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DIRCEU MAUÉS: A FOTOGRAFIA PINHOLE NA ARTE CONTEMPORÂNEA. Mariana Capeletti Calaça Universidade Federal de Goiás Resumo O presente trabalho busca discutir a fotografia expandida, em especial as imagens com pinhole do artista-fotógrafo paraense Dirceu Maués e suas fotografias produzidas em Belém no famoso mercado Ver o Peso. A análise será guiada pelo processo criativo do fotógrafo, os procedimentos utilizados para obtenção da imagem, as características e os resultados que tornou sua obra reconhecida. A fotografia está associada a fatores técnicos e a processos de aperfeiçoamento, porém alguns fotógrafos-artistas fazem um resgate desses processos históricos produzindo imagens dentro do campo das artes visuais. O uso de processos alternativos parte de uma inquietação e necessidade de experimentação dos artistas em relação à rígida linguagem fotográfica, onde os fotógrafos que utilizam desses processos o fazem pois desejam ir além do aparelho. Os fotógrafos denominados experimentais procuram respostas num contexto da liberdade dominado por aparelhos, onde não se limitam aos mecanismos e dispositivos. Palavras-chave: Fotografia expandida, pinhole, Dirceu Maués Desde seu advento a fotografia evoluiu constantemente, sendo hoje dominada pela tecnologia digital. Segundo Flusser (2002), quem adquire um equipamento fotográfico, procura o “último modelo” que geralmente é menor, mais fácil de manusear e melhor que o anterior. Porém, em meio a tanta evolução existem aqueles que buscam em processos manuais, históricos e não comerciais meios para fotografarem. A fotografia está associada a fatores técnicos e a processos de aperfeiçoamento, porém alguns fotógrafos-artistas fazem um resgate desses processos produzindo imagens dentro do campo das artes visuais, denominado por Rouillé (2009) como neopictorialismo, que é o uso de “materiais e procedimentos antigos, ultrapassados, arcaicos – fotografia com câmeras artesanais (pinhole), o daguerreótipo, os positivos diretos e a goma bicromática.” (ROUILLÉ, 2009, p. 184). III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 2052

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DIRCEU MAUÉS: A FOTOGRAFIA PINHOLE NA ARTE CONTEMPORÂNEA.

Mariana Capeletti Calaça

Universidade Federal de Goiás

Resumo

O presente trabalho busca discutir a fotografia expandida, em especial as imagens com

pinhole do artista-fotógrafo paraense Dirceu Maués e suas fotografias produzidas em Belém

no famoso mercado Ver o Peso. A análise será guiada pelo processo criativo do fotógrafo, os

procedimentos utilizados para obtenção da imagem, as características e os resultados que

tornou sua obra reconhecida.

A fotografia está associada a fatores técnicos e a processos de aperfeiçoamento, porém

alguns fotógrafos-artistas fazem um resgate desses processos históricos produzindo imagens

dentro do campo das artes visuais.

O uso de processos alternativos parte de uma inquietação e necessidade de

experimentação dos artistas em relação à rígida linguagem fotográfica, onde os fotógrafos que

utilizam desses processos o fazem pois desejam ir além do aparelho. Os fotógrafos

denominados experimentais procuram respostas num contexto da liberdade dominado por

aparelhos, onde não se limitam aos mecanismos e dispositivos.

Palavras-chave: Fotografia expandida, pinhole, Dirceu Maués

Desde seu advento a fotografia evoluiu constantemente, sendo hoje dominada pela

tecnologia digital. Segundo Flusser (2002), quem adquire um equipamento fotográfico,

procura o “último modelo” que geralmente é menor, mais fácil de manusear e melhor que o

anterior. Porém, em meio a tanta evolução existem aqueles que buscam em processos

manuais, históricos e não comerciais meios para fotografarem.

A fotografia está associada a fatores técnicos e a processos de aperfeiçoamento, porém

alguns fotógrafos-artistas fazem um resgate desses processos produzindo imagens dentro do

campo das artes visuais, denominado por Rouillé (2009) como neopictorialismo, que é o uso

de “materiais e procedimentos antigos, ultrapassados, arcaicos – fotografia com câmeras

artesanais (pinhole), o daguerreótipo, os positivos diretos e a goma bicromática.” (ROUILLÉ,

2009, p. 184).

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O uso desses processos na fotografia contemporânea é denominado por Fernandes

Júnior (2006) como fotografia expandida, que existe graças à inquietação dos artistas, que

desde o advento da fotografia não se contiveram a utilizar apenas os padrões estabelecidos

pela indústria fotográfica. Transgredindo o fazer fotográfico, onde o importante é o processo

criativo e os procedimentos utilizados pelos fotógrafos para obterem o resultado

surpreendente.

Contemporaneidade ao acaso

Ao longo da história a fotografia se desassocia da ideia única de registro e se

caracteriza também como criativa. Na contemporaneidade adquire inúmeras facetas, sendo

suscetível a inúmeras interpretações e produções, como afirma Simonetta:

Pensar a fotografia contemporânea hoje é tentar entender a aproximação com vários suportes e entendê-las como linguagem autônoma...Interessante pensar sobre a fotografia na contemporaneidade como força do simulacro, criando um duplo como imagem de imagens...deveríamos pensar – e nisso a produção contemporânea tem nos ajudado – em enxergar a imagem como um mero ponto de vista sobre determinado assunto, uma opinião própria, portanto passível de ser construída....A imagem fotográfica, polissêmica por natureza, nos dá esse privilégio de uma leitura múltipla. E parece que é nessa direção que tem se voltado nossa produção fotográfica. (PERSICHETTI, p. 86 a 89)

Susan Sontag (2004) afirma ainda que alguns fotógrafos a fim de conseguir

características criativas as suas fotografias, abandonam as câmeras cada vez mais

tecnologicamente avançadas, e partem para aparelhos toscos, acreditando conseguir resultados

mais livres e positivos, é o caso do fotógrafo-artista Dirceu Maués. Fotógrafo desde 1991

atuou como instrutor de oficinas de fotografia na Fundação Curro Velho, na década de 1990,

em Belém, onde também trabalhou como repórter fotográfico nos grandes jornais impressos

durante 12 anos. Desde 2003, desenvolve trabalho autoral nas áreas da fotografia, cinema e

vídeo, os quais têm como base pesquisas com a construção de câmeras artesanais pinhole e

utilização de aparelhos precários. Seus trabalhos já foram contemplados com prêmios e hoje

fazem parte de diversas coleções.

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Figura 1 - Dirceu Maués produzindo uma

câmera pinhole através de uma caixa de

fósforos. 2009. Disponível em:

http://www.flickr.com/photos/dirceumaues

Acesso em: 15/01/2011

A câmera pinhole remete diretamente as câmeras escuras, artifício esse conhecido e

utilizado por artistas desde o período renascentista (SOUGEZ, 2001). A diferença entre as

duas caixas pretas é o material fotossensível no interior da pinhole e a possibilidade de fixar a

imagem que a invade através de um pequeno orifício. A fotografia pelo buraco da agulha é tão

simples que até mesmo uma criança é capaz de produzir a sua câmera em pouco tempo

(DIETRICH, 1998) e qualquer objeto oco pode se transformar em um aparelho fotográfico,

caixa de fósforos, de sapato, latas de leite em pó, um pimentão e até um ovo. Participar da

produção de uma câmera pinhole permite que o fotógrafo se torne parte da câmera escura e

seja capaz de dominar o aparelho, como afirma Flusser (2002), o dono do aparelho não é

quem o possui, mas sim quem foi capaz de esgotá-lo em seu interior, permitindo uma nova

forma de compreensão do fazer fotográfico.

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O resultado obtido através dessa técnica é único. A singularidade do formato de cada

câmera aparecerá no resultado final das fotografias, além de possibilitar outros

experimentalismos como imagens em dupla exposição e distorções, além de resultados

inesperados como traços de luz, sombras e flow. Na fotografia pinhole, ao contrário da

fotografia tradicional, não é o fotógrafo quem delimita o recorte da fotografia, isso irá variar

de acordo com o formato e ângulo da câmera, assim cada foto se torna inusitada e traz o olhar

de um objeto sobre outros objetos (DIETRICH, 1998), assim as pinholes são “caixas pretas

que brincam de pensar” (FLUSSER, 2002, p. 28). Nas fotografias realizadas através de

câmeras industriais, o fotógrafo domina a técnica através do aparelho, obtendo resultados

esperados segundo regras, na fotografia pinhole ele infringe o aparelho, criando novas regras

a cada imagem produzida. Aqui, o aparelho passa então a ser decisivo na produção

fotográfica, e não apenas um meio.

Figura 2 – Ver o peso pelo furo da agulha. Dirceu Maués. 2004. Disponível em:

http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/221/obra/813 Acesso em: 15/01/2011.

Para que a imagem se forme no interior da câmera escura, é preciso que a luz entre

através de um orifício e atinja o material fotossensível. Se esse orifício é demasiadamente

grande, o tempo em que ficara exposto para incidência da luz será menor, e isso também

acarretará na nitidez da imagem formada no interior do aparelho. Quanto menor o buraco feito

pela agulha, mais nítida se torna a imagem, porém o tempo de exposição tende a ficar maior.

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As frações dos segundos determinantes para a produção da fotografia já são capazes

de fornecer a fotografia pinhole a característica de movimento, pois durante esse pequeno

espaço de tempo a luz muda, as pessoas se mexem. Segundo Villar (2008), a imagem

fotográfica está ligada ao estático, e essas frações de segundos da pinhole desestabilizam a

imagem, captando o percurso que os objetos fazem pelo espaço fotografado.

Figura 3– Ver o peso pelo furo da agulha. Dirceu Maués. 2004. Disponível em:

http://www.flickr.com/photos/dirceumaues Acesso em: 15/01/2011.

Na fotografias de Dirceu Maués é possível notar essa interferência do tempo. Essa

característica é responsável por tornar o invisível visível ou de pelo menos dar a ele uma outra

visualidade. Trabalhando o tempo na fotografia, Maués consegue passar ao observador as

sensações que o Mercado Ver-o-peso proporciona, sua dinâmica, seu movimento; mostrando

que o mercado não é estático, mas inquieto. A pinhole também possibilita que Dirceu

estabeleça um modo próprio ao representar o mundo, dando à sua fotografia um caráter

subjetivo, nesse momento ele dialoga com o objeto a ser fotografado, e esse oferece ao seu

fotógrafo seu inconsciente, que jamais seria acessível se não fosse o aparelho.

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Figura 4– Ver o peso pelo furo da agulha. Dirceu Maués. 2004. Disponível em:

http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/221/obra/814 Acesso em: 15/01/2011.

Nas imagens produzidas pelo fotógrafo o importante não é a perfeição técnica que as

imagens atingirão, mas sim o caráter estético que o imprevisto trará, convertendo a baixa

tecnologia em alta característica poética, a poética da simplicidade. A teoria de Flusser ajuda

a entender a política por traz do aparelho, mas é o artista quem avança poeticamente.

Dirceu Maués em seu trabalho Ver-o-peso pelo furo da agulha, fotografou o famoso

mercado de Belém em mais 900 fotografias, todas as fotos foram produzidas com caixas de

fósforo, e apesar da precariedade do material, o fotógrafo-artista conseguiu resultados que

apenas ele, como conhecedor do ambiente e do equipamento conseguiria. O movimento está

presente em quase todas as fotos, assim como as sombras densas nas laterais, dando ao leitor a

atmosfera de sonho.

Figura 5 – Ver o peso pelo furo da agulha. Dirceu Maués. 2004. Disponível em:

http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/221/obra/812 Acesso em: 15/01/2011

As imagens do cotididiano de Maués, feitas com câmeras precárias, se contrapõem ao

cenário urbano tomado de máquinas e tecnologias avançadas, é um contraponto entre os dois

mundos. É o barato, tosco e reciclado registrando seu inverso. A pinhole deixa de ser um

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equipamento exclusivamente arcaico e passa dialogar com a tecnologia, se tornando uma

possibilidade estética na contemporaneidade.

Figura 6–Disponível em:

http://www.flickr.com/photos

/dirceumaues Acesso em:

15/01/2011.

Conclusão

O uso de processos alternativos parte de uma inquietação e necessidade de

experimentação dos artistas em relação à rígida linguagem fotográfica, Flusser (2002) defende

que os artistas que utilizam de processos alternativos o fazem pois desejam jogar contra o

programa; os fotógrafos denominados experimentais, procuram respostas num contexto da

liberdade dominado por aparelhos, onde não se limitam aos mecanismos e dispositivos.

Flusser (2002) coloca que a filosofia da fotografia reposiciona o problema da

liberdade, indagado em toda filosofia. O autor traz que estamos rodeados de aparelhos

programáticos, que automatizam a ação de fotografar, pensar e viver. Porém, Flusser aponta

que é possível “jogar contra o aparelho” (FLUSSER, 2002, p. 75) uma vez que o aparelho

pode ser enganado, os programas podem sofrer alterações humanas não previstas, sendo essa

a liberdade da filosofia da fotografia. A fotografia expandida existe graças a essa liberdade,

desenvolvendo o caráter mágico da imagem tradicional à fotografia, fazendo o observador

vaguear com os olhos por toda a superfície da imagem técnica.

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Bibliografia

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2006.

GOVEIA, Fábio. A subjetividade na fotografia pinhole , 2005. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1753 -1.pdf Acesso em 12/01/2011 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia.

Rio de Janeiro: Editora Relume, 2002

ROUILLÉ, André. A Fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora

Senac, 2009

PERSICHETTI, Simonetta. Novas Legendas. In: Bravo, São Paulo, Nº. 75, dezembro, 2003, pp. 85 - 89. VILLAR, Maria Helena Saburido. A fotografia estenopeica revisitada:desconstrução da

homologia tradicional através das dimensões sócio-culturais da tecnologia. 2008. 249f.

Dissertação (Mestrado em Tecnologia) – Programa de Pós Graduação em Tecnologia,

Universidade Tecnológica do Paraná, Curitiba, 2008.

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