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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CCL - Centro de Comunicação e Letras PATRICIA BALTAZAR MACIEL TRAÇOS FUNDAMENTAIS DO TEXTO TRADUZIDO São Paulo 2010

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CCL - Centro de Comunicação e Letras

PATRICIA BALTAZAR MACIEL

TRAÇOS FUNDAMENTAIS DO TEXTO TRADUZIDO

São Paulo 2010

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PATRICIA BALTAZAR MACIEL

TRAÇOS FUNDAMENTAIS DO TEXTO TRADUZIDO

Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado ao Centro de Comunicação e Letras, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Letras habilitação tradutor.Orientadora: Profª Drª. Elisa Guimarães Pinto

São Paulo 2010

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Ficha Catalográfica

MACIEL, Patricia Baltazar Traços Fundamentais do texto traduzido./2010 Orientador: Profª Drª Elisa Guimarães Pinto 74 f. ; 31 cm. Trabalho de Graduação Interdisciplinar – Universidade Presbiteriana

Mackenzie,UPM, bacharelado de Letras com habilitação em tradução.. Palavras-chave: 1. Tradução. 2. Comparação entre original machadiano Dom Casmurro e sua versão em inglês. I. PINTO,Elisa Guimarães. II. Universidade Presbiteriana Mackenzie, Centro de Comunicação e Letras, bacharelado de Letras com habilitação em tradução. III.Traços fundamentais do texto traduzido.

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PATRICIA BALTAZAR MACIEL

TRAÇOS FUNDAMENTAIS DO TEXTO TRADUZIDO

Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado ao Centro de Comunicação e Letras, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Letras habilitação tradutor.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Elisa Guimarães Pinto - Orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Ms. Luciano Magnoni Tocaia

Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Aos meus pais, pelo amor e apoio

incondicionais.

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AGRADECIMENTOS

Esse trabalho teve tanta ajuda – direta e indireta – que fica até um pouco

complicado de agradecer.

Por uma questão lógica, agradeço, primeiramente, aos meus pais, que sempre

estão vivendo – intensamente - todos os momentos de minha vida. Ajudam-me em

todos os mínimos detalhes, seja emocionalmente, seja financeiramente, enfim, em tudo.

E, de forma especial, agradeço minha orientadora, Elisa Guimarães Pinto, por ter sido,

simplesmente, um anjo na minha vida, iluminando-me, guiando-me com suas ótimas

ideias e apoio.

Agradeço, de maneira geral, à família, que por mais clichê que soe, é minha

base, estrutura.

Agradeço meu namorado por sempre me apoiar e se mostrar um verdadeiro

parceiro, não só com suas palavras de incentivo, mas também por seu carinho.

Agradeço duas grandes amigas, que apoiaram em todos os momentos deste

trabalho: Pamella e Raiza. Pamella, com seu modo delicioso de levar a vida, diminuiu,

muitas vezes, a carga dos meus problemas, seja com palavras, seja apenas me

fazendo rir. Quanto à Raiza, ela me ajudou também no quesito emocional, mas,

principalmente, colocou o cérebro para pensar junto comigo.

E agradeço também aos meus amigos da dança (em especial à Lara), por me

distraírem, levarem-me para dançar e, assim, desestressar-me um pouco.

Todos vocês são cruciais em minha vida.

OBRIGADA!

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Esses que pensam que existem sinônimos,

desconfio que não sabem distinguir as

diferentes nuanças de uma cor (Mário

Quintana).

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar a importância da tradução e das escolhas do

tradutor em sua profissão. Por meio de um exemplo prático, com a análise comparativa

do capítulo III da obra Dom Casmurro de Machado de Assis, com sua versão em inglês,

são mostradas as particularidades de cada língua e as escolhas do tradutor que foram

baseadas em sua interpretação da obra.

Palavras chave: Tradução, Análise Comparativa, Machado de Assis, John Gledson.

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ABSTRACT

The aim work is to present the importance of translation and translator´s choices in

his/her profession. Therebery a practical exemple, with a comparative analysis of

Chapter III in Dom Casmurro by Machado de Assis and its English version, is shown the

characteristics of each language and translator´s choices that were based on his/her

book interpretation.

Keywords: Translation, Comparative analysis, Machado de Assis, John Gledson.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10

1 PEQUENO EMBASAMENTO A RESPEITO DA TRADUÇÃO ............... 14

1.1 Diversidades de definições da tradução ........................................... 14

1.2 Técnicas de tradução ...................................................................... .......... 18

1.2.1 A tradução palavra por palavra ........................................................... 20

1.2.2 A tradução literal ............................................................................... 20

1.2.3 Transposição .................................................................................... 20

1.2.4 Modulação ................................................................................................. 20

1.2.5 Equivalência ....................................................................................... 21

1.2.6 A Omissão vs. A explicitação ............................................................ 21

1.2.7 A compensação ............................................................................... .......... 21

1.2.8 A reconstrução de períodos............................................................... 22

1.2.9 As melhorias .................................................................................... .......... 22

1.2.10 A transferência .................................................................................. 22

1.2.11 A explicação .................................................................................... .......... 22

1.2.12 O decalque ....................................................................................... 23

1.2.13 A adaptação ..................................................................................... 23

2 O AUTOR E O TRADUTOR ............................................................... 24

2.1 Contextualização .............................................................................. 24

2.2 A obra na visão pessoal o tradutor .................................................... 27

3 ANÁLISES DO CORPUS ................................................................... 30

3.1 Aplicação das técnicas de comparação .............................................. 30

3.2 Resultados obtidos ........................................................................... 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 45

REFERÊNCIAS .......................................................................................... 47

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INTRODUÇÃO

A discussão sobre fidelidade na tradução é eterna,além da questão sobre

o direito autoral dos tradutores, quase considerado um “tabu”. Tendo essas questões

em mente é que se faz necessário esclarecer conceitos básicos quando o assunto é

tradução e tudo que o cerca.

Antes de mais nada, é preciso definir o que é tradução, o que significa dizer que

alguém “traduziu algo”. Segundo a definição de C.R. Taber e Eugene A. Nida1, é

reproduzir, na língua receptora, a mensagem da língua fonte, por meio do equivalente

mais próximo e mais natural, e esse processo teria duas fases: em um primeiro

momento, o tradutor compreenderia o sentido do texto original, para, então, procurar,

na língua final, expressões, palavras para reproduzi-lo.

Verter uma língua para a outra seria uma operação simples se a língua

consistisse apenas em um emaranhado de palavras. Entretanto, a língua é formada por

conceitos. O signo linguístico não liga uma coisa a um nome, mas sim um conceito a

uma imagem acústica.

O fato de aprendermos conceitos implica que a língua nunca é aprendida de

forma objetiva, o que significa dizer que adquirimos os conceitos da língua adicionados

a uma carga emotiva e com determinado tom. E, dessa forma, é praticamente

impossível separar o objetivo intelectual do emocional.

Cada pessoa adquire a língua com diferentes cargas emocionais e diferentes

tons, o que torna sua interpretação, sua visão de mundo, diferenciada. Se isso ocorre

em um mesmo país, em um mesmo grupo social, em uma mesma faixa etária, é

possível imaginar a dificuldade e as diferenças de compreensão para culturas

diferentes.

1 La traduction: théorie et méthode, Londres, Oxford, 1971, p.11

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As diferentes interpretações tornam a leitura um ato único. Uma obra jamais

será um objeto inerte, sem vida, pois seu sentido só se completará com a

leitura/interpretação que cada leitor fará.

Fazemos nossas leituras baseados em tudo o que já lemos, tudo o que já

vivemos, aprendemos. E o mesmo ocorre com a tradução. Cada tradutor fará sua

leitura, sua interpretação de determinada obra e a traduzirá, sempre tendo sua visão de

mundo como base, como referencial.

Há teóricos2 que, ao aceitarem a existência da inevitável interpretação por parte

do tradutor, afirmam a impossibilidade de se traduzir ou questionam a suposta

fidelidade do profissional.

Entretanto, é possível (e até fácil) assumir exatamente o inverso. A tradução é

possível. Tanto é possível que vemos milhares de textos traduzidos em diferentes

lugares. O que não podemos perder de vista é que, como parte do processo

comunicativo, ocorrem falhas e o tradutor enfrenta obstáculos. Devemos estudar (e nos

focar) no que causa tais obstáculos e procurar encontrar soluções para resolvê-los..

Neste trabalho, tem-se como corpus trechos do original machadiano Dom

Casmurro, com suas respectivas versões em inglês. A análise será feita - sob os

princípios linguísticos e técnicas de tradução – além do contexto histórico, sociocultural

do autor e tradutor e uma breve interpretação literária da obra – as dificuldades

encontradas pelo tradutor e as soluções por ele apontadas.

Justificativa

Existe muita crítica a respeito da tradução, sem um embasamento suficiente

acerca das técnicas, problemas e soluções do ofício. Por essa razão, é importante que

se mostre um pouco do que os grandes têm a dizer e mostrar um pouco da técnica para

desmistificar.

2 Como Bloomfield, por exemplo, que afirma que o sentido de um enunciado só é percebido na situação que o falante o proferiu, juntamente com a resposta de seu interlocutor, sendo quase impossível o captar por completo. (MOUNIN, Georges. Problemas Teóricos da Tradução. São Paulo: Cultrix, 1963, p. 36)

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Dessa forma, tendo as técnicas de tradução, alguns princípios linguísticos, além

de uma breve interpretação literária da obra e do contexto histórico (do autor e tradutor)

e sociocultural em mente, analisamos trechos do original machadiano Dom Casmurro

com seus respectivos trechos vertidos para o Inglês por John Gledson, no ano de 1997,

pela editora da Oxford University.

Objetivos

O objetivo geral do trabalho é compreender empiricamente os problemas

enfrentados pelos tradutores. Ao olhar mais de perto as diferenças culturais,

linguísticas, históricas e socioculturais, ao se verter de uma língua para outra,

poderemos entender por que cada tradução só pode ser única.

Estudamos quais são as maiores ou menores dificuldades encontradas pelo

tradutor, além de verificarmos a correspondência entre os dois textos.

Definição do corpus

Versões de trechos do capítulo III do romance machadiano, Dom Casmurro, para

a língua inglesa constituem-se como “corpus” da pesquisa a ser realizada. Trata-se de

um instrumental que exibe aplicações de uma diversidade de recursos linguístico-

gramaticais, bem como discursivos, na passagem do texto em Português para o Inglês.

Fundamentação Teórica

Foi feito levantamento bibliográfico sobre teoria da tradução, bem como sobre

aspectos linguístico-gramaticais, necessários à fundamentação teórica do trabalho.

Para tanto, serviram-nos de base grandes nomes, como MOUNIN, RÓNAI, teóricos da

área da tradução, e COSERIU e JAKOBSON, teóricos da área da linguística.

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Metodologia

Adotou-se, como canal conducente à análise, o método analítico-comparativo,

estabelecendo-se um confronto entre as diferentes traduções. Em etapas anteriores à

análise, foram efetivadas leituras que tematizam a questão da tradução, bem como as

que exploram o emprego de recursos linguístico-discursivos no exercício de tradução.

Esses recursos passaram a ser explorados, com vistas à avaliação, análise e

interpretação do “corpus”. Concluiu-se com a discussão dos resultados obtidos.

Estruturação

Introdução

Capítulo I:

1.1 Diversidade de definições de tradução

1.2 Técnicas de Tradução

Capítulo II:

2.1 Os autores e sua contextualização

2.2 Interpretação literária

Capítulo III:

3.1 Aplicação das técnicas e comparação

3.2 Resultados obtidos

Considerações finais

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1 PEQUENO EMBASAMENTO A RESPEITO DA TRADUÇÃO

O primeiro passo a ser dado para que se possa entender toda a análise a ser

destrinchada mais à frente, ao final deste trabalho, é entender aspectos importantes da

teoria da tradução. Tais aspectos elucidarão, principalmente, o porquê da relevância

desta pesquisa.

1.1 Diversidade de definições de Tradução

A tradução pode ser definida de várias maneiras. Paulo Rónai esclarece que

“traduzir vem do latim traducere, que é conduzir alguém, pela mão, de um lado para

outro.” (RÓNAI Apud CAMPOS p. 130, 1983). Segundo tal definição, traduzir nada mais

seria do que fazer o leitor da língua de chegada compreender o autor da língua de

partida. Já Erwin Theodor afirma que “Traduzir é primeiramente decodificar informações

expressas no código da língua original, e convertê-la em signos equivalentes no código

da língua para a qual se traduz.” (THEODOR Apud CAMPOS p. 131, 1983). Sua

afirmação também implica uma aproximação entre autor do original para leitor da língua

meta, entretanto, inclui um fator a mais: a compreensão. Para tanto, o tradutor deve ser

capaz de compreender o que o autor quis dizer e buscar um equivalente em sua língua

de chegada.

Partindo desse princípio, é possível afirmar que o processo de tradução tem

duas fases. Primeiramente, o tradutor buscará a compreensão do texto original, buscará

o conteúdo, a fim de captar seu sentido, depois, expressará a mensagem

compreendida, seu conteúdo, na língua meta. Deverá, dessa forma, escolher, na língua

de chegada, signos que são correspondentes na língua de origem. Entretanto, tal tarefa

não é a das mais fáceis: primeiro, porque haverá, intrínseca, a compreensão que o

tradutor teve de tal texto e segundo, porque não há equivalência perfeita entre duas

línguas.

Tal tarefa é ainda mais árdua quando estamos tratando com linguagem poética

ou literária, cujas naturezas são opostas às conhecidas pela língua, tanto em nível

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semântico, quanto sintático. O tradutor poderá, então, utilizar-se de dois tipos de

tradução: a chamada literal, cujas perdas podem ser maiores ou a tradução livre, que

pode ser considerada uma nova produção e corre o risco de trair a natureza poética

específica do original.

O texto, na linguagem literária, é um minissistema de signos, cujo grau de

interdependência e tensão é maior que o da língua em geral. Seu significado, de modo

geral, não envolve somente os elementos extratextuais. Seu foco, muitas vezes, está

justamente nos elementos intratextuais. A palavra, então, alça condição de símbolo. O

seu significado vai além do real concreto, existindo somente em função do conjunto no

qual a palavra se encontra. Dessa forma, signos podem ter uma significação na

linguagem corriqueira e possuir uma outra significação, completamente diferente,

dentro da linguagem literária. Justamente pelo fato de que signos ligam conceitos a

imagens acústicas, não apenas objetos a nomes, o sentido do texto, sua plenitude,

estará em função do ambiente linguístico em que os termos se inserem. A literatura,

portanto, cria significantes e funda significados, apresentando seus próprios meios de

expressão. Os signos estarão repletos de significados, provenientes do processo

sociocultural complexo a que a língua se vincula. Em suma, a obra literária trará em si

suas próprias regras.

Para compreender o conceito que o autor procurou passar em seu original,

existe, intrínseca, a visão de mundo do tradutor, pois a visão de mundo que o homem

possui é determinada pela linguagem. A visão de mundo está entremeada na estrutura

e uso de cada língua. Isso significa dizer que tal visão se estabelecerá em cada código

linguístico e se espalhará pela sociedade que utiliza tal código. Ela conduz o espírito

humano a pensar, sentir e dizer o mundo de determinada maneira. O entendimento do

que o artista comunica, ou pretende comunicar em sua obra, será igualmente

proporcional ao repertório cultural do tradutor em questão. Não aprendemos esses

conceitos (signos) de maneira imparcial e sim com nossas famílias e completamente

inseridos em nosso nicho cultural:

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Cada língua possui um vasto sistema de estruturas, diferente do das outras (línguas), no qual são ordenadas culturalmente as formas e categorias graças às quais o indivíduo não somente comunica como também analisa a natureza, percebe ou descura este ou aquele tipo de fenômenos ou de relações, nas quais molda a sua maneira de raciocinar, e através das quais constrói o edifício de seu conhecimento do mundo. (MOUNIN, 1963, p. 53)

Significa dizer que as línguas falam de um mesmo objeto, mas nunca a partir de

um ponto de vista, o que designam é o mesmo mundo. E a comunicação nada mais é

do que tornar comum a outrem o que é próprio de cada indivíduo (pensamentos,

sentimentos, desejos) e de cada cultura. Sendo assim, o tradutor deverá ser capaz de

buscar esse “comum” entre as culturas, com o mínimo de perdas possíveis. É

importante diminuir os limites culturais, sem alterar a obra em demasia com suas

experiências de vida.

Essa dificuldade e impossível imparcialidade são provenientes da não existência

de um átomo significativo. Não há uma unidade mínima de significação que, facilmente,

encontraria seu equivalente em outro idioma. Os signos são descritos semanticamente

como a soma de um certo número de outros signos. Entretanto, a comunicação – e a

tradução, como parte do ato comunicativo – é possível, graças às experiências

universais. A prova da comunicação de dois sistemas está na prática social, nos

fenômenos publicamente observáveis: “A linguagem representa a nossa tentativa

coletiva no sentido de minimizar as diferenças de significação pessoais”. (RICHARDS

Apud MOUNIN, p. 176)

A unicidade da espécie humana e as condições de existência em nosso planeta

explicam a presença desses universais da linguagem. E são exatamente eles que vão

importar para o tradutor. Será a partir deles que o profissional utilizará suas técnicas a

fim de reproduzir o original.

Reproduzir, porque, algumas vezes, o original serve apenas de ponto de partida

para a própria inspiração do tradutor, que receberá estímulos externos (do original).

Tais estímulos provocaram sensações e ideias amorfas em sua mente (combinação de

tudo que já viveu com o que está lendo do original), que tomaram forma na tradução. “A

equivalência de uma tradução com o original só pode ser uma equivalência na

experiência do participante da comunicação.” (PAIVA, p. 109, 1984)

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Só existiria “criatividade-zero” e não poderia chamar a tradução de “reprodução

do original”, caso houvesse os tais átomos significativos, mencionados um pouco

acima, pois nunca haverá apenas uma palavra na língua de chegada para corresponder

àquela mencionada na língua de partida. Tudo que o tradutor procurará colocar em sua

tradução serão os efeitos de sentido QUE ELE acredita que sejam similares aos

pretendidos pelo original. Como foi mencionado acima, estará completamente presente

a interpretação do tradutor, sua visão de mundo. E isso estará completamente sujeito a

variações: geográficas, temporais, sociais, individuais e etc. Em outras palavras, a

abordagem, interpretação, do texto original já pode ser considerada um ato tradutório.

Não só porque tradutor e autor são pessoas distintas, mas também pelo diferente

momento e condições de recepção. Além disso, também existe a questão do código,

existindo “lacunas” e discrepâncias semânticas, morfossintáticas, lexicais e etc.

Essas características se sobressaem na tradução literária, por empregar uma

organização alternativa do mundo. Em função de sua enorme carga conotativa, é

passível das mais diversas interpretações., não só porque cada elemento, nesse tipo de

linguagem, só terá sua plenitude em relação ao tudo, mas também porque o texto

literário envolve dimensões históricas e ideológicas. Traduzir, portanto, não é um mero

transporte de significados estáveis. Se assim o fosse, bastaria decorar um dicionário

para aprender uma língua estrangeira. O significado de um texto ou palavra somente

será determinado pela leitura que se fizer. Tal leitura será distinta tanto de leitor para

leitor, quanto de época para época e etc. Sendo assim, a tradução não é mais

totalmente subserviente ao original, pode ser considerada uma produtora de

significados. E a fidelidade, então, está relacionada à nossa interpretação, pois, como já

foi mencionado, qualquer texto somente será pleno com a leitura. Somente assim se

totaliza uma obra:

Em outras palavras, nossa tradução de qualquer texto, poético ou não, será fiel não ao texto “original”, mas àquilo que consideramos ser o texto original, àquilo que consideramos constituí-lo, ou seja, à nossa interpretação do texto de partida, que será, como já sugerimos, sempre produto do que somos, sentimos e pensamos. (ARROJO, p. 44, 1986.)

Todo leitor ou tradutor-leitor não poderá evitar que seu contato com os textos

seja interferido pelas circunstâncias, suas concepções, seu contexto histórico e social,

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pois aquilo que consideramos como verdade, aquilo que é produto de nossa

interpretação, compreensão, será, inevitavelmente, determinado pelos fatores que

constituem a nossa história pessoal, social e coletiva. Dessa forma, o tradutor deverá

ser capaz de neutralizar as diferenças da situação discursa distinta, das diversidades

culturais, de natureza do código e de visão de mundo, a fim de fazer uma tradução com

qualidade.

É tendo tais conceitos em mente que, após abordar os conceitos técnicos da

tradução – ferramentas de importante auxílio ao tradutor – abordaremos, no segundo

capítulo, uma contextualização da vida de Machado de Assis e de seu tradutor, John

Gledson, além de uma breve interpretação literária da obra em questão.

1.2 Técnicas de Tradução

Apesar de a tradução estar presente entre nós há milênios, os escritos sobre

essa área são de apenas algumas centenas de anos atrás escritos esses feitos por

grandes nomes, como Cícero e São Jerônimo. Entretanto, tais relatos da tradução eram

basicamente as experiências empíricas e impressões das pessoas habituadas com tal

prática. Contudo, tais profissionais mantinham-se isolados, sem se preocupar com o

trabalho uns dos outros, tornando pouco possível a formação de uma teoria tradutória

mais consistente.

Atualmente, a tradução não se limita às obras religiosas ou literárias de renome.

Com a aldeia global proveniente dos veículos de comunicação em massa, a tradução

tornou-se habitual, cotidiana e de suma importância nas mais diversas áreas de

atuação do ser humano.

Toma-se conhecimento da importância de tal prática e iniciam-se os estudos,

mais veementemente, depois dos anos cinquenta, após amenizados os efeitos da

Segunda Guerra Mundial e com o esforço pela paz entre os povos.

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Dessa forma, aumentaram-se substancialmente o volume e a necessidade de

traduções. O resultado desse aumento fez com que a tradução se tornasse alvo de

preocupação de estudiosos da área linguística, por ser efeito de uso da linguagem.

Sendo vista, então, como prática humana, operação linguística, estudiosos

procuram responder à pergunta “como traduzir?”. Na visão tradicional, a resposta é

traduzir da maneira mais literal e fiel possível ao original. Caso não seja possível fazer

uma tradução literal, aí, sim, é preciso fazer uso de parâmetros de execução para

tanto.

Muitos autores como Vinay, Dalbernet, Nida, Catford, entre outros, ocuparam-se

da descrição de tais parâmetros, de tais procedimentos técnicos tradutórios. Nesta

etapa do trabalho, exporei, com minhas palavras, o resumo e uma nova proposta

dessas descrições, feitos por Heloísa Gonçalves Barbosa, em seu livro Procedimentos

técnicos da tradução (1990).

Segundo afirma Barbosa, os pioneiros a enumerar tais procedimentos foram

Vinay e Dalbernet e todos os trabalhos subsequentes examinados por ela ou estão

relacionados diretamente ao trabalho desses autores ou são reformulações dele. Ela

ainda afirma que existem discrepâncias entre os autores sobre como descrevem e

recortam os procedimentos, além de uma diferença terminológica entre eles.

Sendo assim, ela propõe uma interessante proposta de caracterização dos

procedimentos técnicos de tradução, cujo objetivo é combinar as visões dos autores por

ela examinados, além de adequar a terminologia segundo seus critérios.

Em sua proposta, apresenta treze procedimentos: tradução palavra por palavra,

tradução literal, transposição, modulação, equivalência, omissão x explicação,

compensação, reconstrução de períodos, melhorias, transferência (estrangeirismo,

transliteração, aclimatação e transferência com explicação), explicação, decalque e

adaptação.

Exemplificarei tais procedimentos por ela apontados, os quais utilizarei, mais

para frente, em minha análise do corpus proposto.

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1.2.1 A Tradução palavra por palavra

Esse procedimento pode ser considerado o resumo do que muitos esperam em

relação à tradução. É caracterizado pela transferência de um segmento textual

expresso na língua de partida para a língua de chegada, sem alterar categorias e

ordem sintática e utilizando léxico com valor semântico idêntico ao original.

1.2.2 A tradução literal

Talvez esse procedimento seja o mais difundido a respeito da tradução. Pode ser

definido como fiel, semanticamente falando, porém, adequando a morfossintaxe às

normas da língua alvo.

1.2.3 Transposição

Funda-se na alteração da categoria gramatical de elementos do trecho traduzido.

1.2.4 Modulação

É a reprodução da mensagem da língua de origem na língua de chegada, mas

sob outro prisma, enfatizando, muitas vezes, a diferença de ponto de vista, de

interpretação, entre duas línguas, culturas distintas.

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1.2.5 Equivalência

A equivalência é considerada a substituição de um segmento da língua de

origem por um segmento da língua de chegada que não o traduz literalmente, mas é

funcionalmente equivalente.

Normalmente, esse procedimento é utilizado em clichês, expressões idiomáticas,

provérbios, ditos populares, entre outros.

1.2.6 A Omissão vs. A Explicitação

A omissão, como o próprio nome já diz, omite elementos da língua de partida

que são desnecessários para a língua de chegada. Isso ocorre, por exemplo, com os

pronomes pessoais de inglês para português. Mas, ao vertermos um texto do português

para o inglês, o procedimento é inverso, precisamos colocar os pronomes pessoais,

logo, seria uma explicitação. Pronomes pessoais são indispensáveis na língua inglesa,

ao contrário do português.

1.2.7 A compensação

A compensação está baseada no deslocamento de um recurso estilístico, o que

significa dizer que, quando não é possível reproduzir, na língua de chegada, o efeito

produzido na língua de origem, o tradutor deverá utilizar um efeito equivalente.

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1.2.8 A reconstrução de períodos

Seria o reagrupamento de períodos e orações do original ao passá-los para outra

língua. Muitas vezes, por exemplo, se faz necessário transformar períodos longos em

português em frases mais curtas em inglês e vice-versa.

1.2.9 As melhorias

Consiste em não repetir na tradução os erros cometidos no original.

1.2.10 A transferência

É a introdução do material textual da língua de origem na língua de chegada,

podendo assumir as seguintes formas: estrangeirismo, transliteração, aclimatação ou

estrangeirismo + explicação.

O estrangeirismo é a cópia de vocábulos da língua de origem que se refiram a

um conceito, técnica ou objeto mencionado que seja desconhecido para os nativos da

língua de chegada. Com o passar do tempo, o vocábulo será aceito por esses nativos e

se adaptará à fonologia e à morfologia da língua que o acolheu, transformando-se em

empréstimo, em um processo chamado aclimatação ou decalque.

A transliteração é a substituição de uma convenção gráfica por outra, quando as

duas línguas não utilizam o mesmo alfabeto.

A transferência com explicação ocorre quando a língua de origem não pode ser

compreendida, fazendo-se necessária uma explicação adicional para um melhor

entendimento do leitor da tradução. (podem ser notas de rodapé ou explicações

diluídas no texto.)

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1.2.11 A explicação

Quando é necessário eliminar o estrangeirismo, com o propósito de facilitar o

entendimento, é possível substituí-lo por sua explicação.

1.2.12 O decalque

Apesar de sua explicação já estar embutida em um dos procedimentos acima, é

importante enfatizar que o primeiro processo é sempre a aclimatação, ou seja, a

adaptação do estrangeirismo à língua que o acolheu. A partir da aclimatação, é possível

haver o decalque, entretanto, para tal, é essencial o fator diacrônico. Antes de o

tradutor tratar certo termo como decalque, é necessário que ele analise se esse termo

já foi utilizado anteriormente ou não.

1.2.13 A adaptação

A adaptação é considerada o limite extremo da tradução, por ser aplicada em

casos em que a situação mencionada na língua de origem simplesmente é inexistente

na cultura da língua de chegada. A realidade extralinguística mencionada não existe na

outra língua, então o tradutor deverá substituí-la por uma situação equivalente,

mantendo o mesmo efeito de sentido visado no original.

Elucidando as diferentes visões da tradução, juntamente com as técnicas acima

mencionadas, e a contextualização e a interpretação literária que virão no próximo

capítulo, será possível a análise do corpus em questão.

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2 O AUTOR E O TRADUTOR

A fim de compreender melhor as diferentes nuanças de sua obra, faz-se

necessário um pequeno levantamento do momento no qual Machado de Assis se

encontrava. É importante ter uma noção de sua vida, sua condição de existência, seus

gostos, momento histórico e assim por diante. Mas, assim como é importante

analisarmos tais aspectos de uma maneira geral, também se faz necessária uma

contextualização desses fatores na vida de seu tradutor, John Gledson.

Por fim, será apontada uma breve interpretação literária da obra, amplamente

baseada no livro Machado de Assis: Impostura e realismo (2005), de John Gledson.

Esse livro será a base da interpretação, justamente por mostrar a visão do tradutor

sobre a obra machadiana, o que, obviamente, implicou sua versão da mesma.

2.1 Contextualização

Por motivos óbvios, é muito mais fácil encontrar material sobre Machado de

Assis do que de seu tradutor, mas essa pequena contextualização pode ser

considerada suficiente para a análise que virá posteriormente. Joaquim Maria Machado

de Assis escreveu em todos os gêneros literários: crônicas, contos, poemas, romances,

entre outros. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e faleceu em 29

de setembro de 1908. Passou quase que sua vida inteira nesse mesmo Estado.

Era filho de um operário negro com uma lavadeira. Como fica órfão de pai e mãe

muito cedo, é criado pela madrasta, também mulata. Ela o matricula em uma escola

pública, a única que Machado frequenta; depois, segue estudando de forma autodidata.

Mesmo sem aulas regulares, empenhava-se em aprender. Lia muito Swift,

Sterne, Leoporai, entre outros. Todas as suas leituras também influenciaram em sua

visão pessimista da sociedade, em seu olhar crítico.

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Ele conhece, em São Cristóvão, uma senhora francesa, dona de padaria, que lhe

ensinava francês. Além dessa ajuda, recebe aulas de latim de seu mentor, o padre da

igreja da Lampadosa, onde costumava ajudar na missa. Também recebia proteção de

sua madrinha, dona da Quinta do Livramento.

Aos dezesseis anos, em 1855, Machado publica seu primeiro trabalho literário, o

poema “Ela”, na revista Marmota Fluminense de Francisco de Paula Brito, cuja livraria

acolhia novos talentos. Machado torna-se, então, seu colaborador efetivo. Aos

dezessete anos, consegue um emprego de aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional,

onde conhece Manuel Antônio de Almeida, diretor do órgão que se transforma em seu

protetor. Em 1858, volta à livraria Paula Brito como revisor e colaborador da Marmota,

integra-se à sociedade lítero-humorística, fundada por Paula Brito e, assim, faz amizade

com grandes nomes, como: Joaquim Manoel Macedo, José de Alencar e Gonçalves

Dias.

Em 1861, tem seu primeiro livro impresso como tradutor, Queda que as mulheres

têm para os tolos. E, em 1864, publica seu primeiro livro de poesias, Crisálidas.

Em 1864, casa-se com o amor de sua vida, Carolina Augusta, uma mulher culta,

que lhe ensinava os clássicos portugueses.

Em 1872, Machado inicia sua carreira no serviço público. Esse fato é importante,

porque é, a partir desse momento, que estabiliza sua vida e que se dedica com mais

afinco à sua veia literária e também mostra sua luta para subir socialmente por meio da

intelectualidade.

É importante ressaltar que Machado era um grande comentador e relator de sua

época. Mesmo no primeiro período de suas obras, na fase romântica, Machado já tinha

traços do pessimismo e ironia amplamente utilizados em seu segundo momento, a fase

realista.

E é em sua fase realista que Machado escreve a “menina de nossos olhos”, Dom

Casmurro, mais precisamente em 1899. Tal obra é considerada uma das mais

traduzidas da literatura brasileira. Essa é uma das razões por ela ter sido escolhida

como corpus deste trabalho.

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Tal obra tem como um de seus tradutores um professor aposentado da

Universidade de Liverpool, John Gledson, que nasceu na Inglaterra em 1945, mas

estudou na Escócia e nos Estados Unidos. Gleson é doutor pela Universidade de

Princeton, fez graduação em English pela Loretto School (1963), mestrado em Hispanic

Studies pela University of St. Andrews (1968) e mais um mestrado em Comparative

literature pela Princeton University (1979).

Veio para o Brasil em 1970, a fim de estudar Carlos Drummond de Andrade,

mas, no final da década, começa a se interessar por Machado de Assis. Seu interesse

foi despertado graças a uma urgência: ele havia sido cotado, na época, para assumir as

aulas sobre Machado, pois um colega havia se demitido.

Assim sendo, a partir de 1980, mergulhou-se no entendimento de Machado e

acabou centrando sua vida acadêmica nesses estudos. Publicou três livros sobre

Machado de Assis e editou dois volumes de crônicas e duas antologias de contos.

Também traduziu várias outras obras machadianas, além de Dom Casmurro, que

traduziu, graças a uma oferta da Oxford University, impressa, em 1997.

A obra citada é um clássico machadiano, um romance psicológico narrado em

primeira pessoa, pelo personagem Bentinho, que relata sua própria história a partir de

suas memórias, da velhice para a infância, pretendendo atar as duas pontas da vida. O

fato de a história ser relatada em primeira pessoa já é de extrema importância para seu

entendimento, pois só mostra a perspectiva subjetiva dessa personagem. Graças a

uma promessa feita por sua mãe, D. Glória, Bento deveria seguir a vida sacerdotal.

Entretanto, por já ter sentimentos por sua vizinha-agregada, Capitu, o garoto não

deseja ir ao seminário.

D. Glória, por medo de sua promessa ser ameaçada e por não aceitar esse

relacionamento (por razões sociais – mesmas razões pelas quais os pais de Capitu

eram favoráveis ao namoro, pois seria uma forma de ascensão social), coloca Bentinho

no seminário. No seminário, Bentinho conhece Escobar, que se torna um grande amigo,

ambos sem nenhuma vocação para a vida sacerdotal. Escobar casa-se com Sancha,

amiga de Capitu, e Bentinho com Capitu (a essa altura, D. Glória já acha melhor

“adotar” Capitu do que ficar sozinha sem o filho.).

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Assim, a amizade dos casais torna-se evidente. Entretanto, após o nascimento

de Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho, o casamento começa a entrar em crise,

justamente porque o menino possui (aos olhos de Bento) certa semelhança física com

Escobar, induzindo à dupla traição, do amigo e de sua esposa. Bento é tomado pelo

ciúme.

Após algum tempo, Escobar morre afogado no mar e, durante seu velório,

Bentinho suspeita dos olhares que Capitu dirigia ao defunto. Já é suficiente para ele ter

sua (pseudo) comprovação do adultério e conseguir suportar a presença da mulher e

do filho. Chega até a pensar em matar o menino ou Capitu ou a si próprio. O casal

passa a viver de aparência. Até que Bento resolver abandonar Capitu e Ezequiel na

Suíça. Capitu morre sem ter revisto o marido. Ezequiel, quando adulto, tenta rever o pai

e retorna ao Brasil. Sua visita só serviu para Bento encontrar mais semelhanças entre

ele e Escobar. Pouco depois, Ezequiel também morre. Bentinho fica completamente

sozinho, emerso em sua “casmurrice” e dúvida eterna.

A temática machadiana, nesse caso, é o conflito da condição humana, mas

Machado também se ocupou dos eventos de sua época, como, por exemplo,

escravidão, sempre com uma postura desencantada da vida, da sociedade e do

homem. E é nesse âmbito que desenvolve Dom Casmurro, de modo que o narrador

manipule o leitor, apontando sua visão dos fatos como se tivesse havido, de fato, um

adultério. É um romance de costumes, baseado na atmosfera e nos padrões familiares

do Rio de Janeiro, vivenciados pelo autor.

2.2 A obra na visão pessoal do tradutor

Os debates mais comuns em relação à grande obra machadiana estão

relacionados à eterna dúvida de Bentinho, o possível adultério de Capitu. Entretanto,

além de Machado nos mostrar tal história somente a partir da visão subjetiva de Bento -

mostrando imparcialidade e abrindo vazão à contestação sobre a veracidade ou não - o

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questionamento do livro também seria uma maneira de debater a sociedade do século

XIX, cujas famílias, em sua maioria, eram sustentadas pelas aparências.3

Justamente devido à história ser apresentada no âmbito da memória, há mais

margem para que o narrador manipule o leitor, contando os fatos da maneira e ordem

que mais lhe convier, de forma fragmentada, imprecisa e cheia de digressões. Bento

procura comprovar sua “tese”, a partir de acontecimentos isolados, até como uma forma

de autoafirmação, querendo provar a si próprio que estava certo e, portanto, que agiu

de maneira correta ao abandonar o amor de sua vida e renegar seu único filho.

Bento quase chega a afirmar que pode ser um enganador de si próprio, dizendo

que sua imaginação sempre foi além dos acontecimentos reais. Ele consegue

transformar qualquer brisa ouvida em um vendaval quase sísmico. Toda essa

insegurança e ciúme podem ser justificados pelo fato de ter sido extremamente mimado

por sua mãe. Como criança mimada, não está preparado para lidar com o mundo real

(é ingênuo, fraco e reprimido sexualmente) e muito menos perceber que a existência

das demais pessoas independe da sua. Trata a individualidade das pessoas como um

ato de traição alheio.

Pode-se concluir, a partir disso tudo, que Dr. Bento Santiago não é um narrador

confiável. Ele permite que a fantasia predomine sobre a realidade e, assim, sua

neurose insegura forma o terreno para o plantio do ciúme doentio. Dom Casmurro não

se permite questionar a veracidade dos fatos, comprovar ou não o adultério, prefere

manter-se em sua própria verossimilhança, criada em sua mente doente.

E essa dúvida, vinculada ao seu poder de imaginação, persiste, porque, ao

passo que o narrador fornece indícios da existência do adultério, para comprovar sua

pseudoteoria, também apresenta certas provas da pureza do comportamento da

esposa.

Há certas provas de que o sentimento de Capitu possa ser verdadeiro,

entretanto, na condição de “agregada”, “adotada” da família (apesar de seu pai possuir

3 Não só casamentos por conveniência, mas também o caso de José Dias que, diante da viuvez generalizada da família Santiago, apesar de ser agregado, quase tem o papel de pai. O poder era completamente patriarcal. Era essencial que se tivesse alguém com esse papel de “pai” na casa.

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casa própria, devia favores à família Santiago, por ter recebido ajuda após uma

enchente), não poderia demonstrá-los abertamente, para não parecer interesseira. Isso

também pode justificar seus silêncios. Não sendo consanguínea, não teria direito à voz

dentro da casa (valor bastante difundido na sociedade apresentada por Machado).

Ao mesmo tempo, há vários indícios de que Capitu talvez só manipulasse Bento

ao que lhe era conveniente. Talvez confundisse o suposto amor com o desejo de

ascensão social. Entretanto, nenhuma prova é conclusiva e definitiva.

Tendo tal contexto e interpretação literária como base, além dos conceitos de

teoria da tradução, juntamente com suas técnicas, também mencionados neste

trabalho, é que segue a análise de determinados trechos da obra em questão.

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3 ANÁLISE DO CORPUS

Finalmente, chega-se ao objetivo deste trabalho, a comparação efetiva entre o

original machadiano, Dom Casmurro, com a versão em inglês feita por John Gledson.

Assim, a sequência dada aos capítulos constitui-se um roteiro adequado e

pertinente para desembocar no capítulo da análise. Para esse capítulo, fazem-se

necessários os recursos que foram sendo aprendidos ao longo do trabalho, ou seja, os

aspectos mais caracteristicamente expressivos da obra em análise. Esses aspectos

vinculam-se, principalmente, às técnicas de tradução. Por isso, no estudo comparativo

das traduções, dá-se ênfase às técnicas que nortearam o trabalho do tradutor.

O corpus dessa análise é o capítulo III da obra Machadiana, nomeado A

denúncia (ASSIS, 1994, p. 3-4,) em português e vertido para The accusation (ASSIS,

traduzido por GLEDSON,1997, p.7-9) em inglês.

Os trechos utilizados tanto apontam as diferenças entre as línguas, as sutilezas

entre elas, quanto apontam as similaridades apontadas pelo tradutor.

3.1 Aplicação das técnicas e comparação.

O capítulo analisado é o início do flashback de nosso narrador, Bento Santiago.

Ele conta o episódio em que flagrou sua família conversando sobre a promessa de

Dona Glória de mandá-lo ao seminário. José Dias acabara de reavivar tal promessa

junto à mãe de Bento e seu tio Cosme dava sua opinião sobre o fato.

A dénuncia Ia sentar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da rua de Mata-Cavalos, o mês novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas à minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas; o ano era de 1857.— D. Glória, a senhora persiste na idéia de meter nosso Bentinho no seminário? É mais que tempo, e já agora pode haver uma dificuldade.

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— Que dificuldade? — Uma grande dificuldade. The accusation I was about to enter the drawing room, when I heard my name spoken, and hid behind the door. This was in the Matacavalos house, in the month of November: the year is a trifle remote, but I have no intention of changing the dates of my life just to suit people who don´t like old stories – It was in 1857. “Dona Glória, madam, are you still set on the ideia of sending our Bentinho to the seminary? It´s past time he went, and there may be a difficult in the way.” “What difficult?” “A great difficult.”

A primeira diferença notável no trecho em questão é o fato de que, em inglês,

não há travessão. Esse recurso é utilizado somente em português; o inglês coloca a

fala entre aspas. Depois, é possível notar vários detalhes:

Logo nas primeiras duas linhas, há uma transposição e vemos uma leve inversão

sintática: spoken vem depois de my name, ao passo que proferir vem logo na

sequência de ouvi. Além da inversão, apesar de, semanticamente, spoken e proferir

possuírem o mesmo significado, “proferir” denota não só o dizer oralmente, o pronunciar

em voz alta, mas também um tom de publicação, de algo mais oficial, mais formal. Esse

sentido está amplamente relacionado ao ego do narrador. Bento parece querer

enfatizar a enunciação de seu nome, como se fosse um evento, a parte mais importante

da fala de José Dias. Esse ego exacerbado, essa supervalorização de si é explicada

pelo mimo exagerado que recebeu de sua mãe. Em sua casa, Bento era realmente

tratado como o centro, o “evento” mais importante.

Nas frases A casa era a da rua de Mata-Cavalos, o mês novembro e This was in

the Matacavalos house, in the month of November, enquanto há certa omissão em

inglês, ocorre o inverso em português. Há um ajuste morfossintático, perdendo alguns

termos da oração e também uma modulação. Além do ajuste, em português pode-se

subentender que existem várias casas para o narrador, mas que o fato ocorreu

especificamente na casa mencionada e frisa que tal casa ficava na rua de Matacavalos.

Em inglês, não passa o subentendido da possível existência de mais de uma casa,

apenas há uma limitação de lugar: era na casa de Matacavalos. O objetivo da frase era

somente especificar onde o fato narrado ocorreu e parece que Matacavalos é o nome

da casa, não da rua. Há uma maior valorização da casa, como se não houvesse rua,

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como se não importasse nada ao redor. A escolha é explicável pelo fato de que os

grandes acontecimentos da vida de Bento ocorrem nessa casa, tanto que ele tenta, na

velhice, reconstruí-la, a fim de reavivar as memórias.

Na continuação desse período, existe o seguinte: em português, o ano é que é

um tanto remoto, que foi traduzido por the year is a trifle remote, em uma modulação.

“Tanto” em português remete a um longo período de tempo. Seja qual for o substantivo

que siga o “tanto”, esse advérbio sempre terá a função semântica de enfatizar a larga

escala, quantidade, do tal. Existe então, claramente, uma ênfase na grande passagem

do tempo. Em inglês, “trifle” não expressa a mesma intensidade que “tanto”, pois

significa “um pouco”. Talvez a ideia do tradutor tenha sido deixar certa ironia

machadiana. Entretanto, nesse trecho, Machado não estava sendo irônico. Dom

Casmurro foi publicado em 1899, 42 anos depois do ano mencionado no trecho

selecionado acima, realmente era bastante tempo. (Importante mencionar o ano de

publicação apenas para termos uma noção do tempo de que estávamos falando.)

Também na continuação desse período, há: mas eu não hei de trocar as datas à

minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas, que foi

traduzido por but I have no intention of changing the dates of my life just to suit people

who don´t like old stories, também em modulação. Em português “hei” transmite a ideia

de “não ousaria, não me atreveria, não teria a ousadia de”. Narrador afirma que não se

arriscaria audaciosamente a fazer praticar tal ato. Em inglês, a mensagem transmitida

parece estar somente relacionada a “apenas não ter intenção de”. Soa como se o

narrador tivesse escolha, pode ou não trocar, ele quem decide, ao passo que, em

português, a decisão não concerne ao narrador, está acima de seu suposto poder.

Acredito que seja mais uma tentativa, por parte do tradutor, de manter a ironia de

Machado, pois o narrador, supostamente, mantém controle total na narrativa, esse

suposto menosprezo é puro sarcasmo.

Nesse mesmo trecho, também há a utilização, pelo tradutor, de suit no lugar de

agradar, também em modulação. “Agradar” tem o campo semântico relacionado a “ser

agradável, transmitir satisfação a, contentar”, já “suit” está mais para “adaptar,

concordar, aceitar”. Essa diferença semântica leva a crer que o sentido em português

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pode ser considerado como mais positivo, cortês, voltado para a gentileza mesmo, ao

passo que, em inglês, parece algo mais imposto ou fruto de uma argumentação. Por

exemplo: alguém argumenta sobre determinado tema, você acaba concordando, mas,

talvez, não esteja de corpo e alma de acordo. Um tem uma carga mais positiva que o

outro, mas a semelhança está na “condescendência”, por assim dizer: você opta por

fazer algo pensando no outro.

A forma de tratamento D. Glória, a senhora foi traduzido, em uma transferência

com explicação, por Dona Glória, madam, are you porque, em inglês não há esse

tratamento respeitoso que costumamos utilizar no português ao tratarmos com pessoas

que estimamos ou mais velhas. José Dias é um agregado, vive de favor na casa de D.

Glória, tem, no mínimo, a obrigação de tratá-la de forma respeitosa. Assim, para tentar

manter o mesmo significado do original, o tradutor optou por deixar o dona (o que,

nesse caso, parece mais parte do nome do que uma forma de tratamento) e ainda

acrescentar o madam, para tentar alcançar a conotação desejada.

Na continuação dessa fala de José Dias. há o verbo conjugado persiste que foi

traduzido por set on, como uma transposição. “Persistir”, em português, pode ser

entendido como insistir, perseverar, o que demonstra uma certa constância e

insistência. Já a expressão “set on”, em inglês, está mais relacionada a incitar, instigar,

atacar, o que não traria exatamente o mesmo significado pretendido por Machado. Por

exemplo, a frase “To be set on doing something” seria “estar decidido a fazer algo”. O

sentido de persistir (português) é mais forte do que simplesmente decidir (inglês).

“Decidir” causa a impressão de que há ainda opção para ser analisada, não é algo já

definido. O persistir passa a mensagem de ratificação de uma opinião, uma vontade, já

decidida anteriormente, porque, no caso, José Dias gostaria de saber se D. Glória

mantinha fixa a ideia de mandar seu filho ao seminário. Sua ideia, ao questioná-la, era

reavivar a promessa feita, a fim de cumpri-la. Talvez essa seja a razão do uso do set

on. Segundo a análise feita por Gledson, José Dias, como agregado, tinha interesses

pessoais em afastar Bento da casa., futuro herdeiro, pois, dessa forma, poderia alçar

maiores autoridades. Já possuía grande prestígio, mesmo estando na posição de

agregado, entretanto tinha a noção de que, não sendo consanguíneo, jamais chegaria a

ter a mesma autoridade de Bento, quando esse fosse maior. Afinal, só tinha tal prestígio

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por não existir um pai de fato naquela família. A figura patriarcal era de extrema

importância naqueles tempos.

Minha mãe quis saber o que era. José Dias, depois de alguns instantes de concentração, veio ver se havia alguém no corredor; não deu por mim, voltou e, abafando a voz, disse que a dificuldade estava na casa ao pé, a gente do Pádua. — A gente do Pádua? — Há algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me atrevia. Não me parece bonito que o nosso Bentinho ande metido nos cantos com a filha do Tartaruga, e esta é a dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a senhora terá muito que lutar para separá-los.

My mother wanted to know what it was. José Dias, after a few moments´ careful thought, came to see if there was anyone in the corridor; he didn´t notice me, went back and, subduing his voice, said that difficulty lay in the house next door, the Páduas. “The Páduas?” “ I´ve been going to tell you this for some, but I didn´t dare. It doesn´t seem right to me that our Bentinho should be hiding away in corners with Turtleback´s daughter: that´s the difficulty, because if the two of them start flirting in earnest, you´ll have a struggle to separate them.”

Na segunda linha, há a palavra concentração que foi traduzida por careful

thought, em uma transposição. Talvez, semanticamente, ambas apresentem o mesmo

significado. Entretanto, aparentemente, concentração tem uma conotação de

introspecção mais forte. Careful thought não passa de um pensar mais cuidadoso, não

apresenta o ar introspectivo. Outra diferença é que uma palavra no português tornou-se

duas no inglês.

Na quarta linha, há a expressão machadiana casa ao pé, que foi traduzida por

house next door. A expressão perdeu seu sentido metafórico e virou uma explicação na

tradução de Gledson.

Ao final dessa mesma frase, há a gente do Pádua, que foi traduzida por the

Páduas, em uma modulação, perdendo o “quê” de menosprezo, de desdém, existente

no “gente”. Esse sentido foi perdido ao ser transmitido ao usual do inglês, que é chamar

a família pelo sobrenome, quando se referir a ela.

A próxima fala de José Dias começa com Há algum tempo estou para lhe dizer

isto, que foi traduzido por I´ve been going to tell you this for some, que além de mudar a

marca temporal de lugar (for some no final; há algum tempo no começo), pode ser um

bom exemplo da falta de marca de continuidade existente no Present Perfect e que não

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possuímos em português. Há, portanto, uma reconstrução de período, que pode ser

considerada até certa melhoria.

Na mesma fala, há a utilização do adjetivo bonito, que foi traduzido por right, em

uma modulação. “Bonito”, em português, possui uma conotação mais forte do que

simplesmente o “correto” que o “right” apresenta. “Bonito” pode indicar algo que seja

agradável não só à vista, mas também ao espírito. Envolve completamente juízo de

valor, pode ser considerado algo até nobre. O “right” remete mais ao que é justo,

correto, remetendo basicamente a regras, não a juízo de valor, que é mais subjetivo,

pessoal. Regras podem estar mais relacionadas a algum tipo de convenção.

Em metido nos cantos, que foi traduzido por hiding away in corners há,

novamente, a questão do tom apresentado. Uma metáfora novamente virou uma

explicação. “Metido” transmite mais a sensação de menosprezo do que “hidding”, que é

simplesmente escondido. Metido tem um juízo de valor, uma conotação negativa,

daquele que se intromete no que não lhe diz respeito, não é simplesmente “estar nos

cantos escondido”, como em inglês. Em sua fala, José Dias teve a nítida intenção

negativa, que foi perdida em inglês. O agregado fazia questão de menosprezar o

possível namoro de Capitu com Bentinho, pois não admitia que qualquer um (que não

fosse ele) se aproveitasse da posição social e dinheiro da família Santiago. E, para ele,

esse namoro não passaria de uma conveniência dos Páduas. (Ideia essa que ele fazia

questão de divulgar e enfatizar de maneira sutil, nas entrelinhas)

Seguindo essa linha de menosprezo e negatividade de José Dias, podemos

analisar o trecho porque se eles pegam de namoro, que foi traduzido por because if the

two of them start flirting in earnest: Novamente uma expressão (pegam de namoro) vira

uma explicação. Para tal explicação, o tradutor precisou especificar mais coisas, inserir

mais termos, como two of them, deixando claro que era de Bento e Capitu que estavam

falando e in earnest (cuja tradução resigna uma intenção sincera, significativa) algo,

talvez para especificar a seriedade do flerte (flirting – na época não era usual o namoro

no sentido que conhecemos hoje. Namorar era apenas um prelúdio do casamento,

normalmente arranjado), que não era uma simples brincadeira de criança, sem maiores

consequências. Gledson quis deixar claro para seus leitores essa diferença conceitual

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(sobre namoro) de épocas e alertar para o possível ato físico, o beijo que tem mais para

frente no romance machadiano. O original também passa essa sensação, parece que

José Dias prevê a concretização (via beijo) do flerte de Capitu e Bentinho.

No final de sua fala, José Dias afirma: a senhora terá muito que lutar para

separá-los, que foi traduzido literalmente por you´ll have a struggle to separate them. O

“lutar” tem uma conotação mais física, um enfrentamento como uma forma de impor sua

supremacia. Indica, sobretudo, uma oposição firme, violenta. Esse sentido de defesa

violenta dos interesses também pode ser captado com “struggle”. Ambas as palavras

possuem essa força semântica.

— Não acho. Metidos nos cantos? — É um modo de falar. Em segredinhos, sempre juntos. Bentinho quase não sai de lá. A pequena é uma desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que as coisas corressem de maneira que... Compreendo o seu gesto; a senhora não crê em tais cálculos, parece-lhe que todos têm a alma cândida... — Mas, Sr. José Dias, tenho visto os pequenos brincando, e nunca vi nada que faça desconfiar. Basta a idade; Bentinho mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze a semana passada; são dois criançolas. Não se esqueça que foram criados juntos, desde aquela grande enchente, há dez anos, em que a família Pádua perdeu tanta coisa; daí vieram as nossas relações. Pois eu hei de crer? ... Mano Cosme, você que acha? “I don´t think so. Hiding away in corners?” “In a manner of speaking. Always whispering to one another, always together. Bentinho is never out of their house. The girl is a scatter-brain; the father pretends he doesn´t see; wouldn´t he be pleased if things went his way… I can understand your gesture; you don´t believe people are so scheming, you think everyone is open and honest…” “Mas, Senhor José Dias, I´ve seen the two children playing together, and I´ve never seen anything suspicious. Look at their ages: Bento´s hardly fifteen. Capitu was fourteen last week; they´re two children. Don’t´forget, they´ve been brought up together, after that great flood, ten years ago, when Páduas lost so much; that´s how we came to know one another. And now you expect me to believe…? What do you think, brother Cosme?”

Logo no início da fala de José Dias, encontramos a expressão modo de falar,

que foi traduzida por manner of speaking. É um exemplo simples de tradução literal.

Ambas as expressões não só apresentam o mesmo significado semântico, mas

também possuem a mesma quantidade de palavras. “Modo”, assim como “manner”, é

substantivo, “de” e “of” são preposições e tanto “speaking” como “falar” são verbos.

Na continuação da fala, encontramos Em segredinhos , que foi traduzido por

Always whispering to one another, novamente em uma explicação. A expressão em

português reflete um ar de menosprezo e pode se relacionar metaforicamente ao fato

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de Bento e Capitu trocarem confidências (porque eram muito amigos) e também a

possibilidade de um ficar ao pé do ouvido do outro (sentido denotativo), significando

uma proximidade física e possivelmente indicando certa sensualidade, o que remete ao

“pegam de namoro/flirting in earnest”, mencionado no trecho acima. “Whispering” do

inglês perde todas essas possibilidades, restringindo-se a sussurro, murmúrio e não há

o tom de menosprezo.

Na terceira frase de sua fala, José Dias refere-se à Capitu como Pequena, que

Gledson traduziu, em modulação, como girl. “Pequena” tem um tom (pseudo) afetivo,

uma forma de quebrar a maldade que segue em sua fala, é quase uma ironia, que se

perde em “girl”, que só significa garota simplesmente. “Pequena” reflete não só uma

forma carinhosa de se chamar, mas, dependendo do contexto, também indica

menosprezo, como se relacionasse com algo de pouca importância e valor. “Pequena”

não indica apenas a pouca idade, como é o caso de “girl”.

Na mesma frase que José Dias chama Capitu de Pequena, ele a chama de

desmiolada, que significa uma pessoa “sem miolos”, que contraria a razão, o bom

senso e sem juízo. Apesar de também possuir um “quê” de eufemismo, não possui a

mesma conotação de scatter-brain, um adjetivo que indica uma pessoa que esquece

facilmente ou que não pensa seriamente sobre as coisas. “Scatter-brain”, tradução por

modulação de Gledson, tem a conotação de esquecimento, de alguém que, apesar de

agradável, não é muito preocupado. Apesar de a diferença ser considerada sutil, o

adjetivo “desmiolada” está bem mais relacionado a alguém que não age de acordo com

o bom senso, que talvez não aja como manda a sociedade. Levando em consideração

que era sobre a Capitu que ele estava falando, “desmiolada” se encaixa melhor. Ela

não era uma pessoa que facilmente se esquecia das coisas, mas ela realmente não

agia de acordo com as regras. Ambas as expressões mantêm o tom de eufemismo,

porém, em português, relaciona-se mais com a razão (intelectualidade) e bom senso

(juízo de valor, valores sociais.) e, em inglês, está amplamente relacionado ao âmbito

da memória.

Ainda na fala do agregado, vemos no final a senhora não crê em tais cálculos,

que foi traduzido, como uma explicação, por you don´t believe people are so scheming.

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Gledson traduz por sua interpretação, traduz em forma de explicação. “Cálculos”

referem-se a “métodos específicos, conjunto de meios ardilosos”, o que poderia remeter

a algo feito com sagacidade, astúcia, de forma planejada. Soa como maldade

planejada, muito mais forte do que simplesmente intriga (scheming), que pode se

relacionar com pura fofoca. Fofoca, porém, não passa o tom de algo feito de forma

planejada para prejudicar alguém.

Na continuação dessa frase, José Dias usa todos têm a alma cândida, que foi

traduzido por everyone is open and honest. Novamente há uma interpretação que foi

traduzida como explicação. Em português, “alma” está relacionada à essência, aquilo

que é indispensável, logo, o interior mais profundo da pessoa, aquilo que a define

primordialmente. No caso, seria uma pessoa de essência pura, inocente (sentido

proporcionado por “cândida”). Em inglês foi passado para “open”, que significa

simplesmente aberto, declarado (que significaria a transparência de tal pessoa) e

“honest”, que indica honestidade, sinceridade, pessoa honrada, digna, que age de

acordo com as regras socialmente aceitas. A metáfora de “cândida” indica pureza,

inocência, o que, no contexto, remete à possível não-existência de má intenção nas

atitudes dos Páduas. O sentido de pureza foi perdido em inglês.

Tio Cosme respondeu como um “Ora!” que, traduzido em vulgar, queria dizer: “São imaginações do José Dias; os pequenos divertem-se, eu divirto-me; onde está o gamão?” — Sim, creio que o senhor está enganado. — Pode ser, minha senhora. Oxalá tenham razão; mas creia que não falei senão depois de muito examinar... — Em todo o caso, vai sendo tempo, interrompeu minha mãe; vou tratar de metê-lo no seminário quanto antes. — Bem, uma vez que não perdeu a idéia de o fazer padre, tem-se ganho o principal. Bentinho há de satisfazer os desejos de sua mãe. E depois a igreja brasileira tem altos destinos. Não esqueçamos que um bispo presidiu a Constituinte, e que padre Feijó governou o Império...

Uncle Cosme replied with a “Hmmph”, which, translated into the vernacular, meant: “This is all in José Dias´ imagination; the youngsters are having fun, I´m having fun. Where´s the backgammon?” “Yes, I think you are mistaken.” “It may be, madam. It is to be hoped you are right; but believe me that I only spoke after a great deal of careful thought…” “Well, so long as the ideia of making him a priest hasn´t been abandoned, that´s the main thing. Bentinho must do as his mother wishes. And in any event, the Brazilian church has a glorious destiny. Let us not forget that a bishop presided over the Constituent Assembly, and that Father Feijó governed the Empire…”

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Logo no início do trecho, Tio Cosme responde para sua irmã com um “Ora”, que,

convencionalmente, está relacionado a uma expressão de dúvida e, possivelmente,

impaciência ou espanto. Há uma equivalência na tradução. O “Hmmph” do inglês

também se relaciona a uma expressão de dúvida, mas carrega mais sentidos como

desacordo, insatisfação, que combinam mais com a suposta tradução – da expressão –

por Bentinho. Nessa mesma fala, podemos perceber o vulgar, que foi traduzido para

vernacular, ambos com a mesma conotação de popular, banal, corrente da língua.

Também na continuação da suposto pensamento de Tio Cosme, “pequenos” foi

traduzido, em transposição, por youngsters, que, apesar de também denotar pouca

idade, perde o sentido de inferioridade, pretendido por José Dias. (também mencionado

acima, ao citar o “pequena” que José Dias utilizou ao se referir à Capitu).

Voltando à fala de José Dias, percebemos novamente a forma de tratamento

minha senhora, que foi traduzido para madam, também em uma tentativa de manter o

tom respeitoso ao se dirigir a uma mulher. Na continuação, vemos que Oxalá foi

traduzido para It is to be hopen. “Oxalá” em português expressa um vivo desejo de que

determinada coisa ocorra. Apesar de a frase em inglês também transparecer esse

desejo, essa esperança de que determinada coisa aconteça, “Oxalá” conota mais força

e tem uma relação com a expressão “Queira Deus”. Há uma questão religiosa, de fé,

implícita, o que não há em “hopen”.

No final da fala de José Dias, há: depois de muito examinar, que foi traduzido,

em uma transposição, para after a great deal of careful thought. “Examinar” em

português logo nos remete a uma investigação minuciosa, o ato de efetuar uma

observação. Já o “thought” também remete a algo raciocinado, compreendido, mas não

possui o caráter investigativo que “examinar” possui.

— Governo como a cara dele! Atalhou tio Cosme, cedendo a antigos rancores políticos. — Perdão, doutor, não estou defendendo ninguém, estou citando. O que eu quero é dizer que o clero ainda tem grande papel no Brasil. — Você o que quer é um capote; ande, vá buscar o gamão. Quanto ao pequeno, se tem de ser padre, realmente é melhor que não comece a dizer missa atrás das portas. Mas, olhe cá, mana Glória, há mesmo necessidade de fazê-lo padre? — É promessa, há de cumprir-se. — Sei que você fez promessa... Mas uma promessa assim... Não sei... Creio que, bem pensado... Você que acha prima Justina?

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— Eu?

“Governed with his ugly mug!” interrupted Uncle Cosme, giving rein to old political rancor. “I´m sure I beg your pardon, Dr. Cosme: I´m not defending anyone, just stating facts. What I mean is that the clergy still have an important role to play in Brazil.” “What you want is a sound drubbing: go on, go and get the backgammon. As for the lad, if he´s got to be a priest, it really would be a good idea if he didn´t start mass behind doors. But look here, sister Glória, is it really necessary to make a priest of him?” “It´s a promise, it must be kept.” “I know you made a promisse…but a promisse like that…I don´t know…When you think about it… What do you think, cousin Justina?” “Me?”

No inicio do trecho, encontramos Governo como a cara dele, que foi traduzido,

em uma equivalência, por Governed with his ugly mug. Tanto “mug”, quanto “cara”

referem-se à face de alguém de forma pejorativa. “Governo como a cara dele” indica

bem o sentimento de desaprovação de Tio Cosme e, metaforicamente, remete a um

governo mal feito. Isoladamente, “mug” remete a alguém que seja tolo, facilmente

enganado.

Na próxima fala de Tio Cosme, ele afirma: Você o que quer é um capote, que foi

traduzido, também em equivalência, para What you want is a sound drubbing. Tanto

“capote” quanto “drubbing” possuem o mesmo significado: de alguém que ganhou (ou

perdeu) por muitos pontos no jogo. Tio Cosme, nesse momento, ao mencionar a

possível perda de José Dias no gamão, tira toda a importância da fala do agregado,

afirmando não só que ele é melhor no jogo, mas que também o que ele dizia não era

mais importante para Cosme do que jogar tal jogo. Tanto que, na sequência, tio Cosme

pede que Dias busque o jogo para ele.

Seguindo a fala de Tio Cosme, nós nos deparamos com a fala de Dona Glória,

que insiste: É promessa, há de cumprir-se por It´s a promisse, it must be kept. O

primeiro período seguiu como uma tradução literal; já no segundo há uma diferença

semântica, primeiro porque “há de cumprir-se” possui um tom de destino, algo

paranormal, como se a promessa fosse ser cumprida sozinha, independente da

vontade das pessoas e também porque “cumprir” tem um quê de exigência, obrigação,

o que se encaixa perfeitamente na fala de Dona Glória que, aparentemente, já havia se

arrependido, ao se ver sozinha, viúva, de mandar seu único filho ao seminário. Já a

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palavra “kept”, nesse caso, é compreendida como “mantida, sustentada”, o que poderia

ser interpretado como algo relacionado aos princípios, não uma obrigação puramente.

Em inglês, Dona Glória pode ter passado a sensação de que manteria a promessa por

princípios, por valores, não porque se sentia obrigada (algo que não queria, mas que

deveria fazer), o que não é bem a interpretação do livro.

— Verdade é que cada um sabe melhor de si, continuou tio Cosme; Deus é que sabe de todos. Contudo, uma promessa de tantos anos... Mas, que é isso, mana Glória? Está chorando? Ora esta! Pois isto é coisa de lágrimas? Minha mãe assoou-se sem responder. Prima Justina creio que se levantou e foi ter com ela. Seguiu-se um alto silêncio, durante o qual estive a pique de entrar na sala, mas outra força maior, outra emoção... Não pude ouvir as palavras que tio Cosme entrou a dizer. Prima Justina exortava: “Prima Glória! Prima Glória!” José Dias desculpava-se: “Se soubesse, não teria falado, mas falei por veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo...” “Well, I suppose everybody knows what´s best for himself,” went on Uncle Cosme, “Only God knows what´s best for everyone. Still a promise made so many years ago… What´s this, sister Glória? Crying? Come now! Is this something to cry about?” My mother blew her nose without answering. I think cousin Justina got up and went over to her. Then there was a profound silence, during which I was on tenterhooks to go into the room, but another stronger urge, another emotion… I couldn´t hear the words that Uncle Cosme began to say. Cousin Justina tried to cheer her: “Cousin Glória, cousin Glória!” José Dias kept apologizing: “If I´d know, I wouldn´t have spoken , but I did so out of veneration, out of esteem, out of affection, to fulfil a harsh duty, the harshest of duties…”

Ao final da fala de Tio Cosme, notamos um Ora esta! Pois isto é coisa de

lágrimas? que foi traduzido para Come now! Is this something to cry about? Podemos

começar a falar da expressão “Ora esta!”, traduzida, como uma equivalência, para

“Come now!”. Nesse caso, em inglês, a conotação, aparentemente, é maior do que em

português, já que pode estar relacionada tanto a uma maneira de dizer para alguém

não ficar chateado, quanto como para dizer que não aceita o que a pessoa está

dizendo. Ambas as conotações se encaixam no contexto, já que Cosme não aceita ( e

não quer) ver sua irmã chorando, porque não acredita que seja um motivo

suficientemente forte para se chatear. Na sequência dessa fala, temos “isto é coisa de

lágrimas?”, que foi traduzido, como uma explicação, para “Is this something to cry

about?”, mantendo o sentido, mas perdendo o valor literário, metonímico. (a lágrima do

choro significando o ato de chorar como um todo).

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Voltando ao narrador, vemos Prima Justina creio que se levantou e foi ter com

ela, que foi traduzido, em uma transposição, para I think cousin Justina got up and went

over to her. Tanto o verbo “crer”, quanto o “to think” transmitem a ideia de considerar

algo como verdadeiro, acreditar em alguém, alguma informação ou fato. Talvez a única

diferença seja o tom mais formal que “crer” apresenta no original, que, provavelmente,

não seja possível de reproduzir na versão em inglês. Na sequência da frase, temos: “e

foi ter com ela”, traduzido para “ and went over to her”. “Went over”, em inglês, é um

phrasal verb, e possui um sentido relacionado à aprovação de algo ou revisão de algo,

então podemos entendê-lo, no contexto machadiano, levando em conta o sentido da

frase no original, que prima Justina foi até Dona Glória a fim de consolá-la. O tradutor

optou por esse phrasal verb para manter esse sentido de consolo, que possui “foi ter

com ela”, não apenas o sentido denotativo de “saiu de seu lugar e foi até próximo ao

local onde sua prima estava”,

Na continuação da fala, temos: durante o qual estive a pique de entrar na sala,

que foi traduzido, em transposição, para during which I was on tenterhooks to go into

the room. A expressão “estive a pique” relaciona-se com um sentido de fracasso,

desastre, que seria exatamente o que aconteceria, caso Bento entrasse na sala

naquele momento. Ele estragaria a conversa e colocaria tudo a perder, pois, naquele

momento, seu tio parecia estar defendendo os interesses de Bento, questionando a

promessa de sua irmã. “I was on tenter hooks” não deixa de demonstrar o sentido de

preocupação, ansiedade de Bento (para resolver a situação), mas não expressa que

essa possível atitude impulsiva poderia ser fatal naquele momento, daria margem aos

argumentos de José Dias em mandá-lo ao seminário.

No próximo período, o narrador afirma: outra força maior, que foi traduzido, em

transposição, para another stronger urge. Apesar de manter o sentido de que “algo

mais forte, mais poderoso” impediu Bento de entrar na sala e arruinar a conversa dos

adultos, “força maior” ainda denota um conceito do Direito, cuja explicação é justamente

essa “de que motivos, talvez previsíveis, porém inevitáveis, o impediram de cometer tal

ato” (levando em conta a definição do conceito segundo o direito), já “urge”, do inglês,

refere-se mais a um impulso, desejo mais forte. Acredita-se que ele tenha escolhido

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esse correlato em inglês por também denotar algo incontrolável, ainda que desejo,

porém, incontrolável.

O narrador continua: Prima Justina exortava, que Gledson traduziu, em

transposição, por Cousin Justina tried to cheer her. “Exortar” e “cheer” possuem esse

sentido de animar, alegrar, dar apoio a alguém, entretanto “exortar” ainda possui um

tom formal, mais culto que “cheer”, que não é um vocábulo convencional.

Por fim, Bento cita José Dias: Para cumprir um dever amargo, um dever

amaríssimo, que foi traduzido, em transposição, para to fulfil a harsh duty, the harshest

of duties. “Amargo” além de possuir o sentido de doloroso, penoso, como apresenta o

“duty” (que também é duro, severo), tem uma conotação de sabor desagradável. E, no

inglês, não existe uma única palavra para o superlativo “amaríssimo”; para causar a

mesma impressão, o tradutor teve que usar a construção “the harshest of duties”.

3.2 Resultados Obtidos

É evidente que não seria possível analisar minuciosamente um livro como Dom

Casmurro, pois demandaria muito tempo e muito estudo, entretanto, é possível ter uma

visão geral com um recorte ínfimo diante de sua grandiosidade literária. E, nesse

recorte, o realce está voltado para aspectos mais facilmente percebidos pelo leitor

bilíngue.

Foi possível, também, perceber que a pontuação do inglês tem certa semelhança

com o português, com exceção de diferenças evidentes, como o uso de aspas em vez

de travessão, quase não se nota o ajuste de frases para melhor caber em outra língua.

Há, evidentemente, um ajuste morfossintático, mas nada que seja gritante, pois, como

já mencionado acima, são duas línguas distintas, não teria como evitar suas

particularidades,muito presentes, principalmente, na questão semântica. A sensação

passada era de que talvez o português conseguisse abordar mais conceitos por meio

de uma única palavra, o que aconteceu em poucos casos com o inglês. E também pelo

tom que certas palavras possuem em português e que não foi alcançado em inglês,

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como a possível formalidade, entre outras coisas. As diferenças semânticas podem ser

notadas, principalmente, pelo grande uso de transposição ao traduzir, o que significa

tradução de elementos que dão conta da mesma situação, mas que nem sempre

apresentam o mesmo valor ou campo semântico. Os casos de modulação estão mais

voltados às diferenças entre línguas e também à interpretação dada por Gledson de

determinado contexto. Já no caso das metáforas machadianas, houve explicação como

recurso, perdendo o recurso estilístico.

Também foi possível perceber que Gledson não traduziu o nome das

personagens, fato que fez o leitor de sua versão perder, em parte, o significado, já que

Bento, D. Glória, Capitu, entre outros, não foram nomes escolhidos ao acaso (não é

uma grande dificuldade achar análises sobre isso).

De modo geral, quando não nos apegamos a expressões ou palavras

específicas, a tradução pode ser considerada literal, visto que o tradutor estudou

bastante o contexto e conseguiu apresentar no inglês sua interpretação4 do clássico

machadiano.

Apesar da harmonia da linguagem com o contexto ter sido mantida na versão e o

tradutor ter chegado bem próximo a alcançar o significado que ele compreendeu do

clássico machadiano, existem particularidades instransponíveis de uma língua a outra e

são essas particularidades que tornam cada língua um universo único.

4 A título de informação, interpretação essa bem similar às brasileiras.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como mencionado na introdução deste trabalho, a discussão sobre tradução é

infinita. Sendo assim, é sempre importante um esclarecimento sobre seus conceitos

básicos. O que define a tradução está, basicamente, relacionado à transposição de um

objeto na língua A para a língua B. Tal objeto deve ser passado em sua totalidade, não

podendo, o tradutor, aumentar ou diminuir elementos que nele se encontram. O

primeiro passo, então, é a compreensão do profissional da tradução acerca do que diz

tal objeto. A partir do momento em que ele compreende o sentido, então procurará, na

língua B, conceitos que possam reproduzi-lo.

Essa é a grande dificuldade do trabalho tradutório. A língua não é composta por

elementos inertes, é composta por conceitos vivos, adquiridos por seus falantes com

diferentes cargas emocionais e tons. Tais conceitos estão, assim, completamente

relacionados à visão de mundo e interpretação de cada falante dessa língua.

Essas diferentes interpretações tornam a leitura única. Toda obra lida só terá seu

sentido completo com a interpretação que cada leitor fará. E a interpretação de cada

leitor, como dito acima, estará baseada em tudo que já aprendeu, viveu e leu.

Justamente por isso, a tradução também é única, pois é a partir da interpretação de sua

interpretação que o tradutor baseará seu trabalho.

Com isso, o essencial não é julgar a tradução como simples juízo de valor. Não

há tradução boa ou ruim e sim tradução que tenha ou não alcançado seu objetivo. E foi

justamente essa a análise deste trabalho. Por meio da comparação do original

machadiano com sua versão, foram-se percebendo as diferentes soluções apontadas

pelo tradutor.

No corpus deste trabalho, por exemplo, viu-se que, apesar de existir um ajuste

morfossintático, ele não chamou a atenção exacerbadamente. As particularidades da

língua, entretanto, ficaram bastante evidentes quando a questão semântica era

apontada. Foi possível notar que alguns tons e conceitos talvez não tenham sido

alcançados por completo. Esse fato não altera de forma alguma a eficiência de nosso

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tradutor, muito pelo contrário, apenas enfatiza que cada língua possui particularidades

intransponíveis para outra, tornando-se, por isso, um universo único.

Outras questões apontadas no capítulo de análise já remontam à interpretação

de Gledson da obra machadiana, que, apesar de bastante parecida com as

interpretações difundidas no Brasil, possui a característica dele próprio, como qualquer

interpretação, de qualquer ser humano.

Outro fator importante que foi facilmente percebido foi a preocupação do Gledson

de pesquisar minuciosamente a época machadiana e o próprio Machado. Essa

pesquisa o aproximou da possível intenção de Machado ao escrever e da possível

interpretação que a obra teve em seu tempo. Essa é uma preocupação que todo

tradutor sério deve ter, pois, dessa forma, suas escolhas na tradução não serão

inocentes.

Cada escolha do profissional deve estar relacionada à sua intenção, seja ela a

de manter o tom que ele percebeu no original, seja adaptá-lo à forma que ele desejar,

tudo dependerá de seu escopo. O importante é a consciência de tal escolha. É isso que

difere o tradutor profissional, sério e bem capacitado, do mero amador.

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