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Pensando Bem! - Welcome to Cambridge e-Learning Institute · Após viver fora de Portugal por mais de 25 anos, ... E finalmente não quero esquecer ... Aqui trabalhou no desenvolvimento

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Pensando Bem!... Uma introdução ao pensamento crítico Anabela A Pinto

cambridge e-learning institute 2015

Copyright © 2015 por Anabela A Pinto

Capa Copyright © Eidelman Photography http://www.eidelmanphoto.co.za/

Todos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução total ou parcial deste livro nem o registo em sistema informático, transmissão sob qualquer forma ou por quaisquer meios, seja electrónico, mecânico, por fotocópia, gravação ou por outros meios, sem permissão prévia por escrito dos proprietários do registo do Copyright.

Primeira Edição: 2015

ISBN 978-1-326-18379-0 (Internacional)

ISBN papel: 978-84-686-6210-7 (Portugal) ISBN digital: 978-84-686-6211-4 (Portugal)

Cambridge e-Learning Institute 1A Brookside, Orwell SG8 5TQ, Hertfordshire. United Kingdom www.cambridge-elearning.com

Dedicatória Dedico este livro ao meu marido Chris Poulton que sempre suportou os meus projectos com muito amor e carinho e que com a sua paciência e apoio fez este projecto possível. Dedico também a muitos amigos brasileiros e portugueses que me entusiasmaram a escrever em português o conteúdo dos meus cursos em pensamento crítico duma forma simples, clara e acessível a todos. Após viver fora de Portugal por mais de 25 anos, torna-se cada vez mais difícil pensar e escrever na língua mãe. As diversas versões texto foram lidas várias vezes por amigos e colegas que contribuíram com ideias, críticas e correcções. Queria especialmente agradecer aos meus amigos Vania Plaza Nunes, João Pedro Ferreira, Desidério Murcho, Ludwig Krippahl e Fernando Abegão pela paciência e dedicação ao ler várias vezes o manuscrito, detectar e corrigir os seus erros. E finalmente não quero esquecer o meu tio José António de Assis que é um purista da lingua e corrigiu frequentemente os meus anglicismos. Finalmente queria dedicar o livro ao meu pai Jorge Pinto que muito me incentivou a escrever este texto e infelizmente faleceu um mês antes de ver o livro publicado.

I

Sobre a autora

Anabela de Assis Pinto é licenciada em Biologia pela Faculdade de Ciências de Lisboa, com um mestrado em Ecologia de Água Doce e um Doutoramento em Ecologia Comportamental, pela Universidade de Aarhus, na Dinamarca. Fez também Pós-Doutoramento em comportamento animal e ecologia na Universidade de Oxford onde desenvolveu um interesse pela ciência do Bem-Estar Animal o que a levou a associar-se ao grupo de bem-estar animal do Departamento de Veterinária na Universidade de Cambridge. Aqui trabalhou no desenvolvimento de materiais educacionais em bem-estar animal. Leccionou etologia, ética, bem-estar animal, primatologia, conservação, e pensamento crítico nas Universidades de Chester, Roheampton e Cambridge. Em 2002, fundou a empresa Cambridge e-Learning Institute (www.cambridge-elearning.com) oferecendo educação online sobre assuntos relacionados com comportamento, bem-estar e ética animal. A autora deixou Portugal em 1988 para morar na Dinamarca onde fez o Doutoramento e mais tarde estabeleceu-se em Cambridge onde vive desde 1999 com o marido e uma população variável de gatos. Embora o pensamento crítico seja uma disciplina geralmente relacionada com a Filosofia, não deixa de ser uma capacidade necessária a todos aqueles que pretendem apresentar argumentos consistentes na defesa das suas ideias e opiniões. Percebendo as dificuldades apresentadas pelos seus alunos na análise critica e apresentação de argumentos, a autora criou vários cursos e workshops em pensamento crítico que foram ministrados em várias Universidades no Reino Unido e Dinamarca, Itália, Portugal, Espanha e no Brasil. Estes cursos têm como público-alvo professores e estudantes de áreas da Biologia, Veterinária, Medicina e Biotecnologia que pretendem escrever artigos e criticar trabalhos de colegas de uma forma construtiva e organizada. O presente livro resulta da experiência recolhida durante esses cursos e procura servir como manual a todos os interessados no desenvolvimento do Pensamento Crítico. A autora escreve o blog Natural Machines (https://anabelapinto.wordpress.com) onde apresenta as suas ideias ao público em geral.

II

Índice

Prefácio .................................................................................................................................. 0

Capítulo 1: O QUE É O PENSAMENTO CRÍTICO .................................................................. 3

1.1.Argumentos versus retórica ........................................................................................... 5

1.2.Avaliação de dilemas ....................................................................................................... 5

1.3.Identificação das fontes de discordância ....................................................................... 6

1.4.Resolução de conflitos .................................................................................................... 6

1.5.A importância do método em pensamento crítico ......................................................... 7

Capítulo 2: O CONCEITO DE ARGUMENTO ......................................................................... 9

2.1. Argumentos implícitos e explícitos ............................................................................... 9

2.2. Porque alguém usaria argumentos implícitos? ...........................................................10

2.3. Como identificar um argumento ...................................................................................11

2.4. Afirmações / Declarações..............................................................................................12

2.5. O hiato ser/deve ser .......................................................................................................12

2.6. O Conceito de pressuposto ..........................................................................................13

Capítulo 3: A ESTRUTURA DO ARGUMENTO .....................................................................15

3.1. Argumentos simples .....................................................................................................15

3.2. Argumentos em forma de T ...........................................................................................16

3.3. Argumentos em forma de V ..........................................................................................16

3.4. Argumentos complexos ................................................................................................17

Capítulo 4: PENSAMENTO E RACIOCÍNIO ..........................................................................19

4.1. A diferença entre pensar e raciocinar ...........................................................................20

4.2. Formas de raciocínio .....................................................................................................21

4.3. Pensamento rápido e lento: Sistema 1 e Sistema 2 .....................................................22

Capítulo 5: RACIOCÍNIO DEDUTIVO ....................................................................................23

5.1.Lógica Categórica ...........................................................................................................24

5.2.Diagramas de Venn e Euler ............................................................................................25

5.3.Lógica Formal .................................................................................................................31

5.4.Silogismos ......................................................................................................................35

5.5.Silogismos categóricos ..................................................................................................37

Capítulo 6: QUALIDADE DOS ARGUMENTOS DEDUTIVOS ...............................................41

Capítulo 7: RACIOCÍNIO INDUTIVO .....................................................................................45

Capítulo 8: INDUÇÃO FORMAL ............................................................................................49

8.1.Indução por analogia ......................................................................................................49

8.2. Indução por generalização (De alguns para todos) .....................................................51

8.3.Indução por silogismos estatísticos ..............................................................................56

8.4. Indução por confirmação (abdução) .............................................................................56

8.5. Indução formal e o método científico ...........................................................................56

8.6. A importância do método científico na vida mundana ................................................57

Capítulo 9: INDUÇÃO INFORMAL ........................................................................................60

9.1. Indução informal por analogia ......................................................................................60

9.2. Indução informal por generalização .............................................................................63

Capítulo 10: QUALIDADE DOS ARGUMENTOS INDUTIVOS ...............................................66

Capítulo 11: ACEITABILIDADE ............................................................................................67

11.1. Avaliação da Evidência ...............................................................................................68

11.2. Verificação duma proposição .....................................................................................73

11.3.Teorias da Verdade .......................................................................................................74

11.4. Critérios da verdade ....................................................................................................77

11.5. Racionalistas vs. Empiristas: Uma batalha filosófica? ..............................................78

Capítulo 12: RELEVÂNCIA ...................................................................................................81

Capítulo 13: ADEQUACIA .....................................................................................................82

13.1. Critérios de adequacia .................................................................................................82

13.2. Apelo à autoridade .......................................................................................................83

13.3. O uso de analogias ......................................................................................................83

13.4. Apelo à ignorância (Argumentum ad ignorantium ) ...................................................83

13.5. Falácias causais ..........................................................................................................84

Capítulo 14: RACIOCÍNIO ABDUTIVO ..................................................................................86

14.1. Hipóteses, teorias e modelos ......................................................................................86

14.2. Explicações ..................................................................................................................89

Capítulo 15: RACIOCÍNIO CAUSAL .....................................................................................93

15.1. Causa, Relação e Correlação ......................................................................................94

15.2. Condições necessárias e suficientes .........................................................................94

Capítulo 16: INTRODUÇÃO ÀS FALÁCIAS ..........................................................................98

Capítulo 17: FALÁCIAS CAUSAIS......................................................................................100

17.1.Falácias causais dedutivas ........................................................................................101

17.2.Falácias causais indutivas .........................................................................................102

Capítulo 18: FALÁCIAS DE GENERALIZAÇÃO (Indução Formal) ....................................113

18.1.Falácias de Quantificação ..........................................................................................113

18.2.Falácias Probabilísticas .............................................................................................118

Capítulo 19: FALÁCIAS DE GENERALIZAÇÃO e EXCEPÇÃO (Indução Informal)...........120

19.1. Falácias de Generalização .........................................................................................120

19.2. Falácias de Excepção ................................................................................................122

Capítulo 20:FALÁCIAS DE EVIDÊNCIA E PROVA .............................................................125

Capítulo 21: FALÁCIAS DE ASSOCIAÇÕES E PADRÕES ILUSÓRIOS ............................128

Capítulo 22: FALÁCIAS ANALÓGICAS ..............................................................................131

22.1. Analogias Erróneas ...................................................................................................132

22.2. Analogias Falsas .......................................................................................................132

22.3. Analogias questionáveis ...........................................................................................133

Capítulo 23: FALÁCIAS DE EXPLICAÇÃO .........................................................................134

Capítulo 24: FALÁCIAS DE DEFINIÇÃO ............................................................................136

Capítulo 25: FALÁCIAS DE RELEVÂNCIA .........................................................................140

25.1. Quando a premissas que não suportam a conclusão ..............................................140

25.2. Falácias Ad hominen .................................................................................................142

25.3. Falácia Genética ........................................................................................................144

Capítulo 26: FALÁCIAS DO ARENQUE VERMELHO .........................................................145

26.1. Falácia de excepção ou tratamento especial ...........................................................145

26.2. Falácia do homem de palha.......................................................................................146

26.3. Falácias de apelo às emoções ..................................................................................147

26.4. Falácias de apelo à mente .........................................................................................148

Capítulo 27: FALÁCIAS VERBAIS ......................................................................................153

Capítulo 28: ARGUMENTOS ENVIÉSADOS (Bias) ............................................................159

28.1. Bias cognitivos ..........................................................................................................159

28.1.2. Bias derivados da percepção pessoal ...................................................................163

28.2. Bias Motivacionais .....................................................................................................167

Capítulo 29: PROPAGANDA e RETÓRICA .........................................................................182

29.1. Propaganda ................................................................................................................182

29.2. Retórica ......................................................................................................................182

29.3. Diferença entre propaganda e retórica .....................................................................183

29.4. Estratagemas Retóricos ............................................................................................183

Capítulo 30: ANÁLISE DE ARGUMENTOS .........................................................................197

30.1. Forma do argumento (validade) ................................................................................198

30.2. Estrutura do argumento ............................................................................................199

30.3. Análise de Contexto, Qualidade e Conteúdo ............................................................200

30.4. Desconstrução e Reconstrução de Argumentos .....................................................204

Capítulo 31: PRODUÇÃO DE ARGUMENTOS ....................................................................207

31.1. Argumentos e Debates ..............................................................................................208

31.2. Código de Conduta Intelectual ..................................................................................208

31.3. Objectividade .............................................................................................................211

Capítulo 32: APPLICAÇÕES DA ARTE DE RACIOCINAR .................................................212

Conclusão ...........................................................................................................................220

Bibliografia .........................................................................................................................223

Prefácio

A ideia para este livro surgiu da necessidade de criar materiais em português para o curso em pensamento crítico que eu ofereço regularmente em diversas universidades brasileiras e no Reino Unido. Estes cursos são direccionados especialmente a estudantes e profissionais de veterinária, biologia e outras ciências da vida envolvendo o estudo da biologia em geral e de animais em particular. O curso surgiu da necessidade de oferecer bases de argumentação para a discussão de assuntos sobre ética e bem-estar animal. As nossas relações com os animais são frequentemente analisadas com muita emoção e durantes esses cursos os alunos raramente utilizavam argumentos bem construídos para suportar as suas ideias ou rejeitar as ideias com que não concordavam. Especialmente nos cursos de ética animal, as discussões durante os workshops terminavam frequentemente em discursos emocionais e pessoas ofendidas. Assim tornou-se necessário o desenvolvimento de um curso rápido sobre pensamento crítico a fim de propiciar as ferramentas necessárias para a formulação de raciocínios lógicos e argumentos robustos. O factor mais importante destes cursos é a consciencialização dos participantes do debate que a discussão deve focar na construção do argumento, e não nas opiniões das pessoas que o oferecem. O livro oferece uma visão geral do método e técnicas de argumentação utilizados em qualquer tipo de discussão entre grupos e pessoas com opiniões contrárias.

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Introdução Em Abril 2013 um empreendedor britânico James McCormick foi condenado à prisão por vender aparelhos falsos de detecção de bombas. Este aparelho consistia numa geringonça com uma antena comum de rádio ligada por alguns fios eléctricos a uma caixa onde se introduziam diferentes cartões com um microchip, tipo cartão de crédito onde cada cartão supostamente activava a antena para detectar diferentes tipos de substâncias. O aparelho também foi vendido como detector de drogas. Cada aparelho custava 27 mil libras e foram comprados pelas forças armadas, policia e governos de vários países, entre eles a polícia do Quénia, o exército no Iraque, Nigéria, Bélgica até param as Nações Unidas. Estes aparelhos foram usados nos serviços prisionais de Hong Kong e na investigação dum hotel na Roménia antes da visita do presidente dos Estados Unidos até que um jornalista do jornal The Times pediu uma desmonstração do aparelho e verificou que a antena não fazia nada e qualquer movimento era consequência dos micromovimentos da mão da pessoa que segurava o aparelho. Na realidade estes detectores não eram mais do que um amontoado de fios eléctricos ligados a nada, sem qualquer base científica para suportar as afirmações que fazia, pondo em perigo a vida de muita gente que confiava nos atributos deste aparelho (1). A questão intrigante é a seguinte: como é que ninguém nas forças armadas, governos e até na ONU se lembrou de pedir o óbvio, isto é, a evidência de estudos científicos sobre a eficácia desse aparelho, antes de transferirem enormes somas de dinheiro para as mãos deste burlão? O uso de radiestesia é uma outra forma de burla em que milhões de pessoas acreditam e pagam bom dinheiro para encontrar água nos seus terrenos antes de fazer um furo ou abrir um poço. Esta técnica milenar baseia-se na utilização dum ramo de árvore em forma de Y onde os braços do ramo são virados para cima contra as linhas naturais dos veios do ramo contorcidos. Enquanto o prospector de água anda sobre o terreno com esse tronquinho, a pressão exercida sobre a forma como o tronco é seguro, acaba virando a varinha para baixo ou para cima procurando a posição natural livre das forças exercidas nos braços. Eu própria experimentei a radioestesia e podia seguramente sentir a força da varinha apontando para baixo, ou para cima. O radiestesista que me acompanhou aprovou da minha técnica e afirmou que eu tinha a tal força “mística” necessária para encontrar água. O problema desta técnica é que a varinha não aponta sempre para o mesmo local se o teste for repetido várias vezes, e ao passar sobre áreas que efectivamente têm água, como um poço, a varinha não aponta necessariamente para esse local. A verdade é que, a maior parte das vezes se encontra água, porque em qualquer lado existem lençóis de água cobrindo a crosta terrestre. Só é preciso furar até encontrar. A radiestesia é uma técnica que surgiu no contexto da magia durante a Renascença e continua popular. Uma nova forma de tratamento conhecida como Aqua Detox tem-se tornado popular entre os praticantes de pseudo-medicina. Este “tratamento” consiste em colocar os pés num banho de água contendo “sais orgânicos naturais” onde se faz passar uma corrente eléctrica que “entra

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em ressonância” com o seu “campo bio-energético” limpa o seu corpo de impurezas. A prova? A água que antes era cristalina e transparente torna-se acastanhada com uma espécie de película na superfície. Aqui os “especialistas” do Aqua Detox “confirmam” que as toxinas que afectam o seu corpo são a sujidade visível na água. Qualquer pessoa que fez química no ensino secundário sabe que qualquer corrente eléctrica produzida por um par de eléctrodos metálicos dentro dum banho com sais vai oxidar o metal dos eléctrodos sujando a água mesmo sem precisar de colocar os pés lá dentro. Nem um dedo! O que têm de comum estas três histórias? A vontade de acreditar sem se pedir evidência nem tentar perceber o mecanismo pelo qual estes métodos “funcionam”. Em comum têm uma impressionante falta de habilidade para pensar criticamente. Para mais informação sobre o caso McCormick veja os seguintes websites:

• BBC News http://www.bbc.co.uk/news/uk-22380368 • The Mirror http://www.mirror.co.uk/news/uk-news/conman-james-mccormick-sold-golf-1850330 • James Randi e o ADE651 Quadro Tracker http://www.youtube.com/watch?v=ruTmqfGJhTI

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Capítulo 1: O QUE É O PENSAMENTO CRÍTICO

“O valor duma educação superior não está na aprendizagem de factos mas no treinamento da mente para pensar”. -Albert Einstein (1921)

A palavra criticar tem uma conotação negativa nas mentes das pessoas. Ninguém gosta de ser criticado e estamos sempre prontos para criticar os outros, mas na verdade, esta é uma forma deturpada de perceber o sentido da palavra “crítica”. Criticar um texto, uma acção, uma obra de arte, uma refeição, significa que estamos a fazer uma avaliação do objecto em causa. A crítica é geralmente uma opinião de algo que presenciamos ou testamos. Podemos fazer críticas negativas ou positivas na análise dum argumento, mas é preciso ter em consideração que existe uma diferença entre criticismo e criticar. Criticismo refere-se a uma atitude negativa com a intensão de degradar o objecto da análise. Criticar é a acção de avaliar a qualidade de algo identificando os seus aspectos positivos e negativos.

A arte de pensar criticamente, também conhecida como ou pensamento crítico, refere-se à capacidade de avaliar o objecto em causa de forma objectiva e justa. Se o foco da crítica consiste de opiniões expressas por outros, a nossa avaliação deve se concentrar no argumento e não na pessoa que o produz. Quantas vezes já ouvimos observações do tipo “se você pensa assim, então você é um idiota” ou um “ignorante”? Existem por esse mundo pessoas sem muita cultura que podem apresentar bons argumentos, e muita gente considerada culta que apresenta argumentos idiotas.

A razão deste livro é ajudar a organizar o nosso pensamento e oferecer ferramentas intelectuais que possam ajudar a formular argumentos robustos, difíceis de derrubar e a analisar as falhas dos argumentos dos outros.

Pensar criticamente não é maldizer ou enxovalhar, mas notar falhas de raciocínio na argumentação.

Estudar Pensamento Crítico ajuda-nos a identificar factores que são erróneos no nosso raciocínio e no raciocínio dos outros. Aqui estão alguns exemplos de como o raciocínio pode falhar.

1. Por vezes aquilo que pensamos e exprimimos não é claro, é confuso e misturado com ideias e emoções subliminais das quais não estamos conscientes

2. Temos uma tendência para saltar para conclusões precipitadas, baseadas nas nossas emoções mais do que na evidência (ou falta dela) apresentada

3. Durante uma discussão, podemos perder o rumo dos nossos objectivos iniciais 4. Falhamos na identificação de contradições 5. Perguntamos questões e damos respostas vagas 6. Perguntamos questões irrelevantes 7. Confundimos questões de diferentes tipos 8. Falhamos na distinção entre o que é inferido e o que é assumido 9. Não temos consciência de quais são os pressupostos dos argumentos 10. Baseamos os nossos argumentos em pressupostos injustificados 11. Não estamos conscientes dos nossos preconceitos apresentando conclusões

tendenciosas ou unilaterais (enviesadas). 12. Esquecemo-nos de tomar em conta os argumentos contrários

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13. Utilizamos um raciocínio ilógico 14. Somos simplistas em questões complexas 15. Complicamos idas simples 16. Apresentamos ideias hipócritas 17. Temos falta de visão devido a ignorância ou informação inadequada

Então o Pensamento Crítico é a aplicação de padrões e critérios de avaliação de ideias, argumentos práticos e teóricos. Procuramos opções, ou alternativas diferentes para reformular esses argumentos de forma a convencer outros, ou de modo a nos proteger da tentativa de manipulação mental por parte de outros.

Quando se considera uma opção, examinamos o que pode ser dito a favor e contra e depois comparáramos os resultados com outras opções possíveis.

Uma pessoa que pensa criticamente tem a capacidade de avaliar com justiça não só as suas próprias crenças, opiniões e pontos de vista mas também, as crenças e pontos de vista que são opostos aos seus explorando a sua adequacia e coesão e, se são ou não razoáveis quando comparados com os seus próprios pontos de vista.

A lista seguinte descreve características dum bom pensador crítico

• Curioso, inquisitivo • Bem informado e diligente na procura de informação • Convicção no poder da razão • Mente aberta • Flexível • Justo na avaliação • Honesto no reconhecimento de tendências pessoais e subjectividade • Prudente a fazer julgamentos precipitados • Com tendência para reconsiderar • Organizado na abordagem de matérias complexas

Nós não nascemos a saber pensar analítica ou criticamente. Esta é uma arte que tem que ser aprendida, treinada e cultivada porque o nosso cérebro está organizado de forma a acreditar naquilo que nos é dito por pessoas que respeitamos. Dentro da população humana existe uma variação relativamente à força das nossas crenças e propensão para aceitar ou rejeitar a informação que nos chega. Num extremo temos pessoas muito incrédulas que acreditam em tudo o que se lhe diz, por outro temos pessoas muito cépticas que não acreditam em nada. Mas a credulidade extrema é mais frequente do que o cepticismo extremo, porque o cepticismo é algo que é aprendido. Demasiada credulidade ou cepticismo travam a nossa capacidade de adquirir conhecimento. Perante toda a informação com que somos bombardeados diariamente nos meios de comunicação e internet, torna-se difícil decidir em quem acreditar. Algumas pessoas cansadas de tanta confusão podem decidir nunca acreditar em nada. Esta atitude também não é produtiva, pois inibe as pessoas de tomar decisões sobre as opções apresentadas. Para sair deste impasse é preciso aprender a filtrar essa informação com as ferramentas intelectuais providenciadas pelo pensamento crítico. Pensar crítica mente é aprender a pensar independentemente e não deixar que outros tomem decisões que nos afectam pessoalmente. Se deixar que os outros pensem por si, não pode se queixar do resultado! O pensamento crítico é uma ferramenta que pode ser usada em quase todas as situações da vida que afectam decisões pessoais, relações pessoais a profissionais, promoção de ideias do seguinte modo:

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• Identificando o foco preciso do argumento • Avaliando o tipo de raciocínio dedicado a suportar uma proposição • Avaliando a credibilidade da evidência • Avaliando a credibilidade das fontes • Produzindo argumentos claros, bem construídos e fortes

A prática do pensamento crítico ajuda no seguinte

• Separar bons argumentos da retórica • Avaliação de dilemas quando presentes • Entender a fonte de discordância • Resolução de conflitos

1.1. Argumentos versus retórica No contexto do pensamento crítico um argumento consiste num conjunto de proposições, ou premissas, que levam a uma conclusão. Um argumento é uma forma de expressão que tem em vista persuadir de que a conclusão é verdadeira. Este é um exemplo dum argumento; (P1) Todos os filósofos são humanos (P2) Aristóteles era filósofo (C) Logo Aristóteles era humano

P1 e P2 descrevem as premissas e C a conclusão. Cada premissa e a conclusão são preposições que podem ser verdadeiras ou falsas.

Neste caso todas as premissas são verdadeiras, logo a conclusão também é verdadeira. Mais adiante, no capítulo sobre lógica formal, iremos falar em detalhe do assunto que trata da forma dos argumentos, mas foi necessário apresentar aqui a definição geral de argumento para o podermos distinguir de retórica. A retórica refere-se à arte de falar e convencer os outros e não tem que tomar em consideração a verdade das premissas. É uma arte cultivada por políticos e líderes religiosos. Um discurso retórico usa expressões exageradas, colocações de voz numa forma emocional e preocupa-se apenas com o estilo ou efeito do discurso. Retórica é a arte de influenciar uma audiência através do uso efectivo da linguagem, e tem pouca preocupação com o rigor ou consistência do argumento. Um argumento também tem como objectivo convencer os outros, mas tem uma estrutura onde se pode identificar várias premissas e uma conclusão. Por vezes esta conclusão pode funcionar como uma premissa para o argumento seguinte. As ferramentas do pensamento crítico protegem-nos contra a manipulação mental que é proposta pelo uso da retórica.

1.2. Avaliação de dilemas O pensamento crítico ajuda na avaliação de dilemas. Um dilema é um problema que oferece duas possibilidades, nenhuma das quais é aceitável ou ambas são desejáveis. A palavra dilema deriva da palavra grega que significa cornos donde deriva a expressão “estar nos cornos dum dilema”. Outras expressões equivalentes e usadas em literatura ou na linguagem coloquial são por exemplo; “estar entre uma pedra e um lugar duro”, ou estar entre a espada e a parede simbolizando uma escolha entre duas opções difíceis.

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1.3. Identificação das fontes de discordância

A discordância pode ter origem em vários factores, por exemplo

• Qual é o significado ou definição dum conceito ou palavra usada no argumento • O conhecimento dos factos. O conhecimento é completo ou incompleto? A fonte de

informação é credível ou não? • Experiências pessoais. Uma pessoa que nunca passou privações pode não entender

porque algumas pessoas sofrem de fome. • Visões e percepções do mundo que nos rodeia. Alguns podem achar que vivemos

num mundo cão de competição selvagem, enquanto outros podem achar que vivemos num mundo de cooperação. Esta percepção depende muito do tipo de sociedade em que um individuo vive.

• Ilogicalidade. Muita gente cria argumentos com conclusões que não seguem, nem se relacionam de qualquer modo com as premissas.

• Conceitos do que é certo e errado, bom ou mau. Variação dos conceitos morais de cada individuo. Enquanto que para alguns apedrejar mulheres até à morte é correcto, para outros é aceitável, se não obrigatório.

Antes de começar a construir um contra-argumento, é necessário identificar quais os nossos pontos de discordância e focar nesses pontos durante a discussão. Por exemplo, se você discorda de alguém que defende as touradas, não importa se essa pessoa é gorda ou tem um automóvel com mudanças automáticas, ou se é primo da sobrinha do presidente da associação de empresários. Tudo isto são factores irrelevantes que não têm qualquer peso na sua contra-argumentação. Concentre-se no argumento e não na pessoa.

1.4. Resolução de conflitos Compreender a fonte do conflito é o primeiro passo para abordar a sua resolução. Muitas vezes os conflitos entre duas partes surgem devido a

• Mal-entendidos sobre o que se quer dizer e confusão com criticismo • Exagero na avaliação das nossas capacidades de raciocínio • Falta de método, estratégia ou prática • Relutância de criticar os peritos • Razões afectivas • Confundir informação com compreensão • Foco insuficiente e pouca atenção ao detalhe • Sistema de crenças • Contradições • Erro na identificação da causa • Confundir causa com consequência

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1.5. A importância do método em pensamento crítico Já vimos que criticar um argumento consiste na utilização de um método que se baseia em três estágios da avaliação:

• Identificação • Construção, desconstrução e reconstrução • Análise

Note que criticar um argumento não é o mesmo que criticismo da pessoa que o apresenta.

1.5.1.Identificação O processo de identificação consiste em reconhecer o assunto sobre o qual o argumento foca. Por exemplo, um cidadão apresentou queixa à polícia sobre maus-tratos a um animal. Com a queixa apresentou evidência fotográfica do estado negligenciado do animal assim como identificação que permitia conhecer o dono. O polícia desinteressado no caso respondeu mais tarde que o animal tinha morrido e estava o caso encerrado.

O cidadão, que sabia pensar crítica mente ripostou e fez notar ao polícia que o argumento não incide sobre o animal, mas sim sobre o individuo que infringiu os maus-tratos. Mesmo que animal tivesse morrido, isso não iria afectar o foco do argumento. O caso não está fechado, porque o agente do acto cruel continua livre de punição. Quando criamos um argumento devemos concentrar-nos num caso de cada vez de forma a obter uma conclusão por argumento. No final podemos utilizar cada uma dessas conclusões como premissas dum novo argumento.

1.5.2. Construção, desconstrução e reconstrução

Quando identificamos um assunto de nosso interesse, passamos á construção do argumento, identificando quais são as premissas e se elas de facto suportam a conclusão que pretendemos defender. Convém que a seguir se analise o nosso argumento procurando todas as armadilhas que o podem tornar fraco e facilmente deitado abaixo pelos nossos oponentes. Assim deveremos proceder a um processo minucioso de desconstrução. Por exemplo retire uma ou duas premissas e verifique se vai alterar em algo a sua conclusão. Se não alterou então é porque essa premissa era irrelevante. De seguida reconstrua o seu argumento e teste-o de novo. Faça este processo tantas vezes quanto as necessárias para identificar possíveis elos fracos por onde o argumento possa quebrar.

1.5.3. Análise

O processo de análise é complexo e requer atenção a vários detalhes. Para além de verificar se o argumento é logicamente válido, é também necessário testar a direcção da causalidade, se as condições são necessárias ou suficientes, se as premissas são verdadeiras, se os pressupostos que integram as premissas são plausíveis, etc. Estes detalhes serão discutidos minuciosamente nos capítulos que se seguem.

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A Associação Filosófica Americana descreve que os elementos centrais do pensamento crítico são:

Interpretação Compreender e expressar o significado do argumento

Análise Identificar a intenção e as relações de inferência sugeridas

pelo argumento

Avaliação Avaliar a força lógica do argumento

Inferência Determinar se as conclusões do argumento são razoáveis

Explicação Expressar o resultado e justificar o tipo de raciocínio utilizado

Auto-regulação Auto monitorização das nossas próprias capacidades cognitivas. Estar consciente de que não fazemos uso de preconceitos ou premissas tendenciosas.

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Capítulo 2: O CONCEITO DE ARGUMENTO No capítulo 1 apresentou-se brevemente o conceito de argumento. Neste capítulo discutimos o conceito e argumento em detalhe. Quando apresentamos um argumento, estamos a usar uma forma de raciocínio. Assim é importante antes de mais compreender o significado da palavra “argumento”. Quando eu digo “ eu sou vegetariana” não estou a apresentar um argumento. É simplesmente a constatação dum facto. Mas se me perguntarem porquê, eu tento dar uma explicação baseada em várias premissas que levam à conclusão por que eu escolhi essa opção. Posso dizer que os animais sofrem graves abusos ao seu bem-estar durante o processo de criação, transporte abate, etc. Mas esta afirmação não é suficiente para criar um argumento, faltam aqui algumas premissas que estão implícitas no meu raciocínio. O meu interlocutor poderia dizer, “sim eles sofrem, e então, por que razão isso a impede de comer carne?” Falta dizer que submeter os animais a regimes cruéis é moralmente inaceitável”. Então o argumento teria a seguinte forma: P1: Animais têm a capacidade de sofrer P2: Infringir crueldade nos animais, leva ao seu sofrimento P3: Os métodos de produção industrial de animais são cruéis P4: Induzir sofrimento nos animais é moralmente inaceitável P5: Eu não quero praticar comportamentos moralmente inaceitáveis C: Logo eu não como carne Um argumento é uma forma de justificar uma opinião, ou uma tentativa de convencer o outro dos meus pontos de vista duma forma que segue um padrão de raciocínio claro. Neste exemplo o argumento tem cinco premissas (ou razões) e uma conclusão. Note que a premissa 5 é muito importante. Tudo o que foi dito até à premissa 4 pode ser verdade mas não induz a pessoa que expressa essas premissas a adoptar um determinado comportamento. A premissa 5 é a que explica o comportamento de ser vegetariano sob um ponto de vista moral, já que a adopção de um modo de vida vegetariano é frequentemente um conceito moral. Muitas outras pessoas concordariam com as premissas de 1 a 4, mas continuam a comer carne. Para essas pessoas a premissa 5 seria algo como isto: “P5: Todas essas razões apresentadas não afectam as minhas escolhas” e isso levaria à conclusão “ Por isso como carne”. A afirmação “eu sou vegetariana” poderia ser conclusão dum argumento totalmente diferente. Por exemplo o vegetarianismo pode ser obrigatório por questões de religião, como no caso do Hinduísmo, ou prescrito por um médico por questões de saúde.

2.1. Argumentos implícitos e explícitos Muitas vezes, mal entendidos podem surgir do facto de que quando alguém apresenta um argumento, ele assume que os outros compartilham das mesmas convicções, crenças ou experiências e por isso deixam muitas premissas subentendidas. Estas premissas não declaradas claramente no argumento chamam-se premissas implícitas. Tais premissas criam argumentos implícitos que são muito frequentes quando existem padrões sociais e crenças comuns entre pessoas que nasceram e se formaram dentro na mesma cultura. Por exemplo,

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imagine que Isaac acabou de conhecer João numa festa que fica indignado porque o filho de João não é circuncisado. De facto, João era o único Cristão numa festa de Barmithzva. Esta é uma celebração da entrada na puberdade na cultura Judaica. Isaac, o interlocutor de João, cometeu o erro de assumir que João partilhava dos mesmos valores porque se conheceram dentro do contexto duma celebração Judaica. Ana entrou num bar no dia da festa da aldeia onde iria ocorrer uma garraiada. Os clientes do bar oferecem-lhe uma bebida para celebrar a matança do touro. Ana fica indignada e ofendida pois ela abraça uma filosofia contra a crueldade e responde que “ tortura não é cultura”. Os outros ficam a olhar para ela como se ela tivesse acabado de vir do planeta Marte. Dentro deste contexto, um bar cheio de aficionados, ninguém espera que se encontre alguém que seja contra a prática. Eles cometeram o erro de que ela pensaria da mesma forma. O contexto no qual se produzem argumentos influencia a necessidade de declarar as premissas ou não. Um argumento em que as premissas são todas apresentadas claramente é explícito. No caso de haver premissas subentendidas e não expressas abertamente, o argumento é implícito.

Argumentos explícito Argumentos implícitos Quando as premissas que levam à conclusão são todas declaradas

Quando as premissas que levam à conclusão são sub-entendidas

2.2. Porque alguém usaria argumentos implícitos? Existem muitas formas de produzir argumentos implícitos. De facto, existem situações onde um argumento implícito se pode tornar mais convincente porque leva a audiência a pensar que eles próprios chegaram à conclusão pretendida pelo orador. Os argumentos implícitos são usados em situações como • publicidade que usa persuasão a um nível subconsciente. • persuadir alguém a fazer aquilo que não quer, por exemplo a matar. • indotrinação, ou colocar uma ideia na mente doutro sem dar a impressão de que está

tentando convencê-lo. • criar uma impressão de que se está em circunstâncias ameaçadoras, quando na

realidade não existe tal perigo. • sugerir consequências de uma forma sugestiva, sem o dizer abertamente de forma a

levar uma audiência a pensar que eles chegaram a essa conclusão por eles próprios. Assim é importante sumarizar os seguintes pontos sobre argumentos:

1. Um argumento é um conjunto de várias proposições conhecidas como premissas, ou justificações que levam a uma conclusão

2. Um argumento tenta persuadir sobre a verdade ou validade da conclusão, que também é uma proposição.

3. Apenas as preposições podem ser classificadas como verdadeiras ou falsas. 4. Um argumento é classificado como válido ou inválido, forte ou fraco, convincente ou não,

mas NUNCA como verdadeiro ou falso. 5. Não se deve confundir a conclusão do argumento (que é uma proposição e pode ser

verdadeira ou falsa), com o argumento em si. 6. O argumento é o processo pelo qual se chaga a essa conclusão. O processo pode ser

bom ou mau mas nunca verdadeiro ou falso.

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2.3. Como identificar um argumento Como podemos identificar se alguém está a apresentar um argumento ou simplesmente a expressar algo que não é um argumento? Basta estar atento às palavras usadas na conversa. Existem palavras específicas que identificam quando se trata dum argumento. Essas palavras chamam-se indicadores e dividem-se em duas classes:

• Indicadores de raciocínio: mostram que o que estamos a descrever e a apresentar razões para suportar aquilo que ele clama.

• Indicadores de conclusão: identificam o ponto do argumento Nem sempre a conclusão dum argumento aparece no fim. Por vezes surge no início do argumento seguida de todas as razões oferecidas para suportar tal conclusão. A tabela abaixo mostra alguns exemplos de indicadores

Indicadores de Conclusão Indicadores de Raciocínio Por isso... Por esta razão… Deste modo... Assim... Então... Consequentemente... O que prova que... Donde se pode inferir que... Demonstra que...

Porque... Por causa de… Já que... Por... Donde segue que... As razões são... Primeiramente,...depois...

Este argumento sobre o abate de gado pode ser apresentado de modos diferentes.

Indicadores de Conclusão Indicadores de Raciocínio Identificamos que o gado estava infectado com tuberculose e por isso o rebanho teve que ser todo abatido

O rebanho dessa área foi abatido por causa do surto de tuberculose

Mas note que nem sempre estamos a lidar com um argumento: Veja a diferença entre estas frases:

(1) Sou alto e sou bom em basketball =Sou bom em basketball e sou alto (2) (3) Sou alto, por isso sou bom em basketball ≠ Sou bom em basketball, logo sou alto (4) As frases (1) e (2) são apenas uma constatação dum facto. O orador apresenta duas das suas qualidades de formas alternativas. Não está a fazer um argumento, está simplesmente a fazer uma descrição de dois atributos. As frases (3) e (4) já constituem um argumento porque apresentam indicadores de conclusão e não são equivalentes. O facto de se ser alto não implica destreza em basketball, nem essa destreza induz o crescimento. É um atributo da maioria das pessoas que jogam basketeball porque foram seleccionadas dentro dum grupo de pessoas altas, mas isso não invalida que pessoas baixas não sejam também boas jogadoras.

Conclusão Conclusão

Razão

Razão

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Argumento e Opinião

Muita gente tem dificuldade em perceber a diferença entre um argumento e uma opinião usando ambos os termos de forma equivalente. Uma opinião é a expressão duma crença subjectiva ou a tomada de posição sobre um determinado assunto. Nem sempre a opinião assenta em premissas verdadeiras. O mais provável é que uma pessoa formule uma opinião sobre um assunto levada por motivos emocionais ou pressão social, e só depois a tenta racionalizar utilizando os princípios de formulação de argumentos. Uma opinião geralmente começa com as palavras “ eu acho que…”, “ eu penso que…”. Eu posso ter uma opinião sobre um determinado país, os métodos de produção animal, ou o uso de engenharia genética na agricultura, mas quando sou questionada sobre essa opinião, eu tento formular um argumento cuja conclusão me leva a essa opinião. Durante o processo de raciocínio eu posso eventualmente concluir que a minha opinião não era correcta e posso modificá-la. Esta capacidade para alterar a nossa opinião após a sua análise racional, é uma das qualidades dum bom pensador crítico.

2.4. Afirmações / Declarações Sem afirmações não podemos construir um argumento. Uma afirmação é definida como uma estrutura frásica que só pode ser verdadeira ou falsa. Aqui usamos as palavras “afirmação” ou “proposição” como equivalentes. No contexto do pensamento crítico as afirmações têm várias funções. Podem servir como razões para suportar uma conclusão ou assumir pressupostos. De acordo com a sua função as afirmações podem classificar-se em frases do tipo descritivo ou prescritivo.

Afirmações descritivas Afirmações prescritivas ou normativas São aquelas que simplesmente descrevem factos, eventos, como o mundo é, foi ou será. Por exemplo “ Paris é a capital da França” e “os gatos têm asas pretas”, são afirmações descritivas, onde a primeira é verdadeira e a segunda, falsa. Daqui segue que todas as razões, premissas e conclusões formadas deste modo também são simplesmente descritivas.

São aquelas que sugerem o que se deve fazer. Funcionam como normas que também podem ser questionadas. Por exemplo “ não deves fumar” é uma afirmação prescritiva pois sugere um curso de acção, mas a informação carregada pela afirmação, o seu ou conteúdo também pode ser questionado e avaliado se é verdeiro ou falso. Do mesmo modo as razões, premissas e conclusões formadas deste modo também se chamam prescritivas.

2.5. O hiato ser/deve ser O filósofo escocês David Hume foi o primeiro a notar que muitos filósofos faziam afirmações do tipo “deve ser isto ou aquilo” como conclusão de raciocínios fundamentados exclusivamente em afirmações descritivas. Note que aqui o verbo dever ser refere-se a uma obrigação moral e não a uma probabilidade. Hume afirmou que existe uma diferença grande entre aquilo que deve ser e aquilo que é. Isto é o mesmo que dizer que não se podem obter conclusões morais ou de dever

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(prescritiva/normativa) a partir de premissas puramente descritivas. Assim podemos identificar dois sistemas onde um se baseia em factos e outro em valores:

Empírico ou Descritivo Moral ou Normativo Aquilo que é Factos Objectividade Descrição de eventos Ciência Verdadeiro ou Falso

Aquilo que deveria ser Valores Subjectividade Normas sugeridas Arte Bom ou Mau

David Hume 1711-1776

Lei de Hume Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor segue durante algum tempo o modo comum de raciocinar, estabelecendo a existência de Deus, ou fazendo observações a respeito dos assuntos humanos, quando, de repente, surpreendo-me ao ver que, em vez das cópulas proposicionais usuais, como é e não é, não encontro uma só proposição que não esteja ligada a outra por um deve ou não deve. Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois como esse deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao mesmo tempo, seria preciso que se desse uma razão para algo que parece totalmente inconcebível, ou seja, como essa nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes. HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Débora Danowiski. Livro III, Parte I, Seção II. São

Paulo, Editora UNESP, 2000, p. 509 Regra: Não é logicamente correcto derivar uma conclusão prescritiva ou normativa de premissas descritivas. Para a conclusão ser normativa deve existir pelo menos uma razão normativa (ou prescritiva) que faz a ligação com as premissas descritivas. Exemplo1: P1: Espetar bandarilhas num touro é crueldade (afirmação descritiva) C: Logo não deves espetar bandarilhas num touro (afirmação prescritiva) Este argumento precisa duma premissa normativa para se poder derivar uma conclusão normativa. Exemplo2: P1: Espetar bandarilhas num touro é crueldade (afirmação descritiva) P2: A crueldade é moralmente errada (afirmação prescritiva) C: Logo não deves espetar bandarilhas num touro (afirmação prescritiva) Neste caso a premissa 2 indica uma norma ou prescrição moral donde se pode derivar uma conclusão normativa ou um julgamento moral.

2.6. O Conceito de pressuposto A estrutura e as palavras existentes numa língua condicionam aquilo que pensamos e o modo como pensamos. Em linguagem comum, usamos palavras que podem parecer equivalentes, mas existem pequenas diferenças quando começamos a pensar bem sobre o seu verdadeiro significado e origem. Até aqui temos estado a utilizar várias palavras como se significassem o mesmo. Por exemplo as palavras proposição, oração gramatical, premissa e justificação têm sido usadas

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indistintamente no contexto dum argumento, mas numa análise mais detalhada poderemos identificar que nem sempre uma proposição é uma justificação. Por exemplo, “Este gato é preto”, é uma afirmação que só pode ser verdadeira ou falsa. Ou é preto ou não é. Mas eu posso usar essa proposição para justificar porque que é que algumas pessoas têm preconceitos em relação a gatos pretos, já que elas acreditam que gatos pretos cruzando o seu caminho dão azar ou sorte, dependendo do contexto cultural. No âmbito do argumento é necessário clarificar certas palavras que a priori parecem significar o mesmo mas na realidade têm pequenas diferenças.

• Assumir que... • Pressuposto • Presunção • Preconcebido... • Preconceito...

Nota: Em inglês as diferenças entre estas palavras são ainda mais pronunciadas e a utilização errónea dessas palavras pode modificar por completo o sentido daquilo que se pretende argumentar. Assumido

O assumido é algo que se pensa ser verdadeiro quando não se tem toda a informação relevante, mas estamos convencidos que a temos. A proposição assumida relaciona-se com um sistema de crenças que é necessário para o argumento fazer sentido. Por exemplo a frase “Deus castiga os pecadores” assume a existência de Deus, mas esta existência apenas faz sentido num sistema de crenças onde se acredita na existência de Deus. Essa frase não tem valor num sistema de crenças ateu ou agnóstico.

Pressuposto

Um pressuposto é algo que se aceita de antemão e tacticamente no início duma linha de argumentação. Não precisa de ser verdadeiro ou falso, pode ser usado apenas para exemplificar um ponto específico. Por exemplo, vamos pressupor que se o seu gato falasse o que diria ele sobre a sua higiene pessoal?

Suposição

A suposição é algo que se pensa ser verdadeiro antes de obter factos ou evidência sobre a matéria. Por exemplo, os “Mahori são todos gordos.” Quantos Mahori você conhece?

Preconcebido

Um preconcebido é uma ideia ou conceito formado antes de se ter adquirido qualquer conhecimento ou experiência sobre um assunto particular. Geralmente uma ideia preconcebida demonstra uma atitude tendenciosa e enviesada. Na sua forma mais negativa leva à formação de preconceitos.

Preconceito

Preconceito é uma opinião pré-concebida que não é baseada em razão ou experiência e levado ao seu extremo pode ter efeitos negativos ou nefastos podendo causar danos.

Descritivos Prescritivos Afirmações Pressupostos Conclusões

Afimações que dizem como o mundo é ou será. Apresenta factos Exemplo: Paris é a capital da França.

Afimações que dizem como o mundo deveria ser. Sugere regras Exemplo:Deves seguir o conselho do médico.

Argumentos

Estes argumentos necessitam de evidência para suportar conclusões descritivas.

Estes argumentos necessitam de evidência para suportar uma permissas descritivas.

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Capítulo 3: A ESTRUTURA DO ARGUMENTO

• Simples • Em forma de T • Em forma de V • Complexos

3.1. Argumentos simples Argumentos simples têm a seguinte forma: Premissa Conclusão P C

P: Quando o Pedro desistiu de tocar, ele deu a sua guitarra ao irmão C: Por isso o Pedro não pode emprestar a sua guitarra ao Tiago

Analisemos a seguinte afirmação: “Zé não pode ser um pai nem avô porque esta pessoa não é não é homem. De facto é uma mulher chamada Maria José” Como colocar esta frase na forma padrão? P C

P: Zé não pode ser um pai porque não é homem C: Logo Zé não pode ser avô

Mas, se bem que os argumentos simples possam parecer evidentes, existem alguns casos que podem levar a confusão. Veja por exemplo estas frases:

(1) Eu dou aulas porque sou professor (2) Porque sou professor, eu dou aulas (3) Eu dou aulas, logo sou professor

De facto (1) e (2) são equivalentes, mas (3) é diferente. Ao colocarmos estes argumentos na forma padrão é fácil de ver porquê.

Argumento 1 = Argumento 2 Argumento 3 P C

Eu sou professor Logo eu dou aulas

Eu dou aulas Logo eu sou professor

O estatuto de ser Professor implica que ele dê aulas

O facto de que ele dá aulas, não significa necessariamente que ele seja professor. Ele poderia ser apenas um ajudante ou um tutor.

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3.2. Argumentos em forma de T

Argumentos onde as premissas são ligadas pela proposição “e” Ambas as premissas funcionam em conjunto e ambas devem ser verdadeiras para que possam dar suporte à conclusão. Se uma premissa for falsa o argumento torna-se muito fraco.

Vamos escrever o seguinte argumento na forma padrão: “A nossa equipa não pode ganhar no sábado porque não somos bons e vamos todos à praia no sábado.“

P1: A nossa equipa não é boa P:2 Toda a equipa vai à praia no sábado C: Logo a nossa equipa não joga no sábado

“Qualquer pessoa deficiente conhece a angústia da rejeição quando procura trabalho.”

P1: Qualquer pessoa deficiente conhece a angústia da rejeição P2: A Joana é deficiente P3: A Joana está à procura de trabalho C: Logo a Joana conhece a angústia da rejeição.

3.3. Argumentos em forma de V

Cada premissa dá suporte independente para a conclusão. Se uma das premissas é falsa, a outra pode ainda oferecer suporte. Nos argumentos em forma de V as premissas estão ligadas pela proposição “ou”

“Ou o Pedro é um anjinho ou a Maria é uma exploradora porque ela acabou gastando todo o dinheiro dele.

P1: O Pedro é um anjinho P2: A Maria é uma exploradora C: A Maria acabou com todo o dinheiro do Pedro

A Fran tem sucesso na sua carreira A Fran tem muito suporte no seu casamento A Fran teve uma infância segura e estável Logo a Fran é uma pessoa feliz

Se alguma destas premissas for falsa, a conclusão ainda pode ser verdadeira com suporte das outras premissas.

A distinção entre argumentos em T e argumentos em V é importante porque cada argumento representa formas diferente de combinar as premissas.

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Argumentos em T Argumentos em V

Copulação das premissas

As premissas funcionam juntas, e ambas devem ser verdadeiras para fornecer suporte para a conclusão. Se uma premissa é falsa, o argumento é fraco.

Ramificação das premissas

Cada premissa fornece suporte independente para a conclusão. Se uma premissa é falsa, a outra ainda pode prestar apoio.

3.4. Argumentos complexos O grau de complexidade pode aumentar se as premissas ou razões (R) apresentadas para o argumento são mais do que simples afirmações ou negações. Argumentos complexos podem apresentar um misto de premissas que envolvem explicações (Ex), evidência (Ev), conclusões intermédias (IC) e razões (R). As combinações de argumentos em T e V são argumentos complexos.

Argumento 1: Argumento V + T

Argumento 2: Este argumento apresenta uma conclusão intermediária que serve como premissa para o argumento seguinte.

Argumento 3: Argumento 4:

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Vejamos um exemplo dum argumento complexo; “As Universidades podem se expandir só porque estão baixando o nível de requerimentos padrão deixando entrar os estudantes que são menos aptos.” Esta frase representa a conclusão dum argumento complexo que nos leva a crer que a única razão porque as universidades estão se expandido é porque abaixaram o nível de requisitos para a entrada de novos estudantes. Mas este argumento pode ser contestado. O exemplo seguinte mostra a estrutura do contra-argumento que assume outras premissas que podem explicar a expansão das universidades.

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Capítulo 4: PENSAMENTO E RACIOCÍNIO Toda a gente pensa!... Adultos, crianças e animais pensam. Mas o que significa pensar? Existe uma diferença qualitativa entre os actos de pensar, sentir, querer ou desejar. Pensar é a actividade da mente que tenta fazer sentido dos acontecimentos da vida. O acto de pensar gera ideias, procura entender relações causais e sociais, avalia o que se está a passar segundo a informação que é incutida no nosso cérebro através dos nossos órgãos dos sentidos. Pensar é fazer sentido do mundo através dos seguintes processos:

• Avaliação (julgamento) • Percepção • Análise • Clarificação • Determinação • Comparação • Síntese

Sentir é algo que surge sem esforço mental. Nós processamos sensações algo quando recebemos informação através dos nossos sentidos. Sentimos felicidade num dia cheio de sol, na beleza duma paisagem, ou tristeza na perda de um ente querido. Os sentimentos dizem-nos como estamos; felizes, tristes, deprimidos, ansiosos, calmos, excitados, etc.

Podemos pensar sobre os nossos sentimentos e tentar escondê-los ou exteriorizá-los, mas não podemos controlar o que estamos a sentir. No entanto com prática e repetição a aplicação de pensamentos positivos (ou negativos) pode influenciar a forma como controlamos os nossos sentimentos. Por exemplo eu sofria muito de aracnofobia, mas tendo que trabalhar durante o meu Doutoramento com um orientador que fazia investigação em aranhas, eu tinha que visitar o seu laboratório frequentemente, e tive que por força de racionalização dos meus medos aprender a controlar a minha fobia de aranhas. Hoje ainda me arrepiam, mas já não fico histérica quando vejo uma. O meu teste final foi na Austrália quando vi que estava uma tarântula calmamente a descansar sobre a porta da cabana onde me acomodei. Aí saltei para cima da cama e pedi ao meu marido para enxotar o bicho para a rua. Nessa noite não dormi não fosse outra tarântula decidir fazer uma investigação dos meus cabelos. Depois dessa experiência, olhar para as tarântulas a uma distância segura de 2 metros na minha viagem ao Amazonas, já não me assustou tanto. Na verdade estando dentro duma canoa, no rio Amazonas infestado de jacarés e piranhas, eu não tinha muitas opções por onde escapar. Entre saltar para a árvore onde estava a tarântula ou para a água, a opção foi mesmo ficar na canoa e usar a força do raciocínio para controlar o medo. O sentimento do medo continua lá, mas a força do pensamento através de racionalização ajudou a controlar a histeria.

De acordo com alguns psicólogos querer ou desejar não é necessariamente um acto de pensamento mas antes um estado mental que quando emerge na nossa consciência se pode transformar em pensamento. Por exemplo um organismo viciado no tabaco pode estar a desejar fumar um cigarro, mas quando esse estado mental de desejo emerge para a nossa consciência, os lobos pré-frontais do neocortex cerebral fazem um julgamento relativamente à acção de acender um cigarro ou não. Aqui a força do pensamento é importante para evitar ou promover a acção. Mesmo que a acção de fumar seja evitada e censurada pelo pensamento,

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o desejo poderá continuar. O pensamento difere do sentimento e desejo porque o primeiro é processado no domínio do nosso consciente. Sentimentos e desejos podem eventualmente ser modificados por acção consciente do pensamento. Esta acção requer energia. Os sentimentos e desejos têm uma origem mais profunda no nosso cérebro, no sistema afectivo ou límbico. As várias formas de pensar podem classificar-se do seguinte modo:

O pensamento criativo é marcado pela produção de ideias práticas ou teóricas susceptíveis à crítica. O pensamento criativo não é crítico, por exemplo a criação de histórias de super-heróis que voam no espaço, ou fadas que fazem milagres não inclui uma análise crítica do que é possível ou verdadeiro. O pensamento crítico serve para reconhecer e apreciar as diferenças de contexto e complexidade, sempre pronto para rejeitar conclusões prévias e abraçar conclusões mais adequadas. O pensamento estático não é influenciado pela variedade de resultados que derivam da sua análise. Exemplos de pensamento estático são a aplicação de protocolos como por exemplo num laboratório de análise de qualidade da água ou seguir a receita para fazer um bolo. Este é um pensamento que segue um processo determinado e provado. Pode haver certa variação nestes procedimentos, mas cada receita é estática. Para conduzir um carro existem vários procedimentos que se devem seguir sem discussão. Primeiro deve ligar o motor, depois destravar o carro e colocar a mudança, e só então em movimento tem alguma utilidade rodar o volante para contornar a curva. Sem iniciar o motor todos os procedimentos subsequentes não têm qualquer propósito e certamente não vai virar na curva com o carro parado. O pensamento dogmático é caracterizado por uma aderência firme e cega a um credo ou um conjunto de instruções. Este é o tipo de pensamento que caracteriza cultos religiosos ou ditaduras políticas.

4.1. A diferença entre pensar e raciocinar Note que existe uma diferença entre pensar e raciocinar. Nós podemos pensar o que nos apetecer mas isso não é raciocinar. Os pensamentos podem surgir na nossa mente sem fazermos qualquer esforço para os resgatar da nossa memória. Por outro lado, o raciocínio envolve uma abordagem metodológica cuidada relativamente às afirmações que produzimos. O raciocínio é um processo que nos ajuda a aceitar ou rejeitar afirmações feitas for nós próprios ou pelos outros. Este processo analisa os passos pelos quais chegámos a essas conclusões e alegações. Formas de pensamento que não envolvem raciocínio são por exemplo:

Tipos de pensamento

Dinâmico Estático

Processual Dogmático Criativo Crítico

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Expressão de crenças (1)

Eu acho que João é um idiota. Eu não acredito em física quântica. O incesto é errado. Eu acredito no Pai Natal.

Previsão (2)

O sol vai nascer amanhã. O mundo vai acabar no dia 28 do mês que vem.

Avaliação da qualidade de uma opção

O que achas sobre esta cor? Não gosto de galinha com caril.

Criatividade Vou pintar a minha casa de vermelho com florinhas azuis.

Memória Que boas foram as nossas férias na Itália em 2001!...

(1) Uma crença é aquilo que uma pessoa acredita ser verdadeiro (2) Uma previsão é uma forma de prever o futuro sem qualquer justificação.

4.2. Formas de raciocínio Pensar criticamente é o mesmo que raciocinar e daqui em diante a palavra raciocínio será utilizada como uma forma equivalente da expressão “pensamento crítico”. As pessoas raciocinam de várias formas. Tentamos encontrar as causas, estabelecemos analogias, criamos hipóteses, procuramos informação que confirma as nossas opiniões. Todas estas formas de raciocínio se podem encontrar nos argumentos que formulamos. Se o raciocínio seguir regras estritas, denomina-se raciocínio formal. Isto significa que existe uma forma determinada de colocar as premissas a fim de obter uma conclusão. Toda a forma de raciocínio que executamos no nosso dia-a-dia sem tomar em consideração a forma como se organizaram as premissas chama-se raciocínio informal. Nem sempre formulamos um argumento quando estamos a raciocinar. O argumento surge da explicação ou justificação das conclusões a que chegámos durante o nosso raciocínio. Nem sempre o acto de raciocinar exige a utilização de palavras, mas um argumento é sempre expresso através da linguagem. Assim de acordo com o tipo de raciocínio utilizado os argumentos classificam-se em argumentos dedutivos ou indutivos. Dentro de cada uma destas classes de argumento (dedutivo ou indutivo), podemos aplicar vários tipos de raciocínio. As figuras que se seguem sumarizam de forma geral os tipos de argumentos e os métodos de raciocínio utilizados na comunicação. Cada um destes será descrito e, pormenor nas secções que se seguem.

Tipos de Argumentos

Informal Formal • Generalização

estatística • Generalização

baseada na variação • Probabilidade indutiva • Silogismos Estatísticos • Confirmação

Lógica Formal

Categórica

Proposicional

Silogismos

Dedutivo Indutivo

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4.3. Pensamento rápido e lento: Sistema 1 e Sistema 2 O psicólogo Daniel Kahneman propõe dois tipos de sistemas de pensamento.

Sistema 1 Rápido Sistema 2 Lento Opera automaticamente e com rapidez sem qualquer esforço ou controle voluntário. Baseado em intuição e instinto.

Direcciona a nossa atenção para actividades mentais que requerem esfoço, incluindo cálculos complexos.

O sistema 1 é aquele que nos protege nos perigos do ambiente. Por exemplo quando de repente um cão se atravessa em frente do carro, o sistema 1 faz-nos pressionar os travões sem sequer pensar no que está acontecendo. É uma reacção automática. Só depois de parar nos apercebemos do perigo. Este sistema automático é o que nos permite fugir ou esconder dum predador ou atirar uma flecha à presa. É aquele sistema que nos dá vontade de dar uma estalada na cara daquela moça atraente que se insinua em frente dos olhares do nosso namorado. O sistema 2 é aquele que nos protege do ridículo e nos prende a mão dentro do bolso do casaco, analisando as consequências que poderiam advir de tal acto agressivo. Provavelmente a moça estava a insinuar-se para uma outra pessoa, atrás do nosso namorado. O sistema 1 é susceptível a ilusões, enquanto que o sistema 2 foca na análise dessa percepção determinando se é real ou não. O sistema 2 baseia-se em raciocínio e requer energia mental. O sistema 1, sendo intuitivo está sujeito aos nossos preconceitos e percepções enviesadas. O sistema 2 avalia essas tendências tentando analisar todos os factores que contribuem para a formação das nossas opiniões que dependem da percepção que temos de determinados factos ou eventos.

Causal

Por analogia

Por abdução Por indução Por dedução

Hipotético

Por generalização

Métodos de Raciocínio

A conclusão do argumento é verdadeira quando segue das premissas apresentadas.

Oferece explicações através da criação de hipóteses

As premissas suportam a conclusão mas não asseguram que é verdadeira

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Capítulo 5: RACIOCÍNIO DEDUTIVO Quem cresceu durante os anos 70 e gostava de ficção científica, deve lembrar-se da série Star Trek, traduzida em Portugal como “O Caminho das Estrelas”. Nesta série a tripulação da nave Enterprise enfrentava as mais diversas atribulações que desafiavam constantemente o poder de decisão do Comandante Kirk. Para seu equilíbrio mental, sempre vinha o conselho lógico de seu amigo Vulcano de orelhas pontiagudas. Mr. Spock deslumbrava-se com a capacidade dos humanos deixarem as suas emoções atrapalhar um raciocínio que, de acordo com ele, deveria ser puramente claro e analítico baseado na lógica pura. Na série que se seguiu nos anos 80, o Mr. Spock foi substituído por Mr. Data, um homem biónico sob as ordens do Capitão Jean-Luc Piccard. Frequentemente o Mr. Data ficava muito intrigado com os comportamentos dos humanos porque, sendo um ser biónico, os seus circuitos electrónicos estavam programados para tomar decisões, comunicar com os humanos mas não lhe dava a capacidade de sentir as emoções que por vezes interferiam nas decisões da tripulação humana. Esta ideia de que as emoções confundem o raciocínio tem sido prevalente entre os filósofos desde que Aristóteles, o primeiro filósofo a estabelecer as regras da lógica. Os filósofos Descartes e Kant achavam que as emoções só atrapalhavam nas decisões morais e fizeram grandes esforços para promover a ideia de que a moralidade era um acto racional. Mas o ser humano é um animal e não um autómato, o nosso cérebro é feito de matéria viva e orgânica e não é um computador feito de microchips e waffles de sílica. O cérebro é antes de mais um órgão que avalia a informação que penetra os nossos sentidos. Essa informação é apreciada pelo sistema que regula as nossa emoções (sistema límbico) e só depois essa informação chega à consciência que decide qual a acção a ser adoptada pesando os prós e contras, vantagens e consequências das possíveis decisões. Basicamente o córtex frontal, tem um papel relevante na avaliação da informação que chega à nossa consciência. O raciocínio dedutivo é considerado como uma forma fria de pensar e puramente baseada em lógica. Existem algumas formas de raciocínio dedutivo que são naturais e ocorrem em cérebros de várias espécies animais, mas grande parte da complexidade deste tipo de raciocínio é aprendida com a vivência e experiência, ou em cursos especializados em lógica. O raciocínio dedutivo é também descrito como formal ou lógico. Neste contexto a palavra formal deriva da palavra forma e refere-se à forma organizada como apresentamos as nossas premissas para chegar a uma conclusão. A lógica é uma abordagem que se preocupa com os padrões usados no raciocínio. Dizem os filósofos que Aristóteles inventou a lógica, mas isso é um erro. O que Aristóteles fez foi identificar as regras que regulam o processo que o nosso raciocínio usa para chegar a uma conclusão. Os especialistas da lógica usam uma linguagem específica para identificar a verdade duma conclusão, mas no caso do raciocínio lógico-dedutivo a verdade duma proposição não se refere ao mundo real, mas sim se a conclusão resulta das premissas apresentadas. Isto é; a verdade duma premissa em lógica formal não corresponde necessariamente ao mundo real. Eu posso dizer que todos os homens gordos que se vestem de vermelho são o Pai Natal, ou que os gatos têm asas e usar esta premissa como sendo verdadeira num argumento dedutivo. A lógica dedutiva pode ainda ser dividida em duas classes que dependem de como se analisa o argumento:

1. Lógica Categórica: focando nas categorias de objectos 2. Lógica Proposicional: focando na forma do argumento

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Dentro da lógica categórica encontramos um tipo especial de dedução a que chamamos silogismos.

5.1.Lógica Categórica A lógica categórica baseia-se na análise de afirmações (ou negações) ou frases categóricas. Isto é, identifica qual a categoria a que um objecto pertence e como esse objecto se relaciona com outros. As categorias fazem parte de conjuntos e os conjuntos estão dentro de universos. Este assunto é geralmente introduzido na matemática como teoria dos conjuntos, mas também é útil na análise das afirmações que fazemos diariamente na vida mundana. Vejamos por exemplo o objecto “corvo”. É um objecto que faz parte do conjunto dos “Corvídeos” que por sua vez se encontra dentro do Universo das “Aves”. Do mesmo modo uma cadeira é um objecto que faz parte do conjunto definido como “os móveis de sala” e está dentro do Universo “mobiliário geral de casa”. Existem no entanto cadeiras que podem fazer parte do conjunto dos móveis do café da sua rua e se bem que não sejam parte do conjunto dos móveis de casa, ainda podem ser consideradas como um objecto dentro do universo dos móveis em geral. Como dá para ver, aquilo que escolhemos para universo ou conjunto não está definido, mas por vezes é necessário classificar o objecto de modo que a nossa audiência entenda qual o enquadramento e o sentido que estamos a dar a esse objecto. Por exemplo eu posso definir um mentiroso como um objecto do conjunto de pessoas que fazem parte do universo dos políticos. Pode ou não ser verdade, mas é importante definir o universo ou contexto do argumento para que ele seja compreensível. Quanto eu defino um mentiroso como parte do universo dos políticos, não estou a afirmar que todos os políticos são mentirosos, mas estou a dizer que existem elementos dentro do universo dos políticos que são mentirosos. Porque é que isto é importante? Porque frequentemente referimo-nos a um objecto como se fosse um exemplo de todo o conjunto. Por exemplo, o que caracteriza o universo dos pássaros é o facto ser animal e ter penas. Se eu encontro um animal com penas – o objecto - então posso estar certa de que é um pássaro. Pertence a esse universo. Mas dentro desse universo posso ter passarinhos pequenos e pássaros grandes, pássaros que voam e outros que não voam, uns são carnívoros e outros granívoros. Tudo isto são conjuntos ou classes dentro do universo dos pássaros. Assim um conjunto é uma classe de objectos que compartilham as mesmas propriedades. Um corvo pertence ao conjunto dos corvídeos no universo das aves, mas uma galinha não pertence ao conjunto ou classe dos corvídeos se bem que esteja dentro do universo das aves. Podemos escrever isto duma forma diagramática do seguinte modo. C representa o conjunto. O corvo está dentro de C

~C (leia-se não C) representa o que está fora do conjunto C. A galinha está dentro do ~C.

O ~C representa todos os objectos que são excluídos de C. Mas podemos colocar um coelho dentro de não C? Depende de como definimos o Universo. Se começámos a definir um universo de aves, então seria descabido referir o coelho como não-C neste contexto. Mas se tivéssemos definido o Universo como todos os animais, então um coelho poderia ser incluído dentro de ~C.

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Todas a proposições categóricas têm quatro termos:

1. Sujeito É a classe, a categoria ou o conceito a que se refere a proposição

2. Predicado É a classe, a categoria ou o conceito a que se relaciona com o sujeito na proposição

3. Qualidade ou Cópula

A relação de inclusão ou exclusão dum objecto numa categoria. Uma inclusão é apresentada por uma proposição afirmativa; “Os corvos são aves” Uma exclusão é apresentada por uma proposição negativa; “Os corvos não são peixes”

4. Quantidade A proporção do sujeito sobre o qual se faz uma afirmação: Todos, alguns, nenhuns. Estas palavras são quantificadores porque determinam a “quantidade de sujeito” a que a afirmação se refere. (1)“Todos os políticos são mentirosos” Aqui os “políticos” são o sujeito e “todos“ o quantificador. Esta frase é diferente de (2)“ Alguns políticos são mentirosos” Dependendo se a maioria das pessoas acreditar na primeira frase ou na segunda a diferença pode ser verificada no nível de abstenção nas eleições. A primeira frase não deixa margem para esperança!

1.2. Diagramas de Venn e Euler Por vezes pode ser difícil identificar as relações entre as proposições categóricas, e para ajudar a visualizar a construção da proposição usa-se uma forma diagramática. Existem dois tipos de diagramas que nos podem ajudar a esclarecer a validade dum argumento; os diagramas de Venn e os diagramas de Euler (lê-se Oiler). Ambos os tipos de diagramas são representados como círculos dentro dum quadrado. Os círculos representam classes ou conjuntos e o quadrado, o Universo onde existem essas classes. Estas duas representações são frequentemente confundidas por causa da forma como o sombreado é apresentado. Nos diagramas de Venn a área sombreada indica vazio, mas nos diagramas de Euler o sombreado indica que existem elementos dentro dessa classe. Vejamos em detalhe.

CONJUNTO DOS CORVÍDEOS

C

~C ( não C)

Tudo o que não é corvídeo

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5.2.1. Diagramas de Venn

Estes diagramas foram criados pelo lógico e matemático Britânico John Venn (1834-1923). São muito úteis para determinar a validade lógica dum argumento dedutivo.

Nos diagramas de Venn as áreas sombreadas indicam que a área está vazia.

O sombreado indica que a classe A está vazia. Todos os elementos que existem no Universo, não existem dentro da classe A. Por exemplo, se o Universo representar todas as plantas, e a classe representar todos os animais, não existem elementos do universo dentro da classe A porque os animais não são plantas.

Neste diagrama a classe A não tem sombreado. Isto significa que existem membros de A dentro do círculo, mas não existem fora.

Agora vejamos um caso mais complicado onde temos duas classes A e B. Várias situações podem acontecer que variam entre tudo ou nada.

A classe de objectos que são A mas não-B está vazia. Isto significa que cada A é também um B. O sombreado do círculo A significa que não existe nenhum A que não seja também parte B. Todos os A estão na intersecção dos dois círculos.

Neste caso o sombreado na intersecção de ambos os círculos indica que não existe nenhum objecto que seja ao mesmo tempo A e B. Isto é o mesmo que dizer que “nenhum A é B” e “nenhum B é A”. Estas frases são logicamente equivalentes.

A figura de cima também se pode representar deste modo, onde os círculos não se sobrepõem

Neste esquema todo o A é B, porque o círculo que inclui A está totalmente dentro de B. Todo o objecto que é membro de A, também é membro e B, mas existem coisas que são membros de B, mas não de A.

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Usando diagramas de Venn podemos analisar se o seguinte argumento é ou não válido:

“Alguns políticos são de esquerda e algumas pessoas de esquerda são comunistas. Logo Alguns políticos de esquerda são comunistas”

Alguns políticos são de esquerda e Algumas pessoas de esquerda são comunistas Logo alguns políticos de esquerda são comunistas

Alguns A são B e Alguns B são C Alguns A são C

Como posso saber se esta inferência é valida? Usando Diagramas de Venn produzimos o seguinte:

1. Alguns A (a) são B

2. Alguns B (b) são C

3. Alguns A são C

Alguns elementos a da classe A também fazem parte da classe B.

Alguns elementos b da classe B e alguns elementos a da classe A fazem parte da classe de C.

Já que alguns elementos da classe A fazem parte da classe de B e alguns elementos da classe B fazem parte da classe de C, então alguns elementos da classe de A também fazem parte da classe de C.

Até aqui vimos alguns exemplos de argumentos dedutivos com poucas premissas, mas podemos adicionar o número de premissas que se desejar. Os nossos exemplos são simplificados para podermos representar os diagramas de Venn duma forma que facilite a leitura. Só teríamos que adicionar mais anéis no diagrama de Venn para identificar se o argumento seria válido. Isso seria fácil de ver num espaço tridimensional ou num computador mas difícil de representar num espaço de duas dimensões. Numa análise mais pormenorizada das premissas que fazem parte dum argumento podemos identificar um sujeito S e um predicado P. A relação entre o sujeito e o predicado pode originar diferentes tipos de declarações que são classificadas em categorias tipo A, E, I e O e podem ser representadas graficamente do seguinte modo:

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Tipo Diagrama de Venn

S é o conjunto que inclui o sujeito P é o conjunto que inclui o predicado

A

Todos os gatos são mamíferos Sujeito= gato Predicado= mamífero

E

Nenhum papagaio é mamífero

I

Alguns dinossauros são carnívoros. Por exemplo o T. Rex era. Existiram outros dinossauros que não eram carnívoros

O

O

Alguns mamíferos aquáticos não são terrestres. Os golfinhos e as baleias por exemplo não são terrestres. Note que neste tipo de frase existe um X dentro da classe S.

Este X serve para chamar a atenção para o caso especial dos mamíferos que não são terrestes, porque existem alguns mamíferos que podem ser aquáticos e terrestres ao mesmo tempo, como a lontra.

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A figura abaixo mostra a generalização do exemplo apresentado acima

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5.2.2. Diagramas de Euler Os diagramas de Euler são parecidos com os diagramas de Venn e podem gerar confusão. A diferença entre um grupo e o outro é a seguinte:

Diagramas de Venn Diagramas de Euler Mostram todas as relações lógicas possíveis entre uma colecção de conjuntos.

Mostram apenas as relações possíveis no mundo real.

Os dois tipos de diagramas são usados na representação da teoria de conjuntos, mas alguns diagramas são exclusivos da forma de Euler.

União: Combinação de dois conjuntos

Intersecção: Incluído em ambos os conjuntos

Diferença: Tudo excepto a intersecção dos dois conjuntos

Complemento Relativo: Existe num conjunto mas não no outro

Complemento Absoluto: Tudo o que existe mas não dentro desse conjunto.

Apenas em Diagramas de Euler

Subconjunto

Disjunção: Dois conjuntos sem elementos comuns.

Todos os diagramas de Venn são diagramas de Euler, mas o oposto não é verdadeiro. A área de intersecção dos diagramas de Euler contém apenas exemplos do que existe no mundo real. Por definição um diagrama de Venn tem que apresentar todas as intersecções possíveis, mesmo que não façam sentido no mundo real. Considere os seguintes conjuntos: A: vertebrados e B: Invertebrados. Como construir diagramas de Venn e de Euler para estes conjuntos? Venn Euler

A Vertebrados

B Invertebrados

A Vertebrados B

Invertebrados ?

Animais

gatos Com 5 pernas

Animais

gatos Com 5 pernas

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No mundo real (representado pelos diagramas de Euler) não existem vertebrados que sejam invertebrados, mas no mundo abstracto da lógica representada pelos diagramas de Venn essa combinação pode eventualmente ser possível. Depende do que definimos como universo.

Qual dos seguintes diagramas não é um diagrama de Venn?

A: Este não é um verdadeiro diagrama de Venn porque não apresenta intersecções entre apenas duas cores. As seguintes intersecções não estão presentes:

• só verde e amarelo • só vermelho e azul

B: este é um diagrama de Venn porque apresenta todas as intersecções possíveis, inclusive aquelas que só incluem duas cores.

(1) Imagens por Drew Skau extraídas do blog http://blog.visual.ly/euler-and-venn-diagrams / usadas com permissão do autor.

5.3.Lógica Formal A lógica formal refere-se à forma do argumento. Os argumentos formais são classificados em termos de validade. Um argumento é válido quando a conclusão segue das premissas. Neste caso dizemos que a conclusão é verdadeira. De facto não interessa se a conclusão é ou não verdadeira no mundo real. Num argumento formal, para a conclusão ser verdadeira basta que resulte logicamente das premissas. Quando a conclusão não segue das premissas o argumento é inválido. Este conceito pode ser confuso porque podemos usar premissas que não são verdadeiras no mundo real e mesmo assim obter uma conclusão verdadeira, o que torna o argumento válido. O seguinte argumento é válido mesmo que a primeira premissa não seja real, no entanto a conclusão segue da forma como as premissas estão organizadas o que torna a conclusão verdadeira e o argumento válido. P1: Todos os gatos têm 5 pernas P2: Fluffy é um gato C: Logo tem 5 pernas

Note que atribuímos palavras diferentes para os termos “conclusão” e “argumento”. A validade é atribuída ao argumento todo, isto é ao conjunto das premissas mais a conclusão. O atributo “verdadeiro” é atribuído a cada proposição e à conclusão individualmente. Em argumentos formais assumimos sempre que as premissas são formalmente verdadeiras. A conclusão do argumento seguinte é verdadeira mesmo que não existam bruxas voadoras.

P1: As bruxas voam em vassouras P2: Madga é uma bruxa C: Logo voa numa vassoura A tabela da página seguinte apresenta exemplos de argumentos válidos e inválidos.

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Argumentos Válidos Argumentos Inválidos A B B C A C

V Todos os pinheiros são árvores V Todas as árvores são plantas V Todos os pinheiros são plantas

V Todos os pinheiros são gimno V Todos os pinheiros são árvores V Todas as árvores são gimno gimno = gimnospérmicas

A B A C C B

F Todas as flores são árvores F Todas as árvores são roseiras V Todas as flores são roseiras

V Todas as árvores são plantas V Todos os pinheiros são plantas V Todos os pinheiros são árvores

A B C B C A

A B C A C B

F Todas as árvores são flores F Todas as rosas são árvores V Todas as rosas são flores

F Todas as árvores são arbustos F As rosas são arbustos F As rosas são árvores

F Todas as árvores são arbustos F Todas as roseiras são árvores V Todas as roseiras são arbustos

F Todas as árvores são arbustos F Todos os pinheiros são arbustos V Todos os pinheiros são árvores

C A A B C B

F Todas as roseiras são árvores F Todas as árvores são arbustos V Todas as roseiras são arbustos

V Todas as árvores são plantas V Todas as rosas são plantas F Todas as rosas são árvores

A B B C A C

F Todas as árvores são arbustos F Todos os arbustos são roseiras V Todas as árvores são roseiras

V Todas as árvores são plantas V Todas as rosas são plantas F Todas as árvores são rosas

A B C B A C

Nesta coluna todas as conclusões são verdadeiras porque são consequência das premissas, mesmo que sejam falsas na realidade.

Nesta coluna os argumentos são inválidos porque as conclusões não seguem das premissas, mesmo que algumas premissas e conclusões sejam verdadeiras na vida real.

Tabela 5.3.1. Diferença entre argumentos válidos e inválidos Analisemos um outro argumento que obedece à forma 2:

A B C A CB

(P1) Todos os filósofos são humanos (P2) O meu gato é um filósofo (C) Logo o meu gato é humano

Este argumento também é válido porque a conclusão é consequência das premissas o que a torna logicamente verdadeira. Mas na realidade, por aquilo que se sabe até esta data sobre gatos, ainda não foi encontrado um gato que fosse filósofo. Então, se bem que o argumento seja estruturalmente válido, porque a conclusão segue do arranjo das premissas, na verdade P2 é questionável, ou seguramente falsa, o que torna o argumento fraco.

Este pequeno exemplo serve para mostrar que um argumento logicamente válido na forma com uma conclusão verdadeira no universo da lógica, não é necessariamente verdadeiro no universo real. Se o argumento tiver uma destas formas…

A B B C A C

A B C A C B

C A A B C B

…o argumento será válido porque é impossível que a conclusão seja falsa (sob o ponto de vista da lógica formal).

1

2

3

4

5

6

7

33

O argumento sobre o gato é fácil de avaliar, porque sabemos o que é um gato, um humano e um filósofo, mas quando alguém nos oferece informação numa área que não conhecemos, podemos cair no erro de aceitar o seu argumento só porque ele tem validade lógica. Vejamos um exemplo da forma 4

A B B C A C

(P1) Todos os porcos podem voar (P2) Animais que voam usam energia (Q) Logo todos os porcos usam energia

F na realidade mas V num argumento formal V na realidade e num argumento formal V na realidade e num argumento formal

A conclusão é verdadeira no contexto formal, isto é; a conclusão segue das premissas, e por acaso a conclusão também é verdadeira na vida real, os porcos de facto usam energia, mas a premissa 1 é falsa na vida real. No entanto, quando estamos a analisar a forma dum argumento não interessa se as premissas são reais ou não, o que interessa é se a conclusão segue das premissas. Validade refere-se apenas à forma lógica do argumento, não à sua veracidade no mundo real. Se a conclusão segue das premissas então o argumento é válido mesmo que uma premissa seja falsa no mundo real.

Vejamos agora um exemplo dum argumento inválido da forma 6.

A B C B C A

(P1) Todos os filósofos são humanos (P2) Aristóteles era humano (C) Logo Aristóteles era filósofo

Mesmo com todas as premissas sendo verdadeiras e a conclusão também verdadeira no mundo real este argumento é inválido porque a sua forma é incorrecta. Do facto de alguém ser humano não se pode concluir que era filósofo, porque existem mais humanos do que filósofos. Ele podia ter sido pedreiro por exemplo.

Repare que na forma 6 temos várias combinações possíveis de premissas verdadeiras e falsas.

• V+V V • F+F F • F+F V • V+V F

Os argumentos da forma 1 são válidos mesmo que as premissas sejam falsas no universo real, mas no universo da lógica formal as conclusões são verdadeiras apenas porque seguem das premissas.

Universo Real

Universo da Lógica Formal As permissas só são verdadeiras se corresponderem à realidade

No Universo Formal assume-se que todas as premissas são verdadeiras.

V V V

Todos os pinheiros são árvores Todas as árvores são plantas Todos os pinheiros são plantas

V V V

F F F

Todas as flores são árvores Todas as árvores são roseiras Todas as flores são roseiras

V V V

Tabela 5.3.2.Exemplo de argumentos válidos

Estes exemplos foram retirados da coluna de argumentos válidos. Podemos ver que nestes exemplos é impossível obter conclusões falsas de premissas verdadeiras quando os argumentos são analisados exclusivamente de acordo com a sua estrutura no universo da lógica formal (a coluna da direita).

Argumentos Válidos (forma 1)

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Por que razão os argumentos da coluna da esquerda (vermelho) na tabela 5.3.1. são inválidos? No universo da lógica formal, todas as premissas são assumidas verdadeiras e a conclusão apenas será falsa se não for consequência lógica das premissas. De facto a validade do exemplo 5 é fácil de determinar com a ajuda de Diagramas de Venn.

Todos os pinheiros são gimnospérmicas Todos os pinheiros são árvores Todas as árvores são gimnospérmicas Existem muitas árvores que não são gimnospérmicas. Por exemplo as angiospérmicas.

A B A C C B

Mas no exemplo 6 (tabela 5.3.1.) é mais difícil porque existe um fenómeno da mente que nos impede de ver a lógica por detrás dos factos do mundo real. Todos os exemplos dados em 6 seguem a mesma forma lógica. É fácil perceber que os exemplos b, c e d não fazem sentido no mundo real. Mas o exemplo a faz sentido. Esta percepção dos nossos sentidos e daquilo que conhecemos sobre a realidade, ofusca e sobrepõe-se à nossa percepção lógica, mesmo quando sabemos que a forma do raciocínio a é a mesma que os raciocínios b, c e d. a Todas as árvores são plantas

Todos os pinheiros são plantas Todos os pinheiros são árvores

A B C B C A

Neste exemplo, o nosso conhecimento sobre o mundo real sobrepõe-se às regras da lógica formal tornando difícil perceber porque este argumento é inválido.

b Todas as árvores são arbustos Todas as rosas são arbustos Todas as rosas são árvores

O nosso conhecimento sobre o mundo real das árvores, rosas e arbustos diz-nos que algo está errado com estes raciocínios (b, c, d) mas essa impressão provém da nossa experiência e não da análise da estrutura lógica do argumento.

c Todas as árvores são arbustos Todos os pinheiros são arbustos Todos os pinheiros são árvores

d Todas as árvores são plantas Todas as rosas são plantas Todas as rosas são árvores

Mas vamos substituir as palavras do exemplo a mantendo o mesmo formato:

e Todas as aves têm asas Os morcegos têm asas Logo os morcegos são aves

A B C B C A

É fácil de ver que esta forma lógica não faz sentido. Nós sabemos no mundo real que os morcegos não são aves.

É fácil de ver que este exemplo segue o mesmo formato que a, b, c e d. Quando estamos em presença de raciocínios que nos parecem lógicos, porque a conclusão corresponde àquilo que conhecemos sobre o mundo real a melhor forma de analisar a forma do raciocínio consiste em atribuir letras a cada premissa do argumento, e coloca-las sob o formato da lógica formal, ignorando o conteúdo das frases. Vejamos este argumento: “Os peixes têm consciência. A consciência precisa de um cérebro para se manifestar. Apenas o cérebro pode produzir essas sensações de nós próprios. Todos os animais vertebrados têm um cérebro.” Parece lógico? A priori sim, mas vamos colocar o argumento sob o escrutínio da lógica formal. Vemos que o argumento começa com a conclusão. A pessoa está a defender que os peixes têm consciência oferecendo justificações que são as premissas que levam a essa conclusão.

A consciência expressa-se no cérebro Os peixes têm cérebro Logo os peixes têm consciência

A B C B C A

De acordo com a sua forma este argumento é inválido. A= consciência

B= cérebro C= peixes

Gimno- spérmicas

A B

árvores C

5

6

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Prestando atenção na forma como as letras representativas de cada premissa estão organizadas, é fácil de ver que este é um argumento inválido. Basta ver que ambos os Bs estão do mesmo lado da seta. Num argumento válido os Bs estariam em posição diagonal. Vejamos outras formas de apresentar o argumento:

Válido

Inválido A B B C A C

Ser peixe implica ter cérebro Ter cérebro implica ter consciência Logo, ser peixe implica ter consciência Este argumento é logicamente válido, mas não é necessariamente verdadeiro no mundo real. Na realidade a premissa B->C é questionável, mas a lógica formal não se preocupa com a realidade!

A B C B C A

Ser peixe implica ter cérebro Ter consciência implica ter cérebro Ter consciência implica ser peixe Problema: Nem tudo o que tem consciência é peixe!

5.4.Silogismos Um silogismo é uma forma particular de argumento dedutivo sendo composto de apenas duas premissas e uma conclusão.

De acordo com a sua forma os silogismos classificam-se em:

• Modus ponens (afirmar o antecedente) • Modus tolens (negar o consequente) • Categórico • Disjuntivo • Conjuntivo • Hipotético • Dilema construtivo • Misto

5.3.1. Modus ponens e Modus tolens Estas palavras latinas identificam duas formas de raciocínio dedutivo em geral e de silogismos em particular. Modus ponens significa afirmar o antecedente e Modus tolens significa negar o consequente.

Formas de Inferência em Argumentos Dedutivos

Argumentos Gerais

Premissa 1 Premissa 2 Premissa 3 Premissa N

Conclusão

Premissa 1 Premissa 2

Conclusão

Silogismos

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Seja A o antecedente e B o consequente, então…

• A forma válida do Modus ponens é uma forma de raciocínio que afirma o antecedente. Se uma proposição A implica uma proposição B, e se A é verdadeira, então B é verdadeira. Mas se eu negar a proposição A, isso não implica necessariamente que tenho que negar a proposição B.

• A forma válida do Modus tolens é uma forma de raciocínio que nega o consequente. Se uma proposição A implica uma proposição B, e B é verdadeiro, ao negar B eu também devo negar A. Mas se eu afirmar que a proposição A implica a proposição B, ao afirmar a proposição B, não torna A verdadeira.

Formas Válidas

Formas Inválidas

Modus ponens

Afirmar o antecedente (A) A B A implica B A A assume-se verdadeiro B Logo B deve ser verdadeiro

Negar o antecedente (~A) AB A implica B ~A Não A assume-se verdadeiro ~B Logo não B deve ser verdadeiro

Modus tollens

Negar o consequente (~B) A B A implica B ~B Não B assume-se ~A Logo não A deve ser verdadeiro

Afirmar o consequente (B) A B A implica B B B assume-se verdadeiro A Logo A deve ser verdadeiro

Vejamos agora com exemplos:

Modus ponens

Afirmar o antecedente

Negar o antecedente

Modus tollens

Negar o consequente

Afirmar o consequente

Todos os gatos têm pêlo Eu sou um gato Logo tenho pêlo

Todos os gatos têm pêlo Eu não sou um gato Logo não tenho pêlo

Todos os gatos têm pêlo Eu não sou um gato Logo não tenho pêlo

Todos gatos têm pêlo Eu tenho pêlo Logo sou um gato

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5.5.Silogismos categóricos Os silogismos categóricos são semelhantes ao que se disse sobre as proposições tipo A, E, I e O, só que no silogismo apenas temos duas premissas que levam à conclusão. Os silogismos categóricos incluem quatro tipos possíveis de proposições que apresentam a seguinte forma:

• Todos os X são Y: Todos os humanos são mamíferos • Nenhum X é Y: Nenhum peixe é mamífero • Alguns X são Y: Alguns animais que põem ovos são mamíferos (ornitorrincos) • Alguns X não são Y: Alguns organismos com pêlo não são mamíferos (tarântulas,

pêssegos)

Como se pode ver pela constituição das frases, elas sugerem que alguma quantidade de X (o sujeito) é parte duma categoria Y, daí a nome silogismo categórico.

No exemplo ao lado os médicos são colocados dentro da categoria dos humanos e os humanos por sua vez dentro da categoria dos mortais.

P1: Todos os médicos são humanos P2: Os humanos são mortais C : Todos os médicos são mortais

Os silogismos categóricos contêm termos que definem categorias de diferentes níveis. Estes termos chamam-se

• Termo Menor na conclusão é o sujeito • Termo Médio aparece em ambas a premissas e não aparece na conclusão • Termo Maior na conclusão é o predicado

No exemplo dado as palavras médicos, humanos e mortais são categorias. Vejamos como estes termos se arranjam no silogismo:

termo menor termo médio P1: Todos os médicos são humanos termo médio termo maior P2: Os humanos são mortais termo menor termo maior C : Todos os médicos são mortais Sujeito Predicado

Médicos

Humanos

Mortais

Termo maior

Termo médio

Termo menor

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Representação de silogismos em diagramas de Venn Vamos analisar se o seguinte argumento “Todos os rectângulos têm 4 lados e todos os quadrados são rectângulos, logo todos os quadrados têm 4 lados.” A utilização de diagramas de Venn ajuda a identificar todas as relações lógicas possíveis nesse argumento mas não dos diz nada sobre a validade do argumento.

5.4.1. Silogismos conjuntivos e disjuntivos Uma conjunção é uma frase ligada pela proposição “e”. É uma frase inclusiva, representada na notação da lógica forma como um V invertido que adiciona opções. Uma disjunção é uma proposição exclusiva, que exclui opções e representada em lógica formal pelo símbolo V.

Λ Conjunção (e) Inclusão V Disjunção (ou) Exclusão Um silogismo conjuntivo é caracterizado pela proposição “e”. Silogismos conjuntivos produzem duas conclusões ao mesmo tempo: isto e aquilo

Isto tem penas e escamas Isto não tem penas Então também não tem escamas

Um silogismo disjuntivo é caracterizado pela proposição “ou” Silogismos disjuntivos produzem apenas uma conclusão de duas alternativas: isto ou aquilo Isto tem penas ou escamas Isto não tem penas Então tem escamas

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5.4.2.Silogismos hipotéticos Um silogismo hipotéticos inclui a proposição “se” que indica uma hipótese condicional. Se P então Q Isto é P Logo é Q

Se tem clorofila então é uma planta Isto tem clorofila Então é uma planta

P =termo menor Q= termo médio R = termo maior

Se P então Q E se Q então R Logo P é R

Se fizer sol vamos à praia Se formos à praia levamos o chapéu-de-sol Se fizer sol levamos o chapéu-de-sol

5.4.3. Silogismos com dilemas Num dilema temos duas opções e só uma pode ser considerada. Vejamos este exemplo: Eu e o Zé comprámos duas rifas mas só uma dá €1,000. Se eu ganhar €1,000 dou para um abrigo de animais. Se ele ganhar €1,000 ele dá para um orfanato. Qual é a conclusão?

P1: P Q P Q R S

P V R

Q V S

Se eu ganhar €1,000 dou para um abrigo de animais

P2: R S Se o Zé ganhar €1,000 dá para um orfanato

P3: P R Eu, ou o Zé podemos ganhar €1,000

Logo: Q S O abrigo para animais ou o orfanato vai receber €1,000

5.5. Lógica Proposicional: Verdadeiro ou Falso? A lógica proposicional é uma forma de analisar as proposições e suas conclusões em termos de verdadeiro ou falso. Esta verdade ou falsidade não tem que se relacionar necessariamente com o mundo real. Eu posso assumir que uma proposição é verdadeira, e avaliar o resultado da conclusão. A lógica proposicional usa tabelas de verdade para determinar todas as soluções possíveis dum argumento. A lógica proposicional consiste de quatro operações lógicas que seguem determinadas regras expressas na figura abaixo.

• A conjunção usa a proposição “e” (isto e aquilo).

• A disjunção usa a proposição “ou” (isto ou aquilo)

• A negação é o contrário da proposição original (se isto então não isto).

• A condicional estabelece que o antecedente é condição necessária para a ocorrência do consequente (se isto então aquilo).

Dilema

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Atenção à disjunção!

Note que em português a disjunção é representada pela proposição “ou”, no entanto esta proposição pode ter dois significados. Em algumas situações pode ser exclusiva, enquanto noutras pode ser inclusiva.

(1) Disjunção exclusiva: Só podes escolher laranjas ou tangerinas. (2) Disjunção inclusiva: Limões, laranjas ou tangerinas são todos citrinos

A primeira frase exclui possibilidades mas a segunda frase inclui uma lista de objectos numa classe. A frase seguinte “as massas ou carbohidratos podem induzir reacções de intolerância digestiva” pode ser interpretada de duas formas. Que as massas são carbohidratos, ou que tanto as massas como os carbohidratos podem induzir a mesma acção de intolerância. A frase é clara para quem sabe que as massas são carbohidratos, mas quem não sabe fica a pensar que a frase se refere tanto à massa como aos carbohidratos. Que uso tem isto na vida prática?

O raciocínio dedutivo oferece uma forma metódica para analisar argumentos. Na prática, a dedução é uma ferramenta mais usada em matemática e tecnologias de informação. No entanto, poderá ser útil a resolver casos reais. Veja estes exemplos: Exemplo

P1: Ou ele arranjou o carro ou ele mentiu P2: Ele não teve tempo de arranjar o carro C: Logo ele mentiu.

Proposições Premissas Conclusão P1 P2 C

Arranjou o carro

Ele mentiu

Arranjou o carro ou mentiu

Não teve tempo de arranjar o carro

Mentiu

P Q P V Q ~ P Q

V V V F F V F V F F F V V V V F F F V F

Um argumento válido é aquele onde todas as premissas sendo verdadeiras, fazem a conclusão verdadeira (células sombreadas). A tabela de verdade mostra todas as relações lógicas possíveis no silogismo apresentado.

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Capítulo 6: QUALIDADE DOS ARGUMENTOS DEDUTIVOS

Um bom argumento segue determinadas regras. Para o argumento ser BOM deve passar dois testes.

1. As premissas devem suportar a conclusão 2. Deve haver boas razões para aceitar que as premissas são verdadeiras.

Note que os argumentos lógicos ou dedutivos não estão interessados na verdade metafísica das premissas. Como já se disse, o que interessa num argumento dedutivo é que a conclusão siga das premissas. É isso que faz a conclusão verdadeira. A análise dum argumento dedutivo deve focar nas seguintes características: validade e solidez. Se um argumento é válido e sólido então é bom. • A validade refere-se à forma da representação lógica das premissas. • A solidez refere-se à aceitabilidade, relevância e adequacia do argumento. Quando um

argumento é inválido não é sólido.

Validade Válido Inválido

Argumentos cuja estrutura é correcta e a conclusão verdadeira. A conclusão é consequência das premissas. Se as premissas são verdadeiras é impossível que a conclusão seja falsa.

AB A B

AB BC AC

Argumentos cuja estrutura é deficiente. A conclusão não segue da estrutura lógica das premissas.

AB B A

AB CB AC

Solidez

Sólido

Um argumento é sólido apenas quando a conclusão é consequência das premissas.

Não existem argumentos inválidos sólidos

Não Sólido

Um argumento pode ser válido mesmo que não seja sólido. As premissas podem ser falsas na vida real.

Pode obter-se uma solução verdadeira mesmo que uma das premissas seja falsa.

Argumentos válidos e sólidos:

P1: Se é um peixe então tem guelras P2: O tubarão é um peixe C: Logo tem guelras P1: Todos os homens são mortais P2: O Manuel é um homem C: Logo o Manuel é mortal

Todas as premissas são verdadeiras e a conclusão é consequência das premissas.

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Argumentos válidos mas não sólidos:

P1: Todos os animais com asas voam (esta premissa é falsa na realidade) P2: Os pinguins têm asas C: Logo os pinguins voam (esta conclusão é consequência das premissas)

O argumento é válido porque sendo a conclusão é consequência das premissas faz com que ela seja verdadeira, mas não é sólido porque sabemos que nem todos os animais com asas voam. Sabemos que na vida real a premissa P1 é falsa. Vejamos duas formas dum argumento hipotético ou condicional

P1: Se os bolos têm açúcar P2: E o açúcar engorda C: Os bolos engordam

Este argumento é válido e sólido

Para que nos serve esta lógica? Como já foi explicado, podemos determinar se um argumento é válido analisando a sua estrutura, mesmo que se desconheça o assunto a que o argumento se refere. Por exemplo se eu afirmar que todos os Grubis são flobs, e Grot é um flob porque ele é um Grubi, podemos colocar isto na forma lógica:

P1: Todos os Grubis são flobs P2: Grott é um Grubi C: Então Grott é flob

Este argumento é válido porque a conclusão segue das premissas, mas não posso afirmar nada relativamente à sua solidez porque eu não sei se as premissas são verdadeiras ou falsas. Eu não faço ideia do que são grubis, flobs e grotts.

Argumentos inválidos e não sólidos: Vejamos estes dois exemplos Argumento 1: Argumento 2: Os pinguins são pretos e brancos Os antigos programas de TV são preto e branco Logo os pinguins são antigos programas de TV

As árvores têm clorofila As plantas têm clorofila Logos as árvores são plantas

Quando comparamos estes dois argumentos imediatamente concluímos que o argumento 1 não faz sentido mas o argumento 2 parece ser correcto. A nossa conclusão deriva do facto que estamos a aplicar à avaliação do argumento o nosso conhecimento sobre o mundo real e não uma análise lógica da forma do argumento. Na verdade ambos os argumentos são inválidos. Ambos têm o seguinte formato:

Este é um argumento que é formalmente inválido e essa é a razão por que o argumento 1 não faz sentido. No entanto, precisamos de ter cuidado com o argumento 2, porque se bem, que ele tivesse produzido uma conclusão que é verdadeira na vida real, ele é também logicamente incorrecto. É inválido.

Na vida real também ouviremos muitos argumentos deste tipo, que levam a uma conclusão que nos parece ser lógica, mas na verdade o argumento não é válido. Se eu inverter o argumento 2, ele já não faz sentido.

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Argumento 2 invertido: As plantas têm clorofila As árvores têm clorofila Logos as plantas são árvores

Existem muitas plantas que não são árvores e por isso agora é fácil de ver que este argumento é falacioso.

Quando não temos a certeza da validade dum argumento, podemos usar o teste da inversão das premissas. Se o resultado for ilógico, então o argumento é inválido. Imagine que alguém o está a tentar convencer duma conclusão sobre assuntos que são do seu desconhecimento. Essa pessoa tenta convencê-lo que todos os Grubbis são Grotts seguindo a lógica do argumento 3. Basta olhar para a forma como as premissas estão dispostas no do argumento 3 para ver que é um argumento inválido. O argumento 4 é a forma válida. Ambos os argumentos levam à mesma conclusão, mas só o argumento 4 é válido. Argumento 3: (inválido)

Argumento 4: (válido)

A B C B A C

Todos os Grubis são Flobs E todos os Grotts são Flobs Logo todos os Grubis são Grotts

A B B C A C

Todos os Grubis são Flobs E todos os Flobs são Grotts Logo todos os Grubbis são Grotts

Neste exemplo é mais fácil verificar se o argumento é formalmente válido ou não, porque não estando a par da verdade real das premissas nem da sua conclusão podemos nos concentrar apenas na forma do argumento. Classifique os argumentos 5 e 6. São válidos ou inválidos? Argumento 5: Argumento 6: Todas as bolas de futebol são redondas A Lua é redonda Logo a Lua é uma bola de futebol.

Todos os Papas residem no Vaticano João Paulo II reside no Vaticano Logo João Paulo II é um Papa

Nota: Para facilitar a análise, aplique as letras A,B e C às premissas. Validade e Verdade É muito importante repetir que para que o argumento seja válido, as premissas dum argumento dedutivo não têm que ser verdadeiras na realidade. O que dá validade ao argumento é o facto de que a conclusão deriva das premissas. Um argumento é válido se a conclusão e as premissas estão relacionadas uma com a outra de forma correcta. Neste caso quaisquer que sejam as premissas assume-se que elas são verdadeiras. O que nos interessa é a forma do argumento. Todas as torradeiras são coisas feitas de ouro Todas as coisas feitas de ouro são máquinas de viajar no tempo Logo as torradeiras são máquinas de viajar no tempo Este argumento é válido mesmo que as premissas sejam loucas. Nesta estrutura não podemos negar que a conclusão segue dessas premissas. É impossível que a conclusão destas premissas seja falsa por causa da forma como as premissas estão estruturalmente dispostas.

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Existem muito mais formas de argumentos dedutivos válidos e inválidos, mas para aqueles interessados em aprofundar mais este assunto, sugerimos livros que foquem exclusivamente em lógica formal. Pontos importantes:

• Um argumento dedutivo classifica-se de acordo com a sua validade em válido ou inválido

• A validade depende da forma do argumento • As premissas dum argumento dedutivo não precisam de verdadeiras no mundo real • Se as premissas dum argumento dedutivo forem de facto verdadeiras e a conclusão

for verdadeira no sentido forma (isto é; é consequência da ordem das premissas) então o argumento é sólido.

Sugestão de leitura:

Para quem deseja informação mais detalhada sobre função da lógica no raciocínio dedutivo, aconselha-se o livro de Desidério Murcho, “O lugar da lógica na filosofia”.

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Capítulo 7: RACIOCÍNIO INDUTIVO No raciocínio indutivo as premissas procuram oferecer evidência (mas não prova absoluta) da verdade da conclusão e esta é a principal diferença com o raciocínio dedutivo. As premissas suportam, mas não provam a conclusão. Como já vimos a conclusão dum argumento dedutivo é uma proposição que só pode ser verdadeira ou falsa e se for verdadeira temos a absoluta certeza que o é, pois derivou das premissas oferecidas. Num argumento indutivo a conclusão é provável, nunca absolutamente verdadeira. A sua probabilidade baseia-se na evidência apresentada pelas premissas. O raciocínio indutivo é baseado no mundo real. A indução faz parte da nossa experiência e colecta da informação que assimilamos do mundo que nos rodeia. Existem vários métodos de indução, mas antes de nos debruçarmos nos seus detalhes precisamos primeiro de clarificar alguns termos. Inferência é o processo pelo qual se obtém conclusões a partir de argumentos. É o acto de derivar conclusões lógicas baseadas em premissas. Tanto o raciocínio indutivo quanto o dedutivo chegam à conclusão por um processo de inferência, mas enquanto que no método dedutivo a inferência depende apenas das premissas apresentadas, no método indutivo chegamos a uma conclusão depois de várias observações. Por exemplo o cálculo de probabilidades é um método indutivo. Vimos que a conclusão dum argumento dedutivo só pode ser verdadeira ou falsa. Num argumento indutivo a conclusão pode ser mais ou menos perto da verdade ou não. Isto é, a conclusão pode ser correcta dentro do certo grau de certeza. Em indução podemos usar uma regra geral para aplicar a um caso particular. Por exemplo, como regra geral as coisas caem de cima para baixo, devido à acção da gravidade, logo, se eu empurrar o meu livro para fora da mesa, posso induzir que vai cair para baixo e não para cima. A indução é um processo psicológico de aprendizagem presente nos humanos e animais. O meu gato apanhou um ratinho num canto particular de meu jardim. No dia seguinte foi lá de novo e apanhou outro ratinho, à medida que a experiência se repete, o gato aprende por indução que ali naquele lugar existem ratinhos até ele os apanhar a todos e nunca mais aparecerem ratinhos. Durante um certo período de tempo a indução de que existiam ratinhos naquele lugar, era correcta. Até ele perceber que não existem mais ratinhos, a indução é incorrecta. Os paleontologistas podem induzir o tipo de alimentação dum dinossauro, sem nunca terem visto um. Basta comparar o tipo de dentição e a forma dos maxilares com os carnívoros modernos para concluir com alguma probabilidade que esses dinossauros poderiam ter sido carnívoros. Note que aqui não se está a seguir a forma dum silogismo para chegar a uma conclusão. Está-se simplesmente comparando algo com dados baseados em muitas observações passadas e presentes. Mas a indução para ser perfeita também deve usar o método dedutivo. Assim sendo o raciocínio dos dinossauros seria algo assim:

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Observação: Crânio de dinossauro com dentes caninos Raciocínio:

P1: Os maxilares de muitas espécies de carnívoros modernos têm dentes caninos P2: Animais com dentes caninos são carnívoros C: Logo este dinossauro, com dentes caninos devia ter sido carnívoro Note a diferença e similaridade com o raciocínio dedutivo. Semelhança:

A B P1: Os dentes caninos estão presentes em muitas espécies de carnívoros modernos A P2: Este dinossauro apresenta dentes caninos B C: Logo este dinossauro, provavelmente era carnívoro

Diferença:

Note a palavra “provavelmente.” O raciocínio é dedutivamente válido, mas não podemos confirmar com toda certeza que o dinossauro era carnívoro porque nenhum humano existia nessa altura para poder confirmar a observação. O método indutivo é o método utilizado pelo método científico e para falar rigorosamente o método científico nunca nos dá 100% de certeza. O mais que podemos dizer das inferências obtidas por indução científica é que existe uma probabilidade de algo ser como afirmado, mas existe sempre uma pequena margem de incerteza.

As pessoas querem certezas, e por isso muitos políticos e executivos podem ficar muito frustrados com a linguagem utilizada por cientistas porque um cientista que seja absolutamente rigoroso nunca poderá afirmar que tem a certeza de algo. Os argumentos indutivos são aqueles onde se tenta aplicar o que se sabe sobre objectos e situações e eventos, para outros objectos e situações e eventos que são desconhecidos. Em relação à precisão, os argumentos indutivos dividem-se em formal e informal.

Formal Informal Argumentos que atendem a directrizes rigorosas sobre a forma como se colhe a amostra, o número de elementos que entram na amostra, etc. A precisão da indução é avaliada utilizando métodos matemáticos precisos. Expressam o erro de avaliação de uma forma precisa, por exemplo: “Ele pesa entre 75,7 e 76,3 kg e o erro desta medição é igual a ±0,3” .

Estes argumentos seguem os mesmos princípios que os formais, mas eles expressam o erro de avaliação duma forma mais vaga. Por exemplo, “pesa mais ou menos uns 76kg, mais coisa menos coisa.”

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Dependendo do tipo de solução que procuramos, os métodos de indução variam.

• Queremos saber a causa dum evento, ou identificar as similaridades entre objectos?

• Queremos generalizar as nossas observações ou confirmar aquilo em que acreditamos?

• Queremos oferecer explicações para um fenómeno ou criar hipóteses para serem testadas?

De acordo com estas perguntas seguimos diferentes métodos de indução que podem processos formais com regras definidas ou simplesmente resultam do fruto da nossa intuição. Assim, dependendo do método de raciocínio utilizado, ou argumentos indutivos podem ser classificados em:

• Causais • Analógicos • Generalizações • Silogismos Estatísticos • Hipotéticos • Confirmatórios ou enviesados

Os argumentos causais utilizam uma forma de raciocínio causal que será discutido em detalhe mais à frente. Quanto às analogias e generalizações é preciso tomar em conta que existem algumas semelhanças, ambas as formas começam com

• uma amostragem • identificação das propriedades dos componentes dessa amostra • conclusão que essas propriedades são também compartilhadas pelos componentes

fora da amostragem (a população), de onde se retirou a amostra. Mas a diferença entre um processo e o outro consiste na natureza do objecto do argumento. Enquanto que nas analogias se faz uma comparação entre o objecto do argumento e outro objecto que compartilha das mesmas características, nas generalizações identificam-se as características duma pequena amostra e generaliza-se para um número maior ou para toda a população donde se retirou a amostra.

Analogias Generalizações Faz-se uma comparação entre o objecto do argumento e outro objecto que compartilha das mesmas características. O objecto em que foca o argumento não é parte da amostra. Na analogia estica-se a indução daquilo que se sabe para aquilo que não se sabe.

Identificam-se as características duma pequena amostra e generaliza-se para um número maior ou para toda a população donde se retirou a amostra. A amostra é parte da classe alvo e essa classe contém a amostra. As premissas referem-se à amostra A conclusão refere-se à população

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As analogias e generalizações podem ser obtidas de uma forma formal ou informal.

INDUÇÃO

Formal

Informal Por Analogia Comparação de semelhanças

Comparação entre objectos semelhantes donde se infere que a propriedade duma classe deve ser comum à outra classe... ...utilizando métodos matemáticos precisos.

...por opinião ou baseado na própria experiência sensorial. Não requer precisão.

Por Generalização De alguns para muitos

1.Generalização estatística 2. Generalização baseada na variação 3.Probabilidade indutiva

Generalizações feitas sem colecção de amostras e baseadas apenas nas nossas experiências pessoais.

Diferença entre indução por generalização e silogismos estatísticos

Note que enquanto na indução por generalização, seja ela formal ou informal, se pretende ir “de alguns para muitos”, os silogismos estatísticos seguem a direcção oposta, indo “de muitos para um/alguns”, partindo duma generalização que é verdadeira para a maior parte da população, e aplicando essa característica a um caso particular.

Indução por generalisação: Silogismos estatísticos:

De um pequeno número de indivíduos para todos

De uma pequena amostra da população para um indivíduo

Os argumentos hipotéticos simplesmente se limitam a apresentar pressupostos imaginários na tentativa de oferecer soluções que possam eventualmente ser aplicadas à realidade. Os argumentos hipotéticos encontram-se com frequência no raciocínio abdutivo, que é uma forma de apresentar explicações para observações feitas. Este tipo de raciocínio baseia-se frequentemente em argumentos hipotéticos para oferecer explicações de algo que se assume ser verdadeiro. Este é um tipo de raciocínio que pode ser formal ou informal. A abdução formal produz teorias ou hipóteses explicativas e testáveis de observações frequentes. Por outro lado, a abdução informal limita-se a procurar confirmação de opiniões pré-formuladas levando a um tipo de raciocínio enviesado suportado por argumentos que procuram confirmar as nossas crenças ou opiniões seleccionando informação parcial e ignorando informação que contrarie as nossas convicções. Os argumentos confirmatórios ou enviesados serão discutidos em detalhe mais à frente. Estes são argumentos que são construídos para confirmar as nossas convicções.

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Capítulo 8: INDUÇÃO FORMAL

Formas de indução formal

8.1.Por analogia (indução simples) 8.2.Por generalização 8.3.Por silogismos estatísticos 8.4.Por confirmação duma hipótese

Indução formal é o tipo de raciocínio indutivo que tem como base o uso de valores quantificáveis sobre os quais se possa executar cálculos estatísticos e probabilísticos.

8.1.Indução por analogia A forma mais simples de indução consiste em estabelecer uma analogia. Este é o tipo de generalização que se faz quando se compara um caso com outro. O exemplo do dinossauro carnívoro acima referido é um caso de indução por analogia. O uso de animais em experimentação, e subsequente extrapolação para o caso humano, é outro exemplo de indução por analogia. A indução por analogia é baseada no seguinte princípio lógico O objecto O1 tem a propriedade P O objecto O2, é semelhante a O1 Logo, o objecto O2 tem a propriedade P Isto é; se duas coisas são semelhantes em mais do que um aspecto então quando uma certa proposição é verdadeira para a primeira, também é verdadeira para a segunda. Por exemplo, Galileu observou que havia sombras na Lua semelhantes às sombras de montanhas na Terra, assim ele concluiu que na Lua também havia montanhas. Na sua proposta para uma explicação da selecção natural, Darwin comparou as semelhanças entre a selecção artificial de caracteres exibidos por raças domésticas e selecção de caracteres exibidos pelas espécies na natureza. A gravidade e a electricidade são similares no facto de que são forças que actuam entre corpos, diminuindo com a distância. Esta similaridade levou os cientistas do século 18 a aplicar os métodos analíticos que Newton usou para estudar a gravidade no estudo das forças eléctricas. Mas existem problemas com este método. A analogia só foca em algumas características específicas e a sua extrapolação pode ser ilusória, por exemplo quando o foco são factores causais. Ao observar certos sintomas de doença numa pessoa, podemos inferir que esses sintomas foram causados por uma infecção bem identificada, no entanto sintomas semelhantes noutra pessoa, podem ser consequência duma outra causa, provavelmente não infecciosa, mas de origem somática ou de alterações fisiológicas que nada têm a ver com uma infecção bacteriana. Por exemplo o sintoma “vomitar + dores de estômago” pode ter causas absolutamente diferentes. Possíveis causas seriam uma intoxicação alimentar, uma úlcera no estômago ou um possível cancro de ovário.

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Basear uma conclusão em simples analogia pode levar a conclusões falsas e para evitar isso é preciso colher informação de vários objectos a fim de se proceder a inferências generalizáveis.

8.1.1. Analogias e metáforas Na nossa comunicação usamos frequentemente expressões que reflectem metáforas e analogias. É importante esclarecer a diferença entre analogia e metáfora porque mais adiante vamos falar de metáforas como ferramentas de retórica. Uma metáfora é uma representação de algo utilizando uma analogia. Por exemplo, os conceitos abstractos relacionados com a personalidade dum sujeito podem ser apresentados com adjectivos representativos de temperatura. Se eu disser que o Klaus é muito frio, mas a Claudia é calorosa, automaticamente estou a associar a ideia de algo desagradável ou agradável em termos de conforto térmico com algo multifactorial que é a descrição duma personalidade. A nossa mente funciona automaticamente como uma fábrica de metáforas. Se eu tento explicar um conceito novo a uma pessoa que nunca ouviu falar de um determinado assunto, um bom método será utilizar uma imagem que ambos conhecemos e que, de certo modo, representa esse conceito. Ao tentar explicar o conceito de átomo, o professor de física utiliza a imagem do sistema solar, um conceito previamente aprendido pelos alunos. A imagem dos electrões girando em volta do núcleo é semelhante á imagem dos planetas girando em torno do Sol. Quando a metáfora foi assimilada, pode-se então continuar com pequenas modificações da imagem original até uma aproximação cada vez mais próxima da realidade dum átomo. Mais tarde, o aluno pode modificar o conceito original de electrões girando em torno do núcleo (A), para o conceito de nuvem orbital da forma sigma ou pi (B).

A. Modelo atómico inspirado na

metáfora planetária B. Modelo atómico mais aproximado da

realidade, baseado na nuvem de probabilidade de encontrar o electrão.

O modelo original é então abandonado, mas serviu de plataforma para a reconstrução dum modelo novo e mais próximo da realidade. Metáforas são ferramentas que usam analogias. As analogias são usadas para demostrar como duas coisas que são originalmente diferentes, podem ter características comuns. Usando de novo os adjectivos frio e caloroso podemos estabelecer a diferença entre metáfora e analogia do seguinte modo.

Metáfora

Analogia • O Klaus é um iceberg • A Claudia é um chocolate quente

• O Klaus é tão frio como um iceberg • A Claudia é calorosa como chocolate

quente Veja a diferença; enquanto que na metáfora se afirma que o sujeito é algo, na analogia afirma-se que é como algo.

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A ocorrência de metáforas na nossa linguagem é tão frequente que nem nos apercebemos do seu uso. Vejamos estes exemplos:

Metáfora

Explicação da metáfora Posso ver o teu ponto O Natal está se aproximando com rapidez Esse é um pensamento negro Sinto-me muito em baixo Os teus argumentos são fortes Ele tem uma língua aguçada

Posso visualizar o que queres dizer Dá a ideia dum objecto em movimento Dá a ideia de que pensamentos têm cor Emoções apresentadas numa linha vertical Dá a ideia de força muscular numa frase Dá a ideia de que as palavras têm propriedades de objectos cortantes

8.2. Indução por generalização (De alguns para todos)

Formas de indução por generalização

8.2.1. Generalização estatística 8.2.2. Generalização baseada na variação 8.2.3. Probabilidade Indutiva

A generalização indutiva ou indução por generalização refere-se à extrapolação dos valores encontrados numa amostra, para a população donde se extraiu essa amostra. A generalização pode aplicar-se a toda a população ou apenas a uma proporção correspondente à mesma proporção encontrada na amostra. Indução por generalização é uma característica do cálculo estatístico.

Imagine um biólogo que pretende descrever uma espécie particular de caracol. Na natureza existem muitas variedades de caracóis e as espécies podem variar de acordo com a cor, o tamanho, etc. Imagine que o biólogo está interessado em identificar o tamanho médio do caracol comum. Como ele não pode apanhar todos os caracóis dessa espécie no mundo inteiro, a solução é fazer uma amostragem, medir as conchas dos indivíduos da amostra e extrapolar para o resto da população. Ele chega assim à conclusão que a concha do caracol comum mede em média entre 1.5-2 cm. Da próxima vez, quando ele for observar caracóis na natureza e se encontrar um caracol que mede entre 3.5-4cm, ele poderá concluir que provavelmente está perante uma nova espécie ou um caso excepcional dentro da espécie de estudo. Talvez uma mutação! Se estes caracóis maiores são encontrados frequentemente na amostragem isto sugere que existe uma outra espécie de dimensões maiores coexistindo no mesmo habitat. O método utilizado pelo biólogo foi uma forma de generalização estatística onde ele assumiu que as dimensões entre 1.5 - 2cm eram uma característica da espécie, ou pelo menos da população da região onde ele fez a colheita. Antes de entrarmos na explicação detalhada de cada um dos tipos de generalização indutiva formal, convém clarificar alguns pontos acerca dos conceitos “estatística” e “probabilidade”. O que é a Estatística?

A estatística é o estudo da colecção de dados, a sua análise, interpretação e apresentação. Uma análise estatística pode ou não incluir cálculo de probabilidades. Quando se analisam esses dados podem seguir-se duas metodologias:

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a) Estatística Descritiva: Descrição simples da colecção dos números obtidos. Esta descrição geralmente inclui a média, moda, mediana, variância, desvio padrão e erro padrão. A estatística descritiva limita-se a sumarizar as características da amostra, em vez de usar esses resultados para aprender mais sobre a população de onde se colheu a amostra. Este tipo de estatística não se baseia na teoria de probabilidades.

b) Estatística Inferencial ou inferência estatística (de poucos para muitos): Esta abordagem usa os valores da amostra para inferir sobre a natureza dos processos que produziram esses dados. É o tipo de estatística que faz estimativas sobre a população a partir das amostras. No exemplo do biólogo que estuda caracóis, ele precisa de usar estatística inferencial para derivar algumas conclusões sobre o tamanho geral dos caracóis daquele ecossistema. A questão dele é a seguinte; qual é a probabilidade que os caracóis desta população tenham o mesmo tamanho médio que os caracóis da amostra? A estatística inferencial é baseada na teoria de probabilidades e as conclusões são obtidas pelo processo de inferência estatística. As inferências são feitas usando dados numéricos e um modelo estatístico que liga os dados aos parâmetros. Um parâmetro é aquilo que se está a medir, por exemplo no caso do biólogo, o parâmetro é o tamanho da concha em largura e medido com uma craveira em mm ou cm. Um modelo estatístico é a formalização do tipo de relações entre as variáveis na forma de equações matemáticas descrevendo como uma ou mais variáveis se relacionam com outras variáveis. Exemplos de modelos estatísticos são o teste de Student, o Chi-quadrado, ANOVA, linhas de regressão e correlação. Estes modelos servem para comparar várias características do conjunto de dados. Por exemplo testam se os valores obtidos estão normalmente distribuídos (Curva de Gauss), se existe grande variação dentro dos valores colectados, se há correlação entre dois grupos de valores colectados, etc.

Dentro da inferência estatística existem duas abordagens principais:

Estatística frequentista que se baseia na frequência do aparecimento dum determinado valor numa colecção de dados. No caso do estudo do caracol seria uma estatística que conta quantas vezes aparece o valor 1,5cm, quantas vezes aparece o valor 2cm, quantas vezes aparece o valor 2,5cm e aí por diante. Eventualmente chegaremos a uma situação onde um certo tipo de valores ocorre mais frequentemente do que que outros.

Estatística Bayesiana que é baseada no teorema de Bayes. Este teorema ajuda a calcular a probabilidade dum evento dado a ocorrência de outro. Por exemplo, dado que choveu ontem e hoje, qual é a probabilidade que irá chover amanhã? Também pode ser aplicada em eventos que influenciam outros eventos. Por exemplo, dado que a população de coelhos aumentou este ano, qual é a probabilidade que a população de raposas vai também aumentar? É também útil na análise de comportamentos. Se o animal A está presente quando o animal B está expressando um determinado comportamento, qual é a probabilidade que a presença ou comportamento do animal A vá influenciar o comportamento do animal B?

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A diferença fundamental entre estatística frequentista e Bayesiana está • na forma como se interpreta a probabilidade de ocorrência dos eventos • na representação do desconhecido • no reconhecimento do uso de informação prévia

O que é a Probabilidade?

Probabilidade é a medida da possibilidade de ocorrência dum evento. O cálculo de probabilidades é usado para quantificar uma atitude mental relativamente a uma proposição cuja verdade não se sabe, pode ou não ser verdadeira.

• A proposição é expressa do seguinte modo: Será que este evento específico vai ocorrer?

• A atitude mental é expressa assim: Qual a quantidade de certeza de que esse evento vai ocorrer?

Essa certeza pode ser descrita em termos numéricos ente 0 e 1 (falso ou verdadeiro; não ou sim) onde o zero indica impossibilidade e 1 indica absoluta certeza, ou 100% de certeza. Assim, o cálculo de probabilidades indica que quanto mais próximo de 1, maior é a certeza que o evento vai ocorrer. Podem identificar-se vários tipos de probabilidade:

Probabilidade à priori

Probabilidade estatística

Probabilidade indutiva

Probabilidade subjectiva

Cada evento tem igual oportunidade de ocorrer

Conta a frequência dum evento e calcula a probabilidade dele acontecer de novo.

Propõe a probabilidade de eventos futuros, baseado em eventos passados.

Diferentes graus de convicções pessoais

• Probabilidade clássica ou à priori

Assume-se que cada evento tem igual probabilidade de acontecer. Por exemplo, se eu atirar uma moeda ao ar, a probabilidade de obter caras à priori é igual à probabilidade de obter coroas. Esta probabilidade obedece ao princípio da indiferença que se pode entender do seguinte modo; se mandar uma moeda ao ar e se a moeda não for viciada, a probabilidade de sair cara ou coroas é igual. Na vida real o que isto quer dizer é o seguinte; dadas as mesmas condições em duas ocasiões diferentes, a probabilidade dum evento ocorrer em cada uma dessas ocasiões é a mesma. Por exemplo, se as condições que se encontraram aquando da origem da vida no planeta Terra se encontrarem noutro planeta, a probabilidade de vida ter origem nesse planeta, será a mesma que foi na Terra.

• Probabilidade estatística ou frequentista

Define a probabilidade dum evento como o limite da sua frequência relativamente a um grande número de observações. Vai-se contando a frequência dum evento cada vez que ele ocorre. É um tipo de probabilidade usada em questionários à população. Por exemplo quantas pessoas disseram que iam votar no partido A, no B e no C. A frequência foi 2000 para o A, 3500 para o B e 1345 para o C.

Tipos de Estatística

Estatística Descritiva Estatística Inferencial

Estatística Frequentista

Estatística Bayesiana

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• Probabilidade indutiva Das várias formas de probabilidade esta é a forma de generalização duma característica da amostra para a população. Se uma percentagem da amostra tem a característica C, então a mesma proporção da população terá essa característica. Se 25% da amostra apresentou essa característica, então 25% da população também tem essa característica.

• Probabilidade subjectiva

De facto não existe nenhum cálculo probabilístico nesta forma. É apenas uma expressão de opinião ou convicção. Uma pessoa pode afirmar; “tenho quase a certeza que ele foi a Lisboa hoje“. Aqui a expressão de quantidade de probabilidade está na palavra “quase” que é muito vaga.

Probabilidades na Estatística

Como se viu, pode haver estatísticas sem cálculo de probabilidades, mas o cálculo de probabilidades é um método importante para se fazer generalizações a partir de amostras e daí tirar conclusões sobre a probabilidade de ocorrência dum evento na população em geral. O método e tamanho da amostragem tem uma importância crucial no resultado que leva à conclusão. Por isso para se obter conclusões tão próximas da realidade quanto possível existem alguns factores que se devem ter em consideração:

A representatividade da amostra depende do conhecimento de dois factores:

1. o que pertence e o que não pertence à população 2. quais são as características relevantes à investigação e quais não são

8.2.1. Generalização Estatística A estatística é um tipo de indução por generalização que ajuda a responder às seguintes questões:

• Como se pode saber que generalização é suficientemente forte para se aceitar? • As premissas são verdadeiras? • As premissas são justificadas? • O método de amostragem é confiável ou tendencioso?

A generalização estatística inclui o cálculo de estatística frequentista, Bayesiana e probabilidade estatística.

8.2.2.Generalização Baseada na Variação Mas a generalização estatística não precisa de ser a única forma de generalização aplicada a todas as situações. Frequentemente o processo de inferir conclusões a partir de amostras está sujeito a variações aleatórias, como por exemplo erros de observação ou variações no método de amostragem e assim para complementar o método de generalização por inferência estatística deve também se adoptar um método baseado na análise das variações que podem ocorrer dentro da colecção de dados. Já que a amostra não inclui todos os membros da população, a estatística descritiva da amostra (média, mediana, quantiles, curtose, etc.) frequentemente difere dos parâmetros de toda a população. Já que a amostragem é feita para determinar as características de toda a

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população, é preciso conhecer a diferença entre os valores da população real e os valores da amostra. Esta diferença é conhecida como o erro de amostragem. É praticamente impossível conhecer o valor exacto do erro de amostragem pois não sabemos os valores reais dos parâmetros da população, mas esse erro pode ser calculado de forma probabilística. Existem outros parâmetros que nos dão alguma informação que nos permite fazer inferências por generalização. Esses parâmetros são a variação aleatória, a margem de erro e o nível de confiança. Informações mais detalhadas sobre estes parâmetros podem ser encontradas em qualquer livro básico de introdução à estatística.

8.2.3. Probabilidade Indutiva A probabilidade indutiva é uma tentativa de dar uma probabilidade à ocorrência de eventos futuros, baseado na probabilidade de eventos passados. Esta é uma das formas principais do raciocínio indutivo formal e uma base matemática para a aprendizagem e percepção de modelos padrão. Em pensamento crítico refere-se à probabilidade obter uma conclusão verdadeira num argumento indutivo com premissas verdeias. Este tipo de probabilidade difere da probabilidade clássica (à priori) e da probabilidade frequentista (ou probabilidade estatística) no sentido de não registar a frequência de eventos passados para estimar a probabilidade de eventos futuros.

Analogia (indução simples)

Generalização

Silogismos estatísticos

Generalização estatística

Probabilidade Indutiva

Generalização baseada em variação

Probabilidade Frequentista

Probabilidade Classica

Tipos de indução Tipos de probabilidae

FOR

MA

L IN

FOR

MA

L Analogia

Generalização

Causa

Probabilidade subjectiva

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8.3.Indução por silogismos estatísticos Um silogismo estatístico procede duma generalização que é verdadeira para a maioria da população, para um caso particular.

Uma proporção da população P tem o atributo A. Um individuo X é membro da população P. Logo, há uma probabilidade que X tenha o atributo A.

A maioria dos professores são liberais A Maria é professora Provavelmente também é liberal

A maioria dos professores são mulheres João é professor Provavelmente é mulher

Quase todas as pessoas são mais altas que 1.50m A Maria é uma pessoa Logo a Maria é quase de certeza mais alta que 1.50m Por aqui se pode ver que os silogismos estatísticos podem levar a conclusões incorrectas.

8.4. Indução por confirmação (abdução) A indução por confirmação é o processo que leva à confirmação duma hipótese previamente formulada pelo processo de abdução. Este método de confirmação de hipóteses pode levar à formulação de teorias explicativas sobre os fenómenos observados. A confirmação da hipótese segue um método sistemático de avaliação e teste. Se os resultados dos testes não confirmarem a hipótese, deve-se reformular os pressupostos da hipótese. Neste processo, o investigador procura constantemente casos que contradigam a hipótese. Se nunca encontrar nenhum pode formular uma teoria que se mantém até se encontrar algum caso que contradiga a teoria, então a teoria cai devendo ser reformulada ou mesmo abandonada levando à criação de uma nova teoria para explicar o fenómeno. Num mundo ideal o investigador pára de procurar novos casos quando a teoria formada não tem mais oportunidades de ser contrariada. Este tipo argumentação, que é uma forma especial de argumento de generalizações baseados em teorias, é conhecido por raciocínio abdutivo. Detalhes deste tipo de raciocínio serão apresentados mais à frente.

8.5. Indução formal e o método científico O método científico apresenta variações ao longo da história. Os historiadores da ciência dividem-se quanto à origem da ciência moderna, uns apontam Galileu Galillei (1564-1642) como o originador do pensamento científico moderno, enquanto que outros atribuem a Sir Francis Bacon (1620) a origem do método científico como o entendemos presentemente. No modelo Baconiano, o cientista observa a natureza, propõe uma teoria de generalização dos padrões observados, e tenta confirmar essa teoria por forma de acumulação de observações. Este método é denominado indução enumerativa porque tenta fazer uma generalização de casos particulares (as observações) para o todo e daí criar uma lei universal.

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O método científico é um processo que se baseia na objectividade como meio de aproximação da verdade e consiste dos seguintes passos:

1. Identificação do assunto sob investigação. 2. Observação. 3. Familiarização com o conhecimento existente relevante ao processo sob investigação. 4. Criação duma hipótese. 5. Especificação de condições de verificação ou falsificação. 6. Teste da hipótese através da produção de experiências que sejam reproduzíveis por

outros ou angariação de dados de observação. 7. Seguimento de protocolos específicos desenvolvidos para questões particulares. 8. Formulação de conclusões baseadas na evidência obtida.

Em 1740 o filósofo escocês David Hume apontou diversos erros nesta forma de indução afirmando que a indução enumerativa era ilógica porque, seguindo este método, os cientistas estão simplesmente a observar sequências de eventos e a psicologia natural que caracteriza os seres humanos é atribuir relações causais a eventos sequenciais. Como veremos mais adiante na secção das falácias causais, uma sequência de eventos nem sempre apresenta relações causais. Desde então varias discussões sobre o método científico tem sido foco da filosofia da ciência, culminando no século 20 com a aceitação geral dos princípios enumerados por Karl Popper.

8.5.1. Karl Popper e a refutação de hipóteses Karl Popper (1902-1994) foi um filósofo da ciência que escreveu muito sobre o método indutivo usado na investigação científica. Ele sugeriu que a ciência empírica nunca pode ser provada, mas pode ser falsificada. As suas ideias influenciaram o modo como se faz ciência hoje. De acordo com Popper, se o resultado das experiências e testes contradiz a teoria, o investigador deveria abster-se de oferecer explicações ad-hoc para se ver livre de contradições (veja capítulo sobre as Falácias Causais).

8.6. A importância do método científico na vida mundana Por aquilo que foi aqui dito, receio ter dado a impressão que o método científico é algo que é útil apenas para cientistas. Algo que se usa no laboratório ou no campo quando se vai observar passarinhos. De facto este método aplica-se a todas as situações da nossa vida, pois estamos constantemente a ser bombardeados com informação que clama ser científica, ou uma ciência. É preciso clarificar que existem diferenças entre os conceitos de conhecimento, ciência, questionamento científico e o método científico. Ciência é o conjunto de informação que foi adquirida ao longo dos anos através da aplicação de métodos de investigação que usam o método científico. Essa informação pode servir de suporte para o desenvolvimento de tecnologias que resolvem problemas. Por exemplo fazer pontes, guiar um carro, viagens espaciais, fornos de microondas, biotecnologia, scans TACs, frigideiras de Teflon, iPods, cabras que produzem proteínas de teia de aranha no seu leite para a produção de tecidos, e ratos bioluminescentes são objectos possíveis devido ao desenvolvimento de tecnologias que por sua vez se basearam na informação obtida pelos cientistas fazendo experiências, testando hipóteses, criando teorias. Esses cientistas utilizaram o método científico para chegar aos resultados que são usados no desenvolvimento das tecnologias. O método científico alimenta o repertório das variedades de conhecimento que constituem a ciência. A ciência adopta o questionamento científico, isto é; cada vez que o método científico nos dá respostas e soluções para uma questão, essas soluções trazem

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consigo um mundo interminável de questões que serão de novo analisadas através do método científico. A ciência contribui para enriquecer o conhecimento dos seres humanos, mas não significa que seja a única forma de obter conhecimento. O saber coisas é diferente da sapiência. Aqui referimo-nos à palavra conhecimento como sapiência. A filosofia não é uma ciência, mas o seu exercício contribui para a nossa sapiência. Tudo aquilo que clama a existência de coisas sem evidência empírica não é ciência nem conhecimento. O método científico é uma forma de obter evidência para proposições que clamam ser verdadeiras relativamente à existência ou mecanismo de algo. Se a evidência não suportar o argumento, então o argumento precisa de ser alterado. No seu dia-a-dia você irá ouvir alguns médicos sugerirem que faça algum tipo de tratamentos alternativos. Antes de se prontificar a gastar o seu dinheiro nesses tratamentos primeiro pergunte ao seu médio se existe evidência empírica obtida através da aplicação do método científico, confirmando a eficácia de tais tratamentos. Mas se você acredita no efeito placebo, provavelmente alguns desses tratamentos podem resultar. No entanto isso não significa que a proposição que clama que o tratamento é efectivo, seja verdadeira. Se ele funcionou não se deve aos atributos do tratamento mas sim do seu poder sugestivo e a capacidade do paciente se deixar impressionar. Para o tratamento ser de facto efectivo teria que dar os mesmos resultados positivos num número muito elevado de pacientes sofrendo da mesma condição. Isto é o mesmo que dizer que os seus resultados teriam que ser estatisticamente significantes. Todos os dias ouvimos propaganda de políticos, anunciantes, grupos místicos clamando que o seu produto é uma ciência ou resulta da investigação científica. Os publicitários gostam de colocar pessoas de batas brancas e óculos tipo John Lennon, dando a impressão de que os cientistas trabalham todos num laboratório e gastaram a vista de tanto ler artigos científicos. Existem muitos tipos de investigação científica que não ocorre no laboratório. Por exemplo a observação do comportamento animal no seu ambiente exige botas impermeáveis ou resistentes às picadas de escorpião, roupas resistentes ao frio ou ao calor e muita coragem para andar e rastejar no pó, na neve e na lama. Mas existe algo de comum entre as alvas batas dos cientistas de laboratório e a lama nas botas dos ecólogos; a aplicação do método científico e a submissão dos seus resultados ao escrutínio dos seus colegas. Mas talvez o factor mais importante que caracteriza a ciência é a sua capacidade de rejeitar as teorias que estavam erradas e aceitar a evidência que as refutou. É nesta atitude que a ciência diferente do dogma. Para exemplificar o uso errado da palavra científico, veja o excelente texto do bloguista Ludwig Kripphal no seu blog Que Treta na caixa da página seguinte.

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Treta da semana : espiritismo três em um

A Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal (ADEP) descreve esta doutrina como «uma ciência filosófica de consequências morais. Como ciência, investiga os factos espíritas. Como filosofia explica-os. Como ética dá-nos um roteiro moral para as nossas vidas.» Com um alvo tão grande seria de esperar que acertasse em qualquer coisa. Azar. Falha tudo. O espiritismo «foi codificado por um professor francês de meados do século XIX: Allan Kardec» e o seu método de investigação, descrito no “Livro dos Espíritos”, consistiu em escrever o que alegou serem respostas dos espíritos às suas perguntas. Isto não é científico porque a ciência progride seleccionando as hipóteses que se destacam quando postas à prova. Podemos imaginar que é uma corrida, com as hipóteses que não tropeçam nos factos e que correm mais leves de premissas infundadas passando à frente das outras. A corrida é permanente – nenhuma hipótese ganha em definitivo – mas não se toma qualquer uma como verdadeira se nem sequer está à frente das outras. A hipótese de Kardec ter mesmo falado com espíritos que sabiam do assunto e diziam a verdade é apenas uma entre muitas outras. E, destas, a que se destaca como mais plausível, e menos dependente de premissas gratuitas, é a de que ele apenas escreveu o que lhe veio à cabeça. Por exemplo, à pergunta «Donde vieram para a Terra os seres vivos?», os espíritos responderam que «A Terra lhes continha os germens, que aguardavam momento favorável para se desenvolverem [no] momento propício ao surto de cada espécie». Disseram também que ainda surgem seres vivos espontaneamente dos «tecidos do corpo humano e do dos animais [onde] só esperam, para desabrochar, a fermentação pútrida que lhes é necessária à existência» e que, entre “corpos orgânicos e inorgânicos”, «A matéria é sempre a mesma, porém nos corpos orgânicos está animalizada» (2). Suspeito não ser coincidência que os espíritos que falaram com o professor francês do século XIX tivessem as mesmas ideias erradas acerca da origem das espécies, do vitalismo e da geração espontânea que teria um professor francês do século XIX. A afirmação de que o espiritismo é filosofia porque explica os factos é falsa duas vezes. Primeiro, porque a filosofia preocupa-se mais em explorar conceitos do que em explicar factos. Mas, principalmente, porque o espiritismo não explica factos nenhuns. Uma explicação é uma descrição consistente com o que observamos e da qual se pode inferir o que pretende explicar. O espiritismo não só é parco em inferências, limitando-se às alegações, como é inconsistente com a informação que temos. Por exemplo, a hipótese de termos uma alma eterna é refutada pelos efeitos cognitivos de drogas, acidentes vasculares cerebrais ou doenças como a de Alzheimer. Se houvesse algum aspecto do nosso intelecto, da nossa memória, da nossa consciência ou personalidade que se devesse à tal alma, esse seria imune a qualquer problema físico. As evidências indicam claramente que não há tal coisa. Finalmente, dizem que o espiritismo é uma ética porque «dá-nos um roteiro moral para as nossas vidas.» No entanto, simplesmente dar um “roteiro moral” não constitui uma ética. Dizer “não roubarás” estipula uma regra moral mas ética é considerar porque é que não se deve roubar, quais os fundamentos dos direitos de propriedade, em que situações é permissível roubar e porquê, e assim por diante. Também nisto o espiritismo fica muito aquém do que a ADEP promete: «O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário»(3). Isto está para a ética como a fisga está para a exploração interplanetária. Apesar de ser apelativa esta ideia de ter uma alma imortal e de ir eventualmente viver no mundo dos espíritos, é com alívio que concluo que a doutrina espírita é treta. Alívio porque, se fosse verdade, seria prova de que os espíritos imortais tinham o conhecimento, a mentalidade e a forma de se exprimir de um professor francês do século XIX. Antes acabar a minha existência com a morte do corpo do que gramar uma eternidade de disparates.

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Capítulo 9: INDUÇÃO INFORMAL

A indução informal é uma forma de indução menos rigorosa que não se baseia em evidência numérica e onde as conclusões são fruto da nossa experiência sensorial. A indução informal também ocorre por analogia e por generalização de forma semelhante à indução formal, mas sem o rigor matemático expresso nesta última.

9.1. Indução informal por analogia Indução informal por analogia é a comparação entre objectos semelhantes donde se infere que a propriedade duma classe deve ser comum à outra classe por opinião ou baseado na própria experiência sensorial. Não inclui precisão. Em linguagem comum usamos analogias frequentemente para dar enfâse às nossas explicações aumentando a sua compreensão. Uma analogia é útil quando ambos, aquele que comunica a mensagem e aquele que ouve, têm uma referência comum. Aqui estão alguns exemplos onde se usam analogias:

• Explicação • Como instrumento retórico • Argumentos morais e legais • Analogias lógicas

Num argumento analógico aquilo que se conclui no modelo também se conclui no objecto comparado. Os homens são como os azulejos (de chão) Se os deitarmos bem, podemos andar sobre eles o resto da vida! Um argumento analógico tem o seguinte formato: P1: X e Y têm as propriedades p, q e r P2: X tem uma particularidade F C: Logo Y também tem F A premissa P1 assume que por compartilha de tantas propriedades (p, q, r), W e Y devem ser iguais ou pelo menos muito similares e daí se deriva a conclusão que se identificarmos mais uma propriedade no modelo (X) é lícito assumir que o objecto comparado continua a ser similar to X. Este argumento pode funcionar nalguns casos, mas também é fácil de ver que pode falhar em muito mais situações.

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Podem-se identificar três tipos de argumentos analógicos 1. Argumentos por propriedades 2. Argumentos por relações 3. Argumentos por uso de lógica 1. Argumentos analógicos por propriedades

Uma propriedade é uma característica que é atribuída a um objecto. Os argumentos por propriedades estabelecem analogias entre as propriedades dos objectos comparados. Por exemplo uma maça pode ter as seguintes propriedades: Doce, ácida, vermelha, suculenta.

2. Argumentos analógicos por relações

Uma relação é uma característica que é atribuída à situação de duas ou mais coisas. Uma maça pode estar dentro ou fora da caixa, ao lado do copo. Um argumento relacional compara as situações dos objectos A e B em relação à situação em que se encontram. Por exemplo, se os homens ganham o certo salário por fazer um trabalho, as mulheres que fazem o mesmo trabalho deveriam receber o mesmo salário que os homens. Vamos analisar o argumento seguinte: “Quase toda a gente iria atirar um salva-vidas a uma pessoa que se está a afogar. De facto, alguém que se recusasse a lançar essa bóia dadas as circunstâncias seria considerado como imoral. O mesmo se aplica a nações onde ocorre a fome em países do Terceiro Mundo. Deveríamos estra preparados para atirar um salva-vidas” na forma de ajuda de emergência.”

Primeiro vamos escrever a fórmula geral dum argumento analógico por relações:

X está para Y assim como p está para q X tem a relação R para com Y

Logo X também tem a relação R para com q (porque Y tem essa relação com q)

X e Y estão relacionados no caso da analogia p e q estão relacionados no caso do sujeito R é o alvo do argumento e descreve a relação entre X e Y no caso análogo

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Agora vamos analisar frase por frase. X e Y estão relacionados no caso da analogia

O caso da analogia é o uso dum conceito com o qual estamos mais familiarizados na comparação com o caso que estamos a defender. Neste argumento estamos a comparar como equivalentes ou análogos o atirar do salva-vidas a uma pessoa que se afoga com a ajuda financeira.

Atirar o salva-vidas Dar ajuda financeira como salva-vidas p e q estão relacionados no caso do sujeito

O caso do sujeito é o objecto sobre o qual estamos a tentar chegar a uma conclusão. Estamos a tentar influenciar as pessoas que se recusam a dar ajuda contra a fome comparando o sujeito que se está a afogar com a fome nos países do terceiro mundo.

Conclusão

Assim como X está relacionado com p Y está relacionado com q e X está relacionado com Y Então X também está relacionado com q

3. Argumentos analógicos por uso de lógica ou raciocínio paralelo Analogias lógicas podem usar-se para refutar argumentos mostrando que um argumento é inválido ao oferecer outro argumento que é claramente inválido. O contra-argumento deverá ter a mesma forma ou seguir a mesma regra que o primeiro de uma forma simples e clara para realçar o erro do primeiro argumento.

Argumento 1 Contra-Argumento na mesma forma do argumento 1

Forma

Todos os liberais acreditam que deveria de existir um serviço nacional de saúde grátis.

e

Qualquer pessoa que quer medicina socializada também acredita que deveria haver um serviço nacional de saúde grátis. Logo, todos os liberais querem medicina socializada

Já que todos os liberais respiram ar

e Os terroristas respiram ar Logo todos os liberais são terroristas

A->B C->B A->C

p q R

X R Y

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Ao se colocar ambos os argumentos na sua forma estrutural, é fácil de ver que ambos os argumentos são inválidos e o contra-argumento sendo mais simples facilita a detecção do erro no primeiro argumento. O exemplo seguinte é frequentemente usado contra os ateus e segue a mesma abordagem da analogia por raciocínio paralelo.

José Crente: És ateu porque odeias Deus! Manuel Ateu: Eu tenho tanto ódio de Deus como tu odeias o Chupacabras. José Crente: Como posso odiar o Chupacabras se ele não existe? Manuel Ateu: Precisamente! Bem-vindo à realidade.

9.2. Indução informal por generalização Os cérebros são máquinas de aprender. Os humanos e outros animais observam o mundo que os rodeia, memorizam as observações e estabelecem regras que sejam comuns às classes de fenómenos observados. Isto é; durante a nossa vida observamos muitas plantas em nosso redor, mas seria impossível lembrar de todas as formas e feitios observados. Então, á medida que vamos vivendo e observando, o cérebro cria categorias de plantas focando em alguns aspectos mais salientes. Por exemplo estabelece diferenças ente ervas e árvores focando no tamanho e na presença ou ausência dum tronco robusto e lenhoso. Também nota a diferença entre árvores e arbustos pelo tamanho e forma. Assim se eu vir um carvalho sei que é uma árvore e não um arbusto. Eu generalizei as características de todas as árvores que vi na minha vida, e conclui que um carvalho cai dentro dessa categoria. No entanto esta generalização por vezes pode falhar. Por exemplo eu posso ser tentada a classificar uma oliveira como árvore quando na realidade é um arbusto. Um arbusto é uma planta lenhosa que se ramifica desde junto ao solo, enquanto que uma árvore começa a se ramificar junto à copa. A generalização é um processo que facilita a classificação das nossas observações colocando-as em grupos que compartilham certas características comuns. Quando o cérebro identificou que uma árvore não é uma erva, pode então continuar a procurar outras características que dividem as árvores entre si em classes menores. Assim aprendemos a distinguir árvores de arbustos e dentro das árvores, distinguimos pinheiros (gimnospérmicas) de carvalhos (angiospérmicas) e assim por diante até chegarmos a um grupo onde todos os seus membros são muito semelhantes e compartilham da maioria das características relevantes. Eventualmente identificamos a árvore com sendo um sobreiro (Quercus suber) e não uma azinheira (Quercus ilex rotundifolia). O mecanismo de reconhecimento e identificação segue os seguintes passos: Primeiro estabelecemos as diferenças, e depois generalizamos as características comuns para um determinado grupo A que é diferente do grupo B. Porque o cérebro funciona assim naturalmente, aplicamos este processo de generalização mesmo a coisas desconhecidas. Primeiro procuramos algo que seja similar ao objecto, depois colocamos o objecto dentro da classe que achamos mais indicada, generalizando as características dessa classe para esse objecto desconhecido. Os nossos diálogos estão cheios de frases do tipo; “os políticos são todos uns corruptos”, “os Portugueses chegam sempre atrasados”, “ os Escandinavos são frios e distantes, não mostram sentimentos”, “ os pitbull são cães perigosos”, “está sempre a chover na Escócia”, etc. Mas se queremos de facto ser rigorosos, precisamos de providenciar evidência para suportar essas conclusões. Quantos políticos são corruptos e dentro dum grupo de quantos? Quantos dias de chuva ocorreram na Escócia no espaço de um ano? De todos os cães do

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mundo da raça pitbull, quantos é que são de facto perigosos? Note que a palavra “todos” generaliza de uma pequena amostra para o resto da população. O método científico também é uma forma de generalização por indução. Os cientistas colhem amostras e dos resultados dessa amostragem, sugerem que o resto da população deve ser semelhante à amostra. Mas atenção que aqui a palavra “deve ser” não sugere certeza absoluta. Existe sempre uma certa margem para erro. É por isso que se fala de probabilidades, e quem faz ciência precisa de aprender como calcular estas probabilidades. Mas na vida diária não calculamos probabilidades, limitamo-nos a fazer um cálculo probabilístico inconsciente sobre a ocorrência daquilo que vimos, sentimos, tivemos experiência no passado e transpomos para o presente ou o futuro. Se sempre nevou no inverno, esperamos que vá nevar de novo este ano no inverno, mas existe sempre uma probabilidade que não caia neve. A experiência pessoal é uma forma muito vaga de interpretar o mundo e oferecer conclusões. Existem muitos factores que influenciam a nossa experiência pessoal e deturpam a nossa memória de eventos passados. Por exemplo o nosso estado emocional pode influenciar o tipo de memórias que vêm à superfície. Algumas memórias são mais enfáticas do que outras porque quando o evento aconteceu foi emocionalmente mais marcante. Outras memórias são mais recentes e podem deturpar a relação entre quantas vezes um evento ocorreu e quantas vezes não ocorreu (ocorrência/não-ocorrência). Porque a memória é mais recente, temos uma tendência a assumir que esse evento ocorreu frequentemente. Por exemplo, os jornais podem escrever que nos meses de verão houve 450 acidentes nas estradas resultando 134 mortos. As pessoas podem concluir que o verão é uma altura perigosa para conduzir, mas este cálculo deve ser feito em relação a todos os restantes dias do ano e todos os Verões dos últimos 20 anos por exemplo. Só assim podemos concluir se de facto estes acidentes são concentrados no verão ou se estão dispersos pelo ano inteiro e os jornais só relataram o verão. A nossa tendência é sempre lembrar das instâncias quando algo aconteceu esquecendo que são mais as instâncias em que esse algo não aconteceu. Por exemplo em 2014 o João apanhou 3 multas de velocidade. De facto ele não ia muito rápido, simplesmente ultrapassou em alguns poucos valores o limite de velocidade dentro duma vila e foi apanhado por uma câmara. A mulher de João criticou-o queixando-se que ele estava sempre a apanhar multas de velocidade tornando-se um perigo andar de carro com ele. Na realidade desde que o João conduz há mais de 30 anos, apenas apanhou no total 4 multas de velocidade o que faz com que as multas de 2014 sejam insignificantes em relação ao seu habitual de não apanhar multas. Ora se ele só tivesse conduzido um carro 6 vezes em toda a sua vida, essas multas seriam significativas. Isto é, 4 em 6 é preocupante. Mas se ele conduziu um carro quase todos os dias, nos últimos 30 anos ele teria tido 4 multas em 11.000 instâncias de condução. Na realidade 4 em 11.000 é um número bem insignificante! A experiência pessoal tem muitas fraquezas que serão discutidas em detalhe mais adiante da secção sobre as falácias, por isso é um método muito pouco confiável como uma forma de adquirir conhecimento. O método científico é a única forma de poder produzir resultados e conclusões com objectividade, que não são dependentes das experiências pessoais de cada indivíduo. Este método representa as experiências de mais do que uma pessoa, onde as interpretações dos resultados são cuidadosamente separados das observações. Os instrumentos são usados para fazer medições precisas e operados por pessoas treinadas na sua utilização. Um dos objectivos mais importantes deste método é eliminar ou pelo menos minimizar a influência de subjectividade nas medições. As técnicas são repetidas várias vezes para identificar se ocorreram erros e para os minimizar.

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As declarações que resultam do método científico são depois expostas ao escrutínio dos especialistas que trabalham na mesma área e se eles detectarem alguma coisa errada com o processo, então os testes devem ser repetidos até se ter a certeza que os resultados são independentes, replicáveis e livres de interesses subjectivos. Por causa deste processo metódico e controlado, muitos intelectuais defendem que o método científico é o único processo que nos pode dar uma aproximação realística da verdade. Quando se avalia o testemunho providenciado por alguém e se esse testemunho não pode ser sujeito ao método científico, então existem outros procedimentos que nos ajudam a avaliar essas declarações e decidir se queremos ou não aceitá-las. Quando as pessoas apresentam argumentos indutivos, a conclusão e as premissas são apresentadas com palavras que definem margens de erro e níveis de confiança informais como representados na caixa abaixo.

Margem de erro informal Nível de confiança informal

• por volta de… • mais ou menos… • aproximadamente… • cerca de…

• quase de certeza… • muito provavelmente… • é possível que… • há uma boa chance de…

Uma generalização feita sem colecção de amostras e baseadas apenas nas nossas experiências pessoais é uma forma de indução simples.

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Capítulo 10: QUALIDADE DOS ARGUMENTOS INDUTIVOS

Vimos que os argumentos dedutivos se classificam de acordo com a sua validade em válidos ou inválidos e e em relação à plausibilidade das premissas em sólidos ou não-sólidos. Um argumento indutivo é classificado de acordo com a sua força em forte ou fraco.

Um argumento é forte se for possível, mas extremamente improvável, que sendo as premissas verdadeiras, venhamos a obter uma conclusão falsa. Enquanto que a classificação dos argumentos dedutivos é apresenta numa dicotomia (ou é válido ou inválido; ou é sólido ou não), os argumentos indutivos têm diversos graus de plausibilidade entre os extremos forte e fraco. Um argumento indutivo pode ser mais ou menos forte, muito forte, muito fraco, mediamente fraco e por aí adiante.

Nos argumentos dedutivos as premissas provam a conclusão, nos indutivos as premissas suportam a conclusão em algum grau. Podem suportar totalmente, ou só um bocadinho. Se as premissas não dão muito suporte à conclusão do argumento, então o argumento é fraco. O objectivo dos argumentos indutivos não é a aquisição de validade mas sim obter suporte para as suas conclusões.

Na indução um argumento é considerado bom se ele atingiu os seus objectivos de convencer outros. Mas na realidade para que qualquer argumento seja bom, é preciso que ele seja dedutivamente válido e sólido e indutivamente forte.

A força dum argumento indutivo deve ser avaliada de acordo com a sua aceitabilidade, relevância e adequacia.

Força dum argumento

• Aceitabilidade • Relevância • Adequacia

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Capítulo 11: ACEITABILIDADE A aceitabilidade é uma qualidade dos argumentos indutivos. A aceitabilidade dum argumento refere-se a questões relacionadas com a verdade real das premissas. Contráriamente ao que vimos para argumentos deductivos, para que um argumento indutivo seja forte, as suas premissas precisam de ser verdadeiras no mundo real. No entanto o significado de verdade é complexo. Este conceito tem sido discutido por filósofos ao longo dos séculos e o debate continua no presente. Há quem defenda que existem verdades objectivas e verdades subjectivas, mas se algo é subjectivo será que corresponde exactamente aos eventos que se passam em redor de si? Será que existe uma verdade absoluta? Quando alguém nos apresenta um argumento indutivo a primeira questão a ser colocada deve ser: Há alguma justificação para que este argumento seja aceite? Existem vários graus de aceitação dependendo da natureza da afirmação ou proposição e do contexto em que é feita e nem sempre é realístico demandar prova. Como vimos em capítulos prévios, quando aceitamos uma proposição num argumento, ela é definida como uma declaração que só pode ser verdadeira ou falsa. Mas acabámos de dizer que em argumentos indutivos, a verdade das proposições que compõe as premissas pode ser questionável. Parece haver aqui uma incongruência. Mas esta incongruência é aparente. De facto quando alguém apresenta um argumento essa pessoa assume que as premissas usadas na indução são verdadeiras. Mas a audiência pode questionar a veracidade dessas premissas e a conclusão que deriva desse argumento. O autor do argumento propõe que a conclusão é aceitável, porque ele assumiu que as premissas eram verdadeiras (logo não falsas), mas aqueles a quem se pretende convencer podem questionar essas premissas. Na maioria dos casos apenas é possível avaliar se a conclusão do argumento é plausível, provável ou possível. A fim de determinar se um argumento é aceitável ou não devemos analisar a evidência que nos é fornecida e verificar se essa evidência é aceitável. Note que existem aqui duas intenções concorrentes; a intenção daquele que apresenta o argumento é convencer que o argumento é forte. A intenção daqueles que ouvem o argumento é avaliar as aceitabilidade das premissas e decidir se se quer deixar convencer pelo argumento proposto. Os processos que determinam a aceitabilidade dum argumento consistem em avaliar e verificar a evidência.

Aceitabilidade dum argumento Avaliação da Evidência • Credibilidade da fonte • Credibilidade dos Pressupostos

Verificação da Evidência

• Plausibilidade • Probabilidade • Critérios de verdade

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11.1. Avaliação da Evidência Alguns filósofos clamam que apenas os argumentos dedutivos podem ser provados e reservam a palavra “prova” para o domínio da lógica formal e da matemática. Eles sugerem que se fale de “evidência” em vez de prova, quando estamos a analisar a qualidade de argumentos indutivos. Num contexto legislativo, a palavra prova tem um significado absolutamente diferente do que é usado em ciência. No tribunal é preciso angariar evidência para provar um ponto para além da dúvida, por outro lado, em ciência nunca nos vemos realmente livres de dúvida. Como vimos as teorias e hipóteses são conceitos dinâmicos, mutáveis em constante adaptação à nova evidência colectada por técnicas científicas cada vez mais modernas e sofisticadas. Em ciência a evidência é acumulada através das observações de fenómenos que ocorrem no mundo natural ou sob condições experimentais controladas. Esta evidência geralmente serve para suportar ou refutar uma hipótese, mas raramente nos oferece prova de verdade porque nos é impossível saber se no futuro vamos encontrar nova evidência que ponha em causa a teoria original.

Um exemplo típico desta incerteza é a história dos cisnes brancos. Até à descoberta da Austrália pensava-se que apenas existiam cisnes brancos. Esta teoria foi considerada verdadeira até se verificar que existiam cisnes pretos na Austrália. Estes cisnes sempre existiram, mas até serem observados por alguém que trouxe essa informação para a Europa os cisnes pretos eram desconhecidos e logo teoreticamente inexistentes. Esta nova evidência criou uma necessidade de reformular a teoria para “apenas existem cisnes brancos e pretos”. Esta teoria é válida apenas até se descobrir que em algum lugar recôndito do planeta existem cisnes de outra cor. Cisnes cor-de-rosa ou verdes seriam interessantes! Na verdade não existe qualquer razão para negar a existência de cisnes verdes, azuis ou de qualquer outra cor, pois já se verificou que essas cores podem ocorrer nas penas de muitas outras aves.

Seria mais difícil aceitar a existência de leões azuis ou ovelhas verdes, já que isso são cores que nunca se observaram na pelagem dum mamífero. No entanto existem alguns primatas, como o mandril, que apresentam colorações azuis em partes específicas na sua pele. Mas é na pele, não nos pêlos!

11.1.1. Tipos de evidência Os tipos de evidência ao nosso dispor podem ser classificados de acordo com a sua natureza como

a) Oral b) Visual c) Por estudos d) Por experiências e) Por números ou estatísticas f) Por inquéritos g) Por publicações h) Por casos estudo

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11.1.2. Avaliação da evidência Ao se analisar a credibilidade dum argumento deve-se focar a nossa atenção não só na evidência oferecida, mas também na qualidade das fontes ou dos agentes que providenciam essa evidência. a). Evidência oral por testemunho dum agente

O agente é aquele ou aquilo que providencia a informação tida como evidência para o argumento. Pode ser uma pessoa, um grupo de pessoas, meios de informação social, partidos políticos, organizações religiosas, lóbi, etc. Assim a primeira questão que se deve colocar foca sobre a credibilidade do agente. Esta credibilidade pode ser afectada pelo seguinte: • Motivos. Um agente pode ter motivos escondidos para apresentar certo tipo de

informação e esconder outra que poderia ser relevante para uma análise equilibrada do argumento. De acordo com a sua motivação, é apropriada a questão, qual é a probabilidade de que este agente está a dizer a verdade?

• Percepção: Por vezes o agente pode estar a providenciar informação influenciada

pela sua percepção subjectiva dos acontecimentos, interpretada e filtrada sob o ponto de vista das suas próprias emoções sem se dar conta de que o está a fazer. Isto pode resultar em informação tendenciosa e enviesada.

• Fonte: A evidência é apresentada como fonte primária, em que o agente presenciou o

evento ele próprio, ou através de fonte secundária, onde o agente reconta o que ouviu de outrem?

Evidência primária Evidência secundária Baseia-se em: • Experiência própria • Observação pessoal • Intuição

Baseia-se em: • Testemunhos de outrem • Apelos à autoridade

• O agente: Quer a evidência seja primária ou secundária é importante verificar se o

agente demonstra nos seus motivos • Neutralidade/ Imparcialidade • Bias/tendências/enviesamento • Interesse pessoal em dizer a verdade ou em mentir • Reputação do agente E na sua capacidade de percepção devemos nos questionar se o agente • Tem boa capacidade de observação • Tem o conhecimento adequado e perícia da especialidade que clama possuir • Apresenta factos para corroborar o que diz • Apresenta evidência contraditória

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“Em religião e política, aquilo em que as pessoas acreditam e as suas convicções em quase todos os casos foram obtidas em segunda mão e sem avaliação crítica. “ Mark Twain 1835-1910

b). Evidência visual Quando a evidência é oferecida de forma fotográfica, som ou filme é importante avaliar quão bem esta evidência suporta as declarações feitas pelo argumento. Antes de mais deveremos perguntar se essa evidência:

• É relevante para o assunto em discussão? • Qual é a sua significância psrs o argumento em questão? • É selectiva? • É representativa da realidade ou foi sujeita a manipulação digital? • Há inconsistências de luz e sombra, focagem, perspectivam e escala? • Considere a possibilidade que a falta de contexto na foto pode ser enganosa

Esta foto pretende oferecer evidência para suportar um argumento sobre aquilo que comemos. A mensagem principal é uma apelo ao vegetarianismo. Para suportar esse apelo, o cartaz clama que 200 milhões de galões de água (757.082.357 litros) são usados por dia na indústria da produção animal. Para demonstrar os efeitos nefastos desta indústria compara fotos do reservatório do lago Oroville na Califórnia tiradas em 2011 onde o lago está cheio e mais tarde em 2014 onde o lago está praticamente vazio. A foto sugere que o esvaziamento desse lago se deveu ao uso dessa água para serviços à pecuária. No entanto esta foto não oferece boa evidência porque outros factores podem estar associados ao esvaziamento do lago. Por exemplo, outras industrias na área usando a mesma água podem também estar a contribuir para o efeito, em conjunção com efeitos de alterações climáticas que poderiam ter levado a uma redução da precipitação desde 2011.

c). Evidência providenciada por estudos Quando se avalia evidência providenciada por estudos, vários factores devem ser considerados:

• Data do estudo • A possibilidade de informação distorcida e tendenciosa • As ferramentas e técnicas utilizadas no estudo • Colecta de dados (cego ou duplo-cego) • Os métodos de análise estatística e número de amostras (tamanho da amostragem) • Consistência da evidência com outros conhecimentos bem estabelecidos • Replicação dos estudos e resultados • A relação entre os resultados e as conclusões • Origem do relatório; primária ou secundária

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d). Evidência obtida atravéz de experiências Em evidência providenciada por experiências deve-se ter em conta o seguinte;

• O tipo de grupo de controlo utilizado • O tamanho e representatividade do grupo a ser testado • Se os métodos de análise instrumental e estatística foram adequados

e). Evidência providenciada por números e estatísticas Em evidência providenciada em forma numérica deve-se ter em atenção se é apresentada em

• Números inteiros ou percentagens • Possibilidade de precisão falsa • Se os valores são médias, modas, ou medianas • A margem de erro • O intervalo de confiança • A precisão das representações gráficas

f). Evidência providenciada por inquéritos Quanto à informação proveniente de pesquisa por inquéritos deve-se tomar em consideração

• Que questões foram apresentadas • Que questões não foram apresentadas • Como as questões estavam ordenadas no inquérito • O palavreado usado nas questões • Quantas pessoas foram interrogadas e quantas responderam • Por quem o inquérito foi conduzido • A quem se enviaram as perguntas • Relação entre os resultados e as conclusões

g). Evidência providenciada por publicações Quando as fontes de evidência são publicações, deve ter-se em conta as mesmas questões usadas no caso de testemunho oral, mas ainda se deve considerar se o material publicado foi ou não sujeito a avaliação e examinação independente antes da publicação e se os materiais usados são primários ou secundários. Por exemplo a publicação poderá ser um sumário de publicações prévias ou uma citação. No caso de citações a publicação deve fazer referência às fontes. Se a publicação faz referência a outras publicações devemos nos questionar se a fonte original foi interpretada de modo adequado. h). Evidência providenciada por casos estudo Um caso estudo é uma estratégia de pesquisa empírica que investiga um fenómeno dentro do seu contexto real. Investigação deste tipo pode ter em conta um ou vários casos estudo e pode incluir evidência quantitativa ou qualitativa. Os casos estudo podem ser usados para criar uma hipótese ou para testar uma hipótese pré-existente. Não se deve confundir o conceito de caso estudo com o conceito de pesquisa ou investigação qualitativa. Os casos estudo são exemplos e quantos mais exemplos da mesma natureza, melhor, pois contribuem para a criação de dados quantificáveis. É preciso ter cuidado para evitar generalizações apressadas que é a tendência para generalizar para um todo, um número pequeno de observações.

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11.1.3. Evidência e Prova Nunca é demais relembrar que existe uma diferença entre os conceitos “evidência” e “prova”. Se bem que na linguagem comum a palavra “prova” seja usualmente utilizada como equivalente de “evidência”, se quisermos ser rigorosos na nossa argumentação, devemos nos restringir a usar a palavra “evidência” quando se trata de argumentos indutivos e “prova” para argumentos dedutivos. Frequentemente, em discussões sobre assuntos que mexem com as crenças de cada um, se pede para “provar” o que se diz. Por exemplo, discussões entre crentes e ateus seguem este modelo.

Crente: Deus existe Ateu: eu não acredito na existência de Deus. Prove que Deus existe! Crente: Não, prove você que Deus não existe!

Existe aqui um erro de lógica.

1. O ónus da prova cai sobre quem faz uma afirmação de existência de algo. 2. Provar a não existência de algo é um erro de lógica.

Quando se pede uma prova (em sentido da linguagem comum), estamos de facto a pedir evidência para a existência de algo. Essa evidência só é possível para coisas que existem e se manifestam no mundo real onde podem ser detectadas e eventualmente quantificadas. Eu não posso ouvir ultra-sons, no entanto com aparelhos adequados posso mostrar evidência que os ultra-sons existem.

Tentar “provar” o que não existe é ilógico porque o que não existe não pode ser identificado e há um número infinito de coisas que não existem. Como posso provar que fadas não existem? Eu posso no entanto afirmar que até à data ninguém encontrou evidência empírica e objectiva da existência de fadas. O mais radical que eu posso dizer é que até à data, e apesar de todas as histórias escritas sobre fadas, em livros onde a acção das fadas se fez sentir, não foi possível encontrar evidência real da sua existência nem das acções descritas nesses livros. Podemos usar o mesmo argumento sobre a existência dos deuses cultivados por diversas religiões ao longo desde tempos imemoriais. Logo acreditar em fadas é simplesmente uma questão de fé e como tal é uma crença que não pode ser suportada por evidência. A definição de fé é, ter uma crença em algo sem qualquer evidência para a sua existência. Assim eu posso ter fé nas virtudes dos cristais de quartzo para curar uma gripe. Eu uso a palavra fé porque estou acreditando em algo sem evidência. A partir do momento que tenho evidência de tal cura, o uso da palavra fé é inadequado porque a partir de agora passo a acreditar numa proposição verdadeira para a qual tenho evidência e uma descrição concisa e sistemática desses mecanismos de acção. Mas enquanto não tiver essa evidência apenas tenho fé. Criar um sistema cultural, político e legislativo sobre crenças do que deuses hipotéticos teriam dito, é irracional. Em assuntos sobre os quais não temos evidência, a crença de uns é tão válida como a crença de outros, logo a decisão inteligente é não adoptar a crença de ninguém e restringirmo-nos àquilo para que temos evidência e podemos mostrar que existe. Preste atenção no que está errado no seguinte diálogo:

João: Quando ninguém está a olhar, as vacas nos campos andam de pé e têm discussões filosóficas profundas. Ana: Você é louco. Como você sabe? João: Como é que eu sei? Tive uma inspiração, e li no livro sagrado das vacas gordas.

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Ana: Prove que as vacas andam em posição bipedal quando ninguém está a olhar. João: Não...prove você que elas não andam na posição bipedal e não têm discussões filosóficas quando ninguém está a ver!

Para qualquer pessoa esta discussão soa como uma conversa de loucos. Agora compare com os argumentos apresentados por crentes religiosos quando pedem a um ateu para provar a não existência do seu Deus! “As controvérsias mais selvagens são aquelas sobre assuntos para os quais não há boa evidência tanto para apoiar como para refutar.” Bertrand Russel (1872-1970)

“Aquilo que é afirmado sem provas, pode ser rejeitado sem provas.” Christopher Hitchens (1949-2011)

11.2. Verificação duma proposição Uma proposição poderá ser plausível ou provável. A diferença entre estes dois termos é importante se quisermos ser rigorosos.

Plausibilidade (Informal) Probabilidade (Formal e Informal) Quando dizemos que algo é plausível, estamos a referir-nos à possibilidade de ocorrência de certos eventos dum modo informal. Um evento pode ser plausível, mas não ocorrer. Por exemplo, a ocorrência de terramotos em Portugal é plausível, mas a sua frequência, ou o dia exacto da ocorrência é incerto. Quando algo é plausível, isso significa que poderia ser verdadeiro mas não necessariamente.

Uma probabilidade pode ser apresentada de modo formal quando é obtida a partir de cálculos estatísticos. Também pode ser apresentada duma forma informal quando se refere a um evento que sabemos ocorrer com uma certa frequência. Por exemplo, de acordo com o sabemos sobre o clima de Portugal, é muito provável que não chova durante os meses de Julho e Agosto no Alentejo.

Incerteza Possibilidade Aceitabilidade Probabilidade (formal) Certeza Estes graus de força na certeza duma afirmação podem ou não ser verificáveis. Uma afirmação, ou proposição, é verificável se podemos descrever sob que condições ela poderá ser falsa. Isto é muito importante pois está na base do método científico onde se pretende refutar a hipótese nula. Mas atenção que contrariamente ao que muita gente erroneamente pensa, ao refutar a hipótese nula não estamos a aceitar a hipótese alternativa. Quando escrevemos nos resultados finais de nossas investigações que P<0,05 estamos simplesmente a dizer que existe uma probabilidade menor que 5% (ou 5 em 100) de que a hipótese nula apresentada seja plausível. É uma probabilidade muito pequena, então posso refutá-la. Se os resultados verificarem a condição P<0,001 isto significa que a probabilidade da hipótese ser correcta é apenas 1 em 100, então eu posso rejeitar essa hipótese com uma certa segurança. No método científico quando aplicamos estatística probabilística não estamos a tentar provar a nossa teoria, mas sim testar qual é a probabilidade de que a hipótese nula seja rejeitada. Por exemplo se quero saber se um determinado tratamento A é melhor do que um tratamento B a hipótese nula estabelece que não há qualquer diferença entre os tratamentos. Se no final da pesquisa eu verifiquei que P<0,05, eu estou simplesmente a dizer que existe apenas uma

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probabilidade de 5% de que ambos os tratamentos sejam iguais e 95% de probabilidade de que eles sejam diferentes, mas isto não me diz nada sobre qual tratamento é o melhor. O valor 0,05 foi aleatoriamente escolhido pelos cientistas como uma convenção para aceitar ou refutar uma hipótese e não para a declarar verdadeira ou falsa. Para alguns pesquisadores o padrão é colocado a 0,001, isto é, rejeitamos a hipótese nula se ela for possível em apenas 1 % dos casos observados. O padrão de aceitação deve ser usado nas seguintes situações

• Quando é altamente improvável que possamos determinar a verdade • Quando é impossível determinar a verdade • Quando a asserção é de natureza não empírica

Avaliando a asserção:

• É plausível? Para poder decidir se uma asserção é ou não aceitável podemos examinar se os argumentos que a suportam são plausíveis, possíveis ou razoáveis.

• É provável? Podemos usar cálculo de probabilidades para clarificar este ponto, como descrito acima.

• É aceitável? Queremos ou não aceitar as implicações derivadas da asserção?

• É consistente? Avaliação de contradições com outras proposições necessárias à conclusão

Sumarizando, a verificação é um processo que nos permite determinar se uma proposição usada num argumento é verdadeira ou falsa.

11.3.Teorias da Verdade

A aceitação duma proposição depende da nossa prontidão para aceitar a sua veracidade. O conceito de verdade é difícil de definir, varia de pessoa para pessoa e é tão diverso quanto as correntes filosóficas que a estudam. Muitas teses foram escritas sobre o conceito de verdade, e não cabe no âmbito deste manual discutir com profundidade essas teses mas é preciso pelo menos conhecer algumas das principais abordagens ideológicas do conceito de verdade.

Os filósofos têm-se debatido por milénios sobre o conceito de verdade. Alguns dizem que será sempre impossível saber a verdade, estes são conhecidos como cépticos. Outros sugeriram várias teorias que definem o que é a verdade. As teorias mais conhecidas são descritas como Correspondência, Coerência, Pragmatismo e Semântica.

Correspondência Coerência Pragmatismo Semântica Uma declaração é verdadeira quando corresponde aos factos.

Uma declaração é verdadeira, apenas se for coerente com um sistema de crenças ou afirmações.

Uma declaração é verdadeira se tiver alguma utilidade na resolução dum problema.

A verdade é função da linguagem depende apenas se a afirmação carrega consigo informação confiável.

O processo pelo qual se determina se uma proposição é verdadeira ou falsa.

Se podemos mostrar que uma proposição é verdadeira ou falsa então foi verificada.

Verificada Falsificada Indeterminada

Se podemos mostrar que uma proposição é falsa então foi falsificada.

Se não podemos fazer verificação nem falsificação.

Verificação

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Vamos agora analisar cada uma destas teorias em detalhe.

11.3.1. Teoria da Correspondência Uma declaração é verdadeira quando corresponde aos factos. Esta é a definição mais abraçada por cientistas, mas apresenta certos problemas, nem todos os factos são percebidos pelo observador da mesma forma. Vamos pensar na cor. A cor não existe. É apenas uma percepção formada nos nossos cérebros. Os humanos têm 3 tipos de pigmentos da retina o que nos permite ver um certo número de cores, mas as pessoas que sofrem de daltonismo, e outros primatas não humanos não vêm todas as cores que uma pessoa normal vê porque só têm dois pigmentos. Assim sendo, dizer que uma rosa é vermelha não corresponde a um facto. Uma pessoa normal vê vermelha, uma pessoa com daltonismo vê uma variação de cinzento. Para um cão ou um gato crê-se que a rosa apresente uma tonalidade de cinzento.

11.3.2. Teoria da Coerência

Coerência refere-se a uma explicação consistente e abrangente de todos os factos. Para se ser coerente todos os factos devem estar arranjados de forma coesa num contexto integral. Qualquer teoria que consiga reconciliar todos estes factos deve ser verdadeira. Por exemplo, explicações religiosas para eventos do mundo real não são coerentes pois não explicam todos os factos duma forma coesa. Por exemplo, se Deus é omnipotente e tudo sabe, porque ele fica enraivecido quando os humanos fazem algo que o surpreende? Esta questão leva a um paradoxo interessante:

O Paradoxo da Omnipotência: O paradoxo da omnipotência é uma família de paradoxos que aborda duas questões específicas: 1. É logicamente possível a existência duma entidade omnipotente?

Isto implica a definição do que queremos dizer com: • Omnipotência • Poder • Lógica

2. Qual é a relação entre poder e lógica?

Se um ser omnipotente é capaz de criar uma tarefa que ele próprio não consiga executar, logo ele não tem poder para fazer tudo, então não é omnipotente! Por outro lado, se esse ser não tiver o poder para criar tal tarefa então existe algo que ele não pode fazer e por isso não é omnipotente.

O paradoxo da pedra: Um ser omnipotente pode criar uma pedra tão pesada que ele não a possa levantar? Como vemos declarações feitas com base no princípio da omnipotência não podem ser verdadeiras porque não cumprem o princípio da coerência. Mas o princípio da coerência também afirma que uma declaração é verdadeira, apenas se for coerente com um sistema de crenças ou afirmações. Esta teoria apresenta certos problemas. Eu posso construir um sistema de crenças absolutamente fantástico e fazer com que todos os eventos ocorridos dentro desse universo sejam verdadeiros. Por exemplo se falamos

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dum universo de mágica onde a resolução de todos os problemas podem ser obtidos através do balançar duma varinha de condão, então todos os eventos que acontecem por mágica resultante dessa varinha são coerentes com o sistema de crenças, mas não necessariamente verdadeiros no mundo real. Um bom exemplo para a falta de coerência duma teoria é a homeopatia, que assenta no princípio de que a água retém uma memória dos produtos que nela foram dissolvidos. Este processo assenta na produção duma solução que inclui algum princípio activo e depois essa solução é diluída em quantidades tão grandes que no fim, não existe uma única molécula do produto original. Assume-se então que a água guardou “ a memória” dessa molécula e acaba fazendo bem ao paciente. O problema desta teoria é que se água tem memória, então a água que bebemos e é reciclada, também tem memória das urinas e fezes de milhões de pessoas que habitam uma cidade. Para esta teoria ser coerente essas moléculas estariam na memória da água e teriam que nos fazer mal.

Coerência e coesão As palavras coerência e coesão podem ser confundidas. É importante entender os seus significados nesta discussão. • Coerência refere-se às ligações lógicas que se fazem num argumento • Coesão refere-se ao uso de expressões, ou palavras de uma forma repetitiva para

mostra como partes do argumento se relacionam uma com a outra. Em argumentos literários, ou formas de expressão enfática, o orador/escritor tenta evitar a repetição das mesmas palavras usando equivalentes que dão expressão ao texto mas não necessariamente coesão, mas em argumentos que pretendem definir ou convencer de algo, é importante definir as palavras usadas e continuar a usá-las de forma repetitiva. Isto é importante em argumentos científicos. É conveniente usar sempre as mesmas palavras que definem os conceitos de que estamos a tratar. Por exemplo, eu posso afirmar que este texto é chato, e mais adiante classificá-lo como aborrecido, ou desinteressante. Estes são termos equivalentes que servem para uma conversa informal, mas para uma análise mais séria do texto eu teria que definir as pequenas variações e diferenças de cada palavra usada e ser consistente no seu uso para dar coesão à ideia.

11.3.3. Teoria Pragmática

Assume que uma declaração é verdadeira se tiver alguma utilidade na resolução dum problema. Assim sendo se matar Palestinianos resolve os problemas de Israel, então esse argumento seria verdadeiro. Está evidente que esta teoria pode trazer muitos problemas.

11.3.4. Teoria Semântica

Assume a verdade como função da linguagem dependendo apenas se a afirmação carrega consigo informação confiável.

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11.4. Critérios da verdade A tabela da página 78 apresenta de forma muito resumida os critérios que se usam para estabelecer a verdade duma proposição. Os critérios da verdade são regras ou padrões que se usam para avaliar a precisão das afirmações que se fazem. As regras da lógica formal só por si não têm poder para determinar se uma afirmação ou uma premissa é verdadeira ou falsa. Existem critérios que são válidos e outros que não são inválidos. Para um critério ser válido ele deve passar o teste da universalidade. Os critérios que não passam esse teste não são válidos, logo não são bons critérios para assegurar que o que se clama é verdadeiro. O teste da universalidade avalia se o critério se aplica em todas as situações ou só apenas a alguns casos particulares. Assim temos dois tipos de critérios. Os critérios válidos são aqueles que passam o teste da universalidade, i.e. podem aplicar-se universalmente em todas as situações. Os critérios inválidos não passam o teste da universalidade e aplicam-se apenas a situações delimitadas. O quadro na página seguinte apresenta de forma muito sumarizada os diversos critérios utilizados na avaliação da verdade duma afirmação. Não confunda Consensus gentium com Senso Comum O Consensus gentium é apresentado como um critério que não satisfaz o requerimento da universalidade. Este conceito sugere que existe um consenso comum entre as pessoas com uma determinada homogeneidade cultural. Consenso popular é diferente de senso comum. O consenso popular refere-se ao consentimento comum enquanto que o senso comum refere-se à capacidade natural de detectar, perceber e julgar coisas, eventos ou situações. O senso comum é uma característica psicológica que é compartilhada por todos os humanos. Por exemplo, todos nos apercebemos que as coisas caem de cima para baixo, ou que os animais são diferentes das pedras porque são animados, têm vida, precisam de alimento e água para continuar a viver, por outro lado as pedras precisam de uma força externa, para as colocar em movimento. Logo, é senso comum alimentar um animal e não uma pedra se a nossa intenção é prolongar a sua existência. O senso comum poderá eventualmente estar na raiz de algumas instâncias de consenso popular ou Consensus gentium. Por exemplo, é senso comum não andar a bater indiscriminadamente nas pessoas que passam na rua. Daqui resulta um consenso popular que ninguém espera levar uma tareia sem qualquer razão de algum louco que passou ao lado que simplesmente não gostou da cor das suas calças. Noutras situações o senso comum é inconsistente com o consenso popular. Por exemplo é senso comum rejeitar crueldade contra animais indefesos, mas existe um consenso popular em países onde decorrerem torturas publicas de animais sencientes em espectáculos chamados touradas, que a tradição deve ser mantida. Aqui o consenso popular não é coerente nem consistente com o senso comum. Então é fácil de ver que se bem que o senso comum possa influenciar o que é consenso popular o inverso não é necessariamente equivalente. Nem sempre o consenso popular é senso comum. É senso comum não infringir sofrimento nas crianças, mas o consensus gentium de certos grupos islâmicos requer que se execute a remoção do clitóris em meninas de 5 anos, sem anestesia e quaisquer condições de assepsia. A aceitação de eventos que violam as leis da natureza não faz parte do senso comum. Ninguém espera ver um cubo de gelo se consumir em fogo, ou se encontramos alguém que nos diz que fala regularmente com Napoleão Bonaparte, a nossa tendência é concluir que esta pessoa tem algum problema mental. A inconsistência surge quando se rejeita o argumento de que uma pessoa possa se envolver num animado diálogo com Napoleão, mas aceita-se que o interlocutor seja uma figura divina, um santo ou um profeta. A aceitação de profetas que têm uma linha directa de conversação com Deus, é parte da cultura de muitas

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sociedades e por ser um conceito tão largamente aceite é considerado Consensus gentium, mas não necessariamente senso comum. Hoje em dia, o termo “senso comum” é frequentemente usado como uma figura de retórica, em argumentos falaciosos baseados em apelos à autoridade anónima, à tradição, ou à popularidade (veja a secção das falácias). Qualquer argumento que apele ao senso comum, deve primeiro definir claramente o que se entende por “senso comum” e se esse conceito é relevante para dar suporte ao argumento. Atribui-se a Einstein esta quota “ O senso comum é a colecção de preconceitos adquiridos pela idade dos 18 anos”. Qualquer argumento que apele ao consensus gentium também deve ser analisado com cuidado. Por exemplo o argumento, “toda a gente acredita em X; então X deve ser verdadeiro” não tem qualquer suporte racional.

11.5. Racionalistas vs. Empiristas: Uma batalha filosófica? Como já se disse, o estudo da verdade é uma área que tem ocupado as mentes dos filósofos ao longo dos séculos, e não cabe no âmbito deste livro nos debruçarmos sobre a história da filosofia mas é importante saber que existem duas correntes filosóficas competidoras; o racionalismo e o empirismo. A disputa entre o racionalismo e o empirismo é uma discussão que tem lugar dentro duma área específica da filosofia chamada epistemologia. A epistemologia é um ramo da filosofia que se dedica ao estudo da natureza, origem e limites do nosso conhecimento e propõe as seguintes questões:

• Como podemos saber se uma determinada proposição é verdadeira? • Como podemos adquirir conhecimento? • Quais são os limites do nosso conhecimento?

Enquanto que os Racionalistas clamam que o conhecimento da verdade pode ser adquirido através do puro acto de raciocínio, os Empiristas insistem que apenas através dos sentidos podemos saber o que é verdadeiro. Os Racionalistas apostam na lógica e os Empiristas na aquisição de evidência. Estas duas posições não precisam de ser opostas. De facto elas complementam-se e só entram em conflito quando são formuladas sobre o mesmo objecto como por exemplo o conceito de Deus, consciência, a relação entre a mente e o corpo, ou a física quântica. Estes conceitos por si só são vagos e pouco claros porque admitem várias interpretações. Existem filósofos que se identificam com ambas as correntes dependendo do assunto sob discussão. Não é muito produtivo definir uma atitude intelectual como empirista ou racionalista, mas é importante tomar consciência de quando os nossos argumentos oferecem a uma determinada conclusão seguindo uma linha de raciocínio empirista ou racionalista.

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Racionalistas Empiristas O conhecimento da verdade pode ser adquirido através de puro raciocínio

• Descartes • Spinoza • Leibniz

Clamam que há casos em que os nossos conceitos de conhecimento são melhores do que a informação adquirida pelos nossos sentidos. A razão providência informação adicional sobre o mundo que nos rodeia.

O conhecimento da verdade pode ser adquirido apenas através dos sentidos

• Locke • Berkeley • Hume

Providenciam exemplos de instâncias de como a experiência suporta a informação referida pelos Racionalistas. Frequentemente optam por cepticismo como uma alternativa ao racionalismo. Atacam as explicações e exemplos dos racionalistas quando eles tentam explicar que a razão é a fonte do conhecimento.

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Critérios Válidos Critérios Inválidos Validade A verdade pode ser atribuída a

julgamentos que são expressos como proposições que estabelecem a concordância ou falta dela, entre duas ou mais ideias.

Consensus gentium

Consensus gentium assume que se todos os humanos, ou pelo menos uma grande parte deles, abraçarem uma crença particular, então ela deve ser verdadeira. Este critério pode ter algum valor apenas se se trata de leis da lógica ou matemática, mas se este critério se refere simplesmente a concordância sobre uma determinada crença, o seu valor é questionável.

Evidência de certeza (axiomas)

Algumas verdades são auto-evidentes. São imediatamente óbvias. Por exemplo é óbvio que a gravidade atrai os corpos.

Costume O costume é baseado no pressuposto que

se se fizer o que é costume evita-se o erro. O problema aparece quando o costume é o próprio erro!

Coerência

Quando não há contradições e todos os factos apresentados são consistentes e abrangem todos os elementos da narrativa.

Tradição Este critério assume que aquilo que foi

herdado de geração em geração é verdadeiro.

Correspon-dência

Quando uma afirmação corresponde aos factos observados

Emoções Muitas pessoas deixam que as suas

emoções controlem o seu julgamento de situações ou eventos. Quando estão perante evidência em contrário das suas crenças, as suas emoções ignoram essa evidência.

Consistência Mera consistência refere-se a afirmações que quando correctas não se contradizem, mas não estão necessariamente relacionadas. Este critério pode ser problemático quando usado isolado, porque trata os factos de uma forma isolada sem verdadeira coesão ou integração.

Instinto Instintos, ou “feelings” não podem ser

aceites como um critério válido porque são subjectivos, vagos, indistintos, e difícil de definir. Cada pessoa tem instintos diferentes sobre o mesmo evento, logo este critério não passa o teste da universalidade.

Consistência estrita quando as afirmações estão interligadas de tal modo que uma segue da outra. A lógica formal e as regras matemáticas são exemplos de consistência rigorosa.

Intuição É uma avaliação sem qualquer exame

racional dos factos. O saber intuitivo requer que seja testado através de outros critérios de verdade de modo a confirmar a sua precisão.

Regra da maioria

Quando se usam métodos estatísticos para aceitar ou rejeitar propostas e afirmações.

Revelação Revelação é frequentemente descrita como

a verdade que vem dos deuses. Este é um tipo de informação que é subjective e frequentemente resultante de alterações do sistema de percepção do indivíduo. Frequentemente resulta de episódios epilépticos ou esquizofrenia.

Realismo Naïve

Assume que apenas aquilo que é observável pelos sentidos dos humanos, é verdadeiro.

Pragmatismo Se uma ideia funciona, então deve ser

verdadeira.

Tempo Este critério assume que se um conceito resistiu ao tempo e se mantém vivo, então deve ser verdadeiro.

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Capítulo 12: RELEVÂNCIA Para que um argumento indutivo seja forte, as premissas devem ser relevantes para a conclusão. Erros de relevância podem ser consistir em;

• tomar em consideração a fonte do argumento em vez do próprio argumento • apelo à autoridade • impropriedade • sair do tópico • inserir premissas que nada têm a ver com o argumento

Imagine que Carina é candidata a directora numa eleição da escola. Apresentam-se três razões por que se vote nela. 1-Devemos votar na Carina porque ela é honesta, está bem informada e tem conhecimento sobre os assuntos da escola. 2-Devemos votar na Carina porque a mãe dela era professora de matemática nesta escola. 3-Devemos votar na Carina porque ela é a única candidata que é mulher. Neste exemplo apenas o argumento 1 é aceitável porque as premissas que o suportam, são relevantes para a Carina ser eleita. O facto de que a mãe dela foi professora de matemática é irrelevante para o argumento. E o sexo da Carina só é relevante se os requisitos da escola impuserem certas condições, por exemplo que o sexo da pessoa que está na direcção seja representativo do sexo da maioria dos trabalhadores e alunos dessas escolas. Este tipo de argumento é frequentemente usado em formas de descriminação positiva ou negativa onde os indivíduos são seleccionados a favor ou contra, devido a características que nada têm que ver com os critérios de selecção. Imagine que um grupo de pessoas está a concorrer para entrar numa certa universidade. Essa universidade requer que os candidatos tenham notas de exame acima dum certo valor. A descriminação negativa impede o acesso a pessoas que, apesar de ter atingido esse valor são de raça, sexo, religião, preferências sexuais não desejáveis nessa universidade. A descriminação positiva abre vagas para as pessoas que mesmo não tendo atingido o valor requerido no exame, são de raça, sexo, religião ou preferências sexuais desejáveis. Estas são características que nada têm que ver com o critério de selecção. Se o critério é apenas baseado na nota, então a raça, sexo, religião, preferências sexuais são irrelevantes.

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Capítulo 13: ADEQUACIA Aceitabilidade e relevância são dois critérios que se apresentam como dualidades, isto é; um argumento é aceitável ou não. Também é relevante ou não. Mas podemos identificar vários graus de adequacia. Se as premissas são inadequadas ou irrelevantes, não temos qualquer razão para aceitar a conclusão do argumento como sendo verdadeira. Mas se as premissas são inadequadas, mesmo assim podem dar algum grau de suporte para a conclusão, mesmo que este suporte seja demasiado fraco para tornar a conclusão aceitável.

13.1. Critérios de adequacia Adequacia vêm em graus e é responsável pela determinação da força lógica do argumento. Como vimos um argumento indutivo classifica-se em forte ou fraco e pode variar entre muito forte, pouco fraco, ou assim-assim ou mais ou menos. Quando se analisa a adequacia dum argumento é preciso ter em conta:

• A força da conclusão • A força das premissas que suportam essa conclusão • As consequências se a conclusão for falsa

Conclusões muito fortes, do tipo que fazem declarações sobre se um evento vai acontecer ou não, têm maior probabilidade de ter suporte inadequado do que conclusões mais fracas que fazem declarações sobre eventos que poderiam acontecer ou ter acontecido. Isto é, quanto maior é a certeza oferecida na conclusão, maior é a probabilidade de errar nas premissas que a suportam. Maria está à espera de João no aeroporto de Lisboa. João saiu de Londres às 8:00 da manhã. Se Maria disser “tenho a certeza que ele chega às 10:45”, ela está a oferecer um argumento forte. Argumentos fortes dependem de premissas que assentam em pressupostos fortes que garantem que o avião não se vai atrasar, não vai haver uma greve de controladores de voo em França, que as condições meteorológicas não vão influenciar a velocidade e trajectória da aeronave, etc. Mas se a conclusão for fraca do tipo “ele provavelmente chega por volta das 10:45”, as premissas que dependem de todos esses factores variáveis, já podem suportar a conclusão, a não ser que haja a tal greve habitual em tempo de férias dos controladores de voo na França! Aí não há argumento que resista! Se a conclusão for falsa, porque as premissas eram muito fracas, podem surgir consequências indesejáveis. Por exemplo na realidade ele não chegou por volta das 10:45, mas chegou só às 18:46. Isso levou com que eu acabasse pagando uma quantidade exorbitante no estacionamento do aeroporto. Ou imaginemos que ele só chegou no dia seguinte. Isso implicou uma nova viagem ao aeroporto, ou perda da reserva da noite no hotel. Uma forma de ajudar a prever se a conclusão será falsa, é procurar contra-exemplos duma conclusão verdadeira. Assim a adequacia duma conclusão pode ser medida pelo uso de palavras to tipo:

• É certo que/ tenho a certeza que… • Absolutamente • Quase • Um bocadinho • Provavelmente • Possivelmente

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13.2. Apelo à autoridade O apelo à autoridade é uma falácia que será discutida em detalhe na segunda parte deste livro mas é importante referir esta falácia no contexto da análise da adequacia das premissas dum argumento. Imagine que alguém está a discutir se o aborto deve ou não ser legalizado. Alguém em favor da legalização pode dizer “Até o Einstein era a favor”. Isto é o que define apelo à autoridade. A pessoa traz para o argumento alguém famoso numa certa área científica que não tem nada a ver com aquilo que se discute. É irrelevante o que Einstein pensava sobre o aborto, porque a sua autoridade refere-se à física quântica e não filosofia moral. O apelo à autoridade é o mecanismo usado pela publicidade que clama que 9 em cada 10 médicos sugerem este produto, ou que uma celebridade endossa este ou aquele produto da moda. É possível que 9 desses 10 médicos estejam errados! Para que o apelo à autoridade não seja uma falácia, é preciso que

• essa autoridade seja identificada • essa autoridade seja algum perito reconhecido no assunto do argumento • o assunto particular em discussão deve ser parte do interesse principal dessa

autoridade • que haja consenso entre os especialistas da área da qual essa autoridade é citada

13.3. O uso de analogias Como já vimos o raciocínio analógico é uma forma comum de apresentar argumentos mas é preciso ter cuidado com estes tipos de argumento porque as analogias utilizadas podem ser inadequadas para o ponto que queremos fazer. Num argumento que usa analogias derivamos uma inferência sobre uma propriedade desconhecida duma coisa B baseando-nos numa propriedade similar encontrada na coisa conhecida A. Neste tipo de argumentos é preciso ter em consideração a força da analogia. Frequentemente uma semelhança não basta. É necessário haver uma série de semelhanças relevantes e poucas diferenças entre o modelo e o objecto que é comparado. Os biólogos que trabalham com taxonomia estão bem conscientes deste tipo de raciocínio. Cada vez que se encontra um organismo novo, previamente desconhecido, é preciso usar de raciocínio analógico para poder classificar esse organismo e o incluir num grupo que tenha semelhanças com algum grupo taxionómico já existente. Se o organismo é diferente em todos os aspectos por vezes é necessário criar uma categoria nova para o poder acomodar, por isso existem alguns Filos que contém apenas uma espécie.

13.4. Apelo à ignorância (Argumentum ad ignorantium ) Apelos à ignorância clamam que a conclusão é verdadeira porque não se conseguiu provar que era falsa. Este argumento também assume o contrário; só porque ninguém ainda conseguiu provar que algo ainda não foi confirmado verdadeiro, então deve ser falso. Por exemplo: Já que não podes provar que fantasmas não existem, então eles devem existir Já que não podes provar que fantasmas existem, então eles não devem existir

~P -> Q P-> ~Q

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Como se pode ver, só porque uma proposição não é provável, não faz o seu oposto verdadeiro. Existem casos no entanto onde o apelo à ignorância pode ser relevante, mas podem ser apenas adequados se forem suportados por premissas adicionais. No caso de termos alguma evidência de que a conclusão é verdadeira mas não temos evidência de que é falsa, por vezes esta falta de evidência sobre a sua falsidade pode providenciar algum suporte adicional especialmente quando se demostra que uma procura de evidência que falsifique o argumento tem sido diligentemente organizada e posta em acção. Isto é o que se faz em ciência; procura-se evidência que possa falsificar a nossa hipótese. Se não encontrarmos nada que a falsifique então poderemos dizer que após vários testes e procuras, é altamente provável que o nosso argumento seja verdadeiro. Mas note que eu disse provável, não disse certo. Eu posso argumentar que para além dos seres humanos que habitam o planeta Terra, não há vida inteligente, no nosso sistema solar, pois apesar de todos os esforços para encontrar essa vida inteligente, não encontrámos nenhuns vestígios, sinais ou evidência. Este argumento pode escrever-se do seguinte modo: P= vida inteligente U= Sistema Solar

Afirmação ~P em U = não há vida inteligente no nosso sistema solar Falsificação P em U? = há vida inteligente no nosso sistema solar? Observação ~P em U = não há evidência de vida inteligente no nosso sistema solar

Pelas observações posso dizer que até à data a afirmação “há vida inteligente no nosso sistema solar, para além da existente no planeta Terra” é falsa. Neste caso o apelo à ignorância pode ter alguma função no suporte do argumento, desde que se demonstre que foram feitos esforços para verificar se o postulado contrário era falso.

13.5. Falácias causais

• Falácia da ladeira escorregadia Esta falácia tanto pode ser considerada uma falácia causal, como uma falácia de falta de evidência para justificar as causas sugeridas. Será discutida em detalhe mais à frente na secção das falácias.

• Explicações Post hoc

Numa das Fábulas de Esopo, um galo concluiu o seguinte: “Todas as manhãs sem falhar, o sol aparece no horizonte alguns minutos depois de eu cantar. Eu devo ser a criatura mais poderosa do mundo, já que faço o sol se levantar todos os dias”.

O argumento assume que qualquer evento que acontece depois de A é causado por A quando na verdade, existe apenas uma associação por coincidência.

• Confusão da causa com o efeito Esta falácia é semelhante à explicação Post-hoc, mas neste caso existe realmente uma relação entre causa e efeito, só que o efeito é erroneamente tomado como sendo a causa. “Quase toda a gente morre num hospital, logo os hospitais são lugares perigosos.“ Esta é uma falácia de confusão da causa com o efeito. A razão porque as

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pessoas morrem nos hospitais é que quando para lá vão, já não estão em boas condições de saúde. Uma certa pesquisa concluiu que fazer sexo regularmente era bom para a saúde porque os investigadores encontraram uma correlação positiva entre sexo e saúde, mas essa correlação também pode indicar que são as pessoas que têm boa saúde que fazem mais sexo. Iremos discutir mais à frente que correlação não é sinónimo de causação.

• Causa comum

Também pode acontecer que dois eventos que têm uma tendência a ocorrer juntos não sejam necessariamente a causa um do outro. Veja este exemplo: “Estudos recentes mostraram que as pessoas que são vistas como bem-sucedidas na vida, têm um vocabulário maior do que a média. Isto não acontece por acaso pois tendo um vocabulário excelente é um factor importante para produzir sucesso”.

A causa comum é que geralmente quem é bem-sucedido na vida tem uma boa educação e logo um vocabulário mais extenso. Não é o vocabulário que causa o sucesso, mas ser bem visto mais ter esse vocabulário podem sem duas condições que levam ao sucesso.

Resumindo, a fim de avaliar a adequacia das premissas é importante verificar se ocorrem falácias no processo de argumentação. Estas falácias serão discutidas em detalhe na segunda parte deste livro.

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Capítulo 14: RACIOCÍNIO ABDUTIVO O raciocínio abdutivo é o processo pelo qual se adopta uma hipótese que explica as observações feitas e consiste de duas operações:

1. A formulação de hipótese plausíveis 2. A selecção de hipótese plausíveis dentro de todas as hipóteses possíveis

Por exemplo, tendo perdido os meus óculos, procurei por toda a casa e não os encontrei. Pergunto-me o que aconteceu aos óculos? Começo por formular algumas hipóteses. Deixei em casa da vizinha? Perdi na rua? Mas agora os óculos aparecem sobre a mesa da cozinha e fico intrigada. Como os óculos apareceram sem eu lhes tocar? Começo a formular hipóteses: H1. A vizinha trouxe os óculos e deixou-os em cima da mesa quando eu não estava H2: Eu coloquei os óculos na mesa e não os vi da primeira vez que os procurei H3: Uma fada fez aparecer os óculos depois de eu lhe rezar uma oração. H4: Um Marciano roubou-me os óculos para análise e voltou a colocar sobre a mesa por artes de teletransporte. H5: Um milagre De todas estas hipóteses é fácil identificar quais as que são plausíveis e as que não são. Só me resta escolher uma hipótese plausível, provavelmente H1 ou H2. Para ter a certeza tenho que testar ambas e confirmar qual é a conclusão verdadeira. Uma hipótese para ser plausível dever ser testável. Raciocínio abdutivo é o processo de raciocinar até se encontrarem as melhores explicações para os fenómenos observados. Noutras palavras, é o processo que começa na observação dum conjunto de factos e deriva uma explicação provável para os esclarecer. A palavra “abdução” por vezes é usada com o seguinte sentido: “produção de hipóteses para explicar observações ou conclusões”.

14.1. Hipóteses, teorias e modelos Frequentemente as palavras hipótese e teoria são usadas como equivalentes, mas existem diferenças importantes que devem ser esclarecidas. Hipótese

Uma hipótese é uma explicação que se propõe para explicar um fenómeno observável. Por exemplo, quando se ouvem ruídos numa casa velha à noite podemos colocar várias hipótese; são os canos a estalar com o arrefecimento da temperatura, são as tábuas a readaptar-se a possíveis movimentos da casa devido a alterações geológicas do solo, são fantasmas. Cada uma destas sugestões oferece uma hipótese para explicar esses sons. Qual será a menos plausível? O método científico requer que após serem feitas diversas observações dum fenómeno que se repete, deve-se criar uma hipótese plausível.

Para uma hipótese ser considerada científica, precisa de ser testável

Isto significa que se eu oferecer hipóteses que são impossíveis de testar, a hipótese não é científica, efectivamente nem se deve tomar em consideração, pois não passa duma crença pessoal, subjectiva e por isso sujeita a desafio. Por exemplo explicar fenómenos como a intervenção de fantasmas, fadas, Deus ou milagres não são hipóteses científicas e por isso são susceptíveis ao questionamento e analise critica.

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A necessidade de fazer testes serve para aceitar ou rejeitar a hipótese. Se os resultados dos testes mostram que a hipótese proposta não serve, então deve-se rejeitar a hipótese e criar outra que seja mais coerente com os resultados das observações dos testes. Em face dos resultados obtidos devemos sempre avaliar se a hipótese serve ou não. Se não servir deve-se abandonar a hipótese, mas nunca modificar os resultados ou a evidência para se encaixarem na hipótese.

Teoria

A definição de teoria varia de acordo com o enquadramento do objecto de estudo. Nas humanísticas e ciências sociais podemos encontrar teorias que se referem a ideias. Por exemplo em filosofia a teoria da mente formula ideias sobre o que é a mente, mas testar essas teorias é do fórum da neurobiologia. Uma teoria filosófica não é necessariamente testável através de experimentação. Pode se chegar a uma conclusão usando simplesmente o método dedutivo. A ciência é baseada no método indutivo com ajuda da dedução. A abordagem filosófica pode ajudar muito na formulação de questões no domínio científico, mas a filosofia não faz testes de colheita de dados. Uma teoria propõe um princípio, ou conjunto de princípios que explicam uma classe de fenómenos. Uma teoria científica, também conhecida como teoria empírica é uma colecção de conceitos sobre fenómenos observáveis expresso em propriedades quantificáveis. Também inclui regras ou declarações de leis científicas ou naturais que ocorrem no universo mensurável. Uma teoria empírica expressa relações entre as observações feitas e esses conceitos. Uma teoria empírica evolve à medida que a informação e os dados sobre o fenómeno em observação, se acumulam. Inclui dedução e indução, onde o seu conteúdo é composto por dados empíricos, colectados da vida real, evidência.

Frequentemente os oponentes de certas teorias tentam refutá-las ou assumem a sua insignificância ao clamar que é apenas uma teoria. Este é um dos argumentos frequentemente usado pelos Criacionistas e defensores de Design Inteligente para refutar a Teoria da Evolução. Esta rejeição da evolução apenas enfatiza a ignorância destas pessoas relativamente ao conceito de teoria, porque uma teoria científica tem dois pilares essenciais:

1. Propõe uma hipótese testável 2. Depois de confirmação da hipótese, propõe um modelo explicativo duma realidade.

Uma teoria científica ou empírica propõe um modelo que explica como a realidade está organizada e quais os mecanismos que operam nessa realidade.

Assim uma teoria científica oferece um enquadramento para se compreender a realidade mostrando como esses fenómenos estão organizados e relacionados como num puzzle. São ferramentas que nos ajudam a compreender a estrutura e natureza da realidade.

A diferença entre hipótese e teoria é que, uma hipótese é uma proposta provisória até se obter confirmação. Uma teoria pode propor um modelo explicativo de algo que já se sabe ser verdadeiro. O raciocínio abdutivo, ou abdução é o processo que vai da descrição dum fenómeno à formulação de teorias e hipóteses a partir de observações de eventos, usando dados confiáveis e colectando evidência significativa para esse fenómeno. Por exemplo, se eu estou a tentar explicar porque os chimpanzés usam pedras para partir nozes, não tenho interesse em colher evidência sobre as variações climáticas da zona. Se o meu foco incide sobre a capacidade cognitiva do animal, não devo complicar a teoria

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com a introdução de factores ecológicos. Essa informação pode ser importante, mas para responder a outras questões absolutamente diferentes, por exemplo, porquê que os chimpanzés comem nozes e não como os chimpanzés partem as nozes. São duas questões diferentes que requerem colecta de dados diferentes para responder a cada questão. Se estou interessada em saber como um vitelo se sente quando está preso por uma corrente, não interessa para a minha teoria que o dono queira tirar proveito financeiro do animal. São dois assuntos diferentes. O assunto de meu interesse foca no bem-estar e estado mental do animal e não nos objectivos do dono. Deve-se evitar introduzir informação irrelevante na formulação da explicação. Manter as explicações simples e claras é princípio que foi originalmente enunciado pelo monge William de Ockham no século 14, e é por isso é conhecido como a Lâmina de Ockham. É um princípio baseado no uso de parcimónia na produção de explicações de fenómenos. Se houver uma explicação mais simples, deve sempre optar-se por essa via.

Veja este exemplo:

P1=Observação 1: Hoje de manhã a relva estava molhada. P2=Pressuposto : Choveu ontem à noite Teoria: Se a relva estava molhada é lógico que choveu ontem à noite.

Note que a chuva foi condição suficiente para a relva estar molhada. Mas não é condição necessária. Podia ter sido o regador automático que disparou durante a noite e molhou a relva. Fazer uma abdução envolve determinar o que é suficiente mas não necessário. Raciocínio abdutivo de P para Q inclui não apenas a determinação de que Q é suficiente mas também que dentro de todas as explicações possíveis, Q é a explicação mais simples (que requer menos premissas) para a ocorrência de P. O uso de simplificação e economia é conhecido como o salto da abdução. Abdução é um dos muitos métodos possíveis para dar suporte a uma hipótese.

Como vimos, uma hipótese é um princípio ou declaração que, sendo verdadeiro, explica o evento ou situação a que se refere. Para testar a verdade duma hipótese usa-se um procedimento que inclui dois estágios:

1. A hipótese sugere uma previsão empírica de que diz “sob certas circunstâncias este

facto será observado” 2. Daqui se progride para fazer observações para ver se as nossas predições são

verdadeiras ou falsas. Este argumento tem a seguinte forma

Se H então O O Logo H é provável

H = Hipótese O = Observação

Existem algumas fraquezas com este método de indução que se relacionam com os processos estatísticos acima discutidos. Deveremos sempre ter presentes estas duas questões:

1. O número de instâncias confirmatórias* é suficientemente grande? 2. Existem algumas instâncias que refutam a hipótese?

*Uma instância confirmatória ocorre quando as observações concordam com a previsão

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Dedução Indução Abdução Na dedução as premissas garantem a verdade da conclusão.

A indução é um processo de generalização a partir de exemplos ou amostras. A conclusão é provável.

A abdução é um processo que oferece explicações e as premissas não garantem que a conclusão é verdadeira.

Modelo

A palavra modelo é usada em diversos contextos. Por exemplo um modelo dum avião, é uma versão do objecto original numa escala reduzida. As semelhanças com o objecto real são importantes. Por exemplo um modelo dum Boing 747 não representa o Concorde. Mas o detalhe do modelo também é importante. É raro o modelo dum Concorde apresentar em versão reduzida todos os motores e mecanismos que fazer operar o avião. O modelo enfatiza algumas características (forma, cor, proporções, etc.) em detrimento de outras (os motores, a electrónica). Os modelos matemáticos são também tentativas de representação de fenómenos complexos, mas duma forma mais simplificada.

Em ecologia fazem-se muitos modelos, a fim de se tentar compreender como os diferentes factores da biosfera interagem uns com uns outros. A figura representa um modelo simples do ciclo da água. A partir deste modelo simples, podemos adicionar valores colectados por amostragem e tornar o modelo cada vez mais complexo de modo a representar os eventos da biosfera duma forma mais próxima da realidade.

14.2. Explicações Já vimos que o raciocínio abdutivo é usado para oferecer e inferir explicações para uma situação ou observação específica, por isso abdução é geralmente definida como “inferência até à melhor explicação”. É importante lembrar que abdução é uma forma de raciocínio não dedutivo. Quando observamos um fenómeno, procuramos na nossa mente assim como em outras fontes, informação que nos ajude a compreender um evento. Muitas vezes estas explicações são baseadas em teorias previamente formuladas.

Uma explicação expõe as causas do evento ou da observação, mas não tenta nos convencer da sua verdade. Apenas expõe porquê as coisas são como são. Por exemplo a explicação porque o sol se levanta todas as manhãs a nascente e se põe a poente, assume que uma série de pressupostos sejam verdadeiros. Que a Terra é uma esfera que gira em torno de si própria, que esse giro tem uma duração de 24h, que também gira em torno do Sol. Todos estes pressupostos são aceites como verdadeiros, e a explicação assenta sobre eles para descrever o fenómeno.

Quando as crianças do hemisfério norte aprendem que a Terra é uma esfera e que tem gente a morar no hemisfério sul, muitas ficam intrigadas e perguntam porque os Australianos não

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caem para fora do planeta. Aí é preciso explicar o conceito da gravidade antes de explicar porque os Australianos e os Pinguins Imperadores da Antártica não são disparados na imensidão do espaço. Mas outras pessoas com menos paciência (ou talvez mais ignorância), simplesmente se limitariam a dizer que existe uma força mágica os mantém colados ao planeta. A força mágica é outra tentativa de explicação, mas á medida que a curiosidade da criança aumenta e a sua capacidade cognitiva se desenvolve, a certa altura ela irá perguntar quais são os mecanismos que operam nessa força mágica. Algumas pessoas podem dizer que existe um feiticeiro sentado numa nuvem a balançar uma varinha mágica que controla essas forças, outros poderão recorrer a explicações do tipo “essas forças são mistérios não acessíveis ao entendimento humano”, mas existem também pessoas que não se contentam com tais explicações. A sua curiosidade move o engenho intelectual e promove a investigação destes mecanismos “misteriosos”, formulando e testando hipóteses com observações, colhendo evidência da realidade, enfim, procurando a verdade. Enquanto que a explicação por si só não é um argumento, o processo de inferência para a melhor explicação, isto é, o raciocínio abdutivo, é um argumento. Assim sendo precisamos de padrões para determinar quando a inferência para a melhor explicação é um bom argumento. Uma boa explicação tem que ser compatível com todos os factos e não apenas com os particulares que tenta explicar. Na abdução, esta explicação leva à criação duma hipótese.

14.2.1. Explicação, Clarificação e Definição É preciso tomar atenção que existe uma diferença entre os termos, explicação, clarificação e definição.

Explicação Clarificação Definição Uma explicação não é um argumento. Ela explica as causas dum evento mas não tenta convencer da sua verdade. Apenas explica como as coisas são o que são.

Uma clarificação consiste num conjunto de explicações, muitas vezes recorrendo ao uso de exemplos que têm como objectivo remover ambiguidades.

Uma definição é uma frase que explica o significado uma palavra.

14.2.2. Explicações boas e más Existe uma série de critérios que nos ajudam a determinar se uma explicação é boa ou má. Esses critérios estão representados na tabela seguinte.

Explicações Boas Explicações Más • Conservadoras (obedecem a convicções

bem estabelecidas) • Consistentes • Falsificáveis • Criam hipóteses testáveis • Profundas • Modestas (evitam complexidade

desnecessária) • Não é circular • Não leva a predições falsas • Evita a regressão céptica • Evita imprecisão • Estabelece quais as condições necessárias

• Não conservadoras (entram em conflito

com conhecimentos estabelecidos) • Não é falsificável • É plana (falta de profundidade) • É complexa • Ad-hoc (é improvisada só para aquela

situação particular)

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e suficientes para que o evento aconteça. Explique o significado da frase: “Em ciência não há certezas, apenas uma melhor explicação provisória” .

14.2.3. Explicações más e o “pensamento mágico” O conceito de “pensamento mágico” é muito interessante. A frase resulta da tradução do inglês “magical thinking” e refere-se a um padrão de raciocínio que é comum durante o desenvolvimento cognitivo dos seres humanos.

Pensamento mágico é uma forma de raciocínio que procura estabelecer correlações entre actos ou frases e eventos específicos, sem qualquer fundamento racional ou evidência. Esta característica psicológica está na raiz da formação de superstições.

O pensamento mágico é um assunto do interesse da psicologia e antropologia social. O antropólogo escocês James George Frazer (1854-1941) foi talvez um dos pioneiros no estudo deste fenómeno com uma abordagem científica. No seu livro The Golden Bough (1890) ele documenta detalhes e semelhanças entre as características do pensamento mágico e das crenças religiosas no mundo. Neste livro Frazer identifica duas características que ele chama de “Leis do Pensamento Mágico”.

A Lei da Similaridade é um processo psicológico de associação, isto é; assume que tudo aquilo que tem parecenças está relacionado de uma forma causal de tal modo que desafia qualquer tipo de teste científico. A secção sobre erros de raciocínio oferece vários exemplos de falácias induzidas pelo pensamento mágico. (Veja Capítulo 21: Falácias de Associações e Padrões Ilusórios e Capítulo 22: Falácias Analógicas). O psiquiatra Carl Jung propôs a noção de sincronia como o processo mental usado para explicar e dar sentido às coincidências. A sua definição de sincronia consiste no estabelecimento de conexões não causais entre eventos que não estão relacionados, só porque eles ocorreram ao mesmo tempo em vez duma sequência temporal.

A Lei do Contágio é a crença em que coisas que estiveram em contacto duma forma física, ou associadas física e temporalmente com outras coisas, retêm uma ligação mesmo depois de separadas. Este mecanismo mental aplica-se por exemplo à atribuição de poderes a relíquias de santos, ou à atribuição da ”essência” do seu possuidor original no objecto. Por exemplo as pessoas que têm a oportunidade de ver e tocar o piano usado por um músico famoso, ou uma peça de vestuário usado por um criminoso abominável, atribuem a essência da pessoa ao objecto. Tocam no piano como se fosse um objecto mágico, capaz de providenciar inspiração aos músicos aspirantes de fama, ou têm nojo de tocar a peça de vestuário do criminoso como se tivessem receio de ser contaminados, mesmo que essa vestimenta tenha sido lavada e desinfectada.

Mais recentemente o psicólogo Matthew Hutson identificou 7 leis que caracterizam o pensamento mágico.

1. Lei do contágio. Os objectos retêm e carregam a essência do seu dono. 2. Lei da similaridade. Esta lei abrange coisas místicas do tipo feitiços, encantamentos,

cerimónias e comportamentos ritualizados. 3. Poder de acções à distância consiste na adopção de superstições que trazem sorte ou

azar. 4. Percepção extra-sensorial. Crença nos poderes da mente em telepatia, telecinesia,

adivinhação e outras crendices místicas.

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5. Continuidade da alma. Assumir a existência duma alma que continua para além da morte física do corpo e que a morte não é o fim de nossa existência, é uma forma de pensamento mágico que ajuda as pessoas a lidar com a dor da perda dum ente querido ou da própria cessação da vida.

6. Atribuição de agência a objectos animados e inanimados, assim como a entidades místicas. Este mecanismo assume que essas entidades têm uma consciência semelhante à nossa ou são providas de vontades que podem influenciar as nossas vidas.

7. Atribuição de propósito. Assumir que tudo acontece por uma razão ou que o nosso destino está escrito em algum lugar entre as estrelas e que não temos liberdade de tomar decisões ou de controlar os caminhos que seguimos na nossa vida

O pensamento mágico é um dos mecanismos de resposta mais primitivos concebidos pela mente humana para fazer sentido do mundo que nos rodeia. Os nossos cérebros estão constantemente a estabelecer associações entre causa e efeito como um processo normal de aprendizagem, mas em pensamento mágico essas associações são explicadas pela presença de agentes místicos como forças invisíveis intencionais ou entidades sobrenaturais. Por exemplo, se você acredita que cruzar os dedos trouxe boa sorte, você associou o acto de boa-sorte com o evento subsequente (cruzando os dedo) e imputou uma ligação de causalidade entre os dois.

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Capítulo 15: RACIOCÍNIO CAUSAL

Como vimos no capítulo anterior, uma das formas de aprender sobre o mundo que nos rodeia consiste em associar a causa com o efeito. O raciocínio causal surge apenas em animais que conseguem estabelecer uma relação consciente entre causa e efeito. Este processo chama-se aprendizagem associativa. É difícil saber se os animais invertebrados que têm aprendizagem associativa estão de facto conscientes da relação causa efeito. O mais provável é que nesses animais, a associação entre causa e efeito não é mais do que um mecanismo automático do tipo estímulo-resposta sem qualquer necessidade da presença de um cérebro. Sabe-se no entanto que os polvos podem associar uma determinada pessoa com a dor que essa pessoa infringiu sobre o animal. Esta foi uma descoberta que derivou da observação do comportamento duns polvos aos quais foram amputados alguns tentáculos. Antes da amputação os animais não mostravam medo do experimentador. Depois da amputação os animais escondiam-se cada vez que o experimentador se aproximava do aquário. Esta capacidade para associar causa com efeito está na origem de processos mais complicados em vertebrados superiores, onde se pode confirmar a ocorrência de processos simples de raciocínio causa-efeito. Nos humanos, o raciocínio causal é o processo pelo qual se tenta explicar o mecanismo entre causas e efeitos. Para demonstrar a causa e efeito não basta dizer que os dois eventos têm uma tendência a ocorrer juntos ou em sequência. É preciso explicar o mecanismo causal, que estabelece a ligação entre a causa e o efeito. Tenha cuidado para não confundir as palavras “causal” com “casual”. Causal relaciona-se com a causa. Casual significa informal, como por exemplo “ A Ana veste-se duma forma casual quando vai trabalhar, enquanto que a Suzana usa sempre um vestido formal e salto alto”. Em homeopatia é frequente dizer-se que a ingestão duma determinada solução A pode curar uma condição B. No entanto não se sabe qual o mecanismo causal que induz A a ter um efeito sobre B. Quando não existe uma explicação para um mecanismo causal, o argumento é muito fraco. É preciso ter cuidado e não confundir homeopatia com fitoterapia. Muita gente confunde estes dois tipos de terapias. A fitoterapia consiste no tratamento de doenças usando os princípios activos de plantas. Existe evidência e trabalhos científicos bem documentados que confirmam as propriedades terapêuticas dos princípios activos de certas plantas. A diferença essencial é que em fitoterapia é possível estabelecer hipóteses testáveis que explicam o mecanismo de acção dos princípios activos enquanto que a homeopatia se baseia em princípios sem qualquer fundamento científico como a “memória da água”, por exemplo. Os efeitos da aromaterapia também podem ser testados e os seus mecanismos de acção podem ser descritos e explicados. Este método baseia-se na inalação de compostos voláteis que penetram o bolbo olfactivo desencadeando uma sucessão de respostas mensuráveis do sistema nervoso. Na astrologia também é difícil, se não impossível, descrever por que mecanismo a conjunção dos astros pode influenciar as nossas vidas. Como explicar o mecanismo da acção do planeta Vénus na constelação de Leão na vida das pessoas nascidas sob o signo de Balança? Até tal mecanismo ser explicado e se oferecerem hipóteses testáveis, essa relação consiste num argumento muito fraco.

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15.1. Causa, Relação e Correlação É preciso ter sempre presente as diferenças entre os conceitos causa, relação e correlação. Quando existe causalidade um evento A é responsável pela ocorrência dum evento B. A relação é bem estabelecida. Se eu coloco a chaleira com água no lume, daí a uns minutos o vapor começa a sair. Este vapor é causado pela acção do calor sobre as moléculas de água, aumentando o movimento browniano das moléculas à medida que a temperatura aumenta. Assim o aumento de temperatura é uma causa bem estabelecida para a água ferver e libertar vapor. Mas podem existir relações entre eventos sem que necessariamente um cause o outro. A correlação é um exemplo disso. Existe uma correlação quando um evento A parece ocorrer ao mesmo tempo que um evento B.

Cada vez que a minha macieira está carregada de maçãs a minha figueira está carregada de figos. Nenhum evento causa o outro, mas pode ser que pelo facto de ser Setembro e ambas as árvores frutificam nesta altura, existe um factor externo comum que se relaciona com a estação do ano e que induz à maturação da fruta.

Uma correlação entre duas ocorrências pode ocorrer por causa do seguinte:

• A causou B • B causou A • A correlação entre A e B deve-se a um terceiro factor C, não especificado • É apenas uma coincidência (se não houver mecanismo causal entre A e B)

15.2. Condições necessárias e suficientes A maior parte das pessoas já ouviu falar no conceito de condições necessárias e suficientes nas aulas de matemática do ensino secundário.

Na lógica, a necessidade e a suficiência são relações de implicação entre afirmações, isto é; quando uma afirmação implica outra, as duas afirmações devem ser simultaneamente verdadeiras ou simultaneamente falsas.

Em linguagem comum indicam relações entre condições ou estados e não proposições. Por exemplo, ser masculino e ter a mesma mãe são condições necessárias e suficientes para ser um irmão.

conjunto dos mamíferos

Ser mamífero é condição necessária para ser humano. Ser humano é condição suficiente para ser mamífero. Ser gato ou cão também é condição suficiente para ser mamífero. Mas ser galinha já não é.

Uma condição pode ser necessária e suficiente ao mesmo tempo, mas uma condição pode ser necessária ou suficiente sem precisar de ser a outra. Por exemplo, ser mamífero (Q) é

humanos

gatos cães

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necessário mas não suficiente para ser humano (P) (não há humanos que não sejam mamíferos). Para incluir um indivíduo dentro do conjunto dos humanos existem outros factores que são necessários, por exemplo ter a capacidade de pensar de uma forma abstracta. Por outro lado, ser humano é suficiente para ser mamífero, visto que esta é uma das muitas características que são possuídas pelos humanos. Para ajudar na compreensão faça as seguintes perguntas: O Jonas é humano? Sim. Então é mamífero! O Jonas é mamífero? Sim. Mas o Jonas pode ser o gato da vizinha, logo ser mamífero não é condição suficiente para ser humano, mas é necessária.

Condição Necessária Condição Suficiente A condição necessária para que S aconteça é uma condição que deve ser satisfeita para S ocorrer. Ser mamífero é condição necessária para ser humano. Q é necessário para P P não pode ser verdadeiro a menos que Q seja verdadeiro =se Q é falso então P é falso= Sempre que P seja verdadeiro, Q também é Ter pelo menos 30 anos é necessário para ser membro do Senado= Se tem menos de 30 anos então é impossível ser um Senador=Se é Senador isso implica que tem pelo menos 30 anos.

A condição suficiente para que S aconteça é uma condição que se for satisfeita garante que S ocorra. Ser humano é condição suficiente para ser mamífero. Se P então Q ou P Q, P é suficiente para Q ocorrer

Sabendo que P é verdadeiro é adequado concluir que Q é verdadeiro.

Sabendo que P não é verdadeiro não providencia suporte suficiente para concluir que Q também não é verdadeiro. A ocorrência de trovoada é condição suficiente para a ocorrência de relâmpagos no sentido de que o barulho do trovão implica que ocorreu um raio de relâmpago.

Condição Necessária e Suficiente

Dizer que P é condição necessária e suficiente para a ocorrência de Q é dizer duas coisas:

Que P é necessário para Q e Que P é suficiente para Q =

Cada P e Q é necessário para a ocorrência de cada um

P ocorre só e apenas só se Q ocorre = P Q. Nota: veja de novo os argumentos Modus ponens e Modus Tolens

Teste: Identifique se as frases seguintes são verdadeiras ou falsas:

1. Ser mamífero é condição suficiente para ser humano. 2. Ser humano é condição suficiente para ser mamífero 3. Estar vivo é condição necessária para se ter direito à vida 4. Estar vivo é condição suficiente para se ter direito à vida 5. Se é verdade que P implica Q, então P é condição suficiente para Q. 6. Se é verdade que P implica Q, então Q é condição necessária para P. 7. Se é verdade que não P implica não Q, então P é condição necessária para a ocorrência de Q. 8. Se é verdade que P não sendo o caso implica que Q não é o caso, então P é condição suficiente

para a ocorrência da condição Q 9. É condição necessária e suficiente que para se ser um irmão, se seja macho e filho da mesma

mãe (ou pai).

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Soluções: 1.Falsa. Existem mamíferos que não são humanos 2.Verdadeira. Ser humano garante ser mamífero. 3.Verdadeira. Nada que seja inanimado tem o direito à vida 4.Falsa. Existem muitos organismos que estão vivos e não têm direito à vida 5.Verdadeira. A verdade de P é suficiente para garantir a verdade de Q 6.Verdadeira. Se Q é falso então P é falso. A falsidade de Q exclui a verdade de P. 7.Verdadeira. A verdade de P é necessária para que Q também seja verdadeiro. Quando P não é verdadeiro, Q também não é verdadeiro. 8.Falsa. A verdade de P não garante a verdade de Q. A única coisa que sabemos é que a falsidade de P garante a falsidade de Q. Por exemplo seja P a frase “ um estudante entregou o seu trabalho de fim de ano” e Q a frase “ o estudante obteve aprovação” 9.Verdadeira. Se a falha em ser macho e ser filho da mesma mãe então não pode ser um irmão. Se for fêmea é irmã. Se for macho e não filho da mesma mãe (ou pai) não é irmão. Sumarizando: as relações causais podem ser expressas em termos de necessidade ou suficiência. As relações de necessidade requerem que um factor X esteja presente para que o efeito da causa ocorra. As relações de suficiência dizem que se o factor X estiver presente é garantido que o efeito irá ocorrer. Mas vejamos o seguinte argumento: Se tu tens um cartão válido da biblioteca então podes levar um livro da biblioteca Não tens um cartão de biblioteca válido Logo não podes levar um livro da biblioteca É o mesmo que dizer: Se P Q

~P ~Q

Em lógica formal, e como já se viu acima, esta é a forma inválida do Modus ponens (veja secção 5.3.1.), no entanto o argumento faz sentido. Só nos apercebemos que é inválido quando o colocamos na forma simbólica e sabemos de antemão que este formato é inválido. O argumento dá-nos a ilusão de que é válido porque é apresentado sob a forma de permissões e obrigações.

Argumentos deste tipo pertencem a uma área especial da lógica, denominada Lógica Deôntica. A palavra deôntica deriva do grego deontos que significa aquilo que é obrigatório. Para resolver este problema, os Lógicos desenvolveram novos tipos de lógica para complementar situações em que a lógica existente é insuficiente para capturar inferências legítimas. O exemplo do cartão da biblioteca é uma inferência legítima apesar de ser um argumento inválido em lógica formal. A lógica é uma disciplina complexa e em constante evolução. Não cabe no âmbito deste livro fazer uma discussão detalhada desta disciplina, mas é importante mencionar a sua importância na construção e avaliação de argumentos da linguagem comum.

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Parte 2 PENSANDO MAL Quando o raciocínio é irracional

Até agora apresentámos definições, regras e explicações dos vários tipos de raciocínio e argumentos. Nesta secção vamos analisar situações onde o raciocínio tem falhas. Na realidade a racionalidade não é uma qualidade natural dos seres humanos. No seu estado natural os seres humanos em geral tomam decisões muito irracionais e na maioria das vezes baseadas em emoções. Como vimos a racionalidade é um processo aprendido e nem todos foram tocados pela varinha mágica da racionalidade intuitiva. A nossa intuição segue mais mecanismos irracionais do que racionais se bem que exista alguma logicalidade natural. Devido ao modo como o nosso cérebro funciona, precisamos prestar atenção aos nossos mecanismos de decisão. Quando nos deixamos levar pelas nossas intuições, aumentamos a probabilidade de produzir argumentos imperfeitos e eventualmente tomar decisões menos correctas. Nesta secção vamos analisar;

1. A nossa tendência para fazer associações e

analogias. 2. A nossa tendência para fazer generalizações. 3. A nossa tendência para dar mais importância

ao nosso ponto de vista (Bias). 4. A nossa irracionalidade natural (falácias).

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Capítulo 16: INTRODUÇÃO ÀS FALÁCIAS Na nossa argumentação podemos cometer muitos erros. Por exemplo, quando erramos na apresentação dos factos esses erros são chamados factuais. Quando erramos na formulação do argumento, esses erros são conhecidos como falácias. Se fizemos erros num raciocínio dedutivo, cometemos uma falácia dedutiva, se o erro foi no raciocínio indutivo, cometemos uma falácia indutiva.

Falácia Dedutiva

Falácia Indutiva Quando um argumento dedutivo é inválido comete uma falácia dedutiva. Um argumento dedutivo inválido pode ter premissas verdadeiras e produzir uma conclusão falsa. Isto é; a conclusão não deriva das premissas.

Quando argumentos indutivos produzem conclusões que não têm suporte suficiente para chegar a essa conclusão. Neste caso mesmo que todas as premissas fossem verdadeiras a conclusão não teria mais probabilidade de ser verdadeira.

Aristóteles identificou 13 tipos de falácias, mas os lógicos modernos identificaram aproximadamente 150 tipos diferentes. Com tantas falácias, torna-se difícil avaliar um argumento baseado apenas na lista de falácias existente. Existe um certo número de problemas ao usar uma lista de falácias para avaliar um argumento.

• Não há limite do número de modos como um argumento pode ser fraco. • Quanto mais falácias são identificadas, mais difícil se torna memorizá-las todas. • Podemos facilmente identificar um argumento fraco, mas é difícil atribuir que falácia se

aplica. • Se bem que seja fácil identificar falhas nos argumentos dos outros, é difícil identificar

falhas nos nossos próprios argumentos. Classificação das falácias Assim como categorizámos os diversos tipos de argumentação, também podemos categorizar as falácias de acordo com o tipo de argumentação que falhou. Uma falácia dedutiva é uma inferência inválida mas que parece boa porque imita a estrutura de inferências válidas. Uma falácia indutiva consiste não só em erros de lógica formal, mas também em falhas de raciocínio que se podem exprimir de vários modos. Falácias em Argumentos Dedutivos Falácias em Argumentos Indutivos Formal

Falácias dedutivas formais Não seguem as regras da lógica e por consequência a conclusão não é verdadeira e o argumento é inválido.

Falácias indutivas formais Quando aparecem erros de indução na formulação de hipóteses, teorias, erros probabilísticos, estatísticos, etc. que levam a generalizações erróneas.

Informal

Falácias dedutivas informais A falácia pode ter uma forma lógica que leva a uma conclusão válida mas é fraca porque uma das premissas é falsa.

Falácias indutivas informais

• Verbais • Relevância • Associações ilusórias

Como vimos, todos seres humanos fazem inferências seguindo formas de raciocínio que são comuns na espécie Homo sapiens. Mas curiosamente algumas formas de raciocínio lógico

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estão presentes em outros animais para além dos humanos. Existem muitos exemplos de uma forma simples de raciocínio lógico em aves, especialmente corvídeos, e mamíferos.

Tipos de raciocínio Causal A forma mais primitiva de raciocínio é talvez o raciocínio causal. Humanos e

animais aprendem que certos eventos são causados por outros eventos prévios.

Criação de padrões e mosaicos

Também é importante detectar padrões que se repetem na natureza e por isso a nossa mente tem a tendência para ver padrões, ou mosaicos, na informação percebida pelos nossos sentidos. Mesmo quando essa informação seja absolutamente caótica, temos sempre uma tendência de fazer sentido dessa informação tentando encaixá-la em padrões já conhecidos. A criação de padrões facilita a organização da informação no nosso cérebro. Como seria impossível conhecer todas as árvores do mundo, o sistema cognitivo sistematiza a informação em categorias com características comuns e inclui informação nova numa dessas categorias. É por esta razão que vemos padrões de figuras conhecidas nas formas irregulares das nuvens.

Estabelecimento de associações

Para sobreviver em qualquer em qualquer habitat é necessário aprender que quando um evento A acontece existe uma probabilidade de que outro evento B aconteça ao mesmo tempo ou logo a seguir. Por exemplo este é o princípio usado para treinar animais. Se queremos que o nosso cão faça algo desejável, convém dar uma recompensa imediatamente a seguir a execução desse comportamento assim o animal aprende a associar um determinado comportamento com algo de bom. O mesmo se passa nos seres humanos. Esta é uma característica da aprendizagem e que se expressa no cérebro da maioria dos animais. Os seres humanos estão sempre a estabelecer associações de eventos, mesmo em casos onde não há qualquer associação real.

Raciocínio abdutivo Explicações

Os seres humanos têm a propriedade, de através da linguagem, passar informação de uns para os outros sobre conceitos abstractos. Muita desta informação prende-se com o acto de ensinar. Até ao momento julga-se que apenas a espécie humana participa em actos de ensino onde um mestre providencia informação de uma forma intencional a um grupo de alunos. Em outros grupos animais, a aprendizagem por observação também ocorre, mas julga-se que este processo seja iniciado pelos juvenis que prestam atenção aos actos dos membros experientes do seu grupo social em vez de existir uma iniciação intencional dum demonstrador para ensinar o grupo. Assim, na espécie humana, o acto voluntário e intencional de ensinar requer o uso de explicação. Esta explicação pode consistir na transferência de informação sobre um método, mecanismo, comportamentos ou fenómenos naturais. Por exemplo quando as crianças se assustam com a trovoada uma explicação sobre o funcionamento das cargas eléctricas nas nuvens pode ajudar a dissipar esse medo.

Bias ou raciocínio enviesado ou tendencioso

Todos nós temos um referencial, e qualquer informação nova é comparada com esse referencial que já conhecemos. Apercebemo-nos das semelhanças e diferenças entre a novidade e o que já é conhecido. Se a novidade for muito diferente daquilo que achamos comum, a nossa tendência é rejeitar essa informação. A rejeição vem do facto de que essa nova informação não é compatível com os princípios que regem o nosso comportamento, ou não nos sentimos confortáveis com ela porque o conteúdo da informação não é familiar. O raciocínio enviesado é um tipo de avaliação que usa essa familiaridade como bitola de comparação com tudo aquilo que é novo ou diferente e exagera a nossa tendência para aceitarmos só o que nos é familiar.

As falácias que se seguem são exemplos erros que ocorrem nestas áreas definidas de raciocínio.

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Capítulo 17: FALÁCIAS CAUSAIS A selecção natural levou à evolução de sistemas de detecção de informação importante para a sobrevivência dos seres vivos. A coisa mais importante a apreender do ambiente que nos rodeia é a compreensão do que causou um evento. Compreender a causa do barulho de troncos numa floresta pode ser uma questão de vida ou morte. Pode ser um leopardo esfomeado à procura de presa, o movimento de algum animal que pode servir de alimento, ou simplesmente a acção do vento sobre os ramos das árvores. Todos os animais aprendem de alguma forma a associar causa com efeito. A causa pode ter consequências negativas (o leopardo como predador), positivas (um coelho como alimento) ou neutras (o vento nos ramos), logo o reconhecimento da natureza da causa é um dos factores mais importantes factores na sobrevivência. Não basta procurar a causa, é preciso entender como o agente causal está associado à consequência. Assim o mecanismo associativo que decorre no cérebro é também um factor importante para a compreensão do mundo. Ao estabelecer uma nova associação entre causa e efeito, o cérebro cria novas ligações neuronais. Este é um processo biológico básico que ocorre em todos os mecanismos que suportam a aprendizagem. Assim que as associações neuronais forem estabelecidas, o cérebro cria uma base de dados que é catalogada com apoio em características comuns. Quando uma situação nova acontece, o cérebro percorre essa base de dados à procura de algo semelhante que tivesse ocorrido no passado. Se nada ocorreu exactamente como a nova situação, o cérebro cria uma analogia, entende que a nova situação é semelhante, mas não exactamente igual a experiências prévias e coloca essa nova experiência na categoria de experiências prévias que têm maior semelhança. Há medida que as experiências e as analogias se vão acumulando, o cérebro começa a criar uma tendência para generalizar. A generalização é importante porque nos permite identificar eventos com características comuns e ajuda a predizer a probabilidade dum evento particular no caso dessas características se verificarem. Eu sei que no verão em Portugal quando as nuvens se acumulam baixas e negras, com um vento quente vindo do sul ou do interior, existe uma grande probabilidade duma tempestade de verão com relâmpagos e trovões. Eu percebi os detalhes da tempestade a partir de experiências prévias e sempre que eu vi estes detalhes a tempestade aconteceu. Eu fiz uma generalização ao inferir que a tempestade vai ocorrer de novo. Assim, eu posso decidir se vou sair de casa com chapéu-de-chuva e gabardine, ou vou para a praia de fato de banho. A capacidade de generalização é o que nos ajuda a predizer a probabilidade de eventos futuros. Mas existe outro factor importante essencial para a nossa sobrevivência, que reside na nossa habilidade de detectar padrões. Um padrão neste caso é uma imagem que se pode usar como modelo para daí se extrapolar informação mais detalhada. Assim como os azulejos de casa de banho apresentam imagens que se repetem num padrão geométrico consistente, também podem existir eventos que repetem com uma certa consistência espacial e temporal. Por exemplo sabemos que acima e abaixo do equador os dias crescem com a aproximação do verão e decrescem com a aproximação do inverno. Este

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é um padrão que nos permite programar a nossa vida. Muitos animais baseiam as suas migrações neste padrão temporal repetitivo. Mas se bem que estas faculdades sejam importantes para a sobrevivência.. Causas O nosso cérebro está construído de forma a procurar uma causa para tudo o que acontece, e quando essa causa não é visível, a mente sente-se incomodada por causa da insegurança que isso traz. Assim para evitar este desconforto a mente cria agentes que possam explicar a causa. Durante a evolução do cérebro dos seres humanos desenvolveu-se um sistema que cria entidades místicas para explicar eventos onde as causas são desconhecidas. Nestas situações os agentes causais passam a ser os espíritos da floresta, a mágica do feiticeiro, as energias do universo, os deuses, etc. Deste modo, criou-se um agente causador do evento e remove-se a ansiedade de lidar com o desconhecido. A mente humana funciona usando o seguinte regra: qualquer evento tem que ter uma causa e existe sempre um agente que induz a causa. Esta regra não é necessariamente verdadeira, mas é o mecanismo usado pelo nosso cérebro para compreender o mundo que nos rodeia. Esta tendência para pensar em termos causais induz frequentemente a erros de raciocínio causal. Estes erros são conhecidos com falácias causais. Dentro desta categoria de falácias encontram-se falácias de argumentos dedutivos e indutivos.

17.1. Falácias causais dedutivas Como já vimos quando apresentámos a lógica formal dentro do raciocínio dedutivo, existem formas inválidas do Modus ponens e do Modus tollens. O Modus ponens na forma válida é uma estrutura que afirma o antecedente. Isto é expresso pela forma padrão do seguinte modo: P -> Q P Q

Todos os gatos têm 4 pernas Eu sou um gato Eu tenho 4 pernas

Mas a forma inválida afirma o consequente: P -> Q Q Q

Todos os gatos têm 4 pernas Eu tenho 4 pernas Logo sou um gato

Esta lógica pode parecer correcta à priori, mas existem muitos animais com 4 pernas que não são gatos tornando este argumento inválido. Eu podia ser um cão que também tem 4 pernas! O Modus tollens na forma válida é uma estrutura que também afirma o consequente mas só quando este é uma negação. Isto é expresso pela forma padrão do seguinte modo: P -> Q ~Q ~P

Todos os gatos têm 4 pernas Eu não tenho 4 pernas Logo não sou um gato

A palavra gato antecede 4 pernas Afirma o antecedente

A expressão 4 pernas vem depois de gato Afirma o consequente

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Se a condição necessária para se ser gato é ter quatro pernas, e se eu as não tenho, então não posso satisfazer essa condição. Provavelmente é uma aranha, uma centopeia, um ser humano, um polvo, ou tudo o que existir que tenha tudo menos quatro pernas. O Modus tollens na forma inválida é uma estrutura que nega o antecedente. Isto é expresso pela forma padrão do seguinte modo: P -> Q ~P ~Q

Todos os gatos têm 4 pernas Eu não sou um gato Logo não tenho 4 pernas

De novo é fácil de ver que a conclusão não segue das premissas. Eu posso não ser um gato, mas ainda posso ter 4 pernas. Posso ser um cavalo por exemplo! Existem muito mais falácias dedutivas formais, mas estas falácias não são frequentes na apresentação de argumentos utilizados na linguagem comum. Para o leitor interessado neste assunto sugerimos a leitura de livros especializados em lógica formal.

17.2. Falácias causais indutivas O nosso dia-a-dia é recheado de argumentos falaciosos indutivos. Estas são falácias que não dependem da lógica formal mas ocorrem na nossa linguagem comum, como por exemplo quando oferecemos explicações para um fenómeno. Neste caso estamos em presença dum tipo de falácias indutivas específicas, conhecidas como falácias da explicação. Eis aqui alguns exemplos.

• Explicações Ad-hoc • Explicações Post-hoc • Explicações Cum-hoc • Direcção errada (confusão da causa com o efeito) • Efeito conjunto • Causa complexa • Causa insignificante • Ladeira escorregadia

• Explicação ou Racionalização Ad-hoc

Como vimos, uma falácia é uma falha de raciocínio num argumento. Uma racionalização ad hoc é mais uma explicação com erros do que realmente uma falha no processo de raciocínio dum argumento. Veja esta explicação;

A: Eu tinha cancro e Deus curou-me B: A sério? Quer isso dizer que Deus vai curar toda a gente com cancro? A: Não sei... Deus trabalha de formas misteriosas! Racionalização ad-hoc

Este diálogo não é propriamente um argumento mas inclui uma explicação ad-hoc que é oferecida de tal forma que parece um argumento. A explicação ad-hoc está na conclusão “Deus trabalha de formas misteriosas”. Esta explicação é também referida como racionalização ad-hoc e ocorre quando alguém tenta explicar eventos que são disputados ou quando a evidência oferecida é fraca e não suporta o argumento.

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Uma racionalização ad-hoc é usada num caso especial e ignorada em casos semelhantes. Por causa disto esta falácia é também conhecida como Falácia da Excepção ou da Súplica Especial. Neste caso a expressão “trabalha seguindo formas misteriosas” aplica-se apenas a Deus e a mais nenhuma entidade. A explicação oferecida para Deus não se aplica a um médico que curou um paciente de cancro e utilizando os mesmos métodos não curou o outro. Ninguém diria que este médico “trabalha de formas misteriosas”. De facto o mais provável seria acusar o pobre do médico de incompetência. A explicação ou racionalização ad-hoc foi criada num instante para justificar a inconsistência presente apenas no argumento sobre Deus. As explicações ad-hoc apresentam 3 características identificáveis:

1. Exclusividade A frase ad-hoc é Latim significa “para este propósito especial” e o termo é usado quando se refere a qualquer explicação que é dada para favorecer a hipótese preferida. A explicação só se aplica naquele caso particular. O orador não dá razões aceitáveis para justificar por que razão a explicação oferecida apenas se aplica aquela situação particular e não como principio geral. Quando se tenta explicar a ocorrência de milagres, frequentemente se apresentam explicações ad-hoc.

2. Incoerência e Contradição

A explicação não é muito coerente e na realidade não explica nada, mas se alguém já está inclinado para acreditar no argumento, aceitará essa explicação. Esta racionalização ad-hoc contradiz alguma outra premissa no argumento. Essa premissa que faz parte da explicação original pode ser implícita ou explícita. Por exemplo: A frase “nem toda a gente é curada por Deus” contradiz a crença comum de que “Deus ama toda a gente igualmente”. Então a primeira frase precisa duma explicação para se enquadrar na sequência da afirmação seguinte. Uma explicação ad-hoc seria, que “Deus precisa de castigar os pecadores por isso não os cura.”

3. Não-testabilidade

A terceira característica é que a explicação não tem consequências testáveis. Isto é muito importante. Por exemplo como poderemos testar a declaração “Deus trabalha de modos misteriosos”? Como poderemos dizer quando esses modos estão acontecendo e quando não estão? Como poderemos diferenciar entre um sistema onde Deus “actuou de formas misteriosas” e um outro sistema onde os resultados de devem apenas ao acaso ou a qualquer outra causa desconhecida? Como se pode ver esta explicação não oferece nada que seja testável e isso é o que se espera duma explicação. Logo uma explicação ad-hoc é defeituosa.

Mesmo que a explicação pareça ser válida para aqueles que estão inclinados a acreditar no argumento a explicação não deixa de ser falaciosa. Vários proponentes da telepatia quando sujeitos a testes controlados, explicam o falhanço do envio ou recepção das mensagens telepáticas duma forma ad-hoc dizendo que a telepatia não funciona quando estão cépticos na sala. Mas nem todas as explicações ad-hoc precisam de estar erradas. Na ciência também é frequente assistir-se à produção de explicações ad-hoc. Quando se propõe uma teoria nova que entra em conflito com as teorias pré-existentes e bem estabelecidas, os defensores da nova teoria podem criar explicações ad-hoc para compensar o facto de que esta nova teoria

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não apresenta mecanismos explanatórios adequados ou ainda não existe evidência suficiente para lhe dar suporte. Assim propõem-se uma hipótese ad-hoc para explicar o que a nova teoria não pode explicar. Mas a diferença é que após a criação da teoria, os cientistas procuram evidência que a possa suportar ou refutar. A fim de se obter essa evidência, não se limitam a colectar dados a partir de observações. Também criam hipótese que possam ser testadas seguindo métodos que oferecem valores mensuráveis. Em 1992, Alfred Wegner propôs a teoria da deriva continental, mas a sua teoria foi rejeitada por falta de explicações adequadas sobre o mecanismo subjacente ao movimento dos continentes. Um dos problemas com esta teoria estava na identificação da força que teria acção sobre os continentes. Em 1953 Carey introduziu a teoria da tectónica de placas oferecendo uma explicação plausível para a deriva dos continentes e mais tarde nos anos sessenta, evidência obtida a partir dos estudos sismológicos confirmou que a deriva dos continentes era um facto. No entanto, até se obter esta informação, a teoria original era suportada por algumas explicações ad-hoc que se baseavam no conceito duma “força que move continentes”. Foi sugerido que a gravidade era a força por detrás do movimento dos continentes, mas mais tarde verificou-se que esta força era demasiado fraca para mover continentes. Uma explicação ad-hoc foi oferecida para explicar as acções do ópio na mente. Como o mecanismo era desconhecido, afirmou-se que as pessoas entravam em estados de transe devido às “virtudes dormitivas” da papoila do ópio. Quando se questiona os astrólogos por que meio os astros poderiam influenciar a nossa personalidade, geralmente apresentam explicações baseadas nas “vibrações da conjunção dos planetas no Universo”. E quando se questiona os defensores da homeopatia sobre o mecanismo pelo qual a água mantém virtudes curativas, eles apresentam uma explicação ad-hoc baseada na “memória da água”. • Explicações Post-hoc

No caso duma explicação post-hoc, o argumento assume que qualquer evento B que segue depois de qualquer evento A, é causado por A quando na verdade, existe apenas uma associação por coincidência. Este tipo de falácias está na origem das superstições. Por exemplo

• “A última vez que usei estas calças vermelhas fui atropelado por um carro. Estas

calças dão azar!” • “Cada vez que escrevo o exame com esta caneta tenho sempre boas notas! Esta é a

minha caneta da sorte.” Muitos desportistas são vítimas frequentes desta falácia, tendo tendência a usar roupas ou amuletos que acreditam que lhes traz sorte. Esta falácia ocorre naturalmente na mente dos humanos e até dos animais. Por exemplo Skinner notou que os pombos que estudava também desenvolviam superstições. Os pombos colocados numa caixa de Skinner foram treinados para esperar a entrega de comida sempre que uma luz se acendia. Mas se por acaso o pombo executou um certo movimento imediatamente antes da entrega da comida, por exemplo esticar a asa direita, o pombo criou uma associação mental entre o movimento da asa e a entrega da comida. Motivado para receber mais comida, o pombo começa a

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esticar a asa direita com mais frequência na expectativa que este ritual seja a causa pela qual a comida aparece. Este movimento da asa tornou-se uma superstição porque na realidade a comida não aparece como consequência deste movimento. Uma superstição é uma crença que se forma devido a uma associação equivocada entre um fenómeno A e um fenómeno B que não estão relacionados. • Falácia da Regressão à Média A falácia da regressão à média é um caso especial da post hoc pois também atribui causa, onde ela não existe. Primeiro vamos entender o significado do conceito “regressão à média”. Por vezes quando se fazem medições de vários objectos ou eventos (como por exemplo variações climáticas) pode acontecer que a primeira medição nos dê um valor extremo, e muito longe daquilo que seria de esperar. Nesta falácia se ocorreram valores muito extremos nas medições iniciais, o experimentador acredita que os valores seguintes sejam mais aproximados da média. Existem coisas no mundo que têm uma variação aleatória e só porque o primeiro valor foi extremo isso não implica necessariamente que o segundo valor seja próximo do valor médio. • Determinismo Retrospectivo Semelhante à falácia da explicação post-hoc é a falácia do determinismo retrospectivo. Esta falácia é baseada na crença de que depois de um evento ter ocorrido a sua ocorrência já era esperada ou pelo menos não podia ter sido evitada. É a falácia do “estava escrito nas estrelas!” Um casal celebra com romantismo o jantar do seu segundo aniversário de namoro. Ambos entreolhando-se com ternura afirmam que este romance estava escrito nas estrelas e não poderiam evitar de modo nenhum que um dia estariam ali celebrando aquele aniversário. Isto é uma forma de determinismo retrospectivo, ou fatalismo, que caracteriza muitas culturas onde as pessoas aceitam a aleatoriedade do que vida lhes trás como algo que estava pré-determinado e sobre o qual eles não tinham qualquer poder para modificar. É uma atitude mental que ajuda muita gente a lidar com situações emocionais dolorosas como por exemplo mortes inesperadas. Esta é também o tipo de falácia adoptada pelas crenças New Age, profecias e clarividência. Videntes, profecias e o futuro que já passou

É frequente ouvirem-se histórias de videntes que tinham profetizado um evento dramático. Geralmente estas histórias só aparecem depois do evento ter acontecido. Ora não é difícil dizer que se tinha previsto algo depois de isso acontecer. Os videntes fazem muitas profecias, e considerando a quantidade produzida, algumas por acaso podem acertar, mas para estas profecias terem relevância é preciso comparar com o número de quantas profecias foram feitas no total e quantas não se concretizaram. Se em 1000 profecias, uma declarou algo que mais tarde veio a acontecer, podemos atribuir esse acordo a não mais do que uma coincidência.

Mas é preciso também ter em conta a forma linguística como a profecia foi expressa. A forma como se constrói a profecia pode contribuir mais ou menos para a sua precisão. Dizer que no dia 11 de Novembro de 2002 dois aviões vão se despenhar contra as torres do World Trade Centre em Nova York, tem muito mais precisão do que dizer que um avião, ou talvez dois vão

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chocar com algum edifício alto numa cidade muito populosa algures no continente Americano depois do ano 2000.

A forma como a profecia é expressa permite graus de liberdade suficientes encaixar os eventos subsequentes na proposta oferecida pela profecia. Considerando o número de aviões que cruzam os nossos céus e o número de cidades com arranha-céus na América (Norte Sul e Centro), não é surpresa que algum dia algum avião tenha um acidente desta natureza. Mas depois do evento acontecer, a memória das pessoas tenta encaixar os detalhes que coincidem com a profecia e esquecem os outros que não encaixam. Ao se concentrar apenas na informação que coincide com a profecia e ignorando toda a informação que não coincide, a pessoa confirmou aquilo em que queria acreditar.

As profecias têm muito poder porque oferecem uma falsa sensação de segurança e previsão em relação à imprevisibilidade do futuro. As pessoas querem acreditar em profecias, mesmo que elas sejam catastróficas. Quantas vezes as profecias de datas do fim do mundo foram provadas falsas? Mas as pessoas que acreditaram nessa profecia, ao verificarem no dia seguinte que afinal o mundo não acabou, inventam explicações ad-hoc para justificar porque a profecia falhou. Quando as pessoas que acreditaram na profecia que previa o apocalipse no 22 de Dezembro de 2012, acordaram no dia seguinte vivos e de boa saúde, em vez de abandonar essa crença, arranjaram uma explicação apressada para justificar porque a profecia não se realizou, dizendo que Deus estava simplesmente a testar a fé dos crentes e tinha reconsiderado dar-lhes mais uma oportunidade. Isto é uma explicação post-hoc para justificar a não ocorrência de algo esperado (para exemplos deste fenómeno veja o livro de Festinger et. al 2012).

Nas profecias de Nostradamus a interpretação a posteriori confirma aquilo que foi sugerido pelas suas profecias a priori. Vejamos um exemplo retirado do Dicionário dos Cépticos. O verso original do livro de Nostradamus reza assim (tradução literal à direita):

Bêtes farouches de faim fleuves trainer; Plus part du champ encore Hister sera, En caige de fer le grand sera treisner, Quand rien enfant de Germain observa.

Bestas ferozes de fome rios formando A maior parta do campo ainda será Hister Em gaiolas de ferro o grandioso será arrastado Quando nada as crianças da Germania observarão.

É óbvio que isto não faz qualquer sentido, ficando sujeito a qualquer tipo de interpretação. Duas sugestões interpretativas foram apresentadas por estudiosos das profecias de Nostradamus do seguinte modo:

Interpretação A Interpretação B Feras com fome vão atravessar os rios, A maior parte da batalha será contra Hitler. Ele fará com que os grandes homens serão arrastado numa gaiola de ferro, Quando o filho da Alemanha obedece a nenhuma lei.

Bestas loucas de fome vão nadar em rios, A maior parte do exército irá contra o Baixo Danúbio. O grandioso será arrastado numa gaiola de ferro Quando a criança irmã não vai ver nada

Nenhuma destas traduções e interpretação parecem fazer qualquer sentido. Na interpretação B assume-se que a palavra Hister se refere a uma região geográfica e não a uma pessoa como sugerido pela interpretação A. No tempo de Nostradamus a palavra Germania referia-se a uma região antiga da Europa situada a Norte do rio Danúbio e a Este do Reno. Provavelmente refere-se a uma parte do Império Romano que hoje corresponde ao Nordeste da França, parte da Bélgica e Holanda. A palavra Hister é um nome antigo duma região nas

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margens do Danúbio, perto do lugar onde Hitler viveu a sua infância. Por causa da similaridade dos nomes, muitos intérpretes acham que o nome se refere a Hitler.

Estas interpretações das profecias de Nostradamus, à posteriori são bons exemplos de determinismo retrospectivo onde o fraseamento das profecias é interpretado para coincidir com acontecimentos que ocorreram posteriormente.

“Fazer previsões é muito difícil, principalmente se forem sobre o futuro!” Niels Bohr, 1885-1962. Físico Dinamarquês que recebeu o Prémio Nobel da Física em 1922.

• Cum hoc, ergo propter hoc = Com isso, por causa disso

Na falácia Cum-hoc o argumento assume que, só porque um evento A ocorreu ao mesmo tempo que um evento B, um deles provoca o outro, isto é; esta falácia assume que duas coisas que ocorrem ao mesmo tempo estão relacionadas causalmente. Esta falácia é frequente quando se apresentam estudos que demonstram correlação entre duas variáveis. Mas o facto de haver correlação não significa que uma variável cause a outra. Pode ser apenas uma coincidência, como neste exemplo da correlação entre piratas e variação de temperatura.

Neste exemplo podemos ver que duas coisas aconteceram desde o século 19; A: o número de piratas diminuiu B: temperatura média global aumentou mas nenhum destes eventos causou ou outro.

A falácia Cum hoc, ergo propter hoc é muito similar à falácia Post-hoc, só que na primeira existe uma relação mais formal, geralmente suportada por dados de várias observações.

A Nestlé, a marca que produz o cereal Shredded Wheat, tinha uma publicidade onde a frase chave era a seguinte:

“As pessoas que comem Shredded Wheat têm tendência a ter corações saudáveis.” Esta frase foi muito bem estudada porque não diz directamente que existe uma relação causal entre comer Shredded Wheat e ter um coração saudável. Apenas faz uma associação. A relação causal é feita pelo consumidor.

De facto a frase, pode também sugerir que apenas aquelas pessoas que têm um coração saudável comem Shredded Wheat. O cuidado na formulação da protege o anunciante de ser acusado a fazer afirmações que não são verdadeiras e ao mesmo tempo põe o ónus da interpretação da frase na mente do

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consumidor. Neste exemplo a frase induziu o consumidor a cometer uma falácia causal assumindo que comer este produto lhe dá um coração saudável. Comparando “Hocs”: Estas falácias sãos erros de razão porque não estabelecem a que … 1… a ligação entre X e Y seja uma coincidência 2… X e Y sejam ambos o resultado dum terceiro elemento desconhecido (causa subjacente) 3… Y causou X em vez do contrário (confusão da causa com o efeito).

Causalidade é um assunto complicado mas mesmo assim, é possível evitar falácia causais tomando as devidas precauções. No caso particular de ignorar uma possível causa comum, ou uma causa que não é imediatamente evidente, deve sempre ter-se em conta o facto de que podem existir outros factores possíveis de causar os efeitos observados. É sempre boa ideia perguntar se poderia existir um outro factor responsável por A e B. • Falácia da direcção errada ou confusão da causa com o efeito

Como já vimos quando discutimos problemas com indução, a confusão da causa com o efeito é uma falácia semelhante à explicação Post-hoc, mas no caso da falácia da direcção errada existe realmente uma relação entre causa e efeito, só que o efeito é erroneamente tomado como sendo a causa. Por vezes os casos são analisados com uma carga emocional que não permite uma avaliação objectiva. Muita gente acha que a violência dos filmes mostrados na TV causa a violência nas ruas. Outras acham que esses filmes apenas retratam a violência das ruas o que leva à sua produção porque as pessoas gostam de ver violência. O mesmo argumento é utilizado em relação a jogos violentos de computador. O argumento assume que as crianças que jogam esses jogos têm mais tendência a ser violentas porque estão a copiar o que vêm nos jogos. Nestes dois exemplos é preciso uma investigação cuidada para

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compreender a direcção da causa. Mas existem situações onde é claro que a causa se confundiu com o efeito. Luís esqueceu-se dum prato com pão sobre a mesa durante duas semanas. Quando voltou a casa verificou que o pão estava coberto de bolor. Luiz concluiu que o bolor foi provocado pelo facto do pão se ter degradado. Na verdade, é o bolor que degrada o pão e não a degradação do pão que levou ao aparecimento do bolor. Um turista Americano visitando o Castelo de Windsor em Inglaterra pergunta: Porque construíram o castelo de tão perto do aeroporto?

Pergunta do turista citadino visitando Alentejo: Porquê que os alentejanos põem pedras em volta das oliveiras?

Quem pôs esta bicicleta dentro da árvore?

• Falácia do efeito conjunto Esta é uma falácia cometida quando duas coisas ocorrem em conjunto e uma delas é tomada como sendo a causa da outra. Isto é, dois eventos A e B ocorrem ao mesmo tempo mas não se procura uma terceira razão C para compreender a associação A+B. Uma mãe diz ao médico sobre o estado do seu filho: “Esta febre está a cobrir-lhe o corpo em erupções cutâneas”. De facto essa febre e erupções são ambos consequências do sarampo ou varicela. “Estamos com alto nível de desemprego que é causado por uma baixa taxa de consumo!” Neste caso ambos são causados por outros factores geridos pela economia como por exemplo altas taxas de juro. Existem casos onde não é absolutamente claro se esta falácia está a ser cometida. Por exemplo quando um médico encontra uma grande quantidade de bactérias num dos seus pacientes e conclui que esta bactéria é a causa da doença, mas na realidade a bactéria é inofensiva e foi um vírus que enfraqueceu o sistema imunitário da pessoa permitindo a proliferação de bactérias comensais que normalmente existem no nosso organismo sem causar dano. Durante muitas semanas caíram muitas agulhas de pinheiros dentro dum rio. Passados alguns dias apareceram muitos peixes mortos. Quando a Agência do Ambiente veio investigar, os donos duma fábrica de produtos químicos a montante do rio disseram que a causa da morte dos peixes se devia a produtos libertados pelas agulhas dos pinheiros. Muitos ambientalistas locais acusaram a fábrica de matar os peixes por causa da libertação de resíduos tóxicos directamente para o rio. Na realidade as agulhas dos pinheiros não tiveram qualquer impacto na morte dos peixes. Luísa, uma cristã devotada assegurou-me que o padre da sua aldeia pediu à sua congregação que rezasse pelas suas melhoras e por milagre a gripe desapareceu só numa

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semana. Por outro lado um homeopata na loja da esquina assegura os seus clientes que com o seu remédio uma gripe se cura em 6 dias. Uma gripe não tratada dura uma semana, mas uma tratada só dura 7 dias. • Falácia da causa complexa Assim que se identifica a causa, é preciso tomar atenção se ela é apenas parte de uma série de outras causas mais complexas. Nós temos tendência a simplificar as causas dos fenómenos observados. Por exemplo, é frequente ouvir dizer-se que as pessoas vivem com medo de sair à rua por causa ao aumento da criminalidade. Sim, isto pode ser verdade, mas isto pode levar algumas pessoas violar as leis, por exemplo atirando em suspeitos, causando ainda mais criminalidade. Pedro teve um acidente de automóvel e queixou-se aos serviços de estradas dizendo que o acidente foi consequência da pobre visibilidade dado que existia uma árvore na curva. Pode ser verdade, mas outros factores estavam associados ao acidente; se o condutor não estivesse bêbado e o peão tivesse olhado antes de atravessar a rua, provavelmente o acidente poderia ter sido evitado. Semelhante à falácia da causa complexa, é a falácia da questão complexa. Esta falácia inclui uma questão que para ser verdadeira precisa que uma nova questão seja também verdadeira. Por exemplo: “De que cor era o vestido que a Maria usou nessa festa?” A menos que se saiba que a Maria tinha levado um vestido à festa, esta questão exige que se pergunte se ela de facto usou um vestido ou umas calças. • Falácia do efeito insignificante Por vezes é preciso evitar a atribuição de consequências a causas insignificantes quando comparadas com outras. Por exemplo, deixaste o forno aceso a noite toda e por causa disso contribuíste para o aquecimento global. Os planos de ordenamento do território requerem que as construções de edifícios cumpram uma certa formula relativamente à área de construção que impermeabiliza o solo e o terreno onde se constrói. A regra pode impor que num determinado terreno de grandes dimensões não se pode construir mais do que uma área coberta de 250 m2. No entanto se construir 260m2 não vai afectar muito a impermeabilização. No entanto esse pequeno excesso é insignificante mas punido com pesadas multas. A Teoria do Caos clama que em qualquer sistema dinâmico, pequenas diferenças iniciais pode, ao longo do tempo ter consequências imprevisíveis. Esta teoria sofre da falácia do efeito insignificante quando usa o exemplo que o bater de asas duma borboleta na América pode causar um tufão no Japão. • Falácia da regressão céptica (ver: implorando a questão) O argumento da regressão é um problema que se discute em epistemologia(1) e em muitas outras situações onde se pede interminavelmente que se justifique a proposição anterior que deu origem à proposição presente. (1)Epistemologia é o ramo da filosofia que se preocupa com a natureza e abrangência do conhecimento. Estuda como o Conhecimento é adquirido e até que ponto se pode conhecer a verdade sobre um objecto ou evento.

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Exemplo de regressão céptica: Quem suporta a Terra no Universo? A terra é suportada por 4 elefantes E onde estão os elefantes? São suportados nas costas duma tartaruga E quem suporta a tartaruga? A tartaruga nada na matéria do Universo E o que suporta o Universo? .... E assim por diante até ao infinito • Falácia da ladeira escorregadia Esta é uma falácia que deriva de encadeamentos de inferências onde em cada passo a conclusão do anterior serve de premissa para o seguinte.

Esta falácia é um argumento que apresenta uma sequência dos operadores “se...então...” Se A ocorre então B ocorre; e se B ocorre, então C ocorre........ F ocorre Logo se A ocorre, F irá ocorrer

Exemplo 1: A associação de estudantes pediu para que se coloquem máquinas de dispensar preservativos nas casas de banho do campus universitário. Este pedido é ridículo... A Se estas máquinas forem instaladas os estudantes fazem mais sexo pré marital

B Isto levará a uma completa erosão de moralidade...

C Que vai levar a roubos e mentiras...

D Que vai levar a violações e assassinatos desenfreados...

E No final todo o campus cairá em total ruina moral Pode haver argumentos de ladeira escorregadia que possam dar algum suporte se houver evidência que cada nível causal é influenciado pelo prévio. Exemplo 2: A Se a qualidade de vida dos animais é pobre leva a um aumento de stress no animal

B Isto levará a uma diminuição da resposta imunitária...

C Que vai requerer o aumento do uso de antibióticos...

D Que vai levar ao aparecimento de muitas doenças...

E Que vai pôr uma pressão económica considerável no produtor

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Mas se continuarmos o argumento até I... F E o produtor vai para casa chateado e bate na mulher

G E a mulher vai-se embora com os filhos requerendo um divórcio...

H E o produtor vai à falência...

I E acaba por se suicidar.

Temos pouca (ou nenhuma) evidência de que isto poderá eventualmente acontecer. Provavelmente ele até arranja uma nova mulher e começa um novo negócio na plantação de alfaces, tornando-o muito mais rico do que antes. Note que no segundo exemplo, existe evidência científica para suportar a relação causal que vai de A até E, mas de F para I é tudo baseado em especulação. Mesmo assim de C até E a probabilidade da condição seguinte se realizar vai decrescendo. Por exemplo, basta mudar as condições de vida do animal para não se requerer o uso de antibióticos. • O Paradoxo de Sorites Se meio careca tem 500 cabelos, quantos têm um careca inteiro? Quantos cabelos têm um homem careca? Sem têm dois cabelos deixa de ser careca? Qual é a semelhança entre um careca e um monte de areia? Sorites é uma palavra Grega que significa uma pilha de, ou uma quantidade de algo. Este paradoxo é também conhecido como o “paradoxo do monte de areia”. O paradoxo surge da seguinte questão; há medida que vou adicionando um grão de areia, a que altura é que essa colecção de grãos de areia começa a se chamar um monte de areia? Qual é o patamar em que quando eu removo um simples grão de areia, deixa de ser um monte de areia? O paradoxo de Sorites é um paradoxo semelhante à falácia da regressão céptica.

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Capítulo 18: FALÁCIAS GENERALIZAÇÃO (Indução Formal)

As falácias de generalização encontram-se tanto na indução formal quanto na indução informal.

Falácias de generalização por indução formal

Falácias de generalização por indução informal

Quantificação Conversão ilícita Falácias em inquéritos de opinião pública Falácia existencial Alguns são, outros não

Probabilísticas Falácia do jogador de azar Falácia da conjunção

Falácia das comparações múltiplas

Generalização precipitada Indução indolente Generalização de varrimento Generalização tendenciosa ou enviesada Vivacidade enganosa Falácia patética Excepção exagerada Nenhum verdadeiro escocês Acidente

As falácias de indução formal são erros de raciocínio que ocorrem em indução formal que se refere a formas de indução baseada em cálculos estatísticos e de probabilidades. Vejamos alguns exemplos onde estas falácias podem ocorrer por erro acidental ou intencional.

18.1.Falácias de Quantificação • Falácia da conversão indutiva ilícita X é Y Logo Y é X

Esta falácia assume que se uma coisa X é Y, então tudo o que é Y também é X. É óbvio que esta conclusão está errada e não segue da premissa, logo esta conversão indutiva é ilícita.

Exemplos de conversões indutivas ilícitas 1 2 3

4

A maioria dos terroristas são Islâmicos. A maioria dos Islâmicos são terroristas. A maioria dos estudantes de Cambridge são inteligentes. A maioria dos estudantes inteligentes estuda em Cambridge. Grande parte dos comediantes são liberais. Grande parte dos liberais são comediantes. Uma pequena percentagem de acidentes de trânsito envolve pessoas acima dos 70 anos. Uma pequena percentagem das pessoas acima dos 70 anos está envolvida em acidentes de trânsito.

Vejamos que, se bem que os argumentos 1 a 3 sejam óbvios que são uma falácia, o argumento 4 já não é tão óbvio. Se ele tivesse sido apresentado isoladamente seríamos tentados a aceitar como um argumento bom. Mas como vimos segue uma forma falaciosa e, mesmo que pareça ter alguma lógica a priori, na realidade segue a forma falaciosa dos outros exemplos.

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Um caso de cancro da mama A falácia da conversão indutiva ilícita é muito importante especialmente quando se trata de assuntos de vida ou morte. Vejamos este exemplo apresentado por Sutherland (1992) no seu livro sobre irracionalidade:

Maria foi fazer um teste para ver se tinha cancro da mama. Duas condições há que ter em conta: Seja Y=Presença de cancro da mama e X=Teste positivo de cancro da mama Sabemos que os testes não são infalíveis e que por vezes podem dar negativo quando na realidade a pessoa tem cancro, ou positivo se a pessoa não tem. Assim a probabilidade de ter cancro (Y) se o teste for positivo (X) é diferente da probabilidade de que um teste positivo (X) indique a presença de cancro (Y).Os resultados são diferentes dependendo de como o médico aborda a questão.

Probabilidade de Y se X ocorrer

Probabilidade de X se Y ocorrer

Qual é a probabilidade que uma mulher com cancro tenha um teste positivo?

Qual é a probabilidade que um teste positivo indique que uma mulher tenha cancro?

Imagine que testámos 1000 mulheres e o teste tem 1% de probabilidade de falhar. Então a probabilidade do teste ser positivo é 99% e a probabilidade do teste ser negativo é também 99%. Não sabemos para que lado vai cair. De momento só sabemos que o teste tem 1% de probabilidade de falhar. Se ele der positivo, existe 1% de probabilidade que ser um falso positivo. Se ele der negativo, existe 1% de probabilidade de ser um falso negativo. Para melhor exemplificar que as duas questões são diferentes vamos analisar um caso com resultados reais. Primeiro fazemos uma matriz com os resultados dos testes de 1000 mulheres. Mulher cancerosa Y Mulher saudável ~Y Total

testado Teste positivo X 74

X + Y 110

X + ~Y 184

Teste negativo ~X 6 ~X + Y

810 ~X + ~Y

816

Total de testes 80 920 1000 Na página seguinte explica-se como ler esta matriz. Mulher cancerosa Y Mulher saudável ~Y Total

testado Teste positivo X

74 mulheres com teste positivo tinham cancro

X + Y

110 mulheres com teste positivo eram saudáveis

X + ~Y

184 Número total de testes

positivos Teste negativo ~X 6 mulheres com teste

negativo tinham cancro ~X + Y

810 mulheres com teste positivo eram saudáveis

~X + ~Y

816

Total de testes 80 Número total de mulheres

cancerosas

920 Número total de

mulheres saudáveis

1000

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Q1: Qual é a probabilidade que uma mulher com cancro tenha um teste positivo? (leia na direcção da linha vertical) Das 1000 mulheres testadas, 80 tinham cancro. Mas dentro do valor das mulheres com cancro apenas 74 deram positivo no teste, isto é 92,5 % 74 testes resultaram em verdadeiros positivos em 80 mulheres afectadas. Isto é, os testes de 6 mulheres não detectaram os seus cancros, logo deram falsos negativos. Isto dá 92,5% Como se chegou a este resultado? Usando uma regra de três simples Se 80 ---- é 100% 74 ---- é X X= (74 x 100)/80= 92,5 Das 1000 mulheres testadas, 80 tinham cancro mas apenas 74 mulheres com testes positivos tinham de facto cancro, isto é 92,5% Q2: Qual é a probabilidade que um teste positivo indique uma mulher com cancro? (leia na direcção da linha horizontal) Das 1000 mulheres testadas, 184 tinham testes positivos. Mas dentro deste valor apenas 74 tinham de facto cancro, isto é 40,2% 74 testes verdadeiramente positivos (em mulheres com cancro) num total de 184 testes positivos onde alguns (110) deram falso positivo. Isto dá 40,2% Como se chegou a este resultado? Se 184 ---- é 100% 74 ---- é X X= (74 x 100)/184= 40,2 Das 1000 mulheres testadas, 184 tinham testes positivos. Mas dentro deste valor apenas 74 mulheres tinham de facto cancro, isto é 40,2%. Respostas: Q1: Qual é a probabilidade que uma mulher com cancro tenha um teste positivo? 92,5% Q2: Qual é a probabilidade que um teste positivo indique uma mulher com cancro? 40,2% De facto este teste não é muito confiável porque em 1000 pessoas analisadas obteve-se 110 falsos positivos e 6 falsos negativos. Um total de 116 erros em 1000. Isto é um total de 11.6% de infidelidade ou inexactidão. Mulher cancerosa Y Mulher saudável ~Y Total

testado Teste positivo X 74 mulheres com teste

positivo tinham cancro

110 mulheres com teste positivo eram saudáveis

FALSO POSITIVO

184

Teste negativo ~X 6 mulheres com teste negativo tinham cancro

FALSO NEGATIVO

810 mulheres com teste positivo eram saudáveis

816

Total de testes 80 920 1000

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É importante ver que quando alguém testa positivo para uma condição cujo teste não é 100% confiável, há sempre uma margem de erro e obter falsos positivos. Quando se diz que um teste tem 99% de precisão, isso significa que 99% das pessoas testadas e que tinham de facto a doença acusaram positivo. Isto não é o mesmo que dizer que 99% das pessoas que acusaram positivo tinham a doença. Uma forma fácil de lembrar a forma desta falácia é pensar no seguinte: Cada vez que chove levo o chapéu-de-chuva.

é diferente de Cada vez que levo o chapéu-de-chuva, chove.

Talvez seja igual se você morar na Escócia !.. • Entrevistas e Questionários

Questionar a opinião pública é importante para os políticos fazerem prognoses relativamente ao resultado duma eleição, ou para lóbis e organizações comerciais poderem calcular a aceitação das suas ideias ou produtos. Estas pesquisas de opinião envolvem muitas questões, mas a forma como estas questões são colocadas, a sua posição no questionário, ou o tipo de linguagem utilizada, podem influenciar a opinião pública. Os resultados também podem ser avaliados com métodos estatístico tendenciosos oferecendo uma informação não representativa da realidade. Vejamos alguns exemplos de questionários mal formulados. a). Amostras auto-selecionadas Não se deve confiar numa pesquisa de opinião se a amostragem é constituída por pessoas que tomaram a decisão de serem os respondentes do questionário. Ao fazer isso já estamos a tornar a informação limitada a uma secção especial de opinião e os resultados irão reflectir apenas as opiniões daquele grupo que se auto-seleccionou. O exemplo que se segue decorreu nos Estados Unidos numa altura em que apenas algumas pessoas tinham a capacidade económica de comprar um telefone. Durante o período pré-eleitoral fizeram-se prospecções da opinião pública através de entrevistas pelo telefone sobre quais os candidatos em que iriam votar. O resultado sugeriu que o candidato Republicano iria ganhar. Mas para grande surpresa o candidato Democrata ganhou com uma grande margem. Porque é que os resultados desse questionário deram informação errada? O problema estava no método de colheita de informação ou amostragem. Nessa altura, apenas as pessoas ricas tinham telefones. Essas eram também as pessoas com simpatias pela direita e o partido Republicano. A amostragem ignorou a maioria da população, que sendo pobre ou de classe média não tinham a capacidade económica de adquirir um telefone. Esta foi uma amostragem enviesada, selectiva e não aleatória focando numa pequena parte da população. Perguntar aos membros de associações de protecção animal o que eles acham sobre a legislação em bem-estar animal, vai produzir uma colecção de opiniões favoráveis à produção de leis proteccionistas. Nenhum membro duma organização de protecção animal é da opinião que a sociedade não deveria se preocupar com legislação de bem-estar animal. Perguntar a uma sociedade tauromática o que acham sobre as leis de protecção animal, vai dar resultados na direcção oposta.

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b). Questões tendenciosas

As questões tendenciosas são aquelas que contêm no texto da questão, a informação que se deseja seleccionada. Por exemplo: “Você já parou de bater na sua mulher?” é uma questão que requer uma resposta sim ou não, mas que assume que você batia na sua mulher, mesmo que você nunca o tivesse feito. O resultado deste questionário seria “x% dos homens deste país já deixaram de bater nas mulheres”, implicando que antes eles batiam nelas. Outra questão tendenciosa seria “ Quão religioso você é?” Muito, pouco ou nada. Esta questão e as respostas sugeridas não dão informação correcta sobre as preferências religiosas duma população. De facto questões que proporcionam valores mensuráveis, com números que possam ser utilizados em cálculos estatísticos são muito melhores. Assim seria mais adequado perguntar o seguinte:

1. Qua é a sua afiliação religiosa? Esta questão permite quantificar a frequência com que certas religiões aparecem na população.

2. Quantas vezes atende um serviço religioso? Esta questão permite quantificar a devoção religiosa da população com números expressos por “quantas vezes” ou frequência.

As questões tendenciosas (ou enviesadas) são aquelas que levam o respondente a responder duma forma particular, e por vezes desejada pela empresa ou organização que encomenda esses estudos de opinião. Veja como no exemplo seguinte a formulação da questão 2 e colocada logo a seguir à questão 1 têm influência no modo como se responde à questão 1:

Tipo A Tipo B 1. Acha que o governo deveria concordar com as exigências dos professores para um aumento de salários? 2. Está consciente que o orçamento para a educação vai levar um corte drástico no próximo ano?

1. Acha que é razoável que os professores locais peçam um aumento de salário? 2.Está consciente que os professores não tiveram um aumento de salários nos últimos 5 anos, apesar do aumento da inflação?

As perguntas do questionário A levam a mais respostas negativas à pergunta 1, porque a pergunta 2 influencia a qualidade dessas respostas.

A pergunta 2 do questionário B influencia as pessoas a dar mais respostas positivas à pergunta 1.

c). Focalismo ou o efeito de âncora O focalismo ou efeito de âncora que descreve uma tendência comum dos seres humanos de focar demasiado na primeira informação que lhe foi oferecida (a âncora). Em questões que oferecem várias opções em pesquisas de opinião pública, existe uma tendência para seleccionar as opções centrais colocadas numa linha de opções possíveis. Assim que a mente determina um ponto de âncora, as nossas avaliações, julgamentos e decisões são ajustados em relação a essa âncora mostrando uma tendência interpretar outra informação em torno desse ponto. Por exemplo, o primeiro preço oferecido dum grupo de carros usados, passa a ser o ponto de referência que funciona como padrão para a avaliação do preço dos outros carros. Deste

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modo, um preço mais baixo do que o primeiro pode parecer razoável, mesmo que esse preço seja demasiado alto para o valor real do carro. Num questionário de opinião pública as pessoas são geralmente influenciadas pelos dois pontos que determinam a escala e tendem a escolher o ponto mais central. Estas tendências naturais da mente podem ser exploradas para produzir estatísticas enganosas. Vejamos estes exemplos:

Q1:Qual a sua opinião sobre este curso?

Insatisfeito Satisfeito Muito satisfeito Extremamente satisfeito Q2:Avalie a qualidade do nosso hotel Não satisfatório Médio Bom Muito bom Excelente

Ao seleccionar um valor as pessoas têm a tendência a seleccionar o ponto médio, ou ancorado a qualquer valor perto do meio.

O efeito de âncora oferece respostas diferentes dependendo dos valores da escala. Q3:Quantas vezes bebe um copo de água por dia? Escala A: 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Escala B: 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 As repostas da escala A podem ser diferentes das da escala B por causa do efeito do ponto de âncora (ou referência).

18.2.Falácias Probabilísticas • Falácia do jogador de azar Esta é uma falácia que ocorre frequentemente entre os jogador de azar, isto é, pessoas que jogam nas slot-machines, cartas, roleta, etc. Estes jogadores acreditam que se pode predizer a sorte, ou melhor, que se pode controlar o acaso com que acontecem eventos que são por natureza aleatórios. Muitos acreditam que quando estão em “maré de sorte” não podem perder. Eventos que são aleatórios não têm forma de ser previstos e não há maré de sorte ou azar que os influencie por artes mágicas ou energias universais. Um evento aleatório é por exemplo o jogo de cara ou coroa. Cada vez que se lança uma moeda ao ar, se a moeda não for viciada, a probabilidade de cair coroas 5 vezes e em sequência em 10 lançamentos pode ser pequena, mas poderá acontecer por acaso. Se um jogador apostou em coroas e elas

Mais indicadores positivos do que negativos

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caem 5 vezes de seguida, ele pode pensar que está em maré de sorte e que na jogada seguinte também vai cair coroas. Se por acaso cair, isso apenas reforça a sua crença na sorte. Á medida que o seu cérebro é recompensado com a confirmação da expectativa o jogador começa a acreditar que existem forças místicas que estão trabalhando para a sua sorte e continua a apostar nas coroas. O problema é decidir quando parar a aposta! Quanto mais o cérebro for reforçado com a confirmação da expectativa, mais o jogador acredita na sorte. • Falácia da conjunção A falácia da conjunção assume que um conjunto de condições é mais provável do que apenas uma condição geral. Um exemplo desta falácia frequente apresentado é o seguinte:

Linda tem 31 anos, solteira, honesta, fala sem rodeios, e é intelectualmente brilhante. Ela fez uma licenciatura em filosofia. Quando era estudante estava muito envolvida com assuntos de justiça social, contra a descriminação social e participou em muitas demostrações antinucleares e pelo uso de energias alternativas. De acordo com o perfil e Linda, quais destas frases acha mais provável?

1. A Linda trabalha como caixa num banco 2. A Linda trabalha como caixa num banco e é activa no movimento feminista.

Qual foi a sua opção? A maioria das pessoas escolhe a opção 2. Mas estatisticamente a probabilidade de Linda ser apenas uma pessoa que trabalha num banco (PA) é maior do que ser ambas (caixa e activista) ao mesmo tempo (PA+B). Note que a probabilidade de duas coisas acontecerem ao mesmo tempo é menor do que cada coisa acontecer por si só. A probabilidade de A+B é diferente da probabilidade de A mais a probabilidade de B ou (PA+B) ≠ (PA) + (PB). • Falácia da proporção de base O Joel é um moço que gosta de usar maquilhagem preta, pintou os cabelos de preto, tem piercings espetados na cara, nas orelhas, na língua, e veste-se de preto, só ouve música do tipo Heavy Metal e usas roupas de inspiração Gótica. Obviamente o Joel é um Gótico! Qual é a probabilidade de que o Joel seja Cristão ou Satânico? A tendência das pessoas inquiridas é dizer que é o mais provável é que ele seja Satânico. Mas estas pessoas estão a ignorar o seguinte; existem mais que 2 bilhões de Cristãos no mundo e apenas uns poucos milhares de Satânicos. Assim, a probabilidade de pertencer ao grupo dos Cristãos é maior do que a probabilidade de pertencer ao grupo dos Satânicos. A diferença entre Cristãos e Satânicos é de grande magnitude numérica. A probabilidade de pertencer a um grupo com maior número de aderentes é maior do que a probabilidade de pertencer a um grupo com poucos membros. Ao fazer o julgamento de que o Joel é Satânico os inquiridos focaram apenas no estereótipo das roupas e apresentação do Joel e ignoraram a realidade da relação que descreve a proporção entre Cristãos e Satânicos (2 bilhões / 2 mil). Não existe qualquer razão para que um Gótico não seja também Cristão. O movimento Gótico é uma moda que surgiu após o movimento punk e que se prende com um tipo de música e não uma opção religiosa.

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Capítulo 19: FALÁCIAS DE GENERALIZAÇÃO e EXCEPÇÃO (INDUÇÃO INFORMAL)

19.1. Falácias de Generalização

Como já vimos, fazer generalizações a partir de observações é um fenómeno fundamental no processo de aprendizagem e categorização dos fenómenos que nos rodeiam. No entanto, frequentemente cometemos erros ao fazer generalizações; vemos uma ou um número restrito de pessoas a fazer algo e atribuímos esse comportamento para o resto do grupo social que inclui esses indivíduos, ou colhemos amostras tão restritas e seleccionadas, que dificilmente podemos dizer que essas amostras são representativas da população de onde foram retiradas. Estes erros classificam-se como generalização precipitada, de varrimento ou tendenciosa.

• Generalização apressada ou precipitada A generalização precipitada é um tipo de generalização indutiva baseada em evidência insuficiente, geralmente tirando conclusões rápidas sem considerar todas as alternativas. Este tipo de falácia é particularmente perigosa em estatística levando à atribuição de certas conclusões a uma grande número de indivíduos quando a amostragem foi muito pequena e não é representativa da população. Mas em indução informal, esta falácia ocorre da apreciação de uns poucos casos conhecidos e sua generalização para a maioria. Muitas pesquisas em psicologia são executadas através de questionários aos estudantes destes cursos em Universidades famosas onde existem fundos para pesquisa e os estudantes vêm de famílias afluentes. Frequentemente estas pesquisas clamam que os resultados desses testes, por serem estatisticamente significante, oferecem exemplos de comportamento que caracterizam a natureza humana. Este é um exemplo de generalização precipitada, onde a população testada não é uma amostra real da população do planeta. A amostra é demasiado pequena e enviesada.

Tipos de Generalização Apressada ou Precipitada Varrimento Tendenciosa

Uma generalização que tira conclusões sobre um todo a

partir dum só.

Uma generalização que conclusões sobre um todo a

partir de alguns.

Dar demasiada força a um argumento baseado numa

amostragem não representativa da população.

De um para todos

Evidência anedótica

De alguns para todos

Duma amostra não

representativa para todos

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Exemplo 1: Um repórter dum jornal local exagerou uma história para a tornar mais excitante e outro repórter do telejornal confundiu os factos. Conclusão já não se pode mais confiar na informação pública. Exemplo 2: Os pitbulls não mordem. Eu tive um pitbull mais que 10 anos e nunca mordeu ninguém! Evidência Anedótica: Uma anedota é uma história, não é necessariamente para rir. A evidência anedótica é uma simples história que pode relatar um facto do qual se tenta extrapolar para o resto da população. • Indução indolente O oposto duma generalização precipitada é uma generalização indolente ou preguiçosa onde se nega uma conclusão dum argumento indutivo que seja relativamente aceitável, refutando essa conclusão com um criticismo do tipo “ foi só uma coincidência!”. Na indução indolente a conclusão dum argumento indutivo é refutada mesmo que haja evidência forte que o suporte. Num teste sobre indução indolente dois grupos A e B foram questionados sobre a similaridade e diferença entre países. As perguntas foram feitas de modos diferentes para cada grupo:

Grupo A (foco na semelhança) Grupo B (foco na diferença) Quais destes países são mais semelhantes?

[Alemanha e Bélgica]

ou [Sri Lanka e Nepal]

Quais destes países são mais diferentes?

[Alemanha e Bélgica] ou

[Sri Lanka e Nepal]

O Grupo A (testados para a semelhança) afirmou ser a Alemanha e Bélgica.

O Grupo B (testados para a diferença) afirmou ser o Sri Lanka e Nepal.

A que se deve esta diferença nas respostas? Dado que os grupos testados eram estudantes Americanos, eles estavam mais familiarizados com os países Ocidentais do que os Orientais. A Alemanha e a Bélgica eram mais salientes. A saliência representa que algo é diferente do resto e esse factor levou os estudantes a escolher o factor “diferença” para estes países em vez do factor “semelhança”. • Generalização por varrimento O argumento faz uma generalização de algumas observações para o total da população. Este argumento é usado frequentemente em estudos comportamentais em psicologia e etologia. Um exemplo de dois estudos em primatas fez a seguinte afirmação como conclusão da sua investigação; “um sentido de justiça parece ser um traço comum a todos os primatas”. O argumento generaliza dois estudos onde se mostra que macacos Prego (Simia apella) cooperam na aquisição de recursos alimentares, para uma ideia de justiça como algo comum a todos os primatas. Neste caso a conclusão é demasiado generalizada para o que a evidência permite. Avalie a qualidade do suporte oferecido para este argumento publicano numa revista científica sobre comportamento de primatas:

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“O sentido de justiça parecer ser um traço instintivo comum a todos os primatas.”

Conclusão

Os pesquisadores testaram macacos prego para negociar a troca de pequenas pedras por recompensas de comida. Colocaram um macaco ao lado do outro e cada um podia ver a quantidade de comida oferecida ao outro. No início dos testes, os pesquisadores davam pepino por cada pedra oferecida pelo macaco. Depois começaram a dar ao macaco A uma uva pelas pedras. Os outros macacos observando esta acção, e não recebendo uvas recusaram-se a negociar com o pesquisador. Noutro teste os macacos prego ajudaram-se um ao outro a puxar uma barra pesada que escondia comida. Um macaco que tivesse comido uma porção dessa comida, voltava de novo à barra para ajudar o outro macaco prego a colher a sua porção, num exemplo de cooperação”

Justificações pretendem suportar a conclusão

Qual é o problema deste argumento? A frase inicial que oferece a conclusão extrapola para todos os primatas testes feitos com macacos prego. • Generalização tendenciosa ou enviesada

Este é um tipo de generalização que sobrestima a força dum argumento baseado em informação unilateral ou de amostras não representativas. Um argumento deste tipo diz-se enviesado. Por exemplo: 1. Algumas pessoas desta religião são fanáticas, logo todas são fanáticas 2. Os homens que gostam de gatos são efeminados 3. Os animais devem ter direitos. O problema deste argumento é que coloca todos os animais na mesma categoria esquecendo que moscas e outros invertebrados, também são animais.

19.2. Falácias de Excepção • Excepção exagerada A falácia da excepção exagerada é de certo modo semelhante à falácia da generalização apressada. É um tipo de generalização que é correcta e tem precisão, mas elemina tantos casos, que aquilo que resta é muito menos impressionante do que aquilo que se disse no início. Vejamos este exemplo tirado do filme do Monty Python, a Vida de Brian onde se discute o que os Romanos fizeram pelo povo da Palestina: Exemplos:

1. Os Romanos não fizeram nada por nós... "...mas tirando o saneamento, a medicina, a educação, o vinho, a ordem pública, a irrigação, as estradas, o sistema de aquedutos e a saúde pública, o que é que os Romanos fizeram por nós? “Orador pretende com esta frase dizer que os Romanos não fizeram nada por eles tentando minimizar a importância de todos as outras acções.

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2. “ A nossa política externa foi a de sempre ajudar outros países, excepto quando isso vai contra os nossos interesses nacionais.” Aqui a implicação falsa é que a política foi a de sempre ajudar outros países. A palavra sempre associada á palavra excepto transforma a frase numa contradição.

3. “Bem, eu prometo que a resposta será sempre SIM, a não ser que seja necessário responder um Não”

Resumindo, uma falácia de excepção exagerada tem a seguinte forma:

Faz-se uma afirmação A Oferecem-se muitas excepções para essa afirmação Conclui-se que a afirmação A é correcta

• Acidente (destruindo a excepção) A falácia do acidente começa com uma afirmação de algum princípio que é verdadeiro como regra geral, mas erra na aplicação deste princípio num caso específico que é atípico ou incomum. É uma falácia que ocorre em silogismos dedutivos. É dedutivamente válida mas não é forte porque não toma em consideração a excepção à regra. A falácia ocorre quando se tenta aplicar a regra geral a uma situação irrelevante. Exemplo:

Cortar as pessoas com facas é crime Os cirurgiões cortam as pessoas com facas Logo os cirurgiões são criminosos

• Nenhum verdadeiro Escocês Esta falácia foi baptizada pelo filósofo Britânico Anthony Flew que contou a seguinte história para a exemplificar: Imagine que o Sr. McDonald, um escocês, está lendo um jornal escocês e vê um artigo com o título “O tarado sexual inglês ataca outra vez”. O Sr. McDonald fica chocado com a notícia e declara que “nenhum escocês faria tal coisa!”. No dia seguinte no mesmo jornal vem uma notícia sobre um homem de Aberdeen (no norte da Escócia) que exerceu acções tão brutais sobre a sua esposa, que fez com que o tarado sexual inglês quase parecesse um cavalheiro. Este facto faz com que a declaração original do Sr. McDonald se torne questionável. Mas será que ele vai aceitar que errou na sua declaração? Não...ele agora vai emendar a sua declaração para “nenhum verdadeiro escocês, faria isso”. Ao alterar a sua declaração adicionando a palavra “verdadeiro” ele exclui da sua frase essa excepção - o criminoso de Aberdeen-que apesar de ser escocês, não é “um verdadeiro escocês”.

Quando ele diz, nenhum escocês faria isso, ele está a incluir nesse universo, todos os escoceses. Mas agora verificou que existem alguns escoceses que são excepção e não podem ser incluídos na frase original, então ele teve que reforçar a frase com um novo adjectivo (verdadeiro) para poder excluir esses casos especiais de escoceses. A frase “mudar os paus da baliza” representa uma forma de generalização que apenas se torna verdadeira quando um contra exemplo é ignorado com base em argumentos fracos e o orador muda a sua declaração original para a tornar aceitável.

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Allan: "Nenhum escocês põe açúcar nas suas papas de aveia” Owen: " Eu sou escocês e ponho açúcar nas minhas papas de aveia!" Allan: "Bem, o que eu queria dizer era que nenhum verdadeiro escocês põe açúcar nas suas papas de aveia."

• Mudando os paus da baliza ( mudando as regras do jogo) Imagine que você está jogando futebol com os amigos na praia e cada vez que tenta um golo e a bola está quase a entrar na baliza, o seu adversário muda os paus da baliza para evitar que você consiga marcar. Este exemplo deu o nome a esta falácia que tem uma certa semelhança com a falácia anterior, mas neste caso ignora-se a evidência que foi apresentada para suportar uma declaração, e mais evidência é requerida. Isto é vai-se se mudando a regras do jogo enquanto se joga. O problema com isto é que o significado do resultado também muda e aquilo que se pretendia obter no início acaba sendo algo totalmente diferente. Isto acontece frequentemente em situações de trabalho onde os empregados são assediados pelo patrão que originalmente os empregou para executar uma série específica de tarefas e à medida que o tempo passa vai exigindo outras tarefas que não estavam originalmente no contracto fazendo demandas adicionais arbitrárias assim que mal as demandas originais estejam perto de ser cumpridas. Esta falácia é também utilizada frequentemente pelos criacionistas que nunca estão contentes com a evidência que lhes é oferecida para confirmar a teoria da evolução.

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Capítulo 20:FALÁCIAS DE EVIDÊNCIA E PROVA • Selecção de informação (“Escolhendo Cerejas”) Esta falácia assenta na selecção da informação que apoia o argumento, ignorando inúmeros exemplos que oferecem um ponto de vista oposto ou que podem derrubar o argumento. Isto ocorre frequentemente na escrita de artigos científicos onde o autor se concentra apenas em oferecer informação que suporta o seu ponto de vista ignorando dados publicados que sugerem o contrário. Um argumento equilibrado oferece também as opiniões opostas Quando não conhecemos bem um assunto e estamos no processo de colher informação, convém consultar uma variedade de peritos e especialistas que possam oferecer várias opiniões sobre esse assunto. Cada especialista apresentará um argumento que suporta os seus pontos de vista e eventualmente acabamos com uma lista de opiniões que variam em concordância entre dois extremos opostos. A decisão de qual caminho escolher depende de nós e da nossa capacidade de avaliar criticamente os argumentos apresentados. Quanto mais informação a que temos acesso, melhor podemos compreender o panorama geral. Quando temos uma quantidade de informação restrita, podemos ser facilmente vítimas da falácia do falso dilema. • Falácia do falso dilema (pensamento a preto e branco)

Um falso dilema é uma forma de raciocínio que oferece apenas duas soluções impondo uma escolha entre duas opções oferecidas, quando na realidade existem outras opções. Segue o modelo seguinte.

P1: Ou a proposição X é verdadeira ou a proposição Y é verdadeira ( uma exclui a outra. De facto X e Y poderiam ser ambas falsas) P2: A proposição Y é falsa C: Logo a proposição X é verdadeira

Este tipo de falácia é frequentemente usado em apelos ao patriotismo. Por exemplo “América! … Ame-a ou deixe-a!”. Ou entre amigos chantagistas; “ ou você é meu amigo ou amigo dela”.

Existem casos onde apenas duas situações são possíveis e por consequência não são falácias. Por exemplo; “ou o gato está vivo ou morto” logo não pode estar numa situação intermediária. Quando uma proposição é verdadeira, automaticamente a outra será falsa.

Esta falácia é consequência do modo como funciona a nossa psicologia. Nós temos uma tendência em pensar sobre as coisas como opostos a “preto ou branco”. Esta tendência é enfatizada em produções cinematográficas hollywoodescas onde a maioria dos filmes apresentam mensagens simples para espectadores simples. Nos anos quarenta a dicotomia era entre os índios e os cowboys. Hollywood promoveu o heroísmo dos colonizadores Europeus, caucasianos na destruição e chacina do “inimigo”; os pobres os índios que pretendiam proteger as suas famílias dos ataques dos invasores. Mais tarde com os filmes de espionagem, os Americanos representantes da liberdade e capitalismo eram os bons e os Russos ou os comunistas eram os maus. Este ideal foi também expresso em filmes de ficção científica onde os ideais americanos eram expressos pela Confederação de Planetas contra os alienígenas com ideias perigosas e intenções de destruir a humanidade por causa dos seus efeitos nefastos na destruição do Planeta Terra. De facto, em algumas situações as minhas simpatias estão mais inclinadas em favor dos extraterrestres.

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Em filmes românticos, onde o pobre do marido era retratado como uma vítima nos braços tentadores duma mulher fatal, que se tornara sua amante, a esposa é sempre retratada como a boazinha e a amante a megera interesseira sem sentimentos por outro lado o adúltero é sempre retratado como a vítima sem qualquer controle sobre si próprio, ou totalmente desprovido de livre arbítrio devido ao hipnótico efeito da vilã ou da quantidade de testosterona circulando no seu sistema que o impede de pensar racionalmente. No final o homem é sempre retratado como o pobre coitado manipulado ou pela mulher ou pela amante. Histórias típicas de sociedades chauvinistas.

As histórias de fadas contadas às crianças antes de adormecer, têm sempre uma bruxa má e uma menina boa que é salva à última hora por um príncipe encantado. Ou uma fada boa e um menino mau.

Esta estampagem cultural forma uma mentalidade onde se constrói o mundo entre duas opções opostas ignorando as nuances entre estes extremos.

Durante os anos 60 e 70 passava na televisão Portuguesa desenhos animados do BeepBeep(1) e o Coiote. O pobre do coiote inventava as estratégias mais loucas para apanhar o BeepBeep. Eu sempre ficava com pena do coiote, que em todos os episódios via a sua necessidade de se alimentar frustrada pelo funcionamento desastroso das suas engenhocas. Esta série levou as crianças a pensar que os coites era animais maus. Os contos infantis que marcaram a nossa infância sempre representam um animal mau (geralmente o lobo) e um animal bom.

Esta dicotomia apresentando histórias que consistem em dividir o mundo entre dois extremos, tem repercussões na formação da mente dos adultos e na forma como a informação futura é avaliada.

• Apelo à ignorância argumentum ad ignorantium (inversão do ónus da prova)

Esta falácia é muito frequente e é muito importante conhecê-la devido à sua extensa propagação na argumentação mundana e científica. A falácia alega que se uma coisa não pode ser provada falsa, então deve ser verdadeira. Exemplo 1: Deve haver vida inteligente no universo porque que ninguém ainda provou que não há. Exemplo 2: A: O meu cão é um espião de Vénus. B: Como podes provar isso? A: Eu sei que ele é. Como podes refutar que não é? Exemplo 3: Apesar de tudo, nenhum disco voador foi ainda identificado, logo podemos assumir que discos voadores não existem. Exemplo 4: A: Eu sei que Deus existe. B: Prova que ele existe para eu acreditar. A: Não, prova tu que ele não existe! Nestes exemplos a pessoa clama a existência de algo para o qual não há, ou é impossível obter evidência e pede para o céptico providenciar prova de não-existência. Como já vimos no exemplo dos cisnes brancos e pretos, tentar provar a não existência de algo é uma falha de lógica. Só se pode provar que algo existe porque essa prova depende de evidência e a evidência de nada só pode ser nada. A evidência é algo palpável que se pode detectar e confirmar objectiva e empiricamente.

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Em argumentação lógica o ónus da prova cai sobre aquele que oferece a conclusão.

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(1) BeepBeep é um desenho animado do Estúdios da Looney Tunes inspirado na ave Geococcyx californianus. O nome significa Grande Cuco da Califórnia. Esta ave que pertence à mesma família que os Cucos tem pouca habilidade para voar e pode correr a velocidades que atingem 32km/h a 42km/h em casos extremos.

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Capítulo 21: FALÁCIAS DE ASSOCIAÇÕES E PADRÕES ILUSÓRIOS

Já vimos que o estabelecimento de associações é uma tendência natural da mente, mas essa tendência pode resultar em erros de lógica onde se estabelecem associações inadequadas entre eventos similares. Por exemplo uma rodela de cenoura pode se parecer com um olho e assume-se que comer cenouras é bom para os olhos. De facto pode ser bom para a visão mas não por ser similar mas sim porque a presença de carotenos na cenoura induz a produção de vitamina A que tem efeitos positivos na visão. O facto da rodela de cenoura se parecer com um olho e fazer bem é pura coincidência mas também é uma vontade muito grande de ver uma semelhança onde de facto ela não existe. Outras associações que ocorrem pela Internet clamam que um tomate tem 4 câmaras como o coração, logo comer tomates faz bem ao coração. De facto comer tomates e outros vegetais faz bem a tudo! As sementes do figo parecem espermatozóides, logo comer figos ajuda a combater a infertilidade masculina. Muitas destas associações ilusórias têm levado a catástrofes ecológicas como se tem visto pelo exemplo da utilização de partes de animais selvagens em perigo de extinção na medicina chinesa. Crenças como o corno de rinoceronte promove a potência sexual dos homens, levaram a uma grave crise ecológica de quase extinção dos rinocerontes. Outras crenças levam ao abuso e tratamento cruel de animais, como por exemplo a crença de que a bílis do Urso de Colar cura todas os padecimentos, levando ao encarceramento de milhares de ursos em gaiolas minúsculas, com um tubo enfiado na bílis para colher esse líquido e vender no mercado Asiático para fazer remédios de efeitos mágicos. A homeopatia, é uma forma de medicina alternativa baseada na ideia de que uma substância que causa os sintomas duma doença em pessoas saudáveis, pode curar essa doença em pessoas doentes. Esta crença é baseada num princípio que caracteriza o pensamento mágico, e se chama a “Lei da similaridade”. Esta “lei” estabelece que coisas que causam sintomas semelhantes curam doenças semelhantes. Sob o ponto de vista científico a homeopatia é considerada charlatanismo pois não existem estudos científicos que provem a eficácia de tais tratamentos e os mecanismos de acção propostos não são plausíveis. Os criticismos mais fortes aos testes feitos sob a eficácia da homeopatia baseiam-se em:

• Ausência de testes cegos-duplo • Ausência de testes de controlo • Tamanho da amostragem demasiado pequeno e não representativo • Ignorar a proporção de resultados negativos em relação aos positivos

Muitos exemplos de associações ilusórias podem ser encontrados dentro de áreas supostamente científicas, como a psicologia e essencialmente da psicanálise e interpretação dos sonhos. Qualquer interpretação destes comportamentos não tem qualquer base científica nem apresenta teorias falsificáveis.

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Muitas análises psicológicas ainda usam com frequência os testes de Rorschach que são um conjunto de quadros com manchas de tinta-da-china simétricas estes quadros são apresentados aos sujeito e através da descrição do que ele vê nessas figuras, estabelece-se o quado psicológico da pessoa. Estes testes não têm qualquer validade e não são mais do que a interpretação e projecção subjectiva do analista. De facto o teste diz mais sobre o analista do que sobre o sujeito testado. A grafologia, ou análise do temperamento duma pessoa através da sua caligrafia, é mais outro teste sem qualquer valor científico.

• Correlações ilusórias

As correlações são uma forma de falácia causal (Cum Hoc). No anos sessenta houve um aumento de vendas de televisões per capita no Reino Unido. Também se verificou um decréscimo acentuado da taxa de natalidade Conclusão: As pessoas começaram a fazer menos sexo porque passavam mais tempo a ver mais televisão. Esta é uma correlação ilusória e não causal. Na realidade foi também nos anos sessenta que a pílula contraceptiva se tornou acessível a toda à população.

• Mosaicos/Padrões Ilusórios

Uma derivação da tendência para fazer associações ilusórias é a tendência para detectar padrões onde eles não existem. A aleatoriedade é algo que causa ansiedade e insegurança, assim a fim de reduzir essa incerteza, o cérebro tem tendência para procurar padrões em toda a informação que chega aos nossos sentidos. Esta tendência ajuda na criação de algoritmos para prever situações futuras.

O nosso cérebro tem uma grande capacidade de reconstruir imagens a partir de informação escassa e mosaicos difusos transformando-os em algo que nos é conhecido e que faz sentido. Nesta imagem pode detectar-se um cão dálmata apesar da informação escassa apresentada na fotografia. Esta tendência para identificar padrões de informação aleatória faz com que a gente veja padrões ou imagens de coisas conhecidas em formas irregulares.

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Vemos cachorrinhos de peluche nas nuvens, caras de santos nas sombras das torradas, em troncos de árvores, Jesus no traseiro dum cão, mensagens secretas escondidas em textos de livros comuns e formas humanas em maciços graníticos.

1. O focinho dum cão 2. A cara de Jesus numa torrada 3. O traseiro de um cão

4. Formas naturais em troncos de árvore percebidas como imagens da Virgem

5. O livro O Código da Bíblia publicado em 1997, insinua que existe um código secreto escondido no

texto da Bíblia hebraica. Esta é outra forma de padrões ilusórios onde não existem.

6. Cabeça da Velha. Serra da Estrela

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Capítulo 22: FALÁCIAS ANALÓGICAS Uma analogia é a comparação entre dois objectos ou eventos que são considerados semelhantes. O argumento diz que se A tem a propriedade P e sendo B semelhante a A, logo B também deve ter a propriedade P. O argumento por analogia é um tipo especial de argumentação indutiva onde as semelhanças percebidas pelos nossos sentidos são usadas como base para inferir outro tipo de similaridade que ainda não foi observada. Este é um dos métodos mais comuns usados pelos seres humanos para tentar compreender o mundo e tomar decisões. Este é um argumento que se usa muito em zoologia, evolução, ética e bem-estar animal onde se comparam as estruturas dos cérebros dos humanos com outros primatas e mamíferos e assume-se que se uma estrutura particular tem uma determinada função no cérebro humano deve ter a mesma função se for encontrada nos cérebros de outros animais. Não está nada de errado neste argumento, mas por vezes uma analogia pode falhar quando dois objectos A e B são também diferentes de tal modo que a analogia não se pode aplicar mesmo que eles tenham em comum uma certa propriedade P. Argumento 1: Golfinhos e vacas são ambos mamíferos, têm placentas e respiram por pulmões Os golfinhos vivem na água Logo as vacas também vivem na água Esta analogia é fraca, porque as diferenças entre estas duas espécies são mais do que as similaridades. Para uma analogia ser boa, quanto mais características em comum, melhor. Os defensores de direitos dos animais usam a seguinte analogia Argumento 2: O Homem e os grande primatas têm consciência, linguagem, e inteligência O Homem têm o direito à vida Logo os grandes primatas também têm direito à vida O argumento sugere uma premissa subentendida que é a seguinte; tudo o que tem consciência, linguagem e inteligência tem direito à vida. Esta analogia é problemática porque se apoia em propriedades vagas e que também podem ser aplicadas a outros mamíferos para além dos grandes primatas. O contra argumento poderá questionar. Porquê que essas propriedades são condição para dar direito à vida? Argumento 3: O Homem e o chimpanzé têm 97% de similaridade genética O Homem tem valor moral Logo o Chimpanzé tem valor moral De facto a similaridade genética não é o que dá valor moral aos indivíduos. O gato têm 90% e a mosca da fruta Drosófila tem 60% de similaridade genética com o Homem. É caso para perguntar porque é que 7% de diferença entre o chimpanzé e o gato é tão importante para dar valor moral a um e não a outro? Este argumento é usado como suporte para remover os chimpanzés dos laboratórios de investigação científica. Mas os gatos e cães continuam nos laboratórios!

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Como vimos no argumento 2 usam-se as similaridades das capacidades cognitivas dos animais para lhes dar valor moral e direitos, no argumento 3 usam-se as similaridades do código genético. Argumento 4: Ninguém irá condenar um barista por beber algumas bebidas alcoólicas no trabalho. Um piloto de avião de passageiros é tão humano como um barista. Então, ninguém deveria condenar um piloto de avião por beber algumas bebidas alcoólicas no trabalho. Aqui a semelhança entre o barista e o piloto é total. São ambos humanos. Mas o problema deste argumento é que ele falha na selecção da propriedade P que deve ser comparada. A propriedade neste caso deve ser o tipo de trabalho que eles executam e não a espécie a que pertencem. Esta é uma analogia falaciosa porque falha na propriedade a ser comparada. Vários factores afectam a força dum argumento por analogia:

• A relevância das similaridades desconhecidas inferidas na conclusão • A quantidade de exemplos • A variedade de exemplos • O número de características compartilhadas

As analogias falaciosas podem dividir-se em 3 categorias.

• Analogias erróneas • Analogias falsas • Analogias questionáveis

22.1. Analogias Erróneas Uma forma legítima de estabelecer uma analogia num argumento, é identificar uma estrutura lógica comum. Neste caso não é tanto o conteúdo da analogia que interessa, mas a estrutura da inferência.

Dedutivo Inválido

Os pinguins são pretos e brancos Os programas de TV antigos são pretos e brancos Logo os pinguins são programas de TV antigos

22.2. Analogias Falsas O termo analogia falsa foi cunhado pelo filósofo John Stuart Mill que foi um dos primeiros filósofos a analisar em detalhe os argumentos por raciocínio analógico. Argumento 5: O modelo do sistema solar é semelhante ao modelo do átomo com os planetas orbitando o sol como os electrões do átomo orbitando o núcleo. Os electrões podem saltar duma órbita para a outra. Então os planetas também podem saltar duma órbita para a outra A analogia é falsa porque conhecemos bem as diferenças entre átomos e planetas, mas se o assunto fosse sobre algo que desconhecemos, poderíamos cair no erro de aceitar a analogia.

=

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Argumento 6: Um rato é branco, tem uma cauda, cabe na mão e deve ser alimentado todos os dias. O rato do meu computador também é branco, tem cauda e cabe na mão. Então também deve ser alimentado todos os dias.

22.3. Analogias questionáveis

O uso de animais de laboratório na experimentação e investigação de curas para doenças humanas é um procedimento que se baseia em analogia. No entanto com o desenvolvimento da ciência e consciencialização do público sobre o sofrimento animal, o uso de animais em laboratórios começa a ser questionado com alegações de que os resultados obtidos em animais, em poucas situações podem ser extrapolados para humanos. O uso de animais baseia-se na analogia de que as respostas imunitárias e a fisiologia dum rato são semelhantes às dum humano. Mas quando se questiona o sofrimento desses ratos, gatos, cães e macacos mantidos em laboratório, o argumento assume que eles são diferentes dos humanos. Isto é uma contradição. Então esta é uma analogia questionável. Ou bem que são semelhantes ou não são! Dois pontos importantes sobre analogias que se deve ter em conta são:

1. Nenhuma analogia é perfeita. Há sempre alguma diferença entre coisas análogas, senão os objectos não seriam análogos e sim iguais e consequentemente a relação não seria identificada como uma analogia mas sim uma igualdade.

2. Há sempre alguma similaridade entre os dois objectos comparados na analogia, mesmo que eles sejam muito diferentes.

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Capítulo 23: FALÁCIAS DE EXPLICAÇÃO Quando se apresentou o raciocínio abdutivo, introduziram-se os conceitos de explicação, clarificação e definição. A explicação faz parte do nosso dia-a-dia e é usada quando alguém nos pergunta direcções para um lugar, como funciona um determinado aparelho, porque exibimos determinado comportamento? Uma explicação não é um argumento. A função da explicação não é tentar convencer o outro da verdade duma proposição. A explicação assume que os participantes, aquele que explica e aquele que ouve a explicação, assumem de antemão que a proposição é verdadeira. Se alguém perguntar “porquê que o Sol gira em torno da Terra?” posso oferecer uma explicação dizendo que “a Terra atrai o Sol numa força gravitacional com um momento giratório. A pergunta e a explicação são absolutamente erróneas e incompatíveis com aquilo que sabemos hoje sobre os movimentos da Terra e do Sol, mas neste exemplo ambos os participantes, o inquiridor e o explicador, assumem e concordam que a proposição que clama que o Sol gira em volta da Terra é verdadeira e a explicação é exposta nesse universo. Claro que, se alguém faz essa pergunta a uma pessoa que conhece a verdade sobre o fenómeno, ela responderá primeiro corrigindo a pergunta, afirmando que o pressuposto de que o Sol gira em volta da Terra, está errado e depois oferece uma explicação para mecanismo real – a Terra girando em torno do Sol. Neste caso, o explicador assume que o fenómeno “Terra girando em torno do Sol” é uma proposição verdadeira.

Pergunta: “Porque o Sol gira em torno da Terra?” Argumento: “Você está errado. O Sol não gira em volta da Terra. A Terra em torno de si própria.” Explicação que suporta a veracidade do argumento: “O movimento de rotação da Terra sobre o seu próprio eixo é o que nos dá a impressão de que o Sol gira em torno da Terra”

Algumas explicações podem incorrer em falácias. Aqui vão alguns exemplos de explicações falaciosas: Suporte Subvertido

Quando o fenómeno explicado não existe. “Todos os Portugueses chegam atrasados a uma reunião porque saem de casa sempre à última da hora e não contam com os problemas de tráfico.” “A Grécia está numa situação económica desastrosa porque os Gregos não gostam de trabalhar duro.” Estes dois exemplos oferecem explicações para dois fenómenos que na realidade não existem. Provavelmente alguns Portugueses têm uma tendência de chegar atrasados e alguns Gregos não gostam de trabalhar duro, mas essa explicação não é suficiente nem serve para extrapolar esse pressuposto para toda a população dum País. As explicações oferecidas para justificar porque os Portugueses chegam atrasados e a Grécia está em crise pretendem elucidar sobre esses pressupostos que não são necessariamente verdadeiros.

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Sem suporte

Quando a evidência oferecida é tendenciosa e unilateral. Nestas explicações apenas se oferece a evidência que serve para suportar o argumento do orador ocultando informação que não lhe interessa declarar pois pode abalar o seu ponto de vista.

Intestável

A teoria usada para explicar não pode ser testada “A homeopatia funciona por causa da memória da água” “As vacas são bipedais quando ninguém está a olhar”

Pouco abrangente

A teoria usada explica uma coisa limitada dentro do fenómeno Vejamos este exemplo: “O adultério é mais frequente ente os políticos do que entre médicos ou advogados. Isto é porque os poder dos políticos é afrodisíaco e eles passam mais tempo fora de casa.” De facto, o adultério dos políticos é mais relatado pela imprensa do que as infidelidades de gente comum. Aqui identifica-se um efeito de saliência que confunde a realidade. O problema aqui é que se oferece uma explicação para um fenómeno que não é real (adultério de políticos mais frequente do que adultério de médicos e advogados) e mesmo que fosse a explicação é limitada apenas a duas causas (o poder é afrodisíaco e eles passam mais tempo fora de casa).

Profundidade limitada

A teoria não explica as causas subjacentes ao fenómeno.

Racionalização ad-hoc

Como já vimos na secção 17.3 sobre falácias causais indutivas uma explicação ad-hoc é uma forma de defender um argumento que é claramente disputado. Este tipo de racionalização aplica-se apenas a um caso especial e não se pode generalizar para outros fenómenos da mesma natureza.

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Capítulo 24: FALÁCIAS DE DEFINIÇÃO

• Demasiado ampla • Demasiado restrita • Demasiado vaga • Falha em elucidar • Definição circular • Condições conflituosas • Inconsistência

• Demasiado ampla Quando a definição inclui coisas que não deveriam ser incluídas. “Uma maçã é algo que é vermelho e redondo”. Pois, também o planeta Marte! “Uma figura geométrica é um quadrado quando têm quatro de igual comprimento”. E um trapézio também! “Mamíferos são animais que respiram por pulmões”. Também os lagartos e não são mamíferos! • Demasiado restrita Quando a definição não inclui coisas que deveriam ser incluídas. “Uma maçã é algo que é redondo e vermelho.” E as maçãs amarelas não são maçãs? “Um livro pornográfico é aquele que contém fotos de pessoa nuas”. E os livros de anatomia humana o que são? • Demasiado vaga Quando a definição não é especifica nem expressa detalhe. Por exemplo “o bem-estar animal é uma coisa boa para os animais” O Luís é meio careca! Defina meio careca. Quantos cabelos têm um careca inteiro? O Manuel é meio parvo! Quanto é um parvo inteiro?

• Falha em elucidar 1. “Paulo esse vinho é bom?”. “ É um Cabernet “ 2. “Jane Goodall diz que os chimpanzés são inteligentes. O que significa inteligente?”. “Significa que são espertos”. 3.“ Deves ser um menino bom!”, “ e o que significa ser bom?” “Deves fazer o que é correcto!” Neste exemplos a pessoa que responde limita-se a dar outra palavra equivalente mas não explica o significado to termo. Isto é a falácia de explicação por substituição do nome.

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• Condições contraditórias Para se registar na nossa escola de condução deverá obedecer às seguintes condições:

1.Não ter experiência prévia de condução 2.Ter acesso a um veículo 3.Experiência em operar um veículo motorizado

As condições 1 e 3 são contraditórias. O exemplo seguinte não é bem uma condição contraditória, mas é um erro de lógica. É frequente ver-se hotéis com o texto seguinte: “Antes de entrar no elevador observe se o mesmo se encontra parado no andar”. É difícil de ver como se pode entrar no elevador se ele não está no andar!

• Inconsistência O autor afirma mais do que uma proposição de tal modo que não é possível que todas sejam verdadeiras ao mesmo tempo. “Montreal fica a 200 km de Otava, enquanto que Toronto fica 400 km de Otava. Toronto é mais perto de Otava do que Montreal.” “ Feche a porta antes de entrar!”

Lógica da chaleira

Esta falácia é também conhecida como a lógica da chaleira. Freud descreve um caso dum homem que foi acusado pelo seu vizinho de lhe ter retornado a chaleira emprestada com uma mossa. João: quando lhe emprestei esta chaleira estava nova, agora está com uma grande mossa. Pedro: Não. Quando ma emprestaste ela já vinha com essa mossa (1) João: Isso não é verdade. Eu tinha acabado de a comprar e tirar da caixa Pedro: Eu nunca te pedi essa chaleira emprestada (2)

Pedro apresentou dois argumentos. O argumento 2 é inconsistente com o argumento 1. Teria sido melhor se ele tivesse usado só um argumento. Identificação de inconsistência é um método usado nos tribunais para identificar se as testemunhas ou o réu estão a dizer a verdade. Os Criacionistas apresentam muitos argumentos inconsistentes para rejeitar os princípios fundamentais da Teoria da Evolução. Uma dessas inconsistências consiste no facto de que eles aceitam sem problema que o cão e o lobo são parte do mesmo o grupo taxonómico (Canídeos), e rejeitam que o Homem, os chimpanzés, gorilas e macacos façam todos parte do grupo dos Primatas, excluído o ser humano desse grupo.

• Falácias baseadas em raciocínio circular Como já vimos o raciocínio circular ocorre com frequência em argumentos. O raciocínio circular é a tentativa de provar uma conclusão através da sua repetição. Este raciocínio tem a seguinte forma: P é verdade porque Q é verdade e Q é verdade porque P é verdade

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Os componentes dum argumento circular podem ser logicamente válidos porque se as premissas forem verdadeiras a conclusão tem que ser verdadeira, no entanto este argumento não é persuasivo porque se existirem dúvidas em relação à conclusão, isso implica que as premissas também serão duvidosas. Os argumentos circulares podem aparecer tanto nas definições como nas explicações, mas existe uma pequena diferença entre estes dois casos.

Definições Circulares Explicações Circulares Uma definição é uma explicação dum termo, uma palavra, ou frase. O mesmo termo pode ter vários significados ou sentidos, uma definição explica esse termo nos seus diferentes significados. O termo a ser definido chama-se definendum A explicação da sua definição é o definiens.

Uma explicação é uma série de afirmações que se oferecem para descrever algo, mas o autor assume que esse algo existe e é verdadeiro. Eu posso explicar como um Marciano pode voar até à Terra. Na minha explicação estou assumindo que é verdade os Marcianos existirem e que têm naves voadoras. Aquilo que precisa de ser explicado é o explanandum e a explicação é o explanans.

Definições circulares usam explicações circulares. “Musicalidade é a qualidade ou estado de ser musical”

1.O Corão é a palavra de Alah! Como é que sabes? Porque Alah nos diz isso no Corão. 2.O ópio faz dormir por causa da virtude dormitiva da papoila do ópio. O que é a virtude dormitiva? É a qualidade do ópio nos fazer dormir.

• Implorando a questão

Implorando a questão é um tipo especial de raciocino circular onde a conclusão do argumento que se pretende provar, inclui as premissas iniciais. Esta é uma forma indirecta de ocultar um facto. Exemplo 1: “Deus deve existir. Apesar de tudo, toda a gente acredita em Deus” Exemplo 2:

“Se essas acções fossem ilegais, seriam proibidas pela lei!” Se algo é ilegal, é proibido pela lei. Isto é uma tautologia. Exemplo 3:Diálogo

A: “ Deus existe!” B: “ Como é que sabes?” A: “ Porque está escrito na Bíblia” B: “ E porque devo acreditar no que a Bíblia diz?” A: “ Porque a Bíblia foi escrita por Deus”

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Exemplo 4:Diálogo A: “O seu curriculum é impressionante mas preciso duma referência” B: “João Cunha pode dar-me uma boa referência” A: “E como é que posso saber se o João Cunha é uma pessoa confiável?” B: “Eu posso atestar que ele é confiável dando o referência” Definições circulares versus Argumentos circulares Note que existe uma diferença entre definições circulares e argumentos circulares. Quando se pretende definir um conceito representado por uma palavra, precisamos de usar várias outras palavras para o fazer. As palavras usadas na definição devem ser claras e compreendidas por todos. Quando se trata de discussões que envolvem jargão técnico, convém que as palavras usadas na definição sejam também bem definidas, mas é preciso evitar que esta definição seja composta pelo conceito que queremos definir. Por exemplo. “A consciência é o estado mental de estar acordado”. Mas o que é um estado mental? Se eu disser que um estado mental é o estado de estar consciente do que existe em meu redor, esta é uma definição que está usando o termo que eu queria definir em primeiro lugar. Tenho que evitar a circularidade definindo estado mental com outras palavras. Por exemplo, um estado mental é um estado que pode envolver sentimentos e pensamentos sobre si próprio ou outras coisas que nos rodeiam. Um argumento circular é diferente da definição porque ele tenta convencer-nos de algo baseado em premissas justificativas. Definir a palavra “Deus” não é o mesmo do que argumentar que Deus existe. Quando um ateu apresenta um argumento para a não existência de Deus, ele deve definir a palavra Deus de modo que a definição seja comum e compreensível por todos, crentes e descrentes. Do mesmo modo, quando um crente oferece um argumento para a existência de Deus, a definição da palavra deve ser compreendida por todos. O que é “Deus”? existem muitas formas de definir essa palavra. O Deus dos Teístas assume um conceito diferente do Deus dos Deístas. Se um ateu está a discutir a existência de Deus com um crente, antes de mais, para que a discussão seja produtiva, é necessário que ambos concordem que estão usando a mesma definição da palavra “Deus”.

Vejamos um exemplo duma definição circular tirada da física:

A definição de Aceleração é a Força dividida pela Massa A= F/M

E o que é a Força? A definição de Força é a Massa vezes a Aceleração F= M.A

Temos uma definição circular. É fácil de ver que esta definição leva a uma conclusão idiota.

Se substituirmos a Força na equação da Aceleração

A= F/M ou A= M.A /M logo A= M.A / M o que resulta em A =A

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Capítulo 25: FALÁCIAS DE RELEVÂNCIA As falácias de relevância são falhas num argumento onde as premissas são logicamente irrelevantes para a conclusão oferecida. Esta classe de falácias ocorre tanto em argumentos formais como em informais. As falácias de relevância podem dividir-se em dois tipos: Toma em consideração conclusões irrelevantes

Falha em tomar em consideração conclusões relevantes

Neste caso defende-se uma conclusão apelando a justificações e premissas que são irrelevantes.

Neste caso ignoram-se factos relevantes só para se defender um ponto de vista que pode estar errado. Note que quando não se toma em consideração um facto relevante, só porque não conhecíamos a sua existência, neste caso não se trata duma falácia.

25.1. Quando a premissas que não suportam a conclusão

• Non-sequitur A falácia non-sequitur apresenta uma conclusão que não segue das premissas. Como vimos nas falácias da lógica formal, todos os argumentos inválidos são do tipo non-sequitur. Exemplo dum argumento inválido: Todos os A são B Y é B Logo Y é A

Todos os homens são seres humanos Maria é um ser humano Logo Maria é um homem

Veja de novo os argumentos formais Modus tolens e Modus ponens. Em argumentação indutiva ou em linguagem em comum uma falácia non-sequitur ocorre quando a primeira parte da frase não tem relação com a parte final. “Preciso de comprar este computador da marca Tangerina para poder escrever ensaios de qualidade.” A qualidade do ensaio depende da habilidade do autor e não das características técnicas do computador. • Falácia da conclusão irrelevante (ignoratio elenchi)

Este tipo de falácia (ignoratio elenchi) é mais restrita do que a non-sequitur. Cada vez que uma conclusão não segue das premissas, estamos em presença duma non-sequitur, mas na conclusão irrelevante, por vezes a conclusão pode seguir das premissas mas não vai adicionar nada de novo ao argumento.

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Frequentemente neste tipo de falácia o orador apresenta uma proposição seguida de uma série de justificações que não suportam essa proposição. Por exemplo o orador insere uma série de assuntos que nada têm a ver com aquilo que se está a discutir, divertindo a atenção do assunto inicial para outro totalmente não relacionado. Este é um tipo especial de falácia de relevância também conhecido como falácia do arenque vermelho.

A certa altura discutiu-se no Congresso Brasileiro o problema do transporte de longa distância de animais vivos. Uma organização de protecção animal defendia que os animais fossem abatidos e a carne congelada antes do transporte de modo a reduzir o stress da viagem. Alguns congressistas opostos a esta proposta argumentaram que o abate de animais antes da viagem implicava a perda de vários postos de trabalho dos peões que manejam os animais, levando a muita pobreza o que teria uma repercussão na educação das crianças desses homens.

Este é um tipo de argumento onde a justificação nada tem que ver com o assunto que estava a ser discutido; o assunto da discussão refere-se ao bem-estar dos animais durante o transporte e não o bem-estar das pessoas que lidam com o gado e muito menos com a educação das suas crianças. De facto ocorrem aqui duas falácias; conclusão irrelevante e ladeira escorregadia. O problema do bem-estar do peão e da educação de suas crianças é argumento totalmente diferente e independente.

Outro exemplo prende-se com o argumento que suporta a continuação das touradas em Portugal como uma tradição que deve ser mantida. Na realidade o argumento das pessoas que se opõem às touradas não é sobre o problema da tradição, mas sim sobre um problema moral que foca no sofrimento desnecessário em animais sencientes para divertimento do povo. Neste caso os aficionados da tauromaquia apresentam um argumento falacioso baseado no apelo à tradição que também é irrelevante para a discussão dum argumento moral.

Não confunda a falácia da conclusão irrelevante (ignoratio elenchi) com o apelo à ignorância (argumentum ad ignorantium) discutida na página 127. Apelo à ignorância é uma falácia de evidência e prova.

• Falácia da composição

Quando se assume que algo que é verdadeiro para um membro do grupo, também deve ser verdadeiro para o resto do grupo.

Exemplo:

• Dois elementos desta equipe de futebol são mesmo muito bons, logo toda a equipa deve ser boa.

• O Sódio e o Cloreto são elementos venenos mortais. O sal é composto por cloreto de sódio, logo também é um veneno mortal.

• Os átomos que fazem parte do corpo humano são invisíveis. Logo o corpo humano é invisível.

Esta falácia é frequentemente usada por gurus do New Age que juntam conceitos de mecânica quântica com conceitos de neurobiologia e de cognição, criando uma mistura de ideias que tentam explicar os fenómenos de consciência cósmica e outros conceitos vagos e impossíveis de testar cientificamente. A física quântica só faz sentido no nível quântico e não no nível macroscópico.

Se bem que toda a matéria seja composta por átomos, as propriedades atribuídas aos átomos não se aplicam necessariamente aos corpos materiais a nível macroscópico.

Os fotões que compõem a luz podem atravessar um átomo, mas isso não significa que os nossos corpos sejam translúcidos.

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Sabemos que a fissão do núcleo de átomos pode levar à produção de grandes quantidades de energia, mas isto não significa que podemos usar uma pedra, ou uma árvore, que também são constituídas por átomos, para alimentar uma central nuclear.

A falácia da composição confunde a soma da totalidade, com as partes que entram nessa operação.

• Falácia da divisão

A falácia da divisão é o oposto da falácia da composição. Esta falácia infere que só porque o todo apresenta um certo número de características, cada uma das partes apresenta as mesmas características. É preciso ter em conta que um “todo” pode ser o resultado da adição de várias partes heterogéneas.

• O sal não é um veneno, logo devemos esperar que cada um dos seus componentes (o Sódio e o Cloreto) também não sejam venenos.

25.2. Falácias Ad hominen As falácias ad hominen consistem num ataque à pessoa que apresenta o argumento em vez de atacar o argumento. Existem três tipos de ataque pessoal;

• Ad hominen Abusivo • Ad hominen Circunstancial (ver também Bulverismo) • Ad hominen tu quoque (tu também)

• Ad hominen Abusivo Este é um tipo de falácia que em vez de se concentrar nas possíveis falhas do argumento, chama nomes à pessoa que oferece o argumento. Por exemplo, “se você pensa assim, então você é um idiota”. É claro que quando as pessoas abraçam certas ideias, frequentemente não as analisaram criticamente e simplesmente adoptam comportamentos e tomam atitudes com as quais se sentem confortáveis. Se essas atitudes são inaceitáveis, é natural que os críticos classifiquem as pessoas que as tomam com adjectivos menos desejáveis. É preciso ter em consideração que o argumento e a pessoa que adopta ou defende o argumento são duas entidades distintas. Esta diferença é importante porque evita muitas discussões e agressões desnecessárias. Vejamos a diferença entre estes dois diálogos: Diálogo A Diálogo B José: Eu acredito em fadas. Eu acho que se a gente fizer oferendas às fadas elas atendem os nossos desejos. Tiago: Você tem prova que fadas existem? José: Não, a prova está dentro de mim, eu sinto que as fadas me protegem. Tiago: Se você acredita nisso, você é um idiota. José: Você está a ofender-me a mim e às minhas crenças.

José: Eu acredito em fadas. Eu acho que se a gente fizer oferendas às fadas elas atendem os nossos desejos. Tiago: Você tem prova que fadas existem? José: Não, a prova está dentro de mim, eu sinto que as fadas me protegem. Tiago: Como você pode acreditar num raciocínio tão idiota? José: Você está a ofender-me a mim e às minhas crenças. Tiago: Não. Eu não estou a ofender você. Eu respeito a sua integridade pessoal, mas eu não tenho que respeitar aquilo em que você acredita.

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Veja a diferença; no diálogo A o Tiago ataca a pessoa do José, declarando que o José é um idiota. No diálogo B, o Tiago ataca a linha de argumento apresentada pelo José, ainda respeitando o José como pessoa. O José não tem que se sentir ofendido, porque alguém disputa a solidez do seu argumento. Um argumento não tem sentimentos. O Tiago pode tentar explicar ao José, com um argumento bem construído, porquê que acreditar em fadas é uma posição que não tem qualquer suporte. Ao recusar ouvir as razões do Tiago, o José pode então tomar uma atitude idiota. Isto é, se ele disser “eu não quero ouvir”, e tapar os ouvidos com as mãos, então ele não está a construir um contra argumento, está simplesmente a manifestar um comportamento que é inaceitável. O comportamento pode então ser classificado de idiota porque a pessoa escolhe manter-se na ignorância quando em presença de mais informação que poderia elucidar sobre os erros do seu argumento. É preciso ter presente que atacar uma ideia ou um argumento não e o mesmo que atacar uma pessoa. Pessoas têm direitos, ideias não! Por exemplo, um grupo de indivíduos pode ter o direito acreditar nas ideias mais idiotas que se possam imaginar, mas não têm o direito de impor as suas crenças a outros que não compartilham da mesma opinião. Esses outros têm o direito de poder atacar essas ideias da forma como intenderem, mas não atacar as pessoas que professam tais ideias.

• Ad hominen circunstancial Este é um argumento semelhante ao anterior mas em vez de atacar a pessoa directamente, ataca a pessoa pelas circunstâncias em que ela se encontra. Por exemplo, alguém está falando em favor do tabaco, e alguém comenta, “ele fala assim porque trabalha para a indústria tabaqueira”. Provavelmente é verdade, mas o que deve ser atacado aqui são as razões apresentadas no argumento em defesa do tabaco e não onde o orador trabalha.

• Bulverismo Bulverismo é um tipo de falácia hibrida semelhante à falácia do homem de palha e da falácia ad hominen circunstancial. Esta falácia ocorre do seguinte modo.

João apresenta um argumento Maria assume que o argumento de João está errado e explica porque ele está errado. Depois explica por que razão o João está usando tal argumento, apresentando os motivos porque ele adoptou esse ponto de vista.

Maria está cometendo uma falácia porque os motivos que levam uma pessoa a tomar uma posição não devem interferir na força do argumento. A força dum argumento deve-se à sua validade e plausibilidade e não das circunstâncias da pessoa que o apresenta.

• Ad hominen tu quoque (tu também) Esta falácia baseia-se no princípio do exemplo. Os comportamentos da pessoa que apresenta um argumento são comparados com aquilo que ela diz. Por exemplo, Carla foi a um médico que fuma como uma chaminé. O conselho do médico para a Carla é o seguinte: ”Se você quer curar essa bronquite tem que parar de fumar”. Carla volta-se para ele e responde. “Como você pode dizer isso? Você fuma como uma chaminé!” O que o médico faz não tem qualquer consequência para o argumento dele. O que ele disse ainda é aceitável, mesmo que ele não siga o seu próprio conselho. Carla deveria concentra-se no argumento e não no comportamento do médico. Por isso o provérbio “faz o que eu digo e não faças o que eu faço” tem algum valor quando aquilo que se diz é um argumento valido e forte.

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25.3. Falácia Genética Esta falácia ocorre quando alguém classifica uma proposição como verdadeira ou falsa baseando-se na origem do argumento. Isto é; um argumento pode ser classificado como sendo bom ou mau por causa da sua origem e não por causa das ideias que contém.

Por exemplo, a ciência da química teve origem na alquimia. Hoje sabemos que a alquimia não é uma ciência, mas este facto não invalida que a química como é praticada hoje, não seja uma ciência baseada em métodos analíticos válidos.

Frequentemente em política, boas ideias são ignoradas e rejeitadas apenas porque provêm dum partido da oposição ou com o qual não nos identificamos.

Diz-se que Hitler era vegetariano. Só porque Hitler foi um terrível ditador, não faz do vegetarianismo um argumento a ser rejeitado.

Por outro lado, após a publicação das ideias de Darwin sobre selecção natural, alguns intelectuais usaram essa teoria para justificar diferenças sociais entre ricos e pobres e a eliminação total de certas raças. Estas teorias são conhecidas como Darwinismo Social e surgiram nos finais do século 19. Na verdade quando Darwin apresentou a sua proposta para explicar a evolução dos caracteres dos animais, ele não fez qualquer sugestão que a sua teoria poderia ser aplicada a sociedades humanas. Essa sugestão foi feita mais tarde por Herbert Spencer, Thomas Malthus, e Francis Galton sem qualquer interferência de Darwin. O termo Darwinismo Social foi cunhado mais tarde em 1877 pelo sociólogo Joseph Fisher. As ideias de Herbert Spencer e Darwinismo Social levaram muitos regimes políticos a abraçar o conceito de eugenia que levou a resultados catastróficos durante o Nazismo. É preciso ter presente que mesmo que o Darwinismo Social tenha recebido inspiração das teorias de selecção natural, Darwin não teve qualquer influência no desenvolvimento e promoção de ideais eugénicos. A sua teoria foi deturpada e adaptada para servir os propósitos de regimes políticos totalitários. Logo dizer que o darwinismo é uma teoria eugénica é um exemplo da falácia genética.

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Capítulo 26: FALÁCIA DO ARENQUE VERMELHO

Um arenque vermelho é um peixe morto e malcheiroso que era usado pelos caçadores para treinar os cães a seguir um rasto. Em pensamento crítico, “arenque vermelho” refere-se a um conceito que se introduz numa discussão mas é irrelevante para a conclusão, levando as pessoas a discutir o assunto introduzido em vez do assunto a que se refere o argumento. Todo o tipo de falácias que introduzam pontos irrelevantes, são consideradas “arenques vermelhos” como por exemplo falácias baseadas em apelos à emoção, à pena, ao medo, etc. Um “arenque vermelho” introduz um ponto irrelevante no argumento e não oferece qualquer suporte para a conclusão. A pessoa que o introduz pode pensar, ou levar-nos a pensar que essa premissa prova o seu ponto. Este tipo de raciocínio tem a seguinte forma:

O tópico A está sob discussão O tópico B é introduzido sob o disfarce que é relevante para a discussão (quando de facto é irrelevante) O tópico A é abandonado

Este tipo de argumentação é falaciosa porque simplesmente muda o tópico da discussão e nem sequer consiste num argumento contra uma declaração. Este é um tipo de falácia muitas vezes usado em propaganda e retórica. Existem vários tipos de “arenques vermelhos”.

26.1.Falácia de excepção ou tratamento especial Esta falácia é uma forma de argumento duvidoso onde se pede excepção à regra geral seleccionando um caso particular sem justificar a razão dessa excepção. As razões apresentadas para não submeterem essa excepção à análise crítica podem consistir em referências ao “senso comum”, ou á aplicação duma dualidade ilegítima. Pior ainda é quando essa análise crítica é relativamente imune à investigação. Esta imunidade pode tomar as seguintes formas: Apelos a dados que são por si só impossíveis de ser verificados ou de ser claramente definidos

Exemplo 1:

“O uso de cocaína deveria ser legalizado. Como todas as drogas, tem efeitos adversos, mas a cocaína é diferente de outras drogas. Muita gente tem beneficiado dos efeitos da cocaína.”

Neste exemplo não se define em que termos a cocaína é diferente das outras drogas ou como é que beneficiou muita gente e quantas pessoas são muita gente.

Exemplo 2:

A: Comer cão é nojento B: Estás a comer e porco e porque não comes cão? A: Um cão é diferente dum porco

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Exemplo 3:

A: O aborto é inaceitável! B: É simplesmente a destruição dum amontoado de células! A: Sim, mas essas células são dum ser humano B: E a exterminação dum amontado de células do tecido do estomago numa caixa de Petri. É inaceitável? A: Não isso são apenas células de cultura. Um embrião é diferente. Um embrião é vida e é inaceitável destruir a vida. B: E tu comes bifes de vaca? A: Sim, porque não? B: E comes a vaca viva?

26.2.Falácia do homem de palha

Na Idade Média utilizava-se um boneco feito de palha para os cavaleiros treinarem a sua destreza com as espadas e lanças antes de irem para a guerra ou confrontarem outros cavaleiros em disputas. O homem de palha seria então a substituição dum verdadeiro homem, que seria atacado pelo cavaleiro a ser treinado. Em pensamento critico o equivalente ao homem de palha é um argumento mais fraco que se faz a partir do argumento original e que pode ser mais facilmente atacado.

Ao modificar o argumento original duma forma que contenha falhas e erros de lógica, torna-se mais fácil atacá-lo. Esta falácia é cometida quando aquele que argumenta, ignora por completo a posição da pessoa que apresentou a ideia e distorce-a para satisfazer as suas intenções. Isto acontece frequentemente com os Criacionistas, que pegam nas ideias da teoria da evolução, distorcem-nas tornando-as susceptíveis a ataques. De facto o ataque não se dirige ao argumento original, mas sim à versão falseada do contra-argumento. Este tipo de raciocínio segue o padrão seguinte:

1. A pessoa A adopta uma posição X. 2. A pessoa B apresenta uma posição Y (que é uma versão distorcida da posição X). 3. A pessoa B ataca a posição Y. 4. A pessoa B conclui que X é falso, incorrecto ou tem falhas.

Este tipo de raciocínio é falacioso porque ataca uma versão distorcida do argumento original e não constitui um ataque ao argumento em causa. O argumento seguinte comete a falácia do homem de palha: “Se a teoria da evolução fosse verdadeira as mães teriam 3 braços”. Esta frase resulta duma interpretação errónea da teoria de evolução. O erro está em assumir que a evolução actua por necessidade e não por acaso. É frequente assistir-se à falácia do homem de palha nos meios de comunicação de massas quando jornalistas mal informados tentam comunicar ao público aspectos complicados do mundo científico. É uma falácia que ocorre com frequência entre políticos que pretendem defender uma posição particular por motivos políticos e têm pouca compreensão da ciência que suporta ou não o seu argumento. Discussões desta natureza ocorrem entre os cépticos do aquecimento global, os defensores da homeopatia, os defensores de métodos de extracção de combustíveis fósseis.

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26.3. Falácias de apelo às emoções Existem várias falácias de apelo. Elas têm em comum o facto de recorrerem à manipulação dos sentimentos dos ouvintes em vez de oferecer premissas que justifiquem a conclusão do argumento. Os apelos à emoção são formas argumento que levam o ouvinte a associar as declarações com estados emocionais e são influenciando a tomar decisões com base nas suas emoções e não em raciocínio lógico. Podemos identificar várias categorias de apelo às emoções: • Apelo ao medo Esta é uma falácia onde uma pessoa tenta obter suporte para um argumento, usando engano e propaganda de modo a induzir medo e preconceito. O apelo ao medo é comum na política e como uma técnica de marketing. Eis aqui alguns exemplos:

• Se continuas a beber vais morrer cedo como o teu pai. • Se não entrares na universidade vais viver em pobreza para o resto da tua vida. • Votar nesse homem é o mesmo que votar em terroristas. • Se disseres uma mentira jamais alguém acreditará em ti. • Se não entrarmos na guerra o nosso país será destruído.

É fácil de ver que estes argumentos são inválidos, porque a conclusão não segue das premissas. Também são falsos dilemas pois são dadas apenas duas opções, uma das quais é indesejável. • Apelo à lisonja O apelo à lisonja leva o alvo da mensagem a pensar que é melhor do que os outros. Este tipo de apelo é frequente em técnicas de publicidade e clamam que apenas as pessoas de uma certa qualidade usam este produto. Por exemplo

• Nós pensamos que um fumador dos nossos charutos é alguém muito especial • Se o que você fizer é a coisa certa para si, independentemente do que os outros

façam, então esta “bebida” é certa para si. • Você tem orgulho nas suas habilidades de cozinheira. • Mães exigentes preferem Jiff

• Apelo à pena Apelo à pena é uma estratégia que tenta induzir pena nos oponentes e assim fazer com eles aceitem o argumento por empatia. “Espero que aceite o nosso relatório, se bem que a data limite já passou. Eu tive uma dor de cabeça e passei as últimas duas semanas a trabalhar a todo o vapor e dar tudo o que tinha para completar o trabalho”.

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• Apelo ao despeito Apelo ao despeito é um caso particular de apelo à emoção explorando o rancor ou o ódio para com o grupo oposto. Este é um tipo de falácia muito frequente em religiões que adoptam uma forma de envangelização fanática ou em política. • Apelo ao desejo O apelo ao desejo é uma falácia que resulta da formação de convicções e crenças sobre aquilo que poderia ser agradável em vez duma análise da evidência, racionalidade ou realidade. A falácia tem esta forma:

Eu desejo que P seja verdadeiro (ou falso) Logo P é verdadeiro (ou falso)

Semelhante a esta falácia é o “pensamento desejoso” descrito mais à frente no exemplo de falácias cognitivas enviesadas ou bias cognitivos. • Apelo ao ridículo Apelo ao ridículo é um argumento que pega no argumento do oponente apresentando-o de uma forma distorcida e ridicularizada. É uma forma da falácia do homem de palha associada a “riso de cavalo”.

26.4. Falácias de apelo à mente Os apelos à mente recorrem ao uso da nossa intuição, ou daquilo que seria instintivo fazer, sem aplicação de raciocínio lógico. Nem sempre a nossa intuição está correcta! Existem várias classes de apelos à mente (veja caixa).

Apelo à autoridade Apelo à autoridade anónima Apelo à força Apelo às consequências Apelo à popularidade Apelo à crença popular Apelo à prática comum Apelo à tradição Apelo à novidade Apelo à realização

Apelo à igualdade Apelo aos motivos (ad hominen circunstancial) Apelo à pobreza Apelo à riqueza Apelo ao dinheiro Apelo à natureza Apelo à ignorância Apelo à incredulidade Apelo à probabilidade

• Apelo à autoridade e apelo à autoridade anónima Apelos à autoridade recorrem a uma figura conhecida para confirmar o que foi afirmado. Não existe falácia quando essa figura é um perito na área do argumento. Por exemplo eu posso fazer um apelo à autoridade referindo-me a frases de Einstein se estiver a falar de teoria da relatividade, mas se eu estiver a discutir a melhor forma de plantar alfaces, a experiência de Einstein na sua horta é irrelevante. O apelo à autoridade anónima é frequente nos órgãos de informação com artigos que clamam que “cientistas no Reino Unido afirmam que...” Quem são esses cientistas? Donde veio essa informação? São cientistas que estão se pronunciando sobre a sua área de trabalho e têm conhecimento de causa? O uso da palavra “cientistas” refere-se uma população não

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identificada e por isso, trata-se duma falácia de apelo à autoridade anónima. Esta falácia é frequentemente usada com um substituto de prova. Não se dá informação clara sobre quem é essa autoridade que dá suporte à conclusão do argumento. O uso da autoridade anónima consiste numa forma sumária que poderá eventualmente ser útil num resumo de algo interessante. Por exemplo dizer que “estudos apontam para...”, “ investigadores descobriram que...” pode chamar a atenção do leitor, mas não dá muito suporte substancial ao argumento. Para dar força ao argumento é necessário que se identifiquem essas fontes e estudos. Essa identificação protege o orador contra a acusação de ser o originador de informação falsa. • Apelo à força (argumentum ad baculum) Apelos à força são facilmente detectados pois baseiam-se em tácticas de intimidação para persuadir uma audiência a aceitar uma proposição ou a tomar um curso de acção desejado. Esta falácia é semelhante ao apelo ao medo. Por exemplo, um patrão exige que o empregado trabalhe fora de horas ou no fim-de-semana ameaçando-o de despedimento se recusar, é um exemplo de apelo à força. Esta é e uma forma negativa e um caso específico do apelo às consequências. O argumento tem a seguinte forma: Se X aceita que P é verdadeiro, então Q acontece Q é punição sobre X Logo P não é verdadeiro Muitos argumentos ad baculum não são necessariamente falácias. Por exemplo: Se tu conduzires inebriado, serás posto na prisão Queres evitar a prisão Então não deverias conduzir inebriado Este raciocínio é chamado um argumento ad baculum não falacioso. A inferência é válida porque a existência da punição é verdadeira e aplicável. Seria uma falácia se por exemplo este raciocínio continuasse com as premissas de que o inebriamento é imoral ou mau para a sociedade. • Apelo às consequências Esta falácia é uma forma de motivar ou induzir certas crenças apelando para as suas boas ou más consequências.

Apelo às boas consequências Apelo às más consequências P1 : Se você acreditar no Monstro do Esparguete Voador (MEV) , você irá sentir um tipo de realização e conforto na vida como nunca sentiu antes. P2. E quando morrer vai para o Paraíso da Massa C: Logo o MEV existe

P : Se você não acreditar no Monstro do Esparguete Voador (MEV), você irá sentir-miserável, pensando que a vida não tem qualquer significado C: Logo o MEV existe

Agora substituta a palavra MEV com a entidade em que você acredita e verá que a falácia continua a existir. Por exemplo: “Se você acredita que a evolução é verdade, então nós não seríamos mais do que macacos”. Este é um argumento que ao apelar para as consequências

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inaceitáveis (não ser mais que um macaco) ignora a evidência racional apresentada na discussão inicial sobre evolução. As falácias seguintes (apelo à popularidade, apelo à crença popular, apelo à pratica comum e apelo à tradição) são muito semelhantes, mas existem algumas diferenças que vale a pena comparar. • Apelo à popularidade Esta é um tipo de falácia que recorre ao facto de que toda a gente faz, ou toda a gente usa, então deve ser correcto. A forma da falácia é a seguinte: P: X é uma acção comum C: Logo X é verdadeiro • Apelo à crença popular

Esta falácia é semelhante ao apelo à popularidade mas foca mais nas crenças. A ideia básica é a aceitação duma premissa como sendo verdadeira, só porque a maioria das pessoas acredita nela. A forma da falácia é a seguinte:

P: A maioria acredita que X é verdadeiro C: Logo X é verdadeiro

Só porque uma quantidade de pessoas acredita que uma declaração é verdadeira, não faz com que essa declaração o seja. Por exemplo, a certa altura quase toda a gente na europa acreditava que a Terra era o centro do sistema solar. Mas verificou-se que tal crença era falsa. No entanto podm existir situações onde a aceitação geral duma declaração deriva do facto de que tal declaração é provavelmente verdadeira. Por exemplo, se a maior parte das pessoas na Noruega dizem que não é possível comprar bebidas alcoólicas no supermercado provavelmente é verdade. De facto, essas bebidas são vendidas por lojas que fazem parte dum monopólio do estado. Existem casos onde as crenças das pessoas fazem com que uma declaração se torne verdadeira. Isto pode ser visto no caso das afirmações que descrevem boas maneiras e comportamento apropriado à situação. Se a maioria das pessoas duma cultura acharem que é de bom gosto arrotar alto depois duma boa refeição, como prova de apreço, então o acto de arrotar torna-se necessário e a afirmação, “arrotar” é indicação de boas maneiras à mesa” torna-se verdadeira. Outro exemplo é dado pelos padrões de comunidades. Se uma comunidade clamar que “X é correcto”, então uma violação de X torna-se obsceno. Este é um valor relativo e não universal. Porque se aplica apenas à situação dum grupo social bem identificado. Nestes casos ainda é prudente questionar a universalidade dessas crenças limitadas a um grupo social particular. Pense por exemplo no costume de comer com as mãos ou descalçar os sapatos quando se entra em casa de alguém. Dependendo das culturas, estes actos podem ou não ser considerados correctos.

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• Apelo à prática comum Esta falácia é semelhante ao apelo à tradição. Na falácia usa-se como evidência a suposição de que a maioria das pessoas faz X para defender uma acção ou uma prática.

• P: A maioria das pessoas aprova X • C: Logo X é razoável/moralmente aceite ou justificável

1. O director dum banco encarregado de gerir um determinado programa depara-se com um certo nível de corrupção. O director diz “ este programa têm alguns problemas, mas nada diferente do que se passa noutros programas semelhantes noutros bancos!” 2. Sim eu sei que copiar nos testes é errado, mas toda a gente o faz, logo não há problema! 3. De facto essas mulheres que fazem o mesmo trabalho que os homens têm um salário menor. Se toda a gente o faz, deve ser porque isso é certo!

• Apelo à tradição/antiguidade Esta falácia é muito usada para justificar actos que são moralmente inaceitáveis. É uma falácia sempre usada por pessoas adeptas de touradas e outras tradições violentas e que desrespeitam a integridade duma entidade, seja ela humana, animal ou ecológica. Exemplo 1: A: O rio está poluído. Precisamos de parar de deitar os nossos dejectos directamente na água. B: Aqui sempre fizemos assim, e nunca houve problema. Não é agora que vamos mudar. Exemplo 2: A: Esses cavalos estão sempre fechados na baia, é mau para o seu bem-estar. B: Há séculos que se fecham os cavalos na baia e nunca foi um problema. Exemplo 3: A: Precisamos de mudar o nossos sistema de rega na agricultura para rega por pingo de modo a poupar água. B: Na nossa terra sempre regámos com canais e não é agora que vamos mudar. Exemplo 4: A: A tourada é parte da nossa identidade e cultura. B: Tourada é tortura, e tortura não é cultura A: Sempre foi cultura no passado, e tradição é cultura. No exemplo 4 ainda se comete a falácia do equívoco (falácias verbais) onde a palavra tradição é confundida com aspectos culturais. O apelo à tradição não suporta qualquer argumento lógico. • Apelo à novidade

Esta falácia assume que algo é melhor, ou mais correcto simplesmente porque é uma inovação. Tem a seguinte forma: P: X é novo C: Logo X é correcto ou melhor

Este tipo de raciocínio é falacioso porque a novidade de algo não o faz automaticamente correcto.

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• Apelo aos estrangeirismos Semelhante ao apelo à novidade e frequente em países que acham que tudo o que vem de fora ou acontece lá fora é melhor do que aquilo que é produzido dentro do seu país. Esta falácia é comum em Portugal e no Brasil. Neste caso a palavra “fora” refere-se a países que são vistos como mais desenvolvidos.

“Este rádio foi feito na Alemnha, então deve ser melhor do que os rádios feitos no nosso país!”

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Capítulo 27: FALÁCIAS VERBAIS

• Vivacidade enganosa • Clichés no final do argumento • Citação fora de contexto • Falácias de ambiguidade (equívoco, anfibolia, zeugma, reificação, patética) • Falácia etimológica • Estilo sobre substância • Figuras de estilo • Falácias de acento

• Vivacidade enganosa e o efeito de saliência Vivacidade enganosa é uma falácia onde um pequeno número de eventos particularmente dramáticos são usados para contrabalançar uma quantidade significante de evidência estatística. Geralmente esse evento é expresso com detalhes vigorosos e intensos duma forma emocional de modo a tentar convencer alguém de que esta excepção é um problema generalizado. A evidência anedótica que descreve apenas uma ocorrência com todo o detalhe é um exemplo de vivacidade enganosa levando a generalizações precipitadas. Apesar desta vivacidade enganosa não suportar logicamente nenhum argumento, pode ter um efeito psicológico muito forte em pessoas impressionáveis e também por causa da disponibilidade heurística. A disponibilidade heurística é um atalho mental que se baseia nos exemplos que são relembrados ou que nos vêm à mente quando ouvimos algo que causa o ressurgir dessas memórias. Assume-se que se a memória foi invocada, então é porque deve ser importante. Por exemplo as memórias mais recentes são aquelas que tendem a emergir mais rapidamente. Este tipo de raciocínio tem a seguinte forma:

1. Um evento dramático X decorre. (Este evento não está de acordo com a maior parte da evidência estatísticas. É uma excepção)

2. Daqui se conclui, porque esta excepção ocorreu, que é natural que ocorra frequentemente.

Este raciocínio é falacioso porque só pelo simples facto de que um evento ser particularmente saliente e dramático, não faz com que esse evento ocorra com frequência em face da evidência estatística. Esta falácia é típica do raciocínio de pessoas que têm medo de viajar de avião porque se lembram da queda dum avião em anos anteriores. A evidência estatística indica que viajar de avião, em termos de mortes por número de viagens é mais seguro do que viajar de automóvel.

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• Clichés no final do argumento Um cliché é uma frase ou uma ideia que é frequentemente usada e acabou perdendo o seu sentido original. Geralmente é uma frase usada para impressionar contendo ou não certas “palavras caras” que sugerem erudição. Por vezes estes clichés são usados no fim de argumentos para dar a impressão de sabedoria popular. Se bem que a frase possa ser válida em alguns contextos, um cliché de finalização é frequentemente usado com uma forma fácil de fechar um argumento ou de descartar ideias contrárias. Um cliché deste tipo é uma falácia porque termina o debate com um cliché que não tem qualquer uso nem sequer é uma conclusão resultante duma linha lógica de argumentação. O uso destes clichés é uma forma de evitar argumentação lógica. Exemplos:

Tudo acontece por alguma razão Quando chegares à minha idade, vais ver que isso não é verdade Não se tem sempre o que se quer Quando uns ganham outros perdem Diz o senso comum... Faz sentido para mim, é tudo o que importa A vida é injusta Não vale a pena discutir Não há paciência Lá vem ele outra vez! Esquece isso! Não sejas tola! Tudo é relativo! O Senhor dá, o Senhor tira! Deus tem um plano Deus age de formas misteriosas

• Citações fora de contexto Uma citação por natureza exclui grande parte do texto donde foi extraída e logo a frase é citada fora de contexto, mas o que faz isto uma falácia é quando se usa uma citação que altera, ou destrói a intenção ou significados originais. Um dos usos mais frequentes desta falácia é na indústria publicitária, onde se usam citações de outros para endorsar um produto que nada tem a ver com o texto original.

Exemplo duma citação fora de contexto: Defensores da homeopatia submetem “evidência” de outros artigos científicos para suportar as suas alegações. Neste caso num documento submetido ao Parlamento no reino Unido, a Associação Britânica de Homeopatia retirou dum artigo científico a seguinte citação: “Existe alguma evidência de que os tratamentos homeopáticos são mais eficientes do que placebo”, mas esta citação foi retirada dum parágrafo que continuava dizendo “...no entanto, a força desta evidência é fraca por causa da baixa qualidade dos métodos usados nesses testes. Os estudos aplicando metodologias mais adequadas apresentaram uma probabilidade muito alta de resultados negativos do que os estudos onde a metodologia aplicada apresentava falhas”.

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• Falácias de Ambiguidade (equivocação e anfibolia) As falácias de ambiguidade derivam de quando se usam palavras que podem ter mais que um sentido. Este tipo de ambiguidade divide-se em duas categorias: Equivocação ou ambiguidade semântica Anfibolia ou ambiguidade sintáctica Uma palavra tem mais do que um significado. 1. Roubaram um banco! Levaram muito dinheiro? Não, um banco do jardim público! 2. Vou ao aniversário da irmã. A irmã de quem? A irmã Maria do convento das Carmelitas 3. Vou comprar mais drogas Tu fumas maconha? Não...vou à farmácia buscar mais aspirinas. 4. Uma meia meia feita, outra meia por fazer, diga lá minha menina quantas meias hão-de ser?

Quando a estrutura da frase permite diferentes interpretações. 1.Cão para adopção. Muito meigo, bem treinado come tudo e gosta principalmente de crianças.

2.Tenho uma orelha só dum lado. Claro! Se tivesse duas orelhas só dum lado é que era para ficar admirado!

• Equívoco

“As laranjas, as limas, e os limões ou citrinos têm vitamina C” Esta frase intende afirmar que as laranjas, as limas, e os limões são frutas do conjunto dos citrinos, mas da forma como está escrita sugere que apenas os limões são citrinos. Neste exemplo a proposição ou é inclusiva; isto é, inclui todos os elementos numa denominação de classe.

Conjunto dos Citrinos que têm vitamina C.

Nesta frase “queres limas ou limões?” a proposição ou é exclusiva, oferendo apenas uma escolha das duas opções propostas. A proposição “ou” pode causar confusão na escrita e deve ter-se atenção cuidadosa no seu uso. • Anfibolia

Anfibolia é uma falácia que deriva de erros de construção da frase onde frequentemente o sujeito é difícil de identificar. As anfibolias ocorrem com mais ou menos frequência dependendo da língua em que a rase é apresentada. Por vezes, num esforço para evitar a repetição de palavras, a utilização de pronomes reflexos pode levar a confusão sobre o sujeito ao qual se aplica uma determinada descrição.

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Na escrita de artigos científicos é preciso ter muito cuidado com anfibolias. Veja estes exemplos: 1."O factor THF é um polipeptídeo isolado do timo composto por 30 aminoácidos com um peso molecular de 3,200” Não se entende se cada aminoácido tem um peso molecular de 3,200 ou o total dos 30 aminoácidos. Esta frase ficaria melhor se fosse escrita do seguinte modo: "O factor THF é um polipeptídeo de peso molecular 3,200, isolado do timo e composto por 30 aminoácidos”. O peso refere-se ao factor THF e não a cada aminoácido. 2."Os mutantes de CetB que são tolerantes a colicina, também têm crescimento acelerado...” Nesta frase não é claro se são apenas as células mutantes que são tolerantes, ou se são todas as células CetB que são tolerantes à colicina. • Zeugma Por vezes a anfibolia pode derivar do uso de zeugmas. Um zeugma é quando se omite uma palavra de modo a evitar repetição.

• Ele gosta de história e eu de física. • Na terra dele só havia mato, na minha, só prédios. • Maria conhecia todos os artistas. Eu, quase nenhuns. • Eu leio livros e o meu marido jornais.

Estas frases são zeugmas que fazem sentido, mas a frase seguinte já é mais confusa:

• “Sentado no muro o cão ladrou ao gato”. Não é claro que estava no muro, o cão ou o gato?

• “No calor do verão na praia a Maria e a Joana compraram batatas fritas. Elas estavam bem quentes.” Elas quem? As batatas ou as mulheres?

• “O João emprestou o livro do Luís e ele nunca mais o viu”. Nunca mais viu o quê? o livro, o Luís ou o João?

• Falácia da Reificação

Reificação é o erro de tratar algo que não é real, ou quando se trata uma ideia, como uma coisa real. A reificação ocorre quando processos naturais ou sociais são mal-entendidos e/ou simplificados; por exemplo quando a criações humanas são descritas como “factos da natureza”, “resultados das leis cósmicas” ou “manifestações da vontade divina”. A reificação também pode ocorrer quando se dá um uso inapropriado duma palavra que normalmente tem outro uso. Por exemplo dar características mentais que são próprias de seres humanos a objectos. Este é um caso especial de reificação conhecido como a falácia patética ou antropomórfica. “ Se estiveres aberto, o amor te encontrará” O amor é uma ideia, não um ser animado que anda por aí a procurar pessoas para como um anjinho com um arco e setas.

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• Falácia patética ou antropomórfica Esta é uma falácia engraçada onde se atribui características de objectos animados a objectos inanimados.

1. “Este computador está sempre a arranjar maneira de destruir os meus documentos antes de eu os gravar. Faz isto quando está com pouca memória e quer me chatear!“

2.“Olha para aquelas ondas no mar azul. Estão a chamar por mim!” A palavra patético deriva do Grego pathos que significa empatia ou capacidade de sentir e não tem um sentido pejorativo. Em literatura a falácia patética é similar à ideia de personificação. Por exemplo “o dia estava triste e o vento enraivecido!”, mas em ciência há que ter cuidado com esta falácia pois pode levar à antropomorfização de alvos que não têm características humanas. Por exemplo na gíria da química é frequente dizer-se que “a água quer mover-se para a área com a concentração salina mais alta”. Ora a água não tem “querer”, mas esta imagem ajuda a compreender o movimento da água por osmose. O livro de Richard Dawkins publicado nos anos 70 tinha como título, “O gene egoísta” o que causou grande confusão entre cientistas e filósofos. Na realidade o autor nunca afirmou que os genes eram literalmente egoístas, e muito menos descreveu a existência de genes para egoísmo. Com essa metáfora ele pretendeu explicar que a selecção natural actuando sobre os genes dava a impressão de que aqueles que se propagavam em maior número eram como se tivessem a actuar duma forma egoísta. Mas muita gente que não leu o livro assumiu que havia genes que eram de facto responsáveis por fazer as pessoas egoístas. Os cientistas por vezes fazem uso destas explicações informais para explicar conceitos complexos numa forma metafórica que não corresponde à realidade. A metáfora é claramente perceptível entre os especialistas da área mas não para os leigos. Por exemplo, na ciência de comportamento animal é frequente dizer-se que as fêmeas procuram machos com características de indicam qualidade, porque elas querem que a sua prole seja bem-sucedida propagando os seus genes na população. Na verdade o que os etólogos querem dizer com esta frase é que as fêmeas que escolheram machos com certas características tiveram mais sucesso na propagação de seus genes e por sua vez as fêmeas que sobreviveram herdaram estas preferências da mãe. Não existe aqui um “querer” intencional por parte das fêmeas e os etólogos sabem disso, mas eles usam o verbo “querer” como um atalho para encurtar a explicação. A falácia patética é também frequente entre amantes de animais, que têm uma tendência a atribuir características humanas tais como “crueldade”, “maldade”, “bondade”, “injustiça”, “vaidade” aos animais não humanos. Este mecanismo mental é conhecido como antropomorfização do animal. A construção de robots cada vez mais perfeitos reproduzindo características de seres vivos leva os humanos a atribuir sentimentos e emoções a essas máquinas. Por exemplo as bonecas produzidas por uma companhia japonesa que imitam em aparência duma mulher real levam muitos homens solitários a se apaixonar pela boneca. • Falácia etimológica Um argumento comete uma falácia etimológica quando usa uma palavra corrente com a intenção de dar o significado que essa palavra tinha no passado. Estas falácias assentam sobre a origem etimológica da palavra assumindo que o significado presente é semelhante ao significado original ou histórico. É um erro linguístico. Por exemplo a palavra “gay” até aos

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finais do século 19 significava uma pessoa alegre e sempre bem-disposta. Assim era frequente ler-se na literatura anglo-saxónica referências aos personagens como sendo muito “gay”. A própria palavra etimologia é uma falácia etimológica. A palavra significava na Grécia Antiga “o estudo dos significados verdadeiros das palavras”, mas hoje entende-se como o estudo da origem das palavras. A palavra formidável deriva do latim “formidabilis” que significa terrível, hoje significa algo admirável. Mesmo a palavra “terrível” é usada frequentemente como algo de bom “ele é terrivelmente original na sua expressão artística”. A palavra “ordinário” que significa normal, tornou-se em algo negativo. Quando se chama alguém de ordinário, não se pretende dizer que a pessoa seja normal ou comum, mas que é excepcionalmente fora da normalidade em termos de baixaria e má educação. Se eu disser que “o António é um homem muito ordinário” no sentido de que ele não se faz notar por nenhuma característica particular, é comum e sem interesse, as pessoas entendem a palavra “ordinário” como uma pessoa mal-educada. Neste caso eu cometi a falácia etimológica. • Estilo em vez de substância

Este é um tipo de falácia retórica onde o modo como o orador se apresenta ou fala é tomado mais em consideração do que o argumento que ele apresenta levando à aceitação da conclusão como sendo verdadeira.

1. O General Sousa sabe como mover multidões. Ele deve ter razão! 2. Porque não aceitas o conselho daquele senhor tão bem vestido e bem-falante?

• Figuras de estilo

O uso de figuras de estilo é frequente na nossa linguagem. “O Wilson é um gato!”, ou “ tu és uma mulher perigosa” refere-se às qualidades sexy da pessoa. O Wilson é provavelmente um homem interessante e agradável ao olhar, se esta frase for expressa no Brasil. A falácia ocorre quando o ouvinte interpreta a frase literalmente. De facto é possível que alguém tenha um gato chamado Wilson e que a mulher tenha uma arma na mão e esteja pronta a disparar. Metáforas e hipérboles são exemplos de figuras de estilo. Exemplos de figuras de estilo:

• A minha vida é um palco iluminado (metáfora) • Já te disse um milhão de vezes (hipérbole)

• Falácia do acento

Esta é uma falácia que ocorre quando o enfase é colocado numa palavra de modos diferentes. Por exemplo:

• Estou afogaaaaada (gritando) em tanto trabalho • Sou LOUCA por você • Aquela droga fez com que a Inês ficasse louca

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Capítulo 28: ARGUMENTOS ENVIÉSADOS (Bias) Uma das formas mais proeminentes de erro no desempenho do raciocínio, é a introdução de bias ou tendências que tornam o argumento enviesado. Diz-se que um argumento tem “bias” ou é enviesado quando apresenta uma tendência para enfatizar mais um ponto de vista do que outro. É um tipo de raciocínio que é polarizado e não têm neutralidade. O nosso raciocínio é por natureza, tendencioso. Os factores que influenciam as nossas tendências são de ordem cognitiva, motivacional e social. A palavra bias tem origem na língua inglesa e é amplamente usada como significado de algo enviesado ou com uma tendência mais para um lado do que para o outro. Neste livro usarei a palavra bias como equivalente de tendência ou enviesamento.

28.1. Bias cognitivos Os processos cognitivos são formas de avaliar o conhecimento existente e gerar novos conhecimentos baseados na informação que penetra através dos nossos sentidos. Estes processos apoiam-se na memória e aprendizagem. Sem memória não há aprendizagem, e à medida que se aprende algo novo essa nova informação é comparada com informação prévia e categorizada de acordo com as nossas experiências pessoais anteriores e emoções induzidas. Só depois podemos fazer julgamentos e avaliações sobre a informação recebida. Essa informação associada com as nossa emoções está na base da “maquinaria” mental que produz decisões que podem ser racionais ou enviesadas. Este enviesamento pode levar a desvios da racionalidade e indução de julgamentos falaciosos. A palavra cognição refere-se aos mecanismos que ocorrem no cérebro e às capacidades mentais de qualquer individuo que tenha um cérebro, incluindo humanos e outros animais. Os processos cognitivos são formas de avaliar o conhecimento existente e gerar novos conhecimentos baseados na informação que penetra os nossos sentidos. Essa informação associada com as nossas emoções está na base da “maquinaria” mental que produz decisões que podem ser racionais ou enviesadas. Este enviesamento ou bias pode levar a desvios da racionalidade e à indução de julgamentos falaciosos e derivam da forma como nos apercebemos do meio que nos rodeia, da percepção que temos de nós próprios, do modo como percebemos informação quantitativa e os riscos que tomamos, afectando os nossos julgamentos morais e as nossas decisões. Factores de natureza cognitiva

1.bias derivados da percepção de informação sobre o meio

Substituição de atributos Realismo naïve Atenção selectiva

2.bias derivados da percepção pessoal

Erros de percepção pessoal Dissonância cognitiva Efeito do excesso de confiança Pensamento desejoso

3.bias derivados da percepção de informação quantitativa ou quantificada

Inumeracia Uso indevido de estatísticas Regressão à média Selecção tendenciosa Efeito de âncora Preenchendo dados ausentes ou incompletos Tendência do risco nulo

As páginas seguintes apresentam alguns exemplos para estas situações.

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28.1.1. Bias derivados da percepção de informação sobre o meio

• Substituição de atributos Em situações em que um individuo tem que fazer julgamentos sobre algo novo que é demasiado complexo, há uma tendência para substituir os atributos dessa questão, por outros que lhe são familiares. Por exemplo, quando se faz uma pergunta e a pessoa não sabe responder, a sua tendência é responder a uma questão semelhante para a qual ela tenha conhecimentos apropriados. Isto é um comportamento frequentemente observado em discussões entre políticos que tentam fugir às questões directas dos jornalistas. Quando o político não tem resposta para uma pergunta incisiva e que possa de certo modo comprometer as suas convicções, ele oferece respostas tangenciais que nada têm que ver com a pergunta introduzindo falácias do tipo “arenque vermelho”. O processo de substituição de atributos ocorre com frequência quando as pessoas raciocinam sobre assuntos morais, políticos ou legais. Dada a novidade de problemas apresentados nesta área as pessoas procuram na sua memória outras situações similares mas mais familiares que servirão como um modelo de comparação, aplicando as soluções previamente atribuídas a esse modelo, para a nova situação ou para o problema mais complexo. Quando um individuo não sabe que atitude tomar quando se depara com essa nova situação, e não têm recurso a exemplos anteriores então pode usar as opiniões de outros em quem ele confia como autoridades, mas como já vimos, muitas vezes este apelo à autoridade pode resultar numa falácia quando essa autoridade não é competente para se pronunciar sobre essas matérias. Quando se discutem assuntos sensíveis tais como sexualidade, clonagem humana, aborto, organismos geneticamente modificados, as pessoas frequentemente apelam à emoção em vez de recorrerem a princípios racionais para analisar o problema em causa. Essas emoções que causam nojo em relação aos assuntos sob discussão, serão usadas como substituto duma análise objectiva. Ilusões ópticas Esta tendência do cérebro atribuir características duns objectos para outros também se faz presente nas ilusões de óptica.

Gigantes ou anões?

Na foto aqui representada o nosso cérebro atribui tamanhos diferentes às figuras das pessoas, mesmo que essas figuras sejam na realidade do mesmo tamanho. Pegue numa régua e meça você mesmo! Isto é uma ilusão causada pelo facto de que o cérebro automaticamente corrige para a perspectiva e espera que as pessoas que estão mais longe sejam mais pequenas.

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Na realidade o tamanho das pessoas é o mesmo como se pode ver pela linha branca 1 e 2 , mas mesmo sabendo isso, continuamos a ver o grupo 2 como sendo maior que o grupo 1 atribuindo uma imagem de gigante às pessoas em 2 ou inversamente atribuindo uma imagem de anão às pessoas em 1.

• Realismo naïve Esta é uma forma de atribuição muito interessante que funciona do seguinte modo:

1. Quando eu vejo os objectos e as entidades que me rodeiam, eu assumo que eles representam a realidade do mundo e nunca são ilusões de percepção. Veja estas duas linhas? São do mesmo tamanho? Na verdade são, mas a forma das setas altera a nossa percepção do seu comprimento. Logo isto prova que a nossa percepção do mundo nem sempre corresponde à realidade.

A foto desta garrafa pintada neste camião cria uma ilusão de óptica difícil de aceitar que não é real. Da mesma forma que somos susceptíveis às ilusões de óptica, também criamos ilusões relativamente às convicções e opiniões que abraçamos, que achamos serem racionais e objectivas, quando na realidade são enviesadas.

2. Frequentemente pensamos que se os outros tiveram acesso ao mesmo tipo de informação que nós próprios, que eles pensam como nós, compartilham das nossas opiniões e comportamentos. Isto pode nos colocar em situações embaraçosas, por exemplo quando começamos a protestar contra a caça num congresso sobre conservação e de repente apercebemo-nos que estamos entre um grupo de caçadores que pretendem conservar um pequeno número de espécies cinegéticas para fomentar as suas actividades lúdicas. Aqui o conceito de “conservação” foi o elemento que causou confusão.

3. Existe sempre uma tendência de classificar de inteligentes aqueles que pensam e

actuam como nós, e de idiotas os que pensam o contrário. Geralmente assume-se que a razão por que os outros não compartilham da nossa visão deve-se ao seguinte:

1

2

1 2

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• O indivíduo ou grupo em causa foi exposto a outro tipo de informação diferente da minha, donde eu posso assumir que essa pessoa pode ser tão razoável quanto eu mas simplesmente está mal informada. Se eu compartilhar a minha informação com ela, existe a possibilidade de chegarmos a um acordo.

• O indivíduo ou grupo em questão é provavelmente preguiçoso, irracional, não tem a capacidade ou não quer adoptar mais conhecimento e aceitar a evidência oferecida para chegar a conclusões objectivas.

• O indivíduo ou grupo em questão deve estar viciado por ideologias, interesses próprios, ou qualquer outra influência que afecta a interpretação da evidência ou o processo de raciocínio de forma a chegar a uma conclusão objectiva.

Por exemplo, pessoas que são muito sectárias em relação a um determinado assunto, podem achar que a imprensa está enviesada de forma contrária ao assunto de seu interesse, concluindo que a imprensa não dá informação objectiva. Se bem que hoje em dia os canais de televisão e a imprensa sejam propriedade de grandes corporações com agendas políticas, é difícil assumir que toda a informação pública esteja envolvida numa conspiração para renegar as nossas convicções ideológicas particulares. Estas pessoas têm tendência a abraçar teorias de conspiração ridículas para confirmar as suas convicções. Por exemplo depois da queda das Torres Gémeas em Nova Iorque começaram a surgir teorias de conspiração que sugeriram que o Governo Americano estava por detrás do atentado para levar as pessoas a concordar e aceitar a proposta invasão do Iraque. Outras pessoas que admitem a existência de OVNIS e visitas de extraterrestres acreditam que existe uma conspiração do estado para manter esta informação secreta. Nos anos 90, surgiu um filme a preto e branco que mostrava a suposta autópsia dum extraterrestre recolhido dum disco voador que teria caído perto de Roswell, no Novo México em 1947. Em 2006 verificou-se que o filme não era verdadeiro, mas uma fraude, no entanto as pessoas que acreditam ferventemente na existência de extraterrestres continuaram a assumir que o filme é verdadeiro e tudo o que os órgãos de informação disseram sobre a sua falsidade é tendencioso e serve interesses de outros. Estas são pessoas que têm uma tendência a preferir teorias de conspiratórias.

Figuras geométricas produzidas em Milk Hill 2m 2001 no Reino Unido (Foto: Wikipedia)

Identicamente a história das formações geométricas que apareceram nos anos 70 em campos de cereais na Inglaterra, acreditadas terem sido feitas for extraterrestres, foram de facto feitas por dois ingleses que gostavam de pregar partidas. Em 1991, Bower e Chorley disseram à imprensa que foram eles que fizeram esses mosaicos geométricos, usando tábuas presas a uma corda e andando sobre elas pisando os cereais.

Outros tipos de substituição de atributos podem ser vistos na formação de estereótipos onde se faz a atribuição de características que nos são familiares a pessoas ou grupos sociais que desconhecemos.

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28.1.2. Bias derivados da percepção pessoal

• Erros de percepção pessoal Todos nós temos alguma ideia daquilo que somos e imaginamos que o mundo nos vê da mesma forma como nos vemos a nós próprios. Muitos pensam que são incapazes e vistos pelos outros como sendo fracos, quando na realidade as outras pessoas o vêm como um individuo absolutamente normal. Outros acham-se o “topo do mundo” e são percebidos pelos outros como sendo extremamente arrogante, rudes ou ignorante. Nem sempre aquilo que os outros pensam de nós coincide com aquilo que pensamos de nós próprios, esta incongruência pode criar um tipo de dissonância cognitiva e afectar os nossos julgamentos tornando-os menos objectivos. Muitas vezes tomamos atitudes para manter a “máscara” da percepção de nós próprios evitando o uso de raciocínio lógico. • Efeito de Forer Este bias tem um interesse especial devido à sua prevalência nos meios de comunicação social. Este efeito descreve a tendência das pessoas em atribuir uma alta precisão à descrição que se acredita ter sido especialmente criada para a sua personalidade, quando na realidade esta descrição é vaga e generalizada a uma gama extensa de pessoas. Este efeito explica a aceitação generalizada de práticas questionáveis como a análise da personalidade através da grafologia, astrologia, quiromancia e algumas formas de testes de personalidade como o teste de Rorschach discutido no capítulo 21 sobre padrões e associações ilusórios. O nome deste bias deriva do psicólogo Bertram Forer que em 1948 fez um teste de personalidade aos seus alunos. Forer deu aos seus alunos o seguinte texto:

1. Você tem uma grande necessidade que as outras pessoas gostem de si e o respeitem.

2. Você tem uma tendência a ser crítico de si mesmo. 3. Você tem uma potencial que ainda não usou em seu favor. 4. Embora tenha algumas fraquezas de personalidade, geralmente é capaz de

compensá-las. 5. Seu ajustamento sexual tem apresentado alguns problemas. 6. Dando uma aparência de ser disciplinado e autocontrolado, tende a se preocupar e a

ter uma certa insegurança. 7. Às vezes você tem sérias dúvidas se tomou a decisão correta ou fez a coisa certa. 8. Você prefere uma certa quantidade de mudança e variedade e fica insatisfeito quando

é cercado por restrições e limitações. 9. Você tem orgulho de ser um pensador independente e não aceita afirmações de

outros sem provas satisfatórias. 10. Você acha recomendável a sinceridade em relação a outros. 11. Às vezes você é extrovertido, afável, sociável, enquanto outras vezes é introvertido,

cauteloso e reservado. 12. Algumas de suas aspirações tendem a ser muito irrealista. 13. A segurança é um dos seus objectivos principais da vida.

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Quando ele perguntou aos participantes para assinalar numa escala de 0 a 5 o grau de precisão da descrição relativamente à sua personalidade, os participantes votaram em média uma precisão de 4.26, uma média muito próxima de 5 (excelente). Mas o truque do teste estava no facto de que os estudantes não sabiam que esta descrição era igual para todos e o texto tinha sido extraído dum livro sobre astrologia. Note que o texto contém frases que são vagas e que se aplicam a quase toda a gente. Quando algumas frases não são reconhecidas, a tendência é ignorá-las ou trata-las como irrelevantes. Veja só a frase 11; a sua formulação “às vezes você é isto e aquilo” e “outras vezes, você é o oposto”. Tem uma probabilidade de 50/50 se ser um ou outro em vezes alternadas, logo acertando sempre. Preste atenção nas frases 12 e 13; quem não tem sonhos irrealistas e deseja segurança? Este teste foi repetido várias vezes em diversas situações, aplicando signos, onde se oferecia a mesma descrição para todos, e o sepultado foi muito semelhante. Toda a gente confirmou que a descrição se adaptava à personalidade do seu signo e que se identificavam com a descrição. • Dissonância Cognitiva

A dissonância cognitiva ocorre quando dentro da nossa mente existem duas (ou mais) ideias, convicções, crenças ou valores morais que se opõem. Por exemplo uma pessoa que não tolera a crueldade para com os animais e a forma como são tratados nas produções industrias, mas não se abstém de comer um bom bife com batatas fritas sofre de dissonância cognitiva porque para ser consistente ela teria que ser vegetariana, ou não se incomodar com o tratamento cruel dos animais produzidos para carne. Quando a pessoa se apercebe, ou é confrontada por outros mostrando que os seus actos não são consistentes com as suas convicções, começa a sofrer constrangimento intelectual, sentimento de culpa, ou um desequilíbrio mental que pode levar a frustração e ansiedade. Então o individuo tenta adoptar posições intelectuais que lhe permitam superar este sentimento de mau-estar derivado da contradição. Por exemplo pode evitar abrir-se à informação que lhe dê esse sentido de dissonância com os seus princípios. A teoria da dissonância assume que as pessoas estão inclinadas a procurar concordância entre as suas expectativas e a realidade. Muitos cientistas que trabalham em evolução sofrem dissonância cognitiva porque são seguidores duma religião que acredita num ser omnipotente que criou o mundo e tem acção sobre os seres vivos. Muitos religiosos que acreditam na bondade suprema do seu Deus, sofrem de dissonância cognitiva quando deparam com os desastres e injustiças que sacrificam e punem tantos inocentes. Geralmente, a percepção desta inconsistência é o primeiro passo para um caminho que as irá levar ao agnosticismo ou ateísmo. Mas nem toda a gente se apercebe desta dissonância, e quando se menciona que existe uma discrepância entre o que eles clamam e o que eles fazem, simplesmente limitam-se a aceitar que são hipócritas. • Efeito do excesso de confiança Este efeito aparece em pessoas que pensam que os seus julgamentos têm mais precisão do que na realidade. Por exemplo, em alguns questionários pergunta-se ao respondente “quantas perguntas você acha que acertou?”. As pessoas que sofrem do efeito de excesso de confiança avaliam que acertaram por exemplo em 90% das perguntas, quando na realidade só acertaram 40%.

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• Pensamento Desejoso (compare com a falácia do apelo ao desejo página 148)

Todos temos desejos para o presente e o futuro e frequentemente planeamos a nossa vida de modo a conseguir alcançar alguns desses desejos. Avaliamos o que é, e o que não é possível ao decidirmos as nossas acções. Mas por vezes, o desejo sobrepõe-se à realidade, em vez de tomarmos decisões que sejam compatíveis com a realidade possível, tomamos decisões em função daquilo que seria desejável. Por exemplo em situações onde existem dois resultados possíveis, a nossa tendência é prever um resultado positivo, porque esse é o nosso desejo e não porque avaliamos as condições presentes com objectividade. Uma jovem pode desejar casar com o moço dos seus sonhos que vive na mansão no fim da rua. O moço pode ser simpático e levá-la ao café uma ou duas vezes como um gesto de boa vizinhança. Mas ela desejosa de casar com ele começa a investir num enxoval, querendo acreditar que essas saídas são uma promessa de namoro sério. Este tipo de pensamento é expresso do seguinte modo:

Eu desejo que P seja verdadeiro (ou falso) Logo P é verdadeiro (ou falso)

Como vimos, o pensamento desejoso pode ser reflectido em forma de falácia e como um estado mental ou psicológico. Como falácia é um argumento onde as premissas expressam uma conclusão desejada a ser verdadeira. Como estado mental é a expressão dum desejo. Mas este tipo de pensamento raramente é apresentado na forma de argumento a partir de premissas que descrevem as convicções do sujeito levando à conclusão que se deseja ser verdadeira. Se esse pensamento desejoso fosse colocado na forma de argumento, seria evidente para o sujeito que era um argumento falacioso. O pensamento de desejo tem sido praticado sob nomes mais comerciais e usados pelos gurus da psicologia popular e da literatura do “sinta-se bem” como “pensamento positivo”, “optimismo”, “visualização” e “fé”. O pensamento de desejo tem sido defendido por vários autores como algo útil e essa defesa pode tomar uma destas formas:

1. Defesas de índole teológica: A fé religiosa tem sido frequentemente defendida como sendo uma virtude ou um dever. Acreditar num dogma sem evidência ou desprezar evidência contrária é por vezes vista como um feito mais admirável do que acreditar em boa evidência.

2. Defesas de índole pragmática: Os defensores do pensamento desejoso sustêm que se pensar coisas boas e que se desejam trazem um ganho ao sujeito então isso é razão suficiente para se continuar a acreditar nessas coisas. Na verdade existem formas de pensamento positivo que podem trazer bons resultados e isso é exemplificado pelo efeito placebo. Por outra lado, o efeito nocebo resulta num decréscimo da qualidade da saúde devido a pensamentos negativos. Pensar positivamente pode ser um agente motivador. Mas é preciso ter cuidado com o que se pensa. Por mais que pense que pode voar, não tente testar a hipótese se atirando duma ponte. O movimento New Age baseia-se na superstição de que os nossos pensamentos têm uma energia semelhante às ondas de televisão ou rádio e podem ser enviados para o Universo para requisitar forças místicas. Não há qualquer evidência da veracidade desta afirmação e por isso não passa duma falácia de pensamento desejoso que tem a forma:

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“Desejo que a energia do universo me venha recarregar as energias do meu corpo. Logo a energia do universo recarregou-me de energias”

Este tipo de pensamento reflecte-se frequentemente no pedido de milagres e na execução de mágicas. Quantas mulheres apaixonadas projectaram as suas energias para o Universo repetindo o mantra “ desejo que fulano de tal se apaixone por mim” , esperando milagres. O provérbio “quem espera sempre alcança” é uma falácia de pensamento desejoso, incitando as pessoas a não tomar acção para adquirir aquilo que desejam. Os defensores do pragmatismo clamam que se o pensamento de desejo trás vantagens e melhoras, então deve-se ter fé nesta forma de pensar e utilizá-la para melhorar a nossa situação. O que é preciso ter presente com este tipo de defesa é que ela não clama que acreditar pela via da fé não tem necessariamente que ser verdadeiro. O argumento defendido por esta filosofia diz que uma pessoa pode ganhar algo (paz de espirito, melhoria de saúde, deixar de fumar, etc.) se acreditar que vai conseguir atingir esse desejo. Suponha que eu ofereço um prémio de €1000 a quem acreditar que os porcos têm asas. Não há dúvida que você pode forçar-se a si próprio a acreditar que os porcos têm asas e isso até lhe pode causar bem-estar. Quando você finalmente acreditou nisso, ganha os €1000, mas isso não significa que os porcos tenham asas de verdade.

O problema com estes dois tipos de defesa é que elas não mostram que o pensamento de desejo é um argumento convincente. As formas destas respectivas defesas representam-se do seguinte modo:

Defesa teológica Defesa Pragmática P é um artigo de fé Logo eu devo acreditar em P

Eu ganho algo acreditando em P Logo eu devo acreditar em P

Mas das conclusões destas duas formas de argumento não segue que P é verdadeiro. Logo pensamento de desejo é ainda uma falácia mesmo que tenha algumas vantagens pragmáticas.

28.1.3. Bias derivados da percepção de informação quantitativa ou quantificada Muita da informação com que nos deparamos no dia-a-dia contém números, percentagens, probabilidades e outras estatísticas. A grande maioria das pessoas não foi preparada na sua educação formal para lidar com este tipo de informação que frequentemente não é apresentada de forma clara nem simples. Assim muitos dos nossos argumentos podem ser falaciosos devido a aspectos de inumeracia, uso indevido de estatísticas, o efeito de âncora, regressão à média. Dentro deste tipo de bias podem ocorrer os seguintes erros:

• Bias na selecção da informação que apoia as nossas opiniões. Numa abordagem científica esta atitude evita a selecção de amostras de uma forma randomizada.

• Preenchimento de dados incompletos ou não representativos ou que não têm informação suficiente com dados construídos pela nossa mente para colmatar essa deficiência.

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28.2. Bias Motivacionais O raciocínio pode ser influenciado pela nossa motivação. Se a nossa motivação é levar alguém a acreditar naquilo que nós acreditamos, providenciamos um raciocínio viciado contendo informação subjectiva, interpretada pelos nossos sentidos e modificada de tal modo que suporta o nosso ponto de vista. Assim podemos ignorar outra informação relevante que é contrária àquilo que queremos transmitir e deste modo focamos a nossa atenção apenas naquilo que queremos ou esperamos ver.

Factores de natureza motivacional

1.Ver só o que se quer ver

Efeito de enviesamento da crença bias confirmatórios

• Polarização de atitudes • Persistência de crenças • Efeito da primacia irracional • Correlações ilusórias

2. Ver o que se espera ver

bias de expectativa bias de congruência teorias fatalistas

A informação que recebemos pode ser ambígua ou não. Quando essa informação tem ambiguidades ela é interpretada de forma a concordar com os nossos preconceitos. Quando essa informação é clara e não contém ambiguidades, claramente contradizendo as nossas expectativas, ainda temos uma tendência para declarar tal informação como suportando o que defendemos. As pessoas ignoram a contradição e prestam atenção só às artes que suportam as suas convicções, torcendo a evidência para a fazer consistente com os seus pontos de vista. Por exemplo, depois da descoberta do DNA e a aceitação geral da teoria da evolução, os Criacionistas adaptaram essa nova evidência às suas crenças dizendo que Deus tem influência na indução de mutações no DNA. Existem várias experiências que confirmam estas tendências, uma delas é bem interessante. Foram seleccionados dois grupos de pessoas com pontos de vista diferente sobre a pena de morte. O Grupo A suportava a pena de morte enquanto que o Grupo B era contra. Os pesquisadores deram a cada grupo dois dossiers com informação sobre a pena de morte. Um dossier continha informação com evidência que suportava e o outro continha evidência que rejeitava a pena de morte. Depois da análise destes documentos perguntou-se a cada grupo o que achavam da qualidade do estudo.

Grupo A

Grupo B

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O grupo A a favor da pena de morte achou que a evidência que suportava os seus pontos de vista era boa enquanto que a evidência em contrário era má. O Grupo B teve uma reacção oposto. Nenhum grupo se deixou convencer pela evidência que ia contra as suas convicções. No século 19, o italiano Cesare Lombroso foi um pioneiro da biologia criminal. Ele fez investigação sobre a capacidade de aguentar a dor e testou homens de raça branca e negra. As suas conclusões foram as seguintes:

“A insensibilidade à dor entre os criminosos das raças inferiores é um sinal duma natureza primitiva. A insensibilidade à dor entre os Europeus brancos é um sinal de coragem e bravura. “

Este é um exemplo de como os preconceitos podem produzir má ciência. Estes exemplos mostram como as pessoas têm uma tendência para “ver o que se quer ver” e “ver o que se espera ver “.

Ver só o que se quer ver Ver o que se espera ver A informação que é consistente com as nossas convicções é prontamente aceite sem qualquer escrutínio ou análise. Por exemplo podem concluir prontamente em sem critica que • grandes efeitos devem ter grandes

causas • efeitos complexos têm causas

complexas

As pessoas acreditam em coisas que querem que sejam verdade. Por exemplo • que há vida depois da morte • que o os seus falhanços são devidos a

causas exteriores e não à sua própria incompetência

28.2.1. Confirmação selectiva: Ver só que se quer ver • Atenção selectiva Este é um tipo de bias que ignora informação não relevante quando a nossa mente se concentra numa actividade particular. Numa experiência executada por Christopher Chabris e Daniel Simons colocou-se um grupo de pessoas usando camisolas pretas e camisolas brancas a passar a bola duns para os outros. Este vídeo foi mostrado ao público e pedia-se que se tomasse atenção quantas vezes o grupo das camisolas pretas passava a bola para os seus colegas. O público concentrou-se a contar o número de vezes que a bola foi atirada de uns para os outros. No final do filme perguntou-se ao público se tinham visto o gorila. A maior parte das pessoas perguntou, “qual gorila?” A certa altura do filme aparece uma pessoa vestida num fato de gorila a fazer umas macacadas no meio do jogo, mas as pessoas que observam o vídeo estão tão concentradas a contar os números de passes da bola, que acabam por ignorar o gorila. A sua atenção selectiva não detectou a anomalia. • Efeito tendencioso das convicções enviesadas Este é um erro que surge quando se avalia a validade da conclusão dum argumento. Essa avaliação é influenciada por aquilo em que se acredita e a conclusão é aceite ou rejeitada de acordo com essas crenças pré-existentes. A aceitação da conclusão depende se ela é ou não consistente com os conhecimentos adquiridos daquilo que se aprendeu durante a vida. Assim

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a decisão de aceitar a conclusão dum argumento depende do facto dessa conclusão ser ou não fácil de acreditar mais do que da lógica do argumento. Aquela história sobre o pessimista que vê o copo meio vazio e para o optimista está meio cheio, é um bom exemplo de como atitudes mentais podem influenciar a forma como se interpreta uma afirmação neutra. Este fenómeno é frequente nos jogadores de azar que têm uma tendência a focar nos eventos com bons resultados, ignorando os maus. Esta é uma característica da mente humana que quando é excessiva nalguns indivíduos leva ao vício do jogo. • Confirmação enviesada A falácia da confirmação enviesada ou bias confirmatórios é a tendência para se favorecer informação que confirme as nossas opiniões ou hipóteses. Este bias é exibido quando as pessoas recolhem ou interpretam informação de uma forma selectiva que favoreça o seu ponto de vista. Também tendem a interpretar evidência ambígua de modo que suporte a sua posição. O efeito é mais forte quando se trata de assuntos emocionalmente carregados e crenças profundamente enraizadas. Por exemplo, as pessoas geralmente preferem ler sobre assuntos de actualidade política seleccionam fontes (jornais ou artigos) que confirmam e são concordantes com as suas atitudes e princípios políticos. Quando se deparam com evidência pouco clara ou ambígua, tendem a interpretar essa informação como suporte das suas convicções. Esta tendência é particularmente importante na ciência. Como já se viu, o método científico requer a formulação duma teoria, da qual se formulam hipóteses, para as quais procuramos evidência ou factos que as confirmem ou refutem. A procura de casos estudo e observação de factos consistentes com a hipótese é um factor importante para dar suporte à indução da conclusão, mas a constante procura de evidencia que possa refutar a hipótese é ainda mais importante. No método científico um processo não pode existir sem ou outro. Como já vimos, o filósofo David Hume foi o primeiro a criticar o método proposto por Francis Bacon que se baseava essencialmente na procura de confirmação. Encaixando os factos na teoria

Modus ponens

Modus tolens

Válido

A->B A B

A->B ~B ~A

Inválido

A->B ~A ~B

A->B B A

Muitos cientistas têm a tendência para procurar informação confirmatória sem se aperceberem que estão esquecendo a necessidade de procurar refutações. Quando fazem isto diz-se que estão a tentar “fazer os factos encaixar na teoria” o que pode ser uma forma de tentar afirmar o consequente. Como já vimos na secção sobre raciocínio dedutivo encaixar os factos na teoria é a forma inválida do argumento Modus tollens.

Este processo de manipular a evidência para se adaptar à teoria ocorre com uma certa frequência no mundo da investigação. Nem sempre os investigadores notam que são simplesmente vítimas da forma natural como a mente funciona, mas por vezes esta manipulação é feita com consciência de desonestidade a fim de provar o seu ponto de vista. Por exemplo, defensores do criacionismo clamam que a Terra tem 6000 anos e que Deus colocou todos os animais ao mesmo tempo no planeta na sua forma actual, negando a teoria da evolução. Os cientistas têm evidência de evolução nos fósseis encontrados nos estratos geológicos e por métodos de análise de Carbono 14 pode se identificar as datas desses

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estratos como tendo milhões de anos. Quando se pede aos criacionistas para justificar a presença destes fósseis nos estratos geológicos (justificar a evidência) eles dizem que esses fósseis foram lá colocados por Deus para testar a nossa fé. Isto é; eles adaptaram a evidência à teoria do criacionismo. Clarividência Quando uma pessoa vai a uma vidente, já vai com uma atitude para aceitar o que seja que a vidente diga e tentará encaixar o que é dito naquilo que é esperado. A vidente faz um tipo de discurso conhecido como “leitura fria”, que consiste em fazer várias afirmações aleatórias ao mesmo tempo que presta atenção aos pequenos sinais comportamentais da cliente para ver se ela expressa comportamentos afirmativos ou discordantes.

A expressão “leitura fria” é geralmente entendida na gíria como “atirar o barro à parede para ver se pega”. Por exemplo a vidente poderá dizer, “um parente seu que morreu…”. A maioria das pessoas vivas tem um parente que morreu. O movimento demonstrado pelo mais minuto balançar da cabeça e da expressão do rosto, indica se o cliente está a pensar em alguém que reconhece. Deste modo a vidente baseia-se num tipo de estatística intuitiva de observação de sinais comportamentais. Por exemplo uma mulher de meia-idade com uma aliança no dedo, gorda e desleixada vem consultar a vidente for motivos de relações amorosas. Existe uma grande probabilidade que esta mulher é casada, tem problemas conjugais, o marido ou ela perdeu o interesse no sexo e existe outra pessoa afectando a relação. A vidente vai atirando sugestões, acertando em algumas e errando noutras, mas a cliente apenas presta atenção às sugestões que acertaram. Provavelmente a vidente deu mais sugestões erradas do que certas, mas o efeito da relevância actuando sobre esta consulta, faz com que a cliente não note o número de coisas erradas. A cliente quer acreditar no que a vidente lhe diz. Não lhe ocorre questionar-se, se a vidente sabe tudo, porque ela erra umas vezes e acerta outras? Isto é inconsistente para alguém que clama saber o que se passa. A “leitura fria” é uma forma de “adivinhação” que através de várias tentativas acaba acertando nos assuntos que preocupam a cliente. É como atirar dardos a um alvo onde a maioria cai fora do alvo e alguns caem dentro. Á medida que o atirar das questões recebe confirmação da cliente, a vidente aproxima-se cada vez mais do fulcro da questão. Quando as pessoas são cépticas e não reagem aos comentários da vidente evitando quaisquer sinais de concordância ou discordância com o que ela está a dizer, a vidente, desprovida de dicas comportamentais não tem como “ler” o cliente tenta arranjar explicações “ad-hoc” do tipo “ o meu guia não está aqui hoje”, ou acusa a cliente de não acreditar na clarividência e que isso afecta a sua capacidade de “ouvir as vozes dos espíritos” que com ela comunicam. O Efeito de Forer, já explicado é também decorrente neste tipo de leitura. Qualquer frase por mais vaga que seja pode ser encaixada naquilo que o cliente deseja ouvir. Horóscopos e Astrologia A astrologia é outra forma de confirmação viciada onde a pessoa lê coisas vagas relativas ao seu signo e tenta fazer com que esses factos encaixem naquilo que faz sentido para ela.

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A descrição astrológica de personalidades também se enquadra no já descrito Efeito de Forer. As pessoas apenas notam as descrições que são mais próximas daquilo que define a sua personalidade, e ignoram as descrições não adequadas ou que não gostam. A maioria destas descrições é tão vaga e comum que é difícil pensar que alguém as possa rejeitar. Ninguém rejeita uma descrição da sua personalidade como sendo “uma pessoa inteligente, agradável, por vezes um pouco teimosa, gosta de comprar coisas boas e de dar presentes aos seus amigos...” tudo isto são banalidades que se aplicam a toda a gente. Quem se iria identificar com uma descrição do tipo; “as pessoas nascidas sob este signo são umas burras idiotas, que não têm jeito nenhum para coisas práticas, nem sabem pregar um prego e são duma antipatia tão forte que o melhor é estar longe deles”?

28.2.2. Confirmação da expectativa: Ver o que se espera ver • Expectativas enviesadas Este tipo de bias pode ocorrer no seio investigadores que ao realizarem certas experiências, esperam um certo resultado. Em ciência, este erro é conhecido como bias do investigador e reflecte uma tendência para publicar e difundir informação que coincide com as suas convicções ao mesmo tempo que ignora a informação e dados que entram em conflito com as suas expectativas. Quando as nossas expectativas influenciam a nossa percepção denomina-se percepção selectiva.

• Congruência ou Coerência Enviesada

Este é um tipo de erro que deriva da tendência que as pessoas têm para fazer testes directos, em vez de testar alternativas possíveis. Por exemplo: um sujeito está perante dois botões e é instruído que o pressionar de apenas um desses botões (mas não o outro) irá abrir uma porta. O sujeito então cria a hipótese de que apenas o botão da esquerda abre a porta. O teste directo seria pressionar o botão que concorda com a sua hipótese, neste caso o botão esquerdo. Um teste indirecto seria, acreditando que apenas o botão da esquerda abre a porta, o sujeito pressiona o botão da direita para confirmar que ele de facto não abre a porta. O teste indirecto é tão válido quanto o teste directo, porque se o teste indirecto é negativo (isto é, pressionar o botão da direita não abre a porta), ele confirma a hipótese original do sujeito que assumia que o botão do lado esquerdo era aquele que abria a porta. Sabendo agora o conceito de teste directo e indirecto, podemos dar um exemplo mais complexo para explicar a ocorrência de congruência enviesada. O exemplo clássico foi sugerido por Wason (1960, 1968)

O Problemas das Cartas de Wason Estas cartas foram retiradas dum baralho onde um lado tem letras e do outro tem números. Wason diz que cada carta que tenha uma vogal num lado, tem um número par no outro.

Q1: Qual é o número mínimo de cartas que tenho de virar para ver se o que ele disse é verdade?

Q2: Quais a cartas que eu tenho que virar para vêr se o que ele disse é falso?

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Como resolver este problema? Primeiro vamos ver o que diz a regra: “Uma vogal vem sempre com um número par”. Eu quero ver se esta regra é verdadeira. O senhor Wason pode estar a mentir.

Se eu virar a carta A posso encontrar um número par ou ímpar. E o mesmo pode acontecer com a carta B.

Se eu virar o número 4, posso ter uma vogal ou uma consoante. O mesmo acontence com a carta 7. Eu posso saber a resposta virando apenas 2 cartas! Quais são?

Existe uma tendência para as pessoas virarem a carta par (número 4) e a vogal (A). Isto acontece porque elas erróneamente assumem que a proposição que estão a testar é a seguinte: “ se a carta tem um numero par num lado, então não pode ter uma consoante do outro”, mas esta não é a regra que estamos tentando confirmar. A carta B também pode ter um número par do outro lado. E a carta A podia ter um número ímpar. Neste estágio não sabemos. Então virando apenas duas cartas as opções totais são as seguintes:

A B 4 A & 4 B & 4 7 A & 7 B & 7

Mas seu eu escolher as cartas 7 e A esta escolha permite-me falsificar a regra. Isto é; eu não quero confirmar que atrás da A está um número par! Eu quero ver se existe alguma circunstância onde eu posso encontrar uma vogal atrás dum número ímpar (7). Se eu encontrar uma vogal atrás do número 7 falsifiquei a regra e logo posso dizer,que o senhor Wason disse uma mentira, isto é; a regra é falsa. Mas se eu encontrar uma consoante atrás do 7 só preciso de confirmar se vou encontrar um número ímpar (7) atrás do A. Se eu encontrar um número ímpar falsifiquei a regra. O segredo é ver se a regra é falsa e não se é verdadeira.

A regra diz : “Se par então vogal” então eu devo testar a opção “se par então consoante” é falsa. As áreas sombreadas e azul são aquelas que testam a falsidade da proposição.

A B 4 A & 4 B & 4 7 A & 7 B & 7

É por isso que no método científico a nossa intenção é falsificar a hipótese nula e não porcurar a sua confirmação. O nosso cérebro funciona de modo a procuramos confirmação e não rejeição. Por isso este exercíco nos parece ser contra-intuitivo. Esta tendência para procurar a confirmação de algo, chama-se bias confirmatória e é a causa de muitos erros de raciocínio.

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Mesmo que eu tenha um baralho de 42 cartas , basta virar apenas duas cartas para testar a regra, mas essas cartas têm que ser sempre vogal+ímpar ou consoante+par. Neste exemplo qualquer combinação de duas cartas vogal+ímpar ou consoante+par serve para testar se a regra é verdadeira ou falsa. A+7; A+3; E+7; E+3 ou B+4; B+2; C+4; C+2

Outra versão do mesmo problema

Vamos agora ver o mesmo problema mas substituindo as cartas por “cerveja”, “cola”, 16 e 22 anos.

A nova regra diz o seguinte: “se uma pessoa bebe cerveja, então deve ter mais que 19 anos de idade”

Q: Quantas e quais cartas devo virar para ver se esta regra é verdadeira ou falsa?

Vamos tentar falsificar a regra e não confirmá-la. Virando as cartas 16 mais a carta da cerveja (ou cola + 22) posso falsificar a regra, mas nunca (a) cola+16 ou (b) cerveja+22 porque a opção (a) nada me diz sobre o que poderei encontrar atrás da carta 22 e opção (b) nada me diz do que poderei encontrar atrás da carta 16.A maioria das pessoas consegue ver que escolhendo as carta 22 e cola é irrelevante.

Reiterando; o objectivo destes dois exercícios é determinar se a proposição é falsa e não confirmar que é verdadeira.

Wason sugeriu que esta dificuldade dos sujeitos testados em considerar a hipótese alternativa está na raiz da congruência enviesada. Os sujeitos usaram um tipo de heurística, ou regra geral, pensando apenas em formas de provar que a hipótese era verdadeira esquecendo que a alternativa seria provar se a hipótese era falsa.

A fim de se evitar cair na armadilha da congruência enviesada sugere-se que, como regra geral se pergunte “Qual é a probabilidade de obter uma resposta positiva (um sim) se a minha hipótese for falsa?”. Vejamos outro exemplo de congruência enviesada. Um médico ao tentar diagnosticar uma apendicite mandou o paciente fazer um teste de sangue a fim de avaliar o número de leucócitos. Mesmo que o teste venha com um alto teor de leucócitos, esta contagem não contribui com nenhuma informação útil, pois um alto número de leucócitos está associado com uma série de outras infecções e não serve para confirmar a ocorrência de apendicite.

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• Teorias fatalistas

Uma teoria fatalista é uma forma de previsão directa ou indirecta que induz que algo aconteça de forma a confirmar essa previsão. Por exemplo, quando Maria começou a acreditar que o seu casamento estava à beira da rotura, esse receio causou o insucesso do casamento. Uma teoria fatalística começa com um pressuposto que é falso no momento da sua formulação levando à adopção de comportamentos que o tornam verdadeiro. Este erro é perpetuado porque o profeta cita o estado da situação actual como prova de que ele estava certo desde o início. • Ignorar informação relevante Já vimos que quando uma pessoa já decidiu não acreditar em algo, tem uma tendência para seleccionar evidência que confirma as sua crenças e opiniões, mas também tenta ignorar e refutar informação e evidência que ponha em causa os seus pontos de vista.

“Se se oferecerem a um homem factos que vão contra os seus instintos, ele irá analisá-los com escrutínio cuidadoso e a menos que haja evidência esmagadora, a sua tendência é rejeitá-los. Por outro lado, se se oferece algo que lhe dê razoes para actuar de acordo com os seus instintos, ele irá aceitá-las mesmo na base da evidência mais dúbia. É assim que se explica a origem dos mitos” - Bertrand Russel (1872-1970)

• Raciocínio enviesado devido a erros de memória O modo como nos lembramos das coisas que nos aconteceram afectam as nossas crenças e juízos, assim existem vários tipos de falácias que dependem da nossa memória. Dentro da classe de falácias induzida por factores de memória temos a considerar o efeito de saliência e o efeito da recência.

Efeito de saliência A saliência duma coisa é a qualidade pela qual essa coisa se destaca das coisas vizinhas e porque a coisa se destaca então é mais fácil captar a nossa atenção. Sob o ponto de vista evolutivo, esta atenção ao destaque é importante para a nossa sobrevivência, porque grava na nossa memória experiências positivas e negativas; por exemplo coisas que podem ser particularmente saborosas para comer e nos satisfazem a fome, ou terrivelmente amargas que poderão ter veneno e nos deixar muito mal. Os comportamentos de outros indivíduos que se destacam da norma, também são importantes para a nossa memória. Da próxima vez que encontrarmos esse indivíduo podemos decidir nos afastar ou aproximar pois tais comportamentos podem resultar em agressão ou cooperação. A saliência surge do contraste entre coisas e o meio em que elas estão inseridas e porque atraem a nossa atenção, são mais fáceis de ser lembradas no futuro estando mais prontamente acessíveis à nossa memória; assim quando defendemos ou refutamos um argumento, frequentemente nos baseamos em memórias de eventos que foram mais salientes que outros.

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Por exemplo, quase toda a gente se lembra da queda das Torres Gémeas em Nova Iorque quando foram atacadas por aviões pilotados por fanáticos suicidas. Desde então a impressa têm dado grande atenção às mortes por ataques suicidas, mas de facto essas mortes são um número insignificante em relação ao numero de mortos por ano causados por acidentes de automóveis. Esses acidentes, por serem frequentes deixaram de ter um aspecto saliente e são ignorados pela nossa memória. Sempre que há ataques de cães que causam acidentes mortais, a imprensa parece ter uma interesse particular em reportar ataques por pitbulls levando as pessoas a pensar que só estes cães são perigosos e a ignorar o número de pitbulls que existe e que não atacaram ninguém. Como esses não são notados pela impressa, ficamos com a impressão que todos os pitbulls são perigosos. O quadro seguinte mostra uma matriz que sugere como deveremos pensar em relação ao caso dos pitbulls. Antes de formularmos uma conclusão sobre os pobres dos pitbull devemos antes de mais ter em consideração o número real de todos os pitbulls que atacaram pessoas e aqueles que existem e não atacaram. Depois temos que comparar esta raça com as restantes raças de cães que atacaram e não atacaram. Só então poderemos formular uma conclusão justa e equilibrada.

Cães da raça Pitbull que atacam que não atacam Cães não-Pitbull

que atacam

Facto Saliente

que não atacam

Informação tratada como irrelevante

Efeito de recência

Também é normal que as pessoas se lembrem dos acontecimentos mais recentes. O efeito de recência é uma forma de bias cognitiva onde damos demasiado importância a observações que ocorreram recentemente em relação ao registo de todas as observações passadas. Por exemplo um chefe está a sofrer do efeito de recência quando avalia o desempenho de um empregado colocando demasiada atenção no que o empregado fez nas últimas duas semanas em vez de tomar em conta tudo aquilo que ele fez durante o ano. O efeito da recência é uma característica bem presente na psique humana e da qual os políticos tiram vantagem eleitoral. Sabendo que as pessoas se lembram melhor de coisas recentes, eles guardam a execução de acções com efeitos positivos na opinião pública para as semanas antes das eleições, levando os eleitores a esquecerem os efeitos negativos da governação em anos anteriores.

28.3. Bias Sociais Bias sociais são as tendências que demonstramos nas nossas atitudes e argumentação influenciadas pelo meio que formou a nossa personalidade. Estes factores sociais incluem interacções familiares, ideologias religiosas, filosofias, politicas e padrões morais. São ideias que desde muito cedo penetraram a nossa mente sem nunca terem sido questionadas ou sujeitas a uma análise crítica e objectiva. Sendo animais sociais, o nosso cérebro é equipado para receber e armazenar informação proveniente de outros que são vistos como exemplos, ou representativos de autoridades políticas ou ideológicas. O armazenamento desta informação começa por ser não selectivo e aceite simplesmente em função da autoridade

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exercida pelos nossos pais ou os anciãos e por consequência, a necessidade de integração no grupo, faz com que os indivíduos se conformem com as ideias que definem o grupo. É fácil de ver que a conformidade ideológica, contribui para a unidade do grupo, mas por outro lado é um factor que estorva e dificulta a inovação e mudança. Aqueles que demonstram pontos de conflito com a ideologia directora do grupo, são castigados e forçados a se conformarem, ou são ostracizados. Inovação e mudança trazem incertezas para o futuro, o que pode ameaçar a estabilidade do grupo. Os bias sociais podem categorizar-se do seguinte modo; Factores de natureza social

Acreditar no que os outros dizem

Apelo à autoridade Degradação informacional no processo de transmissão Efeito de referência

Conformidade

Acordo imaginário efeito do consenso inexistente Saltar para o carro da banda Comportamento de rebanho Pensamento de grupo

28.3.1. Acreditar no que os outros dizem Como já vimos mais acima, os apelos à autoridade, à popularidade e crença popular, à tradição são exemplos de aceitação não crítica das ideias dos outros. Degradação informacional no processo de transmissão Quando esta autoridade se baseia em fontes remotas no tempo, existe sempre o perigo da ocorrência de degradação da informação. Este fenómeno é exemplificado numa jogo tradicional onde um grupo de pessoas passa informação murmurando muito rapidamente duma para a outra a partir do originador da frase. Quando a frase inicial chega finalmente á pessoa que lhe deu origem, frequentemente as suas palavras foram alteradas e numa tentativa de fazer sentido da frase, o recipiente da mensagem introduz palavras novas. O resultado final é frequentemente hilariante e quanto mais pessoas estiverem no círculo, mais são os graus possíveis de alteração da frase inicial. Neste jogo conhecido como “Murmúrios Chineses” podem identificar-se vários factores que influenciam a alteração da informação original começando por uma degradação do som da palavra original e uma tentativa de encontrar uma nova palavra com um som semelhante. Mas eventualmente essa nova palavra não faz sentido na frase original, então numa tentativa para dar sentido contextual, altera-se um pouco na frase. É preciso ter em conta que se nos dispomos a acreditar naquilo que os outros dizem, devemos tomar em consideração se a fonte de informação é primária ou secundária. Quando nos baseamos no tipo de informação do “diz que disse”, ou quando existem muitos elementos na cadeia de transmissão dessa informação, há sempre um risco de degradação do conteúdo. Por exemplo imagine que Manuela está relatando algo que ela presenciou à Paula. Paula vai contar ao primo João que por sua vez vai contar à sua esposa Maria. Neste processo há que ter em conta vários aspectos da mensagem mas principalmente a entonação e vivacidade dada por Manuela podem ser alteradas no processo de transmissão entre os diversos interlocutores ao longo da cadeia terminando com palavras divergentes com uma carga emocional bem diferente da original. O ouvinte capta as partes da mensagem que lhe são mais familiares, interpretando-as de acordo com os seus próprios enviesamentos. Ao transmitir esta mensagem para outrem, ela

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já vai deturpada pela sua interpretação, por mais esforço que ele faça para se manter fiel ao original. Como diz o tradicional diz o provérbio; “quem conta um conto, acrescenta um ponto”. Logo, devemos sempre manter um certo grau de cepticismo proporcional à distância entre o originador da mensagem e o informante presente. Antes da invenção dos registos escritos, a informação era passada por via oral, e por consequência a mensagem foi sujeita a degradações progressivas. Em alguns casos as palavras mudaram totalmente, mas o sentido da frase continua presente como se pode ver a partir dos vários provérbios que existem nos países Europeus. Enquanto que em Portugal se diz “ a galinha da vizinha, é sempre melhor do que a minha”, na Inglaterra e Dinamarca diz-se que “a erva é sempre mais verde do outro lado da cerca”. O provérbio português “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar” encontra o seu semelhante na Inglaterra que diz “mais vale um pássaro na mão do que dois em cima do telhado”. Nesta frase a diferença não é tão pronunciada como no exemplo da galinha. Por outro lado algumas frases foram modificadas de forma a reflectir o enquadramento ecológico em que são usadas. Na Inglaterra fala-se em “matar dois pássaros com uma pedra” em Portugal “matam-se dois coelhos com uma cajadada”. Provavelmente a primeira frase vem de tempos onde ainda não se tinha inventado o cajado, enquanto que a segunda frase reflecte a existência duma ferramenta que remonta a tempos pastoris. Um dos grandes problemas dos bias sociais é a sua aceitação sem criticismo justificada pela falácia da tradição. Este argumento tem sido causa de muitas injustiças, crueldade e violência contra humanos, animais e o próprio ecossistema. • Apelo à autoridade A avaliação cuidada de cada argumento de acordo com os métodos sugeridos até agora é um processo moroso que requer muita prática e energia. Nem sempre estamos dispostos a prestar a nossa atenção a cada detalhe do argumento, por vezes deixamos que os outros tomem decisões por nós e simplesmente “vamos na onda” porque não estamos dispostos a pensar ou porque não temos o traquejo necessário para avaliar a validade e consistência desses argumentos. Assim limitamo-nos a aceitar os outros dizem sem muito escrutínio crítico. Como já vimos o apelo à autoridade pode ser um factor que nos influencia na nossa aceitação ou rejeição desses argumentos. Se alguém me tenta convencer que no universo existem ondas polarizadas que se propagam num éter, eu não posso avaliar a plausibilidade dessa conclusão porque o assunto não é de meu conhecimento, assim limito-me a aceitar a proposição se ela vier de alguém que é visto pelo mundo científico e especialmente os seus pares, como uma autoridade no assunto que se pronuncia sobre algo que sabe. Estas pessoas são consideradas peritos pela sociedade. Neste caso não há nada de errado em aceitar o apelo à autoridade, mas se a pessoa que me tenta convencer do mesmo argumento for um especialista em construção de pontes não tenho muitas razões para acreditar nele e neste caso se eu aceitar o argumento posso eventualmente estar a ser convencida de algo que eu não posso avaliar.

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28.3.2. Conformidade Quando as pessoas querem pertencer a um grupo e adoptam essas ideias sem qualquer avaliação analítica, elas cometem o bias da conformidade. As pessoas têm uma tendência para dar tratamento especial aos elementos de dentro do grupo enquanto excluem desse tratamento elementos de fora do grupo. A conformidade pode levar a várias formas de descriminação social. Dentro da classe de falácias de conformidade podemos encontrar o seguinte: • Acordo imaginário e o efeito do falso consenso O que é que você acha que eu estou a pensar? Aquilo em que acreditamos é fortemente influenciado por aquilo que a gente crê que os outros acreditam, mas frequentemente exageramos a similaridade entre as nossas crenças e as crenças dos outros. Esta ilusão leva-nos a pensar que as nossas crenças têm mais suporte social do que na realidade e isso torna difícil livrarmo-nos de nossas crenças por causa da nossa dificuldade em estimar o nível de suporte social que elas gozam. Este fenómeno contribui para a conservação de crenças falsas ou erróneas. A nossa mente acomoda uma ideia falsa de que existe um consenso entre aquilo em que acreditamos e aquilo em que os outros acreditam. Aquilo em que acreditamos é influenciado por aquilo que os outros, que nos são próximos e nos cercam, acreditam e por causa disto, frequentemente pensamos que as nossas convicções são também compartilhadas pelos outros levando-nos a pensar que temos mais suporte do que na realidade existe. Por causa disto as nossas convicções são mais difíceis de resistir à mudança. Logo, a nossa dificuldade em estimar o que as outras pessoas pensam, é um factor importante na manutenção de crenças e convicções que podem estar erradas. Este fenómeno é conhecido como o efeito do consenso inexistente. Em 2014 David Cameron (o Primeiro Ministro do Reino Unido) afirmou num discurso público que a Inglaterra era um país cristão. Esta proposição foi imediatamente contestada pela Associação Humanista Britânica chamando a atenção para o censos do ano anterior onde constava que 42% da população declarou não ter qualquer afiliação religiosa e os restantes 58% incluíam os Cristãos, Muçulmanos, Hindus, Sikhs e outras religiões de menor representatividade, logo comprimindo os Cristãos em muito menos de 50%. David Cameron cometeu a falácia indutiva da generalização precipitada. Esta falácia ocorreu porque ele assumiu falsamente que havia um consenso sobre afiliação religiosa entre os Britânicos. O Primeiro-ministro sendo Cristão e Inglês assumiu que a maioria dos Britânicos seriam Cristãos. • Comportamento de rebanho Uma outra tendência comportamental que leva à formação de argumentos enviesados é o “comportamento de rebanho ou de manada” onde os indivíduos dum grupo agem de forma uniforme mas sem uma direcção planeada. Este termo é uma analogia com o comportamento dos animais que vivem em grandes grupos tipo manadas, rebanhos, cardumes, e aplica-se a condutas dos humanos quando cada um segue o comportamento dos outros sem qualquer forma de planeamento. Casos destes podem ver-se durante actividades da bolsa, quando o mercado tem bolhas, do tipo da bolha dos dot.com durante os anos noventa, quando houve um investimento inflacionado e irrealista nas empresas que tiravam partido da Internet. O mesmo tipo de comportamento também é visível quando há quedas das acções da bolsa e toda a gente corre para vender levando a uma crise económica ainda mais aguda.

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O comportamento de rebanho é prevalente nas manifestações de rua, greves gerais, ajuntamentos religiosos, eventos desportivos, tumultos, episódios de violência e em tomada de decisão e formação de opinião. • Saltar para o carro da banda

O nome deste bias deriva da analogia de quando passa o carro com a banda a tocar toda a gente quer saltar para o carro e juntar-se à festa. Na prática a metáfora ilustra uma forma especial de pensamento de grupo e sugere que as pessoas têm uma tendência em acreditar em certais coisas, porque muita gente acredita no mesmo. Este efeito prediz que, como regra geral, a tendência individual para abraçar uma crença ou uma opinião aumenta e é directamente proporcional ao número de indivíduos que já adoptaram esses pontos de vista. Quanto mais gente acreditar num fenómeno, mais os outros querem “saltar para o carro da banda” independentemente se há evidência ou não. Esta tendência tem sido demonstrada em vários testes experimentais, entre os quais o teste de conformidade de Asch é um dos mais conhecidos. Experiências de conformidade de Asch Este teste demonstra quanto as opiniões dum individuo podem ser influenciadas pelas opiniões do grupo.

Cada pessoa a ser testada (o alvo) foi colocada numa sala com mais 7 participantes sem saber que estas pessoas eram de facto actores. Cada participante tinha que analisar uma figura com 3 linhas e depois comparar com um cartão contendo uma só linha. A questão era a seguinte: Qual das linhas (A, B ou C) é do mesmo comprimento que a linha não identificada do cartão?

Antes dos testes, os sete actores foram instruídos para dar as respostas duma forma consistente. A ordem das respostas seguiu um esquema tal, em que o individuo a ser testado era sempre o último a responder. Nos primeiros dois testes todos os participantes deram a resposta correcta o que colocou o individuo testado numa posição confortável para responder o que ele assumia ser correcto, mas no terceiro teste, onde eram dadas novas linhas, os actores deram consistentemente a resposta errada, colocando o participante do teste numa posição desconfortável. O objectivo desta experiência era ver se agora o sujeito testado (o alvo) daria a resposta que ele considerava correcta ou a resposta oferecida pelos outros (os actores). De todos os indivíduos testados 75% dos participantes testados deram uma resposta incorrecta enquanto que 25% nunca deram uma resposta incorrecta. Isto é, aqueles com uma tendência mais conformista deram a mesma resposta que o resto do grupo ignorando a evidência providenciada pela sua própria observação. Os sujeitos mais independentes eram consistentes com a sua opinião e ofereceram as respostas correctas. Este teste sugere que a força da influência do grupo leva o indivíduo a questionar a correcção das suas convicções mesmo quando a pressão do grupo o induz a assumir uma posição que é claramente errada. • Pensamento de grupo O pensamento de grupo é um fenómeno psicológico que ocorre dentro dum grupo de pessoas onde o desejo de harmonia ou conformidade resulta em tomadas de decisão com resultados incorrectos, inconvenientes ou mesmos desastrosos. Os membros do grupo tentam minimizar conflitos e obter um consenso nas decisões sem avaliação critica ou consideração de ideias

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alternativas levando o grupo a um isolamento de influências externas. A lealdade ao grupo requer que os indivíduos evitem levantar assuntos controversos, ou soluções alternativas resultando numa perda de criatividade, individualidade e pensamento independente. Esta é uma dinâmica de grupo disfuncional que produz uma ilusão de invulnerabilidade e força que empresta uma certeza inflacionada sobre a correcção das decisões tomadas. Esta atitude dá supremacia às opiniões intra-grupo (dentro do grupo) subestimando a força dos grupos exteriores ou oponentes. Este tipo de pensamento de grupo é uma característica dos cultos religiosos e sociedades secretas. • Efeito de Semmelweis A tendência para rejeitar nova evidência ou informação que contradiz as normas, crenças e paradigmas estabelecidos. Este termo tem origem na história do médico Ignaz Semmelweis (1818-1865), que descobriu que a taxa de mortalidade das mulheres que sofriam de infecções após darem à luz, podia ser reduzida 10 vezes quando as mãos das parteiras ou médicos assistindo o parto eram lavadas com uma preparação baseada em lixivia entre cada paciente e especialmente depois duma autopsia. A decisão de lavar as mãos diminuiu a contaminação entre pacientes, mas a sua sugestão foi rejeitada pelos seus colegas. As justificações para tal rejeição não tinham qualquer base médica. Por exemplo alguns médicos acreditavam que as mãos dum “cavalheiro” não poderiam transmitir doenças. Nesta altura as descobertas de Louis Pasteur sobre a vacinação e pasteurização ainda não eram conhecidas, mas teorias sobre o papel de germes na indução de doenças já tinham sido propostas em meados do século 16. Exemplos desta tendência para rejeitar ideias inovadoras existem em toda a história da ciência e são ainda frequentes no presente. O filósofo Thomas Kunh no seu livro “ A estrutura das revoluções científicas” discute em profundidade a resistência que os cientistas oferecem quando novas teorias são propostas. De acordo com Kuhn essa tendência pode ser caracterizada por dois opostos. Por um lado os cientistas exercem alguma precaução ao abraçar ideias novas requisitando mais evidência, mas por outro lado, estão fechados a ideias que sendo revolucionárias, podem contribuir para uma visão diferente dum problema, levando à descoberta de soluções que eram impossíveis sob a moldura do conhecimento anterior. Kuhn diz que quando certas ideias revolucionam totalmente o campo científico duma determinada área estamos em presença duma “mudança de paradigma”. Essa mudança só ocorre quando uma nova geração de cientistas abraça essas ideias revolucionárias. Abraçar um novo paradigma é uma atitude difícil para aqueles que foram treinados dentro de determinados conceitos. Esses conceitos são interiorizados e tomados como axiomas, verdades inquestionáveis, fazendo com que esses cientistas se fechem nas suas crenças, evitando uma dolorosa aceitação de que estavam errados durante todos esses anos. Isto acontece porque os cientistas são pessoas normais, com cérebros humanos que funcionam como os cérebros de toda a gente. Quando uma crença é ameaçada de ser derrubada por novas ideias, o nosso primeiro instinto é proteger essa crença rejeitando a novidade.

28.3.3. Outros bias sociais A lista seguinte oferece alguns exemplos de bias sociais interessantes:

• Bias de homogeneidade extra-grupo (fora do grupo): A tendência para imaginar que existe mais variedade dentro do nosso grupo e que os grupos externos são mais homogéneos.

• Bias de projecção: A tendência para assumir que outros que estão perto de nós compartilham dos nossos estados emocionais presentes.

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• Bias do erro de atribuição: A tendência de imaginar que as pessoas que acabamos de conhecer compartilham das nossas opiniões e valores.

• Bias de superioridade: A tendência de imaginar que o nosso grupo é superior a todos os outros. Isto é bem expresso nas religiões com raízes Abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo, Islamismo) e em classes sociais que se acham superiores ao resto da população, como por exemplo a aristocracia ou as pessoas mais ricas. Neste caso o bias de superioridade é geralmente referido como snobismo.

• Bias do auto-interesse: a tendência para clamar mais responsabilidade pelo sucesso duma empresa do que pelo fracasso. Este bias também se manifesta como a tendência de algumas pessoas avaliarem informação que é ambígua de forma que seja sirva os seus próprios interesses.

28.4. A importância do bias nas nossas decisões A noção de bias cognitivos foi introduzida em 1972 pelos pesquisadores Amos Tversky e Daniel Kahnemam, que investigaram a influência das nossas tendências nas decisões que tomamos. Quando tomamos consciência dos truques que a nossa mente nos prega, é mais fácil protegermo-nos desses instintos e da manipulação mental exercida sobre nós, por outros especialmente. Essa manipulação tem efeitos importantes nos nossos hábitos como consumidores. Uma das técnicas de marketing mais usadas consiste no “efeito do engodo”. Este efeito é melhor compreendido com um exemplo. Imagine que você quer comprar um mp3 player entra numa loja e vê três modelos das marcas A, B e C. Cada modelo tem um preço e uma capacidade de memória diferente. Na loja os modelos são apresentados do seguinte modo:

Modelo A Modelo B Preço €400 €300 Capacidade 30 GB 20 GB

Neste formato alguns consumidores preferem a opção A por causa da capacidade, outros preferem a opção B por causa do preço. Mas veja o seguinte formato:

Modelo A Modelo B Modelo C Preço €400 €300 €450 Capacidade 30 GB 20 GB 25 GB

Ao introduzir o modelo C, que é o menos económico, o consumidor é levado a preferir o modelo A pois por um preço menor pode adquiri mais capacidade, ignorando o modelo B que é o mais barato de todos. O modelo A passa a ser a opção dominante devido ao efeito da presença do modelo C que é de facto um truque introduzido, ou um mecanismo de diversão ou engodo para levar os consumidores a comprar o modelo A.

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Capítulo 29: PROPAGANDA e RETÓRICA Até aqui vimos como construir argumentos fortes e como identificar falhas na sua construção. Esta secção foca nos métodos usados para influenciar opiniões. Frequentemente estes métodos não se preocupam com o rigor ou validade do argumento, mas simplesmente se preocupam em utilizar todos os mecanismos possíveis para levar as pessoas a concordar ou a fazer o que se pretende delas.

29.1. Propaganda A propagada é uma forma de comunicação direccionada a influenciar a atitude duma população em favor duma causa ou posição. Este termo começou a ter conotações pejorativas em meados do século 19 quando começou a ser usado na esfera política. Antes era apenas um termo neutro que significava propagar informação. Hoje significa que é informação tendenciosa, parcial, usada especialmente para influenciar uma audiência apresentando factos cuidadosamente seleccionados e eventualmente mentindo por omissão.

O objectivo da propaganda é produzir respostas emocionais, em vez de racionais e este tipo de comunicação é frequentemente usado em “guerras ideológicas”. Frequentemente a propaganda política usa falácias do tipo ad hominen e várias falácias baseadas em apelos.

“Os relatos dum homem estúpido sobre o que um homem inteligente disse nunca podem ser precisos, porque ele inconscientemente traduz o que ele ouviu em algo que ele possa entender.” - Bertrand Russel

29.2. Retórica A palavra retórica deriva do grego rhetor que significa pessoa que fala em público, palestrante ou orador. Daqui se originou também a palavra reitor. Retórica refere-se à arte de discursar em público com o intuito de influenciar a opinião dos ouvintes. Tem como objectivo informar, persuadir ou motivar audiências em situações específicas. Por exemplo na altura das eleições os políticos usam grandes quantidades de retórica para motivar o público a votar neles. Retórica é uma especialidade da filosofia e Aristóteles considerava que era um complemento da lógica e politica. Desde a Grécia Antiga até ao século 19, a retórica foi central na educação ocidental, e parte importante no treino de oradores e escritores para mover audiências a tomar acção com base nos argumentos apresentados. Na retórica a principal preocupação é como usar a palavra e linguagem efectivamente e não se o argumento é forte, válido ou consistente. Por isso a retórica usa de vários mecanismos persuasivos que são frequentemente falaciosos. Os instrumentos do discurso retórico apelam às características da mente humana usando frases e ideias que são fácies de aceitar pelo nosso sistema cognitivo. Deste modo pode

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influenciar comportamentos ao nível do subconsciente sem nos apercebermos de que estamos sendo convencidos. O pensamento crítico ajuda-nos a identificar quando os instrumentos linguísticos retóricos estão sendo usados e oferece protecção intelectual contra argumentos fracos ou inválidos. Assim a análise dum discurso retórico com um olhar crítico ajuda a identificar o seguinte:

• Ajuda a identificar se o discurso é persuasivo que não contém um argumento • Ajuda a fiscalizar as nossas convicções “espontâneas” e os nosso impulsos.

Como descreve o filósofo Carlos Naconecy no seu livro sobre ética e animais, “ qualquer afirmação teórica ou questão de interesse apresentada à discussão se chama “tese”. Em retórica, o destinatário do discurso (qualquer comunicação linguística, oral ou escrita) é chamado de “auditório”, que pode ser uma multidão, um grupo, um individuo, ou mesmo um ser racional ideal ou hipotético. A retórica trata precisamente da eficácia persuasiva sobre uma plateia em particular.” (Naconecy, 2006)

29.3.Diferença entre propaganda e retórica

Tanto a propaganda como a retórica são estratégias para convencer as pessoas a fazer aquilo que o orador quer, mas enquanto que a retórica pode usar argumentos recorrendo a vários estratagemas de linguagem, a propaganda pode levar à promoção de ideias falsas para desacreditar os argumentos do oponente.

Propaganda Retórica

Comando viciado Comandar as pessoas a tomar acções, dizer-lhes o que fazer. Influenciar a atitude duma comunidade para adoptar uma determinada posição apresentando apenas um lado do argumento e omitindo informação relevante.

Persuasão Persuadir pessoas a pensar o que se quer e a adoptar crenças e opiniões com o recurso a uma linguagem influenciadora e emotiva.

29.4. Estratagemas Retóricos Um estratagema retórico é uma técnica que um orador, autor ou palestrante utiliza para persuadir uma audiência com eficiência, usando palavras e frases que têm um efeito emocional e não apelam à racionalidade nem à lógica. Estes dispositivos podem dividir-se em categorias:

• Dispositivos sonoros e visuais • Significados alterados • Analogias retóricas e metáforas • Dispositivos verbais • Questões retóricas

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• Dispositivos sonoros Entonação Variações no som da linguagem falada que causam reacções emocionais. Aliteração Uso de várias palavras que começam com o mesmo som, para dar enfase.

Tenho o tempo de todo o tamanho Odeio, olhos, obsessivos, obesos e obsoletos

Assonância Repetição de conjuntos semelhantes de vogais. e.g. Cacofonia de caracarás.

Onomatopeia Uso de palavras que simbolizam sons como, crack, pimba, crash, pum, bong, ding-dong, trrriim, knock-kncok.

• Dispositivos visuais Dispositivos visuais são expressos por imagens sugestiva associadas a texto que induzem o observador a tirar as conclusões desejadas pelo orador.

• Visuais enganosos Um questionário publico tinha a seguinte questão:“ baseado no que leu e ouviu sobre este assunto, você concorda com a decisão?” Os resultados desse questionário foram apresentados no Gráfico 1.

Gráfico 1: Percentagem das respostas afirmativas

Gráfico 2: Percentagem das respostas afirmativas

Mas note que os resultados do gráfico 2 são os mesmos só que a escala do eixo dos X é apresentada de 0 a 100 enquanto que no gráfico 1 a escala vai de 53 a 63 dando a impressão que a diferença entre os resultados dos democratas é muito maior em relação aos outros dois grupos. No gráfico 2 essa diferença não aparenta tão significativa. A forma como se apresentam visuais pode influenciar significativamente as opiniões das pessoas. • Estatísticas enganosas

“O uso de cocaína em jovens dos 12 aos 17 anos de idade aumentou 166% entre 1992 e 1995”. Este número parece ser alarmante, no entanto a realidade é que em 1992 apenas 0.3 % desse grupo usava cocaína e em 1995 aumentou para 0.8% , ainda um valor muito baixo. Mas dizer 166% cria mais impacto do que dizer que houve um aumento de uso de 0,3% para 0,8%.

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O uso de estatísticas questionáveis é frequente na publicidade para dar a impressão de que existe algum tipo de evidência científica para suportar a afirmação que se faz sobre esse produto. Frequentemente essas estatísticas aparecem acopladas com o nome de algum ingrediente misterioso. Exemplos:

• “O Pão Fantástico ajuda na formação de corpos saudáveis de 12 maneiras” • “Limpa Fácil tem 33% mais poder de limpeza que qualquer outra marca popular” • “Certs contém 2% de gotas milagrosas Retsina“ • “Presto, com 50 vezes mais glutões”

• Analogias retóricas e comparações enganosas Nestas analogias comparam-se duas coisas sem qualquer relação para as fazer parecer melhor ou pior. Exemplo duma analogia retórica: “Uma mulher precisa dum homem, como um peixe precisa duma bicicleta”.

Combinação Equivocação Combinação é uma forma de reunir dois ou mais conceitos diferentes e tratá-los como o mesmo. “A Grã-Bretanha está se tornando infeliz já que o índice de depressão e alcoolismo estão a crescer. A Grã-Bretanha pode ter aumentado o seu nível de vida nos últimos 40 anos mas não aumentou o seu índice de felicidade. Na verdade, medindo indicadores tais como a depressão, o crime e o alcoolismo indicam que o país está se tornando cada vez mais triste e infeliz. “ O autor deste texto trata a infelicidade e a saúdo mental como sendo o mesmo quando na realidade são coisas diferentes.

Equivocação é o uso duma palavra que pode ter mais do que um significado e o seu uso com esses diferentes significados dentro do mesmo argumento pode dar origem a equívocos na compreensão do argumento. O texto seguinte apresenta um equívoco com o conceito de direito universal: “É geralmente reconhecido que ter a liberdade de escolha para ter ou não um filho, é um direito universal (1). É por causa disto que tantos países criticam as políticas do Governo Chinês que permite apenas um filho por casal. Os casais no reino Unido que não podem ter filhos naturalmente estão a ser privados deste direito universal de poder escolher se querem ou não ter filhos a não ser que eles tenham capacidade económica para poder pagar inseminação artificial em clinicas privadas. Logo quando a inseminação artificial é não é oferecida através do serviço nacional de saúde está a violar este direito universal (2).“

Neste texto o autor confunde

Direito universal (1)=liberdade para fazer algo Direito universal (2)=liberdade para receber algo

• Significados alterados

Quando damos significados diferentes do que é comum para um determinada palavra.

Ironia é frequentemente usada para efeito humorístico onde se diz por palavras o contrário daquilo que se pensa.

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Hipérbole é uma forma extravagante de expressão que não tem como objectivo ser aceite literalmente. • Esperei uma eternidade por este táxi • Já te disse um milhão de vezes • Estava tão frio que vi os ursos polares a usar cascos de penas • Estou com tanta fome, podia comer um cavalo • Tenho milhões de coisas para fazer • Este carro vai mais rápido que a velocidade da luz • O cérebro dele é do tamanho duma ervilha • Ela é mais velha que as colinas de Devon (que deram o nome ao Devónico, uma era da

paleontologia quando os primeiros vertebrados começaram a colonizar a terra) Sarcasmo é uma forma de escárnio de opiniões não aceites. O sarcasmo não apresenta qualquer argumento válido ou lógico para refutar essa opinião. É uma forma de ataque por pessoas que não sabem usar raciocínio ou formular um argumento convincente. Quando um opoente apresenta sarcasmo está tentado esconder a sua ignorância e inabilidade para criar um argumento inteligente. Ridículo. A ridicularização duma opinião, é simplesmente uma outra forma de refutar um argumento baseado em ignorância. Tal como o sarcasmo. Sátira. A sátira é um género literário que tem como factores comuns o uso de ironia, sarcasmo, paródia, burlesco, exagero, justaposição, comparação, analogia e “double entendre”. Ao escrever em forma de sátira autor finge aprovar aquilo que está a atacar. “Riso de cavalo” é uma expressão que descreve alguém que apenas se ri da argumentação de outrem só porque não tem a capacidade de apresentar um argumento racional.

• Dispositivos verbais Eufemismos e disfemismos são palavras que substituem um termo que pode ser desagradável de ouvir e o transforma numa coisa mais positiva ou negativa. A língua inglesa é especialmente rica em eufemismos e os políticos são extremamente astutos na utilização eficaz destes eufemismos.

Eufemismos Disfemismos Uso duma expressão neutra ou positiva em vez de uma que carrega associações negativas.

• Combatente da liberdade • Eutanasiar • Carro com um dono • Um jardim fácil de cuidar

Uma palavra ou frase usada com o fim de provocar efeitos negatives na atitude to ouvinte.

• Terrorista, rebelde • Matar • Carro usado • Um jardim minúsculo

O escritor George Orwell faz uma análise bem crítica desta linguagem no seu panfleto sobre política e a língua inglesa. Veja na caixa que se segue um extracto desse texto. A linguagem política consiste essencialmente de eufemismos, petição de princípios (implorando a questão) e uma verdadeira imprecisão enevoada. Aldeias indefesas são bombardeadas do ar, os seus habitantes expelidos para o campo, o gado morto à metralhadora, as casas incendiadas com balas incendiárias: isto chama-se pacificação.

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Milhões de camponeses são roubados de suas propriedades e enviados marchando pelas estradas com nada mais do que o que eles podem carregar: isto chama-se transferência de população ou rectificação de fronteiras. Pessoas são presas durante anos sem julgamento, ou mortas a tiro no pescoço e enviadas para morrer de escorbuto em acampamentos precários de madeira no Árctico: isto chama-se eliminação de elementos não confiáveis. Orwell, George (1946). Politics and the English Language (Kindle Location 191). Penguin Books Ltd. Kindle Edition. • Discurso ambíguo

O discurso ambíguo ou “doublespeak”, é uma forma muito usada pelos políticos, rica em eufemismos, pretensiosa, bombástica e obscura ou usando jargão esotérico para dar um ar de prestígio, profundidade ou autoridade ao discurso de modo a esconder realidades indesejáveis Discurso ambíguo faz com que

• O mau pareça bom • O negativo pareça positivo • O desagradável pareça atraente ou pelo

menos tolerável. É uma linguagem que esconde o significado real da mensagem (se tem alguma!) e evita o raciocínio. Veja este exemplo dum texto retirado de um despacho produzido por uma senhora política portuguesa: “Nenhum critério densificador do significado gradativo de tal diminuição quantitativa de dotação e da sua relação causal como início do procedimento de requalificação no concreto e específico orgão ou serviço resulta de previsão legal, o que abre caminho evidente à imotivação..." Desafia-se qualquer pessoa a traduzir isto. O mesmo desafio estende-se à frase por ela proferida em recente entrevista: “…Houve um inconseguimento do soft power sagrado da Europa” Mas o discurso ambíguo também carrega implicações falsas.

Um pacote de batatas fritas tem na frente um rótulo que diz “ Sem colesterol”, mas os ingredientes listados atrás incluem gorduras saturadas, que são convertidas em colesterol quando são ingeridas. De facto ao comer estas batatas não está ingerindo colesterol directamente mas o corpo está a converter esses ácidos gordos em colesterol.

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• Insinuação Insinuação é uma forma de colocar um ponto de vista, sem se comprometer explicitamente com ele. É uma insinuação ou intimidação sobre uma pessoa ou coisa, especialmente com um tom depreciativo ou de natureza depreciativa. Também pode ser uma observação ou uma pergunta, desacreditando o outro (também chamado de insinuação), que funciona tangencialmente por alusão. Neste último sentido, a intenção é frequentemente insultar ou acusar alguém de tal maneira que suas palavras, tomadas literalmente, são inocentes. Uma insinuação é "uma observação indirecta sobre alguém ou algo, geralmente sugerindo algo ruim ou rude. Por exemplo, Maria comenta com uma amiga a relação entre Pedro e Tomé. Maria diz que “Pedro e Tomé nutrem uma amizade mútua nunca antes vista entre colegas de trabalho”. Se bem que Maria não esteja declarando abertamente que o Pedro e o Tomé tenham uma relação amorosa secreta, ela insinua que aquela relação sugere algo mais do que uma simples amizade e camaradagem entre dois homens, como é entendida no sentido comum do termo. As insinuações podem utilizar palavras ou imagens. Maria insinua a existência duma possível relação homossexual. A insinuação pode também ser expresso por meio de imagens.

Em Novembro de 2014 durante uma campanha eleitoral, uma candidata do Partido Trabalhista publicou no Twitter uma foto duma casa com várias bandeiras de São Jorge penduradas nas janelas e uma carrinha branca estacionada em frente da casa com o seguinte comentário; “Isto é Rochester”. O secretário do partido ficou muito irritado e demitiu a candidata. Porquê?

Porque esta bandeira (1) é também um símbolo adoptado por um grupo xenofóbico e racista, contra a imigração e que apoia o partido de extrema-direita que quer fechar as portas à imigração e reservar os empregos apenas para cidadãos Britânicos. A publicação desta foto foi recebida como um sinal de que existem elementos dentro do partido trabalhista que criam estereótipos de certos tipos de cidadãos, especialmente aqueles que penduram bandeiras de São Jorge nas janelas de suas casas. O twit da candidata foi percebido como insinuação negativo pela direcção do partido a que ela pertencia. (1) Note que a bandeira com uma cruz vermelha, conhecida como a bandeira de S.Jorge, é o símbolo do país Inglaterra e não do Reino Unido que inclui a Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. • Questões conducentes (armadilhadas /insinuadoras)

Uma questão insinuadora contém um pressuposto injustificado ou conduzem o respondente a dar as respostas pretendidas.

• Já deixou de bater na sua esposa? • Foi com este lenço que você limpou as suas impressões digitais da arma que matou o seu

sócio?

Nestas questões o interrogador assume que o homem batia na mulher ou que cometeu o crime. Se o acusado responder sim ou não, confirma o pressuposto mesmo que ele nunca tenha feito o acto. Este é um tipo de questionamento falacioso frequentemente usado por advogados ou políticos que pretendem levar o interlocutor a cair na armadilha da questão.

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• Minimizadores Minimizadores são palavras que subestimam a importância dum argumento. Usam-se palavras minimizadoras como uma tentativa de fazer algo, alguma situação ou alguém parecer menos importante do que realmente é.

• O João "emprestou" o livro do Luís e ele nunca mais o viu”. Esta frase insinua que o João roubou o livro do Luís.

• Pedro, que se diz “doutor” em medicina holística. • O "patriotas" do presente estão apenas à procura de uma maneira de fazer um dinheirinho rápido no Iraque. • “Eu entendo que os seus salários sejam baixos, mas em qualquer sociedade moderna é normal que alguns trabalhadores tenham salários abaixo do mínimo.” (Note como situação particular do trabalhador é efectivamente subestimada como algo sem muita importância.)

• Weaselers (Fuinhas) A palavra “weaseler” é um americanismo derivado da palavra weasel que descreve um grupo de mamíferos carnívoros da família dos Mustelídeos como martas, visons, fuinhas, etc. O termo “weaseler” é inspirado nos hábitos alimentares dos mustelídeos ou “weasels”, que ao comer ovos chupam o conteúdo a partir dum pequeno buraco deixando a casca praticamente intacta; o ovo parece inteiro, mas na realidade está vazio. A palavra weaseler é empregue para descrever uma frase que parece cheia de informação mas na realidade não tem conteúdo. São palavras que se usam para tornar uma declaração mais aceitável e proteger uma afirmação de criticismo. Também se usa em proposições exageradas sem de facto estar a mentir. Aqui usaremos o termo “fuinha” como tradução da palavra inglesa. • “Três em cada quarto pessoas entrevistadas preferem Red Bull!” Não explica como a

entrevista foi feita. • “48% da população está a favor da decisão” em vez de “52% da população está

contra a decisão.” Palavras fuinhas comuns:

Virtual/virtualmente Actua/ funciona Controle Combater Pode ser Até Dá a sensação de… Parece com… Fortificado/Enriquecido Saudável/Natural

1. “Com uso regular este produto ajuda a controlar os sintomas da caspa.” Neste exemplo as fuinhas são: ajuda, controle, sintomas e uso regular. As duas últimas palavras são de facto muito vagas pois não providenciam nenhuma informação útil. Note que a afirmação não diz que o produto de facto acaba com a caspa!

2. “Deixa os pratos praticamente sem manchas.” Esta afirmação tem como intuito levar o consumidor a pensar que os pratos ficam de facto a brilhar de limpos em vez de virtualmente limpos. 3.“Apenas metade do preço de muitos televisores a cores”. Aqui a palavra “muitos” é a fuinha. A afirmação leva o consumidor a supor que este aparelho não é caro. 4.“Testes confirmam que Listerine combate o mau hálito.” Note a palavra “combate” em vez da palavra “anular” ou “destruir”.

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• Substitutos de prova (apelo à autoridade anónima) Um substituto prova é quando alguém faz uma declaração como "todo mundo sabe disso", "estudos mostram" sem realmente dar as estatísticas para alguma coisa

• Fontes anónimas relatam que ... • Especialistas concordam que ... • Eu li na internet que ... (se usado como prova) •

• Estereótipos Um estereótipo é um pensamento ou preconceito sobre um grupo social com pouca ou nenhuma evidência.

• Os alentejanos são preguiçosos • As mulheres são emocionais • Os escandinavos são insensíveis • As louras são burras • Os motoqueiros são traficantes

• Oximoros

Oximoros são expressões que se anulam a si próprias como por exemplo:

Férias de trabalho Enormemente pequeno A metade maior Terrivelmente bom Definitivamente provável Guerra civilizada Crescimento diminuído

Paciente ansioso Grande detalhe Uma boa desordem Eficiência burocrática Grito silencioso Olhos amplamente fechados A insustentável leveza do ser

• Truísmos /Banalidades/Afirmando o óbvio

Um truísmo é dizer algo que é óbvio. Difere duma tautologia do seguinte modo; enquanto que uma tautologia não precisa de ser uma declaração verdadeira, um truísmo é um argumento que é considerado verdadeiro pela grande maioria das pessoas; é um argumento que realmente não é discutível. Por exemplo, o argumento de que "o genocídio é mau" é um truísmo; praticamente ninguém vai argumentar que um genocídio é bom. Claramente, um truísmo é mais complicado do que uma tautologia na medida em que está enraizado naquilo em que as pessoas acreditam e não no raciocínio lógico.

• Aquele homem gordo é obeso • As profecias são difíceis especialmente quando são sobre o futuro • O passado terminou • Filho de peixe sabe nadar • A chuva é molhada e o gelo frio • Uma longa caminhada começa com o primeiro passo • Nem tudo o que brilha é ouro • A morte é o assassino número 1 no mundo • A vida humana é transferida sexualmente • Se os meus avós não tivessem nascido eu não teria existido • Não se preocupe com a velhice; não vai durar muito!

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• Aforismo Um aforismo é um princípio ou uma máxima enunciada de forma concisa em poucas palavras como por exemplo “se você faz sempre o que fez no passado, você recebe aquilo que sempre recebeu no passado”. Este aforismo sugere que quando se repetem certos comportamentos, não há que esperar resultados diferentes. Exemplos:

• Antes de morrer, todos deveriam tentar aprender do que é que fogem, para onde correm e porquê!

• Cão que ladra não morde. • Burro velho não aprende lições. • Uma pedra rolante não ganha musgo. • Nunca julgue um livro pela capa. • Dá-lhe um azeitona e ele toma uma oliveira. • A ignorância é uma bênção. • Um bocadinho de conhecimento pode ser perigoso.

• Questões Retóricas

Perguntar uma questão retórica é uma técnica que exige uma resposta da plateia. A pergunta é feita à audiência ou ouvinte que deve responder de tal forma a afirmar a aquilo que o orador quer. Exemplos:

"Ford! não é isso o tipo de carro América quer?" "Não acha que a sua família deveria beber Água do Monte?" "Feno de Prata: quer as suas mãos imersas num milagre?"

• Laconismo Uma frase lacónica é uma afirmação curta e concisa usando poucas palavras para expressar uma ideia. A palavra deriva do nome da região da Lacónia em Esparta onde as pessoas acostumadas a uma educação militar espartana, não falavam muito e por isso também não desenvolviam muito a capacidade de argumentação crítica, limitando-se a cumprir ordens a maior parte do tempo. Uma pessoa lacónica é uma pessoa de poucas palavras. Diz-se que um estudante de física apresentou o seu artigo científico ao físico Austríaco Wolfang Pauli. Ao ler o artigo os seus comentários resumiram-se ao seguinte: “ Isto é tão mau que nem sequer está errado!” Por vezes o uso de certas frases deste tipo, curtas e concisas pode ter um efeito retórico e persuasivo, mas não dizem nada. Por exemplo um cantor entrevistado na TV clama que “o fado é a interioridade da música”. Isto é um tipo de laconismo que não contém qualquer tipo de informação útil. A não ser para o efeito poético, não diz absolutamente nada. Os provérbios são bons exemplos de laconismos. Por exemplo alguém comentando a crise económica resultante da falência de bancos aplica o provérbio “quem tudo quer tudo perde” o que não dá qualquer informação útil ao argumento que analisa as razões complexas pelas quais a crise financeira aconteceu.

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Como já vimos no exemplo das falácias verbais, os clichés no final do argumento podem ser um laconismo, como por exemplo fechar um argumento com a expressão “ É a vida!”, ou “ não há paciência!” quando alguém não tem a capacidade de criar um contra-argumento inteligente. • Metáforas, Símiles e Analogias (Reveja a secção 8.1.1.) O uso da metáfora na retórica destina-se principalmente a transmitir ao público uma nova ideia ou significado, ligando a uma ideia com algum conceito que o público já esteja familiarizado. Ao dar a ilusão de que o novo conceito está ligado ao antigo conceito que é mais familiar, a pessoa que usa a metáfora espera ajudar o público a entender o novo conceito. Por exemplo uma metáfora que dá a ideia de sentimentos de nervosismo seria “tenho borboletas no estomago”. Metáforas e analogias são conceitos diferentes. As metáforas não são representações fiéis da realidade. É preciso ter cuidado com as metáforas a fim de evitarmos receber a metáfora como a representação da realidade. Um símile é uma analogia. O uso de símiles é importante para explicar conceitos abstractos especialmente em ciência como por exemplo o modelo do átomo com os seus electrões girando em torno no núcleo pode ser explicado associando com a ideia do sistema solar com os planetas em torno do sol. As metáforas são largamente usadas em literatura e poesia. Por exemplo “os teus olhos são duas esmeraldas brilhantes” ou “pedaços do céu num dia de verão”. Estas duas metáforas dão a ideia de olhos verdes ou azuis. Uma analogia diria, “ os teus olhos são como duas esmeraldas brilhantes”. A analogia estabelece uma comparação. Uma metáfora faz uma substituição da realidade por uma imagem.

• Explicações e Definições Retóricas Enquanto que as definições e explicações “reais” são usadas para clarificar um conceito, as definições e explicações retóricas usam linguagem emotiva para suscitar uma atitude sobre algo. O propósito de tais explicações é o de influenciar em vez de clarificar.

Definições retóricas Explicações retóricas • Aborto é o assassínio duma criança

não nascida. • Religião é o ópio do povo.

• Os cientistas fazem experimentação nos animais porque são uns sádicos cruéis.

• Precisamos de engenharia genética para matar a fome no mundo.

• “Profundideias” ou ideias “profundidosas” As palavras “profundideias” ou “ideias profundidosas” não existem no vocabulário da língua portuguesa. São palavras inventadas como tradução possível da palavra inglesa “deepity”. Esta palavra também não existe na língua inglesa. É uma criação linguística cunhada pelo filósofo americano Daniel Dennet num discurso que ele deu numa conferência em 2009. A

metáfora Símile/Analogia os teus olhos são duas esmeraldas brilhantes

os teus olhos são como duas esmeraldas brilhantes

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palavra define frases que soam profundas (deep) mas não têm qualquer significado. Uma forma mais comum de definição de tais frases na gíria inglesa é a palavra “bullshit” que poderá ser traduzida para tretas ou besteiras. O movimento New Age é rico nestas frases e até existem programas de computador que produzem frases inteiras cheias de tretas que soam profundas e com significando espiritual, veja por exemplo o New Age Bullshit Generator ou o Corporate Bullshit Generator. Vejamos alguns exemplos de frases “profundidosas” ou tretas:

“A fé é o acto pelo qual a razão se alcança estaticamente para além de si própria”. (Tillich, 1957, p.87) “Somos atraídos para o cosmos através da sua ressonância mórfica para um estado de consciência universal que uniformiza a essência de todas as formas de vida“. (Parágrafo produzido pelo software New Age Bullshit Generator)

O filósofo John Searle sumarizou a qualidade da comunicação na seguinte frase; “se não consegues explicar com clareza, é porque não compreendeste o seu significado”. Muitas vezes a utilização de frases obscuras e complexas não é mais do que um estratagema para soar intelectual quando não se tem nada para dizer. Qualquer mensagem por mais profunda que seja, pode ser transmitida duma forma simples e com clareza. O objectivo da comunicação é transmitir uma mensagem que seja compreensível por todos ou pelo menos, entre os especialistas duma determinada área. Se a mensagem é perdida na complexidade da composição da frase, não há comunicação. Para que a comunicação ocorra é condição necessária que a mensagem emitida pelo emissor seja compreendida pelo receptor, caso contrário só temos ruído. O médico New Age Deepak Chopra é considerado pelos sépticos como o campeão das ideias “profundidosas” produzindo as frases mais ininteligíveis possíveis de imaginar. Por exemplo

• “O universo existe em autoconsciência por si só” • “Todos os objectos materiais são formas de consciência dentro da consciência.

Sensações, imagens, sentimentos, pensamentos” Não vale a pena tentar se esforçar para entender pois estas frases não têm compreensão possível. Não são mais do que palavras colocadas duma forma randomizada sem sentido para dar um aspecto de profundidade a tais deliberações.

• Redundâncias Redundâncias são usos de palavras que soam diferente mas significam o mesmo. Em literatura o uso de redundâncias pode ser útil na medida em que expressa uma ideia duma forma artística, mas em textos informativos ou explicativos, o uso de redundância pode atrapalhar mais do que clarificar. Eis aqui alguns exemplos de redundâncias. Tautologia: Repetição da mesma ideia com palavras diferentes

Pleonasmo: Uso de mais palavras do que necessário

Tautologias

Na retórica, uma tautologia é uma repetição desnecessária ou não essencial (e às vezes não intencional) do significado, usando palavras diferentes e desiguais que efectivamente dizer a mesma coisa duas vezes (muitas vezes com etimologias diferentes).

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A tautologia retórica também pode ser definida como uma série de instruções que compõem um argumento, segundo o qual as declarações são construídas de tal forma que a verdade das proposições é garantida ou que a verdade das proposições não pode ser contestada porque um termo é definido de acordo com um referencial que representa esse mesmo termo. Consequentemente, a declaração não transmite qualquer informação útil, independentemente da sua extensão ou complexidade tornando-se impossível a sua falsificação. Uma tautologia pode ser uma maneira de formular uma descrição de tal forma que se disfarça como uma explicação quando a verdadeira razão para o fenómeno não pode ser derivada de forma independente.

Pleonasmos Um pleonasmo é uma figura de linguagem usada para intensificar o significado de um termo através da repetição da própria palavra ou da ideia contida nela. A palavra pleonasmo tem origem no latim "pleonasmu" e significa redundância. Note as frases “subir para cima” e “descer para baixo” deixam de ser pleonasmos quando se adiciona a descrição de para onde se desce ou sobe. Assim subir para cima da cadeira, ou descer para baixo da mesa não são pleonasmos. No entanto a frase, “subi para cima toda aquela ladeira” já é um pleonasmo. Outros exemplos:

• Um círculo redondo • Um grande gigante • Um cubo de gelo frio • Um presente grátis • Água molhada • Repete isso outra vez? (A palavra repetir já implica que será outra vez! “outra vez” é

inerente a “repetir”) • Na nossa loja permanentemente preços baixos para sempre (permanente = para

sempre)

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Sumário das Falácias mais Comuns Como se disse no início da parte dois existem para cima de 200 falácias. Para este livro escolhemos algumas das mais frequentemente presentes na argumentação. Ao ficarmos conscientes destes erros de raciocínio, torna-se mais fácil decidir se queremos ou não aceitar o argumento que nos está sendo apresentado.

FALÁCIAS DEDUTIVAS FORMAIS Falácias causais

Modus Ponens Modus Tollens

FALÁCIAS INDUTIVAS

Formais

Informais Falácias Causais

Explicações Ad-hoc Explicações Post-hoc Regressão à média Determinismo retrospectivo Explicações Cum-hoc Direcção errada (confundir causa com

efeito) Efeito conjunto Causa complexa Efeito Insignificante Regressão céptica (pedindo a questão) Ladeira escorregadia

Falácias de Generalização

Quantificação Conversão ilícita Falácias em inquéritos de opinião

pública Falácia Existencial Alguns são, outros não

Probabilísticas Falácia do jogador de azar Falácia da conjunção Falácia das comparações

múltiplas

Generalização precipitada Indução indolente Generalização de varrimento Generalização tendenciosa ou enviesada Vivacidade enganosa Falácia patética Excepção exagerada Nenhum verdadeiro escocês Acidente

Falácias de evidência e prova

Mudando os paus da baliza Implorando a questão Ciclo vicioso ou raciocínio circular Selecção de informação Distorcendo a evidência Erros de interpretação da evidência Adaptando a evidência Simplificação exagerada Conclusão irrelevante Efeito de saliência Efeito de recência Erro de disponibilidade Pensamento de desejo Ónus da prova/ Provando o impossível

Associações Ilusória

Correlações ilusórias Mosaicos (padrões) ilusórios

Falácias Analógicas

Analogias erróneas Analogias falsas Analogias questionáveis

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Falácias de Explicação

Suporte subvertido Ausência de suporte Intestabilidade Âmbito limitado Profundidade limitada Racionalização ad-hoc Raciocínio abdutivo Imprecisão

Falácias de definição

Demasiado abrangente Demasiado estreita Demasiado vaga Falta de clareza Definição circular Condições contraditórias Inconsistência

OUTRAS FALÁCIAS

Falácias Verbais

Clichés no final do argumento Citações fora de contexto

• Ambiguidade • Equívoco • Anfibolia • Acento • Figuras de estilo • Falácia etimológica • Estilo em vez de conteúdo

Falácias do arenque vermelho

• Súplica Especial (Falácia Psicogenética) • Falácia do Homem de Palha

Ad hominen

• Abusivo • Circunstancial • Bulverismo • Tu quoque (Tu também)

Apelo às emoções

• Apelo às consequências • Apelo ao medo • Apelo à lisonja • Apelo à pena • Apelo ao ridículo • Apelo ao despeito • Apelo ao desejo

Apelo à mente

• Apelo à autoridade • Apelo à autoridade anónima • Apelo à força • Apelo à popularidade • Apelo à tradição • Apelo à crença popular • Apelo à prática comum • Apelo à ignorância • Apelo à incredulidade • Apelo à realização • Apelo à igualdade • Apelo aos motivos • Apelo à novidade • Apelo à pobreza • Apelo à riqueza • Apelo ao dinheiro • Apelo à natureza • Apelo à probabilidade

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Capítulo 30: ANÁLISE DE ARGUMENTOS

Chegámos agora a um ponto onde temos as ferramentas necessárias para analisar a qualidade dos argumentos em geral, sejam eles dedutivos ou indutivos. Existem padrões que devem ser seguidos durante essa análise. Há duas vias pelas quais um argumento pode falhar. 1. A relação entre as premissas e a conclusão tem algo de incorrecto (validade) 2. Uma ou mais premissas podem ser falsas (solidez ou força) Temos que evitar estes problemas.

Já vimos que a qualidade dos argumentos dedutivos é avaliada de forma diferente dos argumentos indutivos, mas existem outros pontos que são comuns a ambas as formas de argumentação; a forma, estrutura, aceitabilidade, relevância e adequacia são propriedades que classificam o argumento como bom ou mau. Na avaliação dum argumento deveremos analisar o seguinte: forma, estrutura, aceitabilidade, relevância e adequacia. Forma

Argumentos Dedutivos

Argumentos

Indutivos

A primeira coisa a fazer é identificar a forma do argumento. A forma refere-se ao tipo de raciocínio se é dedutivo ou indutivo.

Estrutura • Simples • Em forma de T • Em forma de V • Complexos

Em seguida analisa-se a sua estrutura. A estrutura refere-se à complexidade do argumento e o tipo e forma das premissas ou razões apresentadas para justificar a conclusão.

Aceitabilidade ( sim ou não) Evidência • Credibilidade da

fonte • Credibilidade dos

Pressupostos

Verificação • Plausibilidade • Probabilidade • Critérios de verdade

A aceitabilidade dum argumento não tem graus de aceitação. Só pode ser aceite ou não.

Relevância Relevante Irrelevante

Também não existem graus de relevância. Um argumento só pode ser relevante ou irrelevante.

Adequacia • Força da

conclusão • Força das

premissas • Consequências

se a conclusão for falsa

Falácias • Apelo à autoridade • Uso de analogias • Apelo à ignorância • Ladeira

Escorregadia • Falácias causais

Um argumento pode variar em graus de adequacia.

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30.1. Forma do argumento (validade)

Vamos começar por analisar a relação entre as premissas e a conclusão. Já vimos que no argumento dedutivo a conclusão segue das premissas.

Recapitulando o exemplo na secção 5.3. sobre lógica formal, vimos o seguinte.

A B B C A C

(P1) Todos os porcos podem voar (P2) Animais que voam usam energia (Q) Logo todos os porcos usam energia

F na realidade mas V num argumento formal V na realidade e num argumento formal V na realidade e num argumento formal

A conclusão segue das premissas e o argumento é válido na sua estrutura lógica. Por acaso a conclusão resulta num facto verdadeiro na realidade, mas é preciso ter em atenção que a premissa 1 é falsa no mundo real, o que faz com que o argumento se bem que seja válido na lógica formal não seja sólido, porque uma das premissas é duvidosa ou falsa.

De acordo com a sua forma, um argumento é bom quando é dedutivamente VÁLIDO, SÓLIDO e indutivamente FORTE.

Válido Inválido

Sólido Não Sólido

Fraco Forte

BOM

Argumento Dedutivo Argumento Indutivo

Argumentos Dedutivos Argumentos Indutivos Ambos

Válido

Inválido Fraco

Forte Sólido

Não Sólido

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30.2. Estrutura do argumento Um argumento complexo com uma estrutura confusa pode enfraquecer substancialmente o argumento. Uma má estruturação pode levar à produção de argumentos indutivos fracos. Exemplo de análise dum argumento: Uma associação de protecção animal apresentou um poster com o seguinte:

“Se o homem tivesse a simplicidade e a pureza dos animais, a paz mundial deixaria de ser um sonho!”

O texto pode ser muito poético e mostra os desejos de quem criou a frase, mas uma análise mais cuidadosa demonstra que este argumento está cheio de falhas. De facto esta frase inclui dois argumentos. Argumento 1: Neste argumento uma das premissas é uma conjunção e as premissas assumem que os animais (X) gozam de duas características ;Y (simples) e Q (puros). Destas características se deduz a consequência W (paz). Forma dedutiva X: Animais Y: Simples Q: Puros W: paz

P1: Os animais são simples e puros P2: Simplicidade e pureza levam à paz C: Logo os animais vivem em paz

X-> (Y + Q) (Y + Q) ->W X->W

O que o argumento nos diz é que como consequência de sua simplicidade e pureza, os animais vivem numa paz bem-aventurada. Esta é uma conclusão intermediária não declarada, mas implícita na conclusão final do argumento. Este argumento é dedutivamente válido porque obedece à forma correcta, mas não é sólido porque a verdade das premissas é questionável.

A->B B->C A->C

Argumento 2: Este argumento sugere que: se os homens fossem como os animais, a paz deixaria de ser um sonho (i.e. premissa assumida e implícita; a paz existiria entre os homens) Forma dedutiva H: Homens X: Animais W: paz

P1: Se os homens fossem como os animais P2: E desde que os animais vivem em paz C : Os homens viveriam em paz

Se H-> X e X ->W H->W

Este argumento também é dedutivamente válido mas como a premissa 2 deste argumento é a conclusão do argumento 1 onde a verdade das premissas é questionável, então o argumento 2 não é sólido. Juntando os dois argumentos temos: Conclusão intermediária Conclusão final

P1: Os animais são simples e puros P2: Simplicidade e pureza levam à paz Ci: Logo os animais vivem em paz P4: Se os homens fossem como os animais P5: E desde que os animais vivem em paz Cf: Logo os homens viveriam em paz

A premissa 5 pode ser eliminada pois é a conclusão intermediária. Rearranjando o argumento fica:

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X: Animais Y: Simples Q: Puros W: paz

P1: Os animais são simples e puros P2: Simplicidade e pureza levam à paz P3: Os animais vivem em paz P4: Se os homens fossem como os animais C: Os homens viveriam em paz

X-> (Y + Q) (Y + Q)W X->W H->X H->W

É fácil de ver que mesmo que o argumento seja dedutivamente válido, ele não é indutivamente forte porque as premissas 1 e 2 são falsas e não dão suporte à conclusão. Concluindo o argumento é: -dedutivamente válido mas não sólido -indutivamente fraco -logo não é um argumento bom

30.3. Análise de Contexto, Qualidade e Conteúdo A primeira coisa a fazer na análise da informação que no rodeia é determinar se estamos em presença dum argumento. Esta secção concentra-se apenas na análise de argumentos. Se o seu interlocutor apenas expressa uma opinião do tipo, “ não gosto desta cor”, ou “ hoje está um nevoeiro de cortar à faca”, não estamos necessariamente a tratar dum argumento.

Se de facto estamos em presença dum argumento, o passo seguinte é verificar se a conclusão segue das premissas, ou preposições usadas no argumento e se essas premissas são ou não aceitáveis. Finalmente temos que decidir se vamos ou não aceitar esse argumento e para isso precisamos de formular as nossas próprias justificações que levam a uma nova conclusão concordante ou discordante do argumento inicial. Analisemos a diferença entre estas duas conversas:

Exemplo A Exemplo B João: Hoje está um frio terrível Maria: Concordo. Vou buscar um casaco antes de sair. Pedro: Não está nada frio! Eu aguento bem esta temperatura.

João: Comer carne é moralmente inaceitável Maria: Concordo, vou comer uma salada Pedro: Porque é inaceitável? Quase todo o mundo come carne!

O exemplo A consiste apenas duma opinião, e Maria e Pedro podem ou não concordar porque o frio é algo pessoal que eles sentem na pele. Mas o exemplo B já é um argumento. O João faz uma consideração moral que implica muita discussão. Por detrás dessa frase existem muitas premissas não declaradas que levaram a essa conclusão. O João simplesmente apresentou a conclusão sem ter oferecido as premissas que o levaram a

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defender tal posição moral. Maria simplesmente concordou sem qualquer avaliação crítica das palavras do João. Por outro lado Pedro pede justificações para essa conclusão. Ele quer que João exponha claramente o processo de raciocínio que o levou a tomar tal decisão, mas nessa requisição Pedro apresenta um contra-argumento que contém a falácia do apelo à popularidade. Na sua pergunta está implícito um contra-argumento. Esta é uma pergunta retórica e não um pedido sincero de explicação.

Os passos a tomar em conta na avaliação dum argumento podem ser sumarizados na seguinte matriz:

1. Análise do Contexto:

A análise do contexto pergunta se de facto o argumento se aplica às circunstâncias. Um argumento não é produzido num vácuo. Um argumento é produzido para obedecer a um propósito específico dentro dum determinado contexto de decisão. Assim, é possível obter argumentos que são impecáveis em termos de forma e qualidade mas não são adequados porque não se aplicam ao contexto onde o argumento foi introduzido. Muitos destes argumentos podem ser vistos como “Arenques Vermelhos”.

2. Análise da Qualidade:

Verificar se na relação entre as premissas e a conclusão as premissas são verdadeiras resultando numa conclusão verdadeira. Verificar se e o raciocínio não contem falácias. Neste tipo de análise as questões a colocar são:

a) O argumento é dedutivamente válido? b) O argumento é indutivamente forte?

3.Análise do Conteúdo:

As premissas e justificações apresentadas para suportar a conclusão, devem ser verdadeiras. A análise do conteúdo dum argumento deve focar nos seguintes aspectos:

a) As proposições/justificações apresentadas são coerentes? b) As proposições/justificações são verdadeiras?

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30.3.1. Análise do Contexto dum Argumento

A seguinte tabela oferece um sumário dos factores que devemos tomar em consideração na avaliação do contexto onde se desenrola um argumento. Contexto

Trata-se dum argumento?

Posição do autor

• O argumento serve alguma intenção especial? • O que é que o autor pretende com o argumento? • Como é que isso se relaciona com outras coisas que

o autor diz? • O argumento é consistente ou inconsistente com

outras declarações do autor? • Sendo consistente, o argumento reforça as outras

declarações, ou trás informação nova?

Enquadramento

Politico Científico Moral

Tipo de argumento

Discussão Debate Persuasão Questionamento Opinião Negociação Busca Plano de acção Educativo

A retórica do argumento

Tipo de Discurso

Ensaio Parágrafo Frase

Estratagemas retóricos utilizados Palavras

Marcadores de argumentação Marcadores de raciocínio Marcadores de conclusão Marcadores de dispositivos retóricos

As proposições

Disjunção/Conjunção Contraditórias Inclusão/Exclusão de probabilidades Condicionais

Estrutura

Estrutura Simples Estrutura em V Estrutura em T Estrutura Complexa

Forma do argumento

Dedutivo Indutivo (Formal /Informal)

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30.3.2. Análise da Qualidade dum Argumento A seguinte tabela oferece um sumário dos factores que devemos tomar em consideração na avaliação da qualidade dum argumento. Qualidade

Convincência =

Coerência + Verdade

Validade (dedutivo)

Consistência lógica Coerência

Solidez

Dedutivamente válido e com premissas metafisicamente verdadeiras

Força (indutivo)

Aceitabilidade

Evidência Verificação

Adequacia Relevância

Falhas

Falácias Artefactos retóricos

30.3.3. Análise do Conteúdo dum Argumento A seguinte tabela oferece um sumário dos factores que devemos tomar em consideração na avaliação do conteúdo dum argumento. Conteúdo

Identificação dos objectivos do autor e a sua posição em relação ao assunto do argumento.

Posição do autor

• Neutralidade • Bias ou tendências

enviesadas • Interesse em

mentir/dizer a verdade? • Reputação

Motivação do autor Interpretação que o autor faz dos factos

Clareza do discurso As palavras e frases são claras? As premissas são implícitas ou explícitas?

Significado

O significado do argumento é explícito? Aprender a ler nas entrelinhas Se o significado é implícito ou subentendido é preciso reconhecer…

• suposições subjacentes • premissas falsas • tipos de associações • tipos de analogias • presença de estereótipos • correlações

verdadeiras/falsas • condições necessárias/

suficientes Tipo de raciocínio usado no argumento

Dedutivo

Indutivo (Formal / Informal)

• Abdutivo • Hipotético • Causal • Associativo /Analógico • Explicativo

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30.4. Desconstrução e Reconstrução de Argumentos Uma das técnicas muito úteis na sequência da análise dum argumento consiste em separar as frases importantes num texto e coloca-las em formatos que possam ser analisadas, reconstruindo o argumento de modo que as premissas e justificações sejam evidentes devido à sua simplificação e rearranjo. Frequentemente um argumento começa pela conclusão, e o autor depois passa a dar justificações para suportar aquilo que ele afirmou logo no início da sua elocução. Estágios no método da reconstrução:

1. Análise detalhada

É um argumento? Quais são os pressupostos. Identifique os marcadores de argumento, raciocínio, conclusão e retóricos.

2.Simplificação Reescrever o argumento de forma que possa ser analisado. Remover o excesso de verbosidade e palavreado. Fazer uma lista de todas as premissas e conclusões na forma padrão.

3.Clarificação Clarificar o sentido das premissas. Entender as definições, clarificar e explicar cada premissa.

4.Reorganisação Organizar as premissas numa sequência lógica. Dividir o argumento nos seus sub-argumentos cujas conclusões funcionam como premissas.

5.Preenchimento das lacunas

Identificar se há premissas implícitas e preencher as lacunas com premissas explícitas. Determinar se as premissas são implícitas ou explícitas. Determinar se as premissas são relevantes ou irrelevantes no contexto do argumento. Avaliar a validade do raciocínio dedutivo. Avaliar a solidez e a foça do raciocínio indutivo. Questionar a evidência das premissas apresentadas e avaliar para a sua verdade.

6.Avaliação geral Avaliar o nível de persuasão ou quão convincente é argumento. Identificar as falácias. Avaliar se a conclusão é verdadeira. Decidir se aceitar ou rejeitar a afirmação.

O psicólogo Jon Haidt apresentou a seguinte história a um grupo de participantes num estudo sobre conceitos de moral.

“Julia e Marco são irmãos. Eles foram fazer uma viagem até à França durante as férias de verão. Uma noite em que eles estavam sozinhos numa cabana junto à praia decidiram que seria interessante tentar fazer sexo um com o outro. Seria uma nova experiência para os dois. Julia já tomava a pílula há alguns anos e o Marco também usou protecção. Ambos tiraram prazer do acto, mas decidiram não o repetir. Essa noite foi um segredo especial que fez com que eles se sentissem ainda mais próximos um do outro.”

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O que você acha? Foi aceitável esse acto de amor? Antes de continuar a ler construa um argumento para defender a sua opinião. Você aceita ou rejeita o acto sexual entre os irmãos?

Como pode imaginar, todos os participantes no estudo responderam que tal acto não era aceitável oferecendo vários argumentos para justificar as suas opiniões.

Alguns participantes usaram justificações do tipo que era um acto imoral pois relações entre irmãos deveriam ser proibidas a fim de evitar a consanguinidade. Este argumento é irrelevante para a rejeição da história, já que ambos os participantes usaram contracepção.

Na maioria dos casos as justificações para suportar a conclusão negativa, foram oferecidas para apoiar uma atitude moral com base em princípios culturais profundamente enraizados na mente dos participantes. O acto foi visto como desprezível e imoral baseado nesta forma de impressão social, só depois da estimulação da via emocional, a via racional foi activada.

As atitudes morais que rejeitamos no presente como desprezíveis, foram norma no passado em ouras culturas. Por exemplo, no Egipto era frequente o casamento entre irmã e irmão a fim de continuar a linha dos Faraós. Entre os Califas do Império Turco, a regra da sucessão não era directa. O califa tendo um Harém, impregnava todas as mulheres e esperava-se que o seu sucessor seria o filho que assassinasse todos os meios-irmãos e pretendentes. A sucessão dos califas era baseada numa chacina fratricida. Em alguns países Muçulmanos ainda é aceitável o uso da Lei de Sharia para apedrejar até à morte, mulheres supostamente adúlteras.

Qualquer pessoa que defenda estes procedimentos deve ter a capacidade de construir um argumento com justificações que suportam a sua opinião (a conclusão do argumento).

Para esse argumento ser robusto, deverá seguir várias regras. Essencialmente deverá ter validade lógica, e as premissas que suportam a conclusão deverão ser verdadeiras no sentido de terem plausibilidade no mundo real. Isto implica que aquele que argumenta justifique por que as premissas apresentadas são verdadeiras.

Como já vimos, a utilização de certos critérios de verdade são inválidos, especialmente aqueles baseados em tradição, crença religiosa, revelação, intuição e outras (veja de novo secção 11.4).

Voltando ao exemplo de Haidt, é difícil construir um argumento moral que rejeite a legitimidade da história oferecida, a não ser que o contra argumento se baseie em justificações de fóruns religiosos ou legal. Sem estes pilares, a rejeição de tal acto passa a ser apenas uma questão subjectiva de preferências. As preferências dum individuo passam a ter tanto valor como as preferências de outro sem qualquer argumento racional para as suportar.

Quando ouvimos um argumento com o qual não concordamos, antes de oferecer o nosso argumento temos que passar por vários estágios explicado no exemplo seguinte.

“ Numa bela manhã de primavera quando a senhora Maria se passeava na calçada da Rua do Beco, tropeçou numa laje que estava espetada no ar e partiu a perna. Os custos da sua hospitalização devem ser pagos pela entidade responsável pelo estado da calçada”

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1. Devemos identificar no texto, quais são as frases que transmitem informação relevante para a conclusão. Neste caso, o dia ensolarado da primavera não tem qualquer importância para a conclusão.

2. A conclusão deste argumento diz que a entidade responsável pelo estado da calçada deveria arcar com as despesas do hospital

3. Este argumento encerra uma premissa implícita que assume que certas entidades, por lei, devem manter o estado da calçada de tal modo a fim de evitar acidentes.

Esta análise consiste na desconstrução do argumento. Agora vamos colocar essas premissas numa forma lógica. Vamos assumir que a entidade responsável pelo estado da calçada seria o Município/Prefeitura. P1. O Município tem a responsabilidade de manter as calçadas de modo que não causem acidentes P2. A calçada estava danificada P3 Por causa da calçada estar danificada, a Maria tropeçou na laje partindo a perna P4 A Maria teve despesas com o Hospital para curar a perna C Logo O Município tem responsabilidade no acidente da Maria Deste modo reconstruímos o argumento duma forma lógica e fica mais fácil de ver se existem problemas com toda a sua construção. Poderíamos questionar o pressuposto de que existe uma lei que obriga a Municipalidade a pagar compensação. Esta premissa seria fácil de confirmar obtendo evidência.

Exercício:

O argumento seguinte foi apresentado por Andreas Mölzer um Eurodeputado Asutríaco da estrema direita e candidato às eleições europeias num comício em Viena no. Identifique os erros do argumento e nomeie as falácias.

“Na União Europeia só os alemães e os austríacos é que trabalham. Todos se riem dos alemães e dos austríacos, desde os portugueses aos Europeus do Leste, dos suecos aos sicilianos, mas não se pode levá-los a sério, porque eles têm todos só um metro e sessenta”, afirmou , eurodeputado austríaco.

Nós, alemães e austríacos, somos os únicos que cumprem horários. Somos os únicos que começam a trabalhar às nove em vez de às onze. A Europa vai a caminho de se tornar “o caos total”.

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Capítulo 31: PRODUÇÃO DE ARGUMENTOS Agora que sabemos como analisar argumentos já podemos construir os nossos próprios argumentos evitando os problemas que podem ocorrer. Quando sabemos criticar os argumentos dos outros torna-se mais fácil criticar os nossos próprios argumentos pois podemos usar as mesmas ferramentas de análise. Mas é preciso ter sempre presente que uma análise subjectiva pode ser sempre vítima da nossa interpretação enviesada. Quando apresentamos um argumento na forma escrita, torna-se mais fácil analisar as suas falhas. É mais difícil apresentar um argumento na forma oral, especialmente se somos apanhados de surpresa numa discussão espontânea e não preparámos o argumento de antemão. Se você se encontrar a defender posições e opiniões que são importantes para si, será melhor passar algum tempo a analisar as razões que o levaram a adoptar essas opiniões antes de as expressar publicamente. Quando o seu argumento foi previamente bem pensado, tem mais probabilidade de ganhar aos argumentos dos seus oponentes. Mas pense também, porque você aceita facilmente e sem muito comentário ou criticismo dos argumentos daqueles que concordam consigo. Tenha sempre muita atenção aos ardis da nossa mente. Nós temos uma tendência natural para o raciocínio enviesado a nosso favor. Faça o policiamento da sua própria mente e pergunte-se se as suas opiniões são justas, equilibradas ou são carregadas de preconceito e sofrem de visões unilaterais. Tão importante quanto formular um argumento, é refutar o argumento dum oponente. A refutação dum argumento consiste em mostrar que o argumento do nosso oponente não é bom. É importante relembrar que podemos refutar um argumento sem ter que provar que a conclusão é falsa. Basta levantar objecções que não podem ser respondidas pelo nosso oponente e mostrar que o seu argumento não suporta a conclusão. É fácil refutar argumentos dedutivos. Neste caso a refutação toma duas formas:

1. Podemos mostrar que a conclusão não segue das premissas (non-sequitur) 2. Podemos argumentar que algumas das premissas são duvidosas ou falsas

questionando a veracidade das premissas Mas para refutar argumentos indutivos não basta determinar que o argumento não é válido, também é preciso demonstrar que o argumento é fraco sob o ponto de vista dos padrões indutivos acima discutidos. Existem outros argumentos que não podem ser refutados seguindo estes métodos, mas podemos identificar quando existem falácias. Numa feira em Portugal, assisti a um homem apregoando os benefícios da banha da cobra. O produto era bom para a saúde, tinha vitaminas que fazia crescer o cabelo quando massajado no couro cabeludo, era bom para a artrite nos joelhos e até servia como depilador das pernas. É difícil ver como um depilador também tem a propriedade oposta para fazer crescer o cabelo! Esta é uma inconsistência óbvia. Também é possível oferecer exemplos em contradigam a conclusão dum determinado argumento. Imagine que um astrólogo fez uma mapa de previsões para José afirmando que os astros estavam precisamente na conjunção ideal para encontrar um grande amor. José

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encontrou uma moça e pensou ser esse o seu grande amor. Por outro lado João, o irmão gémeo de José que nasceu com 1 segundo de diferença perdeu o seu grande amor. De facto essa moça, foi a mesma que se envolveu com José. Se as previsões fossem verdadeiras o que foi dito para o exemplo de José, teria que ser verdadeiro para João. O facto de João perder o seu amor para José é um contra-exemplo. Os contra-exemplos são frequentemente usados quando se fazem generalizações. O uso de contra exemplos é importante quando cientistas fazem generalizações apressadas para o resto da população a partir duma experiência ou observação de uma pequena amostra dessa população. Isto é particularmente evidente em estudos de psicologia feitos em universidades com os respectivos alunos como sujeitos do teste, e depois extrapolam estes comportamentos para o resto dos humanos. A generalização que assume que os seres humanos são monogâmicos por natureza, pode ser refutada pelos contra-exemplos da ocorrência de poligenia (um homem casado com várias mulheres) ou poliandria (uma mulher casada com vários homens, um sistema que ocorre nos Himalaias e algumas regiões da India).

31.1. Argumentos e Debates Um debate é uma discussão sobre um assunto particular onde cada participante apresenta um argumento para defender a sua opinião. Ao debater uma questão empregam-se várias formas de argumentação que vão muito além do raciocínio dedutivo, da mera apresentação de factos ou da retórica. O raciocínio dedutivo simplesmente nos diz se a conclusão é valida, se segue ou não das premissas, a mera apresentação de evidência apenas examina se o assunto sob discussão tem ou não suporte e a retórica é uma técnica de persuasão que tenta convencer os outros sem prestar muita atenção à veracidade das premissas. Um debate é mais estratégico do que estas formas de argumentar e o seu objectivo é chegar a uma resolução por consenso, mais do que apresentar um argumento válido, consistente e robusto.

Existem regras especiais para debater e as pessoas envolvidas em debates públicos, geralmente submetem-se a um processo de treino consistindo em aulas teóricas e práticas que oferecem estrutura e disciplina no debate. As associações de estudantes de universidades famosas têm clubes especificamente dedicados à prática do debate.

Em teoria as pessoas envolvidas no debate não têm que investir as suas emoções no seu ponto de vista, mas na prática os debatentes frequentemente apresentam um engajamento emocional que pode ofuscar o processo de avaliação e julgamento.

31.2. Código de Conduta Intelectual O autor T.E. Damer (2001) propõe o seguinte código de conduta para ser utilizado em discussões racionais, baseado nos seguintes 12 princípios:

1. Princípio da falibilidade 2. Princípio da procura da verdade 3. Princípio da claridade 4. Princípio do ónus da prova 5. Princípio da caridade 6. Princípio da relevância

7. Princípio da aceitabilidade 8. Princípio da suficiência 9. Princípio da refutabilidade 10. Princípio da resolução 11. Princípio da supressão de julgamento 12. Princípio da reconsideração

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1.Princípio da falibilidade: Quando numa disputa existem opiniões alternativas, cada participante na discussão deve reconhecer a possibilidade de que nenhuma das propostas merece consideração ou que pelo menos, apenas uma dessas posições merece ser aceite ou defensível se for verdadeira.

Exemplo 1: Situações onde nenhuma das posições merece consideração. A disputa sobre o sexo dos anjos pode oferecer soluções várias entre elas que os anjos são masculinos, ou que são femininos, ou assexuados ou hermafroditas. Mas na realidade, nenhuma destas posições tem a probabilidade de ser verdadeira pois antes de mais a própria existência de anjos tem que ser provada verdadeira.

Exemplo 2: Situações onde apenas uma opção pode ser verdadeira. Uma testemunha afirma que o banco foi assaltado por um homem. A outra testemunha afirma que foi uma mulher. Neste caso apenas uma proposição pode ser verdadeira. Se uma é verdadeira automaticamente exclui a outra opção por ser falsa.

Uma pessoa honesta deve estar sempre preparado para admitir que a sua posição pode ser falível.

2.Princípio da procura da verdade: Cada participante deve se comprometer a procurar e apresentar evidência de que aquilo que afirma é verdadeiro. Deste modo, cada participante deve estar disposto a avaliar a sua própria posição e a admitir que as suas fontes de informação podem ser viciadas ou não absolutamente correctas. Do mesmo modo deve dar oportunidade aos seus oponentes para apresentar dúvidas ou oposição àquilo que é apresentado como verdadeiro.

3. Princípio da claridade: A formulação de argumentos defesas e ataques, deve estar livre de qualquer tipo de confusão linguística e claramente separada doutras posições e assuntos não relacionados.

4. Princípio do ónus da prova: A responsabilidade de apresentar prova daquilo que se afirma como verdadeiro cai sobre a pessoa que faz a afirmação.

Exemplo: João afirma que as fadas existem. Pedro não acredita e pede evidência da existência de fadas. João responde: “Prova tu que elas não existem.”

Neste caso o ónus da prova recai sobre o João e não sobre o pedro. João é aquele que faz a asserção de veracidade da sua proposição e por isso ele é o sujeito que deve provar essa veracidade. Pedro não tem que provar que a asserção de João é falsa.

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5. Princípio da caridade: A fim de evitar a falácia do homem de palha, quando um oponente reformula o argumento do primeiro orador, essa reformulação frásica deve corresponder e ser consistente com o conteúdo ideológico do orador disse na versão original.

6. Princípio da relevância: Quem apresentar um argumento contra ou a favor duma proposição, deve se assegurar que a informação contida no seu argumento é relevante no suporte ou rejeição do argumento sob discussão.

7. Princípio da aceitabilidade: Quem apresentar um argumento contra ou a favor duma proposição, deve se assegurar que as razões apresentadas no suporte ou rejeição do argumento sob discussão sejam aceites por todos os participantes e devem estar de acordo com os critérios padrão de aceitabilidade.

8. Princípio da suficiência: Quem apresentar um argumento contra ou a favor duma proposição, deve apresentar razões suficientes em número, peso, tipo e espécie para suportar a aceitação da conclusão.

Exemplo: Luís contesta a possibilidade de ser recrutado para o exército e colocar em risco a sua vida num conflito dentro dum país distante. Luís questiona: Porque eu devo ir? Se a razão apresentada simplesmente se baseia no facto de que alguém no Governo assim o decidiu, este é um argumento falacioso de apelo à autoridade. Um governo não pode decidir arbitrariamente sobre a vida dos seus cidadãos, sem primeiro apresentar razões suficientes para suportar tal decisão. Esta é uma das características que define uma ditadura.

9. Princípio da refutabilidade: Quem apresentar um argumento contra uma posição, deve apresentar o tipo de oposição ou refutação esperada não só em relação à posição que ataca mas também à posição que defende. Ao apresentar as posições contrárias ao seu próprio argumento, o orador tem a vantagem de poder explicar porque elas devem ser rejeitadas ou porque elas surgiram no seio da oposição.

10. Princípio da resolução: Deve se considerar um assunto como resolvido quando o proponente duma solução a defende com sucesso apresentado argumentos que usam premissas aceitáveis e relevantes para a discussão. O argumento não está resolvido enquanto alguém continuar a apresentar um contra-argumento com premissas igualmente válidas. Na ausência de concordância entre as duas partes, somos obrigados a aceitar a posição que apresentou os melhores argumentos em termos de validade, força e consistência.

11. Princípio da suspensão de julgamento: Se nenhuma posição apresenta suporte suficiente ou se ambas parecem ter igual força e suporte, o melhor é suspender julgamento até que mais informação e evidência sejam apresentadas. É importante avaliar os prós e os contras de

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cada opção e avaliar o risco em termos de consequências. Se a suspensão de julgamento e decisão trouxer consequências piores do que optar por um curso de acção, então deve-se optar pelo argumento menos prejudicial.

11. Princípio da reconsideração: Se na conclusão dum argumento bem sucedido se detectaram falhas na sua formulação que podem levantar novas dúvidas sobre o mérito de tal posição, deve-se retomar o assunto para mais consideração e posterior resolução.

31.3. Objectividade Nunca é de mais enfatizar para qualquer argumento ou debate ser considerado honesto, os participantes devem fazer um esforço para seguir uma linha de raciocínio que brilhe pela objectividade considerando todas as possibilidades de resolução. Uma técnica que facilita a consideração das soluções possíveis consiste em coloca-las sob a forma de matriz. Por exemplo, Pedro defende o argumento o cancro de pulmão é consequência de muitos anos de tabagismo. Maria protesta, dizendo que a sua avó faleceu de cancro no pulmão e nunca fumou um cigarro na sua vida. As companhias tabaqueiras podem também usar o mesmo argumento para suportar a opinião que o cancro de pulmão não se deve ao tabaco podendo ainda acrescentar que existem casos de fumadores que não faleceram de cancro de plumão. Uma forma sistemática de resolução consiste em produzir uma matriz como a que se segue:

Cancro Pulmonar Presente Ausente Fumador Faleceu devido ao cancro Faleceu sem cancro Não fumador Faleceu devido ao cancro Faleceu sem cancro

Esta matriz mostra-nos as soluções logicamente possíveis dos argumentos apresentados. Mas como já vimos, o raciocínio dedutivo baseado em lógica formal não garante uma conclusão verdadeira na vida real. Para verificar a verdade destas quatro conclusões precisamos de adicionar dados empíricos que suportam a evidência para cada uma destas conclusões. Uma simples comparação dos números atribuídos a cada célula da matriz, poderá então contribuir para uma avaliação mais plausível sobre efeitos do tabaco na indução do cancro pulmonar.

Tenha cuidado para não confundir os conceitos “objectividade” e “verdade”

Objectividade Verdade Objectividade assume que não existem quaisquer bias ou tendências nas afirmações que se fazem. Um argumento objectivo é desprovido de emoção e apresenta todas as posições conhecidas sobre o assunto em discussão.

Uma verdade é aquilo que corresponde aos factos. Mas como já vimos acima, determinar o que é verdadeiro é um processo muito difícil e deve seguir os critérios de verdade acima definidos.

Podemos ser objectivos na apresentação dum argumento sem conhecer a verdade.

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Capítulo 32: APPLICAÇÕES DA ARTE DE RACIOCINAR

A frase “pensamento crítico” aplica-se a muitas situações, desde da leitura e análise crítica de textos, à observação de comportamentos, nossos e dos outros. O nosso corpo é um espelho de mensagens subliminais e nós somos um simples instrumento de comunicação da nossa mente, sem nos apercebermos das mensagens que transmitimos. Antes das mensagens verbais, a forma de comunicação mais primitiva é a mensagem corporal. Os sinais do corpo atraiçoam as nossas palavras. O cérebro é como uma máquina egotística que quer ser alimentado com a confirmação das suas crenças a fim de evitar dissonância cognitiva. A informação contraditória destabiliza o nosso balanço mental, assim o cérebro ao receber a informação do mundo exterior, altera o seu significado, seleccionando e ignorando partes da mensagem, de modo que encaixe nas nossas preconcepções.

A informação providenciada neste livro sugere que contrariamente ao proposto por muitos filósofos, ao longo da história, o Homem, não é um animal racional. De facto a forma natural do nosso raciocínio é bem irracional. A racionalidade é algo que se aprende e melhora com a prática. A constante aplicação dos métodos de análise crítica da informação que nos chega aos sentidos passa a ser tão natural como andar ou respirar. As pessoas que praticam a análise crítica como um hábito têm menos probabilidade de ser enganadas.

Nesta secção apresento definições de algumas palavras geralmente usadas na nossa linguagem comum, mas sobre as quais não nos debruçamos para analisar o seu significado.

Crença

A palavra crença é usualmente percebida num contexto religioso. No entanto todos nós temos crenças seculares. Algumas pessoas acreditam que a sua equipa de futebol é o melhor do mundo. Outras acreditam que aquele produto cosmético é melhor para as rugas do que o outro. Muitas acreditam em teorias científicas divergentes, este é um fenómeno que se vê particularmente no mundo da física quântica. Uma crença é quando se acredita em algo e definida como uma “afirmação que se toma como verdadeira”. Quando eu digo que eu acredito que os marcianos são verdes e têm um par de antenas que lhes permite comunicar por telepatia, eu estou aceitando que esta afirmação é verdadeira. Se eu pensasse que esta afirmação era false, então eu não estaria acreditando nela. Qualquer coisa que nós aceitamos como verdadeira, é uma crença! Mas a partir do momento que eu começo a ter algumas dúvidas sobre a sua veracidade, deixa de ser uma crença e passa a ser uma hipótese.

Frequentemente a palavra crença vem associada à palavra fé. Isto é ainda mais frequente num contexto religioso. Mas o que queremos dizer quando expressamos a frase “ eu tenho fé” e de que modo é diferente de crença? A definição diz que é uma crença que não se baseia em evidência. Assim podemos assumir que existem crenças, que se baseiam em evidência. Isto pode ser representado numa forma de diagrama de Venn:

Universo da crença

Crenças cuja veracidade é suportada por evidência e/ou prova (e.g. ciência)

Fé: Crenças cuja veracidade não têm qualquer suporte.

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Quando alguém acredita que um determinado tratamento pela aplicação de cristais, resulta na cura duma doença, esta crença é baseada em fé e não em evidência. A fé religiosa é uma crença baseada no apelo a autoridade de profetas e livros sagrados sem qualquer evidência de que o é que clamado é realmente verdade. As pessoas limitam-se a aceitar a veracidade dessas afirmações se questionarem a sua proveniência ou a falta de evidência.

Cada vez que eu viajo de avião, eu acredito que o piloto sabe pilotar um avião e também tenho fé nele porque não o conheço, não sei se ele pilotou aviões antes ou se ele de facto sabe pilotar. Cada vez que entro num avião eu tenho fé no piloto. Mas após uma aterragem segura nada aconteceu, posso então afirmar que possuo evidência de que o piloto sabia manejar o avião. A minha fé nos pilotos de avião baseia-se no facto de que eu acredito ser verdadeira a afirmação “todas as pessoas que tenham a seu cargo os comandos dum avião, sabem pilotar a máquina!” Eu acredito nesta frase porque nos milhões de viagens de avião que foram efectuadas desde a invenção da aviação comercial, poucos caíram devido a erro do piloto. Assim eu poderia afirmar que a minha crença nas habilidades do piloto tem uma certa fundamentação em evidência e a partir desse momento em que tenho evidência para suportar a minha crença, deixa de ser fé.

Em alguns casos, a fé é uma forma irracional de saltar por cima ou ignorar aquilo que é provável. Fé é a palavra que se usa para justificar uma crença ou afirmação para a qual não temos evidência. Quando eu afirmo que existem discos voadores, estou a fazer uma afirmação baseada em fé.

Fé e Esperança não são conceitos equivalentes

Por vezes a palavra “fé” é confundida com “esperança”. A diferença é a seguinte; enquanto que fé é uma crença em algo sem qualquer evidência, a esperança é o desejo de que algo possa acontecer no futuro. A fé é uma proposição de conhecimento, isto é; faz uma asserção em relação a algo que se julga saber. A fé frequentemente representa um estado mental onde o indivíduo aparenta ou imagina ter conhecimento de coisas que na realidade não sabe. A esperança não é uma atitude de conhecimento. Eu não sei se vou ganhar na lotaria do Euro milhões, mas comprei um bilhete na esperança de ganhar algum prémio. A razão por que se discute a fé num livro em pensamento crítico é porque em muitas circunstâncias a crença em algo baseado apenas em fé causa distorção da informação ou leva-nos a ignorar os dados empíricos e objectivos, isto é; a fé é um mecanismo que activa o mecanismo psicológico que produz enviesamento de confirmação levando-nos a ignorar ou mesmo rejeitar toda a evidência que possa contradizer as nossas crenças. Note que a palavra fé não se aplica exclusivamente ao fenómeno religioso. Muitos cientistas quando em presença de várias teorias concorrentes pode simpatizar mais com uma do que com outra e a sua defesa por vezes baseia-se num estado mental semelhante a ter de fé. Este fenómeno é particularmente frequente em ciências onde certos princípios ainda não estão bem estabelecidos ou onde é difícil obter evidência através de observações ou experimentação, como no caso da física quântica, cosmologia e origem ou do universo, ou composição da matéria negra que preenche o universo. Quando se cria uma hipótese nesta área de conhecimento, os criadores da teoria têm fé nela. Mas verdadeiros cientistas estão abertos a abandonar essa fé se a evidência os provar errados. Muitos têm fé na eficácia dum determinado aparelho ou modelo matemático que lhes vai dar evidência para suportar as suas crenças científicas.

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Em casos onde há evidência suficiente para confirmar uma teoria, como por exemplo na teoria da evolução, qualquer preferência por uma alternativa a esta teoria, como por exemplo design inteligente ou criacionismo, é uma escolha baseada em fé e não em evidência. Existem por aí alguns cientistas que sendo especialistas na sua área da ciência, como o bioquímico Michael Behe têm fé na teoria do design inteligente. Behe tem fé porque na realidade não tem evidência da verdade daquilo em que acredita. Se eu digo que a Lua é feita de queijo, estou a fazer uma afirmação de fé. Eu não tenho qualquer evidência de que existe queijo na composição da Lua. Neste exemplo eu estou a fazer uma proposição de conhecimento que pode ser verdadeira ou falsa. Esta afirmação tem o seguinte formato: “Eu sei que a Lua é feita de queijo”. O verbo saber é o que classifica esta afirmação como uma proposição de conhecimento. A evidência adquirida através da exploração da Lua, demonstrou que de facto a Lua não é feita de queijo e logo a minha afirmação de conhecimento é falsa. Cepticismo

“Aquele que não quer raciocinar é um fanático. Aquele que não consegue raciocinar é um idiota. Aquele que não se atreve a raciocinar, é um escravo.” –William Drummond

Mas será que ter uma atitude crítica exige de nós um cepticismo cego? Antes de respondermos a esta questão vamos primeiro entender o que significa cepticismo. Este conceito refere-se à atitude de questionar assuntos relacionados com o conhecimento ou opiniões e crenças aceites como verdadeiros. Esta atitude tem origem na filosofia clássica da Grécia Antiga numa escola de pensamento conhecida como Pirronismo. Um filósofo de nome Pirro de Elis (360-270 AC) é geralmente creditado com a criação da escola do cepticismo. Esta filosofia sugere que nada pode ser tomado com certeza, já que os nossos sentidos podem ser facilmente enganados e o processo de raciocínio é frequentemente escravo dos nossos desejos. Na linguagem geral, fora do cenário da filosofia, cepticismo é uma atitude de incredulidade e precaução relativamente à aceitação imediata de verdades putativas sem qualquer evidência ou suporte. Cepticismo pode também ser definido como o método de suspender qualquer julgamento, ou evitar dar opiniões, usando dúvida sistémica até se encontrarem razões ou justificações difíceis de refutar. Uma atitude céptica é saudável, mas é preciso usar de uma certa precaução e não deixar que um cepticismo excessivo nos previna de avançar na procura do conhecimento e da verdade. Na investigação científica e na criação de conhecimento, por vezes é preciso dar asas a uma certa criatividade e imaginação, sugerindo hipóteses que possam parecer chocantes, mas que sugerem novas vias de pesquisa. Credulidade

“Aqueles que te fazem acreditar em coisas absurdas também te podem levar a cometer atrocidades.” ― Voltaire

O oposto do cepticismo é a credulidade. Uma pessoa crédula é aquela que acredita em tudo sem qualquer avaliação crítica da mensagem. A credulidade é perigosa pois faz de nós vítimas fáceis de indivíduos sem escrúpulos. O pensamento crítico é uma forma de nos protegermos da credulidade ingénua.

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A nossa sobrevivência depende da informação que colhemos do mundo que nos rodeia. Essa informação é processada pelo nosso cérebro que decide o que fazer com ela. O primeiro passo deste mecanismo de decisão consiste em escolher entre dois pontos opostos numa linha contínua entre dois extremos. Aceitação total e rejeição total sem qualquer escrutínio analítico. No meio desta linha encontra-se um ponto de dúvida. Este é um ponto saudável, onde toda a informação recebida é submetida a uma avaliação crítica.

Aceitação Rejeição

A dúvida é como uma caixa que contém os mecanismos de análise, e quantos mais processos operam dentro dessa caixa mais abrangente se torna. No entanto é preciso ter cuidado com a extensão da aplicação do nosso cepticismo, pois ele pode ser tão extenso que nos inibe de tomar qualquer decisão.

Em muitas situações da nossa vida é preciso acreditar em algo, e especialmente em nós próprios, para que tenhamos motivação para continuar em frente. Mas acreditar cegamente pode nos levar a ilusões de grandeza e descurar detalhes que podem ser importantes para manter o nosso balanço mental e social. Acreditar cegamente pode levar-nos a um optimismo irreal, enquanto que rejeição reiterada leva a um estado mental de negatividade e pessimismo. A dúvida deve ser vista como um processo metódico de análise visando a objectividade e não como um mecanismo de defesa ou preventivo do nosso progresso. A dúvida deve ser apenas um processo temporário durante a avaliação de todos os factores que influenciam as nossas decisões.

Dogmas e Axiomas

A aceitação de dogmas é talvez uma das formas mais extremas de ignorar a nossa capacidade de raciocinar. Um dogma consiste numa ideia ou numa colecção de princípios que são indiscutíveis e aceite como verdadeiro. Frequentemente o dogma é imposto por uma autoridade, seja ela real ou mística. Existem dogmas políticos e religiosos, mas raramente científicos. A ciência formula teorias explanatórias mas essas teorias nunca se transformam em dogmas, porque estão sempre abertas a questionamentos e reavaliações na presença de nova evidência.

Convém não confundir os conceitos dogma e axioma. Um axioma é um postulado, ou uma premissa que se assume ser verdadeira porque é evidente. Por exemplo “a gravidade atrai os corpos” é um axioma e não um dogma, porque é evidente que as coisas caem em direcção ao chão.

Epistemologia: Conhecimento e Sabedoria

Em filosofia existe uma especialidade que se preocupa com o conhecimento. Esta área da filosofia, denominada Epistemologia, questiona como é que sabemos que de facto estamos em poder de conhecimento, ou melhor; como é que eu sei que aquilo que eu sei é verdadeiro? Imagine um universo feito de afirmações, proposições, enfim as premissas que constituem um argumento. Neste universo temos premissas que são verdadeiras e outras são falsas. Nós acreditamos nessas premissas se o nosso sistema mental de avaliação as considera

Dúvida

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verdadeiras. Se achamos que as premissas são falsas, segue que não acreditamos nelas. O conhecimento é definido como as crenças que aceitamos e são de facto verdadeiras. Se eu abraço uma crença cujas premissas são falsas, então eu não estou em poder de conhecimento. Assim é importante entender os mecanismos que nos levam a chegar à verdade duma proposição. Eventualmente chegaremos à verdade através da utilização de métodos empíricos de aquisição de dados e informação. Mas nem sempre uma pessoa com muito conhecimento é uma pessoa sábia. O conhecimento pode ser adquirido através da educação, recolha de informação, acumulação de dados, mas a sabedoria consiste na utilização desse conhecimento de forma que nos permite tomar as decisões mais correctas envolvendo emoções e princípios morais. Um computador pode adquirir conhecimento através de programas de aprendizagem de máquina. Mas terá sabedoria? Eventualmente com a evolução da informática, poderemos construir computadores que colectam toda a informação possível e aplicam algoritmos racionais de tomadas de decisão baseados nessa informação e nas regras de moral duma determinada sociedade produzindo soluções possíveis, mas o que falta neste computador são as emoções e intuições que inspiraram tais decisões. A sabedoria é algo que provém da introspecção, auto-análise e uma propensão para corrigir os nossos erros, abandonar caminhos errados e abraçar novas trilhas mais correctas. Sócrates foi um homem com muita sabedoria mesmo não tendo o conhecimento dos factos que nos foram dados pela ciência de séculos mais recentes. Platão, um discípulo de Sócrates clamou que “não vale a pena viver uma vida não analisada”. A sabedoria requer uma capacidade para se ter uma compreensão, discernimento e avaliação crítica do nosso conhecimento. Um cão, um cavalo, um primata, um corvo, todos os animais com um cérebro podem adquirir conhecimentos através do armazenamento de informação na sua memória. É mais difícil clamar que estes animais tenham sabedoria. Até ao presente os métodos utilizados pelas ciências cognitivas não podem afirmar que existem animais com sabedoria, mas devemos sempre deixar uma certa margina para dúvida e assumir que os métodos à nossa disposição no presente não são adequados para avaliar o que se passa dentro da mente dos animais não humanos. Uma pessoa com sabedoria é aquela que usa a razão e o pensamento crítico para examinar a informação que recebe, evitando bias e erros dade percepção. Uma pessoa sábia é aquela que está consciente da sua própria ignorância. Raciocínio enviesado e a comunicação com os espíritos Quando eu estava no segundo ano da faculdade na véspera do exame de química orgânica, formamos um grupo de estudo e encontrámo-nos na casa dum colega para fazer a revisão da matéria. No intervalo do estudo alguém se lembrou de ir buscar um tabuleiro de Ouija e comunicar com os espíritos. Este tabuleiro tem todas as letras do alfabeto formando uma circunferência, e as palavras sim e não respectivamente à esquerda e à direita do centro onde se encontra um copo de vidro ou um pequeno prato com uma seta indicadora. Quem se

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interessa por estas coisas de espiritismo reconhece que esta é uma forma de “comunicação” com os espíritos, onde um grupo de pessoas assenta as pontas dos dedos muito levemente com o copo e sente o seu movimento para cada letra formando palavras que vão responder às questões colocadas aos espíritos pelos participantes. A primeira questão começa por “está algum espírito presente?” e com os dedos pressionando levemente sobre o copo, espera-se que este se mova para cima da palavra sim ou não. Aqui está o primeiro paradoxo, isto é; se a resposta é não, e o espírito moveu o copo para essa palavra, então é difícil de explicar como não estando nenhum espírito presente “ele” moveu o copo. Mas na maioria dos casos o copo move-se para a palavra sim. A sessão segue com a pergunta do nome do espírito. Assim que o copo se move para a primeira letra, cada participante começa a pensar em possíveis nomes que começam por essa letra. Á medidas que o copo se vai movendo sobre a placa, as letras são seleccionadas numa sequência que começa a fazer sentido. Por exemplo, se a primeira letra foi M, podemos pensar numa série de nomes como Maria, Mário, Manuela Miguel, Mota, etc. Mas se a segunda letra for um a, já exclui a possibilidade de Miguel ou Mota. Se a terceira letra for um r, já estamos quase a adivinhar que será uma Maria, um Mário, um Marco ou um Marcolino, e assim sucessivamente. Há medida que nos aproximamos dum nome que faz sentido, o copo move-se cada vez mais rápido. O que se passa aqui? O espirito de algum Marco está presente na sala? Talvez Marco Polo? Na verdade este é um fenómeno criado pelos micromovimentos ideomotores de cada participante. A palavra ideomotor significa que os nossos músculos são activados por ideias que se formulam na nossa mente e não temos consciência de que estamos de facto a controlar esses movimentos. No caso do nome do espírito, no início ninguém sabe o que pensar, mas há medida que as letras vão aparecendo, a mente do grupo começa a concentra-se nas soluções prováveis trabalhando em uníssono, e logo todos pressionam o copo inconscientemente para uma palavra que todos conhecem. Se o grupo fosse constituído por elementos de diversos países, onde ninguém conhecesse a língua uns dos outros, decerto seria mais difícil reconhecer um nome que fizesse algum sentido. Nestes grupos há sempre alguém que é mais crédulo do que outros, e o movimento do copo será influenciado por esta pessoa, levando todos os outros a seguir esse movimento acabando por formular as palavras que as pessoas mais susceptíveis estão a imaginar. Cada pessoa pensa que está apenas seguindo o movimento do copo e não exercendo força para o copo se mover. Nessa sessão, perguntámos ao espírito para nos dar alguns exemplos das questões que supostamente sairiam no exame de química. E claro que neste caso a mensagem foi mais confusa. Provavelmente Marco, na sua forma etérea e imaterial não tinha acesso aos cofres da secretaria da Faculdade onde os exames estavam guardados. Mas algumas palavras como “alcanos” e “anel benzénico” apareceram na sequência de letras da resposta. Isto tem uma explicação lógica já que estávamos todos supostamente a estudar para um exame de química orgânica e a matéria óbvia destes exames são os compostos aromáticos baseados na estrutura do benzeno. Interessante seria se o espírito falasse Latim ou Tailandês! Curiosamente sempre falam a língua das pessoas que estão no grupo!

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Escusado será dizer que este exercício não deu muito resultado para o sucesso do exame e se tivéssemos passado o tempo a ler as trezentas e tal páginas do livro “Introdução à Química Orgânica” teria sido uma tarde muito mais produtiva. Moral da história; se tivéssemos sido mais críticos e em vez de passar horas a falar com o além tivéssemos usado esse tempo na revisão da matéria, talvez alguns de nós poderiam ter evitado repetir o exame no segundo semestre. A credulidade pode custar caro! Problemas com o apelo à autoridade Em 1963, o psicólogo Stanley Migram, intrigado com as atrocidades dos Nazis durante a Segunda Guerra Mundial, elaborou uma experiência para testar até que ponto uma pessoa estaria disposta a obedecer a ordens emitidas por uma autoridade. Nesta experiência ele disse às pessoas testadas que estavam a participar num estudo sobre aprendizagem. A pessoa teria que administrar choques eléctricos punitivos a outro individuo cada vez que ele fizesse um erro. O que a pessoa testada não sabia era que o outro era um actor e cada vez que via o sinal activado pelo individuo do teste, simulava uma reacção de quem estava a receber um choque. Verificou-se que o individuo testado, sob comando do psicólogo, administrava choques de intensidade cada vez mais alta, capazes de matar qualquer humano de ataque de coração. Estas pessoas não questionaram a qualquer momento a autoridade do pesquisador mesmo que isso causasse dano a outros. Uma das explicações oferecidas para tal comportamento sugeria que a pessoa executando a acção, não sentia qualquer responsabilidade nas consequências dos seus actos, pois a acção era comandada por outrem, que estava ao seu lado com uma bata branca simbolizando autoridade. Estas pessoas delegaram a sua responsabilidade moral para a autoridade. A obediência cega à autoridade, mais a tendência do comportamento de rebanho são os factores com mais peso num comportamento totalmente desprovido de qualquer tipo de avaliação critica. A obediência tem um papel importante na estabilidade social e muitos estudos sobre este assunto têm sido o foco de pesquisa em psicologia. Os psicólogos sociais consideram que muitas das acções malévolas como obedecer a ordens perniciosas, são consequência de influências situacionais, mas estudos mais recentes indicam que existem também características de personalidade que predispõem alguns a indivíduos a serem mais receptivos a obedecer ordens cegamente. Curiosamente as pessoas que parecem ser as mais amigáveis num contexto social, pretendendo agradar a todos são as mais perigosas. No seu desejo de serem apreciadas pelos elementos do grupo, têm uma predisposição para obedecer a pressões dos seus pares e da autoridade. Por outro lado, características que definem personalidades com tendências maia desagradáveis ou anti-sociais estavam mais dispostos a sacrificar a sua popularidade tomado decisões mais justas e moralmente aceitáveis. Em tempos recentes temos assistido a exemplos de pessoas que se recusam a obedecer a essa autoridade quando acham que aquilo que executam vai contra os princípios morais e a decência. Edward Snowden é um bom exemplo disto. Um técnico de informática que trabalhava para a CIA, discordante dos métodos utilizados para espirar sobre milhões de cidadãos comuns, ele revelou essa informação para os meios de comunicação social iniciando um processo de crise política. Nesta investigação descobriu-se que a Agencia de Segurança Nacional dos Estados Unidos estava a espiar os telefones privados de alguns políticos Europeus.

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Edward Snowden pagou caro pelo seu acto de decência moral. Presentemente está a viver em exilio porque é procurado pelas autoridades americanas. Actos morais de desafio da autoridade podem ser caros para o agente do acto, e o processo mais fácil é atribuir responsabilidade a autoridades desconhecidas. Encolher os ombros e render-se a uma atitude de que nada vai mudar é uma atitude cobarde e irresponsável. Fechamos este capítulo com a seguinte pergunta: É esta a sociedade em que queremos viver?

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Conclusão Em 2002 quando se discutia nos Estados Unidos a possível invasão do Iraque, o então Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld foi questionado pelo Departamento de Defesa sobre a existência de evidência para suportar essa invasão. Esta foi a resposta que ele deu: Original:

“Reports that say that something hasn't happened are always interesting to me, because as we know, (1) there are known knowns; there are things we know we know. (2) We also know there are known unknowns; that is to say we know there are some things we do not know. (3) But there are also unknown unknowns -- the ones we don't know we don't know. And if one looks throughout the history of our country and other free countries, it is the latter category that tends to be the difficult ones.” Tradução: Os relatórios que dizem que algo não ocorreu, são sempre interessantes porque como sabemos, (1) Existem conhecimentos conhecidos; existem coisas que sabemos que sabemos. (2) Também sabemos que existem conhecimentos desconhecidos; é o mesmo que dizer que existem algumas coisas que não sabemos (3) Mas também existem desconhecidos desconhecidos—aqueles que não sabemos que não sabemos E se observarmos a história do nosso país e de outros países livres, a ultima categoria é aquela que tende a ser a mais difícil.

Esta é uma peça de retórica interessante cuidadosamente planeada para confundir os questionadores e levar a cabo a invasão do Iraque. Mas se nos debruçarmos com cuidado sobre o sentido das frases, verificamos que elas encerram uma verdade que pode ser resumida numa forma simplificada do seguinte modo.

(1) Há coisas que nós temos conhecimento, logo sabemos algo sobre essas coisas.

(2) Existem coisas das quais temos conhecimento de sua existência mas não sabemos o que são. Por exemplo, sabemos que o Universo existe, mas ainda não sabemos como se originou. No passado sabia-se que existia algo na atmosfera que permitia a existência de chamas. Essa coisa era denominada phlogiston, hoje sabemos que se chama oxigénio, sem o qual as chamas não podem ocorrer.

(3) Existem coisas que não sabemos que existem. Por exemplo até há bem pouco

tempo não sabíamos da existência da partícula de Higgs. Darwin não sabia da existência do ADN e muitos de vós provavelmente até chegarem ao final deste livro, não sabiam da existência duma disciplina chamada pensamento crítico e da sua importância no nosso dia-a-dia.

O ponto 3 é talvez o mais difícil de resolver. Enquanto vivemos na ignorância dum facto não temos consciência da diferença que esse facto poderia fazer na nossa vida. Por vezes uma diferença para pior, outras vezes para melhor mas na maior parte das vezes o conhecimento desses desconhecidos contribui para a nossa aprendizagem, mudança e progresso, porque a vida é um trilho dinâmico e não uma paragem de autocarro. É minha esperança que este livro tenha contribuído para os passos que permitem o avanço na trilha da vida.

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Notas complementares aos capítulos: Capítulo 5:

Diagramas de Venn e Euler http://blog.visual.ly/euler-and-venn-diagrams/ Capítulo 11: Rationalism vs. Empiricism. Stanford Encycopedia of Philosophy http://plato.stanford.edu/entries/rationalism-empiricism/ Capítulo 17: Sobre as profecias de Nostradamus relatadas no Skeptics Dictionary http://www.skepdic.com/nostrada.html Capítulo 22: Para mais informação sobre número de genes nas diversas espécies visite a página Homologene. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/homologene Capítulo 25: Para mais informação sobre Darwinismo Social veja: http://en.wikipedia.org/wiki/Social_Darwinism Capítulo 27: Sobre as Bonecas Sexuais Japonesas http://aidoll.4woods.jp/en/ http://www.dailymail.co.uk/news/article-2722779/Japans-sex-doll-industry-reaches-level-creation-perfect-artificial-1-000-Dutch-Wife-comes-realistic-feeling-skin.html Capítulo 28: Autópsia do extra terrestre de Roswell ( http://en.wikipedia.org/wiki/Roswell_UFO_incident) Formações geométricas que apareceram nos anos 70 em plantações de cereais no Reino Unido (http://en.wikipedia.org/wiki/Crop_circle ) Ilusão de óptica : Fonte da foto do camião (http://theultralinx.com/2014/01/optical-illusion-game-mind-bendingly-clever-video.html)

Mais falácias sobre o pensamento desejoso http://www.fallacyfiles.org/wishthnk.html

Vídeo da experiência executada por Christopher Chabris e Daniel Simons: (http://www.theinvisiblegorilla.com/gorilla_experiment.html) Capítulo 29: Propaganda e Retórica When Does Rhetoric Become Propaganda? By Joseph H. Boyett, Ph.D. Won’t Get Fooled Again: http://www.jboyett.com/files/When_Does_Rhetoric_Become_Propaganda.pdf New Age Bullshit Generator http://sebpearce.com/bullshit/ Corporate Bullshit Generator http://www.atrixnet.com/bs-generator.html Tillich, P. 1957- Dynamics of faith. Harper Collins Publishers. NY Capítulo 32: Aplicações da arte de raciocinar

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Milgram Experiment http://en.wikipedia.org/wiki/Milgram_experiment Bégue, L., Beauvois, J.-L., Courbet, D., Oberlé, D., Lepage, J. and Duke, A. A. (2014), Personality Predicts Obedience in a Milgram Paradigm. Journal of Personality. doi: 10.1111/jopy.12104

Michael Behe é um exemplo dum cientista que acredita em design inteligente: http://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Behe Edward Snowden: http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Snowden Recursos Online Bad Science http://www.badscience.net/ Bias and Belief http://biasandbelief.wordpress.com/2009/06/01/attribute-substitution/ Center for Enquiry http://www.centerforinquiry.net/ Critical Thinking Handbook http://www.webpages.uidaho.edu/crit_think/ Comunidade Céptica Portuguesa http://comcept.org/ Guide to Logical Fallacies http://www.pnl-nlp.org/download/propaganda/page2.htm Glossary of Critical Thinking Terms http://www.criticalthinking.org/pages/glossary-of-critical-thinking-terms/496 Good Thinking Society http://goodthinkingsociety.org/ Internet Encyclopedia of Philosophy.Fallacieshttp://www.iep.utm.edu/fallacy/ Logical Fallacies http://onegoodmove.org/fallacy/ The Nizcor Project http://www.nizkor.org/features/fallacies/ The Skeptic http://www.skeptic.org.uk/inquirer/ The Skeptic Society http://www.skeptic.com/ Milgram Obedience Study https://www.youtube.com/watch?v=fCVlI-_4GZQ&feature=youtu.be&t=2m43s Natural Machines https://anabelapinto.wordpress.com The Fallacy Detective http://www.fallacydetective.com/ The Critical Thinking Community http://www.criticalthinking.org/

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