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1 REVISTA DE MANGUINHOS | MAIO DE 2016

REVISTA DE MANGUINHOS | MAIO DE 2016 · REVISTA DE MANGUINHOS | MAIO DE 2016 3 sta edição da Revista de Manguinhos apresenta os es- forços da Fiocruz no enfrentamento à emergência

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sta edição da Revista de Manguinhos apresenta os es-

forços da Fiocruz no enfrentamento à emergência sani-

tária relacionada à tríplice epidemia (dengue, chikungunya

e zika). A instituição está engajada nesta campanha des-

de antes de o assunto ganhar grande destaque nas páginas dos jor-

nais e nos noticiários das emissoras de TV. Pesquisadores e dirigentes

que atuam na área têm dedicado horas de esforço e trabalho para

entender e enfrentar a emergência e dar as respostas que a popula-

ção brasileira necessita.

Já em dezembro a Fundação montou o Gabinete para o Enfrenta-

mento à Emergência Epidemiológica em Saúde Pública, que unifica

as ações da instituição. As principais iniciativas e os progressos alcan-

çados estão relatados nesta revista.

Este número também aborda outros temas relevantes para a saú-

de pública nacional, como o sequenciamento completo do DNA mito-

condrial da filária O. volvulus, e o estudo que aponta a associação

entre infecção intestinal e uma forma grave de leishmaniose. Cele-

bramos ainda a abertura de dois novos cursos de mestrado pela Casa

de Oswaldo Cruz e os aniversários de 40 anos do Instituto de Tecnolo-

gia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) e de 30 anos do Instituto de

Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict),

duas unidades da Fiocruz.

Boa leitura.

Paulo Gadelha

Presidente da Fundação Oswaldo Cruz

EDITORIAL

E

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Pesquisa23

Homenagem

Homenagem13

10

PresidentePaulo Ernani Gadelha Vieira

Vice-presidente de Ambiente,Atenção e Promoção da SaúdeValcler Rangel Fernandes

Vice-presidente de Gestão eDesenvolvimento InstitucionalPedro Ribeiro Barbosa

Vice-presidente de Ensino,Informação e ComunicaçãoNísia Trindade Lima

Vice-presidente de Pesquisae Laboratórios de ReferênciaRodrigo Guerino Stabeli

Vice-presidente de Produçãoe Inovação em SaúdeJorge Bermudez

Chefe de GabineteFernando Carvalho

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial / Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 34 - MAIO/2016

Coordenação: Elisa Andries

Edição: Ricardo Valverde

Colaboradores: Alexandre Matos,Cristiane d’Ávila, Fabíola Tavares,Fernanda Marques, Flávia Lobato,Glauber Gonçalves, Lucas Rocha, LuizaGomes, Maíra Menezes, Max Gomes,Nara Boechat, Renata Fontoura eRodrigo Costa Pereira

Projeto gráfico e edição de arte:Guto Mesquita e Rodrigo Carvalho

Revisão: Ricardo Valverde

Fotografia: Gutemberg Brito, PeterIlicciev e Arquivo CCS

Administração: Assis Santos

Secretaria: Inês Campos

Autorizada a reprodução deconteúdos desde que citada a fonte

O que você achou desta edição?Mande seus comentários [email protected]

Revista de ManguinhosAvenida Brasil 4.365 - ManguinhosRio de Janeiro - RJ - CEP 21.040-900Telefone: 55 (21) 2270-5343

Agência Fiocruz de Notíciaswww.fiocruz.br/ccs

Impressão: Gráfica DuoPrint

ÍNDICE

40 anosBio-Manguinhos celebraquatro décadas

30 anosIcict completa três décadas

GenomadecifradoEstudo apresentasequenciamentocompleto de O. volvulus

6 Notas

As mais recentes notíciassobre a Fiocruz

15 Inovação

Farmanguinhos desenvolveEfavirenz pediátrico dispersívelem água

17 Pesquisa

Trabalho associa infecçãoa forma grave deleishmaniose

20 Ambiente

Municípios da caatingavulneráveis diante detendência de desertificação

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Ensino

Informação

Correspondênciade Oswaldo CruzCientista, na Europa durantea Primeira Guerra, relatou oconflito em cartas

Fio da História60

51

Especial26

Na luta contra atríplice epidemiaFundação está mobilizadapara combater zika, denguee chikungunya

56

Portal dePeriódicosSite que reúne revistascientíficas completa um ano

Novos mestradosCasa de Oswaldo Cruzoferece dois cursos

54 Resenha

Os novos lançamentosda Editora Fiocruz

57 Cooperação Social

Projeto lembra show decalouros que fez sucessoem Manguinhos

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NOTAS

A busca por um medica-mento contra o câncer e a trans-ferência de tecnologia quepossibilitará a fabricação nacio-nal de um remédio inovador nocombate à isquemia cardíaca.Essas foram duas das parceriasentre o Grupo Servier e a Fio-cruz anunciadas em evento, emabril, que comemorou os 40anos do laboratório francês noBrasil. Durante o encontro, nasede da empresa em Jacarepa-guá, foi lançado ainda o PrêmioServier-Fiocruz para incentivar,pelos próximos três anos, a pes-quisa na área de neurociênci-as. Serão 120 mil euros paracontemplar estudos nesse pe-ríodo. Na primeira edição, jáem novembro, haverá atenção

Servier e Fiocruz: parcerias e prêmio para neurociênciasespecial aos trabalhos voltados paraas consequências do vírus da zika so-bre o sistema nervoso central, inclu-indo o aporte de mais 30 mil eurospara os vencedores.

Também foi anunciada outra par-ceria entre as duas instituições queprevê a transferência de tecnologiaque permitirá a fabricação da tercei-ra geração de um medicamento ino-vador (o Vastarel) para o tratamentoda isquemia cardíaca, segunda do-ença de maior mortalidade no mun-do. O medicamento produzido emparceria com a Fiocruz abastecerá omercado nacional e estará disponí-vel também para exportação. A pla-taforma já tem desenvolvimento paraoutros medicamentos e poderá serutilizada para desenvolvimento denovos produtos de interesse do siste-

Os impactos do adoecimen-to por câncer no público mas-culino é o tema do livro Câncere masculinidades - o sujeito ea atenção à saúde, lançado noDia Mundial de Combate aoCâncer (8/4), na Fiocruz Minas.A publicação, organizada pe-los pesquisadores Alberto Me-saque Martins e Celina MariaModena, ambos integrantesde grupos de estudo da unida-de, traz dez artigos produzidossob uma perspectiva psicos-social, destacando as experi-ências de homens que sedeparam com a enfermidadee como eles lidam com o pro-cesso de adoecimento e como tratamento oncológico.

”A maneira como os fa-miliares, cuidadores e outrosprofissionais da área de saú-de se posicionam diante das

Câncer e masculinidades é tema de livro da Fiocruz Minas

ma público de saúde.Outra parceria firmada entre as

duas entidades está relacionada àspesquisas contra o câncer. Ao ladoda Fiocruz, o laboratório vai traba-lhar extratos de plantas da biodiver-sidade brasileira regularizados juntoao Conselho de Gestão do Patrimô-nio Genético (CGEN), na busca pornovos medicamentos de combate àdoença. O Centro de Pesquisa Ser-vier, em Croissy (Paris), oferecerá assuas instalações para testes por pes-quisadores da Fiocruz junto com umaequipe do Polo de Biotecnologia, Bi-ologia, Química Expertise da Servi-er. Os medicamentos desenvolvidosa partir desta parceria terão opçãode transferência de tecnologia paradisponibilização pelo Sistema Únicode Saúde (SUS).

necessidades desse públicoespecíf ico também estásendo abordada. A ideia é,para além da publicação,apontar perspectivas parao atendimento, sugerindonovas estratégias que pos-sam aprimorar os serviçosprestados”, explica a pes-quisadora Celina Modena.

Para produzir os artigos,os autores se basearam emrelatos de pacientes, obtidospor meio de pesquisas e in-tervenções, realizados emcasas de apoio e hospitaismantidos pelo SUS. Segun-do os pesquisadores, umadoença como o câncer, quetem no imaginário coletivoum significado extremamen-te negativo, traz diversasimplicações para a vida dopaciente e da família dele.

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O livro Medicine and Public Healthin Latin America: a History (Medicina esaúde pública na América Latina: umahistória), dos historiadores Marcos Cue-to e Steven Palmer, acaba de ganhar oprêmio de melhor livro da Latin Ameri-can Studies Association (Lasa) na seçãode Saúde, Ciência e Tecnologia da Lasa.Cueto e Palmer receberão o prêmio du-rante o 34º Congresso da Lasa, em NovaYork, em 29 e 30 de maio de 2016. Ocomitê do prêmio observou que o livroé um marco significativo para o campopor oferecer a primeira pesquisa históri-ca compreensível da medicina e da saú-de pública na América Latina desde ostempos pré-colombianos.

Livro de pesquisador da Fundação vence Prêmio Lasa

“Proteger as gerações presentes efuturas das devastadoras consequênciassanitárias, sociais, ambientais e econô-micas geradas pelo consumo e exposi-ção à fumaça do tabaco” é a premissada Convenção Quadro para o Controledo Tabaco. É fato, porém, que a imple-mentação dessa iniciativa sofre com asdiferentes estratégias utilizadas pela in-dústria do fumo. Com o propósito dedenunciar esses mecanismos, por meiode informações técnicas e documentos,o Centro de Estudos sobre Tabaco e Saú-de da Escola Nacional de Saúde Pública

Sergio Arouca (Cetab/Ensp/Fiocruz), aComissão Nacional para a Implementa-ção da Convenção Quadro para o Con-trole do Tabaco no Brasil (Conicq), aUnião Internacional contra a Tuberculo-se e Doenças Respiratórias (The Union)e a Aliança para o Controle do Tabaco(ACT) lançaram o Observatório das Es-tratégias da Indústria do Tabaco.

Segundo a pesquisadora Silvana Tur-ci, do Cetab/Ensp, trata-se da primeiraplataforma digital desenvolvida por umainstituição pública da área da saúde. “Oobservatório é mais uma ferramenta para

confirmar a atuação da indústriado tabaco na tentativa de com-prometer as ações que resultemem políticas efetivas de controle.Ele armazenará documentos quedemonstram a influência da indús-tria nos processos políticos e legis-lativos promovendo parcerias comlobistas para obtenção de decisõesque contemplem seus interesses”,denunciou Silvana.

A partir de sua consolidação, oObservatório da Fiocruz criará umanova linha de investigação com focono conhecimento e sistematizaçãode informações que responderãoquestões relevantes para contraporas táticas da indústria. Também ser-virá como modelo para monitoraras ações de outras indústrias, comoa de alimentos ultraprocessados, be-bidas alcoólicas e refrigerantes,considerando que há inegável se-melhança entre as estratégias uti-lizadas por todas essas empresascom o intuito de desvirtuar políticasque favoreçam a redução da expo-sição aos fatores de risco de Doen-ças Crônicas Não Transmissíveis.

Lançado observatório sobre indústria do tabaco no Brasil

O livro começa com o contato en-tre a medicina indígena, a afro-ame-ricana e a europeia no períodocolonial, do início do século 16 ao

início do século 19. Em segui-da, os autores discutem as mudan-ças médicas latino-americanas daprimeira metade do século 20e a participação de organismosinternacionais como a FundaçãoRockfeller. Então, apresentam aregião no contexto da GuerraFria, quando foram implemen-tados programas de saúde vol-tados para o controle e aerradicação de doenças. Porfim, a obra discute a agenda ne-oliberal que ditou as regras nadécada de 1980, com uma ideiaaltamente restritiva da saúde emtermos de custo-eficácia.

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Fruto da segunda fase doedital Inova-Ensp, programaque incentiva a implantação deuma estratégia institucionalvoltada para o fortalecimentoda dimensão da pesquisa naEscola Nacional de Saúde Pú-blica Sergio Arouca (Ensp/Fio-cruz), o Departamento deViolência e Saúde Jorge Care-lli (Claves/Ensp) apresentou,em março, os resultados dapesquisa Mortes violentas dejovens: um olhar compreensi-vo para uma tragédia humanae social. O estudo traz o seguin-te resultado: quem mais matano Brasil é também quem maismorre, isto é, jovens do sexomasculino, de 15 a 29 anos,com baixo nível de escolarida-de. Segundo as coordenadorasda pesquisa Ednilsa Ramos deSouza e Kathie Njaine, não épossível atribuir o fato a umaúnica causa, pois existe multi-causalidade como resposta, inclu-indo fatores sociais e comunitáriosque vão desde a concentraçãode pessoas nas periferias sem

infraestrutura até a presença do trá-fico de drogas e a livre circulação dearmas de fogo.

O seminário Mortes violentas dejovens: o desafio da prevenção emuma perspectiva intersetorial apre-sentou os resultados do estudo soci-oepidemiológico da mortalidade dejovens por homicídios no Brasil epaíses da América Latina por meiode um estudo de caso em dez muni-cípios brasileiros – sendo dois porregião –, além de seis municípios daregião metropolitana de Buenos Ai-res. A pesquisa buscou analisar oshomicídios de jovens de 1990 a 2010,identificando padrões de semelhan-ça e diferenças na distribuição doshomicídios nas regiões estudadas.Pretendeu-se também analisar as ta-xas segundo grupos etários (15 a 19,20 a 24 e 25 a 29), sexo, raça/cor;identificar os principais meios utili-zados na agressão de jovens; anali-sar dados socioeconômicos e deviolência dos municípios estudados;investigar percepções de atores so-ciais sobre os homicídios de jovens;conhecer histórias de vida de vítimasde homicídios a partir de seus fami-

Pesquisa investiga morte violenta de jovensliares; e, ainda, analisar os dis-cursos da imprensa local sobreos homicídios.

A coordenadora da pesquisa,Ednilsa Ramos, explicou terem sidoanalisados dados de 160 municí-pios brasileiros com mais de 100mil habitantes, sendo 14 no Nor-te, 26 no Nordeste, 12 no Centro-Oeste, 64 no Sudeste e 44 no Suldo país. As capitais foram excluí-das, e selecionados dois municípi-os em cada região geográficacom taxas mais altas de homicí-dios de jovens, no ano de 2010,além de comportamentos opos-tos das taxas de homicídio dejovens. Para isso, utilizados indi-cadores macrossociais, habitacio-nais, demográficos, educacionais,de trabalho e rendimento, e desaúde e assistência social. Já naArgentina, selecionados apenasdois municípios para o estudo decaso. A pesquisa apresenta abor-dagem qualitativa e quantitativa,envolvendo pesquisadores e es-tudantes de iniciação científica,mestrado e doutorado em seudesenvolvimento.

No Dia Mundial da Saúde (7/4) a Escola Politécnica de SaúdeJoaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)ganhou uma nova ferramenta dedivulgação de conhecimentos e in-formações, com o lançamento donovo Portal da unidade (http://www.epsjv.fiocruz.br/). Conjugan-do conteúdo institucional, jornalís-tico e de serviços à população, oPortal foi desenvolvido em softwa-re livre segundo as mais atualiza-das tecnologias, o que tornará maisfácil a navegação em dispositivosmóveis – como smartphones e ta-blets –, e permitirá até mesmo ocompartilhamento de conteúdos

Escola Politécnica da Fiocruz divulga novo portalpor meio do WhatsApp.

O novo Portal foi desenvolvido paradar visibilidade máxima às ações da uni-dade, respeitando os interesses que per-meiam os mais diversos públicos. Com isso,ficou mais fácil encontrar as informaçõessobre os cursos e outras iniciativas desen-volvidas pela EPSJV. É o caso de progra-mas e projetos consolidados, como oPrograma de Vocação Científica (Provoc)– que este ano completa 30 anos –, a re-vista Trabalho, Educação e Saúde, peri-ódico científico de referência no campo daeducação profissional e a Biblioteca Virtu-al, conhecida como BVS, que reúne umconjunto de informações do campo da Edu-cação Profissional em Saúde.

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criação do Instituto de Tecnologia em Imuno-biológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), que com-pleta 40 aos em 2016, é causa direta doenfrentamento a epidemias de grande impactopara a saúde pública e, também, do reconhe-

cimento, por parte dos órgãos governamentais, da necessi-dade de criar e fortalecer a produção de vacinas no país.Até meados da década de 1950, o Instituto Oswaldo Cruz(atual IOC/Fiocruz) produzia diferentes vacinas e soros, in-clusive para uso veterinário. A produção decaiu nos anosseguintes, por questões políticas. Na década de 1970, quan-do o IOC já havia se transformado na atual Fundação Oswal-do Cruz, havia o fornecimento apenas da vacina febreamarela, que recebia apoio logístico da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que financiava a aquisição deequipamentos e ajudava na remuneração dos pesquisado-res envolvidos na produção da vacina. Um simpósio, emmaio, marcou estas quatro décadas de Bio-Manguinhos.

Em 1971, uma grande epidemia de meningite dos soro-grupos A e C causou centenas de mortes, principalmente emSão Paulo e no Rio de Janeiro. O país se mostrou completa-mente despreparado para lidar com uma situação desta mag-nitude e responder às consequentes demandas. A saída foibuscar uma solução no exterior. O governo brasileiro, então,encomendou ao Instituto Mérieux da França as vacinas ne-cessárias para uma imunização em massa da população. Fo-ram 80 milhões de doses importadas em caráter emergencial.

Diante desse contexto, e da evidente fragilidade doaparato estatal de saúde na época, o governo federal es-tabeleceu políticas específicas para o fortalecimento daFiocruz. E assim, em 4 de maio de 1976, foi criado Bio-Manguinhos. Nasceu com 26 funcionários, incorporando

ARodrigo Costa Pereira

HOMENAGEM

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as atividades de produção desenvol-vidas até então pelo Instituto Oswal-do Cruz, e com uma estratégia bemdefinida: atender de forma prioritá-ria às demandas do setor público,especialmente às do Programa Naci-onal de Imunizações (PNI) do Minis-tério da Saúde.

Para dar continuidade às açõespreventivas em caso de um novo sur-to de meningite, uma planta pilotofoi instalada para produzir vacinascontra a doença. Isso só foi possíveldevido a um acordo de cooperaçãotécnica com o Instituto Mérieux, fir-mado ainda em 1976, que incluíatambém a doação de materiais, equi-pamentos e o treinamento de técni-cos brasileiros na França.

”Essa parceria beneficiou Bio-Man-guinhos não só em aspectos relativosà produção, mas também ao controlee garantia da qualidade, além do trei-namento de pessoal. Não tínhamosnada parecido com a outra vacina queproduzíamos, a de febre amarela”,lembra o assessor científico sênior deBio-Manguinhos, Akira Homma, quena época ocupava o cargo de superin-tendente do Instituto, equivalente aode diretor atualmente.

A importância de Bio-Manguinhospara a saúde pública brasileira foi re-forçada na década seguinte, quandoaconteceram os projetos de transferên-cia de tecnologia da vacina sarampo epoliomielite com o Instituto Biken e Ins-tituto Japonês de Pesquisa em Polio-mielite, respectivamente. Segundo avice-diretora da Qualidade de Bio-Man-guinhos, Maria da Luz Fernandes Leal,esse projeto trouxe aprendizados imen-suráveis à unidade.

”Nos primeiros quatro anos, a res-ponsabilidade de distribuir nacionalmen-te as vacinas era nossa. Depois, foicriado o Central Nacional de Armaze-nagem e Distribuição de Imunobiológi-cos (Cenadi), que realiza este trabalhoaté hoje. A distribuição nacional era di-fícil, assim como a produção. No início,Bio só tinha 24 tecnologistas. Não tínha-mos os aparelhos modernos, as condi-ções de trabalho e normas rigorosas quetemos hoje. Evoluímos muito tecnologi-camente”, explica.

A existência desse projeto em Bio-Manguinhos trouxe importantes resulta-dos para o país, com o desenvolvimentode uma nova formulação da vacina poli-omielite, que se mostrou altamente efi-caz e possibilitou o controle da virose,seguido da sua erradicação em territórionacional. O último caso de poliomielitepor vírus selvagem ocorreu em marçode 1989, na Paraíba. A Opas adotoua nova formulação para todos os pa-íses das Américas e conseguiu, tam-bém, erradicar a doença na região.No início dos anos 2000, a Organiza-ção Mundial de Saúde (OMS) reco-mendou o uso dessa formulaçãopara todos os países tropicais. Acompetência na produção da va-cina poliomielite oral possibilitou,inclusive, suprir déficits no mer-cado internacional. Esse proje-to também possibilitou aoInstituto operar em escala in-dustrial, promovendo um sal-to nas suas atividades.

Acordosfazem oInstituto crescer

Os acordos de transferência de tec-nologia e de desenvolvimento fizerame ainda fazem Bio-Manguinhos cres-cer, em todos os sentidos: na absorçãode novos conhecimentos, na capacita-ção do quadro de pessoal, na introdu-ção de novos produtos no portfólio econsequente distribuição na rede pú-blica de saúde, na incorporação de tec-nologias de ponta etc. “As parceriasagregam valor à instituição e vão mui-to além da simples absorção de umavacina, reativo para diagnóstico ou bi-ofármaco. Há um resultado positivo,também, no desenvolvimento internodos nossos produtos, outra forma coma qual trabalhamos para a ampliar oportfólio”, explica o diretor de Bio-Man-guinhos, Artur Roberto Couto. Atual-mente, o Instituto conta com 29produtos em sua carteira (10 vacinas,14 reativos e 5 biofármacos).

O número de parcerias cresceu con-sideravelmente a partir de 1999. Apósfirmar acordo para a produção da va-

cina Haemophilusinfluenzae t ipo b

(Hib) com a então Smi-thkline, Bio-Manguinhos

entrou no mercado de bio-fármacos em 2004, com a Al-

faepoetina e Alfainterferona 2b,para tratar anemia e hepatite crôni-

ca causada pelo vírus B e C, respec-tivamente. Com a Glaxosmithkline(GSK), o Instituto tem uma sólida re-

lação. Há projetos em andamento paraas vacinas tríplice viral (sarampo, caxum-ba e rubéola), pneumocócica, rotavírus,dengue e tetraviral (sarampo, caxumba,rubéola e varicela).

Um modelo recente de parceria vemcontribuindo para Bio-Manguinhos conso-lidar seu papel de destaque no cenário dasaúde pública brasileira: as Parcerias parao Desenvolvimento Produtivo (PDPs), quejá se estabeleceram como política de Es-tado. Dentro deste contexto, o Instituto vemincorporando tecnologias de ponta paraofertar produtos de alto valor agregado,reduzir a dependência das importações ealavancar a inovação no país. Os biofár-macos Alfataliglicerase, Infliximabe e Be-tainterferona 1a são os exemplos maisrecentes das PDPs assinadas entre Bio efarmacêuticas privadas. Ao todo, são 12envolvendo o Instituto atualmente. Porta-dores de doenças raras, como doença deGaucher, artrite reumatoide, doença deCrohn e esclerose múltipla ganham novaspossibilidades de tratamento com acessogratuito aos medicamentos.

A reboque da entrada de novos pro-

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dutos na linha de produção e da neces-sidade de ampliar a oferta à populaçãobrasileira, Bio-Manguinhos vem investin-do fortemente na modernização e expan-são da infraestrutura da unidade, inclusivepara atender as novas normas regulatóri-as. Duas novas plantas industriais estãoem construção, uma em Santa Cruz, naZona Oeste do Rio, e outra em Eusébio,município da Região Metropolitana deFortaleza. A primeira ficará em um terre-no de 870 mil m2, que abrigará o Com-plexo Industrial de Biotecnologia em Saúde(Cibs). Lá será construído o novo centrode processamento final da unidade, qua-druplicando a capacidade de produção devacinas e biofármacos. Outras 40 edifica-ções serão erguidas no futuro campus, queestá em fase de estaqueamento.

”O Cibs vai colocar Bio-Manguinhosnum novo patamar na área de produ-ção de produtos biotecnológicos. Vamostrabalhar com tecnologias de fronteira,que ainda não estão sendo utilizadas nopaís. Tudo dentro do que prevê os maisavançados requisitos regulatórios, inclu-sive os internacionais”, explica o geren-te do projeto, Maurício Zuma.

Em Eusébio será erguido o CentroTecnológico de Plataformas Vegetais,com plantas industriais multipropósito eprédios de desenvolvimento tecnológi-co e de controle e garantia da qualida-de. Assim, o Instituto busca estabelecernova capacidade de fabricação de pro-dutos biofarmacêuticos para uso huma-no, suportada por tecnologias baseadasem plataformas vegetais.

Simpósio internacionalmarcará aniversário

Com iniciativas como essas, Bio-Manguinhos vai se firmando como umagente estratégico na promoção e forta-lecimento da saúde pública. “O cresci-mento demonstra o nosso compromissocom as políticas públicas de saúde. Sejana área de inovação, desenvolvimentotecnológico, qualidade ou produção deinsumos essenciais ao SUS, temos atua-do para desempenhar o papel estratégi-co que se espera de nós no âmbito doComplexo Industrial da Saúde”, afirmao diretor Artur Roberto Couto.

Para manter esse protagonismo é pre-ciso olhar para frente, porém sem esque-cer o passado. Discutir tendências,estimular a inovação e o desenvolvimen-to de novos produtos, além de trocarexperiências e conhecimentos com es-pecialistas da área de imunobiológicos,faz parte da dinâmica de uma instituiçãoque precisa buscar respostas e propor so-luções. Com esse objetivo e como formade marcar os 40 anos de fundação doInstituto, Bio-Manguinhos promoveu o 3ºSimpósio Internacional de Imunobiológi-cos e 4º Seminário Anual Científico e Tec-nológico em Imunobiológicos (SACT-Bio),de 2 a 5 de maio, no Rio de Janeiro.

Segundo um dos coordenadores daComissão Científica do evento, ReinaldoMenezes Martins, o simpósio proporcio-nou um ambiente rico em conhecimentona área cientifica e tecnológica de imu-nobiológicos. “Houve workshops no diaanterior à abertura do simpósio, 8 pales-tras, 20 apresentações orais de pôsteres,numa programação abrangente. Convi-damos expoentes nacionais e internacio-nais para apresentações e debates. Afinalidade do Simpósio, além de celebraros 40 anos da unidade, foi criar um espa-ço de interação onde as pessoas possamtrocar conhecimentos”, explicou.

Buscando a inovação, seja interna-mente ou por meio de parcerias, Bio-Manguinhos cresce, se tornando umainstituição madura, capaz de respondercom competência às demandas de saú-de pública. Comemoram a Fiocruz, seuscolaboradores e a população brasileira.

Bio-Manguinhos cresceu e se tornou uma instituição madura, capaz de respondercom competência às demandas de saúde pública. Foto: Ascom/Bio-Manguinhos

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HOMENAGEM

ivros e vídeos, ilustra-ções científicas e pro-dução de impressos.Bases de dados, siste-mas, grandes inquéritos

de saúde. Dado convertido em informa-ção, informação em comunicação paraa sociedade. Assim o Instituto de Co-municação e Informação Científica eTecnológica (Icict/Fiocruz) vem constru-indo, em 30 anos, uma história de con-vergência e pluralidade que fomenta ainovação para a saúde pública. Nestastrês décadas, as demandas geradas pe-las urgências e carências sociais vêmpautando as atividades do Instituto, quese impõe pela diversidade das pesqui-sas que abraça, incentiva e cria.

Em 30 anos, a Superintendência deInformação criada pelo então presiden-te da Fiocruz Sergio Arouca para pre-servar e multiplicar o acervo iniciado porOswaldo Cruz e seus cientistas ganhoustatus de centro, para depois se conso-lidar, a partir de 2006, como um dos 17institutos técnico-científicos da Funda-ção. Hoje o Icict se destaca pelo cará-ter interdisciplinar de suas atividades, quepotencializam um vasto campo de in-vestigação para o ensino e a pesquisaem informação e comunicação científi-ca e fomentam o desenvolvimento ci-entífico e tecnológico em saúde.

LCristiane d’Avila

Comunicação e informaçãocientífica a serviço da saúdepública e da sociedade

Foto: Vinicius Marinho

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Iniciado em um barracão de obrasaonde Oswaldo Cruz e seus companhei-ros, nos idos de 1900, se debruçavamsobre livros e revistas científicas interna-cionais – prática nomeada “Mesa dasQuartas-feiras” – o Icict atualmente ocu-pa um majestoso prédio em estilo arqui-tetônico contemporâneo, em que estáabrigada a Biblioteca de Manguinhos.Nela, obras e periódicos científicos, ilus-trações e gravuras raríssimas, somandoo maior acervo em ciências biomédicasda América Latina, se juntam a fotogra-fias, vídeos e sistemas de informação,constituindo um vasto e inequívoco bemde valor material e imaterial.

Nascido no bojo da grande refor-ma inovadora empreendida pelo sa-nitarista Arouca em sua chegada àPresidência da Fiocruz e em temposda redemocratização do Brasil, da lutapela Reforma Sanitária, da 8ª Confe-rência Nacional de Saúde, o Institutosurge com o objetivo de apresentarpropostas para a construção do Siste-ma Único de Saúde (SUS) a partir deum conceito ampliado de saúde, desua relação com os direitos sociais e ademocracia. Junto com o Icict, novasunidades dedicadas também ao cam-

po da pesquisa em informação e di-vulgação científica foram criadas,como a Casa de Oswaldo Cruz, o queevidenciava que os campos da comu-nicação e da informação tornaram-secada vez mais reconhecidos em suaimportância e transversalidade com asaúde e a ciência e tecnologia.

Falar sobre os 30 anos do Icict tam-bém é destacar o pioneirismo de mulhe-res e homens que no decorrer dasdécadas vêm reconhecendo a importân-cia estratégica da comunicação e da in-formação para a melhoria da saúde dapopulação, revendo práticas e objetos detrabalho. Superar a visão instrumentalque ainda predomina nesses campos,problematizando conceitos por meio doensino, da pesquisa e do desenvolvimen-to de tecnologias de informação e co-municação é o desafio permanente desseinstituto, que se fortalece com as inquie-tações propostas pela sociedade.

Aliado sempre ao postulado de prin-cípios pelo acesso livre à informação ci-entífica, que procura praticar e difundirpelas bibliotecas, pelo Repositório Insti-tucional da Fiocruz (Arca), na difusão doaudiovisual e no uso de aplicativos e sof-twares livres, o Icict trabalha na fronteira

da ciência e diante dos desafios perma-nentes da saúde pública. Essa missão,em um país de dimensões continentaiscom perfil epidemiológico extremamen-te complexo, tornam decisivas a buscaconstante da inovação e a garantia doacesso livre à informação científica.

“Nestes últimos 30 anos nossas re-flexões e esforços se voltam para asse-gurar o papel da informação e dacomunicação como direito humano fun-damental, como estruturantes para aspolíticas públicas de saúde e para os pro-cessos sociais e, consequentemente,para a defesa do SUS, pela sua consoli-dação e avanço, pela efetiva aplicaçãodos seus princípios fundadores, consagra-dos na Constituição de 1988”, afirma odiretor do Icict, Umberto Trigueiros.

Obra coletiva, fruto da dedicação,perseverança e ousadia de pesquisado-res, professores, gestores, especialistas,alunos, técnicos e colaboradores que tra-balham em uma estrutura que estimulaa gestão participativa e o comprometi-mento institucional, o Icict não mediráesforços para continuar fornecendo à Fi-ocruz e ao SUS respostas e soluções emtecnologias da informação e da comuni-cação (TICs). Por mais 30 anos.

O Instituto surgiu com o objetivo de apresentar propostas para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de umconceito ampliado de saúde, de sua relação com os direitos sociais e a democracia. Foto: Raquel Portugal

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Projeto inovadorrecebe financiamentointernacional daFundação Bill & MelindaGatesINOVAÇÃO

Instituto de Tecnologia emFármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) vem trabalhandono desenvolvimento de ummedicamento inovador

voltado para crianças que vivem com HIV/Aids: o Efavirenz pediátrico dispersível emágua, elaborado a partir de nanotecnolo-gia. O objetivo da iniciativa é melhorar aqualidade do medicamento ingerido pe-los pequenos. Liderado pelo pesquisadorHelvécio Rocha, coordenador do Labora-tório de Sistemas Farmacêuticos Avança-dos (LaSiFA), o estudo vai ao encontro dapolítica da Organização Mundial da Saú-de (OMS) em oferecer medicamentosmais adequados às crianças.

Segundo Rocha, já foram realiza-dos testes prévios em cobaias, compro-vando a biodisponibilidade in vivo, ouseja, confirmou-se a liberação da subs-tância ativa na corrente sanguínea dosanimais. “É um comprimido elaboradocom um sabor mais agradável, que sedispersa em água para facilitar a inges-tão pelas crianças”, frisa o coordena-dor. A previsão é de que em dois anossejam iniciados os testes em humanos.

O pesquisador informa que as par-tículas foram testadas na escala aindamicrométrica, isto é, mil vezes maiordo que a nanotecnologia. “Estamosagora avançando na escala nanomé-trica, e, de fato, só os testes compro-varão se a nanotecnologia será mesmotão superior. De qualquer forma, só coma versão micrométrica já testada con-

OAlexandre Matos

Nanotecnologiano tratamento deAids em crianças

seguimos aumentar a biodisponibilida-de em três vezes em relação ao fárma-co normal. Esses resultados significamque uma menor dosagem do fármacopoderia ser utilizada na formulação. Nocaso específico de crianças, é um be-nefício enorme, uma vez que poderiafacilitar a fabricação de comprimidosmenores, portanto mais fáceis de se-rem deglutidos”, explica.

De acordo com o Ministério da Saú-de, a maior diferença entre antirretrovi-rais pediátricos e adultos está naapresentação farmacêutica, sendo líqui-dos para crianças de até 6 anos de ida-de, e comprimidos, sólidos, no jargãofarmacêutico, para os demais pacientes.Sob este aspecto, outra importante van-tagem é que a administração deste Efa-virenz é também mais fácil e segura queas opções líquidas disponíveis, já que ocomprimido é feito na dosagem exatapara o tratamento, sem a necessidadede medir a quantidade a ser ingerida.

No caso da apresentação líquida,os pacientes podem ter dificuldade emministrar a dosagem correta, conformea prescrição médica. Rocha observaque a formulação líquida ressalta osabor desagradável do princípio ativo,além de ser mais inconveniente paratransporte e armazenamento.

O Efavirenz pediátrico desenvolvidopelo LaSiFA pode ser considerado umainovação incremental, se levarmos emconsideração que se trata de um aprimo-ramento das apresentações já existentes,

Farmanguinhos desenvolve Efavirenzpediátrico dispersível em água

porém, elaborado especificamente parao organismo das crianças, o que o tornamais eficaz. Na composição dele, é utili-zado menos princípio ativo, o que ajudana ingestão, além de promover a redu-ção de custos de produção.

O trabalho de Rocha e equipe foi pre-miado no 9º Encontro Nacional de Ino-vação em Fármacos e Medicamentos(ENIFarMed), realizado ano passado emSão Paulo. Dada a sua importância paraa saúde pública, o estudo foi beneficia-do com financiamento do Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômico eSocial (BNDES). “Os recursos contem-plam a aquisição de novos equipamen-tos e também de insumos, reagentes eoutros materiais, além da contratação deserviços terceirizados para algumas eta-pas do projeto. De qualquer forma, pre-vemos a conclusão do projeto em trêsanos”, avalia o pesquisador.

Com o objetivo de enveredar poresta área de fronteira e pouco ex-plorada no Brasil foi autorizada aconstrução de um laboratório de na-notecnologia para abrigar estudos deFarmanguinhos e do Instituto Oswal-do Cruz (IOC/Fiocruz). “Além de la-boratório de pesquisa, será tambémuma plataforma de nanotecnologiavinculada ao Programa de Desenvol-vimento Tecnológico em Insumospara Saúde (PDTIS). A ideia é cre-denciar este futuro laboratório comoum prestador de serviços na área”,observa o farmacêutico.

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No campus de Manguinhos, o espa-ço para o novo laboratório já foi definidoe o próximo passo será a publicação doedital para licitar a empresa responsávelpela montagem dos módulos. A previ-são é de que em setembro deste ano aobra esteja concluída.

A pesquisa é totalmente desenvolvi-da por Farmanguinhos, por meio do LaSi-FA. Há, entretanto, outras iniciativasparalelas vinculadas ao Efavirenz que sãorealizadas em laboratórios da Universida-de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), daUniversidade Federal Fluminense (UFF),da Universidade Federal de São Paulo(Unifesp) e do Inmetro (Instituto Nacionalde Metrologia, Qualidade e Tecnologia).Rocha enfatiza que, mesmo com a cons-trução do laboratório de nanotecnologia,devem continuar as atividades que vêmsendo realizadas nos laboratórios das uni-versidades. “Este tipo de intercâmbio ésalutar para a ciência”, assinala.

Avançotecnológico

Como o próprio nome sugere, oLaboratório de Sistemas Farmacêuti-cos Avançados (LaSiFA) pesquisa me-dicamentos mais modernos e, comisso, ajudar a instituição a contribuirpara a saúde pública. O laboratório foicontemplado ainda com financiamen-to do BNDES para o desenvolvimentode uma nova apresentação via oralpara Anfotericina B, medicamentousado no tratamento de leishmanio-se, uma das principais doenças negli-genciadas no Brasil. Atualmente, ofármaco só dispõe de apresentaçõesinjetáveis. Portanto, o grande diferen-cial desta investigação inédita nomundo, que ainda está em fase inici-al, é a criação de uma formulação emcomprimido.

Premiação inéditapara o Brasil

A pesquisadora Livia Deris Prado,que atua no LaSiFA, foi contempladacom o prêmio internacional Ludo FrevelCrystallography Scholarship, pelo seu tra-balho Surface Properties of CarvedilolCrystals: Combining X-ray Diffractionwith Advanced Techniques. Trata-se desua tese de doutorado, que em tradu-ção livre é o estudo de propriedades dasuperfície de cristais de Carvedilol, apartir da combinação de difração deraios X com técnicas avançadas.

“É a primeira vez que o Brasil é agra-ciado com a premiação e a segunda opor-tunidade que o reconhecimento vai paraum pesquisador da América Latina, des-de 1992”, observa a pesquisadora, consi-derada uma das principais especialistasem difração de raios X da Fiocruz.

A elaboração de um novo medica-mento atravessa etapas complexas quepodem interferir diretamente na qualida-de do produto. Cada fase é minuciosa-mente estudada e pode ser fundamentalpara o alcance dos resultados, que, nestecaso, significaria a cura para enfermida-des que afligem a saúde humana.

Uma dessas etapas está relaciona-da a análise e avaliação da superfíciedas partículas, exatamente o trabalhodesenvolvido pela pesquisadora do La-SiFA. Neste sentido, Livia explica que acaracterização da superfície dos cristaispode vir a sugerir novas formulações,não somente do fármaco estudado,como de outros princípios ativos aosquais o estudo poderá ser aplicado.

Organizada pelo International Centrefor Diffraction Data (ICDD), a premiaçãoé voltada para alunos de pós-graduaçãoque trabalham com cristalografia e análi-se de materiais por raios X. O objetivo éestimular os estudantes a continuar de-senvolvendo trabalhos nessa área.

“Para concorrer, enviei currículo e umpequeno resumo do meu projeto de dou-torado, na Universidade Federal Fluminense(UFF). O projeto é desenvolvido em parce-ria entre a UFF e Farmanguinhos. Meusorientadores são Jackson Resende, pela UFF,e Helvécio Rocha, por Farmanguinhos”,explica Livia.

O grande diferencialdesta investigaçãoinédita no mundo, queainda está em faseinicial, é a criação deuma formulação emcomprimido.Foto: Edson Silva

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m estudo realizado noRio de Janeiro apontou,pela primeira vez, que ainfecção intestinal porvermes está associada

ao desenvolvimento da forma muco-sa da leishmaniose tegumentar, apre-sentação mais grave da doença.Liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz), a pesquisa identificouque os casos deste tipo foram cercade cinco vezes mais frequentes entrepacientes com Ascaris lumbricoides,parasito popularmente conhecidocomo lombriga, ou outras verminoses.Publicado na revista científica ActaTropica, o trabalho mostrou tambémque os portadores de vermes intesti-nais demoraram em média o dobrodo tempo para se curar. Além disso,os casos de má resposta ao tratamen-to, como persistência da doença apósa terapia ou retorno dos sintomas apósa cura, foram em torno de três vezesmais frequentes em pacientes comestas coinfecções.

Segundo o coordenador do estu-do, Sergio Mendonça, pesquisador do

Projeto inovadorrecebe financiamentointernacional daFundação Bill & MelindaGatesPESQUISA

UMaíra Menezes

Laboratório de Imunoparasitologia doIOC, a leishmaniose mucosa causa le-sões destrutivas no nariz e na boca dospacientes, além de ser mais resistenteao tratamento do que a apresentaçãocutânea da infecção, que atinge ape-nas a pele. “A leishmaniose mucosaocorre geralmente em uma pequenaporcentagem dos casos, mas é umagrande preocupação. A partir dos re-sultados deste estudo, podemos pen-sar que, se os pacientes estivessemlivres de verminoses, eles poderiam teruma evolução melhor da leishmanio-se”, afirma o infectologista.

No Brasil, a leishmaniose tegumen-tar pode ser causada por sete espéciesde parasitos do gênero Leishmania.Entre elas, a Leishmania braziliensis éa mais comum e a única encontradano Rio de Janeiro. Além disso, enquantoalgumas espécies provocam apenas aforma cutânea da doença, a L. brazili-ensis é o parasito mais frequentemen-te associado às lesões mucosas. Dadosdo Ministério da Saúde mostram que,de 2004 a 2013, o estado do Rio deJaneiro registrou 1.292 casos humanos

de leishmaniose tegumentar, com 146da apresentação mucosa, o que repre-senta 11% do total.

Realizado em parceria com o Insti-tuto Nacional de Infectologia EvandroChagas (INI/Fiocruz) e a Secretaria Mu-nicipal de Saúde do Rio, o estudo ana-lisou registros de 109 pacientes comleishmaniose tegumentar atendidosentre 2004 e 2006. Entre eles, dez ti-nham a forma mucosa da doença, cor-respondendo a 9% dos casos. Ao todo,15 estavam infectados por helmintos(os populares vermes, como lombrigae ancilóstomo) e, neste grupo, foi iden-tificada uma forte associação com aleishmaniose mucosa. A forma maisgrave da doença atingiu 27% dos pa-cientes com verminoses. Já conside-rando apenas os indivíduos sem acoinfecção com verminoses, a preva-lência dessa apresentação foi bem me-nor, de apenas 6%.

Após o início da terapia, os paci-entes com verminoses levaram o do-bro do tempo para se recuperar: emmédia, seis meses nos pacientes coin-fectados contra três meses nos demais

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pacientes. Da mesma forma, os casosconsiderados de má resposta ao trata-mento – incluindo falhas terapêuticas,com lesões permanecendo três me-ses após o início da medicação, eocorrência de recaídas após a cica-trização das feridas – somaram 43%no grupo coinfectado por vermes con-tra apenas 13% no restante dos pa-cientes. Nos casos em que não houvecura após o primeiro tratamento, no-vos ciclos de administração de remé-dios foram realizados, até alcançar acicatrização das lesões.

De acordo com Mendonça, umestudo realizado na Bahia já tinhaapontado que as verminoses podem

ter consequências negativas na evo-lução da leishmaniose cutânea, masesta é a primeira vez em que a rela-ção com o desenvolvimento da for-ma mucosa da doença é identificada.Além disso, o trabalho investiga a co-infecção em um grupo de pacientescom perfil diferente do analisado noestado do Nordeste. “Na Bahia, foramavaliados pacientes de uma comuni-dade rural e 80% tinham infecção porhelmintos. Já no Rio de Janeiro encon-tramos principalmente indivíduos deáreas urbanas. Como esperado, o per-centual de parasitoses intestinais foimenor, mas ainda assim identificamosque aproximadamente 15% dos paci-

entes estavam coinfectados por hel-mintos”, explica ele.

O coordenador da pesquisa avaliaque o impacto das verminoses sobreo sistema imune dos pacientes podeser uma das causas para as alteraçõesobservadas no estudo. Essa hipóteseé reforçada pela comparação entre es-tes pacientes e outro grupo com ou-tros tipos de parasitoses intestinais, quenão eram causadas por vermes. Entre14 indivíduos coinfectados com pro-tozoários, como ameba e giárdia, nãofoi verificada qualquer alteração naevolução da leishmaniose, diferente-mente do que aconteceu nos pacien-tes coinfectados com vermes.

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”A infecção por helmintos desen-cadeia um tipo de reação imunológi-ca que é efetiva para conter essesparasitos, mas tem efeito negativo emoutras doenças, tais como as causa-das por micróbios intracelulares,como a Leishmania ou o bacilo datuberculose. Alguns estudos apontamque a helmintíase pode, por exem-plo, reduzir a resposta do organismoa vacinas, afetando a eficácia dosimunizantes”, relata o infectologista.

Determinantessociais

Considerando que as verminoses eas leishmanioses fazem parte do grupode doenças negligenciadas, a existên-cia da coinfecção não é considerada sur-preendente. Segundo a OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS), essas enfer-midades atingem principalmente popu-lações pobres, que vivem em locais semsaneamento básico e em proximidadecom vetores e animais. Além disso, po-deriam ser controladas com medidas desaúde pública, mas permanecem comoum grave problema, afetando cerca de1 bilhão de pessoas em 149 países –um sexto da população mundial.

”Quando falamos em doenças ne-gligenciadas, na verdade estamos fa-lando de populações negligenciadas,que não têm poder ou visibilidade. Es-sas pessoas vivem expostas a váriostipos de doenças. É comum que essasinfecções se combinem, com resulta-do negativo”, afirma Mendonça.

Importânciada prevenção

O pesquisador ressalta que o de-senvolvimento da leishmaniose mu-cosa está ligado a diversos fatores eé importante atuar contra aquelesque podem ser evitados. “Sabemosque algumas espécies de Leishma-nia são mais propensas a causar qua-dros mais graves e, dentro de uma

mesma espécie, existem cepas maisvirulentas. Por outro lado, cada pa-ciente tem características próprias deresposta imune, que impactam nes-se processo”, esclarece.

Em relação às verminoses, um en-saio clínico mostrou que tratar a helmintí-ase após o aparecimento da leishmaniosecutânea não reduz o efeito negativo so-bre a evolução da doença. “Isso podeacontecer porque a fase inicial da infec-ção por Leishmania é muito importantepara determinar a apresentação clínicado paciente”, destaca Mendonça. No en-tanto, a prevenção da infecção por ver-mes intestinais pode contribuir para evitaro desenvolvimento da forma clínica maisgrave da infecção por L. braziliensis e paramelhorar a resposta ao tratamento.

Pacientes com verminoses podemnão apresentar sintomas, mas as mani-festações mais comuns são dor abdomi-nal, diarreia, náuseas e falta de apetite.Dependendo da duração e da intensida-de da infecção, essas parasitoses tam-bém podem gerar anemia e atraso dodesenvolvimento em crianças. Uma vezque os vermes são liberados nas fezesdos indivíduos infectados, as condiçõesde saneamento, os hábitos de higiene –especialmente a lavagem das mãos – eo tratamento dos pacientes para vermi-noses são os principais fatores para inter-romper a disseminação dessas doenças.

A leishmaniosetegumentar

Os parasitos do gênero Leishmaniasão transmitidos para os pacientes pelapicada de diversas espécies de pequenosinsetos chamados de flebotomíneos e po-pularmente conhecidos como mosquitos-palha. Estes vetores são infectados aosugar o sangue de animais que atuamcomo reservatórios do parasito, o que in-clui diversas espécies de roedores, mar-supiais, edentados e canídeos silvestres.Entretanto, diferentemente do que ocor-re na leishmaniose visceral, não existecomprovação de que os cães domésticostenham participação fundamental nesseciclo como fonte de infecção para o ve-

tor. A leishmaniose tegumentar é trans-mitida em florestas, regiões rurais ou áre-as periurbanas, nas quais habitações sãoconstruídas próximo de matas.

A infecção cutânea se manifesta pormeio de lesões na pele, geralmente emformato de úlceras. Mesmo sem trata-mento, estas feridas tendem a evoluirpara a cura em um prazo que pode du-rar desde alguns meses até poucos anos.A forma mucosa da doença pode se de-senvolver concomitantemente, após o sur-gimento das lesões cutâneas ou mesmoapós a cura destas. Com caráter poten-cialmente destrutivo, as lesões afetamas mucosas das vias áreas superiores. Ospacientes apresentam sintomas comoobstrução e sangramento nasal, elimi-nação de crostas, dificuldade e dor paraengolir, rouquidão e tosse.

Considerando o preconceito existen-te em relação à doença, vale destacarque a leishmaniose tegumentar não étransmitida diretamente de uma pessoapara a outra e não há risco de contágiopelo contato com as lesões. Em todos oscasos, o tratamento da infecção é feitocom medicamentos específicos, capazesde atuar sobre o parasito Leishmania. Amedicação é fornecida gratuitamentepelo Sistema Único de Saúde (SUS). Asmedidas de prevenção incluem o uso derepelentes e mosquiteiros nas áreas comtransmissão da doença. A limpeza dequintais e terrenos tambémé recomendada para re-duzir os criadouros dovetor, assim como odescarte adequado dolixo orgânico com oobjetivo de reduzir aaproximação de ani-mais que podemser reservatóriosdo parasito.

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AMBIENTE

Mudanças nas margensdo Rio São Francisco

a Bahia, quase a meta-de das cidades da caa-tinga no entorno do RioSão Francisco têm altorisco de sofrer danos pro-

vocados pelas mudanças climáticas nospróximos 25 anos. A conclusão é de umestudo realizado por pesquisadores daFiocruz, que mapeou a vulnerabilidadeàs alterações do clima em 84 municípiosque fazem parte da bacia hidrográficado Velho Chico e estão localizados naregião do bioma caatinga. Coordenadapor Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz),

NMaíra Menezes

Escola Nacional de Saúde Pública Ser-gio Arouca (Ensp/Fiocruz) e Centro dePesquisa René Rachou (Fiocruz Minas),a pesquisa utiliza uma metodologia de-senvolvida na Fundação que já foi apli-cada para mapear a vulnerabilidade nascidades do Rio de Janeiro. O trabalho foifinanciado pela Secretaria de Vigilânciaem Saúde do Ministério da Saúde, pormeio de edital, e contou com o apoio daVice-Presidência de Ambiente, Atençãoe Promoção da Saúde da Fiocruz.

A gravidade das alterações climáti-cas previstas para a região foi um dos

fatores que levaram os pesquisadores arealizar o estudo. “Esta será uma dasáreas mais afetadas pelas mudanças doclima. Além disso, o bioma da caatingaé muito peculiar e característico do nossopaís. É importante preservá-lo”, afirmaa pesquisadora do IOC Martha Barata,coordenadora-geral do projeto. Especi-alista em mudanças do clima e cida-des, Martha é coordenadora do núcleoda Rede de Pesquisas sobre MudançasClimáticas Urbanas (UCCRN, na siglaem inglês) para a América Latina, anun-ciado no ano passado.

Estudo aponta vulnerabilidade de municípios da caatinga dianteda tendência de desertificação da região

Remanso (BA) - Com a falta dechuva na nascente do Rio SãoFrancisco, o reservatório deSobradinho vive a maior secade sua história. Foto: MarcelloCasal Jr/Agência Brasil

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Mais calor emenos chuva

Com base em dados do InstitutoNacional de Estudos Espaciais (Inpe),os pesquisadores identificaram aspossíveis alterações de temperaturae de volume de chuvas para cadaum dos 84 municípios nos próximos25 anos considerando dois cenáriosde futuro: um cenário com reduçãonas emissões de gases do efeito es-tufa e menor aquecimento global, eoutro que considera a progressãocontínua dessas emissões e maiorimpacto no clima. Para 2040, a pre-visão é de que a média de tempera-tura na região suba no mínimo0,98°C e no máximo 1,75°C. Ao mes-mo tempo, o volume de chuvas anualdeve cair entre 101 mm e 172 mmno conjunto dos municípios. Além datendência geral de clima mais quen-te e seco, os índices apontam paraa possibilidade de mudanças extre-mas. A cidade de Buritirama pode

ficar 2,13°C mais quente. Já emUrandi, a queda na precipitaçãopode ser de 438 mm.

Calcular o impacto das altera-ções de chuvas e temperatura emcada cidade é apenas uma das eta-pas para determinar a vulnerabili-dade da população às mudançasclimáticas. Segundo Martha, o Pai-nel Intergovernamental de Mudan-ças Climáticas (chamado de IPCC,na sigla em inglês) define a vulne-rabilidade como “a propensão a so-frer danos”. Esta é influenciadapelo nível de exposição, pela sensi-bilidade e pela capacidade de adap-tação da população ao fator deperigo. “No estudo, consideramosque o nível de exposição é aponta-do pelas características ambientais,a sensibilidade pode ser percebidapela ocorrência de certas doenças,a capacidade de reação é indicadapelo perfil socioeconômico do mu-nicípio e o fator de perigo é a pos-sível mudança do clima”, enumeraa pesquisadora.

Fatores devulnerabilidade

Dessa forma, seguindo a metodo-logia desenvolvida na Fiocruz, o Índicede Vulnerabilidade Municipal é calcu-lado a partir de quatro fatores. A situa-ção da saúde é avaliada pela ocorrênciade doenças de notificação obrigatóriana área de estudo que podem sofrerimpactos do clima, incluindo os regis-tros de dengue, leishmanioses, esquis-tossomose e acidentes com animaispeçonhentos, além das mortes causa-das por diarreia em crianças menoresde cinco anos.

Os aspectos ambientais são anali-sados considerando a preservação dabiodiversidade, a disponibilidade derecursos hídricos, a situação do solo ea frequência de eventos hidrometeo-rológicos extremos, como secas e en-chentes, com e sem vítimas fatais. Jáas características socioeconômicas sãoapontadas por indicadores oficiais, além

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de informações sobre as condições desaneamento local, incluindo rede deesgoto e coleta de lixo. Por fim, as pre-visões climáticas são inseridas na fór-mula, dando origem ao Índice deVulnerabilidade Municipal, que varia dezero a um de acordo com a padroniza-ção realizada pelos pesquisadores eaponta o risco de danos para a popu-lação devidos às mudanças do clima.“O objetivo é que este indicador sejaum alerta para os gestores. Eles po-dem observar os fatores mais relevan-tes para a vulnerabilidade em cadacidade e direcionar investimentos queprevinam ou minimizem os proble-mas”, explica a pesquisadora da EnspDiana Marinho, coordenadora-execu-tiva do trabalho.

Entre os 84 municípios analisadosna Bahia, 34 foram classificados nasfaixas de maior vulnerabilidade mes-mo no melhor cenário climático. Jáconsiderando as piores previsões parao clima, o número de cidades com vul-nerabilidade alta ou muito alta chegoua 40. A maioria das cidades nesta situ-ação está concentrada entre o oeste eo sul da região estudada, em uma áreaque vai de Campo Alegre de Lourdesaté Mortugaba. Neste trecho, os cien-tistas preveem os maiores impactos doaquecimento global, tornando o climaextremamente quente e seco.

Entre as cidades mais vulneráveisestão os municípios de Urandi e Riodo Pires, que revelam como os dife-rentes fatores contribuem para o pro-

blema: de um lado as falhas na saú-de e a degradação ambiental deixama população exposta, de outro as for-tes mudanças do clima representamuma grande ameaça. O resultado éuma população com muito alta pro-pensão a sofrer danos no futuro casomedidas de adaptação, que reduzama vulnerabilidade da população, nãosejam adotadas.

Contribuiçãopara enfrentaros riscos

Além de oferecer um panoramageral sobre a situação futura dos mu-nicípios, o estudo traz detalhes de cadaindicador, o que pode ajudar as autori-dades a orientar suas ações. Na saú-de, seis cidades apresentaram valoresmuito altos de vulnerabilidade: Uibaí,que registra a maior taxa de esquistos-somose; Barra do Mendes, que temaltos índices de esquistossomose eleishmaniose visceral; Mulungu doMorro, que contabiliza casos de todasas doenças pesquisadas; Guanambi,que tem a maior taxa de leishmaniosevisceral; Irecê, que registra altos índi-ces de dengue e esquistossomose; eUrandi, que tem o maior número deacidentes com animais peçonhentos.

Para o perfil socioeconômico, ascidades com maior vulnerabilidadesão Pedro Alexandre, Pilão Arcado e

Bonito, enquanto os municípios emmenor vulnerabilidade são Paulo Afon-so, Irecê, Guanambi, Jaguarari e Jua-zeiro. Já em relação às condiçõesambientais, os municípios de Abaré eGentio do Ouro apresentaram proble-mas em todos os critérios analisadose são considerados em situação críti-ca de vulnerabilidade.

Os pesquisadores ressaltam quecombater os fatores de vulnerabilida-de é uma forma de preparar as cida-des para enfrentar as mudançasclimáticas no futuro. “Problemas desaúde e de condições socioeconômi-cas que já existem devem ser agra-vados pelas mudanças do clima. Ascidades precisam de investimentospara dar à população condições delidar com eventos extremos, como aseca que deve se intensificar na re-gião”, avalia Diana.

Além disso, embora os efeitos dasmudanças climáticas devam ser mais gra-ves na parte oeste e sul da área estuda-da, os autores destacam que condiçõesde vulnerabilidade foram identificadas deforma disseminada. “O município menosvulnerável da região é Paulo Afonso, queconstitui um pólo econômico por causada hidrelétrica. No entanto, ao lado des-te município, está Jeremoabo, que temalta vulnerabilidade considerando as con-dições socioeconômicas, ambientais e desaúde. Esse é um ponto relevante porqueo poder público pode trabalhar para queas áreas mais desenvolvidas influenciemas cidades do entorno”, relata Martha.

Entre os 84 municípios analisados na Bahia, 34 foram classificados nas faixas demaior vulnerabilidade mesmo no melhor cenário climático. Foto: Agência Brasil

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Genomadecifrado

Estudo publicado em revista apresenta primeiro sequenciamento completodo DNA mitocondrial da filária Onchocerca volvulus fora da África

PESQUISA

UMaíra Menezes

m artigo publicado na edição de janeiro da revista cien-tífica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz apresen-ta o sequenciamento completo do genoma mitocondrial– também chamado de mitogenoma – do parasito On-chocerca volvulus coletado no Brasil. Um tipo de ver-

me, esta filária é causadora da oncocercose, doença conhecida como“cegueira dos rios”, que já está na mira da Organização Mundial daSaúde (OMS) para a eliminação. O trabalho é o sequenciamento doprimeiro O. volvulus isolado fora da África. O estudo foi realizado porpesquisadores de duas unidades da Fiocruz: o Instituto Leônidas eMaria Deane (Fiocruz Amazonas) e o Instituto Oswaldo Cruz (IOC).

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Presente em 31 países africanos, aoncocercose já foi eliminada de algunspaíses das Américas, mas ainda ocorreem uma área isolada da floresta ama-zônica, no território indígena yanoma-mi, na fronteira entre o Brasil e aVenezuela. A filária analisada no estu-do foi obtida a partir da biópsia da pelede um paciente infectado na região. Deacordo com os pesquisadores, além deexpandir o conhecimento científico, adecodificação do DNA mitocondrial des-te patógeno pode contribuir para os es-forços de combate à doença. “Osequenciamento do mitogenoma reve-lou a existência de polimorfismos [vari-edades genéticas] que abrem portaspara estudos populacionais sobre o O.volvulus. Isso pode ser útil para o direci-onamento mais efetivo das intervençõestanto na África quanto na América La-tina”, afirmou o parasitologista SergioLuz, coordenador do estudo e diretor daFiocruz Amazonas.

Estudo ajudaa identificarsubgrupos deparasitos

O material genético do parasito O.volvulus decifrado no estudo é chama-do de DNA mitocondrial porque se lo-caliza no interior das mitocôndrias,organelas celulares responsáveis pelaprodução de energia do organismo.Com a função de orientar a produçãode proteínas envolvidas no funciona-mento das próprias mitocôndrias, o mi-togenoma contém um número muitomenor de genes do que o DNA nuclear,que fica no núcleo das células. No en-tanto, uma vez que cada mitocôndriatem uma cópia deste material genéticoe uma célula pode ter dezenas ou atécentenas de mitocôndrias, este DNA éabundante nos organismos e sua deco-dificação pode ser mais fácil por estemotivo. Os cientistas também conside-ram o genoma mitocondrial útil parapesquisas porque ele evolui mais rapi-damente do que o DNA nuclear, o quefavorece a identificação de diferentes

subgrupos de micro-organismos – cien-tificamente chamados de populações –dentro de uma mesma espécie.

Para decifrar o mitogenoma da fi-lária O. volvulus do Brasil, os cientistasutilizaram uma combinação de tecno-logias, incluindo técnicas clássicas desequenciamento genético e métodosmodernos disponíveis na Plataforma deSequenciamento de Alto Desempenhoda Fiocruz. O resultado foi uma sequên-cia de DNA com 13.769 pares de ba-ses, onde se encontram 36 genes – quedeterminam a produção de 12 proteí-nas e 24 moléculas chamadas de RNA–, além de 294 pares de bases não co-dificantes. O genoma mitocondrial com-pleto foi depositado no banco de dadosgenéticos internacional GenBank, quepode ser acessado na internet.

Semelhançade 99% comlinhagensafricanas

A comparação do DNA mitocon-drial do parasito brasileiro com o mi-togenoma completo de um patógenodo oeste da África e uma sequênciaparcial de um verme de Camarões

apontou aproximadamente 99% desemelhança, com apenas 46 pontosde possíveis variações. “Uma vez queeste mitogenoma foi apenas o segun-do publicado no mundo, essa análisepermitiu a primeira investigação com-pleta de polimorfismos [variedades ge-néticas]. Esses dados mostram oquanto o O. volvulus presente no focodo Brasil está próximo da filária queocorre na África”, destaca Luz, acres-centando que a semelhança entre oparasito do Brasil e o de Camarões foimaior do que a observada entre os doispatógenos da África.

“No passado, acreditava-se que asfilárias que ocorrem no Brasil poderi-am pertencer a uma espécie distintae causavam uma doença diferente doO. volvulus da África. Embora já sereconheça há muito tempo que estesparasitos são da mesma espécie, o re-sultado que observamos é notável emuma perspectiva histórica”, completao pesquisador.

Os autores consideram que as va-riações genéticas observadas podemrepresentar novos marcadores de po-pulações do O. volvulus, contribuindopara entender a disseminação do pa-tógeno e aprimorar as estratégias decombate à doença. Nas Américas, oPrograma para Eliminação da Onco-cercose atingiu a meta em quatro dos

Onchocerca volvulus

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seis países onde a infecção era consi-derada endêmica. Porém, de acordocom Luz, a região da fronteira entre oBrasil e a Venezuela apresenta umcenário complexo, que demanda no-vas abordagens.

“É uma área indígena, muitogrande, na qual a densidade da flo-resta e o terreno montanhoso tornama logística extremamente difícil ecara. Além disso, os membros dastribos yanomami que habitam a re-gião são seminômades e cruzam afronteira entre os países livremente.Esta realidade faz da Amazônia omaior desafio para a eliminação daoncocercose nas Américas e, ainda,pode se tornar o maior desafio na lutacontra a doença em todo o mundo”,explica o parasitologista, ressaltandoa importância do desenvolvimento depesquisas na região. “Acredito quea orientação adequada dos recursose das ações integradas na área será

fática, outra verminose que afeta paí-ses pobres e em desenvolvimento. Paraa cura dos pacientes, são recomenda-dos 10 a 15 anos de tratamento, comdoses anuais do remédio. Embora de-morada, a terapia reduz consideravel-mente os danos causados pela doençae é a principal estratégia para interrom-per o ciclo de transmissão do agravo.

A oncocercose é conhecida comocegueira dos rios porque é transmitidapor insetos simulídeos – popularmentechamados de piuns ou borrachudos –que se criam nos cursos hídricos comcorrenteza. Estes insetos são infectadospela filária O. volvulus ao sugar o san-gue de pessoas infectadas e transmitemo parasito para outros indivíduos pormeio da picada. Os sintomas da doen-ça são coceira, lesões na pele e forma-ção de nódulos sob a pele. Algumaspessoas infectadas também sofrem da-nos oculares, com prejuízo da visão e,nos casos mais graves, cegueira.

crucial para o sucesso dos progra-mas de eliminação da oncocercose”,declara.

Prêmio Nobeldestacou esforçoscontra a doença

Com 99% dos pacientes infecta-dos vivendo em países africanos, a on-cocercose faz parte do grupo dedoenças classificadas pela OMS comonegligenciadas. No ano passado, oagravo ganhou os holofotes quando oscientistas William Campbell, da Irlan-da, e Satoshi Omura, do Japão, rece-beram o Prêmio Nobel de Medicinapelas descobertas que levaram ao de-senvolvimento da ivermectina. O me-dicamento é o único tratamento eficazcontra a oncocercose e a filariose lin-

Mitogenoma doOnchocerca volvuluscoletado no Brasil. Afigura apresenta osgenes que orientam aprodução de proteínasem azul; os quecodificam moléculas detRNA em vermelho; eaqueles que codificammoléculas rRNA emverde. Os pontos devariação genética sãodestacados em rosa

Reprodução ‘Memóriasdo Instituto OswaldoCruz’

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ara ajudar a conter no-vos casos de microcefa-lia relacionados ao víruszika, a presidente DilmaRousseff lançou, em 5 de

dezembro, o Plano Nacional de Enfrenta-mento à Microcefalia. A iniciativa é umagrande mobilização nacional envolvendodiferentes ministérios e órgãos do gover-no federal, em parceria com estados emunicípios. Dez dias depois, o Ministérioda Saúde (MS) lançou o Protocolo deAtenção à Saúde e Resposta à Ocorrên-cia de Microcefalia Relacionada à Infec-ção pelo Vírus Zika, que orienta oatendimento desde o pré-natal até o de-senvolvimento da criança com microce-falia, em todo o país. O planejamentoprevê a mobilização de gestores, especi-alistas e profissionais de saúde para pro-mover a identificação precoce e oscuidados especializados da gestante e dobebê. O documento recomenda, ainda,as diretrizes para o planejamento repro-dutivo, a detecção e notificação de qua-dros sugestivos de microcefalia e areabilitação das crianças acometidas pelamalformação congênita. Os esforços doMS no enfrentamento da emergência sa-nitária contam com a participação da Fio-cruz desde o início desse grave problemade saúde pública. Pesquisadores e dirigen-tes que atuam na área têm dedicado horasde esforço e trabalho para entender eenfrentar a emergência e dar as respos-tas que a população brasileira necessita.

Ainda em dezembro (18/12), com oobjetivo de enfrentar o quadro epidemio-lógico referente à tríplice epidemia (den-gue, chikungunya e zika) no país , a Fiocruzcriou o Gabinete para o Enfrentamento àEmergência Epidemiológica em SaúdePública, que visa unificar as ações da insti-tuição frente à Emergência em Saúde Pú-blica de Importância Nacional (Espin). Coma iniciativa, a Fundação aposta nos investi-mentos em pesquisa, desenvolvimento einovação para encontrar respostas para osdesafios apresentados pelas três doenças.A meta é também buscar cooperação comoutras instituições no Brasil e no âmbitointernacional na construção de projetos queofereçam possibilidades de geração deconhecimento e desenvolvimento de tec-nologias. As três doenças são transmitidaspelo Aedes aegypti.

PO plano de trabalho elaborado pelo

Gabinete abrange as ações como a or-ganização da atenção da saúde; a vigi-lância em saúde; a comunicação e ainformação; e o ensino, a pesquisa, odesenvolvimento e a inovação. Na pro-posta, estão a elaboração de um dese-nho de investigação para a definição daetiologia da microcefalia, desenvolvi-mento de kits diagnósticos para zika echikungunya, e a criação de um proto-colo de acompanhamento de gestan-tes e bebês em nível nacional.

Em relação à microcefalia e a outrasalterações de ordem neurológica, dentreas ações, está o desenvolvimento de umalgoritmo para diagnóstico e notificaçãoprecoce da doença. Em vigilância e saú-de, serão realizados estudos para estima-tivas de casos. Na área de comunicação,estão previstos a produção de materialinstrutivo para obstetras e pediatras e orelançamento do site da Rede Dengue,com informações e dados, em todas àsáreas, sobre dengue, zika e chikungunya.Para a assistência, deverá ser criado umprotocolo de acompanhamento de ges-tantes e bebês em nível nacional.

Antes da criação do Gabinete emesmo da criação, pelo governo fede-ral, do Plano Nacional de Enfrentamen-to à Microcefalia em novembro de 2015,o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz),por meio do Laboratório de Flavivírus,concluiu diagnósticos laboratoriais queconstataram a presença do genoma dovírus zika em amostras de líquido amni-ótico de duas gestantes da Paraíba, cu-jos fetos tinham microcefalia detectadapor meio de exames de ultrassom. Am-bas haviam relatado sintomas compatí-veis com o vírus zika e, nos examesanteriores, não havia indicativo do pro-blema. Os resultados foram relevantespara orientar as investigações em anda-mento e a reforçar a suspeita de correla-ção entre o vírus e a microcefalia.

Também em janeiro, a Fiocruz Para-ná desenvolveu um estudo que confirmoua transmissão interplacentária do vírus zikaapós a análise da amostra da placentade uma gestante da Região Nordeste, queapresentou sintomas compatíveis de in-fecção pelo vírus e que sofreu um abortoretido – quando o feto deixa de se desen-volver dentro do útero – no primeiro tri-

mestre de gravidez. A pesquisa foi reali-zada em parceria com a Pontifícia Uni-versidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Um outro encontro do Gabinete parao Enfrentamento à Emergência Epidemio-lógica em Saúde Pública da Fiocruz ocor-reu nos dias 6 e 7 de janeiro. Dentre asprioridades imediatas, foram citadas aspesquisas, as ações de controle vetorial, aconfecção de testes diagnósticos que pos-sam ser utilizados na rede pública de saú-de e o início do estudo epidemiológico,elencados como primordiais. A reuniãotambém discutiu a necessidade de prestaruma resposta a médio prazo, que podeser dada em até seis meses, para o en-frentamento desta emergência sanitária.

Pelo MS, outro documento importan-te divulgado foi o Protocolo para Implan-tação de Unidades Sentinelas para VírusZika. O objetivo é preparar os serviçosde vigilância para detecção oportuna dovírus zika, definir unidades sentinela paradetectar a circulação e autoctonia do ví-rus, bem como implantar protocolo devigilância sindrômica e fluxo laboratorialpara diagnóstico a partir dos casos queatendem a definição de caso suspeito.

Em 13 de janeiro o MS disponibilizouorientações aos gestores e profissionais dasequipes da Atenção Básica e Atenção Es-pecializada para a estimulação precocede bebês com microcefalia. Foi a primei-ra vez que o Ministério da Saúde reuniuem um único documento todas as diretri-zes para estimulação precoce de crian-ças, de 0 a 3 anos, com atraso no seudesenvolvimento. Elaboradas com apoiode pesquisadores, especialistas e profissi-onais de diversas instituições do país comexperiência e conhecimento sobre esti-mulação precoce, as diretrizes comple-mentam o Protocolo de Atenção à Saúdee Resposta à Ocorrência de MicrocefaliaRelacionada à Infecção pelo Vírus Zika.

Nas próximas páginas, umresumo dos esforços e dos avan-ços dos pesquisadores da Fiocruzno enfrentamento da emergên-cia sanitária. Outros materiaispodem ser acessados no site daAgência Fiocruz de Notícias e emum especial cujo endereço éagencia.fiocruz.br/zika-0.

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ESPECIAL

Associaçãoconfirmada

m abril, o Centro deControle e Prevençãode Doenças Transmis-síveis (CDC) dos Esta-dos Unidos anunciou a

confirmação da relação entre o zikae a ocorrência de microcefalia embebês cujas mães foram infectadaspelo vírus. O estudo realizou uma re-visão rigorosa das evidências já exis-tentes e concluiu que o zika é a causada microcefalia e outros danos cere-brais identificados em fetos. Paraembasar o estudo do CDC, foram ana-lisadas pesquisas da comunidade mé-dica e científica de diversos países,entre eles o Brasil, que é pioneiro noestudo do zika vírus associado à mi-crocefalia. O CDC é parceiro do Brasilnas investigações, como parte do es-forço mundial para as descobertas re-lacionadas ao tema.

Desde os primeiros relatos do au-mento expressivo de número de cri-anças nascidas com microcefalia noBrasil, o Ministério da Saúde estabe-leceu uma força-tarefa para investi-gar a possível associação dos casoscom o vírus zika. Com o objetivo defazer uma análise mais completa dascaracterísticas desta anomalia neuro-lógica causada pelo vírus, um artigocoordenado por uma força-tarefa daSociedade Brasileira de Genética Mé-dica e publicado em fevereiro no se-manário do Centro de Controle deDoenças dos Estados Unidos (CDC)reuniu 37 casos de microcefalia re-

ENara Boechat

gistrados durante a investigação, cujoresultado mostrou que de 35 bebês,25 foram diagnosticados com micro-cefalia severa e dentre as mães, 26relataram histórico de manchas ver-melhas no corpo durante o primeiroou segundo trimestre de gestação. Oestudo foi assinado por pesquisado-res de diversas instituições brasileiras,seis deles do Instituto Nacional deSaúde da Mulher, da Criança e doAdolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz): Dafne Horovitz, MarcosPone, Cynthia Pacheco, Claudia Ne-ves, Sheila Pone e Patricia Correia.

A relação entre o zika e a micro-cefalia já havia sido reconhecida eanunciada pelo governo brasileiro emnovembro de 2015, quando o vírusfoi identificado em amostras de san-gue e tecidos de um bebê com mi-crocefalia e também no líquidoamniótico de duas gestantes. Desdeentão, diversas outras evidências fo-ram encontradas, como vermelhidãona pele durante o primeiro trimestreda gravidez – que é um dos sintomasdo zika – em grande parte das mu-lheres que tiveram bebês com micro-cefalia nos Estados da Bahia, Paraíbae Pernambuco.

Para o diretor do CDC, Tom Fri-eden, a revisão das evidências dei-xa claro o vínculo entre o vírus e aocorrência de malformações. “Esseestudo marca uma virada na epide-mia de zika. Agora está claro queo vírus causa microcefalia”, escla-

Confirmação, pelo CDC, da relação entre zika emicrocefalia em bebês cujas mães foram infectadaspelo vírus contou com análises de estudos brasileiros

Foto: Peter Ilicciev

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receu o diretor no material publica-do pela instituição.

A microcefalia resulta de um de-senvolvimento anormal do cérebro,geralmente causado por infecções con-gênitas, alterações cromossômicas,além da exposição a drogas, álcool eoutras toxinas ambientais, e suas con-sequências a longo prazo podem va-riar em graus variados de atraso dodesenvolvimento motor e déficit inte-lectual. Com base no histórico do ín-dice da malformação em crianças nopaís, os relatos dos altos números debebês nascidos com microcefalia –quando o perímetro cefálico é duasvezes menor do que o padrão para osexo e idade gestacional –, detecta-dos a partir de setembro de 2015, ge-rou o alerta do Ministério da Saúdepara uma possível relação com o ví-rus zika, detectado na Região Nordes-te meses antes.

O vírus, que é transmitido pelomosquito Aedes Aegypti – o mesmotransmissor da dengue e da chikun-gunya –, foi identificado no líquidoamniótico de duas gestantes cujos fe-tos foram diagnosticados com a mal-formação durante o pré-natal. Oestudo da Sociedade Brasileira deGenética Médica reuniu um grupo de37 crianças de diversos estados dopaís para avaliar o acometimento esua provável relação com o vírus zika.Dois bebês, no entanto, foram exclu-ídos do conjunto, pois concluiu-seque a origem da condição não esta-va ligada ao vírus: um tinha uma al-teração genética e o outro apresentouinfecção por citomegalovírus.

Além das 26 (74%) mães de cri-anças com microcefalia que apresen-taram vermelhidão no corpo durante oprimeiro ou segundo trimestre, todasas mulheres confirmaram que, duran-te a gestação, moravam ou visitaramregiões onde há histórico de vírus zika,incluindo aquelas que não tiveram man-chas vermelhas ou outros sintomas ca-racterísticos da doença. Além disso, 25crianças foram diagnosticadas commicrocefalia grave – com o perímetrocefálico três vezes menor do que o

padrão para o sexo e idade gestacio-nal; 17 (49%) tinham pelo menos umaanomalia neurológica; e dentre as 27crianças submetidas a um exame deneuroimagem (tomografia ou ultrasso-nografia), todas foram diagnosticadascom algum tipo de anomalia em siste-ma nervoso central.

O estudo também mostrou quequatro (11%) bebês tinham contratu-ras congênitas (artogripose) e 11 (31%)registraram excesso de pele no crânio,o que, segundo a médica e geneticistado IFF Dafne Horovitz, sugere que ofeto sofreu um estresse ainda no úteroda mãe, interrompendo o seu desen-volvimento normal. Ainda de acordocom o artigo, o resultado dos testes emtodo o grupo de crianças foi negativoquanto a sífilis, toxoplasmose, rubéo-la, citomegalovírus e herpes.

Segundo a médica geneticistaDafne Horovitz, os pesquisadorescontinuarão analisando novos casos,mas há dificuldades. “É difícil detec-tar microcefalia no âmbito da saúdepública com os instrumentos de re-gistro disponíveis, e a gente depen-de da descrição dos médicos. Quandoo bebê nasce, marca-se apenas ‘sim’ou ‘não’ na questão sobre malforma-ções. Na declaração de nascido vivonão existe um espaço para o regis-tro do perímetro cefálico”, explica.Além da questão do registro, osmétodos laboratoriais para confirma-ção da infecção por zika não estãoamplamente disponíveis e não sãoos ideais para determinar se o casoconfigura de fato uma infecção con-gênita pelo vírus.

Mais estudos estão sendo feitospara entender melhor se há outras ad-versidades que também possam es-tar associadas à infecção. Enquantoisso, o Ministério da Saúde aumen-tou os esforços para eliminar os cria-douros de mosquitos e fez novasrecomendações para a proteção dapopulação, principalmente em ges-tantes, como o uso de repelentes ecalças e blusas de manga longa, re-des de proteção em casa e ações paraimpedir que o mosquito se prolifere.

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m estudo pioneiro daFiocruz constatou apresença do vírus zikaativo (com potencial deprovocar a infecção)

em amostras de saliva e de urina. Aevidência inédita, que sugere a ne-cessidade de investigar a relevânciadestas potenciais vias alternativas detransmissão viral, foi constatada peloLaboratório de Biologia Molecular deFlavivírus do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz). A descoberta foi anun-ciada em fevereiro.

Os estudos foram liderados pelapesquisadora Myrna Bonaldo, chefedo laboratório, em colaboração coma infectologista Patrícia Brasil, do Ins-tituto Nacional de Infectologia Evan-dro Chagas, da Fiocruz (INI/Fiocruz),e o pesquisador Ricardo Lourenço, do

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ESPECIAL

Laboratório de Mosquitos Transmis-sores de Hematozoários do IOC. Fo-ram analisadas amostras referentesa dois pacientes e as coletas foramrealizadas durante a apresentação desintomas compatíveis com o víruszika. Alíquotas das amostras foramcolocadas em contato com célulasVero, que são amplamente usadasem estudos sobre atividade viral nocaso da família dos flavivírus, à qualpertencem os vírus zika, dengue efebre amarela, entre outros.

Os cientistas observaram o efeitocitopático provocado nas células – ouseja, foi observada a destruição oudanificação das células, o que com-prova a atividade viral. A presençado material genético do vírus zika foiconfirmada pela técnica de RT-PCRem Tempo Real. Também foi realiza-

do o sequenciamento parcial do ge-noma do vírus. Diagnósticos labora-toriais descartaram a presença dosvírus dengue e chikungunya – paraestas análises, foi usado o Kit NATDiscriminatório para Dengue, Zika eChikungunya recentemente desenvol-vido pela Fiocruz.

“Já se sabia que o vírus poderiaestar presente tanto em urina quantoem saliva. Esta é a primeira vez emque demonstramos que o vírus estáativo, ou seja, com potencial de pro-vocar a infecção, o que abre novosparadigmas para o entendimento dasrotas de transmissão do vírus zika. Issoresponde uma pergunta importante,porém, o entendimento da relevânciaepidemiológica destas potenciais viasde infecção demanda novos estudos”,situa Myrna Bonaldo.

Foto: IOC/Fiocruz

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O diretor do IOC, Wilson Savino,destacou a natureza colaborativa dapesquisa que levou aos achados.“Esse resultado só foi possível devi-do à cooperação entre o InstitutoOswaldo Cruz e o Instituto Nacionalde Infectologia. Isso mostra que, setodos trabalharem em conjunto,avançaremos de forma mais eficaze rápida. Diante dessa emergênciasanitária de importância mundial, otrabalho cooperativo envolvendo ci-entistas do Brasil e do exterior seráfundamental para darmos respostasàs questões científicas e à popula-ção”, declarou.

“Esta descoberta é parte dos 115anos de dedicação da Fiocruz à saú-de pública. Temos dirigido nossos es-forços para colaborar com a ampliaçãodo conhecimento científico sobre estevírus que vem desafiando cientistasde todo o mundo. Esta é mais umacontribuição da Fiocruz à saúde glo-bal”, afirma o presidente da Fiocruz,Paulo Gadelha. “Estamos lidandocom dados muito recentes e, a cadamomento, novas evidências são ob-tidas e compartilhadas pela comu-nidade científica, como acabamos defazer”, afirma. Ele situa que, apósa comprovação do potencial detransmissão por via de saliva e deurina, dada a constatação da pre-sença do vírus ativo, é necessárioinvestigar a relevância destas poten-ciais vias para a transmissão viral.

“A primeira medida é sempre ada cautela. O que sabemos hoje éque o vírus zika costuma apresentarquadro clínico brando, com maiorpreocupação em relação às gestan-tes por conta dos casos de microce-falia que têm sido acompanhados.Neste sentido, medidas de preven-ção já conhecidas para outras doen-ças precisam de um olhar maiscauteloso a partir de agora, especi-almente no caso do contato com asgestantes. Estamos empenhados emgerar evidências sobre o vírus zika evamos compartilhar estas evidênci-as conforme avançarmos no conhe-cimento sobre o tema”, pontua,acrescentando que outras perguntas

científicas permanecemem aberto, como o perío-do de sobrevivência viralna sal iva e urina, porexemplo.

A Fiocruz alerta que,com base nos conhecimen-tos disponíveis até o mo-mento, as medidas decontrole do vetor Aedesaegypti continuam sendocentrais. “Em uma situaçãocomo esta, em que esta-mos conhecendo mais acada dia sobre este vírus,todos os aspectos precisamser considerados. Muitoainda precisa ser investiga-do em relação à impor-tância de cada via detransmissão para a propa-gação de casos. Porém, éfundamental que a vigilân-cia ao vetor permaneça.Não podemos esquecerque ele é comprovada-mente o vetor para os ví-rus dengue, chikungunyae zika”, reforça o presiden-te da Fiocruz.

Myrna destaca a mo-bilização da comunidadecientífica sobre o víruszika. “É nossa missão en-quanto cientistas contri-buir para o entendimentodesta situação de saúdepública que preocupa atodos e que já está afligin-do milhares de famílias noBrasil, com o crescimentode casos de microcefalia”,Myrna diz, agradecendo àdedicação da equipe depesquisa. “Como temosum laboratório que é jus-tamente focado em flavi-vírus, família à qual o zikapertence, desde o primei-ro momento vimos a pos-sibilidade de ajudar. Issosomente foi possível devi-do ao compromisso integraldas pessoas envolvidas e dainstituição”, completa.

Depois do contato com as amostras, os cientistasobservaram o efeito de destruição e danificaçãodas célulasFoto: IOC/Fiocruz

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ESPECIAL

ientistas do Centro dePesquisa René Rachou(CPqRR/Fiocruz Minas)comprovaram, no iníciode maio, que a bactéria

Wolbachia, quando presente no mosqui-to Aedes aegypti, é capaz de reduzir atransmissão do vírus zika. Publicado naprestigiada revista científica Cell Host &Microbe, o estudo integra o projeto Eli-minar a Dengue: Desafio Brasil. Trazidoao país pela Fiocruz, o projeto estuda ouso da bactéria Wolbachia como umaalternativa natural, segura e autossusten-tável para o controle de dengue, chikun-gunya e zika. A pesquisa traz, ainda,dados inéditos sobre a capacidade daWolbachia de reduzir a replicação do ví-rus no organismo do mosquito.

O estudo usou quatro grupos de mos-quitos Aedes aegypti: duas gaiolas conti-nham mosquitos Aedes aegypti comWolbachia, criados em laboratório pelaequipe do projeto, e duas gaiolas com in-setos sem a bactéria, coleados no Rio deJaneiro. Todos eles foram alimentados comsangue humano contendo duas linhagensdo vírus zika circulantes no Brasil: metadedas gaiolas recebeu sangue com uma cepaisolada em São Paulo, enquanto a outra,

Ccom cepa isolada em Pernambuco.

Os cientistas acompanharam os mos-quitos ao longo do tempo. Depois de 14dias do contato com o vírus, os especia-listas coletaram amostras de saliva de dezmosquitos com Wolbachia e de dez mos-quitos sem Wolbachia. O objetivo era in-fectar um outro grupo de 160 Aedes eanalisar se eles seriam infectados pelovírus presente nas salivas. O resultado foianimador: nenhum dos 80 mosquitos querecebeu saliva de Aedes com Wolbachiase infectou com o vírus zika. Por outrolado, 85% dos mosquitos que recebe-ram saliva de Aedes sem Wolbachia fi-caram altamente infectados.

”Por mais que a saliva dos Aedes ae-gypti com Wolbachia apresentasse partí-culas virais de zika, em nenhum caso asaliva foi capaz de infectar outros mosqui-tos. Esses dados são similares ao efeito an-teriormente observado sobre o potencialde transmissão do vírus dengue por Aedesaegypti com Wolbachia. Isso nos mostraque o uso de mosquitos Aedes aegypti comWolbachia também tem potencial para serutilizado para controle da transmissão dovírus zika”, destaca o pesquisador LucianoMoreira, coordenador do estudo e líder doprojeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil.

Na competiçãointerna, mais vitóriasda Wolbachia

Para verificar se o vírus zika conse-guiria se disseminar pelos tecidos dosmosquitos, amostras de abdômen ecabeça/tórax foram analisadas por meioda técnica de RT-PCR. Para isso, foramanalisados quatro grupos de 20 insetoscom e sem Wolbachia, em dois momen-tos. Sete dias após a ingestão do sangueinfectado com a cepa de Pernambuco,os especialistas constataram que no gru-po de insetos com a bactéria, em rela-ção ao de mosquitos sem a bactéria,houve uma redução de 35% na repli-cação do vírus zika no abdômen e de100% na cabeça/tórax. Catorze diasapós a infecção inicial, as reduções fo-ram de 65% e 90%, respectivamente.No grupo que recebeu sangue infecta-do com a cepa de São Paulo, após setedias, as reduções atingiram os índicesde 67% e 95%, no abdômen e na ca-beça/tórax, e 68% e 74%, nos mes-mos tecidos, após catorze dias.

“Ainda não se sabe o que aconte-

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ce no organismo do mosquito com Wol-bachia quando ele é infectado com o ví-rus zika, por exemplo. No entanto,percebemos que nesta competição a bac-téria leva a melhor. Ela consegue reduzira replicação do vírus”, avalia Moreira.

O estudo foi além: os pesquisadorescoletaram amostras de saliva de 20 Ae-des aegypti com Wolbachia e de 20 Ae-des aegypti sem Wolbachia quereceberam sangue infectado com acepa isolada de Pernambuco. Esta cole-ta aconteceu 14 dias após a ingestão dovírus, período em que, segundo a litera-tura, o patógeno já teria se espalhadocompletamente pelo organismo do in-seto e chegado à glândula salivar. O ob-jetivo era demonstrar o percentual devírus que conseguiria chegar até esteestágio, momento em que o Aedes setorna capaz de transmitir o vírus. Aqui,mais um resultado animador: em 55%dos mosquitos com Wolbachia não ha-via positividade para o vírus zika.

”Na natureza, ao picar um indivíduoinfectado, o mosquito também se infec-ta. O vírus, então, irá percorrer um longocaminho por todo o corpo do inseto atéchegar à glândula salivar. Alcançar umresultado que demonstra que mais dametade dos Aedes com Wolbachia se-quer apresentarão zika na saliva, casosejam infectados, reforça ainda mais opotencial de utilização em larga escalaque esta estratégia apresenta”, ponde-ra o coordenador do projeto no Brasil.

No país, a iniciativa sem fins lucrati-

vos teve início em 2012 e realiza estudosde campo nos bairros de Tubiacanga, naIlha do Governador, na Zona Norte do Riode Janeiro, e em Jurujuba, em Niterói. Oresultado mais recente divulgado peloprojeto mostrou que 80% dos mosquitosAedes aegypti destas localidades possuí-am a bactéria Wolbachia, ao final dosestudos de campo realizados entre agos-to de 2015 e janeiro de 2016.

Segurançae aprovações

A Wolbachia é uma bactéria restrita aanimais invertebrados. Por ser obrigatoria-mente intracelular, ela não sai durante apicada do mosquito e não está presentena saliva que o mosquito secreta durantea picada. Além disso, há séculos os sereshumanos são picados pelo pernilongo, quenaturalmente tem a Wolbachia, sem o de-senvolvimento de doenças ou reação imu-ne causadas diretamente pela bactéria.

Os estudos de campo do projetono Brasil foram aprovados pela Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa), pelo Instituto Brasileiro deMeio Ambiente e Recursos NaturaisRenováveis (Ibama), pelo Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimen-to (Mapa) e pela Comissão Nacionalde Ética em Pesquisa (Conep). A apro-vação ocorreu após rigorosa avaliaçãosobre a segurança para a saúde epara o meio ambiente.

FinanciamentoO projeto Eliminar a Dengue: De-

safio Brasil integra o esforço internaci-onal sem fins lucrativos do ProgramaEliminate Dengue: Our Challenge (Eli-minar a Dengue: Nosso Desafio). NoBrasil, o projeto tem financiamento doMinistério da Saúde (Secretaria de Vi-gilância em Saúde e Departamento deCiência e Tecnologia da Secretaria deCiência, Tecnologia e Insumos Estraté-gicos), Ministério da Ciência, Tecnolo-gia e Inovação e CNPq. O projetoconta, ainda, com recursos diretos daFundação Bill & Melinda Gates, e comcontrapartida da Fiocruz em estrutura,recursos humanos e equipamentos. ASecretaria de Saúde de Niterói e a Se-cretaria Municipal de Saúde do Rio deJaneiro atuam como parceiros locais naimplantação do projeto.

O financiamento internacionalprincipal é oriundo de verba da Uni-versidade de Monash, obtida pormeio da Foundation for the NationalInstitutes of Health (FNIH, dos Esta-dos Unidos) por meio do programaControle de Doenças Transmitidaspor Vetores: Pesquisa para Descober-ta (Vector-Based Transmission ofControl: Discovery Research - VCTR)da Iniciativa Grandes Desafios emSaúde Global (Grand Challenges inGlobal Health Initiatives) da Funda-ção Bill & Melinda Gates.

Pesquisadores coletaramamostras de saliva de 20Aedes aegypti comWolbachia e de 20 Aedesaegypti sem Wolbachia quereceberam sangue infectadocom a cepa isolada dePernambuco.Foto: Gutemberg Brito/IOC

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ESPECIAL

relação entre as más-formações congênitas ea infecção por zika ví-rus (ZIKV) em gestantesfoi reforçada por um

estudo desenvolvido pelo Instituto Car-los Chagas (ICC/Fiocruz Paraná), emparceria com a Pontifícia UniversidadeCatólica do Paraná (PUC-PR). O traba-lho analisou amostras oriundas das re-giões Nordeste e Sul do país, deplacentas de mulheres grávidas infec-tadas em diferentes fases de gestaçãoe de tecidos de cérebros de bebês quemorreram em menos de 24 horas apóso nascimento. Os resultados mostramque o vírus infectou a placenta em to-dos os casos e que este tecido é umalvo preferencial, no caso das gestan-tes, assim como os tecidos dos cére-bros, no caso dos bebês.

“Evidenciamos que o vírus chegaà placenta em qualquer fase da gesta-ção. Além da análise de tecidos da pla-

ARenata Fontoura

centa de grávidas que relataram sinto-mas da infecção por zika no primeirotrimestre de gravidez – uma que so-freu aborto retido e outras duas quetiveram bebês com má-formação e quemorreram algumas horas após o parto–, investigamos o caso de uma ges-tante que teve diagnóstico confirmadopela técnica molecular de Reação emCadeia da Polimerase (PCR, na siglaem inglês) e pelo diagnóstico sorológi-co, no terceiro trimestre de gravidez.Neste último caso, ela deu à luz a umbebê saudável, apesar de termos iden-tificado a presença do vírus nas amos-tras da placenta”, explica a chefe doLaboratório de Virologia Molecular daFiocruz Paraná, Cláudia Nunes Duartedos Santos.

A pesquisa também mostrou umtropismo viral, ou seja, uma certa pre-ferência do vírus para infectar os teci-dos da placenta e do sistema nervosocentral. “Foram analisados tecidos de

outros órgãos, incluindo rins, pulmão ebaço. A maioria deles não apresentoulesões causadas pelo vírus e, os queapresentaram, tratava-se de lesões se-cundárias”, complementa a virologis-ta do ICC.

A patologista do Laboratório dePatologia Experimental da PUC-PR Lú-cia Noronha explica que o vírus danifi-cou os tecidos cerebrais dos fetos.“Onde a imunohistoquímica estavapositiva para o vírus constatamos umacerebrite, ou seja, uma inflamação nocérebro que destrói as neurônios e cé-lulas da glia, sendo que estas últimassão células que dão suporte ao siste-ma nervoso, sustentam os neurônios esão responsáveis por sua defesa e so-brevivência”, esclarece. Além disso, ascélulas gliais também são responsáveispela maturação dos neurônios duranteo desenvolvimento do cérebro dosembriões e o fato desta célula estarpositiva para o zika vírus pode ser um

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indício de como este vírus poderia serresponsável pelas lesões cerebrais tãograves que estamos presenciando”, es-clarece.

Outra evidencia importante estárelacionada a utilização, pelo vírus, dopotencial migratório das células de cé-lulas Hofbauer – que se situam na pla-centa e atuam na defesa do fetodurante a gestação. “Essa dinâmicapode explicar o mecanismo de infec-ção dos bebês ainda no útero. O queocorre é uma inflamação da placenta,chamada vilosite, que quebra a barrei-ra placentária e possibilita que o vírusentre em contato com estas células deHofbauer. Estas células, que podem semovimentar dentro da placenta, pode-riam se aproximar dos vasos do feto etransmitir o vírus”, sugere a patologis-ta como uma hipótese.

O conjunto de informações gera-dos a partir da análise dos cinco casos,transforma o estudo em umas das maiscompletas descrições das alteraçõescausadas pelo vírus na placenta e emdiferentes tecidos do feto. O trabalhodeu continuidade à investigação divul-gada em janeiro de 2016 pelo mesmogrupo de pesquisa, que resultou naconfirmação a transmissão trans-pla-centária do zika vírus. “Acreditamos osresultados e dados que estamos apre-sentando serão muito importantes paradarmos continuidade às pesquisas ebuscarmos o conhecimento das formasde transmissão do zika vírus e suas in-teracções com as células hospedeirase tropismo viral”, conclui Cláudia.

Fiocruz Paraná comoprotagonista napesquisa sobre zika vírus

A Fiocruz desempenha um papelde protagonista no desenvolvimento depesquisas relacionadas ao zika vírus nopaís e no mundo. Atualmente, umarede de cerca de 300 pesquisadores sededica ao estudo de aspectos relacio-nados ao vírus e seus impactos para asaúde pública brasileira.

Único atuando na Região Sul dopaís, o Laboratório de Virologia Mole-cular do ICC é liderado pela virologista

Cláudia Nunes Duarte dos Santos e par-ticipa de forma significativa do esforçoempregado pela Fiocruz no desenvol-vimento de pesquisas relacionadas aozika vírus, já que é um dos cinco la-boratórios sentinelas do Ministério daSaúde para o tema. O grupo foi res-ponsável pela confirmação, por meiodo sequenciamento do genoma viral,em maio de 2015, da presença dozika vírus em oito amostras humanasvindas do Rio Grande do Norte.

“Por meio de uma colaboraçãocom a Universidade Federal do RioGrande Norte, recebemos 21 amostrascoletadas em janeiro de 2016 e envia-das ao nosso laboratório pelo médicoinfectologista Kleber Luz. Todas foramanalisadas e descartadas para denguee chikungunya. Com reagentes espe-cíficos para identificação do zika vírus,confirmamos a presença de seu ácidoribonucleico (RNA, na sigla em inglês)viral em oito delas”, explica a virolo-gista do ICC.

Agora, a equipe divulga a pesqui-sa que reforça a relação entre o vírus eas más-formações congênitas e traba-

lha no desenvolvimento de um testede diagnóstico capaz de detectar a in-fecção em amostras de sangue, pormeio de exame sorológico. Um passoimportante para ter uma ideia maisampla da infecção do vírus e potenci-ais mecanismos de transmissão e teruma dimensão quantitativa de pesso-as infectadas. Atualmente, somentetestes moleculares, que precisam serrealizados em até cinco dias após oaparecimento dos primeiros sintomas,são realizados.

“Trabalhamos em rede no Brasil ebuscamos a cooperação com grupos depesquisa internacionais, como os doInstituto Pasteur, que iniciaram estudossobre o vírus após o surto da doençana Polinésia Francesa, em 2014”, re-força Cláudia. “A emergência dessenovo vírus, reforça a importância daampliação das pesquisas científicas naárea e o quão fundamental são asações de combate, pela população epelo poder público, ao Aedes aegpyti,mosquito transmissor do vírus zika, dadengue e da febre chikungunya”, ob-serva a virologista.

“Evidenciamos que o vírus chega à placenta em qualquer fase da gestação”,observa a chefe do Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Paraná,Cláudia Nunes Duarte dos Santos. Foto: Itamar Crispim

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ESPECIAL

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m novo capítulo da histó-ria da saúde está sendoescrito no Brasil com oscasos de microcefalia e deoutras doenças congênitas

que, de acordo com as primeiras evidên-cias, são causados pelo vírus zika. Soman-do os casos de 2015 e os ocorridos até 20de fevereiro deste ano foram 5.640 noti-ficações, o que está atraindo a atençãodo mundo para o país e em especial paraPernambuco, estado com maior númerode casos. O boom da microcefalia gerouvárias perguntas e as respostas científicaspara algumas delas estão sendo investi-gadas na unidade da Fiocruz em Pernam-buco, o Centro de Pesquisa AggeuMagalhães, instituição de pesquisa e en-sino com tradição no estudo de doençasinfecciosas e doenças crônicas.

O envolvimento do Centro de Pes-quisa com a epidemia de zika começoucom o recebimento de amostras de san-gue - enviadas pelo membro do ComitêTécnico do Ministério da Saúde (MS) ecolaborador da Fiocruz PE, o médicoCarlos Brito - coletadas de pacientesatendidos nas emergências do estado,entre março e abril de 2015, que apre-sentavam sintomas parecidos com a den-gue. Responsável pela análise dessasamostras, o Departamento de Virologiae Terapia Experimental (Lavite) do Cen-tro de Pesquisa verificou que dez amos-tras foram positivas para o vírus zika.Dessas, três pacientes apresentavamcomprometimentos clínicos e sete ti-nham comprometimentos neurológicos,incluindo a síndrome de Guillain-Barré.

Em outubro, já acreditando existirassociação entre zika e microcefalia, Bri-to mais uma vez solicitou a colabora-ção da equipe do Lavite para que fossemanalisados os sangues de crianças nas-cidas com a má formação congênita ede suas mães. Em dez dias foram rece-bidas 46 amostras que deram todasnegativas para zika, quando submeti-das à PCR. Porém, a técnica só detectao vírus na fase aguda da doença, quan-do ele está em circulação no organis-mo, o que não era o caso dessas mães,que tinham tido sintomas da doença hámais de seis meses. Em fevereiro de

U2016, analisando a presença de anti-corpos IgM no líquido cefalorraquidia-no (LCR) de 31 desses mesmos bebês,o resultado foi: 29 positivos para zika,um negativo e um inconclusivo.

Como o teste sorológico para a de-tecção dos anticorpos IgM mostrou-seimportante para a investigação da mi-crocefalia, o LCR colhido de todas ascrianças com notificação de microcefa-lia no estado estão sendo enviados peloLaboratório Central de Saúde Pública(Lacen) de Pernambuco para o Lavite,para que seja feita a análise molecularpor PCR e para a pesquisa de anticor-pos da classe IgM. Os testes sorológicosestão sendo coordenados pela pesqui-sadora Marli Tenório, que usa os mes-mos protocolos de diagnóstico do Centrode Controle e Prevenção de Doençasdos Estados Unidos (em inglês, CDC).

Também no Lavite está sendo es-tudada a biologia do vírus zika. A pesqui-sa The emergence of Zika Virus in Brazil:investigating viral features and host res-ponses to design preventive strategies éuma parceria com a Universidade de Glas-gow, com o apoio da Universidade de SãoPaulo (USP), financiada pelo NewtonFund, no qual foi aprovada em primeirolugar no edital sobre doenças infecciosase negligenciadas, e pela Fundação deAmparo à Ciência e Tecnologia de Per-nambuco. Seus achados ajudarão a de-senvolver potenciais vacinas e novos alvosterapêuticos, além de novos insumos paradiagnóstico, por meio de técnicas de bio-logia molecular. O estudo deverá esclare-cer, ainda, se o vírus infecta células dosistema nervoso, causando danos neu-rológicos. “Estamos identificando dife-rentes linhagens celulares e infectandoneurônios com a cepa asiática do ví-rus, que é a circulante no Brasil”, ex-plica o pesquisador Rafael França,coordenador do projeto.

Outro estudo em andamento noLavite é o de uma vacina feita com DNAdo vírus zika, material inerte que tornaesse modelo de imunizante mais segu-ro do que os produzidos com vírus ate-nuado, podendo ser usado por grávidas,imunodeprimidos, recém-nascidos e ido-sos. Tem a vantagem, ainda, de poder

ser produzida em maior escala do queas vacinas atenuadas/inativadas con-vencionais. Pesquisador responsável poresse trabalho, Rafael Dhalia usou nessavacina a mesma tecnologia que desen-volveu para produzir uma nova vacinacontra a febre amarela, patenteada pelaFiocruz em 2010.

“Isso foi possível porque o zika temgenoma parecido com o da febre amare-la e processa as suas proteínas de formasemelhante”, explica Dhalia. A sequên-cia de DNA do zika identificada por elepara produzir a vacina está sendo sinteti-zada numa empresa de biotecnologia edeve ficar pronta em março. A vacina serádesenvolvida em parceria com BioMan-guinhos para viabilizar os testes imunoló-gicos em animais e humanos.

A pesquisadora Laura Gil, desse mes-mo departamento, também está centran-do esforços no desenvolvimento de umavacina, mas neste caso com vírus recom-binante atenuado que, segundo Laura,por introduzir o vírus no organismo, induza uma melhor resposta imune. Essa vaci-na terá por base a vacina da febre ama-rela, na qual os genes estruturais dessevírus serão substituídos pelos mesmosgenes do vírus zika. Uma das vantagensde usar a vacina da febre amarela nesseprocesso é já conhecer como o vírus sereplica nela, gerando um produto não pa-togênico, seguro para aplicação em hu-mano. A obtenção e caracterização dovírus atenuado será feita na Fiocruz PE eo projeto envolve a colaboração do Insti-tuto de Tecnologia em Imunobiológicos(Bio-Manguinhos/Fiocruz).

Ainda estão sendo estudados odesenvolvimento de um teste diagnós-tico para zika usando fragmentos dasproteínas envelope e NS1, que provo-cam menos reações cruzadas com adengue e a infecção de células da pla-centa pelo zika, com a finalidade desaber se os anticorpos contra a den-gue favorecem ou dificultam a infec-ção da placenta pelo zika. Além disso,estão analisando a produção de anti-corpos neutralizantes, utilizando linfó-citos B humano, servindo comoagente de proteção passiva para ges-tantes e neonatos.

Fabíola Tavares

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EpidemologiaNo campo da epidemiologia, uma

das pesquisas investiga a relação defatores genéticos e ambientais e dedoenças infecciosas com o aumentodos casos de microcefalia. Trata-se doEstudo de Caso Controle de Microce-falia em Pernambuco, coordenado porCelina Turchi, do grupo de pesquisaMerg (do inglês Microcephaly Epide-mic Research Group), em cinco mater-nidades estaduais

As mães dos dois grupos têm san-gue coletado para saber quais anti-corpos de doenças elas possuem erespondem a um questionário. A fi-nalidade é saber quais infecções elasjá tiveram, quais medicações e vaci-nas tomaram durante a gestação, seutilizaram larvicidas em domicílio ese têm doença genética e outros ca-sos de microcefalia na família, entreoutras questões.

Um segundo estudo analisará 500mulheres que tiveram manchas ver-melhas na pele, durante a gestação,e outras 200 grávidas sem esse qua-dro clínico. O objetivo é conhecer a

probabilidade de a gestante que teminfecção pelo zika ter um filho commicrocefalia. Além disso, será inves-tigado em que período da gestaçãoa infecção oferece maior probabili-dade de a mãe dar à luz um bebêcom microcefalia e se uma infecçãotardia (no segundo e terceiro trimes-tres da gravidez) causa outra conse-quência que não microcefalia. Apesquisa é coordenada pelo médicoRicardo Ximenes, professor das uni-versidades Estadual (UPE) e Federalde Pernambuco (UFPE), instituiçõesparceiras da Fiocruz PE.

Aguardando aprovação do Comi-tê de Ética em Pesquisa da FiocruzPE, outra pesquisa acompanhará, pordois anos, 150 crianças com micro-cefalia para analisar como se desen-volvem. Além de caracterizar oquadro clínico e descrever o cresci-mento e o desenvolvimento geral,serão descritos os desenvolvimentosneurocognitivo e odontológico. Tam-bém serão acompanhadas, mas semum quantitativo definido, criançascom perímetro cefálico (PC) entre 32e 33 centímetros sem alterações no

sistema nervoso central detectado naultrassom e com mães que tiverammanchas na pele ou crianças comPC entre 32 e 33 centímetros comcalcificações no sistema nervoso cen-tral. A coordenação é do infectolo-gista Demócrito Miranda-Fi lho,professor da UPE e também integran-te do Merg, assim como Ximenes.

MosquitosEm relação aos vetores, um dos

principais estudos em andamento éo que avalia se o mosquito Culexquinquefasciatus – a muriçoca – omais comum no Brasil, pode sertransmissor do vírus zika e o tempode replicação do vírus no mosquito.Na primeira etapa do trabalho, a delaboratório, 200 mosquitos de cadaespécie, livres de qualquer infecção,estão sendo alimentados com san-gue infectado pelo zika. Depois é ve-rif icada a presença de materialgenético do vírus na glândula sali-var e no intestino do inseto. A pre-sença do vírus na glândula salivarmostra que o vírus fez todo o ciclo

Os pesquisadores Rafael França, Marli Tenório e Celina Martelli integram o grupo deestudos sobre o vírus zika na Fiocruz Pernambuco. Fotos: Ascom/Fiocruz Pernambuco

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no mosquito e pode ser transmitidopor ele. Presente apenas no intesti-no, significará que o vírus está mor-to no organismo, não havendochances de transmissão. “Daí é sa-ber quais os genes que o mosquitousa para isso”, afirma ConstânciaAyres, coordenadora do estudo evice-diretora de Ensino da Fiocruz PE.

Cientificamente, o único vetorconhecido desse vírus é o Aedes ae-gpyti, mas a observação dos primei-ros registros de surto de zika emáreas urbanas levaram a pesquisa-dora a pensar sobre a possibilidadedo Culex ser transmissor também. NaMicronésia e na Polinésia o A. ae-gypti é raro e outras espécies deAedes presentes foram negativaspara o vírus. Contribuiu também paraessa suspeita o Culex ser a espéciede mosquito mais abundante no am-biente urbano das áreas tropicais esubtropicais, onde está presentenuma densidade 20 vezes maior queo A. aegypti. Na etapa de camposerão coletados mosquitos no Recifee em Arcoverde (na região do ser-tão), locais onde há relatos da do-

ença, para averiguar a contamina-ção do C. quinquefasciatus pelo zikaem seu ambiente natural e em queproporção.

Na tentativa de diminuir a den-sidade populacional do mosquito A.aegypti e assim fazer seu controle,está sendo testado o uso de ener-gia nuclear. No projeto, uma par-ceria da Fiocruz PE com a UFPE,mosquitos machos são esterilizadoscom radiação gama e liberados noambiente, para competir com osmachos selvagens no acasalamen-to. Vencida essa disputa, eles pas-sam espermatozóides inviáveis, nãogerando novas larvas do inseto. Afêmea do mosquito costuma acasa-lar apenas uma vez e o cruzamen-to com machos estéreis acabaimpedindo sua reprodução. A áreaescolhida para teste foi a Vila daConceição, na Ilha de Fernando deNoronha (PE). Maria Alice Varjal,do Departamento de Entomologia,coordena o estudo.

Os mosquitos são produzidos emmassa no insetário da Fiocruz PE ena fase de pupa são esterilizados

com Cobalto 60, no Irradiador Gam-macel do Departamento de EnergiaNuclear (DEN) da UFPE. A iniciativautiliza uma sub-população de mos-quitos da própria ilha visando pre-servar suas características genéticas,que estão adaptadas às condiçõesambientais do local.

Muitas das ações que estão sen-do promovidas no campo da pesqui-sa contam com o apoio do Serviçode Referência Regional em Arboví-rus da Fiocruz PE, criado recentemen-te. Numa ação de vigilância, o serviçotesta semanalmente amostras desoro sanguíneo de pacientes com di-agnóstico clínico de zika, oriundosde Pernambuco, Paraíba e Rio Gran-de do Norte. As amostras são envia-das pelos laboratórios centrais(Lacens) dos estados e o objetivo éconfirmar a continuidade da circula-ção do vírus zika.

Para o diretor da Fiocruz PE, SinvalBrandão Filho, a “atuação da unidadecom diferentes frentes de pesquisamostram a capacidade institucional deatender esse momento de emergên-cia em saúde que vive o país”.

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Diferenças dos mosquitosna transmissão do vírus zikaEstudo pioneiro foi realizado por pesquisadores da Fiocruz eInstituto Pasteur com colaboração de instituição da Martinica

ESPECIAL

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Maíra Menezes

ma pesquisa inédita ava-liou a competência veto-rial de mosquitos dogênero Aedes para atransmissão do vírus zika

em cinco países: Brasil, Estados Unidos,Guiana Francesa, Martinica e Guadalu-pe. Uma vez que mensura a presençade partículas virais ativas na saliva dovetor, o dado sobre competência vetori-al é fundamental para compreender atransmissão do vírus e estimar o risco depropagação da doença. Publicado narevista científica Plos Neglected TropicalDiseases, o estudo foi realizado por ci-entistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com as unidadesdo Instituto Pasteur na França, GuianaFrancesa, Guadalupe e Nova Caledônia,além do Centro de Controle de Mosqui-tos do Conselho Geral da Martinica.

Os testes foram realizados com mos-quitos as espécies Aedes aegypti e Ae-des albopictus do Rio de Janeiro e daFlórida. Já na Guiana Francesa, Martinicae Guadalupe, onde não há registro dapresença da espécie A. albopictus, ape-nas o A. aegypti foi estudado. Os resulta-dos apontam que mosquitos A. aegypti eA. albopictus do Brasil e dos Estados Uni-dos, assim como insetos A. aegypti daGuiana Francesa, Martinica e Guadalu-pe, são infectados pelo vírus, mas comdiferenças significativas. Além disso, acompetência dos insetos para transmitir ozika durante a picada é baixa.

“A competência vetorial é determina-da geneticamente, por isso podem existirdiferenças entre as populações de mosqui-tos. Constatamos que as populações deA. aegypti e de A. albopictus das Améri-cas podem, sim, ser infectadas pelo zika etransmitir a doença. Porém, esse potenci-al de transmissão é reduzido e heterogê-neo”, afirma o entomologista RicardoLourenço, chefe do Laboratório de Mos-quitos Transmissores de Hematozoáriosdo IOC e um dos autores do artigo. Otrabalho ainda tem como primeira auto-ra a estudante Thaís Chouin Carneiro,doutoranda do Programa de Pós-Gradu-ação em Biologia Parasitária do IOC, querealiza doutorado-sanduíche no InstitutoPasteur, em Paris, como bolsista do Pro-grama Capes/Cofecub.

O resultado sugere que outros fato-res podem ter contribuído para a rapi-dez de disseminação do agravo,compensando a baixa taxa de transmis-são pelos mosquitos. Segundo a pes-quisadora Anna-Bella Failloux, chefe daUnidade de Arboviroses e Insetos Veto-res do Instituto Pasteur e uma das auto-ras do estudo, a falta de imunidade dapopulação para a doença e a grandequantidade de vetores A. aegypti viven-do em proximidade com as pessoas sãoelementos que podem ter favorecido apropagação do zika nas Américas. “Osmosquitos A. aegypti são altamente an-tropofílicos, picando principalmente osseres humanos. As diversas alimentaçõesdesses insetos aumentam a chance deinfecção”, diz a cientista. As descober-tas não alteram as medidas de preven-ção necessárias para reduzir a proliferaçãodos insetos, já que as duas espécies sãocombatidas com as mesmas medidas deeliminação de criadouros.

Sobre ametodologia

Ovos de mosquitos dos cinco paí-ses, livres de qualquer tipo de vírus, fo-ram enviados para o Instituto Pasteur,na França. Lá, os mosquitos das diver-sas localidades foram alimentados comsangue contendo vírus zika. O patóge-no usado pertence à linhagem asiática,a mesma identificada em circulação noBrasil e em outros países das Américas.Uma das responsáveis pelos testes deinfecção, Thaís explica que três aspec-tos foram analisados para avaliar o po-tencial dos insetos para transmitir o vírus.O primeiro foi a taxa de infecção, queindica a capacidade do vírus de infectare se multiplicar em células epiteliais dointestino dos mosquitos, caracterizandoa primeira etapa da infecção no vetor.O segundo foi a taxa de disseminação,que aponta que o zika ultrapassou achamada “barreira do intestino” e al-cançou outras partes do organismo doinseto. Por fim, foi investigado o apare-cimento de partículas virais infectantesna saliva dos mosquitos, determinandoque os insetos seriam finalmente capa-zes de transmitir o zika por meio da pi-cada. Testes específicos, como a

inoculação da saliva dos mosquitos emcultura de células, foram realizados paracomprovar que as partículas do vírus es-tavam ativas – ou seja, com potencialde causar infecção em uma pessoa quefosse picada pelo vetor.

“Barreiras próprias do inseto sãocapazes de impedir que o vírus se repli-que e se dissemine para as glândulassalivares, o que pode afetar considera-velmente a competência vetorial. Porisso, é imprescindível analisar as taxasde infecção, de disseminação e de trans-missão, em diferentes dias após a in-fecção experimental, para o melhorentendimento do potencial de transmis-são e da interação entre o vírus e o ve-tor”, afirma Thaís.

De modo geral, foram observadosaltos índices de infecção inicial dos inse-tos após o contato com o vírus zika. Noentanto, a taxa de disseminação do vírusdentro do mosquito, cruzando a barreirado intestino, e a eficiência de transmis-são pela saliva do foram mais baixas. Oestudo também traz dados importantessobre o tempo de incubação do vírus zikadentro dos mosquitos. Nas análises feitasquatro e sete dias após a ingestão do san-gue infectado, nenhuma das populaçõesde mosquitos apresentou partículas viraisna saliva. Novas análises, realizadas 14dias após a alimentação dos mosquitoscom sangue infectado, foram realizadasem dois grupos de vetores. NosA. aegyptido Brasil, apenas 10% tinham presençado vírus ativo na saliva. Nos A. albopictusdos Estados Unidos, a taxa foi ainda me-nor, de 3,3%.

Comparaçõescom chikungunyae febre amarela

Segundo Lourenço, na comparaçãocom outros vírus transmitidos pelos mes-mos mosquitos, o zika não apresentacaracterísticas que expliquem uma dis-persão mais acelerada. Em 2014, umestudo liderado pelos mesmos pesquisa-dores apontou que mais de 80% dos A.aegypti e acima de 95% dos A. albopic-tus das Américas têm potencial paratransmitir o vírus chikungunya apenassete dias após ingerir sangue infectado.

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“Comparativamente, observamos que acompetência vetorial dos mosquitos paratransmitir o vírus zika é menor do quepara chikungunya e dengue. Por outrolado, a competência vetorial para a trans-missão do vírus zika por estes mosquitosé semelhante à observada em um estu-do que realizamos em 2002 sobre atransmissão do vírus da febre amarela”,comenta. O cientista acrescenta que,dependendo de fatores como a quanti-dade de mosquitos presentes, um nívelbaixo de competência vetorial pode sersuficiente para o estabelecimento do ci-clo de transmissão da doença, mas a ve-locidade com que isso aconteceu com ovírus zika surpreende.

“Isso permanece uma incógnita. Nãopodemos descartar a possibilidade deque existam mais vias de transmissão,através de outros vetores ou diretamen-te de uma pessoa para a outra, por meiode fluidos corporais”, pondera o pesqui-sador, ressaltando que os questionamen-tos não reduzem a importância docombate aos vetores. “Os mosquitos dogênero Aedes são comprovadamentevetores da infecção e evitar a sua proli-feração é fundamental na luta contrazika, dengue e chikungunya”, enfatiza.

O estudo destaca que o maior perío-do de incubação do zika nos mosquitospode ser uma vantagem para as estraté-gias de controle. “De forma geral, osmosquitos das Américas não são tão efi-cientes para transmitir o vírus zika. As-sim, as medidas de combate aos vetoresdevem ser priorizadas para limitar a pro-pagação do vírus pelos mosquitos”, de-clara Anna-Bella. Nos locais onde acirculação do vírus ainda não ocorre, omaior intervalo necessário para que osinsetos comecem a transmitir a infecçãoapós picar a primeira pessoa doente au-menta a janela de tempo disponível pararealizar ações de bloqueio, que buscameliminar os vetores antes que o ciclo dadoença se estabeleça.

Diferençasregionais

Além de diferenças na competên-cia vetorial entre as duas espécies deAedes, a pesquisa identificou variaçõesregionais. No caso dos A. aegypti, sete

dias após ingerir sangue infectado, maisde 80% dos mosquitos de todos os lo-cais estudados apresentaram o vírus zikano sistema digestivo. No entanto, o ín-dice de disseminação – que indica queo vírus conseguiu sair do intestino e seespalhar para outros órgãos do mosqui-to – foi maior entre os vetores da Guia-na Francesa e de Guadalupe e menornos grupos do Brasil, EUA e Martinica.Já com relação aos insetos A. albopic-tus, apenas 20% dos mosquitos de ori-gem brasileira apresentaram vírus zikano intestino sete dias após ingerir o san-gue infectado, enquanto, nos mosqui-tos dos EUA, esse índice chegou aaproximadamente 60%.

Hábitosdo Aedes

Mesmo que as duas espécies deAedes estejam aptas a transmitir o ví-rus zika, Lourenço afirma que o A. ae-gypti ainda é o vetor mais frequente

de doenças no Brasil. Em laboratório,experimentos já apontaram que os in-setos A. albopictus do país são capa-zes de transmitir dengue, chikungunyae febre amarela. Porém, fêmeas des-se vetor nunca foram encontradas na-turalmente infectadas com qualquerum dos três vírus no Brasil.

“O A. aegypti tem seus criadourosdentro ou junto das casas e se alimentapreferencialmente de sangue humano.Desta forma, ele está sempre em conta-to com as pessoas. Isso aumenta a chancede um mosquito desta espécie picar maisindivíduos e, consequentemente, de serinfectado e de transmitir doenças. Já oA. albopictus penetra pouco nas residên-cias no Brasil. Ele é capaz de viver emambientes modificados pelo homem,mas prefere as áreas próximas de vege-tação, como quintais e peridomicílios. Aprobabilidade de um mosquito desta es-pécie picar um indivíduo doente e de-pois passar o vírus para outra pessoa ébem menor, porém de forma alguma ne-gligenciável”, esclarece Lourenço.

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IOC

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m novembro, a OrganizaçãoPan-Americana da Saúde(Opas) emitiu um alerta epide-miológico devido ao aumentodos casos de anomalias neuro-

lógicas, como a microcefalia, em locais ondehá circulação do vírus zika. O documento trazuma linha do tempo com os fatos considera-dos relevantes para a emissão do alerta.Dentre os trabalhos citados, está o achadocientífico inédito realizado pelo Laboratóriode Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a partir de diagnósticos laboratori-ais que constaram a presença do genoma dovírus zika em amostras de líquido amnióticode duas gestantes da Paraíba, em casos defetos com microcefalia no país.

Atuação da Fiocruzganha destaque

internacionalDiagnóstico laboratorial correlacionou de forma

inédita no mundo a presença do vírus zika emlíquido amniótico em casos de microcefalia

ESPECIAL

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O material genético (RNA) dovírus foi detectado em amostrasde líquido amniótico, com ouso das técnicas de RT-PCRconvencional e de RT-PCR emtempo real (Foto: JosuéDamasceno/IOC)

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Uma das cinco unidades de re-ferência para o diagnóstico do víruszika no Brasil, o Laboratório de Fla-vivírus do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz) realizou, em dezembro,a capacitação de profissionais do La-boratório Central de Saúde PúblicaNoel Nutels (Lacen-RJ). O treinamen-to incluiu atividades teóricas e práti-cas relativas à técnica de RT-PCR emtempo real, método molecular utili-zado para a detecção do materialgenético do vírus em amostras depacientes. A atividade integrou oesforço coordenado pelo Ministério

No comunicado, a organização re-comenda que os países-membros man-tenham a capacidade de detectar econfirmar casos do vírus, bem comopreparar as unidades de saúde para opossível aumento da demanda de aten-dimento especializado para síndromesneurológicas, além de reforçar os cui-dados pré-natais. Os países tambémsão alertados para prosseguirem osesforços para a redução da presençade mosquitos vetores da doença.

A identificaçãodo zika

O Laboratório de Flavivírus, con-cluiu, em novembro, diagnósticos la-borator ia is que constataram apresença do genoma do vírus zikaem amostras relativas às duas ges-tantes da Paraíba, cujos fetos foramconfirmados com microcefalia pormeio de exames de ultrassonogra-fia, conforme publicado pelo Minis-tério da Saúde no dia 17 daquelemês. O material genético (RNA) dovírus foi detectado em amostras delíquido amniótico, com o uso dastécnicas de RT-PCR convencional ede RT-PCR em tempo real. Os resul-tados obtidos foram reconfirmadospela técnica de sequenciamento par-cial do genoma viral detectado nasamostras.

Foi detectado o genótipo asiático– são conhecidos dois genótipos do ví-rus Zika, o asiático e o africano. Osresultados foram comunicados ao Mi-nistério da Saúde.

Tendo em vista o aumento na notifi-cação de casos de microcefalia, o Minis-tério da Saúde decretou Emergência emSaúde Pública de Importância Nacional,no dia 11 de novembro.

Historicamente, o IOC atua naresposta a temas relevantes em saú-de pública por meio da geração dedados científicos sobre desafios emer-gentes. Exemplo desta atuação pau-tada nas questões de saúde do país,o próprio Laboratório de Flavivírus foicriado a partir da ação pioneira doInstituto no estudo da dengue, aindanos anos 1980.

Capacitaçãopara diagnóstico

da Saúde para ampliar a rede de di-agnóstico da doença. De acordo coma pasta, 11 laboratórios públicos jáforam treinados, totalizando 16 cen-tros com o conhecimento para fazero teste.

O Ministério da Saúde ressaltaque a capacitação dos laboratóriospúblicos deve dar maior agilidade àdetecção do vírus em amostras degestantes e bebês. Como unidadede referência, o Laboratório de Fla-vivírus do IOC vem atuando no es-clarecimento de casos suspeitos dainfecção. (Maíra Menezes)

O Laboratório de Flavivírus do IOC vem atuando no esclarecimentode casos suspeitos da infecção (Foto: Gutemberg Brito/IOC)

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Repelentes caseiros são efica-zes contra o Aedes aegypti? Comosão os sintomas da zika? Quantosovos uma fêmea do Aedes pode co-locar? Crianças e idosos são maisvulneráveis ao vírus? Toda gestan-te com zika terá um bebê com mi-crocefalia? Essas e muitas outrasperguntas foram respondidas porcinco pesquisadores da Fiocruz emum evento promovido pelo jornalcarioca Extra, em parceria com aFundação, em dezembro.

Biólogos e especialistas no mos-quito Aedes aegypti, os pesquisa-dores do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz), Ademir Martins, De-nise Valle e Rafaela Bruno marca-ram presença no encontro. Tambémparticiparam o neurologista Abelar-do Araújo, do Instituto Nacional deInfectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), e o infectologista pediá-trico Leonardo Menezes, do Insti-tuto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). A mediação do encontrofoi feita pelo clínico geral e comen-tarista de saúde da TV Globo LuísFernando Correia.

Transmitido simultaneamentepelas mídias sociais, o evento teveintensa participação popular. Alémde reforçar sobre os cuidados paraevitar a proliferação do mosquitotransmissor de dengue, zika e chi-kungunya, os especialistas explica-ram as correlações entre o vírus zika,microcefalia e síndrome de Guillain-Barrè, confirmadas pelo Ministérioda Saúde, e destacaram a impor-tância de disseminar informação cor-reta, esclarecendo os recentesboatos. (Max Gomes)

Imagem de microscopia eletrô-nica de transmissão produzida peloLaboratório de Morfologia e Morfo-gênese Viral do Instituto OswaldoCruz (IOC/Fiocruz) mostra partículasdo vírus zika no interior de uma célu-la infectada. A infecção foi realizadaem cultivo de células Vero, uma linha-gem derivada de células de macacos,e frequentemente utilizada para en-saios in vitro. O registro foi obtido du-

DúvidasesclarecidasEvento promovido porjornal em parceria coma Fiocruz contou com aparticipação de cincoespecialistas da instituição

rante um estudo que investiga etapasda replicação viral conduzido pelaautora da imagem, Débora FerreiraBarreto-Vieira, pesquisadora do Labo-ratório de Morfologia e MorfogêneseViral, juntamente com Ortrud MonikaBarth, chefe do mesmo laboratório. Oestudo conta também com a colabo-ração da virologista Ana Bispo, chefedo Laboratório de Flavivírus do IOC.(Maíra Menezes)

Imagem mostra partículas do vírus zikaRegistro em microscopia eletrônica de transmissão foiproduzido durante estudo sobre replicação viral

Registro em microscopiaeletrônica de transmissão foiproduzido durante estudosobre replicação viral (Foto:Débora Barreto/IOC)

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ESPECIAL

O Aedes contra a doençaFiocruz Amazônia desenvolve método que utiliza opróprio mosquito da dengue no controle da enfermidade

Principal transmissor do ví-rus da dengue, o mos-quito Aedes aegyptipode ser usado paracombater a doença. A

descoberta faz parte de um projeto ino-vador de pesquisadores do Instituto Le-ônidas e Maria Deane (ILMD/FiocruzAmazônia) e do Instituto René Rachou(IRR/Fiocruz Minas), em parceria como Instituto Nacional de Pesquisas daAmazônia (Inpa). Eles desenvolveramum método no qual os próprios mos-quitos são usados para disseminar in-seticida em criadouros.

O teste de campo foi feito em Ma-nacapuru (município a 84 quilômetros deManaus) por uma equipe composta portécnicos, uma pesquisadora e agentesde saúde locais. O grupo visitou a casada aposentada Maria Santos, de 65 anos,e a orientou que ela deixasse no quintalbaldes com um pouco de água e inseti-cida para o combate ao mosquito.

Com baldes com um pouco deágua e suas paredes internas cobertasde um pano preto aveludado, no qualé aplicado o larvicida Pyriproxyfen tri-turado até a consistência de um pó, a

armadilha permite que as fêmeas se-jam atraídas até o recipiente. Dessaforma, ao pousarem na armadilha osmosquitos ficam impregnados com in-seticida que acaba sendo levado poreles para outros criadouros, aumentan-do o combate às larvas.

Um dos pesquisadores do projeto,o diretor do ILMD/Fiocruz Amazônia,Sérgio Luz, explicou que o método éimportante pois há muitos criadourosque ficam em locais fechados, escon-didos ou inacessíveis. “Um dos pro-blemas mais importantes e difíceis deresolver no controle dos mosquitos ve-tores da dengue e outras doenças(como a febre chikungunya e zika) éque muitos dos criadouros dos mos-quitos não são tratados durante asações de controle, por conta do difícilacesso ou por não conseguirem seridentificados. Os agentes de controlesimplesmente não podem tratar essescriadouros, que continuam a produzirmosquitos. O nosso trabalho mostraque os próprios mosquitos podem tra-tar muitos desses criadouros”, disse.

Antes do projeto, que começou suafase inicial de estudo básico em no-

vembro de 2013, os criadouros positi-vos de larvas nas casas de Manacapu-ru eram presentes em 98% dasresidências. Até outubro deste ano aequipe registrou apenas 2% de casaspositivas. As notificações das doençasno município, segundo o sub-gerentede Endemias da Secretaria Municipalde Saúde, Mário Fernandes da Silva,em 2015, foram 79. No ano passado onúmero chegou a 200.

Segundo Luz, após a utilização dasarmadilhas disseminadoras o trabalhode monitoramento dos mosquitos con-tinua. “Este trabalho indica em qual(is)localidade(s) aparece(m) mosquitos.Assim é possível fazer o bloqueio utili-zando armadilhas disseminadoras deinseticida apenas nas áreas positivas,pelo próprio serviço e agentes de en-demias e controle. Tivemos uma baixapopulacional de mosquitos bem repre-sentativa, caindo de mais de 1,5 milpor mês para menos de 50. Com issofica quase impossível ter transmissãoepidêmica do vírus”, explicou o pes-quisador. Além do diretor do ILMD/Fi-ocruz Amazônia, o projeto tambémconta com as participações dos pesqui-sadores Fernando Abad-Franch (IRR),Elvira Zamora e dos técnicos de cam-po Ricardo Mota e Sebastião Dias,ambos do ILMD.

O trabalho foi apresentado naReunião Internacional para Imple-mentação de Alternativas para oControle do Aedes aegypti no Brasil,organizada pelo Programa Nacionalde Controle da Dengue (PNCD) doMinistério da Saúde e da Organiza-ção Panamericana da Saúde (Opas)e foi aprovado para ser implementa-do. Depois disso foi estabelecido umprotocolo de trabalho para o uso dasEstações de Disseminação. Opas,PNCD e Fiocruz estão organizando aimplementação e posterior avaliaçãodo uso das Estações Disseminadorasem cidades brasileiras.

A armadilha é formadapor baldes com umpouco de água e comas paredes internascobertas por um panopreto no qual é aplicadoo larvicida Pyriproxyfen(Foto: Peter Ilicciev/CCS)

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Anomalias

ESPECIAL

Estudo analisa infecçãopelo vírus zika em grávidas

Operiódico The New EnglandJournal of Medicine pu-blicou em 4 de março oartigo Infecção por zikavírus em mulheres grávi-

das no Rio de Janeiro (Zika Virus In-fection in Pregnant Women in Riode Janeiro). O estudo, liderado pelapesquisadora Patrícia Brasil, chefe doLaboratório de Pesquisa Clínica emDoenças Febris Agudas do InstitutoNacional de Infectologia Evandro Cha-gas (INI/Fiocruz), reuniu evidências deque as anomalias causadas pelo víruszika podem acontecer em qualquerperíodo da gestação. A equipe queparticipou da pesquisa analisou amos-tras de sangue e urina de 88 gestantescom sintomas associados ao zika. Asamostras, coletadas entre setembro de2015 e fevereiro de 2016, indicaramque 72 pacientes apresentaram resul-tado positivo no teste para vírus zika.

na gestação

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O estudo identificou uma síndromecongênita relacionada ao zika que cau-sa outras manifestações clínicas decor-rentes do seu efeito no sistema nervosocentral (SNC), como falha de forma-ção de estruturas e calcificações cere-brais, atrofia de estruturas no cérebro,além de microcefalia. “Detectamostambém falha no crescimento fetal, oque é típico de outras infecções congê-nitas, como citomegalovirus e rubéola”,afirmou Patrícia Brasil. “Encontramosanomalias em 29% dos exames de ul-trassom. O mais preocupante, porém,é que problemas com o feto e com agravidez foram descritos em qualqueridade gestacional, até mesmo no ter-ceiro trimestre, com casos de natimor-tos e ausência de líquido amniótico. Osdados sugerem que o vírus pode afe-tar negativamente a gestação em qual-quer momento”, complementou apesquisadora do INI/Fiocruz.

O gerente da Área de Atenção Clí-nico-Cirúrgica à Gestante do InstitutoNacional de Saúde da Mulher, da Cri-ança e do Adolescente Fernandes Fi-gueira (IFF/Fiocruz), José Paulo PereiraJr., coautor do artigo, ressalta, juntocom a pesquisadora do INI/Fiocruz, queé de extrema importância pontuar queos dados não são alarmistas. “Apesardo estudo contribuir para a fortaleci-mento da associação entre zika e ano-malias congênitas, isso não significaque todas as gestantes infectadas te-rão bebês com anomalias. No nossoestudo, 71% das mães infectadas ti-veram exames fetais sem anormalida-des”, destacaram os pesquisadores. “É

fundamental que, após o nascimento,as mães procurem o pediatra paraacompanhamento do bebê por equipeespecializada. Da mesma forma, é deextrema importância o estreito acom-panhamento da gestante infectadapelo médico obstetra, uma vez que omonitoramento regular do crescimen-to e evolução do feto pode proporcio-nar a detecção oportuna de alteraçõesque indiquem a necessidade de inter-venções precoces que podem salvar avida do bebê”.

Ambos destacaram ainda que osdados devem ser observados com cau-tela devido ao restrito número de grá-vidas participantes do estudo. “Aprincipal limitação do estudo é o pe-queno número de gestantes acompa-nhadas, que não nos permite inferir orisco absoluto das anomalias congêni-tas na infecção por vírus zika”, afirma-ram.

Zika x rubéolaOs pesquisadores explicaram as

semelhanças e as diferenças entre ozika e a rubéola, duas doenças consi-deradas relativamente brandas namaior parte da população, mas queparecem estar associadas a anomaliascongênitas. Segundo Patrícia Brasil, “osdois vírus causam um quadro clínicosemelhante com exantema (manchasvermelhas na pele), que começa norosto e depois desce para o corpo. Esseexantema é pruriginoso em ambas asdoenças e pode, ou não, ser acompa-nhado de uma febre baixa nas duas

doenças. Há dores articulares, especi-almente em mulheres, e aumento degânglios cervicais ou retro-auriculares”.Ainda de acordo com a pesquisadorado INI/Fiocruz, as diferenças são que arubéola não é transmitida por mosqui-to, e se manifesta com sintomas respi-ratórios como coriza, enquanto o zikanão tem sintoma respiratório.

José Paulo Pereira Jr., do IFF/Fio-cruz, chama a atenção para a seme-lhança entre as anomalias fetais nasduas doenças, com crescimento intra-uterino retardado, alterações no siste-ma nervoso central e calcificaçõescerebrais. ”A rubéola não causa má-formação fetal quando contraída após20 semanas de gestação, mas, no nossoestudo, as más formações fetais do sis-tema nervoso central foram observa-das quando a infecção ocorreu até 27semanas de gestação, além dos efei-tos adversos também no terceiro tri-mestre da gestação como ausência delíquido amniótico e morte fetal”, de-clarou. As infecções que ocorrem noinício da gestação, ou no período deformação do embrião, são as que maisfrequentemente cursam com anomali-as congênitas, predominantemente nacabeça do feto, já que o zika tem re-conhecidamente um tropismo para otecido cerebral. “Já no final da gesta-ção, as alterações nos fetos parecemdecorrentes do acometimento das pla-centas como crescimento intrauterinoretardado e alteração do volume do lí-quido amniótico que se detectada opor-tunamente pode prevenir o sofrimentofetal”, disse.

Oferecer um espaço onde seja pos-sível desenvolver e compartilhar proto-colos de pesquisa, bancos de dados etrabalhar uma agenda de prioridades nosprojetos relacionados com o zika vírus,esse é o objetivo do site trilingue ZikaInfection. “Além de promover a circu-lação destas informações também épossível acessar dados atualizados so-bre a epidemiologia e manejo clínicodos pacientes”, ressalta o coordenadorda página, Fernando Augusto Bozza,chefe do Laboratório de Pesquisa Clíni-

ca em Medicina Intensiva do INI. Osite é fruto da colaboração da Organi-zação Mundial da Saúde (OMS) ede 11 institutos internacionais, incluin-do o Instituto Pasteur, o Centro Alemãode Pesquisa de Infecções, entre outros.

O site organiza material em portu-guês, inglês e espanhol e os pesquisado-res podem participar fazendo o cadastro.

INI coordena site internacional

ACESSE:

zikainfection.tghn.org/signup

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Balanço positivoPortal de Periódicos da Fiocruz, que reúne sete revistas científicas, comemora um ano

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INFORMAÇÃO

Fernanda Marques e Flávia Lobato

Portal de Periódicos Fiocruz acaba de comemorar um ano. Éneste ambiente virtual que a Fundação integra suas sete revis-tas científicas, todas em acesso aberto. Assim, oferece umpanorama abrangente de sua produção bastante diversa naárea da saúde. Além de acessar artigos, estudos e pesquisassobre diversas temáticas que se relacionam com saúde, os lei-

tores também podem encontrar notícias em destaque, entrevistas, vídeos,infográficos. Essas linguagens favorecem a aproximação com um públicomais amplo, que passa a compreender com mais facilidade assuntos cientí-ficos. E, ainda, temas atuais podem ser abordados sob diferentes perspecti-vas, à luz do conhecimento científico. Basta dar uma olhada no perfil dasrevistas reunidas no portal para entender esse potencial de interlocução.

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E, se um dos objetivos do projetoera abrir espaços e promover diálogo,os resultados indicam que a iniciativavai muito bem. Dentro e fora da Fun-dação, a conversa com os públicos temrendido bons debates, mais acessos eboas curtidas no perfil do Portal de Pe-riódicos nas redes sociais.

Na internet,estímulo àsconversasna rede

Prova disso são os passos firmesque o Portal está dando em seu pri-meiro ano de vida na web. Já são cer-ca de 51,5 mil usuários – a maioria,homens jovens com menos de 34 anos.Um dado animador é que os visitantesconhecem bem o caminho para a ho-mepage: 47% dos acessos são diretos,ou seja, têm como origem pessoas quedigitaram o endereço do portal direta-mente em navegadores da internet(sem depender de links externos). Ou-tro sinal de que o Portal já tem umpúblico fiel é que mais de 83% dosusuários fazem questão de voltar paraconferir conteúdos disponíveis por lá.

Entre os mais acessados, estão in-fográficos e notícias, que repercutemtemas para o grande público assimcomo questões específicas das editori-as científicas. Por exemplo: arboviro-ses (doenças causadas por vírus comozika, chikungunya e dengue), critériosde avaliação e ferramentas contra plá-gio acadêmico. Isso mostra que a pro-dução de conteúdo próprio, aliado aestratégias de comunicação – um dosdiferenciais do Portal de PeriódicosFiocruz – tem agradado. Desde 2015,foram mais de 61,6 mil visitas e 135mil visualizações de página. Afinal, nãobasta publicar, tem a luta pela visibi-lidade.

Nas redes sociais, o Portal tambémvem crescendo e aparecendo nesteperíodo. Completa um ano com 2.288curtidas em sua fanpage, e mantémseus seguidores (mulheres aqui são

maioria) antenados com temas atuais.Emplacou o infográfico Aedes em foco,no início da crise de vírus zika (alcan-çando quase 124 mil pessoas); deba-teu a participação das mulheres naciência (10,9 mil); atraiu público e in-teresse para a conferência Educação ecomunicação: os desafios para umacultura de responsabilidade de colabo-ração em redes com o filósofo PierreLevy (7,6 mil).

A vice-presidente de Ensino, In-formação e Comunicação da Fiocruz,Nísia Trindade Lima, lembra que a Fi-ocruz tem uma tradição na divulga-ção científica: sete importantesrevistas científicas sobre temas estra-tégicos em saúde. Essa diversidaderetrata as diferentes áreas do conhe-cimento e atuação a que se dedica ainstituição. “Nós dialogamos ao mes-mo tempo com o Sistema Único deSaúde e com o Sistema de Ciência,Tecnologia e Inovação (CT&I), deba-tendo e aprofundando temas impor-tantes para a sociedade. O papel dedestaque da Fiocruz é reconhecidotanto na produção quanto na divul-gação da ciência. Essa pluralidadedas revistas fortalece esse papel dainstituição, que vai da pesquisa à co-municação científica no campo dasaúde”, afirma Nísia.

Segundo ela, o Portal coloca temasem perspectiva, contextualiza, ofere-ce elementos para entender, rever, re-discutir. Um bom exemplo foi aelaboração do infográfico “Aedes emfoco: arboviroses em expansão no Bra-sil” que trata das origens dessas enfer-midades, sintomas, complicações eriscos na gravidez e para recém-nasci-dos. “A partir de um evento científicoda Fiocruz e de um artigo dos Cader-nos de Saúde Pública, produzimosum conteúdo original, publicado nomomento das descobertas associandoo vírus zika aos casos de microcefaliasno Brasil e a Síndrome de Guillain Bar-ré. Com esse infográfico, alcançamosquase 125 mil pessoas, com materialcompartilhado em sites e redes soci-ais”, observa a vice-presidente.

Para a editora convidada, RobertaCardoso Cerqueira, a Fiocruz está atu-ando em duas dimensões importantes:contribuindo para a circulação da pro-dução científica para um público am-plo, e também para construir uma redejunto à comunidade científica. “Nossodesafio é ser um catalisador de redes,trabalhando junto a outros agentes einstituições que têm influência nos cam-pos da ciência e da saúde, para multi-plicar e aprofundar questões relevantespara a sociedade”.

A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Lima, eos editores científicos do Portal de Periódicos, Carlos Machado e Hooman Momen

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Na Fiocruz, rodasde conversasentre editores

“Em casa”, os editores têm espa-ço e data marcada para compartilharexperiências: nas últimas sextas-feirasdo mês, eles se encontram no Fórumde Editores Científicos. Entre as figu-rinhas trocadas, falam sobre priorida-

O Portal de Periódicos é umimportante instrumento da Políticade Acesso Aberto ao Conhecimentoda Fiocruz, instituída em 2014. AFundação aderiu ao Movimento In-ternacional de Acesso Aberto ao Co-nhecimento (Open Access, eminglês), que promove a livre disponi-bilidade de conteúdo digital de ca-ráter científico a qualquer usuário.No Brasil, além da Fiocruz, há váriasinstituições e universidades alinhadasa este movimento, como o InstitutoBrasileiro de Informação em Ciênciae Tecnologia (Ibict) e a Universidadede São Paulo (USP), entre outras.

No ano passado, aliás, coube auma brasileira a conquista do prêmiointernacional da Electronic PublishingTrust for Development (EPT) - que re-conhece profissionais que contribuemsignificativamente para o progressodo acesso aberto no mundo em de-senvolvimento. A coordenadora doIbict, Bianca Amaro foi reconhecidajustamente pelo trabalho em favor doacesso aberto à informação científi-ca. No aniversário do Portal de Peri-ódicos Fiocruz, ela publicou numarede social que “a comunidade cien-tífica se rejubila com mais essa inici-ativa em favor do Acesso Aberto àInformação Científica. Parabéns!”.

A data também foi destacadano perfil do blog Divulga Ciência,que citou a valorização das revis-tas científicas brasileiras, apontan-do um diferencial do Portal: suaseção de notícias. Já a professora

des e estratégias de suas publicações,passando por direitos autorais e finan-ciamento, e se solidarizam quando oassunto são a dificuldades enfrenta-das “até nas melhores famílias de pe-riódicos” - que são comuns tanto arevistas centenários como Memóri-as do Instituto Oswaldo Cruzquanto às recém-chegadas Fitos eVisa em Debate. Também fazemparte de um grupo que continua su-gerindo temas e trocando ideias on-line, com frequência.

Essa iniciativa conjunta, integra-da, tem sido enriquecedora, conta acoordenadora do portal Ana Furniel,da Vice-Presidência de Ensino, Infor-mação e Comunicação da Fiocruz.“Trabalhar com os editores compar-tilhando experiências de forma cole-tiva tem sido muito prazeroso, já queenvolve um aprendizado de todos”,diz. “Também é muito bom colabo-rar com a popularização da Ciência,entendendo o conhecimento comobem público”, completa.

universitária e mestranda em bioéti-ca na Universidade de Brasília (UnB)Daniela Rabelo declarou sua admi-ração pelo trabalho e deixou umaavaliação “cinco estrelas” registra-da na fanpage do Portal: “Minhapágina de cabeceira. Agradeçopela qualidade das postagens, es-tando sempre à frente de formainclusiva e humana. Parabéns, fi-quem firmes no propósito de ge-rar qualidade da informação,oferecendo visão de mundo e deciência”. Demonstrações de quea Política de Acesso Aberto aoConhecimento da Fiocruz temgerado benefícios como a de-mocratização do acesso, mai-or visibilidade e impacto daspublicações científicas, com-partilhamento de saberes ediálogo permanente com asociedade, entre outros.

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RESENHA

AFernanda Marques

mpliar e fortalecer ascompetências e habilida-des dos profissionais egestores que, no dia adia, estão empenhados

em fazer saúde para a população. Comesse objetivo a Editora Fiocruz lançauma nova coleção: os primeiros títulosde Fazer Saúde serão publicados embreve. Os livros se dirigem a um públi-co que representa a face mais visíveldo SUS, aqueles que trabalham naponta do sistema: os profissionais querealizam as ações de vigilância ou cui-dam da atenção à saúde da popula-ção nas unidades de saúde.

O diferencial é exatamente ser umacoleção orientada para quem está naponta, atuando nos serviços. O fazersaúde nos serviços envolve uma varie-dade de profissionais, inclusive comdiferentes níveis de formação, do Ensi-no Médio à pós-graduação. Dialogarcom um público tão diverso é um gran-de desafio. “Esperamos subsidiar deforma abrangente os processos de edu-cação permanente e formação em saú-de que se desenvolvem nos serviços eescolas de saúde, contribuindo para ummelhor fazer saúde cotidianamente,seja na atenção ou na vigilância”, ex-plica o editor científico da Editora Fio-cruz, Carlos Machado.

Machado, pesquisador da EscolaNacional de Saúde Pública (Ensp/Fio-cruz), e Luis Eugenio Portela, professordo Instituto de Saúde Coletiva da Uni-versidade Federal da Bahia (Ufba), sãoos editores responsáveis pela nova co-leção. Com ela, a Editora quer estrei-tar a colaboração entre pesquisadores,professores, trabalhadores e gestoresde saúde, de modo a encurtar a dis-tância entre o ambiente acadêmico eo das práticas em saúde e contribuirpara a melhoria do SUS.

A captação de livros para a cole-ção Fazer Saúde será feita em duas

modalidades. Por um lado, qualquerautor interessado pode submeter seumanuscrito à avaliação. Por outro, pro-fissionais com conhecimentos e experi-ências sobre temas específicos serãoconvidados a escrever sobre determina-dos temas de especial relevância parao catálogo da Editora, como políticas,planejamento, gestão, vigilâncias (epi-demiológica, sanitária, ambiental e emsaúde do trabalhador), promoção dasaúde, prevenção de doenças, atençãoe cuidado em saúde.

Os autores da coleção devem, pre-ferencialmente, combinar experiênciasacadêmicas, com formação de mestra-do e doutorado, e conhecimentos, sabe-res e experiências relacionados àspráticas, com atuação nos serviços desaúde. “Nossa expectativa é envolver,na redação dos textos, profissionais desaúde que atuam diretamente com apopulação. Os trabalhadores dos servi-ços não serão apenas o público alvo doslivros da coleção Fazer Saúde, mas se-rão também, junto com pesquisadores edocentes, seus autores”, afirma Portela.

Escritos em linguagem direta e di-dática, os livros – com cerca de 50 milpalavras – trarão recursos que facilitem

Livros para Fazer SaúdeNova coleção se dirige a profissionais que são a face mais visível do SUS

a compreensão e apropriação dos con-teúdos, como tabelas, gráficos, figurase ilustrações. Oferecerão também umasíntese geral do assunto abordado, bemcomo sugestões de páginas na inter-net e leituras complementares. “O en-contro do conhecimento científico como conhecimento profissional tornará ostextos mais ricos e interessantes”, de-fende Portela.

Além do cuidado com a lingua-gem, a Editora precisa de capilarida-de para que os livros consigam atingirseu público. “Publicar livros é um pas-so importante, mas insuficiente se nãotivermos estratégias para fazer comque eles cheguem aos profissionais daponta”, lembra Machado. Nesse sen-tido, destaca-se o envolvimento coma rede de escolas técnicas do SUS, arede de escolas e centros formadoresde saúde pública e os programas depós-graduação que possuem mestra-do profissional, bem como a presen-ça nos congressos de saúde coletiva eoutros relacionados ao SUS. “Investire inovar nessas estratégias será fun-damental para divulgar a coleção eexpandir seu universo de autores e,especialmente, leitores”, sublinha.

Atendimento no ProjetoAmanhecer, Posto de SaúdeRomeu Jucá, em Fortaleza

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Crianças, adolescentese crack: desafios parao cuidadoSimone Gonçalves de Assis (org.)

Aborda o con-sumo da drogapor crianças eadolescentes eas consequên-cias que so-frem devidoao uso dasubstância

por pais ou res-ponsáveis. Com uma visão in-

terdisciplinar sobre o assunto, osautores buscaram identificar quantos equem são esses jovens indivíduos e tra-çar um perfil deles, além de refletirsobre as formas de atenção existentesem algumas cidades brasileiras.

R$ 64 | 402 páginas

Medicalizaçãoem psiquiatriaFernando Freitas e Paulo Amarante

Discute a pro-blemática da me-d i c a l i z a ç ã o ,sobretudo noque se refere aosofrimento psí-quico. Chamaatenção parao fato de que

experiências co-muns da nossa existência têm

sido consideradas passíveis de serem‘tratadas’ e ‘resolvidas’ com medica-mentos. As consequências individuaise sociais desse problema são analisa-das pelos autores, que também fazemum alerta sobre os prejuízos causadospor uma nefasta aliança entre a psi-quiatria e a indústria farmacêutica.

R$ 15 | 148 páginas

Pressão alta no cotidiano:representações eexperiênciasAna Maria Canesqui

Resultado depesquisa socio-antropológicasobre as repre-sentações po-pulares e asexperiênciascom a hiper-tensão arte-

rial sistêmica. Aautora entrevistou homens e

mulheres hipertensos, com idades en-tre 50 e 65 anos, clientela de uma uni-dade de Saúde da Família. A análisefoi sensível às especificidades domodo de vida, das diferenças de gê-nero, idade e religião, atentando paraa maneira como os entrevistados co-tidianamente refletem, lidam e atu-am diante do adoecimento. A autoratambém ouviu os agentes comunitári-os de saúde, conferindo especial aten-ção à forma como atendem e serelacionam com os pacientes.

R$ 49 | 306 páginas

Sustentabilidade,ambiente e saúde nacidade de ManausCarlos Machado de Freitas e LeandroLuiz Giatti (orgs.)

C o m b i n adistintas experi-ências multidis-ciplinares euma aborda-gem sistê-mica noestudo deum objeto

único: a situ-ação da saúde em

uma metrópole brasileira com mais de2 milhões de habitantes, em meio à

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maior floresta tropical do planeta e àsmargens de dois dos maiores rios domundo.

R$ 64 | 351 páginas

Coedição com a Editora da Universi-dade Federal do Amazonas (Edua)

Políticas, planejamentoe gestão em saúde:abordagens e métodosde pesquisaTatiana Wargas de Faria Baptista, Creu-za da Silva Azevedo e Cristiani VieiraMachado (orgs.)

Reúne algunsdos principais no-mes da área deplanejamentoem saúde nopaís e apre-senta um con-junto rico e

diversificadode análises teórico-

metodológicas. Aborda os desafios me-todológicos de pesquisas no campo dasaúde coletiva; discute como os estu-dos em saúde coletiva têm dialogadocom outras áreas do conhecimento(como a história, a ciência política, afilosofia e a sociologia); e traz refle-xões sobre o lugar da saúde nas rela-ções internacionais, a promoção dasaúde, a produção acadêmica em ges-tão do trabalho e da educação em saú-de e o acesso a medicamentos.

R$ 57 | 378 páginas

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COMO COMPRAR:

Web:www.fiocruz.br/editora

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Tel.: (21) 3882-9007

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C

ENSINO

omeçará em agosto omestrado profissional emPreservação e Gestão doPatrimônio Cultural dasCiências e da Saúde,

oferecido pela Casa de Oswaldo Cruz(COC/Fiocruz) e aprovado pela Capescom nota 4, considerada alta para umprograma novo. O curso se originou dapós-graduação lato sensu em Preser-vação e Gestão do Patrimônio Culturaldas Ciências e da Saúde, lançado em2010, e que formou até hoje 112 es-pecialistas. O curso visa capacitar pro-fissionais para as áreas de gestão,divulgação e preservação do patrimô-nio cultural das ciências e da saúde apartir de uma reflexão crítica sobre asdiferentes técnicas, procedimentos enormas que colaboram para o desen-volvimento de ações de intervenção,com base em instrumentos de plane-jamento, monitoramento e avaliaçãode resultados.

”Estamos muito animados com estemestrado. Há alguns anos a COC vempensando na sua efetivação, por contade sua atuação na preservação de im-portantes acervos da área da ciência eda saúde desde a década de 1980. Aexperiência com o curso de especiali-zação nos fez pensar em dar um passo

conjunto de prédios históricos da insti-tuição, incluindo as edificações ecléti-cas do início do século 20 e exemplaresdo período modernista.

O outro mestrado stricto sensuaprovado é o de Divulgação da Ciên-cia, da Tecnologia e da Saúde, coor-denado por Luisa Massarani. O cursosurge da especialização em Divulga-ção da Ciência, da Tecnologia e daSaúde, que a COC promove desde2009. Neste caso, o programa reúnevários parceiros, como a Fundação Jar-dim Botânico, o Museu de Astronomiae Ciências Afins (Mast), a FundaçãoCecierj e a Casa da Ciência da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).O mestrado conta ainda com a cola-boração da Universidade Cornell e doHatfield Marine Science Center da Uni-versidade do Estado do Oregon (Esta-dos Unidos); da Escola InternacionalSuperior de Estudos Avançados (Itália);e da Universidade de Paris 8 (França).

”Como a pesquisa em divulgaçãocientifica é um campo do conhecimen-to recente no mundo, trabalhamospara a formação de recursos huma-nos e o fortalecimento da produçãocientifica. Nos articulamos com váriosdos melhores grupos do exterior. Comisso, teremos no curso um corpo do-cente excelente, interdisciplinar, commatérias especificamente pensadaspara formar um mestrando na área”,explica Luisa Massarani.

Dividido em três linhas de pesqui-sa: Cultura Científica e Sociedade, queabrange reflexões sobre a dimensãocultural e social da ciência, da tecno-logia e da saúde; Educação, Comuni-cação e Mediação é dedicada àinterface entre as áreas da educaçãoe da comunicação na mediação entreo conhecimento científico e a socieda-de; e Estudo de Público/Audiência, quereúne análises com foco nos distintospúblicos das diferentes atividades edu-cativas e de divulgação científica.

Patrimônio da saúde e da ciênciaCasa de Oswaldo Cruz oferece dois novos cursos de mestrado

maior, estruturando o mestrado com umcorpo multidisciplinar de professores,entre permanentes, colaboradores econvidados, com muita vivência e pro-dução na área. Não optamos por ummestrado acadêmico justamente paraatender à demanda de profissionais esuas instituições na salvaguarda, mane-jo, organização, tratamento e valoriza-ção de acervos que compreendemdocumentos, peças museológicas e es-paços arquitetônicos ligados às ciênciase à saúde”, afirma o coordenador docurso, Renato Gama-Rosa.

Haverá participação de profissionaisda Fundação Jardim Botânico, Funda-ção Casa de Rui Barbosa, Fundação Na-cional de Arte (Funarte) e do InstitutoBrasileiro de Informação em Ciência eTecnologia (Ibict), além de dois parcei-ros internacionais: a Universidade Ca-tólica Portuguesa e a Universidade Novade Lisboa. O mestrado conta com am-pla infraestrutura para a realização dasaulas e a condução de pesquisas sobremétodos e processos de conservação erestauro, incluindo laboratório fotográ-fico e de conservação de documentos,além da reserva técnica museológica.Os alunos terão acesso à rede de biblio-tecas da Fiocruz, bem como desenvol-ver atividades de conservação do

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Luiza Gomes

airro de Manguinhos,Zona Norte do Rio deJaneiro, 1954. Centenasde pessoas, entre mora-dores e visitantes, se re-

únem ansiosamente em torno de umpalanque de madeira, no cair da tar-de. A semana passou com as inscri-ções abertas para que cantoresamadores da região pudessem assi-nar seus nomes na lista de candidatos

Ba se apresentarem no Show do Juve-nal. Narram os veteranos do eventoque não só ninguém saía da favelade Vila Turismo nessas noites de do-mingo, como o local – ainda que mo-desto, sem significativo suportelogístico – recebia interessados de di-versos cantos da cidade.

O programa é lembrado até hojecomo uma das principais atividadesculturais realizada na comunidade,pela comunidade e para comunidadede todos os seus mais de 60 anos de

COOPERAÇÃO SOCIAL

O Programa do Juvenal,47 anos depoisShow de calouros que foi promovido de 1954 a 1969 era organizadopor moradores e uniu gerações em torno da música

existência. Em novembro do ano pas-sado, o evento teve uma reediçãocom curadoria do coletivo de provo-cação artística de Manguinhos, o Ex-perimentalismo Brabo, intitulado Showdo Juvenal – 47 anos depois. O showde calouros deu início à programaçãode três dias da Agenda Cultural Man-dela Vive, uma iniciativa do Ecomu-seu de Manguinhos/Rede CCAP, comgestão cultural do Centro Afrocariocade Cinema Zózimo Bulbul, e apoio daFiocruz, por meio tanto da Sociedade

(Foto: Ierê Ferreira)

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de Promoção da Casa de OswaldoCruz (SPCOC) quanto da Coordena-doria de Cooperação Social da Presi-dência da Fiocruz.

A reedição tinha o objetivo derecuperar um momento históricoimportante da memória cultural deManguinhos, bairro onde está situ-ada a Fiocruz, e ressignificar a fa-vela como um espaço de produçãoartística, em oposição ao estigmada violência e aos fantasmas quepovoam os territórios de exceção,segundo os curadores. A esse res-peito, Leo Salo, um dos membrosfundadores do ExperimentalismoBrabo, diz que o complexo teve eainda tem uma grande efervescên-cia cultural que não aparece e queraramente é incentivada.

”O Show do Juvenal era mais queum evento cultural local, era um pon-to de encontro de jovens de diversosbairros do Rio de Janeiro. Reviver issoé tentar recuperar a lembrança dessemomento, e aos poucos mudar a ima-gem que os próprios moradores fazemda sua própria região como lugar deabandono, de opressão”, explicou.

Show doJuvenal: umChacrinha não-televisionado

O jovem Juvenal tinha por voltados seus 24 anos quando teve a ideiade organizar um programa de ca-louros para a população de Man-guinhos. Apontado em algunsrelatos como o primeiro presidenteda Associação de Moradores de VilaTurismo, ele é descrito como umrapaz branco, com grande carismae poder de comunicação. O apre-sentador mobilizava na praça – quehoje leva informalmente o seu nome– senhoras, moças e rapazes e tam-bém crianças e adolescentes. Al-guns dos frequentadores arranjaramcasamentos, outros colecionam his-tórias de flertes e amizades que ti-veram início nesse contexto.

”A programação durava das 18hàs 22h, quando tinha atração na qua-dra da Unidos de Manguinhos. Se nãotinha, o show ia até uma, duas da ma-drugada... Manguinhos parava, nãotinha hora para acabar. Vinha gentede tudo quanto era lugar participar”,descreveu João da Silva, mais conhe-cido como Mestre Jangada, sambistae jurado do Juvenal na década de 50.

A premiação podia ser uma batidade limão, um doce de laranja ou umalatinha de biscoito, diz José Franciscoda Rocha, o Bulau, calouro do progra-ma e homenageado na reedição doevento no dia 26 de novembro, duran-te a Agenda Cultural Mandela Vive.“A gente dava 50 centavos, que eracruzeiro na época, para o Juvenal cor-rer nos bares locais e conseguir os prê-mios. Mas a gente cantava mesmo senão ganhasse nada! Juvenal era o nos-so Chacrinha, ele animava muito a gen-te”, lembrou.

”Era um grupo que aderia ao tra-balho dele, eram músicos, dançari-nas, jurados... Nós somávamos asnotas e decidíamos quem era o me-lhor. Mas ele não deixava ninguémficar sem prêmio não. Quem ganha-va levava, e quem perdia, também”,contou Jangada.

Além do canto, o Show do Juvenalrevelava expoentes de outras modali-dades de artes também. “Era uma no-vidade, pois na época [uma parte de]Manguinhos era como um terreno va-zio, depois é que vieram as casas. Ti-nha o concurso da Rainha do ProgramaJuvenal, cantores, teatro. As meninasdaqui, inclusive eu, costuravam roupanova para cada domingo”, rememoraa atriz, compositora e poetiza CelesteEstrella, atualmente com seus 74 anos,também homenageada no Show doJuvenal – 47 anos depois.

Seus dois irmãos tocavam na ban-da do Juvenal, e muitos ensaios acon-teciam na casa deles, um com o violãoe outro com o bongo – instrumento depercussão de origem cubana. O pro-grama acabou em meados de 1968,quando Juvenal faleceu.

Juvenal 47O documentário em produção,

com o nome provisório de Juvenal 47,é uma iniciativa do Ecomuseu deManguinhos, que tem entre as suasrazões de existir a incumbência deser um agitador cultural e a de cata-logar as movimentações culturais queacontecem nas favelas do complexo.

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O evento teve uma reedição com curadoria do coletivo de provocação artística deManguinhos, o Experimentalismo Brabo, intitulado Show do Juvenal – 47 anos depois(Foto: Ierê Ferreira)

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“O Show do Juvenal durou 15 anos evocê teve ali um retrato de um Man-guinhos que nós, hoje em dia, sequerconseguimos imaginar. Fomos buscaras pessoas que viveram isso para res-gatar a história do que não vimos.Mas que há muito tempo vemos vivanas conversas dos mais velhos. Nosinteressou também entrevistar os jo-vens, esses que participaram da ree-dição do evento, em novembropassado”, explicou Felipe Eugênio,coordenador do Ecomuseu.

Edilano Cavalcante, cineasta quetrabalha no Ecomuseu de Mangui-nhos, está com Eugênio na emprei-tada de roteirização e produção dodocumentário. “A ideia era primei-ramente recuperar a identidade his-tórica do evento e por isso fizemosum levantamento dos personagens.Já iniciamos a gravação dos depoi-mentos deles”, explicou Cavalcante.Segundo ele, o próximo passo seráacionar a juventude presente duran-

Agenda CulturalMandela Vive

A Agenda Cultural MandelaVive é um calendário de criação,experimentação e apresentaçõesartísticas de múltiplas linguagensque teve a sua primeira edição noano passado. Ao longo de 2015,foram realizados dois seminários,três dias de programação culturalem Manguinhos, uma editora semfins lucrativos e duas companhiasde teatro foram formadas, e doislivros lançados. No último final desemana de novembro, o circuitocompletou seu ciclo com o resga-te do Show do Juvenal, 2ª MostraCultural de Manguinhos e o BaileLiterário.

Em sua primeira edição, aAgenda se investiu do mote “arteque contesta” e da força comba-tiva associada ao nome de Nel-son Mandela – que tambémnomeia uma das favelas do com-plexo de Manguinhos – para dis-cutir o racismo e a desigualdadesocial em suas ações. Na ocasião,foram exibidos documentários,apresentações teatrais, roda desamba, exposições fotográficas ede artes plásticas.

te a reedição do evento e captar suashistórias e percepções.

”Queremos saber o que os mais jo-vens acharam do show de calouros queevoca aquele que acontecia nos anos 50no bairro onde moram atualmente, sa-ber como foram provocados. Indiferen-ça é o que não houve. Foi o dia maischeio de público da Agenda CulturalMandela Vive”, retomou Felipe Eugênio.

”Essas pessoas, as mais velhas eas jovens, com o resgate do Show doJuvenal puderam perceber uma simul-taneidade de diferentes tempos – asmúsicas eram contemporâneas e an-tigas, a dinâmica do show de calou-ros para uns foi memória que sereconhece, para outros, uma inaugu-ração sobre algo de cor local”, nar-rou Eugênio. O plano é que odocumentário seja exibido em cine-clubes itinerantes nas favelas doAmorim, Vila Turismo, Mandela edemais comunidades do Complexo deManguinhos após sua conclusão.

MAIS INFORMAÇÕES:

http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/manguinhos-tem-tres-dias-

de-arte-e-contestacao-com-agenda-cultural-mandela-vive

Alguns dos antigos frequentadores arranjaram casamentos, outros colecionamhistórias de flertes e amizades que tiveram início naquele contexto (Foto: Ierê Ferreira)

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FIO DA HISTÓRIA

Testemunhos da

Na Europa durante a eclosãoda Primeira Guerra Mundial,Oswaldo Cruz e a famíliarelataram em cartas o climade tensão no Velho Mundo

PrimeiraGuerra

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AGlauber Gonçalves

Passagens compradascom antecedência, ho-téis reservados e malasfeitas. Planejar uma vi-agem internacional com

toda a antecedência que a prudênciarecomenda não garante imunidade aimprevistos. Ver-se de alguma formasem dinheiro em um pais estrangeironão é um contratempo difícil de seimaginar. Prever deparar-se com aeclosão do maior conflito bélico já vis-to até então no mundo, no entanto,requer uma capacidade de imagina-ção bem mais aguçada. Quando cru-zou o Atlântico rumo a Paris em junhode 1914, Oswaldo Cruz dificilmenteimaginava que estaria prestes a viveresses dois episódios.

LISBOA, 15 de janeiro de 1915“Entre os passageiros tem um en-genheiro belga que vai tratar de ne-gócios na Bolívia e Argentina. Veioda Bélgica, onde esteve na linha defogo até a tomada de Antuérpia. Temum filho único de 22 anos que estána linha de fogo desde o ataque aLiège. (...) Referiu-me à prisão domaire de Bruxelas e uma coisa atéagora desconhecida. O fato foi o se-guinte: ao chegar a Bruxellas os ale-mães começaram a fazer requisiçãode víveres, etc. e pagaram com va-les assinados por “von Goltz”. Omaire objetou que preferia pagamen-to em ouro, ao que retorquiu o gene-ral alemão que “a firma de von Goltzvalia mais do que ouro”. Não houveremédio, aceitou os tais papéis. Eis

Acompanhado por dez familiarese parentes – incluindo a mulher, Emi-lia, a filha mais velha, Lizeta, com omarido, a sogra e os filhos OswaldoCruz Filho e Walter Oswaldo Cruz –,o cientista deixou o Rio de Janeiro coma missão de conduzir pesquisas em ins-tituições europeias e ampliar o lequede cooperações estrangeiras do Insti-tuto Oswaldo Cruz. “Ele chega a Pa-ris, depara-se com um clima depré-guerra e não consegue trocar di-nheiro nos bancos. Ele já não tinhadinheiro para mais nada, o que o dei-xou preocupado”, afirma a pesquisa-dora Ana Luce Girão, da Casa deOswaldo Cruz (COC/Fiocruz).

As impressões de Oswaldo Cruz esua família sobre os conflitos que maistarde redundariam na Primeira Guer-ra Mundial estão registradas em 13

porém que os alemães impuseram aBruxelas uma contribuição de guer-ra. O maire reuniu então todos os va-les do general e foi com eles pagar ataxa imposta. O general protestou di-zendo que queria ouro e naturalmen-te respondeu o maire com as mesmaspalavras do general. Bastou isso paraser preso. Outra interessante é um fei-to do Rei Alberto até a pouco desco-nhecido. Estava ele na linha de fogo(os generais nunca vão em pessoa aoslugares expostos) quando caiu feridoum soldado numa trincheira. Ele seacercou do ferido, indicou-lhe o lu-gar da ambulância e mandou que sefosse tratar. Depois entrou na trinchei-ra, tomou do fuzil do ferido e ele – orei – entre os soldados continuou aatirar até que novos soldados viessemsubstituir os feridos”.

cartas sob a guarda da COC e na cor-respondência trocada com o médicoEgídio Sales Guerra, reproduzida par-cialmente por ele em um livro sobre ocientista. Ao amigo, Oswaldo Cruz re-latou: “O governo e os particulares re-tiveram todo o ouro e prata, demaneira que não há meios de se con-seguir troco para os bilhetes de ban-co, que ninguém recebe. Na últimahora o governo decidiu emitir notasde 20 e de 5 francos, mas até agoranão foram postas em circulação. En-quanto durar esse estado de coisas avida se torna impossível”.

Com a entrada da França na guer-ra em agosto de 1914, Oswaldo Cruzviu-se obrigado a trocar o calor do ve-rão parisiense pela capital inglesa, te-mendo pela sua segurança e da família.O prestígio internacional de que des-

Um rei na linha de fogoCarta de Oswaldo Cruz a sua esposa Miloca, quando estava abordo do S. S. Frísia, voltando de Londres para o Brasil.○

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LONDRES, 1915

“Achei muita graça ficares com

medo de não receberes carta nossa

por causa do bloqueio alemão. Não

soubeste então que foi uma terrível

rata? Imaginas tu que a Inglaterra está

bloqueada por vinte e oito submari-

nos alemães, dos quais sete já foram

a pique. Sabes qual foi o movimento

dos portos durante três dias deste mês,

estando a Inglaterra bloqueada? En-

traram e saíram 1.825 navios, e oito

frutava o cientista lhe foi útil para sairde Paris rumo a Londres. Graças à suacondecoração de Oficial da Légiond’honneur, conseguiu um salvo condu-to para levar a família para a Inglater-ra. “Londres, apesar da segurança queoferece, é uma cidade triste. As folhascomeçam a cair”, observou OswaldoCruz em uma das cartas. A mudançade planos fez com que ele deixasse delado outro objetivo traçado para a via-gem: levar uma parente – não identifi-cada nas cartas – para tratamento desaúde na Suíça.

Da capital inglesa, relatou o climade guerra vivido no país. “Londres con-tinua a precaver-se contra os Zeppe-lins. À noite apagam-se todos osprincipais combustores e ilumina-sefartamente o Hyde Park por meio delanternas, de maneira que da altura setenha a ilusão de ser ele o centro dacidade”, diz em carta ao filho Bento,que estava em Liverpool. Em meio àtensão, atividades rotineiras forammantidas, como uma visita com Milo-ca, como chamava a mulher, à Aba-

dia de Westminster. O cientista menci-ona ainda um passeio por um dos prin-cipais museus de arte britânicos, aNational Gallery, na companhia de Gra-ça Aranha, que Oswaldo Cruz prova-velmente conhecia da AcademiaBrasileira de Letras, da qual ambos fa-ziam parte.

O prolongamento dos confrontoscomeçou a preocupar Oswaldo Cruz.“Ele tinha viajado com uma missão,que era estabelecer relações com ins-titutos de pesquisa e promover inter-câmbios científicos, mas já estava naEuropa havia seis meses, sem conse-guir fazer o que queria, pois havia fi-cado retido em Londres”, diz Ana Luce.A insegurança no Atlântico, por contada presença de submarinos alemães,o fez se questionar se deveria voltarcom toda a família para o Brasil na-quele momento. Em janeiro de 1915,decide retornar ao Brasil só e deixa ofilho Bento na Inglaterra tomando con-ta da família.

Do Rio de Janeiro, continua envi-ando e recebendo notícias da Europa

foram a pique, o maior tinha 4 mil

toneladas. Não te assustes com as

ameaças alemãs, porque não passam

de blefe. Que lindas vitórias têm tido

os aliados ultimamente, não achas?

Os russos têm feito bravuras na Hun-

gria e os franceses têm sempre suces-

sos diários na Alsácia. Os ingleses,

pessimistas como são, já falam com

naturalidade na vitória e na probabili-

dade de uma paz bem próxima. Con-

quanto que quando aqui chegares

esta guerra já se tenha acabado”.

por cartas. De Londres, a filha Lizetalhe escreve: “Achei muita graça fica-res com medo de não receberes cartanossa por causa do bloqueio alemão.Não soubeste então que foi uma terrí-vel rata? [...] Não te assustes com asameaças alemãs, porque não passamde blefe [...] Os ingleses, pessimistascomo são, já falam com naturalidadena vitória e na probabilidade de umapaz bem próxima. Conquanto quequando aqui chegares esta guerra jáse tenha acabado”.

De acordo com Ana Luce, os rela-tos são ilustrativos das narrativas quese construíam na época sobre a guer-ra. “Circulavam, na época, notícias quecolocavam os alemães como um povohorroroso. Havia um certo otimismo.No início, as pessoas achavam que aguerra não ia durar muito. Nesse mo-mento a guerra ainda era europeia, enão mundial”, diz. Oswaldo Cruz nãopôde retornar à Europa para ver o de-senrolar do conflito. Já de volta ao Bra-sil, sua saúde se deteriorou e elefaleceu em 11 de fevereiro de 1917.

O ‘blefe’ do bloqueio alemãoCarta de Lizeta a seu pai, Oswaldo Cruz, dando notícia sobre a estadia de

todos em Londres e sobre a guerra que se desenrolava na Europa.

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