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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS – PUCAMP
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E PSICOPEDAGOGIA
O BRINCAR INFANTIL: CONSTRUINDO AS RELAÇÕES SOCIAIS.
CAMILA PIMENTEL SANTAMARIA
CECÍLIA NOGUEIRA DA SILVA TOGNI
Campinas
2006
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS – PUCAMP
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E PSICOPEDAGOGIA
O BRINCAR INFANTIL: CONSTRUINDO AS RELAÇÕES SOCIAIS.
CAMILA PIMENTEL SANTAMARIA
CECÍLIA NOGUEIRA DA SILVA TOGNI
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como parte da exigência para
obtenção do título de Especialista em
Educação e Psicopedagogia, sob
orientação da Prof. Dra. Maria Silvia P.
M. L. Rocha.
Campinas
2006
Dedicamos este trabalho aos nossos companheiros, por nos estender a mão carinhosamente nos momentos difíceis, e pelo incentivo dado afim de que possamos progredir profissionalmente;
AGRADECIMENTOS
Aos nossos pais, pelo apoio dado ao longo de nossas vidas;
Aos nossos alunos, que nos possibilitaram experiências maravilhosas, que nos fizeram
amadurecer não só profissionalmente, como também pessoalmente e
Aos nossos colegas de curso, pelos momentos alegres e ansiedades divididas.
A nossa parceria, que não poderia deixar de ser citada, pela amizade que se iniciou como
conseqüência das doces coincidências de nossas vidas.
RESUMO
O presente trabalho aborda, sob a luz da teoria sócio-cultural, uma intervenção
Psicopedagogica proposta através de jogos de regras e jogos de exercício, com o intuito de
desenvolver o respeito mútuo, bem como a colaboração e o respeito às regras.
A intervenção foi realizada em uma instituição de âmbito público, com crianças de
seis e sete anos que apresentavam comportamentos agressivos entre si e ausência da
capacidade de se organizar em brincadeiras sem a presença de um mediador. Permeando
considerações dos seguintes autores: Vygotsky, Leontiev e Eukonin, que consideram a
atividade lúdica como atividade principal no desenvolvimento do sujeito e na constituição das
relações sociais.
Palavras – chaves: desenvolvimento infantil, brincar, jogos de regras.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................7
1.1 OBJETIVOS............................................................................................ 8
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...........................................................9
2.1 DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO.............................................9
2.2 A TEORIA SÓCIO-CULTURAL E A CONSTITUIÇÃO DO
BRINCAR...............................................................................................14
2.3 A IMPORTÊNCIA DO BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL..............................................................................................18
2.4 A CONTRIBUIÇÃO DOS JOGOS DE REGRAS..............................21
2.5 O BRINVCAR NA ESCOLA................................................................25
3. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO.......................................................28
3.1 METODOLOGIA..................................................................................28
3.2 DETALHAMENTO DO PLANO DE INTERVENÇÃO...................30
4. PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DE DADOS...................................33
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO E DO GRUPO..............34
4.2 ETAPAS DO PROCESSO....................................................................36
4.3 RELATOS E ANÁLISE DAS BRINCADEIRAS...............................41
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................43
6. ANEXOS..................................................................................................45
1. INTRODUÇÃO
Logo após o término da graduação em Pedagogia, no ano de 2005, ao nos inserirmos
no mercado de trabalho, nos deparamos com a realidade da escola pública brasileira. Apesar
de trabalharmos em instituições distintas, uma de âmbito estadual, outra de âmbito municipal,
somos ambas responsáveis por ministrar aulas na primeira série do Ensino Fundamental, o
que nos aproximou justamente pelo fato de podermos trocar experiências educacionais, bem
como compartilhar nossos anseios e inseguranças ao longo do ano. O sistema público de
ensino, o modo como é organizado, a precariedade dos materiais didáticos, bem como das
estruturas físicas foram pauta de nossas discussões inúmeras vezes; entretanto; o nosso
enfoque maior foi sempre: as crianças e o processo ensino-aprendizagem.
Com relação ao processo ensino-aprendizagem, fomos encontrando novos caminhos,
algumas respostas às nossas dúvidas, o que foi nos amadurecendo profissionalmente.
Entretanto, ao observarmos as crianças e a maneira que se relacionam entre si, passamos a
notar certa agressividade no comportamento dessas, repetidas vezes, em diferentes situações,
seja na sala de aula, seja na Educação Física ou no recreio.
Essa agressividade nos provocou certo incômodo, despertando, assim, nosso interesse,
o que nos fez observar com maior atenção as atitudes e as maneiras com que se relacionam
socialmente esses alunos.
Pudemos constatar que, apesar de serem instituições escolares distintas, as crianças
apresentam comportamentos semelhantes e mostram dificuldades em respeitar regras, bem
como em respeitar os colegas. Acreditando que a socialização faz parte da construção do
conhecimento e, portanto, é algo que deve ser abordado com cautela, é que viemos, através
desse trabalho, propor uma intervenção psicopedagógica que ocorrerá através de jogos de
regras previamente selecionados.
Foram escolhidos os jogos de regras como intervenção, pois percebemos também a
dificuldade das crianças de se organizarem em momentos livres para brincarem; o que ocorre
nesses momentos, em geral, são corridas aleatórias ao longo do espaço, gerando assim mais
agressividade entre elas.
Segundo a teoria histórico-cultural, o jogo de regras só se desenvolve entre as crianças
se houver por parte dos educadores esforços para que isso aconteça. A introdução desses
jogos com os educandos estimulará através da competição saudável a concentração, a
elaboração de estratégias, e um espaço para a convivência social.
A instituição escolar por nós escolhida fica localizada no município de Indaiatuba. O
público alvo será uma turma do período vespertino de primeira série. A atuação acontecerá
duas vezes por semana no período de aula.
1.1 OBJETIVOS
- Construir com as crianças, através das intervenções, o conhecimento dos jogos, afim
de que saibam se organizar, gradativamente de modo mais autônomo;
- Contribuir para o desenvolvimento da importância do respeito mútuo, bem como de
atitudes de colaboração;
- Auxiliar a compreensão sobre a importância da regras, por parte dos alunos, para o
bom funcionamento da rotina escolar.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO
A teoria sócio-histórica compreende o homem como ser social e histórico. Fatores
históricos, culturais e as condições sociais são responsáveis pela construção do psiquismo
humano, isto é, pelos modos como o indivíduo atua no meio, como o percebe e o representa,
seus costumes, sentimentos e relações com os outros. Todas essas ações também afetam o
meio diretamente, organizando e construindo o modo de vida dos indivíduos. Assim, essa
abordagem teórica nos conduz a formarmos um olhar voltado a cultura, já que esta é fruto da
atividade humana e da transformação histórica possível pelo desenvolvimento e evolução da
mente humana.
A partir desta abordagem, entende-se que os processos de desenvolvimento e
aprendizagem são marcados pela inserção do indivíduo em um determinado grupo cultural e
se dão a partir de elementos mediadores — instrumentos, signos e tudo que carrega
significado cultural — na relação do homem com o meio social e com o outro, além das
transformações internas, no plano psicológico.
A cultura, entretanto, não é pensada por Vygotsky como algo pronto, um sistema estático ao qual o indivíduo se submete, mas como uma espécie de “palco de negociações”, em que seus membros estão num constante movimento de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados. A vida social é um processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo e onde acontece a interação entre o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um. Neste sentido, e, novamente associado a sua filiação marxista, Vygotsky postula a interação entre vários planos históricos: a história da espécie (filogênese), a história do grupo cultural, a história do organismo individual da espécie (ontogênese) e a seqüência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo. (OLIVEIRA, 2002:38).
Para Vygostky, o desenvolvimento humano se constitui em duas dimensões: primeiro no
nível social (interpsicológico) e depois no nível individual (intrapsicológico). Inicialmente, o
indivíduo realiza ações externas que são interpretadas pelos outros de acordo com os valores
culturais já estabelecidos. A partir disso é que atribui significação às suas próprias ações e
desenvolve os processos psicológicos internos tornando- se capaz de interpretá-las sozinho,
sendo compreendido e compartilhando códigos com os membros do grupo social a que
pertence. Através da relação interpessoal é que o indivíduo vai interiorizar as formas
culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico e, ao mesmo tempo, vai
interpretando e modificando a própria cultura, numa práxis de ações e influências recíprocas
permanentes.
Esse processo inicia-se na vida do sujeito desde o nascimento, pois ele já nasce em um
ambiente cultural em constante interação com o outro (adultos) e essas relações são
mediadas, a todo o momento, por signos e instrumentos que, ao longo da vida, a criança vai
internalizando e apropriando-se deles. Nessa fase da vida — a infância — a presença do
adulto é de extrema importância uma vez que a criança o vê como referência. Além disso, o
adulto passa a ser responsável e constituinte de todo o processo de desenvolvimento dela,
motivando, mediando, intervindo e, portanto, transformando o modo de pensar e agir da
criança. Não só o adulto representa o outro nessa relação, como também seus iguais tem um
papel fundamental no desenvolvimento do pensamento, mediando e intervindo de formas
diferentes mas muito significativas.
Outro fator importante no desenvolvimento psicológico do sujeito que não podemos
desconsiderar é a base biológica humana. Embora Vygotsky fundamente sua teoria no social
e não enfatize o biológico, ele não o desconsidera.
Encara o homem, também, como sujeito biológico, diferenciando em o homem do animal
com relação ao desenvolvimento psicológico. Embora as ações, ou seja, a inteligência prática
tenha sido comparada, através de experiências, com ações de macacos antropóides, o sistema
de atividade das crianças ocorre não só pelo desenvolvimento orgânico, como também pelo
aumento do domínio de uso de instrumentos. Dessa forma, os fatores biológicos e os fatores
sociais são considerados, ou seja, tanto o conhecimento do cérebro como material de
atividade psicológica, quanto a cultura são essenciais na constituição do ser humano. Há uma
interação entre bases biológicas de comportamento e condições sociais
Há uma certa fase no processo de desenvolvimento da criança, em que, realmente, sua
ações e modos de resolver situações problemas são semelhantes aos dos animais. Entretanto,
a inteligência prática aliada ao uso de instrumentos e à integração da fala é que dá aos
sujeitos formas plenamente humanas e propicia o desenvolvimento de funções psicológicas
superiores.
Assim que a fala e o uso de signos são incorporados a qualquer ação, esta se transforma e se organiza ao longo de linhas inteiramente novas. Realiza-se, assim o uso de instrumentos especificamente humanos, indo alem além do uso possível de instrumentos, mas limitado, pelos animais superiores. (VYGOTSKY, 1991:27).
Diante disso, conclui-se que, para Vygostky, a fala é fator decisivo para modificar
qualitativamente as ações na direção de alcançar objetivos, pois auxilia na resolução de
atividades, ajuda a ordenar e planejar, o que promove a internalização.
Para que haja o desenvolvimento de funções superiores é preciso que haja mediação,
ou seja, é preciso que haja um processo de intervenção de um elemento intermediário.“A
mediação é um processo essencial para tornar possível atividades psicológicas voluntárias,
intencionais, controladas pelo próprio individuo”. (OLIVEIRA, 2002:33)
Rocha (1994) nos lembra que, para Vygotsky, o desenvolvimento histórico-cultural se
dá através de três formas de mediação entre o sujeito e o mundo: a mediação instrumental, a
semiótica e a social. A mediação instrumental refere-se aos apoios externos concretos que
possibilitam ao individuo lidar com a realidade de uma forma indireta, ampliando suas
possibilidades de ação sobre o mundo. Já na mediação semiótica, a linguagem ocupa um
espaço privilegiado, pois permite ao sujeito tanto afetar a realidade e agir sobre o outro,
como também permite afetar a própria atividade. Por fim, a mediação social refere-se a
participação do outro no processo de desenvolvimento
Diante disso, pode-se observar que inicialmente, o sujeito se beneficia de signos
externos disponibilizados pelo Outro, ou seja, pelas pessoas que ocupam posições de
mediadores na vida de cada indivíduo. Gradualmente, o próprio sujeito começa a ser capaz
de operar, ele próprio, a utilização de signos externos para regular seu comportamento e
funcionamento mental. No decorrer do processo de desenvolvimento, o sujeito vai
abandonando (ao menos parcialmente) as marcas externas e passa a utilizar signos internos,
substituindo-as. Vygotsky chamou esse processo de internalização, ou seja, a atividade que
anteriormente fora mediada por instrumentos externos passa a se constituir internamente, em
um processo voluntário, que possibilita ao homem fazer planos, ter intenções, imaginar e se
libertar do espaço e tempo presentes."Ao longo de seu desenvolvimento o indivíduo
internaliza formas culturalmente dadas de comportamento, num processo em que atividades
externas, funções interpessoais, tranformam-se em atividades internas, entretanto
lógicas”.(OLIVEIRA, 2002:27).
O processo de internalização, em síntese, é a reconstrução interna de uma operação
externa, tendo como base a operação com os signos, ou seja, é um processo em que o
funcionamento interpsicológico é transformado em intrapsicológico. Dessa forma, pode-se
concluir que as funções superiores são construídas de fora para dentro do individuo.
Vygotsky aponta, ainda, que o processo de desenvolvimento psicológico está
diretamente ligado à aprendizagem. Para este autor, a aprendizagem é fundamental para que
se constituam funções psicológicas superiores, formando processos internos. “... O
desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado
grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos da sua espécie”. (REGO,
1995:71).
O aprendizado é responsável por criar o que Vygotsky intitulou de zona de
desenvolvimento proximal – ZDP. Segundo Rego (1995), dois níveis de desenvolvimento
são identificados por Vygotsky: o nível de desenvolvimento real, que se refere às conquistas
já efetivadas (atividades que são realizadas de modo autônomo pelo sujeito), ou seja, refere-
se a funções mentais da criança que se estabeleceram como resultados de ciclos de
desenvolvimento já completados, e o nível de desenvolvimento potencial, que também se
refere àquilo que se consegue realizar, entretanto, com a ajuda de outra pessoa. É exatamente
a distância entre esses dois níveis que Vygotsky chamou de ZDP, que define aquelas funções
que ainda estão em processo de maturação. Pode-se dizer, então, que a zona de
desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente.
A zona de desenvolvimento proximal refere-se, assim, ao caminho que o individuo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. A zona de desenvolvimento é, pois, um domínio psicológico em constante transformação, aquilo que a criança é capaz de fazer com ajuda de alguém hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã. (OLIVEIRA, 2002:60)
As intervenções sociais mais promissoras para o desenvolvimento devem, portanto
orientar-se pelo conceito de zona de desenvolvimento proximal para provocar avanços que
não ocorrerão espontaneamente.
A ZDP é um instrumento conceitual fundamental para os educadores, pois através
dessa concepção aponta-se para a importância de considerar-se tanto de processos já
completados, quanto os processos que ainda estão se desenvolvendo.
Vygotsky ressalta que o aprendizado e o desenvolvimento estão inter-relacionados
desde o primeiro dia de vida de uma criança. Ou seja, o aprendizado dessa ocorre antes que
ela seja inserida no ambiente escolar, através de experiências vivenciadas que não podem ser
de forma alguma ignoradas, embora a aprendizagem escolar introduza elementos novos no
desenvolvimento da criança.
A zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da
criança, e seu estado dinâmico de desenvolvimento propiciando o acesso não
somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento como também àquilo
que esta em processo de maturação.(VYGOTSKY,1991: 98).
As intervenções educativas que pretendem garantir aprendizado considerando apenas
níveis de desenvolvimento que já foram atingidos tendem a provocar uma estagnação, ou
seja, tornarem-se limitadas, por não desencadearem avanços.
Dessa forma, para alcançar bons resultados, as intervenções educativas devem
investir na construção de condições propícias para aprendizagens que se adiantem aos níveis
de desenvolvimento já estabilizados.
2.2 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E A CONSTITUIÇÃO DO
BRINCAR
Ao abordar o desenvolvimento psicológico na perspectiva histórico-cultural, é
possível compreendermos que o funcionamento psicológico constrói-se a partir de relações
sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, em um processo histórico, sendo especialmente
importantes seus aspectos sociais e culturais. A cultura, nesse processo, passa a fazer parte da
natureza humana, moldando o funcionamento psicológico do sujeito; sendo assim, diferentes
culturas produzem diferentes modos de funcionamento psicológico.
A questão do brincar, nesta abordagem, está inserida neste contexto cultural, social e
histórico, uma vez que essa atividade é produto das relações humanas e da cultura. Portanto,
o brincar é uma atividade que faz parte da história humana e também caracteriza a evolução
do pensamento humano.
Resgatando esses conceitos, tanto históricos quanto psicológicos é que Rocha (1994)
destaca algumas questões relevantes sobre a origem do brincar e a relação com a teoria
histórico-cultural. A primeira é a relação da atividade lúdica (jogo) com as mudanças
operadas nos grupos sociais, existindo variações dessas atividades quando comparadas a
culturas e épocas diferentes. A segunda são as categorias às quais a atividade lúdica está
intimamente ligada: objetos, ações e mediação social. Por fim, a terceira questão é a
dimensão ontogenética que refere-se à análise dos processos psicológicos relacionados com a
capacidade de brincar.
A brincadeira é uma atividade que tem origem na relação homem – cultura e nesta
abordagem teórica é, freqüentemente chamada de atividade lúdica. Uma vez que a cultura é
mutável, com profundas diferenças nos instrumentos, signos e atividades que a compõem, as
atividades lúdicas tiveram transformações ao longo da história.
Elkonin (1998) é quem mostra as alterações históricas ligadas às mudanças nas relações
de trabalho e enfatiza a necessidade de entender o aparecimento do jogo (atividade lúdica)
buscando seus pressupostos na história das relações humanas, para elucidar em que
condições e devido a que aspectos dos modos de vida dos diferentes grupos sociais, a
atividade lúdica surgiu. Além disso, mostra a diferença entre essas atividades devido ao
desenvolvimento dos diferentes povos.
Tomando como base as formas de organização social primitivas, esse autor analisou as
primícias do que originou o que chamamos de atividade lúdica, pois a criança entrava em
contato com os instrumentos culturais muito cedo, tendo com eles uma relação, ainda, não
lúdica.
O trabalho deste autor inclui esforços na direção da análise do brinquedo, do objeto
manipulado e usado como brinquedo, nas culturas arcaicas e, posteriormente, no
aparecimento das formas de atividades lúdicas decorrentes de alterações nas relações de
trabalho. Coloca ainda que a base do processo de evolução do jogo não está calcada no
objeto em si “nem em seu uso, nem a mudança de objeto que o homem possa fazer, mas nas
relações que as pessoas estabelecem mediante as suas ações com os objetos; não é a relação
homem-objeto, mas a relação homem-homem”.(ELKONIN, 1991:34). Assim, muito mais do
que a utilização de objetos, a interação e mediação do Outro é, sem dúvida, fator fundamental
na constituição do lúdico. O adulto, nesse contexto, tem presença decisiva para constituir o
cenário social do brincar, com a função de mediadores entre a criança e o mundo, mais
especificamente entre os objetos presentes na cultura e a criança; e, mais que isso, a prática
cultural e social dos adultos são vivenciadas pelas crianças como forma de internalizar a
cultura, se apropriando do mundo real que a cerca.
As ferramentas e as formas primitivas de trabalho ao alcance da criança permitem-lhe tornar-se independente mais depressa por necessidades da própria sociedade, mediante a participação direta no trabalho dos adultos. Não se trata de exploração: o trabalho infantil tem caráter de tarefa social espontânea. É certo que as crianças desempenham suas obrigações laborais, nelas introduzem características infantis específicas, talvez desfrutem, inclusive, do próprio processo e, em todo o caso, sentem-se satisfeitas por ter atuado com os adultos e como adultos. (ELKONIN, 1991:59)
Nas culturas mais elementares, as crianças desde pequenas (com 3 ou 4 anos) já
participavam ativamente de atividades adultas como trabalho doméstico e atividades de
sobrevivência (caça, cultivo da agricultura). O trabalho comum vinculava a criança ao
trabalho e a manipulação de objetos.
Com o passar do tempo, formas mais elevadas de produção e a evolução dos
instrumentos foram surgindo e transformando as relações sociais. Houve na história o que
Marx intitulou de divisão do trabalho.
O afastamento da criança das atividades produtivas de trabalho provocou mudanças
consideráveis no caráter educativo, no processo de formação da criança e seu papel na
sociedade.
Gradualmente, a relação entre instrumentos de trabalho e objetos lúdicos vai se tornando mais indireta, surgindo neste distanciamento a constituição de suas categorias bem distintas: objetos feitos para o trabalho e objetos feitos para brincar, neste processo, as ações necessárias e o produto da utilização dos últimos se tornam cada vez mais simbólicas. (ROCHA, 1994:42).
A modificação desses instrumentos, ao longo da história, impulsionou o desenvolvimento
intelectual humano, pois a transformação dos objetos passou a exigir um domínio mais
amplo de capacidades originando diferentes ações e, portanto, constituindo o brincar
socialmente, atribuindo particulares relacionadas ao convívio e costumes de determinado
grupo social.
Neste processo, Elkonin destaca, novamente, a importância do adulto (ou do Outro).
Destaca, também, o uso da linguagem que vai dando significações, nomes e função para os
objetos e as ações fictícias realizadas com eles, enriquecendo e tornando possível a
capacidade lúdica.
Estas intervenções do adulto (em geral) acorrem de modo informal, normalmente sem consciência plena dos processos que estão instaurados e sem sistematização dos procedimentos. O processo de desenvolvimento da atividade lúdica implica, portanto, a formação inicial e posteriores transformações de capacidades que se originem na atividade conjunta com os sujeitos mais experientes da cultura em que o indivíduo se insere. (ROCHA, 1994:45)
Assim, a criança vai se apropriando da utilização de objetos, inicialmente apresentados
pelos adultos, significando-os e internalizando ações de sua realidade e cultura.
Como já foi explicitado, o aprendizado acontece por meio das relações sociais e depois
no nível individual. Na ação de brincar acorre o mesmo processo: primeiramente a criança
entrará em contado com os objetos lúdicos através da relação que tem com o adulto, agindo
como ele, e, posteriormente, suas ações vão mudando por que toma consciência do mundo,
da realidade, que é transformação psíquica.
Leontiev (1988), em seus estudos, explica como a criança se relaciona com o lúdico,
partindo dos conceitos de motivação (necessidade que têm de agir sobre algo para conhecer o
mundo), ação (que envolve operação e conteúdo da ação) e transformação que ela acarreta
(tomada de consciência).
A necessidade de agir sobre algo, citada acima, muitas vezes surge do desejo dela de agir
como o adulto, “de agir da maneira que ela vê os outros agirem, da maneira que lhe disseram,
e assim por diante” (LEONTIEV, 1988:125). Portanto, o que motiva o brincar não é instinto,
mas “a tomada de consciência da atitude humana em face dos objetos, isto é, das ações
humanas realizadas com eles” (LEONTIEV, 1988:120); o que a criança mais deseja, mesmo
sem ter a consciência disso, é ter o domínio de uma ação adulta que ainda não é apta para
realizar por conta de suas capacidades. Por isso, a satisfação que a criança tem ao brincar,
não é localizada no fim, no resultado (vencendo, conseguindo o objetivo proposto), mas no
processo, na ação em si.
Assim, na abordagem em questão, a brincadeira é vista como produto histórico e cultural
e que tem um papel importante na constituição do sujeito (histórico) e em seu
desenvolvimento.
2.3 A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NO DESENVOLVIMETO
INFANTIL
A idade pré-escolar é uma fase da vida em que o desenvolvimento do sujeito é evidente.
Cada conquista, cada aquisição de conhecimentos traz transformações nítidas. Nesta fase,
têm especial valor para a criança as atividades lúdicas, pois é brincando que ela expande
seus conhecimentos e busca domínio das ações adultas. “Trata-se da esfera de atividade do
indivíduo que lhe permite, rompendo os limites do que ele já é, experimentar aquilo que pode
ser, não num sentido restritivo e direto, mas como sujeito integrado em sua
cultura”.(ROCHA, 1994:48).
O mundo humano e o que o constitui ainda é muito amplo e complexo para a criança,
mas ela vai o conhecendo e tendo consciência desse mundo explorando e agindo sobre ele,
pois a consciência emerge sob forma de ação. “Uma criança que domina o mundo que a
cerca é a criança que se esforça para agir neste mundo”.(LEONTIEV, 1988:120).
Leontiev explicita que durante a fase pré-escolar as atividades são diversas.
Primeiramente, as ações da criança são guiadas pela satisfação das necessidades vitais, ainda
que diferente dos resultados de sua atividade, isto é, “atividade de uma criança não determina
e, essencialmente, não pode determinar a satisfação de suas necessidades de alimento, calor e
etc.” (LEONTIEV, 1988:119). O objetivo da criança é apenas satisfazer as necessidades que
não, necessariamente, estão relacionadas com o seu resultado.
A atividade lúdica, por sua vez, origina-se do mesmo processo, de agir e operar sobre
algo. É caracterizada pelo autor como atividade objetiva, não instintiva, cujo motivo está no
próprio processo. É uma atividade essencialmente humana que tem base na percepção que a
criança tem do mundo e a necessidade da mesma de agir sobre ele. Isso faz parte do processo
da aprendizagem e desenvolvimento psíquico, pois, através dessas atividades, mudanças
psicológicas acontecem e levam a criança a novos tipos de atividades mais elaboradas. Nesse
contexto, o brincar é considerado, como atividade principal1 de desenvolvimento uma vez
que a criança se relaciona com o mundo de modo especialmente rico através dela. Através do
conceito de atividade principal, o autor destaca que “O desenvolvimento mental de uma
1 “Chamamos atividade principal aquela em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolve processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento.” (LEONTIEV, 1988:122)
criança é conscientemente regulado sobretudo pelo controle de sua relação precípua e
dominante com a realidade, pelo controle de sua atividade principal” (LEONTIEV,
1988:122)
A brincadeira, como atividade principal, constitui-se de ações e operações como outras
atividades humanas, no entanto com algumas características diferentes. O que mais importa
na atividade lúdica é a motivação que se encerra na simples ação (realizar algo) e na
operação (meios pelos quais a ação é realizada), pois, “o que distingue uma ação que não
constituiu uma brincadeira é apenas sua motivação, isto é, a ação lúdica é psicologicamente
independente de seu resultado objetivo, por que sua motivação não reside nesse resultado.”
(LEONTIEV, 1988:126).
Ao brincar, a criança pré-escolar não se preocupa com o resultado de sua ação, mas
brinca, joga e manipula objetos para experimentá-los e representar situações e
acontecimentos reais, isto é, que fazem parte da convivência cultural no grupo social a que
pertence. O que a move às atividades lúdicas são simplesmente fatores sociais e o desejo de
incluir-se em seu grupo e apropriando-se do mundo que a cerca; podemos dizer também que
motivações individuais impulsionam as crianças a agirem e brincarem das mais diversas
formas. Por isso, muitas vezes pensamos que as crianças criam e inventam suas atividades,
fantasiando acontecimentos, no entanto, o que estão fazendo é apenas penetrando na
realidade de forma generalizada, ou seja, representando uma ação que é do conhecimento
dela. Em vista disso, Leontiev explicita que “a atividade lúdica surge com especial clareza
quando alguma ação que a criança já domina perfeitamente é incluída em sua atividade
lúdica”.(1988:130).
Vygotsky acrescenta que a criança não tem consciência das motivações do brinquedo e
esta é a diferença entre brinquedo, trabalho e outras atividades, nas quais, mesmo que não
haja compreensão de todo processo, o sujeito atenta às operações necessárias e está orientado
para o resultado. (ROCHA, 1994:50).
Assim como as diversas ações no desenvolvimento do sujeito são vivenciadas e
internalizadas modificando o psiquismo (sem que ele esteja consciente dessas modificações)
os ganhos através das atividades lúdicas ocorrem de forma não intencional, mas afetando
diretamente o desenvolvimento psicológico infantil.
Vygotsky destaca que o brincar tem um papel fundamental quanto à função simbólica,
isto é, a possibilidade de representação. Ao representar, a criança torna-se capaz de pensar
em objetos ausentes, relembrar acontecimentos e prever resultados de suas ações, ainda que
fictìcios.
Dentro dessa idéia, o brincar tem um papel fundamental no desenvolvimento do
pensamento da criança, pois cria zonas de desenvolvimento proximal (ZDP). Quando uma
criança representa uma situação, substitui objetos por outros e cria regras para suas
atividades, ela está trabalhando na ZDP, operando com significados e conduzindo o seu
pensamento conceitual, bem como a linguagem e o comportamento para níveis mais
avançados. Ela aprende a atuar de acordo com o significado das ações e utilizar os objetos
internalizando suas diversas utilidades, portanto, referindo-se a linguagem, seus diversos
significados, provocando assim mudanças em suas atitudes (agir) e compreensão
(significado).
As transformações, que o brincar permite, favorecem as várias áreas do desenvolvimento
da criança com especial importância para os seguintes processos psicológicos: dimensão
simbólica, campo perceptual, representação do real, apropriação do mundo real, formação de
novos conceitos, campo perceptual, capacidade imaginativa e comportamento.
2.4 A CONTRIBUIÇÃO DOS JOGOS DE REGRAS
Para falarmos dos jogos de regras, é preciso descrever sua evolução, pois tem sua origem
a partir dos jogos de faz-de-conta. Para tanto, definiremos, brevemente o jogo de faz-de-
conta e, posteriormente, os jogos de regras, dando especial destaque para suas contribuições
para o desenvolvimento do sujeito. Embora uma atividade não esteja, aparentemente, ligada a
outra, isto é, brincar de casinha (jogo de papéis) ou brincar de esconde-esconde (jogo de
regra) “uma forma se desenvolve a partir da outra, em virtude de uma necessidade inerente à
própria atividade lúdica da criança, pela qual os jogos “com regras” surgem em estágio
posterior.” (LEONTIEV, 1988:134), há o declínio de uma forma de brincar para o
surgimento e desenvolvimento da outra.
A forma inicial da criança pré-escolar se relacionar com o brinquedo caracteriza-se pelo
papel lúdico que a própria ação proporciona, manipulando e experimentando objetos e suas
funções. No Processo de desenvolvimento do brincar a criança passa não só relacionar-se
com o objeto, mas o conteúdo do brincar passa também a valorizar as relações com outros
participantes. A criança começa a permitir a presença do outro na atividade lúdica fixando o
motivo das ações neles. Todas essas ações são independentes de regras ou de condutas a
serem seguidas, brincam pelo prazer da ação e não estão preocupadas com o resultado, mas
com o processo.
Posteriormente a criança brinca com representações do real, atribui às suas ações uma
função social (humana e cultural) num contexto imaginário.
A situação objetiva imaginária desenvolvida é sempre, também, uma situação de relações humanas nelas desenvolvidas. Um traço marcante dos jogos, com uma situação imaginária desenvolvida e relações sociais, é precisamente o de que surge neles um processo de subordinação da criança às regras da ação, processo este que surge das relações estabelecidas entre os participantes do jogo. (LEONTIEV, 1988:136)
Nesta forma de brincar, as regras existem, mas estão implícitas às ações e representações
manifestadas, ou seja, numa situação imaginária as ações e os papéis assumidos pelas
crianças são guiados por uma lógica cultural e social, podendo-se assim dizer, guiados pelas
regras culturais e sociais ou então regras combinadas pelos próprios participantes. Assim, “no
jogo de papeis as regras estão ocultas, sendo necessário um trabalho de análise para
reconhecê-las e identificá-las.” (ROCHA, 1994: 71).
No jogo de papeis são construídos argumentos que preenchem o jogo, auxiliando e
limitando as representações feitas pelas crianças ao brincar, pois o que interessa é cumprir os
requisitos do papel representado. Diante disso, Elkonin também admite o surgimento de
regras:
Surgem regras internas não escritas, mas obrigatórias para os que jogam, provenientes do papel e da situação lúdica. Quanto mais desenvolvido está o jogo, tanto maior é o número de regras internas e os aspectos lúdicos multiplicam-se e ampliam-se cada vez mais, envolvendo as inter-relações histriônicas das crianças, os sentidos atribuídos aos brinquedos e a continuidade do desenvolvimento do argumento.(1998:243)
As regras, portanto, encontram-se encobertas até o surgimento dos jogos de regras, onde
as regras são explícitas. Apesar das diferenças entre jogos de papéis e jogos de regras, existe
uma unidade entre ambos podendo ser pensados em uma mesma linha de construção e
desenvolvimento, pois a distinção deles só será percebida quando as regras não estiverem
mais vinculadas com os argumentos e papéis.
Assim, a principal mudança que ocorre no brincar durante o seu desenvolvimento é a
transformação dos jogos de papéis, jogos imaginários, para os jogos de regras,
evolutivamente maior que o anterior.
Neste contexto, encontramos aqui um referencial importante da teoria sócio-histórica que
compreende a articulação entre os jogos de papéis e os jogos de regras. Postula que a regra é
presente em qualquer atividade lúdica, no entanto a evolução está no lugar que ocupa dentro
da atividade. “Como o que regula o jogo de regras são normas estabelecidas a priori, externas
e condicionais, conclui que a capacidade da criança de participar deste tipo de atividade
deriva da sua história de envolvimento em jogos de papéis”.(ROCHA, 1994:73)
O desenvolvimento do jogo de papéis e a participação do Outro nesse processo envolvem
as relações sociais, subordinando o comportamento da criança a regras reconhecidas em suas
ações, preconizando o surgimento do jogo de regras e conscientizando-as do princípio da
própria regra.
Sobre esta base é que o os jogos de regras surgem como um novo estágio do brincar no
desenvolvimento humano e estabelece novos objetivos para a ação na atividade lúdica.
Leontiev ressalta que “são jogos cujo conteúdo fixo não é mais o papel e a situação lúdica,
mas a regra e o objetivo” (1988:138).
Quando as crianças começam a focalizar o objetivo, o cumprimento das regras, elas dão
um salto psicológico importante no seu desenvolvimento, a significação desse jogo reside
agora em um resultado, não que o jogo tenha se tornado para a criança uma atividade
produtiva, por que o motivo do jogo continua o mesmo, mas seu sentido consiste na
subordinação a condições e na realização de objetivos claros e diretos (regra do jogo).
Leontiev coloca que os jogos de regras têm um desempenho importante no
desenvolvimento da criança. Em sua argumentação, cita o exemplo de um jogo russo de
movimento, de pega, em que a criança tem uma regra a seguir para atingir um objetivo, um
resultado final e diz:
Todos esses jogos são de grande interesse psicológico, por que traços extremamente importantes da personalidade da criança são desenvolvidos durante tais jogos e, sobretudo, sua habilidade em se submeter a uma regra, mesmo quando um estímulo direto a impede a fazer algo muito diferente. (LEONTIEV, 1988:138)
Portanto, o jogo de regras implica que a criança controle seu próprio comportamento,
segundo um plano definido (regras), fazendo-a construir novas ações. Possibilita à criança
não somente repetir as ações (mesmo que a repetição faça parte desse processo como forma
inicial de internalizarão das ações e regras do jogo), mas que as repense e construa novas
formas de agir e estratégias, utilizando o que lhe é permitido fazer dentro dos limites que lhes
são dados. Outra implicação que o jogo de regras traz, é a possibilidade que a criança tem de
avaliar-se diante da ação que ela mesma praticou ou em comparação com a ação do outro.
Pensar sobre o erro e torná-lo observável leva a criança a tomar consciência de seus próprios
procedimentos elevando suas ações a um patamar mais elevado.
2.5 A BRINCADEIRA NA ESCOLA
Com o enfoque nas considerações da importância do brincar no desenvolvimento da
criança é que destacamos a relevância do brincar na escola, uma vez, que a escola é espaço e
tempo de aprender e responsável por parte importante do desenvolvimento das crianças que a
freqüentam.
Na escola à criança é possível relacionar-se com sujeitos da mesma idade, resolver
conflitos, com a ajuda de um adulto ou até mesmo sozinha, desenvolver seu pensamento,
linguagem e emoções. Além disso, a escola tem como objetivo desenvolver o sujeito
plenamente, em todas as suas áreas de desenvolvimento, cognitiva, social, cultural e
emocional. Conseqüentemente, consideramos o brincar uma atividade que, se explorada e
valorizada pelos educadores, se torna um instrumento rico para a aprendizagem de todos
esses conceitos colocados acima.
Brincar é sem dúvida, uma forma de aprender, mas é muito mais que isso. Brincar é experimentar-se, relacionar-se, imaginar-se, expressar-se, compreender-se, confrontar-se, negociar, transformar-se, ser. Na escola, a despeito dos objetivos do professor e de seu controle, a brincadeira não envolve só a parte cognitiva da criança. Envolve a criança toda. É prática social, atividade simbólica, forma de interação, com o outro. Acontece no âmago das disputas sociais, implica a
constituição do sentido. É criação, desejo, emoção, ação voluntária. (FONTANA, 1997:139)
Apesar de todas essas contribuições, pouco se vê a brincadeira como parte dos projetos
didáticos pedagógicos da escola. Isso se deva as concepções sobre o brincar e o olhar que se
tem sobre essa atividade. Uma delas refere-se à questão de como se entende o espaço e o
tempo escolar, outra é considerá-lo um momento de passa tempo, ou, ao contrário dessas,
encarar o brincar como metodologia e técnica para a aprendizagem.
Arraigada a idéias tradicionais de ensino, de que escola é lugar de aprender e não de
divertir-se, a dimensão lúdica é, muitas vezes, simplesmente esquecida ou vista como
baderna, confusão, desinteresse ao aprender. O brincar sempre pressupõe ação, movimento,
pois, como já colocado, brincar é agir sobre objetos, agir no mundo, representá-lo e expor
emoções; é exatamente essa “movimentação” que é tolhida na escola, principalmente na sala
de aula.
Ao utilizar a brincadeira como passa-tempo, descarta-se a possibilidade do educador criar
as zonas de desenvolvimento proximal (colocadas por Vygotsky), de poder intervir, ou
simplesmente, observar como as crianças estão se relacionando e entendendo o mundo.
Outras concepções valorizam o brincar como forma de aprender, mas ainda assim
descaracterizam o verdadeiro sentido dessa atividade, pois a colocam numa posição técnica e
metodológica, “em vez de aprender brincando, a criança é levada a usar o brinquedo para
aprender”.(FONTANA,1997:139). Nessa perspectiva, a ação do brincar não se torna
espontânea, agradável ou motivadora, mas uma obrigação cognitiva, se assim podemos
chamar a responsabilidade e obrigatoriedade que o educador, nesse caso, faz da brincadeira
ou do jogo em sala de aula.
Valorizar o lúdico em meio às propostas pedagógicas é resgatar a sua importância como
atividade principal, que traz mudanças significativas ao desenvolvimento da criança,
quebrando paradigmas e enfrentando desafios:
O desafio está em transformar o jogo infantil em recurso pedagógico de construção de conhecimento pelas crianças. Para alcançar tal desafio, é preciso considerar as brincadeiras que as crianças trazem de casa ou da rua e que organizam independentemente do adulto. Para garantir o aparecimento do jogo independente, é necessário que a rotina escolar tenha períodos longos entre as atividades dirigidas, para que as crianças sintam-se a vontade para brincar. Que existam materiais variados, organizados de maneira clara e acessíveis às crianças, levando em conta a idade das mesmas. (VITAL, 2003: 45)
Assim, alguns pontos são relevantes para que o brincar tenha um espaço saudável na
escola: oportunizar tempo, brinquedos diversos, momentos dirigidos e livres para brincar.
Acima de tudo, mediar e ajudar as crianças a construírem suas competências lúdicas. Esses
momentos devem ser usados pelo professor como um descanso do ensino metodológico, e,
utilizados para observações e intervenções sutis para o ensino e aprendizagem prazerosos,
valorizando a espontaneidade da criança ao brincar.
Na teoria sócio-histórica, o professor também é personagem atuante no processo do
brincar na escola, uma vez que é ele o responsável por coordenar esses momentos,
estipulando tempo, dando instruções, proporcionando a qualidade do mesmo e participando
da brincadeira com os alunos. Além disso, pensar e preparar o ambiente para as crianças é
importante e significativo, criando um espaço onde a criança possa se deparar com conflitos,
buscar soluções, relacionar-se afetivamente e desenvolver-se cognitivamente. Nesse sentido,
os jogos e as brincadeiras tornam- se um instrumento que propicia ao professor o estudo do
pensamento da criança, de sua afetividade, de suas possibilidades de estabelecer relações
sociais e entender como a criança se depara com o erro e pensa sobre ele.
Falando especificamente dos jogos de regras, cuja evolução e importância foram
explicitadas anteriormente, entendemos que quando realizados na escola podem ter como
objetivo promover rica expressão dos afetos, desenvolvimento da personalidade e
desenvolvimento psicológico, ajudando criança com ou sem dificuldades de aprendizagem.
Esses jogos apresentam uma situação problema, objetivos a serem atingidos e um conjunto
de regras que determinam limites dentro dos quais os resultados permitem ao sujeito
coordenar suas açõe
3. PROSPOSTA DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA
3.1 METODOLOGIA
Para concretizar os objetivos propostos no presente trabalho, ou seja, contribuir para
que os educandos, através da intervenção com jogos, desenvolvam capacidade de respeito
mútuo, de colaboração, bem como de organização desses em brincadeiras sem que seja
necessário a presença constante de um adulto, elegemos como referência metodológica a
pesquisa qualitativa que supõe um contato direto entre o pesquisador e a situação, o ambiente
investigado, de maneira que esse seja uma fonte direta de informações. Esse contato nos
possibilitou um maior entendimento e desvelamento da realidade dos educandos e da maneira
com que se relacionam entre si, pois envolveu a obtenção dos dados descritivos obtidos do
nosso contato direto com a situação estudada, enfatizando mais o processo do que o produto,
com a preocupação de retratar a perspectiva dos envolvidos.
Dentro das inúmeras possibilidades de pesquisa qualitativa consideramos que o mais
adequado seria realizar uma pesquisa-ação, em que o pesquisador é o próprio interventor, ou
seja, está integrado tanto ao processo de construção quanto ao de auto-reflexão, o que nos
permitiu não só compreender a prática, como também a partir disso construí-la em processo
contínuo.
Maihiot (1970) afirma que a pesquisa-ação deve partir de uma situação social concreta
a modificar, e deve se inspirar constantemente nas transformações e nos elementos novos que
surgem durante o processo e o decorrer da pesquisa. Dessa forma, percebe-se claramente que
essa abordagem implica a transformação da realidade, através do pesquisador que assume
dois papéis, o de investigador e o de participante.
Segundo Franco (2005) a pesquisa-ação tem assumido uma postura diferenciada frente
ao conhecimento, pois visa ao mesmo tempo conhecer e intervir na realidade pesquisada,
fazendo com que o pesquisador faça parte do universo investigado.
O presente trabalho, como já havia sido dito anteriormente, foi realizado em uma
escola pública situada no município de Indaiatuba, na qual uma de nós leciona. O público
alvo da intervenção foram crianças de seis e sete anos, da primeira série do Ensino
Fundamental.
Como o objetivo do trabalho propõe a intervenção através de jogos e brincadeiras, em
um primeiro momento focamos nossa atenção somente na escolha dessas ferramentas.
Havíamos definido, inicialmente, focalizar somente jogos de regras; entretanto, percebemos, a
partir do contato com as crianças, um grande interesse dessas em jogos de movimento. A
partir disso, elencamos junto com os alunos diversas brincadeiras que conheciam. Após o
término desse primeiro levantamento, decidimos mesclar as brincadeiras e escolhemos: barra
manteiga, pega-pega americano, boliche, pega varetas e corre cutia.
Após a escolha das brincadeiras, realizamos observações dos educandos durante o
processo de intervenção, anotando passagens dos acontecimentos e situações relevantes,
destacando, sobretudo, a maneira com que se relacionavam entre si.
Para que se torne um instrumento válido e fidedigno de investigação cientifica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática, o que implica a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do observador. (LUDKE,2002:25)
Por fim, utilizamos a escrita e produção dos alunos para resgatar todo processo
desenvolvido e registrá-lo, através da produção de um livro feito individualmente por cada
criança.
3.2 DETALHAMENTO DO PLANO DE INTERVENÇÃO
Assim como Leontiev (1988) acreditamos que o alvo do jogo não está no resultado, e sim
na ação em si. Lembrando que toda ação tem um objetivo consciente, em um primeiro
momento, tivemos que selecionar os jogos que seriam trabalhados com as crianças, afim de
que pudéssemos intervir com sucesso.
A escolha dos jogos foi feita somente após as crianças elencarem inúmeros jogos e
brincadeiras em relação aos quais manifestavam conhecimento e interesse. A partir desses
resultados, fomos analisando quais seriam possíveis de serem trabalhados, de forma que
pudéssemos atingir nossos objetivos que já foram descritos anteriormente.
Inicialmente, havíamos pensado em trabalhar somente com jogos de regras, que são jogos
regulamentados por um código composto por regras impostas e combinadas entre os jogadores,
dando um enforque maior na competição e não ao vencedor em si. Entretanto, as crianças
mostraram enorme interesse em alguns jogos de exercício, que são jogos em que elas repetem
todo tipo de movimentos, encontrando um resultado após os efeitos produzidos. Diante disso,
optamos por incluir no presente trabalho não só jogos de regras como também os de exercício.
Foi combinada e discutida com as crianças a confecção de um livro de brincadeiras onde
elas descreveriam (com a ajuda do professor, produzindo textos coletivos) a maneira de
jogar/brincar e, depois, ilustrariam. Cada criança fez uma produção individual para depois
eleger, através de uma votação, as ilustrações que consideraram mais bonitas para compor a
produção final que será: um livro com as brincadeiras para ser doado à biblioteca da escola.
Para finalizar o projeto, foi pensado em organizar junto aos alunos uma oficina das
brincadeiras realizadas por eles, onde ensinariam as brincadeiras do livro para outras crianças e
fariam o lançamento do mesmo. O projeto propõe além das brincadeiras, da ação em si,
momentos de reflexão e avaliação dessas ações e momentos de sistematizá-las (ao escrever e
organizar a oficina). Para concretizar todo esse processo, algumas etapas foram previstas:
1ª) Propor o projeto e incentivar a brincadeira
1. Propor e conversar com os alunos sobre o projeto.
2. Combinar a confecção do livro.
3. Propor que os alunos escrevam (espontaneamente) e depois leiam 5 brincadeiras
preferidas.
4. Fazer, num cartaz, uma lista com todas as brincadeiras preferidas (alunos podem
ser os escribas)
5. Escolher por votação 3 brincadeiras para brincarem.
6. Propor que as brincadeiras escolhidas sejam ensinadas pelos mesmos alunos que
as propuseram.
7. Fazer leituras de livros de jogos e brincadeiras para que possam entender,
interpretar e jogar.
8. Propor aos alunos que pesquisem em casa com seus familiares quais as
brincadeiras de que mais gostavam quando crianças. Cada um deverá anotar como se joga a
brincadeira e, na classe, explicar pára os colegas. Uma dessas brincadeiras será votada e
colocada no livro.
2ª) Iniciar a confecção dos livros individuais
1. Registrar coletivamente as brincadeiras realizadas
2. Fazer roda de conversa antes e depois das brincadeiras, discutindo com os
alunos o que acharam, se foi difícil ou fácil, se gostaram ou não.
3. Incentivá-los a descobrir e descrever as regras e procedimentos mais
importantes da brincadeira.
4. Em relação às ilustrações das brincadeiras, num primeiro momento deveriam
realizar o registro do desenho com lápis de cor. Num segundo momento (brincadeira) pensar
em algum elemento de interferência para que complementem o desenho utilizando a
criatividade.
Após a apresentação do projeto e a escolha das brincadeiras pelos alunos, a atuação foi
realizada primeiramente observando como os alunos agiam nas atividades lúdicas, o que os
motivava e qual a consciência que tinham sobre o conteúdo das ações. Estas observações
permitiu-nos atuarmos nos alvo certos, refletindo com as crianças sobre os aspectos sociais, de
relacionamento, bem como o seguimento de regras, pois entendemos que a prática transforma a
consciência e a consciência transformada, sobre a ação, muda a prática.
Entendemos que ao inserir a brincadeira como parte da prática pedagógica, ela se torna
um rico instrumento de atuação e intervenção na introdução da moralidade, consciência da
cooperação e respeito. Além disso, é uma atividade da qual a criança se utiliza, habitualmente,
para construir sua percepção de mundo, suas relações com objeto e com o outro, tomando
consciência e decisões, levando ao desenvolvimento psíquico de várias áreas.
4. PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DE DADOS
As observações serão focadas nas ações e no comportamento da turma ao brincar e se
organizarem para a atividade, analisando os seguintes aspectos: como se comportam diante das
instruções, se questionam ou mudam regras, como é o comportamento e como são as relações
entre os alunos que as brincadeiras proporcionaram, como lidam com os desafios e com os
conflitos durante o brincar.
4. 1 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO E DO GRUPO
A instituição escolar onde foi realizado o trabalho localiza-se na periferia do Município de
Indaiatuba, atendendo somente de 1ª à 4ª séries do Ensino Fundamental. Há, ao todo, 16 salas
de aula, uma biblioteca, uma sala de vídeo, uma sala chamada de Intervenção (onde são
guardados os materiais lúdicos, brinquedos, jogos...), uma cozinha onde são preparadas as
merendas, uma cozinha para funcionários, uma sala para os professores, sala da direção e
secretaria. A escola dispõe de uma quadra coberta razoavelmente grande e um pátio destinado
aos intervalos, os quais utilizamos para a concretização das brincadeiras.
Com relação ao projeto político pedagógico a Secretaria Municipal de Educação institui
que o trabalho seja desenvolvido de acordo com a teoria construtivista. Isso ajudou a que
coordenação e a direção da escola se mostrassem bastante receptiva ao projeto criando
expectativas quanto ao nosso trabalho.
A intervenção foi realizada com 34 crianças da 1ª série do Ensino Fundamental que têm
entre 6 e 7 anos de idade. A grande maioria mora no próprio bairro em que se localiza a
instituição e são pertencentes às baixas camadas populares.
Uma característica comum a todas as crianças é a agressividade e a falta de organização
entre eles, que resulta na dificuldade no comportamento e no convívio social.
4.2 ETAPAS DO PROCESSO
Ao nos apresentarmos aos alunos para realizarmos a primeira etapa do projeto, tivemos,
inicialmente, uma conversa informal com o objetivo de resgatar e conhecer o que os educandos
faziam nas horas vagas, do que brincavam e quais atividades realizavam com mais prazer.
Durante a conversa, percebemos que as atividades lúdicas proporcionavam bastante
entusiasmo, todos queriam relatar suas experiências. Diante disso, propusemos ao grupo um
projeto em que o foco central seria o brincar, valorizando as brincadeiras conhecidas por eles,
afim de que esses fossem sujeitos ativos no processo de construção e desenvolvimento do
trabalho. Como conclusão do projeto combinamos o registro e a confecção de um livro das
brincadeiras realizadas, onde os alunos seriam os autores e ilustradores.
A idéia foi imediatamente aceita. A partir de então, começamos a primeira etapa do
projeto que foi elencar as brincadeiras preferidas. Pedimos para que cada criança escrevesse
cinco brincadeiras de que mais gostava em um papel. Ao recolhermos as anotações, colocamos
na lousa todas as brincadeiras citada; tivemos o cuidado de anotá-las, pois consideramos
significante observar o comportamento desses frente ao processo de escolha, visto que,
mediante aos resultados obtidos fizemos uma votação em que somente três brincadeiras
poderiam ser escolhidas. As brincadeiras registradas por eles foram: boliche, corre-cutia, corda,
dança da cadeira, coelhinho sai da toca, pipa, amarelinha, batata quente, caça ao tesouro,
bolinha de gude, futebol, carrinho, boneca, casinha, esconde-esconde, vivo ou morto, varetas,
pega-pega, policia e ladrão, pique bandeira, forca, estátua e damas. Pôde-se observar dentre as
atividades elencadas a forte presença de jogos de regras embora tenham aparecido em menor
proporção jogos simbólicos.
Sem direcionar a escolha das crianças a votação teve o seguinte curso, sendo as mais
votadas pelos meninos: futebol, pipa, pega-pega e esconde-esconde; pelas meninas: boneca,
pega-pega, amarelinha e corda. No entanto algumas brincadeiras não teriam possibilidade de
acontecer na escola, devido a estrutura física da instituição como: esconde-esconde e pipa.
Outro problema encontrado foi com relação ao futebol e a boneca, pois notamos certa “rincha”
com relação a ambos os sexos: os meninos e as meninas centralizaram suas atenções às suas
vontades, ignorando completamente a opinião contrária; para ambos o que bastava era que suas
solicitações fossem atendidas, e para isso argumentaram bastante conosco, tentando nos
convencer de que estavam certos. No entanto, nosso objetivo era que todos pudessem brincar
juntos, respeitando-se mutuamente, já que um dos problemas observados na turma é a
agressividade entre meninas e meninos também. Através de uma conversa explicitamos aos
alunos que seria interessante que todos brincassem juntos, pois esse contato possibilitaria
maiores laços de amizade, e que em outros momentos essas atividades que eles tanto
solicitavam aconteciam na aula de Educação Física, e que nos nossos momentos poderíamos
explorar brincadeiras não corriqueiras na escola.
A partir de então, fizemos uma nova votação onde se manteve o pega-pega e se adicionou
o boliche e o corre-cutia (brincadeira comentada porque estava-se explorando na escola o
folclore). Algumas crianças não reagiram bem porque suas brincadeiras não foram escolhidas,
pois não obtiveram a maioria dos votos, ficaram irritadiças, emburradas. Entretanto, explicamos
que o processo de escolha tinha sido democrático, uma vez que todos expressaram sua opinião
através do voto, não desvalorizando a sugestão pessoal desses.
Além das brincadeiras selecionadas, propusemos que eles escolhessem através de livros
levados por nós na sala de aula mais duas brincadeiras que não tinham muito contato. As
escolhidas foram: barra manteiga e pega varetas (jogo que tem na escola, mas pouco utilizado
pelos alunos).
Em um segundo momento partimos para a realização das brincadeiras que serão descritas
a seguir.
4.3 RELATOS E ANÁLISES DAS BRINCADEIRAS
A cada semana uma brincadeira foi explorada. Para que essas fossem explicadas aos
demais, colocamos em evidência aqueles alunos que as haviam sugerido para analisarmos como
é que entendiam as regras e as expunham.
PEGA-PEGA AMERICANO2
É importante destacarmos que esta foi a brincadeira mais solicitada pelo conjunto de
alunos.
A brincadeira acontece da seguinte forma: são escolhidos dois pegadores, chamados pelas
crianças de “feras”, que têm a função de pegar qualquer participante que deve ficar congelado
(parado) e com a perna aberta, quando pego. Esse, só será salvo podendo voltar ao jogo depois
que uma pessoa libertá-lo passando por baixo de suas pernas. Ao praticarmos a brincadeira
observamos que a maior parte dos meninos e das meninas só salvavam aqueles com quem
tinham maior afinidade deixando algumas crianças por muito tempo fora do jogo; percebendo
isso, as crianças vinham se queixar, a procura de que tomássemos alguma atitude. Diante dessa
queixa, e lembrando que as crianças tem dificuldade em organizar-se sozinhas. Chamamos o
grupo para conversar e sugerir qual seria a melhor maneira de solucionar esse problema; alguns
2 Anexo 1-texto coletivo e ilustrações.
fingiam não notar o que estava acontecendo, outros só se preocupavam em serem escolhidos
para serem as “feras”. Então, pedimos que refletissem um pouco e se colocassem no lugar do
colega, afim de saber como se sentiriam. Assim conduzimos a conversa até que chegássemos a
um consenso, introduzindo uma nova regra que seria: meninas só poderiam salvar meninos e
vice e versa. A regra foi aceita sem maiores questionamentos, pois ao perceberem a ação do
grupo perante essa situação, puderam avaliar as suas próprias ações, começando a julgar a si
mesmas, trazendo menos conflito gerando um sentimento de companheirismo.
Leontiev (1988) quando comenta sobre o jogo “Pegador Gelado” (semelhante ao pega-
pega americano) comenta:
Finalmente, esses jogos com propósito duplo introduzem um momento essencial para o desenvolvimento da psique da criança. Eles introduzem um elemento moral em sua atividade. No jogo do “pegador gelado”, por exemplo, o estimulo direto criado pela situação do brinquedo, a saber, evitar o jogador que foi congelado, seja ele quem for, a qualquer custo é superado pelo impulso moral de ajudar um companheiro. E mais uma vez o importante aqui é que este elemento moral surgiu da própria atividade da criança, ou seja, ativamente e, por isso da pratica, e, não sobe forma de uma máxima moral abstrata que ela tenha ouvido. (LEONTIEV, 1988:139).
Ao longo da semana, repetimos diversas vezes essa brincadeira. Pudemos perceber que
as regras foram sendo assimiladas pelas crianças, que a partir de então não as burlavam, e
cobravam o cumprimento delas dos amigos. Então, partimos para o momento de registro
fazendo coletivamente um texto explicativo.
CORRE-CUTIA3
A brincadeira funciona da seguinte forma: forma-se uma grande roda com os alunos que
deverão fechar os olhos enquanto cantam a música corre cutia: “corre cutia na casa da tia, corre
cipó na casa da vó, lencinho branco caiu no chão, moça bonita do meu coração. 1,2,3 fecha o 3 Anexo 2
olho de uma vez, chinês, japonês”. Durante a música, uma criança escolhida anda em volta da
roda com um objeto, que deverá ser colocado atrás de um colega, sem que ninguém veja. Ao
término da música todos olham para traz; aquele que tem o objeto devera sair correndo para
pegar o colega, que tem que se sentar no lugar daquele que esta o pegando. Caso não consiga
fugir, a criança precisa ir no meio da roda imitar uma galinha chocando.
Essa brincadeira já era bastante conhecida por eles, portanto não tiveram muita
dificuldade para assimilar as regras. Novamente, tomamos cuidado para que as mesmas
crianças não fossem freqüentemente escolhidas, bem como para que as crianças exercitassem a
compreensão e respeito às regras, permanecendo de olhos fechados, para não estragar a
brincadeira, sempre fazendo interferências quanto a isso.
BARRA-MANTEIGA4
Essa foi uma das brincadeiras que eram desconhecidas dos alunos, retirada de um dos
livros dados a eles apresentado anteriormente. Consiste em fazer dois times em que ambos
tenham a mesma quantidade de participantes. Os participantes são dispostos atrás de
demarcações feitas no chão, uma paralela a outra, de modo que os times fiquem um de frente ao
outro. Um dos times escolhe uma pessoa para começar que deve bater na mão do adversário
recitando a seguinte parlenda: “Barra Manteiga na fuça da nega 1,2,3”. A última pessoa que ele
bateu na mão sai correndo para pegá-lo. O objetivo é não deixar o batedor voltar ao seu time de
origem. Se isso acontecer, o pega vira o batedor. Caso o batedor seja pego, ele é capturado para
o time adversário. Ganha o time que tiver mais participantes.
Como não conheciam a brincadeira, e as regras foram apenas transmitidas sem a
participação e a construção deles, notamos uma certa dificuldade e desinteresse geral do grupo.
4 Anexo 3
Pudemos notar, nos registros realizados bem como nas ilustrações que o que permaneceu
mais evidente na compreensão da regra dessa brincadeira foi a percepção do espaço, bem como
a disposição dos times para brincar. Observamos também uma ansiedade entre as crianças de
serem escolhidas e desafiadas quando batiam em suas mãos. Somente quando elas participavam
efetivamente da brincadeira (sendo escolhidas) é que a atividade ganhava sentido; elas não se
preocupavam tanto com os resultados do jogo, se seus times estavam ganhando ou não, mas se
ativeram na ação de perseguir, correr, de serem notadas e escolhidas.
BOLICHE5
Para brincar, foi preciso dividir a turma em cinco times cada um com seis crianças e
organizar as garrafas de modo que ficassem uma na primeira fileira, duas na segunda e três na
terceira fileira, formando um triângulo. As crianças deveriam ficar atrás de uma linha que foi
demarcada no chão, e jogar a bola que deveria sair rolando e acertar o maior número de
garrafas. Ganha o time que tiver derrubado mais garrafas, mas para que se obtenha o resultado é
preciso que alguém se responsabilize pela contagem de cada grupo. Cada um deveria esperar a
sua vez para jogar, mas com a demora de algumas crianças os demais ficavam impacientes e
dispersos. Nessa situação tivemos que intervir para que respeitassem a vez e o tempo de cada
um.
O jogo desencadeou também o pensamento lógico, visto que é necessário realizar a
contagem dos pontos, comparação de quantidades, além da noção de espaço, tempo, direção e
sentido. Essa contagem fez com que percebessem a competição como resultado do esforço e
concentração de cada um, o que acabou promovendo apoio e estimulo entre eles.
5 Anexo 4
PEGA-VARETAS6
Este é um jogo que exige concentração, habilidade motora e competição. O material
utilizado são varetas de diversas cores, mas do mesmo tamanho. Inicia-se o jogo soltando as
varetas de modo que fiquem umas em cima das outras, desordenadamente. O número de
participantes pode ser de dois ou mais. O objetivo é retirar o maior numero de varetas, mas só
pode retirar uma a cada rodada, sem que outras se movam; se mexer, perde a vez e a vareta
deverá retornar ao jogo. Há apenas uma vareta da cor preta que, quando conquistada, pode
auxiliar na retirada das demais.Também foi um jogo que prendeu a atenção de todos, só que
houve desacordos com relação a hora em que retiravam as varetas, eles se prendiam aos
movimentos e habilidades dos colegas, sempre achando uma razão para que os mesmos não
adquirissem as varetas. A regra era cobrada, mas não cumprida: eles necessitavam do olhar
adulto para comprovar as suas observações, suas críticas.
6 Anexo 5
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo a aprendizagem como um processo de construção que se dá na interação
permanente do sujeito com o meio que o cerca, realizamos nossa intervenção no sentido de
desafiar os sujeitos, questionar suas respostas para observar como nossa interferência afetou seu
desempenho, bem como observar a transformação de processos psicológicos superiores. Não
nos preocupamos apenas com o resultado em si, mas com o desencadeamento do processo,
considerando o sujeito em sua totalidade, dando maior atenção aos aspectos sociais, questão
que deu fruto do presente trabalho.
Portanto, nossas intervenções tinham como objetivo introduzir novos elementos para as
crianças refletirem sobre suas ações oportunizando, assim, a quebra de um padrão anterior de
relacionamento com os colegas de convivência escolar.
No entanto, o que sentimos durante o tempo que estivemos realizando esse projeto é que
as crianças se adequavam às regras e respeitavam seus parceiros e adversários somente durante
as brincadeiras e a incorporação das regras se dava diante da freqüência que brincavam.
Entretanto, no término do trabalho notamos que continuavam se agredindo, o que nos gerou um
desejo de continuar a refletir sobre que condições e atividades teriam sido melhores promotoras
de novas formas de relações interpessoais.
Refletindo sobre esse resultado, chegamos à conclusão de que seria necessário um tempo
maior para que houvesse resultados positivos quanto à construção da socialização dos alunos e
mudanças de comportamento, principalmente por essa agressividade fazer parte do ambiente
sócio-cultural da comunidade em que vivem.
As brincadeiras vivenciadas por essas crianças, geralmente, são relacionadas a
movimentos agressivos e de provocação que se perpetuam em momentos livres como o
intervalo. As atitudes apenas se modificaram durante as brincadeiras realizadas por nosso
intermédio, mas não transpuseram em outras situações.
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