52
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS – PUCAMP ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E PSICOPEDAGOGIA O BRINCAR INFANTIL: CONSTRUINDO AS RELAÇÕES SOCIAIS. CAMILA PIMENTEL SANTAMARIA CECÍLIA NOGUEIRA DA SILVA TOGNI Campinas 2006

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS – …bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services...O presente trabalho aborda, sob a luz da teoria sócio-cultural, uma intervenção

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS – PUCAMP

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E PSICOPEDAGOGIA

O BRINCAR INFANTIL: CONSTRUINDO AS RELAÇÕES SOCIAIS.

CAMILA PIMENTEL SANTAMARIA

CECÍLIA NOGUEIRA DA SILVA TOGNI

Campinas

2006

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS – PUCAMP

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E PSICOPEDAGOGIA

O BRINCAR INFANTIL: CONSTRUINDO AS RELAÇÕES SOCIAIS.

CAMILA PIMENTEL SANTAMARIA

CECÍLIA NOGUEIRA DA SILVA TOGNI

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como parte da exigência para

obtenção do título de Especialista em

Educação e Psicopedagogia, sob

orientação da Prof. Dra. Maria Silvia P.

M. L. Rocha.

Campinas

2006

Dedicamos este trabalho aos nossos companheiros, por nos estender a mão carinhosamente nos momentos difíceis, e pelo incentivo dado afim de que possamos progredir profissionalmente;

AGRADECIMENTOS

Aos nossos pais, pelo apoio dado ao longo de nossas vidas;

Aos nossos alunos, que nos possibilitaram experiências maravilhosas, que nos fizeram

amadurecer não só profissionalmente, como também pessoalmente e

Aos nossos colegas de curso, pelos momentos alegres e ansiedades divididas.

A nossa parceria, que não poderia deixar de ser citada, pela amizade que se iniciou como

conseqüência das doces coincidências de nossas vidas.

RESUMO

O presente trabalho aborda, sob a luz da teoria sócio-cultural, uma intervenção

Psicopedagogica proposta através de jogos de regras e jogos de exercício, com o intuito de

desenvolver o respeito mútuo, bem como a colaboração e o respeito às regras.

A intervenção foi realizada em uma instituição de âmbito público, com crianças de

seis e sete anos que apresentavam comportamentos agressivos entre si e ausência da

capacidade de se organizar em brincadeiras sem a presença de um mediador. Permeando

considerações dos seguintes autores: Vygotsky, Leontiev e Eukonin, que consideram a

atividade lúdica como atividade principal no desenvolvimento do sujeito e na constituição das

relações sociais.

Palavras – chaves: desenvolvimento infantil, brincar, jogos de regras.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................7

1.1 OBJETIVOS............................................................................................ 8

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...........................................................9

2.1 DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO.............................................9

2.2 A TEORIA SÓCIO-CULTURAL E A CONSTITUIÇÃO DO

BRINCAR...............................................................................................14

2.3 A IMPORTÊNCIA DO BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO

INFANTIL..............................................................................................18

2.4 A CONTRIBUIÇÃO DOS JOGOS DE REGRAS..............................21

2.5 O BRINVCAR NA ESCOLA................................................................25

3. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO.......................................................28

3.1 METODOLOGIA..................................................................................28

3.2 DETALHAMENTO DO PLANO DE INTERVENÇÃO...................30

4. PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DE DADOS...................................33

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO E DO GRUPO..............34

4.2 ETAPAS DO PROCESSO....................................................................36

4.3 RELATOS E ANÁLISE DAS BRINCADEIRAS...............................41

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................43

6. ANEXOS..................................................................................................45

1. INTRODUÇÃO

Logo após o término da graduação em Pedagogia, no ano de 2005, ao nos inserirmos

no mercado de trabalho, nos deparamos com a realidade da escola pública brasileira. Apesar

de trabalharmos em instituições distintas, uma de âmbito estadual, outra de âmbito municipal,

somos ambas responsáveis por ministrar aulas na primeira série do Ensino Fundamental, o

que nos aproximou justamente pelo fato de podermos trocar experiências educacionais, bem

como compartilhar nossos anseios e inseguranças ao longo do ano. O sistema público de

ensino, o modo como é organizado, a precariedade dos materiais didáticos, bem como das

estruturas físicas foram pauta de nossas discussões inúmeras vezes; entretanto; o nosso

enfoque maior foi sempre: as crianças e o processo ensino-aprendizagem.

Com relação ao processo ensino-aprendizagem, fomos encontrando novos caminhos,

algumas respostas às nossas dúvidas, o que foi nos amadurecendo profissionalmente.

Entretanto, ao observarmos as crianças e a maneira que se relacionam entre si, passamos a

notar certa agressividade no comportamento dessas, repetidas vezes, em diferentes situações,

seja na sala de aula, seja na Educação Física ou no recreio.

Essa agressividade nos provocou certo incômodo, despertando, assim, nosso interesse,

o que nos fez observar com maior atenção as atitudes e as maneiras com que se relacionam

socialmente esses alunos.

Pudemos constatar que, apesar de serem instituições escolares distintas, as crianças

apresentam comportamentos semelhantes e mostram dificuldades em respeitar regras, bem

como em respeitar os colegas. Acreditando que a socialização faz parte da construção do

conhecimento e, portanto, é algo que deve ser abordado com cautela, é que viemos, através

desse trabalho, propor uma intervenção psicopedagógica que ocorrerá através de jogos de

regras previamente selecionados.

Foram escolhidos os jogos de regras como intervenção, pois percebemos também a

dificuldade das crianças de se organizarem em momentos livres para brincarem; o que ocorre

nesses momentos, em geral, são corridas aleatórias ao longo do espaço, gerando assim mais

agressividade entre elas.

Segundo a teoria histórico-cultural, o jogo de regras só se desenvolve entre as crianças

se houver por parte dos educadores esforços para que isso aconteça. A introdução desses

jogos com os educandos estimulará através da competição saudável a concentração, a

elaboração de estratégias, e um espaço para a convivência social.

A instituição escolar por nós escolhida fica localizada no município de Indaiatuba. O

público alvo será uma turma do período vespertino de primeira série. A atuação acontecerá

duas vezes por semana no período de aula.

1.1 OBJETIVOS

- Construir com as crianças, através das intervenções, o conhecimento dos jogos, afim

de que saibam se organizar, gradativamente de modo mais autônomo;

- Contribuir para o desenvolvimento da importância do respeito mútuo, bem como de

atitudes de colaboração;

- Auxiliar a compreensão sobre a importância da regras, por parte dos alunos, para o

bom funcionamento da rotina escolar.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO

A teoria sócio-histórica compreende o homem como ser social e histórico. Fatores

históricos, culturais e as condições sociais são responsáveis pela construção do psiquismo

humano, isto é, pelos modos como o indivíduo atua no meio, como o percebe e o representa,

seus costumes, sentimentos e relações com os outros. Todas essas ações também afetam o

meio diretamente, organizando e construindo o modo de vida dos indivíduos. Assim, essa

abordagem teórica nos conduz a formarmos um olhar voltado a cultura, já que esta é fruto da

atividade humana e da transformação histórica possível pelo desenvolvimento e evolução da

mente humana.

A partir desta abordagem, entende-se que os processos de desenvolvimento e

aprendizagem são marcados pela inserção do indivíduo em um determinado grupo cultural e

se dão a partir de elementos mediadores — instrumentos, signos e tudo que carrega

significado cultural — na relação do homem com o meio social e com o outro, além das

transformações internas, no plano psicológico.

A cultura, entretanto, não é pensada por Vygotsky como algo pronto, um sistema estático ao qual o indivíduo se submete, mas como uma espécie de “palco de negociações”, em que seus membros estão num constante movimento de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados. A vida social é um processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo e onde acontece a interação entre o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um. Neste sentido, e, novamente associado a sua filiação marxista, Vygotsky postula a interação entre vários planos históricos: a história da espécie (filogênese), a história do grupo cultural, a história do organismo individual da espécie (ontogênese) e a seqüência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo. (OLIVEIRA, 2002:38).

Para Vygostky, o desenvolvimento humano se constitui em duas dimensões: primeiro no

nível social (interpsicológico) e depois no nível individual (intrapsicológico). Inicialmente, o

indivíduo realiza ações externas que são interpretadas pelos outros de acordo com os valores

culturais já estabelecidos. A partir disso é que atribui significação às suas próprias ações e

desenvolve os processos psicológicos internos tornando- se capaz de interpretá-las sozinho,

sendo compreendido e compartilhando códigos com os membros do grupo social a que

pertence. Através da relação interpessoal é que o indivíduo vai interiorizar as formas

culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico e, ao mesmo tempo, vai

interpretando e modificando a própria cultura, numa práxis de ações e influências recíprocas

permanentes.

Esse processo inicia-se na vida do sujeito desde o nascimento, pois ele já nasce em um

ambiente cultural em constante interação com o outro (adultos) e essas relações são

mediadas, a todo o momento, por signos e instrumentos que, ao longo da vida, a criança vai

internalizando e apropriando-se deles. Nessa fase da vida — a infância — a presença do

adulto é de extrema importância uma vez que a criança o vê como referência. Além disso, o

adulto passa a ser responsável e constituinte de todo o processo de desenvolvimento dela,

motivando, mediando, intervindo e, portanto, transformando o modo de pensar e agir da

criança. Não só o adulto representa o outro nessa relação, como também seus iguais tem um

papel fundamental no desenvolvimento do pensamento, mediando e intervindo de formas

diferentes mas muito significativas.

Outro fator importante no desenvolvimento psicológico do sujeito que não podemos

desconsiderar é a base biológica humana. Embora Vygotsky fundamente sua teoria no social

e não enfatize o biológico, ele não o desconsidera.

Encara o homem, também, como sujeito biológico, diferenciando em o homem do animal

com relação ao desenvolvimento psicológico. Embora as ações, ou seja, a inteligência prática

tenha sido comparada, através de experiências, com ações de macacos antropóides, o sistema

de atividade das crianças ocorre não só pelo desenvolvimento orgânico, como também pelo

aumento do domínio de uso de instrumentos. Dessa forma, os fatores biológicos e os fatores

sociais são considerados, ou seja, tanto o conhecimento do cérebro como material de

atividade psicológica, quanto a cultura são essenciais na constituição do ser humano. Há uma

interação entre bases biológicas de comportamento e condições sociais

Há uma certa fase no processo de desenvolvimento da criança, em que, realmente, sua

ações e modos de resolver situações problemas são semelhantes aos dos animais. Entretanto,

a inteligência prática aliada ao uso de instrumentos e à integração da fala é que dá aos

sujeitos formas plenamente humanas e propicia o desenvolvimento de funções psicológicas

superiores.

Assim que a fala e o uso de signos são incorporados a qualquer ação, esta se transforma e se organiza ao longo de linhas inteiramente novas. Realiza-se, assim o uso de instrumentos especificamente humanos, indo alem além do uso possível de instrumentos, mas limitado, pelos animais superiores. (VYGOTSKY, 1991:27).

Diante disso, conclui-se que, para Vygostky, a fala é fator decisivo para modificar

qualitativamente as ações na direção de alcançar objetivos, pois auxilia na resolução de

atividades, ajuda a ordenar e planejar, o que promove a internalização.

Para que haja o desenvolvimento de funções superiores é preciso que haja mediação,

ou seja, é preciso que haja um processo de intervenção de um elemento intermediário.“A

mediação é um processo essencial para tornar possível atividades psicológicas voluntárias,

intencionais, controladas pelo próprio individuo”. (OLIVEIRA, 2002:33)

Rocha (1994) nos lembra que, para Vygotsky, o desenvolvimento histórico-cultural se

dá através de três formas de mediação entre o sujeito e o mundo: a mediação instrumental, a

semiótica e a social. A mediação instrumental refere-se aos apoios externos concretos que

possibilitam ao individuo lidar com a realidade de uma forma indireta, ampliando suas

possibilidades de ação sobre o mundo. Já na mediação semiótica, a linguagem ocupa um

espaço privilegiado, pois permite ao sujeito tanto afetar a realidade e agir sobre o outro,

como também permite afetar a própria atividade. Por fim, a mediação social refere-se a

participação do outro no processo de desenvolvimento

Diante disso, pode-se observar que inicialmente, o sujeito se beneficia de signos

externos disponibilizados pelo Outro, ou seja, pelas pessoas que ocupam posições de

mediadores na vida de cada indivíduo. Gradualmente, o próprio sujeito começa a ser capaz

de operar, ele próprio, a utilização de signos externos para regular seu comportamento e

funcionamento mental. No decorrer do processo de desenvolvimento, o sujeito vai

abandonando (ao menos parcialmente) as marcas externas e passa a utilizar signos internos,

substituindo-as. Vygotsky chamou esse processo de internalização, ou seja, a atividade que

anteriormente fora mediada por instrumentos externos passa a se constituir internamente, em

um processo voluntário, que possibilita ao homem fazer planos, ter intenções, imaginar e se

libertar do espaço e tempo presentes."Ao longo de seu desenvolvimento o indivíduo

internaliza formas culturalmente dadas de comportamento, num processo em que atividades

externas, funções interpessoais, tranformam-se em atividades internas, entretanto

lógicas”.(OLIVEIRA, 2002:27).

O processo de internalização, em síntese, é a reconstrução interna de uma operação

externa, tendo como base a operação com os signos, ou seja, é um processo em que o

funcionamento interpsicológico é transformado em intrapsicológico. Dessa forma, pode-se

concluir que as funções superiores são construídas de fora para dentro do individuo.

Vygotsky aponta, ainda, que o processo de desenvolvimento psicológico está

diretamente ligado à aprendizagem. Para este autor, a aprendizagem é fundamental para que

se constituam funções psicológicas superiores, formando processos internos. “... O

desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado

grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos da sua espécie”. (REGO,

1995:71).

O aprendizado é responsável por criar o que Vygotsky intitulou de zona de

desenvolvimento proximal – ZDP. Segundo Rego (1995), dois níveis de desenvolvimento

são identificados por Vygotsky: o nível de desenvolvimento real, que se refere às conquistas

já efetivadas (atividades que são realizadas de modo autônomo pelo sujeito), ou seja, refere-

se a funções mentais da criança que se estabeleceram como resultados de ciclos de

desenvolvimento já completados, e o nível de desenvolvimento potencial, que também se

refere àquilo que se consegue realizar, entretanto, com a ajuda de outra pessoa. É exatamente

a distância entre esses dois níveis que Vygotsky chamou de ZDP, que define aquelas funções

que ainda estão em processo de maturação. Pode-se dizer, então, que a zona de

desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente.

A zona de desenvolvimento proximal refere-se, assim, ao caminho que o individuo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. A zona de desenvolvimento é, pois, um domínio psicológico em constante transformação, aquilo que a criança é capaz de fazer com ajuda de alguém hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã. (OLIVEIRA, 2002:60)

As intervenções sociais mais promissoras para o desenvolvimento devem, portanto

orientar-se pelo conceito de zona de desenvolvimento proximal para provocar avanços que

não ocorrerão espontaneamente.

A ZDP é um instrumento conceitual fundamental para os educadores, pois através

dessa concepção aponta-se para a importância de considerar-se tanto de processos já

completados, quanto os processos que ainda estão se desenvolvendo.

Vygotsky ressalta que o aprendizado e o desenvolvimento estão inter-relacionados

desde o primeiro dia de vida de uma criança. Ou seja, o aprendizado dessa ocorre antes que

ela seja inserida no ambiente escolar, através de experiências vivenciadas que não podem ser

de forma alguma ignoradas, embora a aprendizagem escolar introduza elementos novos no

desenvolvimento da criança.

A zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da

criança, e seu estado dinâmico de desenvolvimento propiciando o acesso não

somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento como também àquilo

que esta em processo de maturação.(VYGOTSKY,1991: 98).

As intervenções educativas que pretendem garantir aprendizado considerando apenas

níveis de desenvolvimento que já foram atingidos tendem a provocar uma estagnação, ou

seja, tornarem-se limitadas, por não desencadearem avanços.

Dessa forma, para alcançar bons resultados, as intervenções educativas devem

investir na construção de condições propícias para aprendizagens que se adiantem aos níveis

de desenvolvimento já estabilizados.

2.2 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E A CONSTITUIÇÃO DO

BRINCAR

Ao abordar o desenvolvimento psicológico na perspectiva histórico-cultural, é

possível compreendermos que o funcionamento psicológico constrói-se a partir de relações

sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, em um processo histórico, sendo especialmente

importantes seus aspectos sociais e culturais. A cultura, nesse processo, passa a fazer parte da

natureza humana, moldando o funcionamento psicológico do sujeito; sendo assim, diferentes

culturas produzem diferentes modos de funcionamento psicológico.

A questão do brincar, nesta abordagem, está inserida neste contexto cultural, social e

histórico, uma vez que essa atividade é produto das relações humanas e da cultura. Portanto,

o brincar é uma atividade que faz parte da história humana e também caracteriza a evolução

do pensamento humano.

Resgatando esses conceitos, tanto históricos quanto psicológicos é que Rocha (1994)

destaca algumas questões relevantes sobre a origem do brincar e a relação com a teoria

histórico-cultural. A primeira é a relação da atividade lúdica (jogo) com as mudanças

operadas nos grupos sociais, existindo variações dessas atividades quando comparadas a

culturas e épocas diferentes. A segunda são as categorias às quais a atividade lúdica está

intimamente ligada: objetos, ações e mediação social. Por fim, a terceira questão é a

dimensão ontogenética que refere-se à análise dos processos psicológicos relacionados com a

capacidade de brincar.

A brincadeira é uma atividade que tem origem na relação homem – cultura e nesta

abordagem teórica é, freqüentemente chamada de atividade lúdica. Uma vez que a cultura é

mutável, com profundas diferenças nos instrumentos, signos e atividades que a compõem, as

atividades lúdicas tiveram transformações ao longo da história.

Elkonin (1998) é quem mostra as alterações históricas ligadas às mudanças nas relações

de trabalho e enfatiza a necessidade de entender o aparecimento do jogo (atividade lúdica)

buscando seus pressupostos na história das relações humanas, para elucidar em que

condições e devido a que aspectos dos modos de vida dos diferentes grupos sociais, a

atividade lúdica surgiu. Além disso, mostra a diferença entre essas atividades devido ao

desenvolvimento dos diferentes povos.

Tomando como base as formas de organização social primitivas, esse autor analisou as

primícias do que originou o que chamamos de atividade lúdica, pois a criança entrava em

contato com os instrumentos culturais muito cedo, tendo com eles uma relação, ainda, não

lúdica.

O trabalho deste autor inclui esforços na direção da análise do brinquedo, do objeto

manipulado e usado como brinquedo, nas culturas arcaicas e, posteriormente, no

aparecimento das formas de atividades lúdicas decorrentes de alterações nas relações de

trabalho. Coloca ainda que a base do processo de evolução do jogo não está calcada no

objeto em si “nem em seu uso, nem a mudança de objeto que o homem possa fazer, mas nas

relações que as pessoas estabelecem mediante as suas ações com os objetos; não é a relação

homem-objeto, mas a relação homem-homem”.(ELKONIN, 1991:34). Assim, muito mais do

que a utilização de objetos, a interação e mediação do Outro é, sem dúvida, fator fundamental

na constituição do lúdico. O adulto, nesse contexto, tem presença decisiva para constituir o

cenário social do brincar, com a função de mediadores entre a criança e o mundo, mais

especificamente entre os objetos presentes na cultura e a criança; e, mais que isso, a prática

cultural e social dos adultos são vivenciadas pelas crianças como forma de internalizar a

cultura, se apropriando do mundo real que a cerca.

As ferramentas e as formas primitivas de trabalho ao alcance da criança permitem-lhe tornar-se independente mais depressa por necessidades da própria sociedade, mediante a participação direta no trabalho dos adultos. Não se trata de exploração: o trabalho infantil tem caráter de tarefa social espontânea. É certo que as crianças desempenham suas obrigações laborais, nelas introduzem características infantis específicas, talvez desfrutem, inclusive, do próprio processo e, em todo o caso, sentem-se satisfeitas por ter atuado com os adultos e como adultos. (ELKONIN, 1991:59)

Nas culturas mais elementares, as crianças desde pequenas (com 3 ou 4 anos) já

participavam ativamente de atividades adultas como trabalho doméstico e atividades de

sobrevivência (caça, cultivo da agricultura). O trabalho comum vinculava a criança ao

trabalho e a manipulação de objetos.

Com o passar do tempo, formas mais elevadas de produção e a evolução dos

instrumentos foram surgindo e transformando as relações sociais. Houve na história o que

Marx intitulou de divisão do trabalho.

O afastamento da criança das atividades produtivas de trabalho provocou mudanças

consideráveis no caráter educativo, no processo de formação da criança e seu papel na

sociedade.

Gradualmente, a relação entre instrumentos de trabalho e objetos lúdicos vai se tornando mais indireta, surgindo neste distanciamento a constituição de suas categorias bem distintas: objetos feitos para o trabalho e objetos feitos para brincar, neste processo, as ações necessárias e o produto da utilização dos últimos se tornam cada vez mais simbólicas. (ROCHA, 1994:42).

A modificação desses instrumentos, ao longo da história, impulsionou o desenvolvimento

intelectual humano, pois a transformação dos objetos passou a exigir um domínio mais

amplo de capacidades originando diferentes ações e, portanto, constituindo o brincar

socialmente, atribuindo particulares relacionadas ao convívio e costumes de determinado

grupo social.

Neste processo, Elkonin destaca, novamente, a importância do adulto (ou do Outro).

Destaca, também, o uso da linguagem que vai dando significações, nomes e função para os

objetos e as ações fictícias realizadas com eles, enriquecendo e tornando possível a

capacidade lúdica.

Estas intervenções do adulto (em geral) acorrem de modo informal, normalmente sem consciência plena dos processos que estão instaurados e sem sistematização dos procedimentos. O processo de desenvolvimento da atividade lúdica implica, portanto, a formação inicial e posteriores transformações de capacidades que se originem na atividade conjunta com os sujeitos mais experientes da cultura em que o indivíduo se insere. (ROCHA, 1994:45)

Assim, a criança vai se apropriando da utilização de objetos, inicialmente apresentados

pelos adultos, significando-os e internalizando ações de sua realidade e cultura.

Como já foi explicitado, o aprendizado acontece por meio das relações sociais e depois

no nível individual. Na ação de brincar acorre o mesmo processo: primeiramente a criança

entrará em contado com os objetos lúdicos através da relação que tem com o adulto, agindo

como ele, e, posteriormente, suas ações vão mudando por que toma consciência do mundo,

da realidade, que é transformação psíquica.

Leontiev (1988), em seus estudos, explica como a criança se relaciona com o lúdico,

partindo dos conceitos de motivação (necessidade que têm de agir sobre algo para conhecer o

mundo), ação (que envolve operação e conteúdo da ação) e transformação que ela acarreta

(tomada de consciência).

A necessidade de agir sobre algo, citada acima, muitas vezes surge do desejo dela de agir

como o adulto, “de agir da maneira que ela vê os outros agirem, da maneira que lhe disseram,

e assim por diante” (LEONTIEV, 1988:125). Portanto, o que motiva o brincar não é instinto,

mas “a tomada de consciência da atitude humana em face dos objetos, isto é, das ações

humanas realizadas com eles” (LEONTIEV, 1988:120); o que a criança mais deseja, mesmo

sem ter a consciência disso, é ter o domínio de uma ação adulta que ainda não é apta para

realizar por conta de suas capacidades. Por isso, a satisfação que a criança tem ao brincar,

não é localizada no fim, no resultado (vencendo, conseguindo o objetivo proposto), mas no

processo, na ação em si.

Assim, na abordagem em questão, a brincadeira é vista como produto histórico e cultural

e que tem um papel importante na constituição do sujeito (histórico) e em seu

desenvolvimento.

2.3 A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NO DESENVOLVIMETO

INFANTIL

A idade pré-escolar é uma fase da vida em que o desenvolvimento do sujeito é evidente.

Cada conquista, cada aquisição de conhecimentos traz transformações nítidas. Nesta fase,

têm especial valor para a criança as atividades lúdicas, pois é brincando que ela expande

seus conhecimentos e busca domínio das ações adultas. “Trata-se da esfera de atividade do

indivíduo que lhe permite, rompendo os limites do que ele já é, experimentar aquilo que pode

ser, não num sentido restritivo e direto, mas como sujeito integrado em sua

cultura”.(ROCHA, 1994:48).

O mundo humano e o que o constitui ainda é muito amplo e complexo para a criança,

mas ela vai o conhecendo e tendo consciência desse mundo explorando e agindo sobre ele,

pois a consciência emerge sob forma de ação. “Uma criança que domina o mundo que a

cerca é a criança que se esforça para agir neste mundo”.(LEONTIEV, 1988:120).

Leontiev explicita que durante a fase pré-escolar as atividades são diversas.

Primeiramente, as ações da criança são guiadas pela satisfação das necessidades vitais, ainda

que diferente dos resultados de sua atividade, isto é, “atividade de uma criança não determina

e, essencialmente, não pode determinar a satisfação de suas necessidades de alimento, calor e

etc.” (LEONTIEV, 1988:119). O objetivo da criança é apenas satisfazer as necessidades que

não, necessariamente, estão relacionadas com o seu resultado.

A atividade lúdica, por sua vez, origina-se do mesmo processo, de agir e operar sobre

algo. É caracterizada pelo autor como atividade objetiva, não instintiva, cujo motivo está no

próprio processo. É uma atividade essencialmente humana que tem base na percepção que a

criança tem do mundo e a necessidade da mesma de agir sobre ele. Isso faz parte do processo

da aprendizagem e desenvolvimento psíquico, pois, através dessas atividades, mudanças

psicológicas acontecem e levam a criança a novos tipos de atividades mais elaboradas. Nesse

contexto, o brincar é considerado, como atividade principal1 de desenvolvimento uma vez

que a criança se relaciona com o mundo de modo especialmente rico através dela. Através do

conceito de atividade principal, o autor destaca que “O desenvolvimento mental de uma

1 “Chamamos atividade principal aquela em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolve processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento.” (LEONTIEV, 1988:122)

criança é conscientemente regulado sobretudo pelo controle de sua relação precípua e

dominante com a realidade, pelo controle de sua atividade principal” (LEONTIEV,

1988:122)

A brincadeira, como atividade principal, constitui-se de ações e operações como outras

atividades humanas, no entanto com algumas características diferentes. O que mais importa

na atividade lúdica é a motivação que se encerra na simples ação (realizar algo) e na

operação (meios pelos quais a ação é realizada), pois, “o que distingue uma ação que não

constituiu uma brincadeira é apenas sua motivação, isto é, a ação lúdica é psicologicamente

independente de seu resultado objetivo, por que sua motivação não reside nesse resultado.”

(LEONTIEV, 1988:126).

Ao brincar, a criança pré-escolar não se preocupa com o resultado de sua ação, mas

brinca, joga e manipula objetos para experimentá-los e representar situações e

acontecimentos reais, isto é, que fazem parte da convivência cultural no grupo social a que

pertence. O que a move às atividades lúdicas são simplesmente fatores sociais e o desejo de

incluir-se em seu grupo e apropriando-se do mundo que a cerca; podemos dizer também que

motivações individuais impulsionam as crianças a agirem e brincarem das mais diversas

formas. Por isso, muitas vezes pensamos que as crianças criam e inventam suas atividades,

fantasiando acontecimentos, no entanto, o que estão fazendo é apenas penetrando na

realidade de forma generalizada, ou seja, representando uma ação que é do conhecimento

dela. Em vista disso, Leontiev explicita que “a atividade lúdica surge com especial clareza

quando alguma ação que a criança já domina perfeitamente é incluída em sua atividade

lúdica”.(1988:130).

Vygotsky acrescenta que a criança não tem consciência das motivações do brinquedo e

esta é a diferença entre brinquedo, trabalho e outras atividades, nas quais, mesmo que não

haja compreensão de todo processo, o sujeito atenta às operações necessárias e está orientado

para o resultado. (ROCHA, 1994:50).

Assim como as diversas ações no desenvolvimento do sujeito são vivenciadas e

internalizadas modificando o psiquismo (sem que ele esteja consciente dessas modificações)

os ganhos através das atividades lúdicas ocorrem de forma não intencional, mas afetando

diretamente o desenvolvimento psicológico infantil.

Vygotsky destaca que o brincar tem um papel fundamental quanto à função simbólica,

isto é, a possibilidade de representação. Ao representar, a criança torna-se capaz de pensar

em objetos ausentes, relembrar acontecimentos e prever resultados de suas ações, ainda que

fictìcios.

Dentro dessa idéia, o brincar tem um papel fundamental no desenvolvimento do

pensamento da criança, pois cria zonas de desenvolvimento proximal (ZDP). Quando uma

criança representa uma situação, substitui objetos por outros e cria regras para suas

atividades, ela está trabalhando na ZDP, operando com significados e conduzindo o seu

pensamento conceitual, bem como a linguagem e o comportamento para níveis mais

avançados. Ela aprende a atuar de acordo com o significado das ações e utilizar os objetos

internalizando suas diversas utilidades, portanto, referindo-se a linguagem, seus diversos

significados, provocando assim mudanças em suas atitudes (agir) e compreensão

(significado).

As transformações, que o brincar permite, favorecem as várias áreas do desenvolvimento

da criança com especial importância para os seguintes processos psicológicos: dimensão

simbólica, campo perceptual, representação do real, apropriação do mundo real, formação de

novos conceitos, campo perceptual, capacidade imaginativa e comportamento.

2.4 A CONTRIBUIÇÃO DOS JOGOS DE REGRAS

Para falarmos dos jogos de regras, é preciso descrever sua evolução, pois tem sua origem

a partir dos jogos de faz-de-conta. Para tanto, definiremos, brevemente o jogo de faz-de-

conta e, posteriormente, os jogos de regras, dando especial destaque para suas contribuições

para o desenvolvimento do sujeito. Embora uma atividade não esteja, aparentemente, ligada a

outra, isto é, brincar de casinha (jogo de papéis) ou brincar de esconde-esconde (jogo de

regra) “uma forma se desenvolve a partir da outra, em virtude de uma necessidade inerente à

própria atividade lúdica da criança, pela qual os jogos “com regras” surgem em estágio

posterior.” (LEONTIEV, 1988:134), há o declínio de uma forma de brincar para o

surgimento e desenvolvimento da outra.

A forma inicial da criança pré-escolar se relacionar com o brinquedo caracteriza-se pelo

papel lúdico que a própria ação proporciona, manipulando e experimentando objetos e suas

funções. No Processo de desenvolvimento do brincar a criança passa não só relacionar-se

com o objeto, mas o conteúdo do brincar passa também a valorizar as relações com outros

participantes. A criança começa a permitir a presença do outro na atividade lúdica fixando o

motivo das ações neles. Todas essas ações são independentes de regras ou de condutas a

serem seguidas, brincam pelo prazer da ação e não estão preocupadas com o resultado, mas

com o processo.

Posteriormente a criança brinca com representações do real, atribui às suas ações uma

função social (humana e cultural) num contexto imaginário.

A situação objetiva imaginária desenvolvida é sempre, também, uma situação de relações humanas nelas desenvolvidas. Um traço marcante dos jogos, com uma situação imaginária desenvolvida e relações sociais, é precisamente o de que surge neles um processo de subordinação da criança às regras da ação, processo este que surge das relações estabelecidas entre os participantes do jogo. (LEONTIEV, 1988:136)

Nesta forma de brincar, as regras existem, mas estão implícitas às ações e representações

manifestadas, ou seja, numa situação imaginária as ações e os papéis assumidos pelas

crianças são guiados por uma lógica cultural e social, podendo-se assim dizer, guiados pelas

regras culturais e sociais ou então regras combinadas pelos próprios participantes. Assim, “no

jogo de papeis as regras estão ocultas, sendo necessário um trabalho de análise para

reconhecê-las e identificá-las.” (ROCHA, 1994: 71).

No jogo de papeis são construídos argumentos que preenchem o jogo, auxiliando e

limitando as representações feitas pelas crianças ao brincar, pois o que interessa é cumprir os

requisitos do papel representado. Diante disso, Elkonin também admite o surgimento de

regras:

Surgem regras internas não escritas, mas obrigatórias para os que jogam, provenientes do papel e da situação lúdica. Quanto mais desenvolvido está o jogo, tanto maior é o número de regras internas e os aspectos lúdicos multiplicam-se e ampliam-se cada vez mais, envolvendo as inter-relações histriônicas das crianças, os sentidos atribuídos aos brinquedos e a continuidade do desenvolvimento do argumento.(1998:243)

As regras, portanto, encontram-se encobertas até o surgimento dos jogos de regras, onde

as regras são explícitas. Apesar das diferenças entre jogos de papéis e jogos de regras, existe

uma unidade entre ambos podendo ser pensados em uma mesma linha de construção e

desenvolvimento, pois a distinção deles só será percebida quando as regras não estiverem

mais vinculadas com os argumentos e papéis.

Assim, a principal mudança que ocorre no brincar durante o seu desenvolvimento é a

transformação dos jogos de papéis, jogos imaginários, para os jogos de regras,

evolutivamente maior que o anterior.

Neste contexto, encontramos aqui um referencial importante da teoria sócio-histórica que

compreende a articulação entre os jogos de papéis e os jogos de regras. Postula que a regra é

presente em qualquer atividade lúdica, no entanto a evolução está no lugar que ocupa dentro

da atividade. “Como o que regula o jogo de regras são normas estabelecidas a priori, externas

e condicionais, conclui que a capacidade da criança de participar deste tipo de atividade

deriva da sua história de envolvimento em jogos de papéis”.(ROCHA, 1994:73)

O desenvolvimento do jogo de papéis e a participação do Outro nesse processo envolvem

as relações sociais, subordinando o comportamento da criança a regras reconhecidas em suas

ações, preconizando o surgimento do jogo de regras e conscientizando-as do princípio da

própria regra.

Sobre esta base é que o os jogos de regras surgem como um novo estágio do brincar no

desenvolvimento humano e estabelece novos objetivos para a ação na atividade lúdica.

Leontiev ressalta que “são jogos cujo conteúdo fixo não é mais o papel e a situação lúdica,

mas a regra e o objetivo” (1988:138).

Quando as crianças começam a focalizar o objetivo, o cumprimento das regras, elas dão

um salto psicológico importante no seu desenvolvimento, a significação desse jogo reside

agora em um resultado, não que o jogo tenha se tornado para a criança uma atividade

produtiva, por que o motivo do jogo continua o mesmo, mas seu sentido consiste na

subordinação a condições e na realização de objetivos claros e diretos (regra do jogo).

Leontiev coloca que os jogos de regras têm um desempenho importante no

desenvolvimento da criança. Em sua argumentação, cita o exemplo de um jogo russo de

movimento, de pega, em que a criança tem uma regra a seguir para atingir um objetivo, um

resultado final e diz:

Todos esses jogos são de grande interesse psicológico, por que traços extremamente importantes da personalidade da criança são desenvolvidos durante tais jogos e, sobretudo, sua habilidade em se submeter a uma regra, mesmo quando um estímulo direto a impede a fazer algo muito diferente. (LEONTIEV, 1988:138)

Portanto, o jogo de regras implica que a criança controle seu próprio comportamento,

segundo um plano definido (regras), fazendo-a construir novas ações. Possibilita à criança

não somente repetir as ações (mesmo que a repetição faça parte desse processo como forma

inicial de internalizarão das ações e regras do jogo), mas que as repense e construa novas

formas de agir e estratégias, utilizando o que lhe é permitido fazer dentro dos limites que lhes

são dados. Outra implicação que o jogo de regras traz, é a possibilidade que a criança tem de

avaliar-se diante da ação que ela mesma praticou ou em comparação com a ação do outro.

Pensar sobre o erro e torná-lo observável leva a criança a tomar consciência de seus próprios

procedimentos elevando suas ações a um patamar mais elevado.

2.5 A BRINCADEIRA NA ESCOLA

Com o enfoque nas considerações da importância do brincar no desenvolvimento da

criança é que destacamos a relevância do brincar na escola, uma vez, que a escola é espaço e

tempo de aprender e responsável por parte importante do desenvolvimento das crianças que a

freqüentam.

Na escola à criança é possível relacionar-se com sujeitos da mesma idade, resolver

conflitos, com a ajuda de um adulto ou até mesmo sozinha, desenvolver seu pensamento,

linguagem e emoções. Além disso, a escola tem como objetivo desenvolver o sujeito

plenamente, em todas as suas áreas de desenvolvimento, cognitiva, social, cultural e

emocional. Conseqüentemente, consideramos o brincar uma atividade que, se explorada e

valorizada pelos educadores, se torna um instrumento rico para a aprendizagem de todos

esses conceitos colocados acima.

Brincar é sem dúvida, uma forma de aprender, mas é muito mais que isso. Brincar é experimentar-se, relacionar-se, imaginar-se, expressar-se, compreender-se, confrontar-se, negociar, transformar-se, ser. Na escola, a despeito dos objetivos do professor e de seu controle, a brincadeira não envolve só a parte cognitiva da criança. Envolve a criança toda. É prática social, atividade simbólica, forma de interação, com o outro. Acontece no âmago das disputas sociais, implica a

constituição do sentido. É criação, desejo, emoção, ação voluntária. (FONTANA, 1997:139)

Apesar de todas essas contribuições, pouco se vê a brincadeira como parte dos projetos

didáticos pedagógicos da escola. Isso se deva as concepções sobre o brincar e o olhar que se

tem sobre essa atividade. Uma delas refere-se à questão de como se entende o espaço e o

tempo escolar, outra é considerá-lo um momento de passa tempo, ou, ao contrário dessas,

encarar o brincar como metodologia e técnica para a aprendizagem.

Arraigada a idéias tradicionais de ensino, de que escola é lugar de aprender e não de

divertir-se, a dimensão lúdica é, muitas vezes, simplesmente esquecida ou vista como

baderna, confusão, desinteresse ao aprender. O brincar sempre pressupõe ação, movimento,

pois, como já colocado, brincar é agir sobre objetos, agir no mundo, representá-lo e expor

emoções; é exatamente essa “movimentação” que é tolhida na escola, principalmente na sala

de aula.

Ao utilizar a brincadeira como passa-tempo, descarta-se a possibilidade do educador criar

as zonas de desenvolvimento proximal (colocadas por Vygotsky), de poder intervir, ou

simplesmente, observar como as crianças estão se relacionando e entendendo o mundo.

Outras concepções valorizam o brincar como forma de aprender, mas ainda assim

descaracterizam o verdadeiro sentido dessa atividade, pois a colocam numa posição técnica e

metodológica, “em vez de aprender brincando, a criança é levada a usar o brinquedo para

aprender”.(FONTANA,1997:139). Nessa perspectiva, a ação do brincar não se torna

espontânea, agradável ou motivadora, mas uma obrigação cognitiva, se assim podemos

chamar a responsabilidade e obrigatoriedade que o educador, nesse caso, faz da brincadeira

ou do jogo em sala de aula.

Valorizar o lúdico em meio às propostas pedagógicas é resgatar a sua importância como

atividade principal, que traz mudanças significativas ao desenvolvimento da criança,

quebrando paradigmas e enfrentando desafios:

O desafio está em transformar o jogo infantil em recurso pedagógico de construção de conhecimento pelas crianças. Para alcançar tal desafio, é preciso considerar as brincadeiras que as crianças trazem de casa ou da rua e que organizam independentemente do adulto. Para garantir o aparecimento do jogo independente, é necessário que a rotina escolar tenha períodos longos entre as atividades dirigidas, para que as crianças sintam-se a vontade para brincar. Que existam materiais variados, organizados de maneira clara e acessíveis às crianças, levando em conta a idade das mesmas. (VITAL, 2003: 45)

Assim, alguns pontos são relevantes para que o brincar tenha um espaço saudável na

escola: oportunizar tempo, brinquedos diversos, momentos dirigidos e livres para brincar.

Acima de tudo, mediar e ajudar as crianças a construírem suas competências lúdicas. Esses

momentos devem ser usados pelo professor como um descanso do ensino metodológico, e,

utilizados para observações e intervenções sutis para o ensino e aprendizagem prazerosos,

valorizando a espontaneidade da criança ao brincar.

Na teoria sócio-histórica, o professor também é personagem atuante no processo do

brincar na escola, uma vez que é ele o responsável por coordenar esses momentos,

estipulando tempo, dando instruções, proporcionando a qualidade do mesmo e participando

da brincadeira com os alunos. Além disso, pensar e preparar o ambiente para as crianças é

importante e significativo, criando um espaço onde a criança possa se deparar com conflitos,

buscar soluções, relacionar-se afetivamente e desenvolver-se cognitivamente. Nesse sentido,

os jogos e as brincadeiras tornam- se um instrumento que propicia ao professor o estudo do

pensamento da criança, de sua afetividade, de suas possibilidades de estabelecer relações

sociais e entender como a criança se depara com o erro e pensa sobre ele.

Falando especificamente dos jogos de regras, cuja evolução e importância foram

explicitadas anteriormente, entendemos que quando realizados na escola podem ter como

objetivo promover rica expressão dos afetos, desenvolvimento da personalidade e

desenvolvimento psicológico, ajudando criança com ou sem dificuldades de aprendizagem.

Esses jogos apresentam uma situação problema, objetivos a serem atingidos e um conjunto

de regras que determinam limites dentro dos quais os resultados permitem ao sujeito

coordenar suas açõe

3. PROSPOSTA DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

3.1 METODOLOGIA

Para concretizar os objetivos propostos no presente trabalho, ou seja, contribuir para

que os educandos, através da intervenção com jogos, desenvolvam capacidade de respeito

mútuo, de colaboração, bem como de organização desses em brincadeiras sem que seja

necessário a presença constante de um adulto, elegemos como referência metodológica a

pesquisa qualitativa que supõe um contato direto entre o pesquisador e a situação, o ambiente

investigado, de maneira que esse seja uma fonte direta de informações. Esse contato nos

possibilitou um maior entendimento e desvelamento da realidade dos educandos e da maneira

com que se relacionam entre si, pois envolveu a obtenção dos dados descritivos obtidos do

nosso contato direto com a situação estudada, enfatizando mais o processo do que o produto,

com a preocupação de retratar a perspectiva dos envolvidos.

Dentro das inúmeras possibilidades de pesquisa qualitativa consideramos que o mais

adequado seria realizar uma pesquisa-ação, em que o pesquisador é o próprio interventor, ou

seja, está integrado tanto ao processo de construção quanto ao de auto-reflexão, o que nos

permitiu não só compreender a prática, como também a partir disso construí-la em processo

contínuo.

Maihiot (1970) afirma que a pesquisa-ação deve partir de uma situação social concreta

a modificar, e deve se inspirar constantemente nas transformações e nos elementos novos que

surgem durante o processo e o decorrer da pesquisa. Dessa forma, percebe-se claramente que

essa abordagem implica a transformação da realidade, através do pesquisador que assume

dois papéis, o de investigador e o de participante.

Segundo Franco (2005) a pesquisa-ação tem assumido uma postura diferenciada frente

ao conhecimento, pois visa ao mesmo tempo conhecer e intervir na realidade pesquisada,

fazendo com que o pesquisador faça parte do universo investigado.

O presente trabalho, como já havia sido dito anteriormente, foi realizado em uma

escola pública situada no município de Indaiatuba, na qual uma de nós leciona. O público

alvo da intervenção foram crianças de seis e sete anos, da primeira série do Ensino

Fundamental.

Como o objetivo do trabalho propõe a intervenção através de jogos e brincadeiras, em

um primeiro momento focamos nossa atenção somente na escolha dessas ferramentas.

Havíamos definido, inicialmente, focalizar somente jogos de regras; entretanto, percebemos, a

partir do contato com as crianças, um grande interesse dessas em jogos de movimento. A

partir disso, elencamos junto com os alunos diversas brincadeiras que conheciam. Após o

término desse primeiro levantamento, decidimos mesclar as brincadeiras e escolhemos: barra

manteiga, pega-pega americano, boliche, pega varetas e corre cutia.

Após a escolha das brincadeiras, realizamos observações dos educandos durante o

processo de intervenção, anotando passagens dos acontecimentos e situações relevantes,

destacando, sobretudo, a maneira com que se relacionavam entre si.

Para que se torne um instrumento válido e fidedigno de investigação cientifica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática, o que implica a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do observador. (LUDKE,2002:25)

Por fim, utilizamos a escrita e produção dos alunos para resgatar todo processo

desenvolvido e registrá-lo, através da produção de um livro feito individualmente por cada

criança.

3.2 DETALHAMENTO DO PLANO DE INTERVENÇÃO

Assim como Leontiev (1988) acreditamos que o alvo do jogo não está no resultado, e sim

na ação em si. Lembrando que toda ação tem um objetivo consciente, em um primeiro

momento, tivemos que selecionar os jogos que seriam trabalhados com as crianças, afim de

que pudéssemos intervir com sucesso.

A escolha dos jogos foi feita somente após as crianças elencarem inúmeros jogos e

brincadeiras em relação aos quais manifestavam conhecimento e interesse. A partir desses

resultados, fomos analisando quais seriam possíveis de serem trabalhados, de forma que

pudéssemos atingir nossos objetivos que já foram descritos anteriormente.

Inicialmente, havíamos pensado em trabalhar somente com jogos de regras, que são jogos

regulamentados por um código composto por regras impostas e combinadas entre os jogadores,

dando um enforque maior na competição e não ao vencedor em si. Entretanto, as crianças

mostraram enorme interesse em alguns jogos de exercício, que são jogos em que elas repetem

todo tipo de movimentos, encontrando um resultado após os efeitos produzidos. Diante disso,

optamos por incluir no presente trabalho não só jogos de regras como também os de exercício.

Foi combinada e discutida com as crianças a confecção de um livro de brincadeiras onde

elas descreveriam (com a ajuda do professor, produzindo textos coletivos) a maneira de

jogar/brincar e, depois, ilustrariam. Cada criança fez uma produção individual para depois

eleger, através de uma votação, as ilustrações que consideraram mais bonitas para compor a

produção final que será: um livro com as brincadeiras para ser doado à biblioteca da escola.

Para finalizar o projeto, foi pensado em organizar junto aos alunos uma oficina das

brincadeiras realizadas por eles, onde ensinariam as brincadeiras do livro para outras crianças e

fariam o lançamento do mesmo. O projeto propõe além das brincadeiras, da ação em si,

momentos de reflexão e avaliação dessas ações e momentos de sistematizá-las (ao escrever e

organizar a oficina). Para concretizar todo esse processo, algumas etapas foram previstas:

1ª) Propor o projeto e incentivar a brincadeira

1. Propor e conversar com os alunos sobre o projeto.

2. Combinar a confecção do livro.

3. Propor que os alunos escrevam (espontaneamente) e depois leiam 5 brincadeiras

preferidas.

4. Fazer, num cartaz, uma lista com todas as brincadeiras preferidas (alunos podem

ser os escribas)

5. Escolher por votação 3 brincadeiras para brincarem.

6. Propor que as brincadeiras escolhidas sejam ensinadas pelos mesmos alunos que

as propuseram.

7. Fazer leituras de livros de jogos e brincadeiras para que possam entender,

interpretar e jogar.

8. Propor aos alunos que pesquisem em casa com seus familiares quais as

brincadeiras de que mais gostavam quando crianças. Cada um deverá anotar como se joga a

brincadeira e, na classe, explicar pára os colegas. Uma dessas brincadeiras será votada e

colocada no livro.

2ª) Iniciar a confecção dos livros individuais

1. Registrar coletivamente as brincadeiras realizadas

2. Fazer roda de conversa antes e depois das brincadeiras, discutindo com os

alunos o que acharam, se foi difícil ou fácil, se gostaram ou não.

3. Incentivá-los a descobrir e descrever as regras e procedimentos mais

importantes da brincadeira.

4. Em relação às ilustrações das brincadeiras, num primeiro momento deveriam

realizar o registro do desenho com lápis de cor. Num segundo momento (brincadeira) pensar

em algum elemento de interferência para que complementem o desenho utilizando a

criatividade.

Após a apresentação do projeto e a escolha das brincadeiras pelos alunos, a atuação foi

realizada primeiramente observando como os alunos agiam nas atividades lúdicas, o que os

motivava e qual a consciência que tinham sobre o conteúdo das ações. Estas observações

permitiu-nos atuarmos nos alvo certos, refletindo com as crianças sobre os aspectos sociais, de

relacionamento, bem como o seguimento de regras, pois entendemos que a prática transforma a

consciência e a consciência transformada, sobre a ação, muda a prática.

Entendemos que ao inserir a brincadeira como parte da prática pedagógica, ela se torna

um rico instrumento de atuação e intervenção na introdução da moralidade, consciência da

cooperação e respeito. Além disso, é uma atividade da qual a criança se utiliza, habitualmente,

para construir sua percepção de mundo, suas relações com objeto e com o outro, tomando

consciência e decisões, levando ao desenvolvimento psíquico de várias áreas.

4. PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DE DADOS

As observações serão focadas nas ações e no comportamento da turma ao brincar e se

organizarem para a atividade, analisando os seguintes aspectos: como se comportam diante das

instruções, se questionam ou mudam regras, como é o comportamento e como são as relações

entre os alunos que as brincadeiras proporcionaram, como lidam com os desafios e com os

conflitos durante o brincar.

4. 1 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO E DO GRUPO

A instituição escolar onde foi realizado o trabalho localiza-se na periferia do Município de

Indaiatuba, atendendo somente de 1ª à 4ª séries do Ensino Fundamental. Há, ao todo, 16 salas

de aula, uma biblioteca, uma sala de vídeo, uma sala chamada de Intervenção (onde são

guardados os materiais lúdicos, brinquedos, jogos...), uma cozinha onde são preparadas as

merendas, uma cozinha para funcionários, uma sala para os professores, sala da direção e

secretaria. A escola dispõe de uma quadra coberta razoavelmente grande e um pátio destinado

aos intervalos, os quais utilizamos para a concretização das brincadeiras.

Com relação ao projeto político pedagógico a Secretaria Municipal de Educação institui

que o trabalho seja desenvolvido de acordo com a teoria construtivista. Isso ajudou a que

coordenação e a direção da escola se mostrassem bastante receptiva ao projeto criando

expectativas quanto ao nosso trabalho.

A intervenção foi realizada com 34 crianças da 1ª série do Ensino Fundamental que têm

entre 6 e 7 anos de idade. A grande maioria mora no próprio bairro em que se localiza a

instituição e são pertencentes às baixas camadas populares.

Uma característica comum a todas as crianças é a agressividade e a falta de organização

entre eles, que resulta na dificuldade no comportamento e no convívio social.

4.2 ETAPAS DO PROCESSO

Ao nos apresentarmos aos alunos para realizarmos a primeira etapa do projeto, tivemos,

inicialmente, uma conversa informal com o objetivo de resgatar e conhecer o que os educandos

faziam nas horas vagas, do que brincavam e quais atividades realizavam com mais prazer.

Durante a conversa, percebemos que as atividades lúdicas proporcionavam bastante

entusiasmo, todos queriam relatar suas experiências. Diante disso, propusemos ao grupo um

projeto em que o foco central seria o brincar, valorizando as brincadeiras conhecidas por eles,

afim de que esses fossem sujeitos ativos no processo de construção e desenvolvimento do

trabalho. Como conclusão do projeto combinamos o registro e a confecção de um livro das

brincadeiras realizadas, onde os alunos seriam os autores e ilustradores.

A idéia foi imediatamente aceita. A partir de então, começamos a primeira etapa do

projeto que foi elencar as brincadeiras preferidas. Pedimos para que cada criança escrevesse

cinco brincadeiras de que mais gostava em um papel. Ao recolhermos as anotações, colocamos

na lousa todas as brincadeiras citada; tivemos o cuidado de anotá-las, pois consideramos

significante observar o comportamento desses frente ao processo de escolha, visto que,

mediante aos resultados obtidos fizemos uma votação em que somente três brincadeiras

poderiam ser escolhidas. As brincadeiras registradas por eles foram: boliche, corre-cutia, corda,

dança da cadeira, coelhinho sai da toca, pipa, amarelinha, batata quente, caça ao tesouro,

bolinha de gude, futebol, carrinho, boneca, casinha, esconde-esconde, vivo ou morto, varetas,

pega-pega, policia e ladrão, pique bandeira, forca, estátua e damas. Pôde-se observar dentre as

atividades elencadas a forte presença de jogos de regras embora tenham aparecido em menor

proporção jogos simbólicos.

Sem direcionar a escolha das crianças a votação teve o seguinte curso, sendo as mais

votadas pelos meninos: futebol, pipa, pega-pega e esconde-esconde; pelas meninas: boneca,

pega-pega, amarelinha e corda. No entanto algumas brincadeiras não teriam possibilidade de

acontecer na escola, devido a estrutura física da instituição como: esconde-esconde e pipa.

Outro problema encontrado foi com relação ao futebol e a boneca, pois notamos certa “rincha”

com relação a ambos os sexos: os meninos e as meninas centralizaram suas atenções às suas

vontades, ignorando completamente a opinião contrária; para ambos o que bastava era que suas

solicitações fossem atendidas, e para isso argumentaram bastante conosco, tentando nos

convencer de que estavam certos. No entanto, nosso objetivo era que todos pudessem brincar

juntos, respeitando-se mutuamente, já que um dos problemas observados na turma é a

agressividade entre meninas e meninos também. Através de uma conversa explicitamos aos

alunos que seria interessante que todos brincassem juntos, pois esse contato possibilitaria

maiores laços de amizade, e que em outros momentos essas atividades que eles tanto

solicitavam aconteciam na aula de Educação Física, e que nos nossos momentos poderíamos

explorar brincadeiras não corriqueiras na escola.

A partir de então, fizemos uma nova votação onde se manteve o pega-pega e se adicionou

o boliche e o corre-cutia (brincadeira comentada porque estava-se explorando na escola o

folclore). Algumas crianças não reagiram bem porque suas brincadeiras não foram escolhidas,

pois não obtiveram a maioria dos votos, ficaram irritadiças, emburradas. Entretanto, explicamos

que o processo de escolha tinha sido democrático, uma vez que todos expressaram sua opinião

através do voto, não desvalorizando a sugestão pessoal desses.

Além das brincadeiras selecionadas, propusemos que eles escolhessem através de livros

levados por nós na sala de aula mais duas brincadeiras que não tinham muito contato. As

escolhidas foram: barra manteiga e pega varetas (jogo que tem na escola, mas pouco utilizado

pelos alunos).

Em um segundo momento partimos para a realização das brincadeiras que serão descritas

a seguir.

4.3 RELATOS E ANÁLISES DAS BRINCADEIRAS

A cada semana uma brincadeira foi explorada. Para que essas fossem explicadas aos

demais, colocamos em evidência aqueles alunos que as haviam sugerido para analisarmos como

é que entendiam as regras e as expunham.

PEGA-PEGA AMERICANO2

É importante destacarmos que esta foi a brincadeira mais solicitada pelo conjunto de

alunos.

A brincadeira acontece da seguinte forma: são escolhidos dois pegadores, chamados pelas

crianças de “feras”, que têm a função de pegar qualquer participante que deve ficar congelado

(parado) e com a perna aberta, quando pego. Esse, só será salvo podendo voltar ao jogo depois

que uma pessoa libertá-lo passando por baixo de suas pernas. Ao praticarmos a brincadeira

observamos que a maior parte dos meninos e das meninas só salvavam aqueles com quem

tinham maior afinidade deixando algumas crianças por muito tempo fora do jogo; percebendo

isso, as crianças vinham se queixar, a procura de que tomássemos alguma atitude. Diante dessa

queixa, e lembrando que as crianças tem dificuldade em organizar-se sozinhas. Chamamos o

grupo para conversar e sugerir qual seria a melhor maneira de solucionar esse problema; alguns

2 Anexo 1-texto coletivo e ilustrações.

fingiam não notar o que estava acontecendo, outros só se preocupavam em serem escolhidos

para serem as “feras”. Então, pedimos que refletissem um pouco e se colocassem no lugar do

colega, afim de saber como se sentiriam. Assim conduzimos a conversa até que chegássemos a

um consenso, introduzindo uma nova regra que seria: meninas só poderiam salvar meninos e

vice e versa. A regra foi aceita sem maiores questionamentos, pois ao perceberem a ação do

grupo perante essa situação, puderam avaliar as suas próprias ações, começando a julgar a si

mesmas, trazendo menos conflito gerando um sentimento de companheirismo.

Leontiev (1988) quando comenta sobre o jogo “Pegador Gelado” (semelhante ao pega-

pega americano) comenta:

Finalmente, esses jogos com propósito duplo introduzem um momento essencial para o desenvolvimento da psique da criança. Eles introduzem um elemento moral em sua atividade. No jogo do “pegador gelado”, por exemplo, o estimulo direto criado pela situação do brinquedo, a saber, evitar o jogador que foi congelado, seja ele quem for, a qualquer custo é superado pelo impulso moral de ajudar um companheiro. E mais uma vez o importante aqui é que este elemento moral surgiu da própria atividade da criança, ou seja, ativamente e, por isso da pratica, e, não sobe forma de uma máxima moral abstrata que ela tenha ouvido. (LEONTIEV, 1988:139).

Ao longo da semana, repetimos diversas vezes essa brincadeira. Pudemos perceber que

as regras foram sendo assimiladas pelas crianças, que a partir de então não as burlavam, e

cobravam o cumprimento delas dos amigos. Então, partimos para o momento de registro

fazendo coletivamente um texto explicativo.

CORRE-CUTIA3

A brincadeira funciona da seguinte forma: forma-se uma grande roda com os alunos que

deverão fechar os olhos enquanto cantam a música corre cutia: “corre cutia na casa da tia, corre

cipó na casa da vó, lencinho branco caiu no chão, moça bonita do meu coração. 1,2,3 fecha o 3 Anexo 2

olho de uma vez, chinês, japonês”. Durante a música, uma criança escolhida anda em volta da

roda com um objeto, que deverá ser colocado atrás de um colega, sem que ninguém veja. Ao

término da música todos olham para traz; aquele que tem o objeto devera sair correndo para

pegar o colega, que tem que se sentar no lugar daquele que esta o pegando. Caso não consiga

fugir, a criança precisa ir no meio da roda imitar uma galinha chocando.

Essa brincadeira já era bastante conhecida por eles, portanto não tiveram muita

dificuldade para assimilar as regras. Novamente, tomamos cuidado para que as mesmas

crianças não fossem freqüentemente escolhidas, bem como para que as crianças exercitassem a

compreensão e respeito às regras, permanecendo de olhos fechados, para não estragar a

brincadeira, sempre fazendo interferências quanto a isso.

BARRA-MANTEIGA4

Essa foi uma das brincadeiras que eram desconhecidas dos alunos, retirada de um dos

livros dados a eles apresentado anteriormente. Consiste em fazer dois times em que ambos

tenham a mesma quantidade de participantes. Os participantes são dispostos atrás de

demarcações feitas no chão, uma paralela a outra, de modo que os times fiquem um de frente ao

outro. Um dos times escolhe uma pessoa para começar que deve bater na mão do adversário

recitando a seguinte parlenda: “Barra Manteiga na fuça da nega 1,2,3”. A última pessoa que ele

bateu na mão sai correndo para pegá-lo. O objetivo é não deixar o batedor voltar ao seu time de

origem. Se isso acontecer, o pega vira o batedor. Caso o batedor seja pego, ele é capturado para

o time adversário. Ganha o time que tiver mais participantes.

Como não conheciam a brincadeira, e as regras foram apenas transmitidas sem a

participação e a construção deles, notamos uma certa dificuldade e desinteresse geral do grupo.

4 Anexo 3

Pudemos notar, nos registros realizados bem como nas ilustrações que o que permaneceu

mais evidente na compreensão da regra dessa brincadeira foi a percepção do espaço, bem como

a disposição dos times para brincar. Observamos também uma ansiedade entre as crianças de

serem escolhidas e desafiadas quando batiam em suas mãos. Somente quando elas participavam

efetivamente da brincadeira (sendo escolhidas) é que a atividade ganhava sentido; elas não se

preocupavam tanto com os resultados do jogo, se seus times estavam ganhando ou não, mas se

ativeram na ação de perseguir, correr, de serem notadas e escolhidas.

BOLICHE5

Para brincar, foi preciso dividir a turma em cinco times cada um com seis crianças e

organizar as garrafas de modo que ficassem uma na primeira fileira, duas na segunda e três na

terceira fileira, formando um triângulo. As crianças deveriam ficar atrás de uma linha que foi

demarcada no chão, e jogar a bola que deveria sair rolando e acertar o maior número de

garrafas. Ganha o time que tiver derrubado mais garrafas, mas para que se obtenha o resultado é

preciso que alguém se responsabilize pela contagem de cada grupo. Cada um deveria esperar a

sua vez para jogar, mas com a demora de algumas crianças os demais ficavam impacientes e

dispersos. Nessa situação tivemos que intervir para que respeitassem a vez e o tempo de cada

um.

O jogo desencadeou também o pensamento lógico, visto que é necessário realizar a

contagem dos pontos, comparação de quantidades, além da noção de espaço, tempo, direção e

sentido. Essa contagem fez com que percebessem a competição como resultado do esforço e

concentração de cada um, o que acabou promovendo apoio e estimulo entre eles.

5 Anexo 4

PEGA-VARETAS6

Este é um jogo que exige concentração, habilidade motora e competição. O material

utilizado são varetas de diversas cores, mas do mesmo tamanho. Inicia-se o jogo soltando as

varetas de modo que fiquem umas em cima das outras, desordenadamente. O número de

participantes pode ser de dois ou mais. O objetivo é retirar o maior numero de varetas, mas só

pode retirar uma a cada rodada, sem que outras se movam; se mexer, perde a vez e a vareta

deverá retornar ao jogo. Há apenas uma vareta da cor preta que, quando conquistada, pode

auxiliar na retirada das demais.Também foi um jogo que prendeu a atenção de todos, só que

houve desacordos com relação a hora em que retiravam as varetas, eles se prendiam aos

movimentos e habilidades dos colegas, sempre achando uma razão para que os mesmos não

adquirissem as varetas. A regra era cobrada, mas não cumprida: eles necessitavam do olhar

adulto para comprovar as suas observações, suas críticas.

6 Anexo 5

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo a aprendizagem como um processo de construção que se dá na interação

permanente do sujeito com o meio que o cerca, realizamos nossa intervenção no sentido de

desafiar os sujeitos, questionar suas respostas para observar como nossa interferência afetou seu

desempenho, bem como observar a transformação de processos psicológicos superiores. Não

nos preocupamos apenas com o resultado em si, mas com o desencadeamento do processo,

considerando o sujeito em sua totalidade, dando maior atenção aos aspectos sociais, questão

que deu fruto do presente trabalho.

Portanto, nossas intervenções tinham como objetivo introduzir novos elementos para as

crianças refletirem sobre suas ações oportunizando, assim, a quebra de um padrão anterior de

relacionamento com os colegas de convivência escolar.

No entanto, o que sentimos durante o tempo que estivemos realizando esse projeto é que

as crianças se adequavam às regras e respeitavam seus parceiros e adversários somente durante

as brincadeiras e a incorporação das regras se dava diante da freqüência que brincavam.

Entretanto, no término do trabalho notamos que continuavam se agredindo, o que nos gerou um

desejo de continuar a refletir sobre que condições e atividades teriam sido melhores promotoras

de novas formas de relações interpessoais.

Refletindo sobre esse resultado, chegamos à conclusão de que seria necessário um tempo

maior para que houvesse resultados positivos quanto à construção da socialização dos alunos e

mudanças de comportamento, principalmente por essa agressividade fazer parte do ambiente

sócio-cultural da comunidade em que vivem.

As brincadeiras vivenciadas por essas crianças, geralmente, são relacionadas a

movimentos agressivos e de provocação que se perpetuam em momentos livres como o

intervalo. As atitudes apenas se modificaram durante as brincadeiras realizadas por nosso

intermédio, mas não transpuseram em outras situações.

6. BIBLIOGRAFIA

DANIELS, Harry. Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. Campinas:

Papirus,1994.

ELKONIN, Daniil B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

FONTANA, Roseli, CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual,

1997.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pesquisa- ação sobre a prática docente in Educação e

Pesquisa Sept/Dec. 2005 vol 31, no.3, p.439-441.

LA TAILLE, Yves, OLIVEIRA, Marta K., DANTAS, Heloisa. Piaget, Vygostsky, Wallon:

teorias psicogenetivas em discussão. São Paulo: Summus, 1992

LEONTIEV, A.N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: Vygostky, LS.

Et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. p. 119 -142. 7 ed. São Paulo: Ícone, 1988.

LUDKE, Menga & ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens

Qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygostky: Aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-

histórico. 4 ed. São Paulo: Scipione, 2002.

REGO, Teresa Cristina.Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação.

Petrópolis: Vozes, 1995.

ROCHA, Maria Silvia P.M.L. A constituição social do brincar: modos de abordagem do real e

do imaginário n trabalho pedagógico. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de

Campinas, Campinas-S.P, 1994.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1986

VYGOTSKY, L. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos

superiores.Tradução José Cippolla Neto, Luis S. M. Barreto e Solange Castro. São Paulo:

Martins Fontes, 1991

VITAL, Márcia Regina. A priorização dos conteúdos escolares em detrimento das atividades

lúdicas na educação infantil.Dissertação de mestrado, Universidade Presbiteriana Mackenzie,

São Paulo, 2003.

ANEXOS

Anexo 1

Brincadeira: Pega-pega americano

Anexo 2

Brincadeira: Corre Cúria

Anexo 3 Brincadeiras: Barra Manteiga

Anexo 4

Brincadeiras: Boliche