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REVISTA DE MANGUINHOS | OUTUBRO DE 2005

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Brasil está chegando, ao mesmo tempo que outros centroscientíficos importantes do mundo, ao mais novo celeiroterapêutico para numerosas doenças: a terapia comcélulas-tronco. O tema é matéria central deste número da

Revista de Manguinhos. E para orgulho nosso, a Fiocruz participa deseis projetos nesta área, referentes a doença de Chagas, cirrosehepática, diabetes, doenças cardíacas e do sistema nervoso. Resultadode muitos anos de acúmulo científico, diversas equipes da Fiocruzchegam simultaneamente a experiências seguras com seres humanos,trazendo esperanças a milhares de pessoas e famílias do nosso país.

Contudo, nossa vida científica é bastante diversificada e outros camposdo saber em saúde nos trazem também boas notícias: são os casos dosestudos sobre novas moléculas para a asma, doença que acometemilhões de brasileiros, principalmente crianças; de novos recursos paradiagnóstico do hantavírus, causador de doença pulmonar grave eoutras manifestações; e da fibrose cística, doença genética queacomete os aparelhos digestivo e respiratório; e de uma pioneiravacina terapêutica contra o HIV.

Mas não apenas da pesquisa biomédica vive a nossa instituição.Tratamos também de outros problemas de saúde pública, querequerem abordagens oriundas da epidemiologia e da organização deserviços e programas. São os casos dos estudos acerca do sobrepesopós-menopausa; de um modelo de controle do dengue que integrasaúde da família e manejo ambiental; das crianças vítimas de maus-tratos; e da tuberculose em populações indígenas.

O que nos deixa mais satisfeitos ainda é que a Fiocruz faz uma ciênciadesconcentrada; quero dizer com isto que muitas destas pesquisas sãofeitas nas unidades localizadas fora do Rio de Janeiro, casos da Bahia ede Pernambuco, em reportagens deste número da nossa Revista. E queexpressam todas as vertentes da pesquisa em saúde: biomédica, clínicae saúde pública.

Devo citar ainda a importante contribuição que estamos trazendoneste ano para a assistência à saúde dos brasileiros, com a produção debiofármacos (como a eritropoetina e o interferon alfa) e da já amplaprodução de medicamentos na fábrica de Jacarepaguá.

Convido também o leitor a conhecer as opiniões do novo ministro daSaúde, Saraiva Felipe, que, para nossa satisfação, foi aluno da EscolaNacional de Saúde Pública da Fiocruz.

Boa leitura e um abraço afetuoso.

Paulo Marchiori BussPresidente da Fundação Oswaldo Cruz

EDITORIAL

foto fogos casteloO

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Imunobiológicos24

Pesquisa

Biotecnologia10

6 Notas

18 Imunobiológicos

IBMP valida testepara hantavirose

19 Diagnóstico

Nova forma de detectara fibrose cística

Novas moléculaspara o tratamentoda asmaPesquisa busca novomedicamento para a doença

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A chegadados biofármacosComeça a produção nacional deinterferon alfa e eritropoetina

As possibilidadesdas células-troncoFiocruz avança nos estudoscom as “células-curinga” docorpo humano

PresidentePaulo Marchiori Buss

Vice-Presidente de Serviçosde Referência e AmbienteAry Carvalho de Miranda

Vice-Presidente deDesenvolvimento Institucionale Gestão do TrabalhoPaulo Gadelha

Vice-Presidente de Ensino,Informação ComunicaçãoMaria do Carmo Leal

Vice-Presidente de Pesquisa eDesenvolvimento TecnológicoReinaldo Guimarães

Chefe de GabineteArlindo Fábio Gómez de Sousa

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial/Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 8 - OUTUBRO/2005

Coordenação: Christina Tavares

Edição: Wagner de Oliveira

Redação e reportagem:Adriana Melo, Catarina Chagas,Pablo Ferreira, Ricardo Valverde,Sarita Coelho e Wagner de Oliveira

Colaboradores: Luiz Hagen,Fábio Iglesias, Mariana Daemon,Fernanda Buarque, Paula Lourençoe Roberta Monteiro

Projeto gráfico e edição de arte:Guto Mesquita

Fotografia: André Az, Peter Ilicciev eAgência Tyba. Fotos históricas: ArquivoJ. Pinto / Casa de Oswaldo Cruz

Administração CCS: Beatriz Ayres

Apoio administrativo/Eventos:Assis Santos

Secretaria: Inês Campos e Sílvia Roza

Mensageiro: Daniel Lima dos Santos

O que você achou desta ediçãoda Revista de Manguinhos?Mande seus comentários para:

Av. Brasil, 4365 - Manguinhos -Rio de Janeiro - CEP: 21045-900

e-mail: [email protected]: (21) 2270-5343

ÍNDICE

20 Vacina

Imunizante contra a Aidsé objetivo de consórcio

22 Pesquisa

Estudo relaciona obesidadecom menopausa e baixaescolaridade

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Ensino

Informação

Os últimosdias da varíolaOs 25 anos da erradicaçãoda doença no mundo

Fio da História44

30

Remédiospara o SUSNova fábrica amplia ediversifica produção da Fiocruz

Medicamentos28

Ao mestre,o carinhoda FiocruzBiblioteca virtual e estátuahomenageiam Sergio Arouca

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Referênciamundial emeducaçãoPolitécnica vira sededa Rede Internacionalde Técnicos em Saúde

32 Promoção em saúde

Saúde da Famíliacontra o dengue

34 Educação

Orientação para atendimentoa vítimas da violência

36 Endemias

Tuberculose cresceentre os índios

39 Gestão pública

Congresso da Fiocruzdefine metas até 2008

42 Resenhas

Novos livros eperiódicos da Fiocruz

46 Artigo

Ministro da Saúdeaborda políticade acesso a fármacos

CAPA:células-troncodestacadasem verde.

foto:CPqGM/Fiocruz

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NOTAS

FEVEREIRO DE 1908

Dois livros da Editora Fiocruz ficaramentre os finalistas do Prêmio Jabuti de2005. Os resultados da apuração, realiza-da no final de agosto, em São Paulo, e di-vulgados pela Câmara Brasileira do Livro(CBL), trazem a Obra Completa de AdolphoLutz como segundo colocado na categoriaCiências Naturais e Ciências da Saúde. Or-ganizada por Jaime Benchimol e Magali

Pesquisador da Fiocruzassina artigo na Science

O médico e pesquisador CarlosMorel, do Centro de DesenvolvimentoTecnológico em Saúde (CDTS) da Fiocruz,é o primeiro autor de um artigo publica-do na revista científica Science em 15 dejulho. O artigo de Morel destaca uma in-formação capaz de surpreender até espe-cialistas: alguns países em desenvolvimen-to, entre eles a Índia, a China e o Brasil,vêm tendo grandes avanços em inovaçãotecnológica. Esses países, formando re-des de colaboração, têm alcançado resul-tados significativos na área da saúde.

Moléculas depeixe têm açãoantimicrobiana

O muco que reveste a pele de muitospeixes nativos do país, como o pacu, otambacu e o tambaqui, apresenta subs-tâncias com atividades antimicrobianas.Entre essas moléculas, as proteases e ospeptídeos são considerados os mais im-portantes. As proteases são enzimas que,por participarem de vários processos me-tabólicos, são alvos quimioterápicos vali-osos para o desenvolvimento de novosfármacos. Para identificar as característi-cas das principais famílias de proteasesque protegem o tambacu de doenças, abióloga Cristiane Martins Cardoso deSalles desenvolve estudo no Laboratóriode Bioquímica de Proteínas e Peptídeosdo Departamento de Bioquímica e Biolo-gia Molecular (DBBM) do Instituto Oswal-do Cruz (IOC), chefiado pelo biólogoSalvatore Giovanni De Simone.

“A pesquisa tem um caráter econô-mico, já que o tambacu representa umadas produções mais expressivas da pescabrasileira. Outra vertente do trabalho estárelacionada ao peixe como fonte de molé-culas para futuros fármacos, que poderãoser utilizados até mesmo em infecçõeshumanas”, explica Cristiane. Segundo ela,o estudo também é importante para am-pliar a informação sobre o assunto. “Comonão existem muitos dados no país sobre ocontrole de pragas em peixes, o produtortambém deve se preocupar com isso. Aoconhecer os mecanismos com os quais opeixe se defende dos microorganismos,poderemos criar armas contra essas pra-gas menos agressivas ao ambiente”.

Livros da Editora Fiocruz ganhamdestaque no Prêmio Jabuti

Romero de Sá, a produção literária do cien-tista ganhou uma reedição caprichada esteano. O outro livro selecionado foi Itinerári-os da loucura em território dogon, de Deni-se Dias Barros, que ficou com o terceiro lu-gar na categoria Educação, Psicologia ePsicanálise. A entrega dos prêmios ocorreuno Memorial da América Latina, na capitalpaulista, em setembro.

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História doscampi daFundação

Renato da Gama-Rosa, do Departamentode Patrimônio Histórico daCasa de Oswaldo (DPH,COC/Fiocruz), foi um dosconsultores da matériaUma senhora Fundação,publicada no último nú-mero da Revista de Man-guinhos. A matéria tratouda história da ocupaçãodos campi da FundaçãoOswaldo Cruz ao longodos 105 anos da institui-ção, completados emmaio passado. Renato éco-autor, com AlexandreJosé de Souza Pessoa eBenedito Tadeu de Olivei-ra, do livro Um lugar paraa ciência: a formação docampus de Manguinhos.

Lançado o volume 2da coleção Archivosde Saúde Mental

Oito artigos reunindo as mais diver-sas experiências no campo da atençãopsicossocial e mais um texto histórico deautoria de Machado de Assis compõem ovolume dois do Archivos de Saúde Men-tal e Atenção Psicossocial, sob a coorde-nação do pesquisador da Escola Nacionalde Saúde Pública (Ensp) Paulo Amarante.Amarante explica que a iniciativa de publi-car uma série de coletâneas de artigosvoltados para o campo da atenção psi-cossocial surgiu enquanto pesquisava ahistória da psiquiatria no Brasil e encon-trou o primeiro periódico brasileiro, da-tado de 1903, de autoria de JulianoMoreira: os Archivos Brasileiros dePsychiatria, Neurologia e Sciencias Affins.Foi em 2003, cem anos após sua publica-ção, que Amarante reuniu uma série deartigos e lançou o volume 1 do Archivosde Saúde Mental e Atenção Psicossocial,abordando então os conceitos mais con-temporâneos da área. O volume 2 é com-posto por artigos de Walter Oliveira, Pa-trícia Dornelles, Magda Dimenstein,Giuseppe Dell’Acqua e Roberto Mezzina,entre outros. Amarante publica um textoseu em parceria com Fernanda Nicácio eDenise Dias Barros sobre a importânciada vinda de Franco Basaglia ao Brasil.

Três trabalhos da Ensprecebem mençõeshonrosas do MS

Três trabalhos desenvolvidos na Esco-la de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp)receberam menções honrosas no Prêmiode Incentivo em Ciência e Tecnologia parao SUS, do Ministério da Saúde, versão2005. São eles: Sistemas de informaçõessobre orçamentos públicos em saúde:confiabilidade e uso das informações naconstrução de um perfil dos municípiosbrasileiros, de Cláudia Risso de AraújoLima; Desenvolvimento de SIG para análi-se epidemiológica da distribuição espaci-al da malária no município de Manaus -um enfoque em nível local, de WagnerCosme Morhy Terrazas; e A multiplicidadedo único - territórios do SUS, de EvangelinaXavier Gouveia de Oliveira.

Um tratamento mais eficaz para oenvenenamento por mordidas de cobraspode estar a caminho. Geralmente trata-dos com soros antiofídicos, os acidentescausam hemorragias e problemas tecidu-

No gambá, uma solução para mordida de cobrasais locais, entre outros efeitos. Pesquisa-dores do Laboratório de Toxinologia doInstituto Oswaldo Cruz (IOC) trabalhamna produção em laboratório de inibido-res de toxinas ofídicas originalmente iso-lados do sangue do gambá sul-america-no (Didelphis marsupialis) capazes deimpedir tais seqüelas. Alguns animais,como as próprias serpentes e alguns ma-míferos, apresentam resistência ao enve-nenamento por mordida de cobras. Foiao observar essa propriedade entre osgambás que a equipe do IOC decidiu es-tudar que composto presente no sanguedo animal poderia neutralizar o efeito dastoxinas encontradas no veneno de cobrascomo a jararaca, da família Viperidae. “Asabedoria popular falava da resistênciado gambá às cobras, então fomos verifi-car se isso era verdade e como seria pos-sível”, conta o bioquímico Jonas Perales,chefe do Laboratório de Toxinologia ecoordenador do projeto.

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PESQUISA

Duas novasmoléculas

contra a asmaEstudo avalia novo medicamento contra a doença

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uas novas moléculas, comos complicados nomes deJM24-1 e JMF2-1, poderãoservir para a futura fabri-cação de um remédio iné-

dito contra uma das mais comunsdoenças respiratórias do mundo: aasma. As duas ainda estão sendopesquisadas, testadas em camundon-gos e aperfeiçoadas em estudo feitopor uma equipe do Laboratório de In-flamação do Instituto Oswaldo Cruz(IOC), coordenada pelo biólogo Mar-co Aurélio Martins). E, até o momen-to, os resultados apresentados sãopromissores.

A idéia para o desen-volvimento das novas mo-léculas nasceu de umadescoberta feita por ame-ricanos no final dos anos90. Durante um procedi-mento médico para reco-lher material do pulmãode um paciente, os médi-cos utilizaram lidocaína,anestésico de uso comum,principalmente em proce-dimentos odontológicos.Ao examinar o materialcoletado, os pesquisadoresperceberam por acaso quea lidocaína inibia a funçãode células do sangue en-volvidas em processos alér-gicos, desencadeadoresda asma. Pesquisadores,então, adaptaram o uso da lidocaína,empregando-a no tratamento de indi-víduos asmáticos. Ao final das experi-ências, apesar de resultados bons,muitos pacientes reclamavam de des-confortos resultantes do efeito anesté-sico da substância, como sensaçãoclaustrofóbica, falta de ar (ambas de-correntes da dificuldade de respirar) ouirritação de vias aéreas.

Efeitos terapêuticosmelhores

Esses experimentos chamaram aatenção dos cientistas brasileiros, queiniciaram seu próprio estudo sobre a li-docaína. O biólogo Marco AurélioMartins questionou-se então se não se-ria possível retirar a atividade anestésicada lidocaína, aproveitando somente suaatividade antiinflamatória. A partir de

então, um grupo agregando químicos,biólogos e biomédicos buscou produzirmoléculas semelhantes à da lidocaína.Os estudiosos desenvolveram assim duasmoléculas “primas”, denominadas deJM24-1 e JMF2-1.

Amplamente testadas em camun-dongos, as duas moléculas “parentes”apresentaram efeitos superiores ao dalidocaína em diversos modelos experi-mentais. “Elas têm efeito anestésicobem menor; ação antiinflamatóriamaior; risco de efeitos colaterais, comoo de convulsão, bem menores; toxico-logia menor e inibe mais o broncoes-pasmo (contração espasmódica e

involuntária da musculatura dos brôn-quios)”, afirma Martins, destacando quea JMF2-1 mostra desempenho ligeira-mente superior ao da JM24-1. Apesardos resultados positivos, Martins aindanão está satisfeito: “a intenção é me-lhorar ainda mais estes resultados, poisas duas ainda têm, por exemplo, algu-ma atividade anestésica. Queremoseliminá-la completamente”, explica.

A pesquisa das moléculas deriva-das da lidocaína encontra-se em fasede estudo fundamental, ou seja, ain-da busca-se compreender melhor suaaplicabilidade, assim como seu poten-cial. Conseqüentemente, por enquan-to só estão sendo testadas emcamundongos, ratos e cobaias. A pro-dução de um remédio definitivo ain-da é um projeto futuro. “Por isso,nosso programa de estudo precisa de

apoio financeiro e parcerias oficiais eprivadas, para que possamos quemsabe futuramente dispor de um novomedicamento antiasmático desenvol-vido aqui”, afirma Martins.

Asma é quarto maiormotivo de internaçõesnos hospitais públicos

De acordo com o biólogo, a asmaé uma doença de prevalência crescen-te em todo o mundo. A cada dia, emmédia seis pessoas morrem no Brasilvítima de seus sintomas. Não bastassea mortalidade, a asma também repre-

senta um alto custo parao país e para aquelesque com ela sofrem.“Muita gente falta aotrabalho ou tem outrostipos de problemas porcausa dos sintomas daasma”, diz Martins. Obiólogo também relataque, de acordo com da-dos do SUS, a asma é oquarto maior problemade saúde responsávelpor internações no país.

A asma é uma do-ença crônica, ou seja,com sintomas que semanifestam freqüente-mente e por tempo in-determinado. Seussintomas caracterizam-

se por uma dificuldade de respirar in-tensa, seguida de tosse e falta de ar,decorrentes de contrações espasmódi-cas dos brônquios. Todo o processo, nor-malmente é desencadeado por alergiaa agentes externos, e a uma hipersen-sibilidade dos brônquios a eles.

Para enfrentar a asma, os médicoslançam mão de remédios antiinflama-tórios – feitos à base de corticóides – ebroncodilatadores. O problema em re-lação a esses medicamentos são osefeitos colaterais que produzem, comoo possível desenvolvimento de hiper-tensão, diabetes, catarata e desmine-ralização óssea, além de existirempacientes que não respondem a seusefeitos terapêuticos. Por isso, a equipede Martins busca desenvolver um novoremédio, a partir de moléculas seme-lhantes à da lidocaína.

D

As propriedades das duas moléculas são testadas nos laboratórios do IOC

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Estudos na Fiocruz abrem novas fronteiras na pesquisa biomédica

Células-tronco

O curinga da saúde

BIOTECNOLOGIA

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o baralho, a carta que pode substituiroutras em determinados jogos échamada de curinga. Já no campoda saúde, pode-se dizer que os sereshumanos nascem com um curinga

dentro do organismo. Encontradas principalmentena medula óssea (região esponjosa que fica dentrodo osso), na placenta e no cordão umbilical, ascélulas-tronco têm a capacidade especial deoriginar qualquer tipo de tecido com exceção daplacenta e de gerar cópias idênticas de si mesmas.Esta descoberta abriu caminhos para a utilizaçãodas células-tronco no reparo de órgãos ou tecidoslesados. Ao invés de substituir o órgão doente poroutro de um doador, procedimento que podeter limitações e complicações, vislumbra-se apossibilidade de se recuperar este órgão a partirda terapia celular.

Estudos neste sentido têm sido desenvolvidospor diversas unidades da Fiocruz pelo país.Em um recente edital do CNPq (Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tecnológico) edo Ministério da Saúde para financiamento deestudos com células-tronco, dos 41 projetosaprovados, seis contam com a participação depesquisadores da Fiocruz – mais de 14%. Estes eoutros trabalhos desenvolvidos pela instituiçãonas áreas de doenças hepáticas, doença de Chagase patologias do sistema nervoso central, entreoutras, são o prenúncio de boas notícias paramilhões de brasileiros.

N

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falta de ar que impediao agricultor Aílton daCruz Tibúrcio, 51 anos,de desenvolver ativida-des básicas, como andar

e conversar, agora faz parte do passa-do. Portador do mal de Chagas, ele foium dos 30 pacientes submetidos aotransplante de células-tronco no Hospi-tal Santa Izabel, da Santa Casa de Mi-sericórdia da Bahia, procedimento queconta com a coordenação do Centrode Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM),unidade da Fiocruz em Salvador. O ín-dice de sucesso do transplante usandocélulas-tronco chama a atenção dos es-pecialistas. A doença regrediu dos ní-veis mais avançados para os maisbaixos e intermediários e se mantémestabilizada na maioria dos pacientes.

Também houve uma diminuiçãodo tamanho do coração (a doença de

Chagas causa o inchaço do órgão) e oaparecimento de novos vasos e célu-las do músculo cardíaco. Quase todosos indivíduos submetidos ao tratamen-to saíram dos critérios que os poriamem fila de espera por um transplantecardíaco, caso este procedimento fos-se feito na Bahia. Três pacientes fale-ceram após a terapia celular devido acomplicações relacionadas à doençade Chagas e não ao procedimento.Este, como qualquer outro, não funci-ona sempre. Ainda assim, é apontadocomo uma futura alternativa paraaqueles que precisam de transplante.

Não são poucos os potenciais be-neficiados pela nova terapia. Existemseis milhões de portadores de doençade Chagas no Brasil. Em média, 30%destes desenvolvem uma inflamaçãocrônica no coração e a insuficiênciacardíaca que pode levar à morte emdez anos. Para os pacientes cuja do-ença já está nos níveis mais avança-dos, a expectativa de vida é de apenasum a dois anos. A solução nestes ca-sos é o transplante cardíaco, procedi-mento que muitos – assim como oagricultor Tibúrcio – não têm acesso.O lavrador conta que não esperavaviver por muito tempo antes de rece-ber o tratamento com células-tronco.

A

Um tratamentoque deu certopara coraçõesfracos

Hoje, depois de “entregar a vida aoconhecimento dos homens”, cultivalegumes e bananas no município deLauro de Freitas, região metropolita-na de Salvador.

Tibúrcio recebeu 270 milhões decélulas-tronco nas artérias que irrigamseu coração. Inicialmente, os médicosretiraram o líquido da medula ósseado agricultor com auxílio de uma se-ringa através de punções no osso dabacia. Depois, eles separaram o ma-terial coletado de modo a obter umconcentrado de células-tronco. Pormeio de um pequeno cano de plásti-co (cateter) inserido na artéria dofêmur (que fica na virilha) e conduzi-do até o coração, a equipe injetou ascélulas-tronco em cada uma dascoronárias do paciente.

Como o coração do chagásicoapresenta inflamações, as células-tron-co se sentem atraídas e iniciam ali umprocesso de reparo. Os cientistas ain-da não dominam completamente osmecanismos envolvidos neste proces-so. O estudo feito em camundongosantes de entrar na fase clínica com ospacientes mostrou que as células-tron-co não apenas se transformam emcélulas cardíacas e de vasos sanguí-neos, como se imaginava. Elas podem

O parasita T. cruzi ataca as células do músculo cardíaco: células-tronco ajudam a recuperar regiões lesionadas do órgão

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IOC

13R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | O U T U B R O D E 2 0 0 5

se fundir à célula doente e esta temsua função restaurada.

A pesquisa em modelo animal tam-bém comprovou que as células-troncoinduzem à morte programada das cé-lulas inflamatórias. Camundongoschagásicos não-tratados apresentam300 células inflamatórias por milímetroquadrado do coração, enquanto aque-les submetidos ao transplante de célu-las-tronco têm pouco mais de 100. Ouseja, as células-tronco ajudam a elimi-nar as células que causam inflação doórgão. Além disso, o tratamento reduza fibrose (cicatriz que envolve o mús-culo cardíaco). O percentual de fibrosecaiu de 30% a 10% em camundongossubmetidos ao tratamento. Também háuma melhora de 10% na capacidadedo coração de bombear o sangue.

No caso dos pacientes, um mêsapós o transplante celular eles tomampor cinco dias seguidos injeções do hor-mônio celular G-CSF, que mobiliza ascélulas-tronco da medula óssea e asestimula a circular no sangue. É bemverdade que mesmo depois do trata-mento esses indivíduos continuam con-vivendo com certas limitações físicas,em decorrência da doença de Chagas.

Mas todos concordam que depois daterapia com células-tronco puderam teruma vida melhor e mais ativa. “Os pa-cientes tratados apresentaram váriosparâmetros de melhora”, diz o imuno-logista Ricardo Ribeiro dos Santos, doCPqGM, responsável pelo transplante.“Houve a melhora da função do cora-ção como bomba e a maioria dos paci-entes voltou a trabalhar”, completa.

Os bons resultados impulsionarama nova fase do projeto, que inclui 1.200pacientes cardíacos e quase 40 insti-tuições. O objetivo é definir esse mé-todo como sendo realmente factível.Serão avaliados 300 indivíduos emcada uma das quatro doenças cardía-cas – cardiopatia dilatada por doençade Chagas, dilatada não chagásica,infarto agudo e infarto crônico.

Para cada doença, serão sortea-dos 150 pacientes que receberão otransplante de células-tronco. Os de-mais serão submetidos ao tratamentoconvencional, por meio de medica-mentos. Depois de seis meses seráfeita uma primeira avaliação da evo-lução dos pacientes. “Os médicos quefazem a avaliação não sabem quaispacientes receberam as células-tron-

co. O controle é feito em uma centralno Rio de Janeiro que concentra osdados dos pacientes”, explica Santos.“Após a conclusão do estudo multicên-trico, onde será demonstrado se a te-rapia é realmente eficaz, o Ministérioda Saúde poderá incluir esta modali-dade terapêutica no SUS”, completa aimunologista Milena Soares, do Labo-ratório de Engenharia Tecidual e Imu-nofarmacologia do CPqGM.

O CPqGM é o centro âncora quecoordena a parte da pesquisa com do-ença de Chagas e conta ainda com acolaboração de 14 instituições. Santosacredita que a padronização do trans-plante de células-tronco pelo SUS é fun-damental para o chagásico. O médico,idealizador deste tratamento, explicapor que não pediu a patente do proce-dimento. “Quero que esse transplanteseja o mais difundido possível”, diz.Segundo ele, pacientes com doença deChagas são em sua maioria de baixarenda. Um transplante de células-tron-co e todo acompanhamento médico umano depois custa para os cofres públi-cos R$ 8 mil. Já a outra opção do cha-gásico, o transplante de coração, temum custo anual de R$ 50 mil.

Técnica trabalha no Centro Gonçalo Moniz, onde são feitas pesquisas com células-tronco

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As boasnotíciasnão param

ambém na Bahia foi rea-lizado outro procedimen-to inédito envolvendoterapia celular. O primei-ro transplante de células-

tronco em pacientes com cirrosehepática aconteceu no Hospital SãoRafael, em Salvador, no dia 20de setembro. A equipede pesquisadores, coor-denada pelos médicosLuiz Guilherme Lyra, daUniversidade Federalda Bahia e do HospitalSão Rafael, responsá-vel pela parte clínica, eRicardo Ribeiro dos San-tos, responsável pela par-te experimental do estudo,usou uma técnica seme-lhante à empregada na te-rapia com chagásicos. Aos49 anos, o primeiro pacientesubmetido à cirurgia é dosexo masculino, reside na ca-pital baiana e estava na filade transplante de fígado.

A cirrose hepática é a des-truição de células do fígado cau-sada por vírus ou ingestão deálcool, que resulta em uma le-são irreversível no órgão. A do-ença caracteriza-se por umprocesso de fibrose com forma-ção de nódulos que não têmfunção orgânica. No caso daingestão de bebida alcoólica, oetanol (álcool encontrado nes-tas bebidas) é metabolizadono fígado e transformadoem ácidos nocivos ao ór-gão. Quando a lesão se tor-na irreversível, a únicaalternativa para o pacien-te é o transplante. A con-dição clínica mais grave éa insuficiência hepáticafulminante. Pouco fre-qüente, ela está relaciona-da à necrose maciça do

T

fígado e evolui para o óbito em mais de90% das ocorrências.

A eficácia do transplante de fíga-do está em torno de 40% na insufici-ência hepática fulminante e de 75%na cirrose. No entanto, a maioria dospacientes não consegue sobreviver atéa cirurgia devido ao longo período deespera em listas de transplante. “So-mente no Hospital São Rafael, 120 pa-cientes estão na fila de transplante,para uma média de 6% de doadores.Uma média de 25% de pacientes mor-re no primeiro ano de espera pelo trans-plante. Ao fim de três anos, o índice

sobe para 100%”, explica Santos.O tratamento com células-tronco

em portadores de doenças hepáticasnão afasta a necessidade do transplan-te de fígado, mas aumenta a sobrevidado paciente à espera de um órgão sa-dio. O procedimento foi autorizado pelaComissão Nacional de Ética em Pes-quisa (Conep) para cinco primeiros pa-cientes. Foram incluídos no estudoaqueles que eram os últimos da fila detransplante e que por isso tinham me-nos chance de sobreviver. Após esseprimeiro procedimento será feita umaavaliação para então dar prossegui-mento a mais 25 transplantes. A equi-pe espera fazer as 30 cirurgias quecompõem a primeira fase do estudoaté o fim do ano.

O tratamento é semelhante ao járealizado com pessoas chagásicas. Éretirado um líquido da medula ósseado paciente por meio de uma seringainjetada no osso da bacia. Em seguidao material é purificado para retiradadas células-tronco. Com o auxílio deum cateter, os médicos levam as célu-las-tronco até a artéria do fígado, ondevão agir sobre a lesão. Depois de todoeste processo, a equipe médica aindaacompanha os pacientes por mais al-guns meses para avaliação dos resul-tados da cirurgia.

Todo o trabalho com pacientes sófoi possível porque a equipe do Labo-ratório de Engenharia Tecidual e Imu-nofarmacologia do CPqGM estudouantes o tratamento em modelo animal.As biólogas Sheilla Oliveira e MilenaSoares induziram nos camundongosuma doença semelhante à cirrose he-pática a partir de uma dieta a base detetracloreto de carbono e álcool. Tam-bém foi aplicado um modelo de fibrosea partir da infecção crônica porSchistosoma mansoni. “Verificamosque o tratamento utilizando células-tronco reduz em torno de 60% a fibrosehepática”, comenta Santos.

Separação decélulas-troncode medula óssea

CPqGM/Fiocruz

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om o objetivo de apoiar aformação e o fortalecimen-to de grupos de pesquisa naárea de terapia celular, oConselho Nacional de De-

senvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) e o Ministério da Saúde lançaramem abril um edital para financiamento deprojetos de pesquisa com células-troncoembrionárias e adultas derivadas da me-dula óssea, do cordão umbilical e de ou-tros tecidos. De 106 projetos submetidosao CNPq, 41 foram aprovados. Destes,quatro têm como coordenadores princi-pais pesquisadores da Fiocruz. Outras duaspesquisas coordenadas pela Universida-de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) con-tam com a colaboração de especialistasdo Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz,unidade da Fiocruz na Bahia.

Do Instituto de Biologia Molecular doParaná (IBMP), vinculado à Fiocruz, duaspesquisas envolvem a diferenciaçãoinduzida de células-tronco para o tratamen-to de cardiopatias. Coordenado pelo bió-logo Marco Aurélio Krieger, um dos projetosvisa à diferenciação in vitro de células-tron-co em células endoteliais (que revestem asuperfície interna do coração) e à posteri-or avaliação da capacidade das mesmasna revascularização de uma parte enfarta-da do músculo cardíaco de animais de la-boratório. Para tanto, os pesquisadorescontam com a participação de especialis-tas da Pontifícia Universidade Católica doParaná (PUC-PR), onde serão realizados osprocedimentos.

As células-tronco serão obtidas da me-dula óssea do fêmur e tíbia dos ratos. De-pois de serem separadas dos diferentescomponentes da medula, as células serãodistribuídas em placas de cultivo utilizandodiferentes concentrações dos fatores de cres-cimento. O objetivo é avaliar a proporçãoideal de cada um dos fatores de crescimen-to para induzir a diferenciação das células.

As células endoteliais obtidas serãoinjetadas nos ratos 14 dias após a induçãodo infarto do miocárdio. O estudo prevê autilização de um grupo de ratos controlepara ajudar na avaliação dos resultados. Ospesquisadores esperam padronizar o mé-todo de diferenciação de células-tronco emcélulas endoteliais adultas e comprovar aefetividade destas últimas na indução dereparações de feridas e revascularização emregiões isquêmicas do coração.

O biólogo Samuel Goldenberg coor-dena outro projeto paranaense, que temcomo objetivo a diferenciação de células-tronco humanas em célula muscular cardí-aca por meio da utilização de óxido nítrico.De acordo com projeto, um recente estudodemonstrou que o óxido nítrico é capaz dediferenciar células-tronco embrionárias emcardíacas. Neste contexto, os pesquisado-res pretendem analisar o potencial destecomposto (óxido nítrico) como agentediferenciador de células-tronco comerciais– já existe um mercado produtor desse tipode material biológico - e as obtidas da me-dula óssea, do cordão umbilical, da pla-centa e do tecido adiposo de pacientesdoadores. Também será comparado o po-tencial de diferenciação das células-troncoobtidas das diferentes fontes.

O projeto conta com a participaçãode especialistas da PUC-PR e da Santa Casade Misericórdia do Paraná, onde serão fei-tas as coletas de medula óssea e de tecidoadiposo. A coleta do sangue de cordãoumbilical e placentário será feita no Hos-pital e Maternidade Victor Ferreira doAmaral, em Curitiba. A equipe espera es-tabelecer uma nova metodologia paraindução de diferenciação das células-tron-co pelo óxido nítrico.

Uma pesquisa querdescobrir como as

células-tronco chegamaos órgãos lesados

E são exatamente os fatores associa-dos à migração celular que compõem oobjeto de estudo de outra pesquisa apro-vada pelo CNPq. Coordenado pelo biólo-go Wilson Savino, do Departamento deImunologia do Instituto Oswaldo Cruz(IOC), o projeto pretende investigar os me-canismos celulares e moleculares que fa-zem a célula-tronco ir de um lugar a outrodentro do organismo. “Na terapia genéti-ca é importante fazer com que as células-tronco cheguem até o órgão lesado.Atualmente isto se faz por meio do cateter.Mas no corpo humano não existe cateter.Se o movimento orientado da célula paraalgum lugar no organismo não é caótico,existe um mecanismo que permite que elase mova. Descobrir os mecanismos que fa-vorecem esse direcionamento específico éo nosso objetivo”, explica Savino.

Estudando linfócitos (células do siste-ma imunológico), a equipe da Fiocruz des-cobriu duas famílias de moléculas envolvidana migração celular: as quimiocinas solú-veis e as moléculas de matriz extracelular. Aidéia agora é trabalhar com estas famíliasno estudo com células-tronco.

Já se sabe que determinadas associa-ções de quimiocinas solúveis e moléculasde matriz extracelular aumentam bastan-te a migração celular. Na primeira fase dapesquisa, a equipe testará algumas des-tas combinações in vitro. A noção de al-gumas combinações mais promissorasabrirá caminho para a outra fase do estu-do. Serão injetadas células-tronco trata-das com moléculas estimuladoras demigração em camundongos modificadosgeneticamente para que sejam imunode-primidos.

Esta fase da pesquisa esbarra numabarreira. Nenhum centro de criação de ani-mais de laboratório no país produz camun-dongos imunodeprimidos. A saída seriaimportar estes animais. Mas com a recen-te aprovação da Lei de Biossegurança noBrasil, foi desfeita a Comissão Técnica Na-cional de Biossegurança (CTN-Bio), queera responsável por dar a licença de im-portação. “A regulamentação da Lei deBiossegurança é fundamental para que otrabalho tenha continuidade no estudoin vivo, que deve começar em um ano”,diz Savino.

Para o estudo, serão usadas células-tronco humanas derivadas do cordãoumbilical obtidas após consentimento es-pecífico por escrito de pacientes junto aoCentro de Transplante de Medula Ósseado Instituto Nacional do Câncer (Inca), doRio de Janeiro, que também participa dapesquisa. De acordo com Savino, haveráuma transferência mútua de tecnologiaentre as duas instituições, o que vai capa-citar jovens pesquisadores para trabalharnesse campo de investigação. Além disso,o estudo poderá resultar em patentes epublicações científicas.

Publicações científicas também sãoalguns dos resultados esperados em ou-tro projeto de pesquisa feito no Centrode Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM). Oestudo coordenado pelo médico Bernar-do Galvão Castro Filho objetiva investigaros efeitos de terapias com células-troncode medula óssea em pacientes com lesõesgraves da medula espinhal.

A medula espinhal é aquela parte dosistema nervoso por onde passam os im-pulsos elétricos que saem e que chegam

O que vem por aí

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As células-tronco podem ser encon-tradas em qualquer órgão. Elas são res-ponsáveis por fazer os reparos necessáriosquando ocorrem pequenas lesões nos te-cidos. É o que acontece, por exemplo,quando alguém se corta: as células-tronco

locais entram em ação e provocam umacicatrização. Mas, quando um órgãoapresenta uma lesão maior, as células-tronco locais não são suficientes parasanar o problema. A saída, então, é ape-lar para grandes reservatórios destas cé-lulas: os embriões, a medula óssea, asplacentas e o cordão umbilical.

O corpo humano adulto é compos-to por mais de 70 trilhões de célulasdos mais variados tipos: da pele, docérebro, do coração etc. Todas elas de-

rivam das células-tronco. Após a fecun-dação do óvulo pelo espermatozóide,forma-se uma célula (zigoto) que co-meça a se multiplicar. Cerca de umasemana depois, já existe um grupo deaproximadamente cem células chama-

das blastocisto.As células da ca-

mada externa doblastocisto já têm umgrau de diferencia-ção, mas as da ca-mada interna sãototalmente indiferen-ciadas, têm a capa-cidade de se replicare de se transformarem qualquer célulado organismo – sãoas chamadas célu-las-tronco embrioná-rias. Em 1998, umaequipe liderada pelobiólogo James Thom-son, da Universidadede Wisconsin, Esta-dos Unidos, conse-

guiu isolar as primeiras células-tronco deembriões humanos, abrindo caminhospara sua utilização na terapia celular.

Os primeiros relatos de estudossobre as propriedades das células-troncoadultas datam também da mesma épo-ca. Encontradas principalmente na me-dula óssea, na placenta e no cordãoumbilical, elas não são tão indiferencia-das quanto as embrionárias e costumamser retiradas do próprio paciente, o queevita o risco de rejeição.

De acordo com a imunologistaMilena Soares, do CPqGM, já estábem demonstrado que as células-tron-co embrionárias podem gerar célulasde qualquer outro tecido. Já em rela-ção às adultas, os estudos mostram quealgumas (como a da medula óssea)podem gerar células de outros tecidos,mas certamente não têm a mesmacapacidade de se diferenciar, quandocomparadas às embrionárias.

Em contrapartida, na medidaem que são usadas no reparo de umórgão lesado, as células-tronco embri-onárias passam a expressar moléculaspróprias do organismo que as originou,o que pode levar o paciente a rejeitá-las. Também já foi demonstrado queestas células podem gerar tumores.“Isto não prejudica a pesquisa comcélulas embrionárias, mas indica quetemos que estudá-las ainda de formaa compreender os mecanismos de di-ferenciação desta célula que permiti-rão a sua utilização clínica de modoseguro”, diz Milena.

Ainda segundo Milena, um estudorecente mostrou que células-troncoadultas, quando cultivadas por longosperíodos, também apresentam altera-ções genéticas, o que implica em umcontrole maior do que está sendoinjetado nos pacientes. Um projetocoordenado pelo imunologista RicardoRibeiro dos Santos tem exatamenteeste objetivo. A equipe pretende inves-tigar a estabilidade cromossômica depopulações de células-tronco de dife-rentes fontes in vitro e in vivo e avaliaro potencial de transformações tumoraisnas células-tronco.

ao nosso cérebro. Esses impulsos são osque fazem nossos músculos se moverem,os que controlam os movimentos intesti-nais e da bexiga urinária e os que fazemcom que tenhamos sensibilidade ao frio,ao calor, à dor e ao tato. A pesquisa abran-ge duas patologias que afetam a medulaespinhal: a mielopatia associada à infec-ção por HTLV-1 e o trauma raquimedular.

A mielopatia associada ao HTLV-1 é acomplicação mais temida da infecção pelovírus HTLV, que pertence ao grupo de re-trovírus, que inclui o HIV, causador da Aids.A incidência da doença varia entre 0,25%e 3% das pessoas infectadas. Já o trauma

Afinal, o que são células-tronco?

raquimedular tem sido descrito como umincapacitante de alto custo que provocamudanças no estilo de vida dos pacientes.

O potencial da terapia com células-tronco no reparo do tecido nervoso lesa-do, incluindo a medula espinhal, foidemonstrado em diversos estudos emmodelos experimentais de patologias dosistema nervoso central. A equipe lidera-da por Galvão pretende investigar os efei-tos da injeção de células-tronco de medulaóssea em ratos submetidos a traumatismoraquimedular. Também serão feitos estudosclínicos de fase 1, que avalia a exeqüibilida-de e segurança do transplante, em pacien-

tes com trauma raquimedular e com mielo-patia associada à infecção por HTLV-1.

Outras duas pesquisas realizadas naUniversidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ) envolvem estudos com pacientes econtam com a participação de especialis-tas da Fiocruz na Bahia. As investigaçõessobre o transplante de células-tronco demedula óssea em pacientes com acidentevascular cerebral isquêmico, coordenadaspor Rosalia Mendes-Otero, e o estudosobre terapias celulares em doenças re-nais, coordenado por Adalberto RamonVieyra têm duração de dois anos e financi-amento do CNPq.

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o cordão umbilical vem umanova esperança para recém-nascidos com complicaçõesneurológicas graves. Um es-tudo coordenado pelo mé-

dico Laudelino Marques Lopes, do CentroPré-natal de Diagnóstico e Tratamento La-ranjeiras Clínica Perinatal, no Rio de Ja-neiro, objetiva avaliar o potencial dascélulas-tronco do cordão umbilical no re-paro do tecido cerebral lesado duranteepisódios de hipoxia-isquemia (caracteri-zado pelo baixo teor de oxigenação dosangue e pelo baixo fluxo sanguíneo paradeterminado órgão) em bebês no perío-do perinatal (que vai das últimas semanasde gestação até as primeiras semanas de-pois do parto).

O trabalho, que conta com a colabo-ração de pesquisadores do Laboratório deEngenharia Tecidual do CPqGM, pode re-sultar em novas estratégias terapêuticaspara a prevenção do desenvolvimento deparalisia cerebral e/ou danos cerebraisgraves nesses indivíduos.

Dados da pesquisa mostram que osdanos cerebrais resultantes da hipoxia-isquemia são importantes causas demortalidade infantil e ocasionam fre-qüentemente retardo mental, epilepsiae paralisia cerebral. “Anualmente, de milnascidos vivos, dois desenvolvem ence-falopatia hipóxico-isquêmica. Destes, cer-ca de 15% morrem. Dos sobreviventes,25% terão comprometimento neuroló-gico grave de longo prazo, entre os quaisparalisia cerebral, convulsões e retardomental”, comenta Lopes.

Testes feitos em animais com lesõesdo sistema nervoso central revelam que ascélulas-tronco do cordão umbilical propi-ciaram uma melhora do quadro. A infusãode células-tronco humanas retiradas docordão umbilical em modelo de isquemiacerebral em ratos e em camundongos re-sultou na redução do volume do infarto e

células-tronco, células secretoras de insuli-na e transplantá-las para o fígado. Este setornaria uma espécie de sucursal pâncreasem pessoas com diabetes avançada, quan-do não há nenhuma ilhota de Langerhans –células do pâncreas produtoras de insulina.

No diabetes tipo 1, essas ilhotas sãoagredidas pelo sistema imune do própriopaciente. Para acabar com esse mecanis-mo de auto-agressão, uma equipe da Fa-culdade de Medicina da Universidade deSão Paulo de Ribeirão Preto usou células-tronco no tratamento de crianças com di-abetes tipo 1. Liderados por Júlio Voltarelli,os pesquisadores retiraram toda a medu-la óssea do paciente e descartaram todasas células auto-agressoras.

As células que não agridem o pacientesão devolvidas à medula, que se repovoagraças à capacidade de regeneração dascélulas-tronco. O procedimento não impe-de que as células agressoras cresçam nova-mente, mas todas as crianças submetidasao tratamento já não precisam mais tomarinjeções diárias de insulina. Tratamento si-milar tem sido realizado em pacientes por-tadores de outras doenças auto-imunes,como lupus e esclerose múltipla.

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Diabetese doençasneurológicas:novaspossibilidades

em uma melhora significativa dos distúrbi-os de comportamento dos animais.

Os achados sinalizam a possibilidadede intervenção com terapia celular em re-cém-nascidos que sofreram episódioshipóxicos-isquêmicos. O procedimentonestes casos tem como objetivo bloquearou prevenir a destruição do cérebro e im-pedir que ocorra a paralisia cerebral. O pro-jeto reúne profissionais de diversas áreas,entre as quais, medicina fetal, neonatologia,neuropediatria, neurobiologia, imunologiae terapia com células-tronco.

Outra linha de pesquisa abre novoscaminhos para portadores de diabetes. Oinsight inicial foi dado por um grupo depesquisa americano, que publicou um ar-tigo científico relatando um experimentofeito com células-tronco isoladas da me-dula óssea. Cultivadas in vitro em um meiorico em glicose, estas se diferenciavam emcélulas secretoras de insulina. Ao injetaras células na cápsula supra-renal dos ca-mundongos, elas passavam a produzir in-sulina, corrigindo a diabetes do animal.

Agora, a imunologista Milena Soarestenta repetir o experimento usando célulashumanas. O objetivo é obter, a partir das

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IMUNOBIOLÓGICOS

Um novo kit para diagnós-tico da hantavirose – do-ença que mata cerca de40% das pessoas infecta-das no Brasil – foi desen-

volvido no Instituto de Biologia Moleculardo Paraná (IBMP), órgão vinculado à Fio-cruz. Além de mais barato – custa apro-ximadamente a metade do preço doskits comerciais importados usados atu-almente – o produto nacional é maispreciso, pois é produzido a partir dascepas de hantavírus que circulam no Bra-sil. O kit, que já foi testado e validadoem laboratórios de referência brasilei-ros, começará a ser distribuído pelo Mi-nistério da Saúde em breve.

Para desenvolver o kit, o primeiropasso foi caracterizar geneticamente ascepas do vírus presentes em territórionacional. A partir desses genomas, pormeio da tecnologia de DNA recombi-nante, a equipe produziu uma proteínado vírus. Essa proteína é usada no kitpara capturar anticorpos presentes nasamostras de sangue dos doentes.

“Nosso kit apresenta maior especi-ficidade e sensibilidade na identificaçãode IgM (imunoglobulina M, anticorpocaracterístico de infecção recente) e é

Diagnóstico da hantavirosemais preciso, rápido e barato

em média 17% mais sensível no diag-nóstico de IgG (imunoglobulina G, pre-sente em uma fase mais tardia dadoença) que o similar norte-americano”,explica Cláudia Nunes Duarte dos San-tos, pesquisadora do IBMP responsável

pelo desenvolvimento do teste. O kit bra-sileiro também é mais rápido – produzresultado em duas horas – e mais fácilde ser manejado.

Além de identificar anticorpos pro-duzidos em todas as fases da doençaem seres humanos, o kit também de-

tecta o vírus em seus reservatórios na-turais, os roedores silvestres – o que éfundamental para o controle epidemi-ológico da hantavirose. O contágiohumano ocorre mais freqüentementepela inalação de aerossóis formados apartir da urina, fezes e saliva dessesanimais. Também é possível contrair adoença pela mordida por um rato in-fectado, pelo contato da pele feridacom fezes e urina dos roedores, ou aolevar as mãos sujas de fezes ou urinade rato à boca.

Os principais sintomas da hantavi-rose podem ser confundidos com os deuma gripe forte: febre acima de 38graus, dores no corpo e na cabeça, tos-se seca, dificuldade para respirar etaquicardia. Após alguns dias a doençaevolui para a fase cardiopulmonar, quese caracteriza por insuficiência respira-tória aguda e choque respiratório, e temalta taxa de letalidade (45%) – daí aimportância de um diagnóstico rápidoe preciso. Apesar de ainda não havertratamento específico para a hantaviro-se, os especialistas alertam que é im-portante consultar um médico e começaras medidas de suporte clínico ao apare-cimento dos primeiros sintomas.

Como evitar os roedoresA falta de um tratamento para a

hantavirose torna ainda mais importan-te evitar a presença de roedores silves-tres nos domicílios e em seus arredores.

É importante eliminar resíduos e entu-lhos que possam servir para a constru-ção de ninhos e tocas pelos roedores.A limpeza diária dentro e fora de casaevita o acúmulo de objetos inúteis quepoderiam lhes servir de abrigo. O pisoe os móveis devem ser limpos com so-lução de água sanitária a 10% ou de-tergente, especialmente se o piso for

de terra, para evitar que a poeirase espalhe.

Também é preciso impedir que osratos encontrem comida fácil dentro ouperto de casa, removendo diariamen-te as sobras dos alimentos de animaisdomésticos. Insumos agrícolas devemser armazenados em galpões distan-tes de casa, sobre estrados de 40 cen-tímetros de altura. Fendas e buracosmaiores que meio centímetro devemser vedados para impedir que os roe-dores entrem em casa. Não é reco-mendável entrar em casas na regiãorural se estas estiverem há muito tem-po fechadas e sem ventilação. Animaismortos só devem ser tocados com aproteção de luvas de borracha.

O hantavírus, que mata 40% dos infectados

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e forma pioneira no Bra-sil, um novo teste diag-nóstico para fibrose cística(FC), doença genéticaque compromete princi-

palmente o trato digestivo e o aparelhorespiratório, vem sendo implementadono Instituto Fernandes Figueira (IFF),unidade materno-infantil da Fiocruz.Trata-se da medida da diferença depotencial nasal (DPN), exame incluídonos critérios diagnósticos para a fibrosecística da Fundação para a Fibrose Cís-tica (Cystic Fibrosis Foundation, no in-glês), entidade internacionalmentereconhecida nos estudos sobre a doen-ça, assim como os exames usuais, quesão o teste do suor, o teste do pezinhoampliado e a análise genética.

A fibrose cística, também conhe-cida como mucoviscidose, é uma do-ença genética e não contagiosa quecausa alterações nas secreções de al-gumas glândulas do organismo. Estassecreções passam a ser produzidascom maior viscosidade e quantidade,comprometendo o bom funcionamen-to de órgãos como pulmões, fígado,pâncreas e intestino.

No trato respiratório, esse mucoespesso tende a se acumular nas viasaéreas, dificultando a passagem do are levando à retenção de bactérias. Notrato digestivo, o aumento na viscosi-dade do muco pode levar à obstruçãodos canais do pâncreas, dificultando aabsorção de uma série de nutrientespelo intestino. O fato costuma provo-car quadros clínicos caracterizados pordiarréia crônica, desnutrição, má ab-sorção dos nutrientes, gordura nas fe-zes e dificuldade de ganhar peso.

Segundo a estimativa do Ministé-rio da Saúde, aproximadamente 1,5mil pessoas apresentam fibrose císticano Brasil. Número que equivale a umacriança acometida para cada dez milnascidas vivas. O IFF, que é considera-do um dos principais centros de refe-rência para fibrose cística no Estadodo Rio de Janeiro, atende atualmente111 crianças e adolescentes portado-res da doença, os quais recebem tra-

Pioneirismo valiosoIFF implanta novo exame para doença genética

D

tamento e assistência multidisciplinar.Embora a doença ainda não tenha

cura definitiva, o tratamento precoceem centro de referência e o acessoaos medicamentos e aos recursos la-boratoriais podem fazer toda a dife-rença no prognóstico e na qualidadede vida. Segundo o Ministério da Saú-de, esses fatores contribuem muitopara a redução da letalidade e o au-mento da sobrevida dos pacientes, quevivem em média 40 anos nos paísesdesenvolvidos e 18, nos países em de-senvolvimento como o Brasil.

Técnica já é usadanos Estados Unidos eem países europeus

Segundo a pneumologista pediátri-ca Izabela Sad, o exame de DPN re-presenta mais uma opção que possibilitao diagnóstico precoce da doença. Estaalternativa já vem sendo utilizada nosEstados Unidos, no Canadá e em paí-ses da Europa, incluindo a Bélgica, paísno qual a pneumologista recebeu treina-mento para a realização do teste e ca-pacitação para sua implantação no Brasil.

O exame de DPN é um teste dinâ-mico, no qual se verifica, a nível celu-lar, a função da proteína CFTR (proteína

reguladora transmembrana da FC),cuja mutação genética é a principalresponsável pelas características dadoença. “Durante o exame, afere-seao mesmo tempo o potencial elétricono epitélio nasal e no antebraço dopaciente, gerando assim uma diferen-ça de potencial. No teste de DPN, oepitélio nasal é exposto a quatro tiposde soluções e, de acordo com a reaçãoa cada uma delas, é possível obtermoso resultado do exame”, explica Izabela.

Para a pneumologista do IFF TâniaFolescu, o novo teste de DPN deve serindicado nos casos em que o Teste doSuor apresentar resultados normais e/ou duvidosos, associados a alguns si-nais e sintomas sugestivos da doença.Os especialistas ressaltam, porém, quemesmo com a implementação do exa-me de DPN o Teste do Suor continuasendo o exame “padrão-ouro” para odiagnóstico da doença. Por meio deleé possível medir a quantidade de sódioe cloro no suor, já que uma das carac-terísticas dos portadores da fibrose cís-tica é apresentar altos níveis de cloreto(sal) no suor. “Em pacientes com FC,quanto mais precocemente se estabe-lece o diagnóstico e o tratamento, me-lhor o prognóstico”, completa Tânia.

DIAGNÓSTICO

A médica Izabela Sad passou por treinamento na Bélgica e trouxe o teste para o Brasil

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mundo da ciência dá umnovo passo na luta contraa Aids. Pesquisadores liga-dos à Fiocruz no Recife es-tão iniciando a segunda

fase de testes da vacina terapêutica para ovírus da imunodeficiência humana (HIV),que já foi testada em 18 pacientes soro-positivos em sua primeira etapa, durantetrês anos, com resultados animadores. Res-ponsável pela redução de até 80% da pre-sença do vírus da Aids nesses brasileirossubmetidos ao tratamento, a dose agorapassará por uma etapa de refinamento,com o objetivo de potencializar sua efici-ência, o que pode proporcionar melhorqualidade de vida dos indivíduos porta-dores da enfermidade.

A vacina terapêutica é obtida a partirdo vírus, isolado e desativado, junto comas células responsáveis pela defesa do or-ganismo, as chamadas células dendríticas,da própria pessoa infectada e submetidaao tratamento. A imunização não evita ocontágio e, até então, só foi aplicada nosportadores do vírus que ainda não toma-ram medicamentos anti-retrovirais (coque-tel anti-Aids), como foi o caso dos pacientesque participaram da primeira fase do pro-jeto. A idéia agora é utilizá-la em 40 vo-luntários. A ampliação no número depessoas ocorrerá porque o estudo, quecomeçou a ser desenvolvido por cientistasdo Laboratório de Imunopatologia KeizoAsami, da Universidade Federal de Pernam-buco (UFPE), e da Universidade de Paris V,na França, ganhou a participação da Fio-

Um caminhopara deter a

Candidata à vacina contra HIV em teste

O

cruz do Recife; do Instituto Materno In-fantil Professor Fernando Figueira (Imip),de Pernambuco; da Universidade de SãoPaulo (USP); da Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ); e da Universidadede Johns Hopkins, em Baltimore, nos Es-tados Unidos.

Os pacientes submetidos a essa novafase da pesquisa serão do Brasil, da Fran-ça, da Bélgica e dos Estados Unidos. A apli-cação da vacina ocorrerá inicialmente noRecife e deve se estender a São Paulo. Adose é única, de dois a três mililitros. Ocoordenador do projeto na capital per-nambucana, Luís Cláudio Arraes - que épesquisador da UFPE e agora faz parte doLaboratório de Virologia e Terapia Experi-mental (Lavite) da Fiocruz no Recife -, ex-plicou que a equipe vai tentar, com o usode tecnologia, diminuir a perda das célu-las dendríticas - considerada alta ao se-rem retiradas do organismo – paradeixá-las mais potentes e, conseqüente-mente, obter um melhor resultado.

Se a vacina realmente surtir efeito, oque poderá ser dito em dez anos, a inten-ção vai ser produzi-la em escala comercial.Para isso, haverá um estudo paralelo à fasedois da pesquisa, com o propósito de tor-nar a vacinação com célula dendrítica eco-nomicamente viável do ponto de vista dasaúde pública. “Os resultados com a vaci-na de célula dendrítica foram excelentes,é o nosso padrão-ouro no momento, masqueremos esmiuçar os mecanismos imu-nológicos que fizeram com que essa for-ma de vacina funcionasse e, com isso,poder testar outras formas que funcio-nem tão bem ou melhor que o modeloatual, aumentando a viabilidade de tra-balho com ela”, esclareceu o coordena-dor do Lavite, Ernesto Marques Júnior,

Aids

VACINA

Pesquisadora trabalha emlaboratório que participa de esforço

internacional para se chegar a umimunizante contra o HIV

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21R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | O U T U B R O D E 2 0 0 5

que também é pesquisador da Universi-dade de Johns Hopkins.

Essa busca por um modelo economi-camente viável começa com o intercâm-bio de informações. Parte da tecnologiadesenvolvida para a preparação de célu-las dendríticas e para a desativação dovírus HIV será transferida do Recife parao Laboratório de Imunogenética e Trans-plante Experimental (LIM-56) da USP. AFiocruz da capital pernambucana, por suavez, fará um estudo dos fatores do HIVque estão correlacionados com a melhorresposta imunológica à vacina. A equipemapeará o vírus e, assim, trabalhará ape-nas com a parte ideal dele para compor adose, em vez de usá-lo todo, como ocor-re atualmente.

No Lavite, os pesquisadores tambémdevem tentar responder por que a vaci-na funcionou bem em metade do grupode voluntários e, na outra metade, tevepouco resultado, observando os fatoresvirais e da própria pessoa imunizada. Elesdevem estudar se as células dendríticasde quem não teve uma boa resposta di-ferem daquelas de quem apresentou re-sultado satisfatório. Se for identificadaessa diferença, a equipe pode procurarelementos na célula dendrítica essenci-ais para que a vacina funcione bem eotimizar as estratégias para aplicar nogrupo que não teve o desempenhosatisfatório. “Identificando os elemen-tos essenciais da célula dendrítica tam-bém temos como dispensar o resto e

simplificar a formulação”, ponderou ocoordenador do laboratório.

“O passo seguinte seria, em vez detentar buscar um substituto à utilizaçãode células dendríticas, empregar algumaoutra forma que não utilize o vírusinativado nem a célula dendrítica, como,por exemplo, a vacina de DNA, para bara-tear e viabilizar a utilização em larga esca-la”, complementou Marques Júnior. Osmodelos experimentais dessas futuras ex-periências devem ser testados, em sua faseinicial, em coelhos e camundongos abri-gados no biotério da UFRJ e, posterior-mente, se surtirem efeito, partir para aaplicação em humanos, a exemplo da va-cina terapêutica atual, respeitando os pa-drões éticos necessários.

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ma dissertação de mes-trado defendida no Insti-tuto Fernandes Figueira(IFF), uma unidade daFiocruz, comprovou que,

no Brasil, o índice de sobrepeso emmulheres na pós-menopausa é eleva-do. Além disso, ficou também claro paraa ginecologista Patrícia Pereira de Oli-veira, que desenvolveu o trabalho, queexiste uma relação direta entre o ex-

cesso de gordura no organismo e abaixa escolaridade. O estudo, feito naIlha de Paquetá, na Baía de Guanabara(RJ), teve como objetivo principal in-vestigar a osteoporose em mulheres napós-menopausa. A partir dessa pesqui-sa, Patrícia pretende se dedicar agoraa um novo estudo, incluindo outrasvariáveis de avaliação, para que possaobter detalhes mais aprofundados so-bre a dimensão desse problema.

Em sua pesquisa, Patrícia avaliouas voluntárias por ultra-sonometria(análise da massa e da flexibilidadeóssea) para estabelecer formas de pre-venção ao risco de fratura. “Ela tam-bém estudou diversos outros fatores,como a obesidade, determinada a par-tir das medidas antropométricas, quedetectam possíveis alterações na quan-tidade e distribuição da gordura corpo-ral”, detalha a médica Lizanka Paola

O peso da pós-menopausaEstudo relaciona problemas ligados ao excesso de peso

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PESQUISA

La Gioconda,de Botero

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Figueiredo Marinheiro, do Departa-mento de Ginecologia e Obstetrícia doIFF, que orientou a dissertação.

Para a escolha das participantes foifeita uma divulgação do estudo na ilha.Depois de amplos esclarecimentos so-bre o trabalho, segundo os princípioséticos da pesquisa científica, as volun-tárias foram escolhidas de acordo comos critérios de inclusão (diagnóstico demenopausa) e de exclusão (impossibili-dade de se submeter à ultra-sonome-tria). Foram selecionadas 385 mulheres,com média de idade de aproximada-mente 64 anos. A maioria era branca(57,1%), viúva ou separada (45,71%),analfabeta (40,25%) e de baixa renda.

A avaliação da obesidade foi base-ada no grau de adiposidade (quando opeso corporal é normal, mas a propor-ção de gordura nele existente é exces-siva). A medição foi feita pelo índice demassa corporal (IMC), definido por pesoem quilogramas dividido pela altura emmetros elevada ao quadrado. Do total,39% tinham sobrepeso e 25,7% eramobesas (IMC acima de 30).

Lizanka explica que a menopausaé a parada de funcionamento dos ová-rios, que deixam de produzir oshormônios estrógeno e progesterona ede eliminar óvulos, o que leva o corpoda mulher a interromper a menstrua-ção. Nesse período, a quantidade deenergia que a pessoa precisa para queo organismo funcione em repouso (me-tabolismo basal) diminui. “Com isso, oacúmulo de gordura aumenta. A bai-xa de estrogênio, a diminuição daquantidade de exercícios físicos, pró-pria da idade, e a depressão tambémcomum em mulheres nessa faixa etáriasão outros fatores que estimulam aobesidade”, argumenta a médica.

De acordo com os resultados doestudo, a prevalência de sobrepeso ede obesidade entre a população femi-nina na pós-menopausa residente emPaquetá é alta e correlaciona-sediretamente com a baixa a escolarida-de da população. “A pouca escolari-dade está relacionada com a baixarenda. Indivíduos com renda per capitamais baixa consomem alimentos maisbaratos, que em geral são de maiorvalor calórico. A falta de informaçãosobre uma boa alimentação tambéminfluencia o aumento de gordura nocorpo”, diz Lizanka. Ela pretende fa-

zer novos estudos em Paquetá, porémmais ligados à obesidade, já que oquestionário aplicado nessa pesquisanão foi direcionado especificamentepara o problema.

Obesidade é problemaque cresce a cada dia

De acordo com o médico e profes-sor de endocrinologia da PUC do Rio deJaneiro Walmir Ferreira Coutinho, “aobesidade é atualmente um dos maisgraves problemas de saúde pública. Suaprevalência vem crescendo acentuada-mente nas últimas décadas, inclusivenos países em desenvolvimento, o quelevou a doença à condição de epide-mia global”. Coutinho foi presidente daAssociação Brasileira para o Estudo daObesidade (Abeso) e coordenador doConsenso Latino-americano em Obesi-dade. O Consenso elaborou um docu-mento, para cuja redação contribuíramespecialistas de 12 países da região, nasáreas de medicina, nutrição, psicologiae educação física. Para Coutinho, “es-tudos epidemiológicos em populaçõeslatino-americanas têm relatado dadosalarmantes. À medida que se consegueerradicar a miséria entre as camadasmais pobres da população, a obesida-de desponta como um problema maisgrave e mais freqüente que a desnutri-ção”. Esse fenômeno é chamado detransição nutricional.

A nutricionista Maria de FátimaCarvalho lembra que a Pesquisa de Or-çamentos Familiares (POF) feita peloInstituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE) no período de julho de2002 a junho de 2003, e que contoucom o apoio do Ministério da Saúde,mostrou que dos adultos maiores de 20anos mais de 38 milhões estão acimado peso. Destes, cerca de dez milhõessão obesos. Segundo Maria de Fátima,“é necessário acabar com a concepçãode que o problema da obesidade é daclasse rica. Hoje ela é um problema detodas as classes sociais”. E em determi-nadas famílias nota-se, ao mesmo tem-po, obesidade e insegurança alimentar.Isso ocorre porque muitas famílias po-bres optam por comprar alimentos debaixa qualidade nutricional e elevadadensidade energética – que muitas ve-zes apresentam preços mais baixos.Assim, produtos sabidamente mais sau-dáveis, como frutas, verduras, legumes

e carnes magras, nem sempre são con-sumidos. Sem tempo e informaçãocorreta, muitos são os brasileiros quetrocam comidas saudáveis por refrige-rantes, salgados e doces.

A obesidade – ou estar acima dopeso – traz uma série de problemas.Com o tempo, pessoas obesas têm ten-dência a apresentar degenerações dearticulações da coluna, do quadril, dosjoelhos e dos tornozelos. Os obesos, quesobrecarregam a coluna e os membrosinferiores, em geral também costumamser mais vulneráveis a moléstias ou dis-túrbios como hipertensão, cânceres,diabetes e doenças cardiovasculares.

Uma ilha bucólica aolado da metrópole

Com 10,9 quilômetros quadrados,Paquetá é uma das 43 ilhas da Baía deGuanabara e faz parte do municípiodo Rio de Janeiro, do qual dista cercade 15 quilômetros do Centro, desde1883. O local é considerado um dosmais pitorescos e agradáveis da cida-de, tendo como meios de transporteas bicicletas e as charretes. Sua popu-lação é homogênea, com uma carac-terística de vida muito particular, o queaumenta o valor da pesquisa. “As re-vistas científicas indexadas costumamdar grande valor aos estudos feitos compopulações fechadas, que têm homo-geneidade e por isso são diferencia-das”, afirma a pesquisadora PatríciaPereira de Oliveira.

Paquetá, uma ilha em que os úni-cos veículos motorizados são os da polí-cia, dos bombeiros e da coleta de lixo,deve o seu nome aos índios tamoios,seus primeiros habitantes, que abatizaram assim por ser um lugar ondehavia pacas e etás. Um dos principaisfocos da resistência às tentativas fran-cesas de instalar uma colônia no Rio deJaneiro no século 16, Paquetá tevecomo um de seus moradores mais ilus-tres, muitas décadas mais tarde, o Pa-triarca da Independência, José Bonifáciode Andrada e Silva, que se exilou nailha em 1829, por motivos políticos. Umdos pontos mais famosos de Paquetá éa Pedra da Moreninha, que ganhouesse nome por ter sido lá que o escritorJoaquim Manuel de Macedo ambien-tou seu romance A moreninha. Desde1881 a ilha está ligada ao continentepor uma linha de barcas.

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Brasil, por meio do Ins-tituto de Imunobiológi-cos de Manguinhos(Biomanguinhos) da Fio-cruz, começa a escre-

ver um importante cap í tu lo nahistória do fornecimento de insumosde saúde à população brasileira. Emjaneiro próximo, Biomanguinhosdará início ao fornecimento para oSistema Único de Saúde (SUS) dedois importantes medicamentos: aeritropoetina alfa humana recom-binante (EPO), que trata a anemiaassoc iada à insuf i c i ènc ia rena lcrônica, Aids ou quimioterapia, eo interferon alfa humano recom-binante (INF), que auxilia no trata-mento de hepatites virais e alguns

IMUNOBIOLÓGICOS

A revolução dos biofármacosBiomanguinhos começa a produzir interferon e eritropoetina

Otipos de tumor. Além da economiaem cerca de R$ 40 milhões anuaispara os cofres públicos pela substi-tuição de dois produtos importadospor sua produção nacional, a infra-estrutura a ser criada para a fabri-cação des tes b io fá rmacos – oprédio de Protótipos, Biofármacose Reativos – vai propiciar o desen-volvimento de diversos outros pro-dutos que interessam ao SUS.

Iniciado em agosto de 2004, oprocesso de transferência de tec-nologia entre B iomanguinhos eduas ins t i tu i ções c ient í f i cas deCuba, o Cent ro de Imuno log iaMolecu lar (C IM) e o Centro deEngenharia Genética e Biotecnolo-gia (CIGB, da sigla em espanhol),

levará mais três anos até que aprodução seja totalmente nacional.Por enquanto, o processo encontra-se no fim da primeira etapa, emque os produtos são importados deCuba, sendo apenas rotulados naFiocruz. Em 2006, Biomanguinhospassará a finalizar o produto noCentro de Processamento F ina l(CPFI) e no ano seguinte, com oprédio de Biofármacos construídoe os equipamentos instalados, todoo processo de produção será naci-onal. Técnicos brasileiros e cuba-nos estão em intenso intercâmbiopara assimilação da tecnologia.

A intenção da iniciativa é de-mocratizar o acesso a medicamen-tos de dispensação excepcional,

A produção de biofármacos na Fiocruz significará uma economia de R$ 40 milhões a cada ano

Biomanguinhos/Fiocruz

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que alcançam um reduzido núme-ro de beneficiados, mas que repre-sentam em 2005 mais de 22% dosgastos do Ministério da Saúde commedicamentos (veja o gráfico).

O diretor de Biomanguinhos,Akira Homma, lembra o sucessoalcançado pela polít ica de auto-suf ic iência em imunobiológicos,inic iada na década de 70 e quehoje garante as campanhas de va-cinação implementadas pelo Pro-grama Nac iona l de Imun ização(PNI), com todas as vacinas do ca-lendário básico sendo produzidasno Brasil. Para ele, o investimentodo Ministério da Saúde nesta novaárea trará retorno não apenas fi-nanceiro, mas social.

“A primeira questão é a depen-dência completa do país quanto aesses produtos de alto valor agre-gado. Tecnologicamentefalando, isso representaum importante custo aoMinistério da Saúde, queprecisa comprar uma in-finidade de biofármacospara suprir o SUS”, dizHomma.

Para se ter idéia docusto, apenas 14 de uma lista de226 medicamentos especiais repre-sentam mais de R$ 600 milhõesanuais aos cofres públicos. E dife-rentemente das vac inas, usadaspara impedir o aparecimento de en-fermidades, o uso desses biofárma-cos é para o tratamento de doençase deve ser contínuo.

“O interessante desse processoé que o país não está apenas com-prando a tecnologia. O Ministérioda Saúde tem o dever de compraresses medicamentos para suprir oSUS. Então aproveitamos o poderde compra do Estado e incluímos naaquisição destes dois produtos a ab-sorção da tecnologia de produção.Diminuímos os gastos com a impor-tação, ficamos independentes dasoscilações do mercado e garantimosà população maior acesso a essesmedicamentos”, explica Homma.

O processo de licitação para oinício das obras deve ocorrer até ofim de 2005. Além do setor de pro-dução de biofármacos, atendendoa Boas Práticas de Fabricação (BPF)

e equipado com o que há de maismoderno, a planta prevê uma áreade protótipos, destinada à fabrica-ção em pequena escala de produ-tos-piloto, fundamental para o setorde desenvolvimento. É nessa áreaque os biofármacos desenvolvidosserão produzidos também em BPF,com menos custo e sem a necessi-dade de parar a produção. A plan-ta-p i loto também vai atender aárea de imunobiológicos (vacinase reagentes para diagnóstico).

A previsão é de que em 2008,Biomanguinhos possa produzir maisde 7,5 milhões de frascos de EPO eINF anualmente, com possibilidadede aumentar a capacidade no casode mais máquinas e equipamentos.

Gerente do Programa de Biofár-macos na unidade da Fiocruz, NadiaBatoréu anima-se ao falar do futu-

ro prédio de Biofárma-cos. “Trata-se de umaplanta flexível, que nosdará possibilidade de au-mentar o número de equi-pamentos conforme ademanda. Além disso, as-sim que as linhas de pro-dução em Escher i ch ia

Coli e células CHO (células de ová-rio de hamster chinês), usadas paraa produção de interferon e eritro-poetina respectivamente, est ive-rem prontas, poderemos trabalharna produção de diferentes proteí-nas de uso terapêutico em outrasdoenças”, diz ela.

Essa flexibilidade para a produ-ção de biofármacos se dá porqueoutras proteínas como a somatotro-pina (hormônio de crescimento hu-mano-GH), por exemplo, tambémse expressam em células CHO, po-dendo-se aproveitar a linha de pro-dução instalada. Atualmente 11projetos de desenvolvimento estãoem estudo.

Segundo Homma, essa novaplataforma será extremamente im-portante para a produção de outrosbiofármacos já em desenvolvimen-to por Biomanguinhos em parceriacom universidades e outros institu-tos – o diretor ainda prevê que, emtrês anos, o processo para a produ-ção destes dois biofármacos já es-tará incorporado por completo à

unidade e novos projetos estarãoem fase final de desenvolvimento.

A iniciativa de Biomanguinhostem o intuito de acompanhar umatendência mundial. O uso da en-genharia genética é crescente nomundo todo e tem se tornado umaquestão estratégica para o desen-volvimento científico dos principaispaíses. Somente nos Estados Uni-dos o setor cresce 20% ao ano commais de 370 produtos em fase detestes pré-clínicos e clínicos.

Diferenças de statusentre medicamentos

O Ministério da Saúde divi-de os medicamentos em três ti-pos de complexidade. São eles:

BásicosCem itens destinados às ne-

cessidades de atenção básica,cujo atendimento pode ser fei-to em postos de saúde. Exem-p los : ác ido acet i l sa l i c í l i co(analgésico e antitérmico), cál-c io de repos ição e enalapr i l(para hipertensão arterial). Ocusto desses medicamentos éde R$ 0,65 por habitante.

EspeciaisSão dispensados em caráter

especial, num total de 109 itens,de médio e alto custo. Utiliza-dos para tratar doenças de com-plexidade variável, hereditáriasou adquiridas. Exemplos: Fluoxe-tina (antidepressivo), binaprost(glaucoma), ticlopidina (cardio-patia isquêmica).

ExcepcionaisFornec idos somente em

caráter excepcional, são de altocusto e compõem um total de216 itens. Exemplos: cliclsporina(transplantados), clozapina (tra-tamento de esquizofren ia ) ,interferon alfa 2b humano re-combinante (hepatites e tumo-res sólidos), eritropoetina alfahumana recombinante (insufici-ência renal).

Engenhariagenética

é tendênciamundial

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TABELA 1

O mundo esportivo foi apresen-tado à EPO pela primeira vez nasOlimpíadas de Inverno de 1988. Osesquiadores soviéticos surpreende-ram ao conseguir várias medalhasbatendo, nas provas de longa dis-tância, os noruegueses, de quemeram fregueses de carteirinha. Foientão descoberto que os soviéticosaproveitaram-se da EPO, que nãoera detectada nos exames de uri-na, para aumentar a produção deglóbulos vermelhos e assim aprimo-rar a capacidade de transportar oxi-gênio no sangue para músculos. Oaumento de hemácias privilegia em

Imunoglobulina

(Imunoterapia)

Toxina Butolínica

(Paralizante muscular)

2004R$ 768 MILHÕES

EPO e INF representamR$ 207.522.000,00 deinvestimento.

Inter feron a l fa

Hepatites B e C, tumores sólidos

Micofenolato de mofet i l

Pacientes transplantado

Inter feron beta

Esclerose múltipla

Imig lucerase

Doença de Gaucher

demais 212 medicamentos

Olanzapina

Esquizofrenia

Tacrol imus

(Pacientes transplados)

Somatotrof ina

(Hormônio de Crescimento)

Ciclosporina

(Pacientes transplantados)

Eritropoetina

(Pacientes renais crônicos)

Octreot ida

(Acromegalia)

Desmopressina

(Antidiurético)

Calcitonina

(Calcemia)

Leuprol ida

(Câncer de próstata)

especial atletas de provasde longa duração dando umfôlego extra.

O doping foi logo adotado pe-los ciclistas, em busca de um “em-purrãozinho” em provas com maisde 200 quilômetros de distância.

O caso mais conhecido foi o dociclista italiano Marco Pantani, fa-lecido em 2004 e campeão da pro-va mais tradicional do mundo, aVolta da França. Flagrado no anti-doping com exame de sangue, em1999, ele foi suspenso de compe-tições oficiais.

O uso errado da eritropoetina

O uso da EPO em pessoas sau-dáveis é altamente perigoso e podelevar à morte. O aumento além donormal de glóbulos vermelhos acar-reta uma série de problemas. En-t re os e fe i tos co la te ra i s es tão :trombose, coagulação do sangue,reações hemolíticas com danifica-ção renal e hipertensão arterial.

COMPARATIVO PERCENTUAL DE INVESTIMENTO BRASILEIRO NOS 14 MEDICAMENTOS DE

MAIOR IMPACTO FINANCEIRO EM 2004 DO TOTAL DE UMA LISTA DE 226 PRODUTOS.

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avanço científico tempermitido o empregoindustrial de microor-gan ismos ou cé lu lasmodificadas genetica-

mente para a produção de proteí-nas de interesse em diversas áreas,em especial na saúde humana. Pro-teínas são essenciais para o funci-onamento de células e a carênciade uma pode acarretar sérios e di-ferentes problemas de saúde.

Esta tecnologia permite reprodu-zir proteínas idênticas às naturais,bem como elaborar outras totalmen-te novas. Tais moléculas são maisvantajosas do que as naturais paradeterminadas funções, por exemplo,maior atividade biológica, maior vidamédia ou menos efeitos colaterais.Estas moléculas modificadas geneti-camente são chamadas biofármacose agem para neutralizar o mal quan-do determinada proteína está ausen-te ou em número insuficiente.

No caso da eritropoetina, seuuso mais freqüente é em insufici-entes renais crônicos, pacientesque têm uma perda lenta e pro-gressiva das funções renais, tendoum redução drástica na capacida-de de eliminar substâncias tóxicasproduzidas pelo organismo e deproduz i r hormôn io , no caso aeritropoetina.

Para realizar qualquer atividade,o corpo humano necessita de ener-gia, assim como um carro para an-dar precisa de combust íve l . Pelarespiração, o oxigênio chega aospulmões e de lá vai para o sangue,onde é transportado pelas hemáciasou glóbulos vermelhos para todo ocorpo. Em casos de anemia, carac-ter izada pe lo ba ixo número dehemácias no sangue, o oxigênio temproblemas para chegar ao seu des-tino. Por isso pessoas anêmicas so-frem para fazer provas de esforço ouestão sempre cansadas.

O corpo humano sabe quandoprecisa de mais oxigênio, por isso,quando detecta baixa quantidadedesse elemento, aciona o rim paraproduzir mais eritropoetina. Estasubstância viaja pelo sangue até a

O

O que é umbiofármaco

medula óssea e aciona o mecanis-mo de p rodução de hemác ias .Com mais hemácias o corpo rece-be mais oxigênio. A administraçãode eritropoetina a um insuficienterenal visa a curar a anemia provo-cada pela baixa produção do hor-mônio pelo rim, dando ao pacientepossibilidade de executar suas ati-vidades diárias normalmente.

No caso do interferon alfa 2b re-combinante humano, a importânciaestá no combate às infecções virais,principalmente as hepatites tipo Be C, agindo contra a proliferaçãodo vírus e contra tumores sólidos.

Segundo a Organização Mun-d ia l da Saúde (OMS) , ce rca de400 milhões de pessoas no mun-do estão infectadas pelo tipo B dadoença. No Bras i l , não ex i s temdados oficiais que demonstrem aabrangência da infecção pelos di-ferentes v í rus (A, B, C, D e E) .Es t ima-se que ex i s tam dois mi -lhões de portadores crônicos dehepat i t e B e t rê s m i lhões comhepatite C. Esse número represen-ta quase oito vezes a quantidadede pessoas portadoras do HIV, oagente da Aids.

CUSTO ANUAL POR PACIENTE DAS DEZ PROTEÍNAS TERAPÊUTICAS MAIS VENDIDAS NO MUNDO (2003)

N e u p o g e m

Fator de coagulação (Amgen)

N e u l a s t a

Fator de coagulação (Amgen)

R i tuxan

Anticorpo monoclonal (Genetech)

Intron A fami ly

Interferon alfa (S.-Plough)

R e m i c a d e

Anticorpo monoclonal (J&J e Schering-Plough)

E n b r e l

Outro (Amgen/Wyeth)

Procr i t /Eprex

Eritropoetina (J&J)

A r a n e s p

Eritropoetina (Amgen)

Av o n e x

Interferon beta (Biogen IDEC)

E p o g e n

Eritropoetina (Amgen)

TABELA 2

50.000

40.000

30.000

20.000

10.000

53.00053.00053.00053.00053.000 51.00051.00051.00051.00051.000

28.00028.00028.00028.00028.000

20.00020.00020.00020.00020.000 20.00020.00020.00020.00020.000

14.00014.00014.00014.00014.00012.80012.80012.80012.80012.800 12.80012.80012.80012.80012.800

10.50010.50010.50010.50010.500 10.00010.00010.00010.00010.000

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R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | O U T U B R O D E 2 0 0 528

Um saltoà frente

MEDICAMENTOS

Um saltoà frente Farmanguinhos ampliará

produção e pesquisa demedicamentos em nova

planta industrial

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Celebrada como uma aquisi-ção inédita do governo brasi-leiro, a compra da fábrica daGlaxoSmithKline em abril de2004 já demonstra o retorno

do investimento. Incorporada ao Institutode Tecnologia em Fármacos (Farmangui-nhos), a fábrica passou a se chamar Com-plexo Tecnológico de Medicamentos (CTM)e, somente no primeiro semestre de 2005,produziu o mesmo volume de remédiosdo ano anterior. Cerca de 1,7 bilhão deunidades farmacêuticas foram distribuídasà população pelo Sistema Único de Saú-de. Com a capacidade de quintuplicar aprodução até 2007, Farmanguinhos am-pliará o atendimento aos programas doMinistério da Saúde, além de lançar no-vos medicamentos para o tratamento daAids, malária, tuberculose, hipertensão, di-abetes e úlcera.

Todos os laboratórios e as linhas deprodução de Farmanguinhos, situados nocampus da Fiocruz no bairro de Mangui-nhos, estão sendo transferidos para o novoparque industrial, em Jacarepaguá. Atual-mente, o Instituto tem 52 princípios ativosregistrados na Agência Nacional de Vigi-lância Sanitária (Anvisa), distribuídos em68 apresentações, e pesquisa o potencialde outros 20 fármacos, dentre eles anti-retrovirais, tuberculostáticos, fitoterápicose hormônios anticoncepcionais.

“Os medicamentos em doses com-binadas, que concentram em uma únicacápsula ou comprimido dois ou mais prin-cípios ativos, são outra novidade. O 3 em1 contra Aids, por exemplo, já está pron-to, aguardando execução do estudo debiodisponibilidade relativa a ser feito noInstituto de Pesquisa Clínica EvandroChagas (Ipec)”, informa a diretora de Far-manguinhos, Núbia Boechat.

Outro medicamento em dose combi-nada é o 3 em 1 contra tuberculose. Deacordo com informações do Datasus, aincidência da enfermidade no país vemcaindo. Em 2002 era de 45,35 por 100mil habitantes e, em 2003, foi de 40,76.O Rio de Janeiro é o segundo estado commaior incidência, atrás apenas do Amazo-nas. Mas o governo aumenta os recursosdo Programa para erradicar a doença e onovo medicamento produzido por Farman-guinhos alia ao tratamento o benefício dosremédios combinados, que comprovada-mente aumentam a adesão dos pacientespor resultar na ingestão de um menornúmero de comprimidos.

Para combater a malária, Farmangui-nhos desenvolve outra combinação 2 em

1, como parte do projeto Combinação Fixaà Base de Artesunato (Fact, na sigla eminglês). A Fiocruz é uma das seis institui-ções do mundo a participar desse pro-grama, coordenado pela Iniciativa deMedicamentos para Doenças Negligen-ciadas (DNDi, na sigla em inglês).

Parceria

Farmanguinhos começou a produziranti-retrovirais em 1998 e, desde então,reduziu os gastos do Ministério da Saúdecom a importação desses medicamentos.Tal fabricação, aliada a todos os medica-mentos produzidos pelo Instituto, resultounuma economia para os cofres da Uniãode R$ 205 milhões em 2003, R$ 215 mi-lhões em 2004 e estima-se que, neste ano,R$ 280 milhões sejam poupados.

“Além dessa economia, que possibi-lita ao Ministério da Saúde ampliar o nú-mero de beneficiados por seus programas,o fato de determos as condições parapesquisar e produzir outros remédios per-mite que o governo negocie preços comos laboratórios privados, utilizando a li-cença compulsória como instrumento”,afirma Núbia.

Porém, apesar do reconhecimentomundial adquirido por Farmanguinhospela produção de sete dos 17 medicamen-tos do coquetel anti-Aids, cerca de 80%da produção da fábrica destina-se ao aten-dimento do Programa Hiperdia. Segundodados do Ministério, 75% dos diabéticose hipertensos do Brasil são atendidos peloSUS, o que corresponde a 134 mil diabéti-cos e 780 pacientes cadastrados com dia-betes e hipertensão. Farmanguinhosdistribuirá 3,5 bilhões de unidades farma-cêuticas para o programa ainda neste ano.

Até 2004, os anti-hipertensivos deFarmanguinhos também eram distribuí-dos pelo Programa Saúde da Família (PSF),que oferece por meio de unidades regio-nais atenção básica a milhares de brasi-leiros. O Ministério da Saúde retirou osanti-hipertensivos captopril, hidrocloro-tiazida, metildopa e propranolol do pa-cote para que esses fossem administradospelo Programa Hiperdia. Essas e outrastransformações no PSF resultaram emuma crescente participação de Farman-guinhos no Programa. O Instituto pas-sou a administrar as compras de todosos laboratórios oficiais parceiros do PSF:Furp, Iquego, Lafepe, LFM (Marinha) eLQFA (Aeronáutica).

Cada laboratório passa a entregar aFarmanguinhos os medicamentos quecompõem o kit de 25 remédios definidos

como essenciais pelo Ministério da Saú-de: antianêmicos, antibióticos, analgési-cos, anti-helmínticos e outros. Desses,Farmanguinhos produz oito: dexametaso-na, dicoflenaco de potássio, metronidazol,neomicina + bacitracina, sulfametoxazol+ trimetoprima, sulfato ferroso, paraceta-mol e amoxicilina.

A montagem e distribuição dos kits tam-bém são feitas pelos próprios laboratórios,que atendem ao país em três pólos de dis-tribuição: Farmanguinhos no Sul e Sudeste,Iquego no Norte e Centro-oeste e Lafepe noNordeste. O preço de um kit é R$ 1.856,21,e o peso é de 102 quilos. A estimativa doPSF é que sejam entregues mais de 47 milkits para todo o Brasil neste ano.

“Outra saída dos kits é feita por doa-ção a países estrangeiros que vivem umaemergência. Em maio de 2003 doamos,com a autorização do Ministério da Saú-de, kits para as vítimas de uma série deenchentes na Argentina, em junho domesmo ano doamos kits para o Irã, parasocorrer as vítimas de um terremoto e, em2004, foi a vez de Honduras, atendida compor causa de um furacão”, afirma o coor-denador de Programas de Farmanguinhos,Alexandre Xavier.

Novos programas

Estão em fase de desenvolvimentocinco hormônios anticoncepcionais quedarão suporte à Política Nacional de Direi-tos Sexuais e Direitos Reprodutivos.Lançada em março deste ano pelo Minis-tério da Saúde, a política tem três eixosprincipais de ação, voltados ao planeja-mento familiar: a ampliação da oferta demétodos anticoncepcionais reversíveis(não-cirúrgicos); a ampliação do acesso àesterilização cirúrgica voluntária; e a in-trodução de reprodução humana assisti-da no SUS.

“Investimos no desenvolvimento, nostestes e na criação da área produtiva doshormônios que, segundo as boas práticasde fabricação exigidas pela Anvisa, deveser segregada e apenas produzir essa clas-se de medicamentos”, explica Núbia.

Com relação à asma, que em 2002 foia terceira causa de hospitalização peloSUS, responsabilizando-se por 376 milinternações em todo o país, Farmangui-nhos negocia a transferência de tecnolo-gia para a produção de aerossóis.

“Até final de 2006 devemos ter a trans-ferência de tecnologia para a fabricaçãode aerossóis, transformando-nos no pri-meiro laboratório público com essa capa-cidade”, declara Núbia.

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ormar e capacitar técnicospara atuarem no SistemaÚnico de Saúde. Esta missãotem sido cumprida pela Es-cola Politécnica de Saúde Jo-

aquim Venâncio (EPSJV) ao longo de seusrecém-completos 20 anos. Agora, um novomarco acaba de ser estabelecido pela Es-cola com sua indicação para ser a novasede Secretaria Executiva da Rede Interna-cional de Técnicos em Saúde (Rets). Desdeagosto do ano passado, quando foi ofici-almente reconhecida como Centro Cola-borador da Organização Mundial da Saúde(OMS) para a educação de técnicos em saú-de, a EPSJV ampliou sua atuação comoinstituição de referência nacional para oâmbito internacional.

A Rede Internacional de Técnicos emSaúde foi criada em julho de 1996, du-rante a reunião Formação e Utilização deTécnicos de Nível Médio em Saúde nas Re-

giões das Américas, na Cidade do México.Os representantes de instituições forma-doras de técnicos dos países participan-tes, Brasil, Costa Rica, Colômbia, Cuba eMéxico, definiram então uma proposta detrabalho em rede como estratégia de coo-peração privilegiada.

Com a missão de consolidar o traba-lho em conjunto como uma metodologiapara a ação no desenvolvimento deprojetos dinamizadores, elaborados a par-tir da definição de áreas críticas de preo-cupação comum entre os membros, a Retsestabeleceu, no momento de sua criação,a sede de sua Secretaria-executiva na Es-cola de Saúde Pública da Costa Rica. Du-rante os cinco anos de atividades foramrealizadas reuniões nos diversos países-membros, nas quais foram criados pro-gramas e compartilhadas experiênciasrelativas à formação dos profissionais desaúde de nível médio. Mediante o ama-

Fiocruz vira sede da RedeInternacional de Técnicos em SaúdeEscola Politécnica foi escolhida pela Organização Pan-Americana da Saúde

Fdurecimento da proposta, incorporaram-se novos membros que, hoje totalizam 21,entre países dos continentes americano eafricano, além de Timor Leste e Portugal.

A partir de 2001, as atividades da Redeforam aos poucos sendo interrompidasdevido a numerosas dificuldades. Com adesignação da EPSJV como Centro Cola-borador da OMS, em 2004, a instituiçãotornou-se propícia à reativação da Secre-taria Executiva da Rede.

Em cerimônia ocorrida no dia 8 de se-tembro deste ano, na EPSJV, a assessoraregional de Recursos Humanos da Orga-nização Pan-Americana da Saúde (Opas),Silvina Malvárez, e a ex-secretária executi-va da Rets, Alcira Castillo, assinaram a de-claração de transferência da SecretariaExecutiva da Rede para a Escola Politécnica.

“Para mim, é uma honra fazer estatransferência, porque tenho plena segu-rança de que a Secretaria estará em muito

ENSINO

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boas mãos, que vão potencializar todosos esforços necessários e que, além disso,criarão muito mais projetos para a Rede”,assegurou Alcira, diretora da Escola deSaúde Pública da Costa Rica, antiga sededa Secretaria-executiva da Rede Internaci-onal. Como resposta à confiança deposi-tada pela ex-secretária da Rets, o diretorda EPSJV André Malhão mostrou-se, emsua fala durante a cerimônia, conscientequanto à importância do projeto.

Numa menção ao relatório da ONUdivulgado recentemente, sobre a grave si-tuação econômica mundial e seus refle-xos na qualidade de vida de população,Malhão apontou a Rets como iniciativapromotora de ações solidárias. “Esta éuma rede que deve se ancorar em projetosque concebam o mundo de outra forma,mais fraterno, mais solidário e com maiorigualdade social. Parece-nos, e esse rela-tório acaba reforçando, que não resolve-remos o problema se não conseguirmosestabelecer ações internacionais de par-ceria, como a Rets”.

Já a Coordenadora de CooperaçãoInternacional da Escola, Anamaria Corbo,define o compromisso da EPSJV em assu-mir a Secretaria Executiva da Rets comoum dos marcos de iniciativas da Escola en-quanto centro colaborador “É estratégicoestarmos à frente deste processo de arti-culação de diversas instituições e organi-zações relacionadas à formação de técnicosem saúde, devido à possibilidade de fo-mento das nossas ações de cooperação eestímulo à produção de conhecimentosobre esta área de formação, subsidiandoa formulação de políticas de educação, tra-balho e saúde das regiões da América La-tina e Países Africanos de Língua OficialPortuguesa (Palops)”, ressalta.

Projetos paraa reativação da

Secretaria-executiva

Como parte do desafio da nova Se-cretaria Executiva, que consistirá na reno-vação e na ampliação da Rets, foramdebatidas propostas para a reativação daSecretaria Executiva da Rede, durante asreuniões ocorridas na EPSJV, entre os dias6 e 9 de setembro. Além da presença deAlcira Castillo e Silvina Malvárez, membrosda Direção da EPSJV, da Assessoria de Coo-peração Internacional e da Presidência daFiocruz e do Ministério da Saúde tambémparticiparam das discussões.

Durante os encontros, foram defini-das tanto estratégias de reativação quan-

to de divulgação da Rede. Dentre estas,destaca-se a proposta de realização de umfórum internacional voltado para estesprofissionais.

Previsto para ocorrer em conjunto como 8º Congresso Brasileiro de Saúde Cole-tiva e o 11º Congresso Internacional deSaúde Pública, o Fórum Internacional deEducação de Técnicos em Saúde será rea-lizado no Rio de Janeiro, em agosto de2006. Entre os temas que integram o en-contro, a EPSJV e demais instituições naci-onais e estrangeiras de formação deverãoenfocar a educação profissional em saú-de, apresentando trabalhos sobre integra-ção à educação básica, formação ecertificação de profissionais e regulamen-tação do trabalho. Já os planos para di-fundir a Rede prevêem a construção deum site e a publicação de uma revista bi-língüe (espanhol e português).

A expansão do Programa de Amplia-ção de Livros-Textos (Paltex) também foidiscutida, numa reunião destinada exclu-sivamente ao tema, no dia 6 de setembro(ver box ao lado).

Após a concretização dos projetos derestruturação, o próximo passo será dadode acordo com as necessidades dos mem-bros da Rede, constatadas ao longo desteprocesso. Segundo a vice-diretora de En-sino e Informação da EPSJV, Marise No-gueira, será fundamental reconhecer ospaíses e suas especificidades. “O princi-pal desafio a ser aprofundado, mas quesó irá acontecer com o próprio funciona-mento da Rets, é identificar as problemá-ticas, os temas e as questões que podemmobilizar a troca entre os membros”, cons-tata a ex-Coordenadora de CooperaçãoInternacional da Escola Politécnica.

Série Trabalho eFormação em Saúde:o Paltex no Brasil

Além da reativação da Rets,outro assunto recebeu destaquedurante a visita de representantesda Opas à EPSJV: o Programa Am-pliado de Livros Textos (Paltex). Nareunião de 6 de setembro, as visi-tantes, membros da Direção daEscola e representantes da Abene da Faculdade de Enfermagemde Ribeirão Preto discutiram pro-postas de expansão do Paltex noBrasil. Entre as propostas apresen-tadas, foi aprovada a idéia decompor uma lista de textos em por-tuguês, devido à constatação daexistência de poucos materiais ins-trutivos no idioma para técnicos eenfermeiros.

Desenvolvido com o nomeSérie Trabalhoe Formação emSaúde, o Paltexna EPSJV é umprojeto voltadopara a forma-ção crít ica equalificada dosprofissionais denível médio quetrabalham nasaúde pública.Com apoio daOpas, os livrosdesta série apre-sentam uma vi-são oposta aoentendimentoenraizado no

senso comum de que o traba-lhador de nível médio é aqueleque se executa sem precisar re-fletir sobre suas ações.

Atualmente, a série, que écoordenada pelas pesquisadorasda EPSJV Isabel Brasil e MárciaMorosini e publicada pela Edito-ra Fiocruz, conta com sete volu-mes: administração, hemoterapiavol.1, hemoterapia vol. 2, registrosde saúde, vigilância epidemioló-gica, saúde mental e políticas desaúde.

Sede da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro

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ampanhas televisivas, car-tazes e fumacês são al-guns dos recursos que osgovernos já assumirampara combater o dengue,

um dos principais problemas de saú-de pública do mundo, que atingemais de 100 países em todos os con-tinentes, exceto a Europa. No Brasil,as condições ambientais favoráveisao Aedes aegypti, mosquito transmis-sor da doença, dificultam o seu con-trole. Para o biólogo e entomologistaEduardo Dias Wermelinger, do Labo-ratório de Vetores da Escola Nacio-nal de Saúde Pública Sergio Arouca(Ensp/Fiocruz), “o desafio do contro-le do dengue está na estratégia deatuação”. Ele sugere como novo mo-delo de combate à doença uma açãoconjunta com o Programa de Saúdeda Família (PSF) que enfatize o ma-nejo ambiental. Para comprovar estahipótese, um estudo começou a sertestado no Rio de Janeiro.

Como o A. aegypti se reproduz emqualquer recipiente que armazeneágua, como caixas d’água, calhas detelhado e vasos de plantas, os própriosquintais e moradias são ambientes fa-voráveis à sua proliferação. Assim, ocombate ao mosquito depende doengajamento das comunidades, que

podem tomar medidas simples parainterromper o ciclo reprodutivo dovetor. “A participação popular é fun-damental”, conta Wermelinger. “Oproblema é que, no atual modelo,as campanhas maciças só conse-guem grandes mobilizações quan-do as epidemias já estão instaladase o controle acaba dependendo dautilização de inseticidas”.

Para prevenir a proliferação demosquitos, a melhor estratégia con-siste em eliminar seus locais de re-produção. O pesquisador da Ensppropõe priorizar o manejo ambientalpara reduzir as situações de riscopara o surgimento de criadouros noespaço urbano. “A estratégia é tor-nar o ambiente o mais possível ina-

propriado à proliferação do vetor”, diz.A experimentação do novo mode-

lo está sendo realizada em parceriacom a Rede Brasileira de HabitaçãoSaudável, coordenada pela pesquisa-dora Simone Cynamon Cohen, do De-partamento de Saneamento e SaúdeAmbiental da Ensp. Em um dos projetosimplantados pela Rede, no bairro deAnchieta, no Rio de Janeiro, os agen-tes de saúde já começaram a instruir eincentivar os moradores quanto às for-mas de eliminar os focos de reprodu-ção dos mosquitos. “Historicamente, aocupação das cidades brasileiras foidesordenada e sem planejamento, fa-cilitando a geração de fatores de riscoambientais”, explica Wermelinger.“Agora, precisamos manejar esse am-biente construído para torná-lo inapro-priado à proliferação do vetor”.

O pesquisador espera que após umano de experimentação do novo mo-delo, iniciada em setembro, já seja pos-sível colher resultados e dados empíricosque reforcem a proposta de acoplar omodelo ao PSF. Com foco na preven-ção, este programa foi criado pelo Mi-nistério da Saúde em 1994 paraacompanhar o cotidiano de favelas ecomunidades carentes durante todo oano. Dessa forma, tem uma grande pe-netração na sociedade, característica es-

trategicamente importante para o aces-so aos focos do mosquito e para pro-mover o envolvimento comunitário.Com o novo modelo de combate aodengue, os agentes de saúde do PSF,além de cuidar da saúde dos morado-res, observariam de perto a qualidadedo ambiente em que eles vivem. “Nãoadianta cuidar apenas da saúde da po-pulação se muitos se seus problemastêm origem no ambiente”, alertaWermelinger.

Na implantação do novo modelo,seria necessário capacitar as equipesna vigilância do A. aegypti e no mane-jo ambiental. Os agentes seriam res-ponsáveis por ensinar e estimular osmoradores a eliminar os focos de re-produção do mosquito, reduzindo, as-sim, o uso de inseticidas. Para que aestratégia traga resultados positivos, opesquisador ressalta a importância dotrabalho diário junto às populações: “asexperiências de campanhas temporári-as e veiculadas nos meios de comuni-cação não tiveram a eficácia esperada,mas estudos mostraram que o envolvi-mento popular é mais eficaz quando setem a presença constante de agentespúblicos”. Segundo o entomologista, onovo modelo seria mais compatível comas diferentes realidades urbanas brasi-leiras, além de ajustável ao controlede vários outros vetores, como barbei-ros, roedores e baratas.

Embora necessária, a implantaçãode um novo programa de combate aoA. aegypti pode demorar. “Grandeparte da comunidade científica está emconsenso quanto à ineficiência dosmétodos de controle atuais, mas exis-tem muitas opiniões distintas sobre asestratégias alternativas a seremadotadas”, observa Wermelinger. Ospesquisadores da Ensp estão à procurade parcerias com prefeituras e equipesdo PSF no município do Rio de Janeiro.“Nosso objetivo inicial será demonstrarque é possível diminuir o dengue a ní-veis aceitáveis por meio do manejoambiental e reduzir drasticamente adependência dos inseticidas”.

Um modelo para deter o dengueSaúde da família é testado no controle da doença

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PROMOÇÃO EM SAÚDE

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odos os dias chegam aoshospitais do país criançase adolescentes vítimas deviolência. As situaçõessão delicadas e abran-

gem, além da agressão física, pres-sões psicológicas e dramas queenvolvem toda a família. Diante des-tes quadros, muitos profissionais desaúde têm dúvidas sobre como agir.Para orientá-los neste sentido, foi cri-ado o núcleo de apoio aos profissio-nais que atendem a crianças eadolescentes vítimas de maus-tratos(NAP) no Instituto Fernandes Figuei-ra (IFF), unidade materno-infantil daFiocruz. O grupo é consultado diari-amente pelos diversos setores dohospital e se reúne a cada 15 diaspara trocar informações e discutir amelhor solução para cada caso.

“Este é um espaço de reflexão so-bre os casos que chegam a qualquersetor do hospital. O principal objetivoé superar a desinformação dos profis-sionais sobre o que fazer nos casos deviolência. Todo tipo de violência é im-portante, seja sexual, psicológica, fí-sica ou de negligência e recebe amesma atenção”, explica a médicaRachel Niskier, que faz parte da equi-pe formada por especialistas de diver-sas áreas.

As dúvidas mais freqüentes queo NAP ajuda a solucionar têm a vercom questões sobre como procederdiante de casos delicados, sobre a ne-cessidade de notificação ao ConselhoTutelar ou de encaminhamento ao Ins-tituto Médico Legal (IML) e ainda so-bre como identificar os maus-tratos.

Esta identificação é baseada noGuia de atuação frente a maus-tratosna infância e na adolescência, edita-do pela Fiocruz, pela Sociedade Bra-sileira de Pediatria (SBP) e pelo

Ministério da Justiça, e distribuído pelaSBP. Como sinais que podem ajudar oprofissional a reconhecer os maus-tra-tos, a obra cita relatos incompatíveiscom as lesões, no caso de violênciafísica; marcas que surgem semprequando a criança está com uma mes-ma pessoa, quando há síndrome deMunchausen por procuração (sintomasprovocados de propósito ou simula-dos); lesões genitais ou anais, quan-do há abuso sexual; e aspecto de máhigiene, quando ocorre a negligência.

Os números mostram que o tra-balho de conscientização dentro doIFF tem ajudado aos profissionais areconhecer situações de maus-tratos.Em 2003, foram 25 notificações fei-tas pelo hospital. No ano seguinte, onúmero subiu para 29. Entre as de-mandas mais visíveis, destacam-se oscasos de negligência. Há histórias decrianças fora da escola, de mães quenão seguem o tratamento do filhoadequadamente, ou de crianças que

Para ajudar a sorrirNúcleo vai orientar atendimento a crianças vítimas de maus-tratos

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EDUCAÇÃO

ficam em casa para cuidar dos irmãosmenores. Como muitos pacientes vêmde camadas pobres, é preciso discu-tir o que efetivamente é negligênciae o que é resultado da precariedadede recursos.

Também há casos de abuso sexu-al. Um exame recente identificou rup-tura de hímen em uma menina de 5anos. O agressor, identificado pelamãe, era o próprio irmão. Depois deuma série de entrevistas, o ConselhoTutelar determinou acompanhamen-to psicológico dos irmãos. Após a altada menina, o rapaz continuou a seratendido. O fato reflete uma preocu-pação com todas as pessoas envolvi-das na tragédia. Os casos de violênciatêm como complexidade o envolvimen-to de toda a família, o que pode afetara relação entre os membros e a boaconvivência.

Além da orientação no IFF, a equi-pe oferece ainda cursos para profissi-onais que atendem a crianças eadolescentes vítimas de maus-tratos.Mais de 200 pessoas já passaram pe-los três cursos já realizados. E a de-manda só vem crescendo.

Para Rachel, a notificação é cadavez mais necessária: “muitos profis-sionais têm medo de notificar e de-pois receberem uma retaliação. Masaqui no IFF nunca ouvimos falar denenhum caso do tipo. O Conselho Tu-telar é o nosso maior aliado e deve-mos sempre procurar trabalhar emconjunto com essa instância criadapelo Estatuto da Criança e do Ado-lescente, a lei federal 8.069/90. Noentanto, nosso trabalho não terminacom a notificação. É preciso acom-panhar o desdobramento de cadacaso. Algumas crianças chegam a fi-car mais de dez anos em acompa-nhamento psicológico”.

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Menino com pião,de Cândido Portinari(Acervo Portinari)

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“Peste branca” entre índios“Peste branca” entre índios

Tuberculose

ameaça os suruí

da Amazônia

região amazônica apre-senta um dos maiores co-eficientes de incidência datuberculose no Brasil e apopulação indígena, da

qual cerca de 60% vive na Amazô-nia, é particularmente sensível. Paraestudar o perfil epidemiológico da do-ença – conhecida como “a peste bran-ca “ – entre os índios, o médico PauloBasta esteve entre os suruí, um dosmaiores grupos indígenas de Rondô-nia, entre 2003 e 2005. Os resultadosdo estudo foram apresentados em suatese de doutorado na Escola Nacionalde Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp)e fazem parte de um programa de pes-quisa mais abrangente sobre a situa-ção de saúde dos índios de Rondônia,realizado em conjunto com a Univer-sidade Federal daquele estado (Unir)e financiado com recursos da Funda-ção Ford e do CNPq.

Os índios constituem 0,7% da po-pulação de Rondônia e, em sua maio-ria, vivem em reservas. Seu primeirocontato com o homem branco foi noséculo 18, quando os portugueses che-garam à região sudoeste da Amazônia.Nessa época, a ocupação portuguesa selimitou às margens dos grandes rios. Apartir do começo do século 20, a Ama-zônia começou a receber uma grandeleva de imigrantes trazidos pela explo-ração da borracha e esse isolamento foiquebrado. Naquela época aconteceramos primeiros contatos dos grupos tupi-mondé, dos quais fazem parte os suruí,com a sociedade nacional. Mas foi sóno final da década de 60, com o projetode integração nacional do governo mili-tar, que os Suruí estabeleceram os pri-meiros contatos pacíficos com osindigenistas da Funai. Na época, a pro-ximidade trouxe epidemias – de saram-po, gripe, varíola e tuberculose – quedizimaram cerca de 75% da população.

Até o final dos anos 60, eles vivi-am em grandes malocas, nas quaismoravam em torno de 100 a 200 pes-soas. Atualmente vivem em casas pa-recidas com as de colonos, feitas demadeira, em pequenos grupos famili-ares. É possível que o padrão de habi-tação dos suruí tenha favorecido a

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ENDEMIAS

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Saber que zonas da cidade concentramo maior número de casos de tuberculosepara, então, empregar racionalmente osrecursos de combate à doença. Essa é aidéia defendida pelo estatístico e especia-lista em saúde pública Wayner Vieira deSouza, do Centro de Pesquisa Aggeu Ma-galhães (unidade da Fiocruz em Pernam-buco), em sua tese de doutorado.

O trabalho foi realizado na cidadede Olinda, município da região metro-politana do Recife com alta incidênciade tuberculose. A média anual no perío-do 1996 a 2000, foi de 111 casos por100 mil habitantes – aproximadamenteo dobro da média nacional – com taxasde mortalidade quase três vezes superi-or à média no país, indicando taxas deletalidade em torno de 10%. “Os dadosrefletem a gravidade do problema emOlinda, inclusive quando fazemos com-parações com outras áreas do país, ape-

sar de haver considerável subnotificaçãode casos e mortes por tuberculose emoutras regiões”, ressalva Souza. “Aindahoje observamos importante parcela dosóbitos no interior do Brasil sem atesta-ção médica, ou seja, são mortes de cau-sa desconhecida”.

Na pesquisa foram analisados dadossobre casos de tuberculose em Olinda comtécnicas estatísticas de análise espacial comemprego de Sistemas de Informações Ge-ográficas (SIG). Foi considerada a divisãoda cidade em 299 setores, como no censodemográfico do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE). Foram pro-duzidos mapas da distribuição geográficade tuberculose em Olinda, nos quais é pos-sível visualizar que as regiões centro-sul enoroeste da cidade são as que apresen-tam o maior número de casos. A área nor-te e a faixa litorânea de Olinda não têmum quadro tão grave.

Sistema de vigilância territorial para combater a tuberculoseConstatou-se que os 30 setores com

maior incidência de tuberculose concen-travam 25% dos casos, apesar de abri-garem apenas 9,5% da população deOlinda. Também foi observado que nasáreas com grande número de ocorrênci-as concentravam-se famílias com mais deum caso da doença e os indivíduos queprecisavam tratar novamente a tubercu-lose. O retratamento e a presença demais de um caso da doença em umamesma residência são duas variáveis epi-demiológicas importantes. Essas regi-ões, portanto, constituem áreas de riscopara a tuberculose. “Mapear casos noespaço permite resolver mais de 50% doproblema da tuberculose, concentrandoos esforços em 30% da população. Éuma atitude pró-ativa, uma maneira deenfrentar o problema da tuberculosecom emprego inteligente dos recursos”,diz Souza.

transmissão da tuberculose entre eles– como a doença é transmitida por viaaérea pelas secreções dos doentes,aglomerações predispõem ao contágio.

O risco de adoecimento e morte portuberculose entre os índios de Rondô-nia é dez vezes superior ao da popula-ção geral do estado. “A tuberculose temgrande impacto navida dos suruí, estámuito presente na vidadeles”, diz Paulo Bas-ta. “Desconheço, entreos índios que estudei,um grupo familiar quenão tenha tido ao menos um integran-te doente”. O primeiro passo na pes-quisa foi fazer um levantamento dosregistros históricos da doença disponí-veis para o período de 1975 a 2002.Este levantamento revelou uma inci-dência média de tuberculose de2.518,9 casos para cada 100 mil habi-tantes, um número mais de 40 vezesmaior que a média nacional.

O passo seguinte foi a avaliação clí-nica de todos os índios presentes nasaldeias visitadas. Aqueles que apresen-taram sintomas respiratórios foram sub-metidos aos exames de baciloscopia ecultura de escarro, teste tuberculínicoe radiografia do tórax. Para bacilosco-pia, é coletado escarro do paciente, queem seguida é fixado em uma lâmina

de vidro, corado e examinado ao mi-croscópio óptico. É um teste simples ebarato, mas de sensibilidade baixa, poisé possível que a amostra de escarroanalisada não contenha o bacilo, ape-sar de o paciente estar doente. Já nacultura, o escarro é tratado e centrifu-gado em laboratório. O material obti-

do é posto em um meiode cultura que favoreceo crescimento dos baci-los e vai para a estufa a37o C. Depois de 40 dias,a cultura é analisadapara ver se houve cres-

cimento bacteriano. É um teste maisespecífico e mais sensível. A seguir, asamostras que tiveram resultado positi-vo na cultura de escarro passaram porgenotipagem para mapear a seqüênciados bacilos (exame que determina acepa das bactérias) e teste de sensibili-dade às drogas usadas pelo ProgramaNacional de Controle da Tuberculosefornecido pelo Ministério da Saúde.

O teste tuberculínico indica apenasinfecção e não necessariamente a do-ença. Um derivado protéico purificado(PPD, na sigla em inglês) de tuberculinaé injetado por via intra-dérmica no an-tebraço do paciente. A leitura é realiza-da de 48 a 72 horas após a inoculaçãoe a ausência da reação indica (em con-dições normais) que a pessoa nunca en-

trou em contato com M. tuberculosis.Quando há no local a formação de umalesão semelhante a uma “picada demosquito”, isso mostra que aquele or-ganismo já foi sensibilizado anteriormen-te, seja pela vacina BCG ou pelo contatocom o bacilo.

O tamanho da lesão é importante:lesão com cinco a nove milímetros in-dica vacinação com BCG ou contatoanterior com outras micobactérias am-bientais. Já se a lesão for maior quedez milímetros, o paciente já entrouem contato com o bacilo. “As pesso-as que já adoeceram, mesmo que es-tejam curadas, apresentam essareação. É como se fosse uma ‘cicatrizimunológica”, explica Paulo Basta. Aten-ção especial deve ser dada às pessoasque nunca adoeceram e apresentam le-são de dez milímetros ou mais. “Nessecaso, é feita a quimioprofilaxia, ou seja,o paciente deve ser submetido ao trata-mento preventivo com uma das drogasusadas contra a tuberculose”.

As crianças e as pessoas próximasaos doentes bacilíferos sem sintomatolo-gia também foram submetidos ao testetuberculínico e à avaliação radiológica dotórax. Na tuberculose, o bacilo destrói oparênquima pulmonar. Mesmo depoisque o paciente é medicado e curado, al-gumas vezes, restam cicatrizes que po-dem ser identificadas pelo raio- X.

Tuberculose é40 vezes maior

entre os índios doque a média nacional

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Assim como aconteceu com mui-tos outros grupos indígenas do Brasil, oestilo de vida dos suruí mudou muito apartir do contato com o homem bran-co. Eram seminômades e sua subsis-tência se baseava na horticultura(especialmente de raízes), complemen-tada pela caça, pesca e coleta. Hojesão sedentários. Os recursos naturaisdiminuíram e, como a cidade fica amenos de uma hora de carro, muitosdeles fazemcompras nosupermerca-do. Incluíramna dieta ali-mentos comoarroz, feijão em a c a r r ã o ,além de ou-tros não tãosaudáve i s ,como biscoitosalgadinho erefrigerante.Para tentarminimizar oproblema nutricional dos índios, a Fio-cruz e a Fundação Nacional de Saúde(Funasa) assinaram em setembro umconvênio para a implantação de umsistema de vigilância alimentar em 34distritos sanitários indígenas.

“A situação alimentar geral dosindígenas brasileiros é ruim. Eles con-vivem com a fome de forma maisgrave que nós”, diz a nutricionistaDenise Oliveira. “É a questão da ter-ra que determina a fragilidade. Osíndios perderam terreno para garim-pos, madeireiras. E os problemasambientais gerados por essas ativi-dades agravam a situação”.

Além de formar médicos, enfer-meiros e agentes de saúde por meiode cursos a distância, o sistema devigilância vai coletar dados, freqüen-te e continuamente. Assim, será pos-sível identificar os indivíduos comproblemas e encaminhá-los à aten-ção em saúde.

De olho naalimentaçãodos índios

Ao todo, foram examinados 736indivíduos, dos quais 109 tinham sin-tomas respiratórios. Além dos casosque já haviam sido diagnosticados an-teriormente, seis novos casos de tu-berculose foram descobertos. Oinquérito tuberculíni-co revelou uma pre-valência de infecçãopor M. tuberculosisem 24,1% da popu-lação avaliada. Foramencontradas quatro diferentes cepas dobacilo envolvidas no processo de trans-missão, uma delas resistente às duasprincipais drogas usadas no tratamen-to da doença – rifampicina e isoniazi-da. Esta é a primeira vez que é

notificada resistên-cia bacteriana àsdrogas entre os in-dígenas brasilei-ros. A resistênciaaponta para irre-gularidade no tra-tamento.

Vinte e trêsindivíduos que ha-viam se tratadocontra a tubercu-lose entre 2003 e2004 também ti-veram suas radio-grafias dos pulmões

analisadas. E o resultado foi assustador:em sete deles (cerca de um terço) nãofoi observado nenhum tipo de lesão, oque indica que foram erroneamente di-agnosticados como doentes e fizeram tra-tamento sem necessidade.“Detectamos uma grandeestimativa de casos de tu-berculose, especialmenteentre crianças, devido à di-ficuldade de coleta dematerial para análise noscurumins”, diz Paulo Basta. Isso nãoquer dizer que a doença não seja umproblema grave para os suruí. “É, sim.Mas é lamentável submeter criançasa um tratamento prolongado sem ne-cessidade. O tratamento, com três acinco comprimidos por dia, dura seismeses e tem como possíveis efeitoscolaterais náuseas, vômitos, tonturas,intoxicação hepática, insuficiência re-nal e transtornos neurológicos”.

As conclusões a que Basta chegounão são nada animadoras. “O serviço

não está estruturado para atender àdemanda de povos com característi-cas diferenciadas”, diz ele. “Com isso,o protocolo não é cumprido. Para seter certeza do diagnóstico, a combi-nação de testes é necessária”. Segun-

do Basta, há falha nadetecção dos doentes. Apadronização para os pro-cedimentos diagnósticosnão é seguida e é dadapouca importância para a

confirmação bacteriológica dos casos.Também não há acompanhamento

adequado aos pacientes em tratamen-to e a cobertura dos serviços oferecidosà população é parcial e limitada. Comoconseqüência, surgiu o caso de resistên-cia bacteriana às drogas e a prevalên-cia de infecção por M. tuberculosis éalta entre a população. “A solicitaçãoda cultura, da radiografia do tórax e doteste tuberculínico é imprescindível paraelucidar o diagnóstico em pacientes sus-peitos de tuberculose que tiveram resul-tado negativo no exame direto deescarro”, diz Basta. Segundo ele, tam-bém é importante monitorar a transmis-são da doença nas aldeias para desenharestratégias específicas para o controleda enfermidade. Basta agora se prepa-ra para estender essa abordagem aosíndios xavante, de Mato Grosso.

A tuberculose é um problema prio-ritário de saúde no mundo – ainda hojeé a maior causa de morte por doençainfecciosa em adultos. Segundo estima-tivas da OMS, dois bilhões de pessoas– um terço da população mundial – es-

tão infectadas. De cadadez pessoas infectadas,uma desenvolve a doen-ça. No Brasil estima-seque haja 50 milhões deinfectados, com seis milóbitos por ano. A tuber-

culose tem profundas raízes sociais eestá intimamente ligada à pobreza e àmá distribuição de renda. É transmiti-da pelo doente quando ele fala, espir-ra ou tosse, por meio das gotas desecreção respiratória que se propagampelo ar, levando o bacilo de Koch, ci-entificamente chamado Mycobacte-rium tuberculosis, bactéria causadora dadoença. A enfermidade pode atingir to-dos os órgãos do corpo, mas atinge prin-cipalmente os pulmões, pois entra noorganismo pelo aparelho respiratório.

Bacilo da tuberculoseresistente indica falha

no tratamento

Tuberculoseprovoca seis milmortes por ano

Aldeia suruí em Rondônia

Paul

o Ba

sta

39R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | O U T U B R O D E 2 0 0 5

ais de 300 representan-tes dos servidores da Fun-dação reuniram-se de 13a 16 de setembro no 5ºCongresso Interno da Fio-

cruz para discutir as diretrizes a seremtomadas no cumprimento do compro-misso social assumido pela instituiçãoe consolidar o Plano Quadrienal 2005-2008. O Congresso definiu linhas deação da Fundação que são estratégi-cas para área de saúde pú-blica no Brasil, como a fa-bricação de vacinas emedicamentos, os progra-mas de indução para desen-volvimento de novos insu-mos em saúde e o modelode assistência de referênciaem saúde da instituição.

Para o vice-presidente deDesenvolvimento Institucionale Gestão do Trabalho da Fio-cruz, Paulo Gadelha, o mode-lo de gestão participativa con-figurado pela instituição é umdos componentes centrais dasua capacidade de atender às de-mandas da sociedade e criar umenvolvimento de seus trabalhado-res em torno da dimensão social.“O Congresso Interno é, ao mesmotempo, o resultado das recomenda-ções e deliberações que geraram essemodelo e uma parte integrante da ex-periência de construir a gestão parti-cipativa da Fiocruz”, conta.

Entre os principais temas debatidosno Congresso e que tiveram definiçãoquanto às políticas a serem seguidaspela Fiocruz nos próximos anos estão aconsolidação de uma agenda de prio-ridades em pesquisa, consoante com aagenda nacional de prioridades em pes-quisa do Ministério da Saúde (MS), eo fortalecimento da pesquisa em saú-de, em parceria com universidades ecentros de pesquisa. Deverá serestabelecida, ainda, uma rede de pes-quisas clínicas que envolva a participa-ção de várias unidades da Fiocruz

atuando em diferentes etapas da ca-deia de desenvolvimento tecnológico.

Nos próximos anos, a Fiocruz pre-tende criar mecanismos que facilitema absorção das demandas do SistemaÚnico de Saúde (SUS). Uma das pro-posições surgidas é o incentivo ao de-senvolvimento de biofármacos, consi-derado uma área estratégica. Ofomento ao desenvolvimento de fito-terápicos, por exemplo, incluirá a for-

mação de um banco degermoplasma paraplantas medicinais e aconstituição de umacoleção de extratos ve-getais de referência.

Quanto à assistência farmacêutica,será reforçada a política da Fiocruz deapoiar as iniciativas oficiais do MS nabusca da redução dos preços de medi-camentos e da ampliação do acessoda população. Estão planejadas, ain-da, a ampliação e a diversificação daprodução de vacinas, sobretudo asvirais, que são estratégicas para o SUS.

Modelo paranovas iniciativas

As práticas de gestão participati-va assumidas pela Fiocruz acompa-nham as questões em torno das políti-cas de organização do Estado no quediz respeito às formas de participaçãoe flexibilização que estão embutidasna gestão pública. “Ao analisar a evo-lução dos vários congressos, percebe-mos que há uma atualização temáticadas conjunturas vivenciadas”, contaGadelha. O primeiro deles, realizadoem 1988, foi marcado pela rupturacom o período autoritário. A partir des-se momento, o modelo procuroureconstituir os mecanismos formais deorganização participativa.

Assim, as temáticas colocadas nosCongressos Internos acompanham des-de a construção das grandes diretrizesda Fiocruz, que incluem as áreas depesquisa, ensino, desenvolvimento,gestão, comunicação e informação,até as demandas que a sociedade co-loca pro país no campo da saúde pú-blica e da ciência e tecnologia. Comoresultado, outras instituições têm pro-curado a Fiocruz para avaliar formasde adaptar essa experiência às suasrealidades. “Isso demonstra o proces-so vivido pela Fundação pode servir demodelo para outros órgãos do gover-no”, ressalta o vice-presidente. “O Es-tado precisa encontrar formas de in-tegrar, no processo cotidiano dagestão do setor público, formasorganizativas e participativas que ga-rantam uma maior articulação en-tre as atividades internas e exter-nas das instituições”.

Congresso Interno definemetas da Fiocruz até 2008

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GESTÃO PÚBLICA

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m março de 1986, mais decinco mil representantes dasociedade civil brasileira sereuniram em Brasília paradiscutir os rumos da saúde

pública na 8ª Conferência Nacional deSaúde depois de anos de impedimen-to da participação popular pela dita-dura. Fiocruz, década de 1980: acriação de novos departamentos depesquisa e de novas unidades, a rein-tegração de cientistas cassados pelogolpe militar e a reorientação da asso-ciação de funcionários para umaatuação mais participativa revitaliza-ram a Fundação e lançam as bases paraum modelo de gestão único na áreapública. Ainda os anos 80: em meioao surgimento da Aids e da explosãode casos de doenças transmissíveis portransfusão sangüínea, uma intensamobilização da sociedade acompanha-da depois por lei que proibiu o comér-cio do sangue salvou a vida de milharesde pessoas que dependem de transfu-sões. 1988: o capítulo que trata daquestão da saúde pública no Brasil naConstituição brasileira colocou o paísentre aquelas nações que têm umalegislação mais avançada em termosde benefícios sociais para a população.

Por trás dessa verdadeira mobiliza-ção no campo social iniciada nos anosde 80 e 90 houve um nome que foium verdadeiro “dínamo” do movimen-to da reforma sanitária no Brasil, omédico sanitarista Sergio Arouca, fa-

Sergio Arouca na redeBiblioteca virtual reúne obra de expoente da saúde pública

Se no universo da internet a vidade Sergio Arouca já se faz presente,no histórico campus da Fiocruz emManguinhos não é diferente. No se-gundo ano da morte do sanitarista, aFundação inaugurou uma estátua deArouca na sua sede no Rio de Janeiro.Estrategicamente posicionada na fren-te do Castelo Mourisco e ao lado dos

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Estátua no Castelo de Manguinhosbustos de Oswaldo Cruz e Carlos Cha-gas, a estátua de Arouca foi concebi-da pelo artista plástico Otto Dumovich,autor das homenagens a dois outrosilustres da cultura nacional, os compo-sitores Pixinguinha e Braguinha. O pro-jeto contou com a colaboração doDepartamento de Patrimônio Históricoda Casa de Oswaldo Cruz.

INFORMAÇÃO

41R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | O U T U B R O D E 2 0 0 5

ois pesquisadores daCasa de Oswaldo Cruz(COC), unidade da Fio-cruz, foram os responsá-veis pelo lançamento, em

setembro, da Biblioteca Virtual Adol-pho Lutz. O objetivo é dar continuida-de à recuperação da memória docientista, considerado o mais versátil ecompleto do país . Lutz, que obteve des-taque em todas as áreas em que atuou– entre outras, parasitologia, veteriná-ria, zoologia médica, bacteriologia, der-matologia e botânica –, tem agora suavida e trajetória acessíveis a qualquerinteressado, via internet. Os historia-dores Jaime Benchimol e Magali Ro-mero Sá, também coordenadores doprojeto que vem publicando a Obracompleta de Lutz, pela Editora Fiocruz,estão à frente da biblioteca virtual, umaparceria da qual também fazem parte oMuseu Nacional e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informaçãoem Ciências da Saúde (Bireme).

Simples e funcional, a BV Lutz com-preende cinco segmentos (Trajetória,Obra científica, Correspondência, SobreLutz e Imagem e som) e cada um temuma caixa para buscas exclusivamenteem seu âmbito. Ao se entrar na BV, nota-se logo as Fontes de informação (dividi-da em Coleção Adolpho Lutz, Fontes deinformação em saúde e Sobre a BVS) eÁreas temáticas. Esta última reúne tra-balhos do pesquisador sobre todas asenfermidades a respeito das quais pro-duziu trabalhos (hanseníase, febreamarela, difteria, meningite e pestebubônica, entre muitas outras). Os des-taques do mês de setembro do site co-mentam o segundo lugar obtido pelaObra completa no Prêmio Jabuti desteano, concedido pela Câmara Brasileirado Livro (CBL) e um depoimento emáudio da pesquisadora Bertha Luz, fi-lha do homenageado.

A longo prazo, a Biblioteca VirtualAdolpho Lutz terá o mesmo conteúdodos livros e disponibilizará outros con-teúdos, como a correspondência do ci-entista. Além disso, no segmentointitulado Sobre Lutz serão apresenta-dos os trabalhos que foram escritos so-

bre o pesquisador; a trajetória do cien-tista; outras gravações; trechos de fil-mes e outros materiais.

A BV Lutz é um desdobramento doprojeto Adolpho Lutz e a história da me-dicina tropical no Brasil, da COC. O pro-jeto tem o apoio de instituições como oMuseu Nacional da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ), o InstitutoAdolfo Lutz (de São Paulo), o ConselhoNacional de Desenvolvimento Científi-co e Tecnológico (CNPq) e a Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado do Riode Janeiro (Faperj). Alguns deputadosfederais da bancada fluminense, comoJandira Feghali (PCdoB), FernandoGabeira (PV), Alexandre Cardoso (PSB),Miro Teixeira (PT), Jorge Bittar (PT) e Dou-tor Rosinha (PT-PR) têm ajudado aviabilizar o projeto. Outras metas deBenchimol e Magali são a organizaçãode uma exposição e a produção de umdocumentário sobre o cientista. Nospróximos meses o objetivo dos historia-dores é completar segmentos da BV, in-cluindo aquele destinado a crianças,jovens (Galera Teen) e professores dehistória, biologia e disciplinas afins.

Para Benchimol, “a Biblioteca Virtu-al é uma chance de veicular os trabalhosoriginais de Lutz, que não são propria-mente obras acabadas, publicáveis, masque têm grande interesse do ponto devista histórico”. Como exemplo, ele citaas provas de Lutz na Faculdade de Medici-na, quando se qualificou como médico.

Magali e Benchimol afirmam queLutz foi um dos maiores cientistas queo Brasil já teve, pela amplitude de seustrabalhos, pela quantidade de realiza-ções importantes que alcançou e pelopioneirismo em diversas áreas da ciên-cia. O material sobre Lutz foi encontra-do no Laboratório de Bertha Lutz, filhado cientista, que trabalhou no MuseuNacional e também na Fiocruz, comoassistente do pai. Após a morte deBertha, o material permaneceu no Mu-seu e foi encontrado abandonado emseu laboratório, como afirma Magali.A partir daí, foi firmado um convêniocom o Museu para o tratamento domaterial. “Foram quase cinco anos detrabalho”, diz Magali.

Adolpho Lutz também na internetBiblioteca virtual é mais um espaço sobre obra do cientista

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lecido em 2003. Pois a trajetória desteque foi um dos protagonistas da histó-ria recente do país quando o assunto ésaúde pública acaba de ganhar umespaço especial na rede mundial decomputadores, a Biblioteca Virtual Ser-gio Arouca, no endereço http://bvsarouca.cict.fiocruz.br/.

Sanitarista, professor, parlamentar,presidente da Fiocruz e ocupante devários cargos no Executivo, Aroucabuscou vincular-se sempre com as pro-postas de democratização da socieda-de brasileira na defesa de que todocidadão tenha direito à saúde. Saúdenão só como assistência médica nomomento adequado e com a qualida-de necessária, mas também como umasérie de condições para que a popula-ção não adoeça - reforma agrária, edu-cação, lazer, liberdade, condições dehabitação dignas, transporte.

Desenvolvida em parceria pelo Cen-tro de Informação Científica e Tecnoló-gica (Cict), com a Biblioteca da EscolaNacional de Saúde Pública, e a Coor-denadoria de Comunicação Social daFiocruz, a biblioteca virtual pretenderecuperar e preservar importantes capí-tulos da memória da saúde pública bra-sileira ao acompanhar a vida de Arouca.

A BV Arouca conta com base dedados com textos completos ou indica alocalização de documentos originais, trazum ensaio biográfico e organizou emacervo multimídia com imagens, vídeose arquivos sonoros. No ensaio biográfi-co, a trajetória de Arouca é dividida pelasua atuação na área política – comoparlamentar ou vinculado a partidos deesquerda – e como sanitarista – profes-sor, presidente da Fiocruz e em cargosnas três esferas de governo e militantedo movimento da reforma sanitária.

Entre outros importantes documen-tos, a BV Arouca traz o original da tesede doutorado de Arouca, O dilema pre-ventivista, de 1975, considerada mar-co que dá início à teoria social damedicina no Brasil. Há também maté-rias publicadas na imprensa sobre omédico sanitarista e depoimentos deintelectuais e representantes da áreade saúde e de ciência e tecnologia.Entre os quais o do jornalista EdmilsonSilva, que diz que “a cadeira de Aroucana Academia dos Amantes do Povo doBrasil, lamentemos, dificilmente seráocupada por alguém à altura dele”.

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riginalmente uma disserta-ção de mestrado, o livro “Aopersistirem os sintomas omédico deverá ser consulta-do”. Isto é regulação?, do

jornalista Álvaro Nascimento, aborda umtema pouco discutido no país: a regula-ção de medicamentos. Nascimento diz queo modelo regulatório da propaganda deremédios no Brasil é fraco, o que podelevar a danos à saúde pública. Com a chan-cela da Sociedade Brasileira de Vigilânciade Medicamentos (Sobravime) e do Insti-tuto de Medicina Social da UniversidadeEstadual do Rio de Janeiro (Uerj) a obrademonstra a urgência de um esforço re-gulatório mais rígido e abrangente, quecontribua para a diminuição do usoincorreto de medicamentos, a redução doscasos de reações adversas e dos índices deintoxicação humana provocadas por pro-dutos farmacêuticos, elevando o nível deinformação e consciência da população so-bre a questão e evitando o contínuo cres-cimento de agravos à saúde.

Para o autor, a propaganda de medica-mentos feita no Brasil está em contradiçãocom a Política Nacional de Medicamentos,de acordo com a qual o uso de produtosfarmacêuticos deve ser feito de forma ra-cional, ética e correta. A portaria preconi-za um maior “controle da propaganda dosmedicamentos de venda livre”. Nascimen-to diz que podem ser listadas pelo menostrês características negativas do atual mo-delo regulatório: 1ª) a atual regulação éfeita a posteriori, isto é, a Anvisa atua apósa veiculação da peça publicitária; 2ª) asmultas efetivamente arrecadadas pelaAnvisa, quando ocorrem as irregularida-des, têm valor irrisório frente ao total degastos com propaganda realizados nosetor; 3ª) ao estampar a frase “AO PERSIS-TIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVE-RÁ SER CONSULTADO” ao final de cadapropaganda, a pretendida regulação naverdade estimula o consumo incorreto eabusivo de medicamentos, quando cabe-ria ao Estado cumprir a tarefa oposta, deacordo com o preconizado pela PolíticaNacional de Medicamentos, educando apopulação no sentido de “ANTES DE

Livro analisa regulação epublicidade de medicamentos

CONSUMIR QUALQUER MEDICAMENTO,CONSULTAR UM MÉDICO”.

Seja em relação à magnitude das irre-gularidades (100% do universo das 100peças publicitárias analisadas apresenta-ram pelo menos uma infração), seja emrelação à baixa eficácia das ações regula-tórias (poucos são os anúncios retiradosdo ar e ínfimos os valores das multas apli-cadas), o problema não está em apenaster um maior rigor na esfera da fiscaliza-ção. Mesmo que a Anvisa multiplicasse asua atuação, as propagandas irregularescontinuariam a ser reprimidas a posteriori,as multas continuariam a ser de um valorirrisório, seus custos continuariam sendorepassados aos preços dos medicamen-tos (e pagos pelo consumidor) e a adver-tência colocada a cada final de propagandapermaneceria estimulando o uso incorretode medicamentos, sem a devida prescri-ção. Pode-se afirmar, portanto, que o atualmodelo regulatório da propaganda demedicamentos, na ótica do que significa-ria um “risco sanitário” para a população,apresenta uma substantiva fragilidade. As-sim, a principal conclusão do livro é a ne-cessidade de se estabelecer novos e maisrigorosos mecanismos de controle públi-co da propaganda de medicamentos.

A totalidade das 100 peças publici-tárias analisadas no livro infringe a atuallegislação e a análise do conteúdo dasmensagens de texto e das imagens dagrande maioria delas mostra uma tendên-cia de superestimar as qualidades dosprodutos anunciados e omitir os aspec-tos negativos. Os anúncios enaltecem ascaracterísticas favoráveis, muitas vezesatribuindo uma onipotência duvidosa euma posição central na terapêutica, semapresentar uma sustentação com base emdados científicos. Por outro lado, a au-sência de contra-indicações reflete oquanto as informações sobre riscos, efei-tos adversos, advertências e precauçõessão negadas ao consumidor. Não é exa-gero concluir que, do ponto de vista pu-blicitário, veicular informações sobreriscos e possíveis agravos é visto, pelomarketing medicamentoso, como umacontrapropaganda do produto.

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RESENHAS

“Ao persistirem os sintomaso médico deverá ser con-

sultado.” Isto é regulação?

Álvaro NascimentoEnsp (21) 2598-2525

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As pestes do século XX –tuberculose e Aids no Brasil,uma história comparadaDilene Raimundo do NascimentoEditora Fiocruz (21) 3882-9093

Traçar um histórico das duas doenças mais temi-das do último século levando em consideração as representa-ções simbólicas que elas geraram na sociedade brasileira foi oobjetivo da pesquisa de doutorado em história feita pela médi-ca Dilene Raimundo do Nascimento. Sua tese, publicada pelaEditora Fiocruz, aposta não em uma história das pestes sob oponto de vista da conceituação biológica, mas no acompanha-mento das representações construídas sobre a tuberculose e aAids como estratégia para entender como as duas foram carac-terizadas e enfrentadas pela sociedade e pelo Estado. O estudotraça analogias entre as duas primeiras e as duas últimas déca-das do século 20 e os surtos das principais doenças relaciona-das a cada época, tuberculose e Aids, respectivamente.

Para compreender a pobreza no BrasilVictor Valla, Eduardo Stotze Eveline Bertino (organizadores)Editora Contraponto e Ensp (21) 2598-2525

Este é o primeiro título da coleção Aacademia e a rua, da Escola Nacional deSaúde Pública Sergio Arouca (Ensp) e da

Editora Contraponto. Escrito em linguagem defácil compreensão, é destinado a professores da educaçãobásica, profissionais de saúde, técnicos de organizaçõesnão-governamentais e profissionais que atuam compolítica social. Os artigos selecionados – escritos a partir demonografias de especialização, dissertações de mestrado,teses de doutorado e relatórios de pesquisa – são adapta-dos para linguagem coloquial para que a publicaçãoalcance seu objetivo: atingir o grande público interessadoem estudos sobre formulação e implementação de políticassociais no Brasil contemporâneo.

Análise de sobrevida –Teoria e aplicações em saúdeMarilia Sá Carvalho, Valeska Lima,Cláudia Torres, Maria Tereza Serranoe Silvia Emiko (organizadores)Editora Fiocruz (21) 3882-9093

Fruto de um projeto de pesquisa e ser-vindo ao objetivo de manter na Fiocruz uma po-

lítica institucional que estimule a publicação de livrosdidáticos, Análise de sobrevida – Teoria e aplicações em saú-de discorre sobre um dos tópicos mais utilizados em pesqui-sa em saúde na área da epidemiologia, e que tem como baseuma ciência na maioria das vezes pouco familiar aos pesqui-sadores do setor: a matemática. Assim, o ensino da epidemi-ologia necessita de publicações que consigam construir umaponte entre esses dois universos, o da estatística e o da saú-de. De fácil leitura, o livro, que tem cinco autoras e seis cola-boradores, tem como um de seus pontos fortes o empregodo software livre R na análise de dados.

Avaliação em saúde – dos modelosteóricos à prática na avaliação deprogramas e sistemas de saúdeZulmira Hartz eLigia Maria Vieira da Silva (organizadoras)Editora Fiocruz (21) 3882-9093

O livro, com uma apresentação didática,aborda desde os aspectos conceituais e

teóricos até a análise de situações concretas dos programase sistemas de saúde de dois países: Brasil e Canadá. Oobjetivo é discutir e alcançar avanços nas práticas e estratégi-as em geral definidas como avaliação em saúde, lembrandoas oportunidades criadas no Brasil pela Reforma Sanitária.As autoras pretendem contribuir para a construção desistemas de saúde capacitados a enfrentar questões como aqualidade e a eficiência e que sejam pautados pelosprincípios de igualdade e justiça social. Os capítulos sãoescritos por 16 autores, brasileiros e canadenses.

Memória da poliomielite -Acervo de depoimentos oraisDilene Nascimento (organizadora)COC (21) 2260-7946

O catálogo é fruto do projeto A históriada poliomielite e de sua erradicação no

Brasil, constituído por pesquisadores da Casa deOswaldo Cruz, da Escola Nacional de Saúde Pública SergioArouca e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O livroreúne 31 depoimentos de profissionais que tiveram suas carrei-ras e trajetórias ligadas, de alguma forma, ao estudo da doença– felizmente erradicada do país há 16 anos. Os depoimentosajudam a compreender a poliomielite como fenômeno social ecomo a sociedade e os governos encararam a doença atravésdas décadas – as primeiras evidências de surtos da enfermidadeocorreram no início do século 20, entre 1909 e 1911, no Rio deJaneiro. Mas as grandes epidemias de pólio ocorreram em 1930e, sobretudo, a partir dos anos 50.

Aves marinhas na Bacia de CamposJorge Bruno NacinovicEnsp (21) 2598-2525

Embora a Bacia de Campos – área sedi-mentar que se estende do Espírito Santoao norte do Rio de Janeiro – seja rica emespécies de aves marinhas, a região

ainda não havia sido objeto de trabalho demuitos ornitólogos e observadores de aves. Para despertar

o interesse desses profissionais, o guia Aves marinhas naBacia de Campos apresenta as 12 espécies de aves maiscomuns na região e curiosidades acerca das condições emque foram encontradas pelos pesquisadores. Cada descriçãoé acompanhada de ilustrações que facilitam a identificaçãodas espécies. O guia faz parte das atividades do Projeto deMonitoramento de Aves e Mamíferos Marinhos da Bacia deCampos, uma parceria da Escola Nacional de Saúde PúblicaSergio Arouca com o Cenpes da Petrobras.

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á 25 anos, mais precisa-mente em 8 de maio de1980, a Organização Mun-dial de Saúde declaravaerradicada uma das piores,

mais cruéis e catastróficas moléstiasjá existentes. Tratava-se da varíola, do-ença infecto-contagiosa exclusiva dohomem, causada por um vírus chama-do Orthopoxvirus variolae. Para que setenha uma idéia de sua magnitude,só durante os 80 anos em que esteveativa, no século passado, a varíolamatou mais de 300 milhões de indiví-duos. Esse número é bem superior aode outras moléstias, como a tubercu-lose, a hanseníase, a gripe espanho-la, a peste e até mesmo a Aids. Nemmesmo a soma do número de mortosde todas as guerras (inclusive as mun-diais), superaria o de vítimas da varío-la. Trata-se, portanto, certamente dadoença infecciosa que mais causoumortes na história da Humanidade (e

Em 1965, a OMS se reorganizou e lan-çou nova campanha em 1967.

Havia dois tipos de varíola: a varí-ola major, tipo mais radical da doençacom 30% de letalidade; e a varíolaminor, também conhecida como alas-trim, tipo mais brando, com menos de1% de letalidade. No Brasil, desde adécada de 30 a varíola major não atin-gia mais a população. Para o epidemi-ologista Eduardo Costa, o desapareci-mento da major se devia à prática deimunização (ainda à maneira jenneri-ana) constante, a contenção e vacina-ção imediatas em locais de surto decasos graves e à menor importânciaque se dava ao alastrim.

Apesar do desaparecimento davaríola major, a imunização no Brasilera bem deficiente até a campanha deerradicação da OMS. Segundo Costa,isso ocorria porque a vacina só manti-nha-se ativa em temperaturas baixas,fato que obrigava o uso de geladeiras,

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FIO DA HISTÓRIA

muito provavelmente mais que qual-quer outra causa, como guerras, aci-dentes etc).

A varíola foi extinta graças a umasérie de programas, medidas e açõescombinadas empreendidas, após 1967,pela OMS em diversos países e regi-ões do planeta. No Brasil, coube à Fio-cruz o papel fundamental no enfrenta-mento da doença. Ao receber umasérie de materiais novos, epidemiolo-gistas (como Eduardo Costa), virologis-tas (como Hermann Schatzmayr, am-bos ainda hoje na Fundação) e outrosestudiosos foram capazes não só deeliminar a varíola do território nacio-nal, como a ajudar outros países, so-bretudo na África e na Ásia, a tam-bém se livrar de um dos maiores pesa-delos da história.

Na verdade, a primeira campanhade erradicação da varíola pela OMScomeçou em 1959. A empreitada nãofoi bem-sucedida por falta de vacinas.

Os últimos dias da varíola

No laboratório produtor da vacina antivariólica, na década de 50, os técnicos colhiam material de bovinos para preparar o imunizante

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“Os últimos 19 casos aconteceramaqui no Rio de Janeiro, na Vila Cru-zeiro, bairro da Penha, em abril de1971”, recorda-se Schatzmayr. Seu la-boratório de diagnóstico continuou afuncionar até 1977 e analisou aindaalgumas amostras suspeitas entre osanos de 1974 e 1975, mas a doençajá não mais existia. Também, segun-do Costa, o episódio da varíola serviupara inspirar outras campanhas de imu-nização, como a que eliminou a poli-omielite do Brasil.

Vários pesquisadores da Fiocruzforam então convocados para ajudar aOMS em outras frentes pelo mundo,na Índia, Somália e Etiópia. A produ-ção de vacinas contra a varíola supe-rou as 250 milhões de doses e a Fio-cruz passou a exportá-la para outrospaíses. “E em geral, nossos imunizan-tes eram considerados superiores aosestrangeiros”, afirma Schatzmayr.

Em 26 de outubro de 1977 regis-trou-se na Somália o último caso devaríola transmitida naturalmente. Issoporque em 11 de agosto de 1978 maisum caso seria registrado, curiosamen-te em Londres – na Europa a varíola jáse encontrava erradicada há décadas.Uma fotógrafa que trabalhava no mes-mo corredor onde se manipulava o ví-rus da varíola veio a contrair a doençaatravés de tubos de ventilação e mor-reu. Este fato levou a OMS a solicitar atodos os laboratórios do mundo que des-truíssem as amostras de varíola queainda tinham. Em 1983, nenhum la-boratório do mundo tinha vírus de varí-ola, com exceção de um em Atlanta,nos EUA, e outro em Koltsovo, naRússia. Em maio de 1980, após nume-rosas certificações, a OMS declarava avaríola oficialmente extinta.

Atualmente a Fiocruz, por solicita-ção do Ministério da Saúde, estuda acriação de um Centro de Referênciade Poxvirus, família à qual pertence ovírus da varíola, no Laboratório deUltra-estrutura Viral do Departamentode Virologia do IOC. “A intenção é di-agnosticar casos suspeitos de infecçãopelo grupo e manter programas depesquisa sobre o grupo, lembrando queo vírus vacinal (vaccinia, causador davaríola bovina), parente do da varíola,está circulando no Sudeste do país,causando infecções animais e huma-nas”, afirma Schatzmayr.

o que era difícil nos anos 50 e 60. “Ima-gine ter que transportar a vacina paraos cantões deste país, nas regiões Nor-te, Nordeste e Centro-Oeste”, lembraCosta. Além disso, a aplicação da va-cina ainda era um pouco complicada:“com uma agulha, contendo a vacinana ponta, arranhávamos levemente oombro do indivíduo a ser imunizado.Esse processo denominava-se multi-pressão”, completa.

A revolução contra a varíola co-meçou graças a duas invenções. Pri-meiramente, a descoberta, por partede cientistas da antiga União Soviéti-ca, de um processo de liofilização davacina, ou seja, da secagem e drena-gem do imunizante, o que possibilita-va o seu transporte sem a necessida-de dos refrigeradores. “Bastava diluira vacina liofilizada, e aplicá-la nahora”, recorda Costa. A segunda in-venção foi o advento da agulha bifur-cada, em forma de um pequeno gar-fo (com duas pontas, em vez de uma,como as agulhas anteriores). “Por pres-são hidrostática, uma pequenina gotaficava na agulha, facilitando sua apli-cação”, diz Costa.

Em 1967, seguindo a determina-ção da OMS, a Fiocruz começou a pre-parar-se para a erradicação da varíola.Em um primeiro momento, organizou-se em três frentes de trabalho: a pri-meira, responsável pelo diagnóstico emlaboratório dos casos suspeitos; a se-gunda, formada por epidemiologistas,que investigavam surtos, ocorrências ea distribuição da doença; a terceira,encarregada da fabricação da vacina.“O grupo que formamos foi treinadopela Opas em 1968, em São Paulo, edurou até a erradicação no Brasil, emmeados de 1977”, lembra o virologis-ta Schatzmayr.

Ao final dos anos 60, o grupo seriaajudado ainda mais por novos materi-ais enviados pela OMS. Dentre estes,o mais importante aliado foram as pis-tolas de pressão. “As pistolas foramrevolucionárias, podíamos realizar va-cinações em massa. O que levávamosdias para realizar com as agulhas, ago-ra, com as pistolas, resolvíamos emhoras”, completa Schatzmayr, cujo la-boratório tornou-se referência.

A campanha foi tão bem-sucedi-da no Brasil que no início dos anos 70a varíola já estava erradicada no país.

O que era a varíolaA varíola era uma doença in-

fecciosa grave e exclusiva do ho-mem. A transmissão ocorria depessoa para pessoa por meio dasvias respiratórias. Uma vez den-tro do organismo, o vírus da varí-ola permanecia incubado de setea 17 dias. A seguir, ele se esta-belecia na garganta e nas fossasnasais e causava febre alta, mal-estar, dor de cabeça, dor nas cos-tas e abatimento. Este estado per-manecia de dois a cinco dias.

Finalmente, a enfermidadeassumia sua forma mais violen-ta: a febre baixava e começavama aparecer erupções avermelha-das, que se manifestavam nagarganta, boca, rosto e depois seespalhavam pelo corpo. Isso ocor-re, porque o O. variolae parasitaas células do tecido epitelial parase reproduzir. Com o tempo, aserupções evoluíam e se transfor-mavam em pústulas (pequenasbolhas cheias de pus), que pro-vocavam coceira intensa e dor –era nesse estágio que o risco decegueira era maior, pois, ao to-car o olho, o enfermo podia cau-sar uma inflamação grave.

Não existia tratamento efeti-vo contra a varíola. O máximoque se podia fazer era tentaramenizar ao máximo a coceira ea dor causadas pela doença eesperar que o organismo reagis-se e vencesse o vírus. A sobrevi-vência do doente dependia daforma de varíola que ele adqui-ria: a major (com 30% de letali-dade) ou a minor (com menos de1% de letalidade), mais comum(também existiam manifestaçõesmais raras da doença, como a he-morrágica e a maligna). Com otempo, as pústulas secavam etransformavam-se em crostas,que se desprendiam ao final detrês ou quatro semanas. Caso oenfermo tivesse adquirido a for-ma major, essas crostas costuma-vam deixar cicatrizes permanen-tes na pele.

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assistência farmacêuticaestá entre as prioridades doGoverno, desde a posse dopresidente Luiz Inácio Lulada Silva. O objetivo central

do programa de governo para essa área éa ampliação do acesso aos medicamen-tos, insumo essencial para a execução ade-quada das ações de saúde.

Ao longo desses 30 meses de gover-no, avançamos muito. Nos 30 meses deseu governo algumas dessas medidas me-recem destaque, como a inclusão da áreade fármacos e medicamentos como umadas quatro prioridades da política industri-al, a aquisição da fábrica da GSK para am-pliação de Farmanguinhos, o lançamentodo Programa Farmácia Popular e a parceriafirmada com o Governo de Cuba para in-corporação de tecnologia para a produçãode biofármacos em Biomanguinhos. É pre-ciso ressaltar, também, que fizemos inves-timentos de cerca de R$ 180 milhões naampliação da capacidade produtiva dosLaboratórios Oficiais e a duplicação dosrecursos aplicados no financiamento fede-ral da assistência farmacêutica, cerca de R$4,15 bilhões para 2006.

Dar continuidade àquilo que já foi feitoé essencial. Porém, há ainda inúmeros desa-fios a serem enfrentados para consolidar osavanços e conseguir realizar ainda mais. E éexatamente isto que pretendo fazer na mi-nha gestão. A assistência farmacêutica é evai continuar sendo uma das grandes prio-ridades do Ministério da Saúde.

ARTIGO

Ampliação do acessoa medicamentos:um desafio a enfrentar

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Em pesquisa recente, o Ministério daSaúde constatou que quase a metade daspessoas entrevistadas indica a falta demedicamentos como um dos grandes pro-blemas do Sistema Único de Saúde. Estaavaliação da população nos impõe a obri-gação de encontrar novas formas para seenfrentar velhos problemas e adotar me-didas que tenham impacto efetivo no sis-tema, fazendo com que os investimentoscrescentes sejam traduzidos na disponibi-lidade de medicamentos nos serviços.

Uma das inovações que pretendemosimplantar é na área de aquisição e distri-buição de medicamentos. Ao longo do pe-ríodo de construção do SUS, o Ministérioda Saúde assumiu inúmeras responsabili-dades no campo da política de medicamen-tos, se envolvendo de forma direta empraticamente todas as ações voltadas aodesenvolvimento da assistência farmacêu-tica. Ainda que de forma articulada, em par-ceria com os estados e municípios, é nonível federal que são realizadas atividadesde seleção, programação, aquisição e dis-tribuição de medicamentos para pratica-mente todo o leque de problemas de saúde.

Entretanto, muitas das atividades queestão sendo desempenhadas de formacentralizada no Ministério da Saúde po-dem e devem ser desenvolvidas por esta-dos e municípios, principalmente no quese refere à atenção básica de saúde.

Nesse contexto, fica prejudicada apossibilidade de uma atuação mais efetivana articulação e elaboração das políticassetoriais relevantes para a política de as-sistência farmacêutica, como é o caso daciência e tecnologia, do desenvolvimentoindustrial, além da formação de recursoshumanos.

Por isso, o Ministério da Saúde vai inici-ar, muito em breve, o processo de descen-tralização de atividades de programação,aquisição e distribuição de medicamentosda atenção básica aos estados e municípios.Para tanto, manterá o financiamento estra-tégico e o suporte técnico e operacional

naquilo que os outros entes federados en-tenderem como necessário.

A realização do primeiro Registro Na-cional de Preços para os medicamentosdo Programa de Medicamentos de Dis-pensação em Caráter Excepcional propor-cionará condições aos estados paraadquirirem os medicamentos a preços depreços de escala, pois absorverá em umúnico processo licitatório os quantitati-vos consumidos nos estados.

Estará aberta a possibilidade de umprocesso racional e efetivo do programa,que deve consumir cerca de 36% dos re-cursos da assistência farmacêutica do Mi-nistério da Saúde em 2006, ou seja, cercade R$ 1,25 bilhão.

O lançamento da Rede Brasileira deProdução Pública de Medicamentos permi-tirá uma atuação coordenada dos Labora-tórios Farmacêuticos Oficiais, tornando-osmais efetivos na construção da política na-cional de assistência farmacêutica. Entre aspotencialidades da Rede, destacam-se apossibilidade de distribuição estratégica daprodução, processos mais racionais de aqui-sição de matérias primas e insumos, de-senvolvimento de processos e produtos deforma compartilhada, bem como o estabe-lecimento de programas conjuntos de ca-pacitação de pessoas e de desenvolvimentotecnológico.

Por fim, temos o desafio de levar osestabelecimentos do Programa FarmáciaPopular para todos os estabelecimentosfarmacêuticos privados, no sentido de ofe-recer aos cidadãos brasileiros a oportuni-dade de adquirir os medicamentos acustos subvencionados pelo Governo,num programa onde o cidadão pague umaparte pequena do preço dos seus medica-mentos e o Governo o restante.

Essas medidas servirão para atenderao firme propósito de garantir que os bra-sileiros que ainda têm dificuldades na aqui-sição de medicamentos encontrem opçõesmais dignas com ações e programas doMinistério da Saúde.

Saraiva Felipe, ministro da Saúde

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O Pavilhão Mourisco, como é mais conhecidoo prédio central da Fiocruz, começou a ser construídoem 1905, pelo arquiteto português Luiz Moraes Júnior,com base em desenhos do próprio Oswaldo Cruz.

O ensaio do fotógrafo André Az marca umaimportante data deste que é um dos símbolosda ciência e da saúde pública brasileiras.

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