivo do intelecto. No h contedos indispensveis ao conhecimento. Em sistema de ensino, como o que nos propomos a construir, que organize a diversidade e que privilegie as capacitaes, de anlise e de comportamento, no pode haver contedos consagrados. O que vale profundidade. O aprofundamento seletivo o terreno para o domnio das capacitaes analticas. O foco temtico do aprofundamento pode e deve ser mutvel ou itinerante: a capacitao se fortalece medida que variam seus campos de aplicao. Os projetos tomam o lugar do enciclopedismo cannico, mesmo quando o enciclopedismo bate em retirada rumo a conhecimentos tidos como indispensveis. No fundamental 1, no se pode distinguir com segurana entre contedo e capacitao. No fundamental 2, a diferena comea a ganhar relevncia. No ensino mdio, torna-se decisiva. O ENEM pode ser modificado -- mais facilmente ao se tornar ENEM digital -- para dar fora a esta concepo da base curricular comum. 2. O currculo como sequncia de capacitaes: sequncia padro e sequncias especiais. O Currculo Nacional deve ser, portanto, organizado como sequncia de capacitaes, adquiridas e exercitadas

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    em campos variveis, sob o signo da primazia de aprofundamento sobre abrangncia, medida que o ensino mdio avana para seus degraus superiores. (Exemplo interessante de esforo neste sentido o currculo nacional australiano.) O currculo, porm, deve tambm comportar sequncias especiais, para os alunos que enfrentem maior dificuldade ou que demonstrem maior potencial. As sequncias especiais serviro como espao ainda mais aberto do que a sequncia padro para o experimentalismo pedaggico e para a individualizao do ensino. Tanto a sequncia curricular padro como as sequncias especiais precisam ser encarnadas em rico repertrio de protocolos disponibilizados aos professores. Os protocolos daro exemplos prticos e pormenorizados de como liderar cada aula em cada disciplina. Substituiro o livro didtico na imprpria funo de servir como guia curricular residual. Ao aluno em dificuldade no se h de ficar repetindo maneira de ensinar que no deu certo a primeira vez. O sequenciamento precisa mudar, junto com o mtodo. Da mesma forma, o aluno com maior potencial em determinado campo, como matemtica, pode no ter de aguardar para encontrar a matemtica abstrata muitos anos depois, no ensino superior. Pode, por exemplo, ser introduzido aritmtica por meio da teoria dos conjuntos. (Experincias em grande escala em pases como a China demonstram a eficcia desta inverso de sequncia). H duas maneiras de criar oportunidades especiais para os alunos com maior potencial. No se contradizem; complementam-se. Uma criar programas especiais dentro das escolas comuns. Outra fundar rede federal de escolas mdias de referncia chamadas Escolas Ansio Teixeira. Alunos concorrero para serem admitidos a estas escolas. As Escolas Ansio Teixeira tero, portanto, finalidade dupla: servir de casa para as sequncias curriculares mais exigentes e funcionar como espao privilegiado para o experimentalismo pedaggico. Os dois objetivos se vinculam: prticas introduzidas inicialmente para atender vocaes especiais podem atuar como vanguarda de prticas que depois

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    se generalizam, com ajustes, para todo o sistema de ensino. Por esta razo, as escolas de referncia trabalharo intimamente integradas aos Centros de Qualificao Avanada para os professores, descritos na segunda parte deste documento. A insistncia em incorporar ao ensino oportunidades acadmicas extraordinrias para os que possam aproveit-las combina com outras iniciativas propostas neste iderio para exemplificar um compromisso: o de sacudir a mediocridade. No se sacode a mediocridade apenas para acomodar elite de talentosos. Sacode-se a mediocridade, certo, para impedir que nossos Newtons e Darwins continuem a baixar sepultura sem se haverem reconhecido. Mas sacode-se a mediocridade, tambm, para levantar a todos. Os que no quiserem ou conseguirem, em primeiro momento, admisso aos programas especiais ou s escolas de referncia seriam prejudicados pela negao de oportunidades a alunos com potencial extraordinrio. Seriam empurrados para baixo, como so agora, pela supresso de fontes de inspirao no sistema de ensino, ao mesmo tempo que a nao empobrecida pela rendio mediocridade, travestida de compromisso igualitrio. Todas as democracias do mundo enfrentam, na educao, a tenso entre os ideais de universalidade e igualdade, de um lado, e a determinao de assegurar espao aos talentos, de outro. A soluo no est em impedir a variao do ensino e em impor a mediocridade em nome da democracia. Est em usar os programas especiais para subsidiar a transformao dos programas gerais. Est tambm em tomar medidas pr-ativas para identificar vocaes incomuns na massa de estudantes pobres e prepar-los para candidatar-se s escolas de referncia e s sequncias curriculares especiais. S assim evitaremos, dada a desigualdade do pas, que apenas a classe mdia intelectualmente ambiciosa as aproveite. Corolrio desta viso do currculo e da maneira de ensinar e aprender a rejeio de contraste rgido entre o ensino geral, voltado para a formao de elites, e o ensino tcnico, dirigido a trabalhadores. Copiamos no Brasil o antigo modelo alemo de ensino vocacional: o ensino de ofcios rgidos e tradicionais, associados tambm a mquinas padronizadas. Este tipo de ensino vocacional tem seu lugar no preparo

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    para o mercado de trabalho. No deve, porm, inspirar as grandes linhas da escola mdia. As exigncias da democracia e da evoluo econmica caminham no mesmo sentido: o de estabelecer fronteira aberta entre ensino geral de orientao analtica e ensino prtico que privilegie capacitaes flexveis e genricas, como so as demandadas pelas tecnologias contemporneas de produo. As escolas tcnicas federais devem pouco a pouco reorganizar-se de acordo com este figurino. 3. Capacitaes pr-cognitivas Grande parte da massa de alunos pobres no pas enfrenta obstculos que podem parecer intransponveis em subir a escada das capacitaes analticas. So as inibies, s vezes chamadas socioemocionais, que barram o caminho. No se deve confundir a determinao de superar tais impedimentos com a tentativa de fazer da escola agente de doutrinao moral. Tal tentativa representa assalto contra a conscincia individual. Teve o mesmo destino em todos os pases em que foi experimentada: a de ser resistida e ridicularizada como o autoritarismo moral obtuso que . Trata-se de trabalhar no terreno de capacitaes pr-cognitivas que faltam a crianas sadas da pobreza mais comumente do que faltam aos filhos da classe mdia. Estas capacitaes no trazem bondade: trazem poder. Empoderam os maus tanto quanto os bons. So capacitaes de comportamento tanto quanto de conscincias. Dois conjuntos destas capacitaes merecem ateno maior: as de disciplina e de cooperao. Ambas so indispensveis para aproveitar o tipo de ensino que aqui se prope. Disciplina inclui poder de concentrao nas tarefas da aprendizagem, e, portanto, determinao de manter rotina de trabalho, habilidade para hierarquizar as tarefas em ordem de importncia e de premncia, disposio para organizar o tempo e para tratar o futuro como presente, dedicao ao cumprimento dos compromissos e energia para reprimir distraes e tentaes. No fundo existencial da disciplina est a aliana entre a ambio e a autoestima.

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    Num meio social organizado e livre dos extremos da opresso e da desigualdade, lugar para aprender disciplina em casa. A escola apenas completa o que a famlia comeou. Quando a famlia no consegue desempenhar esse papel, porm, a escola tem de assumir parte das tarefas da famlia. a situao que se multiplica em grande escala no Brasil: nas periferias e nos bairros pobres de nossas cidades, mais da metade das famlias costuma ser conduzida por me sozinha, casada ou solteira. Revezam-se os homens como companheiros instveis. Esta me, pobre e geralmente negra ou mestia, luta para zelar pelos filhos e para manter ao mesmo tempo emprego ou biscate. Um quadro de agentes comunitrios, organizados talvez sob a gide dos Ministrio de Desenvolvimento Social e de suas contrapartes nos estados (mais uma vez o federalismo cooperativo), tem de buscar este aluno. Tem de assumir parte das tarefas da famlia ao criar, na escola, espao de estmulos e cobranas em turno social ampliado. Esta uma das principais razes para estender o turno escolar. To importante quanto a disciplina a cooperao. As prticas cooperativas representam porta para as formas superiores de aprendizagem e de produo. o mtodo do trabalho cientfico tanto quanto , cada vez mais, a base de qualquer atividade produtiva densa em conhecimento. As formas mais avanadas da produo so aquelas que pedem ao trabalhador fazer tudo aquilo que ainda no aprendemos a repetir e que portanto no podemos delagar a mquinas. Entre as prticas cooperativas, h natural hierarquia: as mais fecundas so as que que menos dependem de comando e controle e as que se organizam por diviso relativa, flexvel e mutvel de tarefas. A melhor maneira de ensinar a cooperar no discorrer a respeito da cooperao; exemplific-la. A escola ensinar cooperao na medida em que se organizar cooperativamente. Nossas salas de aulas costumam combinar o individualismo com o autoritarismo: o aluno passivo, e confinando a sua mesa, ouve o professor falante. Ensino analtico e capacitador s pode ser ensino cooperativo, organizado em forma de equipes e redes, de alunos e de professores.

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    Os benefcios desta transformao do cunho social do ensino so imensos. Destes benefcios, dois so preeminentes: o empoderamento que resulta para as etapas posteriores do trabalho e do estudo, e o fortalecimento imediato da capacidade que tero alunos e professores para enfrentar e corrigir suas limitaes. O avano pode ocorrer mais rapidamente quando seu agente no o indivduo limitado ao manejo de seus prprios recursos. ao cooperar que avanam, juntos.

    Diretores e professores No se consegue qualificao decisiva do ensino pblico sem mudar a situao, o equipamento e a composio do professorado e dos diretores de escola. Tecnologias e tcnicas -- consideradas na parte seguinte desta proposta -- no dispensam professores e diretores qualificados e estimulados para construir e implementar esta alternativa. So instrumentos, no substitutos, dos recursos humanos da educao. Tratar da realidade de professores e diretores no Brasil enfrentar dificuldades de toda a ordem. No h solues simples; s h respostas exigentes, que dependem, para sua eficcia, umas das outras. Felizmente, embora ligadas, podem ser decompostas em partes. Importante a demarcao do caminho e a clareza na seleo dos passos necessrios para trilh-lo. Exemplo da ineficcia de solues singelas e isoladas a insuficincia de aumento da remunerao de professores. H abundante evidncia emprica para demonstrar que aumentar, ainda que substancialmente, o salrio do professor no resulta, por si s, em melhora do ensino, ainda que, junto com muitas outras medidas, possa tornar a carreira (quando ela existir) mais atraente. Lembremos alguns elementos de uma realidade que ameaa gerar desalento, tantos e tamanhos so os obstculos. Os diretores so gestores que exercem, para o bem e o mal, enorme influncia na escola. Em grande parte do pas, so nomeados por apadrinhamento poltico ou eleitos em processos que favorecem a irresponsabilidade e a indiferena ao mrito.

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    Os professores vm comumente dos alunos mais fracos do ensino mdio. Encontram maior facilidade em ingressar nas escolas de pedagogia, sobretudo as privadas. Estudos sugerem que a maior parte dos professores no nosso ensino mdio sofreu pelo menos uma reprovao. S pequena poro se forma na pedagogia e nas licenciaturas das universidades federais. Estas esto longe de oferecer ensino compatvel com rumo como o que aqui se prope. Deixam-se fascinar, ao gosto de cada catedrtico, com o torneio de manual entre filosofias da educao. Costumam, entretanto, prover ao menos alguns elementos de formao aceitvel. No o caso da grande maioria dos professores, formada em instituies particulares, muitas de seriedade duvidosa, dedicadas ao lucro e carentes de recursos intelectuais. voz corrente nas universidades e no professorado que os melhores alunos costumam no ficar na docncia. Demonstradas suas credenciais, cedo procuram escapar para outra profisso. Dos que ficam, muitos procuram minimizar, a qualquer custo, tempo na sala de aula. Comumente preferem tarefas administrativas. Porcentagem impressionante, e sem equivalente em outro lugar do mundo, falta ao trabalho alegando doena. Rememorar estes fatos pode ser politicamente inconveniente. O comeo do salvamento, porm, reconhec-los para poder mud-los. Enquanto forem objeto de silncio obsequioso no h como construir ensino pblico de qualidade. No se trata de demonizar o professorado, que tambm produto e vtima de uma histria de descalabro. Trata-se de construir os instrumentos da mudana; a esperana, e com ela mais energia transformadora, ser efeito da ao. 1. Diretores. Tudo pode comear a mudar numa escola com bom diretor. Duas sries de iniciativas podem aproveitar, em grande escala, este potencial dos diretores para promover mudanas: as que premiam escolas por alcanar metas de desempenho e as que intervm na formao dos diretores. Escolas (mais do que diretores indvidualmente) podem ser premiadas por alcanar metas de desempenho, cujo cumprimento seria avaliado por comisses independentes. A avaliao ter de levar em conta as

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    circunstncias de cada escola e o avano alcanado sobre o ponto de partida. Para no aprofundar desigualdades, o estmulo ao xito ter de ter como contrapartida medidas destinadas a corrigir os malogros. No basta, porm, confiar no efeito dos incentivos. preciso intervir na formao de diretores. A Unio deve estabelecer, em parceria com os estados, rede regional de Centros de Formao de Diretores. (Das experincias estrangeiras neste campo a mais esclarecedora e influente a inglesa.) Numa primeira fase, estes Centros se dedicariam apenas formao, em cursos intensivos, dos que j so diretores. Em segunda fase, com estrutura e recursos maiores, passariam a formar candidatos a diretor. Parte do acerto com os estados, que desemboque na construo de diretrizes de uma carreira nacional de professor, deve ser o de escolher os diretores entre os habilitados por estes centros, seja qual for o mtodo de escolha. Ambas as sries de iniciativas dependero de adeso dos estados federados, motivada pelas vantagens dos programas, inclusive acesso ampliado a recursos do FNDE. 2. Professores: qualificao. Igualmente necessrias, porm carentes de escala muito maior, so iniciativas de qualificao do professorado. A inaugurao de Centros de Formao de Diretores deve ser seguida pelo estabelecimento de Centros de Qualificao Avanada para professores. Tais centros ministraro cursos intensivos para suplementar a formao nos cursos de pedagogia e licenciatura, desenvolver as prticas e os protocolos exigidos pelo Currculo Nacional e discutir as experincias e as inovaes do professorado. Os Centros devem funcionar em colaborao com o INEP e com a instituio que liderar, em primeiro momento, a cooperao com os estados. E devem usar as Escolas Ansio Teixeira como espao para experimentos pedaggicos. Dos programas atuais do Ministrio da Educao, um dos mais eficazes o Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia, que engaja estudantes dos cursos de pedagogia nas escolas de ensino bsico, sob a orientao de quadro de professores universitrios de pedagogia,

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    recrutados em todo o pas. Este corpo de orientadores ter engajamento tambm nos Centros de Qualificao e servir como um dos mananciais da vanguarda pedaggica portadora de todo este projeto de soerguimento do ensino bsico. 3. Professores: carreira nacional e Prova Nacional Docente. A Unio deve propor aos estados federados diretrizes de carreira nacional de professor. A razo bsica simples: valorizar a carreira e atrair para ela nmero maior de vocaes docentes. Razo acessria facilitar a mobilidade dos professores dentro da federao. A carreira nacional ser vinculada ao piso salarial. E o piso salarial ser definido de maneira a respeitar as diferenas regionais e a permitir em cada regio progresso adequada na carreira. Esta carreira pode ser construda em etapas. Ela pode comear na forma de carreira especial e suplementar para professores que se comprometam a manter determinadas metas de desempenho. Receberiam adicional ao salrio, depois de avaliao, por avaliadores independentes, do cumprimento de tais metas. Complemento da carreira nacional de professor pode ser Prova Nacional Docente. A prova seria organizada por analogia a outras provas de iniciao a profissionais. Seria ministrada aps a concluso do curso de pedagogia ou de licenciatura. Conteria parte terica (nas disciplinas em que cada professor lecionaria) e parte prtica (demonstrao de capacidade de ensino, de acordo com mtodos e critrios reconhecidos). Exigiria de todos os professores demonstrar que esto preparados para ensinar nas reas para as quais se credenciam. E, por isto mesmo, junto com as outras iniciativas descritas em seguida, serviria como meio poderoso de influir nos cursos de pedagogia e de licenciatura. 4. Cursos de pedagogia e de licenciatura. Elemento crucial na formao de professores e diretores a transformao dos cursos de pedagogia e de licenciatura. So as instituies universitrias privadas que formam a grande maioria dos professores. A qualidade do que ali acontece , para dizer o menos, desigual. Os instrumentos disponveis para qualific-las so insuficientes.

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    Para atrair alunos ao magistrio e ao mesmo tempo influir na natureza e na qualidade dos cursos, podemos construir programa de bolsas, por analogia extensiva ao PROUNI, que condicione as bolsas adaptao dos cursos a protocolos curriculares e ao cumprimento de metas pr-definidas. Um dos objetivos adicionais da mudana buscada nos cursos de pedagogia e de licenciatura ser o de assegurar que cada professor no ensino bsico tenha a versatilidade necessria para ensinar duas ou trs matrias. condio para que se possa fixar numa nica escola e ajudar a constru-la como espao de compromisso e de comunidade.

    Tecnologias e tcnicas A qualificao de diretores e professores processo lento e s vezes conflitivo. Seus passos no s demoram a ser dados como tambm podem demorar a surtir efeito. A transformao do ensino pode ser acelerada pelo uso criterioso de tecnologias de dois tipos: as aulas em vdeos e os softwares interativos. Os primeiros permitem enriquecer e sacudir o ambiente da escola com inspirao vinda de fora. Os segundos acrescentam inspirao vinda de fora a oportunidade para o aluno avanar por conta prpria. Estas tecnologias no substituem o professor: do-lhe instrumentos. Viabilizam toda uma gama de combinaes do ensino presencial com a instruo transmitida distncia. No representam, porm, tbua de salvamento. Sua eficcia depende de duas ordens de condicionantes: a difuso de atitude experimentalista no ensino e o compromisso com cooperao na maneira de ensinar e de apreender. O experimentalismo estimula-nos a abordar estas tecnologias sem preconceitos salvacionistas ou condenatrios e a ajustar expectativas luz de experincia. A cooperao -- a organizao do ensino em forma de equipes de alunos e de professores -- a melhor maneira de superar obstculos e de aproveitar oportunidades, inclusive o potencial destas tecnologias. Quem no sabe procura orientao nos outros membros de sua equipe, de alunos ou de professores, e cada equipe em outras. O

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    ensino avana medida que alunos aprendem a ensinar uns aos outros, com a ajuda de seus mestres.

    O problema maior: busca da vanguarda pedaggica De todos os obstculos a enfrentar para dar prosseguimento a agenda como esta, que prope transformao profunda no ensino bsico, com consequncias tambm para o ensino superior, o mais grave a falta, entre ns, de vanguarda pedaggica. Projeto deste alcance no pode ser executado por autoridades e visionrios se no tiverem por aliado um movimento com presena em muitas partes da rede pblica e do pas. Professores e diretores da rede pblica e militantes da sociedade civil, tericos da educao e reformadores prticos podem juntos compor esta linha de frente, capaz de convergir em torno de agenda. Divergncias na construo da agenda so compatveis com a continuidade do movimento. A vanguarda pedaggica precisa ser a principal portadora deste projeto. Ela ainda nos falta. comum que uma iniciativa transformadora ajude a construir sua prpria base de apoio. Menos comum, e mais difcil, ter de ajudar a fabricar seu prprio agente. isto, porm, o que ter de acontecer para que tenha xito o projeto. H simpatia latente dentro e fora da rede pblica de ensino por iniciativa arrojada como a que aqui se esboa. Nenhuma outra causa iguala a da educao no potencial para entusiasmar e para unir a nao. O anncio da inteno transformadora, a defesa do iderio e a realizao dos primeiras medidas serviro como chamamento a muitos para juntar-se ao movimento. E cada passo subsequente abrir espao para quadros que sero vanguardistas potenciais. A vanguarda pedaggica ter de se construir por si mesma.

    Obra de libertao e de construo nacional A essncia de nossa ao e de nosso discurso deve ser a adequao do ensino brasileiro aos pendores dos brasileiros. O Brasil caldeiro de energia humana. esta energia que est encarnada hoje nos milhes que querem seguir o rumo dos emergentes

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    e daqueles, ainda pobres porm convertidos cultura e s ambies dos emergentes, que chamamos batalhadores. O Brasil adotou modelo de educao, inspirado na Frana de antigamente, que dogmtico e enciclopdico. Briga com nossa natureza -- esta anarquia criadora, este sincretismo fecundo, esta pujana quase cega que o Brasil. Sufoca os gnios que nascem e morrem, no reconhecidos, entre os milhes de trabalhadores. Contradiz os requisitos do experimentalismo cientfico e do vanguardismo tecnolgico. Refora nossas desigualdades e excluses. Despreza a aliana revolucionria entre a cincia e a democracia. Chegou a hora de tirar a camisa de fora. A tarefa converter o espontanesmo inculto em flexibilidade preparada. E a chave est em encarnar grandes aspiraes em sequncia de medidas prticas: passos cuidadosos e encadeados, guiados por concepo audaciosa. Propsitos e planos explicados em linguagem que todos possam entender. O trabalho a fazer tem, portanto, de avanar simultaneamente em trs planos. O primeiro plano construo de um iderio. o que esta primeira parte do texto comea a esboar. O segundo plano srie de aes a serem lanadas, em rpida sucesso, a partir do lanamento da Ptria Educadora. o que est resumido, em forma de elenco de medidas, na segunda parte desta minuta. O terceiro plano consulta ampla dos interessados em todo o pas. J comeou: meio mundo em matria de educao no Brasil j foi consultado e opinou. Teremos crticos e eventualmente adversrios. J comea a configurar-se, entretanto, a aliana amplamente majoritria -- poltica, social, e intelectual -- capaz de sustentar este projeto. Nenhuma outra iniciativa no pas tem tanto para contar com o apoio da maioria dos brasileiros. A nao responder com ardor. E quebrar as barreiras, objetivas e subjetivas, execuo da obra libertadora.

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    PARTE II: INICIATIVAS UM ELENCO DE AES EM ORDEM APROXIMADA DE IMPLEMENTAO Cooperao federativa no ensino: procedimentos de avaliao, apoio, socorro e correo 1. Proposta de regras que desdobrem o regime de cooperao institudo pelo artigo 7 da Lei 13.005 de 2014 (Plano Nacional de Educao). Tais regras devem organizar a cooperao vertical e horizontal dentro da federao. Incluiro disposies destinadas a facilitar por meios prprios, como consrcios e convnios, a colaborao entre municpios. 2. Constituio de fora-tarefa composta por educadores e gestores recrutados dos trs nveis da Federao para trabalhar com as secretarias estaduais de educao na identificao das escolas, ou de redes escolares locais, que mais urgentemente necessitam de apoio -- de orientao, quadros e recursos. Aproveitamento de programas existentes, como o PIBID (Programa de Iniciao Bolsa Docente) da CAPES, para constituir quadro de apoio a estas iniciativas. 3. Uso de recursos voluntrios, a serem discriminados a partir da reorientao dos programas do FNDE, para financiar medidas de reforo e de apoio a tais escolas. Ser a mesma fonte dos recursos que financiaro o procedimento corretivo referido adiante. 4. Em segundo momento, constituio de entidade, dentro do governo federal, desenhada para coordenar as aes de cooperao com os estados em aes de socorro a redes escolares municipais ou estaduais em dificuldade. 5. Em terceiro momento, formao de rgos colegiados e transfederativos, com participao dos estados e municpios, para coordenar aes destinadas a assegurar patamar nacional mnimo de desempenho e qualidade. Tais rgos tomaro iniciativas de apoio, de gesto e de direcionamento de recursos humanos e financeiros. Podero, quando necessrio, afastar e substituir diretores de escola.

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    6. Aperfeioados seus instrumentos, a ao transfederal avanar sempre em duas etapas. A primeira etapa apoiar as redes escolares locais em dificuldade crtica, reforando seus recursos. A segunda etapa, quando tal apoio no for suficiente para corrigir desempenho inaceitvel, recorrer a procedimento de resgate, que pode incluir a substituio temporria de gestores locais, a reorientao de prticas e a mobilizao de recursos financeiros e humanos adicionais. Formulao de regras para definir desempenho crtico, e para discriminar quem tem legitimidade para propor o procedimento corretivo, para determin-lo e para execut-lo. 7. As medidas previstas aqui comearo por reorientao de prticas, sob as leis em vigor. Continuaro por mudanas legais que regulem o artigo 23 da Constituio (que trata das competncias concorrentes dentro da Federao) e que desenvolvam o regime de cooperao previsto no artigo 7 da lei 13.005 de 2014 (Plano Nacional de Educao). Sero aprofundadas, se necessrio, por meio de propostas de emenda constitucional. 7. O INEP, reforado, ter entre suas funes a de identificar as prticas mais bem sucedidas e de difundi-las dentro da Federao. 8. Aproveitamento de instrumentos jurdicos como as Organizaes Sociais e as Sociedades de Propsito Especfico para facilitar o engajamento experimental de equipes de educadores vindos de fora do sistema pblico na construo deste sistema. Tais equipes podero atuar sobretudo no desenvolvimento de novas tecnologias e tcnicas, nas sequncias curriculares especiais, inclusive nas iniciativas supletivas para alunos em dificuldade, nas escolas de referncia e nos Centros de Qualificao Avanada para professores. 9. Uso da Prova Brasil como base para organizar Cadastro Nacional de Alunos. Alm de aumentar o nvel de informao a respeito do sistema pblico, o Cadastro facilitar a individualizao de oportunidades de ensino: as iniciativas de apoio a alunos com baixo desempenho e a admisso de alunos a programas mais exigentes e a escolas de referncia.

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    Reorientao do paradigma curricular e pedaggico: a base nacional comum 1. O objetivo da construo do Currculo Nacional (Base Nacional Comum) substituir uniformidade desorganizada por diversidade organizada: sistema nacional de educao que, aberto a alternativas, seja capaz de evoluir luz da experincia. A organizao do Currculo Nacional ser coordenada por instituio especfica que conte com representantes dos trs nveis da Federao e da sociedade civil. 2. A Base Nacional Comum abandonar o enciclopedismo raso que tradicionalmente marca nosso ensino. No se contentar, porm, em colocar enciclopdia menor -- conjunto de contedos consagrados -- no lugar da enciclopdia maior. Dar a capacitaes primazia sobre contedos. E na maneira de tratar contedos preferir o aprofundamento seletivo superficialidade abrangente. No fundamental 1, no h distino clara entre contedos e capacitaes. No fundamental 2, a diferena comea a ser importante. No ensino mdio, ela torna-se decisiva. O aprofundamento seletivo -- mutvel ou itinerante -- funcionar como palco para adquirir capacitaes analticas. 3. O eixo do Currculo Nacional ser Sequncia Padro de Capacitaes, com foco maior em anlise verbal (interpretao e composio de texto) e raciocnio lgico e matemtico. Nos nveis superiores do ensino bsico, haver liberdade crescente para desenvolver as capacitaes no contexto de estudo aprofundado de contedos variados. A composio do ENEM, transformado em ENEM digital, ser usada para qualificar o exerccio desta liberdade na escolha de contedos curriculares. 4. Ao lado da Sequncia Padro haver Sequncias Especiais para alunos com maior dificuldade ou maior potencial. As Sequncias Especiais no sero apenas verses mais lentas ou mais aceleradas da Sequncia Padro. Sero espaos para experimentos e para individualizao do ensino. 5. As iniciativas de apoio a alunos em dificuldade tero sempre o sentido de devolv-los o mais rapidamente possvel Sequncia Padro. O

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    compromisso com a universalidade e a igualdade ser reconciliado com o reconhecimento das diferenas individuais na maneira de aprender. 6. A formulao e implementao do Currculo Nacional estaro comprometidas com a superao das barreiras pr-cognitivas ou socioemocionais que inibem muitos alunos, sobretudo pobres, de dominar as capacitaes analticas. Em particular os gestores do sistema nacional de educao se preocuparo com dois conjuntos de capacitaes de comportamento.

    a. As capacitaes de comportamento que tm a ver com disciplina. O meio melhor para promov-las so iniciativas que vinculem a escola famlia e apoiem famlias desestruturadas, ao engajar a criana na escola em turnos escolares ampliados.

    b. As capacitaes de comportamento que dizem respeito

    cooperao. As prticas cooperativas so, ao mesmo tempo, fins em si mesmas e meios para mudar o ensino. Elas representam requisito de todas as formas superiores de aprendizagem e de produo. O objetivo ser promover aquelas prticas superiores de cooperao que dispensam formas rgidas de comando e controle.

    A melhor maneira de contribuir ao desenvolvimento de capacidades de cooperao organizar o ensino em forma cooperativa: equipes de alunos e de professores que, ao cooperar, superam melhor e mais rapidamente suas limitaes.

    7. A Unio estabelecer, no ensino mdio, rede federal de escolas de referncia chamadas Escolas Ansio Teixeira, a que alunos sero admitidos por concorrncia. E tomar medidas para preparar alunos da rede pblicos para concorrer admisso. As Escolas Ansio Teixeira trabalharo em estreita ligao com os Centros de Qualificao Avanada para professores. 8. A Secretaria de Ensino Bsico do Ministrio da Educao atuar junto com os Centros de Qualificao Avanada, descritos adiante, para estabelecer repertrio abrangente e pormenorizado de protocolos que exemplifiquem maneiras de ministrar, em cada aula, os elementos do Currculo Nacional. Tais protocolos estaro amplamente disponveis aos professores em textos e em aulas-demonstrao. O objetivo ser ajudar

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    o professorado a implementar o novo currculo e o paradigma pedaggico. O livro didtico deixar de ser o guia.

    ENEM Digital 1. Lanamento do ENEM digital, precedido de consulta pblica e de edital de itens. Ser um banco de milhares de questes que permitir ao aluno prestar o exame a qualquer momento. 2. O ENEM digital ser disponibilizado em crculos concntricos. Comear, em fase experimental, com alunos no concluintes do ensino mdio. 3. Alm de ser convenincia para os examinados, a flexibilizao do ENEM facilitar seu uso para influir no currculo e na prtica pedaggica.

    Diretores: centros de formao 1. Iniciativa para qualificar e incentivar diretores de escolas. O programa comportar duas aes principais. O lanamento das duas ser precedido por reunio com governadores, por reunio do Consed/Undime e por edital de adeso dos estados e municpios. 2. Estabelecimento de sistema de incentivos a escolas e a seus diretores. A premiao pelo alcance de metas de desempenho ser para toda a escola. Os diretores recebero tambm prmio salarial, de uma s vez no final do ano letivo, mas sempre no contexto da premiao maior para a escola como um todo. A avaliao, feita por comisses independentes, levar em conta as circunstncias de cada escola e o avano alcanado sobre o ponto de partida. Tais medidas de estmulo tero por contrapartida as aes corretivas descritas na parte deste elenco de iniciativas que trata do federalismo cooperativo. Sem tal contrapartida apenas aumentariam a desigualdade dentro da federao. 3. Inaugurao de rede regional de Centros de Formao de Diretores, estabelecidos em cada regio do pas e nas maiores cidades. Em

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    primeiro momento, os Centros trabalharo para qualificar diretores j em exerccio por meio de cursos concentrados. Em segundo momento, recebero, em cursos mais longos, candidatos a diretor. Nesta segunda etapa da iniciativa, candidatos a diretor, pelos mtodos previstos em cada estado, tero de ser previamente habilitados pelos Centros de Formao. 4. Para ambas as iniciativas, o mecanismo de incluso ser adeso dos estados federados, motivada pelas vantagens dos programas, inclusive acesso ampliado a recursos do FNDE.

    Professores: Centros de Qualificao Avanada e ampliao do PIBID 1. A inaugurao dos Centros de Formao de Diretores ser seguida pelo estabelecimento de Centros de Qualificao Avanada para professores. Estes Centros ministraro cursos intensivos para suplementar a formao nos cursos de licenciatura, desenvolver as prticas e os protocolos exigidos pelo Currculo Nacional e discutir as experincias e as inovaes do professorado. 2. Os Centros de Qualificao Avanada funcionaro em colaborao com o INEP e com a instituio que liderar a cooperao com os estados e, depois, com os colegiados transfederais antes referidos como instrumentos da cooperao federativa em educao. Usaro as Escolas Ansio Teixeira como espao para experimentos pedaggicos. Os melhores resultados podero ser disseminados no sistema nacional de ensino. 3. Ser ampliado o Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia (PIBID) que engaja estudantes dos cursos de pedagogia nas escolas do ensino bsico sob a orientao de quadro de professores recrutado de todo o pas. Este quadro de orientadores ter engajamento tambm nos Centros de Qualificao Avanada e servir como um dos componentes da vanguarda pedaggica portadora de todo este projeto de qualificao do ensino bsico.

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    Professores: carreira nacional de professor e Prova Nacional Docente 1. A Unio propor aos estados, mediante mecanismo de adeso, diretrizes de carreira nacional de professor, vinculada ao piso salarial. Os professores continuaro a ser funcionrios dos respectivos estados e municpios. A carreira ser, porm, normatizada nacionalmente. O piso nacional ser vinculado aos planos de carreira. E ser fixado de maneira a respeitar as diferenas regionais e a acomodar a adequada progresso na carreira. Os estados que aderirem tero, como atrativo para aderir, acesso ampliado a recursos do FNDE. 2. O estabelecimento da carreira nacional de professor ser precedida pela organizao de carreira nacional complementar de professor. A adeso ter de ser dupla: pelo estado e pelo professor individual. Exigir do professor passar por prova de certificao que dar admisso ao programa. O professor que for habilitado e que mantiver padro de desempenho, independentemente formulado e avaliado, receber acrscimo a seu salrio. 3. Estabelecimento de Prova Nacional Docente para certificar os professores depois da licenciatura. A prova constar de parte terica (nas reas em que o professor se habilitar a ensinar) e de parte prtica (demonstrao de uso dos protocolos e das prticas reconhecidos de ensino em aulas-demonstrao). A Prova Nacional Docente servir como maneira de influir nos cursos de licenciatura e de pedagogia. Facilitar tambm a mobilidade de professores dentro da federao. E ajudar a selecionar professores aptos a ensinar nas sequncias curriculares especiais e nas escolas de referncia. 4. Variante do PROUNI, o PROFAPED, ser inaugurado para conceder bolsas de estudo a estudantes que ingressem nos cursos de pedagogia e de licenciatura. A condio para concesso das bolsas ser a adeso das respectivas instituies universitrias privadas a padres de currculo e de desempenho fixados pelas autoridades federais. O desenho do

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    programa ter em vista que a grande maioria dos professores continua a ser formada em tais instituies.

    Tecnologias e tcnicas 1. O governo confirmar a disposio de combinar no ensino bsico, e sobretudo no mdio, educao por professor e educao por vdeo, em duas formas: (a) as aulas veiculadas por vdeo quer padronizadas, quer transmitidas de outra escola ou de outro centro e (b) os softwares interativos e progressivos. O sentido ser o de multiplicar instrumentos diposio do professorado, no o de substituir o professorado. E, com isto, acelerar a transformao pretendida. 2. Cinco conjuntos de iniciativas ajudaro a viabilizar este avano.

    a. Iniciativas para fomentar a produo dos vdeos e softwares.

    b. Iniciativas para difundir, entre professores e alunos, as capacitaes de uso dos vdeos e softwares.

    c. Iniciativas para desenvolver e propagar as prticas pedaggicas

    que combinem, com base em trabalho de equipes de professores e de alunos, o ensino presencial com o ensino por vdeo e por software interativo.

    d. Iniciativas para assegurar a conectividade rede nas escolas.

    e. Iniciativas para facilitar a compra e o uso dos produtos e servios

    necessrios: e.g., aproveitamento e ampliao da Lei de Inovao, na medida em que especifica o regime geral de licitaes.