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1 REVISTA DE MANGUINHOS | AGOSTO DE 2016

REVISTA DE MANGUINHOS | AGOSTO DE 2016 · 2016. 8. 31. · REVISTA DE MANGUINHOS | AGOSTO DE 2016 3 rompimento da barragem de Fundão, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues,

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rompimento da barragem de Fundão, localizadano subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km docentro do município de Mariana (MG), em 5 denovembro de 2015, é um desastre que será senti-do por muitos anos – talvez décadas. Esta edição

da Revista de Manguinhos relata o seminário promovido namesma cidade, seis meses depois da catástrofe, com a partici-pação de especialistas e pesquisadores, e também abre suaspáginas para mostrar a profunda destruição que se abateu so-bre o local. Dá voz, ainda, a moradores que perderam muito –ou mesmo tudo.

Outra reportagem desta edição explica o porquê de o Insti-tuto Tecnológico em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) ter setornado uma referência na produção de antirretrovirais ao com-pletar 40 anos de atuação em favor da saúde pública. Os princi-pais êxitos, avanços e conquistas estão relatados em um textoque relembra a trajetória da unidade e seus próximos passos.

Fazem parte desta edição reportagens sobre uma nova es-tratégia contra a leishmaniose cutânea que utiliza uma substân-cia extraída do aipo, a inédita comprovação de que insetostransmissores da doença de Chagas também ingerem vegetais,a alta prevalência de depressão pós-parto em mães brasileiras euma homenagem ao cientista Luis Rey, morto pouco antes dechegar aos 98 anos, entre outros textos.

Boa leitura!

Paulo Gadelha

Presidente da Fundação Oswaldo Cruz

EDITORIAL

O

Foto: detalhe do Castelo Mourisco da Fiocruz

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PresidentePaulo Ernani Gadelha Vieira

Vice-presidente de Ambiente,Atenção e Promoção da SaúdeValcler Rangel Fernandes

Vice-presidente de Gestão eDesenvolvimento InstitucionalPedro Ribeiro Barbosa

Vice-presidente de Ensino,Informação e ComunicaçãoNísia Trindade Lima

Vice-presidente de Pesquisae Laboratórios de ReferênciaRodrigo Guerino Stabeli

Vice-presidente de Produçãoe Inovação em SaúdeJorge Bermudez

Chefe de GabineteFernando Carvalho

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial / Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 35 - AGOSTO/2016

Coordenadora: Elisa Andries

Editor: Ricardo Valverde

Colaboradores: Alexandre Matos, AndréCosta, Fernanda Marques, Graça Portela,Keila Maia, Filipe Leonel, Lucas Rocha,Luciene Paes, Luiza Gomes, MaíraMenezes, Max Gomes, Nathalia Gamero,Valéria Padrão e Valéria Costa.

Projeto gráfico e edição de arte:Rodrigo Carvalho

Revisão: Ricardo Valverde

Fotografia: Peter Ilicciev

Administração: Assis Santos

Secretaria: Inês Campos

Autorizada a reprodução deconteúdos desde que citada a fonte

O que você achou desta edição?Mande seus comentários [email protected]

Revista de ManguinhosAvenida Brasil 4.365 - ManguinhosRio de Janeiro - RJ - CEP 21.040-900Telefone: 55 (21) 2270-5343

Agência Fiocruz de Notíciaswww.fiocruz.br/ccs

Impressão: Gráfica MarcPrint

ÍNDICE

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NOTAS

As mais de duas décadasde estudos voltados para a do-ença de Chagas na Amazôniarenderam ao chefe do Labora-tório de Doenças Parasitárias doInstituto Oswaldo Cruz (IOC/Fi-ocruz), José Rodrigues Coura,dois títulos. Um da AssembleiaLegislativa do Amazonas (Ale-am), em reconhecimento aosserviços desenvolvidos em fa-vor do estado, e outra pelaAcademia Amazonense de Me-dicina, em reconhecimento porsua contribuição significativapara a instituição.

O título de “Cidadão do Ama-zonas” é concedido pela Aleama pessoas que não são naturaisdo Amazonas mas que prestamou prestaram relevantes serviçosao estado. Em mais de cinco dé-

Pesquisador recebe títulos no Amazonascadas de dedicação à pesquisa e ao tra-balho de campo, Coura é um dos prin-cipais especialistas brasileiros emmedicina tropical, já tendo formado maisde 200 mestres e doutores, publicado

A revista Memórias doInstituto Oswaldo Cruz dis-ponibiliza uma via rápida de-nominada de Zika Fast Trackpara publicação de artigos re-lacionados ao vírus zika e àsprováveis associações com mal-formações congênitas e síndro-mes neurológicas. Os estudossobre o tema submetidos parapublicação no periódico serão

Publicação em 24 horas para artigos sobre zika

divulgados online em um prazo de 24horas. Para orientar os leitores, nosartigos publicados neste sistema seráapontado que o processo de revisãopor pares está em andamento. Os pro-cedimentos para submissão dos arti-gos não serão alterados.

”A decisão editorial de acelerara publicação de pesquisas sobre ozika foi tomada considerando o com-promisso de difusão rápida de infor-

mações científicas ligadas à emer-gência de saúde pública de interes-se internacional, declarada pelaOrganização Mundial da Saúde”,pontua Claude Pirmez, uma das edi-toras do periódico. Fundada em1909, a revista Memórias tem gra-tuidade dupla, tanto para acessoquanto para publicação.

Maíra Menezes

mais de 250 artigos científicos em peri-ódicos nacionais e internacionais, alémde diversos livros.

Max Gomes

Foto: divulgação

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Eles medem apenas 1mm, se ali-mentam de sangue e podem causargrande incômodo. Popularmente co-nhecidos como mosquitos pólvora, osmaruins podem ser encontrados emtodas as regiões do país. A partir deagora, pesquisadores e estudantes têmacesso a uma completa publicação queapresenta uma atualização de pesqui-sas sobre as diversas espécies destevetor. O catálogo Espécies de maruinsno Brasil, de autoria das pesquisadorasMaria Clara Alves Santarém e MariaLuiza Felippe-Bauer, do Laboratório deDíptera do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que conta com conteúdo bi-língue (português e inglês), pode serconsultado online gratuitamente

(http://www.fiocruz.br/ioc/media/especies_de_maruins_do_brasil.pdf).

A obra é constituída por um bre-ve histórico dos estudos sobre o inse-to, contém uma tabela com o númerode espécies encontradas nas regiõesneotropical e amazônica brasileiras euma lista atualizada sobre os vetoresreportados no Brasil, organizada pe-los 27 estados, em ordem alfabética.O acervo, que tem a proposta de seratualizado anualmente, agora cons-titui a Coleção de Ceratopogonidae(CCER/Fiocruz).

Sofia Cazelgrandi

Catálogo reúne pesquisas sobre os maruins

Mamaço é destaque da Semana da Amamentação no RioO Museu do Amanhã, localizado na

Praça Mauá, no Rio de Janeiro, foi pal-co do Mamaço Olímpico, alusivo à Se-mana Mundial de Aleitamento Materno(SMAM), em 31 de julho. Com o temaAleitamento materno: presente saudá-vel, futuro sustentável, a celebração daSMAM reuniu mães num movimentode amamentação coletiva. O intuito doevento era chamar atenção sobre aimportância da promoção da amamen-

tação no alcance dos Objetivos de De-senvolvimento Sustentável (ODS), ado-tados pela Cúpula das Nações Unidas,em setembro do ano passado.

Para a gerente do Banco de LeiteHumano do Instituto Nacional de Saú-de da Mulher, da Criança e do Adoles-cente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz),Danielle Aparecida da Silva, a ideiadeste ano foi fazer uma ligação entreo aleitamento materno e os objetivos

de sustentabilidade do milênio.“Além da mãe amamentar o bebêde uma forma saudável, a ama-mentação contribui para os Obje-tivos do Milênio, seja na dimensãoeconômica, social ou ambiental.O aleitamento materno contribuidiretamente para o desenvolvi-mento sustentável”.

Juliana Xavier

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NOTAS

Desafios fundamentais nocombate à tuberculose, o aban-dono e a baixa adesão ao trata-mento podem abrir espaço paraformas resistentes da doença, quenão respondem aos antibióticosdisponíveis. Pesquisadores do Ins-tituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)realizam um estudo para obser-var como pacientes e familiaresinterpretam a doença, o tratamen-to – que dura no mínimo seismeses – e a cura. O local escolhi-do é a comunidade da Rocinha,na Zona Sul do Rio de Janeiro,que, além de ser uma das mais

Estudo investiga tuberculose na comunidade da Rocinhapopulosas do mundo, apresenta altaprevalência de tuberculose no municí-pio. Resultados parciais do estudo fo-ram apresentados pelo pesquisadorMárcio Luiz Mello, do Laboratório deInovações em Terapias, Ensino e Bio-produtos do IOC, em maio, durante oCongresso Internacional de InvestigaçãoQualitativa, realizado na Universidadede Illinois, em Urbana-Champaign, nosEstados Unidos. A expectativa é de quea pesquisa colabore para a formulaçãode estratégias para aperfeiçoar os índi-ces de adesão ao tratamento.

Elaborado a partir de entrevistascom pacientes em tratamento, todos

Uma epidemia silenciosavem acometendo o Rio de Ja-neiro: a esporotricose. Conhe-cida popularmente de “doençados gatos”, a esporotricose éuma zoonose, uma enfermida-de que pode acometer huma-nos e animais, especialmentefelinos. Causada pelo fungoSporothrix schenckii, encontra-do no solo, em vegetais oumadeiras, a infecção aconte-ce pelo contato com materiaiscontaminados, como farpas ouespinhos, ou mordidas e arra-nhões de animais infectados.

Documentário apresenta epidemia de esporotricose no RioCom o objetivo de disseminar maisinformações sobre a doença, a Vi-deoSaúde Distribuidora da Fiocruzproduziu o documentário Esporotri-cose com a participação e consulto-ria de pesquisadores do InstitutoNacional de Infectologia EvandroChagas (INI/Fiocruz).

O documentário faz, em seus 24 mi-nutos de duração, um balanço da epide-mia que atinge o município do Rio deJaneiro, considerada já a maior da histó-ria desde que a doença foi descrita porBenjamin Schenck, nos Estados Unidos,em 1898. Conforme relato do diretor dovídeo, Eduardo Thielen, o maior registro

moradores da Rocinha, o estudo consi-derou contextos socioculturais, valorese crenças. “Foi possível compreenderpercepções individuais sobre a tuber-culose, assim como as principais difi-culdades atribuídas ao enfrentamentodo agravo”, explicou Mello. De acor-do com a análise, que nesta etapaouviu seis pacientes, a doença é vistacomo cotidiana e comum. Essa banali-zação contribui para a demora na bus-ca por diagnóstico, dificultando o iníciodo tratamento, considerado cansativopelos pacientes.

Lucas Rocha

prévio em número de casos aconteceuentre os anos de 1941/42, em um grupode quase 3 mil mineradores na África doSul. No Rio de Janeiro, entre 1998 e 2012,foram efetuados mais de 4,3 mil diag-nósticos. Além de depoimentos de paci-entes com a doença e dos tutores deanimais contaminados, o vídeo traz asfalas de pesquisadores e médicos das maisdiferentes áreas de atuação. O documen-tário Esporotricose estará disponível embreve, para acesso público, no canal doYouTube da VídeoSaúde e no site do INI/Fiocruz (http://www.ini.fiocruz.br/pt-br).

Antonio Fuchs

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Pesquisadores do Instituto Oswal-do Cruz (IOC/Fiocruz) treinaram téc-nicos do Ministério da Saúde daGuiana para o diagnóstico da leish-maniose cutânea. A atividade, reali-zada em julho em Georgetown,capital do país, responde a uma de-manda da Organização Pan-Ameri-cana da Saúde (Opas). “Existempoucos relatos sobre as leishmanio-ses na Guiana. Falta aptidão paraesse diagnóstico ou para o reconhe-cimento de que os pacientes estãocom suspeita da doença. O treina-mento é importante para que os ca-sos sejam tratados corretamente”,avalia o pesquisador Renato Porro-zzi, chefe do Laboratório de Pesqui-sas em Leishmaniose do IOC ecoordenador da iniciativa. Doença

Guiana recebe treinamento contra leishmaniose cutânea

Pesquisa investiga doença respiratóriaaguda em crianças guarani

A Escola Nacional de Saúde Pú-blica Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz)promoveu, em agosto, o semináriode devolutiva do projeto Doençarespiratória aguda e fatores asso-ciados em crianças guarani meno-res de um ano de idade: um estudoem coorte de nascimentos indíge-nas no Sul e Sudeste do Brasil, fi-nanciado com recursos da segundaedição do Programa Inova Ensp.Coordenado pelo pesquisador doDepartamento de Endemias Sa-muel Pessoa (Densp) Andrey Mo-reira Cardoso, o projeto teve porobjetivo analisar a magnitude dasdoenças respiratórias agudas e defatores associados no primeiro anode vida em nascimentos ocorridosnos anos de 2012 e 2013 na etniaguarani, residente nos litorais Sule Sudeste do Brasil. Segundo o pes-quisador, o estudo buscou, ainda,estruturar um sistema de vigilânciade doença respiratória aguda nas

aldeias litorâneas deocupação da etnia.

De acordo com An-drey, a revisão da literatu-ra evidencia a importânciadas infecções respiratóri-as agudas na morbi-mortalidade mundial,principalmente na dospaíses em desenvolvimen-to e populações menos fa-vorecidas, com restriçãode acesso aos serviços desaúde e em condições vul-neráveis de vida. “Algu-mas dessas situaçõescoincidem com aquelasencontradas nas aldeias in-dígenas guarani no Sul eSudeste do Brasil e tam-bém no restante da popu-lação indígena que vive emterritório brasileiro”.

Informe Ensp

negligenciada com importante im-pacto na América Latina, a leish-maniose cutânea é causada por

protozoários do gênero Leishmaniae afeta sobretudo populações po-bres, com potencial para causar le-sões e deformidades na pele.

Por meio de atividades prá-ticas e teóricas, os participan-tes do treinamento foramcapacitados para a realizaçãodo diagnóstico microscópicoda doença. O procedimento érealizado a partir de amostrasobtidas pela raspagem das le-sões na pele que são caracte-rísticas do quadro clínico daleishmaniose cutânea. O ma-terial é fixado em uma lâminacom o uso de produtos quími-cos específicos e, na sequên-cia, esta lâmina é observadano microscópio para a identifi-cação visual da presença doparasito Leishmania.

Lucas Rocha

Foto:divulgação

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Instituto de Tecnologiaem Fármacos (Farman-guinhos/Fiocruz) chegaaos 40 anos celebrandoas realizações no cam-

po da assistência farmacêutica naci-onal. Criada em 23 de abril de 1976,a unidade da Fundação responsávelpela produção de medicamentospara o Sistema Único de Saúde (SUS)iniciou sua história fabricando sulfa-to ferroso para combater a anemia.Ampliou seu portfólio seguindo asnecessidades do país e se tornou re-ferência na produção de antirretro-virais, categoria de medicamentosusados no tratamento de pessoas quevivem com HIV/Aids.

Atualmente, Farmanguinhos seprepara para novos desafios a partirda mudança do perfil epidemiológi-co da população. O diretor, HayneFelipe da Silva, costuma dizer que“se muito vale o já feito, mais valeo que será”. Na verdade, Silva tomaemprestado o trecho da canção De-veras, escrita por Milton Nascimen-to e Wagner Tiso, para ressaltar que

OAlexandre Matos

HOMENAGEM

é preciso valorizar o passado mas con-tinuar construindo o futuro.

Neste sentido, Farmanguinhostem dado atenção especial às crian-ças. Recentemente a unidade obte-ve o registro do Oseltamivir pediátrico,indicado para o tratamento de Influ-enza A (H1N1). O Instituto tambémdesenvolve três antirretrovirais volta-dos exclusivamente aos pequenos.Um deles associa três princípios ati-vos em um único comprimido (Lami-vudina 30mg + Zidovudina 60mg +Nevirapina 50mg), o que facilitará aadministração do tratamento.

Outro estudo promissor é sobre oEfavirenz pediátrico dispersível emágua, elaborado com o uso de nano-tecnologia, área fronteira da ciência ain-da pouco explorada no Brasil. Além dosbenefícios que a formulação pode ofe-recer às crianças, como sabor mais agra-dável, este antirretroviral requer menosmatéria-prima, o que gera economia noscustos de produção. O terceiro antirre-troviral pediátrico é orodispersível, ouseja, dissolve-se diretamente na bocado pequeno paciente.

Mais um importante medicamen-to exclusivamente para as crianças éo Praziquantel, para tratar esquistos-somose, uma das principais doençasnegligenciadas. Neste caso, trata-sede parceria envolvendo instituiçõesde diversos países e na qual caberá aFarmanguinhos a produção final.

Se muitovale o já feito

Elevado à condição de Instituto em1983, desde então, Farmanguinhostem como finalidade desenvolver tec-nologia em fármacos e produzir medi-camentos para a atender a saúdepública. O primeiro produto foi o sulfa-to ferroso, em 1979. A presença destemedicamento é tão significativa paraa história do Instituto, que o sanitaristaSergio Arouca, quando presidiu a Fio-cruz (1985-89), denominava a unida-de de “padaria do sulfato ferroso”.

Atualmente, Farmanguinhosdesenvolve pesquisas sobre fárma-

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cos, produz medicamentos e tam-bém é um dos principais atores nacondução de políticas públicas naárea da assistência farmacêutica noBrasil. Se em 1999 a unidade inicioua produção de seu primeiro antirre-troviral, o AZT, mais conhecido comoZidovudina, hoje, referência nacionalna produção de antirretrovirais, Far-manguinhos fabrica 6 dos 23 medica-mentos que compõem o coquetelantiaids. Um deles o já citado Efavi-renz, fruto do primeiro licenciamentocompulsório realizado no Brasil, em2007. É responsável, ainda, pela pro-dução de Atazanavir, Lamivudina,Lamivudina+Zidovudina, Nevirapina eZidovudina. Sua capacidade ficou com-provada mais uma vez em 2009, quan-do houve um surto de gripe suína,provocada pelo vírus Influenza (H1N1).Na ocasião, a instituição desenvolveue produziu o antiviral Oseltamivir, for-necido a postos de saúde de todo oterritório nacional.

Se em 2009 houve o surto de in-fluenza, atualmente, a populaçãobrasileira tem sofrido com a epide-

mia de dengue, chikungunya e zika,doenças provocadas pelo mosquitoAedes aegypti. Apesar do cenáriodesafiador, graças à atuação de Far-manguinhos, o Brasil conta com umimportante instrumento de combateao vetor dessas patologias. Trata-sedo biolarvicida BTi, capaz de elimi-nar as larvas do mosquito em menosde 24 horas, sem causar nenhum ris-co à saúde humana nem ao meioambiente. A tecnologia foi transferi-da à empresa BR3, que o registroucom o nome DengueTech.

Ultrapassandofronteiras

A instituição desenvolve tambéminiciativas no âmbito internacional.Uma delas é a implantação da fábricade antirretrovirais e outros medicamen-tos em Moçambique, denominada Soci-edade Moçambicana de Medicamentos(SMM). A SMM tornou-se o primeirolaboratório farmacêutico público detoda a África. Além de antirretrovirais,

produzirá medicamentos para as prin-cipais doenças que afetam a popula-ção daquele país.

Outra importante ação é a inclusãodo antimalárico Artesunato+Mefloquina(ASMQ) na lista de medicamentos es-senciais da Organização Mundial daSaúde (OMS), tanto na versão para adul-tos quanto infantil. O medicamento écapaz de curar a malária em até trêsdias. A tecnologia foi transferida parauma empresa indiana, que o registrouna Índia e em países do Sudeste Asiáti-co. Além disso, Farmanguinhos tem fei-to ainda doações do ASMQ a países daAmérica Latina como estratégia de pré-qualificação do produto junto à OMS.

Com a Europa, o Instituto man-tém cooperação com a empresa In-dar, da Ucrânia. O acordo consistena transferência da tecnologia de in-sulina recombinante humana para aunidade. Enquanto o processo tecno-lógico é absorvido pelo Laboratóriode Biotecnologia de Farmanguinhos,a Indar abastece o país com este im-portante hormônio para os pacientesdiabéticos.

Foto: Alex Mansur Foto: André Az

Instalações de Farmanguinhosem Jacarepaguá

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Mais valeo que será

Farmanguinhos continua desempe-nhando o papel protagonista para a re-cuperação da indústria farmoquímicanacional. Se no passado, a unidade pro-duzia medicamentos especialmente paradoenças negligenciadas, atualmente,participa de Parcerias de Desenvolvimen-to Produtivo (PDP), considerada uma es-tratégia de Estado a fim de fortalecer estesegmento industrial.

“Precisamos fazer uma aposta de ru-mos no sentido da PDP, com complemen-tariedade e a incorporação destastecnologias farmacêuticas. E o mais im-portante é que o Brasil tenha esta inde-pendência para a produção de InsumoFarmacêutico Ativo (IFA). Temos feito esteexercício dentro dos nossos limites institu-cionais”, frisou o diretor. Com isso, a uni-dade busca nacionalizar a tecnologia deprodutos estratégicos para o SUS, tais comoantirretrovirais, oncológicos, imunossu-pressores, antiparkisoniano, antiasmáti-cos, hipoglicemiantes, tuberculostáticos,antilipidêmico, medicamentos para doen-

ça renal crônica, dentre outros.A transferência do campus de Man-

guinhos para o Complexo Tecnológicode Medicamentos (CTM), em Jacare-paguá, em 2004, com uma planta in-dustrial três vezes maior, permite aFarmanguinhos fabricar essa variedadede medicamentos. Em função disso, ainstituição é reconhecida pela sua ex-celência em qualidade. Nos últimos cin-co anos, uma série de conquistas, dentreas quais a revalidação do Certificadode Boas Práticas de Fabricação (BPF),referente às linhas de produção de pe-nicilínicos e de sólidos comuns e antir-retrovirais, bem como a obtenção dacertificação ambiental internacional ISO14.001. É a primeira autarquia federala conquistar este selo da British Stan-dard Institution (BSI). Além disso, o Ins-tituto, por dois anos seguidos, obteve acategoria Ouro do Prêmio de Qualida-de do Rio de Janeiro (PQ-Rio).

Para acompanhar todo o avançotecnológico alcançado ao longo dos úl-timos anos, e continuar com o nível dequalidade elevado, Farmanguinhosestá concluindo a implantação de umnovo sistema integrado de gestão, oSAP. Uma das vantagens desta melho-

ria é a validação pela Agência Nacio-nal de Vigilância Sanitária (Anvisa), quefacilitará a rastreabilidade dos medica-mentos produzidos.

ConhecimentoO Instituto segue sua missão de

“atuar com responsabilidade socio-ambiental na promoção da saúde pú-blica por meio da produção demedicamentos, pesquisa, desenvolvi-mento tecnológico, geração e difusãode conhecimento”. Sob este aspecto,desde 2008 a unidade oferece doiscursos de pós-graduação lato sensu.O de Especialização em Gestão daInovação em Fitomedicamentos já for-mou 58 gestores, e o de TecnologiasIndustriais Farmacêuticas conta com103 pós-graduados. Além desses cur-sos, em 2010, o Instituto implantou oMestrado Profissional em Gestão, Pes-quisa e Desenvolvimento na IndústriaFarmacêutica, que já elevou 73 pes-soas à categoria de mestre. É com avalorização do passado que Farman-guinhos pavimenta o caminho paraum futuro promissor, sempre com vis-ta ao bem-estar da população.

Foto: Peter IliccievFoto: André Az Foto: André Az

Referência nacional na produção de antirretrovirais, Farmanguinhos fabrica 6 dos 23 medicamentos que compõem o coquetel antiaids

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INOVAÇÃO

ma substância extraídado aipo pode ser a basepara o desenvolvimentode novos medicamentoscontra a leishmaniose

cutânea. Em laboratório, a moléculaapigenina demonstrou ação contra oparasito Leishmania amazonensis – umadas espécies causadoras da doença – econseguiu reduzir as lesões e a cargaparasitária durante estudo com animais.Além de ser administrada por via oral, oque facilitaria seu uso em pacientes, asubstância não apresentou efeitos tóxi-cos. Coordenador do estudo, ElmoAlmeida-Amaral, pesquisador do La-boratório de Bioquímica de Tripanos-somatídeos do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz), afirma que muitos testesainda são necessários para que a apige-nina se torne, de fato, um novo medica-mento. Porém, os experimentos indicamque ela é uma substância promissora,que deve ser investigada como candida-ta para o desenvolvimento de novas te-rapias contra a leishmaniose cutânea.

“Os resultados no modelo animalforam superiores aos do antimonial pen-tavalente, que é o medicamento de pri-meira escolha para o tratamento da

UMaíra Menezes

infecção atualmente. A apigenina foimais eficaz tanto na redução da lesão,quanto na diminuição da carga parasi-tária”, diz o cientista, acrescentando queapós a identificação de uma moléculapromissora leva-se cerca de dez anospara elaborar um novo remédio. O es-tudo foi publicado na revista científicaPlos Neglected Tropical Diseases.

Classificada pela Organização Mun-dial da Saúde (OMS) como doença ne-gligenciada, a leishmaniose é endêmicaem 98 países. De acordo com a entida-de, cerca de 1,2 milhão de novos casosda forma cutânea da doença ocorremanualmente. No Brasil, o Ministério daSaúde contabilizou 21 mil novos casospor ano, nos últimos cinco anos, o quecoloca o país entre as dez nações commais registros no mundo. Elmo ressaltaque a criação de novas terapias é fun-damental para aumentar a qualidadede vida dos pacientes.

“Os medicamentos antimoniais pen-tavalentes começaram a ser utilizadosna década de 1940 e são a melhor op-ção até hoje. Os pacientes precisam fi-car internados por até um mês parareceber a medicação por via venosa ouintramuscular e podem sofrer efeitos

colaterais consideráveis, incluindo danosao coração e aos rins. Desenvolver re-médios orais, com menos efeitos adver-sos, traria um grande benefício paraessas pessoas e também reduziria cus-tos para o sistema de saúde”, avalia.

Efeito seletivoNa pesquisa, o efeito da apigenina

contra a leishmaniose cutânea foi verifi-cado em duas etapas. A primeira foi aavaliação da atividade da molécula emculturas de células infectadas por L. ama-zonensis. A maior dose utilizada reduziuem 71% a proliferação dos parasitos,sem afetar as células hospedeiras. Estacaracterística de seletividade é justamen-te um dos resultados mais destacados: asubstância atua 18 vezes mais sobre osparasitos do que sobre as células hospe-deiras. Investigando o mecanismo deação da substância, os pesquisadores ve-rificaram que a apigenina parece não agirdiretamente sobre os parasitos. O efeitoda molécula está ligado à ativação devias oxidativas nas células hospedeiras,o que leva à destruição dos patógenos.As propriedades químicas da apigeninatambém foram analisadas a partir de

Administrada por via oral,molécula natural presente emvegetais combateu lesões,reduziu carga parasitária enão apresentou toxicidade emestudo com animais

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uma ferramenta digital que reúne in-formações de estudos científicos jápublicados. Os dados apontaram altaprobabilidade de boa absorção por viaoral e baixo risco de toxicidade.

Considerando os achados, os cientis-tas decidiram prosseguir com o estudo emmodelo animal. Os testes feitos com ca-mundongos mostraram que a apigenina,administrada por via oral, pode ser maiseficaz no tratamento da leishmaniosecutânea do que o antimonial pentavalen-te, administrado por injeção. Além demedir o tamanho das lesões na pele dosanimais após o início do tratamento, oscientistas avaliaram a quantidade de pa-rasitos presente nas feridas. Na maior doseutilizada, a apigenina apresentou resulta-dos superiores para redução das lesões eda carga parasitária. Ao mesmo tempo,não foram detectados sinais de danos aofígado ou aos rins dos animais.

Segundo Elmo, os testes feitos comdiferentes doses de apigenina reforçamo potencial da substância. “Tanto nosexperimentos em cultura de células comonos testes com o modelo animal, verifi-camos um efeito dose-dependente. Istoé, quanto maior a dose administrada,maior o efeito observado. Essa relação éimportante para comprovar que os re-sultados percebidos – como a reduçãodas lesões e da carga de parasitos – são

causados pela molécula e não por ou-tros fatores”, comenta o pesquisador.

Encontrada em diversos frutos e ve-getais – como limão e salsa, além doaipo –, a apigenina faz parte do grupodos flavonóides, substâncias produzidaspelo metabolismo de plantas que sãocada vez mais estudadas pelo potencialterapêutico. De acordo com Elmo, estu-dos com diferentes compostos desse gru-po revelaram ação anti-inflamatória,antioxidante, antiparasitária e anticance-rígena. No Laboratório de Bioquímica deTripanossomatídeos, o primeiro trabalhosobre o efeito leishmanicida de uma mo-lécula flavonóide foi publicado em 2011.Desde então, diferentes substâncias fo-ram investigadas, sendo que a apigeni-na é a segunda a chegar até a fase deestudos em modelo animal e aquela queapresentou melhores resultados.

A leishmaniosecutânea

Os parasitos do gênero Leishma-nia são transmitidos para os pacien-tes pela picada de diversas espéciesde pequenos insetos chamados de fle-botomíneos e popularmente conhe-cidos como mosquitos-palha. Estesvetores são infectados ao sugar o san-

gue de animais que atuam como re-servatórios dos parasitos, o que in-clui diversas espécies de roedores,marsupiais, edentados e canídeos sil-vestres. Diferentemente do que ocorrena leishmaniose visceral, não existecomprovação de que os cães domés-ticos tenham participação fundamen-tal no ciclo da leishmaniose cutânea.Geralmente, a doença é transmitidaem florestas, regiões rurais ou áreasperiurbanas, nas quais habitaçõessão construídas próximo de matas.

A infecção cutânea se manifesta pormeio de lesões na pele, geralmente emformato de úlceras. Mesmo sem trata-mento, estas feridas tendem a evoluirpara a cura em um prazo que pode durardesde alguns meses até poucos anos. Adoença não é transmitida diretamente deuma pessoa para a outra e não há riscode contágio pelo contato com as lesões.O tratamento é oferecido gratuitamentepelo Sistema Único de Saúde (SUS). Asmedidas de prevenção incluem o uso derepelentes e mosquiteiros nas áreas comtransmissão da doença. A limpeza dequintais e terrenos também é recomen-dada para combater os criadouros do ve-tor, assim como o descarte adequado dolixo orgânico com o objetivo de reduzir aaproximação de animais que podem serreservatórios do parasito.

Encontrada em diversos frutos e vegetais –como limão e salsa, além do aipo –, aapigenina faz parte do grupo dosflavonóides, substâncias produzidas pelometabolismo de plantas que são cada vezmais estudadas pelo potencial terapêutico.Foto: Gutemberg Brito

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internacional daFundação Bill & MelindaGatesPESQUISA

ma pesquisa liderada peloInstituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz) pode mudara percepção sobre um dosaspectos mais conhecidos

da biologia dos triatomíneos, insetos trans-missores da doença de Chagas, popular-mente chamados de barbeiros. Há maisde cem anos, a literatura científica apon-ta que esses vetores se alimentam exclu-sivamente de sangue. Porém, umapesquisa inédita mostra que eles tam-bém podem consumir açúcar e nutrien-tes a partir de frutos. Mais que isso, otrabalho indica que a alimentação vege-tal, de forma complementar à ingestãode sangue, traz benefícios para os inse-tos, incluindo aumento da expectativade vida. Com o título Everybody lovessugar (Todos amam açúcar, em tradu-ção livre), o artigo foi publicado na revis-ta científica Parasites and Vectors.

”Esta é a primeira descrição de umtriatomíneo alimentando-se de materialvegetal. A observação foi feita em umexperimento, em condições de laborató-rio, mas, sem dúvida, esse comportamentopode ocorrer na natureza. A descobertaadiciona um elemento novo ao ciclo devida do barbeiro, que nunca foi pensadoe pode impactar no conhecimento sobrea transmissão da doença de Chagas e

UMaíra Menezes

Vegetaisna dieta

nas estratégias de controle do agravo”,afirma o pesquisador Fernando Genta, doLaboratório de Bioquímica e Fisiologia deInsetos do IOC, que coordena o estudo.

Também participaram da pesquisa oslaboratórios de Biologia Molecular de In-setos, Epidemiologia e Sistemática Mole-cular e Ecoepidemiologia da Doença deChagas do IOC. A Universidade FederalFluminense (UFF), o Instituto Nacional deCiência e Tecnologia em EntomologiaMolecular e as universidades de Liverpo-ol e Lancaster, do Reino Unido, tambémcolaboraram com o trabalho.

Entre açúcare tomates

Dois tipos de experimentos foram re-alizados para investigar o hábito alimen-tar dos barbeiros. Foi usada a espécieRhodnius prolixus, que é amplamenteadotada em estudos científicos. O primei-ro teste foi realizado com triatomíneosde diferentes fases de vida, incluindo des-de ninfas de primeiro estágio até insetosadultos. Os barbeiros foram colocadosem recipientes nos quais havia um pe-daço de algodão embebido em águacom açúcar. A técnica é usada rotineira-mente em colônias de insetos mantidas

Comprovação inédita deque os insetostransmissores da doença deChagas também ingeremvegetais atualiza teoria demais de um século quepreconizava a alimentaçãoexclusiva com sangue

em laboratório, como forma de ofereceruma fonte de nutrição para as espéciesque se alimentam naturalmente de sei-va e néctar de plantas ou frutos. Umcorante azul foi aplicado à solução, per-mitindo observar a presença do alimen-to no aparelho digestivo dos barbeiros.Para ter certeza de que os triatomíneosnão estavam apenas interessados em“beber água”, outro grupo de vetoresfoi posto em um recipiente com um al-godão umedecido apenas com água,também com aplicação do corante. Nes-te caso, não houve consumo do líquido.

Em um segundo teste, ninfas deprimeiro estágio – fase inicial do ciclode vida dos barbeiros – foram coloca-das em recipientes onde havia toma-tes-cereja. O DNA do fruto foiencontrado nos insetos, indicando oconsumo. Após 30 dias, esses triato-míneos apresentaram vantagens emrelação aos barbeiros que não dispu-nham de fontes vegetais para alimen-tação. De acordo com Genta, um dosdados mais importantes foi a reduçãona mortalidade após a ingestão de san-gue, que caiu de cerca de 40% paraaproximadamente 20%. “Os barbeirossão capazes de suportar longos perío-dos entre as alimentações sanguíneas.Isso é útil na natureza porque eles po-

Em um segundo teste, ninfas de primeiroestágio – fase inicial do ciclo de vida dosbarbeiros – foram colocadas em recipientesonde havia tomates-cereja. O DNA do frutofoi encontrado nos insetos, indicando oconsumo. Foto: Gutemberg Brito

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dem demorar até encontrar animais dosquais possam se alimentar. Por outrolado, ao ingerir sangue após um perío-do de jejum, os triatomíneos muitasvezes acabam morrendo por não con-seguir processar esse alimento. Noestudo, observamos que os barbeirosque têm acesso à alimentação vegetalsão mais resistentes”, conta o pesqui-sador. Os vetores que consumiram to-mates apresentaram ainda maior ganhode peso após a alimentação sanguínea,o que indica aumento no volume de san-gue ingerido. A produção de urina des-ses insetos também foi superior,apontando melhoria na hidratação.

Mais saudáveisOs dados indicam que a alimenta-

ção fitófaga – com vegetais – pode tor-nar os insetos mais saudáveis, o que podeter diversas consequências. “Barbeirosque vivem mais tempo podem picar maispessoas. Se esses vetores estiverem in-fectados pelo parasito Trypanosoma cru-zi, isso resultaria na transmissão dadoença de Chagas para um númeromaior de indivíduos. Por outro lado, com-postos de plantas podem ter ação anti-parasitária e os insetos mais saudáveispodem ter sistemas imunes mais efica-zes. Esses fatores dificultariam a infecçãodo barbeiro pelo T. cruzi, reduzindo atransmissão da doença. Para saber comoessa equação funciona, precisaremos deoutras pesquisas”, pondera Genta.

O estudo deixa claro que os vegetaisnão são suficientes como fonte de alimen-tação exclusiva dos barbeiros, uma vezque esses insetos não conseguem atra-vessar todas as suas fases do desenvolvi-mento sem a ingestão de sangue. Mas,para os autores, frutos ou plantas podemser fontes complementares de nutrientese água, prolongando a vida dos triatomí-neos nos períodos de jejum entre as ali-mentações sanguíneas. Por outro lado, abusca por nutrientes vegetais pode ser umfator na escolha de habitat pelos insetos.Os pesquisadores lembram que barbeirossão frequentemente encontrados associ-ados à produção de açaí, fruto que, as-sim como os tomates, possui casca fina.Na Região Norte, a associação dos triato-míneos com esse alimento é causa de

surtos de doença de Chagas oral, queocorrem quando os insetos são moídosna preparação de polpa e sucos.

A descoberta sobre a capacidade dealimentação vegetal dos barbeiros tam-bém pode ser uma vantagem para aspesquisas científicas. De acordo comGenta, muitas espécies de triatomíneosnão costumam ser mantidas em labora-tório porque os insetos dificilmente so-brevivem fora do ambiente natural. Noentanto, se o mesmo comportamento

observado no Rhodnius prolixus ocorrerem outras espécies, é possível que a su-plementação nutricional com açúcar ouvegetais facilite a manutenção destesinsetos em colônias. “Isso seria umagrande ajuda para os estudos”, comen-ta o pesquisador. “Essa descoberta apro-xima os barbeiros de outros insetosvetores de doenças, como mosquitos eflebotomíneos, que têm as duas formasde alimentação. É um grande campo depesquisas a ser explorado”, completa.

Infográfico: Jefferson Mendes

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SAÚDE PÚBLICA

leptospirose permane-ce um desafio para asaúde pública, com315 óbitos no país em2015 e uma estimati-

va de 60 mil mortes por ano nomundo. A experiência brasileira so-bre a doença foi reconhecida pelaOrganização Mundial da Saúde(OMS) em 2008, quando o InstitutoOswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) foi de-signado como Centro Colaboradorpara Leptospirose. O título acaba deser renovado, quando o IOC com-pletou 116 anos.

A renovação reafirma o compro-misso da Fiocruz em atuar como con-sultor em diagnóstico, treinamento eem situações epidêmicas da doençajunto a países das Américas e do Cari-be. “Disponibilizamos suporte labora-torial para a realização de diagnósticose pesquisas específicas, além de pro-mover capacitação de profissionais dasaúde de diversas instituições e ofere-

AMax Gomes

cer assistência à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS) paraa formulação de iniciativas de com-bate à leptospirose. A renovação des-sas atribuições junto à OMS demonstrao reconhecimento do nosso trabalhopela comunidade internacional”, co-memora Martha Pereira, pesquisado-ra do Laboratório de ZoonosesBacterianas do IOC e diretora do Cen-tro Colaborador da OMS. O laborató-rio também atua como referêncianacional em leptospirose junto ao Mi-nistério da Saúde.

Capaz de realizar procedimentosde alta complexidade e oferecer res-postas imediatas a problemas emer-genciais, o laboratório tambémcontribui com conhecimento cientifi-co para o desenvolvimento de estra-tégias nacionais de saúde pública. Deacordo com Martha, essas caracte-rísticas foram essenciais para a de-signação feita há quase uma década.O Laboratório de Zoonoses Bacteria-

nas atua ainda como fiel depositáriode uma coleção de cepas de bactéri-as do gênero Leptospira, causadorasda leptospirose, cedidas pela OMSpara estudos. O Instituto é responsá-vel pela sua disponibilização por inter-médio da Opas.

”Também recebemos pesquisado-res de outras instituições para se espe-cializarem em técnicas de diagnóstico.Toda essa relação contribui para aten-der as metas da OMS para o milênio,cuja proposta é reduzir a morbidadee a letalidade de doenças emergen-tes e negligenciadas, como a leptos-pirose”, afirma Martha. “Esta parceriarealça não apenas o potencial do Ins-tituto em assessorar programas daOMS em nível regional, mas tambémo prestígio de ter um centro de gran-de importância localizado no Brasiloferecendo assistência técnica à enti-dade”, salienta Eliane Veiga, vice-di-retora de Serviços de Referência eColeções Biológicas do IOC.

Capaz de realizar procedimentosde alta complexidade e oferecerrespostas imediatas a problemasemergenciais, o laboratóriotambém contribui com conheci-mento cientifico para odesenvolvimento de estratégiasnacionais de saúde pública.Foto: Gutemberg Brito

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ndas de calor em que atemperatura média diáriachega a 31,55ºC por seisdias consecutivos podemprovocar um aumento de

36% no risco de mortalidade na cidadedo Rio de Janeiro na comparação comperíodos de temperatura média diáriade 21ºC. A conclusão é de um estudorealizado por cientistas da Rede de Pes-quisas sobre Mudanças Climáticas Ur-banas (UCCRN, na sigla em inglês), comparticipação do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz). O trabalho foi apresenta-do no seminário Cidades do Futuro +Saúde, promovido pela Fiocruz, o Co-lumbia Global Centers Rio de Janeiro ea Rede de Pesquisas sobre MudançasClimáticas Urbanas para América Lati-na (UCCRN-AL), sediada no IOC. “Exis-tem muitos estudos sobre o risco de

OMaíra Menezes

mortalidade devido a ondas de calor emáreas de clima temperado, mas é impor-tante notar que o aumento do númerode mortes em períodos de altas tempe-raturas também ocorre em locais comclima quente, como o Rio de Janeiro”,afirmou Martha Barata, pesquisadora doIOC, coordenadora da UCCRN-AL e umadas autoras da pesquisa.

Para calcular o risco de mortalidadeassociado às ondas de calor, os pesqui-sadores analisaram as médias diárias detemperatura e as taxas diárias de morta-lidade na capital fluminense durante osmeses de verão de 2002 a 2014. A tem-peratura média de 31,55ºC foi encon-trada nos dias classificados dentro do 1%mais quente. Segundo Martha, as on-das de calor devem se tornar maisfrequentes em consequência do aque-cimento global e conhecer a tempe-

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Calor que mata

ratura a partir da qual o risco de mortesé elevado é importante para desenvol-ver sistemas de alerta. “Em muitas cida-des brasileiras sistemas de alerta já foramimplantados considerando os riscos dechuvas fortes, que causam deslizamen-tos e enchentes. Da mesma forma, é ne-cessário enfrentar o risco das ondas decalor, que podem provocar o agravamen-to de doenças e aumentar a mortalida-de”, ressaltou ela, acrescentando queidosos, crianças, pessoas obesas, indiví-duos com doenças cardiovasculares erespiratórias estão entre os grupos maisafetados pelas altas temperaturas.

Entre as medidas de proteção indi-vidual, que podem ser adotadas nosperíodos mais quentes, estão o aumen-to do consumo de líquidos e a buscapor ambientes mais frescos. Alteraçõesda infraestrutura urbana também po-

Estudo da Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas, comparticipação da Fiocruz, foi apresentado em seminário internacional

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dem proteger a saúde da população,reduzindo a formação de ilhas de ca-lor. “Em Nova York, após a constata-ção do risco de mortalidade devido àsondas de calor, foi implantado um pro-grama para plantio de árvores. Nestaação, mudas foram entregues aos ci-dadãos, que também assumiram a res-ponsabilidade pela sua manutenção.Investimentos desse tipo podem ame-nizar o problema e têm o potencial dereduzir os gastos do sistema de saúdepara o tratamento de doenças”, pon-derou Martha.

Com participação de cientistas doIOC, da Escola Nacional de Saúde Pú-blica Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), daUniversidade de Nanjing, na China, eda Universidade de Columbia, nos Es-tados Unidos, o estudo sobre o riscorelativo de mortalidade associado aondas de calor será publicado no Rela-tório de Avaliação sobre MudançasClimáticas e Cidades (ACR3.2). O do-cumento, que está em fase de conclu-são, deve ser divulgado pela UCCRNem outubro deste ano. A SecretariaMunicipal de Saúde do Rio de Janeiro(SVS/SMS), o Programa Rio Resilientee a Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ) colaboraram no forneci-mento de dados para a pesquisa.

Impactos dainfraestruturaurbana na saúde

Reunindo cerca de 50 pesquisadoresnacionais e estrangeiros interessados emfirmar parcerias, o encontro Cidades doFuturo + Saúde contou também com aapresentação da pesquisa Diagnóstico desaúde em Rio das Pedras. Realizado pelaUniversidade de Columbia e pela Fiocruz,com apoio do Núcleo de Pesquisa e Ci-dadania de Rio das Pedras, o estudo re-velou características da comunidade quepodem impactar na saúde da população.A qualidade da água consumida pelosmoradores foi um dos dados que chama-ram a atenção dos especialistas. A conta-minação por coliformes fecais foidetectada em 75% dos galões de águacomprados para consumo, um percentu-al muito maior do que o verificado naágua das torneiras, que ficou em 17%nas amostras coletadas em torneiras nasruas e 22% naquelas obtidas nas tornei-ras das cozinhas das casas. Uma das co-ordenadoras do estudo, Gina Lovasi,professora da Escola de Saúde Pública daUniversidade de Columbia, explicou quenão é possível estabelecer se a água dos

galões estava contaminada antes de serengarrafada ou se a contaminação ocor-reu posteriormente. “Em todo caso, é fun-damental observar a data de validade dosgalões e fazer a limpeza antes do consu-mo da água. A higienização periódicatambém é importante para filtros e cai-xas d’água”, orientou a cientista.

A pesquisa contou com a participa-ção de voluntários treinados, que percor-reram trechos de mais de 600 ruas,englobando quase 90% das vias dos bair-ros de Areal e Areinha. O extenso levan-tamento permitiu identificar problemascomo: ausência de calçada em 41% dasruas e calçamento em mau estado deconservação em 28%, existência de lixoespalhado em 46% das vias e presençade cem ou mais fios elétricos em 45%dos trechos percorridos. Em 48% das ruas,os pesquisadores encontraram ainda a pre-sença de água parada como resultado deacúmulo de chuvas, transbordamento deesgoto ou descarga de água doméstica.“Atualmente, mais de 1 bilhão de pesso-as vivem em favelas no mundo, mas es-tas áreas muitas vezes são ‘pontos cegos’nos sistemas de vigilância e nas pesqui-sas. É importante estudar os fatores queimpactam a saúde nestes locais, que sãoáreas de rápido crescimento nas cida-des”, comentou Gina.

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Planejar éfundamental

Decana da Escola de Saúde Públi-ca da Universidade de Columbia, apesquisadora Linda Fried destacou quea infraestrutura urbana pode prejudi-car a saúde, mas o planejamento ade-quado pode tornar as cidades aliadasda população. Além de reduzir o ca-lor, com impacto sobre a mortalidade,a construção de parques e áreas ver-des estimula a atividade física e ajudaa combater doenças crônicas, comohipertensão e diabetes. Da mesma for-ma, a oferta de transporte público con-tribui para que os cidadãos sejam maisativos e, ao mesmo tempo, reduz acirculação de carros e a poluição, quepode ser um fator de risco para o cân-cer. Uma das maiores especialistas domundo em envelhecimento, Linda res-saltou que construir cidades amigáveispara os idosos traz benefícios para todaa população. “Quando projetamos ascalçadas pensando nas necessidadesdos idosos, criamos um ambiente me-lhor também para os pais que circu-lam com carrinhos de bebê e paratodas as pessoas com mobilidade re-duzida”, contou ela. A pesquisadoraressaltou ainda que adequar as cida-des para os idosos será cada vez maisimportante devido à tendência de en-velhecimento da população. “Não po-demos aceitar que essa grande conquistada humanidade, que é o aumento daexpectativa de vida, se torne um fardopara as sociedades. Uma populaçãoidosa saudável será um grande capitalsocial para as nossas cidades”, decla-rou a cientista.

Durante o debate, o diretor doIOC, Wilson Savino, ressaltou que oconhecimento obtido nas pesquisas emsaúde urbana deve ser levado até osgestores públicos, para que os estudospossam alterar o planejamento dascidades. “A informação baseada no co-nhecimento científico é uma ferramen-ta para a transformação da sociedade.Mas, para isso acontecer, precisamosfazer com que os dados alcancem osaltos níveis de tomada de decisão”,

afirmou Savino. Já o diretor do Colum-bia Global Centers Rio de Janeiro, Tho-mas Trebat, destacou o valor dacolaboração científica para avançar emdesafios que afetam as cidades nasdiferentes regiões do planeta. “Isola-damente, não conseguiremos produ-zir tantos frutos quanto trabalhandoem parceria. A colaboração pode aju-dar a pensar problemas comuns a di-versas cidades como o acesso àinfraestrutura urbana e a resiliênciadiante das mudanças climáticas, além

de novos desafios, como o causadopelo vírus zika”, disse Trebat. Repre-sentante da Secretaria Municipal deSaúde do Rio de Janeiro no evento,Betina Duvovni, subsecretária de Pro-moção, Atenção Primária e Vigilânciaem Saúde, considerou importante aampliação do foco sobre a saúde ur-bana na discussão. “Ter em menteque o problema da saúde não estárestrito à rede de assistência, comousualmente se pensa, é fundamentalpara mudar o panorama”, avaliou.

“É importante notar que oaumento do número demortes em períodos de altastemperaturas também ocorreem locais com clima quente,como o Rio de Janeiro”,afirmou Martha Barata.Foto: Gutemberg Brito

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PUBLICAÇÃO

om mais de 6 mil refe-rências publicadas em ar-tigos científicos, a revistaMemórias do InstitutoOswaldo Cruz foi a mais

citada da América Latina em 2015, deacordo com dados divulgados nesta se-mana pela empresa Thomson Reuters,responsável pelo Journal Citation Reports,relatório que reúne indicadores de rele-vância das publicações científicas nomundo. Desde 2005, a revista mantéma marca de maior citação. Além disso, arevista Memórias teve, pela terceira vez,um aumento do fator de impacto, alcan-çando o índice de 1.789. Assim, o perió-dico fundado em 1909 e publicado peloInstituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) pas-sou da 10ª para a 6ª colocação entre asrevistas científicas da área de medicinatropical no mundo. A publicação tam-bém está entre as 20 mais revistas maiscitadas na área de parasitologia. Na Amé-rica Latina, a revista ocupa o primeirolugar no fator de impacto considerandoseis campos temáticos: parasitologia,medicina tropical, doenças infecciosas,microbiologia, imunologia e bioquímicae biologia molecular.

“Embora seja uma avaliação decaráter quantitativo, o fator de im-pacto indica a valorização dos tra-balhos publicados na Memórias.Significa dizer que muitas pessoasnão apenas leem, mas tambémusam os dados publicados na revistanas suas próprias pesquisas”, afirmaa pesquisadora Claude Pirmez, edi-tora-chefe do periódico. “Publicar ci-ência bem feita é o padrão que nósbuscamos e é resultado do trabalhode todos os editores e dos revisoresda revista”, ressalta. “A marca de6.113 citações é um recorde, que fazcom que, além de ser uma das pu-blicações mais antigas, a Memóri-as seja a mais citada da América

CMaíra Menezes

Latina. Como toda avaliação esta-tística, esses indicadores devem serobservados com cuidado. Mas nãohá dúvida de que eles reforçam areputação da publicação”, comple-ta o pesquisador Hooman Momen,que também integra o corpo de edi-tores do periódico.

O total de citações e o cálculo dofator de impacto das revistas científi-cas são baseados nas citações em ar-tigos científicos e livros indexados nabase dados Web of Science, mantidapela Thomson Reuters. O fator deimpacto de um periódico é calculadoconsiderando o total de citações regis-tradas em um ano e dividindo pelo nú-mero de artigos publicados nos últimosdois anos. Dessa forma, o indicadoraponta quantas vezes, em média, osartigos publicados no periódico nos úl-timos dois anos foram mencionadosem outros trabalhos.

Criada por Oswaldo Cruz em 1909,

a Memórias tem gratuidade dupla,tanto para acesso quanto para publi-cação. Aliando tradição e inovação,o periódico conta com sistema de sub-missão de artigos online e disponibili-za todo o conteúdo na internet. Osestudos publicados também podemser acessados em bases de dados in-ternacionais, incluindo PubMed Cen-tral e SciELO. Em março, considerandoo contexto da emergência internacio-nal de saúde pública relacionada aovírus zika, a revista lançou uma viarápida para submissão de trabalhos,denominada de Zika Fast Track. As-sim, as pesquisas sobre o tema sub-metidas para publicação passaram aser divulgadas online em um prazo de24 horas. Como parte das iniciativasde modernização, a revista aboliu asedições impressas, passando a contarapenas com versão digital e, recente-mente, lançou uma conta na redesocial Twitter (@MemoriasJournal).

Mencionada como referência em mais de seis mil artigos científicos ao longo de 2015,a revista ‘Memórias do IOC’ apresenta aumento sustentado no fator de impacto

A mais citada da América Latina

Infográfico: Jefferson Mendes

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CAMPANHA

Agora são ‘10 MinutosContra o Aedes’

elho conhecido dos bra-sileiros, o mosquito Aedesaegypti tem preocupadoainda mais a população.Além da dengue, ele

agora transmite chikungunya e zika, quepode causar alterações neurológicas emfetos e adultos. O Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz) incentiva a prevenção comouma das principais estratégias de comba-te à proliferação do vetor, com o objetivode reduzir a transmissão desses vírus.

Uma destas iniciativas, a campanha10 Minutos Contra a Dengue, lançadaem 2011, tinha como objetivo inicial es-timular o combate ao vetor para reduzira incidência da dengue, doença que jácausou grandes surtos no país. Hoje, di-

VLucas Rocha

ante de um novo contexto de saúde pú-blica, o conceito da campanha, ideali-zada por pesquisadores e profissionais decomunicação do IOC, se renova e passaa se chamar 10 Minutos Contra o Ae-des. “O novo conceito mobiliza a popu-lação para o enfrentamento do Aedesaegypti. Mesmo que já tivéssemos vaci-nas potentes ou remédios específicospara os vírus da dengue, zika e chikun-gunya, a prevenção continuaria sendo apalavra-chave”, destaca a pesquisadoraDenise Valle, do Laboratório de BiologiaMolecular de Flavivírus do IOC e umadas idealizadoras do projeto.

A ideia é bem simples: basta utilizar10 minutos por semana para a realizaçãode uma vistoria nos principais focos dereprodução do Aedes aegypti presentesno ambiente doméstico. A intervenção

periódica é suficiente para interrompero ciclo de vida do mosquito, que leva

de 7 a 10 dias para se desenvol-ver do ovo até a forma adulta.Além de reforçar o cuida-do com calhas, bandejasde ar-condicionado, ralose lonas usadas para cobrir ob-

jetos que podem acumularágua parada, Denise chama a

atenção para os criadouros não-convencionais, segundo ela,aqueles que podem passar des-

percebidos em uma vistoria derotina, como o fosso do ele-vador, as lajes de prédioscom nivelamento irregular,obras e mobiliários urba-nos que estão próximos àsresidências. “O elo vulne-rável desta corrente estáno controle do vetor, poisé mais fácil eliminar o

mosquito ainda na fase de larva, em queele se encontra confinado a um recipientecom água”, explica Denise.

Para orientar a ação de 10 Minutoscontra o Aedes, um guia de checagemque destaca os 13 criadouros estratégicosno ambiente doméstico foi elaborado. Omaterial destaca as principais medidas deprevenção e disponibiliza uma tabela paraauxiliar na sua checagem semanal. “Ela-boramos um material simples e bem di-dático. Qualquer cidadão pode acessar,imprimir e distribuir para seus familiares,amigos e vizinhos. É um ótimo materialpara as crianças também, pois contémvárias explicações sobre o mosquito e seushábitos”, ressalta a idealizadora.

ParceriasApós a elaboração do conceito, a ini-

ciativa passou por uma fase de estrutura-ção de parcerias. Em 2011, a Secretariade Estado de Saúde do Rio de Janeiro le-vou às ruas um projeto piloto para a apli-cação da estratégia, utilizando a ideia nascomunidades do Chapéu Mangueira eBabilônia, na Zona Sul do Rio. O projetofoi tema das campanhas oficiais de com-bate à dengue no estado nos anos de2011 e 2013. Em 2015 inspirou o lança-mento de uma campanha de mobiliza-ção, controle e enfrentamento às doençastransmitidas pelo Aedes aegypti pela Se-cretaria de Saúde de Minas Gerais. Aparceria mais recente, em fase de imple-mentação, é com a Secretaria de Saúdede Roraima, que busca intensificar asações de combate ao mosquito na região.

Frente ao atual contexto de saúde pública, campanha idealizada pelo IOC é atualizada parareforçar o combate ao mosquito que transmite dengue, zika e chikungunya

Todas as informações sobre a inici-ativa podem ser acessadas emwww.ioc.fiocruz.br/aedes

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ESPECIAL

rompimento da barra-gem de Fundão, daSamarco/Vale/BHP Bi-lliton, no municípiode Mariana (MG), é

uma catástrofe de proporções tãocolossais que pensar e escrever so-bre o assunto é desafiador. Por dé-cadas, acadêmicos, jornalistas,artistas e sobreviventes se dedicarãoa tentar explicar o que aconteceuna Bacia do Rio Doce. Por melhorque se esforcem, serão sempre ape-nas parcialmente bem-sucedidos.Alguma dimensão do desastre — so-cial, ambiental, judicial, econômi-ca, subjetiva, metafísica — aindapermanecerá à espera de outras in-vestigações, em uma trama que nun-ca chegará ao fim, mas que, por issomesmo, é imperiosa.

O

Reportagem e texto: André CostaReportagem: Keila MaiaFotos: Peter Ilicciev

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Nesta e nas fotos seguintes, a destruição provocada pelo rompimento da barragem da Samarco

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Algumas das primeiras peças destequebra-cabeças foram montadas noaniversário de seis meses do desastre,no seminário O Desastre da Samarco:Balanço de Seis Meses de Impactos eAções, realizado nos dias 5 e 6 de maioem Mariana. Organizado pela Vice-Pre-sidência de Ambiente, Atenção e Pro-moção da Saúde da Fiocruz, em parceriacom a Estratégia Internacional para aRedução de Desastres das Nações Uni-das (UNISDR, na sigla em inglês), aRede de Pesquisadores em Redução doRisco de Desastres no Brasil (RP-RRD-BR), as universidades federais de Mi-nas Gerais (UFMG), de Ouro Preto(UFOP), de Juiz de Fora (UFJF) e a Uni-versidade do Estado de Santa Catari-na (Udes), o evento reuniu vítimas,pesquisadores, ativistas e representan-tes do poder público para compartilharestudos, experiências e relatos sobre orompimento e tudo que o envolve.

As discussões foram acaloradase apresentaram perspectivas por ve-zes inconciliáveis. O desastre é umcampo em disputa e os debates re-fletiram isso. É natural, assim, queuma das primeiras polêmicas tenhase dado sobre como definir o queaconteceu: um imprevisível aciden-te? Uma tragédia, como se fossemos deuses a estar por trás de tudo?Quem sabe um mais neutro desas-tre? Ou ainda um milagre de Deus,como disse, sob vaias, na mesa deabertura – a única do evento a queassistiu – o prefeito de Mariana, Du-arte Gonçalves Júnior (PPS), sob ajustificativa de que o rompimentoocorreu durante o dia, causando pro-vavelmente menos fatalidades doque se tivesse sido à noite?

“A forma como o Estado nomeiaas coisas tem efeitos sobre o sofri-mento social. Dar nome às coisas éuma ação de poder, que cria a reali-dade. Quando damos um nome, coi-sas que não existiam passam aexistir”, disse na primeira mesa dedebates a socióloga Andrea Zhouri,da UFMG. A pesquisadora explicouque as mineradoras e parte da im-prensa se referiram ao ocorrido pri-meiro como acidente e, em seguida,como um conflito socioambiental.

Segundo ela, estas denominaçõesexprimem não só uma tentativa denaturalização do incidente e de seusefeitos, mas, mais do que isso, tam-bém impossibilitam o debate sobrequestões como o modelo da minera-ção e a recorrência do rompimento debarragens, além de definir quem é ví-tima e quem não é.

Mais tarde, numa pergunta diri-gida a uma mesa formada por advo-gados, o vice-presidente de Atençãoe Promoção em Saúde da Fiocruz,Valcler Rangel, de certa maneira ofe-receria um termo que sintetizaria aopinião da maioria dos presentes,com uma terminologia bem diferen-te da usada pelas mineradoras:“Para mim, o que houve foi um cri-me. Então, quero saber se posso mereferir assim ao desastre, sem correro risco de ter problemas com a Justi-ça”. Sim, responderiam unanime-mente os profissionais do direitopresentes, a destruição da Bacia doRio Doce caracteriza um crime, e issopode e deve ser dito. Uma questãoque permanecia em aberto até ali,contudo, é em que medida ele foipremeditado.

Dos riscos edas estruturas

Desenvolvida sobretudo a partirda década de 1950, a perspectivasociológica clássica sobre desastrestrabalha com a noção de que desas-tres são eventos concentrados notempo e no espaço. Eles são carac-terizados como tendo um começosúbito, no qual uma subdivisão dasociedade passa por perigos severos;um meio, no qual a estrutura socialé acometida; e, em última instân-cia, um final, quando a vida socialretorna mais ou menos ao normal,ou quando ocorre a recuperação.

Em contraposição a esta formu-lação, boa parte dos estudos contem-porâneos sobre desastres os entendecomo manifestações previsíveis e es-porádicas da própria organização dasociedade. Embora eventos como fu-racões, enchentes ou terremotos pos-

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sam servir como gatilhos, os danosque se seguem têm origem em condi-ções sociais e em processos que po-dem estar muito distantes dos eventosem si, como a pobreza, a desigualda-de, a degradação ambiental e o fra-casso de sistemas de proteção sociale ambiental.

No seminário sobre o desastre daSamarco, nem tanto se falou sobreos gatilhos que provocaram a eclo-são da torrente de lama, como a hi-pótese de um ínfimo terremoto tercontribuído, ou até mesmo o indis-cutível sobrecarregamento da barra-gem de rejeitos. Ao invés disso, paratentar explicar o que provocou o de-sastre, duas linhas principais se es-tabeleceram, em alguns pontoscomplementares; e, em outros, in-

compatíveis.A primeira destas perspectivas

foi defendida com maior ênfase pelocoordenador da UNISDR no Brasil,David Stevens. Em sua apresenta-ção, Stevens afirmou que os riscossão inerentes à vida; da hipótese deum meteoro arrasar o planeta a umacidente de bicicleta, jamais se po-derá anular a possibilidade de umagrande desgraça. O fundamental, deacordo com o representante daONU, é como lidar com esse risco:se da maneira correta, isto é, de for-ma a preveni-lo e minimizá-lo, ouentão com negligência e irresponsa-bilidade. “O importante é que hajaalguém monitorando e transparên-cia”, disse Stevens.

Que esses atributos faltaram no

desastre da Samarco, é algo indiscu-tível. Boa parte da população nemsequer sabia que, centenas de quilô-metros acima, havia barragens no RioDoce; não havia sirenes para alertara população (os avisos vieram por te-lefone ou então por helicópteros quepousaram em algumas localidades);não havia pontos de encontro para apopulação; ainda mais grave, o sis-tema de automonitoramento da em-presa era falho.

A outra explicação do acidente,entretanto, considera conservadoraesta compreensão de que o que pro-duziu o acidente foi uma ausência degestão sobre o risco. Sem necessaria-mente discordar do postulado de quetoda atividade humana implica em ris-cos, diversas apresentações ocupa-

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ram-se em desenvolver por que a de-vastação socioambiental é inerenteà atividade mineradora na forma atu-almente desenvolvida no país e porque uma calamidade semelhante eraesperada – antes da barragem de Fun-dão, aos menos outros sete aciden-tes envolvendo barragens de rejeitosforam registrados nos últimos 15 anosapenas em Minas Gerais.

A apresentação que melhor ex-plicou isso foi a do engenheiro e pro-fessor da Universidade Federal de Juizde Fora Bruno Milanez. Utilizandodados entre 1965 e 2015, resultadode um relatório produzido por setepesquisadores, Milanez mostrou aíntima correlação entre os ciclos daeconomia mineradora e do rompi-mento de barragens. Segundo o en-

genheiro, a elevação dos preços dominério de ferro leva a uma urgênciade procedimentos de licenciamento,de execução e dos custos operacio-nais e de capital. Quando os preçoscaem, no entanto, há uma pressãopor redução dos custos operacionais– o que diminui, também, a seguran-ça. Isso leva a uma quantidade derompimentos superior em escala equantidade depois das fases de va-cas gordas. Em outras palavras, rom-pimentos de barragens não sãoinesperados, mas, tal como a econo-mia minerária, cíclicos. “Um dosaprendizados que precisam ser tira-dos deste caso é que o rompimentode barragens é estrutural precisa sertratado dessa forma”, observou.

Milanez esmiuçou também de

que modos estes rompimentos estru-turais se relacionam ao modelo definanciamento da empresa. Desde2009, período de seu maior cresci-mento, 100% do lucro da Samarcofoi entregue a acionistas. Todos osseus investimentos vieram a partir dedívidas, criando um risco financeiromuito elevado, com um endivida-mento maior do que seu próprio ca-pital – o que incentivaria um apertonos cintos para poder fechar as con-tas. “Como ela reduz os custos?Onde ela mexeu para diminuir cus-tos? Exatamente quando essa redu-ção começa, vemos um aumento dataxa de acidentes de trabalho. Umahipótese é que [ao diminuir os cus-tos], a empresa aumenta o lucro,diminui o monitoramento e diminui

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a segurança”, disse Milanez.Em uma mesa no segundo dia do

evento, o pesquisador do Centro de Es-tudos da Saúde do Trabalhador e Eco-logia Humana da Escola Nacional deSaúde Pública (Ensp/Fiocruz) CarlosMachado de Freitas, um dos organiza-dores do encontro, traria reflexões quede certa maneira fariam uma conexãoentre as duas perspectivas em disputa,em sua palestra sobre as característi-cas inerentes a desastres. Nenhumdesastre, afirmou Machado de Freitas,deve-se a uma causa única; por trásde cada um deles há sempre um acú-mulo de pequenas falhas, transforma-

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das em normalidade ao longo do tem-po. De acordo com o pesquisador, os“desastres constituem fraturas expostasdos sistemas tecnológicos, permitindo vis-lumbrar um universo pouco acessível emsituações habituais, onde anormalidades,acidentes e desastre de menor impactosão tornados invisíveis e transformadosem normalidades”.

Segundo o pesquisador, o desastreda Samarco já foi precedido por umasérie de outros desastres em menorescala, assim como por acidentes detrabalho e danos ambientais anterio-res. O risco, disse Machado de Freitas,pode ser considerado resultado de má

governança, mas esta má governan-ça não se limita ao rompimento da bar-ragem, e sim é estrutural. E a mánotícia, segundo ele, é que “o desas-tre não só atualiza o cenário de riscoanterior, como traz novos riscos. Se tí-nhamos risco de doenças antes, o de-sastre traz novos riscos de doenças eagravos”.

Bicho vivoAntônio Geraldo de Oliveira, co-

nhecido como Nié, atualmente morasozinho em Paracatu de Baixo, distritorural de Mariana devastado pela lama.

Quando a lama chegou, a Defesa Civildeterminou que ele, a mulher e os doisfilhos saíssem da casa. Foram para umhotel no centro de Mariana. Nié nãogostou do barulho, da comida. Então,oito dias depois, voltou sozinho para olugar onde nasceu. A relação com afamília agora se limita a uma visitasemanal. “Minha mulher nem está fa-lando comigo, porque eu quis voltarpara cá. Mas é ruim [estar aqui], por-que eu já me acostumei com a mulhergritando, a escola funcionando, as ve-lhas dançando”.

Antes do desastre, Nié costumavase levantar todo dia às 4h da manhã

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para trabalhar na roça. À tarde, depoisde fazer serviço para os outros, cuidavada própria lavoura. Atualmente, desper-ta às 7h: a horta – com cebola, tomate,almeirão, batatinha, mandioca – já nãoexiste mais. Quanto às galinhas que ti-nha, “andaram roubando”. Igualmen-te acabaram os serviços.

Nos primeiros dias após a tragé-dia, Nié recebeu doações de alimen-tos e água. No começo de maio, noentanto, não contava mais com ne-nhum tipo de assistência da Samarconem do poder público. “Uma moçapassou e perguntou: o senhor aceitaajuda? Aceito, uai. Mas ela não vol-tou”, diz. “Espero que eles consertemisso tudo aqui. Se quiser levar pra lon-ge, eu não aceito. Meu pai diz que,se a Samarco não consertar, ele mes-mo vai consertar. Ele acha que a Sa-marco está demorando... Mas aSamarco vai consertar”.

O caso do agricultor concentra umaboa parcela dos problemas enfrenta-dos pelos moradores: a destruição domodo de vida, que se estende até as

relações pessoais e familiares. O fimdo modo de subsistência. A ausênciade participação nas decisões e de in-formação. A súbita dependência daempresa que provocou tudo isso.

Produzida ao final do encontro, aCarta do Rio Doce (Watu) afirma que,desde 5 de novembro, “o desastre seperpetua em uma crise crônica, senti-da diariamente para além dos impac-tos imediatos, visíveis e mensuráveis.(...) Pessoas e comunidades ao longoda Bacia do Rio Doce continuam so-frendo (...) por restrição de acesso àágua de qualidade, por impedimentode desempenharem atividades econô-micas e sociais, por terem a saúdefragilizada, por verem seus modos devida territorializados profundamentetransformados a ponto de comprome-terem a sua reprodução social e pelainadequação de ações institucionaisque desconsideram suas necessida-des e direitos fundamentais. Tais efei-tos, e seus desdobramentos, semanterão presentes na realidade daregião ainda por muitos anos, pere-

nizando a tragédia”.Sérgio Papagaio, morador do mu-

nicípio de Barra Longa, também atin-gido, define estes problemas como um“bicho vivo”. Papagaio, que desde odesastre se envolveu com o Movimen-to de Atingidos por Barragens (MAB),tem visto e se esforçado diariamentepara mitigar os problemas. Ele não sóé capaz de descrever o que já aconte-ceu até aqui – como a explosão de ca-sos de dengue, que saltaram de trêscasos confirmados entre 2013 e 2015para mais de 400 em 2016 (a EscolaNacional de Saúde Pública atualmen-te desenvolve estudo a este respeito)– como também faz previsões. Sabe,por exemplo, que os mais de 650 fun-cionários que atualmente circulam pelomunicípio de 7 mil habitantes carregamproblemas consigo: “Boa parte da ren-da do município vinha de senhoras quefaziam e vendiam crochê. Elas nãopodem mais fazer isso, porque há ca-minhões para cima e para baixo compoeira. Esse tanto de operários tam-bém fez os casos de prostituição au-

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Depois do contato com as amostras, os cientistasobservaram o efeito de destruição e danificaçãodas célulasFoto: IOC/Fiocruz

mentarem. Também temos medo quedaqui a alguns anos surjam ‘os filhosda lama’: crianças nascidas de meni-nas que se envolveram com trabalha-dores, que foram embora e nunca maisapareceram”, disse.

Na primeira vez que este repórtervislumbrou a extensão da destruiçãoem Mariana in loco, o que lhe cha-mou a atenção foi um problema atéentão por ele desconhecido no que dizrespeito ao desastre: preconceito. Aárea urbana de Mariana não foi atin-gida e ali, em um bar ao lado do hotelno Centro do município, garçom e cli-ente discutiam qual era o real sofrimen-to dos moradores das áreas rurais.“Muita gente foi para os hotéis e nãoquis mais sair, porque lá tinha cama,comida e roupa lavada”, disse o funci-onário do estabelecimento, Messias.“Pessoas vieram inventar que pesca-vam, quando nem havia peixe no rio.Querem se dar bem”.

A declaração é um sintoma do graude dependência da mineração na eco-nomia de Mariana. Segundo o prefei-

to do município, 89% de suas receitassão oriundas de atividades relaciona-das à mineração. Desde o acidente,boa parte dos moradores do municípioestá de licença e impedida de traba-lhar, como as atividades ainda não re-tornaram. Com isso, recebem apenaso que está disposto na carteira, o quereduz seus vencimentos brutalmente.A previsão é que o município feche oano de 2016 com déficit de R$ 50 mi-lhões. “Vivo situação extremamentedelicada. Preciso manter a responsabi-lidade do município, e não tem sidofácil. Querem que eu corte a escolaem tempo integral?”, perguntou Du-arte Júnior.

Ninguém soube responder à dúvidado prefeito, mas é certo que a depen-dência não para de aumentar, uma vezque pessoas que antes viviam de agro-pecuária de subsistência se veem semopções, exceto trabalhar na reconstru-ção, agora contratadas por seus própriosalgozes. Rafaela Dornelas, do Núcleo deEstudo, Pesquisa e Extensão em Mobili-zações Sociais (Organon) da Universida-

de Federal do Espírito Santo (Ufes), de-senvolveu algumas ideias sobre isso noseminário, em uma apresentação resu-mindo um relatório preliminar de seugrupo de estudo sobre impactos socio-ambientais imediatos do desastre.

Dornelas discorreu sobre a situaçãode atingidos que tiveram suas vidasmudadas, como por exemplo uma co-munidade que vivia da agricultura e dapesca de subsistência, e agora traba-lha para a Samarco. “Temos muitosrelatos de moradores e ribeirinhos tra-balhando para a empresa, recebendoR$ 150 e sendo vigiados por superviso-res. A situação entre a pesca e o tra-balho como empregado é muitodiferente. Com a perda e a contami-nação das lavouras, todo mundo temdúvida sobre o que está ou não estácontaminado”, afirmou.

O morador de Barra Longa FlávioMárcio trouxe mais perspectivas sobreessa questão. Segundo ele, “a lamachegou na cidade e continua na cida-de. Ano passado tivemos um só casode dengue, enquanto este ano já tive-

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/IOCmos 400. As ruas estão esburacadas.

Cada ponto de quintal tem um buracode lama e ela é o trem mais esquisitoque já vi. A empresa diz que ela nãoé tóxica, mas nós não sabemos. A ci-dade inteira foi afetada. Temos hojemais de 600 funcionários de emprei-teira por lá”, contou.

Márcio comentou a dificuldade dese organizar a população para deman-dar seus direitos perante a mineradorae o poder público. Segundo ele, essasituação é totalmente inédita à culturapolítica local. Márcio mencionou umareunião na qual se discutiu a necessi-dade de criar cercas para o gado, umavez que os animais não podem maisbeber a água do rio. Segundo o repre-sentante dos atingidos, a Samarco tentadividir os moradores, seduzindo-os comninharias. “Nas reuniões, oferecemrefrigerante e salgadinhos aos agricul-tores. E aquelas pessoas, que nuncapassaram por situação parecida, ficamintimidadas e acabam concordandocom o que é dito, sem nem entendero que está em discussão”, afirmou.

Uma difícilreparação

No mesmo dia em que começava oseminário em Mariana, um acordo entrea União, os estados de Minas e do Espíri-to Santo e a Samarco era homologadoem Brasília, determinando o pagamentode indenização a vítimas e a reparaçãosocioambiental. Segundo os termos doacordo, a Samarco teria 15 anos para re-parar o estrago que causou. A empresapagaria R$ 4,4 bilhões entre 2016 e 2018para a restauração; após este ano, o apor-te anual previsto passaria para R$ 1,2 bi-lhão. As ações seriam executadas pelainiciativa privada, mas fiscalizadas pelosestados. Não foram definidas indeniza-ções para todos os afetados pelo rompi-mento da barragem. Não foramapontados responsáveis penais.

Em agosto, a Justiça anulou o acor-do, a pedido do Ministério Público Fede-ral. No seminário, o procurador EdmundoAntônio Dias Netto adiantou que tenta-ria recorrer e anular a decisão, basean-do-se em inúmeros vícios do processo, a

começar pela completa ausência de par-ticipação efetiva dos atingidos nas ne-gociações – o que configuraria, segundoele, violação do direito de informação.Dias Netto afirmou também que a Uniãotinha conflito de interesses para ser umdos lados, uma vez que tem ações daVale e faz parte do conselho consultivoda empresa. “Um acordo feito sem ou-vir o povo só pode ser mau acordo. Elecria uma espécie de consórcio governa-mental-empresarial”, resumiu.

A impugnação é sem dúvidasuma vitória dos atingidos. SegundoDias Netto, o Ministério Público vaiatrás de indenização de R$ 155 bi-lhões, para garantir reparação emtodas as áreas, incluindo danos hu-manos, sociais, econômicos e ambi-entais – abrangência que, segundo opróprio, falta ao acordo firmado emmaio. O método para a adoção des-ta nova ação reparatória seria parti-cipativo, incluindo audiências públicascom povos e comunidades tradicio-nais, mediante mapeamento e con-sulta prévia. O cálculo desta novaindenização foi baseado na indeni-zação pelo vazamento de petróleo noGolfo do México provocado pela BP.“Não somos piores do que eles, en-tão não merecemos um centavo amenos”, justificou.

Caso alcance um novo acordo, oMinistério Público de Minas Gerais es-pera chegar a um termo de reparaçãoque ouça os atingidos, e que não sejaconduzido pela Samarco. O que amaioria dos presentes no seminário defato gostaria, no entanto, é bem maisambicioso do que isto: uma mudançade paradigma que revisasse o modeloda mineração exploratória, pondo umfim às estruturas que tornam o risco dedesastres semelhantes inevitável.

Dois participantes do seminário trou-xeram esta ideia com maior eloquên-cia. O primeiro foi o sociólogo LucianoFlorit, da Universidade Regional de Blu-menau (Furb), em uma das últimas in-tervenções da plateia. “Em relação àgestão do risco, qual é o balanço quefoi feito para se assumir esse risco? Comque critérios foram tomados essa deci-são? Com que critérios esse risco se tor-nou aceitável? A mineração não é uma

vocação dada por Deus”, comentou.“Há uma naturalização de vocação quefoi imputada e dada por Deus; foi cons-truída e forçada ao longo dos séculos.Quem fez isso foram seres humanos emrelações sociais, políticas e econômicas.Estes mesmos seres humanos que fize-ram poderiam desmontar. A mineraçãonão é uma fatalidade”.

Palavras muito análogas foram ditastambém pelo jovem líder indígena Dou-glas Krenak. Douglas comentou como,para seu povo, o Rio Doce (Watu) é umadas entidades mais sagradas que existem.Segundo o jovem índio, desde a devasta-ção a autoestima do povo nunca andoutão baixa. Um de seus tios, de 105 anos,encontra-se deprimido, sem entender oque aconteceu ou onde foi parar a vidaque ali estava. Douglas disse também queseu povo tem sido tornado invisível emmeio a toda a crise e nem sequer foi con-sultado ou ouvido por órgãos federais.

Segundo Krenak, contudo, estanão é a primeira vez que isto aconte-ce: desde 1808, quando Dom João VIdeclarou guerra aos Krenak, o povotem sofrido repetidas agressões, ata-ques e deslocamentos. Para o jovemíndio, os séculos de violências repeti-das os ensinaram a enfrentar desafiosaparentemente impossíveis. E a propos-ta que ofereceu para o desta vez nãoé menos ambiciosa que coerente: nadamenos do que uma mudança nos pa-radigmas que organizam a sociedadebrasileira hoje, em sua busca por de-senvolvimento a qualquer custo.

“Nós temos um estilo de vida queas pessoas chamam de particular oudiferente, mas é uma forma de tentarsobreviver que ajuda outras pessoas.O Estado tenta colocar os povos indí-genas como primitivos, quando na ver-dade não queremos nada disso,queremos entender que progresso éesse e participar disso, porque temosmuito a contribuir”, afirmou. “Nossavida passa pela questão de preservar eutilizar, produzir produzindo. O rio ésagrado para nós, mas para a Samar-co e para a Vale não é. Temos quecomeçar a pensar em nova dinâmicade desenvolvimento humano, porquehoje a guerra é contra todos nós. To-dos nós estamos nessa guerra justa”.

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ESPECIAL

o dia 5 de novembroestava cuidando domeu quintal e da minhahorta, quando de repen-te o telefone tocou. Foi

sorte, porque na zona rural o telefo-ne nem sempre funciona. Era minhairmã, falando que a barragem tinharompido e destruído Bento Rodrigues.Ela disse que provavelmente ia pas-sar por perto da minha casa e dosnossos pais. Minha filha estava pe-gando um ônibus para ir para a es-cola em Águas Claras e para ir até látem uma ponte. Quando pensei nis-so, falei para o pai dela ir buscar afilha de volta, porque sabia que alama ia destruir a ponte.

Fiquei abalada, chorava, não sa-bia a condição que estava expressan-do. Gritei com ele para que buscasseela na escola e ele foi de moto. De-pois pedi para um rapaz sair e avisaros moradores de Paracatu de Baixo.

Eu não sabia de nada, só que eramuito perigoso. Ninguém acreditouno rapaz, e também pensei que tal-

Nvez não fosse isso tudo.

Uma hora e meia depois, meu ir-mão disse que a lama já estava em Pontedo Gama, que é bem próximo, e queestava destruindo Ponte do Gama intei-ra. Nesse momento, meu marido vol-tou com a Alice e me senti aliviada.

À noite, a luz acabou, mas nãoprecisávamos ver para saber o que es-tava acontecendo. O barulho e o maucheiro eram tão fortes que mesmo àdistância daria para ouvir e sentir tudo.Meu marido pediu para ver como es-tava casa dos nossos pais, à frente danossa. Quando abriu porta, a lama es-tava na nossa porta.

Quando vi a situação, vi que preci-saríamos ir para a casa do vizinho, maisalta. O vizinho soube e pediu que casei-ro abrisse a casa para nós. Aquela era acasa que tinha sido de meus avós. Orapaz abriu a porta e nós entramos.Meus pais passaram a noite no quarto.Não consegui dormir, fiquei a noite in-teirinha em claro na casa.

Quando a ponte se rompeu, pa-recia um furacão: um barulho imen-

so, muito forte. Foi aí que a casa demeus pais foi coberta até quase oteto. Eles tinham vivido naquelacasa por 54 anos.

Por volta de 15 para as 5 da ma-nhã, saí andando, com minha irmã,meu cunhado e meu sobrinho. Minhairmã disse: “é, gente, acho que nãosobrou nem o galo para cantar”. Maso galo subiu no telhado, junto de trêsgalinhas, e cantou de lá.

Nessa hora, meu filho de trêsanos acordou. Meu marido tinha fi-cado com ele. A criança estava mui-to assustada e acordou descalçagritando: “pai, enchente, pai, en-chente”. Meu marido o acalmou,mas a destruição era total. Meus vi-zinhos próximos também não tinhammais casa. Minha vizinha passou anoite no mato, com o marido que temum problema de saúde sério.

Na minha casa a lama parou naporta.

E aí começou luta.Desci a Paracatu de Baixo. As ca-

sas estavam todas destruídas, e tinha

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uma, duas, três pessoas no máximo.Aí começou a luta.Meu quintal estava destruído.

Onde eu criava galinha, porco, cabrade leite, tudo destruído. Mas eu nãoera considerada atingida. A DefesaCivil nos tirou e não tínhamos paraonde ir. Não queríamos ir para a ci-dade. Meus pais não ficam na cida-de de forma nenhuma. Meu filhotambém não, gritava e chorava, coi-sas que nunca fazia antes.

Meu marido teve que assinar umtermo de compromisso de que passaría-mos a noite em nossa casa e nos muda-ríamos depois para outra casa. Começouuma correria e fomos para outra casa.

Aí começou aquela luta, se eu eraatingida ou não atingida; se eu tinhadinheiro para receber “benefício”, quenão considero benefício, pois eu tinhaminha renda de subsistência. Eu tinhatudo, da alface ao alho. Tinha leite decabra. Conseguia pôr frutas, legumes,leite, ovo caipira, carne na mesa. Tudocom qualidade, nada com agrotóxico.Eu tinha meu conforto.

E começou minha luta, porque nãome consideravam uma atingida.

Consegui então receber uma taxapor deslocamento físico. E esse mês ago-ra (maio) que eu consegui receber umsalário que a Samarco propôs. Falam queé um auxílio a quem foi atingido, e tiveque provar por A + B que eu tinha sidoatingida, tive que mostrar fotos de mi-nha horta, de onde eu criava porco ealho, tive que provar para ter esse bene-fício, que não considero benefício.

Mas teve gente mais atingido do queeu que não conta e não recebe nada.

João Gregório da Cruz, em Pedras,por exemplo. Ele não teve deslocamen-to físico, porque ele não aceitou sairde casa. Não o consideram ainda atin-gido por isso. Ele só recebeu insumospara a horta dele. Acho que não vãopagar, porque ele não saiu de casa

E aí começa essa luta, porque es-pero que devolvam minha vida e mi-nha família.

Não quero mais o mesmo lugar.Não suportaria ficar de baixo de sire-ne, dentro da minha casa, que demo-

rei 18 anos para construir. Não consigomais sonhar no mesmo lugar, não con-sigo imaginar à noite ouvir barulho eter que sair correndo. Meu sítio nãoera em área de risco. Meus pais nãodoaram um terreno em área de risco,a Samarco implantou essa área de ris-co, e ela tem que devolver minha dig-nidade e meu direito de sonhar.

Parei de estudar no Ensino Fun-damental. Minha profissão é lavado-ra. Optei por viver lá para ter umavida de tranquilidade, dormir de por-ta e janela abertas, meus filhos podi-am sair à noite. Hoje não consigomais. A Defesa Civil diz que quemvai viver lá tem que aceitar que vaiviver em área de risco. Quero que eladevolva a minha vida de novo, e ade meus amigos.

Não se pode retirar o direito detodo mundo sonhar e devolver coisaspara pôr no lugar do sonho. Nossa vidafoi suja de lama de cima a baixo.

*Depoimento concedido no semi-nário O Desastre da Samarco: Balançode Seis Meses de Impactos e Ações.

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ESPECIAL

tarde daquela quinta-feira, 5 de novembro de2015, ficou marcadapara sempre: o rompi-mento da barragem de

Fundão, da mineradora Samarco setransformou no maior desastre ambien-tal do Brasil – o pior vazamento de mi-neração do qual se tem conhecimentono mundo, considerando o volume derejeitos despejados. Segundo técnicos,entre 50 e 60 milhões de metros cúbi-cos (m3), vazaram da barragem, des-truindo o distrito de Bento Rodrigues, emMariana (MG), além de afetar ÁguasClaras, Ponte do Gama, Paracatu e Pe-dras e as cidades de Barra Longa e RioDoce. Ao todo, 40 cidades entre o lestede Minas Gerais e o Espírito Santo fo-ram atingidas, chegando ao litoral des-te último.

O mar de lama matou 19 pesso-as, espalhou rejeitos de minérios, prin-cipalmente manganês e ferro, aolongo de 600 quilômetros do Rio Doce,e deixou um saldo de destruição ain-da não calculado. Apesar de terempassado meses após a tragédia, ovazamento ainda não cessou e, deacordo com Christovam Barcellos, co-ordenador do Laboratório de Informa-ção em Saúde (LIS) do Instituto deComunicação e Informação Científi-ca e Tecnológica em Saúde (Icict/Fio-cruz), o desastre continua.

Os dados da Atlas Água Brasil, sis-tema desenvolvido pelo LIS que con-tém os indicadores sobre água, saúdee saneamento baseados na últimaPesquisa Nacional de SaneamentoBásico (2010), ajudaram os pesqui-sadores a mapear a capacidade ins-talada de água de cada cidade, sehavia estações de água, qual a por-centagem da população que usa arede comum de abastecimento e sehavia outras redes, além de mostrar

AGraça Portela*

A incerteza nas águas do rioUm desastre cujas consequências serão sentidas por décadas

as populações mais vulneráveis du-rante o auge da crise de Mariana. OLIS ainda colaborou com a análise dosdez laudos divulgados pelas diversasinstituições, georreferenciando infor-mações como locais e períodos de co-letas da água do Rio Doce.

“Além disso, fizemos um mapa dorelevo da região para ver quais as áre-as mais diretamente afetadas, imagi-nando que um pedaço da bacia do RioDoce, mais alto e mais próximo ao nor-te da bacia, teria outras fontes de abas-tecimento. Quem estivesse maispróximo da área de várzea seria maisafetado”, explica Barcellos. As infor-mações foram partilhadas com o Mi-nistério da Saúde, o Instituto Nacionalde Pesquisa Espacial (Inpe), dentreoutras instituições que estão ainda ana-lisando a água do Rio Doce, como assecretarias de Meio Ambiente do Es-pírito Santo e de Minas Gerais, Coor-denação Geral e Vigilância em SaúdeAmbiental (CGVAM/MS), grupos degeoquímicos das universidades federaisde Minas Gerais (UFMG), do EspíritoSanto (UFES) e de São Carlos (UFS-Car), a Universidade Estadual do Nor-te Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), doIbama e outras instituições.

Todo esse levantamento fez comque Barcellos percebesse que o im-pacto inicial foi grande, mas o queestá por vir pode ser ainda maior. Opesquisador alerta que, se o rejeitofor basicamente formado por ferro emanganês, poderia ser retirado porum filtro numa estação de tratamen-to. Mas, segundo ele, “esses minéri-os carregam a capacidade de secombinar com outros metais maispesados e carregá-los, e ainda nãoestudamos direito o efeito disso”. Bar-cellos se refere ao fato de que a re-gião de Mariana é rica em arsênio –“e possivelmente, mercúrio” – que

são dois metais muito mais tóxicosdo que o ferro e o manganês, segun-do Barcellos.

“Esses metais vão ser carrega-dos até onde? Até a foz do RioDoce? Se retirarmos o ferro e o man-ganês da água, também sairão oarsênio e o zinco? Ainda não sabe-mos disso”, ressalta. O pesquisadortambém alerta para o perigo do con-sumo pela população: “Tanto o mer-cúrio quanto o arsênio na água nãopodem ser consumidos de maneiranenhuma pela população. Há tam-bém a questão da agricultura: é pos-sível se plantar em uma área comarsênio e mercúrio? É uma questãoa se estudar e monitorar por gruposbons de pesquisa que possam res-ponder esse tipo de coisa”.

Outro problema é o período chuvo-so, que ocorre entre outubro e marçona Bacia do Rio Doce, onde a probabili-dade de cheias pode trazer vários pro-blemas para a região. Para Barcellos,“todas as vezes em que houver chuvasfortes na região, ela vai revolver o fun-do e jogará manganês e ferro na remo-bilização (a volta desses minérios paraágua), e não sabemos como eles inte-ragirão com outros componentes e seessa interação será tóxica ou não”.

A questão toda é a persistência des-ses minérios no meio ambiente – “nãosabemos como será. Esperamos que istová durar muitas décadas; o Rio Doce nãovai se recuperar tão cedo”, afirma Bar-cellos. O Laboratório, por meio do Nú-cleo de Geoprocessamento, participará,com o Inpe e outras entidades, da cria-ção de um sistema de alerta e monitora-mento sobre a qualidade do Rio Doce. Oprocesso está em fase de avaliação pelaFundação de Amparo à Pesquisa de Mi-nas Gerais (Fapemig).

O pesquisador do Icict defende queseja revisto o licenciamento ambiental

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das atividades de mineração no país,com mais controle sobre elas. “Elaprecisa ser mais rigorosa, porque se-não teremos muitos acidentes dessetipo ocorrendo no Brasil”. Ele se re-fere ao projeto de lei 37/2011, quetrata sobre o novo Código de Mine-ração no Brasil, que está há três anosaguardando votação no CongressoNacional, e o Projeto de EmendaConstitucional (PEC) 65/2012, queretirou três etapas de avaliação técni-ca para o licenciamento ambiental:licença prévia, licença de instalaçãoe licença de operação), flexibilizan-do as regras – a empresa precisaria

apenas apresentar um estudo de im-pacto ambiental prévio. Pesquisado-res e ambientalistas se posicionamcontra, pois temem que novos desas-tres ambientais possam ocorrer atécom mais frequência no país.

Talvez o estranhamento do poeta daInconfidência Mineira, Claudio Manoel daCosta, em seu Soneto VII (do livro Obras,de 1768), possa traduzir o que o desastreambiental em Bento Rodrigues/Marianarepresenta para o Brasil e o mundo: atransfiguração humana e social trazidapela modernização – a que custo?

*Colaborou Raíza Tourinho

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SAÚDE DA MULHER

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o Brasil, em cada qua-tro mulheres, mais deuma apresenta sinto-mas de depressão noperíodo de 6 a 18 me-

ses após o nascimento do bebê. Aconstatação é do estudo Factors as-sociated with postpartum depressi-ve symptomatology in Brazil: thebirth in Brazil National Research Stu-dy, 2011/2012, realizado pela pes-quisadora Mariza Theme, da EscolaNacional de Saúde Pública SergioArouca (ENSP/Fiocruz), e publicadono Journal of Affective Disorders. Aprevalência desse distúrbio no paísfoi mais elevada que a estimada pelaOMS para países de baixa renda, emque 19,8% das parturientes apresen-taram transtorno mental, em suamaioria a depressão.

O trabalho foi desenvolvido noâmbito da pesquisa Nascer no Brasil,maior estudo a respeito de parto enascimento no país já ocorrido. Co-ordenado pelas pesquisadoras Mariado Carmo Leal e Silvana Granado, apesquisa apontou número excessivode cesarianas (52% no total, contra88% no setor privado) e ainda a per-sistência de intervenções dolorosase desnecessárias no parto (como aepisiotomia e a manobra de Kristel-ler, uso de ocitocina, menor frequên-c ia da ut i l ização de analges iaobstétrica, dentre outros).

“O estudo Nascer destacou o ele-vado número de cesarianas e os efei-tos que o parto no Brasil tem sobre amulher e o bebê. Sabíamos, porexemplo, da associação entre a ce-sariana e o desenvolvimento do trans-torno de estresse pós-traumático, masnão era isso que desejávamos anali-sar. O que ainda não havia sido in-vestigado era se tal modelo de parto,com muitas intervenções desnecessá-rias, poderia ser um desencadeadordo quadro depressivo dessas mães.Esse foi um dos pontos de partida dapesquisa”, explicou Mariza.

A depressão pós-parto traz nume-

Nrosas consequências ao vínculo damãe com o bebê, sobretudo no quese refere ao aspecto afetivo. A lite-ratura cita efeitos no desenvolvimen-to social, afetivo e cognitivo dacriança, além de sequelas prolonga-das na infância e adolescência. “Amulher depressiva, normalmente,amamenta pouco e não cumpre ocalendário vacinal dos bebês. As cri-anças, por sua vez, têm maior riscode apresentar baixo peso e transtor-nos psicomotores”, esclareceu.

Depressão pós-par-to atinge mulherespardas e de baixaescolaridade

A pesquisa entrevistou 23.896mulheres no período de 6 a 18 me-ses após o nascimento do bebê. Aprevalência global de sintomas de de-pressão pós-parto foi de 26,3%, masa comparação entre os períodos de6 a 9 meses (25,7%) e de 9 a 12meses (27,1%) não indicou diferen-ça significativa no desenvolvimentodo transtorno mental.

Foram analisadas variáveis soci-odemográficas, individuais e obsté-tricas. Com o intuito de verificar seo uso de intervenções durante o tra-balho de parto, particularmente o tra-balho de parto muito doloroso e semanalgesia, estaria associado ao de-senvolvimento de sintomas depres-sivos, foi criado um indicador de“trabalho de parto doloroso” que in-cluía as mulheres submetidas ao usode medicação para acelerar o tra-balho de parto, e que referiram au-mento significativo da dor; que nãotiveram acesso a nenhum tipo deanalgesia; e que passaram pela ma-nobra de Kristeller (aplicação depressão na parte superior do úterocom o objetivo de facilitar a saídado bebê). Além disso, o histórico de

Filipe Leonel

perda fetal ou neonatal; complica-ções na gravidez, parto e pós-parto(incluindo a realização de histerec-tomia) e se a gravidez foi planejadaestiveram no escopo das entrevistas.

“Observamos que essas variá-veis da intervenção no parto nãomostraram associação com a de-pressão pós-parto. O resultado nosleva a algumas hipóteses, entre elaso fato de haver uma aceitação como“normal” o modelo atual de aten-ção ao parto ainda realizado no Bra-sil. Em outras palavras, será queessas manobras já estão tão assi-miladas que não funcionariam comoum possível fator que levaria à de-pressão?”, questionou.

As mães que apresentaram sin-tomas de depressão pós-parto, deacordo com o modelo final da aná-lise, são da cor parda, de baixacondição socioeconômica, com an-tecedentes de transtorno mental,com hábitos não saudáveis, comoo uso excessivo de álcool, paridadealta e que não planejaram a gravi-dez “Os resultados são muito coe-rentes com o que a l i teraturainternacional demonstra”, disse.

Por último, chamou a atençãoda equipe de trabalho uma pergun-ta sobre a avaliação do atendimen-to na maternidade, na ocasião daalta médica. As mulheres que de-senvolveram sintomas de depressãoforam aquelas que avaliaram piorseu atendimento. “Isso suscitou al-gumas interpretações, mas, como ainvestigação da depressão foi reali-zada num único momento, não sa-bemos se a aval iação foi ruimporque a mulher estava deprimidaou se o atendimento, de fato, foiinadequado e desencadeou o sur-gimento dos sintomas. As mulheresque fizeram má avaliação do aten-dimento tiveram probabilidade duasvezes maior de apresentar os sinto-mas depressivos do que aquelas queavaliaram como muito bom”.

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SAÚDE DO TRABALHADOR

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trabalho dos bombeirosmilitares do municípiodo Rio de Janeiro podeafetar a saúde deles?Pode-se correlacionar

às causas de afastamento médicodos trabalhadores as atribuições es-pecíficas de cada especialidadeexistente na instituição? Essas ques-tões norteiam a dissertação de LuizAntonio de Almeida no mestradoem Saúde Pública da Escola Nacio-nal de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz),sob a orientação do pesquisador LuizCarlos Fadel de Vasconcellos e co-orientação de Renato José Bonfatti.O aluno, que é cabo bombeiro mili-tar, partiu da hipótese de que a in-tensificação do trabalho da categoriae os anos de dedicação ao ofício co-locam-se como fatores potenciaispara o desenvolvimento de diversasdoenças relacionadas às suas ativi-dades. A pesquisa, num universo de2.454 trabalhadores, identificou ascinco doenças mais detectadas nes-sa categoria. Em primeiro lugar,com 26 registros, está a lombalgiacom ciática; em seguida, os trans-tornos de discos lombares e de ou-tros discos intervertebrais comradiculopatia – com 25 registros;logo após, os transtornos internos dejoelho (18 registros); em quarto lu-gar, com 16 registros, os episódiosdepressivos graves com sintomaspsicóticos; e, por último, a dor lom-bar baixa (13 registros).

Segundo o aluno, a categoria de-sempenha ações de fundamental im-portância para a sociedade e o temadesse estudo ainda é pouco discuti-do pela academia. A atividade dotrabalho dos bombeiros militarespode ser resumida na salvaguarda edefesa de vidas e bens em situaçõesemergenciais e contingenciais. Du-rante o seu exercer laboral, os bom-beiros estão expostos às cargasfísicas, químicas, mecânicas, biológi-

OLuciene Paes

cas, fisiológicas e psíquicas.O município do Rio de Janeiro,

em 2015, tinha uma extensão terri-torial de 1.199,828 km² e uma po-pulação estimada em de 6.476.631habitantes. Na região, o Corpo deBombeiros mantém 25 unidades quetotalizam, aproximadamente, 2.454trabalhadores. Essas unidades de sal-vamento terrestres não especializa-das s ituadas no município sãodivididas entre dois centros adminis-trativos: o Comando de Bombeirosde Área I Capital (CBA-I Capital)composta por 14 unidades situadasnas Zonas Norte e Oeste com 1413bombeiros; e o Comando de Bom-beiros de Área X Capital II (CBA-XCapital II), com 11 unidades distribu-ídas pela região da Grande Tijuca,Centro e Zona Sul totalizando 1.041bombeiros, aproximadamente.

No período analisado, as unida-des juntas foram responsáveis por51,5% de todos os atendimentos re-alizados no estado, o equivalente a173.532 atendimentos. A instituiçãodivide seus atendimentos em três ca-tegorias: incêndio, salvamento eatendimento pré-hospitalar (APH).Em 2015, dos atendimentos realiza-dos no município, 134.906 foramAPH, 30.696 foram na categoria desalvamento e 7.930 foram combatea incêndio. De acordo com o estudo,trabalham no serviço mais demanda-do pela população carioca aproxima-damente 860 bombeiros.

No Centro de Perícias Médicas eSaúde Ocupacional da categoria hou-ve um total de 16.898 registros deatendimentos médicos, resultandoem 1.818 registros de afastamentomédico para tratamento da saúde re-ferente às 25 unidades estudadas.Essas ausências somam um total de55.507 dias de afastamento do tra-balho para tratamento, o que equi-vale a aproximadamente 152 anos.Ao dividir o total de dias de afasta-

mentos pelo efetivo de 2.454 bom-beiros do município, chega-se a apro-ximadamente 23 dias de afastamentopara cada trabalhador.

A pesquisa também constatouque, a partir dos 30 anos de idade,um elevado crescimento no númerode registros de afastamento do traba-lho para tratamento da saúde. A fai-xa etária que mais apresentou registrosfoi a dos bombeiros entre 40 e 49 anoscom um total de 641 registros.

O estudo concluiu que o conjun-to formado pelo acúmulo de ativida-des, efetivo reduzido e grandedemanda pelos serviços prestadospela instituição coloca-se como umavia potencial para o adoecimento dosbombeiros. “O amplo espectro dedoenças encontradas nos bombeirosdo município pode possuir relaçãodireta com as atividades de trabalhodesenvolvidas pela categoria. Por isso,considero que se faz necessária a re-posição do efetivo, o enxugamentodas atividades de trabalho e o esta-belecimento de uma atenção à saú-de com ênfase na prevenção”.

Luiz Antonio de Almeida é gra-duado em Serviço Social pela Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro(2011) e especialista em Direito eSaúde e em Saúde do Trabalhador eEcologia Humana pela Escola Nacio-nal de Saúde Pública Sergio Arouca.Atua como cabo bombeiro militar doCorpo de Bombeiros Militar do Esta-do do Rio de Janeiro desde 2008. Foipesquisador colaborador da linha depesquisa Saúde, Trabalho e Direito etambém da linha A Construção doSUS na Perspectiva do Direito, am-bas do Departamento de DireitosHumanos, Saúde e Diversidade Cul-tural da Ensp/Fiocruz. Atua comopesquisador no projeto de pesquisaA Atenção Psicossocial no Contextode Pós-Eventos Extremos no Brasil, doCentro de Estudos em Saúde do Tra-balhador e Ecologia Humana da Ensp.

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internacional daFundação Bill & MelindaGatesSANEAMENTO

travessando becos es-treitos, pequenos prédi-os, sobrados, barracos elajes se erguem uns so-bre os outros nas encos-

tas e franjas da cidade do Rio de Janeiro.Há pontos nas favelas em que o ar malcircula, o sol não bate, as ruas alagame o esgoto corre a céu aberto. Comoessas condições de habitação interfe-rem na saúde de seus moradores e fa-vorecem a proliferação do Aedesaegypti? Existe relação entre a ofertadeficitária dos serviços de saneamentobásico e o alastramento das epidemi-as de dengue, zika e chikungunya?

Dados da Secretaria Municipal deSaúde do Rio de Janeiro apontam umapossível resposta: a cada 100 mil habi-tantes do Complexo do Alemão, 1.922foram infectados pela dengue nosmeses de janeiro a abril de 2016, en-quanto que em todo o município doRio de Janeiro, a proporção foi de 272por 100 mil habitantes – sete vezesmenor que no conjunto de favelas ca-riocas. Em Manguinhos, o número foide 147 casos por 100 mil habitantesno período.

O adensamento populacional, ascondições precárias de moradia, a ofer-ta irregular do abastecimento de água,política ineficaz de gestão de resíduossólidos e o tratamento de esgoto sãoalguns dos aspectos da crise de sanea-mento e habitação nas periferias urba-nas. A lista é longa e a espera porpolíticas que contemplem as especifi-cidades dos territórios favelizados dos

ALuiza Gomes

Condições

centros urbanos, in-quietante.

É para esse con-junto causticante defatores que com-põem os determi-nantes sociais dasaúde em territóriosvulnerabilizados queatentam os pesquisa-dores Leo Heller, daFiocruz Minas e rela-tor das Nações Uni-das sobre água esaneamento, e Gui-lherme Franco Netto,especialista em Saú-de, Ambiente e Sus-tentabilidade, daVice-Presidência deAmbiente, Atençãoe Promoção da Saú-de (VPAAPS) da Fio-cruz. Ambos foramconvidados pelo Cen-tro de Estudos Estra-tégicos da Fiocruzpara o debate onlineSaneamento básicocomo direito huma-no, que procurou or-ganizar as pautas einiciativas da Funda-ção relacionadas aesses temas.

“No caso especí-fico do Aedes, a fal-ta de abastecimentoregular de água obri-

Habitação, saneamento básico ea proliferação de dengue, zika echikungunya nas favelas

precárias

Foto: Projeto Colabora

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ga a população a estocar volumes com-plementares em tonéis; essa água limpae parada é um dos locais preferidos domosquito”, introduziu Guilherme Netto.“Nas vias públicas das comunidades, omaior problema é a defasagem do Esta-do na gestão dos resíduos sólidos nessaslocalidades. Sem a coleta regular, o lixodeixado nas ruas – muitas vezes em ar-mazenagem inadequada ou insuficien-te –, passa a acumular a água da chuva,retida em recipientes, e facilita a instala-ção dos criadouros”, afirmou.

De acordo com a coordenadora doServiço de Vigilância em Saúde do Cen-tro de Saúde Escola Germano SinvalFaria da Fiocruz, a relação entre aden-samento populacional nas favelas e es-calada nas notificações de dengue, zikae chikungunya é direta. “Essas são do-enças urbanas tropicais. Nas áreas commaior densidade demográfica, como nascomunidades, em um mesmo raio de atu-ação o mosquito consegue infectar maisgente. Assim, o ciclo de transmissão sepropaga continuamente, sem ser inter-rompido – o que dificilmente aconteceem áreas menos populosas da cidade”.

ManguinhosO Complexo de Manguinhos en-

globa favelas dos bairros de Bonsuces-so, Manguinhos, Higienópolis e Benfica,distribuídas por 261,84 hectares(1.618.400m²). A população ultrapas-sa a marca dos 36 mil habitantes, se-gundo dados do Registro Eletrônico deInformação em Saúde (Reis), e estádistribuída em 15 sublocalidades, en-tre favelas e conjuntos habitacionais.

Entre janeiro e abril, foram notifi-cados 162 casos de dengue, zika echikungunya em Manguinhos, segun-do a Coordenadoria de Saúde da Áreade Planejamento 3.1 (CAP 3.1) da Se-cretaria Municipal de Saúde e DefesaCivil do Rio de Janeiro. No informativodo Centro de Saúde, a curva de notifi-cações de chikungunya dá um salto emmeados de abril.

“Chikungunya não tinha no inicio,começou a aparecer depois de meadosde março, e hoje é a notificação maiscomum entre essas doenças. Na sema-na de 8 a 15 de abril chegamos a ter 20casos novos”, contou Regina Daumas.

Para aumentar a eficácia dasações de combate ao vetor em Man-guinhos e ampliar o controle social,a Coordenadoria de Cooperação So-cial da Fiocruz, como membro da RedeManguinhos no Controle do Aedes –composta por lideranças locais, orga-nizações comunitárias e diversos de-partamentos e unidades da Fundação– está buscando uma plataforma vir-tual para ancorar um mapa partici-pativo dos criadouros de Manguinhos.A ideia vem sendo discutida em par-ceria com o Instituto Pereira Passos,para aplicação da tecnologia.

“Essa e outras iniciativas são pre-vistas no Plano de Controle do Aedesaegypti, uma estratégia construída co-letivamente por setores da Fiocruz jun-to aos movimentos sociais organizadosde Manguinhos. Por meio delas, esta-mos chamando a atenção das pessoase dos gestores da politica de saúde paraa importância de controlar os criadou-ros do mosquito não apenas dentro dascasas, mas nos espaços públicos”, dis-se o coordenador de Cooperação Soci-al da Fiocruz, Leonídio Madureira.

Foto: Brunna Arakaki

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Transformara realidade

Em um Brasil em que 2.495 mu-nicípios (44,8% dos municípios bra-sileiros) não têm rede coletora deesgoto e um Rio de Janeiro no qual30% dos domicílios não estão liga-dos a um sistema de saneamento for-mal, resta às comunidades a facemais dura dos déficits infra-estrutu-rais e de serviço: insalubridade e ex-posição permanente ao risco decontaminação por vetores. Some-sea isso a falta de atenção do poderpúblico a esses espaços e o resulta-do é explosivo, com reflexos diretosno campo da saúde.

No caso específico das epidemi-as de dengue, zika e chikungunya,Guilherme Franco Netto informa quea Fiocruz está se organizando parafomentar pesquisas que se detenhamsobre as relações entre o saneamen-to inadequado e a proliferação do Ae-des aegypti, a partir da metodologiade pesquisa-ação, que é voltada tra-

dicionalmente para o aprimoramen-to das práticas estudadas e resoluçãode problemas coletivos.

“Estamos avaliando junto à Vice-Presidência de Ensino, Informação eComunicação qual o melhor instru-mento para a captação dos projetosde pesquisa”, anunciou. “Cientifica-mente, existem poucas evidênciasda relação entre as duas coisas, ape-sar de isso ser sensível e observávelna realidade”, argumentou. Os re-sultados deverão ser apresentados aoMinistério das Cidades e à Funda-ção Nacional de Saúde (Funasa).

Saneamentono Brasil

Somente em 2007 o Plano Naci-onal de Saneamento Básico fixou di-retrizes, metas e ações para o setor,e, em 2011, o Plano Nacional de Re-síduos Sólidos estabeleceu, entre ou-tros princípios, a regularidade,continuidade, funcionalidade e uni-versalização da prestação dos servi-

ços públicos de limpeza urbana emanejo de resíduos sólidos. Aindarecentes, as novas legislações ensai-am uma maior estruturação das po-líticas setoriais a nível nacional, massão fragilizadas pelas turbulênciaspolíticas que desestabilizam atual-mente o Governo Federal, na opi-nião do pesquisador Leo Heller, doCentro de Pesquisa René Rachou (Fi-ocruz Minas) e relator das NaçõesUnidas sobre água e saneamento.

“De uma parte, o governo fede-ral vem se organizando e ganhandomais estabilidade no que diz respei-to às transformações do setor”, co-mentou. Em sua análise, apesar dosavanços, o fortalecimento dos mu-nicípios – indispensável, já que o sa-neamento é um serviço de caráterlocal – ainda não ocorre.

“Há um anacronismo na organiza-ção federativa para o setor e de outrosgovernos estaduais ausentes e gover-nos municipais em geral frágeis. Isto,sobretudo nos municípios de menorporte e nos localizados nas regiõesmenos desenvolvidas”, afirmou.

Foto: Rio Real

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CONSCIENTIZAÇÃO

Foto: Gutemberg Brito

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á três anos, Nancy Do-minga da Costa, de 42anos, sofreu um aci-dente vascular cere-bral. O caso chamou a

atenção dos médicos e a investiga-ção apontou uma causa inesperadapara a funcionária pública: doençade Chagas crônica. A enfermidadenão era novidade para ela. Nascidana cidade de Grão Mogol (MG),Nancy já tinha sofrido com a mortede um sobrinho de 29 anos, vítimade problemas cardíacos provocadospela infecção. No entanto, nunca ti-nha sido alertada de que tambémpoderia ser portadora do agravo.“Acompanhei ele no hospital e sem-pre cuidei de mim. Eu fazia examestodos os anos, mas parece que osmédicos não sabiam o que era do-ença de Chagas. Isso foi um susto”,disse ela que, depois do caso, viuseus dois irmãos serem diagnostica-dos com a enfermidade.

A negligência com relação aoagravo foi um dos motivos que leva-ram dezenas de portadores, familia-res e pessoas afetadas pela doençade Chagas no Rio de Janeiro a fun-dar a Associação Rio Chagas. A as-sembleia de fundação da entidadeocorreu no campus da Fiocruz, emManguinhos, na Zona Norte do Riode Janeiro. Também participaram doevento pesquisadores do InstitutoOswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), do Ins-tituto Nacional de Infectologia Evan-

HMaíra Menezes*

dro Chagas (INI/Fiocruz), do Institu-to de Tecnologia em Fármacos (Far-manguinhos/Fiocruz), do InstituoNacional de Cardiologia (INC) e re-presentantes do Ministério da Saú-de e da organização internacionalIniciativa Medicamentos para Doen-ças Negligenciadas (DNDi).

Liderada pelos portadores, a en-tidade tem um Conselho Científico,que tem por objetivo aproximar pa-cientes e especialistas dedicados aoestudo da doença. O órgão já contacom a participação de cientistas eestudantes do IOC e do INI e estáaberto a novas adesões. Eleita pre-sidente da Associação, Nancy espe-ra que atuação colet iva atra iaolhares para a enfermidade e paraos problemas enfrentados pelos pa-cientes e suas famílias. “Hoje, osafetados pela doença de Chagas nãosão ouvidos e ninguém sabe sobre anossa situação. Com essa associa-ção, queremos ter voz para mudaressa realidade”, afirmou.

Até 4 milhõesde portadores

O Ministério da Saúde estima que2 a 4 milhões de pessoas sejam porta-doras da doença de Chagas no Brasil,sendo que a maioria contraiu a infec-ção no passado e apresenta a formacrônica do agravo. Considerada emble-mática, a família da vice-presidente da

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ção dos pacientes deve contribuirpara ajustes nas políticas públicas.“Sem dúvida, haverá questões queexigirão debate. Contudo, o mais im-portante é que as pessoas diretamen-te afetadas estejam presentes àsdiscussões. Com a associação, as de-mandas desse grupo chegarão commais força”, observou. A iniciativatambém foi elogiada pela represen-tante da organização internacionalDNDi, Marcela Dobarro. “Na doen-ça de Chagas, além da necessidadede novas terapias, existe a dificulda-de de acesso ao tratamento já exis-tente. Por isso, estamos ao lado dasassociações de portadores que lutampor esse direito”, comentou.

A doençade Chagas

A doença de Chagas é causadapelo parasito Trypanosoma cruzi.Tradicionalmente, a infecção é trans-mitida pela picada de insetos triato-míneos, conhecidos como barbeiros.No Brasil, porém, essa forma de con-tágio é combatida desde os anos1970, com o uso de inseticidas e me-lhorias habitacionais, reduzindo sig-nificativamente o número de casos.Atualmente, a maior parte das infec-ções ocorre pela via oral, quando bar-beiros são triturados junto comalimentos, por exemplo, na prepara-ção de suco de açaí ou caldo de cana.

Quando diagnosticada na fase agu-da, que ocorre logo após a infecção, adoença de Chagas pode ser curada. Aterapia com o medicamento Benzonida-zol, que ataca os parasitos, é fornecidagratuitamente pelo Sistema Único deSaúde (SUS). O tratamento também érecomendado para os pacientes crôni-cos que não apresentam sintomas como objetivo de prevenir o desenvolvimen-to de complicações. Os casos em que osproblemas cardíacos ou digestivos já sedesenvolveram após anos de infecção,a abordagem deve ser avaliada conside-rando as necessidades individuais.

*Colaborou Max Gomes

Dia Mundial de Combate à Doençade Chagas, foi realizado o seminá-rio Falando de Chagas, promovidopelo IOC em parceria com o INI. Ointeresse demonstrado pelos pacien-tes durante o evento estimulou a cri-ação do curso de extensão Falandode Chagas com Ciência e Arte, noqual foram promovidas oficinas men-sais para discussão de questões re-lativas à doença. Idealizadora dasatividades que incentivaram a mo-bilização dos pacientes, a pesquisa-dora Tania Araújo-Jorge, chefe doLaboratório de Inovações em Tera-pias, Ensino e Bioprodutos do IOC,afirma que a atuação dos afetadosé fundamental para a melhoria daspolíticas públicas relacionadas à do-ença de Chagas. “Não sabemosquantos são os portadores crônicosdo agravo no Brasil, porque não exis-te busca ativa ou notificação com-pulsória em escala nacional. Comisso, o diagnóstico não é feito ouocorre tardiamente, reduzindo oacesso ao tratamento”, pontuou.

Mobilizaçãointernacional

A luta dos afetados pela doen-ça de Chagas por seus direitos éuma realidade em diversos países.Segundo a Federação Internacionaldas Associações de Pessoas Afeta-das pela Doença de Chagas (Finde-chagas), a primeira entidade dessetipo foi criada em Pernambuco, em1986. A Findechagas surgiu em2009. Atualmente, 16 associaçõessão filiadas à Federação, incluindogrupos do Brasil, Bolívia, Venezue-la, Colômbia, Argentina, México,Espanha, Itália e Austrália. Recém-fundada, a Associação Rio Chagasenviou representantes ao encontrode 2016 do grupo, realizado emabril, na Argentina.

Presente à assembleia de funda-ção da Associação Rio Chagas, Rena-to Alves, representante da Secretariade Vigilância em Saúde do Ministérioda Saúde, declarou que a mobiliza-

Associação Rio Chagas, Luzia Lopesdos Santos, de 73 anos, é um exem-plo de como o problema atravessoudécadas no país. O irmão dela, Ri-cardo Lopes dos Santos, e a irmã,Maria Lopes dos Santos, também sãoportadores da doença de Chagas eintegram a Associação. Os três nas-ceram na cidade mineira de Lassan-ce, onde o médico Carlos Chagasdescreveu pela primeira vez, em1909, a doença que acabou batiza-da com seu nome. Mesmo assim,Luzia só descobriu a infecção aos 60anos, depois de dois anos de consul-tas médicas e exames para investi-gar as causas de uma constipaçãocrônica. “A associação é uma formade trazer visibilidade para essa do-ença, que é desconhecida e tratadacomo doença de pobre. Acredito queisso pode nos dar poder para termosdiagnósticos mais rápidos e sermosatendidos com mais carinho”, ava-liou Luzia. Além de buscar direitos,combater o preconceito é um dosobjetivos da entidade. A primeira se-cretária da Associação Rio Chagas,Cleonice Fernandes Braga, de 40anos, relata que a discriminação éum problema especialmente no mer-cado de trabalho. Nascida em Ubaí(MG), ela perdeu a mãe aos 4 anosem consequência da doença. No en-tanto, o diagnóstico de que tambémera portadora do agravo só veio qua-se 30 anos depois, quando uma irmãfoi internada com problemas cardía-cos. “Depois que minha patroa des-cobriu que eu tinha Chagas, nãodurei uma semana no emprego”,contou a costureira, que atualmen-te trabalha em uma fábrica no Rio.“Hoje, não tenho problemas no tra-balho. Mas os portadores de Cha-gas costumam ser deixados de ladonas entrevistas de emprego, porqueas pessoas não sabem o que é adoença”, disse ela, ressaltando quea enfermidade não é contagiosa.

Com dezenas de portadoresatendidos no Instituto Nacional deInfectologia, a Fiocruz foi o espaçoonde a mobilização dos pacientescomeçou. Em 14 de abril de 2015,

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AMBIENTE

uem circula pelos blocose corredores do prédio daFiocruz Brasília não vaimais encontrar luzes ace-sas durante o dia (nem

mesmo na garagem), copos descartáveisfartamente disponíveis e nem aparelhosde ar condicionados ligados o tempo in-teiro. Vai perceber, ainda, que em todosos andares dos prédios as portas dos ele-vadores mostram adesivos com fotos dostrabalhadores expondo a frase: “Juntosfazemos a diferença”. Essas são apenasalgumas das estratégias e mudanças decomportamento derivadas de um am-plo processo de cuidados com o meioambiente, no formato de uma campa-nha de sustentabilidade. A adesão dostrabalhadores à causa foi tão significa-tiva que a campanha se transformou emum programa, envolvendo profissionaisde diversas áreas.

Desde o início, o programa temadotado estratégias inovadoras e um

QNathalia Gameiro e Valéria Vasconcelos Padrão

tom mobilizador. Para isso, desenvolveuuma identidade visual fazendo referên-cia a super-heróis, criou a Liga da Sus-tentabilidade, brincou com os quatroelementos da natureza (água, terra,fogo e ar) e anima os trabalhadores pormeio de ações lúdicas e interativas.

Com o programa, a Fiocruz Brasíliatem estimulado a reflexão sobre a rela-ção saúde e ambiente, especialmentepor levar em consideração que o meioambiente integra o rol dos determinan-tes sociais da saúde. Assim, uma sériede ações tem sido realizada visando àredução de consumo de energia, de co-pos descartáveis, de papéis, água eoutros recursos, e também à consci-entização sobre desenvolvimento sus-tentável. Para isso, técnicos da instituiçãoe de outros órgãos e entidades, comoIbama, Ministério do Meio Ambiente,Companhia Energética de Brasília (CEB)e Universidade de Brasília (UnB), vemcolaborando, de forma articulada, com

o desenvolvimento das ações.A água foi o primeiro tema aborda-

do e o público escolhido inicialmente foio de trabalhadores da limpeza. Eles par-ticiparam de algumas oficinas de sensi-bilização e deram sugestões, por meiode urnas espalhadas pelo prédio, sobremedidas para minimizar o desperdício deágua. Várias sugestões foram acatadas,como, por exemplo, substituição do “ti-mer” de todas torneiras do prédio, alémda utilização de água de reuso para alavagem da garagem e dos espelhosd’água da instituição.

Também foram promovidas ginca-nas. Nos refeitórios, no horário do al-moço, os trabalhadores competiampara ver quem lavava a louça em me-nor tempo e de forma mais sustentá-vel. O vencedor ganhava um brinde.Com os colaboradores do serviço deInfraestrutura, fez-se uma roda de con-versa e uma atividade lúdica contra adengue. A atividade simulava uma

Foto: Nathalia Gameiro

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corrida para eliminar possíveis focos domosquito transmissor da doença emmeio a um jardim cenográfico repletode pneus, garrafas PET e caixa d’água.

Copos descartáveis e papéis tam-bém foram temas trabalhados. Todosreceberam canecas feitas de fibra decoco para evitar o uso dos copos des-cartáveis na instituição, o que resultounuma redução de 51% no consumodesses descartáveis. Em 2015, foramconsumidos 820 pacotes de copos(cada um contendo cem unidades), eem 2014 foram 1.614 pacotes, confor-me levantamento feito pelo Serviço deAdministração da Fiocruz Brasília. As-sim, os funcionários deixaram de utili-zar e despejar no meio ambiente maisde 50 mil copos/mês. Vale destacar queo tempo que um copo de plástico levapara se decompor vai de 250 a 400anos.

Como utilizar equipamentos commelhor eficiência e economia de ener-gia, além de estimular uma mudançade hábito foram tratados na fase “Ener-gia” do programa. Os interruptores detodas salas receberam adesivos com oalerta “Apague a luz ao sair”. Nos con-troles de ar condicionado foram cola-dos adesivos com lembretes: “Ao ligar,feche as janelas”. Reatores e lâmpa-das foram desligadas para estimular ouso da luz natural, bastante intensa noprédio da Fiocruz Brasília, que foi cons-truído com essa intenção. Tambémhouve diminuição dos motores que sus-tentam o sistema de refrigeração doprédio e abertas janelas no corredor dosubsolo que dá acesso à garagem paraaproveitar a luz solar.

O diretor da Fiocruz Brasília, GersonPenna, diz que o Programa da Sustenta-bilidade traz uma grande oportunidadede reflexão: “analisar os hábitos, nossarelação com o mundo e as consequênci-as de nossos atos”. Para ele, é fundamen-tal perceber a responsabilidade com oespaço que habitamos e com os recursosnaturais. “São gestos, em especial os di-tos pequenos, que promovem grandesmudanças. Como por exemplo, não dei-xar torneira aberta ao ensaboar a louça,substituir os copos descartáveis por ca-necas. O importante é persistir, buscar maise sempre”, ressalta o diretor.

Contrao Aedes

Nesse meio tempo,um mosquito – o Aedesaegypti – voltou a alar-mar a vida dos brasileiros.O aumento substantivodos casos de dengue e aemergência da zika nopaís reacenderam o sinalde alerta na Fiocruz Bra-sília. Decidiu-se, então,que os esforços do Pro-grama de Sustentabilida-de seriam concentrados,ao longo de todo o anode 2016, no combate aomosquito transmissor. As-sim, a Fiocruz Brasilia ade-riu ao chamamento doGoverno Federal e inte-grou os esforços para abusca e a eliminação decriadouros do mosquitoda dengue e do zika emtodos os prédios de ór-gãos federais. Foram re-alizados dois Dia daFaxina, um deles com apresença do então minis-tro da Saúde, MarceloCastro, que percorreu asdependências da unida-de e afixou nelas adesi-vos, atestando que osespaços haviam sido ins-pecionados e que esta-vam livres da presença decriadouros do mosquito.

Nesses dois dias, osmembros do Programa deSustentabilidade, uniformi-zados e portando placasda campanha, percorre-ram todas as salas – dosubsolo ao terceiro andar— dos dois blocos que in-tegram o edifício da Fio-cruz Brasília, orientando eincentivando os trabalha-dores a adotarem açõesde combate ao mosquitoAedes aegypti no traba-lho e em suas casas.

A Fiocruz Brasília tem estimulado a reflexão sobre arelação saúde e ambiente, especialmente por levar emconsideração que o meio ambiente integra o rol dosdeterminantes sociais da saúde.Fotos: Nathalia Gameiro

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AMBIENTE

araty, no litoral do Es-tado do Rio de Janeiro,recebeu em junho a ofi-cina de trabalho de im-plantação da Agenda

2030 do Desenvolvimento Sustentávelnos Territórios das Comunidades Tradi-cionais da Bocaina. Organizada peloObservatório dos Territórios Sustentá-veis e Saudáveis da Bocaina (OTSS/Fi-ocruz), com apoio da Vice-Presidênciade Ambiente, Atenção e Promoção daSaúde (VPAAPS/Fiocruz), a oficina tevecomo objetivo internalizar a Agenda2030 no contexto da atuação do Fó-rum de Comunidades Tradicionais(FCT) e do Observatório de Territóri-os Sustentáveis e Saudáveis da Bo-caina (OTSS) da Fiocruz, de modo aincorporá-la ao planejamento estraté-gico local.

O evento foi realizado dando pros-seguimento à instalação, em meadosde junho, de um grupo de trabalho (GT)

PAndré Costa

para implantar a Agenda 2030 do De-senvolvimento Sustentável nas ativida-des da Fiocruz. O grupo de trabalhovai propor as diretrizes da Fundaçãopara a adoção da Agenda, tendo pormissão, segundo a portaria que o insti-tuiu, “fornecer subsídios para que aFiocruz seja instituição estratégica deEstado em saúde na plena implemen-tação da Agenda 2030 para o Desen-volvimento Sustentável”.

Na oficina na Bocaina, um aspec-to importante do desenvolvimento sus-tentável foi ressaltado: a valorizaçãodos modos de vida e dos valores tradi-cionais, de modo que a adoção daAgenda nos territórios respeite a lógi-ca dos mesmos. “A Agenda 2030 nãotem uma cara, ela depende da dispu-ta que se dá no nível local, regional enacional”, disse o assessor da VPAAPSGuilherme Franco Netto aos demaisparticipantes. “Nosso desafio é explo-rar oportunidades para integrar esta

agenda com o planejamento estraté-gico do FCT. A oportunidade é que asiniciativas sejam propositoras de bem-estar. Isso implica uma percepção co-letiva do valor do nosso trabalho noterritório”.

A oficina determinou que a ado-ção da Agenda 2030 no território se-guirá quatro eixos estratégicos: 1)saúde; 2) governança (a articulação dosatores no território de modo a possibi-litar o desenvolvimento sustentável); 3)gestão hídrica e saneamento; 4) inclu-são produtiva (agroecologia, prospec-ção dos usos da biodiversidade). Cadaum destes eixos visa alcançar objeti-vos específicos, seguindo estratégiasparticulares para tal e, igualmente, li-dando com públicos diversos.

O eixo da saúde será composto porprofissionais da área médica, nutricio-nista, biólogo, veterinário, sociólogo,engenheiro, geólogo, educador, antro-pólogo, odontólogo, entre outros, ten-

Agenda 2030 da ONU é adotada em comunidades tradicionais da Serra da Bocaina

Oficina sustentável

Fotos: divulgação

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do por público quilombolas, índios ecaiçaras. Diversas unidades da Fiocruz,como Ensp, IOC, INI, IFF e Bio-Man-guinhos, devem participar das ativida-des, com o objetivo principal deconhecer, compreender, analisar e ava-liar as características de saúde suascorrelações com os arranjos sociais,ambientais e demográficos e produti-vos nas comunidades tradicionais.

O eixo de governança, por sua vez,tem por objetivo a articulação em rededas diversas comunidades tradicionaisda Bocaina. O empoderamento, aampliação e a diversificação dos ato-res envolvidos nos diferentes projetosda Agenda 2030 será estimulada. Den-tre seus primeiros objetivos a serempostos em prática estão a produção deum diagnóstico da governança atual doFCT e do OTSS, a constituição e a es-truturação de um espaço de gestão daAgenda 2030 no OTSS, o desenvolvi-mento de um conjunto de indicadoresque vão compor o monitoramento e aavaliação da implementação da Agen-da 2030 na Bocaina, entre outros.

Já o eixo de gestão hídrica e sa-neamento tem um objetivo principaltão simples quanto ambicioso – e fun-

damental para as comunidades en-volvidas: alcançar 100% de sanea-mento nas comunidades tradicionaisde Angra, Paraty e Ubatuba. Para tal,planeja pôr em prática medidas comoa adoção do saneamento ecológicodesenvolvido na Praia do Sono comomodelo replicável, a recuperação doRio Carapitanga, a plenas condiçõesde banho e pesca, e implantação denúcleos de gestão participativa im-plantados em todas as microbaciasdos três municípios.

A inclusão produtiva, por fim, in-clui estratégias como a constituiçãode uma central de turismo de basecomunitária e o delineamento de umroteiro turístico que passe pelos terri-tórios tradicionais, a ampliação dasáreas de agroecossistemas e da ofer-ta de alimentos, a consolidação deincubadoras, a valorização e o forta-lecimento da pesca artesanal e aidentificação de componentes de bi-odiversidades. Estas medidas visamcumprir objetivos como ampliar apossibilidade de permanências das co-munidades territórios, criar alternati-vas de educação diferenciada eassegurar o protagonismo de jovens

e mulheres na utilização da agricul-tura como modo de vida, aproveitan-do a agroecologia para promover oencontro de gerações.

Enquanto encaminhamento da ofi-cina, o OTSS estabelecerá um meca-nismo de gestão da Agenda 2030 daBocaina, tendo sido definidos grupospara iniciar a elaboração dos projetosestratégicos. Segundo o coordenadordo Observatório, Edmundo Gallo, a ofi-cina foi um momento importante, poroferecer à Fiocruz uma experiência ba-seada em demandas específicas de umterritório, trabalhando ao mesmo tem-po com desenvolvimento sustentávele promoção da saúde. “É um projetoextremamente complexo, que traba-lha com turismo de base comunitária,educação diferenciada, saneamentoecológico, agroecológico, entre muitosoutros objetivos”, disse. “Conseguir ali-ar isso à Agenda 2030 é muito impor-tante para demonstrar que o modo devida de comunidades tradicionais temum caráter sustentável e de desenvol-vimento de saúde. A partir dessa ex-periência e de outras poderemos darcontribuições efetivas às comunida-des”, completou.

Fotos: divulgação

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QUESTÕES HÍDRICAS

sustentabilidade, umdos principais dilemasdeste século 21, não éapenas um neologismoda moda. É mais do que

aliar recursos naturais à prática cotidi-ana. Conhecedor e defensor do termo,o professor e pesquisador da Universi-dade de São Paulo (USP) Leandro Gi-

atti defende a tese de que o paísexporta seus re-

AValéria Costa

cursos naturais, como a água, por meiodos alimentos produzidos no Brasil evendidos no exterior. A polêmica foilevantada pelo pesquisador em suapalestra Nexos urbanos de sustenta-bilidade e saúde, realizada no Institu-to Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazonas), quando participoudo Seminário Determinantes Sociaisdo Processo Saúde-Doença: Condi-ções Desiguais de Vida em Espaços

Amazônicos, promovido peloPrograma de Pós-

Graduação em Condições de Vida eSituações de Saúde na Amazônia(PPGVIDA) da instituição.

Conforme seus estudos, a susten-tabilidade tem que levar em conside-ração esse aspecto que, mesmo quede uma forma virtual, vem contribuin-do com uma escassez de recursos hí-dricos sistemáticos em áreas deprodução no país. Segundo Giatti, a pa-lavra de ordem na produção mundialde alimentos é a agricultura intensiva,o que gera um consumo intensivo deenergia e, por tabela, de água. “Não

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existe isenções, não existe uma cida-de rica de água que esteja fora desserisco. A água vai acabar, os recursosestão acabando”, acrescentou.

Seguindo essa lógica analítica,ressaltou o pesquisador, o Brasil ex-porta muita água e energia quandoo assunto é exportação de alimen-tos. “O primeiro ponto a se pensarsão as commodities ligadas ao agro-negócio. Nós exportamos soja e ex-portamos água virtual, esse é oconceito. Quanta água foi precisopara produzir cada tonelada de soja?O clássico é a carne bovina, em tor-no de 15 mil litros (de água) por qui-lo em toda a cadeia produtiva. Entãovocê precisa ter uma riqueza hídricapara ser um produtor, um exportadordisso”, analisou.

Apesar de toda a importânciapara o equilíbrio da economia, opesquisador afirma que essa “expor-tação de água” não tem sido consi-derada pelos grandes produtores eexportadores, haja vista o passivoambiental que está se gerando porconta da excessiva demanda por re-cursos hídricos. “Então, tínhamos queter um planejamento melhor para

pensar, de maneira mais integrada,do que a gente chama de serviçosambientais, a água é um serviço am-biental. Ela tem que ter um feedba-ck, tem que ter investimento paraproteção e de onde sai esse dinhei-ro? Tem que sair da produção. A pro-dução de soja tinha que gerar recursospara a recuperação e preservação derecursos naturais necessários para aprodução da chuva”, afirmou.

Em sua avaliação, esse contextoacaba trazendo à tona um uso abusi-vo, exploratório e predatório dos recur-sos hídricos. É como numa moeda detroca: o país aceitar, para exportar seusprodutos, entregar um recurso que éfinito. “Um dia nós poderemos não termais água para produzir o que nós pro-duzimos, porque não pensamos nissoagora”, observou.

E, justamente para que o con-ceito de “sustentabilidade” seja re-almente concretizado da melhorforma possível, a academia está de-senvolvendo várias pesquisas sociaisno sentido de integrar todas as áre-as e não apenas o lado da econo-mia. Em suas pesquisas, Giatti têmtrabalhado com a sustentabilidade

tendo como foco principal a saúde.Ele ressaltou que a saúde não é sóum resultado da sustentabilidade, esim uma condicionante. “Não dápara começar a pensar em susten-tabilidade sem incluir a saúde huma-na e o bem-estar desde o início daanálise da cadeia. Então, a gentetem feito esse esforço. E eu acho queé uma contribuição necessária, quedeve gerar ponderações e políticaspúblicas”, observou.

Giatti ressaltou que suas pesqui-sas em torno da sustentabilidade di-alogam com estes conceitos e pensarsustentabilidade da cidade remete apensar a sustentabilidade do territó-rio, não tem como desacoplar. “O ali-mento que se consome em Manausé produzido fora e, sendo produzidofora, consome água fora. Ou seja, seterceiriza o uso de água na produçãode alimento, sendo que temos muitaágua aqui em Manaus. Isso é curio-so, mas enfim, por que não temosespaço, a gente não tem cadeia pro-dutiva? O fato é que Manaus impor-ta alimentos e, com isso, importarecursos hídricos dos locais de ori-gem”, exemplificou.

A palavra de ordem na produçãomundial de alimentos é aagricultura intensiva, o que geraum consumo intensivo de energiae, por tabela, de água.

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Biodiversidadeem questãoHenrique Lins de Barros

Este livro traça umextenso panora-ma sobre o atu-al equilíbrio domeio ambien-te para mos-trar como asua degrada-

ção ameaça demodo iminente a própria

existência do Homo sapiens. O autor ex-plica como a existência da vida no plane-ta depende de sua extrema diversidade,atualmente ameaçada pelo consumismodesenfreado e pela mentalidade de curtoprazo da produção capitalista. Esta publi-cação é uma resposta contundente aoslugares-comuns sobre ecologia e preser-vação do meio ambiente, ressaltando aurgência de ações efetivas contra o con-sumismo e a uniformização cultural.

96 páginas | R$ 24 (formato 13,5 x 19cm) | Ano: 2011 | Coedição com a Cla-ro Enigma (Companhia das Letras)

Cidades saudáveis? Algunsolhares sobre o temaCarmen Beatriz Silveira, Tania MariaFernandes e Bárbara Pellegrini (orgs.)

A grande maioria dapopulação vive hojenas cidades. Maselas variam bas-tante entre si e hádiferenças mar-cantes mesmodentro de umamesma cida-de, o que tem

impacto sobre as características davida urbana e as condições de saúde dapopulação. Compreender essa comple-xidade é essencial para a tomada de de-cisões sobre intervenções públicas nascidades. Estudos e ensaios sobre o as-sunto estão reunidos neste livro, que não

só traz reflexões teóricas, mas as colocaem diálogo com diferentes iniciativaspara a melhoria da saúde das cidades.

332 páginas | R$ 50 (formato 16 x 23cm) | Ano: 2014

Determinantes ambientaise sociais da saúde

Luiz Augusto C. Galvão, Jacobo Finkel-man e Samuel Henao (orgs.)

Traduzido do origi-nal em espanhol,este livro tem comoobjetivo dissemi-nar no Brasil aná-lises e debatespara a redu-ção dos danosà saúde asso-

ciados a proble-mas ambientais. Os organizadores

chamam atenção para a crescentemedicalização das agendas de saú-de, “ignorando com frequência a cres-cente massa de evidências queassociam uma boa ou má saúde in-dividual e coletiva a um grau de de-terminantes ambientais e sociais,dominados por amplas iniquidadessociais e econômicas que limitam obem estar e o progresso de amplossetores da população”.

601 páginas | R$ 60 (formato 21,5 x 28cm, capa dura) | Ano: 2011 | Coediçãocom a Opas/OMS

Ecologia política dos riscos:princípios para integrarmos olocal e o global na promoçãoda saúde e da justiçaambiental

Marcelo Firpo de Souza Porto

Desenvolvimento humano, meio am-biente e justiça são temas indissociá-veis. Contudo, o atual modelo dedesenvolvimento brasileiro e internacio-

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nal, no âmbito deum capitalismo glo-balizado, intensifi-ca padrões deprodução e con-sumo injustos einsustentáveis.Esta não é umaconstatação

nova, mas, a partir dela,o livro desenvolve uma crítica diferenci-ada: o objetivo é criar estratégias de en-tendimento que favoreçam o diálogo ea implantação de medidas de curto,médio e longo prazos para a constru-ção de sociedades justas, democráti-cas e sustentáveis.

270 páginas | R$ 38 (formato 16 x 23cm) | Ano: 2012 (2ª edição)

Injustiça ambiental esaúde no Brasil: o mapade conflitosMarcelo Firpo Porto, Tania Pacheco eJean Pierre Leroy (orgs.)

Identifica e siste-matiza os conflitosambientais pro-venientes das lu-tas contra asinjustiças e oracismo ambi-ental nos ter-ritórios onde

foram, estão sendoou serão realizados diferentes projetos eco-nômicos e políticas governamentais.Como gerador das injustiças, existe ummodelo de desenvolvimento marcado pelaconcentração de riquezas, por processosdecisórios pouco democráticos, pela explo-ração insustentável dos recursos naturais epelo desrespeito aos direitos humanos fun-damentais das populações. Os mapas deconflitos ambientais, como o abordado nes-ta obra, dão visibilidade a esses graves pro-blemas, contribuindo para a construção deum mundo mais solidário e sustentável.

306 páginas | R$ 44 (formato 16 x 23cm) | Ano: 2013

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ESTANTE ESPECIAL

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Política pública egestão de serviçosde saneamento

Léo Heller e José EstebanCastro (orgs.)

Muitas pessoasem todo o mun-do ainda nãotêm acesso aoabastecimen-to de águae ao esgo-tamento sani-

tário, sobretudoas populações mais po-

bres. Estudos apontam que não fal-tam soluções tecnológicas nemexistem limitações físicas naturaisintransponíveis: os obstáculospara a universalização sustentá-vel dos serviços estão ligados acrises de governo e da gestão de-mocrática e a desafios éticos. Por-tanto, é prec iso um esforçosistemático para organizar essecampo em termos conceituais emetodológicos. E esta é justamen-te a proposta deste livro. Os 20primeiros capítulos foram original-mente publicados em inglês. E háseis capítulos inéditos, cinco de-les dedicados à análise da expe-riência brasileira.

567 páginas | R$ 140 (formato 18,5x 26,5 cm, capa dura)| Ano: 2013 |Coedição com a Editora UFMG

Saneamento: promoçãoda saúde, qualidade devida e sustentabilidadeambientalCezarina Maria Nobre Souza, André

Monteiro Costa, Luiz Roberto SantosMoraes e Carlos Machado de FreitasColeção Temas em Saúde

Grande parte dapopulação do mun-do vive em condi-ções precárias deacesso a bens eserviços essenci-ais. Esse qua-dro poderia serminimizado e

até evitado sefosse possível oferecer saneamento

básico a todos. Este livro propõe umnovo olhar sobre a tríade “desenvol-vimento, ambiente e saúde”, com oobjetivo de formular estratégias inovado-ras para garantir o acesso mais amploao saneamento. Fatores como o modode vida da população, as condiçõessocioeconômicas e a cultura servemde base na busca por soluções capa-zes de combinar tecnologia e gestãosociocultural.

140 páginas | R$ 15 (formato 12,5 x18 cm) | Ano: 2015

Sustentabilidade,ambiente e saúde nacidade de Manaus

Carlos Machado de Freitas e LeandroLuiz Giatti (orgs.)

Esta obra combinadistintas experi-ências multidisci-plinares e umaabordagem sis-têmica, de modoa conjugar ele-mentos ded i f e r e n t e s

setores ou discipli-nas, como aspectos socioeconômi-

cos, ambientais e de saúde, noestudo de um objeto único: a si-tuação da saúde em uma metró-pole brasileira com mais de doismilhões de habitantes, em meio àmaior floresta tropical do planetae às margens de dois dos maioresrios do mundo. Os capítulos estãodivididos em três grandes temas:forças motrizes e pressões, a situ-ação socioambiental e as condi-ções de vida e saúde.

351 páginas | R$ 64 (formato 16 x23 cm) | Ano: 2015 | Coedição coma Editora da Universidade Federaldo Amazonas (Edua)

Território, ambientee saúde

Ary Carvalho de Miranda, Christo-vam Barcellos, Josino Costa Morei-ra e Maurício Monken (orgs.)

O livro traz a con-tribuição originalde geógrafos,epidemiolo-gistas, eco-n o m i s t a s ,historiado-res e arqui-tetos sobre

as relações entrecondições ambientais e situação desaúde. Aqui é ressaltado o papel doterritório como mediador entre osprocessos econômicos e sociais etambém suas externalidades –materializadas no espaço geográ-fico na forma de intensas mudan-ças nas condições ambientais esuas consequências sobre o pro-cesso de saúde e doença.

274 páginas | R$ 42 (formato 16 x23 cm) | Ano: 2008

COMO COMPRAR:

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Web: www.fiocruz.br/editora | E-mail: [email protected] | Tel.: (21) 3882-9007

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FIO DA HISTÓRIA

o sobrenome, Luis Rey játinha a grandeza quemarcou sua trajetória.Médico e pesquisadornotável, ele se sagrou

um dos mais importantes parasitologis-tas do país. Foram 60 anos dedicados aoensino da parasitologia, 13 anos em tra-balhos como consultor da OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS) e 20 anos naFiocruz. Luis Rey morreu em 5 de mar-ço, a poucos dias de completar 98 anos.

Pesquisador-emérito da Fiocruz, Reyfoi autor de diversos livros, como asobras de fôlego Parasitologia e basesda parasitologia médica e Dicionário determos técnicos de medicina e saúde –esta última ganhadora do Prêmio Jabu-

NServiço de Jornalismo/Instituto Oswaldo Cruz

ti de Literatura na categoria Ciências Na-turais e Saúde, em 2000. Na autobio-grafia Um médico e dois exílios, deixouo registro de suas memórias e as histó-rias de andanças por várias partes domundo. No Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Rey foi responsável pela cria-ção do Laboratório de Biologia e Con-trole da Esquistossomose.

”Eu mudei muito e nunca tive medode mudar. Me entreguei a várias ativi-dades sucessivamente. Variar as experi-ências enriquece o conhecimento, e issoé muito importante”, disse em entrevis-ta concedida, em 2013 e publicada nosite do IOC. Ao se formar pela Faculda-de de Medicina da Universidade de SãoPaulo (USP), em 1944, ele já tinha aban-

donado a especialização em esquizofre-nia pela cardiologia. Mas a vontade depromover mudanças contundentes nasociedade não cabia em um consultóriona capital paulista. Dois anos depois, porsugestão do professor e amigo SamuelPessoa, chegava ao interior do Pará paraassumir os atendimentos no posto doServiço Especial de Saúde Pública (Sesp),na floresta amazônica. Mas a sensaçãode impotência diante do ciclo de rein-fecção dos seus pacientes o levou devolta à USP para estudar saúde públicae, em seguida, para a École Nationalede Santé Publique, em Paris, graças auma bolsa do governo francês. Lá, co-nheceu Dora, que se tornaria a compa-nheira de uma vida inteira.

A ciência perde Luis ReyVersátil e plural, o cientista deixa um legado na parasitologia, naeducação e na saúde pública espalhado em três continentes

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Membro do Partido Comunista Bra-sileiro (PCB) por 12 anos, teve sua ide-ologia atacada e o emprego tomadopelo golpe militar de 1964. Foi demiti-do da USP, junto a outros colegas, combase no Ato Institucional nº 1, que cas-sou os direitos políticos de cidadãos vis-tos como opositores ao regime. Era oinício do exílio, que o levaria a viverem cinco países diferentes em 18 anos.

Encarou o desafio de uma epide-mia de esquistossomose na África.Como consultor da OMS, sua primeiramissão foi acabar com a doença na Tu-nísia, que se propagava rapidamentepelos oásis do deserto do Saara. Foramquatro anos vivendo no deserto, traba-lhando no combate aos caramujos trans-missores e no tratamento dos casos deinfecção. O resultado foi a erradicaçãoda doença. Rey tinha, finalmente, trans-formado a vida de milhares de pessoascomo sempre sonhara. “Sonho muito,mas sonho para produzir, criar e encon-trar soluções para os problemas”, dis-se, na entrevista concedida em 2013.

Com o sucesso da missão, em 1974,Rey levou a família para Genebra, ondefoi responsável pela criação de progra-mas internacionais de saúde e assumiuum posto na Divisão de Malária e Doen-ças Parasitárias. Nos anos 80, voltaria àÁfrica, desta vez, para Maputo, em meioà guerra civil moçambicana. À frente doInstituto Nacional de Saúde (INS), minis-trou aulas de parasitologia, fundou a Re-vista Médica de Moçambique e abriuportas para o intercâmbio científico como Brasil. No ano de 2008, foi inauguradoo Programa de Pós-Graduação em Ci-ências da Saúde, capitaneado pelo IOCe realizado em parceria com o INS.

Em 1985, após 15 anos de luta jun-to ao Supremo Tribunal Federal, o mé-dico ganhou o processo contra suademissão da USP. Era hora de retor-nar ao Brasil ao lado de Dora, sua “pá-tria em tempos de exílio”, conforme adedicatória no Dicionário de termostécnicos de medicina e saúde (Gua-nabara Koogan, 1999). Convidado ini-cialmente para assumir a chefia doDepartamento de Helmintologia doIOC, Rey criou o Laboratório de Biolo-gia e Controle da Esquistossomose (hojechamado de Laboratório de Biologia e

Parasitologia de Ma-míferos SilvestresReservatórios), quechefiou até 2005.Realizou atividadesno Departamentode Medicina Tropi-cal e aceitou o con-vite do sanitaristaSérgio Arouca, en-tão presidente daFiocruz, para diri-gir o Instituto Na-cional de Controlede Qualidade emSaúde (INCQS).

Sobre a perdade Rey, um de seusdiscípulos resumiu:“Ficará a lembrançade alguém que amoua vida, a viveu commuito bom humor,sempre dedicado àciência”, disse o pes-quisador Paulo SergioD’Andrea, parceiro depublicações. Comolegado de Rey, fi-cam contribuiçõesde peso, no Brasil eno exterior, e umensinamento valio-so sobre a saúdeque, nas suas pala-vras, se traduz nafrase: “Sem preven-ção, a saúde é areiamovediça”.

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