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27/09/2015 Pesquisa genética já tem história no Brasil | História, Ciências, Saúde – Manguinhos
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Pesquisa genética já tem história no Brasil
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Exposição do Museu da Genética da UFRGS.
Foto de divulgação do Museu.
Vanderlei de Souza
Dezembro/2013
Marina Lemle | Blog de HCSM
Na década de 1920, a genética mendeliana era argumento
tanto para eugenistas que consideravam a miscigenação
racial maléfica para a população brasileira quanto para
intelectuais que defendiam a mestiçagem.
Nos anos 1940, em São Paulo, um programa de
desenvolvimento de genética de populações atraiu cientistas
de diferentes regiões do Brasil, que na década seguinte
montaram laboratórios e programas em seus próprios
estados, com recursos do governo brasileiro e da Fundação
Rockfeller. Dos estudos sobre a mosca da fruta (drosófila),
estes pesquisadores estenderam-se ao estudo de outras
espécies, incluindo populações humanas.
Para o grupo gaúcho, miscigenação e a formação da população brasileira sempre foram questões centrais. Destacam-
se estudos sobre populações indígenas e mestiças, abordando diversidade biológica, fluxo gênico em migrações e
características micro-evolutivas de grupos “isolados”.
Nos anos 1990, novas técnicas e a biologia molecular levaram a grandes projetos internacionais, como o mapeamento
do genoma humano e pesquisas em células tronco, transgênicos e clonagem. A Universidade Federal do Rio Grande do
Sul incorporou estas novas tecnologias e continuou fazendo história. Tanta história que em 2011 foi inaugurado o
Museu da Genética da UFGRS.
O Museu e sua razão de ser são tema de artigo publicado na revista História,
Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 20, n. 2, abril/junho 2013).
Conversamos com um dos autores - Vanderlei de Souza, professor da Universidade
Estadual do Centro-Oeste, no Paraná -, sobre a relevância histórica do
desenvolvimento da pesquisa em genética no Brasil e o papel do Museu da Genética
da UFGRS de preservação da memória e de divulgação científica.
O artigo conta que a genética mendeliana foi usada por eugenistas brasileiros na
década de 1920. Como? Houve reação?
No Brasil, o uso da genética mendeliana pelos eugenistas tem particularidades muito
http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/pesquisa-genetica-ja-tem-historia-no-brasil/#respondhttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702013000200675&script=sci_arttexthttp://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/pesquisa-genetica-ja-tem-historia-no-brasil/#respond
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Clara Maria P. Maciel e, ao fundo, Nena Morales, no
Laboratório de Drosophila da UFRGS, nos anos 1960.
interessantes para a história das ciências. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a eugenia mendeliana foi
empregada de maneira mais homogênea, acionada para legitimar medidas eugênicas radicais e estimular políticas de
segregação racial, no Brasil os eugenistas aplicaram a genética mendeliana de maneira mais diversificada.
Em primeiro lugar, a eugenia mendeliana não foi rapidamente incorporada ao ideário científico brasileiro como foi em
outros países, na medida em que a genética neolamarckista continuou sendo amplamente empregada por uma grande
parcela de cientistas. Durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia de 1929, por exemplo, houve um amplo
embate entre os defensores da eugenia mendeliana e os neolamarckistas. Para os primeiros, a herança genética era
algo imutável, uma vez que estava contida na célula germinal; já para os neolamarckistas, a herança genética poderia
sofrer alterações em contato com o meio, seguindo os pressupostos da teoria evolutiva da herança dos caracteres
adquiridos.
Em segundo lugar, a genética mendeliana foi empregada no Brasil tanto para reafirmar o suposto malefício que a
miscigenação racial apresentava no processo de formação eugênica da população brasileira, como argumentava o
eugenista Renato Kehl, quanto para negar a ideia de que os mestiços seriam “tipos inferiores e degenerados”. Como um
dos principais adeptos do evolucionismo mendeliano, o médico e antropólogo Edgard Roquette-Pinto fazia uso das leis
de Mendel justamente para demonstrar a viabilidade biológica da população mestiça brasileira, refutando o racismo
científico e as medidas eugênicas mais radicais, como as leis de esterilização eugênica e de segregação racial.
Como a genética evolutiva influenciou a área no Brasil na década de 40?
Os estudos em genética no Brasil emergem ainda nos anos 1910, centradas em pesquisas sobre genética vegetal e
animal em institutos agronômicos como a Escola Agrícola Luiz de Queiroz e o Instituto Agronômico de Campinas.
Contudo, a institucionalização mais efetiva das pesquisas em genética ocorreu a partir dos anos 1940, especialmente na
Universidade de São Paulo, onde um grupo de geneticista passou a se destacar sob a liderança de André Dreyfus. Com
a criação de cooperações internacionais envolvendo agências como a Fundação Rockfeller, o ensino e a pesquisa no
campo da genética cresceram rapidamente no país. A vinda ao Brasil do geneticista russo Theodosius Dobzhansky,
conforme acordo feito entre a Universidade de São Paulo e a Fundação Rockfeller, foi decisivo para a formação de um
programa brasileiro de desenvolvimento da genética de populações, que tinha por objetivo treinar um grupo de
cientistas nas novas técnicas da biologia evolutiva. Esse programa atraiu cientistas de diferentes regiões do Brasil, que
se dirigiam até São Paulo para realizar atividades de ensino e pesquisa nesse campo da genética.
Os estudos de genética de populações no Brasil começaram nos anos 50. Como se deu esse início?
Esse grupo de geneticistas treinados na Universidade de São
Paulo por Dobzhansky e André Dreufus criaram, a partir dos
anos 1950, importantes grupos de pesquisas e laboratórios
em genética de populações em diferentes regiões do país.
Além das pesquisas que vinham sendo desenvolvidas na
Universidade de São Paulo, formaram-se grupos de
pesquisadores em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Curitiba,
Belo Horizonte e Salvador, boa parte deles financiados comrecursos vindos tanto do governo brasileiro quanto da
Fundação Rockfeller. Embora esses grupos tenham
começado a partir da criação de pequenos laboratórios e sem
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Foto: Museu da Genética/UFRGS muita estrutura para pesquisas, nas décadas seguintes
ampliaram suas atividades com bastante sucesso,
especialmente com a implantação dos primeiros programas de pós-graduação nessa área. Esses diferentes grupos de
pesquisas que se espalhavam pelas universidades brasileiras se destacaram a partir dos anos 1950 pela criação de
uma bem estruturada rede internacional de cooperação envolvendo sobretudo o Brasil e os Estados Unidos, o que
possibilitou não só a realização de estudos no exterior como a execução de uma série de pesquisas e a publicação em
revistas renomadas dos Estados Unidos e da Europa. Boa parte dessas pesquisas sobre genética de populações
começou com estudos sobre as drosófilas, mosca da fruta que foi amplamente empregada nos estudos sobre genética,
estendendo-se posteriormente para o estudo de outras espécies animais e vegetais, ou mesmo para o estudo de
populações humanas.
Populações de nordestinos, negros, mestiços e indígenas foram o foco de estudos genéticos nos anos 1960.
Francisco Salzano, por exemplo, debruçou-se sobre os efeitos da miscigenação. Poderia falar sobre estes
estudos?
A análise sob re os estudos genéticos de “mistura racial” produzid os entre os anos 1950 e 1970 é j ustamente o tema que
estamos pesquisando no momento, em um projeto financiado pelo CNPq sob a coordenação do Prof. Ricardo Ventura
Santos, antropólogo da Ensp/Fiocruz e do Museu Nacional/UFRJ. Conforme nossas pesquisas vêm demonstrando,
ainda nos anos 1950 um grupo de geneticistas investiu suas atenções no estudo da genética de populações humanas,
com enfoque especial para o estudo dos efeitos da miscigenação racial em populações de diferentes regiões do país.
Além do grupo formado por Francisco Salzano na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destacaram-se
também nessas pesquisas nomes como Newton Freire-Maia, Pedro Henrique Saldanha, Henrique Krieger, Eliane
Azevedo, entre outros, qu e p ublicaram teses, livros e uma série de artigos em re vistas cie ntíficas nacionais e
internacionais. Em menor ou maior grau, esses pesquisadores e stavam interessados em investigar, através das teorias e
métodos da genética, como ocorreu o processo de formação da população brasileira, de modo que a questão da
miscigenação sempre foi um ponto central.
Dentre os estudos de Salzano, destacam-se aqueles sobre as populações indígenas, tanto do sul do Brasil quanto no
Brasil Central e na região amazônica, onde realizou pesquisas sobre os Xavante e Yanomami em parceria com o
geneticista norte americano James Neel. O ob jetivo desses estudos eram compreender os p rocessos envolvidos na
produção da diversidade biológica, o fluxo gênico decorrente de migrações, as características micro-evolutivas dos
chamados grupos “isolados”, dentre outros temas. Além de procurar compreender o p róprio processo evolutivo, o
interesse desses geneticistas era analisar aspectos demográficos ligados especialmente aos índices de natalidade emortalidade, a ocorrência e o comportamento de determinadas doenças ou epidemias e as relações entre aspectos
genéticos, sociais e ambientais.
Como foi o período da ditadura militar para a genética brasileira?
Parece-me que o principal problema enfrentado pelos geneticistas foi o mesmo que passaram muitos outros cientistas e
professores das universidades brasileiras daquele período, ou seja, problemas de perseguição política e perda de
autonomia universitária. Em alguns casos, os pesquisadores também tinham maiores dificuldades para realizar viagens
ao exterior a fim participarem de eventos científicos ou realizar estágios de formação, uma vez que, em alguns casos, a
autorização de viagem era expedida diretamente pelos militares. Do ponto de vista do financiamento para pesquisa e
ensino, os recursos do governo militar continuaram sendo liberados regularmente, possibilitando a expansão dos
programas de pesquisas e de cursos de pós-graduação, apoiados pelo CNPq e pela Capes, agências criadas nos anos
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Pesquisadores na Universidade de Brasília, 1965.
Foto: Museu da Genética/UFRGS
1950 para estimular a pesquisa e o ensino superior no Brasil.
Durante os anos 1990, os pesquisadores da UFRGS
mudaram de campus e, bem equipados, ampliaram suas
linhas de pesquisa. Poderia destacar algumas?
Nos anos 1990, o desenvolvimento da genética é marcado no
mundo todo pela introdução de novas técnicas e pela
expansão da biologia molecular, que possibilitou a formação
de vários projetos importantes, como o projeto genoma
humano, as pesquisas sobre as células tronco, estudos sobre
transgênicos e implantação de programas de clonagem de
animais. De maneira geral, a UFRGS incorporou essas novas
tecnologias científicas ao seu departamento de genética, especialmente depois da criação do Programa de Pós-
Graduação em Genética e Biologia Molecular, em 1991. Na década de 2000, a UFRGS inicia projetos importantes como
o projeto Genosoja [Consórcio Nacional para Estudos do Genoma da Soja], do qual participam instituições de diversos
estados brasileiros, e o projeto Biotecsur [Biotecnología en el Mercosur], que envolve países do Mercosul, e que foi
fundamental para a modernização de laboratórios e o desenvolvimento de pesquisas integradas.
Em 2011, foi inaugurado o Museu da Genética da UFRGS, com a proposta de promover a divulgação científica. Qual
a importância do Museu? Ele tem alcançado os objetivos?
A criação do Museu da Genética é importante não apenas pela preservação da memória da pesquisa científica
brasileira, mas também para refletir, a partir de uma perspectiva da história das ciências, sobre o desenvolvimento e
institucionalização da pesquisa em genética no Brasil, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial. Os objetos
materiais, as imagens fotográficas e os textos disponíveis para leitura no Museu permitem uma ampla compreensão
sobre aspectos históricos ainda pouco estudados na história das ciências no Brasil, como as dinâmicas locais, nacionais
e transnacionais envolvendo a genética brasileira. Criado com o objetivo de colaborar com a divulgação e o ensino de
ciências, o Museu da Genética, sem dúvida, tem obtido sucesso, basta ver a circulação de visitantes, especialmente de
estudantes.
Leia na revista HCS-Manguinhos:
História da genética no Brasil: um olhar a partir do Museu da Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul -
artigo de Vanderlei Sebastião de Souza, Rodrigo Ciconet Dornelles, Carlos E.A. Coimbra Júnior e Ricardo
Ventura Santos.
Leia no Blog de HCS-Manguinhos:
O Brasil mestiço e viável de Roqu ette-Pinto
Anpuh premia tese de Vanderlei Sebastião de Souza sobre o “retrato racial” do brasileiro feito por Edgard Roquette-
Pinto.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Pesquisa genética já tem história no Brasil . Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 19 December
http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/o-brasil-mestico-e-viavel-de-roquette-pinto/http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702013000200675&script=sci_arttext
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2013]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/pesquisa-genetica-ja-tem-historia-no-brasil/