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Q uando Ferdinad nas- ceu, já era portador do vírus HIV. Quando os pais morreram, vítimas do HIV/ Aids, a tia Bernadette passou a cuidar dele. Ela tinha prometido à Rita, a mãe de Ferdinand, que cui- daria dele. Ferdinand se mudou para a casa da tia e se tornou um membro da família. – Eu queria dar a Ferdinand uma vida tão normal quanto fosse possí- vel. Ele ia à escola e eu o amava como se fosse meu próprio filho. Com o passar dos anos, Ferdinand foi ficando cada vez mais doente. Ele era internado com freqüência e as doses de medicamentos caros aumentavam. – Fui obrigada a vender quase tudo que possuía para mantê-lo vivo. Meu carro, o vídeo, o toca-fitas e até a torradeira elétrica, Bernadette recorda. Eles conversavam muito sobre a doença e sobre a sua mãe, Rita. Ferdinand pensa- va nela com freqüência e, às vezes, ficava muito triste. Ao mesmo tempo, sentia-se tão feliz pelo fato da tia cuidar dele, que passou a chamá-la de mãe. O menino insistia na idéia de que deveriam tentar ajudar outras crianças, cujos pais também houvessem morrido de HIV/Aids. Desta maneira, elas também teriam as mes- mas chances de sobrevivên- cia que ele tinha tido. Origem de Santa Rita Bernadette gostou muito da idéia e um dia decidiu con- tar às amigas. – Cada vez mais crianças eram deixadas sozinhas, quando os pais morriam de Aids, e muitas delas eram obrigadas a abandonar a escola, pois não tinham recursos para continuar. Muitas acabaram nas ruas de Kisumu, por não terem outra Por que as mães de Santa Rita são nomeadas? As 20 mães de Santa Rita são nomeadas ao WCPRC 2005 por sua árdua luta não remunerada, para ajudar crianças cujos pais morreram vítimas do HIV/Aids, nas aldeias da periferia de Kisumu, no Quênia. Sem o apoio que recebem, essas crianças viveriam nas ruas, envolvidas com drogas, criminalidade e prostituição. As mães lutam pelos direitos das crianças órfãs e para que tenham as mesmas possibilidades na vida que todas as crianças. Apesar de viverem, em sua grande maioria, com poucos recursos, as mães fornecem comida, roupas, tratamento médico, escola, um lar, novas famílias e amor a 43 órfãos. Nem o governo, nem qualquer outra organização, oferece qualquer tipo de apoio econômico a elas. Dunga Nanga Kapuothe Kisumu NAIRÓBI QUÊNIA Oceano Indico ETIÓPIA TANZÂNIA SOMÁLIA UGANDA SUDÃO Lago Victória NOMEADAS As Mães de Santa Rita Tudo começou com Ferdinand e sua mãe, Rita, em uma aldeia, às margens do lago Victoria, no Quênia. Ambos morreram de Aids, mas antes da morte de Ferdinand, o menino tinha sugerido que um grupo se unisse para ajudar as crianças que tivessem ficado órfãs por causa da Aids. O grupo se chamaria Mães de Santa Rita, em homenagem à sua mãe. Apesar de serem pobres, as vinte mães de Santa Rita vêm trabalhando arduamente há sete anos, para aju- dar as crianças órfãs. 12 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTO: PAUL BLOM GREN Rita Ferdinand Port 12-21_QX6 04-12-08 13.55 Sida 12

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Dunga Nanga Kapuothe Kisumu 12 Ferdinand Oceano Indico Port 12-21_QX6 04-12-08 13.55 Sida 12 Lago Victória Rita NAIRÓBI UGANDA TANZÂNIA : A N D R E AS LÖ N N F OTO SU DÃ : PAU T E XTO SOMÁLIA L B LO M G R E N ETIÓPIA O

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Quando Ferdinad nas-ceu, já era portador dovírus HIV. Quando os

pais morreram, vítimas doHIV/ Aids, a tia Bernadettepassou a cuidar dele. Elatinha prometido à Rita, amãe de Ferdinand, que cui-daria dele. Ferdinand semudou para a casa da tia e se

tornou um membro da família.

– Eu queria dar aFerdinand uma vida tãonormal quanto fosse possí-vel. Ele ia à escola e eu oamava como se fosse meupróprio filho.

Com o passar dos anos,Ferdinand foi ficando cadavez mais doente. Ele erainternado com freqüência eas doses de medicamentoscaros aumentavam.

– Fui obrigada a venderquase tudo que possuía paramantê-lo vivo. Meu carro, ovídeo, o toca-fitas e até atorradeira elétrica,Bernadette recorda.

Eles conversavam muitosobre a doença e sobre a suamãe, Rita. Ferdinand pensa-va nela com freqüência e, àsvezes, ficava muito triste. Aomesmo tempo, sentia-se tãofeliz pelo fato da tia cuidardele, que passou a chamá-lade mãe. O menino insistiana idéia de que deveriamtentar ajudar outrascrianças, cujos pais também houvessem morrido deHIV/Aids. Desta maneira,elas também teriam as mes-mas chances de sobrevivên-cia que ele tinha tido.

Origem de Santa RitaBernadette gostou muito daidéia e um dia decidiu con-tar às amigas.

– Cada vez mais criançaseram deixadas sozinhas,quando os pais morriam deAids, e muitas delas eramobrigadas a abandonar aescola, pois não tinhamrecursos para continuar.Muitas acabaram nas ruas deKisumu, por não terem outra

Por que as mães de SantaRita são nomeadas?As 20 mães de Santa Rita são nomeadas ao WCPRC2005 por sua árdua luta não remunerada, para ajudarcrianças cujos pais morreram vítimas do HIV/Aids, nas aldeias da periferia de Kisumu, no Quênia. Sem oapoio que recebem, essas crianças viveriam nas ruas,envolvidas com drogas, criminalidade e prostituição.As mães lutam pelos direitos das crianças órfãs e paraque tenham as mesmas possibilidades na vida quetodas as crianças. Apesar de viverem, em sua grandemaioria, com poucos recursos, as mães fornecemcomida, roupas, tratamento médico, escola, um lar,novas famílias e amor a 43 órfãos. Nem o governo,nem qualquer outra organização, oferece qualquer tipode apoio econômico a elas.

DungaNangaKapuothe

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NAIRÓBI

QUÊNIA

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NOMEADAS

As Mães de Santa RitaTudo começou com Ferdinand e sua mãe, Rita, em umaaldeia, às margens do lago Victoria, no Quênia. Ambosmorreram de Aids, mas antes da morte de Ferdinand, omenino tinha sugerido que um grupo se unisse para ajudaras crianças que tivessem ficado órfãs por causa da Aids. Ogrupo se chamaria Mães de Santa Rita, em homenagem àsua mãe. Apesar de serem pobres, as vinte mães de SantaRita vêm trabalhando arduamente há sete anos, para aju-dar as crianças órfãs.

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forma de sobreviver além depedir esmolas. Como eu eminhas amigas somos todasmães, achávamos horrívelver essas crianças sofrendo.Queríamos ajudá-las dealguma maneira.

– Passamos a percorrer asaldeias para conversar comoutras mulheres. Enfim, reu-nimos vinte mães que deci-diram ajudar o maior núme-ro possível de órfãos. Nãotínhamos dinheiro nenhum,mas mesmo assim iniciamosnosso trabalho.

Quando Bernadette vol-tou para casa e contou anovidade, Ferdinand ficoumuito feliz. Ele perguntou à tia se ele poderia escolher o

nome do grupo. E ela pron-tamente concordou.

– Ferdinand queria que ogrupo se chamasse SantaRita, como o nome da mãe,pois assim nos lembraría-mos sempre dela. Achei umaidéia muito bonita, e desdeentão usamos esse nome. Elequeria muito participar econtribuir com as mães deSanta Rita, mas não foi pos-sível. Ferdinand morreuquando estava na sexta série.

Todos ajudamJá no primeiro dia, umgrupo de órfãos que nãotinha comida, roupas, uni-forme escolar e nem lugarpara morar, formou-se dolado de fora da casa deBernadette.

– A princípio não sabía-

mos como fazer, já que nãotínhamos dinheiro. Algumasde nós começaram a fazerpães e bolos para vender nacidade. Outras vendiam ver-duras e legumes que planta-vam. Depois de um tempo,juntamos dinheiro suficientepara comprar uma vaca.Então, passamos a venderleite também. Em seguida,decidimos que, no primeiro

Pede esmolas pelas crianças”Eu percorro diversos escritórios dacidade, pedindo esmolas e comida paranossas crianças. Peço ajuda a organi-zações filantrópicas, a autoridadespúblicas e a pessoas ricas. No início, eu não gostava de pedir esmolas, mascomo as crianças precisam de toda ajuda possível, já não me importo mais.Raramente tenho recursos para tomarum táxi ou um ônibus, por isso costumoir a pé. Também faço bolos, queSeraphine vende no trabalho.” Bernadette Otieno

Vende os bolos deBernadette ” Eu trabalho como telefo-nista, na cidade. Na hora doalmoço, vendo os bolos queBernadette faz. Trabalhotambém na plantação deverduras e legumes deSanta Rita. Uma parte dacolheita, vendemos paraarrecadar dinheiro para ascrianças, outra parte é usadapara alimentá-las.”Seraphine Auma

Trabalha comocaixa e doa dinheiropara as criançasJane Okuto

Vende peixeMary Okinda

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sábado de cada mês, todasas mães doariam no mínimo200 shillings (US$ 2,68)para ajudar as crianças.

Muitas mães são viúvas,desempregadas e precisamcuidar dos próprios filhos.Para elas, 200 shillings émuito dinheiro. Contudo,todas deram o que podiam,e aquelas que não podiamajudar com dinheiro, ajuda-vam de outras maneiras.Algumas lavavam as roupase faziam a comida dascrianças. Outras se torna-ram mães postiças e permiti-ram que algumas crianças semudassem para suas casas.

O mais importante para asmães é dar às crianças umlugar onde morar.

– Como mães, somos daopinião de que as criançasdevem morar em família,não em um orfanato.Queremos que tenham avida mais normal possível eque se integrem à vida comu-nitária das aldeias. Sempretentamos encontrar novasfamílias para as crianças queperderam os pais. Porém, a grande maioria das pessoas nas aldeias é

pobre e não tem recursospara cuidar de mais crianças,mesmo com nossa ajudaeconômica, diz Bernadette.

O direito de toda criançaHá sete anos, as mães deSanta Rita têm trabalhadoarduamente para dar àscrianças órfãs uma vida mel-hor. Atualmente, 43 criançasrecebem comida, roupas, tra-tamento médico, escola, umlar, novas famílias e amor.

– É muito duro, mas nãotemos escolha. Nós acredita-mos que todas as criançastêm o direito de serem ama-das. Se não as ajudarmos,elas acabarão nas ruas dacidade, envolvidas com dro-gas, criminalidade e prosti-tuição. Não poderão ir àescola e, com isso, não terãoum futuro melhor. Ascrianças são da nossa aldeia,por isso somos nós os res-ponsáveis pelo bem estardelas. Se não fizermos nadapor elas, quem fará?, per-gunta Bernadette.

Visita as crianças ”Eu percorro as aldeias e visito as crianças que ajudamos.Trato de conversar com elas e de fazer com que se sintambem. Se elas precisam de alguma coisa, discutimos asdemandas nas reuniões, e tentamos ajudar na medida dopossível. Eu também sou mãe, por isso me sinto mal ao veruma criança sofrendo. Às vezes, levo um pouco de comidade casa, mas é comum que eu mesma não tenha o suficien-te. Como muitas crianças viveram coisas terríveis, acreditoque o mais importante é dar-lhes amor e mostrar a elas queeu me importo. Enfim, dar-lhes esperanças.”Judith Kondiek

Ordenha Rainbow ” Eu tomo conta daRainbow, a vaca das mãesde Santa Rita. Todas nós,as mães, demos umapequena quantia em din-heiro para comprá-la. Euvendo o leite e o dinheirovai para as crianças órfãs.Se Rainbow tiver umabezerra, vamos mantê-lapara dar leite às crianças. Margret Agalla

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Ajuda trêsmeninosLucia Auma Okore

Limpa, lava efaz comidaPamela Achieng

Colhe papiro paravenderBirgita Were Mbola

Doa dinheirotodos os mesesRuth Ocholla

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As mães não recebem nen-hum apoio econômico dogoverno, nem de qualqueroutra organização.

– Nós fazemos o melhorque podemos, mas faríamosmuito mais se tivéssemosrecursos. Gostaríamos, porexemplo, de dar a todas ascrianças um almoço de ver-dade todos os dias, assimelas poderiam ter pelomenos uma refeição nutriti-va por dia. Segundo as últi-mas pesquisas que fizemos,há, atualmente, 1.500órfãos na nossa comunida-de. Se tivéssemos condições,cuidaríamos de todos eles.

Sonham com a cura– Nosso maior sonho é queum dia encontrem uma curapara a Aids, para que assim,muitas crianças possam con-tinuar a viver com seus pró-prios pais. Então, já não pre-

cisariam mais de nosso tra-balho. Porém, não passauma semana sem que novascrianças batam em nossasportas pedindo ajuda.Sempre tentamos ajudar,mesmo com poucos recur-sos. Nunca mandamos umacriança embora. E enquantohouver crianças que preci-sem de ajuda batendo emnossas portas, continuare-mos lutando para que te-nham uma vida melhor!

São necessárias muitasmães, como as de SantaRita. Na África, há 43milhões de crianças órfãs.12 milhões delas perderamos pais vítimas do HIV/Aids.O Quênia é um dos paísesmais atingidos. Acredita-seque lá, há 1,3 milhões decrianças órfãs do HIV/Aids.A região mais atingida estáno oeste do Quênia, aoredor do grande lagoVictoria, onde a aldeiaDunga está situada. �

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Faz pães e bolos”Eu faço pães e bolos

para vender na cidade. Olucro vai para nossascrianças órfãs. Eu semprelevo pães e bolos para ascrianças também.”Roselyn Ogolla

Faz pãese conver-sa com ascriançasMarthaAdhiambo

Cuida de uma meninaRuth Akinyiluya

Informasobre a AidsRose Otieno

Cuida de doismeninosRose Obondo

Dá apoio às criançasMargret Akumu Otieno

Cuida de trêsirmãos Mary Awino

“Se as crianças estãobem, eu estou bem!”Mary Angechi

Brinca e conversacom as criançasRose Adhiambo

Cuida de cincocriançasJerusa Ade Yogo

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Mamãe contava histórias “Eu era tão pequeno quando meu pai morreu que quase não melembro dele. Mas me lembro nitidamente da mamãe, pois quandoela morreu, eu tinha dez anos. Ela tecia tapetes de papiro e os ven-dia. Enquanto trabalhava, contava histórias pra mim e meusirmãos. Nós ríamos muito e eu sinto muitas saudades daquelesmomentos.

Penso muito nas difículdades por que passamos e às vezes ficodoente de tanto pensar e me preocupar. O pior é quando estousozinho. Todos os pensamentos vêm à tona e fico triste. Se pudes-se dizer alguma coisa à minha mãe, diria que gostaria que ela esti-vesse aqui, assim poderíamos conversar um pouco. Então, eu lhediria que a amo e que sinto falta dela.” ERICK ODHIAMBO, 14

“Meu pai morreu quando eu tinha dez anos e estava naquarta-série. Mamãe morreu quando eu ia começar aquinta-série. Quando eles estavam vivos costumávamosir à cidade nos fins de semana. Papai sempre compravachocolates. Eu adorava! Às vezes ele até comprava umvestido ou umas calças jeans para mim. Íamos ao res-taurante comer carne e beber refrigerante. Eu era tãofeliz!

Tomávamos um táxi-bicicleta ou um ônibus da nossaaldeia para a cidade. Hoje em dia, se tenho que ir à cida-de, sou obrigada a andar, pois o ônibus é muito caro.São mais de quatro horas de caminhada, ida e volta. Eutenho algumas peças de roupa da mamãe de recor-dação. Olho para as roupas e me lembro dela. Sintomais falta da mamãe e do papai quando alguém é rudecomigo. Se eu pudesse falar com a mamãe, diria quevoltasse para tomar conta de mim. Então, minha vidaseria muito mais fácil e feliz do que é agora.” WINNIE ANYANGO, 13

Papai comprava chocolate Futebol com papai “Mamãe morreu quando eu tinha 11 anos e papai, quando eutinha 12. Quando mamãe estava viva íamos ao mercado jun-tos. Eu queria ajudar e sempre carregava a cesta de tomates,cebolas e outras verduras que ela comprava. Papai me levavaaos jogos de futebol na cidade quase todos os sábados.Esses foram os melhores momentos da minha vida. Minhamelhor recordação foi o dia em que meu time favorito, o GorMayia, ganhou do Telecom por 2 a 1.

Papai tinha uma bicicleta e me levava na garupa até a cida-de todas as vezes que havia jogo. Eu nunca mais fui a umjogo desde que meu pai morreu. Não tenho nem bicicletanem dinheiro paratomar ônibus ou táxi-bicicleta até o estádio.Tomar um táxi-bicicle-ta até a cidade custa25 shillings quenianos(US$ 0,30). É carodemais para mim.

Eu ganhei establusa do papai. É aúnica lembrança quetenho dele. Quandoestou com ela pensonele.” DENNIS OTIENO, 14

Vi har fått hjälp av S:t

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Sem ajuda com as lições “ Mamãe morreu quando eu era peque-na, por isso não me lembro bem dela. Jáo papai, morreu no ano passado e tenhomuitas saudades dele. Adorava estudarcom o papai. Ele me ajudava com osdeveres, especialmente de matemática.Era muito bom para explicar coisascomplicadas de uma forma que euentendesse. Agora, ninguém me ajuda,por isso tenho dificuldade em acompa-nhar as aulas e fico atrasada em relaçãoaos meus colegas.

Não tenho nenhum objeto de recor-dação dos meus pais, o que é umapena. Adoraria ter alguma lembrança,mas a mulher do papai levou tudo queera dele. A mesa, as cadeiras, as ferra-mentas, tudo...” MARITHA AWUOR, 13

“Papai morreu antes de eu nascer emamãe, quando eu tinha quatro anos.Já faz tanto tempo, que se não hou-vesse uma fotografia não me lembra-ria de como ela era. A foto é da minhatia, mas eu posso olhá-la de vez emquando. Eu e minha mãe somosmuito parecidas e me sinto bem comisso, pois ela era muito bonita.

Mamãe deixou alguns vestidos delapara mim. Não vejo a hora de poderusá-los. Gosto de ter alguma coisaque tenha sido da minha mãe, mas aomesmo tempo acho triste. Eu acredi-to que a mamãe esteja bem lá no céu.Tento falar com ela quando eu rezo esonho com o dia em que nós vamosnos encontrar novamente. O primeiroque eu vou dizer é “Jambo!” (Oi).Depois vou perguntar como ela está.Também vou lhe contar que sintomuitas saudades dela, mas que ape-sar de tudo vivo bastante bem. Voulhe contar que as mães em Santa

Rita me ajudam a comprar o uniformeescolar e os livros, assim posso ir àescola, e que também me dão comi-da sempre que preciso.”WINNIE AWINO, 9

“Papai morreu quando eu tinha nove anos,mas às vezes ainda choro quando vejo suafotografia. Tenho muitas saudades dele.Juntos, nós plantávamos milho, cana-de-acú-car e outros vegetais. Conversávamos muitoenquanto trabalhávamos. Se eu tinha algumproblema na escola, sempre podia contarpara ele e logo me sentia melhor.

Depois de trabalhar na plantação costumá-vamos ir até o lago nadar. Era super divertido!Eu tenho tantas saudades. Papai era meumelhor amigo.

Minha mãe está viva, mas está quase sem-pre doente. Tenho muito medo de que elatambém morra e eu e meus irmãos fiquemossozinhos no mundo...” VICTOR OTIENO, 14

Mamãe, comoé o céu?

Papai era meu melhor amigo

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Ritas mammor

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Já passam das nove horasda noite em Kisumu eSteven, 12 anos, camin-

ha para o terreno baldioatrás de um supermercado.Todas as noites ele faz omesmo. Enquanto caminha,come apressadamente o pão

que encontrou. Se os outrosgarotos de rua descobremque ele tem comida pode aca-bar tendo problemas. Todosestão famintos e é comumhaver briga pela pouca comi-da que encontram.

Quando Steven chega já

encontra alguns amigos. Elesprocuram caixas velhas,sacos plásticos e outras coi-sas que possam ser usadosnuma fogueira. A maioriadeles cheirou cola ou fumoumaconha e vagam pela escu-ridão, entorpecidos. A fortechuva que caiu à tarde fazcom que o mau cheiro tomeconta do lugar quando o lixoé revirado. A umidade fazcom que o fogo demore aqueimar.

A alguns metros da foguei-

ra, vêem-se os ônibus notur-nos que vão para a capitalNairobi. Os viajantes olhamde cima para Steven e osoutros meninos esfarrapa-dos. Alguns apontam e riem.Mas Steven já está acostu-mado.

– Muita gente nos chamade ”chokora”, que querdizer “lixo”. Isso me dá umaraiva! Como alguém podechamar um outro ser huma-no de lixo? Às vezes eu choroquando alguém grita “cho-

Há três anos, os pais de Steven morreram deixan-do-o sozinho. Desde então ele vive nas ruas deKisumu. Alguns adultos o chamam de “lixo”.Muitas crianças órfãs, que não têm a ajuda dasmães de Santa Rita, vivem como Steven.

é chamado de lixo pelos adultos

Steven

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kora” para mim. Eles nãotêm a mínima idéia de o queme obrigou a viver assim, dizSteven.

Mamãe e papai morreram Quando Steven tinha noveanos, sua vida se transfor-mou radicalmente.

– Minha família era pobre,mas nós tínhamos pelomenos comida e meus paiscuidavam de mim. Mas umdia meus pais ficaram doen-tes. Foram emagrecendomais e mais até que minhamãe morreu. Logo depoismorreu o papai também. Derepente, fiquei sozinho e nin-

guém na aldeia podia tomarconta de mim.

Um dia, Steven conseguiuroubar 100 shillings (US$1,34) de um vizinho quetinha sido mau com ele. Como dinheiro, ele fugiu paraKisumu.

– Eu sabia que havia esco-las e trabalho e tudo maisque se pode imaginar nacidade, então achei queminha vida melhoraria assimque eu chegasse lá.

Já na primeira noite Stevenpercebeu que as coisas nãoeram tão fáceis como tinhaimaginado. Ele foi obrigadoa dormir na rua com outros

meninos de rua. Durante odia, pedia esmolas e comidana porta dos restaurantes ehotéis. De vez em quandotinha sorte, mas na maioriadas vezes vagava pelas ruastriste e faminto. Passou acheirar cola para se esquecerde tudo.

Agora, três anos depois,ele ainda vive nas ruas e nãotem idéia de como mudarsua situação. A única certezaque tem é de que a vida nasruas não é boa para umacriança.

Crianças desaparecem – É um perigo. Uma vez umgrupo de meninos de ruamais velhos achou que eutinha dinheiro escondido.Não era verdade, mas elesme bateram de qualquerjeito. Alguns deles tinhamuns facões e disseram que mematariam se eu não entregas-se o dinheiro. Fiquei apavo-rado, pois sei que algunsmeninos são mortos e desa-parecem de repente. Eu nãoqueria morrer. De algumamaneira consegui me livrar ecomecei a correr como umlouco. A turma toda corriaatrás de mim e eu caí váriasvezes no asfalto, esfolandoas mãos e as pernas. Por fimnão agüentei mais me levan-tar. Escutei quando eles seaproximavam de mim e acheique estava perdido. Mas tivesorte, quando eles viramtodo aquele sangue escorren-

do, me deixaram em paz. Os meninos mais velhos

não são o único perigo. Osadultos também batem nascrianças de rua.

– Todas as vezes que algu-ma coisa acontece na cidade,nós levamos a culpa. Háquatro noites, um grupo depoliciais veio até aqui ecomeçou a nos bater.Disseram que um homemtinha sido esfaqueado e quenós éramos os culpados. Euconsegui fugir, mas outrosdez meninos foram presos.Não temos a mínima idéiado que aconteceu com eles.Acho que a polícia está erra-da. Eles deviam cuidar de nósao invés de nos maltratar.Aliás, algum adulto devia

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Steven Omondi, 12 Mora: Nas ruas de Kisumu.Adora: Jogar futebol.Odeia: Roubar.O melhor que lhe aconteceu:Quando ganhei um presente de natal.Deseja: Trabalhar em um escri-tório.Sonha: Em ir à escola e apren-der a ler.

– Às vezes, quando perguntoa algum adulto se pode medar comida, ele diz assim:“O que você está fazendo narua?” Volte para casa dosseus pais.”Então eu ficomuito triste, porque os meuspais já não existem mais.Mas, às vezes eu respon-do:“Tudo bem, se você nãoquiser me ver nas ruas,então me leva pra sua casa eme ajuda”. Mas ninguémnunca quis me ajudar.

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cuidar de nós de qualquermaneira, assim poderíamosmorar em uma casa de ver-dade e ir à escola como qual-quer criança. Então não pre-cisaríamos pedir esmolas enem roubar para sobreviver.

Odeia roubar Já é tarde e o fogo quase seapagou. Os meninos se divi-dem em diferentes grupos,que desaparecem na escu-ridão da noite. Cada um temseu lugar especial, no qual

costuma dormir. Stevendesaparece com alguns deseus amigos. Eles dormemem grupo para se protegeremuns aos outros.

– Às vezes, durante a noite,os meninos maiores abusamsexualmente de algum denós, menores. Vivemos sem-pre com medo, mas atéagora eu tive sorte.

Steven se cobre com umsaco fino de pano e se deitana calçada. Ele sabe que senão conseguir que alguém

lhe dê comida amanhã, vaiter que roubar um abacateou outra fruta qualquer nafeira. Ele odeia roubar, masficar com fome é ainda pior.Steven não gosta da vida queleva. Ele gostaria muito quetudo fosse diferente. Que opai e a mãe estivessem vivos,e que ele pudesse ir à escola.

Finalmente, Steven ador-mece. Em seu sonho, ele ter-minou a escola e conseguiuemprego em um escritório.Ele trabalha duro e economi-

za quase todo o salário. Umdia já tem dinheiro suficientepara comprar sua própriacasa. Uma casa pequena,mas toda dele.

– Sai da frente, Chokora!Você está no meu caminho!

Steven acorda assustado eolha para cima. A mulher quegritou com ele já passou apres-sada. Ele volta a se encolhercontra a parede o máximo quepode e tenta retornar aomundo dos sonhos. �

Quando eu era peque-no, ia à escola e brin-cava com meus ami-

gos. Mas quando eu tinhanove anos, papai e mamãeficaram doentes e fracos.Então, a minha vida mudou.

Eu acordava às cinco damanhã e ia fazer fogo, bus-cava água no rio e voltavacorrendo para preparar omingau. Quando a comidaestava pronta, ajudavameus pais a saírem para oquintal e depois, tomáva-mos o café da manhã jun-tos. Eles sentiam muito frio,por isso era importante queficassem ao sol. Meus paisquase nunca chegavam aobanheiro a tempo e eu eraobrigado a lavar as roupas eos lençóis deles, todos osdias. Eu também lhes dava

banho. Depois preparava oalmoço. Ninguém na aldeiame ajudava, por isso fuiobrigado a abandonar aescola.”

Só queria desaparecer Eu chorava muito, mas meuspais me consolavam e diziamque tudo acabaria bem.

Eu e papai dormíamos namesma cama. Em umamanhã quando acordei, eleestava paralisado e nãoemitia nenhum som. Estavamorto. Fiquei apavorado e,chorando muito, saí corren-do. Uma semana depois,minha mãe não me chamoucomo costumava fazer demanhã. Eu lhe disse baixinho:”Mamãe, mamãe”, mas elanão respondeu. Seu coraçãotinha parado de bater.

Corri para a floresta cho-rando e, quando cheguei aum rio, tive vontade depular e desaparecer parasempre. Fiquei parado pormuito tempo pensando se iaou não me matar. Decidinão pular. Queria pelomenos enterrar minha mãee meu pai primeiro.

Ninguém me ajudou Aqui, quando uma criança

perde os pais deve raspar acabeça. A segunda mulher domeu pai deveria ter raspado aminha, mas se recusou. Aoinvés disso, ela me deu dezshillings (US$ 0,13) para eu irao cabeleireiro. Eu me sentimuito mal por não ter segui-do nossos costumes. Achoque ela estava com medo deque eu também estivessedoente e fosse contagiá-la.

Muitos na aldeia descon-fiavam que meus pais tives-sem morrido de Aids. Achoque todos estavam commedo, porque ninguém veionos visitar quando eles esta-vam doentes, e ninguémquis me ajudar quandofiquei sozinho.

Então, eu decidi tentarsobreviver nas ruas da cida-de. Mas não gosto de viverassim. Há muita violência edrogas e estou sempre comfome. E também não posso irà escola. Tenho muitas sau-dades do papai e da mamãe eestou sempre triste. Meumaior desejo é ser aceito naminha aldeia e poder voltarpara casa e para a escola.Mas acho que eles ainda têmmedo de mim e que ninguémvai me ajudar.” �

Edward cuidou da mãee do pai sozinho.Quando morreram, ninguém na aldeia quistomar conta do garoto.

– Eu já não me sentiabem-vindo na aldeia.Agora moro debaixo deum banco na estaçãorodoviária.

Edwardmora debaixo de um banco

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Edward Odhiambo, 12

Mora: Nas ruas de Kisumu.Adora: Ler. Odeia: A morte.Tem medo: Dos meninos derua mais velhos e da polícia.Quer ser: Motorista de ônibusSonha: Em morar em umacasa.

Como o HIV/ Aids é transmitido?O HIV é transmitido, principalmente, atra-vés do leite materno, do sêmen e do san-gue. A transmissão ocorre quando os fluí-dos corporais de um portador do HIVentram em contato com a mucosa ou comalguma ferida aberta de outra pessoa. A contaminação é mais comum nosseguintes casos:

Relações sexuais (a melhor proteção éo uso de camisinha), transfusões de san-gue (se o sangue do doador estiver conta-minado com o HIV), nos partos e na ama-mentação (se a mãe estiver contaminadao risco de contaminação do bebê é grande).

O HIV não é transmitido através deabraços ou de apertos de mão. Talheres,comida ou bebida também não transmi-tem o vírus. Do mesmo modo, a trans-missão não ocorre se alguém tomar banhona mesma piscina ou usar o mesmo ba-nheiro que uma pessoa contaminada.

Há algum remédio contra HIV/Aids?Não há cura para o HIV/Aids. A maioriadaqueles que sofre da Aids morre da

doença. Contudo, há remédios que permi-tem ao paciente viver com o HIV. Nos paí-ses ricos, muitas pessoas fazem o trata-mento contra o HIV. Porém, a maior partedas pessoas contaminadas, vive em paí-ses pobres. No Quênia, há dois milhões eduzentas pessoas portadoras do vírusHIV/Aids, dentre as quais apenas entre 10e 15 mil pacientes têm condições de com-prar os remédios para o tratamento. Paraque pobres e ricostenham as mes-mas chances desobreviver, é preci-so que os medica-mentos sejam maisbaratos. Se uma mulhergrávida, portadorade HIV, tomaresses medicamen-tos pouco antesdo parto, as chan-ces de o bebê nas-cer sadio se dupli-carão.

O HIV é um vírus que destrói as defesas do corpo humano. Com o sis-tema imunológico destruído, se torna mais fácil contrair infecções eficar doente. O HIV pode enfraquecer o sistema imunológico a talponto que a infecção acaba se transformando em Aids.

O que é HIV/Aids?

Aids faz muitas vítimasMortos por Aids:Adultos: 21,8 milhõesCrianças: 4,3 milhões

Portadores do HIV/Aids:No mundo: 38 milhões África subsaariana: 25 milhõesÁsia: 7,4 milhõesAmérica Latina: 1,6 milhãoEuropa Oriental: 1,3 milhãoAmérica do Norte: 1 milhãoEuropa Ocidental: 580 milDemais países: 1,1 milhão

Quantas pessoas são contaminadas?No mundo: 15 mil pessoas por dia.

Crianças com HIV/Aids:No mundo: 2,7 milhões África subsaariana: 2,4 milhõesDemais países: 300 mil

Órfãos da Aids: No mundo: 15 milhões de criançasÁfrica subsaariana: 12,3 milhões de criançasDemais países: 2,7 milhões de crianças Estima-se que 25 milhões de criançasficarão órfãs em conseqüência da Aids até2010.

Quênia gravemente afetado:Total de pessoas infectadas: 2,2 milhõesTotal de crianças infectadas: 220 milMortos por Aids: 1,5 milhãoCrianças órfãs em conseqüência da Aids:1,3 milhão de crianças

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Steven tenta dormir noseu quarto em SantaRita, mas não conse-

gue. Ele se revira na camaenquanto pensa na ocasiãoem que ele e o irmão se apro-ximaram da casa da família,na aldeia onde viviam.

Sentada do lado de fora, aprimeira mulher do pai delesestava bêbada, como de cos-tume. Ela tinha desaparecidohavia muitos anos, mas vol-tou quando o pai e a mãemorreram. Os dois sabiamque ela não era uma boa pes-soa. Já os tinha expulsado decasa várias vezes, e na verda-de, Steven e Martin não esta-vam com a mínima vontade

de lhe pedir para voltar, masnão tinham escolha.

Os dois moraram com umtio por um tempo. Mas, umdia, ele lhes disse que erapobre demais para criar maisduas crianças. Provavelmente,o tio tinha medo de ser con-tagiado, pois Steven e oirmão não podiam usar osmesmos talheres que o restoda família. Por isso, ali esta-vam eles outra vez, diante damulher, que ficou furiosaquando os viu.

– Sumam daqui! Não querovê-los nunca mais, escuta-ram?, gritava enquanto atira-va pedras nos meninos.

Martin conseguiu fugir a

tempo, mas o pequenoSteven, que não era tão rápi-do, foi atingido na perna ecaiu no chão. Quando tocouna perna, notou que tinha asmãos sujas de sangue.

Ele nunca vai se esquecerde como se sentiu quandotodos os adultos lhe viraramas costas e ninguém quisajudá-lo.

Todo dia é de pesca Na manhã seguinte, o solbrilha e Steven se sente mel-hor. Como é sábado, elereúne seu material de pescadepois do café da manhã. Emseguida, caminha até o lagoVitória com Martin. Logoatrás deles, vem a cadelaRainbow, que o segue portoda parte.

Na praia, algumas mulhe-res fazem a limpeza do pesca-do. Como de costume,Steven e Rainbow estãoprontos e se põem a pescar

nas águas turvas. De vez emquando, o menino se abaixapara pegar algum resto depeixe deixado pelas mulhe-res. Ele os usa como isca.

Steven afasta-se um poucopara colocar a isca no anzol edepois atira a linha. Derepente, sente um puxão: umpeixe ”Opato” mordeu a isca.Em seguida, outro peixe.

– Se as mães de Santa Rita não tivessem me ajudado eu estaria nas ruas e nunca teria tido a chance de ir à escola, conta Steven, 12 anos. Ele, o irmão mais velho Martin e a cadelaRainbow são agora uma pequena família, que recebe a ajuda das mães.

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Steven foi salvo pela

– Adoro a escola e se eu forum bom aluno, talvez possaser médico quando crescer. Eu tenho muita sorte porpoder contar com as mãesde Santa Rita que me aju-dam a ir à escola. Muitascrianças órfãs acabam nasruas e não têm para onde ir.

– Fico sempre feliz em ver oMartin. Todos os outros danossa família já morreram, porisso ele é muito importantepara mim. Quando o vejo, seique não estou sozinho

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Rainbow balança a cauda,pois também gosta de peixe.Steven e Martin espetam ospeixes em um graveto e colo-cam-nos na água para quenão se estraguem no calor.

– Pescamos todos os sába-dos e também aos domingos,depois da missa. E depois daescola também, antes de fazeros deveres de casa. Não por-que seja divertido, mas por-que precisamos, diz Steven.

Houve um tempo em queos meninos nunca precisavamprocurar comida, pois a mãee o pai cuidavam deles. Masparece que isso foi há muitotempo, como se tivesse oco-rrido em uma outra vida.

Papai morreu só – Mamãe morreu quando eutinha dois anos e minha irmãmais velha, quando eu tinhasete. Depois disso a segundaesposa do papai passou atomar conta de nós, mas aca-

bou morrendo um anodepois da minha irmã. Sósobramos eu, o Martin e opapai. Um ano depois, opapai também morreu,conta Steven, enquanto olhafixamente para o chão.

– Eu me lembro da noiteem que o papai morreu. Eleestava doente há muitotempo e, justamente naquelanoite, nos deu dinheiro parairmos assistir a um filmenuma casa de vídeos.Quando chegamos em casapapai estava morto. Achoque ele sentiu que estavamorrendo e não queria quenós o víssemos sofrer. Maseu preferiria ter ficado ao seulado naquele momento doque ter visto um vídeo. Achohorrível que tenha morridosozinho.

Salvos pelo Santa Rita De repente, Steven e Martinficaram totalmente sozinhos.

Nenhum parente quis tomarconta deles. Os dois meninosnão sabiam o que fazer oucomo se sustentar. Steven selembrou que tinha escutadofalar de um lugar chamadoSanta Rita, onde algumasmães cuidavam de criançasórfãs.

– Parecia que aquela era anossa última chance.Quando chegamos aqui, asmães de Santa Rita nos rece-beram e disseram que pode-riam nos ajudar. Contaramque não tinham muito din-

heiro, mas que fariam o mel-hor possível. Elas nos deramum quarto pequeno e volta-mos a freqüentar a escola.Desde então, moramos aquiem Santa Rita. A mães com-pram nossos uniformes esco-lares, e se ficamos doentes,compram os remédios ounos levam ao médico. Elasnos ajudam em tudo, mas odinheiro não é suficientepara a comida. Nas aldeias,há muitas crianças que preci-sam da ajuda delas. Por isso,pescamos muito. Mas issonão me incomoda. Se elasnão tivessem nos ajudado,estaríamos nas ruas e nuncateríamos a chance de ir àescola outra vez. E o maisimportante é que elas nosdão amor e se preocupamconosco.

Somos uma família Depois de pescarem quatropeixes “Opaco” e um peixe

Steven Odhiambo, 12Mora: Em Santa Rita, em Dunga.Adora: A escola.Odeia: Que algumas criançasnão possam ir à escola.O pior que lhe aconteceu: A morte de meus pais.Admira: As mães de Santa Rita.Gosta: De jogar futebol.Quer ser: Médico.Sonho: Que todas as crianças tenham pais.

las mães

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“Fulu”, Steven e Martinficam satisfeitos e resolvemvoltar para casa. Ao chega-rem, acendem o fogo e

começam a preparar o jantar:sopa de peixe e “ugali”(min-gau de milho). Steven vai atéa roça, que as mães lhes aju-

daram a plantar, e colhealgumas verduras.

Lambendo o focinho,Rainbow olha para Steven,enquanto ele mexe a comidano fogo. Ela está com fome.

– Agora, eu, Martin eRainbow somos uma família,por isso sempre cozinhamospara três. Rainbow adorapeixe com ugali!

Depois do jantar, os meni-nos lavam os pratos, varrema casa, regam a plantação edepois estudam. Quando anoite cai, Steven e Martincostumam se sentar do ladode fora para conversar umpouco. Eles falam sobretudo, mas principalmentesobre os pais, para não seesquecerem deles. Rainbowestá deitada aos pés deSteven, ela adora quando ele a acaricia das orelhas.Enquanto conversam, chega

Bernadette, uma das mães deSanta Rita. Como quasetodas as noites, ela se sentapor alguns instantes.

– Vocês estão bem?Precisam de alguma coisa?

– Tudo bem, mamãe, res-pondem os meninos aomesmo tempo.

– Vocês comeram?– Comemos, sim.– Então, boa noite.– Boa noite, até amanhã. �

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Adultos decepcionam, mas Rainbow não – Encontrei a Rainbow, um dia, quando caminhava. Elaera ainda um filhotinho. Desde então, ela me segue portoda parte: quando vou pescar, nadar ou jogar bola. Atépara a escola ela quer ir junto! À noite, ela faz guarda dolado de fora da casa e eu me sinto mais seguro. Eu aadoro. Brincando com a Rainbow consigo me esquecerde muitas coisas ruins que me aconteceram.

No quarto à direita moramSteven e Martin.

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Bem-vindos ao Prêmio das Criançasdo Mundo pelos Direitos da Criança!

Escute as crianças conta-rem em luo e swahili emwww.childrensworld.org

Escute as crianças darem boas vindas ao WCPRC em luo e swahili emwww.childrensworld.org

Dennis, da aldeiaNanga, no Quênia,propõe uma adivinhação:

“O que é, o que é, uma casa que não temportas nem janelas?”

Escute a adivinhação de Dennis em www.childrensworld.org

Resposta: Um ovo!

No Quênia, há mais de 40 etnias e línguas. A língua oficial é o swahili,mas as crianças sobre asquais você leu fazem parteda etnia luo e falam a língua luo.

Aprenda a contar até dez em luo e swahili.

LUO SWAHILI1. Achiel Moja2. Ariyo Mbili3. Adek Tatu4. Ang’wen Nne5. Abich Tano6. Auchiel Sita7. Abiryo Saba8. Aboro Nane9. Ochiko Tisa10. Apar Kumi

A maioria das crianças que mora em aldeias nos arredores de Kisumu, no oeste do Quênia, faz parte da etnia luo. Elas sempre recebem um segundo nome,que lhes revela quando nasceram. Se você souber aque horas nasceu, poderá olhar na lista abaixo quenome você receberia se nascesse em uma aldeia luo!

Qual é o seu nome em luo?

QUANDO NASCEU? MENINA MENINO

De manhã cedo Amondi Omondi

Antes do meio-dia Anyango Onyango

À noite Adhiambo Odhiambo

De madrugada Atieno Otieno

Quando o sol está mais quente Achieng Ochieng

Quando chove Akoth Okoth

Se nasceram gêmeos Apiyo (nr 1) Opiyo (nr 1)Adongo (nr 2) Odongo (nr 2)

Conte até dez emluo e swahili!

Karibuni kwa ulimwengu wa zawadi za watoto Kuhusu haki za watoto!Em swahili

Waruakou e nyasi makwako piny ngima mar chiwo mich nenyithindo e bwo tipo moyiedho kendo mogeno migap nyathi edongruok mar ngima nyathi!Em luo

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”Na segunda-feiracomeçam as aulas

outra vez e isso, paramim, é uma eterna fontede preocupação. Na ver-dade, eu deveria acharmuito divertido, poisadoro ir à escola. Porém,como sou pobre, sei que vouter problemas. No Quênia, aescola é gratuita, mas temosque comprar uniforme, sapa-tos, pasta, canetas, lápis elivros. Meu uniforme já estágasto e uso sandálias em vezde sapatos. Como não tenhocondições de comprar umapasta nova, levo os livros emuma sacola plástica.

As mães de Santa Rita jápediram ao diretor, que dessea todos os órfãos um poucomais de tempo para conse-guir o dinheiro necessáriopara a compra de novos uni-formes. Todos os semestreselas fazem esse pedido, e eusei que fazem o melhor quepodem. Contudo, somosmuitos os que necessitamosde ajuda. Se não conseguir-mos uniformes novos, os

professores nos expulsarãodas salas de aula e depois, sevoltarmos sem o uniformecompleto, seremos punidosfisicamente.

Uma vez, aos dez anos, eue mais seis colegas fomosobrigados a nos deitar nochão e os professores nosbateram com varas de bambudiante de toda a classe, sóporque não tínhamos o uni-forme completo. Foi terrível.

No mesmo ano, fui manda-do para casa um pouco antesde terminar a terceira sériepor não ter sapatos apro-priados. A professora brigoucomigo diante de toda a clas-se. Senti-me ridicularizado ecomecei a chorar. Gostariade ter dito a ela que achava otratamento injusto e que nãoera minha culpa não tersapatos novos, mas não tivecoragem. Ela estava posses-sa. Duas semanas depois,quando voltei, estava atrasa-do em todas as matérias etive que repetir a terceirasérie inteira.

Este ano houve uma com-petição na escola, em quedevíamos escrever um poemasobre nós mesmos. Escrevisobre todos os problemasque nós, as crianças pobres,enfrentamos na escola.Recitei-o para todos os alu-nos e professores. Todos meaplaudiram muito, até osprofessores, o que me fezsentir muito orgulho. Poralgum tempo pensei quetudo mudaria, já que todosaplaudiram tanto. Mas nadaaconteceu. Desde então, jáfui mandado de volta paracasa três vezes por não termeias nem sapatos.Atualmente, tenho muitomedo de não poder comple-tar meus estudos e me for-mar. Quero ser piloto quan-do crescer, mas se não com-pletar os estudos nuncapoderei ser piloto e ter umavida feliz.” �

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é castigado pornão ter sapatos – Eu acho que a escola é o mais importante quehá para uma criança, e tanto ricos como pobres,

têm o direito de aprender. Mas, noQuênia, há regras que dificul-

tam a vida das criançasmais pobres. Somos casti-gados e mandados paracasa, conta WashingtonOsonde, 14 anos. Ele éum dos órfãos ajudados

pelas mães de Santa Rita.

Washington Osonde, 14 Adora: A escola.Odeia: Que a vida seja tão difícil.A pior coisa que lhe aconte-ceu: Quando mamãe morreu.A melhor coisa que lhe aconteceu: A ajuda das mãesde Santa Rita.Gosta: De jogar futebol eescrever poemas.Quer ser: Piloto.Sonha: Que todas as criançastivessem pais.

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Quanto custa o uniforme?

Blusa: 650 shillingsCamisa: 250 shillingsBermudas: 250 shillingsMeias: 35 shillingsSapatos: 800 shillings Pasta: 300 shillings-------------------------------------Total: 2285 shillings

(US$30,47)

– Eu não acho que o maisimportante na escola seja o uniforme, as pastas e ossapatos. O principal é poderaprender coisas, dizWashington.

Washington

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Dorothy e sua mãe Rosepenetram cada vezmais no lago Victoria.

Cada uma leva um facão“panga” à mão para colherpapiros. Para conseguiremos melhores papiros, elastêm que se afastar muito damargem e contornar o cabo.A água já chega até quaseaos ombros de Dorothy. Sóentão ela começa a penetrarpor entre a densa trama decipós, com golpes de facão.A lama escorre por entre osdedos dos pés, quando elapisa no fundo lodoso.

– É repugnante, pois nuncasei em que estou pisando. Hápeixes venenosos escondidosno lodo, que

podem me morder a qual-quer momento!

Dorothy abre picadas como facão no bosque de papiro.Lá dentro, há mais perigos àsua espera.

– Há pítons, crocodilos ehipopótamos. Se eles se sen-tem ameaçados, atacam. Os hipopótamos com filho-tes são os mais perigosos. Seeles acharem que os filhotesestão em perigo, atacamdiretamente. Se um hipopó-tamo atacar, não há a míni-ma chance, ele o mata emsegundos.

– Uma vez, encontrei umpíton enorme bem em cima

de uma pilha depapiros que eu ia

carregar paracasa. Saícorrendo e gri-

tando, apa-vorada. Mas pare-ce que a cobra ficou tãoassustada quanto eu, poissaiu arrastando-se rapida-mente na outra direção!

A pior doença Dorothy e Rose juntam opapiro que colheram emgrandes pilhas. Os papirosserão usados para tecer tape-tes, que depois serão postosà venda.

Já é meio-dia e faz mais de30 graus à sombra. Gotas desuor escorrem pela testa deDorothy. De repente, a meni-na se corta no papiro afiadoe o sangue brota das pontasdos dedos. O trabalho éduro, mas a família não temoutro meio de sobreviver.

Dorothy ajuda a mãetodos os fins de

semana enas

Escute o poema deWashington em www.childrensworld.org

Será que passarei de ano? De manhã bem cedoTiro o pó da minha bolsa. Visto meu uniforme surrado,E com um grande bocejoPara a escola eu vou.

De estômago vazioPercorro dez quilômetros.Chego tarde como sempre.O professor cruel me aguarda:– Por que tão tarde!?, ele grita.Começo a suar e a tremer,Mas ele não tem pena demim.

Sem uniforme,Matrícula atrasada,O diretor me manda paracasa.Duas semanas depois volto à escola,A classe já está mais adiantada.

Dorothy trabalha entrepítons e crocodilos

– Eu sei que os animais selvagens são perigosos,mas não costumo me preocupar com isso. O que realmente me apavora é que minha mãeesteja tão doente, diz Dorothy Awuor.

As mães de SantaRita tentam ajudarAs mães de Santa Rita aju-dam, atualmente, 43 órfãosa freqüentarem a escola.Porém, elas têm grandesdificuldades em comprartodo o material escolar.Recentemente, elas fizeramuma manifestação emKisumu pelo direito dascrianças órfãs a irem àescola. Washington tam-bém estava lá:

– Vários adultos da cidadeprometeram ajudar, mas atéagora não vimos dinheironenhum. Acho issomuito triste!

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férias trabalha todos os dias.Como o trabalho é perigosoé melhor estar acompanhada.Mas, atualmente, ela trabalhaquase sempre sozinha. Roseestá cada vez mais fraca equase nunca tem forças paraacompanhá-la. Hoje, porém,as duas estão juntas.Dorothy observa a mãe comatenção, pois teme que elanão consiga continuar.

Dorothy não pode esque-cer a noite em que a mãe lhecontou que estava doente,que tinha contraído a doençamais perigosa que existe.

– Eu tinha doze anos enotei que minha mãe estava

magra e cansada. Eu entendilogo que havia alguma coisaerrada com ela. Uma noite,pouco antes de nos deitar,mamãe quis conversar comi-go. Ela me contou que tinhaido ao hospital e que o médi-co tinha lhe dito que tinhaAids. Fiquei apavorada. Eusabia que quem contrai essadoença morre, mas não que-ria mostrar à minha mãe queestava com medo e fiz forçapara não chorar. Eu lhe disseque tudo se resolveria. Mas,quando fiquei sozinha,comecei a chorar. O papaitinha morrido quando eu erapequena. Como seria a vida

para mim e meus irmãos semamãe também morresse?

As mães ajudam Já se passaram dois anosdesde aquela noite e Roseainda está viva. Dorothy eseus irmãos fizeram testes nohospital e nenhum deles temAids.

– A vida já era difícilmesmo antes de a minha mãeficar doente, mas agora éainda pior. Além de cortarpapiro e tecer tapetes, tenhoque cozinhar, lavar os pratose as roupas. Mamãe semprese esforçou para que eu emeus irmãos tivéssemos uma

vida melhor, por isso queroajudá-la o máximo possívelagora. Eu tenho muita difi-culdade em me concentrarna escola, vivo preocupadacom ela.

Contudo, Dorothy nãoestá completamente sozinha.

– No mesmo ano em queminha mãe me contou queestava doente, as mães deSanta Rita decidiram nosajudar. se não temos comida,elas nos dão milho e feijão.Elas nos fornecem o unifor-me escolar e outras roupastambém. Sem as mães, eunão teria a mínima chance,diz Dorothy.

Dorothy Awuor, 14Mora: Na aldeia Kapuothe.Adora: Ler.Odeia: Que a mãe esteja doente.Tem medo: De que a mãe morra.Gosta: De jogar futebol e escutar música.Quer ser: Presidente.Sonho: Que todas as criançasdo mundo tivessem pais.

Uma mãe de Santa RitaRose não é apenas a mãe deDorothy, ela também é umadas mães de Santa Rita.– Sou pobre demais para doardinheiro, mas costumo falarsobre a Aids nas aldeias. Àsvezes conto sobre minha pró-pria vida e sobre como é vivercom a Aids, mas nem sempre.Há muita gente aqui que temmedo da Aids, e por isso tenhoque ser cuidadosa. Não tenhomedo de que alguma coisaaconteça comigo, mas pensonos meus filhos. De repentepode acontecer que ninguémqueira brincar com eles ou queo povo da aldeia nos margina-lize, o que, por sinal, estámuito errado. Por isso é tãoimportante dar informaçõessobre a Aids às pessoas. Poderexplicar-lhes que tanto eu, quetenho Aids, como meus filhosprecisamos de amor e carinho.

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Mães se ajudam Rose e outra mãe de Santa Rita, que também se chamaRose, ajudam-se na tecelagem dos tapetes de papiro. É preciso que o papiro tenha estado secando por nomínimo três dias antes de se começar a tecer os tapetes.Em um dia de sorte, elas podem vender um tapete poraté 30 shillings (US$ 0,40)

Conselhos de Dorothy! Se você for perseguido por um hipopótamo:– Corra em ziguezague. Se você corre em linha reta ele o alcança e o mata em segundos!

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Rose concorda com a filha:– Aqui há muita gente que

tem medo de quem tem Aids,mas as mães dão a mim e aosmeus filhos amor e apoio. Eu sei que não tenho muitotempo de vida, mas me sintofeliz em saber que elastomarão conta dos meus filhos quando eu morrer.Dorothy nunca vai precisarviver nas ruas.

Adora rádio Depois de quatro horas de

trabalho pesado, Rose eDorothy voltam para casa.Elas levam na cabeça pesa-dos fardos de papiro.Dorothy está faminta, pois oúnico que tinham levado erauma garrafa de água. Assimque chegam em casa, a meni-na começa a preparar o min-gau do jantar. Depois decomer, descansa um pouco e,em seguida, põe-se a tecertapetes.

À noite, Dorothy temfinalmente um momento

livre e resolve ligar o rádio.Ela adora escutar música eessa noite está tocando, jus-tamente, sua artista favorita,Princess Jully.

– Suas músicas tratam fre-qüentemente da Aids. Euacho que as pessoas escutamquando ela canta. É impor-tante começar a escutar,senão o Quênia inteiro vaimorrer de Aids.

Lá fora está escuro e silen-cioso. Dorothy desliga orádio e se encolhe junto à

mãe e aos irmãos menores,Isau e Jacobo. Ela ama suafamília e, naquele momento,quando todos estão deitadosjuntos, ela se sente segura. �

Quer ser a primeira mulher presidente do Quênia!– Gostaria de ser a primeira presidenta do Quênia. Ajudaria todas as crianças órfãs. Elasteriam um lar, o suficiente para comer e poderiam ir à escola. Eu também ajudaria os porta-dores do vírus HIV/ Aids a receberem os remédios e o tratamento médico que precisam.

Escute a Princess Jully em www.childrensworld.org

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Penina queras mães de Santa

Da janela, Penina olhapara fora. Algumasmulheres lavam rou-

pas enquanto as criançascorrem e brincam no quintal.Em seus pensamentos,porém, Penina está muitodistante. Ela entoa umacanção que sua mãe,Josephine, costumava cantarpara ela. Penina gosta deestar só com freqüência parapensar na mãe. As duas eramgrandes amigas e a meninasente sua falta todos os dias.

– Como meu pai vivia comsua segunda mulher, nós nos

ajudávamos muito, mamãe eeu. Se ela cozinhava, eu aajudava a lavar a louça, oucorria até a mercearia paracomprar alguma coisa. Ànoite, ela costumava cantarou contar histórias para mime meus irmãos. Não tínha-mos muito dinheiro, maséramos uma família unida.

Mãe da própria mãe – Quando eu estava nasegunda série, minha vidamudou totalmente. Mamãeadoeceu. Às vezes, eu eraobrigada a faltar à escola por

muitas semanas e acabavaficando atrasada em relaçãoaos meus colegas. Aos oitoanos, fui obrigada a cuidarda mamãe. Eu cozinhava,lavava roupa e limpava acasa. Dava banho na mamãe,penteava seus cabelos e tinhaque levá-la ao banheirovárias vezes por dia.

– Dormíamos na mesmacama e ela me acordava nomeio da noite quando tinhasede. Muitas vezes tive queconsolá-la. Apesar de tam-bém estar muito triste, tinhaque me controlar para não

Apesar de Penina sentir muitas saudades da mãe e de pensar nela todosos dias, sente-se feliz com a ajuda das mães de Santa Rita. Graças a elas, a menina e os irmãos podem morar juntos e ir à escola.

Táxi caro Uma viagem de Matatu-taxi até o hospital da mãecustava 50 shillings (US$0,67). Por isso, Penina não pôde visitá-la tantoquanto desejara.

Penina Awino, 12 Mora: Com meus irmãos.Adora: Ler.Odeia: Cobras.O pior que lhe aconteceu:Quando mamãe, papai eminha irmã morreram.O melhor que lhe aconteceu:Quando meu irmão mais velhome comprou sapatos novos.Admira: Meu irmão e asmães de Santa Rita.Quer ser: Piloto.Tem esperanças que: Embreve haja uma cura para aAids.Sonha: Que nenhuma criançapequena perca os pais.

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er ser como ta Rita

preocupá-la. Só choravaquando mamãe não estavapresente.

Mamãe morreu A mãe de Penina pioroumuito e foi internada no hospital.

– Quando eu a visitava,sempre levava mingau demilho e roupas limpas paraela. As roupas sujas, eu tra-zia para casa e lavava. Eugostaria de poder ter levadocomida e roupas limpastodos os dias para a mamãe,mas não tinha condições. Ohospital ficava muito longeda aldeia e uma viagem detáxi até lá custava 50 shi-llings (US$ 0,67), era carodemais. Eu me sentia muito

mal nos dias em que nãopodia visitá-la. Tinha medode que ela não tivesse nadapara comer e que estivessetotalmente sozinha.

A mãe de Penina morreuem um dos dias que a meninanão pôde visitá-la. Peninanunca poderá se esquecerdisso.

– Naquela noite, eu e meusirmãos nos sentamos do ladode fora de casa e choramosmuito. Eric, o meu irmãomais velho, tentava, em vão,nos consolar.

Penina sentia uma faltaterrível da mãe. De madru-gada, ao invés de ir dormir,ela se sentava fora de casa efitava, apática, o infinito.

Novos pesadelos Algumas semanas depois,Penina voltou a freqüentar aescola. A princípio, sentiadificuldades em se concen-trar, mas com o tempo foimelhorando. Eric, o irmãomais velho, pescava e tenta-va conseguir o maior núme-ro possível de trabalhos parasustentar os irmãos. Às vezes,Jhon, o pai deles, contribuíacom um pouco de dinheiro.

Beatrice, a irmã mais velhade Penina, que já era casadae morava em uma aldeialonge dali, foi visitá-los parao sepultamento da mãe. Umdia, ela lhes contou que tam-bém estava doente. Nãodemorou muito até que o paitambém revelasse que sofria

da mesma doença. O paimorreu um ano depois damorte da mãe de Penina.Após alguns meses, era a vezda irmã morrer.

Penina e seus irmãos fica-ram completamente sós. Ericsabia que era impossível sus-tentar sozinho os seis irmãosmenores.

A salvaçãoOutras crianças da aldeiacontaram à Penina que esta-vam sendo ajudadas pelasmães de Santa Rita. Um dia,quando Bernadette, uma dasmães, passava pela casa dePenina, a menina tomoucoragem e pediu-lhe ajuda.Desde então, Penina e seusirmãos vêm recebendo auxí-

Adora nadarSempre depois da escola, Penina vai ao lago Victoria nadar com os amigos. Em luo, a língua dePenina, o lago Victoria se chama Nam Lolwe.

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lio para quase tudo o quenecessitam. O irmão Eric, de 25 anos, ainda trabalhaduro para sustentar osirmãos menores, mas sem aajuda das mães isso não seriapossível.

– Todos nós estamos naescola e se nos falta comida,recebemos ajuda. Se precisa-mos de remédios contra amalária ou outra doençapodemos buscá-los na far-mácia, que as mães pagam.

Porém, o mais importanteé que, com o apoio das mães,Penina e seus irmãos podem

continuar morando juntosem sua aldeia natal.

– É importante nos man-termos unidos agora queperdemos mãe e pai. Nãoestaríamos tão bem se esti-véssemos em um orfanato.Aqui, ainda somos umafamília.

– Adoro as mães e, atual-mente, chamo todas de“mamães”. Gosto muito depoder chamar alguém de mãeoutra vez. Quando eu ficarmais velha, quero ser umamãe de Santa Rita para aju-dar outras crianças órfãs. �

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Crianças preci-sam de família As mães de Santa Ritaacham que as criançasdevem viver em família,não em orfanatos. Elasdesejam que ascrianças tenham umavida o mais normal pos-sível, e que façam parteda vida comunitária daaldeia. Elas não têmcondições de cuidar detodas as crianças órfãse, por isso, procuramnovas famílias paraelas. Porém, a grandemaioria dos moradoresdas aldeias é pobre enão tem condições deadotar uma criança.

Bola de meia Encha uma meia com sacos plásticos e depois jogue queimado ou futebol com a bola.

Queimado! De tarde, Penina brinca com os irmãos e os amigos de um jogo parecido ao queimado. Eles fazem uma bola de meia, recheada de sacos plásticos. Duas crianças se põem a umadistância de quinze metros e jogam a bola uma para a outra. Entre as duas, estão as outrascrianças. Em um determinado momento, as arremessadoras decidem jogar a bola para acertar as crianças do meio, que não podem ser “queimadas” pela bola. Se uma dascrianças é acertada, sai do jogo.

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O segredo de Penina – A princípio, eu não sabia de que doença meus pais eminha irmã tinham morrido.Agora sei que morreram deAids. Quando meu irmão maisvelho me contou, me sentimuito mal. Não tive coragemde contar a ninguém a causada morte deles. Tenho medode que ninguém queira brin-car comigo, por achar que eutambém tenho Aids.

Escute Penina cantar a canção damãe em www.childrensworld.org

Vender o próprio corpo – Se não tivéssemos a ajudadas mães, provavelmenteestaríamos nas ruas, onde avida é muito dura. Talvez,paraos meninos não seja tão difícil, mas para nós, meni-nas, viver nas ruas é muitoperigoso. Muitas meninasvendem o próprio corpo para sobreviver, conta Penina.

Mamãe deveria ter recebidoremédios gratuitos!– Mamãe recebeu uma receitacom remédios que não tínhamos condições de com-prar. Acho uma injustiça! Os pobres deveriam receberremédios gratuitos ou pelomenos mais baratos. Sei quehá remédios que permitemaos ricos com HIV/Aids teruma vida longa. Se mamãetivesse tomado esses remé-dios, talvez ainda estivesseaqui conosco.

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