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REVISTA DE MANGUINHOS | MAIO DE 2015 44

REVISTA DE MANGUINHOS | MAIO DE 2015 45 · Mais de um século depois de sua cri-ação, a revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz tem o maior impacto na América Latina em áreas

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á pouco, o aviador San-tos Dumont realizava ofamoso voo de demons-tração, em Paris. A repú-blica, uma novidade

recente no Brasil, contava apenas seuquarto presidente. Faltava ainda umadúzia de anos para o cenário do Rio deJaneiro – tão, tão diferente – ganhar obondinho que enfeita o cartão postal doPão de Açúcar. O ano é 1900. O Brasilvive assombrado pela peste bubônica,que varria vidas aos borbotões mundoafora desde o século 14. Nas instala-ções decadentes de uma fazenda fali-da, um grupo de cientistas recebeu atarefa de produzir os primeiros soros evacinas para enfrentar a doença nopaís. Segundo os registros históricos, adata precisa é um 25 de maio. Umaconsulta ao calendário conta ter sidojustamente uma sexta-feira – que diapara assumir um desafio desta monta.

OntemSurgia o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/

Fiocruz), unidade germinativa da atualFundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) quese tornaria este amplo complexo a ser-viço da vida. Até o aniversário, nesteano de 2015, são 42.003 dias. Horas afio de vidas dedicadas à posteridade.

Foi Instituto Vacínico Municipal,depois Instituto Soroterápico Federal,até ganhar o nome definitivo em 1908.O Instituto de Manguinhos, como era

HCristiane Albuquerque, Raquel Aguiar e Vinícius Ferreira (com informações de Lucas Rocha e Marina Saraiva)

42mil dias Contemporâneo e plural,

Instituto Oswaldo Cruz,embrião da atual Fiocruz,completa 115 anos decontribuições paraa ciência e a saúde

(e ainda é) nomeado por seus convi-vas por conta da geografia do terrenoonde repousa, manteve, deste chama-mento afetivo, a característica de serlimítrofe. Se os manguezais recobremo tênue contato entre terra, mar e águadoce, também o Instituto buscou (ebusca) a fronteira entre o latente e ovindouro.

Da época do Barão de Pedro Afon-so, fundador original, e de OswaldoCruz, patrono renomado, segue o pro-pósito de articular a ciência às deman-das da sociedade. Logo nas primeirasdécadas de existência, brotaram asraízes que edificariam o Instituto: apesquisa, atividade central, comopropulsora do ensino, da referência emsaúde e dos acervos biológicos, sem-pre com a preocupação de garantir adivulgação dos estudos e resultados.Assumidos como pilares conceituais, aciência, a formação de recursos huma-nos e a geração de produtos para asaúde refletem a influência direta doInstituto Pasteur, na França, que vigo-rava como referência científica.

Com a missão de formar cientis-tas, em 1908 era iniciada a primeiraturma do Curso de Aplicação. No anoseguinte, o grupo de Manguinhos fun-dava a revista Memórias do Institu-to Oswaldo Cruz, destinada a divulgarestudos científicos nos moldes das pu-blicações estrangeiras da época. Nadécada de 1910 começavam a ser es-truturados os acervos com insetos, hel-

mintos e tecidos humanos, organiza-dos em Coleções Biológicas. Enquantoisso, Belizário Pena e Arthur Neiva des-bravavam em expedições científicas asquestões de saúde nativas – o périplode 7 mil quilômetros antecipava preo-cupações contemporâneas de diagnós-tico e vigilância, base da atualreferência em saúde.

Um castelo foi erguido para abri-gar as atividades cada vez mais inten-sas. Corredores percorridos por figurasilustres. Das perdas antigas, OswaldoCruz, Carlos Chagas, Adolpho Lutz eGaspar Vianna integram uma lista que,pelos numerosos expoentes possíveis,dificilmente poderá ser justa. Das per-das recentes, Leônidas e Maria Dea-ne, Helio e Peggy Pereira, HaityMoussatché, Herman Lent, Lobato Pa-raense, Hermann Schatzmayr e Henri-que Lenzi estão entre muitos quedeixaram sua contribuição para a ci-ência brasileira.

Um celeiro de ideias que, na dita-dura, foi abatido pela perseguição deideais. O Instituto é ainda hoje mar-cado por um massacre, durante o re-gime militar, que cassou cientistas,solapou amostras e subtraiu peças his-tóricas. “Na época, acervos eram ar-remessados pela janela, direto para acaçamba de caminhões de lixo”, re-lata José Jurberg, que resgatou e ze-lou por parte da coleção de insetos,uma das mais amplas e completas daAmérica Latina.

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HojeMalária, leishmanioses, doença

de Chagas, esquistossomose. Hepa-tites, tuberculose, meningites, rotavírus.Febre maculosa, asma, leptospirose, in-flamação, fibrose cística, distrofiasmusculares. Nem com muito fôlegose chega ao fim do rosário de temasa que o Instituto se dedica nas abor-dagens mais variadas, da biologia,patologia e parasitologia à biodiver-sidade, genética, proteômica e biolo-gia computacional, entre tantas outras.Sustentados tecnologicamente por pla-taformas compartilhadas, os objetivosvariam na mesma amplitude, indo dapesquisa básica ao desenvolvimentode fármacos, vacinas e alternativas detratamento ou prevenção.

O interesse por doenças que pare-cem superadas convive com a atençãosobre aquelas que sequer esboçam aprimeira aparição. Doenças pouco visí-veis como a oncocercose que, no país,atinge indígenas yanomami de tradiçãonômade. Doenças quase adormecidas,a exemplo da poliomielite e da cólera,permanecem no alvo de estudos. Nocaso das doenças emergentes, o Insti-tuto responde a cenários novos, comoa Aids, a dengue e a gripe pandêmicaforam um dia. Ao mesmo tempo, ante-cipa problemas de futuro, seja a poten-cial chegada da febre do Oeste do Nilo,a transmissão local de chikungunya, oespalhamento do vírus mayaro ou aocorrência de casos de febre Q.

O ciclo de transmissão de doen-ças é um foco de investigação. Nocampo são buscados os indícios quepermitem montar verdadeiros quebra-cabeças. “A curiosidade de sempreprocurar uma resposta movimenta otrabalho do cientista em diversos am-bientes”, conta a parasitologista AnaMaria Jansen que, de barco ou jipe,lidera um grupo que percorre flores-tas, sertões e cerrados para desven-dar casos de doença de Chagas.

Em hanseníase e hepatites virais,o diferencial é um modelo complexoque aproxima a atenção ambulatori-al a atividades de pesquisa clínica,ensino e referência. “Realizamos umatendimento multidisciplinar, que in-

tegra pesquisa e assistência em bus-ca de benefícios para o próprio paci-ente”, diz Euzenir Sarno, à frente doambulatório Souza Araújo, referên-cia nacional em hanseníase para oMinistério da Saúde e acreditado in-ternacionalmente.

Com a responsabilidade de gerir con-temporaneidade e legado histórico, odiretor do Instituto diz que o compromis-so de gerar conhecimento relevante parao Brasil permanece, acumulando desafi-os. “Estamos contribuindo para a saúdeglobal na busca de soluções para o paísa partir da geração de conhecimento ci-entífico”, afirma o imunologista WilsonSavino, eleito para a gestão 2013-2017.

No ambiente de pesquisa, as por-tas estão abertas para o Ensino. Esta-giários, técnicos em formação, futurosmestres e doutores têm a oportunida-de de aprender nos Laboratórios. “Es-tar junto aos jovens estudantessignifica renovar-se e aprender a cadadia”, salienta José Rodrigues Coura.Responsável pela criação de dois pro-gramas de pós-graduação e de umcurso técnico no Instituto, ele encon-tra fôlego para continuar lecionandohá mais de três décadas.

No fortalecimento da vigilânciaem saúde, o diagnóstico de doençasé o trabalho de rotina, lado a ladocom o aperfeiçoamento de metodo-logias e a capacitação de profissio-nais. “Os laboratórios de referênciaestão preparados para detecção, re-conhecimento e análise de doençasque circulam no país. Tudo isso ape-nas é possível agregado a uma ativi-dade de referência e pesquisa quecaminham juntas por décadas”, opi-na a virologista Marilda Siqueira, queresponde pelas referências em influ-enza, sarampo e rubéola.

Das coleções biológicas, algumascentenárias e outras bastante recen-tes, o uso para finalidades de ensinoe pesquisa divide espaço entre a mo-dernidade de acessos digitais e o tra-dicional envio de amostras por correio.São centenas de empréstimos e doa-ções de acervo para instituições detodos os continentes. “Oferecemos

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material biológico de qualidade parao desenvolvimento e inovação biotec-nológica no país e no mundo”, desta-ca Claude Pirmez, que coordena oprocesso de certificação dos Centrosde Recursos Biológicos (CRBs) a partirde coleções existentes.

Mais de um século depois de sua cri-ação, a revista Memórias do InstitutoOswaldo Cruz tem o maior impacto naAmérica Latina em áreas como parasito-logia e medicina tropical. Cada vez maisinternacionalizada, contabiliza autores de52 países. “A digitalização total do acer-vo, o controle rígido de plágio e a gratui-dade plena, tanto para acesso de leitoresquanto para a publicação de trabalhos,são características que colocam a revistana crista das tendências contemporâneasde editoração científica”, situa HoomanMomen, um dos editores da revista e ex-coordenador de publicações da Organi-zação Mundial da Saúde (OMS).

Quando não embasam atividadescontemporâneas, traços do passado doInstituto foram sementes de frutos quebrotaram desde que a Fiocruz foi esta-belecida, na década de 1970, como umaautarquia do Ministério da Saúde. A vo-cação para produzir soros e vacinas –que começou com a peste bubônica,passou pela varíola e chegou à polio-mielite – foi assumida pela atual Insti-tuto de Tecnologia em Imunobiológicos(Bio-Manguinhos/Fiocruz), presente navida dos brasileiros por meio dos imu-nizantes que fabrica. Os documentoshistóricos foram abraçados pela Casade Oswaldo Cruz (COC); as bibliote-cas, pelo Instituto de Comunicação eInformação Científica e Tecnológica emSaúde (Icict); o antigo Hospital de Man-guinhos se tornaria o Instituto Nacio-nal de Infectologia Evandro Chagas(INI); de um dos laboratórios nasceriao Instituto Carlos Chagas (ICC/FiocruzParaná.) Nas salas de aula e bancadaspassaram muitos dos profissionais quehoje povoam o complexo técnico-cien-tífico da Fiocruz no país. Acompanhan-do o movimento das pessoas, tambémos temas de pesquisa são irradiados,colaborando para consolidar o projetonacional da Fundação. Em sinergia, astrajetórias do Instituto e do conjunto daFiocruz se misturam.

AmanhãPara dar as boas-vindas aos próxi-

mos 115 anos, nada melhor que as pa-lavras de bons companheiros. DelirCorrêa e Leon Rabinovitch, hoje chefesdos laboratórios onde atuam, trabalhamhá mais de meio século em Manguinhos.

Faltavam ainda seis anos para que ohomem pisasse na Lua. E lá ia Delir rumoao IOC, onde estagiava com ninguémmenos que Lauro Travassos, conhecidocomo o pai da helmintologia brasileira.“Fui acolhida por aquele pesquisador sé-rio e simpático que me mostrava compaciência um mundo novo. Cinquenta edois anos depois, desejo que o IOC conti-nue comprometido em apoiar e manterseus acervos e que as novas tecnologiasfacilitem a pesquisa e a inovação em fa-vor da sociedade”, diz.

Por trás dos óculos de aros finos, osolhos afáveis com mais de 70 anos podemconfundir à primeira vista, mas Leon é an-tenado com inovação e sustentabilidade.Autor de um sistema patenteado paradespoluição de águas descartadas por in-dústrias alimentícias, o bacteriologista nãopensa duas vezes ao apontar suas expec-tativas. “Recebemos jovens que vão darcontinuidade ao trabalho iniciado por pes-quisadores com anos de experiência. Mi-nha expectativa é de que possamos sempreousar, contribuindo com inovações no cam-po da saúde pública”, sentencia.

Ao mesmo tempo em que pode sig-nificar um constante recomeço, o con-vívio entre gerações é um trampolimpara o crescimento dos mais jovens.“Aqui, trocamos experiências na sala deaula, nos laboratórios e até nos corre-dores”, observa a doutoranda MariaFantinatti, representante dos estudan-tes de pós-graduação.

Aos 16 anos, Mariana Mattos estáentre dezenas de adolescentes que ingres-sam no Instituto para dividir seu tempoentre a escola e a carreira científica pre-coce. “Quero contribuir para a ciência. Éuma honra e um orgulho fazer parte des-ta história grandiosa”, diz a jovem alunado Programa de Vocação Científica, quepisou pela primeira vez em um laborató-rio há apenas seis meses. No limite dohoje e do amanhã, Manguinhos estarásempre no início do caminho.

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