PensamentoPorImagem_MarcelinoPeixoto

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  • 8/3/2019 PensamentoPorImagem_MarcelinoPeixoto

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    Pensamento por imagem*

    (Marcelino Peixoto)

    Escuto o texto Pensamento por imagem, pensamento dialtico,

    pensamento alterante: a infncia da arte segundo Georges Bataille, de Didi-

    Huberman (publicado originalmente em Les Cahiers du Muse National dArt

    Moderna no inverno de 1994) acerca dos escritos de Georges Bataille para a

    edio de n 2 da revista Documents, publicada em 1929.

    O texto de Didi-Huberman aponta para o debate de Georges Bataille com a

    dialtica hegeliana. Nesse texto Bataille vai falar de uma dialtica das imagens, ou

    melhor, uma dialtica das formas em contraposio dialtica dos conceitos

    abstratos, como em Hegel.

    A dialtica das formas concretas no poderia satisfazer s exigncias

    promovidas por Hegel em vista de um mtodo absoluto do pensar, puro. Bataille

    procurou o elemento dialtico no que devia tornar possvel o advento do no-

    sentido, ou dos sintomas do sentido.

    No frontispcio do texto, Didi-Huberman cita trecho em que Bataille discorre

    sobre o desvio. Desvio como mal-estar gerado pelo contato primeiro com a

    inteireza do fenmeno estranho. esse encontro, ou melhor, desencontro, que faz

    surgir, emergir, aflorar a imagem potica. Temos, ento, imagem potica como

    crise. A imagem que nos coloca em crise.

    A aposta do jogo batailliano que somos obrigados a abrir as noes

    alm delas mesmas. Bataille refuta o sistema fechado de Hegel. Para ele, adialtica deve ser pensada de maneira aberta.

    Nessa dialtica das formas, o conhecimento, ou a construo de sentido,

    ocorre pelas imagens do desvio (significantes) e no por conceitos abstratos

    (significados dados). Em tal pensamento a imagem primeira, a percepo

    primeira acerca das coisas apario - que constri a compreenso. A dialtica

    das formas, segundo Bataille, descrever um movimento descendente, capaz de

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    baixar o pensamento ao nvel das coisas concretas, ao nvel dos documentos. A

    memria nunca se limita a descrever e a interpretar o passado, mas o constitui no

    prprio gesto que inventa o futuro.

    A infncia em Bataille deve ser re-convocada, a ttulo de sintoma, no

    presente da escritura adulta. Em suma, a regresso refere-se menos a uma

    negao da linguagem (dos conceitos), mas a uma capacidade para os perturb-la,

    como um sintoma, em sua capacidade para convocar imagens. Eis porque a

    dialtica das formas.

    O conhecimento batailliano procurava o ponto de contato em que, sem

    transposio sem metfora , a imagem em geral pudesse encontrar o nvel das

    coisas, sua concretude, sua eficaz verdade.

    Em Bataille, portanto, h uma forma que se deforma. Desconstruo no

    discurso filosfico, mas tambm no discurso das artes. Bataille prope uma nova

    epistemologia para a arte onde, afastando-se no mundo das idias (pensamento

    platnico), busca-se a completude, o suplemento, a substituio de um sentido

    dado.

    H, portanto, a busca de uma semiose infinita. Dessa forma, o potico age

    como um dnamo e no como um mecanismo.

    Ento so duas as formas apontadas de construir o conhecimento:

    Por conceitos, como no modelo acadmico tradicional. Nesse modelo o

    conceito tem a potncia de dizer o indizvel, criando outros conceitos. Mas pode

    o conceito gerar pensamentos livres?

    Por imagens, como na dialtica das formas proposta por Bataille. No

    conhecimento por imagens, o pensamento se d pelo significante e no pelo

    significado. questo de forma ainda no transformada em smbolo.

    Mas qual seria a natureza dessa imagem primeira, a que gerou o advento

    do no-sentido dessa que ainda no encontrou simbolizao? Seria uma imagem

  • 8/3/2019 PensamentoPorImagem_MarcelinoPeixoto

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    Pronta? Seria a primeira imagem possvel? Seria Icnica? Simblica (nomeada)?

    Seria uma imagem gerada pela Sensao (sensao como possibilidade de

    construo simblica)?

    Se as imagens pensam - e elas pensam -, a grande potncia do informe

    talvez seja botar o conceito para pensar. Pois a imagem, no resgate, fala por

    conceitos.

    Mas qual o conhecimento outro gerado pela dialtica das imagens? Seria o

    mesmo possvel aos conceitos? Ou s a imagem pode dizer o indizvel? Ou nem a

    imagem?

    As imagens dizem o indizvel sobre o humano, sobre o mundo ou sobre a

    cultura?

    S possvel dizer o indizvel sobre o humano. O resto (o mundo, a cultura,

    o fora) est definido. Porm esse indizvel temporrio. Aps deslizar, a tabela de

    significaes se re-configura simbolicamente. Ou seja: para que haja o

    pensamento livre ser sempre necessrio atualizar a tabela simblica.

    Tentar dizer o indizvel atravs do conceito pode, maneira de

    determinados textos crticos, gerar textos ininteligveis. Ou deslizamentos, como

    nos bons textos - os que evocam o suplemento.

    FABRIS, A; KERN, Maria Lcia B. Imagem e Conhecimento. So Paulo: EDUSP,

    2006.