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VITÓRIA, SÁBADO, 16 DE JUNHO DE 2012 www.agazeta.com.br Pensar Paul sempre jovem Entrelinhas AUTOR TURCO ORHAN PAMUK INVESTIGA O SENTIDO DO ROMANCE EM NOVO LIVRO. Página 3 Artes cênicas BAILARINA ANALISA O ENCANTAMENTO E OS DESAFIOS URGENTES DA DANÇA. Página 4 Música A BOEMIA, AS PAIXÕES E OS SHOWS DE VINICIUS DE MORAES NAS NOITES PORTENHAS. Página 5 Memória LIVRO RELACIONA A ARQUITETURA COM A IDENTIDADE CULTURAL POMERANA. Páginas 10 e 11 EX-BEATLE CHEGA AOS 70 ANOS EM CONSTANTE RENOVAÇÃO, APONTAM ESPECIALISTAS Págs. 6, 7 e 8 DIVULGAÇÃO Paul McCartney no começo dos Beatles: músico construiu uma carreira vitoriosa que atravessa gerações e mantém o vigor criativo

Pensar_16_06_2012

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Pensar é um caderno semanal, veiculado aos sábados, no Jornal A Gazeta, do Espírito Santo

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VITÓRIA, SÁBADO, 16 DE JUNHO DE 2012

www.agazeta.com.brPensar

Paul sempre jovem

EntrelinhasAUTOR TURCOORHAN PAMUKINVESTIGA OSENTIDO DOROMANCE EMNOVO LIVRO.Página 3

Artes cênicasBAILARINAANALISA OENCANTAMENTOE OS DESAFIOSURGENTES DADANÇA.Página 4

MúsicaA BOEMIA, ASPAIXÕES E OSSHOWS DEVINICIUS DEMORAESNAS NOITESPORTENHAS.Página 5

MemóriaLIVRORELACIONA AARQUITETURACOM AIDENTIDADECULTURALPOMERANA.Páginas 10 e 11 EX-BEATLE CHEGA AOS 70 ANOS EM CONSTANTE

RENOVAÇÃO, APONTAM ESPECIALISTAS Págs. 6, 7 e 8

DIVULGAÇÃO

Paul McCartney no começodos Beatles: músico construiuuma carreira vitoriosa queatravessa gerações emantém o vigor criativo

Documento:AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_1.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 19:52:07

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2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,16 DE JUNHODE 2012

marque na agenda prateleiraquempensa

Karina de Rezende Tavares FleuryédoutorandaemLetras(comênfaseemEstudosLiterários)[email protected]

Flávia Dalla Bernardinaé advogada,bailarina e escritora.www.tubodeensaios.com.br

Ricardo Salvalaioé professor e escritor. Publicou dois livros eescreve no blog www.outros300.blogspot.com

Edu Henningé jornalista e integrante do Clube Big [email protected]

Caê Guimarãeséjornalista,poetaeescritor.Publicouquatrolivroseescrevenositewww.caeguimaraes.com.br

Tânia Maria SilveiraémestrandaemPolí[email protected]

Evandro MoreiraéescritormembrodaAcademiaEspí[email protected]

Bianca CoronaéarquitetaeautoradolivroPomerischHuss:ACasaPomerananoEspí[email protected]

Gilbert Chaudanneéescritorepintor.Publicouos livros“Amoçanajanela”e“AbuscadoSantoGraal”,entreoutros.

Léxico do DramaModerno eContemporâneoJean-Pierre Sarrazac(org.)A seleção de 57 verbetesredigidos por integrantesdo Grupo de Pesquisas

sobre a Poética do Drama Moderno eContemporâneo, da Universidade Paris III,propõe uma reflexão sobre o dramateatral nos séculos XX e XXI.

240 páginas. Cosac Naify. R$ 62

Nove VidasWilliam DalrympleEm vez de escrever sobrea sua experiência noslugares que visitou naÍndia, o autor buscapersonagensextraordinários e deixa

que eles contem suas histórias. Assim,lança um olhar respeitoso e fascinadopela cultura indiana.

360 páginas. Companhia das Letras. R$ 49

História Secretade CostaguanaJuan GabrielVásquezO aclamado romancistacolombiano, convidado daFesta Literária Internacionalde Paraty 2012, narra a

saga da construção do Canal do Panamá apartir do encontro entre o personagem JoséAltamirano e o novelista Joseph Conrad.

264 páginas. L&PM. R$ 42

Melhores PoemasAlmeida GarretCom seleção de IzabelaLeal, esta compilaçãocontempla as criaçõespoéticas do autorportuguês (1799-1854) queteve a vida intimamente

ligada à história política do seu país.

120 páginas. Global Editora. R$ 25

“Filosofilme”Evento reúne cinema e filosofia em VitóriaUma sessão de filme com pipoca, boa companhia e debatefilosófico: esta é a proposta do “Filosofilme”, projeto promovidopela instituição Nova Acrópole de Jardim Camburi. Nestesábado, às 17h, será exibido “O Homem de La Mancha”(1972),clássico do diretor Arthur Hiller que conta a história de Miguelde Cervantes e de seu mais famoso personagem, Dom Quixotede La Mancha. Mais informações: (27) 3058-0255.

Artes plásticasIbeuv apresenta gravuras e xilogravurasO espaço cultural ArtIbeuv, em Vila Velha, abre na próximaterça, às 19h30, a exposição “Lindaura Oliveira e outrosgravadores”, com gravuras e xilogravuras da artista inspiradasnas impressões do negro logo após a Lei Áurea.

27de junhoMoxuara é atração do “Quartas no Teatro”O grupo de Cariacica, que tem mais de duas décadasde estrada e quatro discos na bagagem, apresentará oshow “Aventura”, às 21h, no Theatro Carlos Gomes,em Vitória. Às 19h, abertura de Rony & Ricy.Ingresso popular: R$ 2 e R$ 1.

28de junhoCiências Sociais promove café literário“Questão quilombola: patrimônio material e imaterial” é o temado Café das Ciências Sociais do mês de junho. O palestranteconvidado é o professor Osvaldo Martins de Oliveira. Às 19h15,na sala 9 do ICII, campus de Goiabeiras, Ufes.

José Roberto Santos Nevesé editor do Caderno Pensar, espaço para adiscussão e reflexão cultural que circulasemanalmente, aos sábados.

[email protected] LENDA EM EVOLUÇÃO

Não é toda estrela da música que chega aos 70 anos emplena atividade, fazendo turnês, gravando discos e de-monstrando inspiração para seguir em frente, sem se prenderao passado. Por isso, a próxima segunda-feira, quando sir PaulMcCartney atinge a casa dos 70, é um dia a ser comemoradopelos fãs e apreciadores de música em todo o mundo. Nestaedição, Ricardo Salvalaio analisa a trajetória do ex-beatledesde o começo da sua parceria com John Lennon até agloriosa carreira solo, com o Wings, nos anos 70, e os duetoscom astros como Stevie Wonder e Michael Jackson, na década

seguinte. E vai além dos clichês que conferem a Paul os méritosde baladista nato, compositor de hits e ótimo cantor. Alémdessas qualidades, o contrabaixista notabilizou-se como ummúsico completo, com conhecimento erudito e excepcionalnoção de arranjo. Seu lado performático é destacado pelojornalista Edu Henning, que teve o privilégio de entrevistar oautor de “Helter Skelter” e acompanhar suas turnês pelo Brasil.Com texto em primeira pessoa, Edu nos leva para a frente dalenda e revela os bastidores que cercam uma entrevista desseporte. Escolha a sua canção de Paul e boa leitura!

Pensar na webGaleria de fotos e vídeos de PaulMcCartney, vídeos e poesias de Vinicius deMoraes, programação do Festival ES deDança 2012 e trechos de livros comentadosnesta edição, no www.agazeta.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

Documento:AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_2.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 20:19:19

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3PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

16 DE JUNHODE 2012

entrelinhaspor KARINA DE REZENDE TAVARES FLEURY

ORHAN PAMUK E AARTE DO ROMANCE

Em novo livro, autor turco investiga o processo de criação da ficção literária

O ROMANCISTA INGÊNUOE O SENTIMENTALOrhan Pamuk. Tradução:Hildegard Feist. Companhiadas Letras. 152 páginas.Quanto: R$ 34 (livro)e R$ 24 (e-book).

“Oromancista ingê-nuo e o sentimen-tal” (2011), deOrhan Pamuk,traz na capa“Rest” (1905),

óleo sobre tela de Vilhelm Hammershoi(1864-1916), que nos convida a umaviagem para além do momento con-gelado da imagem, da parede gris dian-te da qual a mulher se posiciona.

Para Pamuk, ganhador do PrêmioNobel de Literatura, com o livro “Neve”(2006), o objetivo desta sua obra “échegar a um entendimento mais pro-fundo do ensaio de Schiller [“Poesiaingênua e sentimental”, de FriedrichSchiller], que amo desde a juventude,assim como aclarar meus pensamentosacerca da arte do romance” (p 17).

O ponto alto do primeiro capítulo, “Oque nossa mente faz quando lemos umromance”, se dá quando o autor con-ceitua os vocábulos “ingênuo” e “sen-timental” para descrever os tipos deromancistas e de leitores de romances. Oautor escreve que há dois tipos de ro-mancistas e de leitores: os ingênuos e ossentimentais. Estes, reflexivos, são ex-tremamente conscientes dos métodos edas técnicas empregadas na escrita, fas-cinados com a artificialidade do texto;enquanto, aqueles, espontâneos, “nãoestão nem um pouco preocupados comos aspectos artificiais da escrita e daleitura de um romance” (p. 16).

Em “Sr. Pamuk, tudo isso aconteceurealmente com o senhor?”, o ensaísta nosfala de algo muito caro aos estudiosos daautoficção: às vezes, até um leitor ex-periente tende a confundir o autor com apersonagem de ficção. “Dependendo desua ingenuidade e de seus sentimentos emrelação ao livro, os leitores podem terpensamentos contraditórios sobre a mis-tura de realidade e imaginação no ro-mance que têm nas mãos” (p. 31).

Em “Personagem literária, trama, tem-po”, Pamuk testemunha seu próprio per-curso de leitura e de escrita. Afirma que ocaráterdoprotagonistade seus romanceséforjado, moldado, assim como o caráter deuma pessoa na vida: “Pelas situações epelos acontecimentos que ela vivencia” (p.53). No entanto, afastando-se do ladoingênuo de romancista que é, o autor,buscando seu viés mais sentimental-re-flexivo, ensina que a trama e o tempo sãotécnicas às quais o romancista deve estaratento ao retratar as personagens de suaficção. “Só depois o romancista concebe asfiguras mais adequadas para elucidar taistópicos” (p. 59). É trançando os váriospontinhos dos tais tópicos e driblando, nanarrativa, a linearidade dos relógios e

calendários, como fizeram Conrad, Proust,Joyce, Faulkner e Virginia Woolf, para citara lista de Pamuk (nós acrescentamos,apenas para ficarmos num só exemplo,Clarice Lispector), que se constrói o ro-mance moderno.

Pintar com palavrasA apresentação de uma de suas opi-

niões mais arraigadas, a de que “oromance é, essencialmente, uma ficçãoliterária visual”, se dá no capítulo 4:“Palavras, quadros, objetos”. Como es-critor de romance, avalia que seu ofícioequivale ao ato de pintar com palavras;e como leitor, deseja visualizar e de-cifrar imagens por intermédio das pa-lavras de outra pessoa. No processo deescrita de seus textos, o romancistabusca a “palavra certa” para poderrepresentar a “imagem certa”. O su-cesso dessa operação está em juntarnuma frase a combinação das “emoçõese pensamentos de cada protagonistacom os objetos que o rodeiam” (p. 82) eem convencer o receptor de que ele estádiante de um mundo real, sem “per-ceber divisões entre os eventos e osobjetos, o drama e a paisagem [...],como na vida” (p. 82).

Sem a participação voluntária daimaginação do leitor e sem que o mes-mo produza a transformação das pa-lavras em imagens mentais, o romancenão vive. Essas são algumas das con-siderações de Pamuk em “Museus eromances”, no sexto capítulo. Muitasvezes, tomados pelos sentimentos deposse e de insuficiência que o romancenos inspira, “fingimos esquecer que oromance é um produto da imaginação”e somos levados a querer “visitar ascidades, as ruas, as casas onde osacontecimentos têm lugar” (p. 93). Deacordo com o autor, ao mesmo tempoque isso parece aliviar o sentimento deinsuficiência que temos perante a obra,nos traz um certo orgulho ao cons-tatarmos que imaginamos os detalhescorretamente.

Mas é na busca pelo “Centro” (úl-timo capítulo do livro) secreto do ro-mance que reside todo o desafio tantopara o romancista quanto para o leitor.Por “centro” entende-se o “insight so-bre a vida, um ponto de mistério, realou imaginário, profundamente entra-nhado” (p. 109). É graças à impre-cisão, ou à fluidez, desse(s) centro(s),onde se realiza a tríade - romancista,texto, leitor - que nós (amantes daliteratura... ingênuos ou sentimentais)nos damos conta de que estamostransitando na seara de ficção.

Documento:Capa_AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_3.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 21:18:33

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4PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,16 DE JUNHODE 2012

A dança contemporânea é a arte de registrar os abalos e movimentos ondulatóriosdo corpo, afirma bailarina e cronista, que aponta os desafios enfrentados pela área

artes cênicaspor FLÁVIA DALLA BERNARDINA

A SISMOGRAFIA DOSESTADOS DA ALMA

DIVULGAÇÃO

A Staccato Cia. de Dança (RJ) se apresenta no 2º Festival ES de Dança, em 21 de junho, no Theatro Carlos Gomes

Épreciso adorar dan-çar para persistir. Adança não dá nadaem retorno, nemmanuscritos a guar-dar, nem pinturas a

colocar na parede ou mesmo a expornos museus, nem poemas a publicar ouvender; nada salva esse instante fugaz,único, quando você se sente viver.”(Merce Cunningham)

Nessa frase do coreógrafo MerceCunningham percebemos que, de fato,a arte não é perene, na medida em queo olhar que a produz é mutável, assimcomo o olhar que a absorve é plural.

A dança agrava essa impermanência:nenhum movimento, nenhuma expres-são é igual a outra, mesmo que exe-cutados sincronizadamente ou repe-tidos pela mesma pessoa.

Isso enriquece e, ao mesmo tempo,desafia artistas da dança em váriossentidos, porque transforma esse ins-tante fugaz e único a que se refereCunningham, em constantes novas ex-periências a serem vividas tanto pelobailarino, quanto pelo coreógrafo, emais ainda pelo espectador.

Novas experiências justamente porquea dança é imobilizável e inapreensível poressência. A sua natureza é como a daspalavras – fugidia. Podemos fazer essaanalogia a partir da ideia de ClariceLispector sobreaurgência inalcançáveldoinstante-já: livro quando publicado, élivro morto. O que difere a palavra dogesto é que o livro está lá, impresso naprateleira, ainda que morto. Quando omovimento vem, ele já foi, muitas vezessendo apenas uma passagem, um meiopara chegar a algum lugar. E a dança ficaregistrada no corpo, impressa na sen-sação, quando muito na memória.

O suporte da dança é o corpo queguarda uma certeza inabalável: ele so-frerá a ação do tempo. A superfícieonde a dança se revela tem comodestino o desaparecimento.

“O corpo em movimento é a sis-mografia dos estados da alma con-temporânea”, afirmaram as curadorasda recente exposição “Danser sa vie –Art et danse de 1900 à no jours”,realizada no Centre George Pompidou,em abril de 2012. Por sismografia,entende-se a arte de registrar os abalose movimentos ondulatórios dos ter-

remotos. Podemos associar – sem, porisso, reduzir ou concluir - que a dançacontemporânea é a arte de registrar osabalos e movimentos ondulatórios docorpo. Este corpo que chacoalha e sedesestabiliza, porque tenta incessan-temente alcançar a essência do gestocomo ato evolutivo e inconsciente. Estecorpo que se oferece como um veículo,uma ferramenta, uma forma de estarmais próximo de si, ainda que numaversão densa e repleta de dualidades.

Essa é também uma questão do fazerartístico: não permite reduções ou ge-neralizações, está em constante processode questionamento e transformação. Umdia tem convicções, no outro nem tantasassim. A arte não é estática e no dilemahá sempre uma alternativa.

FestivalEntre 20 e 24 de junho, acontece a 2ª

edição do Festival ES de Dança. Oevento este ano conta novamente coma participação do Cena 11 Cia. deDança, de Florianópolis (SC), sob adireção coreográfica de Alejandro Ah-med, e do Grupo de Dança Primeiro

Ato, de Suely Machado (Belo Hori-zonte, MG). Estreiam no festival a SãoPaulo Cia. de Dança, com direção ar-tística de Inês Bogéa, a CompanhiaFocus, de Alex Neoral (RJ), e a StaccatoCia. de Dança, dirigida por Paulo Cal-das, também do Rio de Janeiro.

Além das apresentações em teatros eespaços alternativos, a programaçãoconta com debates sobre métodos detrabalho na teoria e na prática, umaoportunidade de presenciar a troca entrecoreógrafos locais e das companhias vi-sitantes. Prova de que não há hierarquiasou distâncias no fazer artístico.

Painéis trarão à cena diálogos sobrequestões atuais que permeiam a dança,como o papel das redes sociais na suadifusão, significados e reflexões sobre adança de rua, e as perspectivas para adança contemporânea.

A dança de rua recebe destaque commanifestações em terminais de ônibuse praças, e flashmobs ocuparão inu-sitadamente pontos da cidade, comoforma de se insurgir contra o cotidianoanestesiado. Coreógrafos independen-tes também apresentarão suas obras noTeatro do Sesi e as companhias locais

selecionadas (Homem, InPares, Enki,Grupo Z, Mitzi Marzzuti, Teatro Ur-gente, Marcus Konká) estarão no Thea-tro Carlos Gomes, em noites dedicadasà persistente produção local.

É a dança que pensa, se movimenta ecircula, que busca sobreviver através deeditais e patrocínios ou sem nenhumdeles, sabe-se lá como. Esta é umaquestão política e que nunca ficará defora dos diálogos, afinal estamos nomundo, e vivemos o mundo, com essecorpo que há de ter a dança impressacomo uma segunda pele.

São os desafios para a dança con-temporânea e que estão ligados àquelesenfrentados por qualquer manifestaçãoartística na atualidade. Viabilizar suasproduções com sustentabilidade, esta-belecer interfaces com outras linguagens,abrir-se para novas possibilidades, criarlaços e conexões para alargar as fron-teiras, sem que para isso precise se jus-tificar para o meio ou se explicar porlegendas. Através dos abalos sísmicos daalma, a dança segue impregnada namente de quem cria, no corpo de quemmovimenta, nos olhos de quem vê eno coração de quem sente.

Documento:Capa_AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_4.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 21:18:17

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5PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

16 DE JUNHODE 2012

VINICIUS PORTENHOLiana Wenner. Casa daPalavra. 192 páginas.Quanto: R$ 39,90

falando de músicapor JOSÉ ROBERTO SANTOS NEVES

O CANTO DO POETA NASNOITES PORTENHAS

Em fevereiro de 1975, o jor-nalista argentino EnriqueRaab, do “La Opinión”, via-jou para Punta del Este es-pecialmente para entrevistarVinicius de Moraes. Logo na

primeira abordagem, o repórter colocouas cartas na mesa: “Quero falar com oVinicius escritor e poeta, com o re-presentante da inteligência brasileira”.No decorrer da conversa, quis saber aopinião do poeta sobre o desinteressedos jovens pela leitura. A resposta foisurpreendente:

- Eu também não leio, mas posso dizerque já li bastante na minha vida. Agora meinteressammaisaspessoas, ospescadores,os pobres da Bahia, com quem aprendimuito. E digo mais: aprendi mais coisascom os animais do que com os inte-lectuais. Na minha casa da Bahia tenhoquase um zoológico: muitos cachorros,cabras, macacos. Claro que tenho espaçoparaeles.Masos intelectuaismeentediam– reiterou Vinicius, com aquela voz doce eas palavras que seduziram audiências emtodo o mundo, especialmente as mu-lheres, razão de sua existência.

O misto de sinceridade e simplicidaderelatado na passagem acima está entre ascaracterísticas que mais impressionamem “Vinicius Portenho”, livro da jor-nalista Liana Wenner sobre as tempo-radas do poeta na Argentina e no Uru-guai, entre o final dos anos 50 e meadosdos anos 70. Unindo excelência jor-nalística e sensibilidade, a autora cons-trói um retrato emocional do perfilado apartir de entrevistas com músicos, pro-dutores, amigos, admiradores e ex-mu-lheres que conviveram com Vinicius deMoraes naqueles anos de intensa boemiae, acima de tudo, muito amor.

A exemplo de milhares de argentinos,Liana Wenner foi atraída para a obra deVinicius de Moraes pelo aspecto afetivo.Ela era uma criança assustada com aopressão da ditadura de seu país quandodescobriu que outro mundo era possívelao ouvir o disco “Vinicius de Moraes emLa Fusa de Buenos Aires com MariaCreuza Y Toquinho”, gravado em 1970.No ano seguinte, poeta e violonista re-gistraram outro álbum na casa homô-nima, em Mar Del Plata, desta vez comMaria Bethânia. Paralelamente ao sucessomusical, os livros de Vinicius eram tra-duzidos para o espanhol e publicados nospaíses vizinhos, arrebanhando uma legiãode leitores que viam nele uma espécie de“Buda bossa nova”. Seus shows nos tea-tros e cafés de Buenos Aires lotavam.Certa vez, ele comentou com Toquinhodiante da plateia de Córdoba:

- No Brasil estamos fora de moda,Toquinho. Aqui nos adoram.

CônsulA relação de Vinicius com o Cone Sul

se aprofundou a partir do Natal de 1958,quando tornou-se cônsul do Brasil emMontevidéu. Ele já havia composto omusical “Orfeu da Conceição” com TomJobim, e a bossa nova estava prestes aconstruir um novo capítulo na históriada música popular brasileira, com olançamento, no ano seguinte, do “Chegade saudade” de João Gilberto. A autoradescreve com orgulho o fato de Viniciuster composto “A Felicidade” na região dePorcitos, finalizando a melodia comTom por telefone.

A narrativa avança para a década de60, período em que Vinicius viveu in-tensamente. Ele e Dorival Caymmi re-

A LETRAVALSA PARA UMA MENININHACHAMADA CAMILA(Vinicius de Moraes)Fique assim, meu amor, semcrescerPorque o mundo é ruim, é ruim evocêVai sofrer de repente uma desilusãoPorque o mundo é somente seubicho-papão

Fique assim, fique assim, sempreassimE se lembre de mim pelas coisasque eu deiE também não se esqueça de mimQuando você souber enfim de tudoo que eu amei

Composta em Mar del Plata para a filhada jornalista Helena Goñi

LIANA WENNER/DIVULGAÇÃO

ceberam tratamento de estrelas na estreiano Teatro Ópera, em agosto de 1968, emBuenos Aires. Até então, Vinicius con-seguia conciliar a arte com a carreiradiplomática. No ano seguinte, porém, elelevou um duro golpe ao ser desligado doserviço diplomático brasileiro, por meiode um memorando que dizia apenas:“Demita-se esse vagabundo”.

A autora desenha habilmente o perfildo poeta, com suas qualidades, medos efragilidades. Mostra a culpa do pai au-sente, a dor da separação (ele casou-senove vezes), a paixão fugaz por mulheresmais jovens, o homem carismático quevivia rodeado de admiradores e que,mesmo assim, dizia gostar da solidão.Revela também o Vinicius que apreciavaos prazeres da vida, que gostava decomer bem e de receber amigos em casa,onde virava madrugadas sentado nochão, cantando sambas com Toquinho e

o inseparável copo de uísque. O livrotambém destaca suas excentricidades,como a de passar horas com o corpoimerso na banheira, escrevendo poesias ecanções. É o mesmo Vinicius de humorcáustico que contava histórias como essaà jornalista Helena Goñi, parceira deboemia em Mar del Plata:

- O Chico me deve a vida. Uma vez fuipara sua casa, a empregada me fezentrar e disse para eu me sentar, masouvi um gemido na poltrona e não mesentei. Se tivesse me sentado, teriaasfixiado o Chico. Ele me deve a vida.

Com emoção e bom-humor, o livro deLiana Wenner prova que a conexãoportenha significou para Vinicius umrefúgio hedonista onde ele pôde des-frutar da alegria de viver sem medo deser feliz. Tanto que se casou com umaargentina, a então universitária MartaRodríguez Santamaría. Ela tinha 23anos; ele, 61. Seu desencanto com aArgentina – o livro deixa isso claro – sedeu após o desaparecimento do pianistaTenório Jr., em 18 de março de 1976,sequestrado dias antes de o país ser alvode mais um golpe militar.

Tempos nebulosos, aqueles vividos porVinicius. Às tragédias, guerras e tiranias doséculo XX, ele respondeu com palavras deamor, poesia, alegria. Foi, como se au-todefiniu em “Elegia ao primeiro ami-go”, um “mártir da delicadeza”.

Vinicius de Moraes, Maria Creuza e Toquinho na casa La Fusa, em Buenos Aires

Documento:AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_5.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 19:54:18

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7PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

16 DE JUNHODE 2012

6PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,16 DE JUNHODE 2012

PAUL MCCARTNEY COMPLETA 70 ANOS MODERNO E ATUAL,E O MUNDO PRECISA DO SEU TALENTO, AFIRMA ARTICULISTA

músicapor RICARDO SALVALAIO

A LONGA EBEM-SUCEDIDAESTRADA

Enquanto John Lennon compunha sobre si mesmo, Paul se divertia em escrever na terceira pessoa, sempre descrevendo cenas e personagens urbanos com pitadas de surrealismo bem-humorado

DIVULGAÇÃO

O compositor com a esposa Linda McCartney na época do Wings, nos anos 70

Em “When I’m Sixty-four”, doálbum “Sgt. Pepper’s LonelyHearts Club Band” (1967),dos Beatles, Paul McCartneyse indagava se ainda pre-cisaríamos dele quando ele

tivesse 64 anos. A pergunta era umaironia – haja vista que a expectativa devida inglesa na época era de 63 anos –feita pelo músico mais bem-sucedido dahistória da música pop. Nesse mês, SirPaul McCartney completa 70 anos commuito êxito e a gente ainda precisa dele.Passando pelos Beatles (anos 60), Wings(anos 70) e sua carreira solo desde osanos 80, o êxito sempre foi um fatormarcante na vida do cantor, compositor,multi-instrumentista (baixista, pianista,guitarrista, violinista, percussionista,baterista), produtor cinematográfico emusical, escritor, poeta e pintor.

YesterdayPaul McCartney formou com John

Lennon a melhor dupla de compositoresdo século XX. A dupla dinâmica compôsverdadeiras pérolas do cancioneiromundial, mas enquanto John compu-nha sobre si mesmo (após conhecer otrabalho de Bob Dylan), Paul se divertia

em escrever na terceira pessoa, sempredescrevendo cenas e personagens ur-banos com pitadas de surrealismobem-humorado. “Eleanor Rigby”, “Pen-ny Lane” e “She’s Leaving Home” sãobons exemplos dessa sua verve. “Paul éum joalheiro e um malabarista quandose trata das palavras. Suas letras sãocheias de surpresas. Algumas vezes são

leves como plumas, mas, às vezes, es-creve versos tão pesados quanto umônibus de dois andares ou o própriocoração”, afirma Adrian Mitchell, or-ganizador do livro de poemas de Mc-Cartney, “O canto do Pássaro-preto –Poemas e Letras 1965 – 1999”.

“Macca” compôs “Yesterday”, a ba-lada mais gravada da história da mú-

sica, tendo sido cantada por Ray Char-les, Frank Sinatra, Elvis Presley. “Yes-terday” possibilitou a Paul ser ouvidopor as mais variadas pessoas ao redordo mundo. A partir dela, o compositorcomeçou a flertar com os instrumentosclássicos. Assim, “Here, There and Eve-rywhere” e “For no One”, por exemplo,transformam McCartney em um Bachmoderno, ao compor pequenas sin-fonias ao invés de simples canções deamor. Ademais, as mais belas baladasdos Beatles são dele: “Hey Jude”, “Let itbe”, “Michelle”, “The Long and Win-ding Road”, “All my Loving”. Por essacaracterística, os críticos alegavam queo cantor só realizava baladas, ao queele respondeu com “Helter Skelter”,que é considerada uma das primeirasmúsicas de heavy metal da história. Seupróprio parceiro John dizia que ele sóproduzia “canções bobas de amor”;Paul respondeu da melhor forma, commúsica, ao compor “Silly Love Songs”(1976): “Você deve pensar que as pes-soas já têm canções bobas de amorsuficientes, mas eu olho a minha volta evejo que não é assim. Algumas pessoasquerem encher o mundo de cançõesbobas de amor. O que há de erradonisso?”. Também é mito dizer que o>

ex-beatle é alienado, já que “Bla-ckbird” é uma metáfora sobre os

conflitos raciais e direitos civis nosEUA, principalmente da situação dasmulheres negras.

Destarte, o baixista nunca foi umcompositor redundante, pelo contrário,foi ele que, baseado em John Cage eStockhausen, inseriu os loops e efeitosesquisitos em “Tomorrow NeverKnows”, pôs metais em “Got to get youInto my Life”, além de criar os conceitosdos álbuns “Sgt. Pepper’s Lonely HeartsClub Band” e “Magical Mystery Tour”.O cantor também compôs música ele-trônica, trilhas de filmes e música eru-dita, e é insuperável o seu talento paraescrever melodias que vão direto aocoração e lá se agarram, pois qualcompositor, hoje, pode fazer um show ecantar 40 sucessos de sua autoria emtrês horas e ainda assim deixar de fora40 hits? Com 32 músicas que chegaramao topo da “Billboard”, não deve sertarefa fácil escolher 40 músicas dentreum conjunto de obras que marcaram

época nos últimos 50 anos. Em 1979, oLivro dos Recordes declarou-o como ocompositor musical de maior sucessoda história da música pop mundial detodos os tempos.

WingsApós o fim dos Beatles, Paul criou,

com sua esposa Linda e com DennyLaine, um novo conjunto chamadoWings. O grupo foi uma autoterapiapara o músico e revelou algumas dascaracterísticas mais marcantes de Mc-Cartney: o ótimo cantor, o multi-ins-trumentista e o hitmaker. O grupo du-rou de 1971 a 1979, teve muito sucessoe até ganhou Grammys. Assim, Paulcontinuou em evidência na década de1970. Satisfez a ambição de voltar agrandes turnês e realizando shows desurpresa em universidades. Não de-morou muito, o Wings se tornou umgrupo de rock com tudo a que tinhadireito, no estilo dos anos 70, fazendoenormes turnês pelos estádios ame-

DIVULGAÇÃO

Com George Harrisson, John Lennon e Ringo Starr, na metade dos anos 60: na química dos Beatles, Paul foi fator de sedução e glamour e um malabarista das palavras

> ricanos, vendendo milhões de discos egarantindo que uma nova geração defãs viesse a identificar Paul não comoex-beatle, mas como ex-wings. Dentreas canções de destaque desta época,podemos elencar “Another Day”, “EveryNight”, “Maybe I’m Amazed”, “My Lo-ve”, “Live and Let Die”, “Let ‘em in”,“Mull of Kintyre”, “Band on the Run”,“Jet”, “Let me roll it”, “Goodnight To-night”, “Listen to what the Man Said”.

Já na década de 1980, após a mortedo amigo John Lennon, Paul McCart-ney fica por nove anos sem realizarshows e, como todos da década, suacarreira segue um caminho mais pop,com suas canções abusando do uso desintetizadores. Nessa época, volta atrabalhar com George Martin, produtordos Beatles, e realiza parcerias comgrandes nomes da música internacio-nal, tais como Stevie Wonder (“Ebonyand Ivory”), Michael Jackson (“Say,Say, Say”) e Elvis Costello (“My BraveFace”). Dos anos 90 para cá, o com-positor continua prolífico, sempre lan-

çando algo novo e nunca vivendo ape-nas do passado.

Símbolo libertárioPaul McCartney é abençoado com

umas das mais sublimes e calorosasvozes cantantes de nosso tempo.Compositor que embalou muitos ro-mances pelo mundo, ele é o símbololibertário de toda uma geração, con-vertido em pacato e conservador paide família, e homem de negócios.Sem ele, é muito provável que oplaneta seria muito mais chato. Nacomposição química dos Beatles,Paul foi sucessivamente fator de se-dução e glamour, agente reguladorda fórmula, elemento condutor deenergia e foi muito estratégico. Ohomem é enorme. Inevitável. Nomundo inteiro, para várias gerações,sua musicalidade tem o toque divinoe fez mais feliz a vida de muita genteao mostrar à humanidade o ca-minho do amor.

Documento:AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_6.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 20:25:20

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8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,16 DE JUNHODE 2012

+ artigo de capapor EDU HENNING

FRENTE A FRENTE COM SIR MCCARTNEYJornalista e fã relata os bastidores das turnês do ex-Beatle pelo Brasil e revela a emoçãode ter ficado cara a cara com o ídolo durante uma entrevista exclusiva em São Paulo

EDU HENNING

Registro de passagem de som do músico em Porto Alegre: privilégio para poucos

companhei de perto todasas vezes em que Paul Mc-Cartney esteve no Brasil.

E não poderia ser di-ferente. Sou, acima de tu-do, um admirador incon-

dicional do talento artístico e da posturade vida deste que é, sem sombra dedúvida, um dos maiores e mais com-pletos músicos dos últimos dois séculos.

Como jornalista e como fã, tive aoportunidade de ficar frente a frente comele por três vezes. A primeira aconteceuquando escrevia para o Caderno Dois deA Gazeta e trabalhava como repórter decultura da TV Gazeta.

Em 1990, McCartney fez sua primeiravisita ao Brasil e uma coletiva de im-prensa estava sendo minuciosamente or-ganizada por sua gravadora. Os exe-cutivos da gravadora passaram mesesoferecendo facilidades para jornalistas dediversos veículos de comunicação do Bra-sil. Tudo para que pudéssemos encontrare fazer matérias com o ex-Beatle.

Mas, semanas antes do tão esperadoshow, os brasileiros foram surpreen-didos. O então presidente Collor con-fiscou a poupança. O dinheiro sumiu e,consequentemente, também desapare-ceram todas as promessas e promoçõesda gravadora de Paul McCartney.

Em particular, não fui afetado. Já tinhapassagem comprada e hotel reservadopara assistir ao segundo show. E, depoisde muito argumentar com meus chefes,assegurei uma verba curtíssima para aviagem ao Rio de Janeiro.

Naquele momento, Paul McCartneyera anunciado para duas apresentaçõesno Maracanã. A primeira numa quin-ta-feira e a segunda no sábado. Estavaconformado que, por falta de dinheiro,perderia o show da quinta, o primeiro dePaul McCartney no Brasil. Mas uma chu-va fortíssima caiu sobre o Rio de Janeiroe a apresentação foi transferida para asexta. Fui diretamente beneficiado.

Cheguei na sexta de manhã no Rio e fuiembuscadaminhacredencialnoescritórioda empresa responsável. Lá encontrei umamigo com quem tinha trabalhado poranos na EMI, gravadora de Paul Mc-Cartney. Ele me disse que a credencial teriaque receber uma etiqueta especial para dardireito à coletiva de imprensa e que seriapara poucos jornalistas.

Parti imediatamente para uma das

salas do Maracanã, onde encontrei umapequena multidão de jornalistas espe-rando o momento da liberação da taletiqueta. A pessoa responsável apareceue foi cercada imediatamente. No meioda confusão, enfiei a minha credencialentre braços, costelas e gritos de “cadê aminha”. No meio da loucura total sentium tranco na mão e percebi que tinhampressionado a minha credencial. Puxei obraço e pude ver que a minha credencialtinha recebido o tão disputado adesivoque dava direito a ficar frente a frentecom Sir Paul McCartney.

Corri para a improvisada sala de im-prensa e sentei na segunda fila, bem defrente para o microfone que estava des-tinado ao músico. Minutos depois eleentrou sorrindo e acenando para todos.Fiquei paradão. E, bem provavelmente,com a cara mais idiota. Estava diante deum dos grandes da história do rock. Umapessoa que eu conhecia quase que comoum irmão. Afinal, passei anos e anoslendo tudo sobre sua vida e ouvindo todaa sua obra artística.

Mas, com certeza, eu não estava so-zinho nesse sentimento. Tanto que aoentrar na sala, McCartney foi supera-

plaudido pelos jornalistas que, geral-mente, gostam de manter um certo “dis-tanciamento” do entrevistado. Naquelemomento, os jornalistas viraram fãs.

Duranteacoletivaelemesmoescolhiaojornalista a perguntar. Levantei o dedoalgumasvezes,masnãohouve tempoparatodos e, assim, não pude fazer nenhumapergunta. Mas pude ver meu ídolo deperto pela primeira vez e, ainda, assistiraos dois primeiros shows dele no Brasil.

ExclusivaAnos se passaram e Paul McCartney

voltou ao Brasil. Apresentações em SãoPaulo e Curitiba foram anunciadas. Pas-sei meses trabalhando para que pudessefazer uma entrevista exclusiva com ele.Insistência, determinação, disposição eamigos dentro da EMI, a então poderosagravadora dos Beatles, foram fatoresdeterminantes para que eu recebesse aconfirmação de uma entrevista com Paul.Foram meses pensando o que perguntare, principalmente, me preparando es-piritualmente para o momento que aper-taria sua mão.

Cheguei em São Paulo e me dirigi ao

Pacaembu. Lá, antes do show, aconteceriaa entrevista coletiva e depois as ex-clusivas. Chegada a minha vez, fui levadopara uma sala reservada. Já me sentiapreparado emocionalmente para a en-trevista exclusiva. Foram longos e si-lenciosos minutos sentado diante de umenorme pôster dele, McCartney. Foi quan-do a porta abriu e, segundos depois,entrou Paul McCartney com um enormesorriso e perguntando se eu era o Edu. E,nervoso, fiz a primeira pergunta: “E você,é o Paul?”. Rimos, demos as mãos e euliguei o gravador.

Depois disso Paul McCartney retornouao Brasil mais duas vezes. E lá estava eunovamente. Dessa vez, nada de entrevista.Preferi ser simplesmente um fã e, maisuma vez, a sorte não me abandonou. EmPorto Alegre, com apoio de amigos econhecidos, fui assistir à primeira pas-sagem de som de Paul McCartney. Fiqueiestrategicamente sentado na house mix,a área dos técnicos de som e luz que ficaem frente ao palco. Estádio do Inter-nacional praticamente vazio. Somenteequipes técnicas se movimentando. E eulá, parado, quietinho na área técnica, ecom a preocupação de não chamar aatenção. Afinal era um intruso. Tudo bemque eu era um convidado, mas, comcerteza, poderia ser colocado para fora, aqualquer momento, por um dos técnicosestrangeiros. Paul McCartney estava lon-ge, no palco, acertando o som, tocando hámais de uma hora. Apesar da distância, eusentia como se ele estivesse fazendo umaapresentação especial e exclusiva.

Terminada a passagem de som, luzesforam apagadas e os técnicos come-çaram a relaxar. Paul, que deveria ter idoembora, pelo menos eu pensava assim,de repente apareceu no campo e veioandando em direção à house mix.Quase não acreditei. Afinal era meuídolo vindo em minha direção. Ele en-trou na house mix, cumprimentou atodos acenando e sorrindo e foi di-retamente conversar com seu técnico desom e com a equipe de projeção dosupertelão que fica no palco. E eu ali, aalguns metros, novamente de frentepara Paul McCartney. Foram momentosimpressionantes. Inesquecíveis.

Tenho certeza de que, quando estivercom 70 anos, como o McCartney estácomemorando agora, sonharei comtodos os detalhes dessas histórias.

A

Documento:AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_8.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 20:28:44

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9PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

16 DE JUNHODE 2012

poesias

ÚLTIMOSONETOEVANDRO MOREIRANão, não me julgo infame nemcovardepor não te dedicar nenhum amor.Tudo se acaba, cedo, ou mesmo tarde,tudo perece – a vida, o sonho, a flor.

Tenho culpa se agora já não ardeaquela chama que nos deu calor?Creio que não, portanto, sem alarde,esconde só contigo a tua dor.

Dizes que nosso amor foi diferente...Mas, apesar de tudo, das loucuras,não podia durar eternamente.

Consola-te, se sabes que eu te quis.Hoje, tenho outra fonte de ternurase outros motivos para ser feliz.

NOTÍVAGO(“Eu faço versos como quemchora” - Manuel Bandeira)

A chuva fina molha a cidadee pelas ruas vou, a braços com asolidão,onde guardo a saudadede você,envolta em colorido encantamento.

E entre as vozes da madrugada úmidae friadescubro o cheiro de pão quentinho,que se faz para a fome do corpomas não alimentará o corpo domendigoque dorme ao relentonem absorverá o excesso de álcool emminha carcaça.

Mas a fome da alma se alimentae aumentarácom o perfume de uma florigualmente solitáriaque chora os pingos do céu.Eu bebo para não pensar.E faço versos para não chorar.

HERANÇA DEPOETA

crônicas

DOS DENTES, DO VERBO,DAS CAIXASpor CAÊ GUIMARÃESTenho molares, caninos e sisos. Eles seoferecem ao mundo nos momentos be-licosos e nos divertidos. A mordedurapode variar em um diapasão que vai dafratura ao corte. Ou do beijo suave aosôfrego encontro de lábios e línguas.

Tenho também palavras que esca-pam entre dentes. Precisas. Indecisas.Cada uma delas, colocada atrás deoutra e outra e outra, em uma filainfinda, juntas formam cidades intei-ras, monumentos, avenidas. Mas tam-bém erguem casebres e edículas. Pa-lavras são capazes de fazer o couroáspero virar película. E me revestempelo avesso, como se os próprios den-tes, sedentos, adquirissem, involuntá-rios, o movimento da língua.

Então tenho o sopro e a máquina quesopra. Tenho mapas falsificados quefalseiam rotas. Com ele passeio por

veias, vielas e vaus arredios. E tenhofios. Como a teia de uma aranha bur-lesca que finge que nada sente, quandona verdade sente vibrar toda a extensãoda sua teia, se estimulada.

Quase esqueço. Tenho também umembornal cheio de ciladas. E autos-sabotagens imunes a qualquer antí-doto. Não temo nenhum perigo. Aosinal vermelho, sigo. E no verde, ob-servo o movimento das gentes. E oquanto somos todos aflitos. E serenos.Tornando grande o que é pequeno. Oudiminuindo o campo do infinito.

Até finalizar as linhas dessa crônica,dedilhada como poema, eu terei maisuma vez fracassado na resolução dovelho teorema. Onde há sentido emtudo isso? O que é a experiência tiradadisso tudo? Como no sonho, em que aogritar me percebo mudo, escolho o

fundo. De tudo. E escrevo. E ao escreverretorço as garras – molar, canino e siso.E ao torcer removo as nódoas, com ousem vodka, e ao remover penso terencontrado o X da questão, a tal res-posta errada à qual o teorema não seadapta.

Encontro uma caixa, como indicou obom e velho Hans Magnus Enzensberger.Eu a abro. Nela há outra. E dentro daoutra mais uma, outra e outra. Assimsucedem caixas contendo caixas, con-tendo caixas que contêm caixas. Pacien-temente debulho uma a uma. Até chegarà menor das caixas, na possibilidade maisremota de que nela caiba algo que sejanão outra caixa. Eu a abro. É a últimacaixa. Ela está cheia de nada.

Sorrio, dentes, língua, gengiva, pa-lavras ditas e não ditas. Sol e sombra. Etudo mais. Toda uma biblioteca deverbos, versos, inversos, anversos. Pe-go o conteúdo da caixa e coloco nobolso do casaco, ao alcance da mãoesquerda. E volto a caminhar pelaaurora. Dobro mais uma esquina domundo. E deixo em tudo a sensação denunca ter ido embora.

O COLORIDO CAPIXABApor TÂNIA MARIA SILVEIRA

O sábado amanheceu ensolarado, fresco,muito agradável. A Rua Sete de Setembroestava animada. Sorrisos largos. Abraçosapertados. Vibração contida. Aquele pres-sentimento inexplicável que normalmenteantecipa os momentos inusitados.

O dia seria agitado. Além da rotineirafeira livre e seus produtos orgânicos, oSamba da Xepa, sempre animado, contariacom a ilustre presença do jazzista capixabaPaulo Sodré tocando baixo acústico. Naprogramação geral, o Festival da Iden-tidade Capixaba. O anúncio do desfile de150 grupos culturais pelo Centro de Vitóriaestimulou os moradores e visitantes aacompanhar as apresentações das antigasmúsicas,dançasebrincadeiras.Nãotardoupara que o bairro se transformasse em umgrande palco a céu aberto.

Eu estava curiosa. Não conhecemos ariqueza do berço cultural em que nas-

cemos. Pouco a pouco as pessoas che-gavam vindas de vários municípios. Cha-péus engraçados, enfeitados com flores,penasou fitas.Pésdescalçosesaiasdechitagiravam no embalo do jongo. Flechas elanças erguidas tranquilamente pelos tu-piniquins e guaranis. Roupas coloridas,vestidos bordados, meias e sapatos fe-chados deslizando ao som das músicasitalianas, alemãs, pomeranas. Tambores,acordeões, violões, violas e cavaquinhos,chocalhos, reco-reco, casacas, taróis, pan-deiros vibrando em todos os lugares. Eratanta gente cantando e tocando, embo-lando toadas, filmando, fotografando, seacotovelando. Os curiosos espreitavam porentre as bancas de verduras, frutas, carnes,peixes, frangos e flores. Muitos paravamaté serem delicadamente empurrados pe-los passantes que também queriam apre-ciar o espetáculo.

Duas horas depois eu estava cansada. Avisão se confundia com tantas cores erodopios. Não conseguia pensar, nem apre-ciaroqueviaeouvia.Defato,éumagrandediversidade cultural! Fui pra casa apreciartranquilamente as minhas fotografias.

“Se queres ser universal começa porpintar a sua aldeia”, me lembrei da célebrefrase russa enquanto reparava os detalhesdo colorido capixaba nas fotos que gravei.Eram imagens da multiplicidade de ex-pressões intercontinentaispresentesnami-nha rua. O reconhecimento da diversidadeétnica e cultural amalgamada pelos an-tepassadoséumgestonavalorizaçãodessepatrimônioculturalqueperduragraçasaosesforços de pessoas comuns, sem no-toriedade e, na maioria das vezes, des-possuídas dos meios necessários para efe-tivar os seus propósitos. Isso é essencial àpreservação da nossa identidade.

Chorem por mim, apenas, um amigo,os filhos e a mulher que me suporta,que foi amante em tempo mais antigoe ainda hoje nas tristezas me conforta

A morte não me assusta. Pouco importaque a figura apodreça num jazigo,se a alma, liberta dessa carne morta,sabe que em Deus encontrará abrigo.

Que chorem!, de saudade, não de mágoa.E de teus olhos verdes a triste águasobre o sepulcro se transforme emflor.

E, entre cantigas, aves inocentesespalhem pelos campos as sementes,assim como espalhei o sonho e o amor.

Documento:AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_9.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 20:29:31

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11PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

16 DE JUNHODE 2012

10PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,16 DE JUNHODE 2012

memóriapor BIANCA CORONA

A TRADIÇÃO DE UM POVO NASFORMAS DA CASA POMERANA

Poucos de nós temos emmente que o passado é umdireito do ser humano. Pen-samos em passado como al-go a ser lembrado ou es-quecido, mas não lhe damos

o valor devido de identidade cultural.Ora, o conhecimento da construção dahistória de nossos antepassados, res-saltados na simples etimologia do so-brenome da família e seu significado, ou,na descoberta do lugar onde viviam ospioneiros, está diretamente entrelaçadoe se confunde com o que somos e o querepresentamos no presente. Por vezes,esse passado coletivo confunde-se com ahistória de uma cidade, de um Estado, eaté mesmo de uma nação.

Essa redescoberta do passado comodireito e identidade cultural de umpovo se fez presente no estudo querealizei sobre um monumento modes-to, construído na região serrana doEspírito Santo: A Casa Pomerana. Em2005, elaborei o inventário da CasaPomerana em Santa Maria de Jetibá,como trabalho de conclusão do cursode graduação em Arquitetura e Ur-banismo; instante em que parei paraobservar a paisagem do lugar onde euresidia. O cotidiano nos torna desa-tentos tantas vezes, mas comecei aperceber a “presença” de casas, simplesà vista, mas interligadas entre si por umconjunto de características próprias deconstrução e tipologia arquitetônica,desde as formas até o seu modo dehabitação, e bem assim como foramhumanizados esses espaços.

Notei uma forma peculiar em cadaencaixe nas peças de madeira e de-talhes interessantes em cada elementoda construção, muito além das funçõesque desempenham, como o sustentar aedificação em si. Notei uma impor-tância maior na casa, transmitir atravésde uma linguagem própria, a trajetóriade um grupo de pessoas até o momentopresente. Essa linguagem própria uti-lizando a Arquitetura para marcar nalinha do tempo um fato, uma tradiçãopara não escapar da memória e servirde exemplo às futuras gerações, é umadas definições mais simples para mo-numento. Esse monumento, a CasaPomerana, por anos careceu de umolhar mais apurado para entendê-lo,estudá-lo e principalmente valorizá-locomo memória edificada.

Desde o momento que tomei a casapomerana como meu objeto de estudo tivede enfrentar barreiras culturais, sociais eatémesmode interesses econômicos.Mes-mo nascida na região onde estão lo-calizadas essas casas, precisei conquistar aconfiança do povo pomerano em face demotivos históricos. A integridade destepovo foi, no passado e por diversas vezes,desrespeitada ainda na terra natal (Po-merânia), ocasionando traumas físicos epsicológicos, impulsionando famílias in-teiras a deixarem sua terra de origem e selançarem ao mar em busca de melhorescondições de vida. Entre as rotas deimigração, escolheram o Brasil, e nossoEspírito Santo teve a alegria de recebê-losaqui.Masasdificuldadesdeadaptaçãonasterras capixabas e a falta de apoio go-

REPRODUÇÃO DO LIVRO POMERISCH HUSS A CASA POMERANA NO ESPÍRITO SANTO

vernamental os tornaram mais arredios eoptantes por um isolamento dentro desuas comunidades e residências, teme-rosos do desconhecido.

Para vencer o obstáculo da língua,aprendi algumas palavras em pomerano eviajei no carro de entrega de pão. Essasexperiências levaram-me a descobertas ar-quitetônicas encantadoras, além do pri-vilégio de conhecer pessoas maravilhosas edividir, por alguns momentos, esse co-tidiano bem de perto. O resgate da históriadas casas muitas vezes se confundiu com oresgatedahistóriadeumafamíliaoudeumindivíduo, e cada visita trouxe de volta otempo passado, além de um desafio, e aprovocação de um novo olhar. Mas asvisitas também trouxeram consigo umador. Uma dor só possível pelo contato que

traz descobertas nem sempre prazerosas econstrutivas: constatei na pesquisa umaprática destruidora de centenárias casaspomeranas. Através de uma investigação,que por diversas vezes se tornou arriscada,chegou-se à identificação de pessoas ines-crupulosas, rotuladas como “caçadores demadeira”. Tais se infiltram no meio dacomunidade, mostram-se simpáticos eamistosos, e convencem as famílias a ven-derem as residências, cuja estrutura é todaem madeira de lei, sob os mais variadosargumentos, por exemplo desmontá-la eremontá-las em outro lugar. As famíliasiludidas pela oferta de uma quantia mo-netária que, mesmo irrisória, não sabiammensurar, e a agilidade e a pressão docomprador em negociar com rapidez,sucumbiram e se desfizeram de seu

Estudo de arquiteta relaciona as residências de Santa Maria de Jetibá com a identidadecultural dos imigrantes pomeranos e alerta para a ameaça de destruição desse patrimônio

patrimônio. O pior, não previsto pelacomunidade, aconteceu: desfeitas,

descaracterizadas, casas centenárias foramreduzidas ao rótulo demagógico de “ma-deiras de demolição” para a confecção de“móveis rústicos” sob a bandeira do “eco-logicamente correto”. Uma casa pomeranadetém traços de uma cultura, da história deuma comunidade, da identidade de umpovo.

DenúnciaA comunidade descobriu que o valor

pago pelas casas foi injusto. Comparadoao valor de venda dos móveis fabricadoscom a mesma madeira advinda das casas,uma única dessas peças cobre o valorpago pela casa inteira. Em 2009, A GA-ZETA, através de seus jornalistas VilmaraFernandes e Gildo Loyola, deu voz àdenúncia e fortaleceu a luta contra adestruição desse patrimônio capixaba.

Com o objetivo de divulgar o valorarquitetônico das Casas Pomeranas, es-timular a reaproximação e o desejo depreservação dessa identidade cultural tãopeculiar e rica, foi elaborado um projeto eapresentado no edital de “Valorização daDiversidade Cultural Capixaba”, promo-vido pela Secretaria de Cultura do EspíritoSanto. O projeto foi selecionado em se-gundo lugar e o prêmio recebido pos-sibilitou a publicação do livro “PomerischHuss:ACasaPomerananoEspíritoSanto”.Composta por uma linguagem simples eilustrada com muitas imagens, a obraaborda resumidamente o cotidiano dopovo pomerano na antiga Pomerânia, as

dificuldades ali enfrentadas e o fenômenoda imigração. Como esse contexto refletiuna arquitetura residencial pomerana, seusdetalhes e técnicas construtivas peculiaresaté a adaptação aqui no Brasil. Apresentatambém a influência da fé na Arquitetura,no modo de se construir as edificaçõesreligiosas: igrejas, templos, cemitérios. De-talha elementos arquitetônicos, com focona adaptação destes no processo de imi-gração e na migração interna nas terrascapixabas.

Por fim, após conhecer e compre-ender o valor histórico-cultural destatipologia arquitetônica, convida-se oleitor a uma reflexão sobre a “des-construção” da casa pomerana, rela-tando a destruição desse patrimônio,capitaneada pela ganância dos “ca-çadores de madeira”. Apresentam-sepossibilidades para preservação de uni-dades residenciais pomeranas com vis-tas a reforçar os marcos de identidadecultural deste povo e apresentá-los àsgerações presentes e futuras. Semeia-sea redescoberta, a reaproximação dopovo pomerano com sua própriaresidência.

POMERISCH HUSS: ACASA POMERANA NOESPÍRITO SANTOBianca Corona. 158páginas. Lançamento dia22 de junho, às 19h, naBiblioteca PúblicaEstadual, Av. João BatistaParra, 165, Praia do Suá,Vitória. Quanto: R$ 25.

Casa na região de São Sebastião, em Santa Maria de Jetibá: características próprias de construção e tipologia arquitetônica

Imagem do acervo do Museu de Imigração Pomerana em Santa Maria de Jetibá. À direita, destaque para as telhas de madeira usadas inicialmente nessas edificações

No alto, mulher morta vestida de noiva, costume usado com as moçasque não tiveram a oportunidade de se casar; acima, velório de um homem>

>

REPRODUÇÃO

FOTOS: FRANCISCO SEIBEL/REPRODUÇÃO

Documento:AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_10.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 19:24:05

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12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,16 DE JUNHODE 2012

ideiaspor GILBERT CHAUDANNE

UMA CRÍTICA DA CRÔNICA OU: ASCRIANÇAS LOURAS DE SANTA TERESAEscritor e pintor identifica as razões da popularidade do gênero situado entre a literatura eo jornalismo, mas aponta alguns vícios do estilo, como o teor nostálgico e a folclorização

O Brasil cultiva asaudadeportuguesa e osentimento de quetudo o que passou(ou está ausente) émelhor que opresente”

Olivro “A Vida Secreta daGente”, de Maria SanzMartins, e sua palestracom as observaçõessempre justas e acer-tadas de Rita Maia me

induziram a algumas reflexões sobreo gênero “crônica”. É um gêneromuito apreciado no Brasil. Talvezporque o brasileiro goste do coti-diano, dos “causos”, das anedotas –verdadeiras ou inventadas e que po-dem ser o prelúdio de uma obraliterária.

Passando para a literatura, há co-mo a intenção de ir além do “falar” emergulhar na escrita que já induzmais para a reflexão: uma espécie deradiografia despretensiosa do coti-diano, uma vontade deliberada deser sério (de não cair na fofoca), mastambém de não cair nos abismos deuma verdadeira ciência do cotidiano(Proust). A crônica quer agradaratravés de uma espécie de “super-ficialidade de bom gosto”, porque acrônica visa a divertir o leitor e apre-sentar-lhe o lado brincalhão, ino-cente da vida, e não crimes e aci-dentes... O leitor brasileiro gosta decrônica porque assim reencontra, en-tre os sacos de supermercado quesobrecarregam seus braços, um pou-co do paraíso perdido da antiga mer-cearia onde se podia comprar umcigarro só. O Brasil das mercearias seesvaziou para deixar o lugar para oBrasil do supermercado: o espírito degeometria cartesiano; Descartes ven-dendo bananas. Mas a crônica nãodeixa de fabricar suas toxinas e amais evidente é o efeito paraíso. E oque é isso? É algo simples: nós acha-mos que o tempo passado era melhorque o presente. É o famoso “eu erafeliz e não sabia”. Mas não é bemassim: o Brasil cultiva a saudadeportuguesa e o sentimento de quetudo o que passou (ou está ausente) émelhor que o presente.

Assim a infância e o interior (doBrasil) funcionam como paraíso per-dido. Não há dúvida de que essainocência do interior ainda existecomo em Santa Teresa, onde as crian-ças lourinhas sorriem, entre as rosase os beija-flores. Proust analisa me-lhor que ninguém esse fenômeno da

ARQUIVO AG

Assim como os cronistas, Proust buscou o tempo perdido de uma certa inocência

memória e ele tenta, como nossoscronistas, reconquistar o tempo per-dido de uma certa inocência. Mas,com a lucidez aguda que caracterizauma parte do espírito francês, elechega à seguinte conclusão: “Os ver-

dadeiros paraísos são os paraísos queperdemos”. Em outros termos: o pas-sado pode ser belo, idílico, porque jápassou – esquecemos o gosto às vezesamargo que ele teve.

Mas um “vício” mais virulento da

crônica é o efeito folclorização. Pes-soas banais se tornam verdadeirospersonagens, Napoleões de esquina.Folclorização inocente que quer ilus-trar o efeito paraíso. O mal é excluídoou pequeno e, finalmente, benigno. Eisso reforça a oposição interior/ca-pitais do litoral. Essas últimas fa-bricando um mal industrial que in-clui até crianças, porque o objetivo éproduzir, e produzir também crimes,aquém do bem e do mal, nesseslimbos onde pululam os micróbios darealidade nua e crua do bicho-ho-mem, espécie de Poltergeist comum 38 na mão.

Flor de plásticoA crônica é uma flor do campo que

você coloca num vaso no oleado damesa interiorana e que diz que a vidaé bela e frágil, como as rosas, ascrianças louras e os beija-flores deSanta Teresa. Mas ao mesmo tempo,depois de um certo tempo, no lugarda flor do campo, há uma flor deplástico quase eterna na sua nu-lidade ontológica e que não temperfume nenhum: essa flor de plás-tico é aquela que floresce no su-permercado e que diz que “O Nomeda Rosa” é: eu sou aquele que vocêquer que eu seja: “malandro ou pi-ranha”. Cadê você, bela criança lourade Santa Teresa? Cadê vocês, belasrosas reais, carnais de Santa Te-resa do meu Espírito Santo?

Documento:AGazeta_16_06_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_12.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Jun de 2012 19:08:27