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0 SUMÁRIO PAG. 1 HISTÓRIA DA GENÉTICA 01 2 DAS ERVILHAS A DUPLA HÉLICE 01 3 GÉNETICA 10 4 O ESTUDO DE MENDEL SOBRE A HEREDITARIEDADE 10 5 O ORGANISMO EXPERIMENTAL DE MENDEL, A ERVILHA 10 6 O PRINCÍPIO DA DOMINÂNCIA 15 7 O PRINCÍPIO DA SEGREGAÇÃO: 15 8 O PRINCÍPIO DA DISTRIBUIÇÃO INDEPENDENTE: 17 9 APLICAÇÕES DOS PRINCÍPIOS DE MENDEL 18 10 O MÉTODO DO QUADRADO DE PUNNETT 18 11 O MÉTODO DA LINHA BIFURCADA 18 12 O MÉTODO DA PROBABILIDADE 19 13 FORMULAÇÃO E TESTE DAS HIPÓTESES GENÉTICAS 21 14 O TESTE DO QUI-QUADRADO 22 15 PRINCÍPIOS MENDELIANOS EM GENÉTICA HUMANA 24 16 HEREDOGRAMAS 25 17 SEGREGAÇÃO MENDELIANA EM FAMÍLIAS HUMANAS 26 18 CONSULTA GENÉTICA 28 19 RELEVANCIA DOS GENES E CROMOSSOMOS 31 20 CROMOSSOMOS 31 21 NÚMERO DE CROMOSSOMOS 31 22 CROMOSSOMOS SEXUAIS 32 23 TEORIA CROMOSSÔMICA DA HERANÇA 33 24 CROMOSSOMOS COMO VEÍCULOS DE GENES 35 25 NÃO-DISJUNÇÃO COMO PROVA DA TEORIA CROMOSSÔMICA 37 26 A BASE CROMOSSÔMICA DOS PRINCÍPIOS MENDELIANOS DA SEGREGAÇÃO E DA DISTRIBUIÇÃO INDEPENDENTE 39 27 O PRINCÍPIO DA SEGREGAÇÃO 39 28 O PRINCÍPIO DA DISTRIBUIÇÃO INDEPENDENTE 41 29 GENES LIGAODOS AO SEXO EM SERES HUMANOS 41 30 HEMOFILIA, UM DISTÚRBIO DE COAGULAÇÃO SANGUÍNEA LIGADO AO X 42 31 DALTONISMO, UM DISTÚRBIO VISUAL LIGADO AO X 42 32 A SÍNDROME DO X FRÁGIL E RETARDO MENTAL 44 33 GENES NO CROMOSSOMO Y HUMANO 45 34 GENES NOS CROMOSSOMOS X E Y 46 35 CROMOSSOMOS SEXUAIS E DETERMINAÇÃO DO SEXO 46 36 DETERMINAÇÃO DO SEXO EM SERES HUMANOS 46 37 DETERMINAÇÃO DO SEXO NA DROSOPHILA 48 38 DETERMINAÇÃO DO SEXO EM OUTROS ANIMAIS 49 39 COMPENSAÇÃO DE DOSE DE GENES LIGADOS AO X 51 40 HIPERATIVAÇÃO DE GENES LIGADOS AO X EM MACHOS DE DROSOPHILA 52 41 INATIVAÇÃO DE GENES LIGADOS AO X EM FÊMEAS DE MAMÍFEROS 52 42 GENÉTICA EM MEDICINA 55 43 GENÉTICA E AGRICULTURA MODERNA 59 44 GENÉTICA E SOCIEDADE 62

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SUMÁRIO PAG.

1 HISTÓRIA DA GENÉTICA 01

2 DAS ERVILHAS A DUPLA HÉLICE 01

3 GÉNETICA 10

4 O ESTUDO DE MENDEL SOBRE A HEREDITARIEDADE 10

5 O ORGANISMO EXPERIMENTAL DE MENDEL, A ERVILHA 10

6 O PRINCÍPIO DA DOMINÂNCIA 15

7 O PRINCÍPIO DA SEGREGAÇÃO: 15

8 O PRINCÍPIO DA DISTRIBUIÇÃO INDEPENDENTE: 17

9 APLICAÇÕES DOS PRINCÍPIOS DE MENDEL 18

10 O MÉTODO DO QUADRADO DE PUNNETT 18

11 O MÉTODO DA LINHA BIFURCADA 18

12 O MÉTODO DA PROBABILIDADE 19

13 FORMULAÇÃO E TESTE DAS HIPÓTESES GENÉTICAS 21

14 O TESTE DO QUI-QUADRADO 22

15 PRINCÍPIOS MENDELIANOS EM GENÉTICA HUMANA 24

16 HEREDOGRAMAS 25

17 SEGREGAÇÃO MENDELIANA EM FAMÍLIAS HUMANAS 26

18 CONSULTA GENÉTICA 28

19 RELEVANCIA DOS GENES E CROMOSSOMOS 31

20 CROMOSSOMOS 31

21 NÚMERO DE CROMOSSOMOS 31

22 CROMOSSOMOS SEXUAIS 32

23 TEORIA CROMOSSÔMICA DA HERANÇA 33

24 CROMOSSOMOS COMO VEÍCULOS DE GENES 35

25 NÃO-DISJUNÇÃO COMO PROVA DA TEORIA CROMOSSÔMICA 37

26 A BASE CROMOSSÔMICA DOS PRINCÍPIOS MENDELIANOS DA

SEGREGAÇÃO E DA DISTRIBUIÇÃO INDEPENDENTE

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27 O PRINCÍPIO DA SEGREGAÇÃO 39

28 O PRINCÍPIO DA DISTRIBUIÇÃO INDEPENDENTE 41

29 GENES LIGAODOS AO SEXO EM SERES HUMANOS 41

30 HEMOFILIA, UM DISTÚRBIO DE COAGULAÇÃO SANGUÍNEA LIGADO AO X 42

31 DALTONISMO, UM DISTÚRBIO VISUAL LIGADO AO X 42

32 A SÍNDROME DO X FRÁGIL E RETARDO MENTAL 44

33 GENES NO CROMOSSOMO Y HUMANO 45

34 GENES NOS CROMOSSOMOS X E Y 46

35 CROMOSSOMOS SEXUAIS E DETERMINAÇÃO DO SEXO 46

36 DETERMINAÇÃO DO SEXO EM SERES HUMANOS 46

37 DETERMINAÇÃO DO SEXO NA DROSOPHILA 48

38 DETERMINAÇÃO DO SEXO EM OUTROS ANIMAIS 49

39 COMPENSAÇÃO DE DOSE DE GENES LIGADOS AO X 51

40 HIPERATIVAÇÃO DE GENES LIGADOS AO X EM MACHOS DE DROSOPHILA 52

41 INATIVAÇÃO DE GENES LIGADOS AO X EM FÊMEAS DE MAMÍFEROS 52

42 GENÉTICA EM MEDICINA 55

43 GENÉTICA E AGRICULTURA MODERNA 59

44 GENÉTICA E SOCIEDADE 62

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História da Genética

Das ervilhas a dupla hélice

Adaptado de Barros Veloso, 2003

1900 foi o ano que, separadamente, três biólogos – Hugo de Vries, Erich von Tschermak e

Karl Correns –descobriram os trabalhos de Mendel que se encontravam esquecidos há 35 anos nas

estantes de velhas bibliotecas. Este fato iria marcar a ciência e a tecnologia do século XX. A

redescoberta das leis mendelianas forneceu a base conceptual para o desenvolvimento da genética

que, ao culminar, 53 anos mais tarde, na dupla hélice de Watson e Crick, abriria caminho à

engenharia genética, à clonagem e à decifração do genoma.

Nos 10 anos anteriores, os avanços da microscopia tinham tornado possível observar os

cromossomas e os fenômenos de meiose. “Ora, as idéias desenvolvidas por Mendel sobre os fatores

hereditários” transmitidos pelas células reprodutoras e a sua combinação aleatória quando da

fecundação, estavam de acordo com os dados fornecidos pela fisiologia celular que a microscopia

começara a revelar. Foi precisamente esta semelhança entre as teorias de Mendel e o

comportamento dos cromossomas que permitiu a Walter Sutton, em 1902, propor a primeira teoria

cromossômica da hereditariedade. Mas tudo isto aconteceu porque os trabalhos de Mendel tinha

sido exemplo genial de concepção e de método.

Nascido em 1822, Mendel foi orientado para uma carreira eclesiástica a fim de poder

continuar os seus estudos e, depois de freqüentar em Viena o curso de biologia e de física durante

dois anos, foi nomeado superior do mosteiro agostiniano de Brno. Aí, num pequeno jardim de 35

por 7 metros, que ainda hoje pode ser visitado, realizou os seus trabalhos de hibridação com

ervilheiras.

Mendel percebeu também que seria importante realizar as suas observações numa população

numerosa de plantas, a fim de fazer um tratamento estatístico dos resultados. Desta maneira, estava

a aplicar pela primeira vez à biologia o rigor da matemática. Além disso, teve a intuição de recorrer

à utilização de símbolos (A, dominante, Aa, híbrido e a, recessivo) com os quais pôde articular a

teoria com a experimentação. Ele tinha percebido que uma coisa é o que se vê – o caráter –outra as

partículas ou unidades ocultas – os “fatores” – que se exprimem por sinais exteriores. Desta forma

estava a antecipar os conceitos de “fenótipo” e “genótipo” que a genética iria consagrar mais tarde.

Mas a verdade é que, mesmo quando o desenvolvimento da genética veio mostrar que a

transmissão de caracteres era mais complexa do que Mendel alguma vez terá pensado, as suas leis

se revelaram rigorosamente exatas. Bastou para isso acrescentar algumas “extensões ao

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mendelismo”, tais como a “dominância intermédia” (flores cor-de-rosa provenientes de

progenitores com flores vermelhas e flores brancas), a “co-dominância” (grupos sanguíneos), a

“interação gênica”, etc.

De Vries, trabalhando com uma planta da família das Onagraceae, deu o passo seguinte, ao

descobrir modificações bruscas, descontinuas e hereditárias, capazes de alterar caracteres. Chamou-

lhes “mutações”, mas sabe-se hoje que o que ele observou foram, sobretudo, acidentes

cromossômicos heterogêneos e pouco freqüentes que não eram reprodutíveis em outras variedades

de plantas. Tal como Mendel, De Vries generalizou aquilo que era exceção. Mas, ao fazê-lo,

introduziu um novo conceito que se revelaria fundamental no desenvolvimento posterior da

genética.

Em 1910, Morgan observou pela primeira vez a presença de um macho de Drosophila

melanogaster que tinha olhos brancos, em vez dos habituais olhos vermelhos. Aplicando então os

métodos que tinham sido utilizados por Mendel, verificou que, na primeira geração resultante do

cruzamento entre esse macho e uma fêmea normal,( todas com olhos vermelhos). Contudo, na

segunda geração, todas as fêmeas apresentavam olhos vermelhos enquanto que, em metade dos

machos, os olhos eram brancos. Foi o estudo destas populações que lhe permitiu concluir a

existência de um caráter recessivo situado no cromossomo sexual. Estava assim encontrada a

primeira localização cromossômica para um fator hereditário mendeliano. Morgan em breve

detectou outras mutações.

A transmissão não independente de algumas delas permitiu-lhe admitir a existência de

linkage de vários genes que se exprimiam em conjunto, ao constatar o aparecimento no mesmo

macho de dois caracteres recessivos resultantes de mutações (olhos brancos e asas rudimentares),

localizados no cromossomo X, admitiu a hipótese de crossing-over, ou seja, de troca de material

genético entre os cromossomos do mesmo par. O colaborador, Alfred Sturtevant, sugeriram que,

quanto mais afastados estivessem os genes no mesmo cromossomo, maior seria a probabilidade de

se separarem numa geração posterior pelo mecanismo de crossing-over. A partir desta observação

foi possível desenvolver um vasto trabalho que permitiu definir a distribuição linear de alguns genes

ao longo dos quatro pares de cromossomos da drosófila. Surgia assim o esboço da primeira carta

genética, em que cada gene correspondia a um locus. Ao fim de duas décadas, foi referenciados

mais de 2500 genes. A teoria cromossômica da hereditariedade de Morgan é um marco na história

da genética, realizou uma síntese perfeita entre genética mendeliana e biologia celular. Sabiam que

na constituição dos cromossomos entravam proteínas e ácidos nucléicos.

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O percurso que levou a atribuir ao ADN um papel central na transmissão dos caracteres

hereditários teve início e não foi simples. Recorde-se que a história do ADN tinha começado em

1868 quando um jovem bioquímico suíço, Johannes Miescher, conseguiu, pela primeira vez, separar

o núcleo do citoplasma. Isolou então, no núcleo dos espermatozóides do salmão, uma substância a

que chamou nucleína, que, além de proteínas, continha um composto rico em fósforo. Quando se

identificaram todos os constituintes químicos deste composto – fosfato, açúcar, bases púricas e

pirimídicas – passaram-se a chamar-lhe ácido desoxirribonucléico. Mas nada se conhecia acerca das

funções que desempenhava e ninguém parecia disposto a atribuir-lhe qualquer papel de destaque na

transmissão genética.

Nas primeiras décadas do século XX existia como que uma espécie de “imperialismo

conceptual” favorável às proteínas que só foi ultrapassado por uma série de trabalhos experimentais

que ficaram célebres pelo seu rigor e elegância. Vejamos, então, o que se passou. Em 1928, um

médico inglês, Fred Griffith, injetou num rato pneumococos não patogênicos juntamente com uma

suspensão de pneumococos patogênicos inativados pelo calor. Ao contrário do que seria de esperar

o rato morreu em 24 horas, tendo o exame do sangue revelado uma proliferação de bactérias

virulentas.

A questão que se levantou foi a de saber qual seria a substância, presente na suspensão de

bactérias inativadas, capaz de induzir este comportamento inesperado nas estirpes não patogênicas.

Griffith, que não tentou investigar se a agressividade bacteriana se perpetuava ou não nas gerações

seguintes, atribuiu este fenômeno a uma substância nutritiva.

Só em 1935 é que um médico canadiano, Oswald Avery, que trabalhava no Instituto

Rockfeller, decidiu resolver o enigma deixado em suspenso por Griffith. Com a ajuda de dois

colaboradores (Colin MacLeod e Maclyn McCarthy) procurou identificar o “fator transformante”,

responsável pela mudança operada nos pneumococos não patogênicos. Foi um longo e minucioso

trabalho realizado ao longo de 10 anos, com grande rigor e persistência, em que todas as técnicas

utilizadas conduziram ao mesmo resultado: o “fator transformante” não era uma proteína, mas sim o

ácido desoxirribonucléico. De fato, nos ensaios realizados, ficou demonstrado que o “fator

transformante” resistia a temperaturas que desnaturavam as proteínas; que após purificação por

testes colorimétricos, o “fator transformante” não continha ARN, nem proteínas, mas apena ADN;

que não era destruído nem pelas proteases que fragmentavam as proteínas, nem pelas fosfatases que

degradavam o ARN; e que era inativado pelo soro não aquecido, o qual possuía enzimas capazes de

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destruir o ADN. Além disso, as análises químicas elementares mostravam que o “fator

transformante” purificado continha quantidades de proteínas muito inferiores a 1%.

Avery dedicou ainda uma parte importante do seu trabalho ao estudo imunológico do

material isolado, verificando que ele não reagia com os anticorpos anticápsula bacteriana. Tudo

levava a crer que possuía uma composição química diferente da estrutura celular que era suposto

transformar. Contudo, o que mais contribuiu para a falta de aceitação destes resultados, foi a

convicção, então generalizada entre os geneticistas, de que só as proteínas podiam veicular a

transmissão de caracteres hereditários.

Os dados apresentados não se inseriam nos conhecimentos nem nos consensos da época,

pelo que ninguém sabia “o que fazer das observações de Avery”, como teria dito na altura Max

Delbrück. De facto não era fácil admitir que um ácido nucleico, composto que não revelava

qualquer especificidade quando submetido aos critérios imunoquímicos, pudesse controlar a

atividade de proteínas ou, mais precisamente, de enzimas responsáveis pela síntese da cápsula de

pneumococos. Mas outro acontecimento viria contribuir para desvalorizar os resultados de Avery e

para reforçar a posição dos “proteinófilos”. No princípio da década de 40, Beadle e Tatum iniciaram

um trabalho com um fungo, a Neurospora, cujo ciclo evolutivo permitia um rápido isolamento de

mutantes.

Estes trabalhos permitiram pela primeira vez estabelecer uma associação entre bioquímica e

genética e impuseram a relação simplista “um gene-um enzima”. E, naturalmente, reforçaram os

argumentos a favor do papel desempenhado pelas proteínas na hereditariedade. Mas, enquanto tudo

isto se passava, outros acontecimentos preparavam novos rumos para a genética através da

aproximação da fisica à biologia.

A atividade dos físicos passou a resumir-se à verificação e ao aperfeiçoamento de modelos

já consagrados, sem que fossem postos em causa os fundamentos conceptuais da disciplina. Neste

contexto, a biologia surgiu como uma “nova fronteira” do conhecimento à qual a física quântica

poderia fornecer novos e valiosos utensílios e onde jovens físicos poderiam encontrar uma área

estimulante para a sua atividade. Um dos físicos que mais influenciou a biologia foi Max Delbrück.

Nascido em 1906, em Berlim, defendeu tese de doutoramento em física teórica em 1930. Em 1932,

durante um estágio em Copenhaga, assistiu a uma conferência de Niels Bohr (“Light and Life”) que

muito o impressionou. Bohr era o papa da mecânica quântica, o chefe de fila da “interpretação de

Copenhaga” e o autor do polémico “princípio da complementaridade”. A mensagem retida por

Delbrück terá sido esta: é necessário levar o estudo molecular dos seres vivos tão longe quanto

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possível e há que fazer uma abordagem diferente da vida, que seja “complementar” daquela que

estava a ser feita até então.

Tal como os princípios da mecânica quântica só tinham sido revelados quando a matéria

passou a ser estudada ao nível mais elementar – o átomo –, também para descobrir os segredos da

vida era necessário desvendar os sistemas biológicos mais simples. De regresso a Berlim, Delbrück

empenhou-se em aplicar à biologia os modelos do bombardeamento do átomo utilizados pela física,

expondo a drosófila aos efeitos dos raios X. O seu objetivo era relacionar o número de mutações

com a energia das radiações utilizadas. Pôde, assim, estabelecer um modelo quântico do gene que,

tal como uma molécula, possuiria vários níveis estáveis de energia: uma mutação não seria mais do

que a passagem de um estado estável a outro estado estável. Da mesma forma que as variações da

matéria e da energia, também as variações hereditárias se fariam por “saltos quânticos”. O artigo

datado de 1935, em que publicitou estas experiências, chegou às mãos de Erwin Schrödinger, um

dos físicos que mais contribuiram para o desenvolvimento da mecânica quântica.

Foi ele que num livro, “What is Life?”, deu ampla publicidade aos trabalhos de Delbrück e

admitiu que os genes têm de ser necessariamente constituídos por um número limitado de átomos,

cujo ordenamento é capaz de reproduzir uma variedade infinita de configurações espaciais e

funcionais. Sugeriu pela primeira vez a existência de um código genético, hipótese que, embora

especulativa, viria a constituir o quadro teórico de toda a investigação posterior. Ao contrário de

Bohr, que adotara uma interpretação indeterminista, Schrödinger bateu-se por uma ordem e uma

lógica determinista dos seres vivos, cujas leis próprias ele admitiu que estavam ainda por esclarecer.

Quando Delbrück passou pelo laboratório de Thomas Morgan, em Pasadena, no ano de

1937, estava já convencido que a drosófila era um sistema complexo demais para o estudo dos

segredos da vida. Seria necessário, por isso, procurar sistemas elementares mais simples. Foi assim

que escolheu os bacteriógafos, descobertos em 1917 por Félix d’Herelle, que lhe pareciam ser

partículas biológicas elementares e que estariam, por isso, para os sistemas biológicos, como as

moléculas para a matéria. Entretanto um italiano, Salvador Luria, que trabalhara com Enrico Fermi

em Roma, viu-se forçado a fugir para os EUA em 1941, tendo começado a colaborar com Delbrück

em Cold Spring Harbor. Quando, em 1943, a eles os dois se juntou Alfred Hershey formou-se o

chamado “grupo do fago” que iria procurar esclarecer os mistérios ligados à replicação dos

bacteriófagos. A importância deste grupo ficou a dever-se, em grande parte à personalidade

carismática de Delbrück, aos seus métodos revolucionários de trabalho e à sua forte convicção de

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que os mecanismos de reprodução dos seres vivos eram os mesmos, quer se tratasse de vírus ou de

animais superiores.

Em breve o trabalho do grupo iria traduzir-se em realizações concretas. Luria, ao estudar a

resistência das bactérias a um fago, verificou que não eram os fagos que induziam resistências:

apenas selecionavam as bactérias previamente resistentes. O tratamento matemático destes dados,

realizado por Delbrück, permitiu, pela primeira vez, calcular taxas de mutação, que constituiram

uma informação essencial para uma análise genética. Mas esta experiência demonstrou, sobretudo,

a origem mutacional das estirpes resistentes e a importância da seleção na evolução dos seres vivos.

Constituiu, assim, uma importante vitória do darwinismo que, a partir daí, ficou definitivamente

ligado à biologia molecular. Mas a realização mais importante do “grupo do fago” foi conseguida

em 1952 por Alfred Hershey e Martha Chase numa série de experiências em que, pela primeira vez

em biologia, foi utilizada a marcação de moléculas com substâncias radioactivas. Em trabalhos

realizados anteriormente tinha ficado claro que o bacteriófago era constituído por um invólucro

proteico que continha ADN no seu interior. Depois de marcados alternadamente com 35S (que se

incorpora nas moléculas proteicas) ou com 32P (que seintegra no ADN), os bacteriógados eram

depois adicionados a culturas bacterianas. Todos os resultados demonstraram que o ADN marcado

com 32P era introduzido, digamos

mesmo, injectado para dentro das bactérias, onde se replicava e dava origem a novos bacteriófagos.

Por sua vez, as proteínas marcadas com 35S permaneciam fora das bactérias.

Ficava assim demonstrado que o ADN era o material genético e que as proteínas apenas

desempenhavam, neste caso, um papel de invólucro estrutural. Estes resultados foram então

apresentados como a primeira prova do papel genético desempenhado pelo ADN. Mas a verdade é

que oito anos antes, Avery, utilizando métodos diferentes, tinha chegado à mesma conclusão. E se,

na altura, Avery fora criticado pela interpretação pouco rigorosa que tinha feito de alguns

resultados, muito mais razões haveria para questionar a falta de rigor de Hershey e Chase. O

problema é que, durante esses oito anos, outros dados se tinham acumulado e, a pouco e pouco, os

resultados apresentados por Avery começavam a pesar no espírito dos investigadores. Foi assim

que, entre 1944 e 1952, a comunidade científica foi sendo preparada para aquilo a que Thomas

Kuhn, na “Estrutura das Revoluções Científicas”, iria chamar mais tarde uma “conversão”. A

disparidade com que os geneticistas trataram Avery, por um lado, e Hershey e Chase, por outro,

apenas demonstra que uma Linus Pauling – Prémio Nobel da Química em 1954, Prémio Nobel da

Paz em 1962, olhado com suspeição pelo mccarthysmo – foi uma das figuras mais brilhantes do

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século XX. Foi ele que, adaptando os conceitos da mecânica quântica ao estudo das moléculas,

mostrou que era possível prever as ligações químicas a partir da estrutura eletrônica dos átomos.

Juntando a isto os dados obtidos pelos estudos cristalográficos, estabeleceu um conjunto de regras

simples que permitiam “adivinhar” a estrutura espacial das moléculas. Por isso a ele se ficaram a

dever aqueles sugestivos objetos constituídos por agregados de esferas de várias cores que povoam

as páginas dos modernos tratados de biologia.

Mas Pauling também percebeu a importância das ligações fracas, ou ligações hidrogénicas,

na formação das estruturas biológicas. Funcionando como “botões de mola”, estas ligações iónicas

permitem uma adesão precisa, firme e ao mesmo tempo lábil das moléculas, desempenhando assim

um papel estabilizador nas estruturas tridimendionais das proteínas. Através delas tornou-se

possível compreender as interacções entre as macromoléculas, nas quais assenta a estrutura e o

funcionamento dos seres vivos. Foi assim que, em 1951, Pauling descreveu, pela primeira vez, a

estrutura helicoidal de certas cadeias polipeptídicas – nomeadamente a “hélice alfa” – que daí para

frente passaria a estar sempre presente na imaginação dos biólogos moleculares.

Na Inglaterra, a pesquisa sobre o ADN era, segundo Watson, “propriedade privada” do

físico Maurice Wilkins do King’s College, que utilizava a difração pelos raios X. Esta técnica,

permitia estudar a configuração tridimensional das macromoléculas biológicas, através de imagens

fotográficas obtidas quando um cristal da substância era exposto a um feixe de raios X. Watson e

Crick estavam, naturalmente, a par do que se passava, conheciam, além disso, os trabalhos que

Chargaff realizara na Universidade de Columbia, embora, na altura, não se percebesse qual poderia

ser a sua utilidade. Chargaff tinha analisado diversas amostras de ADN, tendo verificado que as

quantidades das bases aminadas variavam com as espécies, mas que, no mesmo organismo, a

quantidade de adenina era sempre igual à de timina e a quantidade de guanina era sempre igual à de

citosina.

Este dado iria ter, mais tarde, uma influência decisiva no esclarecimento da estrutura do

ADN. Não deixa de ser bizarro que Watson e Crick nunca tenham feito qualquer experiência que

envolvesse a molécula de ADN. O seu método de trabalho assentava, como já foi dito, em longas

discussões teóricas, durante as quais tentavam ultrapassar problemas e esclarecer as questões mais

obscuras. Ao mesmo tempo procuravam construir, com peças metálicas talhadas á medida,

estruturas tridimensionais que estivessem de acordo com os dados conhecidos. Tal como fizera

Pauling, tentavam entender de que maneira é que os átomos tinham tendência para se ligar uns aos

outros pois, como diria Watson, o que se impunha era construir “uma série de modelos moleculares

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e começar a brincar com eles” como se fossem “brinquedos das crianças da pré-primária”. Mas

sempre na convicção, não partilhada por outros, de que a estrutura do ADN era uma hélice e que,

antes de pensar em modelos complexos, era necessário pôr à prova as soluções mais simples.

Como é sabido, Watson e Crick acabariam por encontrar a solução correta. Mas pelo meio

ficaria um incidente marcado pela falta de “fair play” que os tornaria alvo de muitas críticas. Tudo

aconteceu quando Wilkins, talvez ferido com a agressividade de Rosy do laboratório Inglês, revelou

a Watson dados recentes obtidos nolaboratório King’s College e que eram favoráveis a uma nova

forma tridimensional do ADN. Tratava-se de uma imagem de difracção a que tinham chamado

“estrutura B” que, além de ser “inacreditavelmente” mais simples do que a anterior (estrutura A), só

poderia corresponder a uma estrutura helicoidal. Além disso, a observação desta nova imagem

obtida com os raios X permitia, através de cálculos relativamente rápidos, obterem alguns dados

essenciais acerca da molécula. Mas Wilkins forneceu ainda mais uma informação: Rosy estava

agora convencida de que as bases aminadas se encontravam no centro da estrutura molecular,

envolvidas por um esqueleto exterior “açúcar-fosfato”. Watson ficou excitadíssimo com estas

revelações e começou imediatamente a trabalhar no novo modelo.

Havia que encomendar a um mecânico peças metálicas das purinas e das pirimidinas, assim

como dos átomos de fósforo, e aguardar pela sua montagem. Nessa altura não era ainda possível

saber se o ADN tinha duas se três cadeias, mas Watson, apesar das reservas de Crick, decidiu

começar a “jogar” com modelos de duas cadeias. Passados poucos dias tinham já construído uma

configuração estereoquímica para a molécula que estava de acordo com aquilo que tinham

imaginado. Mas o que então ninguém sabia é que também já dispunham de dados pormenorizados

acerca de toda a investigação que estava a ser feita por Rosy. A utilização abusiva desta informação,

que não tinha sido ainda divulgada e a que tiveram acesso de uma forma confidencial, constituiu

uma marca eticamente negativa do trabalho de Watson e Crick.

Um problema continuava, contudo, por resolver: o emparelhamento das bases. Pensava-se

nessa altura que as bases idênticas emparelhavam entre si (adenina com adenina, timina com timina,

etc.) e se uniam por ligações hidrogênio. Mas sendo assim, e uma vez que as purinas e as

pirimidinas tinham formas tautoméricas diferentes, o esqueleto da estrutura helicoidal ficaria

deformado para dentro ou para fora de acordo com os pares de bases que, em cada passo da

hélice, estivessem no centro. Foi Jerry Donohue – cristalógrafo americano que trabalhara com Linus

Pauling – que, ao notar que as formas tautoméricas com que Watson estava a trabalhar eram

incorretas, lhe chamou a atenção para um aspecto que se revelaria fundamental: o par guanina-

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citosina tinha uma forma espacial idêntica ao par adenina-timina. Por isso o emparelhamento teria

sempre de ser feito entre estes pares de bases e não entre outros.

As peças do “puzzle” começavam a encaixar umas nas outras e pemitiam compreender os

dados obtidos por Chargaff que, na altura em que tinham sido divulgados, pareciam não fazer

qualquer sentido. Agora se tornava claro porque é que as quantidades de adenina e de timina tinham

de ser iguais, da mesma forma que iguais tinham de ser as quantidades de guanina e de citosina.

Watson e Crick estavam assim à beira de esclarecer um dos problemas mais importantes da

biologia. Sem uma única experiência laboratorial, recorrendo apenas a modelos conceptuais, tinham

encontrado o modelo de uma dupla hélice que era forçoso que fosse assim porque, como diria

Watson, “uma estrutura tão bonita tinha pura e simplesmente de existir”. A 25 de Abril de 1953 a

Nature publicava um artigo, com pouco mais de uma página, intitulado “Molecular structure of

nucleic acids”, no qual uma frase premonitória anunciava todo um programa posterior de

investigação genética: “It has not escaped our notice that the specific pairing we have postulated

immediately suggest a possible copying mechanism for the genetic material”.

Nesse mesmo ano o mundo assistia à coroação da Rainha Isabel II e à conquista do Everest.

Mas só um jornal britânico – o News Chronicle – se referia à dupla hélice num artigo intitulado

“Nearer secret of life”. Watson, Crick e Wilkins receberiam o Prémio Nobel em 1962. Rosalind

Franklin, cuja contribuição fôra fundamental para este feliz desfecho, não estava presente: tinha

falecido em 1958, aos 37 anos, com um cancro do ovário. Passados 50 anos, algumas consequências

desta descoberta são agora bem visíveis. A ciência, ao mesmo tempo que tem tentado desvendar os

mistérios da reprodução e da hereditariedade, fez também reacender velhos receios e temores.

E o Homem parece à beira de se apoderar, mais uma vez, de atributos que eram pertença exclusiva

das divindades: depois de dominar o fogo e de aprender a voar, prepara- se agora para controlar a

própria origem da vida. Ora, sempre que coisas destas acontecem, renascem os mitos cuja presença

é uma constante no nosso inconsciente coletivo. Quer sob a forma de andróginos-cortados-ao-meio

por Zeus, de Prometeu agrilhoado, de expulsão do Paraíso ou de caos poliglótico de Babel,

ressurgem de novo as imagens simbólicas que dão conteúdo e sentido ético à vida e à ação dos

homens. Mas, mais do que recear o castigo dos deuses, há que ter presente o risco de provocar

rupturas nos equilíbrios que estão subjacentes à própria natureza das coisas. E, em vez de condenar

a ciência e a tecnologia, alimentando temores irracionais, é altura de recuperar e reciclar os velhos

mitos, dando-lhes o significado que hoje têm, como equivalentes arcaicos que são, de um debate

ético que é preciso desenvolver e aprofundar

10

GÉNETICA

Adaptado de Snustad & Simmons, 2000.

O ESTUDO DE MENDEL SOBRE A HEREDITARIEDADE

A vida de Gregor Johann Mendel (1822-1884) cobriu metade do século XIX. Seus pais

eram fazendeiros na Moravia, então uma parte do império Habsburg na Europa Central. A vida

rural lhe ensinou a cuidar de plantas e animais e lhe inspirou o interesse pela natureza. Aos 21

anos, Mendel deixou a fazenda e entrou para um monastério católico na cidade de Brünn (hoje,

Brno, na república Tcheca). Em 1847, ele foi ordenado padre, adotando o nome de Gregor.

Subsequentemente ele lecionou na escola local, fazendo um intervalo entre 1851 e 1853 para

estudar na Universidade de Viena. Após retornar a Brünn, retomou sua vida de monge professor e

começou seus experimentos genéticos que por fim o tornaram famoso.

Mendel fez experimentos com várias espécies de plantas de jardim, e até tentou alguns

experimentos com abelhas. Seu maior sucesso, entretanto, foi com ervilhas. Completou seus

experimentos com ervilhas em 1863, e passou os dois anos seguintes analisando e resumindo seus

dados. Em 1865, Mendel apresentou os resultados à sociedade de história natural local, e no

ano seguinte publicou um relato detalhado nos anais da sociedade. Infelizmente, esta publicação

ficou na obscuridade até 1900, quando foi redescoberta por três botânicos — Hugo de Vries, na

Holanda; Cari Correns, na Alemanha, e Eric von Tschermak-Seysenegg, na Áustria. Quando eles

revisaram a literatura científica em busca de dados de apoio para suas próprias teorias sobre

hereditariedade, cada um deles descobriu que Mendel havia feito uma análise detalhada e cuidadosa

há 35 anos. As idéias de Mendel rapidamente ganharam aceitação, especialmente pelos esforços

promocionais de um biólogo britânico, Willian Bateson. Este campeão das descobertas de Mendel

criou um novo termo para descrever o estudo da hereditariedade: genética, da palavra grega que

sinifica “gerar”.

O Organismo Experimental de Mendel, a Ervilha

Um motivo do sucesso de Mendel foi a escolha astuta de seu material experimental. A

ervilha de jardim, Pisum sativum, é uma dicotiledônea, um tipo de planta que gera duas folhas, ou

cotilédones, a partir da germinação da semente. As ervilhas crescem facilmente em canteiros

experimentais ou em vasos em uma estufa.

11

Uma peculiaridade da reprodução de ervilhas é que as pétalas da flor se fecham firmemente,

impedindo que os grãos de pólen entrem ou saiam. Isto força um sistema de autofertilização, no

qual espermatozóides e ovócitos de uma determinada flor se unem para produzir as sementes. Como

resultado, linhagens individuais de ervilhas são altamente endogâmicas, apresentando pouca ou

nenhuma variação genética de uma geração para a seguinte. Devido a esta uniformidade,

dizemos que tais linhagens são true-breeding.

No final, Mendel obteve muitas variedades puras de ervilhas, cada uma se distinguindo por

uma característica particular. Em uma linhagem, as plantas tinham entre 180 cm e 212 cm,

enquanto em outras mediam apenas de 228 mm a 457 mm. Uma outra variedade produzia sementes

verdes, e outras ainda produziam sementes amarelas. Mendel aproveitou estas características

contrastantes para determinar como as características das plantas são herdadas. Seu enfoque nestas

diferenças singulares entre as linhagens de ervilhas lhe permitiu estudar a herança de uma

característica de cada vez — por exemplo, altura da planta. Outros biólogos tinham tentado seguir

simultaneamente a herança de muitas características, mas como os resultados de tais experimentos

eram complexos, eles foram incapazes de descobrir os princípios fundamentais sobre a

hereditariedade. Mendel teve sucesso onde estes biólogos haviam falhado porque enfocou sua

atenção em diferenças contrastantes entre as plantas que eram de outro modo iguais, alta

versus baixa, sementes verdes versus amarelas, e assim em diante. Além disso, ele fez registros

cuidadosos dos experimentos feitos.

Cruzamentos Monoíbridos: Os Princípios da Dominância e da Segregação

Em um experimento, Mendel cruzou plantas altas com baixas para investigar como a altura

era herdada (Figura 1).

Figura 1. Espécie de ervilha

utilizada por Mendel.

12

Ele removeu cuidadosamente as anteras de uma variedade antes que seu pólen tivesse

amadurecido, e em seguida aplicou pólen de outra variedade ao estigma, um órgão pegajoso na

parte superior do pistilo, que leva ao ovário. As sementes que resultaram destas fertilizações

cruzadas brotaram no ano seguinte, dando híbridos uniformemente altos. Mendel obteve plantas

altas independente do modo como o cruzamento foi feito (planta masculina alta com feminina anã

ou masculina anã com feminina alta). Assim, os cruzamentos recíprocos deram os mesmos

resultados. Mais significativamente, entretanto, Mendel notou que a característica anã parecia ter

desaparecido na prole do cruzamento, pois todas as plantas híbridas eram altas. Para

explorar a constituição hereditária destes híbridos altos, Mendel permitiu que houvesse

autofecundação - o curso natural de eventos nas ervilhas. Quando ele examinou a prole, observou

que elas consistiam tanto em plantas altas quanto anãs. De fato, entre l .064 indivíduos da prole que

Mendel cultivou em seu jardim, 787 eram altos e 277 eram anões, uma proporção de

aproximadamente 3:1.

Mendel se espantou com o reaparecimento da característica anã. Claramente, os híbridos que

ele havia obtido cruzando as variedades alta e baixa tinham a habilidade de produzir uma prole anã,

muito embora fossem altos. Mendel deduziu que estes híbridos levavam um fator genético

latente para anã, que foi mascarado pela expressão de outro fator para alta. Ele disse que o fator

latente era recessivo e que o fator expresso era dominante. Deduziu também que estes fatores

recessivo e dominante se separaram um do outro quando as plantas híbridas se reproduziram. De

que outro modo ele poderia explicar o reaparecimento da característica anã na geração seguinte?

Mendel fez experimentos semelhantes para estudar a herança de seis outras características:

textura da semente, cor da semente, forma da vagem, cor da flor e posição da flor (Quadro .1).

Quadro 1. Demostração das características estudadas por Mendel.

Em cada experimento, chamado cruzamento monoíbrido, pois só uma característica estava

sendo estudada, Mendel observou que apenas uma de duas características contrastantes aparecia nos

híbridos, e que quando estes híbridos eram autofecundados produziam dois tipos de prole, cada uma

semelhante a uma das plantas no cruzamento original. Além disso, observou que esta prole aparecia

13

consistentemente em uma proporção de 3:1. Assim, cada característica que Mendel estudou parecia

ser controlada por um fator herdável que existia em duas formas, uma dominante e outra

recessiva. Estes fatores hoje são chamados de genes, uma palavra criada por um agricultor

dinamarquês chamado Wilhelm Johannsen em 1909; suas formas dominante e recessiva são

chamadas alelos, da palavra grega que significa "de outro tipo".

As relações numéricas regulares que Mendel observou nestes cruzamentos o levaram a outra

conclusão importante: a de que os genes existem aos pares. Mendel propôs que cada uma das

linhagens parentais que ele usou em seus experimentos levava duas cópias idênticas de um gene —

na terminologia moderna, elas são diplóides e homozigotas. Entretanto, durante a produção de

gamelas, Mendel propôs que estas duas cópias são reduzidas a uma; isto é, os gametas que emergem

da meiose levam uma só cópia de um gene — na terminologia moderna, eles são haplóides.

Mendel reconheceu que o número de genes diplóides seria restaurado quando o

espermatozóide e o ovócito se unissem para formar um zigoto. Além disso, ele compreendeu que se

o pólen e o ovócito viessem de plantas geneticamente diferentes, como em seus cruzamentos, o

zigoto híbrido herdaria dois alelos diferentes, um da mãe e um do pai. Diz-se que tal prole é

heterozigota. Mendel percebeu que alelos diferentes que estão presentes em um heterozigoto

devem coexistir, muito embora um seja dominante e o outro recessivo, e que cada um destes alelos

teria uma chance igual de ir para um gamela quando o heterozigoto se reproduzisse. Além disso, ele

percebeu que a fertilização aleatória com uma população mista de gamelas — metade com o alelo

dominante e metade com o alelo recessivo — produziria alguns zigolos nos quais ambos os alelos

eram recessivos. Assim, ele pôde explicar o reaparecimento da característica recessiva na prole de

plantas híbridas.

Mendel usou símbolos para representar os fatores hereditários que ele postulou — uma

conquista metodológica. Com símbolos, ele pôde descrever os fenómenos heredilários clara e pre-

cisamente, e pôde analisar os resullados dos cruzamentos matematicamente. Pôde até fazer

previsões sobre o resullado de cruzamentos futuros. Embora a prática de usar símbolos para analisar

problemas genéticos tenha sido muito refinada desde a época de Mendel, os princípios básicos

permanecem os mesmos. Os símbolos representam os genes (ou, mais precisamente, seus alelos) e

são manipulados de acordo com as regras da herança que Mendel descobriu. Essas manipulações

são a essência da análise genética formal. Como uma introdução a este assunto, consideremos a

represenlação simbólica do cruzamento entre ervilhas altas e anãs (Fig. 1).

14

As duas variedades puras, alta e anã, são homozigolas para alelos diferentes de um gene

controlador da altura da planta. O alelo para anã, sendo recessivo, é representado por uma letra

minúscula d; o alelo para alta, sendo dominante, é simbolizado pela mesma letra, mas maiúscula,

D. Em genética, a letra que é escolhida para indicar os alelos de um gene geralmente é tirada da

palavra que descreve a característica recessiva (d, de dwarfness). Assim, as linhagens de ervilhas

alta e anã são simbolizadas por DD e dd, respectivamente. Diz-se que a constituição alélica de cada

linhagem é o seu genótipo. Em oposição, diz que o aspecto de cada linhagem, isto é, a característica

alta ou anã é seu fenótipo.

Sendo as linhagens parentais, as plantas alta e anã de ervilha formam a geração P do

experimento. Sua prole híbrida é chamada de primeira geração filial, ou F1. Como cada genitor

contribui igualmente para sua prole, o genótipo das plantas de F1 deve ser Dd; isto é, elas são

heterozigotas para os alelos do gene que controla a altura da planta. Seu fenótipo, entretanto, é o

mesmo que o da linhagem parental DD, pois D é dominante em relação a d. Durante a meiose, estas

plantas de F, produzem dois tipos de gametas, D e d, em iguais proporções. Nenhum dos alelos é

alterado por ter coexistido no genótipo heterozigoto; em vez disso, eles se separam, ou se segregam,

um do outro durante a formação de gametas. Este processo de segregação de alelos é talvez a mais

importante descoberta de Mendel.

Na autofertilização, os dois tipos de gametas produzidos pelos heterozigotos podem se unir

de todos os modos possíveis. Assim, eles produzem quatro tipos de zigotos: DD (a contribuicão do

ovócito em geral é escrita primeiro), Dd, dD e dd. Entretanto, devido à dominância, três destes

genótipos têm o mesmo fenótipo. Assim, na geração seguinte, chamada de F2, as plantas são altas

ou anãs, em uma proporção de 3: l.

Mendel levou esta análise um pouco mais adiante. As plantas de F2 foram autofecundadas

para produzir uma F3. Todas as plantas anãs F2 produziram apenas prole anã, demonstrando que

eram homozigotas para o alelo d, mas as plantas altas de F, compreendiam duas categorias.

Aproximadamente um terço delas só produzia prole alta, enquanto os outros dois terços produziam

uma mistura de prole alta e anã. Mendel concluiu, corretamente que o terço que era "puro" era de

homozigotos DD, e os dois terços que se segregavam eram heterozigotos Dd. Estas proporções, 1/3

e 2/3, eram exatamente o que sua análise previu, pois entre as plantas altas de F2, os genótipos DD e

Dd ocorrem em uma proporção de 1:2.

Resumimos a análise feita por Mendel deste e de outros cruzamentos monoíbridos citando dois

princípios básicos que ele descobriu:

15

1. O Princípio da Dominância: Em um heterozigoto, um alelo pode encobrir a presença de outro.

Este princípio é relativo ao funcionamento genético. Alguns alelos evidentemente controlam o

fenótipo, mesmo quando estão presentes em uma única cópia. Consideraremos a explicação

fisiológica para este fenómeno em capítulos posteriores.

2. O Princípio da Segregação: Em um heterozigoto, dois alelos diferentes se segregam um do

outro durante a formação de gametas. Este princípio refere-se à transmissão genética. Um alelo é

transmitido fielmente para a geração seguinte, mesmo se estiver presente com um alelo diferente em

um heterozigoto. A base biológica deste fenômeno é o pareamento e subsequente separação de

cromossomos homólogos durante a meiose.

Cruzamentos Diíbridos: O Princípio da Distribuição Independente

Mendel também fez experimentos com plantas que diferiam em duas características (Fig. 2).

Ele cruzou plantas que produziam sementes amarelas e lisas com plantas que produziam sementes

verdes e rugosas. O propósito do experimento era ver se as duas características, cor e textura, eram

herdadas independentemente. Como as sementes de F, eram todas amarelas e lisas, os alelos para

estas duas características eram dominantes. Mendel cultivou plantas a partir destas sementes e

deixou que elas se autofecundassem. Então classificou as sementes de F2 e as contou por fenótipo.

As quatro classes fenotípicas na F2 representavam todas as combinações possíveis das

características de cor e textura. Duas classes, amarela lisa e verde rugosa, se assemelhavam às

linhagens parentais. As outras duas, verde lisa e amarela rugosa, mostravam novas combinações de

características. Mendel notou que as quatro classes apareciam em uma proporção de

aproximadamente 9 amarelas, lisas; 3 verdes, lisas; 3 amarelas, rugosas, e l verde, rugosa (Fig. 2).

Para sua mente perspicaz, estas relações numéricas sugeriram uma explicação simples: Cada

característica era controlada por um gene diferente que segregava dois alelos, e os dois genes eram

herdados independentemente.

Figura 2. Cruzamentos de Mendel

analisando duas características.

16

Estudemos os resultados deste cruzamento de dois fatores, ou cruzamento diíbrido, usando

os métodos de Mendel. Representaremos cada gene por uma letra, usando a minúscula para o alelo

recessivo e a maiúscula para o dominante (Fig.3). Para o gene de cor da semente, os dois alelos são

g (para verde) e G (para amarelo), e para a textura da semente, elas são w (para rugosa [wrinkled]) e

W (para lisa). As linhagens parentais, que eram puras, devem ter sido duplamente homozigotas; as

plantas amarelas, lisas eram GG WW, e as plantas verdes rugosas eram gg ww. Tais genótipos de

dois tipos são habitualmente escritos por pares separados de alelos com um espaço.

Os gametas haplóides produzidos por uma planta diplóide contêm uma cópia de cada gene. Os

gametas de plantas GG WW contêm, portanto, uma cópia do gene para a cor da semente (o alelo G)

e uma cópia para a textura da semente (o alelo W). Tais gametas são simbolizados por G W. Por um

raciocínio semelhante, os gametas das plantas gg ww são escritos g w. A fertilização cruzada destes

dois tipos de gametas produz híbridos de F, que são duplamente heterozigotos, simbolizados por Gg

Ww, e seu fenótipo amarelo liso indica que os alelos G e W são dominantes.

O Princípio da Segregação prevê que os híbridos de f! produzirão quatro genótipos

gaméticos diferentes: (1) G W, (2) G w, (3) g W e (4) g w. Se cada gene segrega seus alelos

independentemente, estes quatro tipos serão igualmente frequentes, isto é, cada um será 25 por

cento do total. Nesta suposição, a autofe-cundação na F, produzirá uma disposição de 16 genótipos

zigóticos igualmente frequentes. Obtemos a disposição zigótica combinando sistematicamente os

gametas, como mostrado na Fig. 3. Obtemos então os fenótipos destes genótipos de F2 observando

que G e W são alelos dominantes. Existem quatro fenótipos distinguíveis, com frequências relativas

indicadas pelo número de posições ocupadas na disposição. Para frequências absolutas, dividimos

cada número pelo total, 16:

Esta análise se baseia em duas suposições: (1) a de que cada gene segrega seus alelos e (2) a

de que estas segregações são independentes uma da outra. A segunda suposição significa que não há

conexão ou ligação entre os eventos de segregação dos dois genes. Por exemplo, um gamela que

recebe W pela segregação do gene de textura tem a mesma probabilidade de receber G que de

receber g pela segregação do gene de cor.

17

Os dados experimentais se ajustam às previsões de nossa análise? A Fig. 4 compara as

frequências previstas e as observadas dos quatro fenótipos de F2 de dois modos — por proporções e

pelas frequências numéricas. Para as frequências numéricas, calculamos os números previstos

multiplicando a proporção prevista pelo número total de sementes de F2 examinadas. Com ambos os

métodos, obviamente há uma boa concordância entre as observações e as previsões. Portanto, as

suposições nas quais baseamos nossa análise — segregação independente dos genes de cor da

semente e da textura da semente — estão de acordo com os dados observados.

Mendel conduziu experimentos semelhantes com outras combinações de características, e em cada

caso observou que os genes se segregavam independentemente. Os resultados destes experimentos

o levaram a um terceiro princípio importante:

3. O Princípio da Distribuição Independente: Os alelos de genes diferentes se segregam, ou,

como às vezes dizemos, se distribuem independentemente uns dos outros. Este princípio é outra

Figura 3. Representação

simbólica dos resultados de um

cruzamento de Mendel.

Figura 4. Comparação entre os resultados

esperados e obtidos na F2.

18

regra da transmissão genética, baseada, como veremos no Cap. 6, no comportamento de pares

diferentes de cromossomos durante a meiose. Entretanto, nem todos os genes estão sujeitos ao

Princípio da Distribuição Independente.

Pontos Importantes: Os experimentos de Mendel estabeleceram três princípios genéticos básicos: (1) Alguns

alelos são dominantes, outros recessivos. (2) Durante a formação de gamelas, alelos diferentes se segregam uns

dos outros. (3) Genes diferentes se distribuem independentemente.

APLICAÇÕES DOS PRINCÍPIOS DE MENDEL

Se a base genética de uma característica for conhecida, os princípios de Mendel podem ser

usados para prever o resultado dos cruzamentos. Existem três procedimentos gerais, dois baseados

na numeração sistemática de todos os genótipos zigóticos ou fenótipos, e um que se baseia em

matemática.

O Método do Quadrado de Punnett

Para situações que envolvam um ou dois genes, é possível escrever todos os gametas e

combiná-los sistematicamente para gerar uma gama de genótipos zigóticos. Uma vez que eles

tenham sido obtidos, o Princípio da Dominância pode ser usado para determinar os fenótipos

associados. Este procedimento, chamado de método do quadrado de Punnett em homenagem ao

geneticista britânico R. C. Punnett, é um modo direto de se prever o resultado dos cruzamentos. Nós

o usamos para analisar o resultado zigótico do cruzamento com os híbridos de F, amarelos lisos, de

Mendel, um tipo de cruzamento comumente chamado de intercruzamento (Fig. 5). Entretanto, em

situações mais complicadas, como as que envolvem mais de dois genes, o método do quadrado de

Punnett não é recomendado.

O Método da Linha Bifurcada

Um outro procedimento para prever o resultado de um cruzamento envolvendo dois ou mais

genes é o método da linha bifurcada. Entretanto, em lugar de enumerar a prole em um quadrado

combinando sistematicamente os gamelas, os indicamos no diagrama com linhas ramificadas.

Como exemplo, consideremos um intercruzamento entre ervilhas que são heterozigotas para três

genes de segregação independente, um controlando a altura da planta, um controlando a cor da

semente, e um controlando a textura. Este é um cruzamento triíbrido — Dd Gg Ww X Dd Gg Ww —

que pode ser fracionado em três cruzamentos monoíbridos — Dd x Dd, Gg X Gg, e Ww x Ww —

pois todos os genes se segregam independentemente.

19

Para cada gene, esperamos que o fenótipo apareça em uma proporção de 3:1. Assim, por

exemplo, Dd X Dd produzirá uma proporção de 3 plantas altas: l planta anã. Usando o método da

linha bifurcada (Fig. 5), podemos combinar estas proporções separadas em uma proporção

fenotípica geral para a prole do cruzamento.

Também podemos usar este método para analisar os resultados de um cruzamento entre

indivíduos multiplamente heterozigotos e multiplamente homozigotos. Este tipo de cruzamento é

chamado de cruzamento-teste. Por exemplo, se plantas de ervilhas Dd Gg Ww forem cruzadas com

outras dd gg ww, podemos prever os fenótipos da prole notando que cada um dos três genes no

genitor heterozigoto segrega alelos dominantes e recessivos em uma proporção de l:l, e que o

genitor homozigoto transmite apenas alelos recessivos destes genes. Assim, os genótipos, e

finalmente os fenótipos, da prole deste cruzamento dependem de quais alelos são transmitidos pelo

genitor heterozigoto (Fig. 6).

O Método da Probabilidade

Um método alternativo ao quadrado de Punnett e ao da linha bifurcada — também mais rápido — é

baseado no princípio da probabilidade (veja Enfoque Técnico: As Regras da Multiplicação e da

Adição da Probabilidade). A segregação mendeliana é como um cara ou coroa; quando o

heterozigoto produz gamelas, metade contém um alelo e metade contém o outro. Se dois

Figura 5. Método da linha

bifurcada.

Figura 6. Método da linha

bifurcada envolvendo o

cruzamento-teste.

20

heterozigotos segregantes são cruzados, seus gamelas são combinados aleatoriamente, produzindo

os genótipos zigólicos (Fig. 7). Suponhamos que o cruzamento seja Aa x Aa. A chance de um zigolo

ser AA é simplesmente a probabilidade de que cada um gamela que se une contenha A, ou (1/2) x

(1/2) = (1/4), pois os dois gamelas são produzidos independentemente. A chance de um homozigolo

aã lambem é de 1/4. Enlrelanto, a chance de um heterozigoto é 1/2, pois existem dois modos de

criar um helerozigoto - A pode vir de um ovócito ou vir de um espermatozóide, ou vice-versa.

Como cada um desses eventos tem uma chance de um para quatro de ocorrer, a probabilidade lolal

de que uma prole seja helerozigota é (1/4) + (1/4) = (1/2). Obtemos, portanto, a seguinte

probabilidade de distribuição dos genólipos do cruzamento Aa x Aa:

Concluímos que (1/4) + (1/2) = (3/4) da prole terá o fenótipo dominante, e 1/4 terá o

recessivo.

Para tal situação simples, o uso do método da probabilidade pode parecer desnecessário.

Entretanto, em situações mais complicadas, é claramente o enfoque mais prático para prever o

resultado de cruzamentos. Considere, por exemplo, um cruzamento entre planlas heterozigolas para

genes diferentes, cada um se segregando independentemente. Que fração da prole será homozigota

para todos os quatro alelos recessivos? Para responder a esla pergunta, consideramos os genes um

de cada vez. Para o primeiro gene, a fração da prole que será homozigota recessiva é 1/4, como será

para o segundo, terceiro e quarto genes. Portanto, pelo Princípio da Distribuição Independente, a

fração da prole que será de homozígotos quádruplos recessivos é (1/4) X (1/4) X (1/4) X (1/4) =

(1/256). Certamente, o uso do método da probabilidade é um enfoque melhor que um diagrama do

quadrado de Punnett com 256 partes!

Figura 7. Intercruzamento com o quadrado

de Punnett.

21

Consideremos agora uma questão ainda mais difícil. Que fração da prole será homozigota

para todos os quatro genes? Antes de calcular qualquer probabilidade, devemos primeiro decidir

que genótipos satisfazem a questão. Para cada gene existem dois tipos de homozigotos, o dominante

e o recessivo, e juntos eles constituem metade da prole. A fração da prole que será homozigota para

todos os quatro genes será portanto (1/2) X (1/2) x (1/2) X (1/2) = (1/16).

Para entender todo o poder do método da probabilidade, precisamos considerar mais uma

questão. Suponha que o cruzamento é Aa Bb x Aa Bb e que desejamos saber que fração da prole

apresentará o fenótipo recessivo para pelo menos um gene (Fig. 3.9). Três tipos de genótipos

satisfariam esta condição: (l) A-bb (o traço representa A ou a), (2) aa B- e (3) aa bb. A resposta a

esta pergunta deve ser a soma das probabilidades que correspondem a cada um destes genótipos. A

probabilidade para A- bb é (3/4) X (1/4) = (3/16), a para aa B- é (1/4) x (3/4) = (3/16), e a para aa

bb é (1/4) X (1/4) = (1/16). Somando, temos a resposta, que é 7/16.

Pontos Importantes: O resultado de um cruzamento pode ser previsto pela enumeração sistemática

dos genótipos em um quadrado de Punnett. Entretanto, quando estão envolvidos mais de dois genes, o

método da linha bifurcada ou o da probabilidade são usados para prever o resultado de um

cruzamento.

FORMULAÇÃO E TESTE DAS HIPÓTESES GENÉTICAS

Uma investigação científica sempre começa com observações de um fenómeno natural. As

observações levam a ideias ou perguntas sobre os fenômenos, e ambas são mais amplamente

exploradas fazendo-se outras observações ou experimentos. Uma ideia científica bem formulada é

chamada de uma hipótese. Os dados colhidos de observações ou de experimentação possibilitam

que os cientistas testem hipóteses, isto é, determinem se uma hipótese em particular deve ser aceita

ou rejeitada.

Figura 8. Aplicação dos métodos das probabilidades

a um cruzamento envolvendo dois genes.

22

Como um exemplo de teste de uma hipótese em genética, consideremos a herança da cor da

flor na boca-de-leão, Antirrhinum majus, uma planta popular de jardim. Duas linhagens puras foram

obtidas de um estoque de laboratório, uma com flores vermelho-escuras e uma com flores brancas.

Estas diferenças de cor têm uma base genética? Para responder a esta pergunta, duas linhagens

devem ser cruzadas para produzir híbridos de F1, todos com flores rosa. Quando os híbridos de F1,

foram intercruzados, eles produziram três tipos de plantas de F2: vermelha (62), rosa (131) e branca

(57), com seus números mostrados nos parênteses. Como podemos explicar os dados?

Podemos supor que a cor da flor é controlada por um único gene com dois alelos W (para

vermelho) e w (para branco), e que as flores dos heterozigotos Ww são rosa porque W é apenas

parcialmente dominante em relação a w. De acordo com esta hipótese, a geração P seria WW

(vermelha) X ww (branca), produzindo híbridos de F, que seriam Ww (rosa), as quais, quando

intercruzadas, dariam uma prole F2 WW (vermelha), Ww (rosa), e ww (branca) em uma proporção

l :2: l. Os números reais parecem confirmar, dando crédito a esta hipótese.

O TESTE DO QUI-QUADRADO

Podemos perguntar se os dados de fato apoiam uma determinada hipótese. Esta pergunta é

critica, pois o valor de uma hipótese depende de sua habilidade em explicar os dados. Uma hipótese

que não se ajusta precisa ser modificada ou descartada em favor de algo melhor. Um procedimento

para testar a correspondência entre as previsões de uma hipótese e os dados reais usa uma estatística

chamada qui-quadrado (x2). Uma estatística é um número calculado a partir de dados - por

exemplo, a média de um conjunto de valores examinados. A estatística do x2 permite que um

pesquisador compare dados, tais como os números que obtemos de um experimento de cruzamento,

com seus valores previstos. Se a comparação for desfavorável, isto é, os dados não estiverem de

acordo com os valores previstos, a estatística do x2 excederá um número crítico, e a hipótese

genética será rejeitada. Se a estatística do x2 estiver abaixo deste número, a hipótese será aceita. A

estatística do x2, portanto, reduz o teste da hipótese a um procedimento simples e objetivo.

Como exemplo, consideremos os cruzamentos da boca-de-leão já descritos. Os dados de F2,

parecem ser coerentes com a hipótese de que um único gene está segregando dois alelos. En-

tretanto; para avaliar objetivamente esta hipótese, precisamos comparar os dados com seus valores

previstos. A Fig. 9 ilustra os cálculos.

23

O procedimento é direto. Para cada classe fenotípica, calculamos o número esperado de

prole multiplicando a proporção mendeliana e o tamanho total da amostra. Depois calculamos a

diferença entre os números observados e esperados e elevamos ao quadrado estas diferenças para

eliminar os efeitos canceladores de valores positivos e negativos. Após dividir cada diferença ao

quadrado pelo número correspondente esperado de prole, somamos todos os termos e comparamos

o x2 resultante com a distribuição de valores do x

2 (Fig. 10).

A distribuição de valores do x2, que é estabelecida por teoria estatística, mostra com que

frequência o x2 excederá um valor particular apenas por acaso. Os estatísticos recomendam estabe-

lecer como limiar o limite de 5 por cento da distribuição. Se a hipótese for correta, o x2 estatístico

excederá este valor crítico de 5 por cento. Entretanto, se a hipótese for incorreta, haverá uma

chance maior de que o x2 exceda o valor crítico. Uma hipótese incorreta mais provavelmente

produzirá grandes diferenças entre as observações e expectativas. Quando tais diferenças grandes

forem elevadas ao quadrado, elas produzirão um grande válor do x2 estatístico, um situado à direita

Figura 9. Comparação dos resultados

observados e esperados e cálculos de qui-

quadrado.

Figura 10. Distribuição de uma

estatística de x2.

24

da escala teórica. E costume rejeitar a hipótese se o x2 exceder o valor crítico. Assim, se a hipótese

for verdadeira, há uma chance de 5 por cento de erradamente ser rejeitada.

Voltando ao exemplo: o x2 calculado, 0,776, deve ser comparado ao valor crítico de uma

distribuição teórica. Ocorre, porém, que existem muitas destas distribuições, e para selecionar a

apropriada precisamos conhecer o grau de liberdade associado ao x2 estatístico. Este indicador das

distribuições de x2 é determinado subtraindo-se um do número de classes fenotípicas. Neste

exemplo, o número do grau de liberdade é 3 - l = 2. Podemos agora comparar a estatística do x 2

com o valor crítico da distribuição teórica com 2 graus de liberdade (veja o Quadro 2 para uma lista

de valores críticos). Como a estatística calculada, 0,776, é menor que o valor crítico, 5,991, a

hipótese de um gene segregando dois alelos não é rejeitada. Concluímos que esta hipótese é uma

explicação adequada para os dados.

Um problema desenvolvido ao final do capítulo mostra o que acontece quando o x 2

estatístico é maior que o valor crítico. Outros problemas criam oportunidades para usar o x 2

estatístico.

Pontos Importantes: O teste do qui-quadrado é um modo simples de se avaliar se as previsões

de uma hipótese genética concordam com os dados de um experimento.

PRINCÍPIOS MENDELIANOS EM GENÉTICA HUMANA

A aplicação dos princípios mendelianos à genética humana começou logo após a

redescoberta da publicação de Mendel em 1900. Entretanto, como não é possível fazer reproduções

controladas com seres humanos, o progresso foi obviamente lento. A análise genética da

hereditariedade humana depende de registros familiares, que em geral são incompletos. Além disso,

os seres humanos, ao contrário de organismos experimentais, não geram muitos descendentes,

dificultando discernir as proporções mendelianas. O erro de paternidade é outro problema em gené-

tica humana, introduzindo um elemento de confusão aos dados. O tempo também é um fator, pois

algumas condições genéticas não se manifestam até que uma pessoa atinja a meia-idade. Por todos

estes motivos, a análise genética humana tem sido uma tarefa difícil. Entretanto, a motivação para

compreender a hereditariedade humana tem sido muito forte, e hoje, a despeito de todos os

obstáculos, aprendemos sobre milhares de genes humanos. O Quadro 2 mostra algumas das

condições que eles controlam.

25

HEREDOGRAMAS

Os heredogramas (pedigrees) são diagramas que mostram o parentesco entre os membros

de uma família (Fig. 11). É costume representar os homens por quadrados e as mulheres por

círculos. Uma linha horizontal juntando um círculo e um quadrado representa uma reprodução. A

prole da reprodução é mostrada abaixo dos genitores, começando com o que nasceu primeiro à

esquerda e continuando, por ordem de nascimento, para a direita. As pessoas que têm uma condição

genética são indicadas em cores ou em preto. As gerações em um heredograma são geralmente

indicadas por algarismos romanos, e as pessoas em uma geração por arábicos após os romanos.

As características causadas por alelos dominantes são mais fáceis de identificar. Em geral, cada

pessoa que possui o alelo dominante manifesta a característica, possibilitando acompanhar a

transmissão deste alelo no heredograma (Fig. 11). Cada pessoa afetada deve ter pelo menos um

genitor afetado, a menos que, é claro, o alelo dominante tenha aparecido na família como resultado

de uma mutação nova, uma mudança no gene. Entretanto, a frequência de mutações novas é muito

baixa, da ordem de um em um milhão. Conseqüentemente, o surgimento espontâneo de uma

condição dominante é um evento extremamente raro. As características dominantes que estão

associadas à viabilidade reduzida ou à fertilidade nunca se tornam frequentes em uma população.

Assim, a maioria das pessoas que apresentam tais características são heterozigotas para o alelo

dominante. Caso seu cônjuge não tenha a característica, metade de seus filhos podem herdar a

condição.

Figura 11. (a) Convenções de

heredograma. (b) Herança de uma

característica dominante. A característica

aparece em cada geração, (c ) Herança de

uma característica recessiva. Os dois

afetados são descendentes de parentes.

26

As características recessivas não são fáceis de identificar porque podem ocorrer em pessoas

cujos genitores não são afetados. Às vezes são necessárias várias gerações de dados de heredograma

para acompanhar a transmissão de um alelo recessivo. Entretanto, um grande número de

características recessivas têm sido observadas em seres humanos - na última contagem, mais de

4.000. As características recessivas raras são mais prováveis de aparecer em um heredograma

quando os cônjuges são aparentados - por exemplo, quando são primos em primeiro grau. Este

aumento de incidência ocorre porque os genitores compartilham alelos em virtude de algum

ancestral comum. Os irmãos compartilham metade de seus alelos, meio-irmãos um quarto de seus

alelos, e primos em primeiro grau um oitavo de seus alelos. Assim, quando estes parentes se

reproduzem, eles têm um risco maior de ter um filho que seja homozigoto para um alelo recessivo

em particular do que os genitores não aparentados. Muitos dos estudos clássicos em genética

humana se basearam na análise de reproduções entre parentes, principalmente primos em primeiro

grau.

SEGREGAÇÃO MENDELIANA EM FAMÍLIAS HUMANAS

Nas famílias humanas, o número de filhos produzidos por um casal é tipicamente pequeno.

Hoje, nos Estados Unidos, a média está ao redor de dois. Nos países em desenvolvimento, é de seis

a sete. Tais números não fornecem nada estatisticamente tão poderoso quanto os experimentos de

Mendel com ervilhas. Conseqüentemente, as proporções fenotípicas nas famílias humanas em geral

se desviam significativamente de suas expectativas mendelianas.

Como exemplo, consideremos um casal em que ambos sejam heterozigotos para um alelo recessivo

que, em homozigose, cause fibrose cística. Se o casal tiver quatro filhos, serão esperados três

27

normais e um afetado pela fibrose cística? A resposta é não. Embora este possa ser um resultado,

não é o único. Existem, de fato, cinco possibilidades distintas:

1. Quatro normais, nenhum afetado.

2. Três normais, um afetado.

3. Dois normais, dois afetados.

4. Um normal, três afetados.

5. Nenhum normal, quatro afetados.

Intuitivamente, o segundo resultado parece ser o mais provável, pois está de acordo com a

proporção mendeliana de 3:1. Podemos calcular a probabilidade deste resultado, e de cada um dos

outros, usando os princípios de Mendel e tratando cada nascimento como um evento independente

(Fig. 12).

Figura 12. Distribuição da probabilidade de famílias com quatro filhos segregando uma característica recessiva.

Para um determinado nascimento, a chance de a criança ser normal é de 3/4. A

probabilidade de todos os quatro filhos serem normais é, portanto, de (3/4) X (3/4) X (3/4) X (3/4) =

(3/4)4 = 81/256. De modo semelhante, a chance de uma determinada criança ser afetada é de 1/4.

Assim, a probabilidade de todos os quatro serem afetados é (1/4)4 = 1/256. Para encontrar as

probabilidades dos outros três resultados, precisamos reconhecer que cada um de fato representa

uma coleção de eventos distintos. O resultado de três filhos normais e um afetado, por exemplo,

compreende quatro eventos distintos. Se simbolizarmos por N uma criança normal e por A uma

criança afetada, e se escrevermos as crianças em sua ordem de nascimento, podemos representar

estes eventos como:

NNNA, NNAN, NANN e ANNN

Como cada uma tem uma probabilidade de (3/4)3 X (1/4), a probabilidade total para três

crianças normais e uma afetada, independente da ordem de nascimento, é de 4 X (3/4)3 X (1/4). O

28

coeficiente 4 é o número de modos pêlos quais três podem ser normais e uma ser afetada em uma

família com quatro filhos. De modo semelhante, a probabilidade para dois filhos normais e dois

afetados é de 6 X (3/4)2 X (1/4)

2, pois neste caso existem seis eventos distintos. A probabilidade

para uma criança normal e três afetadas é de 4 X (3/4) X (1/4)3, pois neste caso existem quatro

eventos distintos. A Fig. 3.14 resume os cálculos na fornia de uma distribuição de probabilidade.

Como esperado, três filhos normais e um afetado é o resultado mais provável (probabilidade

108/256). Entretanto, este resultado não é esperado na maior parte do tempo, pois os outros quatro

resultados têm uma probabilidade combinada de 148/256.0 Enfoque Técnico: Probabilidades

Binomiais generaliza este procedimento para outras situações nas quais as crianças caem em duas

possíveis classes fenotípicas. Como existem apenas duas classes, as probabilidades associadas aos

resultados são chamadas probabilidades binomiais.

CONSULTA GENÉTICA

O diagnóstico das condições genéticas em geral é um processo difícil. Tipicamente, os

diagnósticos são feitos por médicos que foram treinados em genética. O estudo destas condições

requer uma grande quantidade de pesquisas cuidadosas, inclusive examinar os pacientes, entrevistar

os parentes e pesquisar estatísticas vitais de nascimentos, mortes e casamentos. Os dados acu-

mulados fornecem a base para se definir clinicamente a condição e para determinar seu modo de

herança.

Os futuros pais podem querer saber se seus filhos correm risco de herdar uma determinada

condição, especialmente se outros membros da família foram afetados. É responsabilidade do

consultor genético avaliar tais riscos e explicá-los aos futuros pais. A avaliação do risco requer

familiaridade com probabilidade e estatística, aliada a um bom conhecimento de genética.

Como exemplo, consideremos um heredograma mostrando uma forma rara de nanismo (Fig. 13).

29

Figura 13. Representação de uma família com nanismo.

A condição se manifesta em todas menos na primeira geração, e todos os afetados, exceto o

primeiro, têm um genitor afetado. Este padrão indica fortemente que a condição é causada por um

alelo dominante. A mulher anã na geração II provavelmente representa uma mutação nova na

população.

O aspecto da consulta surge na geração V. Qual a chance de um homem anão produzir uma

criança anã? Para responder a esta questão precisamos conhecer os genótipos dos futuros genitores.

Como a condição é causada por um alelo dominante, a mãe deve ser homozigota para o alelo

normal (recessivo) (dd) e o pai deve ser heterozigoto para o alelo de nanismo (Dd). A chance de o

casal ter um filho anão é portanto de 1/2.

Como outro exemplo, considere a situação mostrada na Fig. 3.16. Um casal, indicado por R e S,

está preocupado com a possibilidade de seu filho (T) ter albinismo (fig.14), uma condição autossô-

mica recessiva caracterizada pela ausência completa do pigmento melanina na pele, nos olhos e nos

cabelos. S, o futuro pai, é um albino, e R, a futura mãe, tem dois irmãos albinos. Pareceria, portanto,

que o filho tem algum risco de nascer albino.

Figura 14. Albinismo em uma família.

30

O risco depende de dois fatores: (1) a probabilidade de R ser um portador heterozigoto do

alelo de albinismo (a), e (2) a probabilidade de ela transmitir este alelo para T se de fato for uma

portadora. S, que é obviamente homozigoto para o alelo do albinismo, deve transmitir este alelo

para sua prole.

Para determinar a primeira probabilidade, precisamos considerar os possíveis genótipos de R. Um

deles, de ela ser homozigota para o alelo recessivo (aa), é excluída porque sabemos que ela não é

albina. Entretanto, os outros dois genótipos, AA e Aa, continuam possibilidades distintas. Para

calcular as probabilidades associadas a cada um deles, notamos que ambos os genitores de R devem

ser heterozigotos, pois já tiveram dois filhos albinos. A reprodução que gerou R foi portanto Aa x

Aa, e de tal reprodução podemos esperar 2/3 da prole não-albina como sendo Aa e 1/3 como sendo

AÃ. Assim, a probabilidade de R ser portadora hete-rozigota do alelo do albinismo é de 2/3. Para

determinar a probabilidade de ela transmitir este alelo para seu filho, simplesmente observamos que

a estará presente em metade de seus gamelas. Em resumo, Risco de T ser aa = [Probabilidade de R

ser Aa] x [Probabilidade de R transmitir a, supondo que R seja Aa] = (2/3) X (1/2) = (1/3).

Os exemplos nas Figs. 3.15 e 3.16 ilustram simples situações de consulta genética na qual o

risco pode ser determinado com precisão. Em geral as circunstâncias são muito mais complicadas,

tornando a tarefa de avaliação do risco mais difícil. A responsabilidade do consultor genético é

analisar a informação do heredograma e determinar o risco tão precisamente quanto possível.

Pontos Importantes: Os heredogramas são usados para identificar características dominantes e recessivas em famílias

humanas. A análise de heredogramas permite que os consultores genéticos determinem a probabilidade de uma pessoa

herdar uma determinada característica.

31

RELEVANCIA DOS GENES E CROMOSSOMOS

CROMOSSOMOS

Os cromossomos foram descobertos na segunda metade do século XIX por um citologista alemão,

W. Waldeyer. As investigações subsequentes com organismos diferentes estabeleceram que os

cromossomos são característicos dos núcleos de todas as células. Eles são melhor vistos aplicando-se

corantes às células em divisão. Nesta fase, o material em um cromossomo está comprimido em um

pequeno volume, dando a aparência de um cilindro bem compactado. Durante a intérfase, entre as

multiplicações celulares, os cromossomos não são facilmente vistos, mesmo com os melhores corantes.

Os cromossomos interfásicos estão espalhados, formando finos filamentos distribuídos pelo núcleo.

Conseqüentemente, quando os corantes são aplicados, todo o núcleo é corado, e os cromossomos

individuais não podem ser identificados. Esta rede difusa de filamentos é chamada de cromatina.

Algumas regiões da cromatina coram-se mais fortemente que outras, sugerindo uma diferença

subjacente em organização. As regiões claras e escuras, respectivamente chamadas de

eucromatina (eu = verdadeiro, portanto, cromatina verdadeira) e a heterocromatina (hetero = diferente,

portanto, cromatina diferente), têm densidades diferentes de filamentos cromossômicos.

NÚMERO DE CROMOSSOMOS

Dentro de uma espécie, o número de cromossomos é quase sempre um múltiplo par de um número

básico. Nos seres humanos, por exemplo, o número básico é 23. Os ovócitos e espermatozóides têm este

número de cromossomos. A maioria dos outros tipos de células humanas tem o dobro (46), embora alguns

tipos, como as células do fígado, tenham quatro vezes (92) o número básico.

O número cromossômico haplóide, ou básico, (n) define um conjunto de cromossomos chamados

genoma haplóide. A maioria das células somáticas contém dois de cada cromossomo, sendo portanto

diplóides (2n). As células com quatro de cada cromossomo são tetraplóides (4n), as com oito de cada

são octaplóides (8n), e assim em diante.

O número básico de cromossomos varia entre as espécies. O número de cromossomos não está

relacionado ao tamanho nem à complexidade biológica de um organismo, e a maioria das espécies contém

entre 10 e 40 cromossomos em seus genomas (Quadro.3). O muntjac, um pequeno veado asiático, tem ape-

nas três cromossomos em seu genoma, enquanto algumas espécies de samambaia têm muitas centenas.

32

CROMOSSOMOS SEXUAIS

Em algumas espécies animais, por exemplo, os gafanhotos, as fêmeas têm um cromossomo a

mais que os machos (Fig. 15). Este cromossomo extra, originalmente observado em outros insetos, é

chamado de cromossomo X. As fêmeas de outras espécies têm dois cromossomos X, e os machos têm

apenas um. Assim, as fêmeas são citologicamente XX e os machos são XO, onde o "O" indica a

ausência de um cromossomo. Durante a meiose na fêmea, os dois cromossomos X se pareiam e depois se

separam, produzindo ovócitos que contêm um único cromossomo X. Durante a meiose no macho, o

cromossomo X solitário move-se independentemente de todos os outros cromossomos e é incorporado

a metade dos espermatozóides. A outra metade não recebe nenhum cromossomo X. Assim, quando os

espermatozóides e ovócitos se unem, são produzidos dois tipos de zigotos: XX, que se desenvolvem em

fêmeas, e XO, que se desenvolvem em machos. Como cada um destes tipos é igualmente provável, o

mecanismo reprodutivo preserva uma proporção l: l de machos e fêmeas nestas espécies.

Em muitos outros animais, inclusive seres humanos, machos e fêmeas têm o mesmo número de

cromossomos (Fig.15). Esta igualdade numérica é devida à presença de um cromossomo no macho,

chamado cromossomo Y, que se pareia com o X durante a meiose. O cromossomo Y é morfologica-

mente distinguível do cromossomo X. Em humanos, por exemplo, o Y é muito mais curto que o X, e

seu centrômero está situado mais perto das pontas (Fig. 15). O material comum aos cromossomos

33

humanos X e Y é limitado, consistindo principalmente de curtos segmentos terminais. Durante a meiose

no macho, os cromossomos X e Y se separam um do outro, produzindo dois tipos de espermatozóides,

com X e com Y. As frequências dos dois tipos é aproximadamente igual. As fêmeas XX produzem

apenas um tipo de ovócito, que tem X. Se a fertilização ocorrer aleatoriamente, aproximadamente

metade dos zigotos terá XX e a outra metade terá XY, levando a uma proporção sexual de 1:1 na

concepção. Entretanto, em seres humanos, os espermatozóides portadores de Y têm uma vantagem de

fertilização, e a proporção sexual zigótica é de cerca de 1,3:1. Durante o desenvolvimento, o excesso de

machos é diminuído pela viabilidade diferencial dos embriões XX e XY, e ao nascimento os machos são

apenas um pouco mais numerosos que as fêmeas (proporção sexual de 1,07:1). Na idade reprodutiva, o

excesso de machos é essencialmente eliminado, e a proporção sexual é muito próxima de l: l.

Os cromossomos X e Y são chamados de cromossomos sexuais. Todos os outros cromossomos no

genoma são chamados de autossomos. Os cromossomos sexuais foram descobertos nos primeiros anos do

século XX pelo trabalho dos citologistas americanos C. E. McClung, N. M. Stevens, W. S. Sutton e E. B.

Wilson. Esta descoberta coincidiu muito com o surgimento do mendelismo e estimulou as pesquisas sobre as

possíveis relações entre os princípios de Mendel e o comportamento meiótico dos cromossomos.

Pontos Importantes: Os cromossomos emergem de uma rede difusa de fibras de cromatina durante a

multiplicação celular. As células somáticas diplóides têm o dobro dos cromossomos que os gametas

haplóides. Em algumas espécies, os cromossomos sexuais X e Y distinguem as células de machos e de

fêmeas — XY nos machos e XX nas fêmeas. Em outras espécies, a fêmea tem dois cromossomos X e

o macho tem um só X e nenhum Y.

TEORIA CROMOSSÔMICA DA HERANÇA

Em 1910, muitos biólogos suspeitaram de que os genes estavam situados em cromossomos, mas não

tinham prova definitiva. Os pesquisadores precisavam encontrar um gene que pudesse ser

inconfundivelmente ligado a um cromosspmo. Esta meta necessitava que o gene fosse definido por um alelo

mutante e que o cromossomo fosse morfologicamente distinguível. Além disso, o padrão de transmissão

Figura 15. Herança de

cromossomos sexuais em

animais.

34

gênica tinha que refletir o comportamento cromossômico durante a reprodução. Todos estes requisitos foram

atendidos quando o biólogo americano Thomas H. Morgan descobriu uma determinada mutação de cor de

olho na mosca das frutas, a Drosophila melanogaster. Morgan começou a experimentação com esta

espécie de mosca em 1909. Ela era idealmente adequada à pesquisa genética porque se reproduzia rápida e

prolifícamente e não era dispendiosa de se criar em laboratório. Além disso, ela só tem quatro pares de

cromossomos, sendo um par de cromossomos sexuais — XX na fêmea e XY no macho. Os cromossomos

X e Y eram morfologicamente dis-tinguíveis um do outro e de cada um dos autossomos. Através de

cuidadosos experimentos, Morgan foi capaz de mostrar que a mutação para cor de olhos era herdada

juntamente com o cromossomo X, sugerindo que um gene para cor de olhos estava fisicamente situado

neste cromossomo. Mais tarde, um de seus alunos, Calvin B. Bridges, obteve uma prova definitiva desta

Teoria Cromossômica da Herança.

Evidência Experimental Ligando a Herança de Genes aos Cromossomos

Os experimentos de Morgan começaram com a descoberta de uma mosca macho mutante que tinha

olhos brancos em vez dos olhos vermelhos das moscas tipo selvagem. Quando este macho foi cruzado com

fêmeas tipo selvagem, toda a prole teve olhos vermelhos, indicando que branco era recessivo em relação

a vermelho. Quando esta prole foi intercruzada uma com a outra, Morgan observou um padrão peculiar de

segregação: todas as filhas, mas apenas metade dos filhos, tinham olhos vermelhos. A outra metade dos

filhos tinha olhos brancos. Este padrão sugeriu que a herança da cor de olho estava ligada a cromossomos

sexuais. Morgan propôs que um gene para cor de olho estava presente no cromossomo X, mas não no Y,

e que os fenótipos branco e vermelho eram devidos a dois alelos diferentes, um alelo mutante indicado por w e

um alelo selvagem indicado por w+. A hipótese de Morgan está representada na Fig. 3. As fêmeas tipo

selvagem no primeiro cruzamento foram imaginadas como sendo homozigotas para o alelo w+. Seus

machos su-postamente tinham o alelo w mutante em seu cromossomo X e nenhum dos alelos em seu

cromossomo Y. Um organismo que tem apenas uma cópia de um gene é chamado de hemizij Entre a prole

do cruzamento, os filhos herdam um crome mo X de sua mãe e um cromossomo Y de seu pai. Como

herdado maternamente tem o alelo w+, estes filhos têm c vermelhos. As filhas, ao contrário, herdam um

cromosson de cada genitor, um X com w+ da mãe e um X com w do Entretanto, como w

+ é dominante em

relação a w, estas fêr heterozigotas da F, também têm olhos vermelhos.

Quando os machos e fêmeas da F, são intercruzados, são duzidas quatro classes genotípicas, cada uma

representando combinação diferente de cromossomos sexuais. As moscas que são fêmeas, têm olhos

vermelhos porque pelo menos um í w+ está presente. As moscas XY, que são machos, têm o vermelhos ou

35

brancos, dependendo de qual cromossomo herdado das fêmeas heterozigotas de F1- A segregação dos los w

e w+ nestas fêmeas é portanto o motivo pelo qual me; dos machos da F2 têm olhos brancos.

Morgan fez experimentos adicionais para confirmar os mentos de sua hipótese. Em um deles (Fig.

16), ele cru fêmeas supostas heterozigotas para o gene de cor de olho ( machos mutantes de olhos brancos.

Como ele esperava, m de da prole de cada sexo tinha olhos brancos e metade tem olhos vermelhos. Em

outro experimento (Fig. 16), ele cruzou fêmeas de olhos brancos com machos de olhos vermelhos. Desta

vez, todas as filhas tinham olhos vermelhos, e todo os filhos tinham olhos brancos. Quando ele intercruzou

esta fêmea de, Morgan observou a segregação esperada: metade da pi de cada sexo tinha olhos brancos e

metade tinha olhos vermelhos. Assim, a hipótese de Morgan de que o gene para cor olho estava ligado ao

cromossomo X foi confirmada em tes experimentais adicionais.

CROMOSSOMOS COMO VEÍCULOS DE GENES

Morgan e seus alunos logo identificaram outros genes ligac ao X na Drosophila. Em cada caso,

experimentos simples cruzamentos demonstraram que mutações recessivas destes genes eram transmitidas

com o cromossomo X. À medida que evidências se acumularam, ficou claro que muitos genes estavavam

situados no cromossomo X. Entretanto, o grupo de pesquisa Morgan também identificou genes que não

estavam no cromossomo X. Estes genes seguiam o princípio mendeliano da segregação, mas não se

segregavam com o sexo, como o gene para cor de olho o fez. Morgan concluiu corretamente que tais genes

estavam situados em um dos três autossomos no gene Drosophila. Assim, cada cromossomo da

Drosophila contém um conjunto diferente de genes.

Figura 16 O experimento de Morgan

estudando a herança de olhos brancos na

Drosophila. A transmissão da condição

mutante em associação ao sexo sugeriu que o

gene para cor de olho estava presente no

cromossomo X mas não no cromossomo Y.

36

O laboratório de Morgan tentou então determinar as relações entre os genes em um cromossomo

em particular. Eles continuaram com a suposição de que os genes estavam postos de modo linear, uma

idéia inspirada pela evidencia citológica do cromossomo era um filamento longo e fino. Em apenas

alguns anos, os alunos de Morgan foram capazes de mostrar que os genes estavam de fato situados em

pontos diferentes, ou loci (da palavra latina para "lugar"), em uma estrutura linear (Fig. 17). O

laboratório de Morgan foi pioneiro nos método de construção de mapas genéticos e estabeleceu as

fundações para pesquisas subsequentes sobre a estrutura física dos cromossomos. Posteriormente a

estrutura linear dos cromossomos. Posteriormente, a linearidade dos cromossomos foi associada a

estrutura linear do DNA.

Estes primeiros estudos com Drosophila — principalmente o trabalho de Morgan e seus alunos

(Enfoque Histórico: Drosophila, T. H. Morgan e "A Sala das Moscas") — fortaleceram muito a visão de

que todos os genes estão situados em cromossomos e que os princípios de Mendel podiam ser explicados pelas

propriedades de transmissão dos cromossomos durante a reprodução. Esta ideia, chamada de Teoria

Cromossômica da Hereditariedade, é uma das mais importantes conquistas da biologia. Desde sua

formulação na primeira parte do século XX, a Teoria Cromossômica da Hereditariedade forneceu uma

estrutura unificadora para todos os estudos sobre a herança (fig. 18).

A) cruzamento entre uma fêmea heterozigotae

um macho mutante hemizigoto.

B) cruzamento entre uma fêmea mutante

homozigota e um macho selvagem

heterozigoto

Fig. 17 Testes experimentais da hipótese de Morgan de que o gene para cor de olho na Drosophila

é ligado ao X. Em cada experimento, a cor de olho é herdada juntamente com o cromossomo X.

Logo, os resultados destes cruzamentos apoiaram a hipótese de Morgan de que o gene para cor de

olho é ligado ao X.

37

Não-disjunção como Prova da Teoria Cromossômica

Morgan mostrou que um gene para cor de olho estava no cromossomo X da Drosophila

correlacionando a herança deste gene com a transmissão dos cromossomos X durante a reprodução.

Entretanto, como já dito antes, foi um de seus alunos, C. B. Bridges, quem deu a prova segura da teoria

Cromossômica, mostrando que as exceções às regras da herança também podiam ser explicadas pelo

comportamento cromossômico.

Bridges fez um dos experimentos de Morgan em uma escala maior. Ele cruzou fêmeas de

Drosophila de olhos brancos com machos de olhos vermelhos e examinou uma grande prole da F1. Embora,

como esperado, quase todas as moscas de F1 fossem fêmeas de olhos vermelhos ou machos de olhos

brancos, Bridges observou algumas moscas excepcionais — fêmeas de olhos brancos e machos de olhos

vermelhos. Ele cruzou estas exceções para determinar como elas podiam ter surgido. Os machos excepcionais

eram todos estéreis. Entretanto, as fêmeas excepcionais eram férteis, e quando cruzadas com machos

normais de olhos vermelhos produziam uma grande prole, incluindo um enorme número de filhas com

olhos brancos e filhos com olhos vermelhos. Assim, as fêmeas excepcionais da F1 embora raras, geravam

muita prole excepcional.

Bridges explicou estes resultados propondo que as moscas excepcionais da F1 eram o resultado do

comportamento anormal do cromossomo X durante a meiose nas fêmeas da geração P. Ordinariamente, os

cromossomos X nestas fêmeas deveriam se disjuntar, ou separar, um do outro durante a meio-se.

Fig. 18. Um mapa de genes

no cromossomo X da

Drosophila.

38

Ocasionalmente, entretanto, eles podiam falhar em se separar, produzindo um ovócito com dois

cromossomos X ou um sem nenhum cromossomo X. A fertilização de tais ovócitos anormais por

espermatozóides normais produziria zigotos com um número anormal de cromossomos sexuais. A Fig. 19

ilustra as possibilidades.

Se um ovócito com dois cromossomos X (em geral chamado diplo X; genótipo XwX

w) for fertilizado

por um espermatozóide portador de Y, o zigoto será XW

XW

Y. Como cada um dos cromossomos X neste

zigoto leva um alelo w mutante, a mosca resultante terá olhos brancos. Se um ovócito sem cromossomo X

(em geral chamado de X nulo) for fertilizado por um espermatozóide X (X+,), o zigoto será X

+O. (Novamente,

"0" indica a ausência de um cromossomo). Como o único X neste zigoto leva um alelo w+, ele se

desenvolverá em uma mosca com olhos vermelhos. Bridges deduziu que as moscas XXY eram fêmeas e que

as moscas XO eram machos. As fêmeas excepcionais de olhos brancos que ele observou eram, portanto,

XW

XW

Y, e os machos excepcionais de olhos vermelhos eramX+0. Bridges confirmou as constituições

cromossômicas destas moscas excepcionais por observação citológica direta. Como os animais XO eram

machos, Bridges concluiu que na Drosophila o cromossomo Y não tem nada a ver com a determinação do

fenótipo sexual. Entretanto, como os machos XO eram sempre estéreis, ele percebeu que este cromossomo

tinha que ser importante para o funcionamento sexual masculino.

Bridges reconheceu que a fertilização de ovócitos anormais por espermatozóídes normais podia

produzir dois tipos adicionais de zigotos: XW

XW

X+, surgindo da união de um ovócito duplo X e um

espermatozóide portador de X, e YO, surgindo da união de um ovócito X nulo e um espermatozóide com Y.

Os zigotos XW

XW

X+ se desenvolvem em fêmeas de olhos vermelhos, mas fracas e doentias. Estas "metafêmeas"

podem ser distinguidas das fêmeas XX por uma síndrome de anomalias anatômicas, incluindo asas

malformadas e abdomes corroídos. Gerações de geneticistas impropriamente as chamaram de "superfêmeas",

um termo criado por Bridges, muito embora não exista nada "supei nelas. Os zigotos YO são totalmente

inviáveis, isto é, morrem. Na Drosophila, como na maioria dos organismos com cromossomos sexuais, pelo

menos um cromossomo X é necessário para viabilidade.

A habilidade de Bridges para explicar a prole excepcional que surge destes cruzamentos mostrou

o poder da teoria cromossômica. Cada uma das exceções era devida a um comportamento cromossômico

anômalo durante a meiose. Bridges chamou a anomalia de não-disjunção, porque ela envolve uma falha

dos cromossomos em se separar durante uma das divisões meióticas. Esta falha pode resultar de um

movimento defeituoso dos cromossomos, de pareamento impreciso ou incompleto, ou de mau

funcionamento do centrômero. Pêlos dados de Bridges, é impossível especificar a causa exata.

Entretanto, Bridges notou que as fêmeas excepcionais XXY produzem uma alta frequência de prole

39

excepcional, supostamente porque seus cromossomos sexuais podem se separar de modos diferentes: os

cromossomos X podem se separar uns dos outros, ou os X dos Y. Neste último caso, um ovócito X diplo ou nulo é

produzido, porque o X que não se separa do Y está livre para se mover para um dos pólos durante a primeira meiose.

Quando fertilizado por um espermatozóide normal, estes ovócitos anormais produzirão zigotos excepcionais.

A Base Cromossômica dos Princípios Mendelianos da Segregação e da Distribuição Independente

Mendel estabeleceu dois princípios da transmissão genética: (1) os alelos de um gene se

segregam um do outro, e (2) os alelos de genes diferentes se distribuem independentemente. O achado

de que os genes estão situados em cromossomos possibilitou explicar estes princípios (bem como

exce-ções a eles) em termos do comportamento meiótico dos cromossomos.

O princípio da segregação (Fig.20). Durante a primeira meiose, os cromossomos homólogos se pareiam.

Um dos homólogos vem da mãe, e o outro, do pai. Se a mãe era homozigota para um alelo, A, de um gene

neste cromossomo e o pai era homozigoto para um alelo diferente, a, do mesmo gene, a prole tem que ser

heterozigota, isto é, Aa. Na anáfase da primeira meiose, os cromossomos pareados se separam e se

deslocam para pólos opostos da célula. Um leva o alelo A e o outro o alelo a. Esta separação física dos

dois cromossomos segrega os alelos um do outro. Posteriormente, eles irão residir em células-filhas diferentes.

O princípio da segregação de Mendel é portanto baseado na separação dos cromossomos homólogos durante a

anáfase da primeira meiose.

Fig. 19. A não disjunção do cromossomo X é responsável

pela prole excepcional que apareceu no experimento de

Bridges. Os ovócitos com não-disjunção que continham

ambos os cromossomos X ou nenhum comossomo X se

uniram com espermatozoides normais que continham um

cromossomo X ou um Y para produzir quatro tipos de

zigotos. Os zigotos XXY se desenvolvem em fêmeas de

olhos brancos, os zigotos XO se desenvolvem em machos

estéreis de olhos vermelhos, e os zigotos XXX e YO

morrem.

40

41

O princípio da distribuição independente : O princípio da distribuição independente também é baseado nesta

separação anafásica. Para compreender a correlação, precisamos considerar os genes em dois pares

diferentes de cromossomos. Suponha que um heterozigoto Aa Bb foi produzido pelo cruzamento de uma

fêmea AA BB com um macho aa bb. Suponha, também, que os dois genes estão em cromossomos

diferentes. Durante a prófase da meiose I, os cromossomos com os alelos A e a se pareiam, como o fazem os

cromossomos com os alelos B e b. Na metáfase, os dois pares tomam posições no fuso meiótico em

preparação para a separação anafásica seguinte. Como existem dois pares de cromossomos, existem dois

alinhamentos metafásicos distintos:

A B A b

— — ou — —

a b a B

Cada um destes alinhamentos é igualmente provável. Aqui o espaço separa pares diferentes de

cromossomos e as barras separam os membros homólogos de cada par. Durante a anáfase, os alelos acima das

barras irão se mover para um pólo, e os alelos abaixo delas irão se mover para o outro. Quando ocorre a

disjunção, há portanto 50% de chance de que os alelos A e B se movam juntos para o mesmo pólo e uma

chance de 50% de que se movam para pólos opostos. Analogamente, há uma chance de 50% de que os alelos

a e b se movam para o mesmo pólo e de 50% de que se movam para pólos opostos. Ao final da meiose,

quando o número de cromossomos é finalmente reduzido, metade dos gametas deverá conter uma combinação

parental de alelos (A B ou a b) e metade deverá conter uma nova combinação (A b ou a B). Juntos, existirão

quatro tipos de gametas, cada um sendo um quarto do total. Esta igualdade de frequências gaméticas é um

resultado do comportamento independente dos dois pares de cromossomos durante a meiose I. O princípio

da distribuição independente, de Mendel, refere-se à separação anafásica de genes em pares diferentes de

cromossomos. Mais adiante veremos que os genes no mesmo par de cromossomos não se distribuem

independentemente. Em vez disso, como eles estão fisicamente ligados uns aos outros, tendem a ir juntos através

da meiose, violando o princípio da distribuição independente.

Pontos Importantes: Os genes estão situados em cromossomos. A disjunção dos cromossomos

durante a meiose é responsável pela segregação e distribuição independente dos genes.

Figura 20. Segregação de Mendel com a meiose.

42

GENES LIGAODOS AO SEXO EM SERES HUMANOS

O desenvolvimento da teoria cromossômica dependeu da descoberta da mutação para olho branco

na Drosophila. A análise subsequente demonstrou que esta mutação era um alelo recessivo de um gene ligado

ao X. Embora alguns de nós creditem este episódio importante na história da genética a uma extraordinária

sorte, a descoberta de Morgan da mutação para olhos brancos não foi assim tão marcante. Tais mutações

estão entre as mais fáceis de se detectar porque se apresentam imediatamente em machos hemizigotos. Ao

contrário, as mutações autossômicas recessivas só se apresentam quando dois alelos mutantes se juntam em

um homozigoto, um evento muito mais improvável.

Nos seres humanos, também, as características recessivas ligadas ao X são muito mais facilmente

identificadas que as características autossômicas recessivas. Um homem precisa herdar apenas um alelo

recessivo para apresentar uma característica ligada ao X. Entretanto, uma mulher precisa herdar dois, um de

cada genitor. Assim, a preponderância de pessoas que apresentam características ligadas ao X é masculina.

Hemofilia, um Distúrbio de Coagulação Sanguínea Ligado ao X

Nos seres humanos, um determinado tipo de hemofilia é um dos exemplos mais bem conhecidos de

uma característica ligada ao X. As pessoas com esta doença são incapazes de produzir um fator necessário

para a coagulação do sangue. Os cortes e feridas nos hemofílicos continuam a sangrar, e se não forem para

dos por tratamento terapêutico, podem causar a morte. Quase todos os indivíduos afetados por hemofilia

ligada ao X são homens. Outros distúrbios de coagulação sanguínea são encontrados tanto em homens quanto

em mulheres porque são devidos a mutações em genes autossômicos.

O caso mais famoso de hemofilia ligada ao X ocorreu na família imperial russa no início do

século XX (Fig.21). O czar Nicolau e a czarina Alexandra tiveram quatro filhas e um filho. O filho,

Alexis, sofria de hemofilia. A mutação ligada ao X responsável pela doença de Alexis foi transmitida

por sua mãe, que era uma heterozigota para o gene. A czarina Alexandra era neta da rainha Vitória da Grã-

Bretanha, que também era portadora. Os registros de heredograma mostram que Vitória transmitiu o alelo

mutante para três de seus nove filhos: Alice, que era mãe de Alexandra, Beatrice, que teve dois filhos com

a doença, e Leopoldo, que tinha a doença. O alelo que Vitória portava evidentemente surgiu como uma

mutação nova nas células germinativas de um de seus genitores ou em um ancestral materno mais distante.

Alguns acreditam que esta mutação mudou o curso da história, contribuindo para a queda da dinastia

Romanov na Rússia e o subsequente surgimento do estado soviético.

Daltonismo, um Distúrbio Visual Ligado ao X

43

Nos seres humanos, a percepção a cores é mediada por proteínas que absorvem a luz nas células

especializadas dos cones da retina no olho. Três destas proteínas foram identificadas, uma para absorver a

luz azul, uma para absorver a luz verde, e uma para absorver a luz vermelha. O daltonismo pode ser

causado por uma anomalia em qualquer uma destas proteínas receptoras. O tipo clássico de daltonismo,

envolvendo a má percepção da luz vermelha e da verde, segue um padrão de herança ligada ao X. Cerca de

5 a 10 por cento dos homens têm daltonismo verde-vermelho; entretanto, uma fração muito menor de mu-

lheres, menos de l por cento, tem este distúrbio, sugerindo que os alelos mutantes são recessivos. Os

estudos moleculares mostraram que existem dois genes distintos para percepção de cores no cromossomo

X. Um codifica o receptor para a luz verde, e o outro codifica o receptor para a luz vermelha. A análise

detalhada demonstrou que estes dois receptores são estruturalmente muito semelhantes, provavelmente

devido aos genes que os codificam terem evoluído de um gene ancestral de recepção de cores. Um

terceiro gene para a percepção de cores, o que codifica o receptor para a luz azul, está situado em um

autossomo.

Na Fig. 22, o daltonismo é usado para ilustrar os procedimentos para calcular o risco de herdar

uma condição recessiva ligada ao X. Uma heterozigota (portadora), como a III-4 na figura, tem uma

chance de 1/2 de transmitir o alelo mu-tante para sua prole. Entretanto, o risco de que uma determinada

criança seja daltônica é de apenas 1/4, pois a criança tem que ser do sexo masculino para manifestar a

característica. A mulher IV-2 no heredograma pode ser portadora do alelo mutante para daltonismo,

Fig. 21 (a) A família imperial russa do czar

Nicolau II. (b) Hemofilia ligada ao X nas

famílias reais da Europa. Através de

casamentos, o alelo mutante para hemofila

foi transmitido da família real inglesa para

as famílias reais alemã, russa e espanhola.

44

pois sua mãe era. Esta incerteza sobre o genótipo de IV-2 introduz um outro fator de 1/2 no risco de

ter um filho daltônico. Logo, o risco para seu filho é de 1/4 X 1/2 = 1/8.

A Síndrome do X Frágil e Retardo Mental

Nos seres humanos, muitos casos de retardo mental parecem seguir um padrão ligado ao X de

herança. A maioria deles está associada a uma anomalia citológica que é detectável nas células que foram

cultivadas na ausência de alguns nucleotídeos, os blocos estruturais do DNA. Esta anomalia, uma

constrição perto da ponta do braço longo do cromossomo X, dá a impressão de que a ponta está prestes a

se destacar do resto do cromossomo (Fig. 23), daí o nome cromossomo X frágil. As características

clínicas da síndrome do X frágil variam consideravelmente, dificultando o diagnóstico. A maioria dos

pacientes apresenta uma significativa deficiência mental, e alguns exibem anomalias faciais e

comportamentais. Tanto homens quanto mulheres podem ser afetados. Entre a prole, a incidência de

síndrome de X frágil é de cerca de um em 2.000.

A síndrome do X frágil foi descrita como um distúrbio dominante ligado ao X com penetrância

incompleta. As mulheres afe-tadas são heterozigotas para o cromossomo X frágil, e os homens afetados são

hemizogotos para esta síndrome. Entretanto, alguns portadores do cromossomo, tanto homens quanto

mulheres, são assintomáticos para o distúrbio (Fig. 23). Esta falta de penetrância completa complica a

análise de heredogramas e dificulta a consulta genética.

Foram usadas técnicas moleculares para isolar e analisar o sítio X frágil. Ele consiste em uma

curta unidade repetida de DNA adjacente ao FMR1 (Petardo Mental de X Frágil), um gene de função

desconhecida. Esta unidade repetida varia de comprimento, sendo muito maior nos indivíduos que

Fig. 22 Análise de um

heredograma mostrando a

segregação do daltonismo ligado

ao X.

45

apresentam o distúrbio. Uma combinação de análises genéticas e moleculares demonstrou que a unidade

repetida tende a aumentar de tamanho, provavelmente como resultado de um defeito de replicação

cromossômica. Esta instabilidade explica por que as pessoas que não apresentam o distúrbio podem ter

filhos que o apresentam. A unidade repetida pode se expandir na linhagem germinativa da mãe e ser

transmitida para os filhos, que a terão em todas as suas células somáticas. Embora os detalhes fisiológicos

não sejam conhecidos, uma unidade expandida parece estar associada à modificação química do DNA

vizinho. Esta modificação tem um efeito adverso na expressão do gene FMR1, e é provavelmente a

causa da sín-drome do X frágil.

Genes no Cromossomo Y Humano

Poucos genes foram localizados no cromossomo Y humano. Esta falha em encontrar genes ligados ao

Y é um tanto surpreendente, pois uma mutação em um destes genes deve ter um efeito fenotípico

imediato no homem que o possui. Além disso, tal mutação deve ser passada para todos os filhos deste

homem, mas para nenhuma de suas filhas. Um gene ligado ao Y deve, portanto, ser o tipo de gene mais fácil de

identificar em um heredogra-ma convencional. Hoje em dia, entretanto, apenas alguns genes ligados ao Y

foram descobertos. Um é reponsável pela síntese de uma substância que especifica a masculinidade,

chamada antígeno H-Y, encontrado nas superfícies celulares. Um outro está envolvido na produção de um

fator que é crítico para a diferenciação dos testículos e a subsequente aquisição de características sexuais

Fig. 23. O cromossomo X frágil, (a) Uma mulher

(esquerda) mostrando o X frágil e um cromossomo X

normal, e um homem (direita) mostrando o X frágil e

um cromossomo Y normal, (b) Um heredograma

mostrando a herança da síndrome do X frágil. O homem

assintomático II-1 é portador, indicando que a condição

tem penetrância incompleta, (c) A base molecular da

síndrome do X frágil. A mutação no cromossomo X

frágil é devida a uma expansão de uma região de

repetições no DNA flanqueador do gene FMR1. A

modificação química do DNA ao redor destas

repetições afeta adversamente a expressão do gene

FMR1.

46

masculinas. Os avanços na genética molecular forneceram novas técnicas para identificar outros genes

ligados ao Y, mas, mesmo com elas, a opinião de que o cromossomo Y tem menos genes que qualquer outro

cromossomo humano não mudará.

Genes nos Cromossomos X e Y

Alguns genes estão presentes tanto no cromossomo X quanto no Y, a maioria próxima às pontas dos

braços curtos. Os alelos destes genes não seguem um padrão de herança distinto de ligado ao X ou ao Y. Em

vez disso, eles são transmitidos de mães e pais para filhos e filhas igualmente, imitando a herança de um gene

autossômico. Tais genes são, portanto, chamados de genes pseudo-autossômicos. Nos homens, as regiões

que contêm estes genes parecem mediar o parcamente entre os cromossomos X e Y.

Pontos Importantes: Os distúrbios causados por mutações recessivas ligadas ao X, tais como

hemofilia e daltonismo, são mais comuns nos homens que nas mulheres. Nos humanos, o

cromossomo Y porta poucos genes. Alguns destes genes também são portados pelo cromossomo X.

CROMOSSOMOS SEXUAIS E DETERMINAÇÃO DO SEXO

No reino animal, o sexo é talvez o fenótipo mais conspícuo. Os animais com machos e fêmeas

distintos são sexualmente dimórficos. Às vezes este dimorfismo é estabelecido por fatores ambientais. Em

uma espécie de tartarugas, por exemplo, o sexo é determinado pela temperatura. Os ovos que foram

incubados acima de 30°C deram fêmeas, enquanto os que foram incubados em temperatura mais baixa

deram machos. Em muitas outras espécies, o dimorfismo sexual é estabelecido por fatores genéticos, em

geral envolvendo um par de cromossomos sexuais.

DETERMINAÇÃO DO SEXO EM SERES HUMANOS

A descoberta de que as mulheres são XX e os homens XY sugere que o sexo possa ser

determinado pelo número de cromossomos X ou pela presença ou ausência de um cromossomo Y.

Como sabemos, a segunda hipótese é a correia. Em humanos e em outros mamíferos placentários, a

masculinidade é devida a um efeito dominante do cromossomo Y (Fig. 24). A evidência deste fato vem do

estudo de indivíduos com um número anormal de cromossomos sexuais. Os seres XO se desenvolvem

como mulheres, e os XXY se desenvolvem como homens. O efeito dominante do cromossomo Y é

manifesto no início do desenvolvimento, quando direciona as gônadas primordiais para se

desenvolverem em testículos. Uma vez formados os testículos, eles secretam testosterona, um hormô-nio

que estimula o desenvolvimento das características sexuais secundárias.

47

Pesquisas recentes localizaram o fator determinante de testículos (TDF — Testís-determining

Factor) no cromossomo Y humano. Este fator parece corresponder a um gene chamado SRY(Sex-

determining Region Y— região do Y determinante do sexo), situado fora da região pseudo-autossômica no

braço curto do cromossomo. A descoberta do SRY foi possível pela identificação de indivíduos incomuns

cujo sexo era inconsistente com sua constituição cromossômica — XX homens e XY mulheres (Fig. 24).

Alguns dos homens XX foram encontrados levando um pequeno trecho do cromossomo Y inserido em um

dos cromossomos X. Este trecho evidentemente leva um gene responsável pela masculinização. Algumas

mulheres XY foram encontradas possuindo um cromossomo Y incompleto. A parte do cromossomo Y

que estava faltando correspondeu ao trecho que estava presente nos homens XX. Sua ausência nas

mulheres XY aparentemente impediu que desenvolvessem testículos. Estas linhas complementares de

evidência mostraram que um segmento particular do cromossomo Y era necessário para o desenvolvimento

masculino. Análises moleculares subsequentemente identificaram o gene SRY neste segmento determinante

da masculinização. Pesquisas adicionais mostraram que um gene SRY está presente no cromossomo Y do

camundongo, e que — como o gene SRY humano — especifica um desenvolvimento masculino.

Após terem se formado os testículos, a secreção de testosterona inicia o desenvolvimento das

características sexuais masculinas. A testosterona é um hormônio que se liga aos receptores de muitos

tipos de células. Uma vez ligado, o complexo hormônio-receptor transmite um sinal para a célula,

instruindo-a a como se diferenciar. A diferenciação de muitos tipos de células leva ao

desenvolvimento de características distintamente masculinas, tais como musculatura forte, barba e voz

grossa. Se o sistema de sinalização de testosterona falha, estas características não aparecem, e o

indivíduo se desenvolve como mulher. Um motivo da falha é a inabilidade em fazer o receptor de

testosterona (Fig. 25). Os indivíduos XY com esta deficiência bioquímica inicialmente se desenvolvem

como homens, os testículos são formados e a testosterona é produzida. Entretanto, a testosterona não tem

efeito porque não pode atingir suas células-alvo para transmitir o sinal desenvolvimental. As pessoas que

não têm receptor de testosterona mudam de sexo durante o desenvolvimento em-briológico e adquirem

características sexuais femininas. Entretanto, elas não desenvolvem ovários e são portanto estéreis. Esta

síndrome, chamada feminização testicular, resulta de uma mutação em um gene ligado ao X, tf m, que

codifica o receptor de testosterona. A mutação tfm é transmitida pelas mães para os filhos (que são

fenotipicamente mulheres) em um padrão tipicamente ligado ao X.

48

Determinação do Sexo na Drosophila

O cromossomo Y na Drosophila, diferentemente do que ocorre em humanos, não tem papel na

determinação do sexo. O sexo da mosca é determinado pela proporção de cromossomos X em relação

aos autossomos. Este mecanismo foi primeiro demonstrado por Bridges em 1921 por meio de uma

análise das moscas com constituições cromossômicas incomuns.

As moscas diplóides normais têm um par de cromossomos sexuais, XX ou XY, e três pares de

autossomos, em geral indicados como AA; aqui, cada A representa um conjunto ha-plóide de

autossomos. Por artifícios genéticos, Bridges obteve moscas com números anormais de cromossomos

(Quadro 4). Ele observou que sempre que a proporção de X para A era 1,0 ou maior, a mosca era fêmea,

Fig. 24 O processo de determinação do

sexo em seres humanos. O

desenvolvimento sexual masculino na

produção do fator determinante

testicular (TDF) por um gene no

cromossomo Y. Na ausência deste fator,

o embrião se desenvolve como uma

mulher.

Fig. 25 Evidência localizando o gene para o fator

determinante testicular (TDF) no braço curto do

cromossomo Y em homens normais. O TDF é o

produto do gene SRY. Nos homens XX, uma

pequena região contendo este gene foi inserida em

um dos cromossomos X, e nas mulheres XY, ela

foi suprimida do cromossomo Y.

49

e sempre que era 0,5 ou menor, a mosca era macho. As moscas com uma proporção X:A entre 0,5 e 1,0

desenvolveram características de ambos os sexos, e Bridges as chamou de intersexos. Em nenhuma

destas moscas o cromossomo Y teve algum efeito no fenóti-po sexual. Entretanto, ele era necessário

para a fertilidade masculina.

Sabemos hoje que um gene ligado ao X chamado Sexo-le-tal (Sxl) tem um papel importante no

sistema de determinação do sexo da Drosophila (Fig. .15). Uma rede elaborada de outros genes ligados

ao X, trabalhando com fatores já presentes nos ovócitos de Drosophila, estabelecem o nível de

atividade de Sxl em um zigoto. Se a proporção X: A for maior ou igual a um, o gene Sxl é ativado e o

zigoto se desenvolve como fêmea. Se for menor ou igual a 0,5, o gene Sxl é inati-vado e o zigoto se

desenvolve como macho. Uma proporção entre 0,5 e 1,0 causa uma mistura de sinais, e o zigoto se

desenvolve com características tanto masculinas quanto femininas. Este sistema tem a incrível

habilidade de contar cromossomos, computar a proporção de X para A, e então ligar ou desligar o

interruptor Sxl. A expressão imprópria de Sxl — desligado em fêmeas ou em machos — leva à morte

embrionária, donde o nome do gene, letal sexual.

DETERMINAÇÃO DO SEXO EM OUTROS ANIMAIS

Em Drosophila e em seres humanos, os machos produzem dois tipos de gametas, os portadores de X

e os de Y. Por este motivo, eles são chamados de sexo heterogamético. Nestas espécies, as fêmeas são o

sexo homogamético. Nas aves, nas borboletas, e em alguns répteis, esta situação é revertida (Fig. 27). Os

machos são homogaméticos (em geral indicados por ZZ) e as fêmeas são heterogaméticas (ZW). Entretanto,

pouco se sabe sobre o mecanismo de determinação do sexo no sistema de cromossomos sexuais Z-W.

Fig. 26 Feminização testicular, uma condição causada por uma mutação ligada ao X, tfm, que

impede a produção do receptor de testosterona.

50

Quadro 4. Proporção de Cromossomos X para Autossomos e o Fenótipo Correspondente em

Drosophila

Nas abelhas, o sexo é determinado pelo fato de o animal ser haplóide ou diplóide (Fig. 27). Os

embriões diplóides, que se desenvolvem de ovócitos fertilizados, tornam-se fêmeas. Os embriões

haplóides, que se desenvolvem de ovócitos não fertilizados, tornam-se machos. O fato de uma deter-

minada fêmea se desenvolver ou não em uma forma reprodutiva (rainha) depende de como ela foi

alimentada quando larva. Neste sistema, uma rainha pode controlar a proporção de machos e fêmeas

regulando a proporção de ovócitos não-fertilizados que ela põe. Como este número é pequeno, a maioria

da prole é fêmea, embora estéril, e serve como operárias na colmeia. Em um sistema haplo-diplóide de

determinação sexual, os ovócitos são produzidos por meiose na rainha e os espermatozóides são

produzidos por mitose no macho. Este sistema garante que os ovócitos fertilizados terão o número

cromossômico diplóide e os não-fertilizados terão o número haplóide.

Fig. 27 A alternância de Sxl na

determinação do sexo na Drosophila. O

gene Sxl é ligado nos zigotos nos quais a

proporção X:A é 1,0 e desligado em zigotos

nos quais a proporção X:A é 0,5. A

expressão do gene Sxl faz com que o zigoto

se desenvolva em uma fêmea, enquanto a

não expressão deste gene faz com que o

zigoto se desenvolva em um macho.

51

Algumas vespas também têm o método haplo-diplóide de determinação do sexo. Nestas espécies, os machos

diplóides são às vezes produzidos, mas eles são sempre estéreis. A análise genética detalhada em uma espécie,

Bracon hebetor, indicou que os machos diplóides são homozigotos para um locus determinante do sexo, chamado

X; as fêmeas diplóides são sempre heterozigotas para este locus. Evidentemente, o locus do sexo em Bracon tem

muitos alelos. Os cruzamentos entre machos e fêmeas não aparentados, portanto, quase sempre produzem fêmeas

diplóides heterozigotas. Entretanto, quando os machos são aparentados, há uma apreciável chance de que sua prole

seja homozigota para o locus sexual, e neste caso se desenvolvem em machos estéreis.

COMPENSAÇÃO DE DOSE DE GENES LIGADOS AO X

O desenvolvimento animal geralmente é sensível a um desequilíbrio no número de genes.

Normalmente, cada gene está presente em duas cópias. Os desvios desta condição, seja para cima ou para

baixo, podem causar fenótipos anormais e às vezes até mesmo a morte. É portanto uma incógnita que

tantas espécies devam ter um sistema de determinação do sexo baseado em fêmeas com dois

cromossomos X e os machos com apenas um. Nestas espécies, como é acomodada a diferença numérica

de genes ligados ao X? A priori, dois mecanismos podem compensar esta diferença: (1) cada gene liga-I

do ao X funciona duas vezes mais em machos que em fême-1 as, ou (2) uma cópia de cada gene ligado

Fig. 28 Determinação do sexo em aves. A

fêmea é heterogamética (ZW) e o macho é

homogamético (ZZ). O sexo da prole é

determinado por qual cromossomo

sexual, Z ou W, é transmitido para a

fêmea.

Fig. 29 A determinação do sexo nas

abelhas. As fêmeas, que são derivadas

de ovócitos fertilizados, são diplóides, e

os machos, que são derivados de

ovócitos não-fertilizados, são haplóides.

52

ao X é inativada nas l fêmeas. Várias pesquisas mostraram que ambos os mecanismos são usados, o

primeiro em Drosophila e o segundo em mamíferos.

HIPERATIVAÇÃO DE GENES LIGADOS AO X EM MACHOS DE DROSOPHILA

Na Drosophila, a compensação de dose de genes ligados ao X é obtida por um aumento na

atividade destes genes nos machos. Este fenómeno, chamado hiperativação, envolve o gene letal

sexual, que também tem um papel importante na determinação do sexo (Fig. 30). O gene Sxl é ligado

nas fêmeas e desligado nos machos. Quando o produto gênico Sxl está ausente (como nos machos), um

complexo de proteínas diferentes se liga a muitos sítios no cromossomo X e ativa uma duplicação da

atividade gênica. Quando o produto do gene Sxl está presente (como nas fêmeas), este complexo

proteico não se liga, e a hiperativação de genes ligados ao X não ocorre. Deste modo, a atividade

total de genes ligados ao X nos machos e fêmeas é aproximadamente igualada.

INATIVAÇÃO DE GENES LIGADOS AO X EM FÊMEAS DE MAMÍFEROS

Nos mamíferos placentários, a compensação de dose de genes ligados ao X é obtida pela

inativação de um dos cromossomos X das fêmeas (Fig. 31). Este mecanismo foi inicialmente proposto em

1961 pela geneticista britânica Mary Lyon, que o deduziu de estudos em camundongos. As pesquisas sub-

sequentes de Lyon e outros mostraram que o evento de inativação ocorre quando o embrião de

camundongo consiste em alguns milhares de células. Nesta época, cada célula toma uma decisão

independente para silenciar um de seus cromossomos X. O cromossomo a ser inativado é escolhido ao acaso. Uma

vez escolhido, entretanto, ele permanece inativo em todos os descendentes desta célula. Assim, as fêmeas de ma-

míferos são mosaicos genéticos contendo dois tipos de clo-nes celulares. O cromossomo X herdado maternamente

é inativado em mais ou menos metade destes clones, e o paterna-mente herdado é inativado na outra metade. Uma

fêmea que é heterozigota para um alelo ligado ao X é portanto capaz de apresentar dois fenótipos diferentes.

Fig.30 Compensação de dose em

Drosophila. O único cromossomo X

nos machos é hiperativado devido a

um complexo proteico que se liga ao

cromossomo. Nas fêmeas, onde o

gene Sxl é expresso, este complexo

não se liga aos cromossomos, e estes

cromossomos não são hiperativados.

53

Um dos melhores exemplos deste mosaicismo fenotípico vem do estudo da coloração do pêlo em

gatos e camundongos. Em ambas as espécies, o cromossomo X porta um gene para pigmentação do pêlo.

As fêmeas heterozigotas para alelos diferentes deste gene mostram placas de pêlos claros e escuros. As

placas claras expressam um alelo; as escuras expressam o outro. Em gatos, onde um alelo produz o

pigmento preto e o outro produz pigmento laranja, este fenótipo em placas é chamado de tortoiseshell. Cada

placa de pêlos define um clone de células produtoras de pigmento, ou melanócitos, que foram derivadas

por mitose de uma célula precursora presente no momento da inativação do cromossomo X.

Muitos aspectos dos mecanismos de inativação do cromossomo X ainda são um mistério. A análise

genética mostrou que tanto em humanos quanto em camundongos ela começa em um ponto do braço longo

do cromossomo X e se espalha em ambos os sentidos para as pontas dos cromossomos . O local iniciador é

chamado centro de inativação do X (XIC).

Um cromossomo X que foi inativado não se parece com os outros cromossomos nem atua como

eles. As análises químicas mostram que seu DNA é modificado pela adição de numerosos grupos metila.

Além disso, ele se condensa em uma estrutura fortemente corada chamada corpúsculo de Barr, em

homenagem ao geneticista canadense Murray Barr, que primeiro o observou. Esta estrutura fica ligada à face

interna da membrana nuclear, onde se replica em momento diferente do dos outros cromossomos da

célula. O cromossomo X inativado permanece neste estado alterado em todos os tecidos somáticos.

Entretanto, nos tecidos germinativos ele é reativado, talvez porque duas cópias de alguns genes ligados ao X

são necessárias para o término bem-sucedido da ovocitogênese.

Estudos citológicos identificaram seres humanos com mais de dois cromossomos X. Para a maior

parte, estas pessoas são fenotipicamente mulheres normais, aparentemente porque todos os seus

cromossomos X, menos um, estão inativados. Em geral, todos os X inativados se unem em um só corpúsculo

de Barr. Estas observações sugerem que as células podem ter uma quantidade limitada de algum fator

necessário para evitar a inativação do X. Uma vez que este fator tenha sido usado para manter um

cromossomo X ativo, todos os outros entram no processo de inativação.

54

Pontos Importantes: Na Drosophila, a compensação de dose para genes ligados ao X é obtida

pela hiperatividade do único cromossomo X nos machos. Em mamíferos, a compensação de dose

é obtida inativando um dos dois cromossomos X em mulheres.

Fig. 30 Inativação do cromossomo X em

mamíferos. Um dos cromossomos X nas fêmeas

XX é inativado em cada célula do embrião inicial.

Na linhagem germinativa, os cromossomos X

inativados são subsequentemente reativados

durante a ovocitogênese.

55

GENÉTICA EM MEDICINA

A Natureza em nenhuma outra parte está mais acostumada a apresentar seus mistérios secretos que

nos casos onde ela apresenta traços de seus trabalhos fora do que é normal; e nem há um modo melhor para

avançar na prática adequada da medicina do que entregar nossas mentes à descoberta da lei usual da

Natureza pela cuidadosa investigação dos casos deformas raras. Foi encontrado, em quase todas as coisas,

que o que elas contêm de útil ou de natureza aplicável dificilmente é percebido, a menos que estejamos

privados delas, ou elas estejam de algum modo perturbadas.

Carta escrita por William Harvey em 1657 (citada por A. Garrod em 1928 em um artigo sobre

doenças raras. Lancet, i, pp. 1055-1060, 1928)

A genética moderna teve um profundo impacto na medicina. Embora as conexões entre algumas

doenças e a herança tivessem sido feitas há séculos, uma das primeiras e mais importantes ligações entre os

novos princípios mendelianos descobertos e as doenças foi publicada por Sir Archibald Garrod em 1902.

Este médico inglês estava estudando doenças metabólicas raras que se transmitem em famílias, e

assim pareciam ser herdadas. Um destes distúrbios foi a alcaptonúria, um distúrbio metabólico no qual uma

substância chamada alcaptona se acumula nas células e tecidos e é excretada na urina. A alcaptona,

apropriadamente conhecida como ácido homogentísico, é um produto metabólico intermediário formado

pelo metabolismo do aminoácido fenilalanina. Normalmente, o ácido homogentísico é convertido em outro

composto (maleilacetoacetato), mas neste caso a enzima que possibilita a conversão está ausente. O

ácido homogentísico então se acumula e é oxidado em um produto escuro que se acumula em áreas do

corpo ricas em cartilagem, tornando escuros as orelhas, articulações e outros tecidos. A urina também fica

escura quando exposta ao oxigénio. Embora este acúmulo de ácido homogentísico seja uma condição

clínica relativamente benigna, causando no máximo uma moderada artrite, ele persiste durante a vida do

paciente.

Garrod, após discussões com William Bateson, um dos pioneiros das ideias mendelianas, concluiu

que a alcaptonúria era herdada de acordo com princípios mendelianos, e que fatores mendelianos

56

controlavam a química celular. Garrod foi o primeiro a associar um gene mutante defeituoso a um bloqueio em

uma via metabólica causando um distúrbio herdado. Em reconhecimento por suas contribuições, Garrod é

geralmente reconhecido como o "pai da genética bioquímica".

A brilhante análise de Garrod sobre a alcaptonúria hoje é considerada a base da genética médica

moderna. Embora muitos distúrbios hereditários sejam raros, sua compreensão nos possibilita um insight

de como os genes controlam os processos celulares normais. Por exemplo, os estudos da alcaptonúria, onde

um processo metabólico normal é perturbado, levou a descobertas importantes de como o aminoácido

fenilalanina é normalmente metabolizado. Os indivíduos com um distúrbio hereditário chamado

fenilcetonúria, ou simplesmente PKU, são incapazes de converter normalmente a fenilalanina em outro

aminoácido, a tirosina, devido à falta da enzima necessária para esta reação. Como resultado, os derivados da

fenilalanina que são tóxicos para o sistema nervoso central se acumulam na corrente sanguínea e causam

grave retardo mental. Entretanto, um cientista determinou a base molecular do retardo mental em indivíduos

com PKU, e um tratamento eficaz logo foi estabelecido. Quando a PKU é diagnosticada ao nascimento, a

criança é colocada em uma dieta com níveis controlados de fenilalanina — suficientemente alta para apoiar

o crescimento normal mas baixa o suficiente para evitar a toxidez das células nervosas.

Desde a época de Garrod, os pesquisadores fizeram grandes esforços para estabelecer ligações

entre genes defeituosos e doenças. Discutiremos algumas das principais ligações aqui e voltaremos a

muitas delas durante o texto. Os genes nas pessoas normais são chamados de genes tipo selvagem; aqueles

com defeitos que resultam na síntese de produtos não-funcionais são chamados de genes mutantes. Eles

resultam em condições anormais ou mutantes. Os defeitos em genes mutantes são chamados de mutações.

A hemofilia, ou doença do sangramento, foi um dos primeiros distúrbios humanos a serem ligados a

um gene mutante e ao seu produto não-funcional. No passado, os indivíduos com este defeito herdado de

coagulação sanguínea em geral morriam durante a infância. Hoje em dia, eles em geral vivem uma vida

normal graças a tratamentos eficazes com fator de coagulação produzido por culturas de células de

mamíferos geneticamente modificadas .

O gene mutante que é responsável pela doença de Hunting-ton, um distúrbio neurológico fatal, foi

isolado em 1993 após intensa pesquisa de 10 anos. O gene mutante responsável pela fibrose cística foi

também isolado e seu produto gênico identificado. Com a compreensão dos mecanismos de doença veio a

oportunidade de tratamento.

A terapia gênica — a introdução de genes normais nas células de pacientes com genes defeituosos —

oferece grandes promessas como tratamento eficaz de doenças herdadas. Infelizmente, hoje em dia a terapia

gênica ainda não concretizou essas promessas. A terapia gênica tem sido usada em combinação com outros

57

tratamentos em crianças com um distúrbio devastador do sistema imune chamado doença grave de

imunodeficiência combinada, mas os resultados têm sido desestimulantes. Os genes introduzidos foram

expressos por apenas um curto período de tempo. As tentativas clínicas de terapia gênica estão atualmente

sendo feitas em pacientes com vários tipos de câncer, doença de Gaucher, hipercolesterolemia familial,

hemofilia, anemia de Fanconi, síndrome de Hunter, e a síndrome da deficiência imune adquirida (AIDS).

Embora existam motivos para se esperar que a terapia gênica seja finalmente bem sucedida no

tratamento destes e de outros distúrbios, os resultados atuais indicam que são necessárias mais pesquisas para

se determinar como e por que os genes são desligados logo após entrarem em novas células hospedeiras.

Algumas formas de câncer são familiais (elas ocorrem frequentemente dentro de famílias) ou

hereditárias; outras são não hereditárias e ocorrem esporadicamente entre todos os membros de uma

população. Entretanto, todos os cânceres são doenças genéticas no sentido de que são causadas por

mudanças na informação genética que é transmitida para as células filhas. A evidência disponível indica

que todos os cânceres resultam do acúmulo de danos aos genes que controlam ou influenciam a

multiplicação celular, a diferenciação celular e processos correlatos. Embora existam centenas de tipos

diferentes de câncer, todos têm uma coisa em comum, a perda do controle normal da multiplicação celular.

Os genes mutantes que causam um risco aumentado de câncer estão sendo identificados e estudados

intensamente. Um destes genes, chamado BRCA1 para gene de câncer de mama l, resulta em aumento de

suscetibilidade ao câncer de mama e ovário em algumas famílias. O gene BRCA1 foi isolado, caracterizado e

mapeado no cromossomo 17. Um segundo gene de câncer de mama, o BRCA2, foi subsequentemente

identificado. Eles se juntam a uma longa lista de genes que causam câncer familial, incluindo o tumor de

Wilms, um câncer renal em crianças, e a síndrome de Gardner, um tipo de câncer do cólon. À medida que

aprendemos mais sobre o funcionamento destes genes de câncer em situações normais e anormais, chegamos

mais perto de tratamentos terapêuticos eficazes.

Entretanto, como no caso de outros genes identificados por esta estratégia, é um longo caminho

entre isolar o gene, identificar seu produto e determinar o que o produto faz na célula. Mesmo com a

informação sobre o funcionamento de um gene, criar uma terapia é outro problema de grandes proporções.

Por exemplo, o gene para doença de Huntington foi isolado em 1993, e seu produto proteico, a huntingtina,

foi identificado logo após. Mas, nos cinco anos seguintes, a função da huntingtina ainda era desconhecida.

Nancy Wexler, que trabalhou na descoberta da doença de Huntington, compartilha suas ideias conosco

sobre os aspectos científico, pessoal e social da doença. Uma vez que a função do gene da doença de

Huntington seja totalmente compreendida, ainda poderá haver um longo tempo até que uma terapia efetiva

para esta doença devastadora seja estabelecida.

58

Em contraste com a doença de Huntington, sabemos bastante sobre a função do produto do gene da

fibrose cística, chamado CFTR — regulador da condutância transmembranar da fibrose cística (em inglês:

cystic yibrosis íransmembrane conductance regulator). Este conhecimento sugere que algum dia seja possí-

vel tratar a fibrose cística pela terapia gênica, isto é, introduzindo cópias funcionais do gene CFTR nas células

de indivíduos com versões defeituosas do gene. Em uma estratégia, uma forma normal do gene CFTR é

inserida em um vírus comum do resfriado que tenha sido geneticamente alterado, de modo que ele não possa

completar seu ciclo de vida normal. Este vírus modificado é então aplicado às passagens nasais de

pacientes com CF (fibrose cística). O envoltório que encapsula o vírus da gripe funciona como o veículo

de transferência do gene normal CFTR para as células do epitélio nasal. Uma vez nas células, o gene

CFTR deve dirigir a síntese de um produto gênico normal, e as células, previamente deficientes de CFTR,

devem recuperar parte de seu funcionamento normal. Infelizmente, até agora, este tipo de terapia gênica não

se demonstrou muito eficaz. Muito poucas células na verdade adquirem cópias funcionais do gene, e os níveis

de CFTR produzidos nas células de pacientes com CF tratados são muito baixos para eliminar os sintomas

da doença. Além disso, este tipo de terapia gênica não corrige o defeito pan-creático desta doença nem corrige

os defeitos causados pela CF em outras células. Embora os experimentos iniciais de terapia gênica não

tenham tido sucesso, parece seguro prever que, no futuro — próximo, esperamos —, a terapia gênica

forneça um tratamento eficaz para a fibrose cística.

O isolamento e caracterização dos genes mutantes BRCA1 e BRCA2 que aumentam o risco de

câncer de mama estão criando aspectos sociais e éticos importantes. Por exemplo, BRCA1 é um gene muito

grande, e mais de 100 mutações diferentes dele já foram identificadas em humanos. É uma tarefa cara e

trabalhosa triar mulheres quanto a possíveis variantes deste gene de modo rotineiro. Para complicar ainda

mais as coisas, algumas variantes de BRCA1 são benignas e não predispõem a mulher ao câncer de mama.

Portanto, parece que o teste será feito primariamente em mulheres com uma história familial de câncer

de mama. Mesmo nestes casos, entretanto, há o risco de que os testes laboratoriais produzam resultados

falso-positivos ou falso-negativos. Nos casos onde o teste diagnóstico indica que uma mulher está portando

um gene mutante BRCA1 ou BRCA2 que pode predispô-la a desenvolver câncer de mama, que opções de

tratamento podem ser oferecidas? É sempre benéfico para a mulher dizer-lhe que ela é portadora de uma

mutação que a predispõe a desenvolver câncer de mama? A mastectomia profilática é um tratamento

recomendado para portadoras de genes BRCA mutantes, mas este tratamento pode nem sempre ser bem-suce-

dido. Além disso, como os genes mutantes BRCA também aumentam o risco de câncer de ovário, o

consultor genético deve sugerir que a mulher com mutações BRCA tenha seus ovários removidos? Muitos

59

problemas atormentantes estão associados à identificação e isolamento de genes de câncer de mama, pro-

blemas que têm que ser abordados.

Recentemente, os cientistas combinaram técnicas genéticas com aplicações computadorizadas

para desenvolver novas e poderosas tecnologias de chips gênicos que podem ser usados para diagnosticar

rapidamente doenças herdadas, presença de vírus ou mudanças nos padrões de expressão gênica em tecidos

de pacientes com várias doenças. Os chips gênicos podem ser usados para comparar rapidamente os níveis

de expressão de 10.000 ou mais genes em tecidos selecionados de pessoas com uma determinada doença e

de pessoas normais. Os primeiros chips gênicos a se tornarem disponíveis comercialmente foram destinados a

detectar HIV (o vírus que causa a AIDS), para detectar alterações na estrutura do gene humano p53 supressor

tumoral (alterado em vários tipos de câncer) e para quantificar os RNAs produzidos por 7.700 genes

humanos. Outros chips gênicos logo estarão disponíveis. As tecnologias de chips gênicos prometem ampliar

nossa compreensão das relações entre a expressão gênica alterada e as doenças humanas. Este conhecimento

deve ajudar os cientistas a desenvolver métodos eficazes para aliviar a dor e o sofrimento associados a estas

doenças.

A genética teve e continua a ter um profundo impacto no campo da medicina. Os genes defeituosos

colocam os humanos em risco aumentado de desenvolver muitas doenças. O tratamento de distúrbios

herdados usando-se a terapia gênica tem um grande potencial, mas ainda não se demonstrou eficaz.

GENÉTICA E AGRICULTURA MODERNA

Além de seu impacto na medicina, a genética moderna teve um tremendo impacto na agricultura.

Uma das grandes conquistas na agricultura moderna foi a aplicação dos princípios mendelia-nos ao

desenvolvimento do milho híbrido. O milho híbrido é produzido pelo cruzamento de linhagens

endogâmicas diferentes, cada uma das quais com propriedades valiosas, como resistência a doenças, alto teor

de proteínas e açúcar e tolerância à estiagem. Durante o período de 1940 a 1980, a produção média de milho

aumentou em 250%, em grande parte devido ao desenvolvimento e introdução de variedades de milho

híbrido. Nos Estados Unidos, a hibridização resultou em acentuados aumentos de produção em quase todas

as colheitas de alimentos importantes, como cevada, feijão, aveia, arroz e trigo, embora não tão grandes

quanto de milho híbrido.

Dos anos 1950 aos 1970, Norman Borlaug e sua equipe de pesquisadores usaram os princípios da

genética clássica para desenvolver novas linhagens de trigo no México que se desenvolveriam bem em

condições de estresse em geral encontradas em países em desenvolvimento. Seu sucesso em desenvolver este

trigo, bem como outras plantas, lhe deu o Prémio Nobel de 1970. Suas enormes contribuições para a

60

produtividade agricultural, e portanto para a nutrição, em países em desenvolvimento ajudaram a

desencadear a tão divulgada "revolução verde".

O tomate moderno se beneficiou muito da aplicação dos princípios genéticos. Os genes que

conferem resistência a vários patógenos, como fungos e nematódeos, foram introduzidos nas variedades

modernas. A maioria dos genes de resistência veio de similares do tomate que são selvagens. O padrão de

crescimento do tomateiro também foi geneticamente alterado, de modo que a planta é mais arbustiva e

compacta, características que ajudam a manter os frutos fora do chão. Os agricultores desenvolveram uma

grande variedade de tipos morfológicos de tomates. Eles incluem os redondos, medium-sized lemon boys; os

redondos, large beefsteaks; os pequenos, round cherry; em forma de pêra, amarelos e vermelhos; e outros.

Os programas de cruzamentos seletivos produziram galinhas que têm mais carne, crescem mais

depressa, são mais resistentes a doenças e botam mais ovos. Os programas de cruzamentos seletivos

produziram gado, ovelhas e porcos que têm mais carne, crescem mais depressa e são mais eficientes em

converter alimentos em carne, além de melhor adaptados aos ambientes regionais. A produção de leite

pela vaca e seu conteúdo de manteiga também aumentou acentuadamente como consequência dos

cruzamentos seletivos.

Uma das técnicas mais eficazes usadas para melhorar a qualidade das criações é a inseminação

artificial. Um touro conhecido por ser pai de vacas que produzem grandes quantidades de leite ou geram

prole produtora de grande quantidade de carne tem seus espermatozóides coletados a intervalos regulares e

estocado. Este esperma é usado para fertilizar milhares de fêmeas em todo o mundo. Os genes favoráveis

deste touro são assim transmitidos para uma prole numerosa, resultando em grandes aumentos de produção de

leite ou de carne.

Além dos cruzamentos genéticos e seleção de características desejadas que foram usadas por

criadores de plantas e animais durante séculos, as novas tecnologias genéticas já tiveram e continuam a ter um

grande impacto na agricultura. Inserir genes para resistência a insetos ou patógenos em plantios está se

tornando uma importante arma contra organismos que destroem muito do suprimento mundial de alimentos.

A broca do milho é um inseto que ataca o caule do milho, interrompendo o fluxo de nutrientes para as

espigas e diminuindo a produção. Os túneis produzidos pela broca do milho também enfraquecem o

caule, fazendo com que as plantas se quebrem com um vento forte. Em combinação, os efeitos da broca

do milho causam importantes diminuições na produção e despesas para os agricultores de cerca de US$ l

bilhão por ano apenas nos Estados Unidos. No passado, os agricultores tentaram controlar os danos da broca

do milho pulverizando seus campos com inseticidas. Hoje têm outra opção. A bactéria Bacillus

thuringiensis contém um gene codificante de uma proteína que é tóxica para muitos insetos. Subespécies

61

diferentes desta bactéria produzem toxinas que matam insetos diferentes. Uma subespécie produz uma

toxina que mata a broca do milho. O gene para toxina proteica foi isolado da bactéria e inserido nos pés de

milho. Quando a broca se alimenta de plantas portadoras do gene da toxina, ela morre em alguns dias,

enquanto as plantas que não têm o gene ficam desprotegidas.

Uma outra aplicação da genética molecular para a melhoria de plantas e animais é o uso de marcadores

moleculares para determinar as localizações dos genes ou grupos de genes que controlam características

importantes, tais como a taxa de crescimento e a produção. Estas características em geral exibem variação

contínua, por exemplo, da planta de milho mais baixa para a mais alta. Portanto, elas são chamadas de

características quantitativas (QTs), e os genes ou grupos de genes que os controlam são chamados de loci de

características quantitativas. Um locus (plural loci) é simplesmente o sítio ou local de um gene ou de uma

mutação em um cromossomo. Uma vez que os loci de QT tenham sido mapeados em regiões de cromossomos

individuais, os gene-ticistas podem planejar cruzamentos para introduzi-los em variedades importantes de

cultivo ou de criação de animais. Assim, os loci de QT estão sendo amplamente usados para acelerar os

projetos de criação de animais e plantas.

Enquanto a aplicação dos fundamentos da genética ao cultivo de plantas e criação de animais estava

produzindo acentuados aumentos na produtividade agrícola em quase todo o mundo, a produção agrícola na

União Soviética estava estagnada. De 1937 a 1964, a biologia e agricultura na União Soviética eram

dominadas por uma pessoa, Trofim D. Lysenko, um jovem agricultor da Ucrânia. Lysenko acreditava que o

desenvolvimento das plantas e a produtividade agrícola podiam ser amplamente melhorados manipulando-

se o ambiente. As mudanças induzidas pelo ambiente no crescimento das plantas, segundo Lysenko, seriam

assimiladas pelo material genético e passadas para a geração seguinte. Suas ideias eram semelhantes às

formuladas por Lamark no começo do século XIX. As ideias de Lysenko foram finalmente desacreditadas,

mas só após a produtividade da agricultura na União Soviética ter ficado muito aquém da dos países

desenvolvidos. A era de Lysenko na União Soviética deu uma clara ilustração do perigo de se dar muito

poder a uma única pessoa.

Embora os fundamentos da genética clássica e moderna venham sendo aplicados à agricultura há

menos de 100 anos, não devemos perder de vista o fato de que a espécie humana tem usado a genética na

agricultura por séculos sem o conhecimento formal das leis da herança. Os seres humanos pioneiros fizeram

os primeiros experimentos de "seleção genética" em trigo entre 7.000 a 10.000 anos atrás. As evidências

indicam que quase todos os nossos cultivos atuais de alimentos foram domesticados durante este período

Neolítico inicial, coincidindo com o desenvolvimento dos instrumentos de pedra. Os indivíduos maiores e

mais vigorosos na população foram selecionados como genitores das gerações subsequentes, uma prática que

62

ainda é a principal dos agricultores e criadores de animais. Entretanto, esta prática agora está sendo

suplementada com novos e poderosos instrumentos de genética molecular e engenharia genética. Como re-

sultado, podemos esperar um rápido progresso e grandes conquistas na agricultura no futuro, como foi no

passado.

Pontos Importantes: A genética teve um grande impacto na agricultura. Hoje em dia, tanto o

cruzamento seletivo quanto os novos enfoques de genética molecular estão sendo aplicados ao

desafio de alimentar a população humana mundial em crescimento rápido.

GENÉTICA E SOCIEDADE

As metas do Projeto Genoma Humano, lançadas em 1990, são mapear e seqüenciar toda a

informação genética de humanos e de alguns outros organismos geneticamente importantes por volta de 2005.

O progresso nestas metas já está à frente do cronograma, e uma empresa privada recém-formada anunciou que

seqüenciará todo o genoma humano em apenas três anos, por volta de 2001. Outra empresa privada está

seqüenciando as partes expressas do genoma humano, os genes. As sequências completas dos genomas de 18

bactérias e da levedura Saccharomyces cerevisiae já foram determinadas. A sequência do genoma do verme

Caenorhabditis elegans está 99,9 por cento completa; e as sequências dos genomas da planta Arabidopsis

thaliana e da mosca das frutas Drosophila melanogaster logo estarão disponíveis. O conhecimento da

estrutura de toda a informação genética dos humanos e de outros importantes organismos genéticos terá

profundos efeitos na sociedade. Esta informação terá efeitos acentuados na capacidade dos cientistas de

diagnosticar e criar tratamentos eficazes para doenças humanas. Assim, esta informação deverá ter impacto

muito positivo na saúde humana. Entretanto, também criará complexos problemas morais, éticos e legais

que deverão ser enfrentados pelas pessoas e pela sociedade. Consideremos alguns destes aspectos.

A informação sobre o genoma humano está se acumulando em um ritmo rápido. Em vista destas novas

informações, os cientistas logo poderão ser capazes de fazer previsões importantes sobre a saúde futura das

pessoas: por exemplo, a probabilidade de uma pessoa desenvolver câncer, doença mental ou algum outro

distúrbio com base genética. Um problema complexo que está no cerne desta questão é o acesso às informações

obtidas. A maior parte das pesquisas sobre o genoma humano tem fundos públicos. O público deve ter um acesso

ilimitado à informação? E quanto às seguradoras e patrões? Eles poderão rejeitar um candidato a emprego ou

negar um seguro com base nas informações genéticas. Como a sociedade protegerá a privacidade das pessoas

face à disponibilidade desta nova informação genética?

Um casal jovem tem uma filha com fibrose cística. Para ter esta devastadora doença genética, a criança

herdou duas cópiaspdo gene defeituoso. Logo, cada um dos genitores tinha que ser portador de uma cópia do

gene defeituoso e transmitiu esta cópia para ela. A mãe está novamente grávida, muito embora ela e seu marido

63

saibam que havia um risco de 25% de eles produzirem outra criança afetada. Sua seguradora requisitou um

diagnóstico pré-natal do feto para avaliar sua condição quanto à fibrose cística. Os resultados do teste

mostraram que o feto tinha fibrose cística. Os representantes da seguradora pediram que eles interrompessem a

gestação sob o risco de perderem a cobertura do seguro. O casal se recusou a terminar a gestação, a seguradora

cancelou o seguro e o casal moveu um processo. As seguradoras têm o direito de cancelar as apólices de

seguro ou insistir no término da gestação frente ao nascimento de uma criança com um distúrbio genético de

tratamento caro e geralmente fatal? A corte disse que não. Entretanto, tal questão não termina com uma decisão

legal. De fato, as famílias que correm risco de desenvolver determinadas doenças estão sendo recusadas por

seguradoras.

Entretanto, não é justo dizer que as seguradoras são insensíveis e interessadas apenas no final. Os

distúrbios genéticos tais como fibrose cística são de tratamento caro, geralmente custando centenas de

milhares, ou mesmo milhões de dólares. É apropriado pedir que as seguradoras cubram todo o custo dos

tratamentos? Que direitos ou obrigações as seguradoras têm na prevenção de nascimento dos geneticamente

defeituosos? Que responsabilidades os genitores que estão em risco têm na prevenção de distúrbios genéticos?

À medida que você usar este texto para estabelecer uma fundamentação genética para uma análise

criteriosa, você estará melhor qualificado para avaliá-las.

A genética tem o potencial de aprimorar a qualidade da vida humana. Ao longo deste livro

destacamos como nossos conhecimentos de genética evoluíram e como nossas vidas ficaram melhor

através deste conhecimento. Mas devemos ter em mente alguns infelizes, e mesmo trágicos, usos errados da

genética.

A teoria de Darwin da evolução pela seleção natural diz, entre outras coisas, que os organismos com

características que são benéficas produzem maior número de prole que os organismos com características

menos benéficas. Como resultado, estas características benéficas tornam-se a norma na população. Esta

ideia foi impropriamente aplicada à espécie humana. Francis Galton, primo de Charles Darwin, acreditava

que muitas qualidades físicas e mentais humanas eram herdadas, e portanto sujeitas às forças da seleção. Mas

Galton levou esta ideia um passo adiante. Ele sugeriu que a constituição genética da espécie humana pode

ser melhorada pelo uso da seleção artificial, uma ideia que ele chamou de eugenia: os genitores que

expressam características favoráveis deviam ser estimulados a ter famílias maiores (eugenia positiva), e os

genitores com características indesejáveis deveriam ser estimulados a não ter filhos (eugenia negativa). As

características que Galton achava favoráveis incluíam alta inteligência, altos níveis de conquistas,

criatividade artística e excelente saúde. As características que ele achava que deveriam ser selecionadas

contra incluíam baixa inteligência, doença mental, comportamento criminoso e alcoolismo.

64

Nos Estados Unidos, o movimento eugênico ganhou força durante a primeira parte do século XX,

especialmente a eugenia negativa. Em 1907, o estado do Indiana aprovou leis que determinavam a

esterilização dos indivíduos que eram "imbecis, idiotas, estupradores condenados e criminosos

contumazes". Em 1931 quase metade dos estados tinha adotado tais leis, e a esterilização compulsória foi

ampliada para incluir coisas como perversão sexual, vício de drogas, alcoolismo e epilepsia. Implícita nestas

leis de esterilização estava a ligação entre herança e comportamento. A esterilização dos retardados mentais

pode parecer-nos bárbara; entretanto, durante as décadas de 1920 e 1930, os procedimentos de esterilização

foram defendidos porque, diziam, as pessoas retardadas mentais eram genitores pobres e davam ambientes

pobres a seus filhos. Como não havia bons tratamentos com drogas que permitissem que as pessoas com dis-

túrbios mentais tivessem vida normal e cuidassem dos filhos, foram internadas muito mais pessoas do que

hoje. A esterilização era considerada mais bondosa que o encarceramento.

Outro desdobramento do movimento eugênico durante a década de 1920 foram as leis de restrição à

imigração. Estas leis, motivadas amplamente por motivos económicos, favoreceram grupos étnicos

"geneticamente desejáveis" (principalmente os europeus do norte) e criaram severas restrições aos grupos

menos "geneticamente desejáveis" (os da área do Mediterrâneo, Europa Central, China). Estas leis eram

fundadas em "dados" errados e em fanatismo. Muitas delas permaneceram nos livros até a década de 1960.

O movimento eugênico adquiriu sua forma mais distorcida e perversa na Alemanha nazista. Entre 1930 e

1945, o regime de Hitler exterminou sistematicamente milhões de judeus, ciganos e outros, na tentativa de

"limpar" a Alemanha de material genético "inferior".

Nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outras partes, a maioria dos geneticistas ficou assustada com o modo

pelo qual a ciência da genética, ainda muito jovem, estava sendo mal empregada. Não havia evidência sólida de que a

genética tivesse um papel na maioria das características humanas consideradas desejáveis ou indesejáveis. As pessoas

tinham informações leigas e as elevavam ao nível de fatos científicos (p. ex., Mr. Smith abusava da esposa e da criança;

seu filho também abusava da esposa e da criança; logo, abusar da esposa e da criança era um comportamento herdado).

Esta perversão da disposição da sociedade e da genética para aceitar isto sem crítica levou muitos geneticistas a evitar

o estudo da genética humana, com medo de ser considerados eugenicistas. O campo da genética humana sofreu

muito devido a estes abusos.

Hoje em dia, todas as universidades que recebem fundos federais para pesquisa estabeleceram comités que precisam

aprovar as propostas de pesquisa que envolvam questões humanas antes do início do trabalho. Além disso, o

National Institutes of Health do United States Department of Public Health criou comites que devem avaliar e aprovar

propostas de pesquisas genéticas em humanos antes de se iniciarem os trabalhos. Salvaguardas deste tipo devem nos

ajudar a evitar as pesquisas genéticas impróprias. A sociedade deve aprender as lições dos erros passados e caminhar

com otimismo para o século XXI. O Projeto Genoma Humano está produzindo uma grande quantidade de

informações novas sobre o genoma humano, e os genes que influenciam o risco de doenças genéticas estão sendo

65

rapidamente identificados. Com uma compreensão melhor sobre os genes e genomas, os cientistas devem ser capazes

de criar métodos eficazes para tratamento de muitas doenças humanas, como no passado já tinham para a

fenilcetonúria e para a hemofilia .

Pontos Importantes: O Projeto Genoma Humano está produzindo uma enorme quantidade de informações

sobre a genética de humanos. Se usadas com sabedoria, as novas informações prometem melhorar nossa

qualidade de vida. Entretanto, a disponibilidade desta informação também cria questionamentos morais, éticos e

legais que devem ser cuidadosamente avaliados pela sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SOARES, José Luis. Dicionário etimológico e circunstanciado de biologia. São Paulo: Scipione,

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