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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X PODER JUDICIÁRIO E LEI MARIA PENHA: TRADUÇÕES E CONTRADIÇÕES Tatyane Guimarães Oliveira 1 Resumo: A atuação dos movimentos de mulheres no combate à violência doméstica e o contexto histórico que envolve a aprovação da Lei Maria da Penha trouxeram visibilidade à questão e colocaram o Poder Judiciário no centro da política de enfrentamento. Diante deste destaque, este tem adotado discursos oficiais de defesa dos direitos humanos das mulheres e das políticas de proteção no âmbito da violência doméstica. Todavia, os discursos adotados pelo Poder Judiciário têm sido contraditórios em relação às práticas judiciais no âmbito da aplicação da Lei Maria da Penha, mostrando a tradução das demandas feministas por parte do sistema de justiça e a ausência de vontade política para essa proteção. A resistência do Poder Judiciário às perspectivas feministas impostas ao ordenamento jurídico pela Lei Maria da Penha se dá desde a formação do consórcio de ongs feministas que impulsionaram sua propositura e ainda caracteriza as práticas e entendimentos acerca de sua aplicação. Nesse sentido, o presente trabalho pretende realizar reflexões acerca das contradições entre os discursos oficiais do Poder Judiciário e as denúncias dos movimentos feministas e organizações não governamentais relacionadas à sua atuação, contextualizando-as no histórico processo de resistência do Poder Judiciário à perspectiva feminista da lei desde suas primeiras formulações. Palavras-chave: Poder Judiciário. Lei Maria da Penha. Feminismo. No ano de 2006 foi aprovada no Brasil a lei 11.340. A lei Maria da Penha, como é conhecida, trouxe impactos significativos no campo jurídico, social e político em face das novas perspectivas que são impostas à sociedade e aos poderes públicos no que se refere à violência doméstica e familiar contra as mulheres. A atuação dos movimentos de mulheres no combate à violência doméstica e o contexto histórico que envolve a aprovação da Lei trouxeram visibilidade à questão e colocaram o Poder Judiciário no centro da política de enfrentamento. Diante deste destaque, este tem adotado discursos oficiais de defesa dos direitos humanos das mulheres e das políticas de proteção no âmbito da violência doméstica. Todavia, os discursos adotados pelo Poder Judiciário têm sido contraditórios em relação às práticas judiciais no âmbito da aplicação da Lei Maria da Penha, mostrando a tradução das demandas feministas por parte do sistema de justiça e a ausência de vontade política para essa proteção. Nesse sentido, o presente trabalho 2 pretende realizar reflexões acerca das contradições entre os discursos oficiais do Poder Judiciário e as denúncias dos movimentos feministas e organizações não governamentais 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos, Salvador/BA/Brasil. 2 O presente trabalho apresenta alguns dados preliminares da minha pesquisa em sede de doutorado e ainda em desenvolvimento. O campo de pesquisa e dados utilizados se referem ao Poder Judiciário do Estado da Paraíba.

PODER JUDICIÁRIO E LEI MARIA PENHA: TRADUÇÕES E … · da República ajuizaram, respectivamente, Ação Declaratória de Constitucionalidade ... Estudos, Pesquisa, Informação,

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

PODER JUDICIÁRIO E LEI MARIA PENHA: TRADUÇÕES E CONTRADIÇÕES

Tatyane Guimarães Oliveira1

Resumo: A atuação dos movimentos de mulheres no combate à violência doméstica e o contexto

histórico que envolve a aprovação da Lei Maria da Penha trouxeram visibilidade à questão e

colocaram o Poder Judiciário no centro da política de enfrentamento. Diante deste destaque, este

tem adotado discursos oficiais de defesa dos direitos humanos das mulheres e das políticas de

proteção no âmbito da violência doméstica. Todavia, os discursos adotados pelo Poder Judiciário

têm sido contraditórios em relação às práticas judiciais no âmbito da aplicação da Lei Maria da

Penha, mostrando a tradução das demandas feministas por parte do sistema de justiça e a ausência

de vontade política para essa proteção. A resistência do Poder Judiciário às perspectivas feministas

impostas ao ordenamento jurídico pela Lei Maria da Penha se dá desde a formação do consórcio de

ongs feministas que impulsionaram sua propositura e ainda caracteriza as práticas e entendimentos

acerca de sua aplicação. Nesse sentido, o presente trabalho pretende realizar reflexões acerca das

contradições entre os discursos oficiais do Poder Judiciário e as denúncias dos movimentos

feministas e organizações não governamentais relacionadas à sua atuação, contextualizando-as no

histórico processo de resistência do Poder Judiciário à perspectiva feminista da lei desde suas

primeiras formulações.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Lei Maria da Penha. Feminismo.

No ano de 2006 foi aprovada no Brasil a lei 11.340. A lei Maria da Penha, como é

conhecida, trouxe impactos significativos no campo jurídico, social e político em face das novas

perspectivas que são impostas à sociedade e aos poderes públicos no que se refere à violência

doméstica e familiar contra as mulheres. A atuação dos movimentos de mulheres no combate à

violência doméstica e o contexto histórico que envolve a aprovação da Lei trouxeram visibilidade à

questão e colocaram o Poder Judiciário no centro da política de enfrentamento.

Diante deste destaque, este tem adotado discursos oficiais de defesa dos direitos humanos

das mulheres e das políticas de proteção no âmbito da violência doméstica. Todavia, os discursos

adotados pelo Poder Judiciário têm sido contraditórios em relação às práticas judiciais no âmbito da

aplicação da Lei Maria da Penha, mostrando a tradução das demandas feministas por parte do

sistema de justiça e a ausência de vontade política para essa proteção. Nesse sentido, o presente

trabalho2 pretende realizar reflexões acerca das contradições entre os discursos oficiais do Poder

Judiciário e as denúncias dos movimentos feministas e organizações não governamentais

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e

Feminismos, Salvador/BA/Brasil. 2 O presente trabalho apresenta alguns dados preliminares da minha pesquisa em sede de doutorado e ainda em

desenvolvimento. O campo de pesquisa e dados utilizados se referem ao Poder Judiciário do Estado da Paraíba.

2

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relacionadas à sua atuação, contextualizando-as no histórico processo de resistência do Poder

Judiciário à perspectiva feminista da lei desde suas primeiras formulações.

A inserção da Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico brasileiro é fruto de um

processo histórico de atuação dos movimentos feministas no combate à violência doméstica e

familiar contra as mulheres que tem pautado questões que se traduzem nos questionamentos acerca

da naturalização das diferenças construídas socialmente entre homens e mulheres e que as tem

mantido em situação de desigualdade. Várias foram/são as estratégias utilizadas pelas mulheres no

âmbito do combate à violência doméstica; e essas estratégias têm se desenvolvido junto aos

diferentes períodos históricos no Brasil, na medida dos avanços ou retrocessos que podem ser

observados nesses períodos.

Situada no período de contestação às forças militares que assaltaram o país, é a na década

de 1970, com o crescente processo de autonomia dos movimentos feministas no Brasil, que estes

passam a atuar na visibilização e politização da violência com base nas ideologias de gênero

(TAVARES; SARDENBERG; GOMES, 2014; COSTA, 2005). Essa atuação se pautou

especialmente por uma intensa crítica às legislações sexistas e à atuação do Poder Judiciário,

marcadamente nos julgamentos de mulheres assassinadas e nas argumentações de legítima defesa

da honra comumente utilizadas pelas defesas dos agressores e aceitas pelos/as magistrados/as no

Brasil, em que “evidenciou-se não só a violência contra a mulher como a conivência da sociedade e

das autoridades constituídas, policiais e judiciárias, em relação a esse tipo de crime” (TELES, 1993,

132).

Junto a essas contestações e reflexões acerca do tratamento dado pelo Poder Público às

mulheres em situação de violência doméstica, os movimentos feministas e de mulheres atuaram

propositivamente no sentido de incidir politicamente nos espaços de decisão e de monitoramento de

políticas públicas, assim como diretamente no atendimento às mulheres, como no caso dos SOS-

Mulher, criados com o objetivo de atender mulheres vítimas de violência por meio de um serviço de

voluntárias que incluía psicólogas e advogadas (DINIZ, 2014. p.17).

Na incidência política, a criação dos primeiros conselhos de direito das mulheres, como o

Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF), criado em 1983, em São Paulo, cujas propostas

de ação já apontavam para intensas reflexões acerca dos delineamentos de uma política pública de

combate à violência doméstica, como a adotada na Lei Maria da Penha:

1) maior politização da violência contra mulheres, coordenação de campanhas educacionais

e conscientização das mulheres sobre o problema; 2) criação de casas abrigo e de novas

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instituições para fornecer atendimento jurídico e psicológico às vítimas da violência

doméstica e sexual; 3) mudanças nas instituições jurídicas e policiais, como a capacitação

dos policiais numa perspectiva anti-machista, bem como a contratação de assistentes sociais

em cada delegacia de polícia; 4) reformulação da legislação machista; 5) fomento de

pesquisas sobre violência contra as mulheres; e 6) incorporação das preocupações dos

movimentos de mulheres na agenda das políticas públicas (SANTOS, 2008, p. 7).

Junto a essas propostas que acabam por culminar em conquistas importantes, a exemplo da

criação das delegacias especializadas de atendimento às mulheres em situação de violência, na

década de 1980 e, a reforma de algumas legislações, também se insurgia a necessidade de uma

abordagem interdisciplinar no acompanhamento dos casos de violência doméstica e familiar, que

reconhecesse as peculiaridades desse tipo de violência, fornecendo respostas efetivas no campo da

prevenção, assistência e proteção às mulheres.

No processo de busca por uma legislação que desse respostas efetivas diante da

complexidade desse tipo de violência, as críticas dos movimentos feministas no Brasil se voltaram

para o questionamento da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que instituiu os Juizados Especiais

Criminais – JECrims e, que traziam para sua incidência atos que envolviam a violência doméstica e

familiar e, acabavam por tratá-los como infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo,

permitindo a conciliação e o pagamento de cestas básicas, por exemplo.

Esse tratamento feria diretamente a concepção e o reconhecimento pelo Estado Brasileiro

da violência contra a mulher como uma violação de direitos humanos e, nesse sentido, Santos

(2010) destaca que havia fortes impactos para as políticas públicas de combate à violência

doméstica contra a mulher, pois este ressignificava as penas e os crimes dessa natureza de forma a

descriminalizar a violência contra as mulheres, promovendo a trivialização, reprivatização e

invisibilização das relações de poder que a marcam.

Essas críticas se inserem num campo histórico e político que influencia profundamente as

ações de combate à violência doméstica e familiar, pois são estas que forjam as ações e reflexões

que acompanham o processo de construção e aprovação da lei Maria da Penha e que acabam por ter

reflexos na forma como esta tem sido aplicada.

Desde o início das articulações para a elaboração do anteprojeto de lei que deu origem à Lei

Maria da Penha podemos situar as resistências políticas, especialmente do Poder Judiciário, às

perspectivas feministas que foram apontadas acima. Moldado com bases em ideologias liberais,

escravocratas, androcêntricas e punitivistas, o Poder Judiciário Brasileiro, desde o início desses

debates, tem rejeitado as perspectivas feministas sobre a violência doméstica e familiar e as novas

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dinâmicas que caracterizam sua atuação e o processo judicial, marcados por uma abordagem

multidisciplinar, assistencial, preventiva e em rede (CALAZANS; CORTES, 2011).

No processo inicial de construção do projeto de lei, após a formação do consórcio3, foi

criado um Grupo de Trabalho Interministerial – GTI, com ampla participação da sociedade civil,

que contou com a participação de instituições, movimento e organizações4, assim como de um

grupo de juízes integrante do Fórum Nacional de Juizados Especiais – FONAJE (CALAZANS;

CORTES, 2011).

Os embates e divergências entre o movimento feminista e os juízes do FONAJE permearam

o processo de aprovação da lei Maria da Penha. Como nos mostra LAVIGNE (2011, 2009), os

juízes do FONAJE não concordavam com a retirada dos casos de violência doméstica e familiar do

campo de atuação dos JeCrim´s e argumentavam que bastariam algumas modificações no texto da

lei 9.099/1995 para que esta fosse aperfeiçoada e se tornasse mais efetiva para situações que

envolvessem violência doméstica. Os juízes do FONAJE participaram ativamente de articulações

políticas para a permanência dos casos de violência doméstica sob égide da lei 9.099/1995, mas não

obtiveram êxito na incidência política que fizeram junto ao Congresso Nacional.

Todavia, após sua aprovação, não demorou muito para que os juízes iniciassem um

processo de resistência à Lei Maria da Penha. Sentenças e opiniões acerca da LMP ganharam

espaço na mídia nacional. Já em 2007, o juiz Edilson Rodrigues, à época titular da 1ª Vara Criminal

e Juizado da Infância e Juventude de Sete Lagoas (MG), proferiu várias decisões judiciais negando

medidas protetivas para mulheres declarando a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha

(FREITAS, 2014). Ainda no mesmo ano, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

declarou a inconstitucionalidade da LMP por considerar que esta viola o princípio da igualdade

previsto na Constituição Federal Brasileira (TJ/MS, 2014).

Em contraponto a essas interpretações, a Presidência da República e a Procuradoria Geral

da República ajuizaram, respectivamente, Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 19) e

3 O movimento feminista formou em 2002 um consórcio de organizações com a finalidade de elaborar o

anteprojeto de lei para uma política pública de enfrentamento da violência contra a mulher. Este foi constituído pelas

ongs CFEMEA – Centro Feminista de Estudos Assessoria; THEMIS – Assessoria Jurídica; CEPIA – Cidadania,

Estudos, Pesquisa, Informação, Ação e Estudos de Gênero; ADVOCACI – Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos;

AGENDE – Ações em Gênero Cidadania e Desenvolvimento e CLADEM – Comitê Latino-americano e do Caribe para

a Defesa dos Direitos da Mulher. 4 Foram convidados para participar de reuniões ou convocados para oitivas alguns grupos, como a Articulação

de Mulheres Brasileiras (AMB), Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos,

representações de mulheres indígenas e negras, representantes da Magistratura, da Segurança Pública, do Ministério

Público e da Defensoria Pública (CALAZANS E CORTES, 2011, p. 45).

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Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424) com propostas de afastar as alegações de

inconstitucionalidade da lei e de garantir a não aplicação da lei 9.099/95.

Ainda assim, em 2012, foi instalada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI,

com fins de investigação sobre a situação da violência contra a mulher no Brasil e apuração de

denúncias relacionadas à omissão por parte do poder público com relação à aplicação da Lei Maria

da Penha e dos instrumentos jurídicos para proteger as mulheres em situação de violência

(BRASIL, 2014). Foram constatados sérios problemas relacionados à aplicação da LMP pelo Poder

Judiciário, segundo o relatório:

Após inspeção em quase todo o País, constatamos que ela [Lei Maria da Penha] ainda não é

plenamente aplicada no Brasil: em algumas capitais e, sobretudo, no interior, os operadores

jurídicos continuam aplicando a lei conforme lhes convém, fazendo uso de instrumentos

ultrapassados e já proibidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como os institutos

despenalizadores da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, entre os quais se destaca a

suspensão condicional do processo (BRASIL, 2014, p. 10).

Percebe-se que o Poder Judiciário tem resistido à Lei Maria da Penha, o que aponta para

reflexões importantes, especialmente acerca das práticas judiciais e as ideologias que as permeiam,

pois, as resistências daquele às perspectivas feministas revelam sua posição política e ideológica

não neutra e o tipo de comprometimento com que se alinha. A atuação do movimento feminista

brasileiro e o conteúdo da lei Maria da Penha mostram a percussão da inserção nas estruturas do

direito de uma visão feminista no que se refere à proteção de mulheres em situação de violência. O

processo de incidência política do movimento implicou diretamente em um choque nas ideologias

androcêntricas do direito.

Todavia, é possível vislumbrar uma “contradição” entre as práticas acima relatadas e os

discursos que o Poder Judiciário vem adotando oficialmente em defesa da lei Maria da Penha.

Diversos fatores contribuíram para a visibilidade da lei e os olhares se concentraram nas instituições

de aplicação da lei, o que resultou em novos espaços de articulação em torno da aplicação da lei,

como os programas e ações sobre violência doméstica e a lei Maria da Penha do Conselho Nacional

de Justiça que tem realizado o controle das ações dos Tribunais de Justiça nesse campo.

Como já firmado, com a publicização da referida lei, o Poder Judiciário tem atuado de forma

a visibilizar algumas ações, o que consideramos, na hipótese aqui proposta, contraditórias em

relação à efetiva atuação da instituição em relação à proteção das mulheres. Um monitoramento das

atividades do Poder Judiciário por meio do levantamento e análise de notícias que estão veiculadas

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nas páginas oficiais dos Tribunais de Justiça no país sobre a promoção de ações relativas à lei

mostra que o Poder Judiciário tem publicizado compromissos de combate à violência doméstica.

Os dados utilizados neste trabalho foram colhidos durante a realização da minha pesquisa de

doutorado, ainda em andamento. Aqui proponho uma análise preliminar das notícias veiculadas

pelo Poder Judiciário, especificamente o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em confronto

com as práticas desse tribunal, identificadas e sistematizadas após dois anos de observação

participante na Rede Estadual de Atenção às Mulheres, Crianças e Adolescentes em Situação de

Violência – REAMCAV (Paraíba).

Durante a realização da observação participante na REAMCAV, foi constituída uma

comissão com fins de discutir a situação do Juizado Especializado de Combate à Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher de João Pessoa e produzir um relatório. Foram realizadas

diversas reuniões para a produção do relatório, que foi construído a partir das denúncias e

avaliações das instituições que compõem a rede.

O relatório5 contém dados importantes para a análise das práticas judiciais e que não são de

fácil visualização, tendo em vista serem questões que ocorrem em geral no cotidiano da prática

judicial. Para além de questões relacionadas à falta de investimentos e recursos humanos por parte

do Poder Judiciário, o que por si já indica contradições em relação aos discursos de dedicação e

empenho do Poder Judiciário em combate à violência doméstica, foram identificadas situações que

comprometem o trabalho cotidiano de proteção e assistência às mulheres.

Dentre as denúncias constantes do relatório destacam-se: retardo na tramitação de processos,

em especial de réus presos; números reduzidos de audiências por semana, considerando o

expressivo número de processos em tramitação em torno de 9 (nove) mil e a atuação de apenas uma

juíza; adoção dos mutirões judiciais como regra para o andamento dos processos; reduzido número

de sentenças terminativas de mérito, visto que a maioria das sentenças é de extinção da punibilidade

por prescrição, decadência ou retratação da representação criminal; quadro reduzido de

serventuários; condições inadequadas de trabalho e atendimento às mulheres e ao público; ausência

de acessibilidade; comprometimento do caráter assistencial da lei, tendo em vista a não realização

de acompanhamento sistemático das mulheres em situação de violência doméstica e familiar pela

equipe multidisciplinar; concessão de medidas protetivas com prazo de validade de 180 dias, o que

tem submetido as mulheres à revitimização e a um jogo burocrático de solicitação de renovação das

5 O relatório foi elaborado no final do ano de 2015.

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medidas que se torna desnecessário sob o ponto de vista da eficiência e da economia processual; e a

demora de cerca de 40 dias para a intimação dos agressores sobre as medidas protetivas concedidas.

Ao tempo em que os dados sobre as práticas do Poder Judiciário eram sistematizados,

realizei um monitoramento das atividades do Poder Judiciário por meio do levantamento e análise

de notícias que estão veiculadas no site do Tribunal de Justiça da Paraíba sobre a promoção de

ações relativas à lei. Levantei cerca de 54 (cinquenta e quatro) notícias que foram publicadas entre

os anos de 2012 e 2016, todas ressaltando positivamente a participação da magistrada responsável

pelo Juizado Especializado de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de João

Pessoa - JVDFM em eventos sobre o tema da violência doméstica, assim como as atividades do

projeto “Justiça em seu Bairro – Mulher merece respeito”6, que realiza palestras sobre a lei na

cidade de João Pessoa, dentre outras em tom positivo.

Tratam-se, nitidamente, de notícias oficiais, portanto, que tendem a divulgar ações e

promover as atividades das instituições de forma positiva, como um “retorno” para sociedade acerca

do efetivo exercício das suas funções. Todavia, essas notícias positivas, interessam do ponto de

vista acadêmico e político, pois, ao serem veiculadas pelo Poder Judiciário, tendem a “substituir”

outras formas de controle social tendo em vista seu caráter hermético e resistente à participação

democrática, o que só pode ser percebido a partir da identificação de questões relacionadas ao

cotidiano das práticas judiciais.

Em geral, o Poder Judiciário está envolto em ideias que reduzem a amplitude de seu papel

no campo das políticas públicas. É comumente compreendido como um Poder que tem como

principal obrigação emitir decisões com base na lei, acerca dos conflitos que são levados a ele por

parte da sociedade. Essa perspectiva mostra a visão reducionista que se tem da função jurisdicional

e do poder político do Judiciário e as implicações que envolvem a decisão judicial.

Precisamos compreender o Poder Judiciário como um espaço não só de importância para

execução de políticas públicas, na medida em que este tem o dever/poder de determinar que estas

sejam devidamente executadas pelo Poder Executivo, mas também o papel de executá-las, uma vez

que, como poder político do Estado, atua diretamente na concretização dos direitos sociais (REIS,

2010) a partir de decisões que, ao contrário do que é associado à sua função, nada mais são do que

posicionamentos políticos, portanto, não neutros.

O Poder Judiciário passa a integrar uma rede complexa e dele passam a ser demandados

resultados e ações que antes, apesar de esperados, não eram visibilizados. Percebe-se que com a

6 Projeto que a REAMCAV analisa positivamente.

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aprovação da Lei Maria da Penha se torna um espaço estratégico de diálogo para a implementação

da política; sua posição central no âmbito das ações de prevenção, assistência e proteção ressalta

seu papel político e a necessidade de monitoramento de suas ações.

Todavia, essa compreensão, presente na perspectiva feminista, impõe ao Poder Judiciário

uma atuação mais democrática e aberta, o que tem gerado resistências. É o que tem ocorrido, por

exemplo, no Estado da Paraíba. Em 2012, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI

(BRASIL, 2014), instalada para averiguar a situação da violência contra a mulher no Brasil,

solicitou ao Tribunal de Justiça da Paraíba algumas informações e não obtiveram resposta, o que

impediu “uma análise comparativa e mais profunda dos dados”.

Da mesma forma, foi o caso da pesquisa em que participei junto com a Cunhã – Coletivo

Feminista e o Observe – Observatório da Lei Maria da Penha (PAIVA; BARBOSA; OLIVEIRA,

2015) em que, dos oito serviços pesquisados, apenas o Juizado Especializado de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher de João Pessoa negou acesso e participação das

pesquisadoras. Foram realizadas várias tentativas de autorização, sendo que a última resposta foi

dada pela Presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba, alegando que: “[…] não dispõe de espaço

físico e mobiliário para acomodar, naquela Unidade Judiciária, pessoas alheias aos quadros

funcionais, e que isto constitui-se em uma espécie de controle externo, o que é inadmissível sob o

ponto de vista constitucional” (PAIVA; BARBOSA; OLIVEIRA, 2015, p. 191).

A negativa de realização da pesquisa deixa evidente que, em termos de transparência de suas

ações no que se refere à Lei Maria da Penha, há uma atitude política de rejeição às propostas de

democratização que decorrem da própria lei, pois como mostra Reis (2010a, p.94), a legislação

estabelece entre as suas diretrizes a promoção de pesquisas e estudos para a sistematização de dados

e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas (art.8 – II, LMP).

A resistência do Poder Judiciário à lei Maria da Penha e a algumas de suas perspectivas

revelam seu compromisso com pautas conservadoras e fortemente relacionadas aos marcadores

sociais de raça, classe e gênero, mas, ao mesmo tempo, esse compromisso é veemente negado a

partir das ideias de neutralidade do Poder Judiciário e do caráter técnico associado às funções da

magistratura. Como coloca Severi (2016, p. 103):

(...) a exigência pela neutralidade envolve mais do que um saber técnico: compreende um

campo complexo de disputas pela construção e manutenção de uma identidade marcada,

fortemente, por normas de gênero, raciais e de classe. Historicamente, o juiz foi homem. As

vestimentas, o timbre de voz, a postura corporal e demais elementos simbólicos enraizados

nas práticas de trabalho e nas formas de apresentação (física e estética) dos magistrados

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fazem parte de um ethos associado ao masculino. Ser neutro é quase sinônimo, portanto, de

ser homem, branco e heterossexual.

Nesse processo de desestabilização das estruturas patriarcais, a absorção por parte do Estado

e pela sociedade das perspectivas feministas será feita de forma negociada, ou seja, sem permitir

que a desestabilização se transforme em revolução. Como nos mostra Reis (2010, p. 31), percebe-se

a existência de uma interdependência entre as políticas públicas e as relações de gênero dominantes,

ou seja, o “Estado e suas políticas contribuem para configurar as relações de gênero no interior da

sociedade enquanto essas servem para configurar o tipo de Estado”.

É o que nos ajuda a entender Santos (2010, p. 154), ao se referir aos estudos de Alvarez e

refletir sobre as tendências das lutas feministas na América Latina nos anos 1990. Para a autora, a

principal tendência “foi a ‘absorção seletiva’ dos aspectos mais ‘digeríveis’ dos discursos e agendas

feministas por parte do Estado, de organizações interestaduais e agências de desenvolvimento”.

Nessa seletividade está situada a violência doméstica e familiar contra a mulher, especialmente no

campo das políticas públicas e da implementação dessas políticas com a prevalência de ideologias

centradas na preservação da família.

Na disputa da agenda feminista, por exemplo, a defesa da família ainda prevalece, a

despeito da violência sofrida pela mulher, mesmo que contraditoriamente aliada ao discurso da

recusa da violência como uma prática na família, como, por exemplo, as perspectivas de que o

rompimento que se busca é com a violência e não com o agressor. Todavia, discursos associados às

ideologias que atribuem à família o espaço por excelência da mulher, mostram-se

contraproducentes à agenda feminista. A rejeição da violência doméstica e familiar contra a mulher

é o aspecto “digerível” por parte do Estado, e mesmo assim de forma limitada, e as mudanças e

ressignificações da família tornam-se um obstáculo às concepções patriarcais que forjam e são

forjadas cotidianamente pelo Estado.

[...] além das dificuldades de implementação das leis, as feministas defrontam-se com o

desafio de imprimirem o seu ‘poder de interpretação’ na definição do domínio discursivo

em que são tomadas as decisões sobre políticas públicas (Alvarez, 1998, p. 204-205, ver

também Lind, 2005). Se a ‘absorção seletiva’ é parcial, como acentua Alvarez (1998, p.

304), trata-se igualmente de uma tradução. Como toda tradução, transforma e de alguma

maneira trai o sentido e o escopo da demanda original, ao mesmo tempo em que, sendo

parcial, visibiliza e silencia determinadas demandas, ou aspectos destas. Assim, uma das

questões que se coloca à investigação feminista ou aspectos destas, é saber se, em que

contexto e sob que condições a absorção/tradução das demandas feministas pelo Estado é

mais restrita ou ampla, traidora ou fiel; visibilizadora ou silenciadora de aspectos dos

discursos absorvidos e não absorvidos (SANTOS, 2010, p. 154).

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Nesse sentido, cabe refletir, especificamente no âmbito do Poder Judiciário, se o que este

tem feito é absorver seletivamente o sentido e o escopo da demanda original, logo, traindo-a. Como

exigir uma absorção total e integral de pautas feministas num campo de disputa forjado e formatado

por e para homens? Como fica essa possibilidade diante da inescapável e necessária criatividade

que é demandada do Poder Judiciário, como apontam Pimentel e Schritzmeyer (1998)?

E é aí que reside o grande desafio: analisar a tradução/absorção das agendas feministas pelo

Estado, especificamente pelo Poder Judiciário, diante de um campo de atuação tão subjetivo, amplo

e ao mesmo tempo hermético. Propor esse debate significa intensificar os olhares das investigações

feministas e dos movimentos feministas e de mulheres para as práticas de juízes e juízas dentro e

fora dos Juizados Especializados e desafiar as resistências do Poder Judiciário em relação ao

controle social e monitoramento de suas ações.

Referências

BRASIL. SENADO FEDERAL. Relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito

(CPMI da Mulher). Disponível em

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JUDICIARY AND MARIA DA PENHA LAW: TRANSLATIONS AND

CONTRADICTIONS

Abstract: The actions of women's movements in the fight against domestic violence and the

historical context that involves the approval of the Maria da Penha Law brought visibility to the

issue and placed the Justice System at the center of the public policy. Face this visibility, the

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Judiciary has adopted official speeches in the defense of women's human rights and publics policies

in the area of domestic violence. However, the discourses adopted by the Judiciary have been

contradictory in relation to judicial practices regarding the Maria da Penha Law, showing the

translation of feminist demands by the Justice System and the lack of political will for such

protection. The resistance of the Judiciary to the feminist perspectives imposed by the Maria da

Penha Law exists since the formation of the consortium of feminists NGOs that presented de law

project and still characterize the practices and understandings about its application. Therfore, the

present paper intends to reflect on the contradictions between the official discourses of the Judiciary

and the reports of the feminist movements and non-governmental organizations related to its

performance, contextualizing them in the historical process of resistance of the Judiciary Power to

feminists perspectives of the law since its first formulations.

Keywords: Judiciary. Maria da Penha Law. Feminism.