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BELO HORIZONTE | JUNHO DE 2013 | NÚMERO CEM

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  • BELO HORIZONTE | juNHO dE 2013 | NMERO cEM

  • Conselho EditorialAlexandre FantagussiErick CostaJulia PanadsMaraza LabancaRafael Reis

    Projeto Grfico e Direo de ArteFernanda Gonti jo

    Assistente de Artes VisuaisJuliana Gonti jo

    Colaboradores desta edioCntia FranaEduardo JorgeJuliano Garcia PessanhaSarah MacielTiago Pissolati

    Desenhos e poema bordadoJulia Panads

    RevisoIsabela Monteiro

    ImpressoGuia Prtico

    Tiragem1.000 exemplares

    [email protected]

    As opinies expressas nos textos assinados so de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

    Favor no deixar este jornal em vias pblicas.

    Exp

    ed

    iente

  • Erick Costa II 3

    Pausa: suspenso temporria de ao ou movimento. Lentido. Crivo. Espao temporal que separa. Silncio breve interposto a palavras. Durao do silncio.

    No comeo, um pouco antes mesmo de ganhar suporte, estavam l o silncio, a lentido, a separao de pgina a pgina. E o silncio se fez Pausa entre uma e outra palavra. Foi assim o comeo deste suporte de papel, onde circularam palavras e imagens breves, em sua resistente durao potica. Menos que palavras, houve os espaos brancos pausas entre um e outro texto. A limpeza, a leveza, a preciso: nosso crivo. A exatido do mnimo.

    Agora, um tempo depois, o Pausa retorna para escavar vazios na cultura, vacolos de solido em que a comunicao em fracasso uma forma de ir. Aqui circularo textos e imagens com sua potncia.

    Envie seus textos para o Pausa: [email protected] Prxima edio: O limite da imagem

    Editorial

  • 1. Sorrow found me when I was young

    Com esse verso retirado da letra de Sorrow, do lbum High Violet (o mais recente da banda), Matt Berninger marca, anacronicamente, o incio do percurso atravessado por esse ouvinte das msicas do National.

    As msicas dessa banda me encontraram quando eu era jovem. Bom, j tinha l uns vinte e dois anos, mas era infinitamente mais jovem. Infinitamente jovem.

    Naquele momento, a tristeza, o pesar, a dor (sorrow) pouco me afetaram. Falo do lbum Sad Songs for Dirty Lovers que, naquela poca, parecia apenas mais uma coisa nova que havia ouvido. Aquela angstia presente nas letras pouco tocava. Era mais um pouco de rudo pra algum acostumado com barulho. As coisas se moviam no ritmo desse barulho. A juventude era avessa ao silncio.

    2. Sorrow waited, sorrow won

    Corte brusco: e o ouvinte tem seus trinta, quarenta anos. O rudo continua existindo, mas a capacidade de lidar com ele cada vez menor. O barulho se torna insuportvel. O silncio passa a ser necessrio e ao mesmo tempo impossvel.

    As preocupaes so outras e se proliferam.

    Da situao mais banalAll night I lay on my pillow and prayFor my boss to stop me in the hallwayLay my head on his shoulder and saySon, Ive been hearing good things

    ao desejo mais irrealizvel. Hey, love, well get away with itWell run like were awesome, totally geniusHey, love, well get away with itWell run like were awesome

    4 II Alexandre Fantagussi

    8 80

  • Alexandre Fantagussi II 5

    Todas tomam conta da imaginao.

    Agora, no entanto, quem ouve mais velho. Infinitamente velho. As possibilidades do que poderia ter sido, ou do que poder ser, preenchem cada segundo, cada centmetro de silncio. Parece envolvido em uma esfera formada pelas imagens suscitadas por essas inmeras possibilidades de sucesso, fracasso, alegria, tristeza. Tanto futuras quanto passadas.Sit down dear we gotta talkYour act ing like a kidWe dont wanna hear aboutThe things you never did

    No h presente. S a sensao de que o passado est perdido e que o seu futuro est determinado a partir dessa mesma perda. Antes, o barulho era normal ou at imperceptvel, agora diferente. O rudo, essas imagens paralisam.

    A possibilidade de se conformar existe, mas se torna improvvel. Chega-se ao limite.

    No h exploso, no h surto. Apenas um pedido, nervoso, por algum silncio:Im gett ing nervousNa, na, na, na, na, na, na

    Na, na, na, na, na, na, na. O ltimo recurso, pronunciado entre um ranger de dentes. Antes da catstrofe, que nunca acontecer. J velho demais para isso.

    S assim as letras passaram a fazer sentido. S o ouvinte adulto compreendeu a extenso daquele pesar ouvido pelo jovem.

    S o ouvinte adulto compreendeu a extenso daquele pesar ouvido pelo jovem? Teria que ser assim?

    3. We look younger than we feel and older than we are

    Essas msicas s fariam sentido para os adultos? Existe rock adulto?

    A resposta parece estar no verso que havia chamado a ateno quando ouviu a banda pela primeira vez. Enigmtico, remete a um ponto, fluido, da relao com o tempo e com a prpria idade.

    8 80

  • 6 II Alexandre Fantagussi

    Est velho demais. Parece novo. Parece novo apesar de se sentir velho. Se sente mais velho do que .

    No h ponto fixo. Nunca se to velho ou to novo.

    Adultos se comportam como crianas, jovens como adultos, adultos como jovens.

    Essa fluidez acaba por revelar aquilo que est entre o jovem e o adulto, entre o passado e o futuro. A resposta bvia: o presente. nele que se vivo. Deslizando entre esses polos, possvel se desprender do que poderia ser, do que foi. E, nesse instante, se vive.

    Deslizando. Nem 8 nem 80.

    Nem 8 nem 80? Ou seja, o caminho do meio? Menos ainda.

    8 e 80.

    Como o homem que pede para a mulher que o coloque na cama e o cubra. Nesse momento ele adulto, criana. Lover put me in your beaut iful bedand cover me

    S nesse sentido pode existir rock adulto. S assim existe vida adulta.

  • 10 II Wallace Stevens

    The Role of the Idea in Poetry

    Ask of the philosopher why he philosophizes, Determined thereto, perhaps by his father's ghost,

    Permitting nothing to the evening's edge.

    The father does not come to adorn the chant. One father proclaims another, the patriarchs Of truth.

    They stride across and are masters of

    The chant and discourse there, more than wild weather Or clouds that hang lateness on the sea.

    They become A time existing after much time has passed.

    Therein, day settles and thickens round a form Blue-bold on its pedestal that seems to say, I am the greatness of the new-found night.

  • Traduo: Tiago Pissolati II 11

    O Papel da Ideia na PoesiaPergunte do filsofo por que ele filosofa, Determinado a faz-lo, talvez pelo fantasma de seu pai, Nada permitindo ao limiar da noite.

    O pai no vem para adornar o canto. Um pai proclama outro, os patriarcas Da verdade. Eles do passos largos e so mestres do

    Canto e discurso l, mais que clima selvagem Ou nuvens que dependuram o tardio no mar. Eles se tornam Um tempo que existe aps muito tempo j passado.

    Ali, o dia se estabelece e se espessa em torno de uma forma Azul-negrito em seu pedestal que parece dizer Eu sou a grandeza de uma noite recm-descoberta.

  • Pneumotrax

  • Redefini uma patologia poticapra descrever a dor que agoraesmaga os pulmes eno me deixasequer suspirar:

    o pneumotrax da angstia.

    Trouxeram lcool, dreno e bisturipro meu quinto espao intercostal.

    O ar cheiravaa passado exumado.

    Sarah Maciel II 13

  • 14 II Eduardo Jorge

    Poucas as chances. Por isso do esforo explode uma impotncia e uma proximidade ligeira e logo a distncia, logo, as situaes com insistncia pressionam a pele com a repetio da fuga de um dia de gua: eis, o era uma vez. O super-heri retorna com a fraqueza exposta: a mesma matria da barba, a mesma linha rota, mas reta que insiste em dente e, mesmo assim, as cinzas restam no baixo extremo do peito, corao msculo e muco se reconhecem vocabulrio comum e monocrdico, tpico de dias de gripe. Raras, as chances, porm aos gritos, pulos e saltos vm aos poros sem malabarismos, embora com muitas voltas para dizer algo preciso na fria esvaziada dos dias. Sim. Se disseram super-heri foi pelo riso constante, pela gentileza, apesar da abstinncia da prontido, mesmo para a troca de nome: no, na rotina ele viaja, ela costura, ele costura, ela viaja. Que heri sobrevive em uma poca de derrotados ou daqueles que j nasceram vencidos. Trata-se do mesmo par de meias sem dias picos, daquele que suporta as queixas nos ombros, cujas palavras se seguram pelo silncio dos ouvidos, o fio que o obriga a sumir, a desaparecer no flego. Assopra, assopra, assopra at que, ah, a alegria.

    art

    ista

  • Quem hoje habita o espao literrio j, necessariamente, se move no fracasso. E a razo para isso a seguinte: quando o mundo e a experincia guardam ainda alguma opacidade, o escritor tem amplas zonas por onde mover o seu dizer. Quando o processo de objetivao e de explicao submete e domina cada vez mais regies da experincia, mais o dizer migra para o especialista e mais diminui o espao da provncia literria.

    Nos ltimos cem anos, no s novas realidades saram da clausura e da latncia para entrar no mundo (os tomos, os quarks, o DNA, os genes, o sistema imunolgico) como realidades que se encontravam fora do regime explicativo foram objetivadas e colonizadas pelo saber explicitante: a sexualidade por Freud, os sonhos tambm pela psicanlise (Jung e Freud), a relao de dependncia me-beb por Winnicott, o mundo do outro, da outra cultura, por Lvi-Strauss e outros antroplogos, o mundo do trabalho por Marx, a moralidade por Nietzsche e Freud etc. Quando uma coisa, qualquer coisa, sai da latncia e adentra no regime moderno de coisa explicada, muda completamente a nossa relao com essa coisa.

    16 II Juliano Garcia Pessanha

    Texto lido em 21-11-2012 em Encontros de interrogao O risco na literatura

    Como fracassar em literatura?

  • Um dos resultados desse desenvolvimento que o dizer de uma certa realidade fica colonizado pelo saber que a explicou e a conduziu luz. Chancelado pela rubrica da verdade e da operatividade, pois a realidade, uma vez explicitada, passvel de controle e interveno (pense, por exemplo, no ombro e no joelho fraturados antes e depois da ressonncia magntica ou numa interveno clnica para tirar uma criana do autismo aps Winnicott), todo o dizer vai sendo arregimentado e calibrado pela linguagem que doravante abre o acesso mesmo quele determinado setor da experincia. Esse processo, que constitui o prprio cerne da modernizao do mundo e que foi magistralmente descrito por Peter Sloterdijk no ltimo volume da trilogia Esferas, deixa o escritor cada vez mais acuado e sem ter o que dizer! O prprio narrar e a leitura, como atividades de reconhecimento e de reconfigurao da experincia, cedem lugar e so transferidos em grande parte ao campo de outras disciplinas das chamadas humanidades. Simultaneamente a isso, alguns psicanalistas, etnlogos e filsofos comeam a narrar melhor e coisas mais interessantes que os escritores. (Penso aqui no psicanalista paquistans Masud R. Khan e nos relatos clnicos que compem seu livro Quando a primavera chegar e no romance filosfico Esferas do Peter Sloterdijk, mais de 2.300 pginas luminosas de uma histria cujo protagonista o espao.) No caso do campo psi, bastante claro que ele toma grande parte do terreno outrora da literatura: nos consultrios que muitas histrias so hoje contadas e recontadas cotidianamente e tambm l (junto a um especialista!) que a dor e a pergunta buscam um lugar mais acompanhado que o dirio, a escrita e a leitura.

    O interessante que nessas condies de perda de terreno para os especialistas, o escritor tentou imit-los e se converteu ele prprio num especialista e num profissional da literatura. Essa reao contrafbica ao fracasso levou a um fracasso cada vez maior da literatura. Ao invs de ruminar o fracasso, deter-se na dificuldade cada vez maior de dizer algo ou mesmo de, num grito, indignar se com a situao na qual nos encontramos (situao na qual o homem j no consegue acessar a si mesmo a no ser pela mediao dos saberes e o dizer dos especialistas. Dito filosoficamente com Heidegger:

    Juliano Garcia Pessanha II 17

  • situao na qual o processo de objetivao j englobou e j engoliu o objetivante, o sujeito, e o objetivado; ambos esto nivelados e igualizados, o que pode ser visto no belo livro Heidegger e a essncia do homem, de Michel Haar). Uma indignao altura de quem sabe que perdeu o orvalho e sofre com isso. Ao invs de ruminar esse acontecimento e de adensar o silncio e uma outra relao com a linguagem, o escritor atual tentou imitar o vigor do dizer dos especialistas e saiu por a, doido, atrs de ideias e de ter o que dizer. Como um Harrison Ford atrs da arca perdida procurando assunto. O escritor atual tornou-se o camaradinha criativo atrs de ideias, de histrias, um caador de vivncias e de grias. Ele, na sua fuga contra o fracasso, parece ter se esquecido de que quem tem milhares de ideias e de projetos o publicitrio; o escritor real tem, muitas vezes, apenas uma ferida cujo nome ele desconhece, mas que lhe concede silncio e uma palavra gaga e balbuciante.

    A palavra da arte coisa de recm-nascido ou de moribundo, de quem no est acostumado com o mundo, mas muito mais tocado pela sua emergncia e pela sua desapario do que envolvido na sua estabilidade. Tanto aquele que acaba de nascer quanto aquele que est para morrer sabem que a linguagem acontece em nossa boca quando, desabados dela e desintoxicados dela, estamos tensos no surto-susto do mundo. Sabem que Antes que a palavra\ Invada a face\ O olho arde (versos de Mrcia Chieppe, em Lume do dia), o corpo treme. J o escritor de meia-idade, estabilizado no mundo, vive na precedncia da palavra e das referncias culturais: ele um produto cultural e um malabarista. Da sua falta de vigor. Seus livros no nascem, mas so produzidos e j chegam com crtica e editora. A exemplo do colega acadmico que explica tim-tim por tim-tim o que far

    Juliano Garcia Pessanha II 19

  • ao papai Lattes, o escritor profissional tambm ajusta o seu dizer ao mbito da compreenso de seu financiador e do mercado e, nesta calibragem mtua, garante-se a tautologia, a duplicao do mesmo, a agonia do totalmente j pensado totalmente j sabido, nas palavras de Gilberto Safra.

    bvio que h tambm escritores de meia-idade, diferentemente dos nascidos h pouco e dos moribundos, que no so mera dublagem do mesmo e cujo dizer est marcado por experincias reais... Mas o acontecimento hoje hegemnico que a literatura e a palavra literria que supostamente constituam a ltima zona de imunidade contra a invaso do dizer objetivante dos especialistas tornou-se ela prpria uma zona objetivada e colonizada por especialistas e competentes... Catadores de discurso e caadores de vivncias tm hoje disposio de sua produo retrico-esttica muito mais assunto. O cardpio estendeu-se muito, pois a prpria zona do recm-nascido e do moribundo, esquadrinhada e esclarecida pela filosofia do sculo XX, tornou-se assunto para mais saques discursivos...

    Alegra-me concluir com Marina Tsvetieva:

    Sobre o estetismo. O estetismo a insensibilidade. A essncia substituda por indcios. O esteta se esquiva do matagal na vida, mas nutre-se dele numa gravura. O estetismo um clculo: pegar tudo sem dor, transformar a dor em delcia! Todos tm seu lugar ao sol: o traidor, o violador, at mesmo o assassino mas no o esteta! Ele no conta. Ele est excludo dos elementos da natureza, ele um nada.

    Meu jovem amigo, no seja um esteta! No ame as cores com os olhos, os sons com os ouvidos, os lbios com os lbios, ame tudo com a alma. O esteta um hedonista cerebral, uma criatura desprezvel. Seus cinco sentidos so fios que no conduzem alma, mas ao vazio. Afinidade de gostos no se est longe da gastronomia (em Vivendo sob o fogo, de Marina Tsvetieva trad. Aurora Bernardini).

    20 II Juliano Garcia Pessanha

  • e o amor sempre era uma vez que podia tanto e no fim era s aquilomesmo, a gente ali, no olho da rua do furaco, gastando bisturi noasfalto, e aquela insistncia em pronunciar to bem uma lngua morta

    porque eu nunca ia ter essas imagens to levinhas de pipoca no parque no cinema

    algodo doce

    porque o gro de acar derretendo na ponta da lngua nunca ia sersuficiente, por mais que fossem vrios e as lnguas muitas.

    Cntia Frana II 23