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plástico bolha aparentemente insólito... Ano 2 - Número 11 - Abril/2007 Distribuição Gratuita Heinz Langer a estrada é sinuosa mas eu não enjôo ao contrário – escolho palavras & acordes que te embalam no banco de trás. Alice Sant’anna SIMPLESMENTE INACREDITÁVEL Mary Blaigdfield Nesta edição: Rodrigo N.C. por sua causa Raquel ele foi para a frente dos carros mas eram carros de brinquedo por sua causa ele pulou da ponte Rio-Niterói mas praticando bungee jump por sua causa ele ia tomar chumbinho mas deu ao rato mesmo: não se deve cobiçar as coisas alheias Lasana Lukata SUICIDA PÓS-MODERNO Marilena Moraes empacotado, o piano se impede de piar, de pintar melodias de pontos, pranto de energia puntiforme que pontuadamente, ou não, se espalham pelas pradarias de meu corpo:mente. O PIANO COM A CAPA PRETA OPRESSORA Marcela Sperandio Rosa Sabrina martinez yuri amorim pAULO gRAVINA Helena Martins Mauro gaspar fred Coelho ana chiara henrique meirelles Isabel Diegues Rosa Mattos Milene Portela Gregório Duvivier Marília Rothier Alice Sant´anna Marcela Sperandio Rosa Lasana Lukata heinz langer Luiz Coelho Alluana ribeiro Constanza de córdova Lázaro Cassar Sueli Rios Se quando dissemos que o ano seria cheio de novidades, você pensou que era brincadeira, saiba que estávamos falando sério. Neste número Marília Rothier, professora de Letras da PUC-Rio, nos presenteou com um Aos alunos com carinho tão especial, que todo o jornal precisou ser reformulado para ficar à sua altura. Dobramos de tamanho; a tiragem ficou ainda maior; o slogan foi rebatizado a partir das palavras de seu texto; estreamos novas colunas, com novos parceiros; tudo para receber mais e mais pessoas na divertida ciranda das escritas e leituras, reescritas e releituras. Ana Cristina Chiara, professora de Letras da UERJ com quem já havíamos flertado em uma entrevista na edição de número 8, retorna ao jornal como colaboradora, com uma série de poemas sobre mulheres da literatura na coluna Mulheres-Damas. Os Invasores de Corpos Frederico Coelho e Mauro Gaspar Filho, da pós-graduação de Letras da PUC-Rio, apresentam o Manifesto Sampler, que será publicado aos pedaços, ao longo das próximas edições. Entrevistamos Sabrina Martinez, da Gemini Vídeo, responsável pela tradução de diversos programas da TV a cabo, que deu boas dicas sobre o mercado de legendagem para a TV. Na estréia da nova coluna Puzzles , recortamos um trecho de um e-mail da professora de estudos da linguagem da PUC-Rio, Helena Martins, contando interessantes curiosidades da biografia do filósofo Ludwig Wittgenstein. A coluna Subjetivas, de Gregório Duvivier, ficou maior e, para comemorar, vem com duas novas receitas, bem ao seu estilo. Nosso companheiro Rodrigo N.C. continua notório com novo conto na celebrada coluna Notas Cáusticas. Alluana Ribeiro escreveu um ensaio original sobre a peça Frederico Garcia Lorca: pequeno poema infinito. No Clique Aqui, confira uma boa dica sobre os sebos on-line. No mais, contos, poemas, além da saga de Mary Blaigdfield, a mulher que não queria falar sobre o... Juntamos diversas peças neste quebra- cabeças: Ana Chiara, Rodrigo N.C., Helena Martins, Gregório, Marília... mas a última peça só se encaixa agora, quando você tem o plástico bolha nas mãos.

plástico bolha 1 · Mary Blaigdfield, a mulher que não queria falar sobre o... Juntamos diversas peças neste quebra-cabeças: Ana Chiara, Rodrigo N.C., Helena Martins,

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Page 1: plástico bolha 1 · Mary Blaigdfield, a mulher que não queria falar sobre o... Juntamos diversas peças neste quebra-cabeças: Ana Chiara, Rodrigo N.C., Helena Martins,

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plástico bolhaaparentemente insólito...

Ano 2 - Número 11 - Abril/2007Distribuição Gratuita

Heinz Langer

a estrada é sinuosa mas eu nãoenjôoao contrário – escolhopalavras & acordesque te embalamno banco de trás.

Alice Sant’anna

SIMPLESMENTE

INACREDITÁVEL

Mary Blaigdfield

Nesta edição:

Rodrigo N.C.

por sua causa Raquelele foi para a frente dos carrosmas eram carros de brinquedopor sua causaele pulou da ponte Rio-Niteróimas praticando bungee jumppor sua causaele ia tomar chumbinhomas deu ao rato mesmo:

não se deve cobiçar as coisas alheias

Lasana Lukata

SUICIDA PÓS-MODERNO

Marilena Moraes

empacotado,o piano se impede de piar,de pintar melodias de pontos,pranto de energia puntiformeque pontuadamente, ou não,se espalham pelas pradarias de meu corpo:mente.

O PIANO COM A CAPA PRETA OPRESSORA

Marcela Sperandio Rosa

Sabrina martinez

yuri amorim

pAULO gRAVINA

Helena Martins

Mauro gaspar

fred Coelho

ana chiara

henrique meirelles

Isabel Diegues

Rosa Mattos

Milene Portela

Gregório Duvivier

Marília Rothier

Alice Sant´anna

Marcela Sperandio Rosa

Lasana Lukata

heinz langer

Luiz Coelho

Alluana ribeiro

Constanza de córdova

Lázaro Cassar

Sueli Rios

Se quando dissemos que o ano seria cheio

de novidades, você pensou que era brincadeira, saiba

que estávamos falando sério.

Neste número Marília Rothier, professora

de Letras da PUC-Rio, nos presenteou com um Aos

alunos com carinho tão especial, que todo o jornal

precisou ser reformulado para ficar à sua altura.

Dobramos de tamanho; a tiragem ficou ainda maior;

o slogan foi rebatizado a partir das palavras de seu

texto; estreamos novas colunas, com novos parceiros;

tudo para receber mais e mais pessoas na divertida

ciranda das escritas e leituras, reescritas e releituras.

Ana Cristina Chiara, professora de Letras

da UERJ com quem já havíamos flertado em uma

entrevista na edição de número 8, retorna ao jornal

como colaboradora, com uma série de poemas sobre

mulheres da literatura na coluna Mulheres-Damas.

Os Invasores de Corpos Frederico Coelho e

Mauro Gaspar Filho, da pós-graduação de Letras da

PUC-Rio, apresentam o Manifesto Sampler, que será

publicado aos pedaços, ao longo das próximas

edições.

Entrevistamos Sabrina Martinez, da

Gemini Vídeo, responsável pela tradução de diversos

programas da TV a cabo, que deu boas dicas sobre o

mercado de legendagem para a TV.

Na estréia da nova coluna Puzzles ,

recortamos um trecho de um e-mail da professora

de estudos da linguagem da PUC-Rio, Helena

Martins, contando interessantes curiosidades da

biografia do filósofo Ludwig Wittgenstein.

A coluna Subjetivas, de Gregório Duvivier,

ficou maior e, para comemorar, vem com duas novas

receitas, bem ao seu estilo. Nosso companheiro

Rodrigo N.C. continua notório com novo conto na

celebrada coluna Notas Cáusticas. Alluana Ribeiro

escreveu um ensaio original sobre a peça Frederico

Garcia Lorca: pequeno poema infinito. No Clique Aqui,

confira uma boa dica sobre os sebos on-line.

No mais, contos, poemas, além da saga de

Mary Blaigdfield, a mulher que não queria falar sobre

o...

Juntamos diversas peças neste quebra-

cabeças: Ana Chiara, Rodrigo N.C., Helena Martins,

Gregório, Marília... mas a última peça só se encaixa

agora, quando você tem o plástico bolha nas mãos.

Page 2: plástico bolha 1 · Mary Blaigdfield, a mulher que não queria falar sobre o... Juntamos diversas peças neste quebra-cabeças: Ana Chiara, Rodrigo N.C., Helena Martins,

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Série Receitas

Editor

Lucas Viriato

Editora Assistente

Marilena Moraes

Conselho Editorial

Luiz Coelho; Gregório Duvivier;

Isabel Diegues

Comissão

Julia Barbosa; Isabel Wilker;

Paulo Gravina; Mauro Rebello;

André Sigaud; Flora Bonfanti

Revisão

Rubiane Valério

Coordenação

Luiza Vilela

Equipe

Márcia Brito; Marcelo Tapajós;

Rebecca Liechocki; Camila Justino;

Marcela Rosa; Esthér Oliver; Henrique

Meirelles; Andrew McAlister

Colaboradores

Bruno Giorgi; Felipe Gomes; LuizaVilela;

Raquel Pereira; Luane Pontes; Esther Ruth;

Isabel Diegues; Gregório Duvivier; Julia

Barbosa; Luiz Coelho; Marilena Moraes;

Glaucia Sposito; Léa Diva Vilela

por Gregório Duvivier

SubjetivasSubjetivasSubjetivasSubjetivasSubjetivasAos alunos com carinho

Marília Rothier

Professora de Literatura Brasileira

Instigante — este é o adjetivo que me vem, imediatamente, à cabeça,

quando penso na convivência com os estudantes de Letras da PUC. Para

ficar, como propõe o poeta, no “reino das palavras”, começo afirmando que

tédio e monotonia são termos que desapareceram do meu vocabulário,

nesses dez anos de trânsito constante e animado entre aulas, cumprimentos

de corredor, seminários, um café no balcão, uma conversa mais tranqüila

para orientação de trabalho. Tudo parece rápido e passageiro, as tarefas se

acumulam, as turmas se sucedem a cada semestre, quase que se pode ver os

jovens amadurecendo; mas ficam lembranças muito fortes, experiências

decisivas de aprendizagem. No fim de cada curso ou período de orientação,

quando dou um balanço nas horas de trabalho, encontro, invariavelmente,

um saldo positivo a meu favor. Aprendo muito com esses meninos e

meninas, que me cercam; percebo pontos de vista alternativos, deixo-me

fascinar por autores que jamais haviam-me atraído, descubro caminhos

incríveis de raciocínio, sem contar a variedade de estilos de discurso de que,

mesmo inconscientemente, vou-me apropriando. Só espero que, daqui a

algum tempo, quando também contabilizarem os ganhos e despesas

(intelectuais e afetivos) dos anos de estudo de Letras, os alunos de hoje

encontrem haveres produtivos.

É mais que um privilégio, nessa altura de minha vida, poder envolver-

me com um trabalho, que me põe ativa e alerta, pois, embora contratada

como professora, a prática me convoca, de fato, é para aprender. Vou sendo

surpreendida por uma variedade de novos conhecimentos, que me alcançam,

nas tarefas formais e na informalidade das trocas com amigos, professores

e alunos, indistintamente, mas com a distinção de ser acolhida num grupo,

onde a curiosidade é permanente e todos se dispõem a falar do que acabaram

de descobrir. E como é que se exercita a nova aprendizagem? Escrevendo,

ou melhor, entrando na ciranda, sem começo nem fim, de escrita e leitura, de

comentário dos discursos ouvidos ou lidos, que se escrevem para ser, por

sua vez, divulgados e comentados. A ciranda não pára, mas tem momentos

de lentidão e momentos vibrantes — estes são os da troca imediata, no

diálogo e na interlocução (mais livre e também mais exigente) que se faz

mediada pela internet ou pelos periódicos impressos. O jornal é, com certeza,

um espaço cobiçado, pois a palavra dita no calor da hora ganha destaque

sobre a permanente. Nessa parte, em especial, alegre da ciranda, onde fui

recebida e vou-me deixando levar, circula, com a potência, que lhe imprime

a inventividade de seu redator e colaboradores, um veículo, aparentemente

insólito, mas de solidez confiável pela competência, demonstrada no

cumprimento de suas propostas — o Plástico Bolha. Nenhuma

responsabilidade é maior do que ocupar uma coluna, quando convidado,

neste jornal. De minha parte, fiquei feliz com a honra do convite, mas venho

adiando o privilégio, que não deixa de ser uma tarefa exigente. Leio os

números anteriores e reflito: estarei pronta?

De imediato, preparar-se para escrever no Plástico Bolha soa como um

contra-senso: o que o jornal propõe é uma brincadeira atraente, uma desculpa

cômoda para a leitura quase compulsiva de puro prazer. E quem disse que o

jogo sedutor é fácil? Quem se ilude com a suposta gratuidade do humor?

Estudantes que imaginam e conseguem manter, pelos doze meses do ano,

quatro páginas de graça inteligente são nada menos que gênios obstinados.

Conseguem, no dia a dia da escola, a proeza de divertir-se — e divertir um

número imponderável de leitores — com o mais rigoroso dos trabalhos!

Plástico Bolha, visto por esse ângulo, é uma metáfora perfeita para o conceito

de “literatura” — uma articulação inesperada de signos comuns, cotidianos,

sem compromisso com referências legitimadas como verdadeiras e, por isso

mesmo, produtores de um saber atraente, cujo sabor — marcado pelo toque

ácido da crueldade crítica — é difícil recusar. De minha parte, reconheço a

impossibilidade de inventar um texto com as vantagens do útil e do fútil.

Pois o texto, oferecido como plástico bolha, é o que encadeia as palavras de

modo a protegê-las dos choques da incompreensão e, ao mesmo tempo,

revela o gosto disfarçado dessas palavras, obrigando seu receptor a agarrá-las

num ímpeto, com todo o gosto e nenhuma cerimônia.

(Encantada com o convite e a oportunidade de também soprar

algumas frases compondo minha pequena bolha, nesse conjunto plástico

que explode a qualquer toque – mesmo apressado e leve —, quero entrar no

ritmo dos ruídos alegres, mostrando, no final das contas, que aprendi a lição

dos meus alunos.)

Erguer, antes de tudo, uma parede –a parede no caso é importantíssima,pois as janelas só existem sobreparedes, as janelas sobre nada

são também nada e não são sequer vistas.Em seguida quebrá-la até fazernela um grande buraco, não maiorque a parede, pois precisamos vê-la,

nem menor que seus braços – as janelassobre as quais não se pode debruçarnão são janelas, são buracos. Pronto.

Ou quase: agora basta construirum mundo do outro lado da parede,para que possas vê-lo, emoldurado.

Janela

Envie seus textos para:

[email protected]

plástico bolhaproduzido pelos alunos da

graduação de Letras da PUC-Rio

Tiragem: 8.000

Impresso na CUT Graf

A que afaga, a que sustenta.A de fada, a calejada.Em ombros, caídas.Em outro, acolhida. Tudo na molduraEnvolto em púrpura.Disposições distintas,Díspares.Tudo resumido,No mudo acolhido.Nessas duasEram outras.Dois pincéis,Destoantes tonsDistantes impressões.Tudo na molduraAinda envolto em púrpura.

Duas Mãos

Luiz Coelho

Para se bater palmas é preciso,e nesse ponto seremos bastanterígidos, duas mãos, que podem nãoestar inteiras: os dedos, no caso,

fazem pouca ou nenhuma diferença.Em seguida, levar de cada mãoa palma em direção à outra palma,da outra mão, de modo a produzir

barulho. Este produto do encontrode cada palma será batizadode palmas (a total ausência de

originalidade não é minha.)Quanto a gostar ou não gostar do objetoaplaudido, confesso: pouco importa.

inspirado na Volta do Filho Pródigo de Rembrandt

Bater palmas

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O circo acende sob a tendaAs crianças crescem nas arquibancadasOs leões bailam sobre o picadeiro

As bocas abertasdas criançasdos leõesdo pipoqueiro

(que passou a noite em clarocom o tiroteio no morro)

em casa não tem palhaçonão tem pipocanem bailarinasó malabaristas

Dissimuladamente,Sal,Te permito penetrarMeus porosE assimSe alojarEm mim. E me enobreçoDesse cheiroQue adquiroE saboreioO prazer inenarrávelDe teu estar;Embora já saibaQue apesarDe tua satisfação-instintoEm minha pele fazer ninho,O mar te chama. Ao grito de tua mãeTu não podes negar,E assim me arrastasAo seio materno,Sedento de tua nobreza identidadeDe tua natureza, santidade,E assim: mergulhada te deixoPara que mergulhadaAinda mais te tenha,Eu, aderida ao eterno ciclo de tua estadiaEm meu corpo:Teu-meu retornoÀ causaMar.

Eu costuro uma colcha de retalhos, multicolorida, divertida como risofácil de criança, que enche os olhos e o coração como roda gigante, compedacinhos disformes, cortados minuciosamente, outros rasgados com desleixoproposital, confirmado e reafirmado, com forro da cor da lua, que aquece noverão e esfria no inverno. Se alguém a puxa pra cima, ela descobre os pés, e sepra baixo vai, a cabeça fica ao vento. Nem nisso ela tem audácia, não almejacomprimento, ser pequena é só vantagem, portátil é tremenda qualidade, vai atoda parte e comigo está em lugares diversos, eu a estendo e a amasso nasoscilações do meu temperamento-maré.

Eu tenho um calabouço mágico, que se refestelou em pó de pirlimpimpim,e de relance se mostra paraíso, oásis utópico, céu dos deuses, e quando láadentra enfeitiçado, a névoa se desfaz cruelmente. É lugar com cheiro e presençainfecta de mofo, úmido, molhado, gélido com direito a vento ártico, chãoescorregadio e paredes sem cor, lisas, sem forma, sem prumo, sem graça. O pé-direito adjetiva-se humilhante de tão baixo, que triste ambiente com direito à vistaapenas pro rodapé de gelo. Não há como descansar, pernas esticadas e joelhossem flexão, tocar o chão é desaconselhável e insano, talvez os sensores delepossam ser disparados e então se iniciará um processo vagaroso de aproximaçãode paredes. Não há intuito de reduzir a pó, mas tão-somente garantir a inércia ea desesperadora impossibilidade de fuga.

Eu apresento orgulhosamente minha caixa madrepérola, sem fundo,com abertura fácil, mas delicada e frágil, muito frágil. Invólucro de surpresas,guarda perdidos e achados raros, e não há só uma chave; esperançosas cópiasjá foram lançadas por aí. O que a abre não é tão-somente a combinação segredo-fechadura, o ABRE-TE SÉSAMO encerra o mistério. Vislumbrar seu conteúdorequer espetáculo mínimo, de palavras certinhas, gestos exatos, intenções queagradem à proprietária e brilho no olhar ininterrupto. Tudo que lá dentro está éinteressante e ao mesmo tempo, trivial, é diferente e é comum, simples e complexo.Atraente caixa de Pandora cospe labaredas, asperge cristais de neve, ela chovesobriedade e pontua desejo escandaloso, ela dissemina esdrúxulas moribundasdúvidas, mas murmureja exuberantes certezas pulsantes.

Eu convido com sorriso, e mais à frente cobro lágrimas, quero e precisodo suor, do arder e do choro, eu construo uma base de diamantes, e depois tiroo chão, dou o céu, mas puxo o tapete, de uma vez só, de uma severa vez só.(Des)Complico-me pela negação: eu não sou de vidro mas um peteleco porvezes é nocaute, eu não sou brisa e não sou Babilônia, não sou João Bobo enem consigo manter olhos estatelados o tempo todo, não sou coisa única edefinida, não sou fechada porém tenho fronteiras, não sou chegada à oratória enão só cerro os lábios, não sou atípica e nem vulgar, não sou perfume importadoe nunca serei nariz empinado.

Eu trajo uma alma aflita, cujo passatempo lúdico é o mexer e remexernas questões cruciais da minha existência Fênix. Transporto um tempero ácidocom gosto residual doce, exótico e inesquecível. Ser mulher é desafio meurotineiro, cansativo e horripilante, e por causa disso e apesar disso, faço edesfaço rimas, eu vendo versos, negocio vocábulos, troco letras e coloco linhasem escambo.

Prazer, sou indigna do rótulo de escritora, eu troco em miúdos escritosesses ventos que correm, formam e dilaceram meu labirinto.

Eu escrevo porque não basta dizer a mim e não conheço paz. Eu escrevo porque já não cabe aqui, e não sei o que é silêncio. Eu escrevo, escrevo e escrevo porque nunca coube em mim.

O que eu trago

Milene Portela

De uma das 50 nascentes deGranada brota a primeira lágrima. Com ovento, desliza pelo rosto, pelas encostas,ganha força e vira rio de três margens. Aoacariciar cada uma delas a água faz umsom diferente - ritmo forte de correnteza.E nós estamos naqueles espaços do rio,de meio a meio, sempre dentro da canoa,para dela não saltar, nunca mais.

É novembro, mas nesta Granadaventa nas quatro estações. A brisa refrescaquando o menino e a menina loira catampedrinhas brancas, mas causa frio quandoela precisa ficar nua para lavar sua únicaroupa. Frio no corpo da menina, nocoração do menino, frio no teatro. Todosvestem seus casacos mas a menina nãotem o que vestir. Venta; e tudo que não émais necessário se desfaz. Resta apenas apoesia e o respeito ao que as coisascomunicam sem o auxílio das palavras.Ah menina, você vai ser como sua mãe eseus filhos vão ser como você...

Resta um respeito de criança, de umpobre garoto apaixonado e silencioso que,quase como o maravilhoso Verlaine, temdentro uma açucena impossível de regar.O rio por aí se estendendo grande, fundo,calado que sempre. Ele não pode darpalavras nem água para sua flor. Masquando o ancinho penetrou o solo seco,abriu caminhos para o ar entrar. E a terrase tornou rarefeita, leve, cheia de poesia.Ali Lorca encontrou a arte.

Façam completo silêncio, paralisemos negócios, garanto que uma flor nasceu.Sua cor não se percebe. Suas pétalas nãose abrem. Seu nome não está nos livros.Ela nasceu do que é suficiente. Garantoque uma flor nasceu: a açucena de Lorcaapareceu quando Zé abriu as janelas eventou no teatro.

CORRUPIO

Quando el rio es lento y se cuenta comuma buena bicicleta o caballo si es posiblebañarse dos (y hasta três, de acuerdocom las necesidade higiénicas de cadaquien) veces en el mísmo rio.Augusto Monterroso

Um breve ensaio sobre a peça deteatro Frederico García Lorca:pequeno poema infinito

Instantâneo Alluana Ribeiro

Salgada Rosa Mattos

Ensaio

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Há conjugação mais tristeDo que a do verbo morrer?É semelhante a perderNo particípio do ter.

Há conjugação mais tristeDo que a do verbo morrer?É semelhante a romper

No particípio do ser.

Duplo Particípio

Paulo Gravina

Anjos Urbanosde Rosane Svartman

com Anna Markun e Juliana Martins

de 4 de maio à 24 de junhosex. e sab. 21h e dom. 20h

Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea)

Isabel Diegues

direção Isabel Diegues

uma comédia veneno

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Tel.: 2512-7109

Banca da PUC

Sou tua vassala, querida,Estendo um tapete, fico de quatroMordo fronhaPor tuas cantigas, teus romanceiros,Tuas mãos deixando escorrer teus sonhosTão tristinha...Teus olhos de cristal, pastora de nuvens,Tua vaga música.Todo este instrumental da sublimação dos nossos corposSofrendo a beleza de espumas, nuvens, poeiraMas agora, chega, donzela,Vem cá e faz!

m u l h e r e s - d a m a s

Perdoa-me causar-te mágoaDesta humana, amarga, demora! – de ser menos breve do que a água,mais durável que o vento e a rosaCecília Meireles

Amor cortês

por

Ana Chiara

O nome era Rodolfo:chegou numa caixa,pequenos furos, laçarote azul.Rotina de sol, pernas, algumacaça. Tudo era chato e fácil, quaseóbvio: se espreguiçar de manhãsob o sol amarelo, fixar o olharnum ponto ao pé da escada, dormirquatorze horas por dia.O difícil mesmoera se acostumarcom a condição degato.

Constanza de Córdova

Condição

Mi’a seo’ra, dona cousa

Seo’ra dona do mundo

Si non me calo, mi’a seo’ra

Mi’a dor me cala mais fundo.

Mi’a seo’ra, Dona Fea

Seo’ra de D. Manoel

Si non me calo, mi’a seo’ra

Mi’a dor me cala no céu.

Mi’a seo’ra renascentista

No seu palácio de ouro me enterro

Seo’ra de toda ametista

Si non me calo, mi’a nobre tão quista

Mi’a dor me cala no inferno.

Posto que está frente a frente

Lázaro Cassar

Para além dos confins de meus jardins externos, se encontra a flor quesobreviveu ao dilúvio dos tempos antigos. Suas pétalas únicas são luassilenciosas que cobrem céus sem estrelas. Seu odor, perfume lúdico, viaja pormares profundos, terras distantes e topos malditos. Sua luz guia tolos por entreas árvores gigantes e imponentes. Seu caule de seda, letal, nasceu dos fios decabelo das mais belas fadas e seu pólen, etéreo, é o manjar dos Deusesdecadentes. Eis meu maior tesouro. Eis meu maior tormento. Eis aqui minhablasfêmia. Eis meu desejo crescente.

Para além dos confins de meus jardins externos, existe, em silêncio, a VioletaSelvagem. Dama lírica das noites quentes, rainha impura entre as sílfidescintilantes e transparentes. Sua aura emana luz de eclipse, com gosto das frutassagradas e, ao pé do verão, constelações de pecados surgem ao seu redor,incandescentes. Sua voz é orvalho em teia de aranha furta-cor e seus desejos,em lua crescente, se tornam raivosas tormentas de amor.

Para além dos confins de meus jardins externos, reside aquela de quemsou aprendiz. Seu doce veneno corre em veias estranhas, de demônios, de padrese em labirintos sutis. Sua beleza já espalhou o caos. Sua tristeza já plantou a dor.Suas raízes sustentam palácios, mas só lhe falta a posse do amor. Lá, bem paraalém de meus jardins, se encontra aquela que conquistei inutilmente por eras.Aquela que, ao vestir seu manto, não quis ouvir a música das esferas. Lá, bempara além de meus jardins externos, governa aquela que possui meus dias eminhas noites como bobagens. Aquela que possui minh’alma presa em suaspétalas roxas de violeta... Violeta Selvagem...

Sumiregusa (Violeta Selvagem) Henrique Meirelles

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Ué, vocês não sabiam não?Eles estudaram na mesma escola e

nasceram no mesmo ano, parece que com algunsdias de diferença. Mas não foram colegas,porque, ao entrarem nessa escola, o Hitler tinharepetido um ano, ao passo que o Wittgenstein tinhasaltado um. Há especulações sobre um certorecalque especial do Hitler com relação aobrilhantismo do Wittgenstein, a quem ele teriachamado de “judeu porco” em uma ocasião. Temtambém a história das pretensões artísticas doHitler, frustrada quando ele teve sua candidaturarejeitada em uma escola de arte, numa época emque o pai do Wittgenstein era um conhecidomecenas; financiava muitos artistas ecompositores judeus e não judeus (sobencomenda dele, o G. Klimt pintou um retrato dairmã do Wittgenstein, etc.) Um pesquisadoraustraliano polêmico, chamado Kimberly Cornish,chega a especular que “aquele menino judeu dostempos de escola”, que Hitler cita com desprezoem Mein Kampf, como parte de seu “despertar”anti-semita, teria sido ninguém menos do que onosso W. Mas parece que isso é meio viagem. Oque não é viagem é que W. e sua família foramvítimas da perseguição nazista, tendo sidoespoliados em grande parte dos seus bens duranteo domínio fascista na Áustria. Para quem quiserconhecer de forma mais confiável e menos vagaeste e outros aspectos até bem mais intrigantesda biografia do Wittgenstein, eu recomendoWittgenstein: o dever do gênio, obra biográficaescrita por Ray Monk e traduzida pela Cia. dasLetras em 1995. Outra coisa boa é ver o filmeWittgenstein, do Derek Jarman (disponível, achoeu, na locadora do Estação Botafogo).

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Helena Martins

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INVASORES DE CORPOS: MANIFESTO SAMPLER

Mais que um. É preciso ser sempre mais que umpara falar, é preciso que haja várias vozes.

Que importa quem fala?A verdadeira atividade literária não pode ter a

pretensão de desenrolar-se dentro de molduras. A atuaçãoliterária significativa só pode instituir-se em rigorosaalternância de agir e escrever.

A crítica tem que falar na língua dos artistas. Poisos conceitos do cenáculo são senhas. E somente nas senhassoa o grito de batalha.

O escritor não diz mais do que pensa (e pensa maisdo que diz).

O crítico não é o intérprete de épocas artísticaspassadas. O crítico é um estrategista na batalha da literatura.

O leitor-ouvinte está entregue aos seus própriosrecursos.

FOTOGRAMA I:CORTAR O CORDÃO UMBILICAL

Escrever não se aloja em si mesmo.Não ponho aspas. As palavras são minhas. Não

importa quem fala. Sou quem pode dizer o que disse. Fui euquem escreveu. Agora abro as comportas e deixo que elas,as palavras, as vozes, se espichem, se multipliquem, sefortaleçam. Aglutinação pela dispersão. Ele(s) redige(m), massou quem escreve. Um corpo em disponibilidade para si epara o outro. Todo es de todos, a palavra é coletiva e éanônima.

Nosso prazer não tem sido mais do que o ossárionatal do tempo morto. Pensar e escrever novamente comouma violência e um prazer. Ser feliz significa poder tomarconsciência de si mesmo sem susto.

A ESTÉTICA SAMPLER nasce da física. Somosmovidos por impulsos elétricos espúrios provenientes deatividade elétrica na atmosfera terrestre.

A escrita sampler é uma OPERAÇÃO. Não é umprojeto, mas a realização constante dessa operação.

O que “é incorporado” vira ruína junto com “o que jáexiste”. Só sobra o abismo do desgarrado. O novo solto semreferências. Esse é o bom sample: sem pai nem mãe. A escritacomo regime errante da letra órfã. O escritor não é maissoberano, é também presa dessa letra órfã que circula. Sóuma letra órfã pode pedir uma escrita viva. Pelas mudançasa que se expõe, a escrita sampler adquire uma espécie dedesarraigamento crônico: nunca mais se sentirá em casa, emlugar nenhum, permanecerá psicologicamente mutilada. Épreciso nascer, sair do plasma que cobre os corpos invadidos,romper o cordão umbilical. Você abre os olhos: sua mãe estáali, deitada sobre a cama. Seu pai segura o cordão umbilical.Você está no mundo. Bem-vindo! Mas você não está

devotado apenas ao que o inédito umbigo circunscreve,o corte do cordão umbilical te lança à perda da pureza,estás liberto da origem, estás liberto do mito. Invadir ocorpo do mundo, e ser invadido por ele é o que você fazagora (e para sempre).

Que importa quem fala? A escrita sampler acumulapor afeto, pelo que a afeta, tudo aquilo que vê, ouve eexperimenta à sua soma.

Quem trabalha com a escrita sampler não é aqueleque não tem o que dizer, é aquele que tem coisas demais adizer, tem vozes demais falando dentro de si, e as expressamusicalmente, como um fluxo, como um processador delinguagens e sensações.

Apropriar para produzir, e não para reproduzir. Aescrita sampler como uma forma de “dobrar” a matéria, areferência, o sujeito que existe criar uma nova/outra/diferente subjetivação do texto/música/matéria.

Uma escrita não começa nem conclui, ela seencontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser,intermezzo. Tem como tecido a conjunção ‘e... e... e...’ Hánesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizaro verbo ser. Viajar e se mover a partir do meio, pelo meio,entrar e sair, não começar nem terminar. Instaurar uma lógicado E, reverter a ontologia, destituir o fundamento, anularfim e começo. Uma escrita pragmática. É que o meio não éuma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquiremvelocidade. Entre as coisas designa um movimentotransversal que carrega uma escrita e outra. Um “e” quevem em qualquer lugar: antes, no meio, depois, e cria umespaço para si, para fora ou para dentro do corpo invadido.Um estímulo ao que não necessariamente precisa serestimulado, a não ser aos olhos de quem está ali invadindo,e sendo invadido. Não mais imitação, mas captura decódigo, mais-valia de código, aumento de valência.

Produzir na abertura de um espaço onde o sujeitoque escreve não pára de desaparecer. A busca doesvaziamento do eu. O eu não torna-se mais referênciaabsoluta pois a escrita sampler opera com diversos eus. Aescrita torna-se o exercício do eu + 1, do eu somado aoutros “eus” que falam – refalando – em seus textos. Aescrita sampler esvazia a figura do autor-ego, e seu papelem relação ao discurso, criando um novo jogo de forças eoposições possíveis.

A linguagem não pode mais se deixar prender àteatralidade filosófica do seu objeto. Deve se tornar,também ela, um atentado por fascinação.

Não significa que, daqui para a frente, não haveráforma na arte. Significa apenas que haverá uma nova forma,e que essa forma será de um tipo que admitirá o caos, semtentar dizer que o caos é na verdade outra coisa. Encontraruma forma que acomode a desordem: eis a tarefa do artistahoje. As possibilidades analíticas precisam convergir, enão se digladiar.

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No começo era o nada. O mais absoluto nada. Não havia luz, ar, água. Também nãohavia contas pra pagar. Tudo era vácuo. Vago. Vão. Tudo era nada. Então, do nada, o nada se feztudo. E se fez tudo por causa de nada: umas poucas palavras danadas.

O universo - ao inverso do que o homem em conversa com si mesmo desconversa - teveseu berço em versos. Versos proferidos do nada, muito provavelmente pelo Nada, que, ao contráriodo que se espera, é muito mais do que se pensa. Sempre foi difícil aos olhos humanos notar quena escuridão devastadora, no frio mortal, no mais profundo abissal, também pode haver vida. Evida inteligente! Pois o nosso Nada, sem muito que fazer naquele imenso nada, resolveu fazertudo. E fez em versos. E, pra facilitar a vida do relator, versos em português. Facilitando aindamais, versos livres, sem formas nem estruturas pré-determinadas - afinal de contas não havianada em que pudesse se basear.

Começou achando que todo aquele nada não ia levar a lugar nenhum. Além do maisachou tudo muito escuro por ali. Pôs-se a compor:

“Sob o manto tenebroso de nada deitem-se infinitas janelas luminosas!”. E assim, de umasó vez, milhares e milhares de estrelas brotaram no que veio depois a se chamar espaço. Apesardo susto que tomou, o Nada viu que era bom. Então deixou. Logo percebeu que tinha em mãosum momento histórico então resolveu inventar alguém para registrar aquilo tudo. Dos versosseguintes pendeu no espaço sideral alguém a quem resolveu chamar de Paulo Coelho. Mas nãogostou não. Então jogou fora. Na seqüência, corrigindo nos versos as imperfeições que gerarama aberração, acabou chegando a uma fórmula um tanto mais acertada e o resultado foi o meunascimento. Dessa forma eu fui a única criatura viva, além do Nada e do Paulo Coelho, quetestemunhou a criação do universo (ou parte dela).

Com o tempo o poeta Nada foi pegando o jeito da coisa. Em seus versos surgiram osplanetas, a roda, as galáxias, os elefantes, as pizzas e, por fim, a Internet. Depois de uns 5 dias(ele também já tinha inventado os dias, os minutos e os anos), pensou:

“Sacanagem! Ainda não parei de trabalhar por nem um minuto!”.Nisso ele inventou o fim de semana. Não foram os melhores versos que o universo já

ouviu, mas vá lá, foi uma puta invenção!Depois que o Nada, antes de partir pro fim de semana, inventou os nomes dos dias da

semana, nunca mais fez nada! Sabe como é, né? Domingão... nada pro Nada fazer! Ficouacomodado.

Desde então tem sido isso tudo que a gente conhece: alimentar os peixes, fritar omeletes,falar besteiras, assistir à televisão, falar besteiras ainda piores e, de vez em quando, pensar nosentido da vida, na origem do universo e outras coisas mais (“Quem veio primeiro? O ovo ou agalinha?”).

Diz-se que um dia do nada, o Nada, cansado de tudo, vai dar fim a essa baderna. É o quemuitos preferem chamar de Apocalipse, acreditando naquele papo de que o céu vai se abrir eanjos com trombeta vão vir separar o joio do trigo. Isso no máximo pode dar em um cereal novo.Se der tempo.

Nota do autor: Ao abandonar pelo espaço aquilo que chamou de Paulo Coelho, o Nada só nãosabia que estava inventando mais uma coisa tremenda: a literatura esotérica de auto-ajuda. É que o talsujeito, depois de vagar pelo universo por milênios infindos, se radicou num planeta chamado Terra e,por incrível que pareça, se tornou Best-Seller. Alguém definitivamente achou bom.

Gênesis: Tudo do Nada De Yuri Amorim

As meninas deslizamsinuosas, soturnas,

seus corpos franzinosna navalha do destino,

o meio-fio do colarda princesinha do mar.

Entre mesas apinhadastulipas alouradaslimões açucaradosflanam as meninas

olhos gulosos, arregalados,nos petiscos variados.

Tão nuas e famintas,gafanhotos perdidosdesvalidas na vida,

o imaginário inibido,choram por comida,

não sonham com vestidos.

Empurradas esfaimadas,pra fora da calçada

lá está a vilania, não a pé,negocia, disfarçada,

a troca de ingênuos aromaspor sanduíche e picolé.

No caminho aprendido,serpentes de pobre luxúria

anjos ou demônios anêmicosembalsamados de cola, não choram

levantam cotos de saias,trejeitam, deitam e rolam.

Vão perpassando pela infânciapobres de serem crianças,

mosquinhas drosófilas fatigadas,em bananas estragadas.

Cecília choraria copiosas gotas,

Sueli Rios

Cantiga das meninas das calçadas

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Traduzindo para a televisãoEntrevista por Marilena Moraes

SABRINA MARTINEZ é sócia-fundadora da Gemini Vídeo, empresa responsável pela tradu-ção de grande parte das séries e programas a que assistimos na tv a cabo. Professora de Traduçãopara Legendagem na PUC-Rio, achou um tempo no atarefado período que antecede a defesa de suadissertação de mestrado para conversar com o plástico bolha

Qual a sua formação? Você faz outro tipo de tradução,além da legendagem para televisão? Qual?

Eu me formei em Comunicação Social (Jornalismo) pela PUCem 1992. Depois, fiz o curso de Formação de Tradutorespela CCE (2 anos). Em 2002, fiz a Especialização em Traduçãona PUC e agora estou finalizando o Mestrado em Tradução,também na PUC. Eu me apaixonei pela tradução ainda nafaculdade de Jornalismo, depois de cursar o quinto períodona Universidade de Missouri através de um intercâmbiopromovido pela PUC. No sétimo período, quando eu eraestagiária do Jornal da PUC, fui cobrir uma palestra com aMonika Pecegueiro do Amaral. Ela falava sobre a traduçãopara legendas com tanto entusiasmo que me contagiou.Naquele momento eu percebi que também queria trabalharcom legendas e, assim que me formei, me inscrevi no cursode Formação de Tradutores. Meu primeiro emprego emtradução já foi com legendagem. Assim que terminei aformação, passei no teste da Globosat. Portanto, sempretrabalhei com legendagem para a TV.

Quais as principais diferenças entre a tradução de cinemae a de televisão?

As principais diferenças são técnicas. Por exemplo,enquanto na tradução para a televisão a unidade dereferência básica é o segundo, no cinema, a unidade básicaé o pé de película. Um segundo de um programa de TVgravado no formato NTSC possui cerca de 30 frames (ouquadros), enquanto um pé de película contém 16 quadros.Os legendadores precisam saber essas coisas para fazer ocálculo de caracteres por segundo (ou pés de película), oque tanto no cinema quanto na TV fica por volta de 15caracteres por segundo. Essa é a velocidade média na qualuma pessoa adulta consegue ler uma legenda. Há algumasoutras diferenças técnicas e de padrões em função dasdimensões das telas, mas, no geral, o trabalho é o mesmo.Há um fator complicador na tradução para cinema. Muitasvezes, o tradutor recebe apenas o script original para traduzir.Ele não tem o auxílio das imagens para a tradução, o quedificulta imensamente o seu trabalho. Ou seja, enquanto ooriginal nesse caso é o script impresso, no caso dalegendagem para TV, o original é sempre o arquivo deimagens.

Quais as principais qualidades do bom tradutor delegendas? Que formação precisa ter, além de conhecer osprogramas de computação utilizados? Um bom tradutorde textos pode ser, automaticamente, um bom tradutor delegendas?

Vou começar pela última pergunta. Não. Um bom tradutorde textos não necessariamente se adapta automaticamenteà legendagem. Isso acontece principalmente por causa donível extremo de resumo exigido pela tradução paralegendas. Enquanto que na tradução de textos pode-serecorrer a notas do tradutor e a traduções explicativas, nalegendagem as coerções espaço-temporais impedem isso,o que faz com que muitos tradutores de textos não seacostumem à tradução para legendas. Quanto às qualidadesde um bom legendador, é importante que ele tenha formação

em Letras ou áreas afins e que conheça intimamente oportuguês e seus diferentes registros, assim como, é claro,a língua da qual traduzirá. É vital que ele tenha um ótimoouvido, poder de síntese e que seja ágil, pois os prazos domercado de tradução para TV são em geral muito curtos.

O profissional tem de ser eclético e aceitar trabalhos sobreassuntos diversos?

Se ele for, melhor para ele. Nos últimos anos, a TV porassinatura foi inundada de programas sobre culinária, porexemplo. Na minha empresa, temos muita dificuldade deencontrar tradutores versados em culinária que aceitemtraduzir uma série dessas. O mercado precisa de tradutoresde culinária! E também de tradutores com familiaridade comgames, por exemplo. Esse é outro assunto do qual todotradutor foge. Hoje em dia, um legendador que entenda degames e de cozinha é disputadíssimo pelo mercado.

Sendo o Brasil um grande consumidor de programasestrangeiros, que requerem legenda, o mercado só tendea crescer? Quais os principais softwares utilizados?

Sim, a tendência do mercado é crescer, principalmente coma popularização do DVD, que comporta versões legendadasem até 32 línguas de um mesmo filme. Ou seja, até 32tradutores podem participar da legendagem de um mesmofilme! No Brasil, os softwares mais usados hoje são o Horsee o Subtitle Workshop, que pode ser baixado gratuitamentepela internet.

A quem o profissional recorre se tem de legendar um filmesobre um grupo específico, com um dialeto próprio? Eledeve formar glossários? Quais as melhores fontes?

Os glossários sempre auxiliam o tradutor, assim como osconsultores para assuntos específicos. Mas a internet ésem dúvida a melhor fonte de pesquisa e auxílio ao tradutor.Sabendo como e onde pesquisar, encontra-se praticamentede tudo na internet, inclusive dicionários de gírias e dialetosmuito bons.

Há legendas feitas em português no exterior para consumono Brasil. São sempre ruins, feitas por amadores?

Alguns canais de TV por assinatura legendam seusprogramas no exterior, sim, mas recentemente, devidoprincipalmente às reclamações constantes na imprensa,temos notado um esforço por parte desses canais deconcentrar a legendagem de seus programas para consumono Brasil aqui mesmo. Essa é uma providência recente.Vamos ver se vai dar resultado.

O tradutor tem de ser humilde e não meter a colher nooriginal? Como ele faz no caso de canções e poesias?

Esse é um assunto polêmico e que depende muito do tipode tradução, do público-alvo e das exigências do cliente.Generalizações são sempre perigosas. No caso dalegendagem, é praticamente impossível não meter a colher,devido ao nível de resumo exigido nesse tipo de tradução.

Para canções e poesias, por exemplo, a maioria dosclientes pede que o tradutor priorize o conteúdo, e nãoa forma. Ou seja, o importante não é quebrar a cabeçabuscando uma rima ou tentando manter a métrica dooriginal, mas tentar passar o conteúdo da mensagempresente no original. Se essa mesma pergunta fossedirigida a um tradutor para dublagem, a resposta seriacompletamente diferente.

Quais as principais dificuldades do profissional delegendagem no Brasil?

Não existem cursos de formação de legendadores, o que,a meu ver, é um problema. O mercado ainda é bastanteamador. Existem cursos e oficinas de treinamento, maseles costumam ser rápidos, de poucas horas de duração,e a legendagem é um tipo de tradução tão peculiar, tãoespecífico e que exige o desenvolvimento de tantashabilidades, que, na minha opinião, apenas um cursoextenso de formação seria capaz de realmente suprir omercado de profissionais bem-preparados. No Brasil,uma das poucas universidades que oferecem umadisciplina de Tradução para Legendagem na graduaçãoé a PUC. Acho que é assim que a formação do legendadordeve começar, na universidade.

Qual o seu conselho para quem está interessado emtraduzir legendas?

Observar as legendas da TV e do cinema, tendo sempreem mente que as coerções de espaço e tempo exigemque o legendador sintetize em pelo menos 30% ooriginal. Sabendo isso, fica mais fácil entender por quemuitas vezes os tradutores usam o recurso da paráfraseou deixam tantas informações de fora das legendas.Quem tem interesse em traduzir para legendas deveprocurar desenvolver as habilidades que já mencionei,como agilidade com o computador, poder de síntese,redação, ouvido, etc., além das competências exigidasde todo tradutor, é claro.

Fundada em 2000, a Gemini Vídeo oferece curso de treinamentode 40h para novos profissionais, através de seu centro deformação em legendagem. Os interessados podem fazer contatopelo e-mail [email protected]

M.

Brit

o

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8

Yuri Guriskch no saguão de um hotel em

Moscou.

- Como você teve acesso a esse

material?

- Eu sou muito próxima de várias

pessoas lá dentro. Tenho influências no projeto.

- Isso não explica o fato de você ter

tido acesso a esse tipo de material.

- O que você queria que eu fizesse?

Recusasse? Dissesse que não estava interessada

neste tipo de informação? – Fala nervosa em

um tom de voz mais elevado, beirando o choro.

- Se acalme, alguém pode prestar

atenção em nós.

- Desculpe...

- Algo me diz que não foram apenas as

fotos que a levaram a marcar esse encontro. Tem

algo mais a dizer?

- Não... ...Quer dizer... ...Tenho sim...

- Então diga logo, cada segundo que

passa é um segundo a menos.

- É sobre algo que uma fonte do projeto

me informou. E diz respeito a você.

- Como assim? – pergunta espantada.

- É algo pessoal, mas, como sou sua

amiga, me senti na obrigação de...

São interrompidas pela garçonete

deixando o capuccino na mesa. A garçonete se

afasta e a conversa continua:

- Andrezza Pascuoletto, ou a senhora

vai direto ao ponto ou eu sou capaz de perder

a cabeça!

- Mary, eu vim aqui para conversar, para

saber se você esta precisando conversar...

- Sobre o quê!?!?

- Sobre... sobre....

- Sobre?????

- Sobre o que ocorreu no Kentucky...

Mas sinta-se à vontade, eu não quero forçar na....

– é interrompida pelo olhar de Mary Blaigdfield

piscando incessantemente. Nos últimos

momentos em que ainda pôde, ela balbuciou:

- Eu... não quero... falar... sobre o

Kentucky.

É, naquele dia o café estava bem

diferente mesmo, mas na verdade ninguém mais

parou para prestar atenção nisso depois do

show de horrores de Mary Blaigdfield.

Convulsões, gritos de dor, histeria, tremedeiras,

soluços. Dessa vez ela chegou a urinar nas calças

em meio à tremedeira. Andrezza, assustada, se

aproximou para ajudar.

Brewewreerr.

O grupo de turistas ficou horrorizado

quando Andrezza Pascuoletto passou toda

engosmentada de preto ao lado deles. Realmente

o fedor era horrível.

Contos de Mary Blaigdfield – A mulher que não queria falar sobre o Kentucky

Ela é Mary Blaigdfield

e ela não quer falar sobre o Kentucky.

O Café estava mais cheio naquela manhã,

disso ela tinha certeza. E o clima do lugar estava

diferente também. Uma atmosfera estranha no

ar, pessoas que nunca havia visto ali, garçonetes

novas. Tudo muito estranho, como um sinal de

que algo de ruim estava prestes a acontecer.

Ela caminhou por entre as mesas até

chegar no seu cantinho preferido, sua mesa de

sempre, e se deparar com uns estrangeiros ali

sentados. Maldita imigração, maldita globalização

– pensou, nervosa. Caminhou até o outro canto

do Café e sentou-se em uma mesa qualquer.

Por que o clima havia de estar diferente

logo hoje? Justamente hoje, quando ela havia

marcado um encontro tão importante naquele

local, sempre tão pacato.

Sentou no banco de couro vermelho e

chegou bem perto do vidro da janela. Sempre

gostou desse cantinho, desde pequena. Até hoje

se lembra das brigas com o irmão quando os

pais os levavam à lanchonete. Uma eterna luta

pelo cantinho sem saídas e sem entradas, onde

ela estaria segura e isolada. Vivendo no seu

próprio mundo.

Pediu um café bem forte para a

garçonete e começou a se distrair olhando os

carros passarem na rua. Carros de todas as cores,

todos os tipos. Tantos carros, e ela não sabia

nada sobre carros. Mas nem por isso deixava

de se distrair vendo os carros passarem.

- Mary Blaigdfield!

Mary é sugada de volta ao mundo real

assim que se deu conta de que alguém gritará

seu nome. Era quem ela estava esperando.

- Andrezza Pascuoletto!

- Quanto tempo!

- É, faz muito tempo realmente.

- O seu cabelo está diferente.

- É, eu cortei.

- Ficou ótimo.

- Obrigada. Sente-se.

Andrezza Pascuoletto senta-se no banco

em frente ao dela e também se arrasta até o

cantinho, deixando a bolsa e a pasta do seu lado.

- Este lugar é sempre assim?

- Não, hoje está diferente, mais cheio. –

respondeu Mary olhando ao redor – Mas,

Andrezza, nós não combinamos de nos

encontrar aqui para analisar o movimento da

casa. O que você tem para me mostrar?

Andrezza tira a pasta do banco e a

coloca no colo. Começa a procurar algo. É

interrompida pela garçonete trazendo o café de

Mary. Pede um capuccino, e continua a procurar

até tirar de dentro da pasta um envelope pardo,

que coloca na mesa.

- O que é isso? – pergunta Mary,

enquanto adoça o seu café.

- Fotos. Fotos mostrando o momento

em que Larie Boferman aceita dez milhões de

De Lucas Viriato

Notas Cáusticaspor Rodrigo N. C.

Certas pessoas são tão relevantes quanto ummosquito. Mas nem todas são assim tão relevantes; há asque são menos — e é preciso que se lhes diga isso nacara, do contrário, andam por aí diminuindo os mosquitos,que já são pequenos.

(Eis por que teve início a rixa entre essas duasespécies, muito antes do nascimento do próprio Creso.Foram os homens os primeiros a ofender a outra parte,uma vez que, em sua arrogância, diminuíram-na; e a outraparte, que era a dos mosquitos, que considerava adiminuição um ataque ao seu direito de existir, declarouguerra aos homens. E então, as picadas, o inseticida, omata-mosquito, a dengue, o jornal dobrado, a leishmaniosee... O resto está nas crônicas antigas, quem quiser que asvá ler.).

Pois bem, foi levando em conta esses fatoshistóricos que, certa vez, não faz muito tempo, eu nãodisse nada a um passante que passeava bem na minhafrente, que nem um mosquito, mas pior do que ummosquito pelas razões que eu já referi. Não lhe disse nada,porque não o diria sequer a uma mosca, quanto mais auma pessoa. O passante, notando isso, me perguntou:

— Por que é que você tá me tratando que nemmosquito?

E, novamente, não lhe disse nada; porque ele nãoera mosquito, era gente; porque, ainda que ele fosse umaporcaria de um mosquito, eu não ia responder, porquemosquitos não falam, nem entendem; e porque osmosquitos merecem mais respeito do que ele, ainda quenão falem, nem entendam. E porque... Ah!

— Te peguei, bandido! — foi o que eu disse, edei com o jornal bem no meio do nariz dele.

Mosquito

Sim, ela quis acreditarQue o tempo podia pararEnquanto o marido pagarSeu rosto não vai enrugar

A toda hora um repuxarSem medo de a cara entortarDe tanta injeção de botoxNão passa de mero xerox

Khrónos

Marilena Moraes