146
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI VALÉRIA C. BARBOSA PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM SÃO PAULO: ESTUDIO MANUS E ,OVO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU São Paulo, 2018

PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

VALÉRIA C. BARBOSA

PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM SÃO PAULO: ESTUDIO MANUS E ,OVO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGNPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

São Paulo, 2018

Page 2: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 3: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 4: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 5: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 6: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 7: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

VALÉRIA CILENE BARBOSA

DESIGN FORA DE SÉRIEPERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA

EM SÃO PAULO: ESTUDIO MANUS E ,OVO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGNPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

São Paulo, agosto/2018

Page 8: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 9: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

VALÉRIA CILENE BARBOSA

DESIGN FORA DE SÉRIEPERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA

EM SÃO PAULO: ESTUDIO MANUS E ,OVO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Priscila A. C. Arantes

São Paulo, agosto/2018

Page 10: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 11: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

VALÉRIA CILENE BARBOSA

DESIGN FORA DE SÉRIEPERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA

EM SÃO PAULO: ESTUDIO MANUS E ,OVO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design. Aprovada pela seguinte Banca Examinadora:

Prof.ª Dr.ª Priscila A. C. ArantesOrientadora

Universidade Anhembi Morumbi

Prof.ª Dr.ª Daniela Kutschat Hanns, Examinadora ExternaUniversidade de São Paulo

Prof.ª Dr.ª Cristiane Mesquita, Examinadora InternaUniversidade Anhembi Morumbi

Prof. Dr. Sérgio Nesteriuk, CoordenaçãoUniversidade Anhembi Morumbi

Prof.ª Dr.ª Mirtes Marins, SuplenteUniversidade Anhembi Morumbi

São Paulo, agosto/2018

Page 12: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 13: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.

VALÉRIA CILENE BARBOSA

Graduada em Desenho Industrial, Projeto de Produtos pelo Unicentro Belas Artes, 1995. Atuando há 23 anos com design de embalagens, arquitetura promocional e cenografia para eventos.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca UAMcom os dados fornecidos pela autora

238d Barbosa, Valéria C. Design Fora de Série – Percursos da Produção Contemporânea em São Paulo: Estudio Manus e ,ovo/ Valéria C. Barbosa. – 2018. 140f. : il.; 30cm.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Priscila A. C. Arantes. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2018. Bibliografia: f. 109

1. Design Brasileiro. 2. Design em São Paulo. 3. Design Contemporâneo.

CDD 740

Page 14: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 15: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho.

À Patrícia Oliveira, do Museu da Casa Brasileira; ao Prof.º Auresnede Pires Stephan, pela disponibilidade para discutir o design de maneira ampla e abrangente; a Ricardo Peres, Rosilene Barbosa, Fabiana Sant’Ana e Karine Itao Palos, pela colaboração e contribuições.

Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi: Prof.ª Dr.ª Agda Carvalho, Prof.ª Dr.ª Ana Mae Barbosa, Prof.ª Dr.ª Cristiane Mesquita, Prof.ª Dr.ª Mirtes Marins de Oliveira e, em especial, à Prof.ª Dr.ª Rachel Zuanon e ao Prof. Dr. Sérgio Nesteriuk. E à Antônia Costa, assistente de coordenação, pela ajuda e informações durante o período de estudo.

À Banca Examinadora: Prof.ª Dr.ª Cristiane Mesquita e Prof.ª Dr.ª Daniela K. Hanns, pelas preciosas contribuições quando do exame de qualificação e de novo durante a discus-são pública deste trabalho.

E especialmente à minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Priscila A.C. Arantes, pelas orien-tações precisas que mantiveram o foco desta investigação, por dividir comigo seu conheci-mento, pela parceria e amizade.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

A todos o meu agradecimento.

Agradecimentos

Page 16: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 17: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

As coisas têm peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição, textura, duração, densidade, cheiro, valor, consistência, profundidade, contorno, temperatura, função, aparência, preço,

destino, idade, sentido. As coisas não têm paz.

(ANTUNES; GIL, 1993).

Page 18: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 19: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

ESTA DISSERTAÇÃO ANALISA o design de produtos sob o viés autoral, dissociado da indústria, na vertente em que privilegia aspectos lúdicos e semânticos. A essa di-

mensão do design chamamos fora de série. Como alternativa contemporânea de atua-ção em design de produtos, no design fora de série predomina a autoprodução, realizada por meio de processos artesanais ou low tech, ou ainda high tech. Nesses processos, a cria-ção não se dá como resposta a uma demanda externa, visando solucionar um problema, mas deriva de uma ideia, interesse, proposição ou encantamento por parte do designer. A circulação e a inserção desse tipo de produto se deram, inicialmente, graças à curadoria em galerias e mostras, além de premiações de design, demonstrando sua hibridização com o universo artístico. A produção ocorre, muitas vezes, em edições limitadas ou peças únicas, ou ainda em pequena escala. Foram definidos como principais casos de análise o Estudio Manus, de Caio Medeiros e Daniela Scorza, e a dupla ,ovo, de Gerson de Oliveira e Luciana Martins, ambos por apresentarem relevante trajetória no panorama de design nacional. Compreender como se dão os processos de criação, produção e inserção desses objetos no contexto brasileiro é o objetivo deste estudo. Importa, também, compreender as mudanças de paradigma que se verificam na produção contemporânea de design de produtos no Brasil, especialmente em São Paulo, e como a produção dos primeiros profissionais permitiu que uma nova geração de designers de produtos viesse a ter espaço de atuação e circulação.

Palavras-chave: design, hibridização, design de produtos, design fora de série, design brasileiro, design em São Paulo, design contemporâneo.

Resumo

Page 20: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 21: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

THIS DISSERTATION ANALYZES the production in product design, under the authorial bias, dissociated from the industry, and in the forms that favor playful aspects

and the semantics of the product. To this dimension of design we call it out of series. As a form and contemporary alternative of acting in product design, in the out of series design dominates the self-production, artisan or low tech processes or even high tech, and where the creation is not in response to external demand or seeking the solution of a problem, but derives from an idea, interest, proposition or enchantment on the part of the designer. The circulation and insertion were initially given through curating in galleries and shows, as well as design awards, demonstrating their hybridization with the artistic universe. Production often occurs in limited editions or single pieces, or even on a small scale. The main cases of analysis were the Estudio Manus by Caio Medeiros and Daniela Scorza and the double ,ovo, by Gerson de Oliveira and Luciana Martins, for their relevant trajectory in the national design panorama. Understanding how the processes of creation, production and their insertion in the brazilian context is the objective of this study. As well as understanding the paradigm shifts that occur in the contemporary production of product design in Brazil, and especially in São Paulo, and how the production of these first professionals allowed a new generation of product designers to have space for action and circulation.

Keywords: design, hybridization, product design, out of series design, brazilian design, Sao Paulo design, contemporary design.

Abstract

Page 22: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 23: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

Figura 1: Mesa alta .............................................................32Figura 2: Eliseu Visconti designer ....................................33Figura 3: VW SP2, 1972-1976 ..........................................39Figura 4: VW Brasília .........................................................39Figura 5: Identidade visual e folheto ................................40Figura 6: Talheres Camping ...............................................41Figura 7: Bomba de gasolina 1970-1972 .........................42Figura 8: Embraer Ipanema ...............................................43Figura 9: Móveis Hobjeto ..................................................48Figura 10: Elevadores Atlas ...............................................49Figura 11: Postes Av. Paulista ............................................50Figura 12: Vagão do metrô SP GAPP ................................51Figura 13: Jarra e xícara linha Eva ....................................53Figura 14: Tabela de tipologia de atividade .....................54Figura 15: Cadeira São Paulo .............................................57Figura 16: Criado-mudo Tridzio .......................................58Figura 17: Cama Patente FJ ..............................................58Figura 18. Cabideiro Tribal ................................................66Figura 19. Gioco .................................................................67Figura 20. Vaso Blow Away ...............................................68Figura 21. Banco 5 .............................................................68Figura 22. Luminária Foguetinho ....................................69Figura 23. Cadeira Colher ..................................................69Figura 24. Linha Batuque ..................................................70Figura 25. Do hit Chair ......................................................70Figura 26. Desconfortáveis ...............................................73Figura 27. Luminárias ........................................................74Figura 28. Lustre I ..............................................................76

Figura 29. Lustre Pés pelas Mãos .....................................77Figura 30. Luminária Bessie ..............................................77Figura 31. Cadeira Atiati ....................................................78Figura 32. Mesa Bamba .....................................................78Figura 33. Poltrona Corallo ...............................................80Figura 34. Chest of Drawers ..............................................82Figura 35. Móvel Kokon ....................................................83Figura 36. Mat Walk Bath .................................................83Figura 37. Finger Biscuit ...................................................84Figura 38. Luminária Bibibibi ...........................................84Figura 39. Luminária Lucellino .........................................85Figura 40. Porcelanas Aladas .............................................89Figura 41. Porcelanas Sorriso ............................................90Figura 42. Vaso Aleatório ..................................................91Figura 43. Prato O+ ............................................................91Figura 44. Vaso Filhote ......................................................91Figura 45. Mesa Vulcão .....................................................92Figura 46. Mancebo com Gavetas ....................................93Figura 47. Objeto Luminoso Tabi .....................................93Figura 48. Luminárias Alice ..............................................94Figura 49. Mesa Ciranda ...................................................96Figura 50. Trem de Pouso ..................................................97Figura 51. Poltrona Cadê ...................................................97Figura 52. Mesa Mientras Tanto ......................................98Figura 53. Cabideiro Huevos Revueltos ...........................98Figura 54. Mesas Articuladas Etc .....................................99Figura 55. Playground........................................................99Figura 56. Projeto Parede MAM .................................... 100

Lista de figuras

Page 24: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 25: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

ABDI – Associação Brasileira de Desenho IndustrialCNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoCOSIPA – Companhia Siderúrgica PaulistaEMBRAER – Empresa Brasileira de AeronáuticaESDI – Escola Superior de Desenho IndustrialESPM – Escola Superior de Propaganda e MarketingFAAP – Fundação Armando Alvares PenteadoFAU-USP – Faculdade de Arquitetura da Universidade de São PauloFIESP – Federação das Indústrias do Estado de São PauloFINEP – Financiadora de Estudos e ProjetosGAPP – Grupo Associado de Pesquisa e DesenvolvimentoHfG Ulm – Hochschule für Gestaltung Ulm IAC – Instituto de Arte ContemporâneaICSID – International Council of Societies of Industrial DesignINT – Instituto Nacional de TecnologiaIPT – Instituto de Pesquisas TecnológicasITA – Instituto Tecnológico da AeronáuticaLBDI – Laboratório Brasileiro de Desenho IndustrialMAM-SP – Museu de Arte Moderna de São PauloMAM-RJ – Museu de Arte Moderna do Rio de JaneiroMASP – Museu de Arte ContemporâneaMCB – Museu da Casa BrasileiraMICT – Ministério da Indústria, Comércio e TurismoMoMA – Museu de Arte Moderna de Nova IorqueMUBE – Museu Brasileiro da EsculturaPED – Programa de Desenvolvimento EstratégicoSEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

Lista de abreviaturas

Page 26: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 27: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

Introdução ........................................................................................................................................................................................29

1. O contexto brasileiro .................................................................................................................................................................311.1. Design em São Paulo: notas introdutórias .......................................................................................................................... 431.2. Design e atuação. Os primeiros escritórios: uma abordagem moderna ........................................................................... 471.3. Anos 80: design assinado ...................................................................................................................................................... 55

2. O design fora de série ................................................................................................................................................................612.1. O design fora de série: práxis, meios e características ....................................................................................................... 662.2. Mostras e premiações: legitimação e reconhecimento ...................................................................................................... 722.3. O design fora de série – Panorama internacional ............................................................................................................... 81

3. O design fora de série na produção do Estudio Manus e da ,ovo .....................................................................................873.1. Estudio Manus: releituras poéticas ...................................................................................................................................... 883.2. ,ovo: entre a dúvida, a indeterminação e o inesperado ...................................................................................................... 95

Considerações finais .....................................................................................................................................................................105

Referências bibliográficas ...........................................................................................................................................................109

Anexos – Entrevistas ....................................................................................................................................................................117

Sumário

Page 28: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 29: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

29

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

A PRESENTE PESQUISA tem por objetivo investigar a produção em design de produtos na contemporanei-

dade – mais especificamente, pelo viés da produção autoral ou não seriada, que denominamos design fora de série. Nesse recorte específico, encontramos uma produção que privilegia questões semânticas e a linguagem dos produ-tos, estabelecendo uma relação com o usuário para além do pragmatismo funcionalista que definiu a área desde a sua instituição oficial, nos anos 1960.

A pesquisa tem como eixo principal a cidade de São Paulo, com dois estudos de caso: a ,ovo e o Estudio Manus, duas duplas que atuam há cerca de 20 anos com design de produtos, mantendo escritório, atelier e loja. Ambos assu-mem características distintas tanto na produção quanto na comercialização e circulação, embora possuam muitas simi-laridades na forma de atuar.

Para melhor compreendermos esta produção, como ela se deu a partir do final dos anos 1980, e, sobretudo, du-rante os anos 1990, faremos um enquadramento histórico do design no Brasil, destacando a importância da cidade de São Paulo para o design brasileiro.

O presente estudo está dividido em três capítulos:No primeiro capítulo, traçamos um panorama do

design no contexto nacional, com ênfase na cidade de São

Paulo e seu diferencial como pólo industrial e cultural. Tem-se ainda, como ponto de partida, a compreensão da pouca relevância do desenho industrial na cultura empresa-rial brasileira, com algumas exceções, e como o período de-senvolvimentista contribuiu para o seu avanço e promoção, ao passo que simultaneamente o prejudicou.

No segundo capítulo, fazemos uma explanação so-bre o que definimos como design fora de série: seus meios, procedimentos e referências, assim como sua circulação e comercialização. Além disso, explicitamos as estratégias de configuração formal que facilitam a compreensão das propostas e de seu enquadramento como fora de série. A dissertação centra-se no Brasil, sem prejuízo, porém, das referências internacionais, principalmente a partir dos anos 1960. Abordamos, ainda, como o Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira contribuiu para a validação, promoção e reconhecimento de propostas consideradas mais concei-tuais em design de produtos.

No terceiro capítulo, efetuamos uma leitura dos objetos criados pelas duas duplas, visando compreender os processos de criação e meios de produção e circulação. Com isso, esperamos demonstrar como ambas as produções po-dem ser consideradas fora de série, tomando também como referência as entrevistas realizadas com Gerson de Oliveira, Caio Medeiros e Daniela Scorza.

Introdução

Page 30: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 31: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

31

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

O contexto brasileiro

ESTA INVESTIGAÇÃO TEM COMO FOCO o design de produtos de caráter autoral, dissociado da indústria e fora de série. Optamos pela expressão “fora de série” para referirmo-nos a uma produção em pequena escala, resultando em

artefatos que privilegiam aspectos semânticos e comunicativos.

Para caminharmos nessa direção, consideramos necessária uma abordagem inicial do campo do design no Brasil, espe-cialmente no que concerne a seu estabelecimento como área de atuação e formação profissional, com características, meios e processos bem definidos. Tomamos como base para o estudo a cidade de São Paulo, polo econômico e cultural de grande relevância em âmbito nacional. Na capital paulista surgiram as primeiras manifestações de uma produção em design de pro-dutos que não se alinha ao pragmatismo funcionalista e à industrialização.

O design no Brasil tem suas origens no contexto do ideal desenvolvimentista dos anos 1950, se considerarmos sua existência a partir da instituição dos primeiros cursos voltados para a produção industrial de artefatos: primeiramente em São Paulo, com as iniciativas do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), em 1951, e a inserção do Design como disci-plina no curso de Arquitetura (FAU-USP), em 1962. Em seguida, no Rio de Janeiro, com a criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), em 1963.

Porém, a atividade projetual, como etapa do processo produtivo ou como meio de concepção de produtos, já se veri-ficava anteriormente à industrialização do país. O que ocorreu a partir de 1951, com a constituição dos primeiros cursos,

1

Page 32: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

32foi uma ruptura, uma mudança de compreensão da área. “Surgiu nessa época não o design propriamen-te dito – ou seja, as atividades projetuais relaciona-das à produção e ao consumo em escala industrial –, mas antes a consciência do design como conceito, profissão e ideologia.” (CARDOSO, 2005, p.7).

Há dois exemplos significativos da atuação de projetistas antes do período estimulado pela in-dustrialização. O primeiro deles é Alberto Santos Dumont (1873-1932), reconhecido pelos projetos de dirigíveis e pelo seu pioneirismo na aviação, ten-dodesenvolvido, também, inúmeros outros arte-fatos. Entre eles, um chuveiro com aquecimento a gás; uma escada com recorte no degrau, de modo a só permitir a utilização começando com o pé direito – adaptação necessária devido às suas reduzidas di-mensões, feita na casa que projetou em Petró polis, evitando que se tropece nos degraus inferiores, de acordo com Leon (2005); o relógio de pulso enco-mendado ao amigo joalheiro Louis François Cartier; e uma mesa de jantar com cadeiras altas, a dois metros do piso, visando a familiarização com a alti-tude (Fig.1), são exemplos de projetos que foram concebidos para solução de um problema (dogma do design moderno) ou para possibilitar uma expe-riência, no caso da mesa.

O segundo exemplo é o do artista plástico Eliseu Visconti (1866-1944), que frequentou au-las de artes decorativas com Eugène Grasset, em Paris, e desenvolveu objetos utilitários como lu-minárias e cerâmicas, além de criar peças gráficas, cartazes e estamparia, atuação que hoje denomi-namos design (Fig.2).

Esses dois exemplos demonstram que o de-sign no Brasil, como área de atuação, surgiu antes do estabelecimento dos primeiros cursos. Já havia FIGURA 1: MESA ALTA | Fonte: Exposição Santos Dumont Designer/divulgação UOL

Page 33: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

33

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

FIGURA 2: ELISEU VISCONTI DESIGNER | Fonte: https://blogdoiav.wordpress.com (2012)

Page 34: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

34uma práticade projeto anterior ao seu reconhecimento como profissão e ideologia. Como área de conhecimento, o design existe antes da configuração da profissão como hoje a compreendemos. “Já o designer é uma decorrência da organização do trabalho, é fruto da necessidade de especialização desta força.” (LIMA, 2002, p. 2065).

Em 1850, “Desenho Industrial” ou “Desenho Técnico” era o nome da disciplina oferecida pela Academia Imperial de Belas Artes (CARDOSO, 2005, p. 7), diferenciando o desenho artístico do desenho com funções práticas, como o desenho geométrico, por exemplo. Já havia preocupação com a formação técnica de projetistas para suprir a demanda das fábricas, ainda que o desenvolvimento industrial no país tenha se dado de forma pouco significativa até os anos 1950. Até 1940 este campo de estudo era denominado “artes aplicadas”, “artes decorativas” ou “artes industriais”.

Para compreendermos as circunstâncias que levaram à criação do primeiro curso de design no Brasil e à consequente instituição oficial da profissão, é necessário um salto temporal, de forma a compreendermos também o cenário político-eco-nômico anterior à sua efetivação.

O estabelecimento do primeiro curso de design do Brasil coincide com o segundo mandato de Getúlio Vargas, iniciado em 1951. Havia, por aquela época, duas concepções políticas distintas para a condução da economia: por um lado, o nacio-nalismo; por outro, o liberalismo econômico, defendido pelas alas conservadoras. O liberalismo econômico defende que o Estado não deve intervir (senão muito residualmente) nas relações comerciais entre pessoas e empresas; portanto, as deci-sões econômicas são tomadas em sua maioria por indivíduos, não por instituições. Essa posição política alinhava-se à con-dução da economia dos Estados Unidos no mesmo período.

Getúlio Vargas era contrário a esse caminho. Em seu segundo mandato (1951-1954), visava promover a industrializa-ção nacional, já iniciada em seu primeiro governo (1930-1945). Esse direcionamento, na prática, retirava recursos das velhas oligarquias rurais do setor cafeeiro para investir num setor industrial voltado para o mercado interno, o que gerou grande tensão política e culminou no dramático encerramento de seu governo.

Em 1956 inicia-se o período desenvolvimentista do governo do presidente Juscelino Kubitschek que, com seu Plano de Metas, aumentou de forma expressiva a industrialização no país. O projeto do período JK baseava-se na industrialização e na importação de tecnologia estrangeira, tendo o Estado o papel de incentivador do aperfeiçoamento tecnológico por meio do sistema educacional e de centros de pesquisa, atendendo assim às crescentes necessidades do mercado.

O consumo proveniente do aumento do poder aquisitivo da classe média exigia produtos de maior qualidade, dife-renciando-se da então baixa qualidade da produção nacional. O ideário moderno, com a rejeição aos estilos históricos e ao ornamento1, estimulava a inovação na arquitetura e no urbanismo, contribuindo para o clima de euforia e ufanismo que predominava no país com a construção de Brasília. O projeto de modernização em vigor fazia convergir os interesses de diversos grupos: empresários, assalariados urbanos, militares e políticos. Portanto, tratava-se de um projeto nacionalmente mobilizador e unitarista, ainda que contivesse, naturalmente, contradições, como o expressivo aumento da dívida externa.

1. Obra que contribuiu para o pensamento moderno foi “Ornamento e Crime”, de 1908, em que o arquiteto Adolf Loos condena o uso abusivo da ornamentação.

Page 35: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

35

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Em 1960, no Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, o mítico opositor de Vargas, havia sido eleito governador do Estado da Guanabara2, iniciando reformas administrativas com o objetivo de marcar seu mandato com desenvolvimento e inovação. A industrialização contava com subsídios estrangeiros e apoio da iniciativa privada, e um curso de design viria ao encontro de seus planos e projetos (NIEMEYER, 1997). Nesse contexto, foi fundada em 1963, na capital fluminense, a Escola Supe-rior de Desenho Industrial (ESDI). Sendo o primeiro curso de graduação em nível superior da América Latina, serviria de modelo pedagógico para diversos outros cursos de design no país.

Com forte influência alemã, animada por professores oriundos da Escola de Ulm (Hochschule für Gestaltung Ulm, fundada em 1953 por Max Bill), essa instituição fez aportar no país uma concepção racionalista para o design, ideia que já vinha da Bauhaus de Dessau. Assim, expressava bem o que disse Moraes (2005) sobre a gênese do design brasileiro: “A atividade de design no Brasil foi promovida, desde a época de seu estabelecimento oficial, como uma espécie de nexo contínuo, isto é, o encontro entre os pioneiros locais e atores europeus de design de então.” (MORAES, 2005, p. 31). Entre os professores que ministraram aulas na ESDI, destacam-se: Max Bense, Tomás Maldonado, Umberto Eco, Vilém Flusser e Abraham Moles, entre outros.

Portanto, o modelo europeu, e especificamente o alemão, predominou no ensino do design e como parâmetro para atuação profissional no Brasil. O design, a partir de então, se contrapõe aos processos tradicionais de configuração de ob-jetos, como os meios artesanais e a produção de pequenas séries, por ser uma práxis; ou seja, seus meios são científicos e possuem fundamentação lógica, e não intuitivos ou artísticos (BONFIM, 2014).

O nome “Desenho Industrial” em lugar de “Design” deveu-se ao fato de a escola ser um estabelecimento estatal, não podendo utilizar um termo em língua estrangeira, o que gerou debates e contribuiu para a falta de clareza atribuída à profis-são, ainda nos dias de hoje. De acordo com Cara (2010), o termo design passou a ser usado a partir dos anos 1970, embora até os anos 1990 os cursos superiores ainda fossem denominados Desenho Industrial:

Considera-se que o segundo termo (Desenho Industrial), sobretudo nos países que adotaram como pers-

pectiva à disciplina o modelo de origem alemã, foi conceitualmente definido a partir dos paradigmas rela-

cionados ao movimento moderno. A transição ao termo design teve como objetivo ampliar os horizontes

conceituais do campo de conhecimento. (CARA, 2010, p. 78).

O curso da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) teve início a partir da adaptação de uma proposta da década de 1950, da Escola Técnica de Criação (ETC MAM)3, primeiro projeto de ensino voltado para o design no Rio de Janeiro. Embora a orientação da ESDI fosse para o mercado de trabalho e com o ideal de gerar uma identidade nacional para

2. Estado Brasileiro entre 1960 e 1975, onde se localiza atualmente o município do Rio de Janeiro, sede da capital federal anteriormente à inauguração de Brasília.

3. A Escola Técnica de Criação – ETC – foi uma das primeiras iniciativas de implantação de uma escola de design no Brasil. Max Bill, que estava no Brasil em 1953, propôs

um curso para ser instalado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ). (CARVALHO, Ana Paula, 2015, p.43).

Page 36: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

36os produtos industrializados, o que na prática ocorreu foi a valorização excessiva de modelos estrangeiros em detrimento da cultura local. (NIEMEYER apud MOREIRA, 1997, p. 92). Tendo o design no Brasil se desenvolvido a partir de referências e de modelos internacionais de caráter racional-funcionalista, torna-se difícil reconhecer um design genuinamente brasileiro, pois:

[...] A estratégia do método, eficiência, ordem, coordenação e de primorosidade (sic) projetual é intrínseca

ao modelo de Ulm, e grande parte dos ideais racionalistas presentes no design ganham espaço no Brasil -

que os adota de maneira abrangente e sistemática, tornando por fim tal modelo o vencedor durante o esta-

belecimento da disciplina no país. É claro que o Brasil apontava também para a decodificação desse modelo

de forma a adequá-lo às características locais, mas devemos considerar que, diante das fortes e acentuadas

condicionantes projetuais inerentes ao modelo racionalista, como a realidade do pluralismo formal e o acen-

tuado enfoque nos aspectos funcionais, as referências e espontaneidades locais nem sempre apareciam de

forma expressiva e relevada, mas ao contrário, muitas vezes foramminimizadas diante da força dos princí-

pios projetuais disseminados pelo modelo racional funcionalista. (MORAES, 2005, p. 62).

Sobre a identidade do design brasileiro, Leon defende que “[...] ao se ocupar de objetos tão distintos como caixas ban-cárias e fruteiras, o design não pode apresentar visão única e, muito menos nacionalista”. Seria ingenuidade requerer uma poética tipicamente reconhecível como brasileira no campo do design de produtos. (LEON, 2005, p. 18).

Ao adotar o design com características funcionalistas, a escola que ali se constituía deixava de lado qualquer pers-pectiva que considerasse a identidade plural brasileira. Essa questão de cunho cultural foi relegada não somente devido à diversidade de produtos desenvolvidos, mas também porque o nacionalismo não compatibilizava com o Estilo Internacio-nal4, funcional e racionalista, que privilegiava a clareza e adequação das formas universais e imutáveis, sem relação com um passado visto apenas em sua dimensão de atraso. Assim, aspectos característicos de nossa cultura foram desconsiderados pelo design neste período.

A Escola de Ulm, referência para os primeiros cursos, tinha a intenção de produzir projetos de qualidade, voltados para questões humanas, sociais e culturais, embora a indústria tenha adotado o funcionalismo por seu alinhamento às suas neces-sidades produtivas, independentemente de questões ideológicas. A partir dessa concepção, produzem-se objetos de consumo onde o valor de uso5, ou seja, sua utilidade, é secundário, salvo exceções como a Braun AG6, de acordo com Schneider (2010).

4. A padronização da forma visual através de informações simples, concretas e racionais, eliminando qualquer tipo de interferência visual, com o objetivo de ser compreendida

universalmente, eram as características do movimento artístico modernista denominado Estilo Internacional.

5. De acordo com Baudrillard: O valor de uso em economia política seria a utilidade, a capacidade de um objeto de suprir uma necessidade. O autor define ainda o valor

de troca, que seria a capacidade que um objeto tem de possibilitar aquisição de outros bens e o intercâmbio entre eles. (BAUDRILLARD, 1995). Estes são conceitos obviamente

anteriores, de cunho econômico geral, mas interessam aqui especialmente pelo “filtro” teórico sociológico (e sociológico-cultural, em especial, de um autor como Baudrillard).

6. Braun, empresa alemã de produtos de consumo e eletrodomésticos, fundada em 1923 em Frankfurt, Alemanha. A partir da década de 1950 e nas décadas posteriores,

estabeleceu-se como referência de design moderno, alinhando funcionalidade e tecnologia.

Page 37: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

37

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Consideramos necessária uma digressão a respeito do funcionalismo para melhor compreendermos a formação do design brasileiro e as implicações do modelo adotado, buscando um panorama da mudança de paradigma que ocorre contem-poraneamente. Importa, neste contexto, o campo de significados plural (polissêmico) das palavras associadas à função – funcio-nalidade, funcionalismo, funcional, etc –, o que não passou despercebido a um “desconstrutor” de sentidos como Baudrillard:

Ora, este termo (funcionalidade) que encerra todos os prestígios da modernidade é particularmente ambí-

guo. Derivado de “função”, ele sugere que o objeto se realiza na sua exata relação com o mundo real e com

as necessidades do homem. Efetivamente, resulta das análises precedentes que “funcional” não qualifica

de modo algum aquilo que se adapta a um fim, mas aquilo que se adapta a uma ordem ou a um sistema.

(BAUDRILLARD, 2006, p. 69, 70).

Faz-se necessário compreender as implicações dos termos funcionalidade e funcionalismo enquanto parâmetro e defini-ção do bom design (gute design)7, e como esse referencial deixou de considerar outros aspectos importantes, como a experiência, a linguagem e o significado dos produtos, para concentrar-se apenas no aspecto funcional, oque diferenciaria o design da arte.

Forma seria o resultado de uma tensão entre interno e externo, construção e expressão. A boa forma seria

aquela que conseguisse externar, de modo feliz e harmônico, o significado interior, o qual derivava de pre-

missas que podiam ser concebidas, mas não vistas. (CARDOSO, 2012, p.33).

“A forma segue a função”, frase atribuída ao arquiteto estadunidense Louis Sullivan (1856-1924), possuía caráter indiscutível, tornando-se o lema do modernismo8. Sullivan, porém, atribuiu o conceito a Marcus Vitruvius Pollio (I A.C), arquiteto e engenheiro romano. Em seu tratado “De architetura”, Vitruvius afirmou que uma estrutura deve exibir três qualidades: firmitas, utilitas, venustas – solidez, utilidade e beleza –, interpretadas como clareza e eficiênciana realização de suas funções práticas e adequação aos meios produtivos sem que a estética seja relegada, mas adequada à operacionalidade. Para Sullivan, esta era uma verdade indiscutível, uma lei natural para todas as coisas: orgânicas ou inorgânicas, humanas ou não, “de todas as manifestações da mente, do coração e da alma, que a vida é reconhecível em sua expressão: a forma segue a função”. (RESKET apud SULLIVAN, 2008, p.33).

Buscando distanciar-se de seu passado de atraso tecnológico, o Brasil viu no emprego do funcionalismo, referenciado nos países desenvolvidos e industrializados europeus, um modelo e ideal a ser seguido.

7. Dieter Rams, designer da Braun, estabeleceu os princípios do bom design: inovador, útil, estético, compreensível, não intrusivo, honesto, duradouro, minucioso, ecologica-

mente correto, o menor design possível.

8. A sociedade moderna, industrial, era determinada pela produção em série de bens de consumo, feita por trabalhadores sem especialização, tendo como principais valores

a eficiência e a busca incessante de novidade. Este modelo, porém, não está ainda totalmente ultrapassado.

Page 38: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

38Design, do mesmo modo que qualquer outra atividade do processo extremamente complexo e dinâmico do

trabalho social, é orientado por um conjunto de objetivos de natureza política, ideológica, social, econômi-

ca e etc. que são determinados pelas instituições sociais, ou seja, partidos políticos, sindicatos, associações

de classe; enfim, pelas organizações que possuem e exercem poder sobre a sociedade. Estes objetivos tra-

duzem as estratégias de desenvolvimento que caracterizam o processo histórico da sociedade na realização

de suas utopias. (BONFIM, 2014, p.17).

Assim, o design coadunava-se com os objetivos de desenvolvimento do governo brasileiro. O regime militar, estabe-lecido no país a partir de 1964, impôs o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED) para o triênio 1968-1970, com foco no desenvolvimento econômico e na aceleração da industrialização. O regime divulgava que o crescimento do produto nacional e a distribuição de renda eram os seus objetivos essenciais. O chamado “Milagre Brasileiro”, entre os anos 1968 e 1973, foi fruto de uma conjuntura internacional favorável, com aporte de capital estrangeiro e farto crédito externo, o que incrementou o parque industrial e possibilitou obras de grande porte, como a usina hidrelétrica de Itaipu e a ponte Rio- Niterói. Resultou, porém, em concentração de renda, achatamento dos salários e endividamento do país devido a emprésti-mos e financiamentos internacionais. (KORNIS, s/d).

Embora durante o regime tenham sido criados centros estatais de pesquisa e desenvolvimento (P&D), não ocorreram incentivos para desenvolvimento tecnológico autossustentável, com inovação e difusão de tecnologia no país. (MORAES, 2005, p. 82). Isso se deve à internacionalização da economia brasileira: as empresas multinacionais presentes em solo brasi-leiro já contavam com a tecnologia de seus países de origem, não havendo, portanto, interesse em investimento em pesquisa. O principal objetivo dessas empresas era a formação de um mercado consumidor para seus produtos. A transferência de tecnologia e a instalação de parques industriais no país ocasionaram a inserção de modelos comportamentais e hábitos de consumo descolados da realidade brasileira.

Quanto às empresas nacionais, naquele período o setor produzia para o mercado interno, não havendo necessida-de de inovação porque a concorrência era entre pares, sem objetivos de exportação, e sem grandes exigências por parte do consumidor, fato que contribuiu para o débil desenvolvimento do design brasileiro. (MORAES, 2005). O empresa-riado nacional, favorecido pelo protecionismo governamental por meio de taxações a produtos similares como garantia de manutenção de postos de trabalho, não via no emprego da criatividade ou no desenvolvimento tecnológico uma necessidade. (CARA, 2010).

Além do baixo conteúdo tecnológico e consequente pequena agregação de valor nos produtos privilegia-

dos na estrutura produtiva nacional, destaca-se a permissividade para com a ineficiência que prevalece na

indústria brasileira. De um lado existe a permissividade do consumidor final, que prioriza preço acima de

qualquer atributo, gerando tolerância para com a falta de qualidade e não conformidade dos produtos, com

reflexos negativos também no montante das cadeias produtivas; de outro, a inflação crônica gerou uma

“cultura” nociva à competitividade sob diversos aspectos. (COUTINHO apud MORAES, 2005, p. 103).

Page 39: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

39

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Os artefatos produzidos no Brasil pelas multinacionais já eram, muitas vezes, obsoletos em seus países de origem. Apro-veitando-se das características do mercado interno e visando altos lucros, as empresas simplificavam a confecção de muitos produtos num processo chamado downgrade, em que compo-nentes de maior custo eram eliminados, comprometendo a qua-lidade do produto final. Tais empresas atuavam, também, sem preocupações sociais e ambientais, explorando a mão de obra e o meio ambiente sem restrições legais de nenhuma espécie, nem por iniciativa própria, nem por parte do governo brasileiro.

Muitos produtos passaram pelo processo de “tropicali-zação”, ou seja, de adaptação à realidade brasileira. (MORAES, 2005). Porém, houve exemplos de projetos feitos para o merca-do nacional, como o Volkswagen SP 2 (Fig.3), esportivo de dois lugares lançado em 1972 e produzido até 1976. Seu nome pode ser uma abreviatura para São Paulo ou Sport Prototype, ou ainda Special Product. O automóvel Brasília, homenagem à capital do país (Fig.4), foi produzido de 1973 a 1982, voltado para a famí-lia, pelo seu amplo espaço interno.

FIGURA 3: VW SP2, 1972-1976 | Fonte: www.autowise.com (2018)

FIGURA 4: VW BRASÍLIA | Fonte: http://vwbr.com.br/Imprensa VW (2018)

Page 40: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

40Um caso bem sucedido de investimento em pesquisa

e design é o da Todeschini, fabricante de acordeões do Rio Grande do Sul. Em 1964, em grandes dificuldades finan-ceiras, a empresa contratou o engenheiro civil José Carlos Bornancini e o arquiteto e urbanista Nelson Ivan Petzold para analisar e propor alternativas para seu parque indus-trial. Após dois anos de pesquisas, a dupla desenvolveu um projeto de cozinhas componíveis, construídas em aglome-rado (material composto por partículas de madeira de dife-rentes dimensões, unidas por resinas especiais fenólicas e com prensagem a quente, com custo inferior ao da madeira maciça). As peças são enviadas desmontadas para os pontos de venda, diminuindo gastos com logística. (LEON, 2005).

A partir dos anos 1950, a dupla Bornancini e Petzold atuou em projetos dos mais diversos segmentos: mobiliá-

rio, armas, fogões, tesouras, talheres, brinquedos e garra-fas térmicas foram alguns deles. A dupla desenvolveu tam-bém catálogos e manuais de montagem, como o exemplo da Todeschini (Fig. 5). Dentre seus projetos mais conheci-dos, constam o conjunto de talheres para camping de 1974 (Fig. 6), que faz parte do acervo do Museu de Arte Mo-derna de Nova Iorque (MoMA), e o fogão Walig Nordeste, produto com baixo custo de produção e com preocupações ergonômicas, com dimensões adaptadas à altura média da mulher brasileira. (LEON, 2007).

O empresariado brasileiro não reconhecia, salvo exce-ções, a importância do design para a produção industrial ou como diferencial competitivo, pelas questões já levantadas: pouca exigência por parte do consumidor e baixa concorrência no mercado interno, além das políticas protecionistas do gover-no. Projetos como os de Bornancini e Petzold foram exceções pontuais. Tentativas de esclarecimento sobre a importância da área se deram por meio da publicação de artigos, como os de Décio Pignatari e Lúcio Grinover nas revistas Arquitetura e Habit9, respectivamente. Ambos os artigos discorriam sobre a função do desenhista industrial, elucidando a diferença en-tre desenho industrial e desenho técnico, desenho industrial e decoração, desenho industrial e embelezamento de produto, entre outros tópicos. (CARA, 2010). É importante destacar que esses artigos foram publicados em revistas especializa-das, voltadas para uma coletividade específica, e não para um público mais amplo ou empresarial. Portanto, sentia-se a necessidade da informação e da difusão das possibilidades de atuação do designer no sistema produtivo, independente-mente de definições de entidades oficiais.

Durante o regime militar, o Ministério da Indústria e do Comércio incluiu o Desenho Industrial como parte do programa governamental. Foram criados centros tecnoló-gicos, a exemplo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de

9. A revista Habitat, de Pietro Maria Bardi, “divulgou o MASP e suas ações, e passou a atualizar a produção nacional em arte e arquitetura, funcionando como a versão im-

pressa do que era apresentado e discutido dentro do museu”. (CANAS, s/d, p.2).

FIGURA 5: IDENTIDADE VISUAL E FOLHETO | Fonte: CURTIS, Maria do Carmo

Page 41: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

41

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

São Paulo (IPT) e do Instituto Nacional de Tecnologia do Rio de Janeiro (INT), entre outros. (LEON, 2007).

Deve-se a essa “modernização autoritária” (IANNI apud LEON, 2007, p.2), feita durante o regime militar, a inserção do design na política de desenvolvimento bra-sileiro, quando foram criados projetos para empresas estatais que contribuíram para a difusão e promoção do design no país. Já haviam sido postas em prática, porém, certas medidas de desenvolvimento (anteriores aos go-vernos militares) que favoreceram pequenas e médias indústrias de bens de consumo que, em alguns casos, “tiveram no design de produtos uma tática que revela sentidos de autonomia projetual”. (LEON, 2007, p.3).

O design, fator coadjuvante da modernização, seria um aliado contra a posição periférica brasileira. (LEON, 2007).

[...] o discurso do design nesse período (anos 1950 e  1960), por exemplo, na Argentina e no Brasil e

depois a prática do design e a educação em design (anos 1960 e 1970) estavam consideravelmente mais

consolidados do que em vários países europeus de então – um fato que uma visão eurocêntrica considera

difícil de aceitar, já que ela percebe a direção das influências históricas como unidirecionais, do Centro

para a Periferia10...! (LEON apud BONSIEPE, s/n).

O escritório PVDI, fundado em 1960 por Aloísio Magalhães, designer e professor da ESDI, desenvolveu projetos para diversas instituições governamentais, atuando em identidade visual e projeto de produto, a exemplo dos postos de distribuição Petrobrás, na década de 1970 (Fig.7), e a sinalização do metrô de São Paulo, além de cédulas de Cruzeiro, unidade monetária então vigente.

Com a chancela do governo federal, iniciaram-se investimentos em tecnologia de ponta. Um exemplo é o projeto da aeronave Ipanema (Fig. 8), da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A., companhia de capital misto e controle es-tatal criada em 1969), desenvolvido pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). O investimento se deu em projetos

10. Bonsiepe (2012) define e distingue os países no início da industrialização entre Centro e Periferia. Países centrais são detentores de tecnologia, controlam a rede de dis-

tribuição e a produção, e países periféricos consomem a tecnologia dos países centrais, sendo fornecedores de matéria-prima e alimentos baratos. Esta definição já pode ser

considerada ultrapassada após a globalização.

FIGURA 6: TALHER CAMPING | Fonte: http://www.socomage.pt/home/artigos-de-cozinha (2018)

Page 42: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

42em que o design tem grande relevância11, inclusive com a formação de equipe de desenhistas industriais trabalhando conjuntamente com engenheiros. (LEON, 2007). A primeira versão do Ipanema, o EMB-200, fez seu primeiro voo em 1970.

O engenheiro Guido Fontegalant Pessotti, diretor técnico da Embraer em 1969, foi um dos mais importantes designers aeronáuti-cos brasileiros, alcançando reconhecimento internacional. Ele deixou a empresa apenas em 1991.

Os esforços governamentais e de entidades, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP, são exemplos do interesse em fomentar o design, a formação dos profissionais e a valorização com-petitiva de nossos produtos tanto nacional quanto internacionalmente.

Em 1984, importantes iniciativas visando minimizar o des-compasso competitivo dos produtos nacionais e promover o Desenho Industrial foram efetivadas pelo Ministério da Indústria, Comércio e Turismo (MICT) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), tais como: a criação do Laboratório Brasileiro de Desenho Industrial (LBDI) em três unidades: Florianópolis, em Santa Catarina, sob coordenação de Gui Bonsiepe; Campina Grande, na Paraíba; e São Carlos, no interior de São Paulo. O propósito desse projeto “era a difusão e o estímulo da prática de design, de maneira abrangente e sistêmica, nas regiões meridional, central e setentrional do país”. (MORAES, 2005, p. 132). Embora tenham encerrado suas atividades em poucos anos, o LBDI-SC foi desativado em 1997, tendo o maior tempo de duração, 13 anos. A falta de interesse das micro e pequenas empresas foi fator decisivo.

Com a redemocratização do país, em 1990, o primeiro gover-no eleito derrubou as limitações à entrada de produtos estrangeiros comparativamente superiores aos nacionais, com maior qualidade atribuída e com o design inserido no planejamento e no processo de produção. Essa decisão contribuiu para o sucateamento da indústria brasileira. (BORGES, 1996).

11. A autora fala na participação de designers, porém não cita nomes, nem a formação destes profissionais.

FIGURA 7: BOMBA DE GASOLINA 1970-1972 | Fonte: www.designredig.com (2018)

Page 43: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

43

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

1.1 Design em São Paulo: notas introdutórias

COMO CIDADE REFERÊNCIA no processo de industrialização do país, São Paulo exerceu importante papel também no surgimento das vanguardas culturais. Assim, foi palco do surgimento do primeiro curso de design do país e, posterior-

mente, do design fora de série, na contramão do funcionalismo e do design industrial estabelecido. Vale, então, fazermos algumas considerações sobre o design em São Paulo, sua formação e o estabelecimento dos primeiros escritórios.

Desde o início do século XX, o Estado de São Paulo ocupa lugar de destaque no cenário brasileiro, constituindo im-portante centro financeiro e polo industrial. A elite cultural e econômica estabeleceu-se, num primeiro momento, graças aos recursos provenientes da agricultura, e posteriormente em razão da industrialização, contribuindo para o destaque e o protagonismo de São Paulo no terreno da arte e da cultura.

FIGURA 8: EMBRAER IPANEMA | Fonte: www.airboxbrasil.com.br (2018)

Page 44: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

44Num momento de efervescência cultural, social e política, artistas, poetas e intelectuais paulistas, influenciados pelas

tendências artísticas europeias e pela busca de uma identidade local, organizaram a Semana de Arte Moderna em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. A manifestação se opunha ao conservadorismo e ao academicismo vigentes, defendendo o novo, o moderno, com valorização da cultura local nas artes visuais, literatura, música e arquitetura, mesclan-do influências estrangeiras e elementos da cultura nacional a fim de criar uma arte efetivamente brasileira. Embora tenha encontrado oposição da elite conservadora da época, a Semana de Arte Moderna foi um marco para a arte brasileira e desen-cadeou o modernismo em suas diversas manifestações, a despeito de não resolver as questões que levantara, o que também não era sua função. (OLESQUES, s/d; LONGO JÚNIOR, 2007; AJZENBERG, 2012).

A vida urbana, a industrialização, a modernização da sociedade possibilitavam o reconhecimento,

mesmo que não imediato, do moderno como projeto de vida. A arte moderna deixava, aos poucos,

seu caráter de exceção para ser a representação do futuro projetado. (LONGO JÚNIOR, 2007 apud

ARTIGAS, 2001 p.20).

Em 1947 foi inaugurado o MASP, Museu de Arte de São Paulo, por iniciativa de Assis Chateaubriand e Pietro Ma-ria Bardi. No ano seguinte, duas novas instituições entram em cena: o Museu de Arte Moderna de São Paulo, MAM-SP, por Francisco Matarazzo (Ciccillo Matarazzo) e Yolanda Penteado, e a Fundação Bienal de São Paulo. (LONGO JÚNIOR, 2007). O clima no país após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) era de confiança baseada na estabilidade econômica, o que trazia possibilidades de inovação cultural e social. Especificamente em São Paulo, o clima era propício: havia condi-ções e interesses para o investimento em instituições culturais por parte de famílias tradicionais que desejavam ter seus nomes ligados a atividades artísticas, como as famílias Prado e Penteado. Para a criação do MASP, Chateaubriand realizou campanha junto à elite paulistana, angariando fundos para aquisição de obras de arte na Europa em reconstrução no pós-guerra. (NIEMEYER, 1997)

O MASP, sob a direção de Pietro Maria Bardi, promoveu mostras importantes como as de Alexander Calder, Max Bill (aluno da Bauhaus e posteriormente diretor da UfH Ulm), Le Corbusier e Saul Steinberg.O intercâmbio com a escola de Ulm possibilitou a vinda de Max Bill e Tomás Maldonado, reitor e professor, respectivamente, entre 1953 e 1956. Alguns anos antes, em 1950, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) realiza exposição individual de Max Bill. Em 1951 acontece a Primeira Bienal Internacional de São Paulo, primeira exposição de arte moderna de grande porte realizada fora dos centros culturais europeus e norte-americanos.

Àquela altura, em meados do século XX, formava-se um denso caldo cultural na capital paulista. A comunidade artística recebia influências do neoplasticismo, do construtivismo do De Stijl holandês, do futurismo italiano e das vanguardas russas, tudo isso somado à “visão bauhausiana de uma arte social e experimental” e ao pensamento estéti-co-funcionalista da escola de Ulm. Nesse contexto, alimentados ainda pela “aura tecnológica da cidade de São Paulo”, característica essa estreitamente conectada à valorização do design e suas questões, artistas e poetas passam a se reunir em torno do que passou à história como “Movimento Concretista”. Do grupo Ruptura, início do Concretismo

Page 45: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

45

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

brasileiro12, desdobra-se o grupo editor da revista Noigrandes, formado por Waldemar Cordeiro, Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari.

A arte concreta se caracterizava pelo uso de linhas retas e minimalistas, sem conotação simbólica ou lírica e com a predominância de plano e cores onde a significação é a própria obra. O movimento concreto teve grande influência no design, sobretudo pelo trabalho de Geraldo de Barros e Alexandre Wollner, e no plano teórico, pelos textos de Décio Pignatari. Amílcar de Castro desenvolveu o novo projeto gráfico do Jornal do Brasil em 1957, com base no racionalismo e nas teorias da percepção desenvolvidas nos anos 1950 e 1960, demonstrando o viés racionalista e o caráter tecnicista do Movimento Concreto (LIMA, AZEVEDO, 2006). Pietro Maria Bardi possuía uma visão mais ampla do design e da arte, não tendo uma posição rígida em relação a ideologias, segundo se verifica em exposição logo após a criação do MASP:

[...] já no primeiro ano do Museu, Bardi instalou a Vitrine das Formas, espaço expositivo em que eram

alinhados objetos utilitários egípcios e gregos e [...]uma máquina de escrever Olivetti, design de Marcelo

Nizzoli, que eventualmente era substituída por uma máquina de costura da marca Vigorelli. Tratava-se de

transformar o gosto da elite paulista, de modo que ela se tornasse motor de transformações no plano socio-

cultural da cidade e do país. (LEON 2007).

A elite paulistana13, nos anos 1950, compreendia a necessidade de criação de um curso para formação de profissionais especializados para atuação nas indústrias, tanto em projetos de produtos quanto em comunicação visual; entretanto, não havia esse entendimento por parte dos empresários, que se limitavam a reproduzir itens antiquados originados da produção artesanal. (NIEMEYER, 1997; LEON, 2007).

Havia, também, a concepção da importância de um profissional que fosse capaz de criar uma linguagem

original, com elementos visuais próprios, não nacionalistas, mas oriundos da nossa cultura, com signos

próprios, mas de leitura universal. (NIEMEYER, 1997 apud WOLLNER, 1997, p. 63).

Com essa mentalidade, a de criar artefatos com elementos visuais que considerassem a cultura brasileira, foi criado em 1951, por Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) do MASP. Essa iniciativa pioneira é hoje reconhecida como o embrião dos cursos de design no Brasil, espaço onde se discutia e abordava as relações

12. O Movimento Concreto paulista foi acusado pelos cariocas de “racionalista”. Haroldo de Campos defende que se tratava, porém, de um “racionalismo sensível”,

uma dialética entre razão e sensibilidade. (CAMPOS, 1996, p.253) Em 1959, no Rio de Janeiro, liderados por Ferreira Gullar, foi lançado o Movimento Neoconcreto,

dissidência do Concretismo paulista.

13. Nas décadas de 1930 e 1940, Joaquim Tenreiro, Gregori Warchavchik, Lasar Segall e John Graz já demonstravam traços modernistas no design brasileiro de mobi-

liário, luminárias e objetos feitos sob encomenda. (LEAL, 2012).

Page 46: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

46entre arte, design, artesanato e indústria. O contexto era propício: acreditava-se que São Paulo, por sua vocação indus-trial, constituía um campo fértil para o design. Quanto ao IAC, por não possuir um vínculo institucional ou empresarial, podia conciliar visões opostas, como o pragmatismo ou alto modernismo da Bauhaus de Dessau e o Styling14 de Raymond Loewy, conhecido por priorizar as formas aerodinâmicas dissociadas da função do objeto, mas com grande carga estética e semântica. (LEON, 2007).

A despeito das condições favoráveis – industrialização e recursos financeiros –, o curso do IAC teve duração de ape-nas três anos, período em que recebeu importantes nomes do design brasileiro: Alexandre Wollner, Ludovico Martino e Emilie Chamie, entre outros, por lá passaram. (NIEMEYER, 1997). Embora tenha durado pouco tempo, a iniciativa pioneira dos Bardi deixou sementes. A Faculdade de Arquitetura da USP (FAU-USP) instituiu a disciplina Desenho Industrial em seu curso apartir de 1962. Em seguida, foram instituídos os cursos de Desenho Industrial e Comunicação Visual na FAAP (Fundação Álvares Penteado, 1967) e o curso da Universidade Mackenzie, em 1971.

Dez estudantes brasileiros, entre eles Alexandre Wollner, aluno do IAC, receberam bolsa de estudos para a HfG Ulm. Acreditava-se que a linha programática da escola se alinhava com a busca de soluções de problemas dentro do contexto periférico nacional, descartando a orientação artística ou decorativa na atividade projetual e visando a adap-tação à indústria. (CARVALHO, 2012).

Àquela altura, já havia a tradição de cursos profissionalizantes em São Paulo, a exemplo do Liceu de Artes e Ofícios, de 1873, e da Escola Caetano de Campos, de 1911 (a partir de 1931, “Escola Feminina de Artes e Ofícios”), ambas públi-cas. Houve também a criação de cursos técnicos e de formação profissionalizante, como o Instituto de Arte e Decoração – Iadê, criado em 1959 por Ítalo Bianchi, com cursos voltados para o design de interiores (“arquitetura de interiores”, àquela altura). Vieram se somar a esses cursos as seguintes propostas provenientes da iniciativa privada: Protec (1959) e Escola Panamericana de Artes (1963).

A partir de 1956, com a política desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, muitas empresas multinacio-nais se estabeleceram no Brasil, e grande parte no Estado de São Paulo. Também neste período começaram a ser fundados os primeiros escritórios de design.

No entanto, anteriormente a este período, a capital paulista recebeu o primeiro escritório de design do Brasil: o Raymond Loewy15 Associates, no ano de 1946, sob a direção do designer estadunidense Charles Simpson Bosworth. Em seu curto período de atuação, cerca de um ano, o escritório desenvolveu projetos de design gráfico e de produtos,

14. Após crise mundial de 1930, havia nos Estados Unidos um clima de euforia e otimismo. “Como símbolo nessa crença no progresso, os designers industriais descobriram a

forma aerodinâmica“ (streamline em inglês). A indústria utilizou esta forma transformando-a num instrumento de stlyling para seus produtos mediante o emprego de novos materiais

facilmente moldáveis (plásticos, compensados) e técnicas correspondentes. A forma tinha pouco a ver com a função do objeto. Assim, até o final da década de 1950, a forma

aerodinâmica tornou-se um símbolo da posição econômica e um dos elementos fundamentais do design industrial do EUA. (SCHNEIDER, 2010, p.95).

15. Raymond Loewy, designer industrial estadunidense nascido na França. Mestre do Styling, através de suas realizações no design de produtos a partir dos anos 1930, ajudou

a estabelecer o design como profissão.

Page 47: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

47

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

como utensílios domésticos para a empresa de alumínios Rochedo e embalagens e projetos para Ford e GM, entre outros. (LONGO JÚNIOR, 2007, p. 23). Bosworth retornou a São Paulo posteriormente, onde viveu até sua morte, em 1999, reconquistando os clientes antigos e conquistando novos, como: Merck, Sharp & Dohme, Ericsson, etc, além de atuar também como arquiteto. (PROTAGONISTA DO BRASIL MODERNO, 2000).

1.2 Design e atuação. Os primeiros escritórios: uma abordagem moderna

OS PRIMEIROS ESCRITÓRIOS estabelecidos em São Paulo pouco antes e durante o período desenvolvimentista tive-ram atuação diversificada: mobiliário, design de produtos, design gráfico e de bens de capitais. Embora tenham se esta-

belecido e atuado até os anos 1990 em alguns casos, houve uma organização empresarial, formação de equipes de designers, oficinas para elaboração de maquetes e protótipos para desenvolvimento de projetos voltados a industrialização, com orien-tação funcionalista. Era necessário demonstrar aos empresários a importância do design para o processo produtivo e como vantagem comercial, pois não havia reconhecimento da necessidade deste profissional pela própria dinâmica de produção e comercialização: baixa exigência do público consumidor e baixa concorrência entre as empresas. (MORAES, 2005).

Em 1954, por iniciativa de João Batista Pereira dos Santos, surgiu a Unilabor, Indústria de Artefatos de Ferro, Metais e Madeira Ltda, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. A Unilabor era uma organização cooperativa de profissionais de diver-sas áreas, de engenheiros a dentistas, passando por ferramenteiros, todos visando a produção em série de móveis e objetos. Geraldo de Barros era o responsável pelo desenho de toda a produção de móveis de madeira e ferro, passando posterior-mente a desenhos exclusivos. A necessidade de otimização, com produção de peças modulares, permitiu a Barros atingir seu objetivo de aumentar a produção e baixar o custo industrial.

Destinada à classe média, a Unilabor conciliava forma, função e produção. A despeito de sua contribuição para a mo-dernização do móvel brasileiro, a empresa encerrou suas atividades em 1967 (SANTOS, 1995, p. 117). Geraldo de Barros afirmou, em entrevista à Julio Moreno e Lenita Outsuka da revista Design Interiores (ano 5, nº 28, 1992, p.49-53 ), que o sistema cooperativo adotado pela Unilabor foi um diferencial gerador de problemas: os marceneiros não eram a favor da serialização, pois não havia seu toque pessoal nas peças de mobiliário, e em assembleia decidiram pela demissão de Geraldo de Barros, dois anos antes do fechamento definitivo da empresa. Ainda de acordo com o referido artista, o movimento con-cretista colaborou com o design “[...] porque fazia parte da utopia concretista, desde as artes plásticas até a poesia – essa coisa de espalhar, serializar, não ficar preciso a um circuito restrito”. (Ibdem, p. 52)

Page 48: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

48Barros participou de outras iniciativas, como o escritório FormInform, fundado em 1958 por ele e Alexandre Wollner,

Walter Macedo, Ruben Martins e Karl Heinz Bergmiller. Beneficiando-se do projeto desenvolvimentista do governo federal, o escritório também atuava como promotor do desenho industrial para empresários, visando elucidar a atividade através de palestras e folhetos de divulgação, com ênfase no racionalismo e na estética funcionalista.

O bom objeto deve expulsar o mau objeto do mercado. [...] Criamos objetos que o homem precisa e pode

usar. Nós entendemos o ornamento e toda arte de adição decorativa como diminuição da capacidade do

objeto e de sua qualidade estética. (WOLLNER, 2003, p.127).

O tom é panfletário como um manifesto, com argumentação irrefutável. (LEON, 2007). É interessante notar que o slogan do escritório, “a boa forma vende mais”, embora se baseie no Estilo Internacional, semanticamente se aproxima do título do livro publicado por Raymond Lowey em 1955: “O feio não se vende”, que se refere ao styling demonizado pelos funcionalistas. Isso pode sinalizar o quanto o entendimento da boa forma ultrapassa as questões plásticas e estéticas predominantes no design aerodinâmico de Lowey. A Forminform desenvolveu identidade visual, sistemas de sinalização, design editorial e embalagens para diversas empresas.

FIGURA 9: MÓVEIS HOBJETO | Fonte: www.geraldodebarros.com (2018)

Page 49: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

49

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Em seguida, em 1964, Geraldo de Barros, com o sócio Alfredo Antônio Bioni, marceneiro, abriu a Hobjeto no segmento de mobiliário, com fábrica e loja próprias. Segundo afirmou em entrevista em 1992, a Hobjeto é indústria, concretização do que a FormInform deveria ter sido. A empresa encerrou suas atividades em 1997. A simplicidade e coor-denação de vários itens podem ser verificadas na imagem (s/d) (Fig. 9). Barros (1923-1998), além de designer, foi também fotógrafo e artista plástico.

FIGURA 10: ELEVADORES ATLAS | Fonte: Longo Júnior (2010)

Page 50: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

50João Carlos Cauduro e Ludovico Martino,

arquitetos e professores da FAU-USP nas discipli-nas de Desenho Industrial e Programação Visual, respectivamente, associaram-se em 1964 para criar o escritório Cauduro & Martino, que a par-tir de 1973 passou a contar, também, com o sócio Marco Antonio Amaral Rezende, profissional da área de marketing. A partir de então, estabelece-ram uma forma de atuação sistêmica denomina-da Design Total, ou seja, um planejamento global aliando arquitetura, urbanismo, design gráfico e desenho industrial com orientação moderna. “O termo tem influência da Bauhaus e de sua com-preensão da “obra de arte total”, na qual a arquite-tura seria a maior de todas as artes“. Atuando na identidade visual e sinalização do metrô de São Paulo e elevadores Atlas (Fig.10), deram exemplos de como o pensamento sistêmico integra design de produto e comunicação visual, ambos inseri-dos na arquitetura. Um projeto emblemático do escritório Ludovico&Martino é o da sinalização e mobiliário urbano da avenida Paulista, feito em 1973. O projeto foi pensado para contemplar a informação para pedestres e motoristas, a longa ou a curta distância: as informações dispostas em postes de uso múltiplo (Fig. 11) têm alturas va-riáveis de acordo com a situação de visualização. (LONGO JÚNIOR, 2007. p. 91).

O projeto original previa postes em três diferentes cores: preto, verde e azul (sinalização de ruas transversais e semáforos, possíveis per-cursos e identificação de serviços, como pontos de ônibus e logradouros, respectivamente), além de mobiliário urbano, como abrigos de pedes-tres, floreiras e quiosques, assim como bancas de jornais, lanchonetes, bancas de flores e assentos modulares. Devido a questões administrativas da cidade e pouco interesse público, apenas os FIGURA 11: POSTES AV. PAULISTA | Fonte: Longo Júnior (2010)

Page 51: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

51

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

postes pretos do projeto original continuam instalados na avenida. (LONGO JÚNIOR, 2007).

O Forma&Função foi um escritório de design grá-fico e de produtos que começou sua atuação em São Paulo em 1978. Criado por Ulf e Sonia Sabey, desenvolveu proje-tos para empresas do segmento de equipamentos médicos, chegando a ter 48 pessoas no quadro de funcionários até a abertura das importações, em 1992. O nome Forma&Função revela a orientação funcionalista da empresa, que tinha equi-pes distintas de design gráfico e de produtos, além de oficina para elaboração de mock-ups. (LEON, 2005, p. 75). Ulf Sabey, descendente de dinamarqueses, contribuiu para a difusão da profissão patrocinando eventos da área, como seminários e palestras. Ele ainda tinha um plano de construir um museu com sua coleção de exemplares do “bom design”. Ulf Sabey continuou atuando em projetos de produtos após o fecha-mento do escritório, na década de 1990.

O Grupo Associado de Pesquisa e Desenvolvimento – GAPP, foi fundado em 1976 pelo engenheiro civil Sérgio Augusto Penna Kehl, em parceria com o designer italiano Rodolfo Bonetto. A empresa foi criada para participar de concorrências públicas, vindo a desenvolver o projeto de trens para o metrô de São Paulo (Fig. 12) e seu mobiliário, como também os projetos de trens urbanos de Recife e Belo Horizonte. O GAPP ainda adaptou projetos estrangeiros e criou as cabines de funcionários da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Os projetos privilegiavam a ergonomia, a antropometria e a produção seriada de bancos, barras de apoio e painéis. O GAPP também desenvolveu postos de trabalho e as bilheterias das estações do metrô de São Paulo, assim como a sinalização de trens e estações em par-ceria com o PVDI do Rio de Janeiro (LEON, 2005).

Embora tenha sido o pioneiro em ergonomia aplica-da, o escasseamento das concorrências públicas contribuiu

para o encerramento das atividades da empresa. O GAPP encerrou as atividades entre os anos 1991 e 1992. Portan-to, a bem sucedida experiência do GAPP no metrô de São Paulo não foi suficiente para a continuidade de sua atuação. Em 2011 foi anunciada a contratação da MDB Design, es-critório francês especializado em transportes, para projetar os carros do metrô do Rio de Janeiro. Freddy Van Camp16 questiona em seu blog esta escolha, já que temos profis-sionais capacitados e com experiência no segmento, com-provando que questões políticas e administrativas têm implicações na valorização do design nacional.

O trabalho em escritórios era uma opção para os de-signers neste período; contudo, a partir dos anos 1980, muitos designers passaram a atuar de maneira autônoma. Antonio Eduardo Pinatti, após sete anos na Forma&Fun-ção, passou a dar consultoria para pequenas empresas de mobiliário e embalagens, desenvolvendo projetos de ma-neira autônoma, como frascos de vidro de perfume para a Wheaton do Brasil (LEON, 2005). Pinatti também lecionou na Faculdade de Belas Artes e Universidade Mackenzie.

16. Freddy Van Camp. Designer, professor e escritor.

FIGURA 12: TREM DO METRÔ SP GAPP | Fonte: http://designqualidade.blogspot.com (2018)

Page 52: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

52Luciano Deviá (1943-2014), designer italiano, traba-

lhou na Cauduro & Martino e em outros escritórios antes de abrir seu próprio estúdio, onde atuava em design gráfi-co, design de produtos e arquitetura promocional. Deviá foi consultor do SEBRAE e SENAI em design e artesanato, com ênfase na área moveleira no Amapá, Acre e Amazonas. Seus projetos autorais tinham referência no pós-modernismo dos grupos italianos Memphis e Alchimia. (LEON, 2005, p. 144), (TAFFAREL, 2014).

O arquiteto francês Michel Arnoult atuou inicialmente no escritório de Oscar Niemeyer nos anos 1950, no Rio de Janeiro. Porém, a sua produção em mobiliário se deu em São Paulo, com inovações em design e materiais, além de propos-tas pioneiras de comercialização, peças vendidas em caixas e montadas pelo consumidor. Venda em supermercados e reembolso postal foram alternativas testadas por sua empre-sa, a Mobília Contemporânea, que esteve atuando até ao começo da década de 1970, de acordo com (LEON, 1992).

Muitos profissionais que exerceram a função de pro-fessores de design tinham formação em arquitetura, embo-ra designers recém-formados também tenham atuado na docência. Entre eles, podemos destacar:

Auresnede Pires Stephan: egresso do curso de Dese-nho Industrial da FAAP, turma de 1967, Stephan foi profes-sor do Iadê e coordenador do curso de Design da Faculdade de Belas Artes de São Paulo, atuando também na FAAP, Fa-culdade Santa Marcelina e Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Com experiência profissional na área, atuou ainda como consultor em projetos de exposições e mostras de design, curador e coordenador de premiações, e como autor de livros voltados para o segmento.

Livio Edmondo Levi: arquiteto, exerceu importan-te atividade para difusão do design e do seu ensino. Em seu escritório atuou principalmente com projetos de iluminação, mas também desenvolveu projetos de ferragens, metais sani-

tários e mobiliário, até sua morte prematura em 1973. Levi foi professor da Universidade Mackenzie. Além de atuar institu-cionalmente junto ao Instituto de Arquitetos do Brasil, tam-bém participou da ABDI (Associação Brasileira de Desenho In-dustrial) nos anos 1960, quando, ao lado de Décio Pignatari, representou o Brasil no International Council of So cieties of Industrial Design (ICSID) em 1965 (CARVALHO, 2014).

Alessandro Ventura: arquiteto formado pela FAU--USP, também contribuiu como profissional de design e do-cente, tendo desenvolvido produtos para Deca, empresa de metais e louças sanitáriaspertencente à sua família. Em es-critório próprio, Ventura desenvolveu projetos para diversas empresas em áreas muito distintas,como um projeto de rádio fabricado em plástico para Semp, uma motocicleta, um con-junto de ventiladores, uma lavadora industrial, computado-res, embalagens, máquinas de automação bancária e de car-tão de crédito. Também foi consultor da Itautec, colaborando com o desenvolvimento do que viria a ser o caixa eletrônico. Apesar da importante e diversificada atuação, Ventura apon-ta a dificuldade de estabelecer um escritório especializado no período entre 1969 e1978, devido ao pouco interesse dos em-presários em investir em design. A partir de 1978 até o ano de 1997, atua como designer em empresa própria, a Ventura Produtos Industriais (VPI), atuando no desenvolvimento, produção e comercialização deprodutos para uso doméstico em plástico injetado. A VPI foi vendida em 1998, tendo Ales-sandro Ventura voltado para a área acadêmica. (VENTURA, 2009). A experiência do arquiteto e designer em todas as etapas do desenho industrial e em segmentos tão diversos, e ainda sua vivência como empresário, fazem do percurso de Ventura um caso raro no design brasileiro.

Entre as empresas, a Phillips possuía departamen-to de design nos anos 1990, assim como a Walita, porém 70% da atuação era em face lift, pequenas adequações na aparência dos produtos visando a adaptação ao mercado nacional, segundo nos informou em entrevista o designer e professor Auresnede Pires Stephan.

Page 53: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

53

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

A empresa L´atelier, do arquiteto Jorge Zalszupin,-fabricante de móveis artesanais, foi vendida no início dos anos 1970, devido a problemas financeiros, a umgrupo empresarial composto pela Laminação Brasil (ferragens), indústria de produtos plásticos Hevea e fábrica de com-putadores Labo. Continuando como diretor de pesquisa e desenvolvimento de produtos, Zalszupin criou a Forsa, conjuntamente a Oswaldo Mellone, Lílian Weimberg e Paulo Jorge Pedreira. As possibilidades de atuação do gru-po de designers foram potencializadas pela capacidade produtiva e diversificadas das empresas do grupo empre-sarial, tendo realizado projetos dos mais diversos, como: mobiliário, utensílios domésticos, computadores e até um barco de 30 pés. “O objetivo era garantir uma estrutura de projeto e produção que permitisse grande liberdade criativa e o trabalho com uma vasta gama de produtos.” (ANDRADE, 2017, p.120).

Teve destaque comercial a marca Eva (Fig.13), uten-sílios domésticos produzidos pela Hevea em material plás-tico com design da equipe da Forsa, produto reconhecido pela durabilidade e originalidade de seu desenho. A em-presa encerrou as atividades nos anos 1980, devido à crise financeira que atingiu o grupo. Paulo Jorge Pedreira abriu escritório próprio em seguida, assim como Oswaldo Mello-ne. Pedreira foi também professor do curso de design da Fundação Álvares Penteado – FAAP.

Na área automobilística, a Volkswagen foi pioneira em criar um departamento de desenvolvimento de veículos no Brasil, iniciando suas atividades em 1966. Na década de 1970, lançou veículos projetados para o mercado brasileiro, como a Brasília e o SP 2, já citados neste trabalho. Atualmen-te não são consideradas fronteiras entre países no desenvol-vimento de veículos, havendo colaboração entre os diversos centros de design em diversos países sob orientação da ma-triz da montadora. Visando eliminar custos, a colaboração é iniciada na fase embrionária do projeto e posteriormente são feitas adaptações regionais. (MOURA, 2016).

Para falar sobre design automobilístico no Brasil é necessário abordar a história da Gurgel Motores S/A, em-presa que sustentou a proposta de produzir carros 100% nacionais. Formado pela Escola Politécnica de São Paulo, o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel abriu a empresa em 1969, produzindo karts e pequenos veículos infantis. Em mais de 25 anos de atuação, a Gurgel produ-ziu 40 mil veículos off-roads bem antes da categoria virar moda. Feitos com carroceria em fibra de vidro, os veícu-los da Gurgel eram exportados para diversos países latino- americanos, entre eles Nicarágua e Panamá, e outros mais distantes, como Arábia Saudita. Os veículos Gurgel tinham nomes nacionalistas e forte apelo brasileiro: Xingu, Xavan-tes, Ipanema e Tocantins, entre outros. A Gurgel encerrou as atividades em 1994. (VIOTTI, 2016).

Outra empresa paulista a investir em design foi a Gradiente: fundada em 1964 por iniciativa dos estudantes

FIGURA 13: JARRA E XÍCARA LINHA EVA | Fonte: http://anacaldatto.blogspot.com (2012)

Page 54: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

54de engenharia Eugênio Staub, Nelson Bastos e Luiz Salvatore, no ano seguinte já colocava no mercado o primeiro amplifi-cador estéreo transistorizado do país. Fatores econômicos, como o “milagre brasileiro” da década de 1970 e a proibição das importações de eletrônicos, contribuíram para o seu crescimento, assim como a mudança do parque produtivo para a Zona Franca de Manaus, em 1977, e a consequente expansão da empresa (MUNDO DAS MARCAS, 2012). A primeira designer da empresa foi Mercedes Valadares Ribeiro, precedida por Michael David Pimentel, confirmando que a Gradiente sempre viu no design e na tecnologia fatores de inovação. A empresa destacou-se pela produção de aparelhos de TV coloridos, diferencial competitivo com inspiração internacional e “criatividade brasileira” (STAUB, 2012, p.256). Dois outros produtos de grande sucesso comercial foram o gravador infantil Meu primeiro Gradiente e o videogame Atari, na década de 1980. A Sony lançou nos Estados Unidos, neste mesmo período, o gravador infantil My first Sony, aparelho similar e com a mesma paleta de cores.

Em 2006, devido a estratégias erradas, como a aquisição da Phillips, endividada e pressionada pela concorrência das marcas coreanas, a Gradiente entrou em recuperação judicial. Após seis anos fora do mercado, retornou com portfólio en-xuto e atuando por meio de sua arrendatária, a Companhia Brasileira de Tecnologia Digital (CBTD). (BARBOSA, 2012).

Dos primeiros escritórios paulistanos, o Cauduro & Martino continua em atividade. Vale ressaltar que esta pesquisa se atém a escritórios que atuaram em projetos de produtos em São Paulo. O escritório PVDI, fundado por Aloísio Magalhães, também está em atividade no Rio de Janeiro. O FormInform, com a saída de Alexandre Wollner em 1959, adotou a meto-dologia de Ruben Martins, contribuindo com o fomento do design e expandindo a área de atuação para embalagens, cam-panhas publicitárias e arquitetura promocional, segundo o site da empresa. Com o falecimento de Ruben Martins em 1968, o escritório foi fechado em 1973, reabrindo em 1986 em Belém (PA) sob o comando de Fernanda Martins, filha de Ruben.

De acordo com o professor Stephan, podemos estabelecer os seguintes dados (Figura 14):

FIGURA 14: TABELA DE TIPOLOGIA DE ATIVIDADE

EMPRESA CAUDURO &MARTINO FORMA&FUNÇÃO GAPP

Imagens Corporativas/ Design Gráfico 80% 30%

Design de Produtos 70%

Mobiliário Urbano (pequena escala) 20%

Bens de Capital17 100%

Fonte: autoral baseada em Auresnede Pires Stephan.

17. Bens de capital incluem fábricas, máquinas, ferramentas, equipamentos, e diversas construções que são utilizadas para produzir outros produtos para consumo.

(Significados, 2018, s/p).

Page 55: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

55

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Com exceção do GAPP, os escritórios atuaram conjuntamente com Desenho Industrial e Comunicação Visual no seu período de atividade, o que demonstra que as duas vertentes são complementares. Demonstra, principalmente, que há maior viabilidade de atuação em design gráfico por razões econômicas: menores investimentos, agilidade no desenvolvimen-to, menores custos de produção e adequação ao parque produtivo. Com o fechamento de escritórios, muitos designers, além de prestarem consultoria e atuarem de forma autônoma, também atuaram no ensino de design.

1.3 Anos 80: design assinado

ENTRE OS ANOS 1950 E 1970 houve o estabelecimento de escritórios e departamentos de design dentro de empresas nacionais e multinacionais, embora a demanda para o desenho industrial fosse limitada e, salvo raras exceções, quase

inexistentes, ou com o desenvolvimento de projetos com base em experiências bem sucedidas fora do país, num processo denominado tropicalização. A partir dos anos 1980 ocorreram as primeiras mudanças no setor, embora de forma paralela à indústria, sem inserção no processo industrial, situando-se entre o design funcionalista e o design com características mais autorais, como veremos a seguir a produção de Carlos Motta, Fúlvio Nanni e Fernando Jaeger.

A década de 1980 é considerada pelos economistas como a década perdida devido à estagnação econômica e à retração do crescimento e da produção industrial. Nos campos social e político, pelo contrário, foi um período de avanços, devido à redemocratização do país e o fim da censura. Para o design, foi um período de ajustes e adaptações: enquanto na década an-terior o crescimento do país prenunciava grandes possibilidades, a partir do final da década de 1980 e início dos anos 1990, com a abertura às exportações, a dicotomia que havia entre o Brasil e o exterior se diluiu. Àquela altura ainda não havia se consolidado uma prática sistemática e significativa de design. Como também não havia Internet, as informações sobre o tema chegavam através de revistas e livros. Em seu blog, o designer Eduardo Barroso fez uma análise dos 40 anos do design no Brasil, concluindo que a atividade no país surgiu antes de ocorrer uma real compreensão de sua importância e antes de haver demanda por parte das indústrias, que optavam por importar ou copiar produtos e embalagens. Segundo Barroso, restava aos profissionais recém-saídos das escolas de design “a possibilidade exclusiva de interferências cosméticas e super-ficiais nos produtos” (BARROSO, 2008), como a aplicação de nomes e marcas em eletrodomésticos, por exemplo.

Nos anos 1980, por falta de oportunidades de trabalho, condição essa agravada pela crise econômica brasileira, com poucos escritórios no eixo Rio - São Paulo - Belo Horizonte18, os designers começaram a (re)pensar a profissão. Surgiram, então, os primeiros encontros nacionais de design (Rio 79, Recife 81, Bauru 83 e Belo Horizonte 85). A partir de 1991,

18. Havia escritórios em Recife, Salvador, Curitiba, Porto Alegre e Florianópolis; porém, em sua maioria, dedicados ao design gráfico (Barroso, 2007).

Page 56: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

56passou a ser realizado o NDesign – Encontro Nacional de Estudantes de Design –, visando a aproximação entre os di-versos cursos, a discussão e o intercâmbio de conhecimen-tos entre os estudantes.

O Prêmio de Design do Museu da Casa Brasileira (MCB)19, instituído em 1986 com o objetivo de revelar no-vos talentos, divulgar e promover a profissão, foi uma ini-ciativa do Núcleo de Design da FIESP junto à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e à direção do museu – na época, a cargo de Roberto Duailibi.

O setor moveleiro ganhou destaque nos anos 1980. Segundo Barroso (2008), as indústrias do setor romperam a “inércia e o comodismo”, investindo na criação de produtos próprios e no design de caráter mais artesanal. O setor mo-veleiro possibilitava ao profissional maior autonomia em todas as etapas produtivas.

Destacam-se neste período importantes nomes do de-sign brasileiro, como o arquiteto e designer Carlos Motta, que possui atelier na Vila Madalena, em São Paulo, desde 1978. Motta trabalha produzindo peças únicas, ou feitas em série por empresas que se alinhem com sua proposta con-ceitual. Algumas peças são desenvolvidas para exposições e colecionadores, de acordo com informação no site da empresa. O trabalho de Motta considera questões relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade. O espírito brasileiro de morar está presente em sua obra, na simplicidade com que trabalha a madeira, reinterpretando as lições de mestres como Joa-quim Tenreiro e Sérgio Rodrigues. (SANTOS, 1995). A cadei-ra São Paulo (Fig. 15), premiada pelo Museu da Casa Brasilei-ra em 1987, é vendida desmontada, facilitando o transporte e o armazenamento. Sua produção é semi-industrial.

A Nanni Movelaria, loja do designer Fúlvio Nanni (1952-1995), iniciou suas atividades em 1981, com pro-

dução artesanal terceirizada. Nanni diversificou o uso de materiais, tais como cimento, borracha, amianto e lona na produção de móveis, em projetos que demandaram pes-quisa e experimentação. (SANTOS, 1995). O criado-mudo Tridzio, com rodízios para facilitar a locomoção, foi lançado em 1984, e recebeu menção honrosa do Museu da Casa Bra-sileira em 1986 (Fig. 16).

Fernando Jaeger atua desde 1984 no setor, e suas peças são produzidas por grandes lojas de varejo, como a Tok&Stok. Jaeger abriu loja própria em 1991, aliando a tradição da movelaria com a produção industrial. Segundo o designer, sua experiência, ao longo de mais de 30 anos atuan do no segmento, abriu caminho para criação de uma coleção de móveis exclusivos, simples e funcionais, acessí-veis a um grande número de pessoas, por sua boa relação custo-benefício. (SOUZA, 2016). Em suas seis lojas são co-mercializados 200 itens. Em 2016, eram vendidas 4.000 pe-ças por mês. Sua releitura da Cama Patente dos anos 1920, projeto original de Celso Martinez Carrera (1884-1955), “marco fundamental para a evolução do desenho do mobili-ário brasileiro” (SANTOS, 1995, p. 31), é ainda comerciali-zada pela TokStok, com a etiqueta design assinado (Fig. 17).

Durante os anos 1980 não era difícil reproduzir pro-jetos e modelos estrangeiros. Engenheiros e projetistas podiam fazer adequações necessárias para o mercado na-cional de produtos bem sucedidos comercialmente nos Es-tados Unidos e Europa. Não havia a cultura de pesquisa de mercado para compreensão das necessidades e desejos do consumidor e de seu perfil, visando traçar estratégias de desenvolvimento e lançamentos de produtos. O designer não era um profissional reconhecido, não havia referên-cias no mercado brasileiro e a formação de influência ul-miana “induzia a uma postura demasiado superlativa para um contexto como o do Brasil na época”. Considerado um projetista sofisticado e dotado de certo esnobismo por en-

19. A importância da premiação do Museu da Casa Brasileira será discutida com mais detalhes no segundo capítulo deste estudo.

Page 57: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

57

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

FIGURA 15: CADEIRA SÃO PAULO | Fontes: www.butzke.com.br (2018) e www.desmobilia.com.br (2018)

Page 58: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

58

genheiros, ainda nos dias de hoje o designer precisa ser capaz de conquistara confiança dos empresários para, então, atuar efetivamente no processo produtivo da empresa e em seus produtos. (GAMA JÚNIOR, 2008).

Em 1988, o então presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o dia 5 de novembro, data de nascimento de Aloísio Magalhães20, como Dia do Design. Nos anos 1990, o Governo Federal criou o Programa Brasileiro de Design, porém, sem grandes investimentos. O design passou a ser mais difundido nos meios de comunicação e na publicidade, mas nem sempre de maneira correta. Muitas vezes, como sinônimo de embelezamento ou adjetivoagregador de valor e diferencial competitivo por questões estéticas, sem que o público, de maneira geral, tivesse um realentendimento da área e da atuação do profissional. O termo design, então, se dissemina e se banaliza:

20. Aloísio Barbosa Magalhães (Recife, Pernambuco, 1927 - Pádua, Itália, 1982). Pintor, designer, gravador, cenógrafo, figurinista. Forma-se em Direito pela Universidade Federal

de Pernambuco (UFPE), em 1950. Em 1963, colabora na criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), onde leciona comunicação visual. (Itaú Cultural, 2018, s/p).

FIGURA 16: CRIADO--MUDO TRIDZIO | Fonte: www.dpot.com.br (2018) e www.mcb.org.br (1986)

FIGURA 17: CAMA PATENTE FJ | Fonte: www.tok&stok.com.br (2018)

Page 59: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

59

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

21. Para compreensão das mudanças pelas quais passou o campo do design nos últimos anos e a abrangência do campo, podemos estabelecer, atítulo de compreensão, as

seguintes divisões para o Design de Produto: Design Industrial, Design Objeto, Design de Equipamento Urbano, Design Mobiliário, Design Automobilístico, Design Computador,

Design de Máquinas e Equipamentos, Design de Embalagem, Design de Alimentos, Design de Joias, Design Conceitual, Counter Design, Antidesign, Radical Design, Avant-gard

Design, Bio-Design, Eco-Design, Design Universal, Design Crítico, Design Especulativo, Design Discursivo. (GOMES FILHO, 2006, p. 14).

O design se populariza ao mesmo tempo em que a expressão se vulgariza servindo para batizar qualquer

atividade que exista na fronteira da criação e da estética. Cabeleireiros viram “hair-designers”; analistas

de sistemas “web-designers”; estilistas, “fashion designers”; decoradores, “designers de interiores”, e assim

sucessivamente. (BARROSO, 2008).

A popularização do design contribui para uma compreensão mais ampla da área de atuação de seu profissional, que hoje abrange inúmeros setores – alguns recentes, como o design digital e o design de moda. Antes, a área era dividida apenas em duas disciplinas: Programação Visual e Projeto de Produto, habilitações distintas. Todavia, há equívocos e apropriações indevidas do termo (assunto também controverso), como o uso do vocábulo em “design de sobrancelhas”, “flower designer”, “nail designer” e “hair designer”. Para além da velha tática de valorização de uma atividade pelo uso de outro idioma, algo tão comum no Brasil em tantas áreas, o que merece atenção aqui é a apropriação de um termo que remete à ideia de inovação e criatividade. Assim, a palavra “design” caiu no gosto popular, passando a agregar valor e diferencial a determinada prática.

O design hoje é compreendido de forma ampla e abrangente. O fracionamento e a divisão da área se devem a aspectos mercadológicos, à comunicação de massa e às várias formas de marketing. A separação do design em diferentes campos de atuação provocou uma maior especialização e adequação ao mercado de trabalho, embora muitas especialidades se desdo-brem e se sobreponham – ou por serem, na prática, a mesma atividade, ou por possuírem a mesma definição, apenas com nomes distintos. (GOMES FILHO, 2006)21. Após os anos 1980, além do fracionamento da área ocorreu, também, a valoriza-ção da cultura brasileira e a aproximação com o artesanato e com as referências regionais por meio da atuação de entidades e instituições públicas e privadas, como o SEBRAE e a Caixa Econômica Federal, entre outras.

[...] o design ressurgiu por iniciativa isolada de algumas empresas que encontraram no design o diferencial

que buscavam: os aspectos lúdicos e a dimensão simbólica, traduzidos em produtos despretensiosos, ins-

pirado nas ousadias formais italianas, criando as bases daquilo que podemos definir como sendo as carac-

terísticas essenciais de um design brasileiro. Características que teimavam em não aparecer sob o peso do

passado formalista herdado da escola alemã. (BARROSO, 2008).

O design assinado surgiu neste período como estratégia de marketing (Blümel, 2016) e meio de valorização de produ-tos e profissionais. Trata-se do design autoral, onde o designer é reconhecido por sua produção, sinônimo de exclusividade, produzindo peças de pequenas tiragens ou qualidade superior. Nesses casos, que em geral envolve o design de produtos, há diferenças que impactam em todo o processo: criação, projeto, produção em larga escala e comercialização.

Page 60: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 61: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

61

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

O design fora de série

NO BRASIL, a partir de 1980, e principalmente a partir de 1990, as mudanças no campo do design de produtos ocorreram de forma mais significativa, abrindo uma nova perspectiva para a atividade em seus processos e resultados projetuais e

criativos. A falta de oportunidades em escritórios e a restrita demanda das indústrias levaram muitos designers recém-formados a mudarem de campo de atuação. Isso permitiu que profissionais com diferentes formações desenvolvessem produtos que intercambiavam design, arte e artesanato (MOURA, 2015), embora sem se preocuparem em categorizar a atividade.

Enquanto entre os anos 1950 e 1970 houve incentivos governamentais e pouca inserção do design na indústria, nos anos 1980 iniciou-se uma produção mais autoral, principalmente em mobiliário. A década de 1990, no Brasil, permitiu a experimentação e a produção de peças únicas, ou em pequena escala, que circularam inicialmente em mostras e galerias, sem se deter numa única tipologia de artefatos.

Permeada pela globalização, pelas novas tecnologias e com valorização da cultura e da identidade locais, esta produção se utiliza de meios de manufatura dissociados da indústria ou com recursos próprios, onde o artefato passa a ser ferramenta de expressão individual para o criador. Este, não mais anônimo, torna-se protagonista de sua criação, responsável pela pro-dução, circulação, divulgação e comercialização de seus produtos.

Prevalece a poética do objeto, estabelecendo uma relação que “inspira o sensível” entre o usuário e o artefato, trazen-do-nos reflexões (MOURA apud ABBAGNANO, 2015, p.92). Com isso, a adequação ao uso fica em segundo plano: embora

2

Page 62: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

62presente, não é determinante. Enquanto a forma, no fun-cionalismo, é derivada da função, no design fora de série outros aspectos são considerados, como a linguagem do produto e o conceito que se pretende transmitir – ou ainda, o que o artefato inspira.

No design industrial, a função do produto é a primei-ra condicionante e a finalidade do processo criativo. Tal cri-tério não rege o design fora de série, pois “[....] a parte mais importante para um designer está na sua própria liberdade de escolhas subjetivas[...]”. (MORAES apud CASTIGLIONI, 2005, p. 156).

A incerteza sobre a operacionalidade e a eficiência, a hesitação provocada pela imprecisão ou ambiguidade da forma, a produção por meios artesanais, em pequena es-cala, de múltiplos22, peças únicas ou edições limitadas, a circulação em mostras, galerias e premiações são aspectos do que denominamos design fora de série. Fora de série, no senso comum, é expressão que define algo que não tem produção seriada, que não segue padrões rigídos e se desta-ca no seu gênero por ter qualidades ou características supe-riores, fora do comum e do ordinário. Tais são os sentidos que se encontram em dicionários. Porém, podemos enten-der a expressão de outra forma (ainda diversa da nossa), por exemplo como referida por Dorfles:

Dorfles (1968), sobre o conceito “fora de série”, argumenta que ele é um inconformismo ao gosto vigente e generalizado. O fora de série seria, então, uma forma de diferenciação social, através da adoção de um objeto (por exemplo, um automóvel, motocicleta, etc.), possuído por

poucos e pertencentes a uma elite. O fora de série, para o autor, não se contrapõe ao estilo do momento, mas o acentua. Oposto ao conformismo das massas, seria na ver-dade um conformismo do anticonformismo (DORFLES apud SPADOLINI, 1968, p. 65).

Ambos os conceitos diferem da nossa proposição para o design fora de série abordado neste estudo.

Também não nos identificamos inteiramente como pensamento de Munari: “O designer é um projetista do-tado de sentido estético”, segundo Munari. O resultado do trabalho do designer não é uma expressão pessoal (como o trabalho artístico), mas o resultado de um estu-do para solução de um problema concreto. A forma de-riva da coerência entre os aspectos técnicos e estéticos lógicos. A estética da lógica, por sua vez, é aquela que não segue modismos e informa visualmente a função do produto (MUNARI, 2001, p.30).

Pois o design fora de série23 vai na contramão desta estética da lógica. Embora não siga modismos, os resulta-dos formais têm orientações diversas, e a solução de pro-blemas ou necessidades de uso nem sempre constam como objetivo essencial. O design fora de série se define por ter propósito de uso. É constituído por artefatos utilitários. Porém, o pragmatismo não se sobrepõe a questões semân-ticas e comunicativas.

Todo artefato pode ser interpretado a partir de sua dimensão simbólica, que pode variar por uma série de as-pectos que veremos a seguir.

22. Um múltiplo, no universo das artes, refere-se a objetos pensados para serem produzidos em série, industrialmente ou manualmente, sem que exista uma peça original, mas que

cada exemplar contenha a ideia que o artista deseja disseminar.

23. Dorfles (1968), sobre o conceito “fora de série”, argumenta que ele é um inconformismo ao gosto vigente e generalizado, o fora de série seria, então uma forma de diferen-

ciação social, através da adoção de um objeto, automóvel, motocicleta, etc, possuído por poucos e pertencentes a uma elite. O fora de série, para o autor, não se contrapõe ao

estilo do momento, mas o acentua. Oposto ao conformismo das massas, seria na verdade um conformismo do anticonformismo (DORFLES apud SPADOLINI, 1968, p. 65). Este

conceito difere da nossa proposição para o design fora de série abordado neste estudo.

Page 63: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

63

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Para Cardoso (2012), não existiria função: o termo funcionalidade é por ele considerado restrito e incompleto, e um objeto possui funções que estariam relacionadas à per-cepção do usuário, como o valor afetivo, o valor simbólico e a distinção social, além das funções básicas que predomi-nam em maior ou menor grau nos produtos industrializa-dos: prática, estética e simbólica (LÖBACH, 2001; GOMES FILHO, 2006; BURDEK, 2010). Portanto, todo artefato possui significado e pode ser interpretado, independente da intencionalidade do criador.

Devemos, portanto, ressaltar que a relação entre pesso-as e objetos é algo sensível e complexo. Independentemente de questões tecnológicas, econômicas e produtivas (VELHO, VAN DER LINDEN, 2018), associamos aos objetos nossas vivências, memórias e experiências individuais e coletivas. Todo artefato pode ser interpretado, pois possui “uma di-mensão imaterial”, é signo e informação (CARDOSO, 2012).

De acordo com o contexto social e cultural, o signi-ficado pode ser alterado, seja por mudanças tecnológicas ou econômicas, ou ainda pela mediação do utilizador, que pode conferir outro propósito de uso a um objeto com função determinada e/ou convencionada. Aspectos afe-tivos relacionados à história do utilizador com o objeto, como também à sua experiência particular e subjetiva, também interferem na percepção. Cardoso (2012) especi-fica, a título de compreensão, os aspectos que interferem no significado dos artefatos:

1 O uso ou operacionalidade, ou seja, a finalidade prática do objeto;

2 o entorno, ou seja, o contexto social, econômi-co em que se dá a operacionalidade, e também a

relação do artefato com outros artefatos ou com o utilizador num determinado contexto;

3 a duração, entendida como o tempo de funcio-nalidade do artefato até a sua substituição tec-

nológica ou cultural, ou seu afastamento do uso cotidiano – ou seja, a obsolescência pode interferir na significação. Esses aspectos se referem à materia-lidade do artefato.

Sobre a percepção que se tem dos objetos, o autor cita outros fatores que interferem neste aspecto:

1 O lugar onde se posiciona o utilizador, consi-derando o seu ponto de vista social, cultural ou

geo gráfico, dependendo de cada caso;

3 a experiência, ou seja, a relação íntima, indivi-dual e subjetiva com o produto, mediada pelas

experiências particulares e pessoais anteriores, pe-las vivências próprias de cada indivíduo;

4 o discurso (semântica), que é a tradução de um ponto de vista por meio de linguagens verbais, vi-

suais ou outras, estando relacionado com o repertório cultural do usuário.

O estudo da semântica dos produtos está relacionado com os princípios semióticos de HfG Ulm, em que o signi-ficado de um artefato deve considerar todos os contextos onde se dá a sua circulação.

A linguagem determinaria a história, os processos de fabricação, preço e funcionalidade. Klaus Krippendorff24 entende a semântica a partir de três modelos: o linguístico, que investiga o significado dos termos (“a linguagem dentro da linguagem”); o comunicativo, no qual o designer atua em associação com o utilizador, considerando os seus desejos e expectativas; e um modelo cultural, em que são analisados os sistemas de símbolos, os elementos formais e suas “fun-ções interpretativas” (BURDEK, 2010, p. 338-339).

22. 24. Klaus Krippendorff, engenheiro e designer alemão formado na HfG Ulm em 1961, é professor de Comunicação na Universidade da Pensilvânia e autor de livros

sobre design e cibernética.

Page 64: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

64A semântica de produtos é o estudo das qualidades simbólicas das formas criadas pelo homem no contexto

de seu uso e a aplicação desse conhecimento ao design industrial. Ela leva em conta não apenas as funções

físicas e psicológicas, mas também o contexto psicológico, social e cultural, a que chamamos ambiente sim-

bólico. A semântica do produto é um esforço para compreender e assumir total responsabilidade pelo am-

biente simbólico em que os produtos industriais são colocados e onde devem funcionar em virtude de suas

próprias qualidades comunicativas. Através da semântica do produto, os designers podem desmistificar a

tecnologia complexa, melhorar a interação entre os artefatos e seus usuários e aumentar as oportunidades

de autoexpressão. (KRIPPENDORFF, 1984, p.4 tradução nossa).25

Krippendorff, no texto de 1984, refere-se ao desenho industrial e à produção em série, e ainda à forma como a se-mântica do produto pode contribuir para a interação e compreensão do artefato, facilitando a operacionalidade graças a configurações morfológicas que privilegiam aspectos expressivos – a linguagem do artefato –, e que “sugerem significados e relações” (CARDOSO, 2012, p.112). A mudança de paradigma contemporânea consiste no entendimento de que o artefato deve ser pensado para o utilizador: o foco deve estar centrado no humano e não na tecnologia, o que Klaus Krippendorff denomina “virada semântica” (“semantic turn”). Para o autor, a virada semântica seria “a mudança de uma sociedade fun-cionalista para uma cultura de design” (HORN, VAN DER LINDEN, 2018, p. 575). A cultura do design estaria centrada no humano, sem estruturas hierárquicas, com significados negociados e apoiados interativamente, possibilitando a proposição de futuros e caminhos desejáveis, com ênfase na criatividade e na versatilidade. (HORN, VAN DER LINDEN, 2018).

Portanto, Krippendorff amplia a visão do design, não se atendo somente a artefatos, mas a uma cultura de design como campo expandido. O design não é uma atividade que apenas gera novos produtos: o design deve dar sentido às coisas, com a semântica dos produtos se atendo a questões sensitivas, como a percepção e seu efeito no utilizador. A preocupação com o significado, importante competência para os designers, nem sempre foi reconhecida. (FIGUEIREDO, 2009). Embora a semântica do produto seja um meio de facilitar a compreensão da operacionalidade do artefato pela con-figuração formal por meio de um referencial conhecido, no design fora de série a semântica possibilita interpretações nem sempre relacionadas à questão de uso.

Para compreendermos como a produção industrial, funcionalista moderna, deu lugar26 à produção fora de série con-temporânea, é necessário entendermos antes as alterações porque passou o campo do design. As primeiras produções do

25. “Product semantics is the study of the symbolic qualities of man-made forms in the context of their use and the application of this knowledge to industrial design. It takes into account

not only the physical and physiological functions, but the psychological, social and cultural context, which we call symbolic environment. Product semantic is an effort to understand

and to take full responsibility for the symbolic environment into which industrial products placed and where they should function by virtue of their own communicative qualities. Through

product semantics, designers can demystify complex technology, improve the interaction between artifacts and their users and enhance opportunities for self-expression.”

26. Na década de 1960, os artistas defendem uma arte popular (pop) que se comunique diretamente com o público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que

cerca a cultura de massas e a vida cotidiana. A defesa do popular traduz uma atitude artística contrária ao hermetismo da arte moderna. Nesse sentido, a arte pop se coloca

na cena artística que tem lugar em fins da década de 1950, como um dos movimentos que recusam a separação arte/vida. E o faz - eis um de seus traços característicos - pela

incorporação das histórias em quadrinhos, da publicidade, das imagens televisivas e do cinema. (Itaú Cultural, 2017, s/p).

Page 65: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

65

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

design fora de série, ainda no final dos anos 1980, como a produção inicial dos irmãos Campana, não tiveram reconheci-mento imediato no Brasil. Somente após exposição na mostra Project 66, ocorrida no Museu de arte Moderna (MoMA), no ano de 1988, em Nova Iorque, o trabalho da dupla ganhou notoriedade, sendo posteriormente produzido em série por empresas italianas como Edra e Alessi, por exemplo.

As mudanças no campo do design ocorreram desde o final dos anos 1960 na Europa, colocando a máxima funciona-lista de forma e função em xeque. A Itália destacou-se neste contexto, surgindo em Florença o que seria mais tarde defi-nido como “experiência radical”: grupos e designers como Archizoom, Remo Buti, 9999, Gianni Pettena, Superstudio, UFO e Ziggurat, cuja produção é caracterizada, pelo menos inicialmente, pelas influências da Pop Art27, da Arte Póvera28

e da Arte Conceitual29, correntes artísticas que questionavam as instituições e processos estabelecidos. Esses designers trou-xeram a proposta de trabalhar com ícones da cultura de massa, utilizando para isso materiais pouco convencionais e ordiná-rios e valorizando os conceitos. Entre 1965 e 1979, elaboram projetos e protótipos irônicos e provocativos, cujas indagações e linguagens são “verdadeiras alegorias do pensamento de uma geração”. (PETENNA, s/d, p.27).

Mais tarde, derivado dos primeiros grupos radicais, surgiu no ano de 1981 o Grupo Memphis, fundado por Ettore Sottsass conjuntamente com Andrea Branzi e Michele de Lucchi, entre outros. Enquanto a paleta modernista era sóbria e discreta, Memphis abusava de cores puras e vibrantes, formas inusitadas e materiais diversos. Sottsass entendia o de-sign nos sentidos antropológico, cultural, racionalista e tecnológico, além do linguístico, como elemento de comunicação, ultrapassando processos e mecanismos técnicos (MORAES, 1999). A forma seria, então, decorrência do processo comu-nicativo que compõe a linguagem do produto, e não da sua função (FERREIRA, 2010). As fronteiras entre design e arte ficaram mais tênues, abrindo caminho para reflexões, questionamentos e hibridizações. Ao trabalhar com performance e expor objetos em galerias, como fizeram Andrea Branzi, Alessandro Mendini e Ettore Sottsass, entre outros, deu-se a contaminação do design com o campo sacralizado do objeto de arte (RANZO, 2011). Esse tipo de interface entre áreas, por sua vez, é marca do pós-modernismo.

A descrença generalizada de visões unitaristas, redentoras e universalizantes abriu caminho para a consi-

deração da complexidade inerente à época moderna, que, no pós-moderno, se traduz em mobilidade, liqui-

dificação, esgarçamentos, fragmentações e diversidades que colocam as fronteiras em xeque e valorizam as

interfacialidades disciplinares e conceituais. (COSTA, 2010, p. 38).

27. A Arte Póvera, termo cunhado pelo crítico italiano Germano Celan em 1969 para descrever o trabalho de Michelangelo Pistoletto, Alighiero e Boetti, entre outros, também

influenciou o antidesign, caracterizada pela utilização de materiais pouco convencionais como jornais, pedras, areia, madeira, cordas, etc. A Arte Póvera “era a convergência de

vida e arte rica que prestava mais atenção em fatos e ações”, portanto fatos e atitudes deveriam criar uma arte antielitista (FARTHING, 2010, p. 516).

28. A arte conceitual surgiu no final dos anos 1960 na Europa e Estados Unidos, e caracteriza-se por privilegiar o conceito, a atitude mental, em detrimento da materialização

da obra. Referenciada no Dadaísmo (1916-1921), pode ser realizada sem que o artista efetivamente a execute com as próprias mãos, desmistificando o papel do artista ao

privilegiar a concepção da obra. “A preponderância das ideias, a transitoriedade dos meios, a precariedade dos materiais utilizados e a atitude crítica em relação às instituições

(...) são algumas de suas estratégias” (FREIRE, 2006, p. 10), estratégias essas que influenciaram também o design.

29. Entrevista a Regina Galvão veiculada no site Boobam (2017).

Page 66: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

66O ceticismo em relação às certezas absolutas do modernismo abriu novas possibilidades para o campo do design,

como também para outras áreas. A divisão do conhecimento em disciplinas, com a consequente especialização cada vez mais aprofundada, já não sustenta e não consegue abarcar os questionamentos que a realidade apresenta (GALLO, 2000). O de-sign funcionalista, eficiente e legível, visando uma vida agradável, muitas vezes, não considerava o sujeito, apenas o objeto. Porém, ambos se inter-relacionam e precisam ser considerados na prática projetual e na concepção de artefatos.

Para o design moderno, a frase less is more (menos é mais), atribuída ao arquiteto Mies Van Der Rohe, era um lema. Para o antidesign (pós-moderno), less is bore (menos é chato), frase de Robert Venturi, arquiteto estadunidense, reflete a mudança de compreensão da área. Portanto, além de utilitários, os objetos provocam emoções, dialogam com o usuário, estabelecem re-lações, convidam à reflexão, desempenhando um papel maior que o da mera funcionalidade. A valorização do design brasileiro fora de série se deu inicialmente por galeristas e curadores. O designer brasileiro Rodrigo Almeida30 atesta que seu trabalho ganhou relevância ao ser reconhecido pelo designer Alessandro Guerriero, um dos fundadores do grupo italiano Alchimia.

Vale ressaltar que a abertura italiana para o design autoral permitiu o reconhecimento da produção brasileira e sua posterior produção seriada, caso dos irmãos Campana. Isso não significa que o design brasileiro tenha se referenciado na experiência italiana como práxis, metodologia e conceito: embora haja similaridades, como a dissociação da indústria, a pro-dução de pequenas séries e o experimentalismo, não ocorreu a problematização da área e a rejeição ao design estabelecido e ao funcionalismo no contexto brasileiro.

2.1 O design fora de série:práxis, meios e características

A TÍTULO DE COMPREENSÃO de como se dá sua inserção e seus processos de criação e produção, elencamos algumas características do design fora de série.

Meios de produção: O design fora de série se diferencia do design industrial, primei-ramente, por seus meios de produção dissociados da indústria, embora possam ser produzi-das pequenas séries ou edições limitadas, normalmente por processos artesanais ou low tech.

30. Entrevista a Regina Galvão veiculada no site Boobam (2017).

FIGURA 18: CABIDEIRO TRIBAL | Fonte: www.quadrantebrasil.com.br (2018)

Page 67: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

67

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Meios de circulação: Inicialmente, a produção circulava em galerias e mostras de design e premiações da área. Atualmente, além desses espaços, a circulação também se dá em lojas próprias ou especializadas, como as de museus.

Comercialização: A comercialização podese dar em lojas especializadas, lojas de museus, feiras e mostras, além de vendas online.

Metodologia: Não é possível estabelecer uma metodologia única, podendo ser mais racional ou mais intuitiva, mais projetual ou mais experimental. Porém, quanto à configuração formal, podemos estabelecer algumas estratégias que caracterizam e ajudam a definir o design fora de série, como estabelecido por Ferreira (2010):

Reinterpretação: Trata-se da utilização de um artefato familiar ou conhecido (e que permite a compreensão de sua função de uso pela familiaridade convencionada) em outro contexto, sendo assim reinterpretado ou ressignificado. A reinterpretação pode se utilizar do arquétipo (a forma reconhecida) ou do próprio artefato já existente.

Como exemplos, temos o cabideiro Tribal, da Quadrante Design (Fig.18, 2015), inspirado em figuras antropo-mórficas e lendas da etnia Waujá, povo indígena da região do Alto Xingu; e o cavalinho de balanço Gioco, de Zanini De Zanine (Fig. 19, 2009), simplificação máxima do tradicional brinquedo. O minimalismo da forma não oculta o essen-cial do propósito da peça.

FIGURA 19: GIOCO | Fonte: www.studiozanini.com.br (2018)

Page 68: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

68Experimentação: A experimentação pode se dar tanto no processo

produtivo quanto na escolha dos materiais. A incorporação de falhas e imper-feições, inaceitáveis no processo industrial mas presentes no artesanal, torna o objeto único. Podemos tomar como exemplo o vaso Blow Away, da Front Design (Fig.20): baseado num vaso da Royal Deft, tradicional fabricante de faianças pintadas à mão, o Blow Away foi feito por um software 3D e exposto a uma rajada de vento. O Banco 5 (Fig. 21), da série E se o fundo do mar fosse prateado, da dupla 80 e 8 (Antonia Almeida e Fabio Esteves), é resultado de uma fundição experimental de alumínio, 70% proveniente de latinhas de re-frigerante. São peças numeradas, limitadas e únicas, e remetem a objetos que ficaram muito tempo submersos.

Recontextualização: O uso de ready-mades é um recurso projetual. Por meio da utilização de artefatos industrializados com funções diversas, recom-binados adquirem novo significado. O novo artefato criado a partir da com-binação e recombinação de elementos possui uma nova destinação prática. A luminária Foguetinho (Fig. 22), de Leo Capote, é feita a partir de pás de pedrei-ro, e a cadeira Colher (Fig. 23) é feita de uma estrutura metálica preenchida por colheres (assento e encosto).

Representação: Na representação podem ser usadas diferentes refe-rências com o intuito de criar novos significados. Por exemplo, a partir do uso da ironia, da ambiguidade e de metáforas como reforço de interpretação e reflexão. Os objetos da linha Batucada 2010 (Fig.24), de Brunno Jahara, remetem a batidas em uma superfície rígida, originando uma música ou rit-mo musical. As batidas ou batuque também produzem interferências, como irregularidades e amassados.

Interação: A interação exige participação do utilizador para que a proposta se concretize formalmente. A Do hit chair (Fig.25) é composta de um cubo me-tálico e um martelo, projeto de Marijn van der Poll de 2000. Sem a intervenção do utilizador, a peça é um cubo metálico que pode ser usado para o mesmo pro-pósito, porém sem o diferencial da customização individual que a torna única. O utilizador torna-se coautor do artefato.

Além das características acima, é preciso que o usuário estabeleça uma relação com o objeto que não se resuma ao pragmatismo funcionalista, pois o artefato propõe outro tipo de conexão, permitindo, e muitas vezes exigindo, a interpretação dos significados que o permeiam.

FIGURA 20: VASO BLOW AWAY | Fonte: www.frontdesign.se (2018)

FIGURA 21: BANCO 5 | Fonte: www.80e8.com (2018)

Page 69: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

69

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

FIGURA 22: LUMINÁRIA FOGUETINHO | Fonte: www.leocapote.com (2018)

FIGURA 23: CADEIRA COLHER | Fonte: www.leocapote.com (2018) e www. fiosarterapia.blogspot.com (2018)

Page 70: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

70

O design produzido no Brasil após os anos 1990 foi afetado por mudanças sociais, questões ambientais e tecnológicas e pela própria globalização. Esses fatores ajudaram a definir projetos com características particulares como forma de diferen-ciação e de autoexpressão, buscando-se valorizar aspectos regionais múltiplos, sincréticos, híbridos e plurais presentes na cultura brasileira (MORAES, 2005). A produção de peças únicas, pequenas tiragens ou múltiplos, assim como a subjetividade nos processos, meios e resultados são características desta produção. Neste período, o design brasileiro foi valorizado e reco-nhecido tanto nacional quanto internacionalmente.

FIGURA 24: LINHA BATUQUE | Fonte: www.brunojahara.com (2018)

FIGURA 24: DO HIT CHAIR | Fonte: www.droogdesing.com (2018)

Page 71: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

71

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

O design fora de série é autoral porque o designer é protagonista de sua produção, responsável por todas as etapas de viabilização e também da identidade do artefato projetado e produzido. Essa criação é feita não em resposta a uma demanda ou necessidade, mas enquanto fruto da observação cotidiana de hábitos, práticas ou costumes, possibilitando a transmissão de uma ideia ou mensagem por meio do objeto, independente de sua operacionalidade ou função de uso.

Fora de série são também objetos com múltiplas finalidades, ou que permitem ao utilizador definir seu propósito – em-bora, como já citado, qualquer objeto possa ser ressignificado. No entanto, neste caso as possibilidades de uso são inerentes ao artefato, que não se destina a uma finalidade específica ou única: sua configuração permite ao utilizador definir o seu propósi-to ou finalidades. Uma inquietação, um posicionamento sobre um fato, assunto ou material, ou ainda, o encantamento sobre determinado tema também podem originar uma proposição. Sua configuração formal é decorrente desse argumento: enquan-to materialização da ideia, pode gerar uma reflexão ou suscitar no observador outras relações, como afetividade e incerteza.

Para Gerson de Oliveira, designer da ,ovo:

[...] O que nos faz dizer sim para um projeto que vamos perseguir e desenvolver é: ou porque a gente gosta muito e está encantado com a ideia, tá apaixonado e acredita naquilo, então a gente faz, ou porque é uma coisa que tem uma lacuna na linha da ,ovo.[...] então, aí a gente identifica e vai lá e desenvolve um projeto para atender essas demandas. Então somos nosso próprio cliente interno neste sentido (OLIVEIRA, 2018)31.

Para Caio Medeiros e Daniela Scorza, do Estudio Manus:

[...] no dia a dia, então quando surge o momento, quando nos chamam para fazer alguma coisa, a gente põe em uso esta vivência, mas não tem isso: “vamos parar e vamos não sei o quê, tipo surge assim a partir da experiência.[...] tem uma coisa que está na cabeça o tempo todo, né? Olha para uma coisa e: Ah, este material é legal, o que dá para ser feito com isso? Isso acompanha a gente o tempo todo (MEDEIROS, SCORZA, 2018)32.

31. OLIVEIRA, Gerson de. Entrevista I (jan.2018). Entrevistador: Valéria Barbosa. São Paulo (2018) 1 arquivo Mp4: 53m 38s. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita

nos anexos desta dissertação.

32. MEDEIROS, Caio. SCORZA. Daniela. Entrevista II (fev.2018). Entrevistador: Valéria Barbosa. São Paulo (2018) 1 arquivo Mp4: 48m 03s. A entrevista na íntegra encon-

tra-se transcrita nos anexos desta dissertação.

33. Autores como Ramakers, Bakker, Franzato e Ferreira, entre outros, analisam esta produção com a denominação “design conceitual”, como forma de compreensão desta

prática que se alinha em muitos aspectos com a arte conceitual. Entendemos que o design fora de série também pode ser conceitual, mas muitas vezes questões racionais deste

gênero não estão presentes na produção. Embora possam estar presentes nos resultados, esta não é uma questão, preocupação ou requisito no desenvolvimento dos artefatos

para os designers entrevistados nesta investigação.

Page 72: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

72O design fora de série não questiona o design industrial institucionalizado, mas se adapta a uma nova metodologia

projetual, que não é única nem exclusiva, podendo variar de acordo com cada autor. Assim como a categoria dos artefatos, utensílios, mobiliário e luminárias, não há especialização em um segmento específico, podendo o designer transitar em vá-rias áreas. Essa atitude enquanto profissional seria também caracterizada por privilegiar o conceito, pois é ele que define o significante, a ideia que se pretende transmitir e os meios, materiais e processos que determinam a comunicação e a lingua-gem do produto. Ainda que não seja explícita, é na comunicação de uma ideia que reside seu interesse e diferencial.

Como assinala Franzato (2011), não se trata de outra disciplina ou especialização, mas de uma abordagem transversal do design, pois a transversalidade é uma abordagem não disciplinar e não hierárquica que ocorre em diferentes áreas, cru-zando e articulando vários campos do saber tanto na produção quanto na comunicação e no aprendizado.

O design possui uma dimensão técnico-objetiva e também semântica. Nesta produção, por exemplo, os designers ex-ploram artifícios retóricos inéditos, usando similitudes e metáforas (FRANZATO, 2011, p. 8), aproximando-se desta forma da literatura e da poesia. Portanto, a abordagem é ampla, e o que a enriquece é a compreensão de que os objetos podem ser entendidos por sua linguagem, além das questões objetivas relacionadas à sua finalidade. (SUDJIC, 2010). O repertório cultural e a pesquisa em fontes não relacionadas diretamente ao objetivo projetual – cinema, literatura, gastronomia, artes plásticas, biologia e observação de hábitos – possibilitam novas aproximações e caminhos para a criação.

Essa mudança de paradigma deve-se também à circulação desses objetos em mostras e em galerias, espaços de hi-bridização e aproximação com o objeto artístico. Os artefatos que analisamos nesta pesquisa são feitos para uso, possuem finalidade prática, mas privilegiam a semântica do produto e a sua relação com o utilizador. A ausência de clareza quanto à utilidade provoca interpretações, questionamentos, gerando dúvidas sobre a destinação prática do artefato, pois a forma não denuncia a função, o propósito de uso não é manifestado na configuração formal.

2.2 Mostras e premiações: legitimação e reconhecimento

O DESIGN FORA DE SÉRIE, por sua inserção e circulação, aproxima-se do universo da criação artística. As primeiras manifestações desta vertente no Brasil surgiram em exposições, como é o caso dos Irmãos Humberto e Fernando

Campana, que em 1989 participaram da exposição “Desconfortáveis” na galeria Nucleon, em São Paulo, onde apresentaram cadeiras feitas em chapa metálica cuja rusticidade é pouco convidativa ao uso. (Fig.26).

Page 73: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

73

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Nunca nos interessou limitar nossa criação a uma disciplina específica. Fizemos do design nossa força mo-

triz, sem dúvida, mas sempre estamos propondo diálogos com outras áreas. “Queremos fazer pontes, não

criar fronteiras”, afirma Humberto Campana. (CAMPANA, 2017 apud LIMA, 2017).

A afirmação de Humberto Campana caracteriza e confirma esta visão do design que se hibridiza com outras áreas. Como forma de enriquecimento da prática projetual e do próprio campo do design, a ausência de fronteiras possibilita novas abordagens. Nos anos 1990 a dupla ganhou notoriedade: sua produção é baseada em pesquisa de materiais normalmente baratos e corriqueiros, mas pouco usuais no design, resultando em objetos que aliam técnica, artesanato, arte, design e ex-perimentação. Outra característica da produção dos Irmãos Campana é a referência a elementos brasileiros, à identidade e à cultura nacionais, tanto nos materiais empregados quanto na temática.

Em 1995, a mostra “Entre Objetos”, realizada na Galeria Nara Roesler com curadoria de Maria Alice Milliet, apresen-tou 30 objetos de 14 criadores, designers e artistas, entre eles: Nina Moraes, Lina Kim, a dupla Luciana Martins e Gerson de Oliveira, da ,ovo (foco deste estudo), Jacqueline Terpins e os Irmãos Campana. Subvertendo ou distorcendo suas funções, as peças continuam possuindo algum vínculo com o funcional, num “conjunto divertido e coerente com a inventividade”, como afirma Piza (1995) em matéria publicada no caderno “Ilustrada” da Folha de São Paulo.

A curadora Maria Alice Milliet ressalta como, àquela altura, a aproximação entre arte e design ainda causava estra-nhamento por conta do caráter experimental de alguns objetos, como as luminárias feitas de algodão e gaze da dupla ,ovo (Fig.27). A premiada cadeira Cadê (analisada nesta pesquisa) foi apresentada pela primeira vez nesta exposição. A legitimação de novas manifestações não exclusivas do design, como também sua aceitação, passa antes pelo aval de críticos e curadores, e o seu reconhecimento de maneira mais ampla só se dá após a absorção simplificada pelos meios de comunicação de massa.

FIGURA 26: DESCONFORTÁVEIS | Fonte: obviousmag.org (2018)

Page 74: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

74As pessoas interessadas em arte e design ficam confusas quando o trabalho dos criadores é levado a

extremos que abalam noções estabelecidas. Na maioria dos casos, a resistência ao inusitado não se deve

ao apego à tradição. O público, disposto a aceitar novidades veiculadas pelos meios de comunicação

disponíveis no mercado, desconfia do que ocorre à margem da produção massificada. Os bloqueios à

percepção e a desconfiança dificultam a aparição de qualquer coisa que ouse existir fora do sistema de

grande circulação. Isso acontece com as artes plásticas e o design, mas também na música, no cinema, no

teatro e na literatura, quando surgem como produções independentes. Embora reconhecidas pela crítica

como sendo os segmentos mais criativos, são acolhidos com reserva pelos consumidores até que absor-

vidos por empresas de porte que entram no circuito, via de regra, previamente expurgada dos excessos.

Só está disponível para o incomum quem guarda ainda a curiosidade da criança e o espírito aventureiro

do jovem. (MILLIET, apud GOMES, 2009, s/n).

Em 1997, o Museu Brasileiro da Escultura apresentou a mostra Subjetos com participação da dupla ,ovo, dos Irmãos Campana e de Jaqueline Terpins, entre outros. O neologismo relaciona o sujeito e sua íntima relação com o objeto, buscan-do por meio do experimentalismo o frescor do novo no design brasileiro. (GOMES, 2009). O Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1993, apresentou a exposição coletiva Iluminativas, abrindo também espaço para o design, assim como o Mu-seu de Arte Moderna (MAM-SP).

Com curadoria de Adélia Borges34, a mostra Design Brasileiro: Fronteiras foi realizada no Museu de Arte de São Paulo (MAM-SP) em 2009, com o intuito de mostrar a produção do design brasileiro contemporâneo. Segundo o site do museu, o foco foi a diversificação, com projetos provenientes de todas as regiões do país e em diversas categorias: mobiliá-rio, calçados, design gráfico, utensílios, embalagens e vinhetas para TV. Participaram nomes reconhecidos como Alexandre Wollner, Sérgio Rodrigues, a dupla ,ovo, os irmãos Campana e o Estudio Manus, além de outros designers.

Há um sistema na arte que pode ser percebido por seus agentes ativos: “o produtor, o comprador – o colecionador ou aficionado – passando pelos críticos, publicitários, curadores e conservadores, as instituições, os museus [...]”. (COUQUELIN, 2005, p.15)35. Transferindo este sistema apontado por Couquelin (2005) para o design fora de série, é possível compreender a sua aproximação com o campo da arte: primeiramente, por apresentar um elemento conceitual, ou uma incerteza, a respeito de sua fun-ção; depois, por sua circulação em galerias e museus, e possível legi-timação por curadores e críticos; e por fim, por seu valor econômico

34. Jornalista, professora, curadora, autora e palestrante na área de design.

35. A autora cita ainda: Fonds Régional dÁrt Contemporain e Direction Regionale des Affaires Culturelles – Fundo Regional de Arte Contemporânea e Direção Regional de

Arte Contemporânea para Assuntos Culturais, instituições francesas.

FIGURA 27: LUMINÁRIAS | Fonte: www.ovo.art.br (2018)

Page 75: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

75

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

maior, muito acima de objetos produzidos em série e que não possuem a aura de objeto artístico conferido por seu lugar de exposição. Já os objetos de produção industrial possuem uma equação mais simples: design - produção – comercialização – consumo. A inserção do design fora de série é muito mais complexa, pois passa por critérios me-nos objetivos. A legitimação e o reconhecimento por meio de premiações e da crítica especializada é uma forma de va-lidação dessas propostas.

É importante a compreensão de como as mostras e premiações de design interferem na trajetória, legitimação e aceitação de propostas com características híbridas e não convencionais, e antes disso, como as premiações contri-buíram para o fomento da prática e da cultura do design junto ao meio empresarial.

A importância do design começou a ser reconhecida a partir das primeiras premiações em concursos e feiras de negócios, eventos fomentados por órgãos governamentais e entidades, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), ainda nos anos 1960. No entanto, a premiação capaz de atuar como agente de promoção e le-gitimação do design nacional só chegou em 1986, quando foi criado o Prêmio de Design do Museu da Casa Brasileira.

Àquela altura, o museu, sob a direção de Roberto Duailibi, tornou-se Museu do Design, tipologia definida pela Secretaria do Estado da Cultura. Sua equipe – que con-tava com conselheiros de renome, como José Mindlin e Má-rio Pimenta Camargo – constatou a escassez de incentivos à atividade no país36, passando a atuar no sentido de preen-cher esta lacuna. Tal iniciativa chegou em boa hora: qua-tro anos depois, em 1990, o governo Collor iria promover a

abertura comercial a produtos estrangeiros, o que passaria a exigir mais qualidade e apuro da produção nacional.

Em 32 anos de existência, o Prêmio Design MCB37 tor-nou-se uma das mais importantes e tradicionais premiações do segmento no país, constituindo referência para análise, conhecimento e reconhecimento da produção do design bra-sileiro nessas últimas três décadas. Analisar os 32 anos da premiação é traçar um panorama desta produção: suas carac-terísticas, evoluções, visões, mudanças, variações, alterações e transformações devido a conjunturas políticas, sociais, econômicas e também ambientais, levantando questões como a sustentabilidade e o uso racional de recursos. O que diferencia o prêmio MCB de outras premiações em design é o fato de ser promovido por um museu dedicado ao design e à arquitetura, sem ligação com nenhuma entidade de classe, o que garante sua isenção (BORGES, 1996).

Dividida nas categorias de construção, transportes, eletroeletrônicos, mobiliário, iluminação, têxteis, utensílios e trabalhos escritos, protótipos ou em produção (no caso de produtos), a premiação é anual, sendo feito ainda um con-curso para eleger o cartaz de divulgação do evento. Embora o Prêmio do MCB tenha sido criado para promover o design industrial brasileiro, ao longo de suas edições podemos per-ceber a sua abertura para o design mais experimental ou fora de série, fato que contribuiu para a validação e o reco-nhecimento dessas propostas.

O ano de 1991 foi para o Prêmio MCB um ano de rupturas e polêmica, na designação de Adélia Borges. Hou-ve questionamento, inclusive, sobre a legitimidade da pre-miação, resultando na ausência de empresas e designers premiados anteriormente em edições posteriores, devido

36. Com o auxilio do Núcleo de Design da FIESP, na pessoa de Joice Leal, e a consulta a designers, instituiu-se a primeira premiação e o lançamento do Selo “Bom Desenho”,

com criação de Hugo Kovadloff, com o “intuito de sensibilizar a indústria quanto à capacidade criativa dos designers brasileiros”. (BORGES, 1996, p. 14).

37. O Museu da Casa Brasileira (MCB) foi criado em 1970 para funcionar como museu do mobiliário artístico e histórico brasileiro. Membro da rede de museus do Governo

do Estado, vinculado à Secretaria da Cultura, o MCB é voltado para estudos e questões da moradia brasileira, sempre com foco em arquitetura e design.

Page 76: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

76a críticas e insatisfação com os critérios e avaliações do júri deste ano. O júri contemplou o controverso Lustre I (Fig. 28), de Edith Diesendruck, com o 1.º lugar na categoria Equipamentos domésticos. Trata-se de um objeto feito com arame, bocas de fogão, formas de empada e bolas de gude.

Segundo Borges, o produto possui “caráter conceitual”. Ela assim o define:

[...] peças muitas vezes desprovidas de condições de uso e carregadas de signos de contestação. O raciocínio

do projeto parte da necessidade do designer de se auto-exprimir, num tipo de demanda interna semelhante

à demanda artística. É a época do design-escultura, mais para ver do que para usar (BORGES, 1996, p. 98).

Segundo o Professor Auresnede Pires Stephan, membro do júri, não havia funcionalidade na proposta enviada para avaliação e julgamento. Porém, nas fotos de divulgação, o mesmo lustre aparece com lâmpadas e aceso, portanto a função de uso foi facilmente equacionada. De acordo com Borges, Diesenbruck foi influenciada por Danny Lane, Tom Dixon e Ron Arad, designers que utilizavam a experimentação formal em Londres na década de 1980.

O mais importante, e o principal fator da polêmica em torno da premiação de 1991, talvez tenha sido a abertura para um protótipo desenvolvido por uma artista plástica, com ressignificação de elementos, sem aparente intenção de produção em escala (foram produzidas apenas duas peças, uma por encomenda dos irmãos Campana). Além disso, possivelmente havia no gesto da artista o intuito de abalar o mainstream que o prêmio corroborava e a noção de design racional-funciona-lista que ainda vigorava no ensino do design, assim como a “catequese” feita junto aos empresários para afirmação da área e sua importância para o setor industrial. Podemos dizer, então, que o referido lustre é um protótipo provocativo (pelas cir-

cunstâncias e período em que foi enviado para avaliação), legitimado por uma importante instituição, abrindo precedentes para uma nova abordagem projetual e uma (nova) perspectiva para o design brasileiro nesse tempo ainda em fase de afirmação.

A luminária Os pés pela cabeça, de Clovis Arruda (Fig.29), é ou-tro exemplar que recebeu menção honrosa na premiação do Museu da Casa Brasileira, também em 1991. Desclassificado num primeiro mo-mento, o projeto demonstra a abertura da premiação (ou do corpo de jurados) ao design de aspecto lúdico, desvinculado da produção seriada e sem o aval de grandes empresas, entendendo o design como um cam-po amplo e abrangente. No projeto há reinterpretação e ironia. Gerou ainda discussão a premiação dos objetos de Diesendruck e Arruda ao lado de artefatos com clareza de uso e limpeza formal, voltados para produção em escala industrial, alguns já produzidos, revelando a ambi-guidade ou a pluralidade desta edição (BORGES, 1996). FIGURA 28: LUSTRE I | Fonte: www.mcb.org.br (2018)

Page 77: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

77

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Em 1998, em sua 12ª edição, a premiação do MCB passa a contemplar a categoria “Protótipo”, com a possibilidade de inscrição de peças nas diversas modalidades. No ano 2000, a categoria Protótipo (entendida como peças em fase de apri-moramento e não produzidas industrialmente) passa a aceitar projetos nas diversas subcategorias de produtos: mobiliário, iluminação, utensílios, eletroeletrônicos, etc. Em 2004, na 18.ª Premiação, é incluída a categoria “Novas Ideias/Conceitos”, deixando, contudo, de existir em 2007. “A abertura de uma nova categoria foi um dos traços distintivos de 2004. Novas Ideias/Conceitos foi criada para acolher projetos experimentais, especulações acadêmicas, visões futuristas ou concepções de alta complexidade tecnológica e produtiva, etc” (FERLAUTO, 2006, p. 65).

A luminária Bessie (Fig. 30), de Pedro Luiz Pedrazzi, recebeu Menção Honrosa em 1995. Não há especificação, no site da premiação nem nas publicações sobre o prêmio, do material empregado, nem da categoria do produto. Seu ponto de interesse é a utilização de um material translúcido na forma de saco amassado, remetendo à sobra residual, produto descar-tável reutilizado e ressignificado.

FIGURA 29: LUMINÁRIA OS PÉS PELA CABEÇA | Fonte: www.mcb.org.br (2018)FIGURA 30: LUMINÁRIA BESSIE | Fonte: www.mcb.org.br (2018)

Page 78: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

78A cadeira Atiati, de 2007 (Fig.31), de

Ana Paula Sertório, foi produzida em ma-terial metálico e trama têxtil. O mobiliário causa incerteza a respeito da segurança de uso e ergonomia, como aponta o texto do site do MCB. A poética do nome contribui para a percepção da forma: Atiati significa “gaivota grande” em tupi-guarani, mas exi-ge repertório para compreensão por parte do público ou uma explicação adicional.

A mesa Bamba, de 2016 (Fig. 32), de Pedro Paulo Venzon, brinca com o nome da peça, que traz ambiguidade e hesitação, uma vez que desvirtua a noção de estabi-lidade. A questão semântica está presente na configuração formal e na ambiguidade linguística. “Bamba” é um termo coloquial que designa alguém mestre numa determi-nada atividade, profundo conhecedor do assunto, valente e decidido, ou também algo instável e frouxo. O artefato não rece-beu premiação, nem Menção Honrosa, mas foi selecionado para a exposição do 30.º Prêmio Design do MCB.

Dos 27 produtos selecionados para análise neste trabalho, pesquisados no site da premiação do MCB e nos livros publi-cados sobre o prêmio – Prêmio de Design: 1986 -1996 (1996) e 30 anos Prêmio Design MCB (2016) –, quatro produtos eram lumi-nárias (14%) e nove produtos eram mobi-liário (34%). As luminárias são objetos com maior facilidade de produção artesanal a baixo custo e com pouca tecnologia empre-gada, fato que justifica a produção constan-te ao longo de mais de 30 anos da produção de artefatos fora de série.

FIGURA 31: CADEIRA ATIATI | Fonte: www.mcb.org.br (2018)

FIGURA 32: MESA BAMBA | Fonte: www.mcb.org.br (2018)

Page 79: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

79

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Em entrevista concedida a Rogério Gomes, o membro do júri, Prof. Auresnede Pires Stephan, questionado sobre o hibridis-mo nos projetos enviados à premiação especificamente em 1991, considera que:

[...] as categorias que mais evidenciam estas características são: luminárias e mobiliário, porém ele res-salta que há falta de sofisticação e refinamento no trato desta questão, ou seja, há falta de apuro estético e técnico associado à ingenuidade na operação dessa transposição ou nas possibilidades imagéticas do processo, como também no argumento poético transportado para o projeto (GOMES, 2009, s/n).

Os produtos analisados, por sua vez, demonstram a abertura do Museu da Casa Brasileira para a produção de design contemporâneo pelo viés fora de série, ou com novas “informações estéticas” (FERLAUTO, 2006 p. 12), embora a premiação enfoque majoritariamente a produção industrial ou artefatos desenvolvidos visando à produção em grande escala. O ano de 1991 foi marcante por este fato. Todavia, não houve mais ganhadores com estas características.

A 18ª premiação, no ano de 2004, privilegiou e valorizou a produção brasileira como nova forma de expressão, “con-trapondo-se à ideia de que a boa cultura é a cultura erudita e rompendo os padrões de modernidade que se espera encontrar no bom design” (FERLAUTO apud Júri 18º PRÊMIO MUSEU DA CASA BRASILEIRA38 2006, p.66).

A partir do exposto acima, podemos concluir que a premiação do MCB permite traçar um panorama do design brasi-leiro nas últimas três décadas. O prêmio é um reconhecimento importante e interfere na trajetória do artefato, que passa a ter mais visibilidade e ressonância na área. A legitimação da instituição atesta a importância da proposta, que pode inclusive gerar interesse por parte de fabricantes, o que viabilizaria a produção de determinado objeto em escala maior.

Gerson de Oliveira, da ,ovo, ganhador do prêmio em 1995 com a poltrona Cadê, analisa a premiação:

Traz duas coisas, uma que é uma resposta do circuito dos nossos pares, é uma validação, é uma ressonância

interessante, “isto que você faz a gente achou legal, a gente achou muito bom, é importante”, e visibilidade,

dá visibilidade, é uma legitimação das instituições e isso é uma coisa muito importante porque eu acredito

que qualquer produção, enfim, uma produção que tenha uma ambição de se estabelecer como algo relevante

tem que operar em muitos níveis diferentes, no nível da produção em si, da fábrica, da oficina, do ateliê,

no nível da instituição, da imprensa, do público, do mercado, você tem que atuar em todas as esferas e a

instituição é muito importante. (OLIVEIRA, 2018)39.

38. Fizeram parte do Júri do 18º Prêmio Design MCB: Auresnede Pires Stephan, Cecília Rodrigues dos Santos, Gerson deOliveira, Giorgio Giorgi Jr., Marcelo Ferraz, Maria

Helena Estrada, Marisa Ota, Sérgio Rodrigues, Túlio Mariante.

39. OLIVEIRA, Gerson de. Entrevista I (jan.2018). Entrevistador: Valéria Barbosa. São Paulo (2018) 1 arquivo Mp4: 53m 38s. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita

nos anexos desta dissertação.

Page 80: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

80A valorização do olhar brasileiro40 no design deu-se a partir dos anos 1990, em mostras internacionais nos Estados

Unidos e Europa, como a Brasil Faz Design. Os irmãos Campana participaram da exposição coletiva From Modernism to Modernity. Furniture of the XX Century, Nova Iorque, em 1989 (MOURA, 2011). A visibilidade e o reconhecimento permitiram a produção e a comercialização de projetos pela empresa italiana Edra, a exemplo da Poltrona Corallo (Fig. 33), feita com fios de aço curvados manualmente, numa espécie de tecelagem, com acabamento em pintura epóxi e sol-das imperceptíveis. Segundo a Edra, a poltrona requer habilidade artística na sua confecção, tornando cada peça única e podendo levar uma semana para sua finalização.

O design brasileiro inserido neste cenário, entre a pós-modernidade e o modelo de globalização iminente,

começa a ter como referência a maior riqueza e a expressividade das próprias manifestações culturais do

país. Toma a cultura popular e o carnaval como fantasia coletiva, reconhece o kitch como gosto popular de

massa e as telenovelas como referência ética e estética local (MORAES, 2005, p. 183).

40. Maria Helena Estrada, ao analisar a produção de um grupo de alunos dos Irmãos Campana em curso ministrado no Mube em 1999, assim se refere à produção: “Uma

estética brasileira? Talvez. Não se inventou nada. A transposição dos materiais é usada por diversos designersem outros países. O novo é o olhar brasileiro – livre, leve, solto,

colorido, delicado e bem humorado.”(ESTRADA, 2001, p.27).

FIGURA 33: POLTRONA CORALLO | Fonte: edra.com (2018)

Page 81: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

81

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

2.3 O design fora de série – Panorama internacional

O VIÉS FORA DE SÉRIE também ocorre em outros países. Na Europa, em 1987, a Documenta de Kassel41 abriu cami-nho e acolheu o design como meio de manifestação e forma de expressão artística, descartando a concepção hierár-

quica e anacrônica que distinguia a arte em duas categorias: maior e menor42 (CALVERA, 2003). A curadora de design do Museu de Arte de Nova Iorque (MoMA), Paola Antonelli, no catálogo da exposição sobre design holandês, Contemporary Design from Netherlans, realizada em 1996, define:

[...] menos tolerante e espalhafatoso do que aquele dos anos 80, mais experimental no uso de materiais,

e muitas vezes inspirado por uma genuína necessidade. Mesmo assim ele contém elementos surpresa e

profunda beleza intelectual, porque se apoia mais na invenção do que na elaboração de estilos ( ESTRADA

apud ANTONELLI 1998, p.27)

A empresa holandesa Droog Design, em seu site, adverte que trabalha de forma lúdica, que o processo é fundamen-tal, e que farão questionamentos e oferecerão mais resultados do que se possa querer, já que bons clientes resultam em melhores resultados. Insistem que são mais que uma empresa de design. A irreverência, o bom humor e o questionamen-to do papel do design estão presentes no discurso e nos produtos. Composta pelo designer de produtos Gijs Bakker e pelo historiador de design Renny Ramakers, a dupla surgiu em 1993, durante a Feira de Móveis de Milão. A Droog trabalha com designers independentes em projetos de produtos, exposições e eventos, além de publicações. A coleção Droog é ven-dida pelo site da empresa e em lojas ao redor do mundo, inclusive em São Paulo. A premissa é contribuir com a sociedade, estimular a reutilização e evitar o desperdício, de acordo com texto de apresentação.

Chest of Drawers (Cômoda, Fig. 34), criação de 1991 de Tejo Remy, pode ser lida como uma crítica provo-cativa ao consumismo. O agrupamento de gavetas de diferentes formatos e tamanhos compõe um conjunto único, com instabilidade aparente e preso por uma cinta. O objeto inconformado e dadaísta faz parte do acervo do Museu de Arte de Nova Iorque (MoMA). O móvel Kokon (Fig. 35) utiliza-se de duas peças de mobiliário antigas, que com-binadas sugerem uma nova forma, novas possibilidades de utilização pela recontextualização das peças. O projeto de Jurgen Bey é de 1997.

41. Desde 1955, a cidade de Kassel, na Alemanha, acolhe a Documenta, uma das maiores e mais importantes mostras de arte contemporânea, que ocorre a cada cinco anos.

42. Considera-se arte pura a pintura e a escultura, “representação pessoal do artista”, e arte aplicada a função prática das formas existentes na mente do artista. (MUNARI, 2005, p.40)

Page 82: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

82Na Itália, destaca-se o trabalho de Paolo Ulian, que defende a observação das coisas e atitudes da vida cotidiana

como fonte de boas ideias. Os projetos de Ulian caracterizam-se pela ironia e pela observação de hábitos. Assim, são ob-jetos que fazem sorrir, pois partem, se não de uma necessidade, ao menos de uma sagaz análise de comportamento. O tapete Mat Walk Bath (Fig. 36), de 2004, é exemplo de sua produção entre o divertido e o inusitado com reinterpretação de dois elementos distintos, um chinelo e um tapete. O biscoito para dedo Finger Biscuit, de 2006 (Fig. 37), remete iro-nicamente a um irreverente desejo coletivo.

FIGURA 34: CHEST OF DRAWERS | Fonte: www.droogdesign.com (2018)

Page 83: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

83

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Ingo Maurer, designer alemão com mais de 40 anos de experiên-cia, começou como designer gráfico e hoje se dedica a projetar luminá-rias. Maurer apropria-se de elemen-tos diversos como metal, plástico e porcelana, como no caso da Lumi-nária Bibibibi, de 1982 (Fig. 37), nome que remete à onomatopeia do som emitido pelo pássaro. A Lu-minária Lucellino, de 1992, é feita com vidro, latão, plástico e asas ar-tesanais de pena de ganso, segundo informação do seu site. Maurer cria objetos aliando poética, simbolismo, aspectos lúdicos e semânticos, com emprego de materiais variados e de universos distintos (Fig. 38).

A aproximação e a hibridiza-ção entre arte, design e processos ar-tesanais, ou com tecnologia simples (low tech), permite novas abordagens no desenvolvimento e expressão de conceitos, proporcionando a geração de objetos que suscitam questões emocionais, semânticas, simbólicas. O designer atua como propositor de reflexões sobre os objetos que con-sumimos e com os quais nos relacio-namos. Por demandar interpretação e requerer disponibilidade interpre-tativa, estabelece um diálogo com o utilizador que vai além de questões pragmáticas. Para compreensão des-ta produção, elegemos a ,ovo, de Ger-son de Oliveira e Luciana Martins, e o Estudio Manus, de Caio Medeiros e Daniela Scorza.

FIGURA 35: MÓVEL KOKON | Fonte: www.droogdesign.com (2018)

FIGURA 36: MAT WALK BATH | Fonte: www.paoloulian.it (2018)

Page 84: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

84

FIGURA 37: FINGER BISCUIT | Fonte: www.paoloulian.it (2018)

FIGURA 38: LUMINÁRIA BIBIBIBI | Fonte: www.einrichten-design.com (2018)

Page 85: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

85

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

FIGURA 39: LUMINÁRIA LUCELLINO | Fonte: www.ingo-maurer.com (2018), www.archiexpo.com e www.archiexpo.com

Page 86: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 87: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

87

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

NOS CAPÍTULOS ANTERIORES, buscamos traçar um panorama do design brasileiro e de seus centros de formação, de modo a contextualizar essa produção de um ponto de vista histórico e cultural. Neste capítulo, passaremos à análise

do trabalho de duas duplas de criadores: Estudio Manus e ,ovo. Ao nos debruçarmos sobre processos de criação, procedi-mentos projetuais, referências e circulação da produção, estaremos também investigando como os artefatos produzidos têm alinhamento com o design que denominamos fora de série.

Elegemos a produção das duplas pela sua longa e relevante trajetória no design e por suas produções terem reconheci-da importância no cenário brasileiro, havendo convergências e diferenças, como veremos a seguir. As duas duplas atuam em design de produtos desde os anos 1990. Há muitas similaridades em suas produções, como a opção pela escala reduzida e em pequenas séries, além de questões relacionadas à semântica do produto. Porém, a execução ou manufatura se dá de forma distinta, como também os processos e seus resultados.

Enquanto a,ovo tem uma organização mais empresarial, o Estudio Manus conserva procedimentos artísticos, com es-paço para uma atuação mais intuitiva em que prevalece o trabalho manual, como revela o nome da dupla. A ,ovo possui escri-tório e atelier na região central de São Paulo e loja na rua Estados Unidos, na região do Jardim Europa, local reconhecido pela sofisticação e concentração de lojas de design, lojas-conceito e flagships. Embora o design da ,ovo seja financeiramente mais acessível que os de seus vizinhos, o endereço é referência para o design contemporâneo, onde podem ser encontrados produ-tos de importantes designers brasileiros e estrangeiros, constituindo “[...] grande vitrine para as marcas, uma espécie de status

O design fora de série na produção do Estúdio

Manus e da ,ovo3

Page 88: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

88e degrau superior de refinamento [...]” (GUIA DE DESIGN DE SÃO PAULO, 2015, p.77), como atesta o Guia de Design de São Paulo, lançado em 2015. Já o Estudio Manus está instalado na Vila Madalena, reduto boêmio da capital paulista, reconhecido pela agitada vida noturna e pelo ecletismo de seus restaurantes e bares. Local alternativo, aberto, alegre, descontraído, onde se encontram diversas lojas, estúdios, galerias e ateliers. A localização das duas empresas evidencia a diversidade das propostas.

3.1 Estúdio Manus: releituras poéticas

CAIO MEDEIROS (CENÓGRAFO) E DANIELA SCORZA (ARQUITETA) atuam juntos desde 1999, em loja/galeria/atelier próprios, num mesmo endereço.A dupla privilegia processos manuais e referências pessoais e a experimenta-

ção, buscando inspiração em objetos antigos e acervos particulares, como também em pesquisas e em viagens ao redor do mundo. As propostas são muito diversas: cerâmicas industrializadas, apropriação e ressignificação de objetos, ready-ma-des, objetos de arte, cenografia, interiores e arquitetura.

Circulação: O Estudio Manus participou de diversas exposições, mostras e premiações de design e arte no Brasil e ex-terior, tais como: Talents à la Carte, na Maison&Objet, em Paris, 2005; prêmio Prix Découverte, do Le Point, no Salão Design Now! de Paris, em 2006; exposição Design Brasileiro Hoje: Fronteiras, no MAM-SP, em 2009; exposição +(55) Brazil, na Civic Gallery, Barnsley, Inglaterra, em 2011; exposição Fronteiras, no Palazzo Giureconsulti de Milão, Itália, em 2012; e exposição Brazilian Modern, na Galeria Ampersand House, em Bruxelas, 2012.Teve ainda peças selecionadas para integrar os acervos do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) e da loja de design do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA).

A dupla produz objetos repletos de questões afetivas e reminiscências pessoais, ressignificando e conferindo novos sentidos a objetos antigos ou em vias de descarte, transformando-os em objetos de uso ou de arte, para leitura visual, apreciação e fruição. De acordo com Daniela Scorza, sobre o processo da dupla:

Acho que é bastante intuitivo porque no dia a dia a gente vive olhando para arte, imagens que dizem respeito,

quando a gente viaja, por exemplo, estamos sempre com o olhar disso e nunca viajamos tipo: Vamos para feira de

Milão.[...] normalmente a gente vai para uma ilha não sei onde, mas com este olhar, e pesquisando, pesquisando,

não tentando entender uma cor, uma forma, etc.[...] Então a observação, a curiosidade e a experimentação são

muito importantes pra gente, talvez seja mais importante que tudo. Para mim, pelo menos, é. (SCORZA, 2018).

Page 89: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

89

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

A parceria com uma indústria cerâmica deu origem a uma série de objetos, entre xícaras, pires, vasos, pratos e outros, todos produzidos por meio do reaproveitamento de moldes antigos e da junção de moldes distintos, originando artefatos hibridizados. São objetos para uso, porém as interferências no processo de produção, feitas por meio de pintura, da combi-nação de elementos e de assemblages, convidam à contemplação.

FIGURA 40: PORCELANAS ALADAS | Fonte: www.estudiomanus.com (2018)

Page 90: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

90As porcelanas Aladas, de 2007 (Fig. 40), são peças utilitárias, mas brincam com o significado das palavras de manei-

ra poética, onde o lúdico se sobrepõe às questões práticas. As asas das xícaras são substituídas por asas de anjos, evocando a questão semântica e a polissemia. O uso da metáfora linguística e visual e a reinterpretação estão presentes no objeto, que ao receber banho de ouro, reforça essas questões e adquire aura de objeto de arte.

FIGURA 41: PORCELANAS SORRISO | Fonte: www.estudiomanus.com (2018)

Page 91: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

91

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

As Porcelanas Sorriso, de 2008 (Fig. 41), trilham o caminho do humor ao personificar as peças, conferin-do feições humanas aos objetos. O uso do vermelho nos detalhes rompe a frieza utilitária da porcelana bran-ca, anônima e asséptica, conferindo identidade a cada peça, reinterpretando-as. O pinguim de geladeira, em-bora sem função prática, integra o divertido conjunto.

A experimentação está presente no Vaso Aleató-rio, de 2008 (Fig.42), resultante de alterações na tem-peratura do forno usado em sua produção, que provoca deformações no artefato. A queima da cerâmica a altas temperaturas é necessária para interferir nas proprieda-des mecânicas do objeto e na sua qualidade e resistência.Ao alterar a temperatura há interferência na peça, porém os resultados não são totalmente controlados, ganhan-do caráter arbitrário e casual. O vaso Aleatório também possui pegas acopladas, provenientes de outro molde, resultando num objeto estranho, insólito e único.

Os Pratos O+ (Fig. 43) receberam incisões ma-nuais, com a peça sendo cortada e separada antes da queima, de forma irregular e não projetada. O nome O+ pode ser interpretado como tipo sanguíneo, referência ao sangue que emerge de incisão em material orgânico, personificando o objeto e possibilitando interpretações também pelo uso da cor vermelha. São peças únicas, pela própria dinâmica de produção e intervenção na configuração formal.

O exemplo abaixo, do Vaso Filhote (Fig.44), há referência à maternidade. Tal como existe metáfora vi-sual e poética e o uso da polissemia (asa do vaso e asa de um anjo), há também entre os vasos uma possibi-lidade de interpretação – o maior sustenta o menor, o acolhe. O trabalho remete à afetividade e ao lúdico, estabelecendo um diálogo com o expectador ao recon-textualizar os três elementos, possibilitando desdo-bramentos interpretativos.

FIGURA 42: VASO ALEATÓRIO | Fonte: www.acasa.org.br (2018)

FIGURA 43: PRATO O+ | Fonte: www.estudiomanus.com (2018)

FIGURA 44: VASO FILHOTE | Fonte: www.estudiomanus.com (2018)

Page 92: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

92

FIGURA 45: MESA VULCÃO | Fonte: www.estudiomanus.com (2018)

Page 93: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

93

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

A Mesa Vulcão (Fig. 45) é feita por meio da incineração da madeira maciça. O uso da madeira carbonizada é uma técnica tradicional japonesa que confere maior resistência ao material de seu tampo (RIBEIRO, 2016), recurso usado como reforço simbólico da significação do artefato, que é complementado pela cerâmica da artista e designer Kimi Nii.

O Mancebo com Gavetas (Fig.46) é um objeto que possui dupla fun-ção: além de cabide para pendurar roupas e acessórios, possui gavetas, algo pouco usual neste tipo de peça de mobiliário, que também costuma ser autoportante. A forma remete a uma casa de passarinhos, e os pequenos compartimentos das gavetas se destinariam a pequenas preciosidades, além de apoio para exposição de objetos menores. A peça é a reinterpretação de um produto que une referências muito distintas, resultando num objeto funcional que traz para o interior residencial uma alusão ao campestre.

O Objeto Luminoso Tabi (Fig. 47) é um ready made realizado a partir de um calçado tradicional japonês (Tabi) que remonta ao Séc. XV, e uma lâmpada cujo filamento é uma flor. A definição da peça é quase uma indeterminação, pois não é uma luminária, e sim um objeto luminoso: destina-se a produzir luz, não a iluminar. Ao mesmo tempo, identifica seu propósito. O conjunto causa estranheza pelo inusitado da combinação dos elementos, mas apela ao lúdico pelas cores, pela delicadeza do calçado e pela singeleza da flor.

As luminárias Alice (Fig. 48) são produzidas a partir de peças de la-tão oxidado e complementadas por diversos bibelôs de porcelana: animais, palhaços, figuras humanas e objetos que parecem se equilibrar sobre e sob a base. Uma recontextualização que forma um conjunto incomum, curioso e que remete à memória afetiva.

O trabalho do Estudio Manus é bastante diversificado em suas pro-postas, materiais, meios e processos de produção, com a utilização de pro-cedimentos artesanais. Quando a produção é feita de maneira industrial costuma ser submetida a interferências, num processo que lança mão da experimentação como recurso comunicativo, incorporando imperfeições e efeitos casuais na obtenção de peças únicas. Há ainda o uso de ready-mades e assemblages, com a reinterpretação e a recontextualização contribuin-do para a construção de narrativas por meio de peças vintage ou étnicas, garimpadas em viagens por um olhar atento e sensível.

FIGURA 46: MANCEBO COM GAVETAS | Fonte: www.estudiomanus.com (2018)

FIGURA 47: OBJETO LUMINOSO TABI | Fonte: www.estudiomanus.com (2018)

Page 94: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

94

A gente acha que tem sempre que contar uma história, mas esta história a gente procura não contar e que o

próprio objeto conte e que a pessoa sinta de alguma maneira. Difícil ter um objeto da gente que não represente

alguma coisa. (MEDEIROS, 2018).

A gente acha importante que tenha uma mensagem, que comunique alguma coisa, que cause alguma coisa,

dificilmente a gente quer apenas um elemento [...]. (SCORZA, 2018).

A criação deste escritório em mobiliário possui, naturalmente, a identidade da dupla: simples, despojada e objetiva. Utilizando elementos produzidos sob medida, como, por exemplo, ferragens e puxadores, a partir de desenhos exclusivos.

FIGURA 48: LUMINÁRIAS ALICE | Fonte: www.estudiomanus.com (2018)

Page 95: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

95

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Na capacidade de surpreender, com o uso de recursos lúdicos, poéticos, inusitados e divertidos, reside seu principal interesse e diferencial. A ênfase é colocada na significação, comunicabilidade e possibilidades de interpretação dos objetos, que transcendem o propósito de uso e convidam ao colecionismo.

O pensamento projetual da dupla não segue metodologia rígida e desconhece fronteiras, embora haja rigoroso acom-panhamento da produção, com detalhamento executivo minucioso em projetos de cenografia e interiores executados por parceiros. A intuição permeia e orienta a produção, embora os objetivos projetuais sejam claros e determinem as propostas.

O que caracteriza os processos intuitivos e os torna expressivos é a qualidade nova da percepção. É a maneira pela

qual a intuição se interliga com os processos de percepção e nessa interligação reformula os dados circunstanciais,

do mundo externo e interno, a um novo grau de essencialidade estrutural, de dados circunstanciais tornam-se

dados significativos. Ambas, intuição e percepção, são modos de conhecimento, vias de buscar certas orientações

e certos significados. Mas, ao notar as coisas, há um modo de captar que nem sempre vem ao conscientede forma

direta. Ocorre uma espécie de introspecção que ultrapassa os níveis comuns de percepção. [...] Assim, no que se

percebe, se interpreta; no que se apreende, se compreende. Essa compreensão não precisa necessariamente ocorrer

de modo intelectual, mas deixa um lastro dentro da nossa experiência. (OSTROWER, 1989, p.57).

O processo do Estudio Manus nem sempre segue pelo caminho da racionalidade: é por meio da intuição que as cone-xões entre elementos distintos são estabelecidas, configurando uma nova possibilidade de percepção e interpretação.

3.2 ,ovo: entre a dúvida, a indeterminação e o inesperado

LUCIANA MARTINS E GERSON DE OLIVEIRA estabeleceram parceria em 1991, após se conhecerem no curso de cine-ma da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, USP. Em entrevista publicada no site Design

Contemporâneo (s/d), Gerson de Oliveira afirma que ao projetar pensam em uso, não em função. Dessa forma, enten-dem o design como um ato de percepção e um meio de comunicação com o usuário, distanciando-se da utilização irrefleti-da e automática que muitos produtos motivam. O design da ,ovo seria, então, uma brincadeira que atua como ferramenta para ativar a percepção e o pensamento.

Page 96: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

96O próprio nome do escritório suscita diversos significados. A vírgula antes da palavra “ovo”, esta em caixa baixa,

revela que alémda pausa há, ou pode haver, múltiplos sinônimos ou interpretações, ou ainda derivações do ovo (célula fecundada) como símbolo da forma original, nascimento e criação.

Circulação: A ,ovo participou de exposições em diversos países, como Alemanha, Holanda, Itália e Portugal, e pos-sui peças no acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, MAM-SP, além de ter recebido ao longos dos anos inúmeras premiações, como o Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira (abordado neste estudo). Borges (2012), ao analisar o trabalho da ,ovo, considera que é:

[...] Produção que instiga e aguça nossa percepção, fazendo com que o nosso relacionamento com os objetos

não seja de consumo (uso imediato e tantas vezes alienado), mas de fruição que não se estanca no primeiro

contato, mas antes, vai trazendo novas nuances à medida que o tempo passa. (BORGES, 2012,p. 5).

A reflexão que Adélia Borges faz a respeito do trabalho da ,ovo aproxima-se do universo artístico, considerando questões como fruição, reflexão, percepção, e também questões relacionadas ao consumo. Além disso, trata também das nuances e desdobramentos que os artefatos desencadeiam, e que vão sendo descobertos ao longo da interação artefato-utilizador.

O design da ,ovo possibilita esta experiência, pois são projetos feitos para uso, com função prática, mas sem se limitar ao pragmatismo. Para além da óbvia e evidente adequação, há uma ideia, um conceito que transporta o utili-zador do seu local comum, de usuário, para o papel de fruidor, instigando o pensamento reflexivo e a percepção, que só se completa com a interação.

A Mesa Ciranda43(Fig.49), de 2000, embora produzida ou passível de produção por processos industriais, traz o elemento surpresa na ambiguidade das pernas que remetem a cadeiras. Numa configuração híbrida, semanticamente insti-gante, há um quê de estranheza na forma que induz ao movimento e que parece girar, como na brincadeira de roda infantil. Há aspectos e referências da cultura popular no nome da peça. Há ironia e diversão na recontextualização dos elementos.

43. Ciranda é uma dança típica do litoral de Pernambuco, porém na literatura brasileira é normalmente relacionada à brincadeira infantil.

FIGURA 49: MESA CIRANDA | Fonte: www.ovo.art.br (2018)

Page 97: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

97

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

A peça Trem de Pouso (Fig.50), criada no ano 2000 em edição limitada, é feita a partir de uma base revestida em madeira recortada em padrões geométricos, lembrando tacos (parquet) em forma de V e rodízios. Há uma dialética entre o material empregado: piso, estático, base, terreno ou superfície onde se anda, e a referência formal e semântica ao equipa-mento utilizado na aviação para aterrissagem e decolagem. A peça também dialoga com os distintivos usados por pilotos e alude a asas. Não há uma função de uso definida: embora o produto seja apresentado como banco ou mesa de centro, o artefatopode ter múltiplas funções, definidas pelo utilizador. A interação define o propósito. A palavra trem possui tam-bém inúmeros significados, podendo referir-se a comboio, mobília, vestuário, apetrechos, etc.

A poltrona Cadê (Fig.51), vencedora do Prêmio Museu da Casa Brasileira na categoria mobiliário residencial em 1995, atualmente parte do acervo do museu, é composta por uma estrutura metálica oculta sob tecido elástico. A forma se revela no momento do uso.

FIGURA 50: TREM DE POUSO | Fonte: www.ovo.art.br (2018)

FIGURA 50: POLTRONA CADÊ | Fonte: www.ovo.art.br (2018)

Page 98: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

98O projeto desvirtua o conceito de forma e função, pois o observador hesita sobre a funcionalidade, sobre seu propósito,

e ainda sobre a segurança no uso. O nome do artefato, num jogo de palavras, brinca com o termo “cadeira”, aqui incompleto, e a interrogação “cadê?”, que significa “onde está?”. O projeto remete ao conceito de Flusser (2013)44 de conteúdo-continente porque a forma real poltrona – a ideia – não é aparente, mas o conteúdo poltrona está presente ou contido no material, sendo percebido apenas por meio da interação do utilizador.

A mesa Mientras Tanto (Fig.52) – “enquanto isso” em espanhol – volta ao conceito desenvolvido pela cadeira Cadê, porém a forma “mesa” está presente e é reconhecida no artefato. No entanto, o vão existente sob o plano de utilização é en-coberto, ao mesmo tempo que o tampo transparente revela o seu interior. Assim, para utilização convencional (como mesa, não como aparador, por exemplo) é preciso que o utilizador conforme o artefato com seu corpo, penetre no tecido elástico, também uma referência ao nome da peça, se não se considerar sua tradução.

44. “Retomemos a oposição original “matéria-forma”, isto é conteúdo e continente”.A ideia básica é esta: se vejo alguma coisa, uma mesa, por exemplo, o que vejo é a madeira

em forma de mesa. É verdade que essa madeira é dura (eu tropeço nela), mas sei que perecerá (será queimada e decomposta em cinzas amorfas). Apesar disso, a forma mesa

é eterna, pois posso imaginá-la quando e onde eu estiver (posso colocá-la ante minha visada teórica). Por issoa forma “mesa” é real e o conteúdo “mesa” (a madeira) é apenas

aparente. (FLUSSER, 2013,p.26)

FIGURA 52: MESA MIENTRAS TANTO | Fonte: www.ovo.art.br (2018)

FIGURA 53: CABIDEIRO HUEVOS REVUELTOS | Fonte: www.ovo.art.br (2018)

Page 99: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

99

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

O cabideiro Huevos Revueltos, de 2005 (Fig.53), tira partido da recontextualização e reinterpretação de objetos. Bolas de bilhar viram cabideiros, peças coloridas e lúdicas. O reconhecimento confere a surpresa visual e o aspecto divertido do conjunto, adulterando a proposta original do artefato e conferindo novo propósito de uso. Huevos Re-vueltos altera a ideia de plano horizontal, no caso do bilhar ou sinuca, jogo que se utiliza de uma mesa, e não vertical como cabideiro, fixado numa parede. O movimento sugerido pelas alturas e distâncias entre as peças, definido pelo utilizador, remetea o movimento do jogo. A ideia de movimento é também evocada no nome da peça. O usuário define a disposição dos elementos: o arranjo visual variável é a proposta do objeto. Mesmo após muitos anos de sua criação – primeiramente em exposição em uma galeria, e a partir de 2005, como parte da linha de objetos da ,ovo –, a peça, por sua plasticidade, é entendida como obra de arte por consumidores. O objeto foi premiado na categoria utensílios no Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira em 2005.

As Mesas articuladas Etc, de 2010 (Fig. 54), foram produzidas a partir da sobra de material da poltrona de mesmo nome. A partir do reaproveitamento da chapa de compensado naval, foram criados artefatos em que prevalece o lúdico. O objeto é delicado e remete a movimento pela forma irregular, pela sobreposição de planos e pelas possibilidades de articu-lação que a proposta permite nas inúmeras configurações possíveis do “objeto/escultura” (,ovo, 2012, p. 88).

O artefato Playground (Fig.55) é um objeto híbrido, fruto de dois elementos combinados ou de duas ideias: sofá e tapete. Segundo Gerson de Oliveira, os objetos não são pensa-dos para serem funcionais: a funcionalidade fica em segundo plano, o uso se sobrepõe à função. Playground vai ao encontro desta ideia: a reflexão é sobre os atos de sentar, deitar, andar. Mas para o usuário, fica a dúvida sobre sua destinação, dúvida que não precisa ser respondida porque o uso e a experiência determinarão a finalidade. O nome Playground remete a brin-cadeira, descontração, área de recreação. Segundo a dupla, o objeto também se referencia na cultura oriental e seu modo tradicional de sentar (seiza), e na geologia, pois sua protube-rância faz referência ou lembra uma montanha.

FIGURA 54: MESAS ARTICULADAS ETC | www.maragama.com.br (2018)

FIGURA 55: PLAYGROUND | Fonte: www.blogdesignuol.com.br (2018)

Page 100: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

100

O projeto Parede MAM, de 2005 (Fig. 56), é um objeto escultórico instalado dentro de um museu, uma linha metálica contínua que pode ser estante, mesa, banco, cabide, luminária e uma infinidade de outros itens, num fluxo de ideias ininter-rupto. É como se a casa se organizasse numa “[...] sequência temporal e não mais espacial [...]” (,ovo, 2012, p.163). Uma linha do tempo contínua que se transforma em outros elementos, sem interrupção de seu traço limpo, delicado. Objeto? Obra? Escultura? Peça de mobiliário? O artefato é ambíguo, indeterminado, incerto, ao mesmo tempo elegante e convidativo. Está na linha de produtos da ,ovo com o nome Home Sweet Home.

A dupla desenvolve peças de mobiliário onde a preocupação com o conforto se percebe em formas simples e sóbrias. Embora não se perceba num primeiro olhar, há sutilezas que intrigam e geram dúvida por não haver objetividade ou claro e específico propósito de uso em alguns casos, ou ainda, mais de uma possibilidade de utilização para um mesmo artefato.

Planos que se sobrepõem, cores que se complementam, convenções que são subvertidas. Madeira, acrílico, vidro, tecido, metal, os materiais também são vários e múltiplos. As ideias surgem de inquietações, percepções e sugestões da equipe, para em seguida serem desenvolvidas por meio de discussões e desenhos, segundo entrevista de Gerson de Oliveira

FIGURA 53: PROJETO PAREDE MAM | Fonte: www.ovo.art.br (2018)

Page 101: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

101

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

(anexos). Nada é gratuito ou intuitivo. “Todos os desvios são calculados, e aquilo que a princípio é regido por uma suposta distração transforma-se em pura poética.” (TAVARES, GROSSMANN, 2012, p. 118).

É no processo de geração de ideias e desenvolvimento que a viabilidade produtiva é avaliada. O encantamento pela proposta, a crença na ideia, leva ao seu desenvolvimento e produção. A tipologia de artefato não é o fator principal, ou seja, não há especialização em um segmento: mobiliário, iluminação, objetos. A ideia determina o que será feito, não o meio de produção. A dupla preza pela liberdade de escolhas e pelas inúmeras possibilidades de expressão e experimentação.

A recontextualização está presente na produção, mas o principal fator observado nos artefatos analisados é a in-teração e a participação do utilizador para que a ideia se concretize. Há objetos com claro propósito, e há outros em que a indeterminação, a ambiguidade e a dúvida permeiam a produção, delegando ao utilizador a função de escolher o uso ou experimentar as possibilidades que o artefato oferece. O local de exposição – loja, museu, galeria – também interfere na percepção da proposta. Organizada numa equipe de dezesseis pessoas, sendo quatro designers, a ,ovo é uma referência em termos de organização empresarial no campo do design, pois cria, produz e comercializa uma produção de mais de 120 linhas em categorias diversas e ao mesmo tempo fora de série.

O processo de criação da ,ovo é mais sistematizado e se assemelha à metodologia tradicional de geração de ideias citada por diversos autores, especialmente: preparação mental, iluminação, incubação da ideia e verificação, podendo haver etapas intermediárias e com nomes distintos, e que se verifica também em outras áreas, como na publicidade, por exemplo. (LUBART, 2007; MUNARI, 2015; BAXTER, 2000; LOBACH, 2000).

Questionado sobre o processo de criação da dupla, Gerson de Oliveira afirma:

[...] dizer que alguma coisa é intuitiva puxa mais para esse lado de uma geração espontânea, alguma coisa

que nasce e eu não sei de onde, não é isso. Eu acho que tem, claro, tem uma faísca, tem alguma coisa

que poderia ser chamada de intuitiva, que é o que você percebe e não decodifica, mas tem paralelamente

como suporte outra arquitetação que é controlada, que é conhecida, que é decodificada e que serve como

processo para elaboração talvez para esta ideia inicial, então de maneira nenhuma chamaria o processo

de intuitivo [...] (OLIVEIRA, 2018).

O trabalho das duas duplas analisadas responde ao questionamento de Flusser (2013): são subjetivos e intersub-jetivos45, resolvem questões práticas, portanto solucionam problemas e travam diálogo com o observador/usuário. São artefatos que permitem e muitas vezes exigem a participação para que a ideia se complete, ou seja, a experiência do uso

45. “Objetos de uso são, portanto, mediacões (media) entre mim e outros homens,e não meros objetos. São não apenas objetivos como também intersubjetivos, não apenas

problemáticos, mas dialógicos. A questão relativa à configuração poderá, então, ser formulada do seguinte modo: posso configurar meus projetos de modo que os aspectos

comunicativo, intersubjetivo e dialógico sejam mais enfatizados do que o aspectos objetivo, objetal, problemático?”(FLUSSER, 2013, p.195)

Page 102: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

102conclui o conceito. Ou o usuário é capturado pelo viés da sensibilidade, ou pelos significados e possibilidade de interpre-tação que o artefato propõe. A poética, em muitos casos, se sobrepõe à funcionalidade. Muitas vezes o nome do artefato complementa linguisticamente o conceito, o que se dá por meio do uso de tropos, figuras de linguagem, como a prosopo-peia, a personificação, a metáfora, a ironia e o duplo sentido.

Tanto a ,ovo quanto o Estudio Manus tem uma trajetória bastante significativa dentro do contexto brasileiro de design de produtos, com percursos desenvolvidos principalmente a partir das mudanças ocorridas nos anos 1990, após a crise econômica e produtiva dos anos 1980. A não adaptação aos meios industriais, de produção em massa, a falta de especialização em um segmento único e as diversas parcerias na produção, tudo isso se reflete na liberdade de experimen-tação em vários campos, com uma variedade de artefatos, possibilitando romper com o rígido caráter funcionalista do desenho industrial adaptado à indústria, onde a empresa, os processos de fabricação e a tipologia dos artefatos, além da demanda e do consumo, determinam a criação.

[...] Eu acho que a falta de especificidade foi uma opção nossa muito clara dede o início, que a gente não seria

específico nem de luminária, nem de objeto, nem de [sic] só móvel, a gente depois se consolidou no mobi-

liário, mas a gente continua transitando também em outras áreas: iluminação, objetos...E sobretudo que

a gente não se especializaria em nenhum material.[...] É muito frequente, na história do design brasileiro,

o designer especialista, seja na madeira, cerâmica, vidro, metal, e a gente então, definiu que queríamos ter

uma produção plural e experimental em termos de materiais e técnicas [...] (OLIVEIRA, 2018).

[...] Talvez o que incomoda é a dificuldade das pessoas entenderem que é arte também. Design, design, de-

sign, design...é arte, também não é só design. Não é só arte também, às vezes, é mais arte, mais design. [...]

a gente já foi até criticadopor dizer tanta coisa assim, já ouvimos: “Tem que fazer uma coisa só”. Mas agente

não sabe fazer uma coisa só, e cada vez a gente liga menos para isso, na verdade. [...]A maioria das pessoas

não consegue enxergar, ou é arte ou é design ou é arquitetura ou não sei o quê, não percebem que as coisas

podem ser mais sem limites (MEDEIROS, SCORZA, 2018).

Ao não se adaptar ao sistema industrial tradicional, enquanto meio de desenvolver produtos, o designer explora novas vertentes e pode exercitar uma infinidade de caminhos.

Deve ficar claro que a alteração no entendimento da área não se deve a uma proposição ou pensamento crítico, ou mesmo problematização do design tradicional no contexto brasileiro por parte dos designers. Embora esses questio-namentos estejam presentes, não são determinantes. Isso se deve, também, ao fato destes designers, em sua maioria, terem formação em outras áreas. No caso da ,ovo, a dupla se conheceu na faculdade de Cinema, portanto, a rigidez dogmática do pensamento funcionalista não influenciou a produção, assim como o caso do Estudio Manus, composto por um cenógrafo e uma arquiteta.

Page 103: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

103

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

O multiculturalismo está presente na produção analisada pelo uso de conceitos de múltiplos sentidos, pela hibri-dização de linguagens e referências também da cultura local, porém de forma intrínseca, como meio de comunicação e não como busca de uma identidade nacional para os produtos.

Enquanto o Estudio Manus segue pelo viés da afetividade e da poética, com a combinação de elementos produ-zidos industrialmente ou não, permitindo novos sentidos e convidando à interpretação – são reconhecidos e reconhe-cíveis, ressignificados e revalorizados, recebem novo propósito de uso e convidam à contemplação –, a ,ovo, por sua vez, tem um apelo mais racional: partindo de uma ideia embrionária, desenvolve os projetos com estudo aprofundado de viabilidade produtiva e comercial.

Por outro lado, em ambos os casos tratam-se de projetos que brincam com a incerteza. Projetos que, ao se opo-rem ao pragmatismo funcionalista, geram dúvidas e questionamentos sobre uso e função, como também a segurança no uso, ao mesmo tempo em que permitem múltiplas escolhas ou percepções, a partir dos desdobramentos interpreta-tivos que os artefatos propõem e que só se manifestam pela interação, pela participação ativa do observador/usuário. Essas produções não são feitas para o usuário/consumidor, que também é observador. A relação é distinta porque exige disponibilidade, cognição e reflexão.

O trabalho desses primeiros designers com atuação autoral e fora de série permitiu o reconhecimento dessa possi-bilidade de atuação e abriu caminho para uma nova geração de designers brasileiros que atuam com propostas similares, como Rodrigo Almeida, a dupla 80 e 8, Léo Capote, Carol Gay, Giacomo Tomazzi, entre outros.

Page 104: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 105: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

105

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

O DESIGN FORA DE SÉRIE estudado nesta investigação é uma vertente dos estudos da área do Design cuja eclosão se verifica na contemporaneidade, de que se poderia mesmo dizer típico ou simbolizador. Essa vertente se caracteriza

por privilegiar os aspectos comunicativos, a semântica do produto, quando o conceito se sobrepõe à funcionalidade.

As duas duplas analisadas – ,ovo e Estudio Manus – contribuem, por meio de seus projetos e artefatos, como também pelas características, semelhanças e diferenças em seus resultados, para a compreensão do design como uma área mais ampla. O design fora de série é uma forma de viabilização dessa produção híbrida e múltipla em proposições e meios de produção e circulação.

A atuação autônoma e autoral permite ao profissional viabilizar uma produção própria, sem necessidade de se ade-quar a materiais e processos produtivos – livre, portanto, de limitações industriais. Ao não se atrelar ao sistema industrial, o designer passa a explorar novas vertentes, exercitando uma infinidade de caminhos e tipologias de artefatos. Ao escolher não se especializar num único segmento fortalece a liberdade para definição de materiais e processos de produção.

Essas características apontam para o alto grau de subjetividade presente no design fora de série. Nesse caso, o designer não trabalha para atender a uma demanda externa ou para resolver um problema (o que faria delimitado por pro-cessos, matérias-primas, custos e consumo), mas atua de acordo com seus próprios interesses, encantamentos ou temática que o tenha instigado, de acordo com a ideia que pretenda concretizar, independentemente do segmento.

Considerações finais

Page 106: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

106

Ao assumirem o pensamento pós-moderno (de forma consciente, ou absorvendo o espírito da época apenas), os designers desvinculam-se do “estado da arte do design local” e encontram alternativas para viabilizar uma produção com pouca chance de se efetivar até aquele momento. O contexto da época não se mostrava favorável à sua efetivação devido à falta de autonomia da indústria brasileira, aliada à inexistência de uma cultura de design no país.

A crise econômica e industrial nos anos 1980 e a abertura comercial nos anos 1990 também contribuíram para o de-senvolvimento de um design com características autorais, pois não havia a possibilidade de inserção de novos profissionais no mercado de trabalho, principalmente nas indústrias. Além disso, havia poucos escritórios, e tais iniciativas também não tiveram longa duração. Outro ponto a ser ressaltado é que os primeiros designers a trabalharem na linha do design fora de série, como os Irmãos Campana e as duplas ,ovo e Estudio Manus, não possuíam a rigidez da formação racional funciona-lista referenciada na Escola de Ulm, como grande parte dos profissionais formados no Brasil.

A circulação dos primeiros trabalhos deu-se por meio de exposições e mostras em galerias, mediante seleção de ga-leristas e curadores, demonstrando a hibridização das propostas e a aproximação com o universo artístico. Àquela altura, por não haver um claro enquadramento desse tipo de produção, sua legitimação também se deu graças a críticos e inte-lectuais. Décio Pignatari, por exemplo, participou do júri do Prêmio MCB de 1991, abordado neste estudo, que premiou o Lustre I, de Edith Diesendruck.O fato de ser considerada pela intelectualidade impulsionou essa produção, conferindo-lhe reconhecimento, embora a abertura do Museu da Casa Brasileira para esse tipo de proposta tenha gerado polêmica, críti-cas e boicotes por parte das empresas participantes da 6ª premiação.

A atuação com forte traço autoral e disposta à experimentação, capaz de destacar o que nos é inerente e peculiar, contribuiu também para o reconhecimento internacional do design brasileiro, que chega a outros países carregando o las-tro de uma cultura plural e formada por múltiplos códigos. Ao se tornar protagonista da produção, o designer passa a ser responsável por todas as etapas do processo criativo: desenvolvimento e criação, definição de meios e matérias-primas, processos de fabricação, definição de parceiros e fornecedores, aquisição de itens, exposição, divulgação ecomercializa-

Page 107: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

107

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

ção. Independente da utilização de recursos low ou high tech, a tarefa de lidar com tantas etapas do processo torna tudo mais complexo e de difícil equação. O entendimento do design como área mais ampla, passível de diversas abordagens, é importante para a compreensão da mudança de paradigma que nela se deu, promovendo diálogos e abertura de caminhos em contraponto às rígidas posturas anteriores. Assim, “[...] o design vai aos poucos deixando de ser visto como mais um apetrecho dentro da gaveta da cozinha e passa a ser encarado como uma nova maneira de cozinhar” (POMPEU, 2016, p. 48). Nesse novo contexto, a catalogação, a imposição de chaves interpretativas, a simples rotulagem da produção não fazem mais sentido: é importante olhar a produção contemporânea como resultado e expressão das alterações culturais, econômicas e produtivas que atravessam a sociedade.

Portanto, há cada vez mais convergências entre as áreas e hibridização de linguagens e procedimentos. Visões rígidas e intervenções solitárias tornam-se superadas, ao passo que a conexão entre saberes e fazeres, possibilitada pela flexibilização de etiquetas e fronteiras, afirma-se como caminho fértil para novas criações. Vale, porém, conside-rar que o viés fora de série não se opõe ao desenho industrial, voltado para a indústria. Não há questões políticas ou ideológicas consideradas na produção analisada: o design fora de série ocorre de forma paralela, muitas vezes tomando partido de processos industriais.

O objetivo deste trabalho, então, foi analisar essa produção, sua ocorrência no contexto brasileiro, as mudanças de paradigma que provocou, e como se dá no momento atual. Especificamente quanto às mudanças de paradigma provocadas, elas permitiram uma nova compreensão da profissão de designer de produtos, favorecendo a atuação fora do ambiente industrial e sem a rigidez funcionalista moderna, além de consolidar para futuras gerações outra possi-bilidade de inserção e atuação.

Enfim, ao caracterizarmos o design fora de série, seus antecedentes e seu contexto, seus meios de circulação e processos de criação, esperamos modestamente contribuir para o entendimento e compreensão do design brasi-leiro na contemporaneidade.

Page 108: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 109: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

109

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

A CASA. Disponível em: <www.acasa.org.br>. Acesso em: 22 jun. 2018.ALOÍSIO MAGALHÃES. In: Enciclopédia Itaú cultural de arte e cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10144/aloisio-magalhaes>. Acesso em: 23 mar. 2018. ANDRADE, Mariana Vieira. Jorge Zalszupin: contribuições para o design do móvel moderno brasileiro (1959-2008). 2017. 211 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Curso de Pós-graduação em Design e Arquitetura, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.ARCHIEXPO. Luminária Lucellino. Disponível em: <http://www.archiexpo.com>. Acesso em: 03 maio 2018.AIRBOX BRASIL. Disponível em: <http://www.airboxbrasil.com.br/noticias/77-anac-certifica-novo-aviao-agricola-da-embraer>. Acesso em: 02 maio 2018.ARTE CONCEITUAL. In: Enciclopédia Itaú cultural de arte e cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ termo3187/arte-conceitual>. Acesso em: 03 maio 2018.ARTE POP: In: Enciclopédia Itaú cultural de arte e cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo367/arte-pop>. Acesso em: 03 abr. 2018. AUTOWISE. SP2. Disponível em: <https://autowise.com/8-amazing-cars-all-factory-built-on-a-vw-floorpan-youve-never-seen-before>. Acesso em: 21 maio 2018.BARBOSA, Daniela. Meu primeiro Gradiente inspira a volta da empresa ao mercado. Revista Exame, São Paulo, fev. 2012. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/meu-primeiro-gradiente-inspira-volta-da-empresa-ao-mercado>. Acesso em: 18 jun. 2018.BARROS, Geraldo de. Disponível em: <http://www.geraldodebarros.com>. Acesso em: 22 abr. 2018.BARROSO, Eduardo. Quase quatro décadas de design no Brasil. Disponível em: <http://eduardobarroso.blogspot.com/2008/05/quase-quatro-dcadas-de-design.html>. Acesso em: 15 mar. 2018.BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 2006._______________ .Para uma crítica da economia política do signo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995.BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.BAXTER, Mike. Projeto de produto: guia prático para o design de novos produtos. 2. ed. São Paulo: Blucher, 2000. 260 p. BLOG DO IAV. Disponível em: <https://blogdoiav.wordpress.com/2012/08/27/visconti-designer>. Acesso em: 22 abril 2018.

Referências bibliográficas

Page 110: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

110

BLOG DESIGN UOL. Disponível em: <www.blogdesignuol.com.br>. Acesso em: 30 maio 2018.BLÜMEL, Patrícia. Anos 80: surge o design assinado. Disponível em: <http://www.habitusbrasil.com/anos-80-surge-o-design-assinado>. Acesso em: 03 jun. 2018.BONFIM. Gustavo Amarante. Sobre a possibilidade de uma teoria do design. In: COUTO, Rita Maria de Souza; FARBIARZ, Jackeline Lima; NOVAES, Luiza. (Org.). Gustavo Amarante Bonfim: uma coletânea. Rio de Janeiro: Rio Book’s, 2014.BONSIEPE, Gui. Design como prática de projeto. São Paulo: Blucher, 2012.BÜRDEK, Bernhard E. Design: história, teoria e prática do design de produtos. São Paulo: Edgard Blücher, 2010.BUTZKE. Cadeira São Paulo. Disponível em: <http://www.butzke.com.br>. Acesso em: 03 jun. 2018.CALDATTO. Ana. Vintage Potes Plásticos Eva / HEVEA Plasticware anos 70. Disponível em: <https://anacaldatto.blogspot.com/2012/01/vintage-potes-plasticos-eva-eva.html?m=1>. Acesso em: 15 jun. 2018.CALVERA, Anna.(Org). Arte¿?Diseño: nuevos capítulos de uma polémica que viene de lejos. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003.CAPOTE, Léo. Disponível em: <https://www.leocapote.com/>. Acesso em: 03 jun. 2018.CAMPOS, Haroldo. Arte Construtiva no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 30, Jun./Ago. 1996. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/ 25920>. Acesso em: 03 jun. 2018.CAMPOS, Haroldo. Concretismo e Neoconcretismo. Disponível em: <http://fvcb. com.br/site/wp-content/uploads/ 2012/05/Canal-do-Educador_Texto_Haroldo-de-Campos.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2018.CANAS, Adriano Tomitão. A Revista Habitat e o museu de Arte de São Paulo. Disponível em: <http://www.ppgau.faued.ufu.br/ sites/ppgau.faued.ufu.br/files/files/ 01.pdf>. Acesso em: 28 abril. 2018.CARA, Milene. Do desenho industrial ao design no Brasil: uma bibliografia crítica para a disciplina. São Paulo: Blucher, 2010.CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012._______________ . Design no Brasil antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005._______________ . A Academia Imperial de Belas Artes e o ensino técnico. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 1, jan. 2008. _______________ . Introdução. In: FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2013.CARVALHO, Ana Paula Coelho. O ensino paulistano de design. São Paulo: Blucher, 2015.CAUDURO, Martino Arquitetos Associados. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao6617/cauduro-martino-arquitetos-associados>. Acesso em: 06 maio 2018.

Page 111: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

111

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

Charles Simpson Bosworth: protagonista do Design Moderno. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 jan. 2000. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/ fs2301200013.html>. Acesso em: 27 maio 2018.CHRISTIANINI, Elizabeth. Cadeira Colher. (2015). Disponível em: <http:// fiosarterapia.blogspot.com/2015/02/leo-capote-designer-de-bem-com-vida.html>. Acesso em: 03 maio 2018.CIAGÀ, Graziella Leyla. Alessandro Mendini. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 2012. 120 p. (Coleção Folha grandes designers ; v. 17).CONCRETISMO. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br /termo370/concretismo>. Acesso em: 03 maio 2018. CONTI, André. BARTH,Maurício. Sociedade, representações e experiências: uma breve observação da evolução do design.Revista Conhecimento Online. Novo Hamburgo, ano. 8, v 1, 2016. Disponível em: <http://periodicos.feevale.br/seer/ index.php/revistaconhecimentoonline/article/view/358 >. Acesso em: 03 jun.2018.COQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005.COSTA, Carlos Zibel. Além das formas: introdução ao pensamento contemporâneo no design, nas artes e na arquitetura. São Paulo: Annablume, 2010. 229 p. DESIGN CONTEMPORÂNEO. Entrevista com Gerson de Oliveira. Disponível em: <designcontemporâneo.com.br>. Acesso em: 22 fev.2017.DESIGN REDIG. Disponível em: <http:// https://designredig.com/contato/portfolio>. Acesso em: 08 ago. 2017.DIAS, Ana Flávia; CARVALHO, Darlene; NARDO, Elson Di. Estilo Internacional. (2006). Disponivel em: <https://sobredesign.wordpress.com/estilo-internacional>. Acesso em: 15 jun. 2018.DORFLES, Gillo. El diseño industrial y su estética. Barcelona: Editora Labor, 1968.DPOT. Criado-mudo Tridzio. Disponível em: <http://www.dpot.com.br>. Acesso em: 03 jun. 2018.DROOG DESIGN. Disponível em: <www.droog.com>. Acesso: 09 jan. 2018.EINRICHTEN DESIGN. Luminária Bibibibi. Disponível em: <http://www.einrichten-design.com>. Acesso em: 03 jun. 2018.ESCOLA CARLOS DE CAMPOS. Disponível em: <http://www.eteccarlosdecampos.com.br/quem-somos/historico/>. Acesso em: 23 jul. 2018.ESCOLA PANAMERICANA DE ARTE. <Disponível em: <http://www.escola-panamericana. com.br/escola/historia#.WzYqxNVKiUk>. Acesso em: 23 maio 2018.Estudio Manus. Disponível em: <www.estudiomanus.com>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Page 112: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

112

ESTÚDIO ZANINI. Disponível em: <http://www.studiozanini.com.br>. Acesso em: 22 maio 2018.FERLAUTO, Claudio. 16º ao 20º Prêmio Design Museu da Casa Brasileira. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2006.ESTRADA. Maria Helena. Design Brasil 2000+1: novos jovens estão chegando. Arc Design: revista de design, arquitetura, sustentabilidade e inovação. São Paulo, n. 22, p. 22-27, 2001._______________ Novo Design Holandês. Arc Design: revista de design, arquitetura, sustentabilidade e inovação. São Paulo, n. 6, p. 26-33, 1998.FERREIRA, Patricia Colaço dos Santos. Design conceptual na era pós-industrial: “a forma segue o conceito”. 2010. 175 f. Dissertação (Mestrado em design de produto) - Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010.FIGUEIREDO, João Filipe Dias. A expressão simbólica do produto: um contributo conceptual-analítico para informar a prática de design de produto. 2009. 103 f. Dissertação (Mestrado em Design industrial tecnológico) - Faculdade de Engenharia, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2009.FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2013.FORMINFORM. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ instituicao481678/forminform>. Acesso em: 02 de maio 2018. FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.FRONT DESIGN. Disponível em: <www.frontdesign.se>. Acesso em: 04 jul. 2018.GALLO, Sílvio. Transversalidade e educação: pensando uma educação não-disciplinar. In: GUATTARI, Felix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990.GALVÃO, Regina. Rodrigo Almeida: O design arte é uma invenção do mercado e não dos designers. Boobam (2017). Disponível em:<https://boobam.blog/rodrigo-almeida-o-design-arte-e-uma-invencao-do-mercado-e-nao-dos-designers/>. Acesso em: 25 out. 2017 .GAMA JÚNIOR, Newton. O abominável homem das neves. In: STEPHAN, Auresnede Pires (Coord). 10 cases do design brasileiro. Os bastidores do processo de criação. São Paulo: Blücher, 2008.GAMA, MARA. Três novas linhas de móveis da ovo brincam com articulações e composições da arquitetura. Disponível em: <https://maragama.com.br/2010/10>. Acesso em: 20 jan. 2018.GOMES, Rogério Zanatta. ,Ovo – o hibridismo no design brasileiro Contemporâneo. 2009. 113 f. Dissertação (Mestrado em Design) - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista, UNESP, Bauru, 2009.

Page 113: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

113

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

GOMES FILHO, João. Design do objeto: bases Conceituais. São Paulo: Escrituras, 2006.GUIA DE DESIGN DE SÃO PAULO: 2015/2016. São Paulo: Auana Editora, 2015.GURGEL, C. Reforma do Estado e segurança pública. Política e Administração, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 15-21, set. 1997.HORN, Bibiana Silveira; VAN DER LINDEN, Júlio Carlos de Souza. Uma contextualização e reflexão sobre a cultura do design. In: VAN DER LINDEN, Júlio Carlos de Souza; BRUSCATTO, Underléa Miotto; BERNARDES, Maurício Moreira e Silva (Orgs.) Design em Pesquisa: vol.II. Porto Alegre: MarcaVisual, 2018. p. 571-589.IADÊ. Disponível em: <http://www.iadedesign.com.br/iade/visao.asp?SID=9729285 426>. Acesso em: 23 maio 2018.INGO MAURER. Luminária Lucellino. Disponível em: <https://www.ingo-maurer.com/de/>. Acesso em: 03 maio 2018.JAEGER, Fernando. Disponível em: <https://fernandojaeger.com.br>. Acesso em: 23 maio 2018.JAHARA, Bruno. Disponível em <http://www.brunnojahara.com>. Acesso em: 20 jun. 2018.LÖBACH, Bernd. Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais. São Paulo: Edgard Blucher, 2000. 206 p.LUBART, Todd. Psicologia da Criatividade. Porto Alegre: Artmed, 2007.KRUCKEN, Lia. Competências para o design na sociedade Contemporânea. In: MORAES, Dijon; KRUKI. Lia ( Orgs). Design e transversalidade. Belo Horizonte: Centro de Estudos Teoria, Cultura e Pesquisa em Design. UEMG, 2008. v.2 (Cadernos de Estudo Avançado em Design, 2).LEAL, Joice Joppert. Marcos do Design Brasileiro, In: Um olhar sobre o design brasileiro. São Paulo: Associação Objeto Brasil; SENAI-SP, 2012.LEON, Ethel. Design Brasileiro. Quem fez, quem faz. Rio de Janeiro: Viana &Mosley, 2005._______________ . Arnoult, o estrategista da produção seriada. Revista Design Interiores, São Paulo, ano 5, v. 28, p. 62-69, 1992.LICEU DE ARTES E OFÍCIOS. Disponível em: <http://www.liceuescola.com.br/o-liceu>. Acesso em: 23 mai 2018.LIMA, Guilherme Cunha. Um precursor do design brasileiro: Eliseu Visconti. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM DESIGN; V Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 6., 2002, Brasília, DF. Anais... Brasília: [s.n.], 2002._______________ ; AZEVEDO, Dúnya. Amílcar de Castro: um pioneiro que revolucionou o design dos jornais brasileiros. In: Congresso de Pesquisa e Desenvolvimento em Design P&D, 7., 2006, Curitiba. Anais...Curitiba: n.7, 2006.

Page 114: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

114

LIPPARD, Lucy R.; CHANDLER. John. A desmaterialização da arte. Revista do PPGAV /EBA/ UFRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p.150-165, 2013.LYOTARD, Jean François. O pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1979.LÖBACH, Bernd. Design industrial: bases para configuração dos produtos industriais. São Paulo: Edgar Blücher, 2000. LONGO JÚNIOR, Celso Carlos. Design Total: Cauduro Martino 1967 -1997. 2010. 162 f. Dissertação (Mestrado em Design e Arquitetura), Faculdade de Arquitetura, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. MAURER, Ingo. Disponível em: <www.ingomaurer.com>. Acesso em: 09 jan. 2018.MEU PRIMEIRO GRADIENTE. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/meu-primeiro-gradiente-inspira-volta-da-empresa-ao-mercado>. Acesso em: 22 jun 2018.MODERNISMO NO BRASIL. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo359/modernismo-no-brasil>. Acesso em: 25 de maio 2018. MORAES. Dijon de. Análise do design brasileiro entre mimese e mestiçagem. São Paulo: Blücher, 2005._______________ . Design e Complexidade. In: MORAES, Dijon; KRUKI. Lia ( Orgs). Design e transversalidade. Belo Horizonte: Centro de Estudos Teoria, Cultura e Pesquisa em Design. UEMG, 2008. v. 1 (Cadernos de Estudo Avançado em Design, 2).MORENO, Júlio; OUTUKA, Lenita. Geraldo de Barros, o precursor. Revista Design Interiores, São Paulo, ano 5, v. 28, p. 49-53, 1992.MOURA, Adriana Nely Dornas. A influência da cultura, da arte e do artesanato brasileiros no design nacional contemporâneo: um estudo da obra dos Irmãos Campana. 2011. 116 f. Dissertação (Mestrado em Design) - Universidade do Estado de Minas Gerais, UMG, Belo Horizonte, 2011.MOURA, Mônica. Trangressão e impertinência no design. In: MOURA. Mônica. Faces do Design 2: ensaios sobre arte, cultura visual, design gráfico e novas mídias. São Paulo: Rosari, 2009._______________ .Interdisciplinaridades no Design Contemporâneo. In: MENEZES, Marizilda Santos; PASCHOARELLI. Luis Carlos; MOURA, Mônica. (Orgs.) Metodologias do design: inter-relações. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011, v.1.MUNARI, Bruno. Artista e designer. Lisboa: Edições 70, 2004.NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: origens e instalação. Rio de Janeiro: 2AB, 1997.OBAVIUS. <http://obviousmag.org>. Acesso em: 23 jun. 2018.80 e 8 design. Disponível em: <http://oitoe80.com>. Acesso em: 03 fev. 2018.

Page 115: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

115

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Editora Vozes, 1977.,OVO. Disponível em: <www.ovo.art.br>. Acesso em: 20 jun. 2018PAOLO ULIAN. Disponível em: <www.pauloulian. it>. Acesso em: 09 jan. 2018.POMPEU, Bruno. O design, as tendências e um novo tempo. In: MEGIDO, Vitor Falasca.(org.). A Revolução do design: conexões para o Século XXI. São Paulo: Editora Gente, 2016.QUADRANTE BRASIL. Cabideiros Tribal. Disponível em: <http://quadrantebrasil.com.br/pt-br/work/linha-de-cabideiros-tribal>. Acesso em: 02 maio 2018.RANZO, Patrizia. Ettore Sottsass. São Paulo: Folha de São Paulo, 2012. 120 p. (Coleção Folha grandes designers; v. 5).RESKET, John. Design. São Paulo: Ática, 2008.RIBEIRO, Carolina. A chamada madeira carbonizada ganha destaque em projetos residenciais. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/ela/decoracao/a-chamada-madeira-carbonizada-ganha-destaque-em-projetos-residenciais-17531564>. Acesso em: 03 jul. 2018.SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. Móvel moderno no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1995.SOCOMAGE. Talheres Camping. Disponível em: <http://www.socomage.pt/home/artigos-de-cozinh>. Acesso em: 08 ago. 2017.STAUB, Eugênio. Inovação como objeto de Desejo. In: Um olhar sobre o design brasileiro. São Paulo: Associação Objeto Brasil; SENAI-SP, 2012.SCHNEIDER, Beat. O design no contexto social, cultural e econômico. São Paulo: Blücher, 2010.SUDJIC, Deyan. A linguagem das coisas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.TAVARES, Ana Maria; GROSSMANN. Martin. Distração. In:__.,Ovo. São Paulo: Cris Correa Editorial, 2012. p.116-118.TOK&STOK. Cama Patente. Disponível em: <http://vitrine.tokstok.com.br>. Acesso em: 03 jun. 2018.UOL. Exposição Santos Dumont designer. Disponível em: <https://entretenimento.uol.com.br>. Acesso em: 27 abril.2018VAN CAMP, Freddy. Design é qualidade. Disponível em: <http://designqualidade.blogspot.com>. Acesso em: 08 ago. 2017.VELHO, Adriana Galli. VAN DER LINDEN. Júlio Carlos de Souza. Design e narrativas: trajetórias de significados. In: VAN DER LINDEN. Júlio Carlos de Souza; BRUSCATTO, Underléa Miotto; BERNARDES, Maurício Moreira e Silva (Orgs.) Design em Pesquisa. Porto Alegre: MarcaVisual, 2018, p. 571-589.VOLKSWAGEN. Volkswagen Brasília. Disponível em: <http://vwbr.com.br/ImprensaVW/page/Campanhas-Publicitarias.aspx>. Acesso em: 08 jun. 2018.WOLLNER, Alexandre. Design visual 50 anos. Cosac Naify, 2003.

Page 116: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 117: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

117

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

ENTREVISTA I: ,OVO – GERSONÁudio: 53m:38sTranscrição em 25/01/2018

G Gerson de OliveiraV Valéria Barbosa

G: ... Quais foram as suas fontes?V: Vi muita coisa na Internet, vi uma entrevista de vocês, especificamente sua, em que você falava do processo, de quando

você e a Luciana se conheceram, acho que na ECA no curso de cinema...G: Isso.V: E daí eu até escrevi um artigo falando da proposta que você coloca de que são objetos comunicativos, são objetos para

fazer pensar e divertir.G: Hum, hum.V: Vi o site, vi o livro de vocês no site e peguei o...G: Em nosso site – não sei de você viu isso – tem a versão digital do livro e aí você pode...V: Vi sim.G: Você pode ler todos os textos na íntegra e eles são realmente... Sobretudo o texto...V: Da Adélia Borges.G: Eu ia falar mais do texto da Ana Maria Tavares e do Martin Grossmann que é capítulo Distração e acho que ele toca muito

em pontos que você está abordando aí.V: Interessante, vou ver isso com cuidado.G: Todos os textos eu acho muito bons, mas tem este, especificamente, e eu botei este da Adélia...V: Da Adélia é bem a apresentação, né?G: O texto da Adélia é bem apresentação, o texto do Rodrigo Naves – que é um crítico de arte – ele fala também bastante

dessa relação da fronteira ou da diluição dessa fronteira na nossa produção. O texto do Guilherme Winisk que fala mais

Anexos – Entrevistas

Page 118: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

118especificamente sobre a relação com a arquitetura. Estes dois, Guilherme Winisk e a Fernanda Barbara, falam mais es-pecificamente sobre arquitetura e o texto Distração que é assinado em conjunto pela Ana Maria Tavares e Martin Gross-mann, fala bastante da relação com o universo da arte. Por último, o texto do Tales Ab’Saber – Tales é psicanalista – fala sobre a nossa trajetória do cinema para o design entre outras coisas. Acho que vale a pena ler.

V: Interessante. Sim. Eu li também a dissertação do Rogério Gomes.G: Também é outro material que ia sugerir, é de um tempo atrás...V: Já tem alguns anos, acho que é de 2009. Mas é um material que também estou revisando.G: Tá usando.V: Então a primeira coisa – já sei um pouco, mas gostaria que você falasse – como foi o percurso profissional, como foi o

início e trajetória?G: A nossa entrada no mundo do design sempre falo que aconteceu de maneira pouco planejada, quase que fruto de um

acaso. Tanto eu quanto a Luciana estudamos cinema na ECA, mas dentro do curso nós já tínhamos muito interesse vol-tado para outras práticas: a Luciana com fotografia, eu também com um pouco de fotografia, desenho, coisas que eu ia fazendo como atividades extracurriculares, fazendo um curso de fotografia aqui, um curso de desenho ali, um curso de escultura lá. Num desses cursos de desenho surgiu uma ideia, um interesse de fazer uma coisa tridimensional. Foi assim: Eu estava num desenho de observação, desenhei uma cena, uma natureza morta, uma coisa bem clássica, uma folha, e aquilo me remeteu a uma faca, me pareceu uma faca. Aí falei: “Poxa, tenho vontade de fazer isto.” Me matriculei numa oficina de escultura em metal na FAAP, um curso livre, lá eu executei este objeto, um modelo desta faca, e aí me apaixonei por este processo de ter uma ideia, uma imagem, e transformar isto num objeto real, concreto. A escolha do material, o uso de uma técnica, esse processo me envolveu de tal forma que dois anos depois já era uma profissão. Mas realmente não foi uma escolha profissional daquelas que você fala: “Então eu vou fazer design e qual é o caminho, vou estudar aqui, vou pesquisar isso.” Foi uma coisa um pouco em que fui jogado e aí a Luciana também já tinha inquietações na faculdade de cinema muito parecidas e ela também se envolveu nas coisas que eu estava fazendo, e a gente começou nesta oficina de escultura em metal criar os primeiros objetos.

V: Ela fez junto esta oficina com você?G: Não, ela não fez junto esta oficina, mas a gente começou a dividir um ateliê e aí as coisas que eu fazia... enfim, foi tudo

meio saindo junto ali naquela produção...V: Sem planejamento.G: Exatamente, foi assim.V: Que ano foi isto?G: 1991, há 26 anos.V: Como se dá o processo de criação? É uma coisa orgânica sem planejamento? É uma coisa intuitiva?G: Hoje ou no começo?V: Hoje e no começo.G: No começo era uma coisa completamente orgânica, sem planejamento, era assim: “Vamos fazer.” Eram as frases: “Va-

mos fazer isso? Vamos fazer aquilo?” E a partir de vamos fazer isto ou aquilo a gente começava a pesquisar: “Como fa-zemos isto? Fundição? Torno? ” Foi ali o momento de começar a conhecer todas as técnicas, claro que a gente precisou de certo amparo em relação a isto. Então, eu fui fazer um estágio numa metalúrgica, a Luciana foi fazer estágio numa marcenaria, a gente teve aula de desenho técnico, eu estagiei também um tempinho num ateliê de cerâmica. Então

Page 119: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

119

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

estas experiências foram compondo um repertório de técnicas pra gente desenvolver a nossa própria produção, a ideia era esta, com muita vontade de realizar rápido. Então, nesse primeiro momento, o processo era muito de pesquisa de técnicas, pesquisa de maneiras de realização de viabilizar a produção junto com este “vamos fazer” meio desordenado. Hoje, passados 26 anos, já temos uma estrutura profissional mais robusta. O processo ainda guarda um pouco daquela manifestação mais espontânea lá do começo, mas claro que já é uma coisa muito mais direcionada e que uma coisa vai levando a outra, levando a outra, levando a outra.

V: Agora você pode dizer que é um negócio e antes não tinha... Já tinha essa ideia de produzir para o mercado?G: Já tinha, sempre teve a ideia de vamos fazer e vamos vender e transformar isto numa coisa real. Eu tenho um dado

que é assim: a ,ovo começou do zero, não teve nenhum investimento, não teve dinheiro de família, não teve nunca nenhum sócio capitalista, tudo começou do zero, de uma maneira muito pequena, fazia um cinzeiro, vendia, e com o dinheiro de um fazia dois, com o dinheiro de dois fazia quatro, com o dinheiro de quatro fazia oito e assim uma linha de produtos foi se formando.

V: E vendia pra quem? Onde vocês ofereciam?G: Em lojas de objetos, lojas de design, naquele momento, no início dos anos 90, o que tinha? Inter Design, Zona D, tinha

outra ali na Arthur de Azevedo que agora não me lembro do nome, logo depois deste momento abriu a Benedict’s, Galpão de Design na Rua Aspicuelta, era o momento que o mercado de design estava...

V: Efervescente.G: É. E exposições também, começando a acontecer exposições de caráter não comercial, me lembro de que logo neste início

a gente desenhou uma luminária e o MASP fez uma exposição chamada Iluminativa, uma exposição de iluminação e a gente participou desta exposição.

V: Isto foi em 1995?G: Foi antes. Teve uma exposição interessante também na – aí acho que em 95 – na Galeria Nara Roesler, a exposição se cha-

mava Entre Objetos e foi uma exposição importante pra nós porque foi onde apresentamos a poltrona Cadê pela primeira vez. A gente estava desenvolvendo esta poltrona, a Maria Alice Milliet, que era curadora, veio em nosso ateliê, na época na Rua Havaí no Sumaré, e ela viu este projeto que estava em desenvolvimento e falou: “Finaliza isto que eu quero isto pra exposição.” E a gente finalizou junto com dois outros projetos que estávamos desenvolvendo e participamos desta exposição que foi bem bonita que mesclava designers e artistas plásticos.

V: E esta produção inicial? Você disse que o start foi esta faca e esses primeiros objetos quais eram?G: Tinha um peso de papel, um cinzeiro, uma agenda com a capa de metal produzida manualmente por nós, uma mesinha

lateral, a mesinha Aranha que foi uma peça que na época a gente conseguiu vender bastante, a luminária Ampulheta, isso aí, uma meia dúzia de objetos.

V: Sem um segmento específico – o que é bem interessante também – do gênero: “só faço luminária, só faço mobiliário”.G: Não. Eu acho que a falta de especificidade foi uma opção nossa muito clara desde o início, que a gente não seria espe-

cífico: nem de luminária, nem de objeto, nem de só móvel. A gente depois se consolidou no mobiliário, mas a gente continua transitando também em outras áreas: iluminação, objetos... E, sobretudo de que a gente não se especializaria em nenhum material.

V: Isso é interessante.G: É muito frequente na história do design brasileiro o designer especialista, seja na madeira, cerâmica, vidro, metal e a

gente então definiu que queríamos ter uma produção plural e experimental em termos de materiais e técnicas. Logo

Page 120: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

120no começo, a gente produzia manualmente muitos objetos, mas logo percebemos que queríamos sempre contar com colaboradores especialistas; esta é a nossa forma de produção. Então, se a gente tem uma ideia que é para madeira, a gente até tem aqui, você passou ali e tem uma oficina onde a gente pode fazer algumas coisas pra testes, aqui também no ateliê a gente faz muita maquete, mas nunca foi o nosso objetivo ser o designer artesão, o que faz, a gente gosta de fazer com alguém que faça muito bem, que tenha a expertise na técnica, isto foi uma escolha também e, com certeza, foi a escolha acertada.

V: Sem dúvida. E a quantificação? Quem vai determinar isto é a aceitação, ou pensam: “Esta cadeira já da pra começar a produzir cinquenta unidades, duas unidades...” Ou qualquer outro objeto, como funciona isso?

G: A aceitação é o grande fator pra decisão desta quantidade. Uma coisa que a gente já aprendeu é: tem muita surpresa nisso, tem muita do inesperado, tem coisa que você cria e desenvolve e coloca a maior fé, isso aqui vai vender bem e não vende. Outras coisas que você fala: “Isso aqui não sei, meio arriscado.” E no final vende super bem. Então a gente também já definiu que isto não é um critério pra nós. Você perguntou de como é este processo hoje. Bom, a gente têm vários critérios diferentes pra dizer sim para um projeto: primeiro a gente sempre desenha muito, rabisca muito, têm muitas ideias que são colocadas no papel.

V: Mas dizer sim é no caso de uma encomenda ou não?G: Não. Tudo próprio. Então a gente tem este universo de possibilidades, de ideias, aí fazemos reuniões onde colocamos

estas ideias na mesa: “Pensei nisso, vamos por este caminho, vamos fazer uma cadeira assim, vamos fazer um biombo assado, vamos fazer um objeto não sei como...” Coloca tudo na mesa e ao longo de algumas conversas aquilo vai sendo elaborado e depurado. Estes óculos? Vamos fazer isso, vamos perseguir isso. O que nos faz dizer sim para um projeto que a vamos perseguir e desenvolver é: Ou porque a gente gosta muito e está encantado com a ideia, tá apaixonado e acredita naquilo, então a gente faz, ou porque é alguma coisa que tem uma lacuna na linha da ,ovo, por exemplo, falta uma cadeira com estas características X, estofada, confortável, maiorzinha, não sei o quê... Falta uma mesa com pé central... Lacunas que a gente identifica.

V: Vocês próprios identificam?G: É. A gente faz muito este exercício: Tá faltando na linha um móvel para TV que resolva super bem a TV e os equipamen-

tos básicos que ela precisa pra guardar algumas coisas, que fique na altura boa pra TV, uma altura razoável pra salas, que seja modular – a gente adora modularidade como conceito – então aí a gente identifica e vai lá e desenvolve um projeto pra atender essas demandas. Então somos nosso próprio cliente interno neste sentido.

V: Quando você diz “a gente” é você e a Luciana, ou a equipe já é maior?G: Eu e Luciana somos os designers seniores, vamos dizer assim, tem o José Fernando e o Neto que fazem parte da equi-

pe de desenvolvimento de projeto. A equipe ao todo são dezesseis pessoas, mas na parte de projetos são eles dois, três vendedores na loja e eles são chamados também a opinar nessa hora. “Estamos pensado nisso, o que vocês acham? Têm sugestões? Vocês que escutam os clientes o dia a dia...” Isto é um exercício muito importante pra gente ouvir tudo isso, mas o que realmente determina é que estejamos apaixonados, apostando na ideia e achando incrível, achando que aquilo traz algo e uma informação muito importante pra nossa própria produção, então a gente vai atrás, ou existe uma demanda interna da própria linha. “Precisamos de um sofá com estas características.” Aí a gente vai e persegue isto. Uma coisa que é constante ao longo desses vinte e tantos anos é que realmente qualquer coisa só entra na linha com o aval dos dois, isto é uma condição fundamental. Outra coisa é que nosso processo de desenvolvimento hoje é ágil porque a gente já conhece o metiê, temos uma equipe eficiente, mas ele é muito esmiuçado, muito detalhado,

Page 121: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

121

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

então a gente tenta elaborar a ideia, o desenvolvimento do produto, da técnica, da produção, até ele entrar em linha porque a nossa ideia é que ele entre no catálogo e não saia ou que não saia tão cedo.

V: Então são feitos protótipos também, testes.G: Sim. Muitos! Então a gente entra muito mais com coisas na linha do que tira, a gente só tira realmente quando alguma

coisa não tá funcionando ou está com problema de produção, vamos dizer que por ano entrem dez, doze novas linhas no catálogo e saiam duas. É mais ou menos isso.

V: E daqui algum tempo vocês não podem ter uma linha gigantesca? Como é isso?G: A ideia é esta.V: A ideia é justamente esta?G: É.V: Hoje vocês têm quantos produtos?G: Não tenho este número de cabeça, mas acho que são mais de 120 linhas.V: Cento e vinte linhas, não são 120 produtos?G: É. É muita coisa.V: Todos para pronta entrega?G: Não. Tudo pedido. Este mercado não trabalha em pronta entrega, é tudo encomenda. Objetos, as huevos revueltosque

são as bolas de bilhar, luminárias a gente tem pronta entrega, mas mobiliário não tem condição porque uma mesa tem vários tamanhos, pode ser feita com várias madeiras diferentes, então não tem como estocar isto.

V: A questão da produção já é complicada e até mesmo estocar, você precisaria de um espaço enorme para isso.G: Não. Inviável por definição, este mercado não trabalha assim. Mesmo que tivesse todo espaço do mundo, não tem logís-

tica que justifique estocar tudo, aí você pula para outro universo de produção muito maior e com nível de customização muito menor. Basicamente é isto: se você tem um nível de customização alto, você tem que esperar, se você não quer esperar vai numa loja e vai precisar comprar as três opções que tem ali, dois tamanhos, duas cores e fim.

V: Isto é um diferencial. É uma viabilidade, facilita a viabilidade da produção, mas é um diferencial porque você vai ter uma peça que se não é exclusiva não está no mercado com milhões, né? Mesmo né?

G: Eu não sei se é um diferencial ou se é só uma característica de um determinado modo de produção, determinado univer-so, não é a ,ovo que trabalha assim, todo mercado trabalha desta forma.

V: Entendi. Eu queria saber quais são as inspirações de vocês, as referências. Você me disse que tem uma ideia e faz um desenho inicial e a gente discute. Onde vocês pesquisam? Como se dá este processo?

G: Pela nossa natureza e pela nossa formação, este universo de referência, de repertório, de pesquisa, tende a ser um uni-verso muito amplo de coisas pesquisadas não objetivamente, então eu acho que nesta hora entra o repertório cultural, um filme que vimos, um livro que lemos, a arquitetura que a gente vê e comenta e discute, mas realmente – e não estou fazendo firula não – não lembro de nenhuma vez termos feito processo de pesquisa objetiva assim: “Vamos fazer uma cadeira, então vamos pesquisar cadeiras de uma maneira sistematizada.” Esta pesquisa um pouco mais sistematizada, também pouco sistematizada, ela acontece em algum momento do processo com um objetivo inverso, não pra saber o que a gente vai fazer, mas pra saber o que não fazer porque temos preocupação de: “Vamos apostar nesta ideia? Vamos ver se não tem nada muito parecido no mercado? Não vamos chover no molhado?” Então aí vamos pesquisar pra ver se tem alguém fazendo alguma coisa muito parecida, se justifica fazer aquilo, mas é uma pesquisa muito mais pra sa-ber o que não fazer do que o que fazer. A gente sempre achou muito mais interessante essa pesquisa ser ampla e mul-

Page 122: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

122tidisciplinar, então faz sentido ler um livro, ver uma obra de arquitetura, assistir uma série na televisão, se informar sobre o que os novos chefs estão pensando na gastronomia, o que é a nova música popular, porque isso vai compor o nosso pensamento que vai direcionar aquele projeto.

V: Interessante. E a questão do conceito? Porque o trabalho de vocês – não estou dizendo de forma geral, mas alguns pro-jetos, por exemplo, a Cadê, mesmo o cabideiro huevos revuoltos, têm esta questão de você interpretar, está claro ali a função do uso, isto é uma premissa, mas tem a questão da interpretação também, né? Como é esta questão do conceito? Isso também é uma coisa natural que acontece, ela é pensada antes?

G: Eu acho que tudo tem um pouco das duas coisas, não é só uma geração espontânea e também não é só algo totalmente controlado e objetivado, acho que tem um pouco dos dois mecanismos de pensamento.

V: Uma coisa intuitiva?G: Não. Porque dizer que alguma coisa é intuitiva puxa mais para este lado de uma geração espontânea, alguma coisa que

nasce e eu não sei de onde, não é isso. Eu acho que tem, claro, tem uma faísca, tem alguma coisa que poderia ser cha-mada de intuitiva que é o que você percebe e não decodifica, mas tem paralelamente como suporte outra arquitetação que é controlada, que é conhecida, que é decodificada e que serve como processo de elaboração talvez para esta ideia inicial. Então de maneira nenhuma chamaria o processo de intuitivo. O que eu costumo pensar em relação a isso é que em alguns projetos, como você observou, em alguns projetos mais que em outros, o que acontece é que são objetos que operam com o conceito da dúvida e isso talvez seja o elemento que se chama de conceitual ou de artístico entre aspas ou quando se fala que nosso trabalho tá na fronteira entre design e a arte, na minha leitura o elemento que incita tudo isso é esse elemento da dúvida.

V: A provocação?G: Uma dúvida. Uma dúvida no sentido conceitual de, por exemplo, a poltrona Cadê: “cadê a cadeira, o que é isso, é uma

cadeira, não é uma cadeira, eu posso me sentar, não posso sentar, vou cair?” Estas questões todas.V: Outro exemplo – desculpe te interromper – é o Trem de Pouso, a gente não sabe se é uma mesa, um apoio, uma banqueta...G: Se é uma escultura. E essa dúvida ela é em alguns casos reforçada por onde o objeto está sendo exposto e visto, por exem-

plo, a gente fez o projeto Parede do MAM, ali a gente estava claramente operando com esta dúvida. “O que é isso? O que não é? Posso tocar? Não posso, estou no museu e no museu não pode tocar, mas isso é um objeto de uso, então eu deveria tocar porque deveria usar, é um objeto que me convoca a abrir e me sentar ou a subir, então eu posso, eu devo?” Estes ques-tionamentos todos fazem parte dessa dúvida que é plantada pelo objeto e que tem repercussão no observador usuário.

V: A minha próxima pergunta é qual é esta preocupação com o significado do objeto e a mensagem que ele comunica para o usuário, como se dá este processo. Na verdade, você acabou de responder.

G: É. Não obrigatoriamente passar uma mensagem no sentido de uma mensagem objetiva, mas incitar alguns questiona-mentos como estes que enumerei agora pouco, o que é isso, posso usar, não posso usar...

V: Para quê?G: Pra que serve isso. Acho que este elemento da dúvida é muito importante, porém, eu claramente não diria que essa é a

característica de todos os nossos objetos, alguns tratam desta questão, outros tratam de outra questão, outra relação, outra coisa que está nos instigando ali naquele momento.

V: Esta pergunta de como as peças são desenhadas e o processo de série experimental, isso tudo a gente já conversou. Há transdiciplinaridade, convergências entre arte e design no seu processo de criação? Como e em que medida? Acho que você também já falou um pouco sobre isto.

Page 123: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

123

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

G: Talvez para complementar esta questão, olhar um pouco para os momentos e situações em que essa proximidade do uni-verso do design, do universo da arte se deu com uma força na nossa trajetória. Então, por exemplo, nossa exposição de 1995, que falei da Galeria Nara Roesler da Maria Alice Milliet, a exposição Playground que a gente apresentou na Galeria Brito Cimino no ano 2000 e logo depois na Bienal 50 anos, que foi uma edição comemorativa da Bienal, o Projeto Parede do MAM, a Sala da Pinacoteca, então olhando para estas coisas concretamente dá pra ficar mais concreto o que é esta relação.

V: Mas existe esta preocupação de estar neste “meio do caminho”, no limite entre arte e design?G: Não é uma preocupação, nunca foi um objetivo: “A gente tem de estar neste lugar.” A gente naturalmente foi sendo cha-

mado, convidado para participar destas situações, é claro, isto gera algo no nosso processo, na nossa cabeça, né? Se um museu está me chamando pra fazer um projeto pra um Projeto Parede, o que vou pensar aqui? Se a Pinacoteca tá me chamando pra fazer um projeto pra uma sala de leitura como vou entrar aqui? Não é que entra desavisado, a gente pensa sobre o que está acontecendo, mas... É uma troca. À medida que a gente faz alguma coisa que interessa a este universo e se a instituição nos convida, este convite também repercute sobre aquilo que a gente vai apresentar para a própria insti-tuição, então é uma coisa que vai se desdobrando ao longo do tempo.

V: Então tem muita diferença entre – já estou numa pergunta mais à frente – que é esta diferente entre o que é uma deman-da própria e o que é uma encomenda, aí esta encomenda também vai depender de para quem é, né?

G: Sim. Hoje a gente faz poucos projetos por encomenda. A ,ovo tem uma linha, um catálogo grande, no dia a dia o que acontece na loja é que os clientes entram e... “Eu quero esta mesa.” Aí tem uma relação de tamanhos, materiais, de acaba-mentos, ou ele quer os módulos Campo, então a gente adapta o layout e o tecido e tal...

V: Então pode haver esta customização, uma mesa de 1,20m e precisa uma de 1,10 m é possível?G: Existem tamanhos, formatos predeterminados, mas esta customização está prevista no projeto. Quando a gente vai criar

um projeto... Não é alta costura que o cliente entra e: “Cria uma cadeira pra mim.” E a gente vai criar uma cadeira pra ele. Não é assim que a gente trabalha. Os projetos criados especificamente pra atender a demanda de um cliente hoje são projetos mais voltados para espaços em instituições. Por exemplo, a gente fez o mobiliário do Café Bienal, a própria sala da Pinacoteca, o mobiliário de uma biblioteca de uma comunidade judaica, a Comunidade Shalom. Agora estamos traba-lhando num projeto de médio prazo que é o mobiliário do Teatro Cultura Artística, que é o grande projeto que estamos trabalhando agora. O teatro que pegou fogo alguns anos atrás, agora está iniciando um processo de reconstrução depois de uma longa jornada de revisões do projeto e orçamentos e licitações, agora está começando o projeto de reconstrução e a gente assina todo o projeto do mobiliário das áreas de circulação, foyers, restaurante, livraria, café, as áreas internas dos músicos, então este é um projetão e aí estamos criando especificamente pra um projeto. O que norteia hoje é mais isto, estes espaços em instituições, aí a gente acha que justifica mais desenvolver um projeto específico.

V: Você citou projetos diversos como o da bienal, da pinacoteca, desta biblioteca nesta instituição judaica, agora no teatro, mas tudo tem uma identidade de vocês, dá para reconhecer.

G: Sim. Isso para nós é fundamental e acho também que só somos chamados por causa disso.V: Tem personalidade.G: Porque quem nos convida, convida porque quer esta assinatura, essa linguagem, esta presença ali, então junta a demanda

e a expectativa e fazem sentido, tanto para quem chama, quanto pra gente.V: Agora uma pergunta só para ter ideia de como você acha que se enquadra a produção de vocês: Você acha que dá para

definir como design conceitual? O que é design conceitual para você? Se isso é uma bobagem, de repente é só um rótulo e vocês não estão preocupados com isso.

Page 124: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

124G: Não estamos preocupados com isso, a gente não pensa nisso. Tem um exemplo muito concreto que eu acho interessante,

que é do cabideiro dos huevos revueltos, ele foi criado para uma exposição que já citei agora pouco, Exposição Playground na Galeria Brito Cimino, atualmente Galeria Luciana Brito. Era uma exposição individual nossa nesta galeria, apresenta-mos algumas peças, a mesa ciranda, tapete playground, trem de pouso...

V: Mais recente então?G: Não foi no ano 2000, tem dezoito anos. Pra esta exposição, a gente criou o cabideiro, fizemos a instalação na galeria,

logo depois teve a exposição na Bienal 50 anos, fizemos outra instalação com estas bolas de bilhar lá e numa tiragem muito pequena na época, extremamente custosa, trabalhosa, caras as primeiras peças que foram feitas e elas foram feitas e exibidas dentro deste conceito da galeria de arte, ou seja, o que pressupõe a tiragem limitada, peça única com preços altos, etc. E assim ela foi apresentada, mas a gente... “Vamos batalhar este objeto.” Aí pesquisamos, mudamos a técnica de produção, todo um processo que levou um ano, não é que levou uma semana, levou um ano e a gente conseguiu trazer para um patamar de custo bem mais razoável que viabilizasse uma escala um pouco maior.

V: O que é uma escala um pouco maior?G: Hoje... E estamos falando de 18 anos, eu não tenho o número exato, mas a gente já produziu algo em torno de 20

mil unidades.V: Interessante.G: Não é que é uma escala industrial mega gigante, mas também não é um objeto único é produto, ele está no mundo como

produto e eu acho interessantíssimo quando as pessoas, por exemplo, entram na loja e veem a instalação do huevos e quem não conhece entra e pergunta: “Este trabalho é de quem?” Como se fosse a instalação de um artista, alguma coisa assim e a gente ria, responde, claro, explicamos pra pessoa, contextualiza, que não é trabalho de ninguém, é nosso é objeto, um cabideiro. Outro caso parecido é o campo, os módulos hexagonais que também foi concebido dentro de um universo de galeria de arte, a Galeria Vermelho na exposição Hora Aberta em 2004 e hoje é das peças de mobiliários é nosso campeão de vendas. Então, no nosso caso, posso falar, não existe uma coisa assim: “Isto eu vou fazer, isto vai ser caro e vou vender em galeria e vai ser peça única. Aquilo vai ser um produto nãnãnã. Ou bã bã bã As coisas se misturam e às vezes elas mesmas puxam o nosso tapete.

V: Uma curiosidade minha: Se eu compro uma peça que foi exposta numa galeria, paguei um valor x e ela está numa pro-dução, logicamente que não é escala industrial e não está sendo vendido por R$ 100,00, mas como fica isso? O valor era outro e agora está... Vocês nunca tiveram este tipo de preocupação, nem este tipo de...

G: Também não é que acontece todo dia e toda hora, né? Mas nunca tivemos este problema e nunca tivemos muito esta preocupação também de...

V: Porque na verdade não perde valor, pode até mudar o custo, mas o valor da peça continua.G: E também no design produzir mais, ter um alcance maior é uma qualidade, não é um defeito, não é algo que vá denegrir

aquele objeto.V: Inclusive é o que caracteriza o objeto.G: Exatamente. Então, neste sentido, o nosso trabalho é profundamente um trabalho de design. Existe a ideia de produzir

mais e difundir e ampliar, e, claro, ao mesmo tempo, questionar e desestabilizar: e essas duas coisas são compatíveis. Respondendo à sua questão: Eu não rotularia o nosso trabalho como design conceitual, também não poderia dizer que é meramente um design comercial, mas acho que é um design que tem na sua construção interna elementos de um questio-namento que poderia ser chamado de conceitual e usa uma dinâmica da produção comercial. Então, tem as duas coisas.

Page 125: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

125

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

V: Entendo.G: Se eu tiver que dizer uma palavra eu diria que sim, é design autoral no sentido em que o nosso é um design que está pro-

fundamente impregnado pelo nosso pensamento.V: Tem personalidade. G: É. Nosso pensamento está ali e nunca vai deixar de estar, essa é a característica fundamental, esse pensamento pode ser

acertado – errado, melhor – pior, mais interessante – menos interessante, mas ele está ali e isso é verdadeiro.V: Essas participações, essas premiações que vocês ganharam, a cadeira no Museu da Casa Brasileira que está lá e faz parte do

acervo, isto contribui muito para o seu trabalho? Como é que isto interfere na trajetória do objeto e do próprio escritório?G: Traz duas coisas, uma é que é uma resposta do circuito dos nossos pares, é uma validação, é uma ressonância interessan-

te, “isto que você fez a gente achou legal, a gente achou muito bom, é importante”, e visibilidade, dá visibilidade, é uma legitimação das instituições e isso é uma coisa muito importante porque eu acredito que qualquer produção, enfim, uma produção que tenha uma ambição de se estabelecer como algo relevante, tem que operar em muitos níveis diferentes, no nível da produção em si, da fábrica, da oficina, do ateliê, no nível da instituição, da imprensa, do público, do mercado, você tem que atuar em todas estas esferas e a instituição é muito importante.

V: Dentro do panorama do design contemporâneo brasileiro, como vocês se localizam? Se auto-localizam, dá para dizer isto? Dá para ter uma ideia?

G: É difícil, porque o design brasileiro deste período que a gente vivenciou, que é dos anos 90 para cá, ele teve um mo-mento de um boom, efervescência dos anos 90, depois a coisa parece que deu uma amornada e de uns anos para cá retomou esta efervescência de uma maneira que eu acho mais consolidada. Tem uma geração uns dez anos mais jo-vem que é muito interessante e que produz, que trabalha, que vai lá e mete a cara e que tá no mundo, é uma geração muito boa, o que eu fico muito feliz de ver que vem, porque vai criando um sistema, um circuito todo mais sólido, mais complexo. Mas é difícil se auto localizar, né? Eu consigo, mais ou menos, localizar a coisa temporalmente em termos de gerações: tem uma turma que é um pouco mais velha que a gente e que tem um pouco mais de estrada, tipo Carlos Mota, os Campanas, Jaqueline Terpins, gente assim, tem uma gente que é... Engraçado, do nosso momento ficou pouca gente. Outro dia a gente estava vendo uma foto de uma publicidade da Dpot dos anos 90 e era um retrato de todos os designers que eles representavam e a gente olhou e praticamente só sobrou a gente atuando neste mer-cado, muita gente mudou de área e foi pra cenografia, foi pra direção de arte, saiu completamente deste universo, o que eu acho que não vai acontecer com essa geração que está atuando agora, to falando de Guilherme Wentz, Zanini, Ana Neute, Fernando Prado que não é jovem assim, já está consolidado, o Estudio Manus que é mais ou menos na mesma faixa da gente, eu acho que ninguém desta turma vai desaparecer e descontinuar o seu trabalho, acho que é uma geração bem sólida a que está vindo.

V: Você conseguiria colocar algum motivo para este pessoal ter... Porque vocês têm um projeto de negócio muito bom, não sei se foi planejado, se foi acontecendo...

G: Foi sendo construído ao longo do tempo.V: E talvez por essa formação – só estou jogando algumas ideias, não estou dizendo nem que seja isso...G: É difícil saber, eu teria que olhar caso a caso, teria que olhar mais a fundo e ver porque estes outros profissionais saíram

da área. Eu não sei, uma coisa que posso dizer é que da nossa experiência de fato exige muita perseverança e não é uma coisa fácil essa dobradinha criador – empresário, não é uma coisa fácil, é uma habilidade específica de você conseguir ficar transitando e colocando em concordância essas demandas diferentes, a do profissional pensador e criador com alguém

Page 126: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

126que precisa administrar um negócio, precisa pagar contas, funcionários, precisa manter uma produção em dia, precisa ter controle de qualidade, precisa divulgar, fotografar, precisa escrever.

V: Entre vocês dois quem vai mais para este lado?G: A gente divide muito isso.V: Que bom.G: A gente divide muito, não tem de um é o criador e o outro administrador, a gente realmente na parte de criação divide

algumas áreas, na parte de administração a gente também divide algumas áreas, mas é muito integrado.V: Vocês têm loja própria, têm outros distribuidores, outras lojas onde estão?G: Tem outras lojas em outras cidades que revendem...V: Em São Paulo não?G: Em São Paulo não. Revendem, mas o importante para a gente é a nossa loja, comercialmente falando, a gente vive da

nossa loja.V: Eu vou marcar para ir lá.G: Ah, sim, com certeza, você pode falar com o pessoal do atendimento, o Bruno, a Alana, ou a Fernanda e aí eles te mos-

tram e fazem uma visita guiada.V: Beleza. Tá ótimo.G: E você não pode deixar de ler estes textos.V: Não vou deixar de ler.G: São muito importantes e são muito bons.V: Na segunda parte do trabalho é que vou realmente aprofundar na análise de vocês, então os primeiros textos que escrevi

foi através de coisas que pesquisei, da própria palestra que você deu na Faculdade e agora, para uma análise mais concre-ta, esse primeiro capítulo meio que foi começando com a história do design até chegar ao anti-design para a gente chegar nesta produção atual sem analisar ainda esta produção brasileira.

G: Entendi. Bacana. Tá ótimo.V: Obrigada.

Page 127: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

127

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

ENTREVISTA II: ESTÚDIO MANUSÁudio: 48m:03sTranscrição em 19/02/2018

V Valéria BarbosaC Caio de MedeirosD Daniela Scorza

V: Então, você estava me dizendo... Repete pra mim, por favor.C: Eu comecei antes da Daniela, comecei na época em que quase não existiam lojas de designers em São Paulo.V: Em que ano foi isto?C: Ah, tenho que fazer uma conta de menos trinta, a gente está em 2017, 1987?V: 1987 por aí.C: Na década de 80 e quase não existiam lojas de designers em São Paulo, tinha a Interdesign, tinha uma na Rua Augusta,

tinha uma mais ou menos no Shopping Iguatemi, mas não tinha esta ideia, tinham lojas de móveis, mas que tinham um ou outro objeto e tal, a Objeto, a Forma, lojas de móveis que tinham alguns objetos. Aí começou as lojas tipo a Zona D, que foi das primeiras, e aí que eu comecei a trabalhar com a Daniela, mas antes disso eu já fazia coisas que a gente chama-va de “inutilitário” porque não tinha a coisa do conceito, da arte, tinha a possibilidade de designer que estava surgindo, etc., do objeto e tal, mas a gente já trabalhava nessa coisa um pouco assim difusa que não é coisa do design industrial, do utilitário, do desenho da indústria.

V: E que tipos de objetos eram? Quais eram as peças?C: Tinha coisa para escritório que eu lembro que era bem assim... Que não era claramente para escritório, a gente já traba-

lhava junto quando fiz as coisas para Andréa...D: As caixas?C: Umas caixas com rodinhas. Umas coisas que pareciam brinquedos, mas não eram brinquedos.D: Que se encaixavam.C: Tinha aquele que tinha rodinha de carrinho, hélice, ficava entre o brinquedo e uma coisa para escritório, tinha utilidade

de se colocar lápis etc., mas na verdade era tudo meio lúdico, então você ficava na dúvida se era um brinquedo ou uma coisa para escritório. Isso é uma coisa... Eu fazia relógios também, isso é bem anterior, relógios em disco de porcelana e um pezinho de metal que também você ficava meio na dúvida se era um relógio mesmo, causava meio que uma estra-nheza. Esses que a gente faz até hoje com coroa surgiu antes um de madeira, aí já é... Mas tem a ver com o lúdico, com a brincadeira. A gente fez uma exposição em que levamos bastantes coisas de inutilitários no Museu da Casa Brasileira...

D: Foi a primeira que a gente fez. O banco com látex que era um material que eu já tinha uma obsessão de pesquisa e aí ele desenhava a forma e a gente começou ele desenhando a forma e eu dando o material.

C: Era um bordado sobre borracha. Era muito mais um bordado do que um banco, de banco não tinha nada, mas você podia sentar, mas era um bordado, a força dele estava aí.

D: Quase não podia sentar, né? Porque era super elástico, precioso, bordado a mão, era um banco, mas que era uma contem-plação. Aí fizemos também as caixinhas com elementos confinados que a gente falava dessa coisa de garimpar e colocar dentro de uma caixa e você não poder usar, entendeu? Uma coisa que tinha utilidade e você confina e inviabiliza.

Page 128: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

128V: Desvirtua. D: É.C: E também neste começo como as pessoas já identificavam que era um trabalho que não era exatamente desenho, de-

sign e que tinha muito a ver com a arte às vezes convidavam eu – isso antes da Daniela -: “Ah, vamos ter uma exposição na Ana Rosa.” Uma coletiva em que eles convidavam multiáreas, tipo o cara independente da arte, o cara do desenho gráfico, eles pegavam um tema... Lembro que fiz um negócio que era um banco, mas que quase não era um banco, também caminhava por aí.

V: A minha primeira pergunta era sobre o percurso profissional e vocês acabaram de falar, mas a parceria de vocês come-çou quando?

D: Há vinte anos.C: Eu fazia um trabalho para um estilista, ela trabalhava com este estilista como assistente dele na área de moda...D: E eu estava muito mais ligada à moda do que à arquitetura.C: E ela é arquiteta.D: Apesar de eu ser arquiteta. E o Caio faz arquitetura e é autodidata.V: Cenografia e tudo mais.D: Nesse momento eu não estava fazendo arquitetura, eu estava fazendo desenho de mobiliários, expositores, coisas de

lojas, showroom. A gente se conheceu e começou a trabalhar juntos.V: E essa produção já era de vocês, autoral, ou vocês terceirizavam? Como era no início?C: Eu anterior a isto trabalhava com desenho de papelaria que eu mesmo fazia e também móveis antigos que eu customiza-

va, móveis antigos que garimpava e transformava a cara deles.D: Mas sempre teve esta coisa da gente fazer, colocar a mão. O primeiro trabalho forte que a gente fez juntos foi a Zapping,

em que ele desenhava as lojas e eu introduzia a parte escultórica, de material. Então: as ferragens todas de arara e gan-cho, isso e aquilo, eu esculpia e ele mandava para a fundição, as portas do provador ele desenhava, detalhava tudo, mas eu fazia na tal da borracha que eu era obcecada na época, o látex, fazia ela toda a mão com ilhós, então sempre em nosso trabalho tem que ter um pedaço à mão e essa fusão da forma com o material.

C: A gente atua nesta área dos objetos, fazemos bastante, ultimamente mais interiores, móveis, cenografia. Durante uma época, fizemos muito casamento, então cenografia de festa, casamento, etc. É claro que se terceiriza muita coisa disso, mas tem muita coisa que construímos nós mesmos, a gente sempre tem uma atuação, muita coisa que depende da mão da gente, o estilo Manus, né?

V: Sim. Como é o processo de criação, o que é relevante na hora de desenvolver um artefato, o que é levado em consideração?C: O processo de criação é sobre pressão, quando aparece uma coisa e você é obrigado a fazer, aí passa a pesquisar...V: Mas tipo encomenda, ou uma necessidade que vocês sentem?C: Ultimamente muito raramente: “Ah, vamos fazer tal coisa para experimentar...” Quando aparece um desafio: “Ah, precisa

fazer isso em tal lugar, tal arquiteto em tal espaço...” A gente faz, mas desenvolvimento e pesquisa não.D: Pro além.C: É.V: Vocês podem chamar isso de um processo intuitivo, como vocês classificam isso? É muito orgânico?C: Quando aparece?V: É. Esta demanda já te direciona?

Page 129: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

129

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

C: Ah, acho que é bastante intuitivo porque no dia a dia a gente vive olhando pra arte, imagens que dizem respeito, quan-do a gente viaja, por exemplo, estamos sempre com o olhar disso e nunca viajamos tipo: “Vamos pra feira de Milão.” Entendeu? Normalmente a gente vai pra uma ilha não sei aonde, mas com este olhar e pesquisando... Pesquisando não, tentando entender uma cor, uma forma, etc., no dia a dia, então quando surge o momento, quando nos chamam para fazer alguma coisa, a gente põe em uso esta vivência, mas não tem isso de “vamos parar e vamos não sei o quê”, tipo surge assim a partir da experiência.

D: Mas tem aquela coisa que está na nossa cabeça o tempo todo, né? Olha para uma coisa e: “Ah, este material é legal, o que dá para ser feito com isso?” Isto acompanha a gente o tempo todo.

C: Só que a gente não faz nada e se aparecer alguém que fala: “Preciso disto”...V: Não é aquela coisa: “Vamos sentar hoje e pensar num objeto.”C: Não existe isso.D: Não funciona. A não ser que aquela pessoa esteja precisando de alguma coisa assim.C: Talvez no momento em que a gente participa de feira, no começo da profissão que exigia ter um produto etc., não deixava

de ser uma pressão, porque íamos fazer para esta feira, pra este momento quando a gente começou aqui. As porcelanas que já foram parte forte da gente, mas que deixou de ser, mas gente continua fazendo, surgiu por causa de um cliente que tinha uma embalagem... e a gente foi lá fuçar, o caso de uma loja que precisava de produtos e agente entrou em contato com a porcelana, assim vai, sempre tem uma causa. Não tem: “Ah, agora o momento é este.” Não tem. Sempre tive von-tade de fazer iluminação e não faço porque ninguém me pediu.

D: Vidro também é... Louca para fazer objeto com vidro, as pessoas acham que a gente faz só porcelana porque a gente ama porcelana e não existe outro material. Mas não é, a gente tenta há anos uma fábrica de vidro que abra uma porta que nem a de porcelana abriu porque aqui no Brasil é raro alguém fazer isto e não consegue, tentamos várias conhecidas e desconhecidas e é muito difícil.

C: Mesmo estes objetos que tocam mais a arte eles surgem de: “Ah, a loja tá meio estranha, meio vazia, ou o atelier tá esqui-sito aqui e vamos mudar, mudamos as coisas de lugar e ficou um buraco ali, o que cabe ali?” A gente tem um monte de objetos aqui que não são exatamente...

D: Que são garimpados.V: É quase um garimpo emocional, até mesmo emocional dá para chamar isto né? Tem toda a questão de uma memória

afetiva, não tem?C: Aí surge na hora, entendeu? Tá buraco ali... A gente vai procurando e naquele momento surge alguma coisa. É muito fácil

criar para a gente, o difícil é vender, então a gente faz porque precisa, porque tem um buraco ali.V: Vendeu uma peça e vai...C: É. A gente tá sempre mudando porque é tudo muito relacionado uma coisa com outra. Quando você muda alguma

coisa de lugar...D: Faz outra história.V: Sim.C: Daí tem coisa que sai e a gente guarda quando muda de posição e tem coisa que falta, aí a gente cria no mesmo dia, na

mesma hora, com o que tem a mão, pega um negócio aqui, um negócio ali, e faz.V: Essa questão do conceito, de que comecei a falar, que é uma forma de classificar, de compreender talvez o processo de

vocês. Vocês têm esta preocupação na hora dessa criação? “Olha, isto aqui vai significar tal coisa...”

Page 130: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

130C: Não. A gente sabe que é bastante conceitual, conta bastante coisa ali para alguém e pra gente mesmo, mas a gente não

procura dar um conceito.V: Nenhuma coisa racional, um processo racional: “Vamos pensar em tal coisa.”C: Não. A gente percebe depois.D: E a gente tem uma coisa engraçada, que é dos opostos, que é: Eu sempre gosto de dar um nome, batizar as coisas e o Caio

já acha que tipo...C: Não ter nome de nada...D: É um número, é um símbolo, entendeu?C: Eu acho que uma das coisas é a pessoa...D: Acha que a pessoa que tem que dar nome.V: Isto tem duas questões, se der o nome pode direcionar esta interpretação?C: Algumas coisas tem que dar nome, a gente fez um objeto com livro antigo que tinha... Era um livro alemão e a gente co-

locou uma flecha, um objeto de prateleira, uma flecha num livro, depois eu fui traduzir o livro, o título do livro e tinha a ver com alvo, nem sabia que tinha alguma coisa...

D: O caminho do centro.C: É “o caminho do centro” é uma coincidência, então não dava para perder esta chance de...D: Essas coincidências acontecem muito e a gente fica às vezes até assustados.V: Até que ponto é realmente coincidência, né?D: O livro... Tem várias e não consigo lembrar agora.V: Tem um trabalho de vocês que em algumas disciplinas eu usei que é aquele do sacizinho, que eu acho a coisa mais fofa

do mundo, com aquele pé grande. É um saci bebê de borracha e ele é todo fofo como se fosse um bebezinho e tem um pé gigante de madeira entalhado.

C: Aquele pé articulado.V: E aí, acho que chamava só saci e eu levei; e a gente teve que discutir em aula, foi muito interessante que uma menina

falou: “Isso aí é um reforço da – não sei nem se vocês vão concordar com isto – da cultura brasileira frente à cultura es-trangeira, porque o pé grande pode remeter ao pé grande lá do mito americano.”

D: É ótimo. A gente adora quando as pessoas associam.V: Eu gostava muito da peça, mas nunca parei para analisar desta forma.C: Essa é uma peça que em poucos momentos a gente fez, vendeu, não fez parte... Você reconhece porque está numa foto-

grafia na Internet, mas é uma coisa quase efêmera, alguém comprou, sei lá quem...V: E era uma peça única, né? Juntar aqueles dois elementos naquele objeto foi uma coisa que dificilmente vai acontecer de novo.C: A gente faz muito isso de ready made, este tipo de coisa de juntar e criar outro elemento.V: É praticamente a mesma pergunta. Se há preocupação com o significado do objeto e com a mensagem que ele comunica

para o usuário e como é este processo?C: A gente acha importante que tenha uma mensagem, que comunique alguma coisa, que cause alguma coisa, dificilmente

a gente quer simplesmente um elemento...D: Eles falam, né?C: A gente acha que sempre tem que contar uma história, mas esta história a gente procura não contar e que o próprio ob-

jeto conte e que a pessoa sinta de alguma maneira. Difícil ter um objeto da gente que não represente alguma coisa.

Page 131: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

131

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

V: Que não demande interpretação?D: Que não conte uma história.V: E esta interpretação é muito subjetiva também, e isso acho que é bem interessante.C: Talvez os móveis menos. Os móveis têm de ser mais funcionais, mas sempre tem um toque, seja na proporção, uma coisa

que cause uma diferença.V: Aqueles pés de pássaro, não sei se é uma garça, vocês usam também em mesas e causou estranhamento isto.D: É lindo.C: A gente fez uma série deste também porque tem um abajur? que é com ossos.D: Este aqui.V: Isso. Este aí.C: É da mesma série.D: Foi feito junto com um artista plástico que moldou para a gente.C: A gente teve a ideia e ele fez o desenho.D: A gente passou pra ele a proporção, a ideia, ele esculpiu e mandamos para fundir. O osso, a gente não fundiu: é a própria

escultura, mas o flamingo a gente fez em bronze.V: Então tem esta questão da parceria em alguns projetos. A ideia original é de vocês e contratam algumas pessoas que te-

nham a expertise para fazer.C: Você viu que tem uma flor gigante?V: Sim.C: Foi feita por cenógrafo, a gente desenhou a flor, proporcionou ela, deu as cores, fez tudo, mas na hora de executar mes-

mo, a gente não tem espaço, nem técnica para fazer e aí os cenógrafos que fizeram. A gente usou depois o projeto na loja Farm, a mesma ideia das flores, só que inversa, de cabeça para baixo.

V: É muito bonita aquela que gigante...D: Na Farm de Búzios a gente terminou de montar em dezembro...V: Está no site?D: Tá. E aí a gente fez o projeto inteiro, dois anos envolvidos, mas eles chamaram a gente porque a loja xodó deles, a primei-

ra, eles queriam algo conceitual, diferente; eles têm isso de chamar para cada lugar um arquiteto, designer, artista, porque querem ter esta diferença de cada loja. Foi super legal porque a gente teve uma super liberdade e conseguimos colocar numa parede uma brincadeira toda inspirada no mar, porque ia estar em frente ao mar, que são estes objetos, estas coisas laboratóricas que a gente faz e somado ao projeto porque a gente fez tudo.

C: E aí tem muito a ver com trabalho da gente... As araras são os grandes postes, na ponta do poste tem um ninho, um monte de casinha de passarinho e depois na outra ponta tem um passarinho como se fosse voar para lá...tem toda uma conversa assim...

V: Acho que nem todos os projetos, mas uma grande parte, tem esta preocupação com desenho, com o projeto, com questão do detalhamento executivo ou...

C: Tem bastante.V: E têm casos em que também é uma coisa mais experimental?D: Também.C: Mas quando é interior, etc. é detalhado até o parafuso.

Page 132: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

132D: O detalhamento da Farm já deu 389 páginas só de marcenaria.C: Super detalhamento. Porque a gente dá super atenção a detalhes.D: As ferragens nunca são as que têm no mercado, a gente compra material num lugar e manda outro cara fazer, sempre

tem esta coisa...V: Vocês acompanharam esta produção?D: Hum, hum.C: A gente acompanha todas.D: Aí têm outros trabalhos em que tudo é feito à mão. A Mariah Rovery você conhece?V: Não...D: Ela é designer de joias. A gente fez todos os expositores dela de joia, mas foi tudo muito experimental.C: Tudo feito com imã.D: Imã, feltro industrial, aí ela foi pegando confiança e deixava a gente fazer. É uma delícia. Até hoje a gente faz coisas pra

ela: “Estou precisando agora uma coisa de orelha.” Aí eu chamo uma amiga minha marceneira e falo: “Faz uma orelha de madeira pra mim.” Aí junto com o não sei o quê, entendeu? É só experimental.

C: Ele foi experimental, mas foi desenhado...D: Ele foi bastante desenhado no início, projetado...C: Foi mudando.V: O experimental que você está dizendo é o processo, né?C: A gente fez uma coisa com esponjas do mar com aquelas buchas que se usa no nordeste...V: Aquilo é super bonito.C: Então a gente usou bastante daquilo e foi super experimental, foi desenhado e foi experimentado, segura aqui, apoia ali.V: Mas tem todo um raciocínio por trás disso. A questão da transdisciplinaridade, esta interdisciplinaridade entre arte e

design no processo de criação, vocês conseguem diferenciar isto? Isto tem importância? É uma coisa que acontece? Em que medida um pesa mais o design ou pesa mais a arte, ou isso tanto faz?

C: Acho que depende do projeto, do objeto. Tem coisa em que você depende muito de uma coisa precisa, a iluminação, são coisas milimétricas, passam por um desenho, um torno, depois se interpõem numa coisa que não é isso, por exemplo, um mapa antigo que a gente botou como se fosse a cúpula para bater a luz ou que ilumine todo disforme, por exemplo, dependendo do objeto é muito importante essa coisa do design, do desenho, este detalhamento, mas não só, você soma isto à experimentação, mas depende, tem coisa que é só experimentação e têm poucas coisas que são só desenho preciso.

V: Varia de projeto para projeto. Eu acho que esta questão vocês já comentaram e a minha pergunta é: A experimentação é um fator relevante no seu processo de criação? E a observação (do mundo, das pessoas, hábitos, necessidades)?

C: Isso é muito importante pra gente, porque pra gente estas histórias de viagens fazem muito parte da...D: Observar outra cultura pra gente é fonte de vida.C: Então a observação, a curiosidade, experimentação são muito importantes pra gente, talvez seja mais importante do que

tudo, para mim, pelo menos é.V: Quando vocês comentaram que dificilmente sentam e falam: “Vamos criar uma cadeira.” Dificilmente isto acontece, não

é este o processo. Qual a diferença de quando vocês têm essa ideia, quando percebem que está faltando alguma coisa aqui – se é que dá para responder a isto – de quando é uma encomenda?

Page 133: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

133

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

C: Quando está faltando coisa aqui é muito mais livre, você faz uma coisa pra você, vende ou vai expor num lugar, etc., mui-to mais liberdade, mas quando tem um briefinG: aí você para pra pensar mesmo, aprofunda. Aí você para e pensa: “Vou fazer isto, mas a partir de um...”.

D: Mas, mesmo assim, as pessoas esperam que a gente contorça tudo que elas falam. Lembra o catálogo do médico? Foi design gráfico, mas foi super...

V: Um catálogo, design gráfico vocês estão dizendo?D: Mas foi uma coisa muito artística, até na apresentação... A gente faz um boneco e o boneco vai na caixa costurada à mão

(tem sempre isso) e era uma coisa super... técnica, é um aparelho...C: Era um aparelho sei lá de...V: Era uma embalagem, ou um catálogo técnico deste aparelho?D: Era uma coisa italiana que ele estava importando pra ser... Ele aplicava nas pessoas, uma coisa de coluna, uma coisa

para reumatismo.C: Mas aí, quando o cara entra aqui e se interessa pelo trabalho da gente e pede uma coisa assim, você sabe que ele quer uma

coisa especial, então a gente fez uma coisa graficamente bastante fora do comum.D: Ele amou. Ele pagou. Ele só falou assim: “Amei, mas os meus clientes não vão entender, mas para mim é uma obra de

arte.” Mas aí ele tem que realizar de outra maneira, entendeu?C: A gente nem sabe se ele acabou fazendo.V: Tem isso registrado em algum lugar? Tem foto?D: Tem o PDF dele.C: Preciso procurar.V: Essa questão de que eu cheguei aqui falando do design conceitual e se esta questão deste enquadramento, esta cataloga-

ção, isto é importante para vocês, tem alguma relevância ou se vocês não têm este tipo de preocupação?C: Que tipo?V: De, por exemplo, “o meu trabalho estou classificando como design conceitual”, isso para vocês é importante?C: A gente acaba citando, a gente próprio como design conceitual, acho que é importante, as pessoas precisam disso e o que

é isso? É bastante conceitual etc.V: Não é uma coisa que incomoda?D: Eu acho que incomoda quando a pessoa não consegue assimilar isso, entendeu? Não sei se é esta a palavra.C: Mas quem não consegue assimilar? Não incomoda não, não incomoda. É que a gente sempre escuta isso, né? “O cara

é conceitual...”V: Sim. Porque como está neste limiar entre arte de design é uma forma de facilitar...D: Incomoda esta confusão e acaba que a gente sente, às vezes, uma falta de reconhecimento porque a pessoa tem

que... Ela não pode fazer um catálogo e fazer um inutilitário, entendeu? Hoje eu acho que isso está mudando, mas muitos anos – e são vinte anos trazendo este leque todo – das pessoas, às vezes, não acharem que podemos fazer as duas coisas.

C: Talvez o que incomoda é a dificuldade das pessoas entenderem que é arte também. Design, design, design, design... É arte também, não é só design.

V: Não é só design.C: Não é só arte também, às vezes, é mais arte, mais design.

Page 134: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

134D: E eles fazem arquitetura também, entendeu? Essa coisa toda... A gente já foi até criticado por dizer tantas coisas assim, já ouvi-

mos: “Tem que fazer uma coisa só.” Mas a gente não sabe fazer uma coisa só e cada vez a gente liga menos pra isso, na verdade.V: O que é uma grande vantagem, sem dúvida.C: A maioria das pessoas não consegue enxergar, ou é design, ou é arte, ou é arquitetura, ou é não sei o quê, não percebem

que as coisas podem ser mais sem limites.V: Entrelaçadas. Serem convergentes. Sem dúvida. Essa questão com a produção em série, vocês não têm este tipo de preo-

cupação, embora algumas peças como as cerâmicas tenham essa...C: As pessoas já compraram até da Tok&Stok numa certa fase da vida delas exclusiva da Tok&Stok.V: Ah é?C: Por determinado tempo estava nas lojas e aí a Tok&Stok se interessou em exclusividade de algumas delas e por dois anos

só eles vendiam aí é uma grande produção, né? A gente é descolado disso, tipo, a fábrica fazia e a gente recebia royalty, talvez a experiência de escala a gente tenha com cerâmica e na Tok&Stok é uma escala contínua, exclusividade. A gente fez também um negócio pra Antônio Bernardo, presentes para os clientes que também foi uma tiragem grande... Grande pra gente... mil, 2 mil peças...

V: Isso é uma preocupação?C: Não.V: Vocês conseguem se localizar dentro deste design contemporâneo brasileiro? Como vocês se enquadrariam nisso? Se

vocês acham que isso é importante, se é uma bobagem... Dentro desse panorama do design brasileiro hoje como vocês acham que estaria a produção de vocês?

C: Ah, a gente é bem atípico eu acho, sei lá... Não, não é tão atípico. Mas, eu não conseguiria enxergar exatamente assim o que que é o design brasileiro. Eu não acho que não tem uma vertência super brasileira no design ainda.

D: Desculpa, não entendi a pergunta.V: Sim. Dentro desse panorama do design brasileiro contemporâneo como vocês acham que se enquadrariam?C: Pra se enquadrar vocês tem identificar o que é o design brasileiro e eu não consigo falar: “Isso é design brasileiro e isso é

design italiano, japonês...” Japonês a gente sabe certa coisa, italiano a gente também sabe, assim por diante, mas dentro do japonês e não sei o quê têm uns que são meio... Soltos. Eu não consigo dizer: “Isso é design brasileiro.” Eu não vejo que tenha esta força toda pra ter uma individualidade internacional tipo que você reconhece.

D: Quando você usa como exemplo a Juliana que usa só madeiras brasileiras...C: Sim, mas usar madeira brasileira não significa que você está fazendo design brasileiro. Um desenho não tem uma carac-

terística brasileira de desenho.D: Desenho tem.C: Talvez no modernismo tivesse alguma coisa de mobiliário.D: A gente percebe que tudo já existe, né? É uma interpretação, reinterpretação, eu acho que no que mais a gente se encaixa

no design brasileiro é porque a gente é brasileiro e faz design, faz arte...C: Mas a pergunta é se a gente consegue se encaixar em algum ponto...V: Como vocês se veem dentro deste panorama.C: Qual é o design brasileiro? Existe?V: Isto é o que eu sinceramente estou tentando descobrir, mas eu acho que não, acho que essa diversidade é a grande carac-

terística, né?

Page 135: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

135

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

C: Acho que no modernismo alguma coisa de mobiliário tinha e isso é até reconhecido no mundo, mas hoje as coisas estão muito mais iguais e tudo está uma bosta demais, impossível...

V: Mas vocês reconhecem que vocês já têm uma história dentro deste panorama depois de vinte anos...C: Fazendo parte da história do design brasileiro, mas não que o design brasileiro seja formado por a gente e por outros,

porque acho que não tem uma cara ainda. Jaime Lerner, um designer bastante conhecido, pra mim ele não é um designer brasileiro é um designer, tem coisas dele na Itália, na França etc.

V: E é importante ter um design com cara brasileira?D: Eu acho que mais do que intitular é fazer e... Não precisa encaixar, né?C: Mas eu acho que culturas como assim com mais... O italiano, por exemplo, eles se reconhecem que existe um design ita-

liano, até dos carros, de mesas, de Alessi...D: Tem origem, né?C: Tem uma cara ali que vem desde a década de 30. Os japoneses a mesma coisa, não é tão antigo, mas se você pegar a sim-

plicidade, essa coisa meio fofinha que continua até hoje, existe o design japonês também, ele tem uma cara. O francês também Starck, os carros têm uma cara, mas quase que para por aí, né?

D: Mas é que a gente tem muita dificuldade em tudo. Uma coisa que eu tenho paixão, sempre enxergo isto em qualquer lugar que viajamos, ir numa comunidade, ir num pequeno artesão, descobrir qual a origem do material dele, você sabe que o produto dele é artesanato ou ele não sabe o que faz com aquilo... É pegar aquilo deixar aquilo...

V: Sofisticado.D: Sofisticado, maravilhoso, dá outra ideia, transformar, misturar com outros materiais, mas e a dificuldade que é de – mais

aqui até do que lá fora – você se encaixar num grupo desses e poder fazer esse trabalho, entendeu? Essa é uma frustração minha de anos, de antes da gente estar juntos, sempre gostei dessa coisa de ir doutrinar.

V: E de valorizar.D: Exatamente. Porque temos materiais maravilhosos, artesãos fantásticos, mas a conexão é muito restrita, a dificuldade

governamental e panelas e verbas mal distribuídas, enfim, aí entra no entorno da coisa política. Quando a gente foi pra Mianmar, fomos ainda antes de poder visitar, foi uma viagem bastante difícil, um dos materiais que descobrimos lá eram lascas de bambu que eles trançavam a mão, faziam potes que depois viram laqueados, mas a base disso ele era trançado com crina de cavalo, então era a coisa mais divina do mundo e a gente não queria nem a laca que é aquilo que já se repro-duz na China, lá eles fazem a mão a laca, eles põem num banho, tira e primeiro põe o ouro, aí vai pro pino enferrujado, raspa e aparece o ouro, é lindo.

C: Isso que você está falando é interessante. Isto daqui é bambu e crina de cavalo dentro e olha como parece plástico.V: Nossa!D: E a gente tem a da crina de cavalo, quer ver? C: Olha que interessante como ele é... E esse preto que parece pintura é resina de árvore, quer dizer que é uma coisa total-

mente artesanal, até isso é pintado a mão, gravado a mão. E a hora que você vê o miolo disso não acha que é possível que chegaram a isso.

V: Essa sofisticação, né? Super bonito.D: Estranho, não acho ela.C: Aquela boneca?D: É.

Page 136: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

136C: Super interessante, né?V: Maravilhoso. E vocês conseguem descobrir isso indo até lá, não adianta...C: Olha este que grandão também. Se ela achar o negócio lá você vai entender como é o miolo disso, é estranhíssimo e aí que

surpreende mais ainda.V: E muito delicado.C: E é tudo feito a mão, você... as pessoas todas sentadas no chão, na terra, fazendo este treco.D: Esta é a base, a gente queria fazer gigante, até contatamos eles.C: Este é o miolo, crina de cavalo e fita de bambu, olha a fila de crina de cavalo tem aqui dentro.V: Incrível. Posso fotografar?C: Pode.V: E essa questão ambiental é relevante para vocês? É uma consequência?D: É o caminho da vida, né? Se a gente não souber usar vai acabar tudo, mas acontece naturalmente.V: Não é a preocupação: “Vamos reaproveitar pensando no planeta.”? Nada disso?D: A gente reaproveita porque está na nossa alma, a verdade é esta.C: Eu acho super importante desde que não seja um pira...V: Não sei se é uma interpretação minha, se eu estiver errada me corrijam, mas a sensação que tenho é que tem muito da

memória afetiva, coisas de infância, de família, de viagens, isto predomina no trabalho de vocês?C: Talvez do passado mais ainda, coisas de família, objetos... Antes do garimpo tem coisa que veio da minha família e da Daniela.V: Teu avô era relojoeiro, né?C: É. Foram vindo algumas coisas. Ainda é importante sim.D: Mas a gente ainda usa bastante. Agora eu achei uma essência do meu avô – ele fazia perfume – e aí estou pedindo para

uma pessoa desenvolver um cheiro pra casa com este perfume neste vidrinho aqui.V: E aí através do próprio produto você consegue descobrir o que tem ali?D: Eu não.V: Um especialista.D: Dei pra uma pessoa que sabe fazer e ela falou que conseguiu achar um caminho pra isso.C: Este é o antigo, né?D: Este é o antigo original.V: Nossa, que gostoso. E tem um...D: Um fresh né?V: E uma coisa antiga.D: Super antiga, mas quando você pega um pouquinho dele e mistura com álcool e põe no ar ele transforma em cheiro, então

ela está tentando ver o que é este cheiro hoje, porque este parece que vovô renasceu.V: E também a própria matéria prima talvez nem exista mais, algum tipo de madeira, sei lá...D: Nisso a gente tem um problema sempre, até estas peças que fazemos em pequenas séries, sempre acontece isto, vamos

na Santa Efigênia e acha um interruptor x, adoramos, achamos 10, compramos, a pessoa adorou, fizemos as dez peças e querem vinte, a fábrica fechou. Há vinte anos a gente passa por isso.

C: Tudo que a gente gosta estão no final da vida delas.D: A lâmpada x sumiu. Entendeu? Sempre assim e a gente acha até engraçado porque...

Page 137: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

137

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

V: Aí obriga ir atrás de outras coisas, né?D: “E aquela peça que você fez?” Ah...V: Não tem mais.D: Não se você já viu um que é a estátua de um marinheiro?V: Sim.D: Que tem um passarinho na cabeça...V: Sim.D: Aquele marinheiro que a gente fazia não tem mais com aquela carinha, nariz... A gente comprava aqui e aí fomos para Belém,

achamos um lindo, compramos uns 200, achamos uns pequeninhos e até fizemos de fim de ano, quiseram de novo e não existe, a fábrica fechou, cada marinheirinho R$1,00. Lindos. Mesmo a porcelana cor de rosa que a gente já fez os budas e os elefantes foscos, que são lindos, a fábrica não faz mais a massa cor de rosa, pra ela fazer vai querer 200 peças e mesmo assim...

V: Não viabiliza.D: É. Mesmo na indústria – entre aspas – indústrias mais... muito artesanais. É uma fábrica maravilhosa, vieram da Vista

Alegre, a mesma técnica de antigamente da Vista Alegre e já vão acabar porque não têm fôlego.V: Que pena.D: Cada vez fica mais pequeno.V: A cerâmica dos Budas e das outras peças esta é a empresa parceira de vocês desde sempre?D: A gente só faz porcelana se for com eles. Porque achar outra fábrica para recomeçar tudo... As pessoas falam: “Por que vocês não

procuram outra fábrica?” Não quero outra fábrica pra fazer porcelana de novo, o que eles vão fazer de diferente dessa? Nada.C: Porque esta surgiu a partir de moldes que existiam.D: E aí são reaproveitamentos de moldes o que a gente faz.C: Mas não que a gente não pudesse fazer partindo do zero, a gente quer fazer outra coisa, vidro, metal...V: Sim. Esta diversificação do trabalho de vocês é o instigante também para vocês, ou não?C: Sim, é.D: É o que alimenta a gente porque não conseguimos fazer tudo igual.V: Vocês falaram que participaram de mostras em galerias e também no Museu da Casa Brasileira. Que importância teve

isso na trajetória de vocês?D: Acho que tudo que a gente trabalha e meio que chamam e a gente faz. É uma coisa engraçada, acho que nunca falamos

não pra um trabalho, por mais mico que ele seja ou ele vire a gente sempre vai até o fim.C: Pra tudo que convidam a gente participa. E é legal pro currículo, pra visibilidade.V: Principalmente numa grande instituição.D: Às vezes quando a gente fala: “Este tipo de coisa não fazemos mais.” Aí já falamos não de cara que é tipo ambientação

de casamento.C: Porque têm várias versões que fizemos.D: É, fizemos bastante.C: Fez Inglaterra, a gente fez. D: A gente fez Maison&Objet, a gente fez aquela no Louvre naquela galeria em baixo no metrô...C: A gente fez no MAM, Exposição de Design Brasileiro, tem um livro...D: Dos Colecionadores do MAM de design... fomos a primeira turma.

Page 138: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

138C: Que Adélia Borges que organizou, você lembra daquela...V: Sei.C: Teve importante expressão e a gente participou.V: E a comercialização destas peças? É só aqui? Vocês disseram que estão pensando em outras parcerias, até com a loja do

Museu da Casa Brasileira.C: Estas bem especiais que tocam mais a arte, etc; têm pessoas que vendem também em outras lojas por aí, poucas, mas

têm.D: Tem em Brasília, Recife.C: Porto Alegre.D: Agora estamos fazendo com umas meninas que chama Garimpório, são arquitetas, mas abriram um espaço, elas são

muito mais arquitetura, fazem poucos produtos, mas sempre se inspiraram em nós e juntaram uma turma... Você conhece a Verniz?

V: Sim.D: A Verniz é uma das pessoas que está colocando coisas neste espaço delas, então tipo amanhã eu vou na Verniz pegar

uma peça da Verniz e fazer uma interferência, então ela está começando a fazer um trabalho muito bacana e adora nosso trabalho, dá liberdade, quando começou a fazer produtos se inspirou muito na gente.

C: A comercialização tem em Los Angeles que é da gente.D: Em Los Angeles é uma loja de design brasileiro que vende mobiliário brasileiro, Sérgio Rodrigues, Arthur Casas, etc.,

enfim, e tem este caminho do objeto peça única, ou seriado inusitado que a gente está já há uns dois, três anos.C: A gente participou do museu Objet com um grupo importante do Japão que comprou um monte de coisa da gente, só

naquele momento. Depois perdemos contato, mas tem coisas bem especiais da gente. V: Este grupo é uma instituição?D: Eles descobriram a gente...C: Este grupo acho que chama BHD: HP.C: HP. Eles que levaram o Herchcovitch pra lá há muito tempo.V: Fizeram aquela loja...C: Eles têm uma rede de lojas meio como se fosse um self não sei o quê, Bon Marché, Galerie Lafayette, japonesa só que

menores e bem mais conceituais, que vende roupa, vende isso e aquilo e algumas são bastante conceituais e já estive-mos em algumas destas aí.

V: Interessante.C: E se você fosse perguntar qual é o buraco que vocês têm no Estudio Manus é esse lado comercial que é uma coisa que

a gente acaba fazendo, é uma coisa que a gente não sabe fazer, de resto a gente faz muito bem e não tem a pessoa que possa trabalhar este comercial...

C: Não surgiu...D: E que faça um investimento e que trabalhe esta aparição, divulgação, produção...V: O marketing, mesmo.C: A base de vendas mesmo.D: Que pode se chamar de agente.

Page 139: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento

139

Design fora de série: percursos da produção contemporânea em São Paulo: Estúdio Manus e ,ovo

V: Acho que é isso.C: Estas bem especiais que tocam mais a arte, etc; têm pessoas que vendem também em outras lojas por aí, poucas, mas têm.D: Tem em Brasília, Recife.C: Porto Alegre.D: Agora estamos fazendo com umas meninas que chama Garimpório, são arquitetas, mas abriram um espaço, elas são

muito mais arquitetura, fazem poucos produtos, mas sempre se inspiraram em nós e juntaram uma turma... Você conhece a Verniz?

V: Sim.D: A Verniz é uma das pessoas que está colocando coisas neste espaço delas, então tipo amanhã eu vou na Verniz pegar

uma peça da Verniz e fazer uma interferência, então ela está começando a fazer um trabalho muito bacana e adora nosso trabalho, dá liberdade, quando começou a fazer produtos se inspirou muito na gente.

C: A comercialização tem em Los Angeles que é da gente.D: Em Los Angeles é uma loja de design brasileiro que vende mobiliário brasileiro, Sérgio Rodrigues, Arthur Casas, etc.,

enfim, e tem este caminho do objeto peça única, ou seriado inusitado que a gente está já há uns dois, três anos.C: A gente participou do museu Objet com um grupo importante do Japão que comprou um monte de coisa da gente, só

naquele momento. Depois perdemos contato, mas tem coisas bem especiais da gente. V: Este grupo é uma instituição?D: Eles descobriram a gente...C: Este grupo acho que chama BHD: HP.C: HP. Eles que levaram o Herchcovitch pra lá há muito tempo.V: Fizeram aquela loja...C: Eles têm uma rede de lojas meio como se fosse um self não sei o quê, Bon Marché, Galerie Lafayette, japonesa só que

menores e bem mais conceituais, que vende roupa, vende isso e aquilo e algumas são bastante conceituais e já estive-mos em algumas destas aí.

V: Interessante.C: E se você fosse perguntar qual é o buraco que vocês têm no Estúdio Manus é esse lado comercial que é uma coisa que

a gente acaba fazendo, é uma coisa que a gente não sabe fazer, de resto a gente faz muito bem e não tem a pessoa que possa trabalhar este comercial...

C: Não surgiu...D: E que faça um investimento e que trabalhe esta aparição, divulgação, produção...V: O marketing, mesmo.C: A base de vendas mesmo.D: Que pode se chamar de agente.V: Acho que é isso.

Page 140: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 141: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 142: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 143: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 144: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 145: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento
Page 146: PERCURSOS DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ......Aos designers Caio Medeiros, Daniela Scorza e Gerson de Oliveira, cujas contribui-ções e informações possibilitaram o desenvolvimento