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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
CHANCELER – Dom Dadeus Grings
REITOR – Ir. Norberto Francisco Rauch
CONSELHO EDITORIAL Antoninho Muza Naime Antonio Mario Pascual Bianchi Délcia Enricone Jayme Paviani Luiz Antônio de Assis Brasil e Silva Regina Zilberman Telmo Berthold Urbano Zilles (Presidente) Vera Lúcia Strube de Lima
Diretor da EDIPUCRS – Antoninho Muza Naime EDIPUCRS
Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33 C.P. 1429
90619-900 Porto Alegre – RS Fone/ Fax.: (51) 320-3523 E-mail: [email protected]
www.pucrs.br/edipucrs/
Copyright de EDIPUCRS
Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico
C626p Clemente, Elvo, Ir.
Pilares da PUCRS / Ir. Elvo Clemente – Porto Ale- gre: EDIPUCRS, 2001.
246 p. ISBN 85–7430–196–5
1. Maristas – Rio Grande do Sul – História 2. PUCRS – História 3. Universidades Católicas – Rio Grande do Sul.
I. Título.
CDD 378.8165
da BC – PUCRS. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora. Capa: José Fernando Fagundes de Azevedo Diagramação: Isabel Cristina Pereira Lemos Digitação: Etiana Pedroso Spessatto Revisão: O Autor Impressão: Gráfica EPECÊ, com filmes fornecidos
SUMÁRIO
PREÂMBULO DE LONGA JORNADA / 6 IRMÃO AFONSO / 8 ELOY JOSÉ DA ROCHA / 36 ELPÍDIO FERREIRA PAES / 46 ARMANDO PEREIRA DA CÂMARA / 64 CARDEAL VICENTE SCHERER / 77 IRMÃO VENDELINO – José Weiand / 94 MANOEL COELHO PARREIRA / 108 DOM ALBERTO FREDERICO ETGES / 123 IRMÃO JOSÉ OTÃO – José Stefani / 144 FRANCISCO DA SILVA JURUENA / 162 IRMÃO ROQUE MARIA – Ernesto Daniel Stefani / 180 ELISEU PAGLIOLI / 189 IVO WOLFF / 200 IRMÃO LIBERATO – Wilhelm Hunke / 207 ANTONIO CÉSAR ALVES / 218 IRMÃO DIONÍSIO FUERTES ÁLVAREZ / 225 IRMÃO FAUSTINO JOÃO – Salomón Torrecilla / 233 Bibliografia / 244
PREÂMBULO DE LONGA JORNADA
“O Espírito de Deus movia-se sobre as águas” (Gn 1,2)
Naquele amanhecer de 1930, os ventos sopravam nos pampas e nas
serranias do Rio Grande, anunciando dias de renovação, jornadas de abertura
para o espírito empreendedor de homens vocacionados a orientar a juventude
para novos campos, novas culturas, novos horizontes.
Irmão Afonso, Charles Désiré-Joseph Herbaux, nascido, perto de Lille
(França), em 1887, no vigor de seus quarenta anos assumira a direção do
colégio Nossa Senhora do Rosário, em 1927. O colégio Santa Maria, fora-lhe a
grande escola de iniciativas, de novos empreendimentos até elevar o
educandário à categoria de estabelecimento estadual com as mesmas
prerrogativas do Colégio Padrão Dom Pedro II, do Rio de Janeiro.
Com a experiência colhida nos vinte anos no Centro do Rio Grande,
após um ano sabático, 1926, assumiu a direção do Colégio Nossa Senhora do
Rosário, que naquele ano passou a funcionar em sede própria em dois prédios
à Av. Independência, n° 359.
Viu a imensa seara que se abria diante de seus olhos e diante de seus
braços. Nada temeu, tinha perto de si o mestre, Irmão Weibert, que lhe
ministrara as primeiras aulas de missiologia e de audácia na educação, lá nos
cursos da saudosa Casa de Beaucamps. Recebera o espírito de ver longe, de
ver com realidade e destemor.
A grande empreitada era colocar o Colégio de Nossa Senhora do
Rosário, na altura do Colégio Santa Maria e afrontar novos cimos.
A reorganização do Curso de Comércio transformando-o em Curso
superior, ainda não-universitário, foi a primeira tarefa. Depois veio o processo
da estadualização do Curso ginasial, pelo Decreto n° 4385 de 14 de outubro de
1929, pelo presidente do Estado, Getúlio Dornelles Vargas. Pelo referido
6
Decreto foram beneficiados ainda os colégios — Nossa Senhora do Bom
Conselho, Anchieta e Sévigné.
O líder e educador Irmão Afonso ouviu a voz dos alunos formandos do
Curso Superior de Comércio que pediam a chancela universitária para seus
estudos. Em 1930, encaminhou o projeto do Curso Superior de Administração e
Finanças que constituiria a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas,
inaugurada a 12 de março, de 1931, pioneira no Sul do Brasil.
Aquele espírito que ensinara os discípulos de Marcelino Champagnat
na segunda década do século XIX, esteve presente nos pioneiros que
aportaram com o Irmão Weibert, em 1900 no Rio Grande do Sul. Esse mesmo
espírito estava vivo, presente e atuante no Irmão Afonso e seus colaboradores
em 1930: Eloy José da Rocha, Elpídio Ferreira Paes e outros.
É o espírito objetivado que age em três dimensões:
1° Pensamento puro, que vive e se desenvolve, faz sua história em si e
para si: propulsor das pesquisas e indagações.
2° Espírito que cria pensamento para educar os que acreditam na
universidade e nela ingressam.
3° Espírito da Universidade, educadora, emissora de mensagem, para a
sociedade, formadora e suscitadora de líderes para novos caminhos, segundo o
prof. Dr. Irmão Basílio Rueda Guzmán.
Os obreiros eram poucos, os alunos eram um punhado de rapazes
ansiosos por novos horizontes, o espírito operante e decisivo estava nos
corações, nas vontades de vencer, no ideal da nova Universidade Católica e
Marista. Constituíram-se então os pilares da novel entidade de ensino, de
pesquisa e extensão.
O Autor
7
IRMÃO AFONSO — O FUNDADOR
Infância e juventude Escrever os traços biográficos deste gigante da educação cristã e marista
é uma ousadia e uma obrigação de justiça. Ousadia pela pequenez de nossas
forças e dos recursos disponíveis e obrigação de justiça, pois ninguém, nos
últimos cem anos fez tanto para a educação da juventude do Brasil e do mundo
como o irmão Désiré Alphonse, irmão Afonso (Charles Désiré Joseph Herbaux).
Irmão Afonso — Fundador
Os grandes homens tiveram um berço adequado com todas as energias
propulsoras para a formação e desenvolvimento dos grandes planos.
Nascido, a 19 de agosto de 1887, na aldeia de Quesnoysur-Deûle.
perto de Lille. Ambiente profundamente cristão de sua família, proporcionou-lhe
educação dentro dos princípios e luzes do Evangelho.
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A 22 de agosto de 1899, ingressava na casa de Formação dos Irmãos
Maristas em Beaucamps. Em 1901, concluiu o Curso Normal. Vestiu o hábito de
Irmão a 19 de março de 1903, quando recebeu o nome de Désiré Alphonse,
(Irmão Afonso).
A tempestade desencadeada pela lei do Ministro Emílio Combes,
fechava colégios, exilava os religiosos que queriam manter-se fiéis a seus
votos. Em todos os quadrantes da França houve lágrimas e desolação pela
supressão da educação cristã. Apesar da fúria do vendaval era enorme o
entusiasmo daqueles jovens, alunos do Irmão Weibert, em 1899. Ele fora
missionário na Dinamarca, às vésperas do novo século, se preparava para ir às
missões do Rio Grande do Sul. O mestre devotado soube difundir no coração
dos discípulos o verdadeiro espírito que impele ao estudo, ao saber, à busca da
verdade. Dezenas e dezenas daqueles jovens atravessaram os mares e
souberam difundir o espírito em outros corações juvenis.
Irmão Afonso, em 1904, chegou a Porto Alegre e foi logo designado
para o Colégio Santana de Uruguaiana. Lá foi seu noviciado rio-grandense:
aprender a língua, lecionar as primeiras letras àqueles meninos e jovens tão
diferentes. Estudo, oração e aula eis o programa do jovem Irmão marista.
Diretor de colégios
O Diretor do colégio de Uruguaiana dera-lhe a consciência da
imensidão dos pampas e dos horizontes ilimitados. Em 1907, ei-lo no Colégio
Santa Maria, comprado pelos irmãos ao educador Alfredo Clemente Pinto, em
1904. O Irmão Weibert era o Diretor. Novamente o mestre e o discípulo viviam
sob o mesmo teto, com o mesmo entusiasmo e espírito para vencer. Em pouco
tempo o Ginásio recebeu o título oficial de equiparado ao Ginásio Dom Pedro II.
Em 1918, Irmão assumiu a direção do educandário. Irrompeu forte surto da
gripe espanhola: aulas suspensas, colégios transformados em enfermarias.
Muitas pessoas morrendo, luto em toda a cidade e em todo o Estado.
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Ao concluir o tempo de sua administração o Irmão Luís Renato que o
substituiu, escreveu objetiva e sucintamente: “O irmão Afonso por longos anos
ocupou o cargo de Diretor do Ginásio, tanto trabalhou para a equiparação do
mesmo, impôs-se ao respeito e à gratidão como estrela de primeira magnitude
entre os primeiros benfeitores do Ginásio Municipal de Santa Maria.”
Uma plêiade de egressos do Ginásio foram alunos brilhantes nas
faculdades de Medicina, de Direito, de Engenharia de Porto Alegre e alhures.
Honraram a vida pública, particular e política do Rio Grande do Sul em suas
profissões, no estudo, nas pesquisas, nas ciências e nas artes.
Em 1927, Irmão Afonso é nomeado Diretor do Colégio Nossa
Senhora do Rosário, que começava a funcionar em dois prédios, à Avenida
Independência, propriedade adquirida pela União Sul Brasileira de
Educação e Ensino.
Logo de início de sua administração desencadeou o processo da
municipalização e em seguida, da estadualização do Ginásio, a meta alcançada
pelo Decreto n° 4.385 de 14 de outubro de 1929, pelo presidente do Estado. Dr.
Getúlio Dornelles Vargas. Outros três colégios religiosos foram beneficiados
pelo Decreto: Bom Conselho, Anchieta e Sevigné.
Outro empreendimento de grande projeção foi a oficialização do Curso
Comercial. O Instituto Superior Comércio recebia a chancela oficial no
dia 14 de janeiro de 1928. O referido Curso equivalia em título ao atual
Técnico de Contabilidade.
O Colégio mantinha cursos livres e atividades de Língua italiana, do
Prof. Gino Battocchio, de Higiene, Ginástica de Jorge Black, orquestra orientada
pelos professores Lucchesi e Alexandre Gnattali.
O esporte teve um grande incentivo tanto para os alunos internos como
para os externos. A prática da vida religiosa era fervorosa no Apostolado da
Oração, da Cruzada Eucarística, da Congregação Mariana, da Juventude
Estudantil Católica. Irmão Afonso junto com o mestre Irmão Weibert fundou a
10
Associação dos ex-alunos maristas, no dia 2 de outubro de 1927, sendo eleito
primeiro presidente o Prof. Dr. Elyseu Paglioli.
O ex-aluno, prof. Antonio César Alves, numa frase, caracterizou a
administração do Irmão Afonso: “Neste tradicional educandário, o Diretor
revelou-se operoso, diligente, renovador, entusiasta e idealista.”
O êxito alcançado foi mérito do líder e do grupo de Irmãos que se
dedicavam inteiramente à juventude rosariense.
Fundador da Universidade
O livro Irmão Afonso — Fundador da PUCRS — explica porque o
Irmão Afonso fundou a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas. Os
alunos que se diplomaram no Instituto Superior de Comércio insistiram junto do
Irmão Afonso para que fosse criado o Curso Superior de Administração e
Finanças de acordo com o Decreto n° 17.329, de 28 de maio de 1926. Não
existia no Rio Grande do Sul, nenhum curso que permitisse aos contadores
concluírem formação superior universitária. Atendendo as constantes súplicas
dos alunos é que Irmão Afonso resolveu abrir o Curso Superior de
Administração e Finanças que em sua reforma constituiria a Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas.
Em 1931, aos 12 dias de março era inaugurado o curso Universitário de
Comércio, pioneiro no Sul do Brasil, com 12 alunos matriculados.
Transcrevemos o texto escrito por Elpídio Ferreira Paes em 1971, por
ocasião da celebração dos 40 anos: TRÊS FACIUNT COLLEGIUM:
“Solicitado a dizer algo aos Anais ao 40º aniversário da PUC, pareceu-
me que o mais razoável seria olhar para aqueles distantes mas inolvidáveis
momentos em que se começou a ‘criar’ a nossa Pontifícia Universidade que era,
então, apenas INSTITUTO SUPERIOR DE COMÉRCIO. Nesse olhar
retrospectivo, ao mesmo tempo, mato a saudade que o poeta chamou ‘delicioso
pungir de acerbo espinho’, e presto minha humilde homenagem a essa
extraordinária figura humana que foi IRMÃO AFONSO, o nosso inesquecível
11
AFONSÃO, que lançou a semente dessa obra louvável da fraternidade marista,
depois continuada e coroada pela inteligência e tenacidade desse outro
batalhador marista IRMÃO OTÃO.
Tive a grande alegria de trabalhar com os dois, colaborando nos limites
de minha fraqueza, para a realização do que hoje é um grande acervo e que
naqueles tempos, não passava de singela escola de comércio. No princípio não
havia quase nada; mas desse quase nada os dois lutadores fizeram quase tudo.
Claro está que uma Universidade nunca se considera completa; porém o que aí
está basta para consagrar o esforço dos que a constituíram.
Foi precisamente por me referir aos primórdios dessa tarefa que usei a
frase que serve de título a esta recordação.
Já Neratius Priscus, segundo o jurista Marcellus (D.50.16.85), afirmava
‘três facere collegium’, para significar que não seriam necessárias mais de três
pessoas para formar uma associação. Partindo desse princípio jurídico
proclamado pelos romanos, três pessoas, conjugando seus esforços,
procuraram dar nova dimensão ao Instituto que funcionava anexo ao Ginásio
Rosário. Isso lá pelos anos de 30... Afonso, Elói, Elpídio eram esses
personagens. Afonso seria o supervisor, Elói o Diretor, Elpídio o secretário. Ora,
segundo etimólogos, Afonso significa ‘nobre e diligente’; Elói, ‘o de boa palavra’;
Elpídio, ‘o que traz esperança’. Pois da ‘união da diligência com a eloqüência e
a esperança’ resultou a colaboração preciosa de vários professores que
iniciaram essa marcha para o futuro. Ao trabalho dos mestres que ali se
entregavam ao ensino, como irmão Gabriel Vitor, Irmão Estanislau, Osvaldo
Ehlers, Colombo Rodrigues de Lima, veio aliar-se a dedicação de novos
elementos de alto valor como, Mem de Sá, Vicente Marques Santiago,
Francisco Juruena, Carlos Thompsom Flores, Ernani Estrela, aos quais se
reuniram aos poucos outros elementos de igual valor.
Nos primeiros tempos, os recursos eram pequenos. Contudo, o que
preocupava realmente aquele grupo de lutadores era o ensino. Começou essa
epopéia numa velha casa que ficava junto ‘ao fundo da praça D.Sebastião’,
12
onde hoje se abriu nova rua dividindo o pátio do Colégio Rosário. Era um local
modesto, quiçá pobre, porém trabalhava-se com prazer porque os alunos não
eram demasiado numerosos e podiam ser atendidos com eficiência.
Pois esse Instituto foi transformado, pouco depois, em Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas, reconhecida em março de 1934. É de
justiça que se informe que, para isso, também concorreram os alunos do
então Curso Superior de Administração e Finanças, solicitando, eles
próprios, o reconhecimento da nova instituição. Até materialmente, naquela
época, desenvolveu-se nossa Faculdade, visto que passou ‘do canto da
praça’ para a ‘esquina da praça’, junto à rua Independência, onde hoje
funciona o Colégio Rosário.
Com imenso prazer vimos, nesse período de rápida expansão, ex-
alunos passarem rapidamente ao magistério da Faculdade, como, por exemplo,
o irmão Faustino, que chegou a diretor (e ótimo diretor) da Faculdade de
Filosofia. E ainda hoje reconhecemos que os que frequentaram os bancos
acadêmicos nos velhos tempos (não muito velhos! ...) também se dedicaram ao
ensino, como Elvo Clemente (o inquieto organizador de “Academias Literárias”,
quando alunos), hoje elemento prestimoso da nossa Universidade; e Celso
Pedro Luft, que, além de professor, colabora na imprensa transmitindo seus
conhecimentos lingüísticos.
Provavelmente, mesmo sem o esforço daquela tríade inicial, o prodígio
teria acontecido; entretanto, isto não impede que aqueles que lutaram para
encaminhar a trajetória triunfante da Universidade Católica sintam imenso
prazer em haver concorrido para que tudo acontecesse como Deus
determinara: Deus disse que se fizesse a luz e a luz se fez transformada em
cultura. ‘Dixit Deus: Fiat lux. Et facta est lux. Et vidit Deus lucem quod esse
bona’ (Gn. 1.3-4).”
13
Fundação da Faculdade de Filosofia
Irmão Afonso continuava Diretor do Colégio Nossa Senhora do Rosário.
Para não perder de vista o andamento dos Cursos todos, desde o infantil até o
superior, nomeou o Prof. Eloy José da Rocha, Diretor da Faculdade de Ciências
Políticas e Econômicas.
Após o aparecimento do Decreto Federal de n° 19.851, de 11 de abril
de 1931, que reformulou o ensino universitário brasileiro, que dava possibilidade
de constituir Faculdade de Educação, Ciências e Letras, Irmão Afonso formou
um grupo de intelectuais católicos para organizar a referida faculdade com o
objetivo de preparar professores para o ensino secundário. O grupo liderado
pelo irmão Afonso, tinha entre outros participantes: Eloy José da Rocha, Elpídio
Ferreira Paes, Armando Pereira da Câmara, Abrahão Pires Abrahão.
Reunião da Congregação da Faculdade de Filosofia, 1942. Da esquerda para a direita: Elpídio F. Paes, Nei C. da Costa, Amadeu F. de Oliveira Freitas, Hélio Hoffmann (secretário), Ely José da Rocha (Diretor), Mario Bernd, Raul Franco di Primio, Salomão P. Abrahão, Armando Camara.
14
Trabalharam com verdadeiro idealismo na consecução da obra.
Aconteceu, porém, que no Estado do Rio Grande do Sul a criação da
Universidade não tomou os mesmos rumos que em São Paulo. A idéia e a
iniciativa da Faculdade de Educação, Ciências e Letras ou Faculdade de
Magistério, como existe em outros países, deveu hibernar por alguns anos.
Desde julho de 1936, irmão Afonso era presidente da União Sul
Brasileira de Educação e Ensino, nome da Entidade Civil dos irmãos maristas,
no Rio Grande do Sul.
Em 22 de fevereiro de 1939, requereu ao Ministério de Educação e
Saúde autorização para o funcionamento dos cursos de Filosofia, Geografia e
História, Ciências Sociais, Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras
Anglo-Germânicas.
Em março de 1939 foi designado o Dr. Thiers Martins Moreira, técnico
do Ministério, para fazer a verificação das condições de funcionamento
dos cursos.
O Departamento Nacional de Educação, em 8 de novembro do mesmo
ano, aprovou o pedido. O Decreto n° 1.190, de 4 de abril de 1939 criou a
Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras que seria o modelo das
novas instituições de ensino superior para a formação de licenciados para
exercício do magistério.
A instalação solene dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras deu-se no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade de
Porto Alegre, especialmente cedido para o ato. Irmão Afonso e seus
colaboradores imediatos estavam jubilosos nessa sessão de 26 de março de
1940. A presidência de honra da mesa coube ao Dr. José Pereira Coelho de
Souza, Secretário de Educação do Rio Grande do Sul, a presidência efetiva
foi desempenhada pelo Prof. Dr. José Eloy da Rocha, Diretor da novel
Faculdade: Prof. Dr. Ary de Abreu Lima, Reitor da Universidade, Prof.
Armando Pereira da Câmara realizou a aula sapiencial, sob o título: “A
Filosofia e a Cultura Nacional”. Tiveram assim início os cursos da primeira
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Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, fruto da clarividência, da tenacidade
de um homem: irmão Afonso.
Nessas palavras escondem-se muitos esforços, duros trabalhos e
sacrifícios, sem dúvida, do irmão Afonso e dos colaboradores imediatos,
irmãos e leigos.
Em 1940 foi concluída parte do novo edifício que a USBEE levantou
junto da Praça Dom Sebastião, n° 60, para instalar os cursos.
As salas de aulas eram compartilhadas com os alunos do Colégio
do Rosário e alunos da Faculdade. Isso exigia dobrado trabalho de
limpeza e manutenção.
A inauguração dessa ala realizou-se no dia 17 de agosto de 1940. Parte
central das cerimônias foi a entronização da estátua do Sagrado Coração de
Jesus no salão nobre da Faculdade. O cônego Vicente Scherer, professor de
Lógica do curso de Filosofia, nessa ocasião, proferiu um discurso sobre o tema
“A Filosofia e a Fé”. A presença da estátua do Sagrado Coração de Jesus é de
grande significado para os irmãos marisas do Rio Grande do Sul, pois o
fundador da Província, irmão Weibert, ao passar por Paris, em sua vinda em
junho de 1900, esteve no Santuário de Montmartre e aí ofereceu a nova
fundação e suas obras ao Sagrado Coração.
No nobre intuito de completar a obra encetada, a União Sul Brasileira
de Educação e Ensino requereu, em 27 de novembro de 1940, ao Ministro da
Educação e Saúde, autorização para o funcionamento das restantes secções
preconizadas pelo Regimento Interno da Faculdade, correspondentes aos
cursos de Matemática, Física, Química, História Natural, Pedagogia e Didática.
Este pedido, entretanto não teve despacho favorável. O Diretor do
Departamento de Ensino Superior exigiu a adaptação do Regimento Interno da
Faculdade de Educação ao Regimento da Faculdade Nacional de Filosofia.
Satisfeitas essas exigências a USBEE fez novo requerimento a 9 de setembro
de 1941, tendo o Conselho Nacional de Educação, em sessão de 25 de
outubro, pelo Parecer n° 254, aprovado o Regimento Interno da Faculdade.
16
A 28, o colendo Conselho Nacional de Educação opinou aprovando o
funcionamento dos cursos, autorizados pelo Decreto Federal de n° 9.696 de 15
de julho de 1942.
Em 1952, começou a funcionar o Curso de Jornalismo, na
Faculdade de Filosofia.
A Faculdade de Filosofia teve anexo o Instituto de Psicologia criado em
1953, o qual organizou desde o começo um Curso de Pós-Graduação em
Psicologia com a duração de dois anos de 1954 a 1959 e de três anos a partir
de 1960. Em 1964 se formou a última turma. Pela Lei n° 4.119 de 27/08/1962 foi
criado o curso de Psicologia na Faculdade de Filosofia e regulamentada a
profissão de Psicológo.
Fundação da Escola de Serviço Social
Irmão Afonso tinha grande sensibilidade e aguda visão das
necessidades da juventude e dos novos campos de trabalho, carentes de
obreiros bem preparados.
Estivera num Congresso de Assistência Social em Bogotá, em 1944,
como observador e como membro do Conselho Geral dos Irmãos maristas, na
época chamado de Assistente. Percebeu logo no desenrolar dos trabalhos do
Congresso a seara imensa que estava aberta para os novos profissionais numa
atividade nunca vista em terras do Sul do Brasil.
Em outubro do mesmo ano desenvolveu-se nas Faculdades Católicas
de Porto Alegre a 5ª Semana de Estudos de Ação Social. Dom João Becker,
arcebispo metropolitano, pastor vigilante viu o alcance da Ação Social a serviço
da igreja, divina samaritana, consoladora das aflições dos pobres e injustiçados.
A resolução prioritária da 5ª Semana de Ação Social foi a fundação da Escola
de Serviço Social.
17
Irmão Afonso na qualidade de Assistente e de Presidente da União Sul
Brasileira de Educação e Ensino, acedeu ao convite e se responsabilizou pela
criação e manutenção da novel instituição.
No ato da fundação, dia 25 de março de 1945, numa das salas da
Faculdade Católica de Filosofia reuniram-se os senhores: irmão Afonso, irmão
Faustino João, irmão José Otão, eng° Mário Goulart Reis e prof. Francisco
Casado Gomes. Ficou decidido que naquele momento estava fundada a Escola
de Serviço Social. Foi redigida pelo irmão Faustino João a ata da sessão de
fundação. Concretizava-se assim a idéia de uma Escola de Serviço Social,
lançada pela profª Aylda Pereira, representante do Instituto Social do Rio de
Janeiro, que participava da 5ª Semana de Ação Social.
A direção da Escola coube ao eng° Mário Goulart Reis, que lhe dedicou
muitas de suas energias durante vários anos, como diretor e professor.
Para a organização da Escola veio do Rio de Janeiro, a professora
belga Germaine Marsaud, assistente social formada pela Universidade de
Louvain, que imprimiu a orientação cristã no currículo e nos programas. O seu
nome ficou ligado ao Diretório Acadêmico e a sua atuação permanece no
espírito dos professores. O Instituto Social do Rio de Janeiro esteve unido à
Escola desde os primeiros passos com o auxilio das aulas e orientações da
profª Odete de Azevedo Soares. Outras colaboradoras vieram entre as quais:
Stella Penna Botto e Izabel Carvalho.
Em 1945 o curso iniciou com 44 alunos. Os professores e alunos da
Escola de Serviço Social fizeram campanha de esclarecimento e de promoção
sobre a função do Assistente Social. As inscrições aos vestibulares foram uma
resposta positiva a esses esforços.
Fundação da Faculdade de Direito
Irmão Afonso lançou os fundamentos da Universidade com a Faculdade
de Ciências Políticas e Econômicas em 1931. Em 1939 criou a Faculdade de
Educação depois denominada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para a
18
formação de professores para o curso secundário. Em 1945, viu a necessidade
de haver no Estado do Rio Grande do Sul, assistentes sociais, fundou, então, a
Faculdade de Serviço Social.
A formação de bons advogados, de bons magistrados era também um
dos objetivos do programa educacional do irmão Afonso. Em 1946, propôs-se
aos padres jesuítas que se encarregassem de fundar a Faculdade de Direito, a
proposta não foi aceita. A União Sul Brasileira de Educação e Ensino chamou a
si a nobre tarefa. O irmão Afonso, naquela época na França, respondeu por um
cabograma Western: “Faculté DROIT MARISTE”. Vê-se por aí a força de
decisão do irmão Afonso e ele não titubeava diante do novo empreendimento.
Um grupo de professores formado por Dr. Armando Pereira da Câmara,
Dr. Balthazar da Gama Barboza, Dr. Elpídio Ferreira Paes, Dr. Francisco
Juruena, Dr. Antônio César Alves, Dr. Mem de Sá, ir. Faustino João, preparou o
projeto do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais que foi enviado ao Conselho
Nacional de Educação em fins de 1946. Em fevereiro de 1947 veio a
autorização de abrir as inscrições para a realização dos exames vestibulares.
A notícia causou real satisfação nos meios universitários e nos meios
estudantis. Inscreveram-se 60 candidatos aos exames vestibulares. Foram
aprovados 41 alunos. Começava o 1º ano da Faculdade com um número de
alunos selecionados. O prof. Dr. Armando Pereira da Câmara fez o seguinte
elogio à novel Faculdade e a seus alunos e mestres:
“A Faculdade Católica de Direito é uma promissora realidade cultural,
uma atuante força apostólica.
Seu corpo docente é integrado por figuras expressivas da cultura
jurídica do Rio Grande do Sul. Vários de seus mestres eram já consagrados
professores na Universidade do Estado.
Seu corpo discente, constituído por algumas dezenas de jovens
acadêmicos, dá-me a tônica impressão de uma elite de espíritos votados à alta
missão de dizer e aplicar a justiça a toda uma geração como a nossa,
conturbada por espetáculo de violência e primarismos.
19
Nos meus quinze anos de magistério público, poucas vezes encontrei
alunos tão bem dotados intelectualmente, tão famintos de cultura e orientação.”
A 7 de março de 1947, iniciavam as aulas da Faculdade, o primeiro
diretor foi o Prof. Dr. Armando Pereira Corrêa da Câmara, de 12/02/1947 a
8/12/1948. Seu sucessor foi o Prof. Dr. Armando Dias Azevedo de 1948 a 1951.
Criação da Universidade
Ir. Afonso esteve presente de maneira direta ou indireta na criação de
todas as faculdades de 1931 até 1947. A sua palavra, o seu gesto definiram
rumos, acertaram atitudes. O seu espírito empreendedor levava adiante as
iniciativas tomadas por pessoas do grupo dirigente; acontecia porém, que os
fatos se impunham às circunstâncias e aí eram tomadas outras decisões. As
faculdades católicas de Porto Alegre iam aumentando em número e em
contigente de alunos. A idéia de criar a Universidade já perambulava nas
mentes e nas vontades. De acordo com a legislação vigente eram necessárias
quatro Faculdades ou escolas para se erigirem em Universidade. O Ir. Afonso
acionou através de suas cartas as autoridades da Província Marista do Brasil
Meridional a que envidassem os melhores esforços para conseguir o objetivo.
O presidente da União Sul Brasileira de Educação e Ensino, prof. Ir.
Vendelino José Weiand requereu a 15 de abril de 1947 ao Ministro de
Educação e Saúde a equiparação da Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, que seria inicialmente integrada pelas faculdades de Filosofia, Direito,
Ciências Políticas e Econômicas e Escola de Serviço Social (agregada).
O processo, que tomou o n° 41.137, foi relatado pelo prof. Reinaldo
Porchat cujo parecer n° 248 foi lido no Conselho Nacional de Educação a 4 de
setembro de 1947. Como ele opinasse pelo indeferimento do pedido alegando
falta de recursos para a manutenção da Universidade, visto nada constar sobre
o assunto no processo, o Conselheiro Alceu Amoroso Lima propôs que o
mesmo baixasse em diligência a fim de que o requerente pudesse informar
sobre o mesmo, tendo esta sugestão sido aprovada pelo plenário.
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A Entidade mantenedora procurou reunir os laudos de avaliação judicial
dos imóveis que constituíam o seu patrimônio, isto é, os colégios, e remeteu o
respectivo relatório ao Ministério em data de 18 de julho de 1948.
Reunião do corpo diretivo da Universidade: Armando P. Câmara − Reitor, Ir. José Otão − Vice;
Armando Dias de Azevedo − Diretor Fac. Direito; EIoy José da Rocha − Diretor da Faculdade de Filsofia − Dom Vicente − Chanceler
O processo assim informado foi relatado pelo prof. Paulo Pereira Horta
e entrou em discussão a 23 de agosto de 1948 no Conselho Nacional de
Educação, cujo Parecer n° 232 optou pela equiparação da Universidade
Católica do Rio Grande do Sul constituída pelos seguintes estabelecimentos:
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Faculdade de Ciências Políticas e
Econômicas, Faculdade de Direito, Escola de Serviço Social.
Finalmente, a 3 de novembro de 1948 o C.N.E. aprovou a equiparação
da Universidade e o Estatuto da mesma, pelo Parecer n° 428, cujo relator foi o
Dr. Jurandir Lodi.
21
O Presidente da República Gaspar Dutra, assinou o Decreto n° 25.794
de 9 de novembro de 1948, que concedeu prerrogativas de equiparação à
Universidade Católica do Rio Grande do Sul e aprovou seu Estatuto.
Aos 8 dias do mês de dezembro de 1948, aconteceu a instalação da
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Dom Vicente Scherer, chanceler
da Instituição deu posse ao Reitor Armando Câmara; Irmão José Otão, vice-
Reitor; Francisco Juruena, diretor da Faculdade de Ciências Políticas e
Econômica; Antonio Cesar Alves, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras: Armando Dias Azevedo, Diretor da Faculdade de Direito e Mario Goulart
Reis da Escola de Serviço Social.
O título de Pontifícia
Desde a criação a Universidade pensara coroar-se com o título de Pontifícia.
Três documentos decidiram o processo junto à Santa Sé:
1− Carta de Dom Vicente Scherer, arcebispo metropolitano;
2− Carta de Dom Carlo Chiarlo, Núncio apostólico no Rio de Janeiro;
3− Pedido do irmão Alessandro di Pietro, Procurador Geral dos Irmãos
Maristas junto à Santa Sé. Nesse documento esteve presente e ativa a mão do
Irmão Afonso.
Após a tramitação burocrática houve a aprovação, a carta do Cardeal
Pizzardo dava a alegre notícia, promulgada pelo Papa Pio XII, a 1º de
novembro de 1950.
Cultura criativa
O Irmão Roque Maria (Ernesto Daniel Stefani), principal autor do livro —
Irmão Afonso — Fundador da PUCRS, redigiu o primoroso capítulo XIII, com o
título: Cultura criativa, que transcrevemos, em parte:
22
A cultura do Ir. Afonso alinha-se na esteira dos homens que se fizeram
pelo esforço pessoal perseverante. Para conservar a vocação teve que
abandonar o país natal, “la douce France” e demandar hospitalidade alhures.
Chegou ao Brasil em 1904, na adolescência de seus dezesseis anos, portador
apenas do “Brevet Elémentaire” obtido em Paris. E vinha para ser educador. No
país que o acolheu não havia instituições para a continuação dos estudos de
Magistério. Aí começa a epopéia da sua carreira de educador religioso.
Percebendo a situação real em que se encontrava, pôs mãos à obra de sua
autoformação, somente ensarilhando as armas aos 83 anos, nas vésperas de
sua morte num quarto, do Hospital São Francisco, de Porto Alegre.
A cultura do Ir. Afonso assemelha-se à de Machado de Assis, “a maior
figura da literatura brasileira e principal responsável pela fundação da Academia
Brasileira de Letras”. Assemelha-se à de Humberto de Campos, natural do
Maranhão, seringueiro na Amazônia, jornalista amador e príncipe dos escritores
brasileiros no seu tempo. Assemelha-se ainda a Érico Veríssimo, escritor mais
lido e divulgado da literatura gaúcha. Assemelha-se a tantos cultores das Letras
e da Ciência, nacionais e estrangeiros, que se fizeram por si sós como
autodidatas. Apesar da carência de estudos universitários, alcandoraram-se às
culminâncias do renome nacional e internacional.
Além dessa característica, a cultura do Ir. Afonso apresenta um
segundo aspecto. Enquanto os nomes anteriormente citados se voltavam
para a cultura literária, Ir. Afonso, embora escrevesse com perfeição o
idioma pátrio e nele se expressasse clara e fluentemente, enveredou para a
seara de sua missão de educador religioso. Para isso, com coragem e
pertinácia enfrentou os desafios dos trinta primeiros anos deste século com
aquele denodo só constatável em personalidades plenas. Embrenhou-se
tanto pelos meandros da cultura polimorfa que, na abertura, pelos maristas,
no Rio Grande do Sul, do primeiro Curso Superior de Administração e
Finanças, Ir. Afonso assumiu a Cadeira de Sociologia, regendo-a até 1936,
quando foi eleito Superior Provincial.
23
No desempenho do novo cargo, Ir. Afonso mostrou o acervo de cultura
que acumulou nos anos de magistério de 1904 a 1936. Durante trinta e dois
anos ininterruptos, ele foi estudando, metodicamente, uma série de disciplinas
próprias para sua missão de guia de uma província inteira de educadores,
constituída, já em 1936, de mais de 300 religiosos.
Estudioso vitalício, como superior provincial mergulhou, principalmente,
no mistério da Igreja, na Ciência da Educação e nos problemas da Vida
Religiosa tornando-se um erudito nessas áreas do saber.
Ir. Afonso não publicou livros. Mas deixou tanta produção de estudos
pessoais, de conferências proferidas, escritas de próprio punho ou por ele
datilografadas, pois nunca teve secretário.
Não me furto ao dever de citar os títulos que deu aos seus
“dossiers”. catalogados, numerados e guardados em três caixas de 35cm
por 24 e por 13cm.
Esses documentos se encontram no arquivo provincial dos irmãos
maristas em Porto Alegre, à disposição dos interessados.
Seus escritos inéditos estão redigidos em português ou em francês.
Eis os grandes títulos dos escritos:
1- Vida religiosa.
2- O Fundador — Marcelino Champagnat.
3- Teologia: ascética moral.
4- Sagrada Escritura.
5- Mariologia.
6- Ensino religioso.
7- Vida missionária.
8- Normas da vida marista.
9- Humanismo e Psicologia.
10- Hagiografia.
11- Santa Sé, documentos e textos.
24
12- Avulsos.
Aí está a messe que o Ir. Afonso armazenou durante sessenta e seis
anos de atividades educativas no Brasil. O conjunto soma mais de cinco mil
páginas, uma enciclopédia de 25 volumes com 200 páginas cada um. E todos
os livros substanciosos portadores de doutrina cristã e humana, com vistas à
educação da juventude.
A característica mais saliente na obra do Ir. Afonso não é a sua
criatividade técnica, nem formalística, nem exibicionista ou narcisista, mas é
uma criatividade surpreendentemente altruística, voltada para os irmãos e os
alunos com o fim de valorizá-los.
Não impunha sua vontade, seu ponto de vista pessoal, nem
propunha soluções feitas, não dava receitas morais, mas abria portas e
janelas, escancarava horizontes e convidava a pensar, a refletir, a rezar e a
decidir responsavelmente. Seu método era, realmente, o de líder que visa a
plasmar personalidades.
Donde lhe veio tanta produção? Parece-me que do amor profundo que
votava à sua vocação e à vocação dos irmãos. Num dos documentos
registrados na presente biografia “Frère, sois témoin” (Irmão, sê testemunha)
ele escreve textualmente: “Só tenho um ideal em minha vida: Crescer no amor
de Jesus, de Maria e da juventude e incuti-lo entusiasticamente nos irmãos.
Digo entusiasticamente porque Deus deve ser a força propulsora de todos os
meus intentos. Coragem, tu que convidas a ser testemunha, procura sê-lo tu,
por primeiro”.
25
Irmão Alonso recebe o Diploma de Doutor Honoris Causa das mãos de Dom Vicente Scherer — Chanceler
Pessoalmente, na convivência e nos múltiplos contatos mantidos com
ele de 1926 a 1970, nunca o vi desocupado. Lia, resumia, estudava os
resumos, falava deles nas conversas, sugeria leituras de livros, de revistas,
artigos de jornais. Solicitava informações sobre as novidades de interesse para
a cultura marista.
Essa ocupação dirigida exclusivamente para o seu ideal implicava alto
grau de liberdade interior conduzida pelo domínio equilibrado de si mesmo. Ele
fala de sua liberdade na “Caracterologia” onde diz: “Se adquiro a verdadeira
liberdade dos “filhos de Deus” posso contar com a possibilidade de vir a ser o
que não sou ainda, ad infinitum, e, depois, inspirá-la aos outros, melhor,
irradiá-la sobre eles pelo testemunho de minha vida”. E acrescenta: Na união
com Deus, com o Coração de Jesus e com a Boa Mãe, vou conseguir a
suspirada liberdade dos filhos de Deus.”
Quem o observasse nos últimos anos de vida o via tranquilo, todo o
tempo ocupado em leituras, entremeadas de reflexões, de jaculatórias,
debulhando terços e mais terços. Parecia um homem chegado ao ponto alto de
26
sua realização existencial, senhor de suas energias internas, vivendo cada
momento naquela intensidade de quem se sente na vida plena da posse do
Deus vivo, depois de dá-lo a conhecer e a amar a milhares de pessoas. Seu
corpo alquebrado pelos achaques da idade não lhe tirava a serenidade do
espírito sempre solícito e de coração sempre acolhedor de todos quantos o
abordassem. Era um ancião maravilhoso. Um molde de humanista cristão e
marista que Deus deve ter destruído com o seu passamento. Ficam para os
pósteros os exemplos de sua cultura criativa que o tempo não destrói.
Os últimos anos (1958 — 1970)
Continuamos a transcrever o texto do já citado livro, do escrito pelo Ir.
Roque Maria e colaboração do Irmão Faustino João e Ir. Elvo Clemente.
Em outubro de 1958 terminara o período de governo geral na
Congregação do irmão Leônidas de cuja equipe irmão Afonso era um dos
principais, pois estivera no governo interino do irmão Maria Odulfo. Durante
dezesseis anos estivera no Conselho Geral da Congregação com o título de
Assistente hoje Conselheiro Geral. Nesse período desenvolveu intenso trabalho
em quatro continentes. Europa, América, África e Oceânica. No velho
continente visitando as comunidades maristas na França e Portugal. Neste
último país, irmão Afonso em 1948 instalou as primeiras comunidades em
Lisboa e Leiria. Na América realizava no Brasil desde 1942 as visitas às casas
das três províncias: Brasil Meridional, Brasil Meridional, Brasil Central e Brasil
Norte. Na África estabelecera desde 1947 casas em Angola e Moçambique com
Irmãos da Província do Brasil Meridional e Norte: portugueses ou brasileiros. Na
Oceânia fazia a visita às casas de Nova Caledônia e outras sob a jurisdição das
províncias francesas. Dessa maneira irmão Afonso nos dezesseis anos de
Assistente era o cidadão do mundo.
Terminado o Capítulo Geral de 1958 em que foi eleito Superior Geral
Irmão Charles Rafael, que era Assistente pela Bélgica, Holanda, Alemanha e
Itália, irmão Afonso optou em voltar ao Brasil.
27
Começava assim a derradeira fase dessa vida tão cheia de realizações
em prol da Congregação Marista. As despedidas dos colegas de administração,
dos parentes no Norte da França, dos irmãos de Portugal foram rápidas e muito
sentidas. Ele amava os irmãos e amava as obras que haviam surgido e
frutificado graças a seu zelo, a seu empenho, a sua liderança. Aos parentes e
amigos deixou um grande adeus e imensa saudade.
A Província de São Paulo fez questão que ali permanecesse, tendo sido
designado para o segundo noviciado, isto é, curso de reciclagem para os
irmãos. Esteve na direção do Centro por um ano. A seguir foi solicitado a
assumir a direção do Escolasticado de Curitiba. Ali permaneceu durante os
anos de 1959 e 1960.
Em 1961 encontramo-lo no Escolasticado, em Santa Maria/RS, no
Cerrito, orientando os jovens irmãos. Continuou seu belo trabalho como havia
feito em Campinas.
Nas férias de 1962 pediu para voltar à Província de Porto Alegre e
retirar-se na Casa de Repouso São José, em Viamão.
Aos 75 anos o velho batalhador ensarilhava as pacíficas armas da
docência para recolher-se e viver mais intimamente no diálogo com Deus.
Quem o conheceu pode imaginar o quanto lhe custou essa resolução.
No seu retiro de Viamão vivia pensando na obra que começara em 1931
e estava crescendo frondosa sob a tutela do irmão José Otão. Queria estar
informado de tudo. Interessava-se por tudo e por todos os problemas. Embora
não estivesse em nenhum cargo administrativo, acompanhava tudo com amor e
entusiasmo. Assistia a algumas conferências, algumas solenidades.
Às terça-feiras comparecia à reunião da AAMPA (Associação dos
antigos alunos maristas de Porto Alegre), gostava de ver e discutir os planos de
novos empreendimentos, novas iniciativas em prol da educação cristã.
Numa dessas idas à Universidade ao descer a escada principal, teve
uma queda, em conseqüência quebrou o fêmur. Foi levado à Beneficiência
Portuguesa onde foi tratado com todo o desvelo pelo prof. Dr. João Satt, ex-
28
aluno do Colégio Rosário. Após meses de sofrimento pode voltar a Viamão e se
restabeleceu bastante bem.
O boletim de notícias da Província de Beaucamps assim descreve os
acontecimentos do ano de 1967 e 68.
1967: ano grandioso para o irmão Afonso: FÁTIMA, Bruxelas! Os
antigos alunos de Porto Alegre decidiram enviá-lo à Europa para assistir a dois
grandes acontecimentos. Apesar de ainda ressentir-se da cirurgia na perna,
acompanhado pelo irmão Hilário José Schermoly, irmão Afonso toma o bastão
de peregrino, assiste com entusiasmo no dia 13 de maio à coroação de Nossa
Senhora de Fátima pelo Papa Paulo VI no cinquentenário das aparições.
Uma semana depois, assiste à ereção da estátua do Beato Marcelino
Champagnat no quadro do peristilo da entrada da Basílica. Visita as casas
maristas do Porto, de Leiria, de Lisboa que ele ajudara a fundar vinte anos
antes. Depois retoma o avião e ei-lo em LiIle, no seu saudoso Norte que ele
abandonara naquele longínquo 1903... Aí reencontra o mano José, sua família...
Está esgotado, a saúde periclitante. Em Beaucamps ei-lo enfermo. Todos
pensaram que a morte era próxima. Certa noite, ele sofria tanto que pedia a
Deus que o tomasse. O médico chegou à noitinha, com o sorriso sobre os
lábios disse-lhe: “Pagai a champanhe que eu vos recoloco em pé!” E o irmão
Afonso avançou a mão. Efetivamente voltou a viver, levou bom tempo, mas
voltou. E a garrafa de champanhe foi paga e bebida à sua saúde. Queria porque
queria assistir ao congresso mundial dos antigos alunos maristas em Bruxelas
em meados de agosto de 1967.
O médico autorizou com muita reserva. Irmão Afonso conseguiu
acompanhar a totalidade das reuniões e assembléias gerais e participar, às
vezes, de maneira ativa. O Congresso se desenvolveu no Palácio dos
Congressos. No encerramento o irmão Afonso recebeu do Santo Padre a
comenda de São Silvestre.
Voltou a Beaucamps para descansar e terminar a convalescença. No
outono, outubro, o médico autorizou a sua volta ao Brasil. Partiu mesmo sem
29
rever seus familiares. Sempre teve em mente seu berço marista, Beaucamps. A
última carta é de fim de abril de 1970. Vamos citar dela alguns trechos. É um
hino a Deus:
“Depois da morte de meu irmão José, eis-me só sobre a terra. Espero ir
encontrá-lo brevemente. Não sei que atividades ainda possa empreender
descansar um pouco e rezar muitos terços. Leciono sempre a alguns meninos
pobres da redondeza. Muito obrigado pelas cartas que me vêm da Província: há
sempre tantas coisas a saber. Pode-se dizer: “Gallia docet”. A PUC realizou o
exame vestibular para dois mil candidatos. As férias terminam em fins de
fevereiro, no dia 1º de março todas as escolas reabrem as portas. A PUC
matriculou 7.500 estudantes. Este ano inauguramos a Faculdade de Medicina.
Tudo isso nos obriga a rezar, pois os tempos são difíceis, não podemos dizer
tudo nos jornais ou mesmo na correspondência. O correio acaba de me
entregar “Relève” e o resultado de vosso capítulo. Como não poderia eu deixar
de vos agradecer essas atenções! Li chorando, os testemunhos dos jovens
irmãos antes de sua profissão, como isso é belo! Não, tudo não está perdido,
longe disso! Isso me recordou os meus anos de formação em Beaucamps. Vesti
o hábito no dia 19 de março de 1903. Naquela mesma noite, os sectários
votaram a expulsão dos religiosos da França. O padre pregador no-lo disse,
mas a alegria nos impediu de tomar sentido no que dizia. Na manhã seguinte o
irmão Mestre disse-nos que poderíamos ficar em Beaucamps até o dia 1° de
agosto. Apesar de o noviciado estar em marcha nos preparamos para o brevet e todos os candidatos ao concurso foram aprovados. No dia 1° de agosto, com
O saco de viagem na mão, o irmão Lietbert nos levou em filas cerradas até a
estação. Depois do pequeno discurso acabado por um “Viva a França!”, ele
mergulhou em lágrimas.
Em Pittemn, em Pommeroeul, trabalhamos duramente e conhecemos
um período de extrema pobreza, durante o noviciado, que findou no dia dois
de fevereiro. E houve a partida para o Brasil: uma aventura! Tudo isso me
vem muitas vezes à memória para agradecer a Deus e a boa Mãe, Nossa
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Senhora, e me certificar que é preciso ter sempre a esperança em Deus que é
tão bom.” E a sua carta conclui dizendo: “Tive de ficar um longo período no
hospital por causa de uma crise de hepatite, estou melhor no momento,
preciso, porém, ter precaução.”
Esta carta é por assim dizer o testamento do irmão Afonso — o seu
amor à Província de Beaucamps, seu amor constante pela Universidade, seu
zelo pela educação dos meninos pobres ou abandonados, seu amor à França e
sua esperança total em Deus e Nossa Senhora.
Voltou para Viamão, na Casa de repouso São José. A doença ia aos
poucos tornando conta de seu organismo enfraquecido quer pela idade, quer
pelos achaques e pela ferida na perna que durante dezenas de anos o
acompanhou. Os sofrimentos aumentavam. As suas idas à Capital tornaram-se
mais espaçadas. Vivia em seu apartamento simples, bem arrumado, lendo,
escrevendo e sobretudo rezando. Muitas vezes era visto na capela durante o
dia. Na comunidade dos irmãos idosos e enfermos era uma presença de
incentivo à harmonia, ao bom espírito e à piedade. Algumas vezes a dor e os
incômodos o dominavam e aí manifestava algumas expressões de impaciência
que eram logo depois corrigidas com gestos e atitudes de paciência e
compreensão. A cruz ia-lhe ficando cada dia mais pesada.
Gostava de receber visitas de irmãos, de ex-alunos e amigos. Queria
saber como andavam os assuntos da Universidade, dos colégios, da situação
do País e do Rio Grande. Nas horas em que a dor era mais forte lia, rezava e
escrevia as anotações de leituras. Foi toda a sua vida um lutador pela cultura,
pela boa leitura. Sobre a sua mesa estavam as revistas da Congregação, o
“Osservatore Romano”, outras revistas de caráter religioso. Quem o visitasse
recebia uma mensagem de ânimo e de otimismo. Raras vezes ouvia-se dele
alguma queixa sobre a doença, sobre o ambiente ou o tratamento recebido.
A doença ia caminhando a largos passos. Declarou-se um câncer no
estômago. As dores eram agudas. Precisou ser internado no Hospital São
31
Francisco, em Porto Alegre. Feitos os exames clínicos notou-se que nada mais
havia a fazer, o mal tinha-se alastrado por todo o organismo.
O apartamento do Hospital seria o encerramento do caminho do
Calvário. Do princípio de abril a maio as dores aumentaram. Os sedativos de
pouco serviam. Os irmãos das diversas comunidades se revezavam à sua
cabeceira dia e noite. Ele, resignado, tomou consciência da gravidade do mal
mas bruxoleava-lhe ainda alguma esperança. Ao médico que o visitava disse:
“Doutor não me deixe morrer!” Mostrava como a vida lhe era cara apesar dos 83
anos já vividos...
Os incômodos, as dores foram aumentando. Diversos sacerdotes
além dos padres capelães da Santa Casa e do Hospital São Franscisco
levavam-lhe os confortos da religião. A todos agradecia e insistia para que
rezassem nem tanto para ele mas para as obras maristas, para o bem dos
irmãos e das comunidades.
Às 19h do dia 10 de junho de 1970 entregou sua bela alma a Deus
assistido por um grupo de irmãos. Descansou de sua longa, operosa e
atribulada caminhada tia esteira do Senhor Jesus. Poderia dizer como Apóstolo
Paulo: “Combati o bom combate, terminei minha carreira, louvado seja Deus!”
Deixo a palavra ao Irmão Renato Lúcio, superior provincial, nessa
época, que assim escreve sobre ele no dia 14 de junho no Boletim da Província:
“Após ter exalado o último suspiro, seu campo foi transportado para a
Cidade Universitária, pela qual tanto se dedicara. Lá foi velado na Capela
particular, transformada em câmara ardente. A notícia de sua morte correu
célere por todos os quadrantes do Estado e do País. Durante a noite
compareceram diversas personalidades, além de seus irmãos, ex-alunos e
amigos, como também durante o dia seguinte até às 16 horas.”
Reunido um grande número de pessoas na Capela da PUC e
dependências, iniciou-se às 16 horas a missa de corpo presente, sendo
celebrante Dom Edmundo Kunz, Bispo Auxiliar de Porto Alegre e professor da
Universidade, concelebrantes Frei Olírio Colombo, OFM, capelão e o Pe.
32
Tarcísio de Nadal, diretor da Faculdade de Teologia. No penegírico falou D.
Edmundo, ressaltando as virtudes e os méritos do falecido, aplicando-lhe a
comparação da semente que deve morrer para produzir fruto, pois sobretudo
uma personalidade tão marcante apesar de desaparecida dos nossos olhos
continua viva por suas obras e exemplos.
Organizado o préstito, formou-se longa fila de automóveis rumo ao
cemitério da comunidade marista em Viamão. Sob uma fina chuva invernal
chegou-se à Vila Nossa Senhora das Graças, dirigindo-se o carro fúnebre e os
acompanhantes imediatamente ao cemitério onde já descansam os coirmãos
que precederam na eternidade. Após as orações litúrgicas proferidas pelo Pe.
Colombo, acompanhadas por todos os presentes. os irmãos e noviços
entoaram diversos cânticos de ocasião, salientando-se o canto da “Salve
Rainha” tão marista e “Com minha mãe estarei”.
Após a oração final, falaram diversos oradores: o Prof. Dr. Francisco
Juruena. Vice-Reitor da Universidade, em nome da Universidade e de modo
particular do Magnífico Reitor, Ir. José Otão, ausente por achar-se
hospitalizado; o Ir. Roque Maria, ex-Assistente Geral da Congregação, em
nome de todos os Irmãos: o Sr. Consul da França, homenageando um tão
ilustre filho de sua Pátria: o Prof. Dr. Antônio César Alves, Diretor da Faculdade
de Ciências Políticas e Econômicas em nome dos ex-alunos do falecido e por
delegação telegráfica do ilustre ex-aluno e Ministro do Supremo Tribunal
Federal Prof. Dr. Elói José da Rocha: o Dr. Nilo Wulf, Presidente da Federação
das Associações Gaúchas de Antigos Alunos Maristas, em nome da FAGAAM e
de todos os ex-alunos maristas.
Todos os oradores, em palavras comovidas, manifestaram os
sentimentos de pesar por tão grande perda para a Congregação, ressaltando as
grandes qualidades pessoais do irmão Afonso, os méritos se sua longa vida em
benefício da juventude brasileira. Assumiram o compromisso, perante seus
restos mortais, de continuarem sua obra e seguirem os seus exemplos de
educador marista.
33
Distinções e títulos honoríficos
Irmão Afonso passou a vida semeando o bem sem preocupar-se com
honras e reconhecimentos humanos. Os encargos e os trabalhos sempre foram
muitos e pesados. Desde 1918, nomeado Diretor interino do Colégio Santa
Maria, até 1958 em que deixou o cargo de Assistente ou de Conselheiro Geral
da Administração Geral da Congregação, esteve em cargo de mando e de
superior de comunidade, de província e de governo geral. Quarenta anos muito
lhe pesaram nos ombros e muito realizou nas quatro décadas em favor da
infância, da juventude e da Congregação dos irmãos maristas.
A 2 de fevereiro de 1946, a Congregação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras outorgou-lhe o título de BENEMERÊNCIA.
A gratidão de tantas gerações foi-se afirmando pelas honrarias e
títulos honoríficos que ele recebia e sempre atribuiu à Congregação dos
irmãos maristas. No dia 7 de março de 1951 a Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul o agraciava com o título de “Doctor Honoris
Causa”. O prof. Dr. Armando Pereira de Câmara saudou o homenageado
com um vibrante e sábio discurso.
No dia 27 de maio de 1954, na festa da Ascensão do Senhor, no salão
nobre da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em sessão
solene presidida pelo governador do Estado, Gen. Ernesto Dorneles, foram
outorgadas as comendas da Ordem do Cruzeiro do Sul ao Irmão Afonso e aos
irmãos: Paulo Norberto, Eduardo e Emílio Conrado. Foi uma homenagem da
nação brasileira à insigne obra educadora da congregação dos irmãos maristas.
Na mesma oportunidade, o cônsul da França Pierre Martin, entregou ao
irmão Afonso a CROIX de Chevalier de L’Ordre National de la Légion d’Honneur, distinção outorgada pelo presidente da França a pessoas que muito
fizeram para a glória da pátria.
Assim encerrava o discurso o cônsul da França: “Cruz da Legião de
Honra e do Cruzeiro do Sul reunidas sobre o coração de um religioso francês,
34
que símbolo mais significativo da amizade e da compreensão recíprocas
existentes nos dois paises latinos, amizade e compreensão que os irmãos
maristas contribuíram a desenvolver!...
Ex-alunos dos irmãos maristas, aqui presentes, é a vós que me dirijo
para terminar: sede orgulhosos de vossos antigos mestres, daqueles que vos
deixaram, como daqueles que estão sendo glorificados, hoje: ao dá-los a Brasil,
a França vos presenteou com os melhores dos seus filhos”.
Em 1967, por ocasião do Congresso da União Mundial dos antigos
alunos maristas em Bruxelas, na Bélgica. o Santo Padre, Paulo VI, condecorou-
o com a comenda de São Silvestre “Pro Ecclesia et Pontifice”. como
homenagem da Santa Sé ao exímio educador marista.
Em 1967 os antigos alunos maristas de Joaçaba (SC), prestaram
homenagem significativa ao fundador do Colégio Frei Rogério. Por ocasião
dos festejos do Cinqüentenário da fundação da cidade e os vinte e cinco
anos da criação do colégio foi outorgado ao irmão Afonso o título de
“Cidadão Joaçabense”.
Em 1971, no dia 8 de dezembro foi inaugurada na Cidade Universitária
a herma em bronze ao benemérito fundador da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, irmão Afonso, obra do escultor Ari Cavalcanti.
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ELOY JOSÉ DA ROCHA
Eloy José nasceu na cidade de São Leopoldo-RS, no dia 3 de junho de
1907, filho de Dogello José da Rocha e de Olga Teresa Kruse da Rocha.
Nos primeiros anos de meninice viveu em sua cidade, quando tinha seis
anos os pais transferiram residência para a Capital. Ali o pequeno foi
alfabetizado no Colégio Irmãos Antunes, perto de sua casa. Iniciou o Curso
Ginasial no Ginásio Júlio de Castilhos. Não se agradando do Colégio, o pai o
transferiu para o Colégio Nossa Senhora do Rosário que funcionava na época
no antigo Seminário, à Rua do Espírito Santo, n° 95. Aí começou uma amizade
profunda com o Irmão Bernardo (sempre lembrado).
Ministro Eloy José da Rocha
Terminado o Ginásio, ingressou, apesar da pouca idade, nos Cursos
Preparatórios dirigidos pelo Irmão Weibert. Em 1924 era acadêmico da
Faculdade de Direito onde pontificava o Desembargador André da Rocha. Para
defender as despesas, com a Faculdades, trabalhou nos Correios e Telégrafos,
onde se encontravam outros estudantes.
36
Concluiu o Curso em dezembro de 1928 e colou grau em abril de 1929.
Teve a influência do Padre Werner von und zur Mühlen S.J., formador
da juventude rio-grandense, como escreve Ruy Cirne Lima no Correio do Povo,
sob o título — “A Presença da bondade”: “No Rio Grande do Sul tivemos a
conviver conosco, durante algumas décadas, um desses patriarcas, sacerdote
e, além de sacerdote, professor. Alemão de nascimento, fidalgo de estirpe, era,
acima de tudo, uma das mais altas expressões da bondade humana, sempre a
buscar identificar-se com os de sua pátria de adoção, unir-se lhes às
inquietações, angústias e sofrimentos, para conduzi-los, à tranqüilidade e à paz
(...). Era como a irradiação da bondade, que lhe iluminava todo o ser, algo de
eterno a fazer perdurar tudo quanto há de verdadeiro e de bom, no homem que
passa e no efêmero que flui.”
O próprio Eloy José escreve em “Memórias de um discípulo”, a 20 de
maio de 1989, a respeito do Irmão Weibert: “Dele se pode dizer, com o filósofo,
que carregou na vida, o seu tempo. Ao fim, aos 88 anos, podia, como um
privilegiado olhar para dentio de sua alma e dizer: Deus, hoje, na minha velhice,
é o mesmo da minha infância, da minha juventude e da minha idade madura.
Dei-lhe meu tempo, minha vida. Ele, que não muda, deu-me a graça da
perseverança, para dar-me a eternidade.”
A segura formação nas fontes de um humanismo cristão autêntico
marcava as concepções de vida e de ação de Eloy José da Rocha, declara o
Ministro José Nery da Silveira.
Vale a pena lembrar os nome dos colegas de turma na Faculdade de
Direito: Alberto Pasqualini, Mem de Sá, Ruy Cirne Lima, Elpídio Ferreira Paes,
Vicente Marques Santiago e Eli Costa. Todos chegaram a ser professores na
Faculdade de Direito e os dois primeiros Senadores da República.
Fato interessante: achava-se no último ano dos estudos, de
conformidade com a legislação de então, foi nomeado no dia 20 de janeiro de
1928, pelo Presidente do Estado, Antônio Augusto Borges de Medeiros, por
indicação do Diretor da Faculdade, Desembargador André da Rocha, juiz distrital
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(municipal) de São Francisco de Paula. Desempenhou brilhantemente as funções
de 7 de fevereiro de 1928 a maio de 1930, quando pediu exoneração. Foi
sucessivamente, juiz no Município de Taquara e de Bento Gonçalves.
Exerceu a advocacia no Foro de Porto Alegre, quando ainda
estudante nos anos de 1926 e 1927 e, depois, já formado de maio de 1930 a
março de 1947 e de agosto de 1950 a abril de 1953. Suspendeu a advocacia,
ao tempo em que exerceu o cargo de Secretário de Estado, e a encerrou, ao
ser nomeado para o Tribunal de Justiça. Foi membro do Conselho de Ordem
dos Advogados do Brasil, secção do Rio Grande do Sul, de março de 1939 a
março de 1943.
Magistério
José Eloy teve profunda influência de seus professores Irmãos Maristas
no Ginásio Nossa Senhora do Rosário: Irmão Bernardo e depois Irmão Weibert
nos Cursos Preparatórios. Assim é que de 1924 a 27, como acadêmico e nos
tempos e nos municípios em que foi juiz era convidado a lecionar: Língua
Portuguesa, História do Brasil, Doutrina Moral e Cívica, etc.
Ao retornar à Capital com Diploma de Bacharel manteve a amizade
com os Irmãos. Naquele tempo Irmão Afonso, discípulo do Irmão Weibert, era
diretor do Colégio Nossa Senhora do Rosário na Av. Independência, 359.
Começou-se a falar da criação do Curso Superior de Administração e Finanças,
pedido pelos alunos finalistas do Curso Superior de Comércio. Eram três
homens que viam longe e viam de maneira patriótica e solidária: Irmão Afonso,
Eloy José da Rocha e Elpídio Ferreira Paes, ex-alunos do Irmão Weibert. Das
poucas reuniões acontecidas surgiu um currículo para os três anos do Curso
que foi inaugurado no dia 12 de março de 1931. Eram doze alunos matriculados
efetivamente ficaram nove. Mais tarde Elpídio Paes recordando aquele 1930
escreveu bela crônica: Tres faciunt collegium. Vale a pena recordar o nome dos
primeiros professores: Irmão Afonso, Diretor, Eloy José da Rocha, Elpídio
Ferreira Paes, Carlos Saknies, Colombo Rodrigues de Lima e Irmão José
38
Ignácio Calvo Alonso. Passados dois anos, o prof. Eloy foi convidado a assumir
a direção da Faculdade que tomou o nome de Ciências Políticas e Econômicas.
Lecionava as disciplinas de: Direito Civil e Direito Constitucional. Direito
Comercial. Legislação operária e Direito Industrial, fixando-se a partir de 1933,
na última disciplina de que se tornou professor catedrático.
A primeira turma de bacharéis em Ciências Econômicas no Sul do
Brasil, aconteceu no dia 18 de julho de 1934, no Salão nobre da Biblioteca
Pública. Naquele tempo o corpo docente era formado de 16 professores, sendo
onze bacharéis, três Irmãos Maristas e dois Contadores.
Em 1934, pelo Decreto do Governo do Estado nº 5.758 de 28 de
novembro era criada a Universidade de Porto Alegre, formada pelas Faculdades
existentes: Direito, Medicina, Engenharia, Farmácia, Agronomia e Veterinária.
Grupo de professores fundadores da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas de
Porto Alegre em 1931 Irmão Afonso e o Prof. Eloy José da Rocha fizeram tudo para que a
Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, fosse incluída na Universidade.
39
Apesar da insistência do Presidente do Estado, Dr. Antonio Flores da Cunha, a
Comissão organizadora não aceitou, alegando razões financeiras.
Nota-se neste fato como os homens, da primeira hora desejavam
fortemente a Universidade. Esse desejo permaneceu no coração do Irmão
Afonso e de seus colaboradores, viria a concretiza-se a 9 de novembro, de
1948. Em circunstâncias muito mais favoráveis e promissoras.
Em maio de 1939, venceu o concurso de provas e títulos, conquistou
a cátedra, então denominada Legislação do Trabalho e Direito Industrial,
apresentando como tese a monografia “A Extinção do Contrato de Trabalho
no Direito Brasileiro”. Dedicou essa obra à memória de Dogello José da
Rocha — PAI EXEMPLAR.
No mesmo ano o Irmão Afonso convocou Eloy José para organizar
junto com o Elpídio Ferreira Paes e o Irmão Faustino João a Faculdade de
Educação, Ciências e Letras, depois mudou o nome para Filosofia. Foi o
primeiro Diretor de 1939 a 1945, e posteriormente, de 1955 a 1956.
Não foi diversa sua colaboração ao ensejo da criação da Faculdade
Católica de Direito, ao lado de Armando Câmara, Armando Dias de Azevedo,
Francisco Juruena, Mem de Sá, Ruy Cirne Lima e Antonio César Alves.
Assumiu com firmeza e galhardia a cadeira de Direito do Trabalho, formando
mais adiante uma equipe de renome nacional e internacional, com Carlos
Alberto Barata da Silva, Ermes Pedro Pedrassani.
Em 1981 na celebração dos 50 anos da Faculdade de Ciências
Políticas e Econômicas: 21 de maio, foi-lhe outorgado o título de Professor
Emérito, registrou o orador da solenidade: “Múltiplos foram os seus préstimos e
tão assinalados foram seus serviços dedicados à comunidade marista que a
outorga do título de Professor Emérito é de consagradora justiça. Doutor Eloy
José da Rocha, neste momento em que a sua querida Universidade lhe presta
esta homenagem, relembramos o homem que com dedicação, fé e otimismo
ajudou a construí-Ia”.
40
Volto a citar o texto do discurso homenagem do Ministro José Néri da
Silveira, no S.T.F. no dia 30 de agosto:
“Na homenagem deste Tribunal, de 10 de agosto de 1977, por motivo
de sua aposentadoria, referindo-se à vocação pedagógica do homenageado, o
saudoso Ministro Leitão observou: “Tão vigorosa era essa inclinação que na
fase, às vezes dramática, do juizado municipal, achou tempo para, com outros
operários do mesmo ofício, entre os quais o erudito e saudoso Elpídio Paes,
seu colega de turma, mais tarde, seu colega, na cátedra de Direito Romano,
ministrar o ensino das primeiras letras, talmente primeiras, na mor parte dos
casos, que principiava com a alfabetização (...). Tudo isso supria, no entanto, o
sentimento de solidariedade humana, ora se prontifica a reger disciplinas em
institutos de ensino superior recém-criados, ora amplia, desenvolve e aperfeiçoa
esses estabelecimentos quando chamado a dirigi-los, a fim de melhor
atenderem ao interesse público... Professor por vocação, profundamente
afeiçoado à sua disciplina, à qual se manteve fiel, suas lições oraculares,
bebidas com encantamento, fizeram escola entre os que se deixavam fascinar
pelo novo ramo do direito, que, fazendo estalar perturbadamente, em nome do
social, velhas categorias jurídicas, repele classificação exclusiva ou no jus
público ou no jus privado, porquanto pretende estar, por assim dizer, a cavalo
sobre um e sobre outro.
Em outubro de 1952, indicado, em lista tríplice, Eloy da Rocha foi
nomeado, pelo Presidente da República, Diretor da Faculdade de Direito da
UFRGS, funções que exerceu até o ano seguinte, quando delas se afastou, em
razão da investidura como Desembargador do Tribunal do Estado.
Continuamos a transcrever o texto do Ministro José Néry da Silveira: A
2 de dezembro de 1945, Eloy da Rocha, no processo de redemocratização do
País, é eleito Deputado Federal, vindo a participar, intensamente, dos trabalhos
constituintes, na elaboração da Constituição de 18 de setembro de 1946,
notadamente, com emendas apresentadas ao Projeto, relativas ao Poder
41
Judiciário e aos princípios sobre o trabalho. Foi notável o seu discurso, de 3 de
julho de 1946, inserto no Diário da Assembléia Constituinte.
Após os árduos trabalhos da Constituinte, retornando ao Estado,
assumiu o cargo de Secretário de Educação e Cultura, ao qual foi convocado
pelo ilustre Governador Walter Jobim, em março de 1947 até 2 de agosto de
1950, reassuinindo a seguir, o mandato federal.
Concluído o mandato legislativo retornou Eloy da Rocha à advocacia e
ao magistério superior. Indicado, entretanto, em 1953 pela segunda vez, pelo
Tribunal de Justiça, em lista tríplice, para provimento de cargo de
Desembargador, reservado pelo quinto constitucional, a advogados, -
juntamente com os outros ilustres juristas gaúchos Poty Medeiros e Orlando da
Cunha Carlos, - veio, então, a ser nomeado em abril do referido ano pelo
Governador Ernesto Dornelles, para compor a Corte de Justiça do Rio Grande
do Sul. Na solenidade de posse, o Doutor Justino Vasconcelos, na Presidência
do Tribunal assim falou: “Mestre, na sua banca de advocacia; Mestre, na sua
cátedra Universitária e Mestre ainda — e, taIvez, sobretudo mestre
evangelicamente anônimo, na sua Conferência Vicentina, Mestre no falar,
Mestre no agir e Mestre no Ser, Vossa Excelência, ensinou ao Rio Grande a
ver, além da Lei, o Direito e a Eqüidade, além dos atos, o Homem além das
estatísticas, a Família, ao redor da mesa, e a mãe, que reparte o pão. Ensinou
Vossa Excelência os progressos que não se medem apenas em cifras, mas por
uma pauta de valores espirituais, que Nação nenhumna não pode jamais
abandonar, sob pena de perder sua fisionomia de perder sua identidade, sob
pena de perder-se”.
Por quase treze anos e meio Eloy da Rocha foi Desembargador. Como
anota Leitão de Abreu, exerceu o ofício jurisdicional “de tal modo que o seu
nome passa a ser cogitado para a Suprema Corte”.
Foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, em 22 de agosto
de 1966, pelo Presidente Humberto de Alencar Castello Branco, tomando posse
a 15 de setembro, na vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Carlos
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Medeiros Silva. Foi Eloy José da Rocha o primeiro diplomado pela hoje
centenária Faculdade de Direito de Porto Alegre que chegou ao Supremo
Tribunal Federal. O ilustre Ministro Moreira Alves ao saudar o novo presidente
da Corte a 9 de fevereiro de 1973, assim observou:
“Aqui, revelaram-se, desde logo, as facetas mais marcantes de sua
personalidade. Agudeza, minudência e ardor lastreados por cultura e senso
jurídico admiráveis”. Admirava pela leitura dos textos nas revistas jurídicas:
“A lógica de seu pensamento, a sutileza de seu raciocínio, facilidade com
que, as mais das vezes, afastava os escolhos do erro para alcançar o
esplendor da verdade”.
O Ministro Leitão de Abreu asseverou:
“Tudo isso realizou sob a roupagem da mais estrita simplicidade. A sua
simplicidade, que possui raízes muito mais profundas, visto como decorre da
sua própria maneira de ser, de forma espiritual, que lhe é intrínseca, forma
espiritual que o afeiçoou à prática de uma das virtudes mais difíceis, qual a da
modéstia, para não dizer da humildade intelectual, ascese a que nem os anjos,
na sua rebelião, se mantiveram fiés.”
A esta reflexão acrescento eu recordando os mestres que teve os
Irmãos Bernardo e Weibert cuja ascese vital era prática das três virtudes:
simplicidade, modéstia e humildade.
Em 11 de fevereiro de 1969, o Ministro Eloy José da Rocha, eleito pelo
Supremo Tribunal Federal, Ministro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral,
juntamente com o Ministro Djaci Falcão tomou posse naquela Corte Superior.
Na mesma ocasião foi eleito, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, no
desempenho dessas funções permaneceu até fevereiro de 1971, havendo
presidido às eleições a renovação do Congresso Nacional e Assembléias
Legislativas dos Estados.
No dia 9 de fevereiro de 1973 atingiu o ápice do Poder Judiciário, sendo
empossado Presidente do Supremo Tribunal Federal, eleito que foi pelo
Colegiado para o biênio fevereiro de 1973 a fevereiro de 1975.
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Assumiu a insigne investidura com objetivos de ação a serem
realizados, no sentido da Reforma do Poder Judiciário. Levou o tema aos meios
de comunicação e aos círculos jurídicos da Nação, em visitas e palestras.
Na sessão de posse de seu sucessor, Ministro Djaci Falcão, em 14 de
fevereiro de 1975, o Ministro EIoy da Rocha acentuou:
“Do que foi realizado, dei contas, há pouco. O que se realizou não
correspondeu, inteiramente, às minhas aspirações e aos meus ambiciosos
propósitos de bem servir, o que foi possível foi feito”.
Tomo a seguir o texto do Ministro José Nery da Silveira. Não foi
diferente Eloy José da Rocha, também, na vida privada.
A 30 de janeiro de 1937, contraiu núpcias com D. Juracy Ligia de Souza
da Rocha, união que o Senhor, em sua misericórdia, tornou longa e feliz, por
quase cinqüenta e três anos, como urna autêntica unidade de vida e de amor.
Desse matrimônio abençoado nasceram cinco filhos, que, como rebentos de
oliveira, no dizer do Livro Santo, ornaram a sua mesa: Dr. Paulo José da Rocha,
advogado, professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, da qual foi vice-diretor, sendo Juiz do Tribunal
Regional do Trabalho da 4ª Região; Dr. Fernando José da Rocha, Doutor em
Genética pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professor
aposentado de Genética e ex-Diretor do Instituto de Biociências da mesma
Universidade Federal; D. Maria Teresa da Rocha Sanzi. casada com o Dr.
Pedro Antônio Sanzi, Procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul;
Dr. Francisco José da Rocha e Dra. Maria Amélia Souza da Rocha, ambos
advogados militantes.
Pai exemplar e esposo amantíssimo, EIoy da Rocha dedicou-se, desde
sua aposentadoria, praticamente com exclusividade, à assistência constante de
sua esposa enferma, até o falecimento desta, ocorrido em 8 de janeiro de 1990.
Cultuou-lhe e reverenciou-lhe, após, a memória, com ternura comovedora,
como a significar que só o amor basta para levar-nos a subir, sempre, do tempo
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para a eternidade, porque é ele, também, forma de todas as virtudes (Tg.2; 2, 2,
23, 8) e que nos conduz à generosidade, qual via para a plenitude.
O Instituto dos Irmãos Maristas em reconhecimento pela dedicação de
Eloy José da Rocha na fundação e na estruturação dos cursos universitários
outorgou-lhe o título de Filiação à Congregação. com direito a orações especiais
das comunidades maristas e aos sufrágios.
Após ter vivido tranqüila e sabiamente os anos de senectude rodeado
do afeto dos filhos e netos veio a falecer no dia 29 de abril de 1999. Teve
exéquias muito concorridas no Cemitério de São Miguel e Almas.
A memória do Ministro, do professor e do amigo Eloy José da Rocha
ficará imorredoura na obra por ele iniciada a Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, na qual brilha como vigoroso pilar, exemplo de ciência, de fé
e de amor, pois só o amor constrói para a eternidade.
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ELPÍDIO FERREIRA PAES
Infância e Juventude
Elpídio nasceu na Colônia Militar do Uruguai, município de Palmeira das
Missões, no dia 24 de fevereiro de 1902. O pai, major do exército Pedro
Pelágio Paes, lotado naquela região. Poucos anos depois a família se
transferiu para Bagé, no exercício das funções do Major. Nessa cidade Elpídio
realizou os estudos primários na escola pública. Tempos depois, com a
transferência do Major para a Capital, no Quartel General, a família fixou aqui
residência definitiva. Inicialmente Elpídio cursou o Ginásio Júlio de Castilhos,
concluindo os estudos no Ginásio Nossa Senhora do Rosário, que nos anos
de 1914 a 1926 estava sediado nas salas da atual Cúria Metropolitana, à Rua
do Espírito Santo, 95. Resolveu completar sua preparação aos exames
vestibulares freqüentando os Cursos Preparatórios, dirigidos pelo Irmão
Weibert, nas disciplinas de: Aritmética, Geografia, Corografia e Noções de
Cosmografia. Desse convívio de dois anos com o Irmão Weibert surgiu uma
amizade profunda e profícua. Nunca mais o Elpídio abandonou os Irmãos
Maristas. Nos últimos anos dedicou ao venerando mestre, falecido em 1947,
um de seus trabalhos.
Em 1924, prestou os exames vestibulares na Faculdade Livre de
Direito, colando grau de bacharel em 1928. Pertenceu à turma de 21 bacharéis
que se destacaram na Faculdade e, depois, na vida pública. Entre esses, fato
raro, oito ingressaram como professores na Universidade de Porto Alegre,
depois Federal do Rio Grande do Sul: Alberto Pasqualini, Eloy José da Rocha,
Elpídio Ferreira Paes, Ely Costa, Mem de Sá, Ruy Cirne Lima, Vicente Marques
Santiago, todos da Faculdade de Direito, Armando Fay de Azevedo, na
Faculdade de Ciências Econômicas.
Sua vida de jovem acadêmico, sempre muito discreta, era devotada aos
livros. A família tinha vastas relações sociais, Elpídio não era de passar muito
tempo em divertimentos e lazeres.
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Elpídio Ferreira Paes
Freqüentava as conferências do Padre Werner, no Colégio Anchieta, e
de Frei Pacífico de Bellevaux, no Convento dos Capuchinhos. Com as lições
desses mestres aprofundou-se na filosofia e na verdadeira prática da religião
católica, conforme as lições do Irmão Weibert.
Primeiros passos profissionais
Logo após a formatura, em 1929, foi nomeado Assessor Jurídico da
Prefeitura Municipal de Taquara, onde esteve até 1931. Nessa bela terra
encontrou a eleita do seu coração, a futura companheira e esposa. Isolda
Holmer.
Deixou a assessoria jurídica para ingressar na carreira do magistério.
Sentia em si aquele chamado veemente de ser professor.
Irmão Afonso vinha de mais tempo sonhando e projetando a Faculdade
de Comércio. Convidou o Elpídio, amigo do Irmão Weibert para colaborador no
Ginásio Nossa Senhora do Rosário e no primeiro Curso Universitário de
Ciências Econômicas. Irmão Afonso, ex-aluno do Irmão Weibert, na França. era
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homem de seu tempo e de grande visão, interpretando a conjuntura social do
momento, avaliou a necessidade de serem preparados agentes para tratar o
fato econômico, à luz dos princípios científicos e cristãos, razão pela qual
decidiu criar a Faculdade, requerida pelos alunos do Curso Superior de
Comércio de 1930.
O núcleo original da Faculdade foi o Instituto Superior de Comércio, do
qual Elpídio, além de professor era secretário, cargo que manteve, quando da
aprovação oficial da Faculdade, em 1935, ao lado de Eloy José da Rocha,
então diretor. Desde o início lecionou Direito Constitucional e Civil e Direito
Administrativo e Ciências da Administração de 1933 a 1940.
A cultura de Elpídio ia muito além das matérias da jurisprudência.
Preocupava-se com o fenômeno lingüístico. visto em sua ampla expressão
científica. estética desdobrando-se em Linguística, Filologia, Dialectologia,
Teoria e Crítica literária. As línguas antigas e modernas, em especial o latim e a
respectiva literatura. tomavam extensas horas de estudos e investigações.
No Curso pré-jurídico do Ginásio Nossa Senhora do Rosário de 1933 a
38 lecionou: Língua Portuguesa e Gramática histórica. No Colégio Júlio de
Castilhos de 1933 a 36, lecionou Latim.
Continuando os seus estudos jurídicos se aprofundou no Direito
Romano. Em 1938, inscreveu-se no concurso de títulos para provimento, por
contrato, da cadeira de Direito Romano na Faculdade de Direito da
Universidade de Porto Alegre, obteve o primeiro lugar. Em dezembro do mesmo
ano, inscreveu-se em novo concurso de títulos e provas para professor
catedrático de Direito Romano. Em novembro de 1939, realizou-se o brilhante
concurso perante a comissão examinadora composta dos professores:
Armando Pereira da Câmara (presidente), Alberto de Brito, Ely Costa, Salomão
Pires Abrahão e Oswaldo Vergara. Outro concorrente era o professor João
Henrique. Elpídio saiu vencedor. Em 1940 assumiu com todas as honras a
cátedra de Direito Romano, posto que ocupou até o final do ano letivo de 1971.
Lecionou, outrossim, na mesma Faculdade: Direito Civil, de 1940 a 43; Direito
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administrativo, de 1941 a 45. Não deixou, porém, de trabalhar ao lado do Irmão
Afonso para conseguir a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
em 1939, tendo tido a aula inaugural em março de 1940, no salão nobre da
Faculdade de Direito. Auxiliou os projetos do Irmão Afonso junto com o Irmão
Faustino João na preparação e no processo de autorização da Faculdade
Católica de Direito, em 1947. Assumiu como catedrático fundador, a disciplina
de Direito Romano.
A vocação ao magistério veio-lhe cedo quando se encontrava em
Taquara, com o Dr. Olavo de Carvalho e Dr. Eloy José da Rocha, então juiz de
menores na cidade, fundaram um curso noturno de preparatórios com o objetivo
de propiciar oportunidades aos jovens desejosos de continuar os estudos. Era
histórica a sua dedicação ao curso, dedicando-lhe todas as horas do tempo
livre.
Em 1942, começaram a funcionar os cursos da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade do Rio Grande do Sul, assumiu as cadeiras
de Língua Latina e Literatura de 1942 a 1971, lecionou, outrossim, por algum
tempo Filologia Românica.
Ainda em 1942, por ato do Governo Estadual foi nomeado Diretor da
Faculdade de Direito, cargo que exerceu até 1949, quando solicitou exoneração
por razões pessoais.
Toda a vida profissional de Elpídio Paes caracterizou-se pela extrema
dedicação e profundo amor à causa do ensino e da educação. Em ambas as
universidades da Capital a sua atividade revelou-se intensa e comprometida,
razão pela qual parte importante de suas pesquisas e estudos permaneceu sem
o acabamento necessário para a publicação. Por outra parte a sua laboriosa e
dedicada existência de estudos e reflexão permitiu levar a seus numerosos
alunos uma mensagem autêntica de humanização e cultura.
Além das atividades docentes em quatro Faculdades achava tempo
para participar de reuniões dos departamentos de Letras, de Direito Privado
e Processual, dos Conselhos técnicos administrativos das Faculdades, do
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Conselho Universitário; do Conselho Nacional de Educação; da Comissão
do MEC para a reforma do ensino superior, além de outras funções similares
em conselhos e comissões que soem serem freqüentes e comuns
na vida acadêmica.
Em 1971, participou ativa e amplamente para a estruturação do
programa de pós-graduação de Letras da UFRGS.
Elpídio Ferreira Paes professor de quatro faculdades participava de
outras atividades associativas como: Sociedade Brasileira de Romanytas,
Associação interamericana tais de Direito Romano; Alliance Française (1955 a
1972), Associação de Estudos Clássicos.
Participou em muitas comissões julgadoras de concursos de cátedra
nas Faculdades de Direito e de Letras. Entre outras citarei o Concurso de
Dionísio Fuertes Alvarez, para a cátedra de Língua e Literatura Espanhola, de
Antonio João Silvestre Mottin para a cátedra de língua e Literatura, da Língua
Portuguesa; de João Batista Comilloto, de Língua Grega e Literatura.
A vida familiar
Elpídio desposou dona lsolda Holmer, filha de tradicional família de
Taquara. Viveram um tempo naquela cidade, transferindo-se depois para a
Capital. Ela jovem professora repartia o tempo no atendimento dos alunos e nos
afazeres domésticos. As horas de convivência eram poucas pois Elpídio
passava as manhãs e as tardes no ensino nas Faculdades de Direito e de
Letras. O encontro era ao meio-dia para o almoço e à noite. Eram horas de
convívio, muitas vezes, ocupadas em correção de temas de alunos ou de
preparação de aulas para o dia seguinte. Sábados à tarde e aos domingos era
maior o tempo que o casal dedicava a si mesmo. Lembro aquele apartamento
de preciosos livros, no terceiro andar do prédio do Clube do Comércio, na Praça
da Alfândega. Às vezes que visitava o caro Mestre, Dona Esolda sempre
solícita na acolhida servia o café e entretinha a boa conversa.
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Como não tivessem filhos, dedicou-se a educar uma sobrinha que
venceu brilhantemente na vida.
Nos últimos anos adquirira confortável apartamento na Rua
Duque de Caxias.
Pertinaz doença o afligiu nos anos de 1970 e 71, agravando-se em
janeiro e fevereiro de 1972. Entregou sua bela alma a Deus, no dia 12 de
fevereiro, alguns dias antes de completar 70 anos.
O velório aconteceu no salão da sua querida Faculdade de Direito,
numerosíssimos amigos, colegas e ex-alunos deram-lhe o adeus nos mesmos
corredores em que durante 34 anos dera o melhor de si para a ciência e cultura
na formação de novas gerações de advogados, de magistrados e juízes para o
Rio Grande e para o Brasil.
A Profª Isolda Holmer Paes num gesto de desprendimento ofereceu a
Biblioteca Jurídica à Faculdade de Direito da UFRGS, e as obras de cultura
geral e de Filologia, Língua Portuguesa e Língua Latina à Biblioteca Central
Irmão José Otão.
Primeira turma de bacharéis em Ciências Políticas e Econômicas, 1933. Sentados: Carlos Pedro Gerlach, Otávio Leind, Luiz Baroni, João Schmidt em pé; Lones Menezes, Décio Oscar Kramer,
Arlindo Borsato, Antônio M. da Silva Filho, Ciro Menezes da Cunha.
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Obras e estudos publicados
Elpídio Ferreira Paes foi professor, ao elaborador e transmissor de ciência
e cultura, pouco tempo lhe sobrava para os trabalhos de preparar e escrever livros
ou manuais. Encontram-se preciosos artigos em revistas e periódicos.
Dos Atos Ilícitos no Direito Romano — tese de concurso — 1938.
Alguns aspectos da Fonética Sul-Rio-Grandense — Revista do Instituto
Histórico do Rio Grande do Sul — 1938.
Obras Públicas — Aspecto romano e aspecto moderno — 1939.
Nacionalidade e Cidadania — Anais da Faculdade de Ciências Políticas
e Econômicas, 1940 Dois Séculos de Língua Portuguesa — Anais do III
Congresso Sul-rio-grandense de História e Geografia — 1940.
De Loci Complementis dissertativo — Anais da Faculdade Livre de
Filosofia, Ciências e Letras — 1942.
De Jure Gentilicio Romamorum — Anais da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, 1945.
Organização Financeira dos Romanos — Anais da Faculdade de
Filosofia, Ciência e Letras — 1948.
Verba, Nun Res — Anais da Universidade Católica do Rio Grande
do Sul — 1948.
Manuscritos de obras inacabadas:
− DICIONÁRIO LATINO-PORTUGUÊS
− ESTUDOS SOBRE POESIA LATINA
− DIREITO ROMANO.
(1) Jan − março 1972, p. 76-81.
(2) “Ensaios de Filologia”. 1.a edição, p. 232.
(3) “O Movimento Modernista” in “Temas Brasileiros”. Vários, Rio,
1968, p. 52.
(4) “Correio do Povo”. 1.0−5−73. p. 13.
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(5) “40 Anos a Serviço da Cultura”. Porto Alegre, Edição da PUC,
1971, p. 116.
A vasta cultura de Elpídio Ferreira Paes tinha a sua força de apreensão
através das línguas que sabia: falava, lia e escrevia em: Português, Francês,
Italiano, Espanhol e Latim. Lia e escrevia: Inglês e Grego; Lia — alemão.
Importantes e esclarecedores são os artigos de colegas que revelam
facetas importantíssimas da personalidade de Elpídio Ferreira Paes,
que reproduzimos.
Artigo especial para o Correio do Povo do colega de turma e de
Magistério Ruy Cirne Lima:
A Longa Jornada
Trilhamos, durante decênios, lado a lado, caminhos paralelos. O curso
secundário, primeiro; depois, o curso jurídico, e, enfim, a carreira no
magistério jurídico. Era Elpídio Paes, baixo de estatura, cabelo ralo a dilatar-
lhe sonhadoramente a fronte, homem, porém, de perfil forte, olhar firme e
gestos secos.
O traço mais vivo de sua feição exterior era a exatidão, no vestir-se, no
andar e no conduzir-se. O livro, sempre outro, de que não se apartava nunca,
sobraçava-o com rigor reverencial, jamais se permitindo o trazê-lo, a balouçar-
se preguiçosamente, à ponta dos dedos.
Voltado, desde a adolescência, para o estudo das letras clássicas, sua
inclinação, nos lindes da Ciência Jurídica, haveria de definir-se, como se
definiu, para o Direito Romano. Fora a disciplina, suprimida, do currículo das
Faculdades de Direito, pela reforma do ensino de 1931. Nem mesmo,
entretanto, as reformas de ensino do Brasil podem dizer-se mais resistentes
que o Direito Romano. Reinstalado, no currículo jurídico, o Direito Romano,
Elpídio Paes prestou concurso, do qual se saiu brilhantemente, e entrou a
ensinar as instituições jurídicas de Roma aos nossos estudantes.
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Suas preleções fundiam, de modo admirável, a estrutura jurídica
permanente e o fluxo transformador da história. Nelas, como em sua mesma
dissertação de concurso, a exatidão, que lhe era como uma segunda natureza,
imprimia contornos precisos a cada conceito e ao conjunto, aquela harmonia,
que, só da nitidez perfeita realmente surge e se irradia.
À sua vez, a exposição jurídica, particularmente, a do Direito Romano,
revela, desde logo, algo de surpreendente para o estudante: mais o direito
modifica os fatos, que os fatos modificam o direito. À codificação romana do
século VI, ajustaram-se, lenta e progressivamente, todas as legislações
contemporâneas, já não anteriormente modeladas pelo Direito Romano, como o
sistema jurídico anglo-americano, cujas linhas capitais diferem das dos
sistemas jurídicos do continente europeu, somente por dimanarem,
imediatamente, do Direito Romano clássico, já muito antes, implantado, pela
conquista, nas ilhas britânicas.
Essa perturbadora surpresa ganhava-lhe, sem detença, o interesse dos
estudantes. Exerceu, assim, Elpídio Paes, influência decisiva sobre a formação
jurídica de nossa mocidade. Não só lhes descerrava, ao início do curso, a larga
visão de uma organização jurídica, que tempo faz, cada dia, mais atual e nova,
senão, também, lhes incutia pacientemente a exatidão, a fidelidade ao
pormenor, como diretiva básica do aprender.
Nenhum de seus estudantes, estejamos seguros, o esquecerá, nem ao
professor excepcional, nem ao homem, compreensivo e afetuoso, que lhes
resolvia as dúvidas, incansavelmente os guiava por entre as dificuldades do
estudo e, generosamente, lhes aplacava os ressentimentos e as queixas.
Agora, para Elpídio Paes, cessou a longa jornada, nem sempre fácil e
agradável. Veio-lhe a morte às vésperas do repouso na aposentadoria, como a
substituir-se a esta, ⎯ recompensa demasiado pequena para esforço tamanho,
de tão profunda riqueza interior.
Todos os caminhos desta vida, certo, mais dia, menos dia, levam-nos
ao crepúsculo. Mas, esse crepúsculo que, da lado de cá, nos aparece como
54
crepúsculo da tarde, é, do lado de lá, o crepúsculo da aurora, - dessa alvorada
que se abre gloriosamente, por entre as sombras do tempo, para os que, do
tempo, corajosa e confiantemente, avançam ao encontro da eternidade.
“Pelo céu da tarde uma primavera se ergue a florescer”.
Tal, o verso de Hölderlin; tal o misterioso sentido que se há de atribuir à
morte. como fim de todas as jornadas.
Festa de formatura − Letras − 1961, Prof. Elpídio (paraninfo)
Angelo Ricci (homenageado) Irmão Faustino
***
55
A profª Izabella D.B. Ferlini escreve no Correio do Povo de 18/02/1972.
Um grande mestre
“Muitos poderão igualá-lo, talvez, na fidelidade ao cumprimento do
dever, ninguém, ultrapassá-lo”, dizia digno e destacado professor da Faculdade
de Direito da UFRGS domingo último, no velório do Professor Elpídio Ferreira
Paes, à autora destas linhas.
Salientava assim, uma das qualidades marcantes de quem foi de
invulgar exação no desempenho da mais singela, como da mais relevante tarefa
que lhe era cometida. Uma ironia fina, uma crítica oportuna, manifestavam
claramente o quanto achava errôneo o proceder dos que se mostravam menos
precisos no desempenho de suas atribuições, sem fazer, contudo, paralelo com
seu próprio proceder, exato e correto mesmo na execução de serviços que
poderia justificadamente solicitar a outros mais novos e com menos encargos.
Difícil era aos mais jovens tomar-lhe a dianteira, quando numa atenção
para com ele. Queriam chegar cedo à alguma reunião ou para algum
compromisso em que se deveria contar com sua presença; sua proverbial
pontualidade trazia-o na mesma hora ou até antes.
Os que com ele se encontravam como colegas, como discípulos ou
como pessoas a seu serviço eram favorecidos com exemplo e estímulo, que
oferecia com bom humor e simplicidade.
Seu espírito de doação extraordinário, seu grande devotamento ao
próximo tinha a preocupação dos laços invisíveis que na vida societária nos
prendem aos demais; procurava estar sempre lembrado dos outros,
não só de seus familiares e amigos, tuas de todos os que ainda que
remotamente dependiam de seu agir, de modo que ninguém poderia dizer-
se por ele esquecido.
Onde particularmente se revelaram as qualidades desta consciência
reta foi no desempenho da função docente, em que se pode buscar ao vivo seu
56
respeito à Verdade, sua valorização do conceito de Justiça, seu sentido de
responsabilidade, seu grande apreço pela criatura humana.
Prestes a aposentar-se por implemento de idade, era ainda o
professor assíduo e interessado, de espírito vivaz, com total capacidade de
trabalho e de estudo.
Embora muito culto e com uma larga experiência de magistério,
aprofundava sempre mais seu já vasto cabedal de conhecimentos e preparava
ainda regularmente suas aulas, para renovar detalhes, para evitar a rotina;
objetivando tornar atraente e despertar o interesse por disciplinas como Língua
Latina e Direito Romano que, numa visão imediatista, espírito demasiado
prático poderia achar sem razão na época atual. Impedindo a monotonia,
mostrava o valor de uma língua morta e de uma civilização finda, mas cujo
progresso e realizações no campo do Direito ainda hoje a humanidade colhe.
Buscava captar a atenção, tornando os temas sedutores e atraentes.
Tinha por ideal ensinar realmente e do melhor modo; os que corresponderam a
seus esforços obtiveram graças às suas preleções, bom embasamento para
ulteriores estudos.
Tinha o dom pedagógico de transmitir conhecimentos com simplicidade
e de modo acessível. Observava igualmente, o que sugeriu Horácio: “Quidquid
praecipies, esto brevis, ut cito dicta percipiant animi dociles teneantque fideles”,
isto é “Em ludo quanto ensinares, sê conciso, a fim de que os espíritos dóceis
apreendam lestos teus preceitos e os conservem com fidelidade”.
De espírito jovem e de uma capacidade peculiar de compreensão do
estudante, sabia a um tempo compreender seus ideais, sua busca de objetivos
e explicar seus erros, dando acertada orientação no sentido de serem
contornados os mesmos e suas conseqüências; estimulava, de outro lado, as
boas iniciativas.
Sabia que se é agradável e bom contemplar a Verdade, melhor ainda é
comunicá-la, transmiti-la aos outros. Em sua vida encontramos a comprovação
de que refletir a luz é algo mais que recebê-la e que iluminar um amplo espaço
57
é mais que luzir qual chama de uma vela. Generosamente difundia seu saber
adquirido em estudo assíduo. Não fazia, contudo alarde de seu vasto cabedal
de conhecimentos nem denotava a mínima vaidade qualquer orgulho. Isto
porque outra de suas qualidades que num “in memoriam” não se pode silenciar
era a modéstia. Não guardava entretanto egoisticamente sua cultura.
Estas algumas das impressões de quem durante mais de três décadas
teve a honra de desfrutar dos ensinamentos e atenções deste Mestre pequeno
na estatura mais grande quanto a suas realizações e a suas qualidade pessoais
que atingiu a realização de seu ser no cumprimento fiel de sua vocação para o
magistério a que se devotou integralmente.
Em 26 de fevereiro de 1974, o prof. Irmão Mainar Longhi publicou no
Correio do Povo escorreito artigo em que espelha personalidade de um dos
maravilhosos pilares da PUCRS.
Lembrando Elpídio Paes
Faz dois anos que nos deixou o professor Elpídio Ferreira Paes,
profundamente ligado às duas Universidades da Capital.
Dedicou-se ao Direito e à Lingüística — uma aliança frequente em
Portugal e no Brasil. Acerca do setor jurídico há depoimentos abalizados de
Armando Dias de Azevedo, Izabella Feruni e Ruy Cirne Lima na revista
“Estudos”. Sobre a sua contribuição no campo lingüístico existe promessa de
uma análise por parte de Silvio Edmundo Elia. Um de seus trabalhos foi
premiado no I Congresso da Língua Nacional cantada, realizado em São Paulo
no ano de 1937, foi, aliás, uma das comunicações apresentadas naquele
certame organizado por Mário de Andrade, um dos líderes do modernismo
literário brasileiro. Trata-se de “Alguns aspectos da fonética sul-rio-grandense”.
A leitura da monografia premiada e a análise de “Dois séculos de
linguagem portuguesa” (Separata dos “Anais do III Congresso Sul-Rio-
grandense de História e Geografia — 1940) nos dão conta, entre outros fatos,
da legitimidade da existência da norma brasileira e da narina lusitana da Língua
58
Portuguesa, da evolução Lingüística, da possibilidade de infração gramatical na
obra literária em proveito da expressão, da validade da situação e, portanto, do
registro, para a determinação do correto e do incorreto em linguagem. Ele
atendeu antecipadamente ao desejo do citado Mário de Andrade, expresso na
conferência de 30 de abril de 1942, no Rio de Janeiro de codificar as
“tendências e constâncias da expressão lingüística nacional”. A antecipação
ocorreu também quanto aos estudos sobre fatos locais, recomendados pelo
professor Celso Cunha.
Pelas referências, o leitor pode dar-se conta do pesquisador atualizado
e, em muitos aspectos, pioneiro, que foi Elpídio Paes. Maiores condições de
avaliação possuem aqueles que acompanham a sistemática do ensino
universitário de Letras. A disciplina específica desses temas é de inclusão
relativamente recente no currículo (e ainda passível de suspeição). Seja
lembrado, igualmente que no magistério superior de Línguas sua atividade se
concentrou no Latim.
Para quantos tenham vinculação com a Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, é oportuno lembrar que o início da instituição está ligado
principalmente a três pessoas: o atual presidente do Supremo Tribunal Federal
e os saudosos Irmãos Afonso e Elpídio Paes. Estas palavras são do próprio
professor Elpídio: “ (...) três pessoas, conjugando seus esforços, procuraram dar
nova dimensão ao Instituo que funcionava anexo ao Ginásio Rosário. Isso lá
pelos anos de 30... 4 Afonso, EIói, Elpídio eram esses personagens. Afonso
seria o supervisor, EIói o diretor, Elpídio o secretário. Ora, segundo alguns
etimólogos. Afonso significa “nobre e diligente”; Elói “o de boa palavra”; Elpídio,
“o que traz esperança”. Pois da “união da diligência com a eloqüência e a
esperança” resultou a colaboração preciosa de vários professores que iniciaram
essa marcha para o futuro”. Tal Instituto se transfomaria na Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas.
Foi evocado o pesquisador, o fundador. Impõe-se, agora, que
pensemos em Elpídio-lealdade. em Elpídio-honradez, em Elpídio-humildade, em
59
Elpídio-despreendimento, em Elpídio-idealismo, em Elpídio-devotamento, em
Elpídio humano. Essa é a constatação de quantos aqui o conheceramn; essa é
a convicção de seus alunos; essa é a certeza de seus amigos de Porto Alegre,
do Rio, de Lisboa, de Coimbra e de Paris. Quanto às três últimas cidades, ouvi
depoimentos de vários lingüísticas e filólogos.
O professor Elpídio ainda estava conosco quando o Conselho
Universitário da PUC aprovou o título de “Professor Emérito”; a entrega da
distinção, contudo, foi “post-mortem”, na sessão do mesmo colegiado de 2 de
maio do ano passado.
O antigo diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul e professor das duas universidades de Porto Alegre constitui
um exemplo. Sem qualquer veleidade retórica, diria que ele foi o educador que
gostaríamos de ser.
A lembrança está aliada à certeza da bem-aventurança indicada pela Fé.
O prof. Dante de Laytano, Diretor da Faculdade de Filosofia, foi aluno
de Elpídio e cresceu graças ao incentivo e à força que o mestre lhe dava, no dia
6 de outubro de 1976, escreveu significativa missiva no ato inaugural da
Biblioteca Elpídio Paes no Colégio Arami Silva.
Ao Colégio Arami Silva
Depoimento para a Biblioteca Elpídio Paes
ELPÍDIO FERREIRA PAES não foi apenas um profundo conhecedor do
Latim, que ele amou e respeitou, desvendando-lhe sortilégio do tempo andado
pelo espaço das civilizações do mundo. Mas, ao desossar, com engenho e arte,
todo o corpo do Direito Romano, ele se transformou na maior autoridade do Rio
Grande do Sul neste contexto que fez a força de um povo, a vida de uma
cultura e a glória de um império. Latinista e romanista, veio a ser, entre nós,
também o mestre do idioma de Camões, a sétima fala usada no mundo entre as
cento e cinqüenta que existem, e defensor do escrever com elegância tanto
60
quanto o acerto devido. Ufanava-se do legado português, uma pátria geográfica
tão pequenina que criou o quinto país deste globo terrestre. Poeta na intimidade
de seu pensamento e músico na mocidade, assim sua personalidade se formou
abeberando-se das mais legítimas fontes de inspiração, caminhos da arte e
estradas povoadas de sonhos.
ELPÍDIO FERREIRA PAES era um asceta, renunciou com coragem as
grandezas do existir e negou-se conscientemente de participar das vaidades
exteriores, porque a modéstia era sua virtude essencial e dela fez grande uso
com discreto sentimento de uma vocação para a dignidade de não enriquecer, a
não ser no cérebro e no espírito. Amigo exemplar. Ninguém se atreveria a dizer
ao mesmo um comentário menos elogiável de algum de seus conhecidos. Este
era o grande momento de perder o senso de equilíbrio, o que lhe ficava muito
bem, pois socorria o amigo insultado.
Sua vida ele a resumiu na sua Isolda. A companheira para sempre. Até
depois da morte.
Encerramos as citações de amigos, ex-colegas, ex-alunos com o
depoimento do ex-Diretor da Faculdade de Direito da PUCRS e mestre das
duas faculdades, Prof. Dr. Armando Dias Azevedo, saído no Correio do Povo de
13 de fevereiro de 1972, dia seguinte do falecimento.
Elpídio Ferreira Paes
Estão de luto as ciências jurídicas e litero-lingüística referente à
civilização oriunda do Lácio, com a morte do prof. Elpídio Ferreira Paes,
jurista e humanista.
Elpídio Paes, nascido em Palmeira das Missões, a 24 de fevereiro de
1902, professor catedrático de Direito Romano das Faculdades de Direito, e de
Língua e Literatura Latinas nas Faculdades de Filosofia de ambas as
Universidades aqui sediadas, a UFRGS e a PUCRS, faleceu a 12 do corrente,
poucos dias antes de sua aposentadoria compulsória na Faculdade de Direito
da UFRGS., retardada legalmente por 5 anos, atendendo aos seus méritos por
61
proposta minha, na última sessão de Congregação em que tomei parte,
proposta essa prazerosamente sufragada pela unanimidade dos seus
componentes, pois não queríamos privar nossa mocidade das lições de tão
insigne mestre, enquanto a lei o permitisse.
Morreu em pleno combate, pois, ainda em fins de dezembro até o início
das férias escolares, trabalhou intensamente, em exames, comissões, etc.
Além de sua notável dissertação de concurso “Dos atos ilícitos no Direito Romano”, com que brilhantemente conquistou essa cátedra na
Faculdade de Direito da UFRGS, em concurso a cujas provas públicas tive a
ventura de assistir, em que revelou sua vasta cultura e imensa erudição,
publicou, apesar de sempre assoberbado pela enorme tarefa da regência de
duas cadeiras em cada uma das duas Universidades, numerosos ensaios em
revistas, anuários e outros repositórios.
Foi mais que tudo um professor, na mais genuína acepção da palavra,
compenetrado de seus deveres, não faltando jamais a uma aula, severo quanto
à seriedade das notas das provas e demais trabalhos escolares, mas amigo
incomparável da mocidade, não deixando passar oportunidade de amenizar
suas magistrais lições com saudável dose de humor. Nunca foi agressivo, mas
apenas usava de sua fina ironia que não feria ninguém.
Ocupou por oito anos o cargo de diretor da Faculdade de Direito da
UFRGS, tendo sua fecunda gestão sido assinalada com grandes realizações e
obtido resolver sempre pacificamente, sem diminuição de sua autoridade, os
casos que sempre surgem na vida dum estabelecimento de ensino.
Fez todo o seu curso jurídico na nossa Faculdade, tendo colado grau
a 20 de abril de 1929, pertencente à brilhante turma de 21 bacharéis que
terminou seu currículo em 1928 e que — fato raro — deu à UFRGS nada
menos que oito professores universitários que honraram e honram as
cátedras: Alberto Pasqualini, Eloy José da Rocha, Elpídio Ferreira Paes, Ely
Costa, Mem de Sá, Ruy Cirne Lima e Vicente Marques Santiago, professores
62
da Faculdade de Direito e Armando Fay de Azevedo, professor da Faculdade
de Ciências Econômicas.
Elpídio Paes era casado com D. Isolda Holmer Paes, também
brilhante professora universitária, formando um casal modelar nossa
sociedade, dedicado à mais nobre das missões na ordem temporal —
educação da mocidade.
Dedicado exclusivamente ao magistério e às atividades culturais, jamais
o seduziram os ouropéis da carreira política ou de outra qualquer.
Li, não faz muito, um pensamento dum escritor italiano, G.B. Ramoino,
dando a definição do mestre, e, como assenta, como uma luva, à personalidade
invulgar de Elpídio Paes, não me furto ao ensejo de aqui o traduzir:
“O mestre é o operário do pensamento, o apóstolo que leva a boa
nova, o sacerdote que fala da fé, esperança e amor. O mestre é a escola, e
quanto mais culto e zeloso ele é, a escola é freqüentada e propagada a
urbanidade, a gentileza, o respeito pelos velhos e pelos superiores, o amor ao
trabalho e a moralidade”.
Sim, Elpídio Paes foi tudo isso e, daí, o fato de chorarem sua
irreparável perda seus colegas, seus amigos, seus antigos e atuais alunos, que
veneram agora sua memória, como a de um sábio e de um justo: omnis
sapientia a Domino Deo est (ecli, I, 1); beatus homo aqui invenit sapientiam
(Prov., III, 13); justi fulge bunt sicut sol in regno Patris coelorum (Mat, XIII, 43).
63
ARMANDO PEREIRA DA CÂMARA
Para o presente escorço biográfico nos valemos, em parte, da
Apresentação feita por Luís Alberto De Boni ao livro Armando Câmara Obras
escolhidas, Coleção Pensadores gaúchos, EDIPUCRS, 1999
Vida
Armando Pereira Câmara nasceu em Porto Alegre em 10 de novembro
de 1898 e faleceu aos 19 de março de 1975. Filho do general
Prof. Armando Pereira Câmara
Alfredo Câmara e de Zeferina Pereira da Câmara, neto de José Antônio
Corrêa da Câmara (Visconde de Pelotas) e bisneto de José Feliciano
Fernandes Pinheiro (Visconde de São Leopoldo), fez os estudos secundários na
Escola Militar de Porto Alegre. Como Pedro Abelardo, poderia dizer que fora
destinado à vida militar, mas que preferiu as lides de Minerva às de Marte. E tal
como no caso do mestre medieval, a troca das armas pela academia não
significou o abandono do espírito guerreiro e sim a transferência da luta para
outros campos.
64
Solteirão, residiu a vida toda na morada da família, no Solar dos
Câmara. Homem de costumes nobres e simples foi assim descrito por um de
seus assistentes, Prof. Sérgio Figueiredo: “Vestia com a sóbria elegância de um
gentleman: terno escuro, sobretudo e chapéu preto. Tinha o andar calmo e
solene e tirava o chapéu como um fronteiriço. Era um homem austero, sóbrio,
de porte ascético, resultado de uma vida voltada ao estudo, à pesquisa, à
reflexão e à oração, mas, quando se expressava, toda essa potencialidade
acumulada seria enérgica e generosamente atualizada. Ninguém adivinharia
que aquele homem fechado e circunspecto pudesse transfigurar-se a tal ponto
de, não raro, arrancar aplausos ou formidáveis gargalhadas com seus ditos
inesperados, cheios de sabedoria e humor.”
Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito
de Porto Alegre, em 1925. Tornou-se em 1931, professor de Propedêutica
Jurídica e, mais tarde, de Filosofia do Direito na mesma Faculdade. Assim
iniciava uma longa carreira intelectual, que só se encerrou em 1975.
Conversão
Armando Câmara pertenceu à geração de “convertidos”, daqueles
cristãos de nascimento que, entre o final do século XIX e a segunda Guerra
Mundial, renegaram o esprit du siècle, para engajar-se em um catolicismo
militante. Foram homens como Charles Péguy, Jacques Maritain, Giovanni
Papini, Agostino Gemelli. Gilbert K. Chesterton, Jackson de Figueiredo, Alceu
Amoroso Lima, Gustavo Corção e tantos outros. Naqueles tempos havia em
Porto Alegre dois grandes mestres orientadores da juventude acadêmica: o
jesuíta alemão Padre Werner von und zu Mühlen e o capuchinho francês Frei
Pacífico de Bellevaux.
Câmara viveu, como poucos, este modelo de vida cristã, no qual o
empenho era chegar à Verdade e atingir o Bem exigia disponibilidade e
abertura para o mundo, sem negligenciar, porém, o combate de peito aberto
aos erros maiores de uma época, em sua visão, flagelada por males como o
65
indiferentismo religioso, o positivismo, o comunismo, o nazifascismo, o
modernismo, a psicologia profunda freudiana, o naturalismo educacional de
origem americana, o laicismo político e tantos outros ismo. Como alternativa —
propunha-se, então, uma sociedade recheada de instituições católicas: desde
os círculos operários como substitutos dos sindicatos, até os jornais e revistas,
das escolas e as universidade ao partido político (que a sabedoria do Cardeal
Sebastião Leme impediu fosse fundado no Brasil) ou ao menos ao serviço de
orientação do eleitor pela Liga Eleitoral Católica (LEC).
Filósofo e Professor
O professor Câmara lutou em todos esses âmbitos e frentes. A
conquista das cátedras na Faculdade de Direito dominada pelo Positivismo não
foi nada fácil. Aos poucos líderes católicos estavam lá com a sua filosofia
perene cristã. Outros projetos se concretizaram com o auxílio e a visão do
educador marista Irmão Afonso: Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas,
em 1931; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1940; Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Rio Grande do Sul em 1942;
Faculdade Católica de Direito, em 1947. Aí estavam as lideranças católicas
preparadas pelos irmãos Maristas, pelos Padres Jesuítas e pelas Irmãs de São
José e Irmãs Franciscanas. Os colégios católicos da Capital e do interior do
Estado forneciam excelentes vocações para o laicato católico na Ação Católica
nos vários níveis. O Prof. Armando Câmara surgia como o líder por excelência,
a pessoa de referência na cultura, na sociedade, na política. De seus projetos,
alguns tiveram vida e força durante anos como o Jornal do Dia, a Rádio da
Universidade, a Associação de Professores Católicos, o Movimento de luta
contra o marxismo, a revista Estudos, cuja redação esteve no Colégio Anchieta,
na rua Duque de Caxias.
Homem de estudos e de ação, jurista, filósofo, orador, situou-se como
pensador, bem acima daquilo que recebeu dos meios acadêmicos de seu
tempo. Não teve contatos diretos com os centros donde pontificavam os
66
grandes mestres, abeberava-se em leituras, em reflexões e meditações dos
grandes temas. Em sua biblioteca no Solar buscava as luzes que ele espargia
em suas aulas ou conferências. Naquelas longas horas de silêncio e de
profunda meditação formava-se o líder, o orientador da geração de seus
contemporâneos. parceiros de caminhada de levar adiante o facho da Verdade,
do Bem e do Belo da filosofia tomista.
O colega e amigo Prof. Ruy Cirne Lima, muito bem o descreveu: “O
impulso à disquisição filosófica não provém, segundo o filósofo rio-grandense,
da curiosidade, se não do interesse moral, da preocupação de seus fins. Kant
situa a metafísica no campo da razão prática. Esse é igualmente o ângulo do
qual procede Armando Câmara, para lançar-se à busca da verdade através da
ontologia, pelos longos caminhos do ser [...]. Tão intimamente se
interpenetraram, no entanto, o homem e o ensino, que os grandes traços nos
aparecem antes como feições de sua personalidade, do que como
características de sua obra.”
Dentro desta compreensão do homem e do mundo, jamais concebeu a
Filosofia e o Direito como fechados sobre si mesmos. Estudar, conhecer,
pesquisar só tinham sentido enquanto se voltavam para fazer melhores e mais
felizes os homens. A tanto levavam-no as profundas convicções cristãs e o
apreço que tinha pela figura de São Francisco de Assis. A geração que o
conheceu sabe muito bem de suas lutas em defesa das grandes causas pelas
quais se empenhou, mas provavelmente ignora que ele era irmão da
Conferência dos Vicentinos, empregando boa parte do escasso tempo
disponível em visitar os pobres.
Fato interessante: no dia 7 de março de 1951, por ocasião da outorga
do título de Doutor Honoris Causa ao Irmão Afonso, sendo o Prof. Câmara,
Reitor atribuiu todo o sucesso da ação educativa do fundador da Universidade à
força da caridade. Transcrevemos o parágrafo: “E os frutos da semeadura que
fez, em meio século de labores apostólicos, aí estão sob os nossos olhos
67
cheios de admiração. A opulência desta seara é mais uma ilustração da força
civilizadora da caridade cristã.”
Na diretriz filosófica, Armando Câmara é tido como autor socrático, isto
é, um pensador que pouco ou quase nada escreveu. Luís Alberto De Boni
afirma: “A verdade não é bem essa. Se não compôs livros; se, de fato, redigiu
poucos textos, confiando mais em seus dotes oratórios e em sua excepcional
capacidade de improvisar, se deu pouca importância aos discursos e
conferências que escreveu, não os conservando, contudo, o que resta de sua
obra não é tão pouco como se supõe. Além de um volume com gravações de
alguns cursos e da entrevista concedida ao Professor Jacy de Souza
Mendonça, que constitui a obra Diálogos no Solar dos Câmara, publicada pela
EDIPUCRS, 1999, são inúmeros os textos dispersos pela imprensa: no Diário
de Notícias, no Correio do Povo, no Jornal do Dia, bem como em revistas ou
como fascículos avulsos.
De Boni inaugurou a coleção Pensadores Gaúchos da EDIPUCRS 1999
com o livro Armando Câmara — Obras escolhidas. É uma bela coletânea de
temas filosóficos, sociológicos e políticos: a gênese do pensamento filosófico: a
fllosofia espiritualista e a Psicologia experimental; reflexões sobre a definição do
valor; gênese do conceito de justiça; discursos de Reitor e paraninfo; temas de
caráter religioso; temas políticos: o comunismo e a crise da civilização; a Igreja
e o Comunismo; a Renúncia do mandato de Senador; a Realidade brasileira.
São 220 páginas densas de doutrina, de orientação cívico-patriótica, de
testemunho de fé em Cristo, na pátria e no povo.
A vocação para o magistério fez-se sentir em torno dos trinta anos. O
seu intuito era transmitir aquelas belas e densas lições de seus mestres: Frei
Pacífico e do Padre Werner. Queria romper o monolito formado pela doutrina
positivista na Faculdade de Direito. Teve a nomeação de professor pelo
Governador do Estado Dr. Flores da Cunha para o Instituto de Educação. Teve
oportunidade de lecionar Psicologia às futuras professoras do ensino
fundamental. Anos depois em 1931 foi nomeado para a Faculdade de Direito,
68
abriu-se uma brecha para a Propedêutica Jurídica. Mais tarde veio a ocupar a
cadeira de seus sonhos — Filosofia do Direito. Em 1940, iniciava o Curso de Filosofia, ali estava Armando Câmara
com as suas aulas, orientando as novas gerações, de professores. Em 1942,
iniciavam os cursos de Filosofia, Ciências e Letras na Universidade do Rio
Grande do Sul. Armando Câmara assumiu a cadeira de Filosofia. Era o
filósofo por excelência em suas aulas memoráveis pelo saber e pelos ditos
humorísticos que permeavam as argutas e profundas reflexões. Uma aula
dele na semana, valia por várias, por sua densidade e pelos pontos de
investigação que sugeriam.
Ato inaugural da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. 26/3/1940
— Prof. Armando Câmara
69
Reitor da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul
O prestígio do Prof. Armando Câmara era enorme na vida social,
acadêmica e política do Rio Grande do Sul. A investidura do Prof. Armando
Câmara verificou-se sob o regime do Governo Judiciário. Foi nomeado e
empossado pelo Interventor Federal no Estado, Desembargador Samuel
Figueiredo da Silva, sendo Secretário da Educação Ivo Corrêa Meyer, ilustre
figura do magistério universitário da Medicina (apud Memória da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul 1934 — 1964).
O Reitorado em apreço, iniciado em momento delicado de crise nas
relações Universidade versus Governo do Estado, curiosamente, terminou
dentro de crise similar, embora de maior amplitude. O seu ápice ocorreu quase
ao término do mandato do Reitor, fins de 1948 e início de 1949.
Durante o Governo Judiciário que se seguiu ao fim do Estado Novo,
1945, a autonomia universitária foi ampliada. O Reitor era escolhido mediante
lista tríplice eleita pelo Conselho Universitário, com o mandato de três anos.
Foi uma fase singular na história universitária. Nela se vislumbram,
dado o envolvimento de lideranças, ideológica e filosoficamente definidas e
divergentes indícios de confronto.
O Reitor Armando Câmara assumiu perante o Conselho Universitário as
funções do cargo. Declarou as razões que o induziram a aceitar a honrosa
investidura, em momento delicado da crise aberta entre Governo e
Universidade, pelo ato de reincorporação do instituto de Belas Artes à
Universidade contra a vontade do Conselho Universitário. O Reitor decidiu pela
desanexação da Universidade do Instituto de Belas Artes, mantendo-se a
condição de estabelecimento oficial.
As múltiplas atividades do Reitor Armando Câmara no gerenciamento
da Universidade em ebulição pelos problemas existentes nos aspectos
econômicos, administrativos e ideológicos tomavam grande parte do tempo do
filósofo, do pensador e do professor.
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Fato interessante foi a outorga do título de Doutor Honoris Causa, pela
Faculdade de Filosofia a sua Eminência o Cardeal Dom Jayme de Barros
Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro. A solenidade realizou-se em sessão
solene do Conselho Universitário, com discurso memorável do Reitor, no dia 13
de julho de 1946.
Em agosto de 1946 tomou uma série de medidas e decisões para a
implantação da Cidade Universitária, a ser localizada em zona central. Uma
comissão de professores coordenados pelo prof. Eng° Luís Leseigneur de
Faria colaboraria com a Prefeitura para a localização mais apropriada para a
Cidade Universitária.
No início de janeiro de 1949, eclodiu nova e forte crise na Universidade,
momento em que o Reitor Armando Câmara solicitou demissão em caráter
irrevogável. A problemática daqueles dias teve a sua solução por sábia
resolução do Secretário da Educação do Estado Prof. Eloy José da Rocha que
mandou proceder a sucessão dentro do Estatuto da Instituição.
Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
No dia 9 de novembro de 1948, era decretada a equiparação das
Faculdades Livres de Ciências Políticas e Econômicas, Filosofia, Ciências e
Letras, Serviço Social e Direito, constituindo-se assim a Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.
No dia 8 de dezembro do mesmo ano, o Prof. Armando Pereira da
Câmara assumiu a Reitoria da Universidade Católica.
Naquele mês de dezembro e parte de janeiro de 1949, Armando
Câmara era Reitor das duas Universidades. Muito colaborou o Professor e
Reitor para que o processo de equiparação chegasse a feliz termo.
Dom Vicente Scherer Arcebispo Metropolitano e Chanceler da
Universidade deu posse aos componentes da primeira administração: Armando
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Pereira da Câmara — Reitor; Irmão José Otão, Vice-Reitor: Francisco
Juruena, Diretor da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas; Antonio
César Alves, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; Mario
Goulart Reis, Diretor da Escola de Serviço Social e Armando Dias de
Azevedo, Diretor da Faculdade de Direito.
Em 1949 tiveram importância para alunos e professores as Jornadas
Filosóficas a cargo do eminente filósofo tomista, professor da Universidade de
La Plata, Argentina, Dr. Cônego Octavio Nicolás Derisi. Os temas tratados com
excelente exposição e clareza atraíram um público numeroso, 400 pessoas, no
salão nobre da Universidade.
No dia 28 de agosto, por ocasião do encerramento dos cursos o Reitor
manifestou seu contentamento com as palavras: “Professor Derisi, por terdes
intensificado em todos os que, com encantamento, ouviram vossas profundas
lições, essa consciência do valor transcendente e da perene vitalidade da visão
cristã da vida, por terdes, com vossas magistrais análises revelado a opulência
e a serenidade do pensamento tomista comparado com o transviamento do
angustiado pensamento moderno, a Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, quer expressar-vos, nesta hora, sua admiração e seu reconhecimento pela
vossa soberba obra de pensador e apóstolo”. Um ano depois, em seu retorno o
Cônego Derisi recebeu o título de Professor Honoris Causa pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras.
Outra obra importante no Reitorado de Armando Câmara foi a outorga à
Universidade, do título de PONTIFICIA pelo Papa, Pio XII, no dia 1° de
novembro de 1950.
No dia 7 de abril de 1951, em sessão solene foi instalada a Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com notável discurso de Dom
Vicente Scherer, sendo coordenado pelo Reitor Armando Câmara, que traçou
diretrizes à Instituição.
72
Na mesma sessão foi outorgado o título de Doutor Honoris Causa ao
Prof. Irmão Afonso fundador da Universidade. No ato solene o discurso do
Professor e Reitor Armando Câmara.
Em outubro de 1951, esboçou-se uma crise na Universidade, referente
ao patrimônio e à nomeação do Reitor e dos diretores, segundo o Estatuto
aprovado em 1948.
A habilidade do Irmão Faustino João impediu que o Reitor Armando
Câmara se demitisse, chegando até o término de seu mandato, no dia 7 de
dezembro de 1951.
No dia 8 de dezembro, o Prof. Dr. Cônego Alberto Etges, nomeado
pelo Chanceler Dom Vicente Scherer de comum acordo com o Prof. Irmão
Vendelino Weiand, presidente da mantenedora, assumiu a Reitoria. As
atividades iniciadas na gestão do Reitor Armando Câmara continuaram sua
trajetória fecunda e renovadora.
Senador e solitário
Terminados os anos de Reitorado nas duas universidade o prof.
Câmara continuou seu tirocínio de filósofo e docente.
Em 1954, aceitando as solicitações da Liga Eleitoral Católica, o Prof.
Câmara lançou-se à eleição de uma vaga para o Senado da República, pela
coligação dos partidos PSD, UDN e PDC sendo suplente o Prof. Mem de Sá.
Não houve grande campanha contra o adversário pelo PTB Dr. João
Goulart, Armando Câmara teve a maior votação da história, vitorioso absoluto,
em 15 de novembro de 1954.
Assumiu a cadeira no Senado e começaram os trabalhos na Comissão
de Constituição e Justiça. Diversos óbices começaram a aparecer na vida do
dia-a-dia, inconformidade com a situação política nacional, desencontros nas
comissões, não aceitação do Estado de sítio, coibidora da liberdade do cidadão.
No dia 27 de abril de 1956, resolveu apresentar a sua renúncia de
modo irrevogável.
73
O sentimento nacional e sobretudo rio-grandense foi profundamente
chocado com a decisão do Senador Armando Câmara. Era o homem feito de
uma peça inteiriça sem dobras. Voltou aos pagos, voltou ao Solar, voltou aos
livros, às meditações.
Era o solitário da Rua Duque, sempre pronto a receber os amigos, ex-
colegas para o Diálogo.
Os últimos 20 anos passaram-se no recolhimento, aceitando convites
para conferências nas Universidades. Armando Pereira da Câmara deixou um
caminho de luz para os contemporâneos e para os pósteros. Muito semeou na
seara do pensamento por isso as Faculdades de Filosofia cresceram,
floresceram, produziram pensadores brilhantes, orientadores em busca da
Verdade, do Belo e do Bem.
Armando Pereira da Câmara, líder dos pensadores católicos de 1925 a
1975, soube imprimir na sociedade rio-grandense o amor pela filosofia e pelos
estudos universitários. Soube por suas conferências, por suas aulas, por suas
atitudes decisivas ser um verdadeiro pilar da Universidade Católica, dando-lhe
apoio, orientação e colaboração irrestrita.
Nos momentos graves de decisão o Irmão Afonso ia consultá-lo. Nas
visitas ao Solar muitas dificuldades foram vencidas, muitos óbices superados. O
prestígio de Armando Câmara era uma diretriz para as iniciativas de ordem
científico-cultural e apostólica.
Testemunhos:
Damos a seguir vários depoimentos, havidos por ocasião da celebração
do centenário de nascimento do mestre imortal.
1 − Prof. Carlos Alberto Allgayer, Diretor da Faculdade de
Direito escreveu:
Pertencente ao grupo de mestres da Filosofia e do Direito que marcou o
pensamento rio-grandense durante várias décadas — aí ombreando-se com
74
Ruy Cirne Lima, Eloy José da Rocha, Armando Dias de Azevedo, para destacar
apenas alguns — sua influência não perecerá com o desaparecimento das
várias gerações de seus alunos. Graças a discípulos que vêm se encarregando
da nobre tarefa de resgatar seu pensamento (expressão que cabe como uma
luva a esse trabalho), a luz de suas concepções certamente se estenderá como
um luminoso facho a inspirar os cultores das letras jurídicas, daqui para um
longo fituro. Isso para que seja sempre atendido seu clamor de jurista, de
filósofo e de pensador católico: “Em milênios de transfiguração cristã da
consciência humana, aquilo que era tido como veleidade, aspiração
sentimental, desejo lírico, anseio utópico, sonho imprudente. Caridade, enfim,
tudo isso se fez exigência jurídica, tomou consistência de direito positivo, de
faculdade moral de ação, garantida pelo Estado. O que se pedia como esmola,
exige-se como direito! O que a Caridade aspirava, a Justiça reconhece e tutela!
Aquilo que alguns filósofos generosamente pensaram (...) — a vocação da
Caridade de ser, de se fazer justiça, isso, no mundo moderno, os Códigos
consagram e os Tribunais reconhecem” (Armando Câmara, in “Missão da
Faculdade Católica de Direito “, 1974).
Por tudo isso, lembrar a figura marcante de Armando Câmara, na
significativa data do centenário de seu nascimento, é dever de fidelidade à
nossa história de povo culto.
2 − José Jappur, advogado escreveu no Jornal do Comércio
em 16/11/98:
“Armando Câmara, por tudo o que fez e pregou ao longo de sua
existência, como sábio, santo, filósofo e mestre, já merecia uma estátua do
Estado do Rio Grande do Sul para exemplo das novas gerações e, no pedestal,
a inscrição: “Todas as riquezas do mundo não valem uma só vida de virtudes”.
3 − O Desembargador Adroaldo Furtado Fabrício escreveu no Correio
do Povo 23/12/98, No Solar dos Câmara:
“Peculiaridades do temperamento do mestre e sua ojeriza à
sistematização (vista por ele, mais do que por outros filósofos, como dispositivo
75
de contenção capaz de aprisionar o pensamento e esterilizá-lo) resultaram na
quase completa inexistência de registros escritos do seu fecundo magistério. Do
muito que ensinou, pouco escreveu e quase nada publicou. Os frutos de sua
docência ríquíssima, de sua oratória deslumbrante e de sua inteligência
privilegiada vivem quase exclusivamente na memória de seus discípulos.”
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CARDEAL VICENTE SCHERER
O cardeal Alfredo Vicente Scherer em sua trajetória terrestre de 93
anos ilustrou múltiplas faces das atividades humanas quer no campo
sacerdortal — primeiro cardeal do Rio Grande do Sul —, no campo espiritual,
quer na cultura, nas ciências filosófico-teológicas.
Nasceu em Santa Teresinha, distrito do atual município de Bom
Princípio, a 2 de fevereiro de 1903, era o 12° filho de uma família inteiramente
feliz, lar de profundo espírito de religiosidade, alegria e harmonia, de amor à
Igreja e ao trabalho. Os Irmãos Maristas chegaram a Bom Princípio no dia 3 de
agosto de 1900. Eram estreitas as relações do senhor Pedro Scherer com o
Irmão Weibert. Realizou os estudos primários em sua terra natal. Aos 12 anos
seguiu para o Seminário de São Leopoldo, onde completou o curso ginasial. Em
seguida freqüentou o Curso de Filosofia durante três anos, sendo sempre o 1°
aluno da classe. Entrou no Curso de Teologia, completando com brilho, o 1°
ano. Dom João Becker viu nele um jovem de escol. Resolveu enviá-lo a concluir
Teologia e realizar o Doutorado em Roma, na Universidade Gregoriana, dirigida
pelos padres jesuítas. Apresentou a tese, defendeu-a com brilho, foi laureado
com laude. Sua longa permanência na Cidade Eterna inspirou-lhe aquele
acendrado amor ao papa e à santa Madre Igreja. Foi ordenado sacerdote aos
20 anos, no dia 3 de abril de 1923. Concluídos os estudos, após breve giro pela
França onde visitou os santuários de Lourdes e de Lisieux; passou por Paris;
seguiu para a Alemanha para visitar Theley no Sarre, terra natal de seu pai.
Voltou a Porto Alegre, em 1927, foi nomeado secretário particular de Dom João
Becker, que residia na rua Mostardeiro. O Padre Vicente residia na casa
paroquial da Igreja Nossa Senhora da Conceição, atendendo também a
capelania do Hospital Beneficência Portuguesa. Naquele tempo as Irmãs da
Divina Providência trabalhavam exemplarmente na atendimento e na
assistência dos doentes.
77
Dom Vicente Scherer Arcebispo,
Cardeal e Chanceler de 23/2/1947 a 16/9/1981
Em 1930, ao deflagrar-se a Revolução em Porto Alegre, no dia 3 de
outubro o Padre Vicente foi designado pelo Arcebispo a acompanhar as tropas
que durante 21 dias marcharam até o Rio de Janeiro. É desse tempo a amizade
do Padre Vicente Scherer com o Dr. Getúlio Dorneles Vargas.
Em 1931 e 32 foi encarregado de organizar as paróquias de Barra do
Ribeiro e Tapes, residindo, nesse tempo, com o seu irmão Padre Estanislau
em Guaíba/RS.
Em 1936. Dom João Becker nomeou-o pároco da Igreja São Geraldo,
no 4° Distrito da Capital.
Naqueles tempos o Colégio Nossa Senhora do Rosário tinha
numerosos alunos internos e externos, entre as atividades religiosas existia a
devoção de realizar missas e comunhões nas primeiras sextas-feiras de cada
mês, em honra do Sagrado Coração de Jesus.
O Cônego Vicente Scherer era sempre convidado a ouvir as confissões
dos alunos. Estabeleceu com os Irmãos uma bela e duradoura amizade. Irmão
Afonso já criara a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, planejava a
78
criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras para formar professores
para o Curso Secundário. O Cônego Vicente já era pessoa contactada para
auxiliar no Curso de Filosofia.
A operosidade do novo pároco ergueu novo templo capaz de receber os
fiéis do bairro com dignidade e devoção. Em onze anos conquistara a confiança
e o amor daquela gente boa.
Em 1940, o Cônego Vicente Scherer assumiu a cátedra de Lógica da
novel Faculdade de Filosofia. Os múltiplos trabalhos e preocupações que se
acumularam a partir de 1945, obrigaram-no a licenciar-se de sua cátedra tão
prezada por seu espírito filosófico.
Em 1946, Mons. Vicente Scherer recebeu a nomeação de bispo auxiliar de
Porto Alegre. A saúde de Dom João Becker estava comprometida. Pouco tempo
depois veio a falecer, impedindo a sagração do novo bispo. O cabido Metropolitano
elegeu Mons. Vicente Scherer Vigário Capitular, aguardando a decisão da Santa
Sé. A partir de 18 de junho de 1946, passou a dirigir a Arquidiocese.
Em fins de 1946, confirmou-se a nomeação para Arcebispo. A sagração
esteve a cargo de Dom Carlo Chiarlo, Núncio apostólico, vindo expressamente
do Rio de Janeiro em fevereiro de 1947. Foram seus paraninfos de sagração:
Prof. Armando Pereira da Câmara, Reitor da Universidade Federal e professor
das Faculdades Católicas, e Deputado Federal Adroaldo Mesquita da Costa.
Arcebispo Metropolitano em março do mesmo ano, as Faculdades
Católicas fizeram-lhe carinhosa homenagem, oferecendo-lhe o báculo e a mitra.
O aluno de Letras Clássicas, Irmão Elvo Clemente, representou o corpo
discente na saudação ao novo arcebispo metropolitano.
Desde a sua escolha para Vigário Capitular se deparara com três
grandes empreendimentos: continuação das obras da Catedral, iniciadas em
1921; a construção do Seminário Arquidiocesano, em Viamão; o 5° Congresso
Eucarístico Nacional, previsto para fins de outubro de 1948.
Dom Vicente residiu algum tempo na rua Mostardeiro, passando depois
definitivamente para a Cúria Metropolitana. O seu lema — programa buscou-o
79
em São Paulo: “Evangelizare misit me”. As suas mensagens aos fiéis através
de suas práticas e cartas pastorais eram fruto de suas longas horas de oração,
de meditação e contemplação aos pés do Sacrário ou aos pés da estátua de
Nossa Senhora Mãe de Deus (Padroeira de Porto Alegre).
O Congresso Eucarístico Nacional realizou-se com brilho e pleno êxito.
Os hinos e preces ecoaram pelas ruas e avenidas da Capital. As Faculdades
Católicas e os colégios católicos cederam salas para conferências e estudos.
Na Praça Dom Sebastião, no Salão Nobre houve solene sessão com a
presença de todo o episcopado do Brasil no dia 29 de outubro de 1948. Os
bispos todos deram seu apoio e sua adesão ao movimento dos católicos
riograndenses e dos Irmãos Maristas em prol da Universidade Católica. Desejo
que se concretizou pela assinatura do Decreto de equiparação da Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, no dia 9 de novembro. O prestígio e a ação de
Dom Vicente se fizeram presentes neste ato de criação da Universidade.
Durante o 5° Congresso, houve a inauguração dos serviços religiosos
no corpo da Catedral, até então eram clebrados na cripta.
A construção do Seminário Maior, em Viamão, começou sob a
responsabilidade da Arquidiocese e das Dioceses sufragâneas. Todas tinham
seminaristas concluintes do seminário menor e destinados aos estudos de
Filosofia e Teologia. Era necessário amplo e adequado espaço para receber
dignamente os futuros sacerdotes do Senhor.
Outras obras do Arcebispo (obras sociais, religiosas e culturais):
Novo Lar de menores
O Pastor da Arquidiocese via com a dor no coração tantos jovens
perambulando pelas ruas, fáceis obreiros do crime. Estudou com os
conselheiros da Mitra um solução. Uma das modalidades encontradas por Dom
80
Vicente foi a criação do Novo Lar de Menores, a ser construído num terreno
adquirido, perto do Seminário Maior. Os recursos foram conseguidos pelo
próprio arcebispo, com um “Livro de Ouro” na mão, visitou pessoalmente
industriais, banqueiros, comerciantes, fazendeiros, católicos, evangélicos,
judeus e de outros credos que responderam com generosidade e apreço. Pouco
tempo depois o Novo Lar era realidade, que perdura até hoje sob a
administração da Congregação Salesiana de São João Bosco.
Escola rural de Estrela
A grande preocupação do arcebispo Scherer como a do seu
predecessor foi a educação, a formação da juventude da cidade e do campo. O
projeto da Escola Rural de Estrela — Stella Matutina visava a formação de
professores para o meio rural: aprendizado das novas técnicas agrícolas,
preparação de novas lideranças no campo. A Escola funcionou por dezesseis
anos, isto é, até 1974. Muitos rapazes e moças tiveram segura e sábia
formação técnica, científica, cívica e religiosa.
Casa de Retiro Vila Betânia
Um grupo de sacerdotes do clero arquidiocesano, principalmente, da
Capital, reunidos em sociedade civil particular adquirira, em 1932, 10ha,
localizados na Cascata, denominação popular do 5° Distrito, coberto de matas,
onde foi construída uma gruta dedicada a Nossa Senhora de Lourdes, onde
ergueu-se um casarão de madeira destinado a retiros e encontros de formação.
Pensou-se na assistência do clero, pela Aracoeli; construíram-se ainda: escola
primária, para crianças pobres do bairro; o cemitério para o clero e um santuário
dedicado a Nossa Senhora. Presentemente a Aracoeli (assistência médico-
hospitalar) está incorporada ao Hospital Divina Providência.
Para a concretização e ampliação da Casa de Retiro, Dom Vicente
designou a ala feminina da Ação Católica, então sob a assistência eclesiástica
81
do Padre Claudio Colling. As sócias da Ação Católica conseguiram fundos e
arranjaram a casa e o parque. Em 1950 o novo prédio de três andares erguia-se
convidativo entre as vetustas árvores. A arquidiocese dispõe desde, então, casa
de retiros espirituais, de encontros de formação e pastoral, de congressos,
convenções e dias de meditação.
Jornal do Dia
Dom João Becker com um grupo de católicos resolveu constituir uma
sociedade civil para publicar um diário católico — o Jornal do Dia. Dom Vicente
manteve a decisão de seu antecessor e, assim estruturou-se o jornal: compra
de um terreno na Rua Duque de Caxias perto do Solar dos Camara. Surgiu o
Jornal do Dia na inspiração de Armando Pereira da Camara, de Ruy Rodrigo
Azambuja e outros, com muitos sacrifícios das paróquias da arquidiocese, com
a abnegação da Congregação do Verbo Divino o diário levou mensagens de
vida e de esperança às famílias de assinantes durante 20 anos.
Muitas outras obras e empreendimentos Dom Vicente Scherer levou
adiante de fevereiro de 1947 a 6 de dezembro de 1981, quando assumiu a
direção do arcebispado Dom Claudio Colling. Sempre manteve a fidelidade no
cumprimento de seu lema: “Evangelizare misit me”.
Atividades, atitudes, atribuições
Desenvolvimento da Província eclesiástica: quando iniciou o seu
governo, o Rio Grande do Sul era constituído de 5 dioceses e uma prelazia; no
fim de 1981 eram 15 dioceses, sendo mais de dez delas, em períodos
diferentes, dirigidas por bispos oriundos do clero da arquidiocese e do corpo
docente da PUCRS.
O Sacerdócio concentra a grande obra de Dom Vicente. Além de 15
bispos sagrados por ele, ordenou 493 sacerdotes, sendo 191 do clero
diocesano e 302 do clero regular e de outras dioceses.
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Vida paroquial. Durante os 35 anos de arcebispo, foram criadas 105
novas paróquias. Para elas nomeava seus sacerdotes e os do clero regular que
os superiores das respectivas ordens ou congregações punham à disposição.
Paróquias e capelanias pessoais, hoje assim chamada a assistência
especial dada a imigrantes: alemães, chineses, húngaros, japoneses e poloneses.
Ampliação da ação dos fiéis nas ações da Igreja
No espírito do Vaticano Li, expresso na Constituição apostólica Lumen
Gentium e na Cristifidels laici, Dom Vicente soube abrir aos fiéis ações
importantes da Igreja. Restabeleceu o Diaconato para leigos, casados ou
solteiros, como grau próprio e permanente na hierarquia eclesiástica. Este
último concretizou-se com a ordenação do primeiro Diácono, ordenado pelo
próprio Paulo VI, no Congresso Eucarístico Internacional de Bogotá, em 1968,
Prof. Alexandre Gruszynski.
Dom Vicente e a CNBB Em relação ao episcopado nacional Dom Vicente foi o primeiro bispo
brasileiro que assinou seu apoio à criação da Conferência Nacional dos bispos
no Brasil - como instrumento de ação administrativa da Igreja. Sua atividade era
notável nos cargos que assumiu e em suas posições no grande colegiado.
Lamentou profundamente quando, posteriormente, tornou um mais político-
laical do que religioso-espiritual.
Independente e colaborador Em sua atitude com os governos do Estado e da União posicionou-se
independente e ao mesmo tempo colaborador das ações propostas para o bem
comum do povo brasileiro. Foi amigo dos governadores vindos de partidos
diferentes. Diante do movimento de 1964 teve a liberdade dc afrontar e
denunciar injustiças e atos arbitrários, ao mesmo tempo salvar situações
difíceis de pessoas.
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Alfredo Vicente, Cardeal Scherer
Eram 22 horas de 27 de março de 1969, quando chegou à cúria o
seguinte telegrama:
Cras ephernerides patefacient Summi Pontificis animam te in supremum
Ecclesiae Senatum kalendis maii cooptandi.
Sebastian Baggio — Nuncio apostólico, Dom Vicente recebeu o
telegrama, agradeceu os cumprimentos. Eis a tradução:
Amanhã a imprensa publicará que a benevolência do Sumo Pontífice te
escolheu para integrar, a primeiro de maio, o Supremo Senado da Igreja.”
Na carta que o Papa Paulo VI enviou a D. Vicente dizia a razão de
sua escolha:
Ao venerável Irmão Vicente Scherer Saudação e Bênção Apostólica.
Levamos ao teu conhecimento por esta carta que no próximo
Consistório te incluiremos no Sagrado Colégio dos Cardeais da Santa Igreja
Romana para te manifestar nossa peculiar benevolência e no intuito de premiar
os teus méritos para com a Igreja com esta insigne dignidade.
Confiamos firmemente que ainda possas continuar por muitos anos a
tua vigilante atividade no campo de trabalho que te está confiado em benefício
da Igreja Católica.
Como penhor das graças celestes e em testemunho de Nossa paternal
afeição te concedemos de coração a Benção Apostólica em nome do Senhor.
Vaticano, em 28 de março de 1969, sexto ano do Nosso Pontificado.
Ass: Paulo Papa VI
Sabe-se que a eleição a Cardeal pode também estar ligada à
importância da cidade ou do país da residência do Bispo, como também o valor
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das ações e da vida do bispo. Porto Alegre e mais ainda a personalidade,
imbuída de Deus e do zelo apostólico devem ter influído decisivamente para a
escolha do novo Cardeal.
Participação na vida da Igreja
Dom Vicente participou de todos os atos e reuniões do Concílio
Vaticano II. Deu o melhor de si, de seus conhecimentos teológicos e de sua
vivência de Igreja nas discussões e nos documentos finais.
Participou dos conclaves que elegerem Albino Luciani em agosto de
1978. a Papa João Paulo Paulo I, falecido 33 dias após: Carlos Woytila em
setembro, João Paulo II. Era importante a amizade de Dom Vicente com o Papa
João Paulo II, que esteve em Porto Alegre, em julho de 1980.
A voz do Pastor
A Voz do Pastor, programa radiofônico posto no ar às segundas-feiras, às
21h, pela Rádio Difusora, no dia seguinte o mesmo texto era veiculado por jornais
da Capital. Era a maneira prática e apostólica de levar a palavra de Deus às
pessoas e aos lares do Rio Grande do Sul. Durante 19 anos, até agosto de 1980, e
a partir daquela data, em alternância com o seu substituto, Dom Claudio Colling e
bispos auxiliares. A Voz do Pastor levada pelas ondas hertzianas iluminava os
intelectos, confortava os corações e iluminava a Esperança dos ouvintes.
Numa publicação primorosa da EDIPUCRS a Voz do Pastor terá o seu
lugar para o desfrute das gerações do resente e do futuro, sempre luz para os
caminhantes, rumo ao Pai, preparação editorial está sob os cuidados e luzes do
Padre Zeno Hastenteufel. A decisão de publicar Voz do Pastor é altamente
meritória para a cultura e a história.
Dom Vicente declarou textualmente, em sua primeira alocução ao
completar oito anos da Voz do Pastor:
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“Nas palestras das segundas-feiras, costumo tecer comentários em
torno dos fatos que, no momento, polarizam ao menos parte considerável da
opinião pública, principalmente nelas, como no caso acontece, figuram pessoas
ou entidades de responsabilidade na Igreja. Sempre me anima o propósito de
desfazer equívocos e de julgar honestamente doutrinas ou dados concretos e
reais sob a inspiração de critérios seguros do bom senso e das lições do
Evangelho.” (Unitas, 1969, p.424).
Dom Vicente e a PUCRS
Instalação da Pontifícia Universidade Católica do RS − Dom Vicente faz o discurso inaugural,
presente o Cardeal Dom Jaime Câmara do Rio de Janeiro − 7 de março de 1951
Dom João Becker notabilizou-se por seu apoio à educação católica nos
colégios de Irmãos, de lrmãs e de Sacerdotes (Jesuítas ou Salesianos).
Quando surgiu, em 1931, a primeira Faculdade de Ciências Políticas e
Econômicas, obra do Irmão Afonso e de uma equipe de abnegados
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professores, Dom João Becker abençoou e entusiasmou a iniciativa. Quando
houve ampliação de espaços, ali estava o arcebispo com a sua bênção e
palavra encorajadora. Com a sua ajuda e orientação foi instituída a Semana da
Universidade com o domingo especial em que havia coletas para suprir as
despesas do ensino superior católico, conforme o exemplo do episcopado
italiano em relação à Università Cattolice del Sacro Cuore, de Milão.
A partir de 1947, Dom Vicente Scherer abraçou a causa das
Faculdades Livres para conseguir a equiparação de Universidade.
Após o dia 9 de novembro de 1948, por força do Estatuto, o Arcebispo
passou a ser o Chanceler da Universidade.
Dom Vicente empenhou-se com toda a força do prestígio pessoal e de
sua função para conseguir com o Procurador dos Irmão Maristas, Fratello
Alessandro di Pietro, junto da Santa Sé, o título de Pontifícia para a
Universidade, o que aconteceu pelo Decreto de sua Santidade Pio XlI, no dia 1°
de novembro de 1950, sendo Prefeito da Congregação Romana dos Seminários
e Universidades, o Eminente Cardeal José Pizzardo. No dia 7 de março de
1951 foi instalada a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em
sessão solene presidida pelo Cardeal Jaime de Barros Câmara, Arcebispo do
Rio de Janeiro. O discurso principal coube ao Arcebispo Dom Vicente Scherer
que traçou em linhas magistrais o programa de ensino da Universidade, com a
frase conclusiva:
“A fidelidade à sua missão cultural e religiosa lhe assegura a
conquista de glórias e louros, ao serviço da Pátria e da Fé: Viva no campo
da ciência e da educação.”
O Reitor, na data, era o Prof. Armando Pereira da Câmara, que dirigiu a
Universidade de 8 de dezembro de 1948 a 8 de dezembro de 1951. No dia 8 de
dezembro de 1951, assumia a Reitoria o Prof. Cônego Dr. Alberto Etges,
formado pela Universidade Gregoriana e lente de Deontologia Jurídica na
Faculdade de Direito.
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A vida universitária transcorria tranqüila, quando surgiu um problema,
fruto da interpretação do artigo do Estatuto, referente ao patrimônio da
Universidade. O texto permitia leitura ambígua, daí surgiu a crise. Um grupo de
professores e de alunos interpretaram que o patrimônio era próprio da
Universidade e não da União Sul-Brasileira de Educação e Ensino (Sociedade
Civil dos Irmãos Maristas). Houve momentos difíceis. Professores e alunos,
fervorosos católicos, chegaram a transmitir a Dom Vicente a sua maneira de
entender o Estatuto. Durante meses houve sofrimento de ambas as partes.
Finalmente o bom senso de Dom Vicente e do Irmão Paulo Norberto achou o
lado conciliatório. A paz retornou à Universidade e aos corações com a reforma
do artigo do Estatuto e com a nomeção do Prof. Irmão José Otão, Reitor, no dia
8 de dezembro de 1954, por ato de Dom Vicente Scherer. Ao tomar posse, o
novo Reitor assim se expressou:
“Queremos agradecer a Dom Vicente, Chanceler da Universidade, a
confiança em nós depositada. É dum espírito de união, de harmonia e de
compreensão que desejamos marcar nossa administração na Universidade.”
Por ocasião da inauguração dos retratos, no salão de honra da Reitoria,
em agosto de 1957, o Irmão José Otão assim se referiu a Dom Vicente: “Em
numerosas ocasiões, Vossa Excelência Reverendíssima deu público
testemunho de quanto lhe é cara a Instituição, e do propósito de tudo fazer para
a sua segurança, continuidade e estabilidade.”
De fato nos anos todos de Chanceler da Universidade de Arcebispo e
Cardeal de Porto Alegre, Dom Vicente foi amigo, protetor e defensor da
Instituição, perante a sociedade e perante os governos do Estado e da União.
Por ocasião do jubileu de prata de ordenação episcopal, a Reitoria e
toda a Universidade prestaram a Dom Vicente significativa e filial homenagem,
outorgando-lhe na mesma data, 28 de fevereiro de 1972, o título de
BENEMERÊNCIA. O Reitor, Irmão José Otão, salientou, em comovente
discurso, os méritos do arcebispo em prol do ensino e da educação católica, em
especial da Universidade. Destacamos alguns parágrafos do referido discurso:
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“A criação do Instituto de Teologia e de Ciências Religiosas, antiga
aspiração da Universidade tornada possível, em 1969, pela decisão positiva de
Vossa Eminência, tem propiciado uma revisão completa da ação
evangelizadora desenvolvida por esta Casa no seu próprio campo de atividade.
“Esta ação, conhecida com base num planejamento correto, eficiente e
sem alarde, está produzindo resultados positivos, embora não sejam possíveis
quaisquer previsões num setor onde a ação humana necessita continuamente
do sopro do Espírito Santo que tem caminhos próprios para iluminar as
inteligências e para fortalecer os corações.
“Possuidor de invulgar cultura teológica, de serenidade de julgamento,
de segurança de doutrina, de tenacidade de ação, de paternidade e
compreensão espiritual, de abertura para as necessidades e exigências do
mundo atual, de sensibilidade para ver; entender e interpretar os sinais dos
tempos, Vossa Eminência, está realizando um trabalho imenso, como pastor e
guia da arquidiocese de Porto Alegre, sendo verdadeiramente continuador das
epopéias evangélicas, com as naturais diferenças de tempo e lugar, dos
Policarpos, dos Agostinhos, dos Ambrósios e de tantos emientes apóstolos da
Igreja que marcaram época pela ação extraordinária, pela dedicação ilimitada e
pela eficácia apostólica.”
É para a exaltação da gigantesca obra realizada, que S. Santidade o
Papa Paulo VI, gloriosamente reinante, enviou a V. Eminência a expressiva
mensagem divulgada amplamente pela imprensa do País.
Esta Universidade que tem a honra e o privilégio de contar a V.
Eminência como seu Chanceler durante todo este período, embora ferindo as
delicadezas de uma modéstia constante, não pode deixar de salientar uma ação
tão benéfica e uma orientação tão oportuna que lhe propiciou, a ela
Universidade, um ambiente de tranquilidade e de ordem, de trabalho e de
progresso, para benefício da mocidade acadêmica, para o progresso social do
povo e para o desenvolvimeto da nacionalidade.
89
É por este motivo que, às homenagens que todas as classes sociais da
Arquidiocese prestam a V. Eminência ao ensejo desta data jubilar e às quais
aderimos, quis a Universidade, como parcela expressiva do rebanho apostólico,
através do seus corpos docente, discente e administrativo, juntar a sua
homenagem especial, homenagem de afeto, homenagem de reconhecimento,
homenagem de simpatia, homenagem de carinho, concedendo a V. Eminência
o título de “Benemérito”, o qual, na sua singeleza. deseja exprimir o somatório
de todos os sentimentos desta grande Comunidade Universitária.
Os prêmios e as recompensas humanas são limitados e transitórios
como a própria vida. Todavia, a gratidão e o reconhecimento nascidos do
coração de admiradores leais e mais do que isso, de amigos sinceros, são
duradouros e permanentes, transcendemn o tempo e penetram na eternidade.
Em sua resposta, Dom Vicente acentuou, a missão de areópago,
focalizando o relato da façanha do apóstolo Paulo.
“Andando pelas ruas da soberba Atenas, no meio da multidão de
altares erguidos em honra de divindades sem conta, encontrou Paulo um altar
caiu esta inscrição: “Ignoto Deo”, ao Deus desconhecido. O apóstolo disse
aos sábios no Areópago: “o que adorais sem conhecê-lo, eu vo-lo
anuncio”. (At. 17,23).
“Fartos dos ídolos de sua própria criação, bebida, drogas, sexo, ócio e
outros, impelidos pelas profundas inquietações de sua natureza racional, “como
os cegos que andam às apalpadelas” (At. 17,27) os jovens sentem a nostalgia
de um Deus que desconhecido, do seu íntimo se levantam vozes que o
chamam e repetem a pergunta dos dois discípulos a Jesus: “Mestre, onde
morar” (Jo. 1,38)? A escola católica responde, como o fez Jesus: “Vinte e vede”.
A missão específica do ensino católico, tanto na escolinha do interior afastado,
como nesta magnífica universidade, se resume em revelar aos homens de hoje,
e não somente aos seus jovens alunos, o Deus desconhecido que se nos revela
por Cristo, no seu Evangelho, mediante a Igreja. Promove-se na Universidade
católica a convergência de todos os esforços didáticos, a excelência das
90
instalações, a perfeição dos equipamentos, o mais alto nível cultural e científico
para a conquista do progresso e do desenvolvimento, mas tudo se pretende
integrar numa visão cristã da existência, de tal forma que o aluno diplomado, o
técnico em atividade coloque sua pessoa, sua capacidade, seu saber, sua
habilidade a até a vida, se necessário fosse, ao serviço de Deus, para sua
glória, e dos homens, para seu bem-estar, num mundo de fraternidade, de
alegria e de amor.
“Esta é a alma da cultura e da universidade católica, é a mola real que
impele para sempre melhores iniciativas, é a chama que ilumina todos os
caminhos, o objetivo que exalta todas as fadigas, a inspiração que suaviza
todos os sacrifícios, o prêmio que compensa todas as dedicações, a coroa que
consagra todos os triunfos.”
“Esta prestigiada Universidade tem a sua sede grandiosa à Av..
Ipiranga que lembra o histórico brado da independência há 150 anos. A
Universidade alimenta a ambição de adestrar jovens lutadores para a
independência integral de todas as servidões e para a conquista definitiva de
plena liberdade dos grilhões de todas as misérias, na construção de um futuro
em que os homens se entendam e se auxiliem, porque se amam, porque se
consideram peregrinos na caminhada para casa, para a conquista de um
destino de imortalidade.
Em 1981, ocasião em que Dom Vicente se licenciou do múnus
episcopal, teve carinhosa homenagem da parte da Universidade. No dia 29 de
outubro, no ponto alto das celebrações do cinqüentenárío da Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas, foi-lhe outorgada a comenda MEDALHA
IRMÃO AFONSO, como prêmio de devotarnento à Instituição Universitária.
No dia 1º de dezembro de 1981, em sessão solene do Conselho
Universitário, o Prof. Irmão Norberto Francisco Rauch conferiu ao Cardeal
Vicente Scherer o título de Doutor Honoris Causa pelo Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas.
91
Em toda a sua trajetória como professor de 1940 a 46, como Chanceler
de 1948 a 1981, Dom Alfredo Vicente Scherer demonstrou grande afeto aos
Irmãos Maristas, à causa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, aos professores, aos alunos e funcionários. Tinha um carinho todo especial
com as pessoas ligadas à PUCRS. Dom Vicente em sua vida de pastor e
mestre mostrou sempre, como escreveu o Cardeal Primaz da Bahia. Dom
Lucas Moreira Neves: “a força, a firmeza e a fidelidade aos princípios da Fé,
propostas pelo Evangelho de Jesus Cristo.”
A grande lição de Dom Vicente permanece viva e presente nas diretivas
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aere peraennius.
Provedor da Santa Casa de Misericórdia
Aos 78 anos de idade, três anos após ter pedido à Santa Sé a
resignação do cargo de Arcebispo, em 6 de dezembro de 1981, transmitiu a
Dom Cláudio Colling a posse canônica da Arquidiocese. Ainda no mesmo mês,
cedendo a insistentes convites, aceitou a direção da Santa Casa que se
encontrava em difícil situação financeira e funcional.
O Cardeal Vicente Scherer tanto fizera nos 34 anos de condução da
Arquidiocese. Tantas obras em prol dos sacerdotes, dos religiosos, das escolas,
da Universidade, da assistência social. O seu coração magnânimo sentiu a
obrigação de aceitar o desafio que afastara tantos administradores, pois viam o
barco da Santa Casa à deriva.
A posse realizou-se a 1º de janeiro de 1982. Dom Vicente, como
Provedor encaminhou com a colaboração do Governo do Estado e de uma
equipe de administradores as soluções que levaram a Santa Casa a vencer a
maior crise de sua história. Salientaram-se os nomes do Dr. José Sperb
Sanseverino e de Dr. João Polancyk.
92
Últimos anos
Em 1988 afastou-se aos poucos da Provedoria da Santa Casa, os anos
e os achaques começavam a pesar fortemente.
No dia 20 de junho de 1990, de manhã, sofreu uma isquemia que lhe
tirou quase totalmente a memória e a visão. Não conseguia mais ler e escrever,
nem celebrar sozinho a santa missa. Nunca se queixou dessa fatalidade,
escreve o P. Antonio D. Lorenzato, Capelão do Hospital Divina Providência.
Dom Vicente mandara construir ao lado do hospital a sua casa, onde
veio a passar santa e piamente os últimos anos.
Nas visitas que lhe fazíamos nos reconhecia, perguntava sobre a
Universidade. Entregamos-lhe o primeiro Volume da História da PUCRS,
sorriu agradecido.
No dia 5 de março de 1996, teve uma forte crise, os médicos
acorreram, tudo fizeram para restituí-lo ao bem-estar. Não foi conseguido. Pelas
23h57min do dia 8 de março entregava a sua bela e operosa alma ao Criador.
O Cardeal Alfredo Vicente Scherer descansava de seu labor apostólico
aos 93 anos e alguns dias.
A repercussão de sua morte, as exéquias comoveram a Capital e o Rio
Grande do Sul. O enterro na Catedral Metropolitano moveu e comoveu gente de
todas as classes sociais, pois Dom Vicente era o querido Pai de todos.
93
IRMÃO VENDELINO — JOSÉ WEIAND
Entre os pilares da Universidade alguns são mais evidentes,
sobressaem na configuração do edifício, outros ficam em ângulos mais
escondidos, todos, porém, têm seu valor e sua responsabilidade. É o caso do
Irmão Vendelino, superior provincial de 1940 a 1950, da Provincial Marista do
Brasil Meridional. Suportou os primeiros óbices, as primeiras alegrias e as
primeiras turbulências.
Vejamos alguns traços biográficos dessa preciosa vida de homem, de
religioso e de educador excepcional.
A família
A família Weiand era constituída de imigrantes alemães, (assim começa
o belo livro do Irmão Gelásio — Sabedoria e piedade).
Os Weiand provinham de St. Wendel (São Vendelino, município da
região do Sarre). Mathias Weiand, casado com Catharina Brill, aos 72 anos,
acompanhado de cinco filhos, de três genros e de dez netos imigrou em
1897. Foi fixar residência na região de Bom Princípio, à margem esquerda
do rio Forromeco.
Wendel Weiand era casado com Escolástica Josefa Baumbach, tiveram
onze filhos. Entre esses, dois entraram na Congregação dos Irmãos Maristas,
chegada em Bom Princípio, em 2 de agosto de 1900. Eram os Irmãos João
Marcelino (primeiro marista rio-grandense) e José (Vendelino).
José nasceu em 12 de junho de 1898. Alfabetizou-se em língua alemã,
aos 12 anos fez a primeira comunhão. Anos depois sentiu-se chamado à
vocação de irmão Marista. Nos anos de formação teve entre seus professores,
o Irmão João de Deus (Valeria - no de Jesus). Era um preto, ex-aluno do
colégio de São Gabriel/RS.
No dia 15 de agosto de 1913 fez a entrada no noviciado e a
conseqüente mudança de nome de José para Vendelino.
94
Irmão Vendelino – Presidente
USBEE 1941 − 1950 Após os estudos complementares começou a lecionar em (1915/16);
Santa Maria (1917/24); Uruguaiana (1926 a 1931).
Em 1932, Irmão Vendelino foi nomeado para a direção do juvenato, no
Instituto Champagnat, em Porto Alegre.
Durante dez anos será o formador de adolescentes e jovens
postulantes à vida de Irmão Marista. Transcrevo um texto que se encontra no
citado livro Sabedoria e Piedade:
“Quantas gerações não devem ao Irmão Vendelino o alicerce de sua
formação?! Aquelas instruções metódicas e práticas das quintas-feiras de
manhã e domingo à noite sobre a formação da vontade, a santa alegria, a
formação do caráter, etc. Na primeira tinha todo um programa de normas de
Civilidade e de comportamento social, de boa convivência na Comunidade. Na
segunda eram estudos e doutrina sobre a formação da vontade, a formação
para a alegria, a boa convivência.
A instrução vinha bem preparada: exposição clara, enriquecida de belos
e incisivos exemplos.
95
As suas palavras se respaldavam no exemplo de sua vida e no exemplo
de pessoas que souberam vencer na vida, graças à têmpera do caráter e força
de vontade. A formação das inteligências era outra parte importante dos seus
ensinamentos. A educação da castidade era feita fugindo dos rigores
jansenitas, das pieguices ou das atitudes cor-de-rosas. O educador se
manifestava como professor de Língua Portuguesa: preparando as redações,
corrigindo uma por uma, mandando recomeçar as frases, os parágrafos com
tropeços na sintaxe ou na morfologia. Nessas composições pelo método da
CRIA de Aftônio de Antioquia, formavam-se as mentes na coerência e na
coesão dos textos dissertativos, narrativos ou descritivos. A boa leitura e a
recitação de poemas e outros textos eram exercícios obrigatórios com
resultados seguros e imediatos na dicção daquela juventude com forte sotaque
de dialetos italianos ou alemães.
Tenho-o sempre minha lembrança e mais que na lembrança: vejo-o
diante de mim. Aquele olhar sereno, aquele sorriso de boca semi-cerrada. É
muita visão amiga, confortadora. De sua boca saía a palavra certa para o
momento azado. Palavra de ânimo, de conforto, palavra antiga.”
O trabalho do Irmão Vendelino na formação dos jovens coincidiu, em
grande parte, com o espírito inovador na Província do Brasil Meridional,
desencadeado pelo Irmão Afonso a partir de julho de 1936.
A idéia da criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras,
dominava as mentes e movia as ações nos colégios maristas do Rio Grande do
Sul, de Santa Catarina e do Paraná (colégio Paranaense, em Curitiba).
Em 1940, no dia 26 de março eram inaugurados os cursos da
Faculdade. Irmão Vendelino fizera vestibular e era aluno regular no Curso de
Filosofia. Exemplo maravilhoso de alguém com 42 anos se decidir a
freqüentar os cursos superiores necessários para habilitar os professores do
ensino secundário.
96
Em 1942, terminou a vigência do provincialato do Irmão Afonso. Por
obra do Capítulo Geral da Congregação fora designado para o cargo de
Assistente ou de Conselheiro Geral.
Em plena guerra européia, cujas conseqüências se fizeram sentir
também no Brasil, Irmão Vendelino empreendeu o governo da Província do
Brasil Meridional, na época com o efetivo de cerca de trezentos religiosos
repartidos em quarenta comunidades em todo o Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná.
Irmão Vendelino colaborou com o Irmão Afonso no grandioso plano de
estruturar a Universidade, no Conselho administrativo ou em consultas
pessoais. Ao ter sobre seus ombros a herança de compromissos dos seis anos
do provincialato anterior, Irmão Vendelino mostrou muita sabedoria, muita
inteleigência e força de decisão.
Preparou obreiros para a Universidade e para outros lugares do
Brasil e da África.
A Província do Brasil Norte minguava em vocações, fez apelo ao Irmão
Afonso, Conselheiro Geral. Prontamente o Irmão Vendelino foi preparando um
grupo de seis adolescentes para coninuarem os estudos em Apipucos, Recife.
Em 1943, o Irmão Vendelino acompanhou os jovens em viagem de trem,
verdadeira epopéia de resistência física e moral naqueles penosos dias, em
plena guerra.
Em 1948. era a vez da fundação da obra marista em Moçambique para
onde foram os irmãos: Moisés Abílio, Pacômio, Rolando e Fábio Pereira.
Além dessas preocupações e tarefas administrativas cuidava da
orientação das várias centenas de irmãos, sem deixar de lado os estudos
pessoais. Os assuntos da Universidade iam fluindo com normalidade na criação
e implantação das Faculdades de Direito e de Serviço Social. Em 1947,
começaram as preocupações com a estruturação da Universidade, pensamento
e objetivo máximo do Irmão Afonso, de tantos irmãos e do laicato católico do
Rio Grande do Sul.
97
Os arraiais da administração geral do Instituto dos Irmãos Maristas não
estavam calmos, nem todos viam com bons olhos a grande obra do lrmão
Afonso, em Porto Alegre.
Em 1947, membros do Conselho Geral discutiam a obra das
faculdades, o ensino misto, sob as orientações da Carta encíclica Divini illius Magistri, de Pio Xl. As pressões se faziam sentir sobre o superior provincial,
Irmão Vendelino, e seu Conselho. Houve recados incisivos de modificar o
modus faciendi dos Cursos Superiores.
Como espelho da situação transcrevem-se os principais parágrafos da
carta que o Irmão Vendelino endereçou ao Arcebispo Dom Vicente Scherer, nos
primeiros dias de janeiro de 1948, uma radiografia da situação.
Irmão Vendelino com seu caráter bom e compreensivo soube suportar
as pressões que vinham do Conselho Geral e dos Irmãos diretores dos colégios
ou do Conselho Provincial.
A carta, aqui, transcrita, ao leitor atento, indica o volume dos problemas
que pesava sobre a cabeça do Irmão Vendelino:
Porto Alegre, 2 de janeiro de 1948.
Excelência Reverendíssima:
Como já tive oportunidade de comunicar a V. Excia., teremos neste mês
a honrosa visita de nosso Irmão Superior Geral. Chega de avião no dia 20, e
permanecerá até 19 fevereiro.
Essa visita será uma grande graça para a nossa Província e suas
obras, pelo estímulo que receberão da parte da primeira autoridade da
nossa Congregação.
A obra, sobre que se concentrará certamente a sua atenção, é a
Universidade Católica. A respeito dela, o Reverendo Superior, vem com
determinações tomadas no Conselho Geral, o que já aludi verbalmente junto de
Vossa Excelência e sobre as quais eu, com os membros do meu Conselho
98
Provincial, chamo a atenção de Vossa Excelência a fim de que as submetamos
a um exame cuidadoso, para que possamos apresentar pelo menos algum
projeto de solução.
I − Eliminar a presença das mulheres. — É o que ponderei diversas
vezes a D. João Becker. O ilustre prelado extinto achava que seria viável, uma
vez que houvesse Freiras formadas pela Faculdade. E isto já está feito. Como
não se trata de organizar, mas tão somente de se encarregar duma obra já
organizada, creio que seria fácil assentar-se o desdobramento.
1ª etapa: Passar para a direção das Freiras a Escola de Serviço Social,
freqüentada quase exclusivamente por moças e senhoras.
O Diretor, os Professores, etc. continuariam sendo os mesmos que
até agora, excetuando dois Irmãos, que poderiam ser substituídos por
professores leigos.
2ª etapa: Passar para as Freiras o elemento feminino das demais
Faculdades: Faculdade Noturna (Ciências Políticas e Econômicas) — Existe
uma Faculdade dessas na Universidade do Estado. Mas, muitas moças
receiam aquele ambiente, e foi preciso continuar a aceitá-las na nossa, a
pedido do P. Alberto Etges. Também para esta Faculdade, bastaria que as
Freiras se encarregassem de supervisionar, colocando-a no horário que lhes
parecesse melhor.
3ª etapa: Separação dos homens e mulheres também na Faculdade de
Filosofia. Isto, pela duplicação das cadeiras e pela multiplicidade das secções,
vai ser talvez difícil. Sempre será útil encarar a possibilidade e pedir um prazo
para sua execução.
II − Solução do problema financeiro.
Será talvez o mais custoso, conquanto também mais dos mais
prementes. Como Vossa Excelência sabe, a fundação da Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas e a da Filosofia foi imposta pela necessidade
de munirmos os Irmãos dos diplomas e títulos exigidos pelo Ministério da
Educação, sendo elas, inicialmente as únicas existentes no Estado. Delas se
99
valeram, além de muitíssimos leigos, as demais Congregações dedicadas ao
ensino. Entretanto, seja-me permitido, Excelência, frisar que nós, os Irmãos
Maristas, jamais tivemos a pretensão de monopolizar para nós a direção e o
funcionamento das Faculdades. Convidamos desde logo os demais religiosos
para para uma eficaz colaboração no nosso Estado. Esse convite foi pouco
compreendido, e só a custo veio alguma colaboração, remunerado sempre, não
se fazendo diferença entre um professor leigo ou religioso ou sacerdote.
Apenas os Irmãos Maristas lecionam grátis, a fim de diminuir o pesado deficit com que, ano por ano, as Faculdades fecham o seu balanço.
Muita gente já tem externado sua estranheza de que uma única
Congregação arque com as despesas, enquanto os demais tiram das
Faculdades as mesmas vantagens que ela.
Seria interessante que, ao Ir. Superior Geral, pudéssemos
apresentar um plano de financiamento, em que todas as demais
Congregações se comprometessem a uma colaboração financeira,
supervisionada pela Cúria Metropolitana. Isto tanto mais, quanto uma vez
organizada a Universidade Católica do Rio Grande do Sul, esta passará a
integrar o conjunto das obras da Arquidiocese.
III − Confiar a outra Congregação, o funcionamento da Faculdade
Católica de Direito.
O Ir. Afonso, se opunha categoricamente, e a maioria dos alunos
também. Em todo o caso é o que procuramos fazer na fase inicial de sua
organização. Apenas houve o fato de os Reverendíssimos Padres Jesuítas, em
face da premência do tempo, não puderam cumprir todas as exigências que o
governo fazia. Agora a Faculdade católica de Direito está organizada e em
pleito funcionamento. A Congregação que dela se encarregasse, nada mais
teria o que fazer do que garantir a sua continuação, o que não é difícil, visto os
elementos de 1ª ordem com que ela pode contar. (Em vista disto e pelo aspecto
de “Obra de Perseverança” dos nossos alunos, creio que o Reverendíssimo
Superior consentirá que a guardemos, nós, os Irmãos Maristas.
100
lV − Incentivar a fundação de algumas cátedras por conta das
Dioceses. (As Paróquias poderiam tornar-se “Legionárias”).
Há algumas cátedras fundadas por particulares e municípios. O
Irmão FéIix Roberto está agindo e tem esperança de conseguir sempre mais
adesões, especialmente junto das Prefeituras cujos titulares se formaram
nos nossos colégios.
Conseguindo o mesmo da parte das Dioceses, a questão financeira terá
dado um passo largo para a sua solução.
V − Continuar a apoiar o Dia das Faculdades Católicas (Ou Dia da
Universidade Católica), para lhe dar sempre maior resultado, seja pelo
apoio moral, seja pelas coletas que, da parte de algumas paróquias,
já são consideráveis.
Enquanto não tivermos um patrimônio sólido constituído por fundos que
pertençam exclusivamente à Universidade Católica, os Superiores da
Congregação não se darão por satisfeitos, por grande que seja o bem que ela
está destinada a produzir.
O que acaba de ser exposto, Excelência, contém sugestões para uma
solução que, tenho confiança, contentará o nosso Reverendíssimo lrmão
Superior Geral. Mas a sua execução depende, em grande parte, de medidas
que só podem ser tomadas pela autoridade eclesiástica, com a qual, como até
agora, nós os Irmãos Maristas, nos prontificamos a colaborar com toda a
dedicação e sem medir sacrifícios, desde que estes não colidam com a
obediência e o acatamento que devemos aos Superiores maiores da
Congregação, e sem prejuízo dos interesses desta.
Nós procuraremos substituir, aos poucos, os professores leigos, por
Irmãos nossos que lecionam grátis. Se pudéssemos obter, no mesmo sentido,
a colaboração de membros de outras Congregações ou de Padres, também
isso diminuiria as despesas. Essas mesmas Congregações formariam grátis
os seus membros.
101
Para as congregações de Freiras, poderiam estabelecer-se
condições especiais, de vez que não se admita a hipótese de elas
funcionarem como professoras,
EM RESUMO, o resultado a que precisaríamos chegar, é este:
a) Todas as Congregações, que necessitam munir os seus membros de
títulos universitários, devem obrigar-se a fazê-lo nas Faculdades Católicas;
b) As ditas Congregações seriam postas no mesmo pé da Congregação
dos Irmãos Maristas, quanto à contribuição para o financiamento e do
suprimento de professores, de acordo com as possibilidades, a critério da
autoridade eclesiástica;
c) Essas mesmas Congregações formariam os seus membros
independente de qualquer outro ônus;
d) As Dioceses e as Paróquias que mantiverem alguma, cátedra,
terão direito de apresentar certo número de alunos grátis, filhos daquelas
Dioceses ou Paróquias (o que haveria de contribuir grandemente para a
difusão da cultura católica).
Submetendo as considerações acima ao alto critério de V. Excia.
aguardo respeitosamente as ponderações que V. Excia. se dignar fazer a
respeito, a fim de submetermos ao nosso Irmão Superior Geral um bem
elaborado plano que garanta para a Universidade Católica o beneplácito dele, e
que, assim, essa obra possa caminhar francamente para a sua conclusão.
De Vossa Excelência Reverendíssima.
Humilde servo e filho obediente
Irmão Vendelino
Provincial dos Irmãos Maristas.
Irmão Afonso, membro do Conselho Geral, procurou lançar luz e
esperança sobre os graves problemas apontados na carta transcrita acima.
102
Reunião da Congregação da Filosofia com Ir. Vendelino e Reitor Armando Câmara
Praticamente na mesma data escreveu ao Conselho Geral e ao
Conselho Provincial — Algumas considerações sobre a Universidade Católica
de Porto Alegre.
Haveria quatro questões a estudar:
a) população escolar feminina;
b) aspecto econômico;
c) utilidade para a Província e para o Instituto Marista;
d) vantagens para a formação da juventude em geral e para a formação
de elites em particular.
1ª Não parece possível afastar de imediato as mulheres das faculdades.
Foram feitas gestões junto de duas congregações de religiosas de Porto Alegre
para que se encarregassem do setor frminino. Regulamentos severos foram
feitos para evitar o convívio entre alunos e alunas.
2ª O aspecto econômico parece ser a questão principal. Não se pode
mais retardar a constituição do patrimônio destinado exclusivamente a manter a
103
Universidade Católica. O patrimônio seria constituído por fundos provenientes
de: campanhas para obtenção de cátedras (valor de cem mil cruzeiros);
campanha de legionários da Universidade Católica (mil cruzeiros), com direito a
diploma de legionário. Temos mais de 30 colégios no Estado. Um irmão zeloso
poderia entusiasmar os ex-alunos para serem legionários e assim sustentarem
a Universidade. Insistir em manter o Dia da Universidade com o apoio dos
senhores bispos. Promover, outrossim, jornadas da Universidade católica em
múltiplas localidades em que estamos estabelecidos. Haveria ainda subvenções
anuais do Estado e do Governo Federal.
O dinheiro conseguido para o patrimônio da Universidade seria
colocado em bancos ou convertido em ações seria empregado exclusivamente
na manutenção da Universidade. Em poucos anos os juros desse capital
cobririam as despesas.
3ª A Universidade Católica é um todo. É a jóia e a esperança da
Arquidiocese. Seu órgão oficial — UNITAS — em cada edição tem referências
elogiosas e cheias de esperança em relação à Universidade Católica. O
relatório da reunião plenária dos bispos do Rio Grande do Sul indica que os
bispos recomendam expressamente aos fiéis de manter a Universidade
Católica. A Província já usufrui vantagens dos cursos: até 1946, 59 irmãos
obtiveram o diploma de bacharel e 34 de licenciados. Em 1947, 56 irmãos
seguem os cursos superiores. Nenhum desses irmãos perdeu a vocação.
Valeria a pena assinalar outras vantagens essenciais: o prestígio de nossas
obras, o bem realizado pela Universidade: as elites para as posições
dominantes na vida social. Como religiosos educadores, é para nós
reconfortante e honroso colocar nossa missão ensinante a serviço da
colaboração que a Igreja nos solicita. A situação religiosa do Brasil não se
compara àquela da França. Há cinqüenta anos estamos na vanguarda dos que
trabalham no ensino católico. Se nós abandonarmos a obra da Universidade
Católica mereceremos certamente a indiferença e o desprezo da Hierarquia e a
desconsideração da sociedade que veria em nós apenas educadores egoístas.
104
Para nós, existe ainda, uma questão de prestígio diante da Igreja, do Estado, da
sociedade, de nossos ex-alunos. Além do mais nossas vocações se valorizam
pela Universidade.
4ª As vantagens para a formação da juventude e das elites não é
preciso comentar. A Arquidiocese considera a Universidade Católica parte
integrante de seu patrimônio cultural. A Universidade católica representa para a
Congregação uma adaptação às exigências atuais, trabalhando para resolver
os problemas de nossa época no âmbito dos Institutos Superiores de Educação.
Em outros lugares e países do mundo, as necessidades não são idênticas. No
Brasil é preciso adaptar-se ou desaparecer e morrer. A Universidade Católica
representa para o meio social em que nós estamos o que é a Igreja para a
humanidade. Ora a Igreja não deixa nenhum terreno social sem semear ali sua
doutrina eterna. A Universidade Católica é tanto mais católica quanto será mais
comnpleta ampliando as possibilidades de apostolado.
Ao aproximar os textos do Irmão Vendelino com o do Irmão Afonso, encontra-se no primeiro um gesto de obediência e de busca de solução para a
vida da Universidade Católica, no segundo está a atitude confiante e
decidida de ir em frente, superar os obstáculos e manter a Universidade
ampla e renovada.
No dia 20 de janeiro de 1948, chegou o Superior Geral, Irmão Leônidas.
Foi recebido com festas no Rio de Janeiro e São Paulo.
No dia 9 de fevereiro, visitou a Universidade. Teve uma recepção
carinhosa e cultural. O prof. Armando Dias de Azevedo, reitor interino, fez
magnífica saudação em excelente língua francesa. Mostrou ao ilustre visitante o
valor e a importância da Universidade Católica para o Rio Grande, o Brasil e
para a Igreja. Estiveram presentes os diretores das unidades acadêmicas,
muitos professores e expressivo número de estudantes. O superior Geral
elogiou os esforços do Irmão Vendelino. do Irmão Afonso, do Conselho
Provincial e dos Irmãos professores e alunos.
105
Os problemas apontados na carta do Irmão Vendelino foram
examinados e confrontados com o documento do Irmão Afonso. O Superior
ouviu, discutiu os problemas e apontou soluções. Em seu retorno a Saint-Génis-
Laval. o Conselho Geral estudou o relatório do Irmão Leonidas e os
documentos citados. Não tomou nenhuma deliberação. O curso da história da
Universidade Católica prosseguiu sua tramitação até a aprovação do Estatuto e
a equiparação acontecidas no dia 9 de novembro de 1948. Depois de tantos
mal-entendidos brilhava a luz da Verdade sobre a grande obra do Irmão Afonso,
dos colaboradores leigos e dos irmãos. Irmão Vendelino celebrou o
acontecimento com muitas orações de ação de graças. Estava viva e real a
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, instalada no dia 8 de dezembro
pelo Arcebispo Dom Vicente Scherer, com a posse dos dirigentes: Reitor Prof.
Armando Pereira da Câmara; Vice-Reitor — Prof. Irmão José Otão; Diretores
das Faculdades de — Ciências Políticas e Econômicas — Prof. Francisco da
Silva Juruena; Filosofia, Ciências e Letras — Prof. Antonio César Alves; Direito
— Prof. Armando Dias de Azevedo; Serviço Social — Prof. Mário Goulart Reis.
Em agosto de 1950 celebrou-se o cinqüentenário da chegada dos
Irmãos Maristas em Bom Princípio. O arcebispo Dom Vicente Scherer fez
questão de celebrar a missa solene no dia 23 de julho. Irmão Vendelino e Dom
Vicente eram amigos e conterrâneos, essa amizade favoreceu o bom
entendimento e a solução dos problemas advindos da Universidade.
No dia 1º de novembro de 1950, a Universidade foi agraciada com o
título de Pontifícia, graças ao empenho de Dom Vicente, do Irmão Afonso,
do Ir. Faustino e do Irmão Alessandro di Pietro, procurador dos maristas
junto da Santa Sé.
Divisão da Província, em 1951
O crescimento da Província alcançara proporções consideráveis:
escolas nos três estados do Sul, obras em Moçambique. O pleito de indulto foi
encaminhado pelo Superior Geral Irmão Leonidas ao Papa, Pio XII. O efetivo
106
humano era representado por 516 religiosos, dirigentes de 37 escolas, 568
formandos e 18.244 alunos.
A divisão realizou-se a partir de 25 de novembro de 1951: Brasil
Meridional em Porto Alegre e Santa Catarina com sede em Passo Fundo.
Foram nomeados respectivamente superiores provínciais: Irmão Paulo Norberto
e Irmão Januário (Pedro Zanella).
Não vamos acompanhar a piedosa e operosa vida do Irmão Vendelino
depois de 1951. Exerceu alguns cargos de direção: Colégio Conceição, de
Passo Fundo; Juvenato Imaculada Conceição, de Getúlio Vargas; Instituto
Champagnat, Passo Fundo; Escolasticado, Cerrito, de Santa Maria. De 1972 a
1979 prestou serviços comunitários, na residência provincial, Edifício Pampa,
Santa Maria. A partir de fevereiro de 1980, a conselho médico, recolheu-se à
casa de repouso no Cerrito. Sua vida e sua saúde debilitadas o levaram a
várias internações no Hospital São Lucas que ele soubera, em 1948 por sua
sabedoria assegurar a vida da Universidade Católica. Seus triunfos na vida
eram devidos à sua piedade e sabedoria: confiança plena em Deus e muita
prudência no trato das atividades humanas. Combateu o bom combate, ergueu
tantas casas de educação, serviu de pilar à grande obra da Universidade
Católica de modo diverso mas real e efetivo. Entregou sua bela alma a Deus no
dia 27 de abril de 1987, num apartamento Hospital Universitário São Lucas.
107
MANOEL COELHO PARREIRA
Nasceu em Rio Grande, no dia 11 de janeiro de 1895, filho do
engenheiro José Coelho Parreira e de Alzira Belmonte Parreira. Passou os
primeiros anos na cidade natal. Aos 10 anos a família transferiu-se para Santa
Maria, centro ferroviário do Estado, de que o Eng° Parreira era funcionário.
Manoel foi matriculado no Colégio Santa Maria dos Irmão Maristas.
Prof. Manoel Coelho Perreira
Entre os documentados guardados pela família está um Boletim de
notas de 31 de julho de 1906, do aluno Manoel Coelho Parreira do 2° Curso
preliminar A. É curioso ver as anotações referentes ao Procedimento: Conduta,
10; Aplicação, 10; Civilidade, 10; Temas, 10; Lições, 10; Nota Geral; 10. Quanto
ao Aproveitamento: Doutrina, 9,0; Português, 9.0; Francês, 9,0; Aritmética, 9,0;
Geografia. 9,0; História do Brasil, 9,0; Caligrafia, 7,0; Desenho, 8.0; Canto.
7,0; Ginástica, 8,0.
Entre 29 condiscípulos obteve o 3° lugar; faltou 2 lições.
A assinatura do Professor é do Irmão Ambrósio e o Diretor Paulo Norberto.
108
Como se vê pelas notas, o menino era aplicado e cumpridor dos
deveres escolares. Naqueles anos tivera a oportunidade de fazer a primeira
comunhão, preparada com diligência e amor pelos Irmãos. Estávamos ainda
sob o domínio dos resquícios de jansenismo que levavam o primeiro encontro
com Jesus Eucarístico após os dez anos.
O papa Pio X, sucessor do glorioso pontificado de Leão XIII, preparava
a grande reforma da Igreja com a base na vida eucarística dos fiéis.
Em 1909 novo Boletim de notas, o rapaz de 14 anos freqüentava o 3°
Ano, seria o Propedêutico do Curso de Guarda-livros. Vê-se o aluno exemplar
em Procedimento com as notas: Comportamento, 10; Aplicação, 10; Cortesia,
10; Temas, 10; Lições, 10; Nota Geral, 10. Conseguiu a Nota de Honra. Eram
estímulos importantes da Pedagogia daqueles tempos de pouca teoria e
muito boa prática.
Veja-se, então, o Aproveitamento: Moral, 8,0; Português, 7,0; Francês,
8,0; Inglês, 6,0; Latim, 6,0; Desenho, 8,0; Geografia, 6.0; Corografia, 6,0;
Álgebra, 8,0; Geometria, 6,0. Entre 23 condiscípulos obteve o 1° lugar com
1139, nos temas e lições durante o mês de abril de 1909 no Ginásio Santa
Maria em Santa Maria — equiparado ao Ginásio Nacional Pedro II, pelo
Decreto n°6.817. A assinatura do Boletim no dia 1° de maio, é do professor
Irmão Afonso.
Para entender o sistema pedagógico da época, pode-se transcrever as
advertências escritas no verso do Boletim:
1) A conduta, a aplicação, etc. são apreciadas por um certo número de
pontos. 10 é o maior número que se pode obter; destes 10 o aluno perderá mais
ou menos pontos conforme a maior ou menor freqüência ou gravidade de falta
que cometer. Daí resulta a escala seguinte:
10 = excelente — distinção 9 e 8 muito bom; 7 e 6 bom (aprovado
plenamente); 5 e 4 regular; 3 e 2 sofrível e 1 apenas satisfaz. 0 em
procedimento era reprovado.
109
2) O lugar na aula entre os condiscípulos, será mais ou menos elevado
conforme o maior ou menor número de bons pontos, que o aluno ganhar pelo
aproveitamento nos trabalhos escolares.
É notável o número de disciplinas e a importância dada às línguas
francês, inglês ou alemão. O francês desde cedo, os Irmãos continuavam a
multiplicar a riqueza cultural do berço da Congregação e da pátria de origem.
Naqueles dias a cultura francesa dominava a sociedade como hoje a
anglo-americana.
A conclusão do ano letivo foi solenizada no dia 1° de dezembro de
1906. A título de ilustração apresenta-se a programação:
Às 10h — Sessão de Ginástica:
Às 15h — Sarau músico-literário:
Discurso pelo Dr. José Vieira do Amaral, orador oficial:
Distribuição dos prêmios;
Proclamação dos resultados dos exames oficiais de admissão ao Ginásio.
Havia também vasto programa de pequenos dramas representados
pelos alunos. O hino patriótico pelo coro geral dos alunos acompanhado pela
Sinfonia do Ginásio.
Terminando o Ginásio Santa Maria o jovem Manoel com 17 anos
apresentou-se aos exames vestibulares da Escola de Engenharia de Porto
Alegre, onde o pai lecionava havia algum tempo. A Escola, naqueles tempos
era mantida por uma sociedade particular.
A família Parreira havia-se transferido para Porto Alegre. O
estudante de Engenharia fez um curso brilhante, procurando trabalhar para
ajudar nas despesas da família. Aos 22 anos estava formado Engenheiro
Civil. Realizou concurso na Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Assumiu
logo o trabalho na fiscalização dos ramais da estrada de ferro Carlos
Barbosa, Garibaldi, Bento Gonçalves.
O jovem engenheiro sempre esteve ligado aos mestres que conhecera
em Santa Maria: Irmãos Afonso, Geraldo, Norberto, Artur e outros. Nas suas
110
permanências em Garibaldi visitava os Irmãos no Instituto Santo Antônio. Ali
conheceu o Irmão Pacômio fabricante do bom vinho e idealizador da fabricação
do Champagne com o ex-aluno Armando Peterlongo. Conheceu, outrossim, o
Irmão José Sion, o apóstolo dos ferroviários, um dos primeiros mestres do
colégio, na escolinha municipal, inaugurada em 1904. Passava belas horas com
os Irmãos partilhando das excelentes refeições preparadas pelo Irmão Geraldo.
Naquele tempo veio a conhecer na sociedade de Bento Gonçalves, a
jovem Arminda, filha do imigrante Júlio Lorenzoni, pessoa importante no
desenvolvimento do município. Pouco tempo depois realizou-se o casamento de
Manoel com Arminda. A residência fixou-se em Porto Alegre.
Em 1928, Manoel Parreira concorreu às eleições municipais de
Garibaldi, foi eleito por larga maioria de votos.
Em 1929, governou com rara sabedoria a comuna de Garibaldi. Apesar
de tudo, foi vítima de intrigas e de calúnias. Resolveu renunciar. Contra os
caluniadores teve o apoio forte e sereno do Arcebispo de Porto Alegre. Dom
João Becker.
Depois desse episódio doloroso dedicou-se mais à Viação Férrea de
que chegou a ser Diretor-Presidente. A família ia-se formando com os filhos
José, Maria do Carmo e Helena. Teve sempre um carinho especial à esposa e
aos fllhos. Para ele a família era a célula sagrada que estabelece e estrutura a
sociedade humana. Como era belo ver aquela família unida e harmoniosa
naquela bela casa à Rua Jerônimo Coelho.
O Eng° Manoel Coelho Parreira nunca deixou os Irmãos Maristas,
freqüentava-os no Colégio Rosário e os Irmãos freqüentavam-lhe a casa.
Em 1937, Irmão Afonso e Irmão Faustino começaram a elaborar a
Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Não havia modelo Nacional. São
Paulo buscou modelo europeu para implantá-lo na Universidade de São
Paulo, em 1934. Irmão Afonso buscou o modelo francês, ligado ao Instituto
Católico de Paris.
111
O Eng° Manoel estava ao lado dos Irmãos procurando aperfeiçoar o
primeiro esboço até chegar a um bom projeto. Irmão Afonso, superior
provincial de uma organização de ensino com 30 escolas e 250 professores,
preocupava-se em preparar os profissionais do ensino e da educação
mediante o título superior, resultado de três a quatro anos de estudos e
pesquisas sérias e profundas.
Manoel Parreira era o conselheiro do lado das disciplinas científicas:
Matemática, Física, Química, Biologia e outros.
Encontramos o nome dele como professor de Mineralogia no primeiro
projeto enviado ao Ministério de Educação em 1939.
Os cursos de Ciências Naturais, Física, Química, Matemática e
Pedagogia foram autorizados pelo MEC, em 1942.
Os cursos de Ciências precisavam de laboratórios para as aulas
práticas. O Prof. Manoel Coelho Parreira e o Prof. Dilermando Gaspar
Ochoa facilitaram o uso dos laboratórios da Universidade do Estado do Rio
Grande do Sul.
Aprovada a equiparação da Universidade Católica do Rio Grande do
Sul a 9 de novembro de 1948, seguiu-se o reitorado do Prof. Armando
Pereira da Câmara.
No Estatuto aprovado pelo Conselho Nacional de Educação dois artigos
suscitaram questões sérias da parte de um grupo de professores. Tratava-se do
Art. 9 — O patrimônio universitário tem existência própria e se não confunde
com os das unidades universitárias.
Além disso havia o Art. 15: O Reitor, órgão executivo supremo da
Universidade será nomeado pelo Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre,
dentre os professores catedráticos da Universidade, satisfeito o requisito de ser
brasileiro nato.
Um grupo de professores pretendia desconhecer a propriedade da
Mantenedora U.S.B.E.E. quanto ao patrimônio e à autoridade da mesma na
nomeação do Reitor.
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Os professores da primeira hora que trabalharam com o Irmão Afonso
na estruturação da Universidade compreenderam o equívoco do Estatuto e
resolveram reformá-lo.
Os membros do Conselho Universitário procuraram encaminhar a
reforma, o Senhor Arcebispo Dom Vicente Scherer aconselhado pelo grupo de
professores contestadores não autorizava a reforma estatutária.
A respeito disso transcreve-se o relato do Jornal do Dia de 21 de
março de 1954:
Sobre a situação econômica e jurídica da Pontifícia Universidade
Católica, o arcebispo metropolitano dirigiu a seguinte carta ao revdo. Irmão
Afonso, Assistente Geral dos irmãos Maristas, atualmente nesta Capital:
“Porto Alegre 20 de março de 1954.
Aos diletos Filhos, os reverendos Irmãos Maristas, fundadores e
mantenedores da Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Coube-vos, diletos Filhos sob o governo do grande Arcebispo, de
venerável memória, a quem sucedemos no sólio arquiepiscopal, a honra insigne
de haverdes lançado os fundamentos desse magnífico conjunto de
estabelecimentos de ensino superior, os quais, depois de acabados pelo vosso
indefesso esforço e pelo dos eminentes professores que se vos reuniram a
Santa Sé, a requerimento nosso, e merecido prêmio aos vossos cuidados,
decorou com as prerrogativas da Universidade Pontifícia.
Quis o vosso filial devotamento que o Arcebispo Metropolitano de Porto
Alegre presidisse, como Chanceler, à alta administração da Universidade
Católica do Rio Grande do Sul e lhe nomeasse, dentre os catedráticos, o Reitor
e os Diretores dos estabelecimentos, integrantes do corpo universitário. Como
mnantenedora da Universidade, resolveu a Congregação dos Irmãos Maristas,
com o espontâneo desvelo dos verdadeiros filhos da igreja que a esta, pelo seu
representante hierárquico na Arquidiocese, tocasse a competência para aqueles
assinalados atos de governo, cuja prática, segundo a lei civil, poderia ter,
certamente vindicado para si própria. Mereceu essa generosa iniciativa, de filial
113
carinho, a irrestrita aprovação da autoridade civil que solenemente, a deixou
expressa pelo Decreto Federal n°25.794, de 9 de novembro de 1948. Faz jús,
porém, esse nobilíssimo gesto, e ainda mais expressivamente, à aprovação e
aos louvores da Igreja. São realmente as Universidades obras de eleição da
universal família católica, postas por isso mesmo, de modo especialíssimo,
“debaixo da vigilância de Santa Sé e da Igreja “. (Encíclica Divini llius Magistri).
Não menos digna de louvor é a escrupulosa preocupação com que, na
organização da Universidade do Rio Grande do Sul, fixastes, nitidamente
traçados, os Iindes pelos quais o patrimônio da Universidade se descrimina do
de vossa Congregação, e a administração da Universidade mesma e a dos
institutos que a compõem, vêm a gozar da autonomia, indispensável à perfeita
execução da árdua tarefa que lhes é designada.
Tão entranhado afeto à Igreja, tão larga e lúcida concepção do
empreendimento que vos propusestes asseguram à Universidade Católica do
Rio Grande do Sul futuro dos mais promissores. Temo-Ia, a essa Universidade
já ilustre sempre próxima ao nosso coração de pastor, objeto de nossa
particular dedicação, como herança gloriosa de nosso preclaro predecessor no
sólio arquiepiscopal. Queremos assim conservá-la e havemos de defendê-la
para que se conserve tal como a recebemos, com toda a autoridade inerente ao
nosso múnus pastoral.
Como penhor deste nosso propósito, comunicamo-vos que estamos
encaminhando à Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades de
Estudos, para aprovação pontifícia, o texto dos Estatutos vigentes da
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, juntamente com pormenorizada
exposição da situação nela existente.
Estamos certo, diletos Filhos, de que, com tal organização, a
Universidade, a nós tão singularmente preciosa, virá a sobrepor-se, triunfante,
aos graves riscos, que de outro modo poderiam, mais cedo ou mais tarde,
tolher-se ou empecer-lhe o progresso, com irreparável dano para o ensino e
para a religião.
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Dando-vos, de coração, a nossa bênção arquiepiscopal convidamo-vos
a vos unirdes conosco nas preces que, aos céus, elevamos pelo futuro e pela
grandeza da Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
(Ass.) Vicente Scherer — Arc. Metr. de Porto Alegre.
Os trabalhos de reforma do Estatuto continuaram apesar das restrições
do arcebispado.
Tiveram um grande valor a visita e a carta do Prof. Manoel Coelho
Parreira a Dom Vicente, que vai transcrita aqui.
Porto Alegre 8 de abril de 1954.
Excelentíssimo, Reverendíssimo Dom Vicente Scherer
Eminente amigo:
Com o respeito devido à Autoridade de V. Exa., e levado peIa amizade
que há longos anos lhe dedico, peço licença para endereçar-lhe estas linhas,
usando da mesma franqueza e lealdade de que sempre pautaram minhas
relações pessoais com o seu saudoso antecessor D. João Becker, amigo
querido e conselheiro avisado.
Poucos meses são passados, da visita que fiz a V. Exa., com o objetivo
de cumprimentá-lo e receber suas instruções a respeito do estilo das Capelas
que o Professor Pereira Filho, Diretor do Serviço Nacional de Tuberculose,
pretendia erguer no Sanatório Partenon e no Hospital Sanatório Belém.
Valendo-me da oportunidade, manifestei-lhe, naquela ocasião, as minhas
preocupações com referência à campanha que uns poucos elementos da
Pontifícia Universidade Católica vinham desenvolvendo contra os Irmãos
Maristas, seus criadores e mantenedores, com o fim de alijá-los da sua
benemérita obra, da sua casa, para entregá-la a outra direção.
Recordo-me que falei com a sinceridade que devia e devo a V. Exa., na
minha qualidade de professor catedrático, ainda, com a responsabilidade de ter
sido um dos fundadores da Faculdade Católica de Filosofia.
115
Tendo exposto a V. Exa. os meus temores referentes ao trabalho de
desagregação que se esboçava, ouvi de V. Exa., com satisfação, que não
permitiria que tal acontecesse, porque V. Exa., como eu, não só se considerava
amigo dos Irmãos Maristas, mas também reconhecia os seus méritos
como educadores, e os sacrifícios que fizeram para realizar o notável
empreendimento representado pela Universidade Católica.
Confortado com as expressões de V. Exa., e com o trato carinhoso que
me dispensou, transmiti aos Reverendos Irmãos Provincial e Diretor da
Faculdade de Filosofia, uma síntese da troca de impressões com que, sobre o
assunto, me honrou V. Exa.
Supus, de então para cá, que a campanha de descrédito e ameaças
contra os Irmãos tivesse cessado.
Com surpresa, porém, constato agora, que se procura por todos os
meios infiltrar, outra vez, e em maior escala, o mal-estar e o desassossego na
Universidade Católica, sob o pretexto de moralizá-la, quando o que realmente
se visa é coisa bem diversa.
Percebe-se que o fracasso da primeira investida, não teve o mérito de
aplacar a inveja, o despeito e o ódio recalcado contra alguns dos mais
talentosos, cultos e dedicados professores Maristas da Universidade.
Com a experiência de haver exercido todas as funções a que
poderia legitimamente aspirar na minha modesta carreira profissional de
engenheiro, estou em condições de avaliar os efeitos da competição entre
homens de todas as categorias sociais, inclusive dos que pela sua formação
religiosa e moral, teriam o sagrado dever de se revelarem modelo e exemplo
para os seus semelhantes.
V. Exa. lembra-se, provavelmente, para citar apenas um episódio, das
injustiças que sofri em Garibaldi, a ponto de ser forçado a recorrer à suprema
Autoridade do inolvidável Arcebispo D. João Becker. Venci, graças a Deus,
porque eram retas as minhas intenções e porque o exemplo que dei no governo
do Município, foram suficientes para afastar o cálice que me ofereciam.
116
Permita, pois, V. Exa.. a fraqueza de expressar aqui, as perguntas que
faço a mim mesmo: por que só agora certos corações se tomaram de amores e
zelos pela Universidade, exatamente na ocasião em que recebe ela, justa e
legalmente, sua primeira subvenção do Governo Federal? Não percebem que
estão trabalhando contra a causa da própria Igreja? Terão meditado sobre as
conseqüências públicas de desavenças entre membros do mesmo credo
religioso, por motivos mesquinhos?
Por que, pergunto ainda, não procuraram cooperar e agir na época das
dificuldades, emprestando o fulgor da sua inteligência e da sua cultura, e o vigor
dos seus sentimentos cristãos, à causa tão importante como a que representa a
moralização da Universidade Católica?
Tenho a impressão, prezado Chanceler, de que se não for atacada em
tempo, a nova campanha de intrigas e de difamação que se tenta levar a cabo,
conduzirá a danosos resultados para a Universidade, para os seus professores,
para os seus alunos e quiçá para a causa mesma da Igreja.
Como o mais humilde professor da nossa Universidade, entendo que
tem ela servido, como prometeu, sem desfaIecimentos, ao ideal expresso no
honroso título que lhe foi conferido pela Santa Sé, e mais ainda, “a fidelidade à
sua missão cultural e religiosa, lhe assegura a conquista de glórias e louros, ao
serviço da Pátria e da Fé”, segundo as magníficas palavras de V. Exa., por
ocasião da instalação solene da Pontifícia Universidade Católica, em 1950.
“Que viva, cresça e produza abundantes flores e frutos no campo da
ciência e da educação.”
São esses, também, os meus mais ardentes desejos.
Sinto-me bem, neste momento, porque julgo ter cumprido um dever
comparável ao do soldado para com o seu mais alto Chefe que, por uma feliz e
rara circunstância, é também seu Amigo.
V. Exa. Rvdmna., na qualidade de Chanceler da Universidade, não
permitirá, por certo, hoje como ontem, que as forças ocultas do mal sempre
presentes nos corações humanos, desanimem, abatam, perturbem e tentem
117
destruir um monumento que é nossa honra, que é fruto do sacrifício diário dos
seus professores leigos e religiosos e, porque, não dizê-lo, é nosso justo e
legítimo orgulho.
Creia-me, sempre, de V. Exa., sincero admirador e amigo.
Manoel Parreira
Organizou o Curso de Mineralogia como outros existentes na época.
Teve como professor adjunto os Irmãos Antônio Frainer (missionário em
Angola, a partir de 1954), anos depois retirou-se da Congregação); professor e
amigo fiel foi sempre o Prof. Irmão Jacob Ignácio Kuhn.
No dia 8 de dezembro de 1954, o Prof. Manoel Coelho Parreira foi
nomeado vice-Reitor junto com o Reitor Irmão José Otão, no encerramento da
gravíssima crise instalada no decorrer de todo aquele ano. Durante seis anos
esteve colaborando efetivamente com a alta administração.
No discurso pronunciado em março de 1955, há o retrato do mestre
Manoel Coelho Parreira, delineado pelo orador que não deixou o nome
aos pósteros.
Exmo. Sr. Professor Doutor Manoel Coelho Parreira
Na hora em que prestamos singular homenagem a um grande Mestre
da Pontifícia Universidade Católica, é-me grato fazer uso da palavra e saudar a
competência, a amizade e a dedicação ilimitada na pessoa do Prof Manoel
Coelho Parreira, recentemnente momeado Vice-Reitor Magnífico.
É hoje, após o término do ano letivo feitos os exames finais que aqui se
reúne um pugilo de alunos agradecidos para inaugurar nesta sala, seu retrato.
Ele deverá constituir neste recinto um permanente conforto moral para
todos os docentes e discentes que no futuro labutaremn à sua sombra no
aperfeiçoamento científico das novas gerações.
118
Quem teve a dita de se contar entre os discípulos de tão abalizado
mestre, sabe aquilatar a proficiência com que ele ministra suas aulas
magistrais. Sempre preocupado pelo progresso de seus alunos, não poupa
esforços, não mede sacrifícios, não calcula cansaços, apóstolo do saber e da
ciência, vais dispartindo em gestos largos e ricos, com generosidade
inexcedível seu saber, profundamente alicerçado no diuturno estudo dos
grandes problemas de sua carreira. Quem lhe escuta a palavra fluente,
portadora da mensagem cientíifica durante as horas de aula, se encanta
vendo como V. Excia. sabe recorrer às mais variadas indústrias para suavizar
o roteiro, naturalmente árido às inteligências que tomam o primeiro comitato
com a disciplina.
Porém o que niais sensibiliza é ver a dedicação de V. Excia. dedicação
incondicional, à qual nunca falta tempo para uma explicação suplementar, seja
a que momento for.
Por tudo isto somos obrigados a dizer: aqui está um amigo mais que um
Professor, o amigo que todo se dá, desfazendo-se, para que, seus alunos
tenham o pábulo do espírito, dando-se na fraternização com os incipientes,
descendo até eles para depois os elevar até o céu sereno onde ele paira na
visão grandiosa dos dilatadas horizontes, que mais e mais se alargam, na
infinidade do cosmos sempre estudado e sempre indevassável.
Exmo. Senhor Professor.
Nosso gesto de hoje é um gesto de admiração e de agradecimento.
Dignai-vos aceitá-lo, pois, vem, credenciado pela espontaneidade. Queremos
deixar o retrato de V. Excia. nesta sala para as turmas que hão de seguir.
Porém levaremos conosco o vosso retrato, vivo, na âmago dos nossos
corações agradecidos.
Há um registro histórico-cultural interessante, numa das ausências do
Reitor Irmão José Otão, em congresso no exterior, o Reitor em exercício da
Reitoria, Manoel Coelho Parreira foi visitado pelo Diretor do Teatro São Pedro,
Dante Barone. Porto Alegre ia receber o Jazz internacional para uma grande
119
exibição. O Teatro estava reservado para outro evento. Dante Barone
recorreu à Reitoria da PUCRS. Tivemos rápida reunião os dois com o
Secretário Geral, resolveu-se oferecer o Salão de Atos da Universidade para
a grande noite de Jazz em Porto Alegre. Os Irmãos que tinham os
apartamentos não distantes do salão sofreram um pouco com a exibição da
música americana, grande sucesso.
Sala de Minerologia
Há outros fatos em que a decisão serena do vice-Reitor tirou de apuros
professores e instituição.
Aposentado da Universidade após uma extensa folha de serviços.
Ainda trabalhou alguns anos na Universidade Federal, sempre na Mineralogia.
Recebeu o título honorífico de professor emérito pela universidade. O
Instituto dos Irmãos Maristas outorgou-lhe a distinção de membro afiliado, com
direito à participação de benefícios espirituais na vida e depois da morte para
sua pessoa e familiares.
Passava tranqüilamente os anos da velhice no apartamento na rua
Senhor dos Passos, a residência na Rua Jerônimo Coelho fora vendida para
120
dar lugar a um grande edifício. Amado pelos filhos e netos, sempre unido à
esposa Dona Arminda. Viveu feliz.
Faleceu, após breve doença, no Hospital Ernesto Dornelles, no dia 28
de março de 1978, 40 dias antes do falecimento do Irmão José Otão... Foi
sepultado no Cemitério da Santa Casa em jazigo familiar.
O prof. Manoel Coelho Parreira soube ser o verdadeiro amigo dos
Irmãos que aprendeu a amar desde pequenino, tornando se um verdadeiro pilar
no edifício da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Breve depoimento
O Prof. Irmão Jacob Ignácio Kuhn apresentou alguns episódios de sua
vida ao lado do Prof. Manoel Coelho Parreira. O Irmão Jacob logo que obteve o
diploma de licenciado em História Natural foi escolhido para ser professor
assistente. Já nos anos de estudo colaborava nas aulas no preparo de materiais
didáticos. Irmão Jacob considera o Prof. Parreira, mestre abalizado e excelente
conhecedor da Mineralogia, além de ser uma personalidade íntegra, devotado à
cátedra e à Congregação dos Irmãos Maristas. Soube defendê-los em
momentos difíceis da Universidade. Não esquecera seus anos de aluno no
Colégio de Santa Maria e do seu convívio amigo com os Irmãos Geraldo, Artur,
Sinforiano e outros em Garibaldi. Havia cordialidade nas horas de aula
mantendo-se sempre a seriedade e certa severidade. Após as aulas, algumas
vezes, convidava o Irmão Jacob e alguns alunos para os colóquios sobre
Mineralogia. Era distribuída uma peça do museu e a conversa girava em torno
daquela pedra ou minério.
Admirava muito o Papa João XXIII que soube ser o papa mais de
acordo com o povo, com atitudes e aspectos diferentes do seu antecessor, o
admirável Pio XII, da aristocracia romana, da família Pacelli. Queria ver o Irmão
Jacob como substituto por isso fez questão que ele fizesse curso de
especialização na Universidade de Colônia (Alemanha) durante três meses. A
sua prudência e sensibilidade levaram-no a licenciar-se da PUCRS, da Vice-
121
Reitoria e da cátedra, ainda em pleno vigor. A sua frase pronunciada várias
vezes: “Preciso cair fora antes de caducar ...”
Para o Irmão Jacob Ignácio Kuhn, o Prof. Manoel Coelho Parreira
permanece aquela figura do mestre, do amigo dos alunos e grande amigo e
defensor dos Irmão Maristas, em especial no decorrer de 1953 e 1954.
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DOM ALBERTO FREDERICO ETGES
Infância e juventude
No interior de Santa Cruz do Sul, na Vila de Boa Vista, distante 16 Km
da sede viveu o casal João Etges e Otília Josefina Eidt no trabalho da terra.
Fervorosos cristãos, fiéis às práticas religiosas, à assistência da santa Missa
aos domingos e dias santos de guarda. Em sua vida matrimonial tiveram treze
filhos: oito rapazes e cinco meninas. Todos constituíram família exceto: Irma
Ana, gêmea de Alberto, faleceu aos nove anos; Amanda professou na
Congregação das Irmãs Franciscanas; Alberto Frederico seguiu o caminho do
Sacerdócio, tendo nascido aos 11 de julho de 1910.
Côn. Alberto Etges – Reitor 8/12/51 a 8/12/54
Freqüentou as aulas, na localidade, sendo alfabetizado pelo Prof.
Guilherme Simonis, que era o mestre-escola: ensinava às crianças língua
portuguesa e alemão e também a fazer contas.
123
Nos anos de 1921, 22 e 23 foi aluno do Colégio São Luís, dirigido pelos
Irmãos Maristas. Muitos jovens procuravam a educação ministrada pelos Irmãos
José Melquíades, Emílio Conrado e outros.
Os documentos da época mostram que Alberto Frederico
era aluno exemplar.
Desde cedo despertou para outros caminhos, outros horizontes —
sentiu em si o desejo de ser padre. No dia 28 de fevereiro de 1924 chegou
ao Seminário Menor Imaculada Conceição dirigido pelos Padres Jesuítas,
em São Leopoldo.
Concluiu os estudos secundários — o ginásio — e frequentou o Curso
de Filosofia de 1929 até 1931; cursou Teologia em 1932 e parte de 1933,
seguindo então para Roma.
Os atestados de notas daqueles anos de Seminário são excelentes em
todas as disciplinas.
Roma: estudos e ordenação.
Dom João Becker estimulava as vocações mais brilhantes a concluírem
a Teologia no Colégio Pio Brasileiro e depois buscar o Doutoramento na
Universidade Gregoriana. Alberto Frederico enfrentou o desafio e viajou para a
Itália em 23 de setembro de 1933. Deixou nas mãos do Vigário Geral Mons.
Leopoldo Neis uma carta com o compromisso de ressarcir a Cúria Metropolitana
de todas as despesas decorrentes dos cursos e da estada na Cidade Eterna.
Em Roma a vida do seminarista Alberto foi entusiasta, estudiosa e
piedosa. Os estudos da Teologia eram aprofundados pelas constantes
pesquisas nas bibliotecas das Universidades Pontifícias. Tudo em latim, em
italiano ou alemão. Percebeu como foram importantes os anos de aprendizado
de línguas em São Leopoldo. Comovido descreveu a audiência com o Papa Pio
XI, por ocasião da beatificação dos mártires de Caaró, no dia 28 de janeiro de
1934. Nesse mesmo ano inaugurou-se o Colégio Pio Brasileiro no dia 5 de abril.
124
No colégio Pio Brasileiro, o Seminarista Alberto pertencia à
orquestra, tocava clarinete. Passava belas horas nos ensaios para
abrilhantar missas e outras celebrações. Antes disso os seminaristas
brasileiros residiam no Colégio Pio Latino, onde se encontravam estudantes
de vários países da América Latina.
Teve a cerimônia da ordenação sacerdotal no sábado de aleluia de
1935, na Basílica de São João de Latrão. A primeira missa foi rezada no
Colégio Pio Brasileiro, a segunda no Colégio Pio Latino e a terceira no túmulo
do Apóstolo Pedro. Assim realizou o seu grande sonho de ser padre.
Empenhou-se na preparação da tese de doutoramento: “De
Interpretatione mariologica verborum, Jesus in tempo”. Apesar da
severidade da Comissão examinadora de cinco especialistas teve a nota
final Magna cum Laude no dia 11 de junho de 1937. Depois disso seu
pensamento era retornar aos pagos, ao Rio Grande, à arquidiocese de
Porto, aos braços de seus familiares.
Retorno aos pagos
Finalmente tudo concluído com brilhantismo, chegou o dia de retornar.
Conseguiu viajar no magnífico navio Conte Grande nos primeiros dias de
agosto, chegou ao Rio de Janeiro no dia 18. Fez a viagem do Rio a Porto
Alegre, por terra, de trem.
A recepção na Cúria Metropolitana foi uma festa deliciosa, Dom João
Becker, Mons. Leopoldo Neis, todos ufanos de terem mais um sacerdote,
doutorado na Universidade Gregoriana.
No dia 26 de setembro de 1937, celebrou a primeira na terra natal, no
Hospital de Santa Cruz com a presença de todos os familiares.
Conseguiu passar alguns meses de férias ou melhor de tarefas de
auxílio a colegas nas diversas paróquias da Capital.
Em 1938 foi designado vigário coadjutor da Paróquia Nossa Senhora
dos Navegantes. Permaneceu lá dois anos.
125
Assistente da Ação Católica.
O Arcebispo Dom João Becker confiou-lhe missão importantíssima:
cuidar da Ação Católica dos jovens universitários.
Vejam-se alguns antecedentes. Em 1924, o Papa Pio XI criou o
movimento da Ação Católica que aos poucos irradiou-se pelo mundo cristão.
Houve uma renovação espiritual em todos os países.
No Brasil com o Cardeal Dom Sebastião Leme, notabilizou-se o Centro
Dom Vital, fundado por um padre jesuíta gaúcho, Leonel Franca. Teve como
missão e vocação cristianizar o Brasil, a cultura, a ciência.
Salientaram-se as figuras de liderança católica. Jackson de Figueiredo,
Alceu Amoroso Lima. Criaram a Revista A Ordem que se distinguia por seu
vanguardismo cristão no trato da Cultura, das Letras, das Ciências e da
Filosofia. Do Centro Dom Vital originaram-se as lideranças junto com o Padre
Leonel Franca, S.J. que lançaram os alicerces da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Em 1933, o Centro Católico dos Acadêmicos realizou o 1º Congresso
Universitário rio-grandense. A tese mais debatida e significativa no Congresso
evoluiu para a resolução da criação de uma faculdade de Filosofia Católica,
acessível a todos dentro do espírito cristão.
O Irmão Afonso criara em 1931, o Curso Superior de Administração
e Finanças que tomou o nome de Faculdade de Ciências Políticas e
Econômicas, em 1933.
Ação Católica Brasileira teve seus Estatutos aprovados pelo
episcopado em 1935.
Em Porto Alegre o Padre Werner von und zur Mühlen, que há tempos
vinha lidando com os estudantes pela Congregação mariana, fundada em 1911
no Colégio Anchieta (Rua Duque de Caxias, 1274), preparava líderes.
126
O Centro Católico de Acadêmicos (CCA) criou a revista Idade Nova. Os
seus membros fundaram nas férias, núcleos em paróquias da Capital e do
interior do Estado. Essa é a origem da Ação Católica no Rio Grande do Sul.
Fernando Casses Trindade em artigo reproduzido na Revista do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, de 1982, escreve:
“O grupo fundador do CCA em 1931 e, depois da revista Idade Nova,
em 1934, era formado pelos mesmos anchietanos e congregados, mas com
uma preocupação universitária mais acentuada. Podemos mencionar como um
de seus membros mais ativo: Francisco Machado Carrion, seu primeiro
secretário e depois presidente e mais tarde diretor da revista idade Nova.
“Em 1935 foi constituído o primeiro conselho diretor da Juventude
Católica: Francisco Machado Carrion — presidente; Paulo Barros Ferlini —
secretário; Laudelino de Medeiros — Secretário masculino: Cruzaltina do Valle
— Secretária feminina; Carlos de Britto Velho — Secretário Cultural; Gustavo
Pereira Filho — Secretário de expansão; Arthur Morsch — Secretário de
Propaganda; e Franz Muller — Secretário de Finanças.”
A Ação Católica conquistou os colégios católicos masculinos e
femininos da Capital e do interior do Estado. Prepararam jovens mais dispostos
a viverem a mensagem de Cristo na Faculdade e na profissão.
O mesmo artigo salienta os objetivos: “Na JC os objetivos do CCA
parecem ampliados pois não se trata somente de “catolizar” as Faculdades
existentes, nias é necessário “recristianizar” cada vez mais a sociedade em
sua totalidade.”
O Prof. Lothar Francisco Hessel, em artigo, na TEO Comunicação de
junho de 2000 afirma: “Em Porto Alegre, a JUC foi criada e instalada pelo P.
Alberto Etges em 1941, ano em que foi designado seu assistente eclesiástico.
Com seu reconhecido trato nas relações humanas contou com a cooperação de
diversos jovens, entre os quais se destacou José Mariano de Freitas Beck.
Promoveu a organização dos Centros da JUC em quase todas as escolas de
127
ensino superior de Porto Alegre, oficiais ou particulares. Organizou, outrossim,
residências para acadêmicos, denominadas Casas da JUC”.
Reuniões de estudo. conferências, assistência religiosa, celebração de
missas, confissões e acompanhamento eram suas ocupações do dia todo e de
todo o dia. Sempre alegre, afável, amigo, sabia chegar perto de cada um para
prestar-lhe conforto e auxílio de que necessitasse.
Professor e Reitor
A partir de 1947 pertenceu à novel congregação da Faculdade de
Direito como professor catedrático de Deontologia Jurídica. No fim de novembro
de 1951, o Reitor Armando Pereira da Câmara solicitara demissão faltando
poucos dias do término de mandato. Dom Vicente Scherer e o Presidente da
mantenedora da Universidade, Prof. Irmão Vendelino Weiand, atendendo
indicação do Conselho Superior resolveram nomear o Cônego Alberto Frederico
Etges, Reitor. A tomada de posse do corpo administrativo da Universidade
aconteceu no dia 8 de dezembro de 1951:
Reitor — Cônego Alberto Frederico Etges; Vice-Reitor — Irmão
Roque Maria (Ernesto Daniel Stefani); Diretor da Faculdade de Ciências
Políticas e Econômicas — Prof. Oswaldo Ehlers; Diretor da Faculdade de
Direito — Des. Baltazar Gama Barbosa; Diretor da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras — Prof. Ir. José Otão, Representante do Chanceler nos
Conselhos — Cônego Otto Skrzypzak.
O Reitor escolheu para Secretário Geral o ex-jucista José
Silveira Schmidt.
Vale a pena Ler e saborear o discurso pronunciado na tomada
de posse.
Por sua expressão pode-se avaliar o programa de seu Reitorado.
“Com a emoção natural nos momentos como este, mas, sobretudo com
a simplicidade de quem se dispõe a prestar um serviço, recebo, das mãos da
autoridade máxima da nossa Arquidiocese e de nossa Universidade, a
128
investidura, no mais alto cargo da direção da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
Entro nas suas funções com a persuasão de “servus inutilis” do
Evangelho, mas, também, com a confiança tranqüila, do “vir obediens
loquetur victorias”.
Tendo até agora, podido reger uma parcela preciosa do mundo
universitário, mais, em verdade, com o coração de que pela inteligência, cabe-
me, agora, reger uma parcela maior ainda, por uma maneira, em verdade, por
mim ainda não experimentada, espero em Deus, porém, com a mesma
amizade, porque com o mesmo desinteresse e com a mesma dedicação!
Está a Universidade a serviço da cultura, como oficina do saber
e da virtude.
Atribuir à escola superior somente a função técnica de distribuidora do
sabem; ainda que no mais alto e variado grau, seria esvaziar-lhe a essência e,
por conseguinte, mutilar-lhe a natureza, e, atrofiar-lhe a ação.
Cultura não é apenas, saber; cultura é, sobretudo, modo de ser; e, mais
do que isto: cultura é ser, cultura é vivência, cultura é vida! E a vida do homem
não é, apenas, inteligência; é além disto, valor moral, vontade que se firma,
responsabilidade que se impõe.
Daí porque transmitir cultura significa formar o homem todo, inteligência
e vontade, sensibilidade e responsabilidade, o corpo, a alma e o coração. Não
nos foge, assim, a percepção da magnitude da tarefa a desempenhar,
principalmente na direção da Universidade e de cada uma de suas Faculdades
tarefa a que, por isto mesmo, nos consagramos com ardor, sem interesse nem
paixões, por amor de Deus e por amor do próximo.
A consciência de que nada ambicionamos, do que nos foi entregue, nos
dará força para a consagração diuturna e um dever, que, vindo de tão alto e
servindo a ideais tão elevados, bem se nos apresenta como um ritual a cumprir,
dentro das tarefas a realizar.
129
E isto, tanto mais, que teremos, perenemente, diante dos olhos, os
exemplos de dedicação inexcedível e de capacidade invulgar, dos vultos
eminentes do saber e da virtude, a que temos a honra de suceder.
O nome de Armando Pereira da Câmara é uma bandeira, de muitos e
sempre gloriosos combates. Assim, como aqui está a PUC, saiu de suas mãos,
hábeis, sempre, e seguras como nenhuma outra no mando de grandes causas.
Teve a seu lado Francisco Juruena, da Faculdade de Ciências Politicas
e Econômicas, Antônio Cesar Alves, na direção da Faculdade de Filosofia,
Armando Dias de Azevedo, na direção da jovem Faculdade de Direito, e todo
um corpo docente, numeroso e seleto, que, os primeiros dignificaram,
sumamente, as direções que ora deixam, o honram, todos grandemente, as
cátedras que ocupam, e as cadeiras que lecionam.
Um só propósito nos animará no governo desta Universidade:
consolidar e apeifeiçoar a obra, tão auspiciosamente iniciada!
Comungamos todos do mesno ideal — entidade mantenedora, direção,
corpo docente e alunos: dotar o Rio Grande com uma Universidade, a que, com
justiça, caiba o título de Pontifícia.
A Sua Santidade o Papa Pio XII, gloriosamente reinante, as
homenagens desta Universidade, que é sua, porque informada do espírito mais
fiel da Igreja.
Ao corpo docente a nossa saudação calorosa com o apelo da mesma
colaboração desinteressada, com que prestigiaram a direção passada.
E, ao corpo discente, tão amigo e tão compreensível das dificuldades
inerentes a uma iniciativa, do vulto da nossa Universidade Pontifícia, a garantia
de uma dedicação total, para o florescimento da verdadeira cultura, num
ambiente de compreensão cada vez maior e do cumprimento exato do dever.
Assim o juramos, e assim Deus nos ajude, e faça frutificar os talentos
que, segundo o Evangelho, não queremos enterrados, mas que queremos,
floresçam, e dêem frutos, 100 por um.”
130
EVENTOS E REALIZAÇÕES
Semana da Universidade Católica
Instituído em 1944, o Dia das Faculdades Católicas foi realizado nos
anos subseqüentes com a participação de alunos e professores.
Em 25 de junho de 1952 o Conselho Universitário resolveu criar a
Semana da Pontifícia Universidade Católica com os objetivos de: promover
os cursos; chamar a atenção dos fiéis católicos para a importância da
Universidade Católica; de conseguir auxílios para o desenvolvimento do
ensino e da pesquisa. A Semana, celebrada em agosto de 1952, teve a
presença do P. L.J. Lebret, OP, com suas notáveis aulas sobre o Movimento
de Economia e Humanismo.
Formaturas
O Conselho Universitário decidiu que nos atos de formaturas de 1952
os formandos se apresentassem com vestes talares. Para essa finalidade a
administração superior mandou confeccionar roupas com as cores tradicionais
atribuídas a cada unidade de ensino ou cada profissão.
“Doctor Honoris Causa”
O Vice-Reitor, Prof. Irmão Roque Maria, participou do Congresso das
Universidades Católicas da América Latina, em setembro de 1953, no Chile. Por
sua brilhante atuação foi-lhe outorgado o título de Doutor Honoris pela
Universidade Católica de Santiago.
Abertura do ano 1954
O ano acadêmico de 1954 teve o início no dia 7 de março, festa de
Santo Tomás de Aquino, com dois atos:
131
1) Às 20h. na capela do Colégio Nossa Senhora do Rosário, missa do
Espírito Santo, oficiada pelo Senhor Arcebispo Metropolitano, Chanceler da
Universidade, Dom Vicente Scherer.
2) Às 21h, no salão nobre, houve a aula inaugural, proferida por Frei
Efrém de Gênova, da Universidade Internacional de Estudos Sociais PRO DEO,
de Roma. O tema abordado foi “Ascese o declinio della democrazia”.
FORMAÇÃO RELIGIOSA ESPECIAL
A Reitoria desenvolveu grande esforço para levar aos professores, aos
acadêmicos e à população em geral, sua colaboração no sentido de uma
formação religiosa e social especializada.
Com essa finalidade realizou-se no começo de junho a Semana de
Espiritualidade em que o eminente Padre Philipon, OP, da Universidade
Gregoriana, proferiu uma série de palestras e colóquios sobre os temas: Visão
Cristã do mundo e Síntese marial.
No mês de outubro. de 10 a 17, em comemoração do Ano Mariano,
Dom Estêvão Bettencourt, OSB, fez uma série de conferências sobre “Os
dogmas marianos”.
O campo familiar e social foi lembrado pelo curso de extensão,
ministrado pelo Prof. Dr. P. Pedro Calderán Beltrão, SJ, nos meses de setembro
e outubro, sobre “A família nas atuais estruturas econômicas e sociais”.
1ª Quinzena de Cultura, Arte e Esporte
O Diretório Central de Estudantes promoveu a 1ª Quinzena de Cultura,
arte e esporte, de 15 a 30 de setembro. A programação mereceu grande e
entusiasta participação dos acadêmicos de todas as Faculdades.
A Quinzena de Cultura, Arte e Esporte teve grande repercussão no
mundo acadêmico e na sociedade do Rio Grande do Sul — exemplo de
132
organização e harmonia entre estudantes e professores das unidades
acadêmicas da PUCRS e da UFRGS.
Visitas Ilustres
No decorrer de 1954 a Universidade recebeu importantes visitas de
personalidades nacionais e estrangeiras entre as quais se destacaram:
1) O Cardeal Sebastião Gouvêa, Arcebispo de Lourenço Marques,
capital de Moçambique, veio ao sul para agradecer a obra dos Irmãos
Maristas naquele vasto território de África. Foi-lhe prestada cordial
homenagem pelo Reitor, pelos diretores. professores e alunos das diversas
unidades acadêmicas.
2) O Ministro de Educação e Cultura, Simões Filho, foi homenageado
por ocasião de sua breve visita à Universidade
Incorporação da Escola de Serviço
O Conselho Universitário, em sua reunião de 19 de outubro de 1954.
acolheu o pedido de incorporação da Escola de Serviço Social, agregada à
Universidade desde a criação em 1945. Após maduro estudo e ampla
discussão, a solicitação do Prof. Mário Reis foi aprovada por unanimidade pelos
membros do Conselho Universitário.
1ª Formatura de Jornalismo no Sul do Brasil
No dia 12 de dezembro de 1954, realizou-se a 1ª colação de grau dos
bacharéis de Jornalismo no Sul do Brasil. As solenidades iniciaram com missa
solene na Capela do Colégio Rosário. À noite, no Salão de Atos houve a
formatura de 47 bacharéis do Curso de Jornalismos. O orador da turma
destacou-se com palavras ricas em conteúdo e belas na expressão, o
conhecido jornalista e escritor João Bergmann (JB). O Prof. Irmão Faustino
133
João foi o paraninfo, em reconhecimento da turma pelos trabalhos
desenvolvidos na criação e implantação do Curso desde 1951.
Estiveram presentes no ato o Reitor Cônego Alberto Etges e o Diretor Ir.
José Otão que impôs o grau acadêmico.
Doutores em Letras
No dia 19 de dezembro houve solene outorga do grau de Doutor aos
professores Irmão Elvo Clemente (Antônio João Silvestre Mottin), em Letras
Clássicas, Irmão Dionísio Fuertes Alvarez, em Letras Neolatinas.
FUNDAÇÕES
1952 − Curso Superior de Religião
O senhor Reitor, Prof. Cônego Alberto Etges, levou à consideração e à
decisão do Conselho Universitário o projeto do Curso Superior de Religião
destinado a pessoas que desejassem aperfeiçoar-se nos temas religiosos. O
Curso foi aprovado por unanimidade. As aulas começaram em abril, sendo
ministradas aos sábados à tarde, com a duração prevista de três anos.
As conferências de Dom Cândido Padim, OSB, Diretor da Faculdade de
Filosofia de São Bento, de São Paulo, em agosto de 1953, marcaram vivamente
a numerosa assistência de professores, de alunos e de público em geral. Os
temas tratados com maestria referiram-se à arte e ao senso do mistério e à
conquista da personalidade.
1952 − Curso de Jornalismo
Na sessão do Conselho Universitário de 4 de junho de 1949 o Reitor
Prof. Armando Pereira da Câmara apresentara a proposta da criação do Curso
de Jornalismo, de orientação católica como já existia em São Paulo, na Escola
134
Casper Libero. A idéia foi bem recebida pelos membros do Conselho
Universitário. O Irmão Faustino João teve a incumbência de preparar o
processo para ser encaminhado ao Conselho Nacional de Educação.
O Curso de Jornalismo começou em março de 1952 com 66 alunos
provindos dos principais jornais e rádios da Capital, em especial da Companhia
Jornalística Caldas Júnior.
1953 − Faculdade de Odontologia
O Conselho Universitário, na reunião de 2 de abril de 1951, recebeu a
proposta do Prof. Dr. Elias Cirne Lima, referente à criação da Faculdade de
Odontologia. Os membros do Conselho aprovaram por unanimidade a idéia. O
professor proponente ficou encarregado de organizar o corpo docente, os
currículos do curso e o material necessário à instalação da nova Faculdade.
Durante várias sessões o tema da Faculdade de Odontologia ocupou as
discussões dos membros do Conselho Universitário de 1951 e 1952.
Finalmente nas reuniões de 14 e 19 de novembro e 6 de dezembro de 1952
ficou decidido o local e aprovado o corpo docente da Faculdade de Odontologia
que iniciou as aulas em março de 1953.
1953 − Instituto de Psicologia
Na reunião do Conselho Universitário de 24 de novembro de 1950 foi
apreciada com simpatia a primeira proposta do Prof. Vítor de Brito Velho sobre
a fundação do Instituto de Psicologia.
Em março de 1953 o Conselho Universitário aprovou a vinda do Prof.
Dr. Bela Székely, nascido na Transilvânia em 1892, formado psicólogo pela
Universidade de Budapeste. Formou-se psicanalista em Viena. Como
psicoterapeuta teve grande influência mormente no que se refere à
clínica de conduta.
135
Ao chegar à Argentina em 1938, o ilustre professor organizou a primeira
Clínica de Conduta sul-americana sob o nome de Sigismundo Freud. Atuou
como subdiretor geral do Ministério de Saúde no setor de menores
delinquentes. Na época Bela Székely exerceu influência notável no pensamento
psicológico da América Latina pelas conferências, cursos e livros, tais como: A
Psicanálise (teoria e prática) e os Testes.
Na universidade ministrou durante o mês de maio de 1953 os cursos de
Análise e Síntese Psicopedagógica e da Psicanálise à Análise existencial. para
professores e outras pessoas interessadas. Nos meses de maio e junho proferiu
14 conferências com temas ligados à Filosofia, à Pedagogia e à Metafísica.
Os cursos, as conferências e os contatos com o Prof. Bela Székely
produziram um clima propício ao desenvolvimento da idéia e do projeto da
criação do Instituto de Psicologia.
No dia 30 de junho de 1953, na sala do Conselho Universitário, estando
presentes o Reitor, Prof. Cônego Alberto Etges, o Diretor da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, Prof. Ir. José Otão e numerosos professores da
Universidade, e do eminente Prof. Dr. Bela Székely. procedeu-se ao ato
inaugural do Instituto de Psicologia. Constituiu-se a comissão formada pelos
professores: Irmão Hugo Danilo, Irmão Henrique Justo, Dr. Pedro de
Medeiros Mitchel, Irmão Humberto Luís e Irmão Paulo Anísio (Elísio Mosca de
Carvalho), para elaborar, sob a presidência deste, o Regulamento da novel
unidade acadêmica.
A CRISE DA UNIVERSIDADE
Em todas as instituições surgem momentos de crise a fim de reafirmar
ou consolidar os alicerces e preparar a expansão.
Vencidos os óbices iniciais de cada unidade de ensino, estruturou-se a
Universidade com a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas; Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras: a Faculdade de Direito; Escola de Serviço Social.
136
A equiparação da Universidade Católica do Rio Grande do Sul
aconteceu pelo decreto n° 25794 de 9 de novembro de 1948, após ingentes
sacrifícios e trabalhos da parte dos dirigentes das Faculdades Católicas e da
Congregação dos Irmãos Maristas.
Antes e depois desse dia memorável da equiparação, houve hesitações,
houve dias de graves preocupações da parte da Entidade Mantenedora, como
também do laicato católico e da Arquidiocese de Porto Alegre.
Entre os problemas que angustiavam a mantenedora sobressaía o
econômico-financeiro. Os Irmãos Maristas da Província do Brasil Meridional
fizeram o enorme sacrifício de empenhar os bens e os seus trabalhos em prol
da vida da Universidade.
No processo de formação da Universidade em 1948 foram arrolados
todos os bens imóveis da USBEE para a constituição do patrimônio da novel
instituição. Houve recursos da parte do Governo Federal para a construção do
prédio junto à Praça Dom Sebastião. Outros recursos não existiram e nem eram
previstos, Os sacrifícios da mantenedora foram enormes. A fim de solucionar o
grave problema tomou-se a iniciativa de oferecer a outras organizações
religiosas a direção e manutenção das unidades acadêmicas: aos Jesuítas foi
oferecida a Faculdade de Direito; aos Irmãos Lassalistas foi oferecida a
Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, pois já tinham experiência com
a Faculdade de Pelotas: às Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado foi
oferecida a Escola de Serviço Social. Os Irmãos Maristas manteriam a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Nenhuma Congregação Religiosa aceitou o oferecimento e a USBEE
deveria continuar arcando com o ônus todo da Universidade.
O episcopado rio-grandense desde a fundação da Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas nas pessoas de Dom João Becker e de Dom
Vicente Scherer manifestou sempre o apoio, não assumindo, porém, quaisquer
obrigações econômicas.
137
Houve o incentivo e o apoio para o Dia e a Semana da Universidade,
como também para a campanha dos legionários. Tudo isso pouca significação
teve no respaldo econômico da Instituição.
Irmão Afonso, o batalhador desde 1931, não esmorecia no seu afã de
ver a sua iniciativa progredir e se confirmar apesar das dificuldades internas do
Instituto Marista. Não era rebeldia, mas fidelidade à inspiração que tivera de dar
ao Brasil e à Congregação Marista, a Universidade Católica. A sua afirmação foi
clara quando em 1946 se tratou de assumir ou não a Faculdade de Direito. Pelo
cabograma enviado da França foi incisivo e resoluto: “Faculté Droit Mariste”.
Apesar das dificuldades, das incompreensões e da ausência de
recursos humanos e materiais, mantinha-se inabalável.
Houve tensão profunda entre os leigos católicos que entendiam o
Artigo 9º do Estatuto, parágrafo único ao pé da Letra, daí que foi mister
reformular o texto.
Reforma do Estatuto
A Entidade mantenedora preocupou-se desde logo em assegurar o
patrimônio da Universidade que era ao mesmo tempo o da própria USBEE, por
meio da reforma do Estatuto principalmente no que concernia à propriedade dos
bens imóveis.
O art. 9º do Estatuto de 1948, no parágrafo único assim rezava:
“O patrimônio universitário tem existência própria e não se confunde
com os das unidades universilárias”.
O texto era ambíguo e se prestava a interpretações contrárias à
compreensão da Mantenedora, por isso se fazia necessária a reforma.
Outro texto contestado e polêmico referia-se à nomeação do Reitor:
“Art. 15 — O Reitor, órgão executivo supremo da Universidade, será
nomeado pelo Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre, dentre os professores
catedráticos da Universidade, satisfeito o requisito de ser brasileiro nato”.
138
O Centro Católico de acadêmicos idealizava uma Universidade Católica
mantida pela Igreja e por eles. No entanto não possuíam nenhum patrimônio
para o empreendimento.
A Província Marista do Brasil Meridional colocara todos os seus imóveis
a fim de garantir o patrimônio da Universidade que era o mesmo da USBEE.
A Entidade Mantenedora levantou a bandeira da reforma do Estatuto a
fim de haver mais clareza nos textos acima transcritos. Alguns membros do
laicato juntamente com a hierarquia eclesiástica persistiam em manter o
Estatuto aprovado em 1948.
Nos últimos meses do reitorado do Cônego Alberto Etges o Conselho
Universitário em sucessivas reuniões de 22 e 24 de outubro e de 30 de
novembro de 1954, estudou e aprovou a reforma do Estatuto nos textos acima
assinalados. Na sessão de novembro, a pedido do Des. Baltazar Gama
Barbosa, o Conselho Universitário aprovou um voto de obediência ao Arcebispo
Dom Vicente Scherer.
O texto definitivo do Estatuto, fruto de intensa luta entre o grupo do
laicato católico e o grupo dos Irmãos, teve a aprovação pelo Decreto n° 42670
de 20 de novembro de 1957.
As dificuldades não foram pequenas nos anos de 1953 e 54 em que os
ânimos se acirraram, de parte a parte.
A reforma do Estatuto teve o seu desfecho na reunião do Conselho
Universitário de 30 de novembro; os textos da contenda ficaram assim
reformados e aprovados:
Parágrafo 1° do Art. 10: “O patrimônio, tanto representado por bens
imóveis quanto por bens móveis e por direitos, pertence à entidade
mantenedora, de pleno direito”.
Sobre a nomeação do Reitor, o Art. 20: “O Reitor, órgão executivo
supremo da Universidade, será nomeado pelo Chanceler, de comum acordo
com a entidade mantenedora, que fará a indicação de nomes dentre
professores catedráticos das unidades incorporadas”.
139
ENCERRAMENTO DO TRIÊNIO
Ao encerrar-se o triênio administrativo de 8 de dezembro de 1951 a 8
de dezembro de 1954, a Biblioteca Central contava com 25.135 volumes e
2.832 volumes de revistas encadernadas. O total de alunos nas unidades: a
Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas — 217; a Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras — 740; a Faculdade de Direito — 234; a Escola de
Serviço Social — 39; a Faculdade de Odontologia — 120.
A administração do Reitor Cônego Alberto Etges teve grande
turbulência, vencida com sabedoria, prudência e compreensão, com a
aprovação da reforma do Estatuto.
O Reitor Cônego Alberto Etges se manteve eqüidistante dos grupos que
se esgrimiam em defesa de seus pontos de vista para se ter um ideal de
Universidade Católica para o Rio Grande do Sul, contou, outrossim, com a
atitude sábia do Irmão Paulo Norberto.
No dia 8 de dezembro de 1954, Cônego Alberto encerrava o seu
mandato, assumia a Reitoria o prof. Irmão José Otão.
Em 1955, na Semana da Universidade, de 21 a 28 de agosto, por
iniciativa do Reitor houve inauguração dos retratos dos reitores, dos arcebispos
Dom João Becker e Dom Vicente Scherer.
Ao referir-se ao Cônego Alberto o Reitor Irmão Otão assim se expressou:
“Vossa Reverendíssima deixou na Reitoria o exemplo de um trabalho
modesto e eficiente, de uma atuação prudente e apostólica e de uma entrega
sem reservas ao dever de estado por vezes penoso e cruciante.”
Em 1955, após ter dado três preciosos anos de existência à alta
administração da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Cônego Alberto Etges retornou à sua cara Juventude Universitária Católica, que
nunca fora deixada. Por seus serviços à Arquidiocese e à igreja foi distinguido
com o título de Monsenhor.
140
Nos anos de 1957 e 58, preparou-se a cidade de Santa Cruz e a região
de rio Pardo para se constituir em nova diocese.
A 9 de janeiro de 1958 o Padre Olmiro Allgayer S.J., pároco foi
chamado pelo Cardeal Vicente Scherer a prestar amplas informações sobre a
verdadeira situação religiosa de Santa Cruz do Sul.
No dia 19 de fevereiro do mesmo ano o Cardeal Vicente Scherer
presidiu uma assembléia no Colégio São Luís de 38 párocos de dez municípios.
O Senhor Cardeal mostrou a importância e a oportunidade de criar o bispado
em Santa Cruz do Sul.
Criou-se, então, a Comissão Pró Bispado, sendo membros efetivos: Dr.
Leopoldo Morsch, Hugo Guilherme Mueller, Dr. Mário A. Assmann, Antonio
Koeler e P. Olmiro Allgayer.
No dia 14 de agosto de 1959, o Osservatore Romano publicou a notícia:
o santo Padre João XXIII criou a diocese de Santa Cruz do Sul. No mesmo ato
nomeava Mons. Alberto Frederico Elges, bispo.
A alegria foi grande entre os membros da Ação Católica, entre os
professores e alunos da Universidade e principalmente entre os habitantes das
cidades do vale do Rio Pardo. No dia 25 de agosto, o Conselho Universitário, as
congregações de professores e os alunos das faculdades da PUCRS prestaram
vibrante e carinhosa homenagem a Dom Alberto Etges. recentemente eleito
bispo da diocese de Santa Cruz do Sul.
A homenagem se revestiu de um sentido verdadeiramente cristão e
fraterno. Houve discursos notáveis do Reitor Irmão José Otão, do Diretor da
Faculdade de Direito, Des. Baltazar Gama Barbosa, do acadêmico Lourenço
Schorn e no encerramento do ato, a fala de Dom Alberto.
141
Solenidade da sagração do 1º Bispo de Santa Cruz do Sul − à frente − Cardeal Vicente Scherer
A sagração aconteceu no dia 25 de outubro, na catedral metropolitana.
À tarde do mesmo dia, no Salão de Atos da Universidade, Dom Alberto celebrou
sua primeira missa como bispo.
Aos 15 dias de novembro de 1959 deu-se a tornada de posse com
grandíssima solenidade com a presença de altas autoridades eclesiásticas,
civis, militares. Santa Cruz viveu intensamente os dois acontecimentos:
elevação à dignidade de Diocese e a posse do primeiro bispo, ex vi da Bula do
Papa João XXIII — Quando quidein servatores. O lema do novo bispo,
verdadeiro programa de vida e de ação — PARARE PLEBEM PERFECTAM...
Não acompanharemos Dom Alberto em seus anos de zeloso antístite e
verdadeiro pastor de almas. Aos 75 anos solicitou nos termos do Direito
Canônico a resignação do cargo, concedida a 31 de agosto de 1986. Como
foram maravilhosos os 27 anos de labor apostólico e pastoral!
142
Bispo emérito, era o sacerdote como os outros no amanho da seara do
Senhor. Era belo e edificante vê-lo aos domingos e outros dias no
confessionário, exercendo a missão de Bom Pastor.
Os achaques da idade e a enfermidade lhe atrapalhavam ações
mais importantes.
Alguns anos depois da resignação ofereceu-se a ser pároco de Amaral
Ferrador, para não deixar aquela paróquia sem pastor.
No dia 8 de dezembro de 1995 Dom Alberto veio a Porto Alegre para
celebração de uma missa na ex-capela da PUCRS, na esquina Praça Dom
Sebastião/Independência. Lothar Francisco Hessel narra o fato em artigo
publicado em TEO comunicação de junho de 2000. Estavam presentes o Reitor
Prof. Irmão Norberto Francisco Rauch e Irmão Faustino João, e bom número de
jucistas de 1940 a 1950: médicos: engenheiros, advogados, juízes, professores
e outros profissionais, atuando em diversas instituições e movimentos e dando
testemunho vivo do reino de Deus.
No dia 23 de dezembro de 1995, sábado, teve um derrame que o
deixou inválido. Levado ao Hospital, onde em 1937, rezara a primeira missa,
teve o tratamento que o caso exigia. Veio a falecer às 9h35min de 8 de janeiro
de 1996. com a idade de 85 anos, 5 meses e 27 dias.
Os atos fúnebres tiveram alta solenidade num mar de tristeza
e de esperança.
A bela e fecunda vida de Dom Alberto Frederico Etges frutifica e revive
em cada diocesano, em cada cristão que vive a Esperança e o verdadeiro Amor
de Deus e à Santíssima Virgem Maria.
143
IR. JOSÉ OTÃO — JOSÉ STEFANI
Entre os pilares da Universidade sobressai a força dinâmica e
empreendedora do Ir. José Otão — José Stefani.
Nasceu no dia 20 de julho de 1910, filho do imigrante italiano, de
Trento, Daniel Stefani, e de Isabel de Bacco, vindos ao Brasil, para Vila Conde
D’Eu, em 1877. Daniel exerceu as funções de postalista, no lombo de mula,
levava o correio para o distrito de Coronel Pilar. A família vivia discretamente
sua vida e o pequeno José, aprendia as primeiras letras na escola do
Distrito de Garibaldina.
Ir. José Otão – Reitor
Depois ingressou no Instituto Santo Antonio, dos Irmãos Maristas em
Garibaldi, onde o mano Ernesto Daniel, já estudava. Aos 12 anos decidiu seguir
a vocação marista, ingressou na casa de formação — Instituto Champagnat —
em Porto Alegre, em 1922. Em 1926 professou no Instituto dos Irmãos Maristas
e assumiu o nome de Irmão José Otão.
144
De 1927 a 1937 exerceu o magistério fundamental e secundário na
Escola de Artes e Ofícios e Ginásio Santa Maria. Lecionava Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências, Geografia, História e Religião.
Nos dez anos de atividades escolares deixou um rastro luminoso entre
os numerosos alunos de suas aulas em Santa Maria. Ao mesmo tempo não
descuidou de seu aperfeiçoamento pessoal, autodidata nas horas de lazer. O
Irmão Roberto dava aulas de Matemática e Física, outros davam Filosofia e
Ciências. Irmão José Otão aproveitava de tudo para formar seu cabedal
científico- cultural: música, literatura, muita leitura.
Nas férias de 1937 preparou os exames vestibulares para Escola de
Engenharia, a conselho do Irmão Afonso que antevia a criação da Universidade.
Dava aulas no Colégio Nossa Senhora do Rosário e frequentava o curso de
Engenharia Civil. Aos 22 de dezembro de 1942, catorze jovens recebiam o
diploma de Engenheiro, entre eles José Stefani.
Em 1943 continuou as atividades administrativas e docentes na Escola
Técnica de Comércio e no Colégio Nossa Senhora do Rosário e nas
Faculdades de Ciências Políticas e Econômicas e Filosofia, Ciências e Letras.
Em 1948, com a equiparação da Universidade Católica no dia 9 de
novembro, no dia 8 de dezembro, houve a instalação oficial da entidade, com a
tomada de posse da 1ª administração: Reitor: Prof. Armando Pereira da
Câmara; vice-reitor: Irmão José Otão; Diretores das Faculdades de Ciências
Políticas e Econômicas: Prof. Francisco Juruena, de Filosofia, Ciências e
Letras: Prof. Antônio César Alves; Direito: Prof. Armando Dias de Azevedo;
Serviço Social: Prof. Mário Goulart Reis; Chanceler: Dom Vicente Scherer.
No dia 1º de novembro de 1950, o Papa Pio XII outorgava à
Universidade o honroso título de PONTIFÍCIA. O exercício da vice-reitoria
valeu-lhe mais experiência administrativa além de relações com outros escalões
da vida social, universitária e governativa.
O Conselho da Mantenedora em 1951, reestruturou o governo da
Reitoria e das unidades acadêmicas. de comum acordo com o Chanceler.
145
Dom Vicente Scherer nomeando: Reitor: Cônego Alberto Etges; vice-reitor:
Ir. Roque Maria (Ernesto Daniel Stefani); Diretor das Faculdades de Ciências
Políticas e Econômicas:
Prof. Oswaldo Ehlers; Filosofia. Ciências e Letras: Ir. José Otão; Direito:
Des. Baltazar da Gama Barbosa; Serviço Social: Pror Lúcia Gavelio Castillo.
Nas funções de Diretor estimulou os doutoramentos dos professores: Irrno
Henrique Justo, na Pedagogia: Heinrich Bunse. Ir. Elvo Clemente e Ir. Hilário
Máximo, em Letras Clássicas; Ir. Dionísio Fuertes Alvarez, nas Letras
Neolatinas. Em 1951 realizou curso de Especialização em Filosofia no Institut
Catholique e na Université de Sorbonne, Paris.
Ampliou as relações com as Faculdades congêneres no País e no exterior.
No dia 8 de dezembro de 1954, é nomeado Reitor, sendo vice-reitor:
Prof. Manoel Coelho Parreira; Diretores das Faculdades de: Filosofia: Des. Eloy
José da Rocha; Ciências Econômicas: Dr. Francisco Juruena; Direito: Baltazar
da Gama Barbosa; Odontologia: Dr. Elias Cirne Lima; Serviço Social: Profª
Lúcia Gavello Castilho.
No ato de posse, o Reitor Irmão José Otão em discurso breve
e objetivo, louvou os predecessores e agradeceu. São citados apenas
alguns parágrafos:
“Na direção da Universidade seguiremos o exemplo dos
administradores que nos antecederam, guardando-nos de precipitações ou
renovações apressadas, planejando e estruturando os empreendimentos de
modo a consolidar a gigantesca obra já realizada e promover em estilo
crescente a consolidação dos altos objetivos da Universidade.
“Filha da Cultura e da Fé a Pontifícia Universidade Católica já tem o seu
programa delineado. “Cultural, em primeiro lugar, pois é esse o objetivo material
da Universidade. Apostólico, em seguida, sendo esse o seu objetivo formnal.”
Essas poucas palavras seriam o leme de um reitorado de 23 anos e
meio, isto é, até 2 de maio de 1978.
146
As atividades do novel Reitor tornaram um ritmo acelerado. A aula
inaugural de 1955, esteve a cargo do Reitor Pedro Calmon, da Universidade do
Brasil. Dissertou de maneira brilhante sobre o tema: A Universidade e a Cultura.
De 21 a 28 de agosto celebrou-se a Semana da Universidade Católica
com atividades culturais e sociais nos centros acadêmicos. No dia 25 de agosto
inaugurou-se a galeria dos retratos de personalidades ligadas Universidade:
Dom João Becker. Dom Vicente Scherer. Prof. Armando Pereira da Câmara e
do Cônego Alberto Etges. salienta-se o significado de algumas frases do
discurso do Reitor:
“O gesto da Universidade, homenageando dois dignitários da Igreja,
representa a homenagem à própria Igreja, depositária da verdade plena,
homenagear à mesma Verdade. a Deus.”
“E o gesto da Universidade, homenageando os dois primeiros reitores é
a homenagem ao mérito e ao trabalho, à dignidade e à tradição, à cultura e ao
apostolado.”
Fato notável eram os cursos de Filosofia Tomista, de Ontologia de
Mons. Octávio Nicolas Derisi, que encheram o Salão nobre de 400 lugares.
Em homenagem ao eminente filósofo o Conselho Universitário atribuiu-lhe o
título de Professor Honoris Causa, outorgado em sessão solene no dia 3 de
setembro de 1955.
Além do brilhantismo da aula magna de Dom Louis Soubigou, da
Universidade Católica de Angers (França), que dissertou sobre Pioneiros e
Peregrinos da Verdade, o ano de 1956 mereceu destaque por dois fatos:
Projetos da Cidade Universitária por Fontanive e Lopes Ltda, homenagem ao
Papa Pio XII, pela inauguração de seu retrato no Salão de honra.
No dia 7 de março de 1957 foi lançada a pedra fundamental da Cidade
Universitária, no terreno do Instituto Champagnat, Partenon. O ato presidido
pelo Reitor teve a presença do Ministro da Educação Clóvis Salgado, do
Prefeito lldo Meneghetti, e do fundador da PUCRS, Irmão Afonso.
147
No mês de agosto de 1957, o Prof. Irmão Elvo Clemente substituiu o
Prof. Irmão Hilário Máximo (João Batista Camilotto) na Secretaria Geral.
No dia 30 de dezembro, foi reempossado o corpo diretivo da
Universidade, exceto o da Odontologia que teve novo Diretor na pessoa do
Prof. Wilson Tupinambá da Costa.
Durante 1958, foi-se estruturando por ordem do Reitor, o Projeto da
Escola de Engenharia, pela comissão formada pelos professores: Manoel
Coelho Parreira, Ivo Wolf, Ernesto Bruno Cossi e Waldemar Cabral Dau.
No mesmo ano, houve capítulo geral dos Irmão Maristas. Elegeu-se
novo superior geral Irmão Charles — Raphael (belga) e Irmão Roque Maria
(Ernesto Daniel Stefani) foi eleito na equipe dos Conselheiros da
Administração Geral.
No dia 25 de agosto de 1959, a Universidade prestou significativa
homenagem a Dom Alberto Etges, ex-Reitor, sagrado primeiro bispo da recém-
criada diocese de Santa Cruz do Sul.
Em setembro, o Reitor convidado pelo governo dos U.S.A realizou
importante visita a instituições científicas e culturais americanas.
No dia 21 de outubro de 1959, o CNE aprovou a criação da Escola de
Engenharia. As aulas começaram em março de 1960.
Em março de 1960, a Faculdade de Odontologia deixava as instalações
da Pração Dom Sebastião 2 para ocupar o prédio pioneiro da cidade
Universitária, com a área moderna e bem aparelhada com 7.500 m2.
Começavam, outrossim, as obras do prédio da Escola de Engenharia.
No dia 30 de dezembro, começava novo triênio administrativo com
algumas alterações na direção das unidades acadêmicas: Prof Antonio
César Alves, Economia; Prof. Irmão Faustino João, Filosofia; Prof. Daniel
Juckowski, Odontologia.
A aula inaugural de março de 1961, coube ao ex-Reitor, Prof. Armando
Pereira da Câmara que dissertou sobre o tema Humanismo e Marxismo, notável
documento doutrinário.
148
A catorze de abril de 1961, o Instituto de Cultura Hispânica, fundado em
1956, instalou-se na Universidade, em duas salas, após a assinatura de
convênio com a entidade mater de Madri, com a presença do Diretor Dr. Blas
Piñar. Dessa forma tornou-se entidade agregada à Universidade para
desenvolver cursos, conferências e outras atividades culturais. Era presidente
na época, prof. Hugo Di Primio Paz.
Em 1962, no início de março a Escola de Engenharia instalou-se no
prédio recém-construído.
Pedra fundamental da Cidade Universitária 7/3/1957 – Min. Clóvis Salgado, Ir. Afonso, Ir. Otão,
Hildo Meneghetti, prefeito.
A inauguração dos prédios da Odontologia e da Engenharia, realizou-se
em 21 de abril com a presença de autoridades dos governos e das universidades.
O Reitor desenvolveu desde 1960 cursos de línguas estrangeiras, tais
como: hebraico, russo, japonês e árabe.
A visão ampla do Reitor estimulou em 1963, a criação do Centro de
Técnicas educativas, após a realização de um curso ministrado por técnicos do
Ministério da Educação da Argentina.
Nessa tarefa foi decisiva a ação do Prof. Irmão Adelino da Costa Martins.
149
Em 30 de dezembro de 1963 iniciava novo triênio administrativo, com
algumas alterações: vice-reitor: Prof. Francisco Juruena; as direções das
Faculdades de: Direito: Prof. Paulo Barbosa Lessa; Serviço Social: Prof.
Notburga Rosa Reckzigel; Engenharia: prof. Álvaro Leão de C. da Silva;
Psicologia: Prof. Irmão Hugo Simon; Instituto de Cultura Hispânica: Prof.
Francisco Juruena.
Em 1964, inaugurou-se o restaurante universitário, prédio recentemente
concluído que tinha 60 quartos para alunos internos.
No dia 22 de abril, em ato solene, instalaram-se a Faculdade de
Ciências e a Escola de Jornalismo, oriundas da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras. Tomaram posse os respectivos diretores: Arthur Wentz
Schneider e Claudio Goulart Candiota.
A visão do Reitor Irmão José Otão percebeu a importância do Editorial
para a Universidade, foi criado em 1964. Houve várias edições de livros além da
publicação da Revista VERITAS. Durante o ano construíram-se os laboratórios
de Mecânica com 1500m2 e de Física com 3000m2, atuais prédios n° 10 e 11.
Em 1965, prosseguiu o Projeto da Cidade Universitária com a
inauguração do prédio n° 5, destino principal — Faculdade de Ciências Políticas
e Econômicas. Foi possível realizar então a transferência da Faculdade de
Ciências Políticas, Econômicas e da Escola de Serviço Social e da Faculdade
de Comunicação Social.
O acesso para a Universidade que era feito só pela Av. Bento
Gonçalves, pode ser feito por uma pista recém-inaugurada da Av. Ipiranga.
Atendendo os apelos veementes da comunidade de Uruguaiana, o
Reitor resolveu criar a Faculdade de Zootecnia, pioneira no Sul do País.
Neste mesmo ano, em abril, foi posta no ar a Rádio Educacional da
Universidade, com sede em Viamão, daí veio-lhe o nome de Setembrina. A
frequência pequena e outros óbices não permitiram que se mantivesse além
de cinco anos.
150
Fato importante para a Fronteira Oeste e para a Universidade foi a
agregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras mantida pela Diocese
de Uruguaiana. Irmão José Otão atendeu o pedido de Dom Augusto Petró e do
Diretor Cônego Abramo Dezém.
Anos depois seria incorporada para formar o Campus II da Universidade.
O prédio da administração central teve a conclusão em fins de 1967.
Novo triênio administrativo era inaugurado no dia 30 de dezembro de
1966. Houve a mudança na Faculdade de Direito, passando a ser dirigida pelo
Prof. Ernani Coelho. A Faculdade de Zootecnia teve seu primeiro Diretor na
pessoa do Prof. Acácio Caminha da Rocha.
Nesse mesmo ano o Reitor foi condecorado pelo governo espanhol com
a comenda da Ordem de Isabel, a Católica.
De 1966 a 1968 todas as unidades acadêmicas tiveram sua localização
na Cidade Universitária. Início de 1968, a Reitoria ocupou o prédio central. A
comunidade dos Irmãos Maristas ocupou os andares 6° e 7° do mesmo prédio.
Visita da Cidade Universitária, 1977.
151
Houve o empedramento das vias principais no campus.
No dia 16 de setembro de 1968, no pavilhão da Mecânica, o Presidente
da República Artur da Costa e Silva presidia o ato de inauguração da Cidade
Universitária. O que dez anos antes parecia temeridade e aventura desmedida
tornava-se bela e promissora realidade.
Destacam-se apenas dois parágrafos dos discursos:
Do Reitor: “Na verdade mais eloqüente que as palavras, é esta obra
que a Congregação dos Irmãos Maristas, com a colaboração de uma plêiade de
eminentes professores e numerosos colaboradores, construiu em benefício da
mocidade estudiosa do Rio Grande do Sul”.
Do Presidente: “Meus amigos, quero dizer que me sinto muito feliz
neste momento, vendo uma obra como esta que é o início e partida para a
maior obra que se pode apresentar no terreno educativo neste Estado,
nesta cidade”.
O ano de 1969 teve a marca da reestruturação acadêmica, em
obediência ao novo Estatuto aprovado pelo Parecer do C.F.E. n° 736, de 9 de
outubro. Foram muitas semanas de estudo, de reflexão e de acomodações
tanto nas unidades acadêmicas como nos departamentos e nos currículos.
Irmão Otão sempre teve em mente a criação do Instituto de Teologia e
a Faculdade de Medicina, ambos os projetos tiveram início nesse 1969.
Implementou-se o sistema de bolsas rotativas, o primeiro no Brasil, cuja
administração foi confiada à APLUB.
Intensificou-se, outrossim, a formação de professores no exterior, em
especial nos Estados Unidos por meio do programa de bolsas LASPAU. Houve
um convênio importante com a Universidade de New México. O vice-reitor,
Irmão Liberato muito trabalhou neste sentido.
O ano de 1970 assinalou-se com as atividades da Faculdade de Medicina.
Junto com a alegria vieram algumas preocupações e tristezas.
No mês de março revelou-se pertinaz doença no Irmão José Otão.
Submeteu-se a dolorosa e profunda cirurgia, passando depois a rigoroso
152
tratamento de quimioterapia e radioterapia no Memorial Hospital de Nova
lorque, durante um mês.
No dia 26 de maio era inaugurada a Faculdade de Medicina.
No dia 10 de junho após alguns meses de enfermidade, o Irmão Afonso
entregava sua bela alma a Deus.
No dia 8 de dezembro de 1971 era inaugurada a herma em
homenagem ao Irmão Afonso, obra do escultor Ari Cavalcanti, de Caxias do
Sul. A saudação oficial realizou-se repleta de saudade e carinho na palavra do
ex-aluno Antonio César Alves.
Em 1970 começaram os mestrados de Letras e de Educação, o
primeiro fundado pelo Prof. Irmão Elvo Clemente e o segundo pelo Irmão
Faustino João.
O ano de 1971 marcou a celebração dos 40 anos de início da
Universidade com a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas.
Em 1972, começaram as obras de construção do Hospital Universitário,
no terreno de 6Ha, doado pelo Governo do Estado.
No dia 19 de novembro de 1972, o prof. Francisco Juruena, vice-reitor
com a comitiva dos Irmãos: Silvino Susin, Modesto Girotto, Moacyr Empinotti
e Valério Félix, inaugurou o Campus avançado do Alto Solimões, em
Benjamin Constant.
O Reitor Irmão José Otão incentivou sempre o doutoramento dos
professores. A Lei n° 5802 de 11 de setembro de 1972 facultava o
Doutoramento e a Livre-Docência sem a freqüência de cursos de pós-
graduação. Dezenas de professores apresentaram excelentes teses e assim se
habilitaram para tarefas especiais dentro da Universidade, com a sua
contribuição nos cursos de pós-graduação e na pesquisa.
Duas grandes iniciativas tiveram início e desenvolvimento em 1973:
1- Centro de Cultura Musical criado pelo Conselho Universitário no dia 2
de maio, teve a Coordenação do Ir. Ernesto Dewes (Ir. Fidêncio).
153
2- Centro de Lazer e Recreação, instalado no dia 14 de setembro, com
objetivo de estimular o aproveitamento das horas de folga no sentido mais
humano e social, sob a coordenação da Profª Zilah Mattos Totta.
No dia 29 de março de 1974 foi inaugurado o Centro de Televisão
educativa em convênio celebrado entre a SEC e a PUCRS em 1973.
O prof. Irmão Norberto Francisco Rauch, Diretor do Instituto de Física,
acompanhou a construção da torre de transmissão da TVE no morro da Polícia.
Os ideais de cultura do Reitor Irmão José Otão eram incansáveis e
descortinadores de horizontes. No dia 24 de agosto de 1974, houve o
lançamento de vasto programa de livro-texto em co-edição PUC/EMMA,
abrangendo naquela data 25 títulos de obras didáticas de 60 autores, todos
professores da PUCRS. Este fato foi idealizado e posto em andamento pelo
Prof. Alfredo Steinbruch.
Em 1975, apesar de bastante doente, o Reitor empreendeu por longas
e importantes viagens:
1) A convite da Japan International Cooperation Agency visitou o Japão
junto com o Diretor da Faculdade de Medicina, Prof. João Satt. A visita oficial de
20 dias propiciou, objetivou visitas às Faculdades de Medicina e de hospitais.
2) No dia 1° de agosto, o Reitor participou durante a semana dos
trabalhos do Conselho Federal de Cultura de que era membro desde 1968. Em
seguida seguiu para a Europa e de lá até a Índia onde se realizou o Congresso
da FIUC, na Capital Nova Dehli.
Continuando viagem chegou a Moscou onde assistiu de 19 a 26 de agosto
a VI Conferência Geral, promovida pela Associação Internacional de Universidades.
No dia 30 de dezembro de 1975 ao ser reconduzido ao cargo de Reitor
pela 8ª vez consecutiva, o Irmão José Otão pronunciou comovente discurso de
que se destaca:
“A atuação da Universidade até há pouco se limitava a seu pequeno
ambiente local, restrito, limitado, provinciano; hoje, pelas proporções que tomou
154
e pelas responsabilidades que assumiu, necessita abrir-se, espraiar-se,
estender sua ação ao Estado, ao País e ao mundo.”
Naquela data a administração superior da Universidade era assim
constituída: Chanceler: Dom Vicente Sherer (cardeal de Porto Alegre); Reitor:
Irmão José Otão; vice-reitor: lrmão Liberato: Superintendente comunitário: Ildo
Luiz Candiotto; Superintendente Administrativo: Daniel Juckowsky;
Superintendente Acadêmico: Alfredo Steinbruch; Chefe de Gabinete: Braz
Aquino Brancato; Diretor de Pesquisa, Pós-Graduação e extensão: Irmão
Elvo Clemente.
A clarividência do Reitor percebeu a necessidade de grande convênio
financeiro com a Caixa Econômica Federal — FAS (Fundo de apoio ao
desenvolvimento social) assinado no Palácio Piratini no valor de Cr$
64.454.000.00 no dia 24 de fevereiro de 1976. Esse ato permitiu a conclusão
rápida do Hospital Universitário.
No dia 31 de março, o Reitor Irmão José Otão, Irmão Faustino João e
irmão Norberto Francisco Rauch, prestigiaram a formatura de 1° grau em
Letras, Ciências e Estudos Sociais em Benjamin Constant, dentro do Programa
do Projeto Rondon.
No dia 28 de abril a Universidade engalanou-se para homenagear o
Reitor Irmão José Otão pelo transcurso de seu jubileu de ouro de profissão
religiosa no Instituto dos Irmãos Maristas. Houve: Missa em ação de graças,
oficiada pelo Cardeal Vicente Scherer, inauguração de placa comemorativa no
saguão da Reitoria e lançamento da pedra fundamental da Capela Universitária
e jantar íntimo para convidados especiais e membros do Conselho Universitário.
Grande gesto de solidariedade do Reitor foi a celebração do convênio
com o Instituto de Filosofia, Ciências e Letras de Montevidéu, cujos diplomas
eram emitidos pela PUCRS, sendo assim aceitos pelas autoridades
educacionais do Uruguai.
Esse convênio seria a base da futura Universidade Católica do Uruguai,
reconhecida pelo Governo da nação uruguaia alguns anos mais tarde.
155
No dia 16 de novembro era assinado convênio com o Hospital
Conceição para a realização do 1º Curso de Especialização de Administração
Hospitalar, com 600h/aula sob a coordenação da profª Délcia Enricone. Esse
curso prossegue ainda hoje mantido em convênio com a PUCRS e a
Associação dos Hospitais do Rio Grande do Sul.
No dia 20 de maio de 1977 houve a solenidade da bênção da Capela
Universitária, que tanto serviu às atividades religiosas e espirituais de
docentes e alunos.
Doença e falecimento
Desde mais de duas décadas Irmão José Otão vinha sofrendo de
câncer. Sofrera cirurgia e fizera tratamento especial nos Estados Unidos, em
abril, maio e junho de 1970. A doença acentuou-se em março de 1978. No dia 4
de abril internou-se no Hospital Universitário para o devido tratamento. O mal se
alastrava em todo o organismo. Não lhe faltaram cuidados e medicamentos.
Após quase um mês de ansiedade e sofrimento veio a falecer no dia 2 de maio,
às 8 horas da manhã. A morte do ilustre Reitor mergulhou a Universidade em
profunda tristeza. Teve repercussão intensa em todos os meios universitários
do país e do estrangeiro onde era muito conhecido por sua participação em
congressos culturais, científicos e educacionais.
As exéquias foram celebradas com solenidade com a presença de altas
autoridades eclesiásticas , civis, militares e universitárias.
Após a missa e a encomendação, oficiadas pelo Cardeal Vicente
Scherer, os restos mortais foram levados ao jazigo dos Irmãos
Maristas, em Viamão.
Erigiu-se, no saguão do prédio da Reitoria, a herma que pereniza a
presença do Reitor Irmão José Otão que consolidou a Universidade no
Campus do Partenon.
Apresenta-se a seguir o retrato moral, intelectual e dinâmico do Reitor
Irmão José Otão em quatro tópicos:
156
O Homem
Agradável no trato com os outros, não era afeito a intimidades. Sabia
manter-se à distância.
O relacionamento com os seus familiares e coirmãos de religião tinha o
sabor da afabilidade e da simplicidade. Sabia contar urna anedota. Saboreava
um papo descontraído. Uma conversa amena sobre o assunto do dia, dos
comentários políticos aos resultados dos jogos de futebol, dos problemas da
Universidade aos incidentes da vida cultural na cidade, no país ou no exterior.
Sabia tornar suas horas de lazer, não muitas, antes poucas e
reduzidas. Passava muitos domingos ou feriados em leituras ou na redação de
artigos ou na preparação de algum projeto.
As pessoas que o procuravam eram sempre bem recebidas. Para todos
tinha uma palavra boa, cordata. Recebia bem tanto o diretor da faculdade como
o aluno ou o simples funcionário. Sabia ver, em quem o procurasse, a pessoa, a
imagem de Deus. Por isso todos levavam desses contatos boa impressão, a
impressão de ter encontrado um homem e um homem de Deus.
Talvez a característica mais saliente dele fosse o método de trabalho,
do método de expor idéias. Via claro e via com rapidez. Todos os seus alunos
recordam a clareza na exposição das aulas e o método no desenvolvimento.
Não atrasava o início e nem o término das aulas. Era extremamente pontual. O
homem da hora exata, tanto para iniciar a sessão marcada, como para terminá-
la. Era a sua maneira de valorizar o seu tempo e o tempo dos outros.
Tomava uma decisão após maduro exame ou consulta de outras
pessoas. Uma vez decidido qualquer assunto, dificilmente voltava atrás. Essa
firmeza imprimiu-lhe no caráter um ar de severidade, às vezes, não bem
interpretado pelos outros.
A disponibilidade era outra característica de seu caráter. Como era
cioso do bom emprego do tempo nas atividades inerentes à sua função ou
cargo, também sabia ser disponível para atender a um pedido da comunidade
157
ou de outra pessoa. Era admirável como levava recados em suas idas mensais
ao Rio de Janeiro, Brasília ou a qualquer outro lugar. Fazia-se em certa maneira
tudo para todos.
O religioso
Ao chegar na comunidade identificava-se com a vida dos Irmãos,
quer no Rio de Janeiro, quer em Nova lorque, quer em Rio Grande, Brasília
ou outra cidade.
Mesmo nas noites mal dormidas, amanhecia disposto para a reunião
comunitária para a reza do ofício, da meditação e da santa Missa. A sua
participação era profunda, sem ostentação, procurando ser simples em seu
diálogo com Deus para o bem dos outros, na jornada que principiava.
O seu amor à vida religiosa impunha-lhe uma disciplina rigorosa em sua
vida de Reitor, de homem que viajava pelos diversos pontos do País ou do
exterior. Em toda parte era o religioso, o homem de Deus, fiel a seus votos, aos
compromissos com Deus para melhor servir os outros.
A característica do Instituto marista é a vivência marial em todas as
atividades pessoais ou intelectuais. O Irmão José Otão era o servo fiel de
Maria Santíssima, em sua doutrina segura e profunda que comunicava a
seus alunos e aos coirmãos, em sua devoção que se manifestava na
participação das festas marianas, na reza do rosário e em sua vida simples
como a da Virgem de Nazaré.
A vivência espiritual do Ir. José Otão era algo permanente em suas
atividades, no domínio de si mesmo e na maneira tranqüila e serena de
conduzir uma reunião ou de enfrentar um problema.
Viveu pobre, morreu pobre no despojamento completo de si mesmo. A
obra que construiu não lhe pertence, pertence à Universidade e a Universidade
é uma obra de educação da Igreja e do Brasil.
158
O escritor
Falar do Ir. Otão escritor é fácil, pois era um homem versátil. A sua
formação mais de caráter científico não o limitou à Matemática, à Estatística e
Filosofia. Desde jovem foi sensível aos apelos da arte e de modo especial da
arte literária. Lecionou Literatura e Língua Portuguesa durante bastante tempo.
Após assumir a Reitoria, iniciou um período de produção de textos,
de ensaios.
Em outubro de 1955 criou a revista VERITAS, na qual editou muitos de
seus artigos.
Freqüentava assiduamente as colunas do Correio do Povo, além de
outros periódicos, como a revista Educação, do MEC.
O ensaio era o gênero preferido e mais de acordo com a sua índole. O
ensaio requer o seguimento lógico e uma temática variada. E o que acontece
com a produção literária do Ir. José Otão. Publicou três livros enfeixando os
ensaios mais diversos, sempre dentro do grande tema de sua vida: a Educação.
Pensamentos de Ontem e de Hoje, I e II, é uma obra em que se vê a
linha de pensamento do grande educador. A preocupação da reforma e da
renovação da Universidade ocupa o terceiro livro, Temas Universitários,
publicado pela Editora Convivium, de São Paulo, Lazer e Recreação foi
impresso pela Escola Profissional Champagnat, de Porto Alegre.
Falando do escritor, cabe outrossim uma palavra sobre outra faceta do
beletrista — o orador. Eram notáveis os seus discursos de circunstâncias. Na
abertura ou no encerramento de uma solenidade.
Na conclusão da colação de grau, vinha aquele fecho que encantava
toda a assistência. Todos saíam com aquela síntese para a sua meditação e
comentário em grupo e em família. Tinha o dom da oportunidade no falar e no
escrever. Poucas palavras, bem medidas, lançadas com grande conhecimento
do assunto e do público que as receberia.
159
As academias de letras do Rio Grande do Norte e do Rio Grande do Sul
elegeram-no membro honorário e perpétuo respectivamente em 1975 e 1976.
São marcas da aceitação e da consagração do escritor.
Nos trabalhos literários não procurou os floreios fáceis do estilo,
procurou semear a boa mensagem pela palavra burilada e límpida, capaz de
dar frutos para a Vida que não tem ocaso.
O Reitor
Durante muitos anos o Ir. José Otão foi o decano dos reitores do Brasil,
pois exerceu o cargo de 8 de dezembro de 1954 a 2 de maio de 1978. Não é
por nada que foi inumado com as vestes talares de Reitor, por ter sido o Reitor
por excelência.
Em 1954 recebeu a Pontifícia Universidade Católica relativamente
pequena e carregada de grandes problemas: na estrutura institucional, no
espaço físico, na fixação e qualificação do corpo docente.
No primeiro triênio solidificou a estrutura reafirmou a força da
mantenedora, e resolveu transferir a Universidade do centro para o Campus no
terreno do Instituto Champagnat. Em março de 1957 foi lançada a pedra
fundamental da Faculdade de Odontologia naquela tranqüila planície. Vinte e
um anos depois floresce a Cidade Universitária, que se ergue na solidez de
cimento e aço de 27 edifícios, incluindo o Hospital Universitário, num ambiente
de muito verde e sossego.
Outra obra que o Reitor realizou no País e nos cinco continentes:
elevou bem alto a imagem da Universidade pela participação nos congressos
científicos, educacionais e culturais no Brasil, na América, na Ásia, na África, na
Oceania e na Europa. Naqueles conclaves ouvia-se a sua palavra sábia,
ponderada e sempre oportuna. Era um presença efetiva da inteligência
brasileira. Quer em Nova Delhi ou Moscou, quer em Kinshasa ou em Montreal,
quer em Nova lorque ou no México, quer em Helsinque ou Paris, Londres ou
160
Roma, Rio de Janeiro ou Sydney, em toda parte, serena, isenta e fiel, fazia-se
ouvir a sua voz.
A capacitação do corpo docente era a preocupação maior em todos os
anos. Com ele começaram os cursos de Mestrado e Doutorado, com ele os
professores da Universidade começaram a buscar títulos e conhecimentos nas
Universidades, americanas e européias.
Muito fez nos 23 anos e meio de Reitor, deixou caminhos abertos para
que outros buscassem os horizontes vislumbrados na tarde de sua preciosa
existência.
Inauguração da Cidade Universitária 16/9/1968 — Presidente Artur da Costa e Silva, governador
Waker Peracchi Barcellos, Irmão José Otão, Cardeal Vicente Scherer, Francisco Juruena
161
FRANCISCO DA SILVA JURUENA
Vale a pena contemplar uma vida densa de ideais e replena de serviços
prestados à educação, à ciência, à cultura, à sociedade do Estado e do País.
Tal é a vida borbulhante de Francisco da Silva Juruena.
Prof. Francisco Jurena
Menino
Nasceu em Corumbá/MT, no dia 25 de janeiro de 1910, sendo seus
pais: José da Silva Juruena e Magdalena Santa Lucci Juruena. O pai era Fiscal
do Tesouro Nacional em Corumbá/MT. O casal teve cinco filhos: Francisco,
Jacy, Leônidas, Helena e Luiz José.
O pequeno Francisco fez o curso primário na cidade natal no Ginásio
Santa Teresa, dirigido pelos padres Salesianos. Aos 10 anos foi crismado pelo
bispo-poeta Dom Aquino Corrêa.
162
Teve uma meninice feliz no bom relacionamento com os colegas e
amigos do bairro. Conheceu na companhia do pai as cidades de Porto
Murtinho e Miranda.
Jovem
Em 1923, o pai José da Silva foi designado Inspetor de Alfândega em
Santana do Livramento/RS.
A família Juruena realizou uma viagem heróica de Corumbá de navio
pelo rio Paraguai, depois o rio Paraná, rio da Prata, oceano Atlântico até o porto
de Rio Grande, depois prosseguiu de trem: Rio Grande — Bagé — Dom Pedrito
— Santana do Livramento.
A adaptação não foi fácil para a família, para as crianças, tudo foi diferente.
Francisco preparou-se para o Ginásio de Santa Maria com as aulas do
prof. Pedro Comas, educador daquela rapaziada.
Os pais decidiram enviá-lo ao Internato do Ginásio Santa Maria, no
coração do Estado. Lá chegou com o pai em fevereiro de 1925. Foram
recebidos pelo Diretor, Irmão Afonso. A recepção não podia ter sido melhor. O
jovem foi destinado à turma dos maiores por seus dons de poeta. Desde logo
notou-se a sua liderança entre os colegas.
Durante quatro anos cursaria as matérias do Ginásio (1925, 26, 27 e
28). Encontrou e fez grande amigos nesse período para o percurso de vida.
Entre os principais mencionam-se: Percy Souza, Emílio Zuñeda, Vivaldino
Fialho Maciel, José Vasconcelos, Arlindo Souza, Aristóbulo Rocha, Mário
Vasconcelos, João Queiroz Filho, Joal Silva e tantos outros. O colégio atraía
alunos internos de todos os quadrantes do Estado.
Notável foi o pleito para a escolha do patrono do Grêmio Literário.
Francisco venceu após longos debates e belos discursos com a proposta de
FAGUNDES VARELA. Igual entusiasmo despertou a escolha do nome do jornal
escolar AURORA. Essa folha recebeu os primeiros versos de Francisco, anos
163
depois de Fernando Ferrari e de tantos outros. O colégio soube dar expansão à
iniciativa literária daqueles jovens.
O último ano de internato, 1928, ficou célebre pela preparação e
realização da formatura, no Clube Caixeral. No programa esteve a oferta de
baile à sociedade Santamariense. A direção do Colégio reprovou a iniciativa.
Como punição o quadro de formatura não pode ser colocado no lugar de honra
no colégio. O paraninfo escolhido era Osvaldo Aranha, que impossibilitado
enviou o Chefe dc Gabinete — Moysés Vellinho, ex-aluno do Santa Maria, já
conceituado e festejado escritor sob o pseudônimo de Paulo Arinos. Eram
professores naqueles anos os Irmãos: Afonso, Luís, Claudio, Norberto, Egídio,
Quintino, Robertão, admiráveis educadores.
Festas terminadas, o bacharel em Letras (era o título na época)
retornou para Santana do Livramento. A alegria do reencontro estava enovoada
de tristeza pelo recente falecimento da mana Helena, aos 14 anos de idade.
Acadêmico de Direito
Em fevereiro de 1929, preparou e realizou o vestibular para a
Faculdade de Direito. Em março iniciaram as aulas. A turma era pequena onde
estavam: Afonso Palmeiro, Fábio Martins de Souza, Rubaldo Schuck, Manoel
Brustoloni Martins, Daniel Krieger, Breno Caldas, Hipólito Ribeiro, Júlio
Costamilan Rosa, Júlio Rosa Cruz, Gabriel Obino, Olinto de Almeida Campos,
Pedro Vergara Corrêa, Raul Ribeiro, João Pinheiro Ribeiro, Dorival Schmitt,
José Perrone, João Leães Sobrinho. Francisco Macalão, Ernani Coelho,
Francisco Brochado da Rocha, João Antonio Mesplé. Acélio Afonso Corrêa,
Amaury Lambert e Francisco Juruena.
Por causa de mudanças de currículo em 1932, a turma e a direção da
Faculdade requereram ao MEC para que o encerramento fosse naquele ano,
sendo acrescentada a matéria de Direito Processual Civil. A formatura fora
marcada para dezembro de 1932, tendo sido escolhido o paraninfo Prof.
Armando Azambuja, que veio a falecer, semanas antes do dia marcado para o
164
ato acadêmico. O Prof. Dr. Annes Dias, homenageado da turma, de Medicina
Legal, fez solene recepção em sua casa.
Juruena lembra: “Foi uma turma boa, pequena, unida, solidária. Os
mais estudiosos eram Francisco Brochado da Rocha e João Leães Sobrinho”.
Funcionário Público
Em suas memórias escreve: “Aproveitei o ano de 1930, muito antes da
Revolução, para conseguir um emprego público. Desejava libertar-me da
mesada de meu pai. Sabia de seu sacrifício, funcionário público que era, de
remeter-me mensalmente a importância que eu recebia para manter-me em
Porto Alegre.”
Solicitou aproveitamento como Fiscal Federal de Vendas e
Mercadorias, foi sorteado, em seguida tomou posse na Delegacia Fiscal, eram
seus companheiros de trabalho: Henrique Reuter e Inocêncio Castilhos França.
Esteve três anos nesse emprego. Procurou, outrossim, sair da Delegacia Fiscal para conseguir emprego
melhor. Veio a nomeação para subconsultoria da Diretoria Municipal.
Assumiu a função até a criação do Tribunal de Contas, tendo sido,
então, nomeado 2° auditor, com exercício de 1° auditor, substituindo
ltiberê de Moura.
Na instalação do Estado Novo, em 1937, foi extinto o Tribunal de Contas.
Depoimento esclarecedor encontramos nas Memórias: “Getúlio,
empolgado com o regime do nazifascismo, tentava implantar no País uma
situação semelhante. Encomendara uma Constituição e a “Polaca” tinha
vigência, elaborada pelo “Chico Ciência”, o jurista Francisco Campos. Em lugar
do Tribunal de Contas criou-se o Conselho Administrativo do Estado.”
Juruena passou uma temporada no serviço público como ele escreve:
em “dolce far niente”, como representante do Interventor Federal, Coronel
Cordeiro de Farias junto ao Conselho Administrativo.
165
Alberto Pasqualini, Secretário do Interior e Justiça, nomeou Juruena
para a chefia da Diretoria das Prefeituras Municipais. O trabalho era muito
importante para a vida dos municípios. Entre os colaboradores amigos
encontraram-se: Nelson Schneider, Luís Domingues, Francisco Esteves
Barbosa, Oscar Carpes, Olivela Fernandes, Lauro Matzembaker, Angelito
Aiquel e Francisco Machado Vila, bom poeta e estudioso do municipalismo.
Em 1951 deixou a Diretoria que se transformou em Departamento das
Prefeituras Municipais.
Nesse serviço público aprofundou os estudos sobre temas municipais,
chegou a escrever artigos no Diário de Notícias sobre os problemas que se
apresentavam. As funções no Departamento lhe ensejaram viagens por muitos
municípios do Rio Grande do Sul.
Ministro do Tribunal de Contas
A maior parte da vida de Francisco Juruena esteve ligada ao Tribunal
de Contas, com algumas interrupções. Com o falecimento do Ministro Demétrio
Mércio Xavier, foi convidado a ocupar a vaga. Foi dos momentos mais
emocionantes de sua vida pública.
Na posse, a saudação esteve a cargo do ministro Guilhermino Cesar,
grande representação da PUC, chefiada pelo Reitor Irmão José Otão,
Governador lldo Meneghetti, o Coronel Walter Peracchi Barcellos, autoridades,
a esposa Dionéa e os filhos.
Alguns parágrafos do discurso do Ministro Guilhermino Cesar dizem
muito da personalidade de Juruena.
“Indicado pelo Sr. Governador do Estado para ocupar a cadeira de
Ministro desta Corte de Contas, viu seu nome consagrado por expressivo
pronunciamento da egrégia Assembléia Legislativa, que, fazendo justiça ao
indicado honrou a si mesma, permitindo assim que visse hoje o ilustre amigo
sentar-se nessa cadeira de Ministro a que o trouxeram altos e claros
merecimentos. Em longos anos Auditor desta Casa, deu sobejas provas de
166
isenção, equilíbrio e cultura, no trato dos assuntos jurídicos, pondo de manifesto
a maturidade de espírito e a retidão de caráter que desde a juventude fizeram o
seu nome aplaudido e reverenciado no Rio Grande do Sul. Mais, aos títulos
normais e intelectuais, juntar uma larga folha de serviços à administração
estadual, através de inúmeros postos de responsabilidade, no exercício dos
quais se afeiçoou aos problemnas fundamentais de miossa agenda
administrativa. Tais atividades não esgotaram, porém, a sua capacidade de se
dedicar ao bem público. A sua inteligência pedia campo mais vasto, no setor do
ensino universitário.”
A resposta do novel Ministro foi vibrante e sintética:
“Ao ser investido das funções de membro deliberante deste Tribunal,a
despeito do meu prolongado noviciado com a sua íntima convivência, percebo
que, a transferência de estágio, cria para meu espírito um imprevisto
sobressalto, misto de apreensão e desvanecimento. A soma de
responsabilidade de um juiz que decide e de um magistrado que julga, não se
eqüivale a de um auditor que opina, que diverge ou que concorda. O ato de
julgar requer atributos que só o exercício continuado da função requisita e
aperfeiçoa. Opinar é esgrimir com a dúvida; julgar é render-se caiu a verdade.
Com desenvoltura, agitamos as idéias, nos deleitamos com a sutileza dos
paradoxos; com humildade adotamos uma sentença que é o julgamento
impessoal dos ditos alheios. É com esta compreensão que me coloco neste
egrégio plenário.”
Atividades políticas
No ano de 1947 resolveu entrar em cheio na política, filiou-se ao Partido
Social Democrático, fundado em 1945.
Formou-se a jovem guarda do P.S.D. com pessoas amigas: Favorino
Mércio, Hermes Pereira de Souza, Francisco Brochado da Rocha, Armando
Azambuja, Dâmaso Rocha, Geraldo Octávio da Rocha, Francisco Macalão, Luís
Barata e mais alguns.
167
Chegou a exercer a secretaria do partido. O nome dele foi incluído entre
os candidatos à deputação do Estado. Houve adesões de pessoas de vários
municípios. Não foi eleito.
Em 1958, no fim do governo do Eng° lldo Meneghetti, exerceu durante 7
meses o cargo de Secretário do Interior e Justiça. Considerou o fato uma
grande distinção por ser ele, filho de outro Estado.
Transcrevo um parágrafo de Memórias:
“Na Secretaria do Interior e Justiça, procurei agir com critério,
justiça e imparcialidade.
Nunca tolerei arbitrariedade alguma, e estava em fase de grande
tensão partidária na luta eleitoral entre PTB e o PSB.”
No dia 30 de janeiro de 1959, passava o cargo ao substituto, eleito pelo
PTB, Dr. João Caruso, contemporâneo do Ginásio Santa Maria.
Professor Universitário
Em fins de 1933, o Irmão Afonso, Diretor da Faculdade de Ciências
Políticas e Econômicas, por ele fundada em 1931, convidou Francisco Juruena,
recentemente formado, para lecionar Direito Internacional-Público, Diplomacia e
História dos Tratados. Após alguns titubeios o jovem bacharel aceitou a
incumbência de lecionar a disciplina que ele pouco estudara na Faculdade de
Direito. Ali encontrou Elpídio Ferreira Paes, Eloy José da Rocha, Salomão Pires
Abrahão, Mem de Sá, Carlos Thompson Flores, Alcides Flores Soares, Antonio
César Alves e outros.
Juruena lembra aquele tempo: “Moços idealistas, sem preocupação de
ganhar dinheiro bem intencionados para acompanhar o idealismo dos irmãos
maristas na realização de fizer uma Faculdade de Economia em Porto Alegre.
Não me arrependo de ter dado tal passo.” (Memórias).
Para relatar a vivência profunda e amiga de Francisco Juruena
na Universidade transcrevem-se algumas páginas das MEMÓRIAS, como
só ele sabe narrar.
168
Seria uma longa narração toda minha vida dedicada à Pontifícia
Universidade Católica onde atuei durante mais de 40 anos.
Gerações e gerações de estudantes passaram por mim.
A vida de um professor é cheia de responsabilidade! É árdua e difícil
para quem deseja cumprir com honestidade essa missão nobre e elevada.
Mas tenho tido compensações e alegrias pelo exercício da carreira
de professor.
Em qualquer ponto do Estado e do País, onde tenho andado, sempre
encontrei ex-alunos. Mesmo no estrangeiro, o mesmo fato tem ocorrido. Lembro
um desses encontros agradáveis em Paris, Lisboa e Roma.
Colaborei com os Irmãos Maristas na Faculdade de Ciências Políticas e
Econômicas, tendo sido Diretor de Faculdade durante 12 anos; na faculdade de
Filosofia onde lecionei História da Literatura Brasileira e Portuguesa, e, na
Faculdade de Direito, desde sua fundação, fui titular da cadeira de Direito
Internacional Público.
Tive oportunidade de exercer a Presidência do Instituto de Cultura
Hispânica por um longo período. E como Presidente do Instituto fui à Europa,
tomando parte no Congresso dos Institutos de Cultura Hispânica como
representação da maioria dos países do mundo, realizado em Madrid
Terminado o congresso resolvi visitar Portugal, França e Itália.
Nesses três países encontrei ex-alunos meus. Visitando a casa matriz
dos Maristas em Roma, quem me abriu a porta foi um ex-aluno que estava, na
ocasião, fazendo estágio em Roma. No mesmo dia de minha chegada em Paris,
atravessando a Praça do Opera, ouço uma voz: “Dr. Juruena que prazer
encontrá-lo em Paris”. Era uma ex-aluna minha fazendo um curso de
especialização na capital francesa.
Em Lisboa, ao chegar no Hotel, encontrei uma jovem que tinha
sido minha aluna na Faculdade de Direito e se dirigia para o Porto para
visitar um parente.
169
Como representante da PUCRS, na ausência do Ir. José Otão, fui
inaugurar o campo avançado em Benjamin Constant, no alto Solimnões, no
Amazonas, na fronteira com a Colômbia.
O lema integrar para não entregar é um lema verdadeiro e expressivo.
É um mundo novo que se descortina.
Falam tanto do êxodo dos cearenses, mas a verdade é que por onde se
anda, no hinterland brasileiro, sempre se encontra a presença de rio-
grandenses do sul.
Entrei, em Porto Velho, com contato com o Cel. Noronha
comandante de um batalhão sediado na capital do território de Rondônia,
filho da cidade de Pelotas. O que esse militar e seus companheiros têm
feito, empolga e entusiasmo.
Rasgam matas, abrem picadas constróem estradas, levando a
civilização aos mais longínquos recantos da Pátria.
Faz a gente prever o que será, no seu futuro próximo, este Brasil
desenvolvido, rico e admirável.
Visitei Manaus, nessa oportunidade. Achei a cidade um pouco suja,
mas em grande desenvolvimento. A queda da borracha estacionou o progresso
de Manaus, mas as novas estradas e a existência da zona franca como que faz
despertar novos horizontes para a capital amazonense. O turismo tem
concorrido muito pai-a acelerar esse progresso e esse desenvolvimento.
Sendo ex-aluno Marista, tomei parte nos dois congressos dos antigos
alunos dos filhos de Champagnat, um realizado em Buenos Aires e Mar del
Plata e outro, em Lyon na França. Ao de Bruxelas não compareci. O congresso
de Buenos Aires foi extraordinário.
O de Lyon foi interessante porque deu oportunidade para se fazer
uma excursão pela Europa. Através do Grupo “Koch” em ligação com a
agência Abreu, foi possível fazer uma excursão de 40 dias, partindo a
viagem de Buenos Aires.
170
Tomei parte como representante de diversas vezes, no “Prêmio
Moinhos Santista” sendo membro do grande júri para a escolha dos que tinham
prestado relevantes serviços à ciência, arte e letras, tornando-se merecedores
do reconhecimento público.
Esse concurso se realiza anualmente na cidade de São Paulo sob o
patrocínio da “Fundação Moinhos Santista”.
Por duas vezes, em São Paulo, fiz parte, como Professor de Literatura,
da comissão de escolha dos nomes que deveriam ser submetidos ao grande
júri: a primeira foi de escolha de Manuel Bandeira e a segunda, do nome de
Erico Veríssimo.
Esses encontros foram sempre úteis e agradáveis pela convivência com
figuras exponenciais da vida cultural brasileira: professores, reitores,
desembargadores, ministros e elementos de destaque da sociedade paulista.
Na Universidade Católica fui homenageado algumas vezes nas
solenidades de formatura. Por duas vezes fui paraninfo na Faculdade de
Ciências Econômicas, duas vezes padrinho na Faculdade de Filosofia e
homenageado umas 6 vezes por outras turmas.
Como Vice-Reitor, estive no exercício da Reitoria, nos impedimentos do
magnifico Reitor Ir. José Otão.
Prestei, dentro de minhas possibilidades, através da cátedra e dos
trabalhos administrativos, minha colaboração aos Irmãos Maristas dos quais
recebi sempre demonstrações de carinho, estima e consideração.
E depois de aposentado, tive a honra de, em solenidade realizada no
Salão Nobre, receber o título de professor emérito da PUCRS, com a presença
das autoridades universitárias, de Dom Vicente Scherer, meu colegas da
Faculdade e os companheiros do Tribunal de Contas do Estado. Fui, na
oportunidade, saudado pelo Irmão Liberato em nome da Universidade.
O Superior Geral em reconhecimento da dedicação às obras
maristas outorgou a Francisco Juruena o título de filiação ao Instituto
171
dos Irmãos Maristas com direito a atenções especiais por parte dos Irmãos
e de sufrágios post-mortem.
Esposo e Pai dedicado
Francisco era gente de participar da vida social de Porto Alegre,
em festas e recepções, junto com o estudante de Engenharia, Eurico
França Furtado.
Em festividade do Clube Comercial, o amigo Furtado apresentou-lhe
Dionéa, sua irmã. Tempos depois foi apresentado à família do general Furtado
e de Dona Carmem. Começava o namoro que teria o seu ponto alto o
noivado, celebrado no dia 23 de março de 1933, aniversário de Dionéa. O
casamento realizou-se a 3 de janeiro de 1935, quando o casal Furtado
celebrava as bodas de prata.
Francisco Juruena marcou sua vida pelo profundo amor à família, fruto
de sua educação e tradição dos Juruena. Era gostoso de ouvi-lo falar da
esposa e dos filhos.
Em 1935, por ocasião de seu casamento, resolveu apresentar a esposa
aos familiares e parentes em Corumbá/MT. Fez com Dona Dionéa a viagem de
volta à saudosa terra natal, com visita ao Pantanal e a outros lugares que
guardavam recordações inolvidáveis.
Até a construção da casa na rua Tobias da Silva, o novo casal morou
com os sogros.
Em 1936, no Hospital Alemão, (Hospital Moinhos de Vento) nascia o
primogênito, Nelson Fernando.
Nessa época assinava contrato e começava a construção da Casa na
rua Tobias da Silva, que ficou pronta em 1937.
Em 1938, no mês de setembro nasceu o segundo filho que teve o nome
de Lêonidas.
Quase três anos depois nascia a menina, a princesa, a rainha, para
completar a felicidade do lar: Carmen Magda.
172
Nas memórias escreve:
“Levanto as mãos para os céus pelos filhos que tenho. Nunca me
deram trabalho, nunca me deram dissabores, sempre foram carinhosos e bons.
Tenho a consciência tranqüila de tudo ter feito para a formação moral deles e
pela educação.
Estou com os filhos casados, respectivamente com Mariara Bollick
Pereira e Helena Schimit. Eles souberam escolher suas companheiras, criaturas
boníssimas, mães carinhosas e compenetradas. A Carmem Magda, a última, a
caçula, soube escolher o seu esposo, moço bom, trabalhador e digno”.
“Todos os meus filhos me deram netos maravilhosos: Mário Francisco,
Eduardo, Ana Paula, Filhos de Nelson Fernando; Eiisabeth, Luciana e Ricardo,
filhos dee Leônidas; Guilherme e Alencastro (Alen), filhos de Carmen Magda.”
Francisco Juruena viveu de maneira devotada para sua família e
expressou em versos magistrais e singelos a beleza de ser avô.
SER AVÔ
Ser avô é ser “pai açucarado”,
É ser pai, duas vezes, ser avô...
É ter o coração iluminado,
Ouvindo alguém chamar-nos de vovô
Ser avô é pretérito passado,
Mas no neto o futuro ele encontrou...
E dentro de um presente deslumbrado
Deseja para o neto o que sonhou.
Ser avô é fazer qualquer vontade,
É perder por completo a autoridade,
Fingindo ter rigor ... quando está só
173
Ser avô é sorrir de peraltices,
É viver dando ao neto gulodices
E empurrar toda a culpa na vovó...
Este soneto tem sido publicado e recitado pelo Brasil inteiro.
O poeta
É bom ler o que ele mesmo escreve sobre o “ser poeta”. Sempre gostei
muito de poesia. Titular da cadeira de Literatura Brasileira e Portuguesa,
procurava estar a par de sua literatura e dos seus expoentes maiores.
Desde o ginásio sempre tentei um pouco as letras. Já em páginas
anteriores escrevi a participação que tive na fundação do “Grêmio Fagundes
Varela do Ginásio Santa Maria”.
Bilac exerceu uma influência enorme em minha formação. Tenho
bastante auto-crítica para reconhecer que não sou um poeta. Mas sempre
gostei muito de poesia.
Quando posso, rabisco meus versos. No Tribunal de Contas tive
oportunidade de escrever sonetos para meus colegas e meus companheiros de
trabalho. Pequenos perfis com certa dose de humor. Silvio Duncan do Grupo
Quixote fez o prefácio de um modesto livro: “Nas horas de lazer, faço versos”.
Em determinado trecho do prefácio, diz Silvio Duncan.
“Juruena ri, abraçando amigavelmente e faz versos sem malícia oculta.
Esse fato encontra explicação na personalidade do autor; é um homem
congenitamente democrático. Vê criaturas, não credos políticos ou religiosos,
nem classes sociais na diversidade de pigmentação, despreocupado com os
valores econômicos. Vê no homem, o homem seu irmão e é só através dessa
perspectiva que se pode compreender plenamente o sentido de seus sonetos”.
Antes dessa publicação, pela Globo, em 1956, publiquei uma coletânea
de quadros e quintilhas, enfeixados no livro “Cantigas de um Trovador”, com
o pseudônimo de R. Estrela. Já eu era Ministro do Tribunal de Contas, hoje o
título foi mudado para Conselheiro.
174
Exemplos:
Vivo um reino encantado
De uma riqueza sem par:
Meus filhos são três tesouros,
Minha mulher, a rainha,
Do recanto do meu lar...”
Do livro em homenagem aos colegas e funcionários leia-se o soneto G.C.
G.C.
É mineiro, da terra das montanhas,
Conterrâneo da célebre Marília...
Tem virtudes e tem as suas manhas,
E onde está, tem relevo e sempre brilha.
Esmiuça um processo e das entranhas
Do mesmo tira sempre uma casquilha
De fino humor, mas de repente estranha,
Os tais serviços extras — que quizília...
Deposita nos bancos da cidade;
Como filho de Minas — é verdade —
Banqueiro ainda será e num momento...
É az de ouro, das letras, entre azes,
Aquele que brilhou em Cataguazes,
No Rio-Grande venceu pelo talento
Conselheiro GUILHERMINO CESAR
Tribunal de Contas — 1951
175
Em 1974, por iniciativa do Irmão Elvo Clemente, a Reitoria mandou
publicar TEMPO de POESIA, com o prefácio do Reitor Irmão José Otão, do qual
se tomam dois parágrafos:
“Se aos dezoito anos como afirmava o professor de Literatura, Juruena:
“Somos todos poetas”, somente é poeta verdadeiro aquele que compõe por
toda a vida.”
Na idade provecta, ao contemplar a vida dos altiplanos, na serenidade
da realização pessoal e cristã, na intimidade da família, no borborinho da
Universidade, nos trabalhos do Tribunal de Contas e no bate-papo com os
amigos, Juruena é um homem feliz. Os versos recolhem essa felicidade e
irradiam a beleza penetrada pela luz divina que lhe vem do Evangelho.”
Desse livro pela sensibilidade e pela força romântica sempre viva
apresenta-se
Idílio em Torres
Nós dois, querida, ouvindo o mar e vendo
A natureza linda em nossa frente...
Nós dois calados, mas nos entendendo
Pelo olhar que nos fala e não nos mente...
Meu olhar nos teus olhos fica lendo
Tudo o que vai no coração da gente:
Pois assim nós nos vamos compreendendo...
As minhas mãos nas tuas mãos pousadas,
As nossas almas presas, encantadas,
Ansiosas de paixão e desejo...
E nós, querida, ouvindo o mar chorando
E a natureza, em derredor, cantando
E a vida palpitando em nossos beijos...
176
Vale a pena saborear pela leitura algumas trovas publicadas em 1982,
em coleção de poetas e trovadores rio-grandenses, compilação e organização
de Nelson Fachinelli.
O Amor e a Ausência na vida
Se uniram: felicidade...
E a sua filha querida
Teve por nome: Saudade...
Saudade ... que mal danado!
Mata ou deixa a gente louco:
Eu já ando desvairado
E morrendo pouco a pouco...
Juras de amor, em segredo.
De ti recebi aos mil
Acreditei no brinquedo,
Mas foi primeiro de abril...
A trajetória do poeta, do professor, do Conselheiro do Tribunal de
Contas realiza-se, após as aposentadorias em serviços gratuitos prestados à
educação cívica nos múltiplos programas da Liga de Defesa Nacional. Foi
presidente com os amigos Poty de Medeiros, Alfredo Hoffmeister, Solano
Borges e outros velhos amigos dos bancos escolares do Ginásio Santa Maria.
177
O Consul Geral da Espanha – Eduardo José confere a comenda Isabel a
Católica a Franciso Jurena e ao Irmão Faustino
Últimos anos
Francisco Juruena era pessoa de constante ocupação, sempre via
algum serviço a prestar à esposa Dionéa, aos filhos e aos netos, ou a outras
pessoas. Não podia ver um necessitado, um pobre sem ajudá-lo.
Sentia muito o desaparecimento de familiares e de amigos. À medida em
que a idade avança, aumenta o número dos que caem à direita e à esquerda.
Em 1981, a tranqüilidade da família teve a maior desventura com o
desaparecimento trágico da família de Carmen Magda e Alencastro. A vida não
foi mais a mesma depois daqueles dias de maio.
Começou a sentir os achaques e os sintomas da doença que pouco a
pouco iam mimando aquele corpo esbelto e forte.
Em janeiro de 1990, no dia 25, celebrou os 80 anos de existência. As
comemorações foram marcadas pela Santa Missa de ação de graças a Deus.
Após uma ceia participada pelos familiares e pelos Irmãos Maristas: Faustino,
Liberato e Elvo Clemente.
178
A solicitude da esposa Dionéa, dos filhos Nelson Fernando e Leônidas
e dos netos era incansável. A doença pertinaz o levou ao Hospital São Lucas
várias vezes com rigorosos tratamento de quimioterapia.
No dia 25 de agosto, Francisco Juruena entregava a sua bela alma ao
Criador, precisamente seis meses depois de completar oitenta anos.
Numeroso público de familiares, de amigos, de ex-colegas e de ex-
alunos compareceu no dia seguinte ao velório e às exéquias, no Cemitério
Ecumênico João XXIII. Fechava-se, assim, numa tarde invernal o trajeto de uma
vida que começara a 25 de janeiro de 1910 em Corumbá/MT.
Os belos exemplos, as lições de vida do pai, esposo, mestre, do amigo
e do conselheiro Francisco da Silva Juruena perduram para a geração presente
e para as gerações vindouras abertas para novos horizontes no arco-íris da
Esperança e do Amor sempiterno.
179
IRMÃO ROQUE MARIA ERNESTO DANIEL STEFANI
Lançar no papel alguns dados sobre a bela e exuberante vida do
Irmão Roque Maria ou de Ernesto Daniel Stefani é motivo de alegria e de
grande responsabilidade. Existência de 83 anos e 4 meses toda dedicada à
obra de Deus em benefício da infância e juventude e de pessoas
necessitadas é um poema que merece melhor escriba. No entanto tratarei
de perlustrar os caminhos deste homem que viveu espargindo alegrias,
belos ideais e frutos de virtudes.
Irmão Roque Maria – Vice-Reitor
Nasceu numa propriedade rural do Município de Garibaldi entre as
localidades de Borgueto e Garibaldina, no dia 27 de setembro de 1908, sendo
os pais: Daniel Stefani, oriundo do Tirol e Isabel Debacco, procedente do
Vêneto. Os primeiros anos escoram-se entre alegrias, pequenas tristezas e
algumas tribulações. Houve treze filhos do casal: oito homens e cinco mulheres. Para o nosso tema interessam-nos Ernesto Daniel e o segundo José
que tomou o nome que o imortalizou — Irmão José Otão.
180
O pequeno Ernesto muito jeitoso assumiu, após o falecimento da mãe,
os afazeres de casa buscando instruir-se na escola de Garibaldina e depois no
Instituto Santo Antonio, na sede do Município. Aí encontrou os Irmãos Pacônio,
José e Geraldo que o entusiasmaram a seguir a vocação de religioso professor.
Anos depois estava em Porto Alegre no Instituto Champagnat onde realizou seu
noviciado em 1924; tendo professado na Congregação no dia 25 de dezembro
de 1924. Depois, vemo-lo no Ginásio Santa Maria, ministrando aulas e ao
mesmo tempo estudando com outros irmãos as disciplinas: Matemática,
Química, Física, Língua Portuguesa, Literatura, Filosofia, etc. Nessa ajuda
mútua iam-se preparando os orientadores do futuro do Rio Grande do Sul. O
Irmão Roque Maria teve a vocação para as ciências humanas e sociais. Era
exímio escritor, pois não perdia o tempo, sabia aproveitá-lo em leitura dos
clássicos portugueses e brasileiros. Terminados os anos de Santa Maria, ei-lo
no Colégio Conceição, de Passo Fundo. Era entusiasta na orientação daqueles
jovens, alguns notabilizaram-se nas letras e no Direito tais como Clio Fiori
Druck, Carlos Galves e outros.
De Passo Fundo foi para o Rio Grande onde o aguardam mais tarefas.
Em 1937/38 sendo Prefeito Dr. Antonio Meirelles Leite, os Irmãos Maristas
dirigiram o Ginásio Municipal Lemos Júnior, ao mesmo tempo em que o Colégio
São Francisco florescia com o Curso de Contador. Iniciava a seguir o Ginásio
que tantos talentos preparou para o Direito, a Medicina, a Economia e a
Política do Estado.
De 1938 a 1943, Ernesto Daniel era aluno da Faculdade de Direito de
Pelotas, junto com o Irmão Gelásio (Oscar Mombach). Era interessante e
admirável vê-los sobressando os pesados volumes e mergulhados nos códigos,
discutir leis, decretos e acórdãos. Na Faculdade brilhavam na época Mozart
Vitor Russomano, Alcides de Mendonça Lima e outros.
O velho Colégio São Francisco renovou-se física e estruturalmente com
o prédio altaneiro sobre a Rua Doutor Nascimento.
181
Em Porto Alegre, em 1940, começavam os Cursos de Filosofia,
Ciências Sociais, Geografia/História, Letras Clássicas, Letras Neolatinas e
Letras Anglo-Germânicas.
Irmão Roque foi a Porto Alegre, trabalhou no Colégio Champagnat e
nos Cursos de Pedagogia, recém-criado em 1942. A nova Faculdade tomava
amplitude com centenas e centenas de alunos. O Colégio Nossa Senhora do
Rosário abriu as portas para mais turmas de jovens para os Cursos do Colégio
nas modalidades de Clássico e Científico. Irmão Roque em alguns anos
atendeu à formação das novas gerações de Irmãos, em outros dirigiu o Colégio
Nossa Senhora do Rosário.
No trabalho que foi crescendo dia-a-dia não tirou o pensamento e os
cuidados na estruturação da Universidade junto com o mano, Irmão José Otão,
Irmão Faustino, guiados pelo Irmão Afonso.
Viu surgir a Escola de Serviço Social, em 1945, grande novidade para o
Sul do Brasil. Ajudou a preparar a estrutura da Faculdade de Direito. Ernesto
Daniel Stefani é o titular de Introdução à Ciência do Direito. Além dos trabalhos
com a Escola Normal, com o Curso de Pedagogia, lecionou Educação
Comparada, preparou a nova disciplina. As aulas dele metodicamente
preparadas eram um encanto em sua execução. Os 90 minutos dos períodos
geminados escoavam-se com suavidade e unção. Além da docência tinha as
funções de membro do Conselho da Faculdade. Eram mais horas dedicadas a
consolidar as Faculdades em vista da formação da UNIVERSIDADE. Irmão
Roque não teve atuação direta como o Irmão Faustino e o Irmão José Otão,
mas estava no Conselho da União Sul Brasileira de Educação e Ensino,
cuidando dos caminhos que eram palmilhados para o grande objetivo.
Naquela época tirou um tempo de um ano e meio para seu
aperfeiçoamento pessoal em Lyon, com cursos de extensão; no âmbito da
Filosofia na Université de Louvain; no Institut Catholique de Paris. Esteve na
direção do Instituto de Ciências Pedagógicas, em Campinas, São Paulo,
nos anos seguintes.
182
Em 1951, em dezembro, quando empossado no cargo de Reitor o Dr.
Cônego Alberto Etges. Irmão Roque foi o vice-Reitor, por três frutuosos anos,
Por aquele tempo, ao participar do Congresso Latino-americano das
Universidade Católicas, em Santiago do Chile, foi alvo de magnífica homenagem.
A Universidade Católica outorgou-lhe o título de Doutor Honoris Causa.
Mereceu o título por seu descortínio nas Ciências da Educação e nos trabalhos
desenvolvidos para que as Faculdades Livres de Porto Alegre se constituíssem
na Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1948 e em 1950 — recebia
da Santa Sé o título de PONTÍFICIA.
Em 1960, como Conselheiro Geral do Instituto dos Irmãos Maristas das
Escolas colaborou para a transferência da Administração Geral de Saint-Genis-
Laval para Roma, no E.U.R. Durante oito ano supervisionou as obras maristas
do Brasil, de Portugal, de Angola e Moçambique. Do Centro da Congregação
sempre teve o pensamento e ação voltados para a Universidade.
Retornando aos pagos depois dos anos de administração geral 1967
em que realizou viagens à Africa, à América Central, ao Norte da América do
Sul, a vários países da Europa, dedicou-se a uma vida simples, modesta,
auxiliando o Irmão José Otão em algumas atividades e na direção
da Revista VERITAS.
Através das ações e empreendimentos do Irmão Roque Maria era
a PUCRS que estendia sua cultura, assistência na preparação dos
homens do amanhã.
Ação junto ao homem do campo
O Irmão Miguel começara um trabalho belíssimo na formação do
pessoal da agricultura, sob a denominação de FRENTE AGRÁRIA GAUCHA.
Formaram-se lideranças. mãos de obra especializada para os afazeres do
campo. Havia uma Escola em Bom Princípio em que rapazes e moças
passavam um período de estudos teóricos, seguindo-se a prática
supervisionada em seu âmbito rural.
183
Começaram então, sindicatos rurais, obra da Igreja. Depois
evoluíram para o campo político. O Irmão Roque destinava dias e horários
especiais em que realizava palestras e práticas na formação da juventude
das zonas rurais.
Em 24/8/1959 o corpo administrativo da Universidade prestou expressiva homenagem ao
Conselheiro Geral. De pé: Daniel Juckowsky, Ir. Liberato, Antonio César Alves, Ir. Rubio y Rubio, Antonio F. Oliveira Gonzalez, Ir. Elvo Clemente, Ir. Faustino João. Sentados: Balthazar Gama
Barbosa, Ir. Moacyr Empinotti, Ir. José Otão (Reitor), Ir. Roque Maria (Cons. Geral), Manoel Coelho Parreira (Vice-Reitor), Lúcia Gavello Castilho e Francisco Juruena.
Ação junto a professores e funcionários
Nos anos em que esteve na Universidade a partir de 1970, dedicou-
se a fazer palestras a grupos de professores e funcionários. Eram reuniões
em que havia a palestra dele, depois momentos de reflexão e de meditação.
Formaram-se, assim, pessoas que lideravam a vida científico-cultural e
espiritual na Universidade. Para facilitar a leitura formou-se biblioteca
especializada para os membros dos grupos de reflexão.
184
Ação junto aos funcionários
Os funcionários da Universidade entraram na preocupação do Irmão
Roque. Periodicamente, de quinze em quinze dias, fazia reuniões com
pequenos grupos de funcionários, conforme as categorias. Eram pequenas
instruções práticas sobre o valor da pessoa, sobre a importância da fé e da
religião. Tudo isso era feito de maneira afável e carinhosa. Tratava, outrossim,
de assuntos relativos à saúde, à alimentação, à maneira de alimentar-se e de
melhor aproveitar dos alimentos.
Ação para a saúde e bem-estar
Dedicou grande parte de seu tempo no estudo de plantas medicinais,
existentes no Campus ou nas proximidades da Cidade Universitária. Passava
horas, nos dias feriados ou domingos na busca de plantas em Viamão ou
alhures. Conhecia as plantas, suas propriedades medicinais. Preparava as
folhas de maneira técnica conforme a orientação de bibliografia-especializada.
Recebia as pessoas que desejavam algum chá, dava-lhes conselhos
quanto à alimentação e a seu teor de vida e oferecia-lhes o chá adequado,
tudo era feito de graça. Não se importava com o tempo e com a necessidade
de repetir a mesma coisa tantas vezes. Tudo isso ele fazia para ver as
pessoas felizes.
Arborização do Campus
Quando o Irmão Roque veio para a PUCRS, em 1970, o Campus
estava todo em ebulição: construções novas, caminhos recebendo os
paralelepípedos, tudo para fazer com que a Cidade Universitária recentemente
inaugurada, (setembro de 1968) fosse mais agradável a seus freqüentadores.
Amante da natureza, empreendeu o trabalho de arborizar tantas áreas.
Procurou semente de várias plantas: grevilhas, ipês, murtas, etc. Fazia
sementeiras e viveiros. Uma vez que a muda estivesse boa para transplantar,
185
os operários, sob a sua orientação iam preparando as covas para receber a
plantinha. Dessa maneira 90% da vegetação arbórea existente no Campus teve
origem na inteligente iniciativa do Irmão Roque. Durante vinte anos algumas
árvores deram sua sombra amiga a locais aprazíveis. Com a urbanização
empreendida em 1996 sob a orientação da arquiteta Léa Japur muitas daquelas
árvores foram revalorizadas, testemunhando assim, a benéfica iniciativa
daquele obreiro do início dos anos 70.
Revista VERITAS
O autor destes apontamentos secretariava a Revista VERITAS cujo
diretor era o Reitor Irmão José Otão. Ao chegar o Irmão Roque, o trabalho da
secretaria passou para ele. Fazia às vezes de Diretor, Editor e de Secretário.
Falava com os professores para conseguir os artigos. Fazia-lhes a revisão. Ia à
gráfica, revisava os textos compostos pela linotipo, naquela época. Era muito
trabalho, que o Irmão Roque fazia com grande dedicação. Muitos artigos ele
escreveu e publicou na VERITAS. Todos de grande profundidade filosófica,
ascética e cultural. Durante quatro anos foi o diretor do Editorial da
Universidade, Maria Rita Quintella era a revisora.
Homem de vasto saber
O Prof. Irmão Ernesto Daniel Stefani possuía vasto saber, fruto de suas
constantes e seletas leituras. Quando o Instituto de Geriatria iniciou os cursos
de Especialização foi-lhe reservada a disciplina de Geriatria Social. Como sabia
encantar o seleto auditório com as teses que expunha sobre o valor da vida e
sobre a importância de envelhecer com saúde, com alegria e felicidade!
O escritor
O Irmão Roque Maria era primoroso beletrista. Dedicou muitas horas de
sua vida a escrever para os jovens: pequenas narrativas de caráter cívico-
186
moral. Os livros tiveram alguma difusão nos colégios maristas. Obra
interessante e muito oportuna intitula-se MÃE. Coloca a maternidade no alto
grau que merece dentro de uma sociedade cristã que tem o ideal, de beleza e
de amor em Maria de Nazaré.
Nos últimos anos dedicou-se a escrever sobre figuras importantes da
história dos Irmãos Maristas e da Universidade.
Em 1973 publicou 25 ANOS de Universidade. 224p. edição da EPECÊ.
Em 1986 publicou IRMÃO JOSÉ OTÃO — Vida e obra, 164p pela D.C.
Luzzatto Editores Ltda.
Em 1987 publicou Irmão Afonso — Fundador da PUCRS 160p, teve
coautores: Irmão Faustino João e Irmão Elvo Clemente pela EPECÊ,
Porto Alegre.
Em 1989 publicou VIDA DO IRMÃO WEIBERT, fundador da Província
Marista do Brasil Meridional, 133p. sendo coautores: Irmão Faustino João e
Elvo Clemente, pela EPECÊ, Porto Alegre.
Numerosos e substanciais artigos publicados na Revista VERITAS,
constituem ensaios importantes para a educação de nossa gente.
Últimos anos
O Irmão Roque Maria teve um carinho especial pelos ex-alunos,
conhecido de tantas turmas. Ao encontrar um ex-aluno marista era sempre uma
grande alegria. Houve uma turma especialíssima, os Contadores do Colégio
São Francisco de 1938. Anualmente vinham buscá-lo e levá-lo para Rio Grande
junto com o Irmão Dionísio Fuertes Alvarez. Ali celebravam numa Missa de
agradecimento, a alegria da vida e do convívio fraterno sob as arcadas do
vetusto educandário.
Outras vezes era convidado por religiosos ou religiosas para uma
palestra de retiro ou fervorino num encontro de espiritualidade. As suas
faces definhavam mas o ardor pelas coisas de Jesus Cristo e de Nossa
Senhora iam-se fortalecendo. Como ele falava com entusiasmo de Jesus
187
Cristo, fruto sublime de suas leituras, meditações e horas passadas em
colóquio profundo diante do Sacrário.
O grande coração não suportava mais o viver e no dia 6 de fevereiro de
1992, após ter entregue um pacote de chá para uma pessoa, teve um desmaio
no 5° andar da Reitoria. Levado ao Hospital São Lucas não retornou mais à
vida, entregando a sua bela alma a Deus no dia 8 de fevereiro. A Universidade
estava em férias totais. O enterro, no cemitério dos Irmãos Maristas em Viamão,
teve poucas pessoas presentes.
Os seus exemplos, a sua doutrina, o seu sorriso de plena e santa
felicidade ficou para a perene lembrança de alguém que passou pela
Universidade semeando vida e vontade de viver para o bem dos outros, pela
Glória de Deus e de Maria Santíssima.
188
ELISEU PAGLIOLI
Na década de 1890, Caxias do Sul iniciava sua condição de vila,
povoada de imigrantes italianos que haviam começado a chegar ali, em Nova
Milano, em 1875. A família Paglioli estabelecera-se numa pequena loja de
calçados em que o fabricante era o proprietário. Eram chinelos, sapatos para
homens e mulheres, tamancos, botas tudo quando pudesse ser útil para o bom
caminhar daquela gente.
Em 1898, no dia 26 de dezembro o casal foi enriquecido com o
choro de um menino que abrira os olhos para o mundo e para a vida. No
batismo e no registro civil recebeu nome um tanto estranho para os
habitantes da vila — ELISEU.
Prof. Eliseu Paglioli
A sapataria não dava muita vantagem para a família: trabalho árduo e
constante e rendimento pouco. Em 1910 a família Paglioli resolveu buscar
melhores condições de vida em São Francisco de Paula.
189
Em 1912, Francisco Paglioli, pai de Eliseu, trouxe o filho para estudar e
trabalhar em Porto Alegre. Conseguiu trabalho numa farmácia. Antes, porém,
de retornar já que o menino ficaria sozinho em Porto Alegre, foi à Igreja de
Nossa Senhora das Dores, recomendá-lo à proteção de Nossa Senhora.
Eliseu aprendera a ler e a escrever na escola pública municipal.
Vencera os conhecimento básicos do antigo Ginásio. Chegado a Porto Alegre,
empregou-se numa farmácia. Passava o dia entre frascos de remédios e
manipulações. Daqueles odores de medicinas surgiu-lhe no espírito a idéia de
ser médico. Para isso precisava freqüentar os Cursos preparatórios. Existiam
vários. O melhor era aquele dirigido pelo Irmão Weibert, à rua do Espírito Santo,
antigo Seminário arquidiocesano, onde se instalara o Colégio Nossa Senhora
do Rosário. Para preparar o vestibular precisava de dinheiro, para a Faculdade
de Medicina precisava pagar mensalidades. O dinheiro era pouco que lhe vinha
do trabalho na farmácia.
Assim mesmo resolveu encontrar-se com o Irmão Weibert, aquele
homem alto com olhar de longes horizontes. O encontro foi marcado pela
simpatia de parte a parte. “Se queres estudar, vem aqui, amanhã mesmo!
Não penses em pagar. Vamos combinar um serviço para ti. Vais ser o
copeiro dos Irmãos.”
Estava tudo resolvido. No dia seguinte os Cursos Preparatórios tinham
mais um aluno.
O Curso de Preparatórios, freqüentado pelos jovens que se preparavam
diretamente para o vestibular das faculdades dc Medicina, Direito, Engenharia,
Escola Militar e outras.
Dom João Becker, em visita ao Colégio escreveu: “Fiquei bem
impressionado e edificado em ver o imenso colmeal bem ordenado, cada
abelha-mestra ou operária sugando com ardor o saboroso mel da ciência unida
à sabedoria cristã.”
O Irmão Weibert era ajudado no Curso pelos irmãos Ambrósio Leão,
Florêncio, Tomás de Vilanova e Luís Bernardo. Os Preparatórios continuaram
190
até 1925, quando a Reforma Rocha Vaz introduziu os exames senados com
freqüência obrigatória.
Eliseu foi estudando, mostrou-se logo aluno especial. Em 1918
apresentou-se aos exames vestibulares da Faculdade de Medicina de Porto
Alegre. Ei-lo matriculado e feliz. Muito contente ficou o sapateiro Paglioli que
via o filho ascender nova escala social. Dentro de cinco anos, o aluno
brilhante e dedicado aos estudos e às investigações recebia o diploma de
Doutor, em 1923. Daí para diante a vida do jovem tomava rumos diferentes,
amplos e universais.
Em 1927, resolveu estabelecer o seu lar, contraiu matrimônio com a
jovem da sociedade local, Adda Beck. Aos poucos vieram os filhos: llka, Marília,
Eduardo, Vera e Gilda.
Nunca esqueceu o seu benfeitor Irmão Weibert, que lhe abrira as portas
do reino de Hipócrites.
Em 1927, Irmão Afonso, ex-aluno do irmão Weibert, em Beaucamps
(França), agora diretor do Colégio Nossa Senhora do Rosário, encontrou-se
com o Dr. Eliseu Paglioli, ex-aluno do Irmão Weibert nos Cursos Preparatórios,
aconteceu a fundação da Associação dos Antigos Alunos Maristas de Porto
Alegre (AAMPA). Na assembléia geral foi eleito presidente o Dr. Eliseu Paglioli.
Irmão Afonso em 1931 lançava os fundamentos da Universidade Católica;
Paglioli, anos mais tarde seria eleito o Reitor da Universidade do Estado do Rio
Grande do Sul. Durante 12 anos daria novos rumos, novos cursos, novos
prédios. Duas grandes vocações uníversitárias inspiradas nas lições fecundas
do mestre que sabia ver muito longe, para além dos horizontes de sua época.
A amizade entre os dois discípulos do Irmão Weibert era grande e muito
operosa. Apesar do imenso trabalho na direção do Colégio Nossa Senhora do
Rosário, Irmão Afonso reservava horas no planejamento das futuras
Faculdades de Ciências Políticas e Econômicas e de Filosofia, Ciências e
Letras, ali os confidentes eram Eloy José da Rocha, Eliseu Paglioli e Elpídio
Ferreira Paes. Preocupação grande era a seleção de professores para as
191
disciplinas que formariam os professores do ensino médio. Eliseu participava
com a sua visão e experiência da Faculdade de Medicina. Reservou para si o
ensino da Biologia no curso de História Natural. Na Associação dos Antigos
Alunos apareciam os discípulos de Santa Maria e do Rosário: Francisco
Juruena, Antonio César Alves, Salomão Pires Abraão, EIoy José da Rocha,
Elpídio Ferreira Paes. Eram os pilares da nova construção universitária que
vivia alterosa e promissora nos sonhos e no planejamento do Irmão Afonso.
Enquanto isso, o jovem Doutor Paglioli ia traçando os caminhos das
ciências médicas, Neurologia e Neuro-cirurgia. Em 1925, defendeu tese para a
Livre-docência em Clínica Obstetrícia, em 1929 vencia concurso para a cadeira
de Anatomia Humana.
Esses degraus universitários exigiam-lhe mais horas de estudos e de
pesquisas até alcançar a cátedra de Clínica Propedêntica-Cirúrgica em 1938.
Nesses anos de 1939, 40 e 41 encontrava-se seguidamente com o
Irmão José Otão que era professor do Colégio Nossa Senhora do Rosário e
aluno da Escola de Engenharia. Eram outras duas inteligências dinâmicas que
se preparavam para as tarefas que Deus lhe destinava.
As reuniões da AAMPA se sucediam. Os encontros com o Irmão
Weibert eram feitos de vez em quando no Instituto Champagnat, no Partenon.
Após uma rápida enfermidade o mestre, chegado aos 88 anos, no dia 6 de
setembro de 1947 entregava sua bela alma a Deus Pai. No dia seguinte, após a
missa de corpo presente celebrado por Mons. Pedro Frank, ex-aluno de Bom
Princípio, às 9h30min, a pedido dos ex-alunos o féretro transferiu-se para o
salão nobre do Colégio do Rosário. Ali estava Eliseu emocionado, chorando
agradecido a perda do inestimável mestre e benfeitor.
Desde 1946, Eliseu instituíra o Instituto de Neurocirurgia e o respectivo
hospital junto do Hospital São José, no complexo da Santa Casa da
Misericórdia de Porto Alegre. Sua relação com os homens que cuidavam das
Faculdades livres, sempre amistosas, sempre coadjuvantes, amadurecendo o
192
surgimento de novas escolas, até concretizar a equiparação que instituiu a
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no dia 9 de novembro de 1948.
Afirmava-se o valor do médico neurocirurgião, “o bisturi de ouro”,
consagrado no Brasil, na América Latina e na Europa. Fiel à sua profissão, à
cátedra, vai perlustrando os degraus da carreira administrativa, em 1952, eleito
Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em 1954, o Irmão José Otão assumiu a reitoria da PUCRS. Os dois
reitores mantiveram elos estreitos de amizade e de colaboração.
Introduzimos a seguir breve testemunho de Eduardo:
“Eu iniciava en 1955, o meu convívio com o hospital, já aluno da
Faculdade de Medicina, e um dia o Irmão Otão apareceu no Instituto de
Neurocirurgia, na Santa Casa, para visitar o professor Paglioli, Reitor da
UFRGS e meu pai.
A conversa entre os dois era amistosa e vibrante, meu pai falava com
entusiasmo sobre a construção do grande Hospital de Clínicas e perguntava:
“Como é que o senhor planeja a sua grande universidade sem um hospital para
a medicina, Irmão Ótão”?
Falava com entusiasmo, desafiando o espírito inquieto de José Otão.
De repente meu pai vira-se para mim e diz: com os recursos com que
eu coloco um tijolo o Irmão Otão coloca dez!
Nunca esqueci aquela frase.
Anos mais tarde Irmão Otão me convidou para participar de uma
reunião na reitoria da PUC, lá estavam os Doutores Osvaldo Ludwig, Manoel
Albuquerque e Spolidoro.
Conversamos muito e eu via a PUC ao redor crescendo a olhos vistos e
me lembrava dos “TIJOLOS DO IRMÃO OTÃO!”
Ao fïnal da longa reunião, o Irmão Otão, leigo no assunto, faz uma
síntese do que havia sido discutido e então eu vi que havia outros milagres na
mente daquele homem, ele não perdeu nada da essência.
193
Hoje eu penso que o milagre dos tijolos do Irmão Otão já havia sido no
passado o milagre dos tijolos do Irmão Afonso e ultimamnente o milagre dos
tijolos do Irmão Norberto.
O milagre, sim, da Filosofia cristã dos irmãos maristas: Gestores
devotados de um patrimônio do qual nunca desfrutaram, de um patrimônio que
nunca distribuiu dividendos e que nunca ninguém compartilhou por herança;
gestores devotados cuja única recompensa é ver a obra crescer para o bem.
Assim é o milagre do qual participo no dia-a-dia do Hospital São Lucas
nos últimos 25 anos.”
O Reitor Eliseu Paglioli enfrentou com denodo as dificuldades
da Universidade.
Ao ser nomeado pelo Presidente Getúlio Vargas recebeu a missão de
muita responsabilidade, para “remover todos os obstáculos, congregar os
espíritos, atender ao ensino e à cultura, criar a pesquisa e conclamar
professores, funcionários e estudantes para uma nova jornada”.
Em Memória, Mozart Pereira Soares escreve:
“Dotado de excepcional dinamismo e extraordinário senso prático, foi o
Reitor providencial para aquele momento de transição entre uma Universidade
relativamente limitada, pela carência de recursos do Estado, que então
a mantinha, e a instituição voltada para o desenvolvimento que a
comunidade reclamava.”
Iniciava-se, no Brasil, o chamado ciclo da “Educação para
o Desenvolvimento “.
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul soube reformular sua
estrutura administrativa e funcional e colocar-se em condições de aproveitar ao
máximo, as oportunidades oferecidas, de progresso qualitativo e quantitativo.
Eliseu Paglioli exerceu a Reitoria em quatro mandatos sucessivos,
situação inédita na Universidade. A continuidade administrativa foi
conseqüência do prestígio e da capacidade da personalidade do Reitor.
194
Aquelas lições do Irmão Weibert floresciam na pessoa
do administrador, marcada pelo altruísmo e pelo sentimento de
solidariedade humana.
Mozart Pereira Soares insiste no retrato de Paglioli: “Administrador,
consciente de seus deveres, sofria quando lhe era impossível solucionar
dificuldades e problemas do cotidiano. Arguto e operoso não media sacrifícios
na captação de recursos materiais para a Universidade. Era, sobretudo, criativo,
engenhoso, habilíssimno e inigualável, entre outras qualidades, nas relações
públicas da Instituição, a que se consagrara.”
O Reitor refletindo sobre a gestão da Universidade, escreve: “Nem
todos sabem o que se fez e como foi feito. É preciso que se olhe a
Universidade não apenas em sua expressão física e de resultados materiais e
práticos. Nem sempre se apercebem que esse corpo possui uma “alma”, de
função altamente civiIizada, cuja geração foi motivo de sérias cogitações e
grandes apreensões e responsabilidade, e que suas finalidades sobrepassam
em muito a obra material.
No ano de 1952 as Faculdades de Direito, de Odontologia estavam
incorporadas à Universidade do Rio Grande do Sul pela Lei Federal 1.166 de
27/07/1950 continuavam a merecer a atenção da administração universitária
de Porto Alegre.
195
Instalaçao da Universidade Federal de Santa Maria. José Mariano da Rocha Filho (Reitor), Eliseu
Paglioli, Irmão José Otão e Dom Victor Sartori, 18/03/1961 Grande feito científico-cultural foi a criação da Faculdade de Medicina
de Santa Maria, na sessão do Conselho Universitário de 8 de abril de 1954. O
Reitor entendeu a situação aflitiva de 51 candidatos excedentes, aprovados no
vestibular de Medicina. Envidou todos os esforços junto do Ministério da
Educação e a clarividência do Prof. Dr. José Mariano da Rocha Filho, para
fundar a Faculdade de Medicina de Santa Maria. Era o grande gesto da
interiorização do ensino superior.
Ao iniciar a sua administração havia escolas sem prédio próprio, meteu
mãos à obra e até 1964 concluiu quatro prédios iniciados na gestão anterior;
obras iniciadas e concluídas na gestão — 30; obras em construção 8. Os 12
anos do Reitor Elyseu Paglioli foram de expansão e da consolidação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O relatório apresentado ao término do quarto mandato é um livro de
380 páginas em que se pode ler como progride uma instituição universitária
quando dirigida por um Reitor clarividente, honesto, sábio e solidário.
196
Ao deixar a Reitoria, Paglioli convidado pelo Presidente João Goulart
assumiu o Ministério da Saúde nos anos de 1962 e 63. Não deixou o exercício
da cátedra e da neurocirurgia.
Participava de congressos nacionais e internacionais em que a voz de
sua experiência era escutada com atenção e apreço.
As honrarias e títulos honoríficos são inumeráveis, mencionaremos
alguns: Chevalier de la Légion d’Honeur de France — 21/01/1952; Ordine
della Stella della Solidarietà Italiana, 30/09/1958; Ordine del merito della
Repubblica Italiana, 27/08/1958; Oficial del Ordem Condor, do Chile, 1957;
Ordem do Mérito Médico do Brasil, 1960; Membro FeIlow da Sociedade
Internacional de Cirurgia, Chicago, USA, 1934; Membro da Sociedade norte-
americana de Neurocirurgia (cushing).
Publicou numerosos artigos em revistas nacionais e internacionais
especializada sobre os temas importantes de suas pesquisas em neurocirurgia,
em tumores na cabeça, etc.
Os últimos anos foram vividos com lucidez e perseverante trabalho no
Pavilhão São José, onde eram atendidos numerosos clientes com poucos
recursos materiais.
Breve depoimento do Prof. Dr. Eduardo Beck Paglioli
Seu Hobby
Entusiasmado pela vida ao ar livre aproveitava os fins de semana de
inverno para caçadas. Quando comecei ser seu companheiro, ainda que, ele já
não participava das grandes caçadas de veados do passado, se afastara desde
que viu o filme BAMBU.
Entre as atiradas da manhã e a da tarde, e após o almoço,
seus companheiros não dispensavam a sesta, ele no entanto,
aproveitava este horário para atender como médico, as pessoas
pobres da redondeza, improvisando em qualquer lugar um consultório de
197
campanha, para o qual já levava uma mala cheia de remédios, e até
alguns ferros para pequenas cirurgias.
Os peões agradecidos, em troca, lhe segredavam o local dos perdigões.
Participei de alguns dos muitos almoços e jantares nos quais o
deslocado cirurgião e reitor obsequiava com perdizadas seus ilustres
convidados no ambiente espartano do restaurante da Reitoria e até os
sofisticados salões do Palácio do Catete, aonde não foram poucos seus
jantares com Getúlio Vargas.
Numa destas ocasiões o Presidente desconfiado perguntou-lhe: “Mas é
o senhor mesmo que caça estas perdizes, professor?” ao que meu pai
respondeu: “Senhor Presidente sou muito melhor caçador do que cirurgião e
Reitor”. Getúlio riu e completou: “Então deve ser muito bom caçador.”
Quando na comemoração do seu centenário de nascimento alguém se
queixava da falta de verbas para a UFRGS, meu ilustre psiquiatra alfinetou:
“mas o Professor Paglioli levava uma lata de perdizes e trazia um edifício”.
Evidentemente não eram só as perdizes.
Lembro-me de um dia ele contando que que identificou um alto
funcionário da DASP, no Rio de Janeiro, com um câncer na face. Que
imediatamente prontificou-se a trazer e tratar o doente em Porto Alegre.
Assim era o Professor Paglioli, cativava desde o secretário até
ao ministro e era sempre recebido com admiração respeito e carinho
onde chegava.
Sempre que me pedem para escrever sobre ele acho muito melhor
caracterizá-lo assim, do que enumerar seus títulos, diplomas e condecorações.
Estas qualidades humanas associadas a uma forte inteligência, energia e
confiança são o material para a construção do sucesso; e por conseqüência
chegam as homnenagens títulos e condecorações.
Eliseu Paglioli como José Otão foram personalidades riquíssimas de
uma época, sobre as quais se poderia contar inúmeros momentos de
198
inteligência, fraternidade, eficiência, humor e um seu número de adjetivos mais
e caracterizar a longa jornada de luz de suas brilhantes carreiras neste mundo.
Nos últimos anos dedicou-se a escrever suas memórias e atuar como
elemento aglutinador no local em que trabalhou.
Faleceu de enfarto do miocárdio aos 88 anos.
Eliseu Paglioli é um dos pilares da PUCRS de maneira diversa
daqueles que deram suas horas de ensino e de administração, era o
conselheiro do Irmão Afonso e do Irmão José Otão e indicador dos caminhos a
trilhar na intrincada atividade acadêmico-administrativa do ensino superior.
199
IVO WOLFF
Nasceu em São Leopoldo no dia 9 de junho de 1908, filho de Edmundo
Wolff e de Matilde Michaelsen. Passou os primeiros anos na pacata cidade à
beira do Rio dos Sinos. Nada fazia prever o surto industrial que aconteceria
anos depois, por influência da proximidade da Capital do Estado. Pouco tempo
depois a família se transferiu para Porto Alegre. O senhor Edmundo era músico,
apresentava-se na orquestra, ministrava aulas de música.
Prof. Ivo Wolff
Ivo começou a freqüentar a Escola São José, da Comunidade alemã ao
lado da Igreja do mesmo nome.
Os padres jesuítas em 1902 pediram que os Irmãos assumissem a
Escola, assim como os cursos primários do Colégio Anchieta, na Rua Duque de
Caxias. Dessa maneira o adolescente conheceu as primeiras letras com os
Irmãos Maristas.
Continuou os estudos no Colégio Anchieta até concluir o Ginásio. Ao
mesmo tempo aprendera música, dominava o piano e o violino.
200
Em 1925, venceu os vestibulares da Escola de Engenharia de Porto
Alegre. Em 1930 recebia o diploma de Engenheiro Civil. Para custear as
despesas dos estudos tocava piano ou violino nas matinês do cinema mudo ou
em teatros ou orquestras. O jovem estudante de Engenharia conhecia o valor
do tempo e do dinheiro. Outros afazeres em escritórios iam preparando o
profissional. Ensaiou os primeiros passos na Prefeitura de Carazinho, onde
permaneceu durante os anos de 1931 e 1932.
Junto com os trabalhos de escritório continuavam os estudos.
Apresentou-se o concurso na Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Em 1933
contratado engenheiro da Rede, conheceu o Eng° Manoel Coelho Parreira,
nesta época na chefia de setor importante.
A sua preparação continuada e séria lhe propiciou, em 1935, o contrato
para lecionar na Escola de Engenharia. Começou com a disciplina predileta —
Geometria descritiva.
Além da Escola, mantinha trabalho no escritório, às vezes, aproveitava
o seu talento musical na igreja ou em apresentações de orquestra.
Por esse tempo contraiu matrimônio com a jovem da sociedade porto-
alegrense Adélia Borges Fortes. Do matrimônio houve os filhos Helena e Geraldo.
Em 1938, na Escola teve um aluno especial. José Stefani, mais
conhecido pelo nome de Irmão José Otão.
Existia entre o Prof. Ivo Wolff e os Irmãos Maristas, grande amizade
desde os bancos da Escola São José. Depois houve o conhecimento de outros
Irmãos no Colégio Nossa Senhora do Rosário: Irmão Weibert e, em especial,
o Irmão Afonso.
Nos anos de 1937 e 38 colaborou com o Irmão Afonso e com o Eng°
Manoel Coelho Parreira na organização da Faculdade de Educação, Ciências e
Letras, cujo projeto foi enviado ao Ministério de Educação em 1939.
Outra tarefa importantíssima lhe estava reservada — a organização e
criação do Instituto Tecnológico do Estado do Rio Grande do Sul — ITERS, cuja
história começou em 1940. Muitos benefícios advieram para o desenvolvimento
201
da Ciência e Tecnologia do Estado. O velho prédio, na Av. Osvaldo Aranha está
sendo recuperado para ser urna espécie de museu tecnológico. Do ITERS
ampliado surgiu mais tarde o moderno CIENTEC em que colaboram, colegas e
muitos ex-alunos do Prof. Ivo Wolff. Além das funções diretivas do Instituto, o
Prof. Wolff continuava com as aulas na Escola de Engenharia que entrou na
estrutura da Universidade do Estado e depois da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
Com a grande carga de compromissos não negligenciou os deveres
de esposo e de pai. Os filhos Geraldo e Helena iam crescendo e se formando
para as lides da existência. Geraldo formou-se Engenheiro, continuou o
escritório do pai. Os acontecimentos políticos do Brasil, registraram em fins de
outubro de 1945, a demissão do Presidente Getúlio Vargas, que começara a
reger os destinos da Nação a 24 de outubro de 1930. Nos 15 anos, houve
anos de democracia e anos de ditadura principalmente a partir do fim de 1937.
Houve, então, a constituição do governo Judiciário sob o comando do
Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro José Linhares, que
convocou e presidiu as eleições no dia 2 de dezembro. No dia 31 de janeiro
de 1946, assumiu a presidência da República o Marechal Eurico Gaspar
Dutra, vencedor das eleições.
No Rio Grande do Sul, o Desembargador Samuel Figueiredo da Silva
foi nomeado interventor. No dia 4 de novembro de 1945, nomeou o Prof. Ivo
Wolff, prefeito da Capital, substituiu o Dr. Clóvis Pestana. Primeiro mandatário,
embora, por alguns meses soube imprimir na administração municipal a
seriedade e a disciplina exigidas pela qualidade dos serviços ao público. Não
mudaram os hábitos de estudo e de trabalho cio Prof. Ivo Wolff.
Ainda no comando do Paço dos Açorianos, o Prof. Ivo Wolff respondia
pela Direção da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, todo o ano de 1946.
Em 1958, o Prof. Ivo Wolff assumiu novamente a Direção da Faculdade de
Filosofia, até fins de 1959.
202
No dia 14 de dezembro de 1957, a mantenedora a União Sul Brasileira
de Educação e Ensino, na reunião do Conselho Administrativo resolveu
autorizar a fundação da Escola de Engenharia. Em dezembro de 1945 foi
escolhido paraninfo dos bacharéis em Filosofia, Ciências e Letras.
O Conselho Universitário em reunião de 6 de março de 1958 valendo-
se da decisão do Conselho da U.S.B.E.E., resolveu criar a Escola de
Engenharia. Foi nomeado e aprovada a comissão encarregada de organizar o
processo de estruturação da nova unidade acadêmica, formada pelos
professores: Manoel Coelho Parreira, (presidente); Ivo Wolff, Ernesto Bruno
Cossi e Waldemar Cabral Dau. A nova Escola teve as bênçãos do chanceler
Dom Vicente Scherer e o apoio do Ministério da Educação e Cultura.
O funcionamento da nova unidade acadêmica foi autorizado pelo
Decreto n°47.055 de 21 de outubro de 1959.
Em janeiro de 1960 realizaram-se os exames vestibulares. Foram
aprovados e matriculados 36 alunos. No dia 21 de março, no salão nobre,
com a presença de altas autoridades civis, eclesiásticas e universitárias
instalou-se a Escola de Engenharia da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
As aulas iniciaram de imediato em salas, nos porões da Universidade,
no lance do edifício sobre a Praça Dom Sebastião.
O Prof. Ivo Wolff foi o primeiro Diretor imposto por sua capacidade, por
sua brilhante atuação científica e pela dedicação à causa.
Tendo no Conselho Técnico administrativo as pessoas de: Manoel
Coelho Parreira, Luiz Leseigneur de Faria, Arthur Wentz Schneider, Heddy
Pederneiras, Álvaro Leão de Carvalho da Silva e Irmão Faustino João,
sendo secretário o Prof. Irmão Elvo Clemente e oficial administrativo o jovem
Lotário Skolaude.
Os professores escolhidos pelo Diretor Ivo Wolff regeram as disciplinas
da primeira série: Calculo Infinitesimal — Ernesto Bruno Cossi; Complementos
de Geometria Analítica e Noções de Namografia — Telmo Thompson Flores e
203
Roberto Nogueira Medici: Física — Luíz Paulo de Azambuja Felizardo;
Complementos de Geometria Projetiva — José Carlos Severini; Química
Tecnológica e Analítica — Álvaro Leão Carvalho da Silva e Celso Brizolara
Martins: Desenho a mão livre — José Carlos Bornancini.
No mês de setembro de 1960, o Diretor Prof. Ivo Wolff representou
a novel Escola nas Jornadas Luso-Brasileiras de Engenharia, em
Lisboa, Portugal.
1946 − Licenciados Ivo Wolff,
paraninfo, ao lado Ir. Vendelino, Francisco Carrion e Ir. Dionísio Fuertes Álvarez
No início de 1961, licenciou-se da direção da Escola de Engenharia
para cuidar de assuntos ao escritório particular. Continuava, porém, com as
aulas de Geometria no Curso de Matemática, da Faculdade de Filosofia.
Em 1965 foi escolhido para assumir a Direção da Escola de Engenharia
da UFRGS, no prédio novo. Neste mesmo ano teve a tristeza de perder a
esposa Dona Adélia Borges Fortes.
Novo empreendimento importante o aguardava para os anos de
1967/68 — a organização da Escola de Engenharia da recentemente criada
204
Universidade Federal de Santa Catarina. Os professores catedráticos iam
ministrar as aulas de Geometria, de Cálculo, de Química industrial e de outras
disciplinas na Escola de Engenharia do Campus Universitário da Trindade,
Florianópolis. Cada semana era a revoada dos professores pela manhã cedo
pela VARIG e regresso, à noite. Assim conseguiu-se estruturar uma grande
Escola de Engenharia no Estado vizinho.
Nos anos de 1969/70 coordenou a reforma da UFRGS, dentro dos
dispositivos da nova Lei Federal.
De 1968 a 71 assumiu a vice-Reitoria da UFRGS.
De 1972 a 1976 exerceu com eficiência o cargo de Reitor. Em seu
reitorado muitas inovações foram realizadas no âmbito da Universidade.
Em 1975 foi co-fundador do CRUB (Conferência dos Reitores das
Universidades Brasileiras), junto com o Reitor Irmão José Otão e demais
reitores naquela época.
Ao findar o quatriênio na Reitoria, retornou à Escola de Engenharia
onde organizou os cursos de pós-graduação Mestrado e Doutorado e as áreas
de pesquisas. O Conselho Universitário outorgou-lhe o merecido título de
Professor Emérito. Nesse tempo desposou a pror Mercedes Marchard que o
acompanhou com carinho e amor até seus últimos dias.
Colaborou na Fundação Universidade — Empresa de Tecnologia
e Ciências (FUNDATEC) cujo edifício ostenta, atualmente, o nome de
Prof. Ivo Wolff.
Exerceu, outrossim, nessa época a presidência do CIENTEC, Centro de
Ciências e Tecnologia, reformulação e melhoramento do ITERS por ele fundado
e administrado nos anos de 1940.
Muitas são as obras mais de 200 projetos, que têm a assinatura e
responsabilidade do Prof. Ivo Wolff.
Entre as principais destacam-se: Usina do Salto Grande, chaminé de
equilíbrio (1952); Ponte de Mussum na rede Ferroviária (1953); Palácio de
Justiça, de Porto Alegre (1953); Galeria Malcon (1956); Aços Finos Piratini
205
(Aciaria, reservatório elevado, em Charqueadas (1965); Prédio de Zero
Hora; Estruturas metálicas do Edifício Vera Cruz; Tomada de água da
Siderurgia COSSIGUA, da Gerdau, Rio de Janeiro; base das turbinas da
Termolétrica Candiota, Bagé.
Muito trabalhou, muito ajudou à ciência e à tecnologia nas escolas de
Engenharia ou no âmbito profissional.
Homem respeitado e honrado por sua vida, por suas ações e por seus
ideais cristãos e humanitários, soube “manter a fé e combater o bom combate
como escreveu o Apóstolo Paulo. Passou tranqüilamente os últimos anos na
companhia da esposa Mercedes, veio a falecer no dia 27 de julho de 1986, aos
78 anos de idade.
Permanece nas novas gerações a sua lembrança e a mensagem de um
homem fiel ao seu Cristianismo, às tradições, à arte e à ciência.
206
IRMÃO LIBERATO ⎯ WILHELM HEINRICH HUNKE
Escrever num esboço biográfico a bela vida do Irmão Liberato é uma
temeridade. O tema é fascinante cheio de surpresas e de belas realizações.
Nasceu no rescaldo da guerra de 1914 a 1918, no dia 15 de outubro de
1919. O pai, ex-combatente daqueles quatro anos de horrores de frentes de
batalhas e de trincheiras, era trabalhador nas minas de carvão e ferro da
Westfália e do Ruhr. Morava na localidade de Werne aldeia de camponeses às
margens do rio Lippe. Bernard Hunke era casado com Friederike Henriette
Vehring. Do casal houve dois rapazes e duas moças.
Ir. Liberato − Vice-Reitor e Reitor
O pequeno Wilhelm freqüentou a Wiehagen-Schule, em Werne a. d.
Lippe de 1926 a 1930.
Era belo ver aquele menino junto dos coleguinhas freqüentando as
aulas, indo à igreja. Sabia estudar e sabia rezar. Aos 11 anos foi convidado a ir
à cidade de Recklinghausen para freqüentar as aulas na Rektorat — Realschule
St. Josef. Ali conheceu a vida dos Irmãos Maristas, seu modo de ser, de
trabalhar e fazer apostolado.
207
Encantou-se com aqueles religiosos, sentiu dentro de si a vocação de
prosseguir no caminho que lhe era oferecido. Em 1932, movido pelo desejo de
ser missionário, encontramo-lo em Grugliasco/Turim/Itália. Em cinco anos
aprovara com brilhantismo as matérias do currículo do Collège International
des Frères Maristes.
A 15 de agosto de 1937 professou no Instituto dos Irmãos Maristas,
nessa data Wilhelm Heinrich passou a chamar-se Irmão Liberato, nome que
honraria por toda a vida.
Em setembro de 1937, fez rápida visita de despedidas aos pais, do
irmão e das irmãs. Poucas semanas depois deveria partir para o Rio Grande do
Sul. Em sua saída da Europa atravessou parte da Itália, a França, a Espanha
em plena guerra civil. Entre projéteis, trens avariados conseguiu alcançar o
porto de Vigo onde o esperava o navio que o levou até o Rio de Janeiro. Depois
um Ita o deixou nos braços dos Irmãos Maristas no Colégio Nossa Senhora do
Rosário, em Porto Alegre, no dia 12 de outubro.
Após alguns meses de adaptação e de aprendizado da língua
portuguesa, em março de 1938, entrava na sala de aula do 1° ano primário
do Rosário onde o esperavam oitenta pares de olhinhos atentos e curiosos.
Aquele jovem de 19 anos incompletos enfrentava a realidade da
alfabetização no Brasil. Até 1940 esteve ministrando aulas no Curso
primário, toda a manhã e parte da tarde.
Em 1941 a 1967 lecionou no Ginásio e Colégio Nossa Senhora do
Rosário era o mestre que entendia e ditava classes com autoridade, de
Francês, de Inglês, de Matemática e Desenho.
Era belo ver aquele professor alto, bastante magro, voz forte explicando
teoremas ou falando francês ou inglês, ou riscando no quadro negro traços de
figuras de desenho.
O convívio na comunidade era muito divertido, e edificante onde se
encontravam 30 a 40 religiosos: nas orações comunitárias, nas refeições, nas
208
horas de lazer, nos piqueniques, nas horas de canto, nas horas de estudo e de
preparação das aulas, na orquestra em que ele tocava clarineta.
De 1953 a 1961, ei-lo Diretor do Colégio, coordenando atividades
escolares, religiosas, esportivas e cívicas.
Durante os anos da 2a Guerra Mundial, foi muito discreto. Seu coração
de missionário sentia com amargura as vicissitudes da Alemanha, sabia, porém,
estimular nos alunos o respeito e o amor à pátria brasileira.
Em 1940, quando começou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,
Irmão Liberato fez vestibular para o Curso de Letras anglo-germânicas. Em
1942 e 43 ei-lo respectivamente bacharel e licenciado. Em 1947 assumiu o
ensino de Língua alemã e Literatura, substituindo o mestre Irmão Aloys Behr
que marcou profundamente os estudos germânicos desde a primeira hora. Ao
mesmo tempo continuava com as aulas e com a direção do Colégio, de que foi
diretor de 1953 a 1961.
Era extraordinária a sua maneira de agir para dar conta de tantas
tarefas: aulas, direção, orientação de estudos, atendimento de alunos e de pais.
Tudo isso nas 16 horas das cinco da manhã às 21h, aonde estavam as horas
de oração, de estudo e de lazer.
Em 1957 fundou junto com alguns pais de alunos a APAMECOR
(Associação de Pais e Mestres do Colégio Rosário), que em pouco tempo
construiu a esplêndida sede no alto do morro Teresópolis.
De 1961 a 63, vemo-lo afastado parcialmente da Universidade, (onde
mantém as aulas) na direção da Escola Normal Superior dos Irmãos Maristas
em Viamão, na Vila Nossa Senhora das Graças.
Passou os anos de 1951 e 52 em curso de aperfeiçoamento ascético-
pedagógico em Saint-Quentin-Fallavier/Isère-França, durante 6 meses;
continuando com Curso de Especialização em Germanística, na Universidade
de Muenster — sua terra natal. Nos anos de 1963 e 64 teve outra oportunidade
de estudos acadêmicos mediante bolsa do D.A.A.D na Universidade de
Munique. Especialização em Língua e Literatura Alemã.
209
Em 1964 fundou o Seminário de Estudos germânicos que regeu até
1973, passando depois a tutelá-lo com carinho e dedicação, merecendo auxílios
em livros e dinheiro do Consulado Geral da Alemanha.
No ano de 1969 durante vários meses participou do Curso de
Especialização em Administração Acadêmica nas Universidades de Houston —
Texas/USA e de Guadalajara, México.
É belo ver pessoa de tantos trabalhos e responsabilidades procurar
sempre o seu aperfeiçoamento espiritual, científico e cultural! A leitura era seu
alimento cotidiano, aproveitando todos os vagares de suas trepidantes
ocupações e responsabilidades.
De 1968 a 1973 dirigiu com sabedoria e dinamismo o Instituto de Letras
e Artes, desvinculado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Criou em
1971 os cursos de Tradutor e Intérprete que deram excelentes profissionais.
Em 1969 numa primeira reestruturação da Universidade criou-se o
cargo de vice-reitor acadêmico, sendo inaugurado pelo Irmão Liberato. A ele
estavam afetas todas as atividades da vida científico-acadêmica dos
alunos e professores.
Muito trabalhou o novel vice-reitor que mantinha ainda para si a
coordenação dos cursos de Letras. Era interessante vê-lo na discussão e
reformulação de currículos. Na estruturação do Conselho de Coordenação de
Ensino e Pesquisa colocou muita de suas horas e de suas ponderações.
Dedicou-se com o Professor Ernani Coelho na adaptação do Estatuto e do
Regimento Geral da Universidade.
Representou o Reitor em muitos eventos nacionais e internacionais:
em assembléias da Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas
(ABESC); no Grande Júri do Prêmio Moinhos Santistas, no Comitê d’Experts
da UNESCO em Londres, 1976; em reuniões plenárias do Conselho de
Reitores, em Brasília.
210
Exerceu funções importantes como Presidente da Comissão
preparatória da XII Assembléia Geral da Federação Internacional as
Universidades Católicas (FIUC), realizada na Universidade em agosto de 1978.
Como entusiasta e eficiente colaborador da cultura francesa ocupou a
vice-presidência da Alliance Française de Porto Alegre de 1978 a 1985.
Em 1978, participou oficialmente do 5º Seminário Internacional das
Universidades AIU, em Halle, na Alemanha do Leste.
No referido ano de 1978, desde janeiro vinha exercendo as atividades
de Reitor, pois o Irmão José Otão era penalizado de maneira violenta pela
doença que dia-a-dia lhe encurtava a existência.
No dia 2 de maio, veio a falecer.
Seguiram-se as exéquias, tudo coordenado serena e fraternalmente
pelo Reitor Irmão Liberato.
O ano de reitorado foi intenso de atividades administrativas muitas
delas auxiliadas pelo Prof. Irmão Norberto Francisco Rauch.
No dia 4 de dezembro retornaram do Japão, o reitor Irmão Liberato e o
Diretor da Faculdade de Medicina, Prof. José João Menezes Martins, após
terem visitado diversos centros universitários e núcleos hospitalares, como
hóspedes oficiais.
No dia 7 de dezembro realizou-se a última reunião do Conselho
Universitário e do COCEP do ano, nas vésperas da comemoração do 30º
aniversário da instalação da Universidade. Participou da reunião o chanceler
Cardeal Vicente Scherer, que a seguir celebrou a Missa em ação de graças:
Concluíram-se as solenidades com uma recepção nos salões da Prefeitura
Universitária. O prof. Irmão Elvo Clemente fez o discurso alusivo à efeméride.
No dia 29 de dezembro, em solene sessão, presidida pelo Cardeal
Vicente Scherer e pelo Prof. Irmão Silvino Susin, presidente da USBEE, tomou
posse a nova administração Superior para o 11º triênio 1978/1981 assumindo o
cargo de Reitor o Prof. Irmão Norberto Francisco Rauch e para vice-reitor
o Irmão Liberato.
211
Desde 1978 participou ativa e assiduamente como membro do
Conselho Deliberativo do Instituto Goethe, Instituto Cultural Brasileiro Alemão.
Em 1979, Irmão Liberato representou a Universidade no Congresso da
Organização das Universidades Católicas da América Latina (ODUCAL)
em Valparaíso/Chile.
No dia 12 de outubro de 1979 em sessão solene do Conselho
Universitário foi descerrado o retrato do Irmão Liberato, na galeria dos ex-reitores.
Foi saudado pelo Prof. Dr. José João Menezes Martins.
Destacam-se alguns parágrafos da resposta do homenageado:
“O vosso gesto, caríssimos amigos, realmente me confunde. Jamais
poderia eu aspirar à homenagem, que tão carinhosamente me proporcionastes,
pois minha passagem por esta Reitoria foi tão efêmera, quase meteórica, que
só me permitiu levar a termo o trabalho do meu predecessor. Fui apenas um
despretensioso Cirineu e como tal não me caberia este lugar de desta que na
história de nossa Universidade. Outros há — não vou citar seus nomes, para
não lhes ferir a modéstia — que bem mereciam essa honra.
Verdade é que, por um decênio, ajudei o saudoso Irmão José Otão a
carregar a cruz da Reitoria e o fiz com desprendimento e entusiasmo, jubiloso e
feliz. Se mérito houve de minha parte, foi ter colaborado, como tantos outros
que aqui se encontram, no desenvolvimento desta Universidade, enfrentando
dificuldades de toda ordem, inclusive econômicas.
Também é verdade que, em numerosas ocasiões, tive a
responsabilidade de substituir o grande chefe e de assumir as
responsabilidades confiadas ao cargo de Reitor. Na multiplicidade das tarefas
que então me eram cometidas, pelo exercício simultâneo e cumulativo do
magistério e da administração, nem semprefoi fácil dar vencimento aos
compromissos assumidos.
Quando em princípios do ano passado, em circunstâncias
particularmente difíceis, o Reitor se viu compelido a deixar o cargo, coube-me a
tarefa de substituí-lo definitivamente até o término do período administrativo e
212
de carregar a cruz, que lhe havia escorregado dos ombros debilitados, contando
felizmente, nessa hora, com a colaboração direta do Irmão Faustino, homem
experiente e conselheiro abalizado, bem como de uma luzida equipe de
dedicados obreiros.
Na parte culminante do arco da minha vida, na posição que atingi, por
um critério meramente cronológico e um dispositivo estritamente estatutário, fui
um Reitor de transição, um homem-ponte, ligando duas épocas marcantes da
Universidade, e da estruturação e do crescimento e o da consolidação, em que
atualmente estamos empenhados.
Todos sabemos que a vida é uma permanente seqüência de
ocorrências e de fatos interligados pelos nossos ideais e nossas realizações. O
fato de eu ter subido ao mais alto degrau administrativo desta Universidade, o
considero, na verdade, como um simples acidente, pois foi no exercício
apostolar do magistério que sempre procurei dar real sentido à minha vida.
Bem cedo, aliás, assentou-se em mim a idéia de me tornar religioso-
educador. E quando, em 12 de outubro de 1937, na festa de Nossa Senhora
Aparecida, eu desembarcava no cais de Porto Alegre, iniciando minha
caminhada por um mundo novo, reafirmei meus propósitos de servir à causa da
educação. Nada me deteve a partir de então. Vencendo barreiras lingüísticas,
ávido por satisfazer aquela íntima vocação, me lancei decididamente nas lides
educacionais, no afã de servir à terra que tão generosamente me havia
acolhido. Após 42 anos, posso assim dizer com o poeta Fagundes Varela:
Brasil querido, Brasil glorioso!
Se meu berço não foi teu grêmio ilustre,
as primícias te dei da mocidade,
os labores de estudo, as flores d’alma,
o sentimento e a vida!
Na verdade, nem tudo foi fácil nestes anos todos, pois “homo sum et
humani nihil a me alienum...” Houve dificuldades, contrariedades e
213
contratempos. Mas, o ideal esposado em minha juventude e perseguido com
persistência, coragem e sinceridade, nunca se apagou em mim. Servir aos
outros sempre foi a tônica de minha vida em louvor a Jesus Cristo.”
Deixando as funções de vice-reitor em 1987 passou a Assessor da
Reitoria para Assuntos Internacionais.
As atividades foram diminuindo, algumas aulas de Língua alemã,
atendimento a alunos estrangeiros, bolsistas do Convênio PUCRS e
Universidade de Sofia de Tóquio. Ajudava a incrementar as ações do Centro de
Cultura Japonesa, por ele fundado junto com o Prof. Yukio Moriguchi em 1979.
Agora com bela sede no 5° andar do prédio 8.
Em 1984, o governo Japonês outorgou ao Irmão Liberato a comenda
“KUN SANTO ZUIHOSHO” (Ordem do Sagrado tesouro de terceira classe). O
ato aconteceu na residência do Cônsul Geral Toshio Takahata em bela e
comovente cerimônia com a assistência do Reitor Irmão Norberto, pró-reitores e
pequeno grupo de pessoas amigas.
Outras honrarias recebidas pelo Irmão Liberato:
1- Comenda “Verdienstkruz”, da Alemanha (Cruz do Mérito de 1ª classe
em 1976).
2- Troféu Gaúcho honorário, conferido pela Rede Brasil Sul de
Comunicações 1978.
3- Comenda Educador Emérito, conferida pelo Governo do Estado do
Rio Grande do Sul, 1978.
4- Palmes Académiques da França, no grau de oficial, 1981.
5- Medalha Irmão Afonso da PUCRS, 1981.
Em 1993, o Irmão Elvo Clemente promoveu a edição de um livro em
homenagem ao Irmão Liberato. sob o título LÍNGUA: Ciência, Arte e
Metodologia, publicação da EDIPUCRS.
Entre os capítulos mais importantes destacam-se: O Irmão Liberato e o
pluralismo escolar, do Prof. Irmão Mainar Longhi; Saudades do mestre, da Pror
214
Olga Creidy; Ter amigos ou ser amigo, do Prof. Urbano Zilles; os outros textos
são de caráter geral literário ou linguístico.
Em 1993, Irmão Liberato foi vítima de uma isquemia, levado ao
Hospital São Lucas teve os cuidados especiais do Prof. Dr. Eduardo Beck
Paglioli e sua equipe. O mal foi debelado em parte. O estado do paciente
merecia cuidados especiais. Após semanas e meses de tratamento
hospitalar e na residência Santo Tomás de Aquino dos irmãos da PUCRS,
no dia 15 de julho de 1994 passou a viver na Casa de Repouso São José na
Vila Nossa Senhora das Graças. A doença foi combalindo aquele corpo alto
e forte. Dificuldades e mais dificuldades lhe tornavam o caminhar cansativo,
aos poucos socorreu-se da cadeira de rodas. Nos primeiros tempos era
apenas por algumas horas. Desde janeiro de 1998, entregou-se e está
prisioneiro do elegante carrinho... O mal progrediu, atualmente reconhece as
pessoas, não é, porém, capaz de acompanhar um diálogo, menos ainda a
conversa. Sempre alegre, paciente e conformado.
Irmão Liberato, religioso convicto e perseverante, mestre de gerações,
amigo de quantos conviveram com ele é, hoje, exemplo de paciência e de
resignação em Deus e em Nossa Senhora.
Percorrendo a bela vida toda devotada à educação e ao ensino da
juventude no Colégio Nossa Senhora do Rosário e na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Irmão Liberato (Wilhelm Heinrich Hunke) se
afirma como um dos pilares da instituição cinqüentenária.
Irmão Liberato ostenta as caraterísticas de:
- Verdadeiro religioso marista, pautado nas linhas carismáticas de São
Marcelino Champagnat:
- Verdadeiro mestre que ama os seus alunos, procurando-lhes o melhor
para a formação científica, moral e espiritual, fazer deles: “Bons cristãos
e honestos cidadãos (Champagnat):
- Verdadeiro sustentáculo desta colossal construção — a Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
215
- Verdadeiro amigo de todos os que souberam tê-lo a seu lado nos
momentos alegres ou difíceis da existência.
Concluem-se estas linhas do perfil do Irmão Liberato com parte do
poema dedicado a ele pelo excelso poeta Irmão Dionísio Fuertes Alvarez em 17
de fevereiro de 1985.
CREPÚSCULO
Hora após hora foram indo os dias,
dias após dia foram indo os anos.
Agradecia a Deus as alegrias
e oferecia a Deus os desenganos.
Pagou tributo ao tempo que, inimigo,
foi tingindo de prata os seus cabelos,
mas seu olhar e seu sorriso amigo
foram ficando cada dia mais belos.
A sua vida serena calma
longe do mundo, ambicionava os céus. Vivia com Maria, e a sua alma,
sempre mais pura, mergulhava em Deus.
Como sempre imitara com coragem
o exemplo do Beato Champagnat,
ao findar os seus dias era a imagem
do santo Fundador de Lavalla.
O sol já se escondia n ocidente
serenamente a luz também partia
e sobre o sol, sorritido meigamente
brilhava sempre a estrela de Maria.
216
PRECE FINAL
Graças dou pela vida que conservo,
por tudo quanto tenho e quanto sou.
Podes levar Senhor, este teu servo.
Novamente o que é teu hoje te dou.
Estrela da manhã que conquistaste
meu coração, que foste minha Mãe,
e até aqui bondosa me guiaste
guia-me agora ao coração do Pai.
Amém.
217
ANTONIO CÉSAR ALVES Antonio César Alves, filho de Júlio Alves e Hortênsia AIves nasceu, em
Porto Alegre, no dia 13 de junho de 1914. O batismo aconteceu alguns dias
depois, recebendo então o nome de Antonio para celebrar o santo de sua data
de nascimento, efeméride sempre lembrada e bem celebrada.
O pai, pequeno comerciante encaminhou o filho para o Colégio Nossa
Senhora do Rosário, em 1927. No mesmo ano o Irmão Afonso assumia a
direção do educandário da Avenida Independência.
Antonio César Alves
Realizado o curso fundamental e secundário, em 1932 preparou-se
para enfrentar o exame vestibular na Faculdade de Direito de Porto Alegre.
Durante os sete anos de vida estudantil no Rosário adquiriu a estima do
venerando Irmão Weibert que cuidava dos alunos que se dirigiama à capela
para as confissões mensais e para as missas aos domingos. Era belo ver o
ancião, fundador da Província Marista do Sul do Brasil, em sua senectude, usar
de suas forças de apóstolo para supervisionar os atos religiosos dos alunos.
Assim é que se estabeleceu boa amizade entre o ancião, o adolescente e o
218
senhor Júlio Alves. Os professores daquela época lembravam com carinho as
atividades de Antonio César Alves e dos colegas, briosos nas paradas e
excelentes alunos nas salas de aula. Antonio notabilizou-se por sua simpatia
contagiante, por seus dotes de orador. Nas festas do Colégio, nas reuniões do
Grêmio Literário Carlos de Laet brilhava a palavra vibrante de César Alves. O
Diretor Irmão Afonso, acompanhava com alegria e esperança a vida do
adolescente e do jovem. Concluiu o Ginásio, a 5ª série, com brilhantismo.
Preparou os exames vestibulares com as disciplinas de: Latim, Língua
Portuguesa e Literatura, Sociologia. Higiene, História Universal e do Brasil.
Eram dias de grandes preocupações e de muito estudo.
Aprovado iniciou a Faculdade em março de 1932. O primeiro ano ficou
perturbado pela Revolução constitucionalista, de 9 de julho em São Paulo. Os
estudos não podiam esmorecer. Na Faculdade encontrou mestres que no
decorrer da vida seriam colegas: Elpídio Ferreira Paes, Ruy Cirne Lima,
Ernani Estrela, Eloy José da Rocha, Armando Pereira da Câmara, Edgar
Schneider e outros.
Para enfrentar as despesas com os estudos soube empregar-se em
escritórios ou dando aulas particulares. Seitiu desde então propensão ao
magistério. Encerrou-se solenemente o curso de Direito em 24 de dezembro de
1937. Ei-lo bacharel! Festas na família, festas na roda de amigos. Antônio
César Alves não esqueceu os Irmãos do Colégio e nem os Irmãos esqueceram
César Alves ... É convidado a ministrar aulas na Faculdade de Ciências
Políticas e Econômicas ao lado de Francisco Juruena, Mem de Sá, Elpídio
Ferreira Paes, Irmão Afonso já não está no Rosário e na Faculdade, ocupa o
cargo de administrador da Província do Brasil Meridional, dos colégios do
Rio Grande do Sul...
Veio o ano de 1940, todo o mundo marista vibra com o 1º centenário da
morte do Fundador Marcelino Champagnat. Os ex-alunos participam, aí está o
Irmão Weibert rodeado do Dr. Eliseu Paglioli, do Dr. Baltazar da Gama Barbosa,
do Dr. Daniel Krieger e outros tantos oriundos de Santa Maria, do Rosário ou de
219
outros colégios. César Alves presente, vibrante pela causa marista. Professor
da Faculdade, está às ordens de seus velhos mestres. Irmão Afonso havia
preparado durante vários anos o projeto da Faculdade de Educação depois
denominado Filosofia, Ciências e Letras, para formar professores para o ensino
fundamental e secundário. Presente na estruturação dos currículos, na
indicação dos responsáveis pelas disciplinas. Tudo era novo na Faculdade.
Havia formados em Direito, em Medicina, em Engenharia, em Filosofia e
Teologia que seriam convidados a ministrar: Matemática, Geometria, Física,
Biologia, Zoologia, Mineralogia, Latim, Francês, Italiano, Alemão, Inglês,
Literaturas do Brasil e estrangeiras...
César Alves começaria a lecionar no Curso de Ciências Sociais —
Doutrinas Econômicas, Política, Sociologia. Participou da Congregação da
Faculdade desde a primeira hora, trabalhando intensamente na administração e
na docência. Tomava horas de seu escritório de advocacia para dedicá-las ao
magistério. Exerceu as funções de Diretor da Faculdade de Filosofia de 25 de
março de 1947 a 8 de dezembro de 1951.
Em 1947 ao ser criada a Faculdade de Direito, Antonio César Alves
assumiu a cátedra de Direito Civil que regeu por vários anos.
Na Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas lecionou por muitos
anos Princípios de Sociologia Aplicada à Economia. Pertenceu desde 1938 à
congregação da mesma Faculdade.
Em 1955 foi escolhido para paraninfar os bacharéis economistas e
administradores, em sinal de estima pelo mestre dedicado aos discípulos. Em
seu discurso apresentou várias perguntas aos novos diplomados, ciente de sua
importância e valor de que destacamos alguns parágrafos:
Já sabeis que nunca, em tempo algum, como nos dias que correm,
nenhuma classe profissional revestiu, como a vossa, uma importância tão
decisiva, em seu campo de aplicação.
Quem não percebe a presença de forças malignas conspirando contra
os valores culturais e morais da sociedade? Quem não as identifica, com suas
220
garras sinistras, predispostas a aniquilar as belezas ideológicas de um passado
nobre e enobrecedor da família brasileira, imprimindo em tudo o selo do
materialismo mais denegrido?
Quem há que ignore que, neste século de pressa e de valores
espantosos, ao lado do progresso da ciência, que realiza assombros,
desenvolvem-se e se aperfeiçoam técnicas de destruição e de morte?
Será possível negar que os sistemas econômicos e políticos, assentes
num individualismo exagerado, deram como resultado a ascensão vertiginosa e
vertical de certos grupos privilegiados e o afundamento progressivo e trágico de
famílias inteiras, que estiolam à míngua de teto, de vestuário e de alimento, de
higiene e de educação?
Será possível esconder, que em diversos planos de atividade humana,
se afastam, sumariamnente, os imperativos da ética elementar e as normas
superiores de justiça e de eqüidade?
Na conclusão insistiu sobre a obrigação de os novos bacharéis serem
portadores do facho da verdade e do bem:
Daqui saireis levando uma mensagem de fé e de esperança, certos de
que cada inteligência cultivada e um gerador de idéias novas, que a sociedade
aproveita, construindo para o futuro.
E vossa mensagem proclamará em resposta ao naturalismo sociológico
que o homem é um todo, composto de corpo e alma; é uma substância natural,
elevada à ordem sobrenatural. A sociedade existe para auxiliá-lo a alcançar seu
fim. Consequentemente, não tem fim em si mesma. É apenas um meio de
aperfeiçoamento do homem para um fim superior. Proclamareis a existência de
Deus, como princípio de todas as coisas e fim a que tendem todos os homens.
Sustentareis que o homem não se aniquila como pretende o socialismo, mas se
afirma como pessoa, ser racional e livre, gozando da faculdade de fazer ou
deixar de fazer o que lhe aprouver, e por isso mesmo responsável por seus
atos. Direis, enfim, que Cristo, Filho de Deus, desceu à terra, para melhorar o
homem e a sociedade, para redimi-los ao preço de seu sangue. A palavra de
221
Cristo é a Verdade. O homem não poderá se separar de Cristo, a menos que
deseje trair sua origem, negando uma parte de sua personalidade.
Realizou concurso para a Justiça Militar do Estado do Rio Grande do
Sul alcançando o posto Juiz Auditor, passando anos mais tarde a Juiz Togado.
No dia 8 de dezembro de 1971, foi inaugurada nos jardins da Cidade
Universitária, a herma do Irmão Afonso, obra do escultor Ari Cavalcanti, de
Caxias do Sul. O Prof. Irmão Félix Roberto (Robertão) arrecadou entre os ex-
alunos o dinheiro necessário ao pagamento dos trabalhos do artista. O prof.
Antonio César Alves, Diretor da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas,
realizou belíssima peça oratória exaltando a figura ímpar e imorredoura
do mestre, fundador da Universidade, Prof. Irmão Afonso, falecido no dia
10 de junho de 1970.
Aqui se reproduz o último parágrafo veemente e saudoso do discurso:
“Intérprete dos antigos e admiradores do Irmão Afonso, de seus antigos
alunos e de seus irmãos de hábito, quiseram perpetuar no bronze, trabalhado
pelo escultor Ari Cavalcanti, o busto daquele que honrou o magistério, deu
exemplo de uma vida santa, foi líder inconteste de gerações, conduziu sua
Congregação ao exercício do magistério religioso onde quer que suas
necessidades se faziam sentir, por entender, que assim agindo prestigiava a
Santa Igreja nas suas legítimas preocupações de transmissão da mensagem
salvadora. Quiseram a Pontifícia Universidade Católica, seus amigos e
admiradores perpetuar no bronze à veneração dos pósteros, o busto de um
homem providencial, que foi fiel a seus votos religiosos, fiel a sua missão, fiel a
sua Congregação e a quem ficam a dever os benefícios de sua obra a
sociedade e a Pátria, que nesta hora se inclinam em sinal de reverência e em
preito de gratidão a seu grande benfeitor.”
Naquela época a Faculdade tinha 131 professores e 22 alunos,
distribuídos em 31 turmas.
Em 1987, ao celebrar-se o 1º centenário de nascimento de Charles
Désiré-Joseph Herbaux (Irmão Afonso), os Irmãos Roque Maria, Faustino João
222
e Elvo Clemente escreveram-lhe a biografia. Era evidente que a pessoa mais
indicada para fazer-lhe o prefácio fosse Antonio César Alves, o discípulo dos
anos de 1930. Nas páginas escritas conta todo o tirocínio de uma vida dedicada
à juventude, ao ensino, à cultura, à ciência e à evangelização.
Destacam-se a seguir dois parágrafos do extenso prefácio, verdadeiro
hino de amor, de gratidão de uma grande alma ao grande mestre Irmão Afonso.
“Por maior que seja minha intenção de limitar-me a dizer apenas
palavras de introdução à biografia do irmão Afonso, com objetividade e isenção,
creio que não me será possível fugir ao papel de testemunho, roborando fatos e
apreciações sobre este notável educador. Tantas e por tantos anos foram
minhas vinculações com ele nas áreas do apostolado, do magistério e da
administração, que até hoje perduram indeléveis em mim os mesmos
sentimentos de respeito, de afeto e admiração que sempre lhe dediquei.
Escrever a página prefacial de sua biografia era hipótese que estava
longe da minha imaginação. Considero minha escolha como mais um ato de
fidalga benevolência dos caros Irmãos Maristas, a cuja Congregação muito
devo de minha formação e de minha realização no campo do ensino superior,
do que resultou, por certo, amiga convivência por toda a vida.”
Voltando ao relato da biografia do educador, do jurista, do
administrador, vê-se seu grande afã em auxiliar os outros, apesar dele viver
solitário. Por volta de 1970, decidiu casar-se com Dona Zaida Regis. O
Arcebispo Dom Vicente Scherer fez questão de abençoar o novo lar.
A sua vida agora a dois tornou-se mais calma, mais dada a leituras, ao
lazer, em sua nova residência na Av. Carlos Gomes.
Aos poucos vieram as aposentadorias da Justiça Militar e da
Universidade. Entregava-se com mais tranqüilidade à intimidade do lar,
recebendo visitas de parentes, amigos e ex-alunos. A saúde ia-se alterando
com os problemas de idade e da vida sedentária.
223
Em seus breves passeios na calçada da Avenida foi atingido por um
ciclista distraído. Derrubado e quebrado foi levado ao hospital, após longos dias
de sofrimento e de tratamento recompôs sua rotina diária.
Fiel às leituras, à meditação, sabia viver seus grandes
momentos de transcendência.
A saúde deteriorou-se e veio a falecer no dia 14 de agosto de 1989,
contava 75 anos e dois meses.
As exéquias tiveram grande acompanhamento de autoridades da
Universidade, do governo do Estado, de parentes e amigos.
Antonio César Alves. bela vida, espargindo bondade, cumpriu o
bom combate, guardou a fé. Deixou em todos nós a saudade e a
esperança do reencontro.
224
IR. DIONÍSIO FUERTES ÁLVAREZ
Irmão Dionísio Fuertes Álvarez, filho de Agustin Fuertes e de Rosália
Alvarez, nasceu em León (Espanha) a 28 de março de 1913.
Ir. Dionísio Fuertes Álvarez
Entrou no juvenato em Venta de Baños, em 1925 indo dois anos depois
para Grugliasco (Turim) onde concluiu os estudos secundários, programa
francês. No dia 15/08/30 começava o Noviciado em Santa Maria, perto de
Turim, emitindo ano depois os primeiros votos. Foi enviado à Província do Brasil
Meridional no ano de 1930. Começou a trabalhar no Colégio N.S. do Rosário
em 1931, dando aula aos pequenos, passando depois ao colégio. De 1934 a 38
esteve em Garibaldi no Instituto Santo Antonio. Ministrava as aulas do Curso de
Técnico de Contabilidade, movimentava a banda, criava o coral. Era entusiasta
e semeador de entusiasmo. Em 1939 esteve no Colégio São Francisco (Rio
Grande) prosseguindo no Curso de Técnico de Contabilidade. Era a pessoa que
movimentava a comunidade e os alunos maiores dando-lhes lições de oratória e
de canto. Em 1940 encontramo-lo no Colégio Santana de Uruguaiana onde
prosseguiu sua maneira de ser e de agir: vibrante amador da natureza, da
225
campanha, eram memoráveis os passeios e as pescarias. Com os alunos era o
grande incentivador. Em 1941 começou os estudos na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras. Fez o Curso de Letras neolatinas de maneira brilhante, ao
mesmo tempo mantinha horário completo de aulas pela manhã, cinco horas...
Quatro anos depois era professor de Língua Espanhola, substituindo
Frei Amador, Carmelita Descalço, colega de Frei Otávio.
Mais e mais compromissos o ligavam aos cursos da Universidade. Além
da Língua Espanhola e respectiva literatura, ministrou aulas de Introdução à
Filosofia nos Cursos da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, Didática
Geral e Didática especial. Em 1945, entusiasta como sempre criou com o Irmão
Liberato, o Clube de Línguas Vivas. Eram reuniões em que cada grupo falava
e cantava numa das línguas que estudava. Reuniam-se as Neolatinas com as
Anglo-germânicas. Em 1956, o Clube de Línguas dava um passo em frente —
fundava o Coral da PUCRS, que se desenvolveu com o Irmão Fidêncio (Ernesto
Dewes). Pouco depois começaram as apresentações das óperas. Além de tudo
o Irmão Dionísio assumiu, depois do Irmão Salústio (Waldemar Colvero) a
Biblioteca Central. Em 1956 junto com o Irmão Faustino, com Hugo Di Primio
Paz e com Altair de Lemos fundou o Instituto de Cultura Hispânica. Anos depois
constituiu-se em setor da Universidade.
O Irmão Dionísio despendeu o melhor de suas forças nos 30 anos para
engrandecimento do Instituto com os Cursos de Língua e Cultura de Espanha.
Na Biblioteca Central o seu trabalho foi enorme, nos 20 anos de diretor,
desde a proposta da arquitetura do prédio até a organização dos livros,
antes da informatização.
Continuaram suas aulas na Universidade diminuindo os títulos,
mantendo, porém, a Cultura Hispânica até abril do ano 2000.
A pertinaz doença vinha-lhe minando a cabeça há uns três anos,
resguardando-se com pequenas cirurgias. Os cânceres da pele da superfície
penetraram e ali começou o longo purgatório. Entregou a sua bela alma a Deus
na madrugada do dia 21 de julho, na Casa de Repouso São José. As exéquias
226
foram celebradas à tarde do mesmo dia, com missa de corpo presente e
inumação no Cemitério da Comunidade.
Descrever uma vida de 87 anos em poucas linhas é um atrevimento
inaudito, que meu amigo saberá perdoar-me, lá do céu, onde repousa na
eterna felicidade.
Procurarei sintetizar os aspectos marcantes desta vida exemplar.
Irmão Dionísio Fuertes Alvarez teve os traços distintivos:
1 − Homem de oração. A sua fidelidade às orações comunitárias, até o
dia 16 de junho, véspera de ir a Viamão, compareceu à reza de Laudes
e da Santa Missa.
2 − Homem de Cultura profunda. O seu amor à leitura era
extraordinário. Os livros lidos num ano chegavam mais de uma centena.
Cultura vasta não se restringia ao campo das Letras, caminhava seguro
na Filosofia e nas Ciências, em geral.
3 − Homem avaro do tempo. Sabia aproveitar de todos os minutos
para se instruir pela leitura, pelo estudo, pela meditação.
4 − Escritor e Poeta. Quanto escreveu este homem além da tese de
Doutoramento? Núcleo mínimo da expressão lingüística, em 1954. Em
1956 — Poesía y Belleza para o concurso de cátedra. Mais notáveis
são os livros de poemas: Casa Dourada (as ladainhas de Nossa
Senhora, 1961); Terra habitada, 1958; Escuro labirinto, 1972; Salmos
do Silêncio, 1957; O Espelho e a Face, 1960. Pelos méritos literários foi
eleito e recebido na Academia Rio-Grandense de Letras em 1968, tendo como patrono — Lobo da Costa.
5 − Amigo sincero e marista de escol. Outra face do Irmão Dionísio
era a amizade sincera com os Irmãos e outras pessoas. Acima de todos
e de tudo estava a comunidade marista.
Hoje, nesta pequena homenagem recordamos o coirmão que deu a sua
vida a Jesus por Maria na Congregação, serviu inteiramente a comunidade em
seus 70 anos de vida religiosa!
227
Belo testemunho é dado pelo Prof. Irmão Nilo Berto:
“Era dotado de raros dons: prodigiosa memória, senso artístico,
inspiração poética, veio ,nusical. Compôs numerosos cantos para os alunos
(música e versos), cantados durante décadas nos colégios”.
Quero destacar a sua função de pilar na estruturação da Universidade
por sua paixão incorrigível pelos livros, na organização e desenvolvimento da
Biblioteca Central.
Biblioteca Central
A força de uma Universidade é, sem dúvida, a Biblioteca, que foi chamada
outrora: o repositório dos tesouros da alma, entre os assírios e babilônios.
Irmão Dionísio era homem de visão, de planos e de realizações.
Nomeado Diretor da Biblioteca, em 1950, estava situada no 3º andar do
prédio que se levanta na esquina Av. Independência/Praça Dom Sebastião.
Era um salão de algumas dezenas de metros quadrados. Irmão Dionísio
sucedeu ao Irmão Salústio (Waldemar Colvero). Os livros chegavam a vários
milheiros. Eram poucos para o número de estudantes e de cursos que iam
aumentando ano a ano.
A Biblioteca contava, em 1953, 14066 obras em que sobressaíam as
obras de Literatura, Ciências Sociais, Geografia e História e Ciências puras. O
movimento de consultas atingiu um total de 4.027. A matrícula dos alunos
atingiu o número de 1225.
Os horários de atendimento aos consulentes eram de manhã: das 8h às
11h30min, de tarde: das 14h às 18h45min: de noite: das 20h às 22h.
O Irmão Dionísio visitou bibliotecas da França, da Espanha e do Rio de
Janeiro e de São Paulo, dessa investigação sobre organização do acervo de
livros e de classificação, resolveu ele mesmo realizar a Classificação Decimal
de Dewey, que continua até o presente, porém, informatizada.
228
Em 1968, houve o traslado para a Cidade Universitária: O prédio da
Reitoria, recebeu os livros no 2° piso. Ali, o Irmão Dionísio criou nova
organização, com o espaço mais amplo.
Durante 10 anos, alunos e professores buscavam seus horários de
leituras e consultas nesse local.
Em 1975, houve estudo de melhor estrutura de prédio para a Biblioteca
Central, com visitas a locais já consagrados. Irmão Dionísio Fuertes Alvarez
com o Arq° José Guilherme Piccoli foram planejando o prédio da Biblioteca.
Deveria ter amplos corredores com sabor dos claustros medievais. O Reitor
Irmão José Otão, engenheiro, bastante combalido na saúde acompanhava o
desenrolar do projeto. Com o esforço e operosidade do Irmão Valério (Thealmo
Hennemann) os fundamentos, os pilares e as paredes foram-se erguendo,
formando três amplos pisos com 10.000 m2.
No dia 28 de novembro de 1978, o Ministro da Educação e Cultura,
Prof. Dr. Euro Brandão inaugurou a Biblioteca Central consagrando-a com o
nome de Irmão José Otão. Participaram da solenidade o Reitor interino Prof.
Irmão Liberato, o Reitor Honero Só Jobim e o Vice-Reitor, Prof. Mario Rigatto da
UFRGS, pró-Reitores, Diretores e professores.
O Irmão Dionísio, Diretor, sentiu-se realizado pela inauguração do
prédio que lhe permitia organizar a Biblioteca conforme os seus sonhos.
Era coadjuvado pelo Conselho Diretor constituído pelos professores:
Alfredo Steinbruch, Ir. Elvo Clemente, Braz Augusto Aquino Brancato e
Fernando Severo Recena.
Figura importante pelo trabalho e pelo senso de organização era
Alberto Aveiro de Campos. Pessoa conhecedora das várias tarefas de uma
biblioteca: encadernações, restauração e empréstimos, soube ser o braço
direito na administração. Outra coisa importante de Campinhos era o seu amor
à Literatura sul-riograndense. Soube organizar o setor especializado de autores
do Rio Grande do Sul.
229
O trabalho do final do ano de 1978 e começo de 1979 foi enorme na
compra de estantes metálicas, a montagem e organização dos espaços.
No final do ano de 1981, o Prof. Irmão Dionísio Fuertes Alvarez foi
nomeado Diretor honorário e o Prof. Aureliano Calvo Hernández Diretor efetivo.
Em 1981, último ano da gestão do Irmão Dionísio, a Biblioteca teve o
colaborador Alberto Aveiro de Campos com 42 funcionários. O número de
usuários foi de 234.684. As consultas externas chegaram a 34.651 e as
internas a 148.973.
Durante o ano foram incorporados 7.560 obras novas. O acervo total
era de 197.842 volumes, em fins de 1981.
Irmão Dionísio em seus 30 anos de labor ininterrupto colocou a
Biblioteca Central entre as maiores e melhores bibliotecas universitárias do
país. A sua dedicação diuturna viu com alegria a Biblioteca crescendo e se
aperfeiçoando até a sua informatização pioneira pelo software ALEPH, na
gestão do Prof. César Augusto Mazzillo, em 1993.
Instituto de Cultura Hispânica
Outra paixão cultural do Irmão Dionísio foi o Instituto de Cultura
Hispânica cuja administração em 1979 era assim formada: Presidente: Prof.
Ir. Dionísio Fuertes Álvarez; Vice-Presidente Administrativo: Dr. Antônio
Antonacci Rebello; Vice-Presidente Cultural: Prof. Ir. Elvo Clemente; Vice-
Presidente Social: Sra. Olímpia Rodriguez de Raya; Secretário: Prof.
Aureliano Calvo Hemandez; Tesoureiro: Sr. Alberto Aveiro de Campos;
Assessor Jurídico: Dr. Altair de Lemos; Assessora de Divulgação: Sra. Leda
Einloft; Representante do Consulado da Espanha: Vice-Cônsul Álvaro Raya
Ibànez; Representante da PUCRS: Ir. Faustino João; Representante da
Casa de Espanha: Dr. Francisco Rozado Rivero; Conselheiros: Doutores:
Aldo Einloft, Celso Alcaraz Gomes, Earle Diniz Moreira, Élbio Gomez
Moraes, Francisco Juruena, João Borges Fortes, José Figueras Filho,
230
Oswaldo Dick, José Oliveira Santiago e Pedro Câncio da Silva. Secretária e
encarregada da Biblioteca: Beatriz Araújo Moreira Silva.
Desde 1972, quando o Irmão Dionísio assumiu a presidência do ICH,
o Reitor Irmão José Otão colocou à disposição todo o segundo piso do
prédio 3, onde funciona o Restaurante Universitário e o Curso de Pós-
Graduação de História.
Foi construído amplo salão de atos, salas para a Biblioteca
especializada com livros, video-cassetes, diapositivos, CD’s e filmes, salas para
as aulas de língua, literatura e cultura espanholas.
Anos depois o ICH instalou potente antena parabólica a serviço das
aulas e investigações dos professores.
As atividades principais desenvolvidas pela administração de 1979,
modificada nos anos seguintes por falecimentos e mudanças de domicílio, até
1998 são: a realização de cursos de temas diversos: conferências, simpósios,
ou seminários de temas espanhóis; exposições de arte; excursões culturais e
turísticas; recepções a visitantes ilustres da literatura e da filosofia de Espanha;
o uso da biblioteca, da discoteca e videoteca pelos sócios, professores e
alunos; celebrações de festas nacionais e de efemérides de grandes nomes da
história e das letras espanholas.
No decorrer de suas quatro décadas de existência, o Instituto de
Cultura Hispânica é o único centro que se manteve fiel aos propósitos de seus
fundadores de 23 de abril de 1956. Em 1998 a Diretoria era assim constituída:
Presidente: Prof. Ir. Dionísio Fuertes Alvarez; Vice-Presidente
Administrativo: Prof. Ir. Mainar Longhi; Vice-Presidente Cultural: Prof. Ir. Elvo
Clemente; Secretária: Profª Beatriz Araújo Moreira da Silva; Tesoureiro: Prof. ir.
Mainar Longhi; Representante da Reitoria: Prof. Ir. Faustino João;
Representante do Consulado da Espanha: Sr. Luis Abiega; Consultor Jurídico:
Dr. Altair de Lemos.
Conselheiros: Dr. Celso Alcaraz Gomes, Prof. Earle Diniz Macarthy
Moreira, Felipe Dios González, Emílio de La Puerta Garvin, Prof. Jaime Parera
231
Rebello, Dr. João Borges Fortes, Prof. Ir. Joaquim Clotet, Dr. José Elbio Gomes
Moraes, Juan Felix Garcés Rubo, Laureano Rodriguez Diaz, Prof. Pedro Cancio
da Silva, Prof. Pedro Miguel Cinel e Prof. Volnyr da Silva Santos.
232
IRMÃO FAUSTINO JOÃO
- SALOMÓN TORRECILLA
Quintanilha San Garcia
A história da vila se reflete na vida dos seus habitantes. Salomón, filho
de Faustino João Torrecilla e de Venância Vesga, nascido no dia 21 de outubro
de 1908 tem dentro de si a saga e a valentia da Villa de Quintanilla San García.
Pequeno povoado com dois mil anos de história, situado na estrada Briviesca —
Cerezo do rio Tirón está a 40 km de Burgos e a 10 km de Briviesca, com 500
habitantes. Em sua história bimilenar teve heróis e santos entre os quais
sobressai o santo abade — García. Viveu na época de São Domingos de Silos,
de Cid Campeador, de Pedro Bermúdez, de Iñigo de Oña, forjadores de
Castela. Gonzalo de Berceo dedica ao santo a estrofe:
“Avia y un Abbad Santo, servo del Criador,
Don GARCIA por nombre, de bondad amador:
Era del Monesterio Cabdiello et sennor,
La grey demonstraba qual era el Pastor...”
Preparando a missão
Na Igreja do santo recebeu o batismo o recém-nascido Salomón. À
sombra de sua proteção foi crescendo entre os irmãos e os colegas da escola
primária. Cedo enveredou para o juvenato marista de Arceniega onde
completou o curso primário. Aos quatorze anos recebeu o convite para realizar
o curso secundário na Itália, no juvenato São Francisco Xavier, em Grugliasco
(Turim). Sua alma aberta aos amplos horizontes aderiu ao ideal missionário.
Deixou Quintanilia San Garcia e foi além dos Pirineus ao pé dos Alpes, sempre
perto das grandes montanhas. Convite e destino das alturas e das distâncias.
233
Ir. Faustino João
Após a expulsão dos religiosos da França, em 1900, sob o império da
lei de Combes, os Irmãos Maristas se estabeleceram em Grugliasco, pequena
cidade perto da metrópole dos Alpes. Os Maristas até 1900 estavam em grande
maioria circunscritos ao território francês. A diáspora providencial os envia aos
quadrantes do mundo. O irmão Teofânio, superior geral, teve a idéia genial de
estabelecer uma casa de formação para missões sob a tutela do grande
missionário das Índias — Francisco Xavier.
Salomón Torrecilla com várias dezenas de colegas da Espanha, da
França, da Alemanha, da Bélgica, da Itália freqüenta o Curso secundário dentro
dos moldes e currículos da Escola Normal Francesa baccalauréat français.
Foram cinco anos de estudo e de aprofundamento constante na vida religiosa
marista. Depois seguiram-se os anos de noviciado 1926 e 27, no Remitaggio
Santa Maria, perto dos cimos da Superga dominando toda a planície turinese. O
jovem aperfeiçoa os ideais religiosos e vai alimentando a sede e a fome das
distâncias missionárias. Terminado o noviciado no dia 15 de agosto de 1927,
Irmão Faustino João é destinado pelo Irmão Diógenes, superior geral, para a
Província do Brasil Meridional. Passou algumas semanas junto com pais e
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irmãos na saudosa vila Quintanilia san García. Depois a longa viagem pelo mar-
oceano até chegar a Porto Alegre no dia 27 de setembro de 1927.
Ei-lo em Porto Alegre, no Colégio Nossa Senhora do Rosário, sob a
direção do incansável, clarividente educador, Irmão Afonso.
Professor e Estudante
Poucas vezes na história de um religioso se registra a sua permanência
numa só comunidade ou numa única cidade. Irmão Faustino chega a Porto
Alegre em 1927, em 2000 com 92 anos, ainda vive e trabalha na Cidade
Sorriso, às margens do Guaíba. O Colégio Nossa Senhora do Rosário
inaugurara havia pouco a sede na Av. Independência, 359, deixando as
instalações do antigo seminário, hoje Cúria Metropolitana, à Rua Espírito Santo
n° 95. Ali nas diversas casas muito havia que fazer. O jovem de 19 anos cheio
de entusiasmo, deveu aprender a Língua Portuguesa. Como falasse bem o
francês e o espanhol foi-lhe relativamente fácil a aprendizagem. Em março de
1928 adentrava nas aulas do Curso Primário, com numerosos meninos. As
aulas corriam tranqüilas, ativas e interessantes de manhã e à tarde. Ensino do
catecismo, da leitura, da Caligrafia, da História, Geografia do Brasil e Educação
Moral e Cívica, Canto e Música. Belas recordações daqueles anos, quer para os
alunos quer para o mestre!
A partir de 1931 iniciou o ensino no Ginásio, Colégio e Escola
Superior de Comércio.
O Diretor, Irmão Afonso, era o dínamo propulsor do grande educandário
com numerosos internos e externos. Irmão Faustino sentia e vivia de perto os
projetos do Fundador da Escola Superior do Comércio que seria o embrião da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Com todo o dia ocupado em sala de aula destinava parte do horário
noturno a seu aprimoramento científico, cultural, frequentando a Escola
Superior de Comércio de 1930 a 1932 e a seguir de 1934 a 1937 a Faculdade
de Ciências Políticas e Econômicas, conquistando dois diplomas superiores. O
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ciclo regular de formação culminaria com a apresentação de tese em Ciências
Econômicas em 1938. Depois seguiram-se os anos de estudos, de pesquisas
pessoais quer na ampliação de conhecimentos, quer na preparação de aulas
de várias disciplinas.
Professor Universitário
Além de continuar a lecionar no Colégio Rosário, iniciou em 1942 o
magistério nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras e Ciências Políticas e
Econômicas. Naqueles tempos o ensino universitário, pela escassez de
mestres, cada professor lecionava mais de uma disciplina. Irmão Faustino
ministrou de maneira sucessiva ou concomitante, as disciplinas: Estatística
Educacional, Metodologia das Ciências Sociais, Administração Educacional,
Economia Política, Valor e formação de preços, História das Doutrinas
Econômicas, Estrutura e Funcionamento do Ensino Universitário. Em sua
atividade docente não entrava em sala de aula sem o ponto bem preparado:
resumo, exercícios, tudo previsto. Alunos recordam o mestre cumpridor, severo,
compreensivo e amigo.
Empreendedor e silencioso
Um grande homem idealizador, organizador e fundador tem a seu lado
outra pessoa ou equipe. Irmão Afonso desde os labores do empreendimento
universitário teve a seu lado o Irmão Faustino, secretário, pessoa encarregada
de levar adiante os planos, junto com os construtores da primeira hora: Eloy
José da Rocha, Salomão Pires Abrahão e Elpídio Ferreira Paes. Enquanto a
equipe afrontava as dificuldades de toda ordem o Irmão Faustino agia na
sombra, fortalecendo os alicerces. Parecia que obedecesse ao lema da
Sociedade de Maria: “Ignoti et occulti”.
Isso ocorreu na estruturação da Faculdade de Ciências Políticas e
Econômicas, mais evidente e ativa foi a sua ação na modelação da Faculdade
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de Educação, Ciências e Letras que depois passaria a ser Faculdade de
Filosofia. Assim também surgiu em 1945 a Faculdade de Serviço Social, última
a ser ordenada pelo emérito educador Irmão Afonso. As outras unidades
acadêmicas todas tiveram na pessoa do Irmão Faustino o empreendedor
silencioso e eficiente. Outros apareciam e trabalhavam à luz do dia, ele
trabalhava na sombra. Em meados da década de 1940 e nas subseqüêntes
sobressai a figura do Irmão José Otão que regeria os destinos da Universidade
de 1954 a maio de 1978.
Irmão Faustino esteve presente e atuante na concretização da
Faculdade de Direito, na estruturação do Curso de Jornalismo, atual Faculdade
dos Meios de Comunicação Social. O trabalho para equiparação da
Universidade até o coroamento pelo Decreto n° 25.794/48, em 1948. E, 1950
após muitos esforços viria o título de Pontifícia, no dia 1º de novembro com a
chancela do Papa Pio XII. A floração de cursos e unidades acadêmicas
mereceu os suores, as preocupações e andanças do Irmão Faustino. Nos dias
de crise e nas horas tumultuadas sempre presente, sempre ativo, sereno,
enérgico defensor dos direitos e da melhoria de qualidade de ensino, de
pesquisa e de organização. As várias reformas do Estado e do Regimento
mereceram-lhe com o Irmão Liberato e outros professores cuidados especiais
para que a PUCRS tomasse a dianteira dos cursos e da eficiência no ensino. O
Doutorado em Educação saiu de suas mãos nos anos em que foi diretor da
Faculdade de Educação. Nestes 50 anos de Universidade Irmão Faustino foi
pIanejador, empreendedor e consolidador da grande Instituição de Pesquisa,
Ensino e Extensão.
Outras instituições tiveram a mão firme e clarividente do Irmão
Faustino: Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras — Marcelino Champagnat
(Porto Alegre); Santa Cruz do Sul, Pelotas, Uruguaiana, Santa Maria e Caxias
do Sul. Em 1992, é nomeado pela Assembléia dos Reitores do Peru, presidente
da Comissão organizadora da Universidade Marcelino Champagnat, de Lima.
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Publicações
No campo das publicações, Irmão Faustino desde o começo da
Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas preocupou-se com os ANAIS.
De igual modo aconteceu com a Faculdade de Filosofia na edição dos ANAIS.
Em 1955 surgiu a Revista VERITAS e em decorrência aparecia o ANUÁRIO.
reunindo as crônicas da Universidade, seus cursos, corpo docente e corpo
discente. VERITAS e ANUÁRIO, continuam a trajetória de preservar a história,
os fatos e a produção científica e filosófica. Mais adiante surgiram outros
periódicos: Letras de Hoje, Educação, Estudos Ibero-americanos e outros. É co-
autor dos 3 volumes da História da PUCRS com o Irmão Elvo Clemente.
Em 1998 publicou pela EDIPUCRS: PENSAMENTOS de Marcelino
Champagnat.
História viva
Irmão Faustino é repositório vivo da história da PUCRS desde os
primórdios 1929 até hoje. A memória extraordinária e lúcida guarda os fatos o
nome e as atuações das pessoas na origem e na constituição das unidades e
setores acadêmicos. Além de memória proverbial o Irmão Faustino possui o
senso de ordem, de preservação e de conservação dos documentos e de tudo
quanto possa servir para o historiador. Volumes encadernados guardam papéis,
cartas, recortes de jornais, com notas e notícias referentes à vida da
Universidade.
O Apóstolo
A vocação missionária levou o Irmão Faustino a deixar Castela e vir
para o Rio Grande para entregar-se de corpo e alma à educação cristã no
Instituto dos Irmãos Maristas. Desde os primeiros dias de sua chegada
distribuiu o pão da doutrina às crianças do curso primário, depois continuou a
tarefa no ensino médio e superior. Perseguiu sempre o ideal que levou o irmão
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Afonso e os paladinos fundadores da Universidade a formarem “bons cristãos e
honestos cidadãos” nas diversas carreiras liberais: economistas, bacharéis,
assistentes sociais e especialmente professores. É lembrada a ação do Irmão
Faustino na batalha pela Lei de Diretrizes e Bases de 1942 em que se
defrontaram ideais pedagógicos tão adversos — ensino laicizante e o ensino
católico e confessional. A atuação da Associação de Educação Católica (AEC)
teve marcas indeléveis no Brasil e no Rio Grande graças à atitude do Irmão
Faustino. Os próceres do ensino leigo Anísio Teixeira e Lourenço Filho se
notabilizaram com a Escola Nova.
O Irmão Marista
Irmão Faustino é sempre por toda a parte, em todas as circunstâncias,
o devotado e fiel discípulo de Marcelino Champagnat. Dificuldades, oposições e
problemas não o desviaram da rota da vocação e da espiritualidade marista.
Dedicado membro das comunidades em que viveu nestes 73 anos, modelo de
vida comunitária, estímulo aos coirmãos tanto nos exercícios de piedade como
no desempenho das tarefas de cada dia. Sempre atento ao bem dos outros e
ao bom andamento da comunidade, não poupou e não poupa sacrifícios para
que todos estejam satisfeitos. Embora ocupasse as funções de superior de
comunidade apenas durante seis anos sempre foi força integradora entre os
coirmãos. Sabe ser, no dizer do Apóstolo Paulo: “Tudo para todos”.
Incansável no trabalho, apesar dos 92 anos sempre tem uma ocupação útil
para os outros. A sua vida marista cumpriu e cumpre o lema de São Bento
“ORA et LABORA” bem como as palavras do Irmão Weibert (fundador da obra
marista no Rio Grande do Sul): “Pouco, bem e sempre”. O verdadeiro irmão
marista é o religioso, verdadeiro devoto de Nossa Senhora. Maria Santíssima
lhe iluminou os passos ao sair de Quintanilla San García, ao deixar pais e a
pátria em 1927. Sempre esteve e está presente em todos os
empreendimentos e em todas as horas.
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O Consolidador
Filho da gloriosa Castela, da Villa Quintanilla San Garcia hauriu a força
daquela brava gente e levou adiante o grande sonho da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul do Irmão Afonso, do Irmão José Otão e do Irmão
Norberto Francisco Rauch e da plêiade de denodados colaboradores. Nestes 73
anos, Irmão Faustino João — Salomón Torrecilla Vesga — foi batalhador
incansável, não medindo fadigas, para abrir novas possibilidades à investigação
científica e literária, ao ensino e à extensão universitária.
Irmão Faustino, aos 80 anos saudado por Eloy José da Rocha e Francisco Juruena
No patamar de sua existência vê o labor florescendo em tantas
iniciativas e tantos projetos para o avanço da ciência e da cultura para o bem de
tantas pessoas que buscam na Universidade a habilitação para funções que
redundem em benefício das pessoas e da sociedade e da pátria, na luz de Deus
e na proteção de Nossa Senhora.
Luzes do entardecer
No dia 21 de outubro de 1998, ao completar 90 anos de idade, no salão
nobre da Reitoria, às 17h, o Cônsul geral de Espanha, Sr. Ramón Alvarez-
240
Nóvoa entregou ao Irmão Faustino João, a ENCOMIENDA de NÚMERO de la
Ordem de Isabel la católica. A homenagem é concedida a personalidades que
se dedicam à divulgação da língua e cultura espanholas. Após a execução dos
hinos do Brasil e da Espanha o Cônsul saudou o homenageado com
emocionante discurso abaixo transcrito:
“Encontro-me hoje aqui, com a grata satisfação de conferir uma das
mais prestigiosas condecorações previstas no regulamento espanhol para
premiar as condutas mais honrosas e os comportamentos mais exemplares: “La
Ordem de Isabel la Católica”.
Dentre os muitos anos de carreira diplomática em que tive a honra de
conferir a cidadãos espanhóis e estrangeiros, condecorações de todo tipo, é
portanto, a de hoje, por sua relevância excepcional, a de mais elevado mérito
que, em nome de S. M. o Rei da Espanha, me é dada a missão de conferir.
Segundo dizem e pude comprovar, no Brasil e em Portugal, países sem
dúvida com generosidade maior que a nossa na concessão de tratamento de
cortesia, a utilização de ilustríssimo Senhor faz-se relativamente freqüente na vida
social cotidiana. Creiam-me, no entanto, que na Espanha e na mente dos que na
época instituíram a Ordem, a reserva desse tratamento aos Comendadores de
Número foi concebida como uma mui alta e especial distinção.
Senhor Reitor, Ilustríssimo Senhor Comendador de Número, é para
mim um imenso prazer e uma grande honra conferir esta condecoração ao
Irmão Faustino João. Honra e prazer que resultam hoje ademais, multiplicados
por três, pelos seguintes motivos:
O primeiro deles, como não poderia ser de outra forma, vem dado
pela singular personalidade de seu destinatário, o emérito Professor Irmão
Faustino João.
Não é o momento, já o fez ademais muito melhor do que eu, com
sua brilhante oratória, o Irmão Elvo Clemente, de fazer o panegírico do
Irmão Faustino. Basta-me dizer que se alguma vez a entrega desta altíssima
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distinção encontrou-se justificada de uma forma quase paradigmática, esta e
não outra é a oportunidade.
O motivo pelo qual a condecoração leva o nome da Rainha Católica (a
cuja política e auxílios deveu-se à gesta mais importante, sem dúvida, da
história da humanidade: o encontro com as Américas), e sobretudo, para
significar que com ela quer-se premiar os méritos mais eminentes contraídos no
fomento das relações entre a Espanha e este grande continente. Os mais de 70
anos do Irmão Faustino no Brasil e em Porto Alegre, e seu brilhantíssimo e
abnegado labor em favor da Educação e da Cultura durante todo esse tempo,
convertem-no, repito, em um dos mais merecedores destinatários da Ordem.
Não é, pois, somente o Irmão Faustino o honrado pela condecoração, é
o país que a concede, Espanha, e a própria Ordem de Isabel a católica, que
resultam igualmente dignificados em poder tê-lo entre seus membros.
Senhor Reitor, o segundo motivo de minha grande satisfação por estar
neste ato não é outro senão o local para sua realização: esta prestigiosa
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Esta importante
instituição, à qual o Consulado Geral da Espanha em Porto Alegre está unido
por mui estreitos laços de amizade e cooperação e que, além do mais, há
muitos anos acolhe em seu âmago o Instituto de Cultura Hispânica.
Permitam-me, por favor, neste ponto, fazer um pequeno inciso para
render homenagem também a outro notável espanhol que junto com o Irmão
Faustino, foi e é o primeiro inspirador e o incansável executor de tão meritório
labor do Instituto, seu Diretor, o admirado e querido Irmão Dionísio Fuertes Álvarez.
Senhor reitor, o terceiro e não menos importante motivo, “the last but
not time least”, dizem os ingleses, do mui especial significado que para mim tem
o ato de hoje, é de um caráter menos oficial e muito mais íntimo e entranhável:
Vou conferir esta alta condecoração a um Irmão Marista.
Os dez anos de minha infância e adolescência como aluno do Colégio
dos Irmãos Marisas de minha cidade natal, estão neste momento, rodeado por
todos os senhores, extraordinariamente presentes. O menino que fui e que de
242
alguma forma ainda perdura em meu interior, não pode evitar de associar hoje
os luminosos 90 anos do Irmão Faustino (Parabéns, Irmão!), com os daqueles
queridos mestres que sem dúvida hoje teriam uma idade semelhante.
Eles dirigiam e conduziam pela mão aquele menino durante todos
aqueles anos, na abnegada, paciente e incansável intenção (temo, que não
sempre coroada pelo êxito), de converter aquele rapaz em um cidadão
responsável e em um ser humano melhor.
Permita-me, Excelentíssimo e Magnífico Senhor Reitor, permita-me,
Ilustríssimno Senhor Comendador de Número, permitam-me, por favor, todos os
senhores, que estas minhas última palavras sejam em homenagem e
agradecimento àqueles Irmãos.”
O caminho dos anos é sempre cheio de surpresas agradáveis ou
menos agradáveis. A saúde vai diminuindo o impulso vital apesar da vontade
heróica de resistir. Irmão Faustino vem resistindo impávido na vontade mas
limitado pela senetude. A sua convivência sempre amena em companhia dos
confrades ou com outras pessoas, ex-alunos e amigos. Aos poucos, porém, os
achaques e outras limitações exigiram que o superior provincial o convidasse a
viver na Casa de Repouso São José, em Viamão.
Tudo disposto, tudo combinado o Irmão Faustino foi transferido numa
manhã fria e chuvosa de sexta-feira, dia 16 de junho de 2000.
Na Casa São João junto com outros Irmãos idosos ou enfermos, Irmão
Faustino passa os dias na oração, em passeios pelo jardim, na conversa com
os coirmãos ou com os amigos que o visitam.
Em sua idade de 92 anos, é sempre o mesmo cedro que não se dobra,
que se mostra valente, que se entusiasma com as boas notícias da
Universidade que ele tanto ajudou a construir.
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