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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito A VIOLAÇÃO DA NORMA TRABALHISTA E A PROVA SOBRE O ATO ILÍCITO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL À LUZ DA NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO Aluízio Pelucio Almeida Vieira de Mello Belo Horizonte 2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · Trabalhista, inserindo nova versão ao artigo 114, da CRF/88 (Constituição Federal/1988), acrescentando-se-lhe o inciso

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Faculdade Mineira de Direito

A VIOLAÇÃO DA NORMA TRABALHISTA E A PROVA SOBRE

O ATO ILÍCITO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL À LUZ DA NOVA

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Aluízio Pelucio Almeida Vieira de Mello

Belo Horizonte

2008

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Aluízio Pelucio Almeida Vieira de Mello

A VIOLAÇÃO DA NORMA TRABALHISTA E A PROVA SOBRE

O ATO ILÍCITO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL À LUZ DA

NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de Direito – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito do Trabalho. Área de Concentração: Direito do Trabalho

Orientador: Doutor José Roberto Freire Pimenta

Belo Horizonte

2008

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Mello, Aluízio Pelucio Almeida Vieira de M527v A violação da norma trabalhista e a prova sobre o ato ilícito nos embargos à execução fiscal à luz da nova competência da justiça do trabalho / Aluízio Pelucio Almeida Vieira de Mello. Belo Horizonte, 2008. 98f. Orientador: José Roberto Freire Pimenta Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito 1. Estado de direito. 2. Poder executivo. 3. Trabalho - Inspeção. 4. Poder de política. 5. Princípios gerais do direito. 6. Execução fiscal.. 7. Embargos do devedor. 8. Emenda constitucional. I. Pimenta, José Roberto Freire. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós- Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 331.16

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Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Faculdade Mineira de Direito da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Belo Horizonte, 2008

_____________________________________________________________

Professor Doutor José Roberto Freire Pimenta (Orientador)

_____________________________________________________________

Professor Doutor Luís Otávio Linhares Renault

_____________________________________________________________

Professora Doutora Adriana Goulart de Senna

_____________________________________________________________

Professor Doutor Maurício Godinho Delgado

Dedico este trabalho, primeiramente, a Deus por me manter forte para superar os obstáculos.

À minha querida esposa, Dayana, pela paciência e carinho despendidos nos momentos mais difíceis.

Aos meus amáveis pais, Caio e Zélia, grandes incentivadores e investidores deste trabalho.

Ao meu tio, Exmo. Ministro do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, Dr. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, pelas orientações jurídicas.

Ao meu orientador, professor José Roberto Freire Pimenta, sempre solícito e disponível para as orientações necessárias.

Aos professores da Pós-Graduação, pelo conhecimento e aprendizado adquiridos no decorrer do curso, em especial ao professor Luiz Otávio Linhares Renault, pela indicação do curso e pelo apoio à minha vida acadêmica.

Ao meu avô, Luiz Philippe Vieira de Mello, por representar a alma jurídica da família – um exemplo de vida.

LISTA DE SIGLAS

CRF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CPC - Código de Processo Civil

DRT - Delegacia Regional do Trabalho

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

OIT - Organização Internacional do Trabalho

RIT - Regulamento da Inspeção do Trabalho

RESUMO

A inspeção do trabalho decorre da competência exclusiva do Poder Executivo e

constitui mecanismo importante do Estado a assegurar o cumprimento das normas

trabalhistas e evitar a lesão a direitos da classe trabalhadora.

A fiscalização trabalhista, porém, não é ato absoluto e irrevogável da

Administração Pública, na medida em que poderá ser revista através do exercício do

direito de ação.

O controle de legalidade dos atos administrativos exercido pelo Poder Judiciário

é fruto do princípio da separação e interdependência dos Poderes da União e representa

a base forte do Estado Democrático de Direito.

O poder de polícia exercido pelo Estado, nas atribuições das suas funções

administrativas, consiste na obrigação estatal de garantir forte fiscalização ao

cumprimento das normas do trabalho e evitar, com isso, lesão a direitos sociais.

A autuação fiscal representa ato administrativo e repressivo à conduta ilegal

cometida pelo particular, em detrimento do empregado.

Entretanto, o controle de legalidade pelo Poder Judiciário permite a

possibilidade de rediscutir a licitude do ato fiscalizatório, mediante a provocação da

parte e através de um processo judicial.

Esse processo judicial deverá permitir às partes ampla oportunidade em

demonstrar os fatos alegados e controvertidos, para que, ao final, possa o Estado-Juiz

prolatar a sua decisão que seja a mais próxima dos ideais de Justiça.

O Direito de produzir a prova de suas alegações decorre dos princípios

constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Qualquer

limitação que vier a sofrer implicará nulidade do processo, derrubando os direitos e

garantias fundamentais ali preconizados.

Abalará, outrossim, o Estado Democrático de Direito, uma vez que

indiretamente estar-se-ia concentrando os Poderes no Executivo e enfraquecendo o

Poder Judiciário e sua função apaziguadora na busca da Justiça.

Com o advento da Emenda Constitucional n.º 45/04, as execuções fiscais

passaram a tramitar perante à Justiça do Trabalho.

A multa administrativa atribuída pelo Auditor Fiscal do Trabalho será cobrada

judicialmente por meio da execução fiscal, na forma da Lei 6.830/80.

No curso desta execução fiscal, terá o devedor oportunidade de discutir a

legalidade da autuação fiscal através dos embargos à execução.

A modificação da competência, remetendo à Justiça do Trabalho as ações que

envolvam a discussão da legalidade das penas impostas pelos fiscais do trabalho não

repercutirá no direito de prova do devedor, uma vez que o princípio do contraditório, da

ampla defesa e do devido processo legal sempre estará preservado.

Isto porque o direito de defesa, assim como o direito à prova, é inerente a

qualquer processo e independe da esfera judicial em que esteja tramitando.

PALAVRAS-CHAVE: Estado Democrático de Direito, Poder Executivo, Inspeção do

Trabalho, Poder de Polícia do Estado, Princípios Constitucionais do Processo, Execução

Fiscal, Embargos, Emenda Constitucional n. 45/04.

ABSTRACT

The labor examination elapses from the restrictive competence of the Executive

Power and constitutes an important mechanism of the State to assure the

accomplishment of the Labor Party norms and avoid harm to working class rights.

The Labor Party inspection, however, is not an absolute and irrevocable act of

the Public Administration, in a certain proportion that it may be seen through the

exercise of the right of action.

The legality control of the administrative acts performed by the Judicial Power is

a consequence of the detachment and interdependence principle of the Powers of the

Union and represents the firm basis of the Democratic State of Right.

The police power performed by the State, in the rights of its administrative

functions, consists of the state-owned obligation in guarantee great inspection for the

accomplishment of the labor norms and avoid, then, harm to social rights.

The fiscal filing represents repressive and administrative acts to the illegal

conduct executed by the private one, to the detriment of the employee.

However, the control of legality by the Judicial Power enables the possibility of

a new argue about the lawfulness of the examination act, by means of inducing the

petitioner and through a judicial trial.

The mentioned judicial trial should allows the petitioners broad opportunity in

arguing the alleged and controversial facts, so after, at the end, the State-Judge could be

able to render judgment to his/her decision that should be as close in equality as from

the Justice ideals.

The Right of producing proofs of his/her allegations elapses from the

constitutional principle of the contradictory, the broad defense and the due lawful trial.

Any limitation that comes to happen will imply in the nullity of the trial, defeating the

rights and fundamental guarantees there advocated.

It will shock, likewise, the Democratic State of Right, once it would be

indirectly concentrating the Powers to the Executive and attenuating the Judicial Power

and its appeasement function in a search for Justice.

A consequence of the advent of the Constitutional Amendment n. º 45/04 was

the fiscal accomplishments that started to be conducted before Labor Justice.

The administrative fine attributed by the Labor Fiscal Auditor will be judicially

charged by means of the fiscal execution, in the form of Law 6.830/80.

In the progress of the mentioned fiscal execution, will have, the debtor, the

opportunity of discussing the legality of the fiscal filing through embargoes to be

accomplished.

The competence transition, remitting to the Labor Justice the actions that

involve the argument of legality of the penalty imposed by the labor auditors will not

resound in the debtor’s rights, since the contradictory, the broad defense and the due

lawful trial principles will always be preserved.

It is due to the right of defense that, as well as the right of proofs, is inherent to

any trial and does not depend on the judicial sphere in which it is being conducted.

KEY-WORDS: Democratic State of Right, Executive Power, Labor Examination,

Police Power Performed by the State, Constitutional Principles of Process, Fiscal

Execution, Embargoes, Constitutional Amendment n. º 45/04.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 7

2 A FISCALIZAÇÃO TRABALHISTA COMO EXPRESSÃO DA

FUNÇÃO EXECUTIVA DO ESTADO.................................................................. 17

2.1 Esforço histórico (a tripartição dos Poderes Constitucionais) .................................. 17

2.2 A natureza jurídica da função administrativa/executiva estatal

no cumprimento das normas do Direito do Trabalho – A fiscalização

trabalhista e o poder de polícia do Estado ............................................................... 27

3 A FUNÇÃO FISCALIZADORA DO ESTADO......................................................... 34

3.1 A fiscalização das leis trabalhistas no Brasil pela inspeção

do trabalho ............................................................................................................... 34

3.2 O Direito Administrativo do Trabalho...................................................................... 43

3.3 A natureza da multa administrativa .......................................................................... 45

4 O DEVIDO PROCESSO LEGAL, O CONTRADITÓRIO,

A AMPLA DEFESA E O DIREITO À PROVA NOS EMBARGOS

À EXECUÇÃO FISCAL......................................................................................... 51

4.1 Considerações iniciais............................................................................................... 51

4.2 O princípio do contraditório e da ampla defesa – O direito

à prova como expressão de direito fundamental...................................................... 54

4. 3 A prova, seu objeto e a fé pública dos auditores fiscais do trabalho ....................... 61

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5 O DIREITO DE DEFESA DO DEVEDOR SOB O REGIME DA

NOVA COMPETÊNCIA TRABALHISTA............................................................. 70

5.1 Os embargos à execução fiscal e a nova competência trabalhista –

influências da transposição do novo regime sobre o direito de defesa do devedor .. 76

6 CONCLUSÃO............................................................................................................. 84

REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 91

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo o estudo da inovação trazida pela Emenda

Constitucional n. 45/04, com a transposição da competência da Justiça Federal Comum

à Justiça Trabalhista, para processar e julgar as ações relativas às penalidades

administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos do Poder Executivo

responsáveis pela fiscalização e pelo cumprimento das normas trabalhistas, bem como a

sua repercussão no campo processual, sobretudo em face do direito à prova, corolário

dos direitos à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, princípios

fundamentais da Constituição da República.

O tema revela-se bastante instigante e, ao mesmo tempo, pouco desbravado

pelos operadores do Direito do Trabalho, tendo em vista as recentes e bruscas mudanças

da lei com a ampliação da regra geral constitucional da competência da Justiça

Trabalhista, inserindo nova versão ao artigo 114, da CRF/88 (Constituição

Federal/1988), acrescentando-se-lhe o inciso VII, afetando a tramitação da execução

fiscal e, conseqüentemente, o meio judicial de defesa do devedor, que são os embargos.

A inserção do novel inciso VII no art. 114 da CRF/88 trará ou não repercussões

no âmbito do processo do trabalho, no que diz respeito à produção da prova e às suas

garantias fundamentais processuais, em detrimento do fato descrito nos autos de

infração lavrados pelos fiscais do trabalho, transformados em certidões de dívidas ativas

da União Federal?

Antes, as execuções fiscais lastreadas em títulos executivos imputados pelos

órgãos fiscalizadores do trabalho eram processadas e julgadas perante a Justiça Federal

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Comum, cobradas por meio do procedimento específico determinado pela Lei 6.830 de

22 de setembro de 1980 (Execução Fiscal).

Hoje, após o advento da Emenda Constitucional n.º 45/2004, as multas

administrativas decorrentes dos ilícitos trabalhistas detectados pelos fiscais passaram a

ser cobradas na Justiça Especializada Trabalhista, competente, aliás, para apreciar e

julgar as controvérsias sobre as relações de trabalho, conforme a nova versão do artigo

114 e parágrafos da CRF/88.

Diante desta inovação constitucional, várias indagações e preocupações surgem,

remetendo ao problema central deste trabalho: a mudança na competência vai ensejar

alguma limitação ao direito à produção probatória, afetando de algum modo a

possibilidade de rediscussão dos aspectos fáticos que levaram à lavratura dos autos

pelos fiscais do trabalho?

Detectado o problema central, surgem questões secundárias, mas não menos

importantes, as quais não poderão deixar de ser enfrentadas, já que as respectivas

respostas poderão ajudar na solução da matéria:

a) quais serão as conseqüências dessa nova e recente alteração no momento

da produção probatória?

b) será assegurado ao devedor (empregador) amplo direito de defesa de modo

a buscar a descaracterização do fato descrito como ilegal e que originou a

dívida?

c) qual será o limite da fé pública dos fiscais do trabalho, considerando que,

apesar da condição de agentes do Estado e de agirem nos exatos termos da

lei, são eles, antes de tudo, pessoas passíveis de erros ou de constatações

equivocadas e até mesmo arbitrárias, muito embora detenham o

denominado poder de polícia estatal?

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d) o poder de polícia do Estado poderia ser exercido de forma ilimitada e sem

a possibilidade de sofrer controle jurisdicional?

e) qual a natureza jurídica da multa administrativa aplicada pela DRT

(Delegacia Regional do Trabalho)?

f) até onde vai o direito à ampla defesa constituído na produção de prova a

afastar o ato ilícito trabalhista constatado no auto de infração, em face do

poder de polícia do Estado e da fé pública dos fiscais?

g) qual a importância dos princípios processuais e mecanismos de defesa do

devedor na execução fiscal e sua estreita ligação com o Estado

Democrático de Direito?

Todas estas indagações merecem ser enfrentadas, sobretudo com o intuito de

procurar, com a realização do presente estudo (sem possuir a pretensão de esgotar o

tema), servir de começo, quiçá de norte, para as grandes reformas que ainda estão por

vir no Judiciário, principalmente no âmbito trabalhista, mas sempre em função da

preservação dos direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, assegurando,

por conseqüência lógica, os fundamentos e princípios básicos do processo, nunca

afastando a idéia central de democracia e igualdade entre as partes, mesmo diante da

tutela da proteção característica marcante das normas trabalhistas, tanto as processuais

quanto as substantivas.

O presente estudo visa alertar aos operadores do Direito, notadamente na área

trabalhista, para a manutenção das garantias processuais, as quais eventualmente

poderiam vir a sofrer algum abalo no decorrer da adaptação e adequação do rito da

execução fiscal à dinâmica da Justiça do Trabalho, especificamente no pertinente aos

embargos do devedor fiscal e à amplitude do campo da prova, a assegurar a

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possibilidade da garantia do contraditório e da rediscussão da matéria lançada no auto

de infração.

Como já mencionado, o tema do trabalho refere-se às conseqüências que

eventualmente possam surgir com a alteração da competência, antes da Justiça Federal,

agora para a Justiça do Trabalho, em executar as multas impostas aos empregadores

aplicadas pelos fiscais do trabalho, no direito à prova, consistente em desconstituir o

fato apontado como ilícito e originário da dívida fiscal.

A cobrança judicial dessas multas administrativas far-se-á por meio da execução

regida pela Lei 6.830/80, denominada execução fiscal. Entretanto, a multa

administrativa possui natureza diversa do fisco, apenas utilizando-se do mesmo rito para

a execução judicial forçada.

Em razão disso, este trabalho não tem a pretensão de dissertar sobre as demais

execuções fiscais, fundadas em fiscos (sentido amplo) ou em tributos (sentido estrito)

estranhos à relação de trabalho, e fora do raio de ação da nova competência ampliada,

até porque não correriam ditas ações na Justiça Especializada.1

Ademais, a matéria que irá ser aprofundada enquadra-se no ramo da Justiça do

Trabalho, estando, portanto, relacionada aos atos ilícitos trabalhistas que posteriormente

culminarão nas respectivas e mencionadas execuções fiscais.

O foco do presente estudo é a execução fiscal originária de multa administrativa

aplicada pela constatação do ato ilícito trabalhista.

As execuções fiscais fundam-se em título executivo fiscal traduzido na certidão

de dívida ativa. Esta, por sua vez, nasce após uma série de procedimentos que envolvem

1 Haverá, todavia, no curso desta dissertação, termos e citações de Direito Tributário no sentido de construir o melhor raciocínio lógico, utilizando-se, para tanto, de analogia, a ser aplicada ao Direito do Trabalho.

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desde a lavratura do auto de infração, passando pelo processo administrativo,

culminando na inscrição da dívida.

As irregularidades fiscais e normativas dar-se-ão mediante a existência de três

situações: com a confissão do sujeito passivo da relação; por informações passadas por

ele; ou de ofício pelo fiscal, que realiza a diligência no local da empresa e apura os

fatos.

Os dois primeiros casos são irregularidades reconhecidas pelo próprio devedor,

já que é ele quem presta as informações e se declara ao órgão fiscalizador.

O campo da prova, nessas situações, fica bastante reduzido, até mesmo pela

menor complexidade fática com que se apresenta, já que as informações que deram

origem ao auto de infração foram prestadas pelo próprio sujeito passivo da relação.

Em face da menor complexidade probatória, os dois primeiros casos não serão

abordados neste trabalho, cuja preocupação se voltará essencialmente para a terceira

situação, ou seja, as fiscalizações de ofício, unilaterais, dotadas de certa

discricionariedade (por isso a possibilidade do erro de fato e equívoco na interpretação

da lei) e envolvidas presunção de legalidade.

Essas fiscalizações de ofício, objeto deste estudo, são realizadas pelos agentes

competentes (Auditores-Fiscais do Trabalho), incumbindo-lhe a apuração detalhada dos

fatos, na instauração do processo administrativo que culminará, posteriormente, na

certidão de dívida ativa.

Nesse sentido, explica Luiz Carlos Derbli Bittencourt (1998, p 115/119.):

Nos lançamentos efetuados de ofício, observam-se duas variantes de atividade administrativa: uma amparada em dados cadastrais e outra escorada em investigação fiscal ampla. Com apoio naqueles ou nesta, o lançamento prescinde de ampla colaboração do sujeito passivo, centrando-

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se nas mãos dos órgãos fiscais a tarefa de apurar o fato tributário e quantificar a obrigação correspondente, notificando o devedor.

Dessa análise detalhada dos fatos irá surgir o auto de infração e será instaurado o

processo administrativo, onde o devedor será notificado para apresentar a sua defesa e

posterior recurso (caso necessário), uma forma, aliás, de se tentar preservar o

contraditório que nesse procedimento sempre se mostrou bastante mitigado e quase

inexistente, face ao caráter unilateral da apuração dos fatos e da lavratura do auto.2

Ultrapassadas essas formalidades procedimentais – a fase de acertamento da

dívida – culminará o processo administrativo na inscrição do débito empresarial, dando

origem à certidão da dívida ativa, que irá servir de título executivo extrajudicial para o

ajuizamento da execução fiscal.

A certidão de dívida ativa produzida pela fiscalização, de ofício e

unilateralmente, gera a presunção de legalidade e tem a natureza de título executivo

fiscal extrajudicial, além de possuir toda a força de prova pré-constituída contra o

devedor, sujeito passivo da obrigação. Com a inscrição e a emissão da referida certidão,

a dívida passa a ser certa, líquida e exigível.

Entretanto, o nascimento da dívida, justamente por ser fruto da apuração do

fiscal, agente da DRT, ser humano que poderá sucumbir a interpretações equivocadas, a

erros de fato e até mesmo a excesso de exação, haverá sempre a oportunidade para o

devedor de rediscutir a relação de causa do título executivo, como forma de assegurar o

controle jurisdicional do ato administrativo.

Nesse sentido, o propósito deste estudo consiste em estabelecer a real extensão

do direito do devedor à prova, como forma de garantir o contraditório, preservar o

2 Diz-se unilateral, tendo em vista que o próprio órgão emissor do auto de infração será o responsável para a apreciação da legalidade ou não dos seus atos praticados.

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fundamento principal do processo justo, tendo em vista a legalidade e presunção

desfavorável ao devedor fundada no fato constatado pelo fiscal do trabalho,

demonstrando, por conseguinte, a existência ou não de repercussão considerando que as

execuções já foram trazidas para esta Especializada e estão sendo amplamente

processadas na Justiça do Trabalho.

A “verdade” estampada na certidão da dívida ativa, apurada pelo fiscal, poderá

ser amplamente contestada pelo devedor no bojo dos embargos à execução, através de

todos os meios de prova admitidos no direito, independentemente de já se ter sido

discutida na esfera administrativa, onde, repita-se, o contraditório sempre se encontrou

mitigado, em face da unilateralidade da investigação reduzida a termo no auto de

infração.

A preservação do devido processo legal, com ampla produção probatória e nova

oportunidade de buscar a refutação dos fatos que levaram a constatação da

irregularidade, independentemente da alteração da competência, será o desafio deste

trabalho.

Inúmeras são as hipóteses corriqueiras de autuação fiscal e constatação do ato

ilícito trabalhista de ofício pelos agentes fiscais do trabalho, cuja matéria de fato é muito

controvertida e discutida pelo devedor em sua defesa processual: a terceirização tida

como ilícita pela autuação; a relação de trabalho sem a devida anotação na Carteira pela

empresa; eventual descumprimento das normas de segurança, higiene e saúde do

trabalhador (questão, aliás, essencialmente recorrente nos dias atuais e essencialmente

controvertido ao pensamento do suposto devedor); a falta do recolhimento

previdenciário; e, por fim, a falta dos depósitos do FGTS (Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço).

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Enfim, são várias as situações na vida da empresa que, ao sofrer a inspeção do

trabalho, poderão vir a ser questionadas através do controle jurisdicional, cabendo ao

suposto infrator das normas trabalhistas o ônus da prova em contrário.

Na execução fiscal, o devedor, uma vez garantida integralmente a execução,

apresenta os embargos à execução devolvendo-lhe toda a oportunidade de rediscutir os

aspectos fáticos que levaram a aplicação da penalidade, podendo sair-se vitorioso com a

elisão da cobrança, desde que o processo esteja muito bem amparado pelo conjunto

probatório.

O direito de estabelecer o contraditório, com a ampla defesa e a liberdade da

produção probatória pertinente, sem prejuízo do princípio constitucional do devido

processo legal (artigo 5º, incisos LIV e LV da CRF/88), será sempre assegurado,

independentemente da fé pública de que são dotados os atos administrativos praticados

pelos agentes fiscalizadores.

A Lei 6.830/80, que trata da execução fiscal, no seu artigo 3º, caput e parágrafo

único, confere presunção relativa de veracidade ao auto de infração, o qual somente

poderá ser desconstituído mediante prova inequívoca:

Art. 3º: A dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. Parágrafo único: A presunção a que se refere esse artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.

A jurisprudência trabalhista, ainda incipiente com a recente alteração da

legislação processual, tem destacado a legitimidade ao poder de polícia atribuído ao

fiscal do trabalho que, em sua grande maioria, consegue manter a validade do auto de

infração nesta Especializada, muito embora, sempre em suas decisões e acertadamente,

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os Tribunais venham se manifestando pela possibilidade de revisão dos fatos que

levaram a aplicação da penalidade administrativa.

Todavia, a presunção relativa de veracidade do auto de infração, apesar de

representar sempre um obstáculo difícil de ser derrubado pelo devedor, não é

intransponível, justamente pela possibilidade que o processo judicial lhe permite a

rediscutir a legalidade da autuação.

O artigo 626 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) busca fixar um raio

de ação à competência dos fiscais do trabalho, mas sem definir a sua real extensão e

sem delimitar o real poder de polícia fiscalizatório, fazendo menção genérica à

competência a eles legalmente atribuída, condicionando-a ao cumprimento das normas

trabalhistas.

Assim preceitua o artigo 626, da CLT: “Incumbe às autoridades competentes do

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ou àqueles que exerçam funções

delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho”.

Esse é, aliás, o poder de polícia que poderá ser questionado, dependendo da

situação concreta, por meio do exercício do direito de ação e através do controle da

legalidade do ato administrativo pelo Poder Judiciário.

Verifica-se, pois, a difícil missão do devedor em desincumbir-se do ônus da

prova, de sorte a desconstituir uma presunção fortíssima contra si, diante da submissão

do caso concreto à apreciação pela Justiça do Trabalho.

No entendimento de Couture (COUTURE apud COSTA, 1996, p. 323), o

processamento da prova nada mais é do que uma manifestação particular do

contraditório, fortalece a igualdade entre os demandantes e preserva a democracia e o

diálogo processual.

16

E essa posição democrática do processo significa liberdade e pertinência da

prova. Aliás, “a prova requer, iniludivelmente, a liberdade. Onde falta liberdade haverá

sucedâneos de prova, porém não haverá prova” (COSTA, 2000, p. 324).

Os princípios informadores do processo, formulados por Manzini, são os seguintes: a) o princípio lógico, assim enunciado: ‘Seleção dos meios mais eficazes e rápidos de procurar e descobrir a verdade de evitar o erro’; b) o princípio jurídico, destinado a proporcionar aos litigantes ‘igualdade no litígio e justiça na decisão’ c) o princípio político, consistente em dar ao processo a máxima garantia social, com o mínimo sacrifício individual de liberdade; d) o princípio econômico, pelo qual os processos não devem ser objeto de ‘gravosas taxações, nem, pela duração e despesas, tornar-se utilizáveis somente por cidadãos privilegiados pela riqueza’ (MARQUES apud BRAGA, 1942, p. 63).

A lição que permanece é a busca permanente da preservação do devido processo

legal, com ampla possibilidade de produção probatória, desde que haja pertinência,

afastando qualquer cerceamento do direito de defesa, conferida ao sujeito passivo da

relação com o Estado para demonstrar o contrário, dando ampla oportunidade de se

reconstituir os fatos nos embargos do devedor para o julgamento justo e igualitário.

Este trabalho visa também em demonstrar a importância da Inspeção do

Trabalho, como expressão do Poder fiscalizador do Estado, garantidor dos direitos

cívicos dos trabalhadores.

Ao mesmo tempo, busca também enfatizar a importância do processo

constitucional para possibilitar um controle dos atos administrativos do Estado de sorte

a manter intactos os ideais do Estado Democrático de Direito, evitando-se a

concentração dos Poderes.

Em suma, não se procurará aqui negar a importância do trabalho dos fiscais, mas

também não se pode ignorar a importância e o papel do controle do Judiciário na

revisão dos atos administrativos e fiscalizatórios que porventura terão sido praticados,

de forma contrária à legislação.

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2 A FISCALIZAÇÃO TRABALHISTA COMO EXPRESSÃO DA FUNÇÃO EXECUTIVA DO ESTADO

2.1 Escorço histórico (a tripartição dos Poderes Constitucionais)

A evolução do pensamento derrubou as barreiras do absolutismo autoritário para

fazer surgir o Estado Democrático de Direito.

A valorização do homem, não como um indivíduo central e único, mas no

contexto de uma coletividade, trouxe os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,

defendidos na Revolução Francesa em 1789.

Do pensamento manifestado por Thomas Hobbes, na defesa de um poder Estatal

único, absoluto e soberano, passando pelas idéias de Montesquieu, iluminista influente

da Revolução Francesa, chegou-se ao novo modelo de governo, retratado na separação

dos poderes constitucionais, harmonicamente interligados em prol do bem-estar social e

da preservação da liberdade individual.

Para Hobbes, o poder soberano do Estado era o único sistema eficaz para frear o

sentimento utilitarista dos homens. As relações individuais teriam que ser

supervisionadas por um contrato coletivo e superior, advindo do poder estatal maior,

justificando a separação, sem nenhuma ligação entre o Governo e o Povo.3

3 “Para Hobbes, o pacto social, sendo artificial e precário, não é suficiente para assegurar a paz, pois sempre existiriam pessoas que, acreditando saber mais do que as outras, poderiam desencadear guerras civis, a fim de conquistar o poder só para elas. Tal conseqüência somente poderia ser evitada se cada homem submetesse sua própria vontade à vontade de um único homem ou a uma assembléia determinada. O escolhido para exercer o poder deveria ser totalmente seguido pelos componentes do corpo social no que se refere aos problemas da paz geral. Um tal poder só seria capaz de corresponder à sua finalidade se exercido despoticamente. Aí está o que os historiadores chamam de originalidade e novidade do sistema de Hobbes: é partidário do poder absoluto e admite, ao mesmo tempo, o pacto social. Hobbes não estabelece contradição entre o pacto e o absolutismo; quando bem compreendido, o pacto conduziria necessariamente ao absolutismo, segundo o filósofo. (...)” (HOBBES, 1988, p. 16).

18

O “Leviatã”, uma de suas obras mais importantes, seria o Estado acima das leis,

imbatível e indestrutível aos olhos dos homens e longe do alcance dos mesmos.

Os ideais defendidos por Hobbes (1988), entretanto, justificavam um poder

estatal soberano e perigoso, onde se identificava a sociedade acima de qualquer plano

individual, legitimando o absolutismo e o poder autoritário do monarca, concentrado

nas mãos do governo de um só.

Havia um longo caminho a ser percorrido ate chegar aos ideais iluministas de

Montesquieu, evoluindo para uma atenuação do poder do Estado, necessário, porém

democrático, igualitário e justo, com mecanismos hábeis a evitar qualquer abuso,

excesso ou arbitrariedade no uso das atribuições e das funções públicas.

Suas manifestações teóricas exerceram papel influente na evolução do Estado e

dos sistemas de governo. O fato marcante do seu pensamento não poderia ter sido outro

senão a constatação da necessidade de existência de um poder Estatal garantidor da

ordem e segurança para regular a vida social dos homens, fazendo sempre lembrar de

seu famoso jargão: hominis lupus hominis.4

O poder do Estado limitava e inibia a ambição do homem.

Nesse sentido, a crítica a Hobbes deveu-se justamente à sua defesa da separação

total do Estado, como poder soberano, do povo a ele submisso, justificando, assim, a

coexistência da monarquia injusta e arcaica para manter a ordem social e evitar o caos e

a insegurança.

Preferia-se, segundo o autor, o rei tirano à sociedade anárquica.

4 “(...) O estado de natureza é o modo de ser que caracterizaria o homem antes de seu ingresso no estado social. No estado de natureza, “a utilidade é a medida do direito”. Isso significa que, levado por suas paixões, o homem precisa conquistar o bem, ou seja, as comodidades da vida, aquilo que resulta em prazer. O altruísmo não seria, portanto, natural. Natural seria o egoísmo, inclinação geral do gênero humano, constituído por “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder que só termina com a morte” (HOBBES, 1988, p. 14).

19

Amenizou-se a tese absolutista com a chegada do pensamento de Hugo Grotius,

cuja soberania do Estado já não se justificava mais pelo medo dos homens ao caos, mas

pela necessidade racional de coexistência, por meio de um pacto social.

Pensamento esse transcrito na lição de Paulo Bonavides (2006, p. 58): “ Grotius,

que não foi organicista, acompanhou o pensamento de Aristóteles e falou de um

appetitus societatis, como vocação inata do homem para a vida social.”

A partir de então, aperfeiçoa-se a força do Estado, não como um tirano, mas

como um intercessor necessário à vida dos homens, representante de suas vontades

sociais, diante, sobretudo, da imprescindibilidade da coexistência humana. O bem social

e a coletividade passam a ganhar força no campo político-filosófico.

Finalmente, em John Locke (1988), o contratualismo social evolui e exacerba-se,

de sorte a afastar de vez aquele conceito de Estado opressor, agora já não mais

referenciado.5

O Estado agressivo, repressivo e amedrontador defendido por Hobbes, agora

contratualista, procura explicar e afirmar a sua soberania como poder advindo do povo –

é a soberania popular.

5 (...) Contra o Patriarca, Locke dirigiu seu Primeiro Tratado sobre o Governo Civil; depois desenvolveu suas idéias no Segundo Tratado. Neles, Locke sustenta que o estado de sociedade e, consequentemente, o poder político nascem de um pacto entre os homens. Antes desse acordo, os homens viveriam em estado natural. A tese do estado natural e do pacto social também fora defendida por Thomas Hobbes (1588-1679), mas o autor de O Leviatã tinha objetivos inteiramente opostos aos de Locke, pois pretendia justificar o absolutismo. A diferença entre os dois resultava basicamente do que entendiam por estado natural, acarretando diferentes concepções sobre a natureza do pacto social e a estrutura do governo político. Para Locke, no estado natural “nascemos livres na mesma medida em que nascemos racionais”. Os homens, por conseguinte, seriam iguais, independentes e governados pela razão. O estado natural seria a condição na qual o poder executivo da lei da natureza permanece exclusivamente nas mãos dos indivíduos, sem se tornar comunal. Todos os homens participariam dessa sociedade singular que é a humanidade, ligando-se pelo liame comum da razão. No estado natural todos os homens teriam o destino de preservar a paz e a humanidade e evitar ferir os direitos dos outros (LOCKE, 1988, p. 15 e 16).

20

A evolução do pensamento e a divulgação das novas idéias de governo estavam

próximas à busca do Estado Democrático de Direito, iniciando o que se poderia chamar

de derrocada do poder absoluto, concentrado nas mãos únicas do governante monarca.

O pensamento liberal ganhou força em épocas monárquicas, onde a valorização

do homem e suas liberdades influenciaram diretamente o conceito de soberania do

Estado, anteriormente justificada na guerra contra a desordem, agora justificada,

principalmente, com as idéias de Grotius e Locke, na necessidade de uma ordem

fundada na razão, muito embora tivesse o Estado como o seu meio de sustentação.

O Estado começa a possuir uma representação social, mantenedora da liberdade

individual.

A evolução para o Estado Democrático e as idéias liberais de igualdade foram

frutos do desenvolvimento do pensar e de quadros claros da realidade monárquica de

então, tornando insustentável a sua existência.

Com bem acentua Paulo Bonavides (2006, p. 144):

Com efeito, observa-se em quase toda a Europa continental, sobretudo em França, a fadiga resultante do poder político excessivo da monarquia absoluta, que pesava sobre todas as camadas sociais interpostas entre o monarca e a massa de súditos.

Acrescenta ainda o citado autor:

O poder soberano do monarca se extraviara dos fins requeridos pelas necessidades sociais, políticas e econômicas correntes, com os quais perdera toda a identificação legitimativa. Mudaram aqueles fins por imperativo de necessidades novas e todavia a monarquia permanecera em seu caráter habitual de poder cerrado, poder pessoal, poder absoluto da coroa governante. Como tal, vai esse poder pesar sobre os súditos. Invalidado historicamente, serve tão-somente aos abusos pessoais da autoridade monolítica do rei (BONAVIDES, 2006, p. 145 e 146).

21

Esta a idéia que, futuramente, veio a ser fruto da transposição da legitimação do

poder Estatal para o povo, estreitando a ligação entre governante e governado, cujo

preceito encontra-se atualmente traduzido no parágrafo único, do art. 1º, da CRF/88, o

qual aponta claramente que: “ Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

O Estado soberano deixava de representar a vontade do rei, mas a vontade dos

homens, sempre para buscar alcançar um pacto e um bem-estar social.

Nesse sentido, a idéia de soberania evoluiu e passou pelos nobres conceitos do

Iluminismo, onde se destaca Montesquieu, cujo pensamento se tornou um dos principais

alicerces Constitucionais do Estado Democrático de Direito, e o que entende Paulo

Bonavides (2006, p.147) ser o “princípio constitucional de maior voga e prestígio de

toda a idade liberal”.

A teoria da separação dos poderes criada por Montesquieu desconcentra o poder

do Estado, dividindo-o em três funções independentes entre si, diferenciando e

especificando competência para cada órgão Estatal.

O poder concentrado representava e representa, desde os vestígios deixados pelo

absolutismo, um perigo para a sociedade, razão pela qual havia a necessidade de se

desconcentrá-lo, de modo a possibilitar o pacto social, a igualdade e a liberdade entre os

homens.

Nesse sentido, o poder do Estado foi dividido segundo as funções essenciais

exercidas. O Estado seria constituído por três poderes distintos e independentes, no

exercício das atribuições de sua competência para legislar, executar/administrar e julgar.

22

A definição, atribuição e distinção destas funções únicas da Administração

Pública diluem o poder, antes concentrado, sem, contudo, enfraquecer o sistema de

governo e a força normativa da Constituição, como fruto da soberania popular.

Preserva-se a força do Estado, como representante de um povo, sem enfraquecer

a liberdade individual do cidadão que não poderá fazer algo ou deixar de fazer senão em

virtude de lei.

Para Montesquieu (1987, p.165):

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.

Acrescentava ainda o iluminista que:

(...) todo o homem que detém o poder tende a abusar do mesmo. Vai o abuso até onde se lhe deparem limites. E para que não se possa abusar desse poder, faz-se mister organizar a sociedade política de tal forma que o poder seja um freio ao poder, limitando o poder pelo próprio poder (BONAVIDES, 2006, p. 148).

A Tripartição dos poderes consiste na divisão Estatal por funções entre

Executivo, Legislativo e Judiciário, criando sistemas independentes, mas

harmonicamente conectados entre si, de modo a constituir o Estado Democrático de

Direito.

23

Evidentemente, qualquer excesso, concentração ou unificação de poder

comprometeria os ideais da democracia, abalando a liberdade política e social dos

cidadãos.

J.J. Gomes Canotilho (2000, p. 541) destaca:

O princípio da separação e interdependência é um princípio estrutural-conformador do domínio político, sendo importante descortinar os vários (níveis) em que a separação e interdependência se pode situar: (1) no plano funcional, interessa identificar as funções político-constitucionais básicas como a legiferação, a jurisdição e a execução: (2) no plano institucional, a separação de (poderes) incide especialmente sobre os órgãos constitucionais, como, por ex., o Parlamento, o Governo e os tribunais; (3) a nível sociocultural, interessa articular o (poder) ou poderes do Estado com as estruturas sociais (grupos, classes, partidos).

As funções essenciais do Estado foram muito bem definidas pelo citado filósofo

iluminista, Montesquieu:

O Legislativo ‘faz as leis para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas’. O Judiciário ‘pune os crimes ou julga as demandas dos particulares’. E o Executivo, sendo o restante do poder, exerce as demais funções do Estado; exerce a administração geral do Estado, constituindo-se por isso no executor das leis em geral (MONTESQUIEU, 1987, p. 24).

O sistema de checks and balances surge como um complemento à teoria de

Montesquieu e constitui meio eficaz de moderação e atenuação horizontalizada do

poder absorvido pelos órgãos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, mas sempre

harmônicos entre si.

Significa dizer que os órgãos do Legislativo, Executivo e Judiciário possuem a

liberdade no exercício de suas funções, desde que atuem nos termos estritos da lei. Ao

mesmo tempo, a independência que possuem não afasta a possibilidade de certa

24

moderação e controle dos atos praticados por cada órgão, de sorte a evitar possíveis

ilegalidades e excessos no exercício de suas atribuições legais.

Nesse sentido, escreveu J.J. Gomes Canotilho (2000, p.544):

O sistema de freios e de balanços constitucionalmente estabelecido aponta para a ilegitimidade de qualquer (deslocação) de peso funcional conducente a um (cesarismo presidencial), a (absolutismo parlamentar) ou a uma (autocracia do governo) (CANOTILHO, 2000, p. 544).

É o Estado Democrático de Direito6, com sua expressão de soberania traduzida

numa Constituição superior, regulando a vida social dos homens, mas com as funções

delimitadas e divididas harmonicamente e interligadas, apesar de independentes, pelo

sistema de freios e contrapesos, preservando os direitos e as garantias fundamentais dos

indivíduos, como cidadãos, titulares de direitos e obrigações entre si.

Portanto, o Estado passa a representar a expressão legitimada da vontade de um

povo no exercício de suas funções primordiais: o Legislativo reduz a termo essa vontade

popular, elaborando as leis que regulem as relações humanas; o Executivo representa a

verdadeira atuação executiva e administrativa do Estado, no sentido de fiscalizar e

executar o cumprimento das leis elaboradas segundo o sentimento dos homens; e, por

6J.J. Gomes Canotilho define o Estado Democrático de Direito: “O Estado constitucional é ‘mais’ do que Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. O Estado ‘impolítico’ do Estado de direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual ‘todo o poder vem do povo’ assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de ‘charneira’ entre o ‘Estado de direito’ e o ‘Estado democrático’ possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático (CANOTILHO, 2000, nota 16, Parte 1 – Constituição e Constitucionalismo; Capítulo 3 – O Estado Constitucional; B - O Estado Constitucional; II – Estado de direito democrático-constitucional; 2 – O Estado constitucional democrático, página 100).

25

fim, o Judiciário pacifica os conflitos julgando as demandas entre os sujeitos de direito,

utilizando-se das leis criadas pela soberania e vontade do povo.

A Constituição Brasileira, no artigo 2º, explicitou o princípio da tripartição dos

poderes e dos freios e contrapesos: “ São Poderes da União, independentes e harmônicos

entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Nesse sentido, o Executivo exerce certa influência na elaboração das leis, através

do veto, exerce também certa influência no Judiciário com a possibilidade de nomeação

de parte de seus membros ou até mesmo alterando a execução da sentença, por meio do

indulto.

O Legislativo, por sua vez, exerce também o poder de veto sobre a ação

executiva, estabelecendo, inclusive, a possibilidade de deposição do presidente por meio

do impeachment. Também elabora as leis que regulam a formação e composição do

Judiciário e os demais corpos de normas, as quais serão aplicadas e interpretadas pelo

próprio.

Quanto ao Judiciário, esse Poder evita os excessos do legislativo na feitura da

norma, aplicando-a e interpretando-a moderadamente, segundos os princípios básicos de

Direito, declarando ou afastando a sua inconstitucionalidade. Quanto à atuação do

executivo, controla as medidas administrativas, também apurando os seus vícios e

inconstitucionalidades, declarando-as nulas quando despidas dos seus requisitos de

validade.

A aplicação da lei pelo poder Judiciário possui natureza diversa da aplicação da

lei pela Administração Pública, por meio da inspeção do trabalho. Nesse sentido,

enfatizou José Pedro dos Reis (2007, p. 155):

26

Enquanto a inspeção do trabalho, como polícia administrativa, age preventivamente e repressivamente, a Justiça Trabalhista, como órgão judicial, tem função eminentemente reparadora. Portanto, a atuação e o objeto imediato de cada uma dessas funções são de naturezas distintas.

Nesse aspecto, o Judiciário, através de sua função judicante, desde que

provocado na forma da lei, exerce, pois, certa medida de controle dos atos

administrativos, declarando a sua legalidade ou não. Quando provocado, o poder

Judiciário aprecia a legalidade da conduta praticada pela Administração Pública, no

exercício de sua função executiva, para, ao final, declará-la lícita, se realizada nos

contornos da lei, ou nula, se realizada fora desses.

A fiscalização do cumprimento das normas trabalhistas pelos particulares,

promovida pelo poder público, constitui ato tipicamente decorrente da função

executiva/administrativa do Estado, exercida por meio dos seus órgãos competentes,

quais sejam o Ministério do Trabalho e Emprego e suas Delegacias Regionais do

Trabalho.

Nesse contexto, o Poder Executivo tem o dever de assegurar o cumprimento da

lei de ofício, ao passo que o Poder Judiciário assegura a execução da lei, através do caso

concreto, após a devida provocação por meio do direito de ação.

Pelo sistema de freios e contrapesos, o Poder Judiciário poderá declarar a

ilegalidade da fiscalização trabalhista, quando provocado regularmente, desde que seja

constatado algum vício.

Evita-se, com isso, o excesso e o uso arbitrário da função pública, limitando o

poder de polícia do Estado (poder de fiscalização) aos contornos da lei, caso venha ele a

ser utilizado com desvio de finalidade.

Na harmonia dos três Poderes da União e na fiscalização que exercem entre si,

há a possibilidade de se ver declarada, por meio de um processo constitucionalmente

27

justo, eventual equívoco que possa ter sido cometido pelos agentes estatais no exercício

das suas atribuições fiscalizatórias, como fruto do ideal Estado Democrático de Direito.7

O poder de polícia do Estado, portanto, sofre restrições legais e não se estabelece

como absoluto.

A bem da verdade, não existe poder ou direito absoluto perante a Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988.

Embora os atos administrativos do Estado estejam envoltos à presunção de

legalidade, esta é considerada relativa, podendo ser elidida por meio de prova, dentro de

um processo garantidor dos direitos ao contraditório, ampla defesa, corolários do devido

processo legal, em claro exemplo de moderação e regulação entre as funções Executivas

e Judiciárias de Governo.

2.2 A natureza jurídica da função administrativa/executiva estatal no cumprimento das normas do Direito do Trabalho - A fiscalização trabalhista e o poder de polícia do Estado

A divisão dos poderes nada mais é do que a repartição de funções a diferentes

órgãos do Estado, uma vez que o Poder seria apenas um, mas apenas desconcentrado e

distribuídos ao legislativo, executivo (administrativo) e judiciário.8

A função executiva poderá ser desenvolvida diretamente pelo Estado ou por

meio dos órgãos criados por ele, como forma de descentralização ou desconcentração

das atividades constitucionais e essenciais à manutenção da vida pública e social e à

7 Do mesmo modo, como forma de delimitar o campo da atuação Executiva fiscalizatória do Estado, por meio de suas Delegacias Regionais do Trabalho, o Legislativo propôs a Emenda Constitucional nº 03/2007. 8 Entendimento esse firmado por Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra, Curso de Direito Administrativo, 21ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 36.

28

preservação do interesse da coletividade, princípio, aliás, primordial na vida da

Administração Pública.

Neste rumo, as Delegacias Regionais do Trabalho agem por meio do Ministério

do Trabalho, órgão criado pelo Estado, para se ater às questões sociais voltadas à

relação trabalhista. O Ministério do Trabalho atua como forma de generalizar as normas

trabalhistas, orientando o particular na observância das leis, exercendo o seu poder de

fiscalização, aplicando a pena quando constatada a transgressão.

A função de fiscalização exerce papel importante em compelir o empregador a

seguir as normas protetoras do Direito do Trabalho, principalmente no que tange à

saúde, segurança e higiene do trabalhador.

A fiscalização trabalhista, pois, é atividade tipicamente administrativa do

Estado, para o cumprimento de ofício da lei, garantindo o bem maior, qual seja o

interesse coletivo aliado à liberdade do trabalho, à imperatividade das normas

trabalhistas, a garantia da segurança e higiene do trabalhador, dos seus direitos sociais

indisponíveis, da erradicação da pobreza, do veto ao trabalho análogo ao de escravo e,

por fim, assegurar a função primordial dessa proteção: a equiparação da relação capital

e trabalho para a garantia da distribuição de riqueza por meio do labor digno e protegido

pela ordem jurídica.

O Estado, quando incumbido de policiar o cumprimento da norma, está

exercendo atividade típica e essencialmente administrativa, assim como o agente da

Delegacia Regional do Trabalho, que exerce o seu papel garantidor da efetivação das

leis do trabalho.

Significa dizer que o agente fiscalizador tem o poder-dever de inibir a conduta

contrária às normas sociais, especificamente, no caso em tela, às leis trabalhistas.

29

Esse poder de polícia, portanto, consiste em um dever do poder público em

evitar atividades ou situações pretendidas pelos particulares que sejam perigosas ou

nocivas à sociedade (BANDEIRA DE MELLO, 2006).

“ Por meio desse poder de polícia, portanto, deve o Estado estabelecer o

equilíbrio entre o indivíduo e a coletividade, entre os direitos dos indivíduos e os do

corpo social, equilíbrio indispensável à própria existência social (CAVALCANTI,

1950, p.366)”.

O artigo 78 do Código Tributário Nacional conceitua o poder de polícia, nos

seguintes termos:

Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de ato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício das atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Como afirmou José Pedro dos Reis (2007, p. 155):

O interesse público defendido pela fiscalização do trabalho ao exercer seu poder de polícia está na busca do resgate da dignidade, do respeito ao trabalhador, da sua inclusão social e econômica, principalmente ao trazer para a formalidade os empregados que estavam à margem da sociedade.

Através do seu poder investigatório, passando pela aptidão que o Estado tem de

aplicar sanções, o agente, exercendo a função executiva de primar pelos direitos sociais

dos trabalhadores, inspeciona o local de trabalho, aconselha, obriga a empresa à

adaptação ao cumprimento das normas, exige a apresentação dos livros e registros dos

seus empregados e, ao final, aplica as multas administrativas legalmente previstas, após

a constatação de ilegalidades.

30

Lavra-se o auto de infração que futuramente transformará em uma certidão de

dívida ativa da União Federal, sendo posteriormente executada através do Poder

Judiciário, caso não haja o cumprimento espontâneo da obrigação pelo sujeito passivo

da obrigação.

Quando da lavratura do auto de infração, após constatada a irregularidade ou

lesão ao interesse público coletivo, nasce o processo administrativo, onde a parte, tida

como infratora e devedora, poderá apresentar defesa e da decisão recorrer para um

órgão do Ministério do Trabalho, onde se dará a decisão final, de cunho administrativo.

Trata-se aqui de exemplo claro do sistema de freios e contrapesos, tal como

mencionado anteriormente, uma vez que o órgão do Executivo, nestas situações, atua

solucionando a controvérsia entre Estado e particular, decorrente do auto de infração

lavrado.

Logicamente, o devedor, sem prejuízo do resultado do seu processo nas vias

administrativas, poderá recorrer ao Judiciário para frear a função Executiva, podendo

elidir o auto de infração, apresentando, para tanto, provas cabais a apontar a nulidade da

autuação ou a descaracterizar a situação fática que o agente entendeu ser ilegal.

Trata-se de exercício do poder de polícia do Estado, amparado no resguardo do

interesse coletivo, justamente por representar uma imposição estatal para a manutenção

da paz social, para ajustar e contornar a liberdade e a propriedade individual nos moldes

da norma.

Por isso não há atuação punitiva do Estado sem prévia lei que o permita, razão

pela qual se encontra a atividade executiva do estado limitada pelo princípio da

legalidade, e ainda sujeita ao controle jurisdicional pelo Poder Judiciário.

31

A Administração Pública tem de agir conforme os ditames da lei. Eventual

extrapolação abalará certamente os princípios do Estado Democrático de Direito, com a

configuração de abuso de poder e de violação ao direito constitucional de liberdade e

propriedade, florescendo o pensamento do Estado absolutista ou até mesmo do regime

ditatorial, do qual nossa República tem tristes lembranças.9

O controle jurisdicional fundamenta-se no Estado de Direito, por meio da

tripartição dos Poderes e do sistema de checks and balances, onde o indivíduo, através

do seu direito cívico de ação, terá a faculdade de buscar, junto ao Poder Judiciário e

através de um processo constitucionalmente justo, compreendido como o processo

munido dos direitos e garantias fundamentais legitimados pelo Devido Processo Legal,

a proteção contra o excesso da administração pública ou, no caso em exame

especificamente, contra o excesso da fiscalização trabalhista ou o seu equívoco na

constatação do fato tido como irregular.

O ato administrativo possui requisitos de validade e legitimidade, sem os quais

poderá o cidadão, sujeito destinatário da inspeção que entende acometida de ilegalidade,

buscar a sua anulação pelo Poder Judiciário, através dos meios processuais adequados

para tanto.

O direito amplo à prova, fundamentado na garantia constitucional da liberdade e

propriedade no bojo do direito material, e fundamentado no devido processo legal no

bojo do direito processual, em contraponto à função administrativa do Estado,

9 Neste sentido, J. Cretella Júnior, Direito Administrativo Brasileiro, vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 11: “Do mesmo modo que os direitos individuais são relativos, assim também acontece com o poder de policia, que, longe de ser onipotente, incontrolável, é circunscrito, jamais podendo pôr em perigo a liberdade e a propriedade. Importando, regra geral, o poder de polícia restrições a direitos individuais, a sua utilização não deve ser excessiva e desnecessária, de modo a não configurar o ‘abuso de poder’. Não basta que a lei possibilite a ação coercitiva da autoridade para justificação do ato de polícia. É necessário, ainda, que se objetivem condições materiais que solicitem ou recomendem a sua inovação. A coexistência da liberdade individual e do poder público repousa na conciliação entre a necessidade de respeitar essa liberdade e a de assegurar a ordem social. O requisito de conveniência ou de interesse público é, assim, pressuposto necessário à limitação dos direitos do indivíduo. ”

32

fiscalizadora e garantidora do cumprimento das normas trabalhistas, não poderá ser

limitado, como se verá no decorrer deste trabalho.

Portanto, a função fiscalizadora do Ministério do Trabalho, através das

Delegacias Regionais do Trabalho, decorre do exercício do poder de polícia do Estado,

como atribuição precípua de sua função administrativa, cuja essência e legitimação

estão situadas na proteção dos direitos sociais e coletivos, através do cumprimento das

normas trabalhistas de ordem pública, caracterizadas pela imperatividade da sua

observância e pelo princípio da irrenunciabilidade dos direitos sociais e trabalhistas.

Esse poder de polícia encontra-se delimitado pela lei, e não poderá ser exercido

de maneira absoluta, pois certamente sofrerá o controle jurisdicional.

A fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas poderá ainda ser efetivada

por outros órgãos da União Federal, nos casos onde se verifica, a título de exemplo, a

atuação do Ministério Público do Trabalho, efetuando diligências nas empresas,

instaurando inquéritos, efetivando termos de ajustamento de conduta, ou ajuizando a

competente ação civil pública na defesa dos interesses coletivos.

Não se pode negar, outrossim, que o Poder Judiciário, no exercício de suas

funções, quando regularmente provocado, assegura, de certa forma, o cumprimento das

leis trabalhistas, obrigando à parte sucumbente na demanda à devida reparação dos

direitos lesados ao trabalhador e oficiando aos órgãos competentes para a apuração das

irregularidades constatadas no cotidiano da empresa.

Entretanto, o tema central desta pesquisa será mesmo a atuação do agente

fiscalizador, oriundo das Delegacias Regionais do Trabalho do Ministério do Trabalho e

Emprego da União, para a preservação dos direitos sociais, e a possibilidade do

particular, utilizando-se de mecanismos processuais próprios (previstos em lei),

33

provocar o controle jurisdicional, buscando a derrubada da constatação firmada pela

inspeção trabalhista, através dos meios de prova a demonstrar eventual ilegalidade do

ato administrativo.

Lesar direitos trabalhistas significa vulnerar todo um sistema jurídico-social,

construído e conquistado com muita luta e sofrimento para valorizar a força do trabalho

em face do capital, e buscar uma melhor proporção na distribuição de riquezas.

O Direito do Trabalho, como proteção a uma classe hipossuficiente, assegura a

distribuição de rendas no país. A importância dada a ele pelo ordenamento pátrio é

tamanha que a Constituição da República o inseriu na categoria de Direitos e Garantias

Fundamentais, com a nomenclatura de Direitos Sociais, conforme Título II, capítulo, II,

o que representa o interesse do bem-estar social.

Diretamente proporcional é a importância dos órgãos fiscalizadores do

cumprimento das leis trabalhistas, porquanto cumprem o papel de assegurar o objetivo

do Direito do Trabalho, preservando as conquistas dos trabalhadores e fortalecendo-os

perante o capital.

34

3 A FUNÇÃO FISCALIZADORA DO ESTADO

3.1 A fiscalização das leis trabalhistas no Brasil pela inspeção do trabalho

A função fiscalizadora do Estado, por intermédio da inspeção do trabalho,

cumpre o papel de inibir e conter as atividades nocivas aos trabalhadores, mantendo a

eficácia das normas trabalhistas, com o fito maior de generalização das regras do

Direito do Trabalho em todo o Brasil, até mesmo nas regiões mais distantes do país,

onde a exploração da classe hipossuficiente ainda é mais intensa.

Pode-se afirmar que a fiscalização trabalhista nasceu juntamente com o próprio

Direito do Trabalho, guardadas, obviamente, as devidas proporções, tendo em vista que

a conquista desse direito social somente se tornou efetiva quando o Estado, além de

legislador e de aplicador da norma no caso concreto pelo Judiciário, passou a

interventor com a fiscalização, para assegurar o cumprimento da mesma.

Vale dizer, o Estado no exercício de suas atribuições pelo Poder Legislativo,

Executivo e Judiciário, cumpre o papel de afirmar o Direito do Trabalho, seja no campo

da elaboração das leis, da sua aplicação e da preservação do seu cumprimento.

Isto porque antes, o Estado liberal, omisso em relação às condições de mercado e

trabalho, e conivente com a política capitalista dos patrões, cada vez mais ricos, em

nada fazia a favor da luta operária contra a constante opressão que a classe trabalhadora

sofria nas fábricas.

Neste contexto: “(...) A doutrina liberal, exaltada pelos economistas da época,

conduz a uma implacável concorrência que implica salários miseráveis para os

trabalhadores de fábrica, condições de trabalho as mais penosas e, no caso de uma crise,

35

a perspectiva do desemprego sem qualquer ajuda” (INSPEÇÃO DO TRABALHO...,

1994, p. 11).

A rápida proliferação das fábricas e das indústrias agravava, a cada momento, a

tensão entre patrão e empregado. Greves eram deflagradas, sabotagens, conflitos

acirrados entre operários e patrões e o Estado liberal, adepto da política do laissez faire,

nada fazia, mantendo-se inerte diante das questões sociais e, pior, quando intervinha era

para a proteção dos ricos empresários, única classe social favorecida.

Nesse contexto de muita luta e verdadeira guerra, começou-se a difundir a

necessidade de uma proteção legal aos trabalhadores que se encontravam em plena

situação de desigualdade social em face do grupo empresariado, representante do

capital.

O nascimento do direito do trabalho na revolução industrial, num quadro social

de muitos conflitos e desigualdades, onde a riqueza e o lucro se concentravam nas mãos

dos senhores, donos dos meios de produção e do produto da força de trabalho dos seus

empregados, apareceu como verdadeira necessidade de contenção dos ânimos operários,

cansados de serem massacrados, desvalorizados e de assumir o risco do

empreendimento, laborando em troca de míseros “soldos” e sem nenhuma proteção.10

Entretanto, o surgimento de algumas leis protetoras do trabalhador não era o

suficiente para a garantia e eficácia desta proteção. O Estado teria que instituir meios

para fiscalizar a observância dessas regras, garantindo a efetivação da norma trabalhista.

Arnaldo Sussekind relatou em sua obra que (2005, p. 1295): 10 “O trabalho nas novas fábricas exige muito pouca qualificação; ali se empregam mulheres e crianças - o que permite a manutenção de baixos salários. As jornadas de trabalho de treze ou catorze horas são ‘normais’, fazendo, ás vezes, os trabalhadores quinze ou dezesseis horas. Trabalham-se seis dias por semana, às vezes, sete, nem sempre respeitado o repouso dominical (por tradição religiosa). O trabalho é, em si mesmo, duro e penoso, em virtude da rusticidade das primeiras máquinas, ainda não adaptadas ao homem. Por falta de dispositivo de segurança, os acidentes são freqüentes: cabe ao trabalhador se esforçar para adquirir destreza manual, evitar acidente e acompanhar o ritmo da máquina” (INSPEÇÃO DO TRABALHO, 1994, p. 14).

36

Em 1933 se introduziu na Inglaterra a inspeção governamental, com a nomeação de quatro inspetores, com autonomia para entrar nas fábricas, resolver conflitos decorrentes da aplicação das leis e impor sanções, e que tinham o estatuto de Juiz da Paz.

A inspeção do trabalho foi criada como atividade estatal, pela qual o poder

Público fazia-se garantidor e fiscalizador das normas de proteção e saúde do trabalhador

e de seus demais direitos, previstos na legislação trabalhista.

A idéia central da fiscalização trabalhista consolidou-se, na realidade, com a

discussão na Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde ficou referendada a

importância de se criar uma inspeção das leis do trabalho, para a garantia do

cumprimento de suas normas e proteção social.

A Organização Internacional do Trabalho foi criada após a primeira guerra

mundial, com a celebração do tratado de paz (Tratado de Versailles) e já trazia no seu

bojo a proposta de criação de um serviço de inspeção do trabalho pelos Estados, de

sorte a garantir a melhoria das condições de trabalho, com a sua proteção contra os

perigos da política de livre mercado.11, 12

É o que acentuou Segadas Vianna:

Realmente, foi com o aparecimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que, no campo internacional, a inspeção do trabalho passou a merecer especial atenção. Aceita a fundação da OIT e adotada na conferência da paz, no Tratado de Versailles, estabelecia-se no n. 9 do art. 427 que ‘cada Estado deverá organizar um serviço de inspeção que compreenderá mulheres, a fim de assegurar aplicação das leis e regulamentos para a proteção dos trabalhadores’ (SUSSEKIND et al., 2005, p. 1296).

Posteriormente: 11 “Inovação fundamental: a OIT era tripartite. Era a primeira instituição internacional em que trabalhadores, empregadores e governos se reuniam para analisar, em pé de igualdade, em escala mundial, as questões de trabalho” (INSPEÇÃO DO TRABALHO, 1994, p. 18). 12 “ (...) A inspeção do trabalho é um dos motores do progresso social, pois garante o cumprimento das medidas sociais (desde que, evidentemente, disponha de meios para isso) e sugere os melhoramentos a ser nela introduzidos” (INSPEÇÃO DO TRABALHO, 1994, p. 28).

37

(...) Na Recomendação n. 5, sobre a inspeção do trabalho (serviços de saúde), a Conferência manifestava seu desejo de que todos os países-membros instituíssem, o mais breve possível, um sistema que assegurasse uma fiscalização eficaz das fábricas e oficinas, assim como um serviço especialmente encarregado de salvaguardar a saúde dos trabalhadores. Desde sua primeira reunião, a Conferência mostrava, assim, a importância que atribuía à inspeção do trabalho. Quatro anos mais tarde, em 1923, a Conferência adotava a Recomendação n. 20, sobre a inspeção do trabalho, que enuncia os princípios gerais de organização e funcionamento dos serviços de inspeção em liga nacional. O instrumento define o objeto da inspeção, descreve suas funções, seus poderes e suas regras de organização (organização de pessoal, qualificação dos agentes, métodos de inspeção, cooperação com empregadores e trabalhadores) e indica as relações que deveria estabelecer (INSPEÇÃO DO TRABALHO, 1994, p. 21).

A convenção n.° 81 da Organização Internacional do Trabalho tratava de

regulamentar a inspeção na indústria e comércio, ampliando-a para o campo da

agricultura a Convenção n.° 129 e a Recomendação nº 133 da OIT.

O artigo primeiro da Convenção n.º 81 da OIT, de 1947, encontra-se disposto da

seguinte maneira: “ Todo país-membro da Organização Internacional do Trabalho, em

cujo território estiver em vigor esta Convenção, deve ter um sistema de inspeção do

trabalho nos estabelecimentos industriais.”

Lado outro, já em sua segunda parte, no artigo 22, estende a recomendação da

inspeção nos estabelecimentos comerciais, assim dispondo: “Todo país-membro da

Organização Internacional do Trabalho, em cujo território estiver em vigor esta

Convenção, deve ter um sistema de inspeção do trabalho nos estabelecimentos

comerciais.”

Já a Convenção n.º 129, de 1969, no seu artigo 5º, estendeu a inspeção do

trabalho ao campo da agricultura, assim dispondo:

Todo país-membro que ratifique a presente Convenção poderá, mediante declaração que acompanhe sua ratificação, comprometer-se a estender seu sistema de inspeção do trabalho na agricultura a uma ou várias categorias seguintes de pessoas que trabalham em empresas agrícolas:

38

a) agricultores que não empregam mão-de-obra externa, meeiros e categorias análogas de trabalhadores agrícolas;

b) pessoas associadas à gestão de uma empresa coletiva, como os membros de uma cooperativa;

c) membros da família do agricultor conforme definidos pela legislação nacional.

No Brasil, a Inspeção do Trabalho surge por intermédio do decreto n. 1.313 de

1891, quando foi instituída a obrigatoriedade de fiscalização de “todos os

estabelecimentos fabris em que trabalhassem menores” (SUSSEKIND et al., 2005,

p.1297).

Através do Decreto n. 19.671-A, em 1931, o Brasil, ratificando as

recomendações da OIT sobre a Inspeção do Trabalho, organizou o Departamento

Nacional do Trabalho com o “objetivo de promover medidas de previdência social e

melhorar as condições de trabalho”. Entretanto, o serviço era bastante precário e sem

estrutura para exercer a fiscalização (SUSSEKIND et al., 2005, p. 1296).

A Consolidação das Leis do Trabalho, outorgada pelo governo Vargas, em 1943,

trouxe em seu bojo a regulamentação das leis trabalhistas e a atribuição da competência

ao Ministério do Trabalho para, por meio de seus órgãos, fiscalizar o “fiel cumprimento

das normas de proteção ao trabalho”.13

Pela CLT, o fiscal do trabalho teria a incumbência de fiscalizar o cumprimento

das normas trabalhistas, orientando as empresas, autuando as transgressoras e impondo

as multas administrativas devidas.

13 CLT, Título VII, Do Processo de Multas Administrativas, Capítulo I, Da fiscalização, da autuação e da imposição de multas.

39

Não obstante a previsão normativa pela CLT, o Brasil ratificou a Convenção n.º

81 de 1947 da OIT, tendo posteriormente editado o Regulamento da Inspeção do

Trabalho / RIT (REIS, 2007).14

Como afirmou João de Lima Teixeira Filho:

O regulamento da Inspeção do Trabalho é o diploma básico da ação fiscalizadora do Estado no campo do trabalho. Os procedimentos e rotinas inspecionais, além do sistema federal da inspeção do trabalho, estão ali contidos. Originalmente editado pelo Decreto n. 55.841, de 15.3.65, vem a lume o Novo Regulamento da Inspeção do Trabalho, aprovado pelo Decreto n. 4.552, de 27.12.2002 – estertores do Governo Fernando Henrique Cardoso (SUSSEKIND et al., 2005, p. 1298).

E o dever de “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho” decorre da

competência da União Federal, no exercício de sua função executiva/administrativa, tal

como determina a CRF/88, no seu artigo 21, inciso XXIV.

A Lei 8.028 de 12 de abril de 1990, no seu artigo 17, inciso X, criava o

Ministério do Trabalho e Previdência Social. No artigo 19, inciso VII, explicitava a sua

competência para a fiscalização trabalhista, seu mercado de trabalho e emprego, a

previdência social, a política salarial e de imigração.

Posteriormente essa lei foi modificada e ampliada pela Lei 10.683 de 28 de maio

de 2003, alterando a denominação do Ministério do Trabalho e Previdência Social para

Ministério do Trabalho e Emprego no seu artigo 25, inciso XXI. O artigo 27, inciso

XXI, por sua vez, ampliou os exemplos de atuação do Ministério do Trabalho e

Emprego, com a seguinte redação:

14 “A Convenção n. 81 da OIT foi ratificada pelo Brasil e está incorporada ao ordenamento jurídico com status de lei, ao indicar os objetivos a serem atendidos pela Inspeção do Trabalho já demonstra claramente o poder de polícia nela inerente, principalmente ao assegurar o cumprimento das disposições relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício de sua profissão e ao autorizar a entrada nos estabelecimentos submetidos à fiscalização livremente e sem aviso prévio, a qualquer hora do dia ou da noite e durante o dia em todos os locais que eles possam ter motivo razoável para supor estarem sujeitos ao controle da fiscalização.” (REIS, 2007, p. 155/183).

40

O artigo 27 da referida Lei estabelece o seguinte:

Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes:

(...)

XXI – Ministério do Trabalho e Emprego:

a) política e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador;

b) política e diretrizes para a modernização das relações de trabalho;

c) fiscalização do trabalho, inclusive do trabalho portuário, bem como aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas;

d) política salarial;

e) formação e desenvolvimento profissional;

f) segurança e saúde no trabalho;

g) política de imigração;

h) cooperativismo e associativismo urbanos.

O artigo 626 da CLT afirma a competência do Ministério do Trabalho e demais

autoridades delegadas para o dever de fiscalização:

Incumbe ás autoridades competentes do Ministério do Trabalho, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho. Parágrafo único: Os fiscais do Instituto Nacional do Seguro Social e das entidades paraestatais em geral, dependentes do Ministério do Trabalho serão competentes para a fiscalização a que se refere o presente artigo, na forma das instruções que forem expedidas pelo Ministro do Trabalho.

Nesse sentido, o Ministério do Trabalho age por intermédio das suas Delegacias

Regionais do Trabalho, as quais ficam encarregadas do poder de fiscalização, orientação

e sanção às empresas15.

As Delegacias, por sua vez, exercem a fiscalização por meio dos seus agentes ou

fiscais do trabalho, cargo hoje denominado de Auditor Fiscal do Trabalho e ampliado

15 A convenção n.º 81 da OIT aponta, além da fiscalização e sanção, duas outras funções da inspeção do trabalho como primordiais, a de orientar as empresas e a de aprimorar o sistema.

41

por força da Lei 10.593 de dezembro de 2002, que no seu artigo 10, englobou as

seguintes funções:

I – Fiscal do Trabalho; II – Assistente Social, encarregado da fiscalização do trabalho da mulher e do menor; III - III - Engenheiros e Arquitetos, com a especialização prevista na Lei no 7.410, de 27 de novembro de 1985, encarregados da fiscalização da segurança no trabalho; IV - Médico do Trabalho, encarregado da fiscalização das condições de salubridade do ambiente do trabalho.

Já no artigo 11 do mesmo diploma legal, a norma especificou o que já se

encontrava genericamente previsto no artigo 626 da CLT, ou seja, o cumprimento da

legislação trabalhista como dever do Auditor Fiscal do Trabalho:

Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:

I - o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego;

II - a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, visando a redução dos índices de informalidade;

III - a verificação do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, objetivando maximizar os índices de arrecadação;

IV - o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho celebrados entre empregados e empregadores;

V - o respeito aos acordos, tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário;

VI - a lavratura de auto de apreensão e guarda de documentos, materiais, livros e assemelhados, para verificação da existência de fraude e irregularidades, bem como o exame da contabilidade das empresas, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 17 e 18 do Código Comercial.

Parágrafo único. O Poder Executivo regulamentará as atribuições privativas previstas neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho outras atribuições, desde que compatíveis com atividades de auditoria e fiscalização.

42

Nesse sentido:

A inspeção do trabalho abrange a verificação do cumprimento, em todo o território nacional, não só das disposições legais e regulamentares sobre condições de trabalho em geral, mas também das convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, dos atos e decisões das autoridades administrativas competentes e das convenções e acordos coletivos de trabalho (SUSSEKIND et al., 2005, p. 1306).

Portanto, a Inspeção do Trabalho é fruto da atividade administrativa do Estado,

no exercício da sua competência delineada pela CRF/88, cabendo ao Ministério do

Trabalho e Emprego a função de salvaguardar o cumprimento das normas trabalhistas,

com a finalidade maior de garantir o interesse coletivo e o bem-estar social dos

trabalhadores.

Por isso que constitui mecanismo essencial no combate ao trabalho informal e às

atividades nocivas ao trabalhador.

Até hoje, nos lugares mais distantes do Brasil e até mesmo nos pólos industriais,

ainda se vê a necessidade da atuação da fiscalização do trabalho, diante do reiterado

descumprimento, pelas empresas, das normas jurídicas trabalhistas.

Enquanto houver o Direito, haverá a imperiosa função fiscalizadora do Estado,

cuja atuação, logicamente, deverá ser efetivada sempre dentro da legalidade, sob pena

de, conforme analisado no capítulo anterior, prevalecer o uso arbitrário das razões, o

excesso de Poder e o abalo do Estado Democrático de Direito, restringindo injustamente

a liberdade dos cidadãos e de sua disponibilidade patrimonial.

43

3.2 O Direito Administrativo do Trabalho As regras de funcionamento da Inspeção do Trabalho, no âmbito da

Administração Pública, englobam regulamentos de Direito Administrativo, no campo da

matéria trabalhista.

Nem por isso pode-se afirmar que seria uma espécie do Direito Administrativo.

Não se nega, é bem verdade, que são regras administrativas, pois regulam a

atuação dos agentes públicos, integrantes das Delegacias Regionais do Trabalho, órgãos

que exercem a função fiscalizadora do Estado, através do Ministério do Trabalho e

Emprego, representantes da Função Executiva e Administrativa da Administração

Pública – União Federal.

As normas, nesses casos, não se dirigem aos particulares, embora tratem-se de

disposições envolvendo Direito do Trabalho e referentes às relações de emprego no seu

sentido específico.

São, pois, normas que regulam as relações entre a Administração Pública e os

Administrados, ditando os atos do Poder Executivo, destinadas a prestar um serviço

público social maior de competência exclusiva da União Federal, tal como preconizado

no artigo 21, inciso XXIV, da Constituição da República de 1988, já mencionado e

transcrito anteriormente.

Neste raciocínio, ao primeiro momento não se poderia duvidar que as regras

expostas na CLT dirigidas aos membros da Administração Pública, se enquadrariam no

conceito de Direito Administrativo, a que bem definiu José Cretella Júnior (2000, p.41):

(...) direito administrativo é o ramo do direito público interno, pertinente às atividades das pessoas jurídicas públicas, quando perseguem interesses públicos ou a ramo do direito público interno que regula as atividades das

44

pessoas jurídicas públicas e a instituição de meios e órgãos relativos à ação dessas pessoas.

Da mesma forma, o conceito do autor José dos Santos Carvalho Pinto: Direito

Administrativo é o “Conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse

público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as

coletividades a que devem servir” (PINTO CARVALHO, 2005, p. 17).

Seguindo esse veio de raciocínio, não se poderia negar que referidas normas

seriam definidas como integrantes do “Direito Administrativo do Trabalho”, vez que

regulam atividades de administração, em que pesem estarem relacionadas com a matéria

especial inerente às relações de emprego propriamente ditas.

O professor Maurício Godinho Delgado (2007, p. 63) aponta o seguinte:

Também comparecem ao Direito Material do Trabalho princípios, institutos e regras do Direito Administrativo do Trabalho, uma vez que a ação administrativa do Estado no âmbito da gestão empresarial cria direitos e deveres às partes contratuais trabalhistas, influindo no estuário de condutas jurídicas próprias ao Direito do Trabalho. É o que ocorre, por exemplo, na fundamental área de saúde e segurança do trabalho, em que a ação administrativa e fiscalizadora do Estado tende a ser intensa.

As regras administrativas do Estado, expostas na CLT, no título VII, “Do

Processo De Multas Administrativas”, não regulam apenas as atividades de fiscalização

trabalhista dos seus agentes fiscais, mas também regulam a conduta dos empregadores,

impondo a eles certas obrigações, tais como a obrigatoriedade das empresas em possuir

livro específico da “inspeção do trabalho”, a obrigação de abrir as portas da empresa ao

fiscal do trabalho, prestando os esclarecimentos necessários ao exercício de sua função

e exibindo os documentos que lhes forem pedidos.

Por este motivo, não somente por regular a atuação administrativa do Estado,

mas também por definir o modo de atuação das empresas (entes públicos ou privados),

45

sempre se referindo à matéria de ordem trabalhista envolvendo as questões inerentes ao

vínculo de emprego, é que se torna possível a denominação, para esse conjunto próprio

de regras e princípios jurídicos, como “Direito Administrativo do Trabalho”.

Vale dizer, são preceitos de Direito Administrativo, vez que seguem as regras e

princípios próprios daquele ramo do Direito, mas acoplados nas vertentes trabalhistas,

vez que regulam a fiscalização do trabalho e impõem deveres e obrigações ao ente

coletivo empresarial.

Obviamente, a questão aqui debatida refere-se a mera nomenclatura jurídica, que

não afasta a incidência simultânea e necessária dos princípios do Direito do Trabalho e

do Direito Administrativo.

Tampouco influencia no âmbito processual, notadamente no que diz respeito aos

seus princípios constitucionais e ao direito à ampla defesa consubstanciado na

possibilidade de provar os fatos alegados no processo, tema central deste trabalho.

3.3 A natureza da multa administrativa

O ilícito trabalhista, como já visto e apresentado alhures, decorre da lesão aos

direitos conquistados pelos trabalhadores, direitos esses inerentes ao status de

empregado, amparado pela proteção envolvida na relação empregatícia, regida pela

CLT.

46

A norma jurídica eleva a proteção desses direitos à mais alta e relevante classe

normativa, consignada como Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão, pela

Constituição da República do Brasil.16

São direitos de todo e qualquer cidadão, consagrando um bem individual ainda

maior, estampado e protegido no artigo primeiro da CRF/88, incisos II, III e IV, a

cidadania, a dignidade humana e a valorização social do trabalho, considerados segundo

a mencionada Carta Magna como um de seus Princípios Fundamentais, estampado no

Título I.

O trabalho, portanto, tornou-se um dos pilares da proteção à dignidade humana.

Mais ainda, o trabalho protegido cujo exercício trará uma série de benefícios,

garantias e proteções ao trabalhador, de fato, dignifica o homem e facilita a sua

afirmação e inserção perante a sociedade.

Lado outro, o trabalho sem a proteção legal traz conseqüências sérias à evolução

histórica da humanidade, revolvendo momentos passados, onde o trabalhador era

apenas uma mercadoria. A desigualdade historicamente oriunda da relação capital x

trabalho, se não combatida, fulmina a dignidade humana.

Hoje, a proteção normativa veda o trabalho escravo ou em condições análogas,

assim como envolve o trabalhador num manto de direitos e garantias contra os abusos

do patrão, em prol do empreendimento lucrativo.

A fraude trabalhista encontra repreensão legal no artigo 9º, da CLT: “Serão

nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou

fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

16 Título II da CRF/88 – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Capítulo II – Dos Direitos Sociais.

47

Da mesma forma, serão nulos de pleno direito os atos praticados com o intuito

de lesar a proteção constitucional dos Direitos Sociais dos trabalhadores, impondo à

Administração o poder-dever de aplicação da pertinente sanção administrativa, inibindo

a prática lesiva e ilegal das empresas.

Prevalece no Direito do Trabalho o princípio da imperatividade das normas

trabalhistas, cuja função consiste em fazer cumprir, independentemente da vontade das

partes, a legislação do trabalho.

Trata-se de cláusulas contratuais obrigatórias do contrato de trabalho, sobre as

quais as partes não poderão dispor.

Corolário desse princípio é o da irrenunciabilidade de direitos, que se traduz na

impossibilidade do empregado, no curso do contrato de trabalho, renunciar a alguns dos

seus direitos legais, indisponíveis diante da imperatividade e do caráter público de suas

normas de proteção.

Com efeito, o ato ilícito trabalhista decorre da violação a todo um sistema

jurídico do Direito do Trabalho, desde a mais simples das normas, hierarquicamente

falando, até os seus princípios fundamentais, cujos mandamentos são a base de todo o

ordenamento jurídico social.

Vale dizer, violar uma simples norma que seja, significa violar todo um sistema

jurídico criado, sob o alicerce da cidadania, igualdade, dignidade, liberdade e

valorização social do trabalho, além de vilipendiar um sistema de proteção aos direitos

sociais do trabalhador.

Uma vez constatada a atividade ilícita do empregador, refletida em uma violação

às normas e/ou princípios que protegem o trabalhador, o Estado poderá proceder à

48

lavratura do auto de infração, descrevendo os fatos que levaram àquela constatação, a

norma violada e o dever de reparação.

A multa, por conseguinte, tem caráter punitivo e, ao mesmo tempo, pedagógico,

ou seja, inibidor da reincidência da mesma prática ou de práticas equivalentes pelo

empregador, de modo a compeli-lo a sustar o ato considerado nocivo, pelo Estado, aos

interesses sociais coletivos do trabalhador. Significa uma resposta imediata do Estado à

conduta ilegal da empresa.

À empresa, após a sua autuação fiscal, restará o processo administrativo, onde

terá a oportunidade da produção da defesa administrativa e de posterior recurso. A

improcedência desse recurso resultará na afirmação do auto de infração, no âmbito

administrativo, cabendo à Administração Pública em proceder à devida inscrição da

dívida.

A inscrição da dívida resultará na emissão da Certidão de Dívida Ativa que

servirá de título executivo extrajudicial da União para promover a competente execução

forçada.

A multa administrativa trabalhista, portanto, nada mais é do que a pena aplicada

pelo Poder Público ao empregador transgressor da norma trabalhista e executada

judicialmente sob o rito especial da Lei 6.830/80, que regula a execução fiscal, perante a

Justiça do Trabalho.17

Importante frisar que, muito embora a cobrança da multa pelo ilícito trabalhista

praticado e constatado no Auto de Infração seja feita utilizando-se do rito da Lei

6.830/80 que regula a Execução Fiscal, a mesma não se iguala ou se identifica ao

conceito de tributo. 17 Não se pode esquecer da Emenda Constitucional n.º 45/04 que transferiu a competência de executar as multas impostas pelas DRT´s, por meio dos seus fiscais do trabalho para a Justiça Trabalhista (artigo 114, inciso VII, da CRF/88).

49

De fato, a Lei 6.830/80 equiparou os créditos não-tributários aos tributários, mas

apenas para utilizar o procedimento da execução forçada, não podendo confundir a

multa administrativa imposta pela Delegacia Regional do Trabalho com a idéia de

tributação.

O Artigo 1º da referida lei informa que: “A execução judicial para cobrança da

Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas

autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil”.

Já o artigo 2º assim preceitua: “Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública

aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei n. 4.320, de 17 de março de

1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para

elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Municípios e do Distrito

Federal”.

A multa administrativa, como mencionado, advém do ato ilícito trabalhista e tem

como fato gerador o descumprimento das normas de Direito do Trabalho, ao passo que

o fato gerador de uma obrigação tributária decorre de um incidente tributário, relação

entre contribuinte e Estado e referente à ausência de pagamento dos tributos.

O conceito de tributo encontra-se bem definido no artigo 3º do Código

Tributário Nacional, assim exposto: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória,

em moeda ou em cujo valor nela se possa exprimir que não constitua sanção de ato

ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente

vinculada”.

Aliomar Baleeiro (2001, p. 63) aponta que: “Segundo o art. 3º do CTN, tributo é

toda obrigação jurídica que nascer de pressuposto lícito (tornando-se inconfundível com

as sanções em geral, inclusive indenizações por ato ilícito), independentemente do

50

consentimento do obrigado (é obrigação compulsória ex lege). Deve ser

necessariamente instituído em lei”.

A conexão entre a multa administrativa incidente sobre o ato ilícito trabalhista e

a tributação em sentido amplo reside justamente no modo como são originados,

passando por procedimentos administrativos até se tornarem título executivo

extrajudicial traduzido na certidão de dívida ativa da Fazenda Pública.

Vale dizer, ante a ausência do pagamento do tributo, o sujeito passivo da relação

tributária, o contribuinte, se sujeitará a todos os procedimentos da Administração, pelos

quais se sujeitará também o infrator que está a sofrer a imposição pecuniária pelo ato

ilícito trabalhista.

A lavratura do auto, o nascimento do processo administrativo, a confirmação da

dívida, sua inscrição e emissão da competente certidão para o ajuizamento da ação

executiva, são fases que estão presentes em ambos os casos, em que pese a natureza

jurídica distinta do tributo e da multa pelo ilícito.

Portanto, a equiparação trazida pela Lei 6.830/80, consoante já informado,

servirá apenas para coincidir o rito especial da execução forçada.

Por isso, aliás, mais adequada a nomenclatura utilizada no título desta

dissertação, qual seja: “A Violação da Norma Trabalhista e a Prova sobre o Ato Ilícito

nos Embargos à Execução Fiscal”.

A prova, neste caso, objetivará a desconstituição do fato que apontou uma

ilicitude trabalhista cometida pelo particular e, por conseqüência, uma penalidade legal,

não sendo objeto do presente estudo, a prova para elidir a autuação decorrente do fato

tributário.

51

4 O DEVIDO PROCESSO LEGAL, O CONTRADITÓRIO, A AMPLA DEFESA E O DIREITO À PROVA NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL

4.1 Considerações iniciais

A autuação fiscal, como expressão da função administrativa e fiscalizadora do

Estado, acarreta, para o empregador autuado, o dever ao cumprimento de certas

obrigações consubstanciadas no auto de infração. Essas obrigações traduzem-se em

fazer algo, deixar de fazer algo ou, até mesmo, em pagar quantia certa.

Ao Auditor Fiscal, detentor dos poderes de fiscalização do cumprimento das

normas da legislação trabalhista e previdenciária, caberá a função delegada executiva do

Estado de praticar todos os atos administrativos necessários e hábeis à inibição da ação

empregadora lesiva aos trabalhadores, fazendo incidir a devida penalidade

administrativa, podendo, em medida extrema, determinar o fechamento do

estabelecimento.

A multa, como dito, possui o papel importante de reprimir e evitar que novas

lesões aconteçam, e decorre de uma constatação dos fatos pelo agente da inspeção.

Essa constatação poderá ser passível de uma revisão judicial, mediante um

processo justo, inerente ao Estado Democrático de Direito, através do qual estarão

sempre preservados os direitos fundamentais e primordiais para a busca da verdade e da

Justiça.

Isto porque a autuação executiva sem a possibilidade de revisão devolve e

concentra todo o Poder na mão do Estado, tal como no regime monárquico absolutista,

defendido por Thomas Hobbes.

52

A concentração de poder é nociva à sociedade e facilita o abuso e a

arbitrariedade, para relembrar as idéias de Montesquieu, já citado em capítulo anterior.18

Da mesma forma, a ausência dos pressupostos básicos para um processo justo e

igualitário vulnera a democracia, a soberania popular, e, principalmente, o Estado de

Direito.

Por isso a finalidade maior do processo, munido de suas garantias legais, ou seja,

manter, acima de tudo, o sistema democrático de governo e, num plano não menos

importante, a igualdade de condições entre os litigantes juntamente com a preservação

dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

A ninguém será possibilitada a perda de sua liberdade ou de seu patrimônio sem

o devido provimento jurisdicional hígido e isento de qualquer ilegalidade, arbitrariedade

ou excesso de poder.

Daí dizer-se também que a observância dos direitos e garantias fundamentais do

processo condiciona a validade, a eficácia e, principalmente, a credibilidade do

provimento jurisdicional, vez que sempre voltado às partes, pessoas de direitos e

obrigações, para a sua conformação, como forma de atingir a paz social, diante do efeito

coativo daquela decisão judicial passada em julgado.

Do auto de infração lavrado pelo fiscal do trabalho necessariamente deverão

constar o desvio de conduta cometido pelo empregador, as circunstâncias fáticas pelas

quais se determinou a aplicação da penalidade administrativa, o artigo de lei violado e o

valor da multa a ser aplicada.

E justamente considerando que a fiscalização do Estado é feita por meio de um

agente público vinculado à Delegacia Regional do Trabalho, como ser humano, é

18 Capítulo 2

53

admissível a possibilidade de cometer algum equívoco, tal como uma interpretação

equivocada do fato e conseqüente aplicação errônea da norma, podendo ser praticado,

inclusive, algum ato arbitrário, com excesso de exação.

O processo administrativo, apesar de garantir as condições mínimas para a

apresentação de uma defesa e de posterior recurso, não tem o condão de, por si só,

efetivar as garantias constitucionais e fundamentais para um processo efetivamente

justo e igualitário, mormente porque julgado pelo próprio órgão que efetuou a lavratura

do auto.

Nesse sentido, a crítica feita por Carlos Celso Orcesi da Costa (1993, p. 159):

Outro equívoco idealista, teórico, é supor que a atuação do fisco, no âmbito do processo administrativo, seja imparcial, simplesmente porque já elaborou seu juízo de valor, no momento da lavratura do auto de infração. Naquele exato momento o fisco, através de seus agentes, promoveu o lançamento de ofício. Se o contribuinte contesta, como imaginar que a atuação do fisco seja outra que não a de pugnar pela manutenção ou procedência de seu juízo inicial de valor? Algumas exceções até confirmam esta regra.

Embora haja previsão constitucional do artigo 5º, inciso LV, onde se assegura o

contraditório e a ampla defesa também no âmbito do processo administrativo, o

julgamento da defesa e posterior recurso opostos pela empresa será sempre efetuado

pelo mesmo órgão que lavrou o auto de infração, o que enfraquece a idéia de processo

justo, vez que apreciado por quem não está alheio ao fato, tal como acontece com o Juiz

no processo judicial.

Tanto é verdade que não faz coisa julgada material a decisão proferida em

processo administrativo, podendo a mesma ser revista pelo Estado-Juiz, uma vez que “a

lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, tal como

preceitua o artigo 5º, inciso XXXV, da CRF/88.

54

A Carta Magna também garante ao cidadão o direito de petição em defesa

própria ou contra ilegalidade ou abuso de poder, tal como preceitua o inciso XXXIV,

alínea a, do mesmo artigo citado.

Por isso a necessidade de o Poder Judiciário, atuando nestes casos, como

legítimo exemplo do sistema de freios e contrapesos, analisar a conduta da fiscalização,

verificando a sua legalidade, desde que devidamente provocado pela parte interessada

(princípio dispositivo), através do exercício cívico do direito de ação.

A execução forçada dessa multa administrativa poderá ser extinta se o executado

demonstrar o fato modificativo e extintivo da pretensão executiva do Estado.

Uma vez ajuizada a execução fiscal, tem o executado os embargos do devedor

para buscar desincumbir-se do ônus probatório que lhe pesa e atingir a elisão da multa,

com a desconstituição do auto de infração.

O devedor, para tanto, terá que se valer de um processo constitucionalmente

preservado, para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Essa a finalidade, aliás, do devido processo legal: garantir ao cidadão um

julgamento justo, em igualdade de condições e oportunidades, e isenção total na

prolação do provimento jurisdicional, aproximando-se o Direito Processual do Direito

Material para uma melhor aplicação da Justiça.

4.2 O princípio do contraditório e da ampla defesa – O direito à prova como expressão de direito fundamental

Processo justo é aquele que assegura às partes a oportunidade ampla de

demonstrar os fatos relevantes para o deslinde da controvérsia por elas alegados, a fim

55

de buscar o melhor enquadramento jurídico à situação concreta, através de um

provimento jurisdicional emitido por Juiz imparcial.

Para tanto, devem-se observar alguns princípios, sob os quais estará amparado o

instrumento processual para a aplicação do Direito.

Neste diapasão, o princípio constitucional do devido processo legal, tal como

aponta Nelson Nery Júnior, manifesta-se sob dois aspectos, tendo em vista os campos

do direito material e do direito processual.

Para o citado autor:

A cláusula due process of law não indica somente a tutela processual, como à primeira vista pode parecer ao intérprete menos avisado. Tem sentido genérico, como já vimos, e sua caracterização se dá de forma bipartida, pois há o substantive due process e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando no que respeita ao direito material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio do processo judicial ou administrativo (NERY JÚNIOR, 2004, p. 65).

Nesta linha de raciocínio, o devido processo legal acompanha e delimita a

atuação da Administração Pública, não somente no âmbito de um processo judicial, mas

também para além deste, incidindo, sobretudo, no campo de atuação da Administração,

impondo limites legais à sua conduta fiscalizatória, na medida em que os seus atos não

poderão desvirtuar-se do que determina o direito material.

Significa dizer que a norma constitucional do “due process of law” garante ao

indivíduo, além um processo judicial justo e isonômico, a sua liberdade como cidadão e

a disponibilidade dos seus bens, as quais somente poderão ser restringidas em virtude de

uma transgressão à lei.

56

Qualquer excesso do ato administrativo ou qualquer desvio de legalidade na

atuação da fiscalização trabalhista implicará certamente na indevida limitação dos

direitos individuais, da liberdade cívica e da disponibilidade patrimonial do cidadão.

Donde concluir-se que a atuação excessiva ou não revestida dos requisitos legais

da inspeção do trabalho, através dos seus representantes, significará direto vilipêndio à

liberdade humana, atingindo e ferindo, por conseqüência, a estrutura do Estado

Democrático de Direito.

A preservação do devido processo legal, tamanha a sua importância sob o ponto

de vista extraprocessual, alinhando-se ao direito material, está intimamente ligada à

democracia estatal e, ao mesmo tempo, inversamente relacionada ao regime autoritário

de governo.

Não se nega a autoridade do Estado para fazer valer o cumprimento das normas.

Nega-se, ao revés, a atividade executiva/administrativa do Estado que não seja revestida

dos requisitos essenciais para a validade dos seus atos, em busca da preservação do

bem-estar social.

Logo, a liberdade estará plenamente garantida se a atuação administrativa dos

governantes observar o bem comum e as regras gerais de direito, a fim de evitar o

abuso, o excesso, a perseguição, a discriminação e a restrição à liberdade e à

disponibilidade patrimonial do cidadão.

Essa, aliás, a tradução esculpida na Constituição da República Federativa do

Brasil, em seu artigo 5º, inciso LIV, assim expresso: “Ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

57

Sob o ponto de vista do direito processual, o devido processo legal manifesta-se

de forma a garantir a eficácia e preservar a higidez e credibilidade das decisões

jurisdicionais.

Referido princípio norteia as regras processuais, delimitando a atuação das

partes e do Estado por meio da sua função judicante e preservando os direitos dos

personagens da relação jurídico-processual para, ao final, atingir um resultado passível

de resignação por todos, traduzido numa sentença justa e equilibrada, a mais próxima

possível dos ideais de Justiça.

A busca plena da Justiça não pode iniciar-se sem a observância do devido

processo legal. Como reflexo deste, no campo das regras processuais, existem outros

princípios constitucionais básicos e informadores do processo, para se obter o tão

buscado julgamento justo.

Justamente o devido processo legal, fiscal da manutenção hígida do processo e

da manutenção desses princípios básicos, norteadores e formadores do Direito

Processual, garantirá ao devedor, sujeito passivo da relação ou ao embargante nos

embargos à execução, a oportunidade justa de demonstrar o fato impeditivo,

modificativo e/ou extintivo do direito em face da execução forçada que estiver a sofrer.

Em outras palavras, poderá ele tentar demonstrar a ausência de violação da

norma trabalhista ou a ausência do ilícito trabalhista, por meio da rediscussão dos fatos

que ensejaram a lavratura do auto de infração, o que somente será possível, uma vez

garantido o seu direito amplo aos meios de prova.

Com efeito, pode-se certamente dizer que o direito à produção de prova do

devedor, nos embargos à execução do ato ilícito trabalhista19, é decorrência direta e

19 A execução da multa administrativa trabalhista se faz pela execução fiscal, através do rito especial da Lei 6.830/80, muito embora a expressão neste caso, “execução fiscal”, não seja a mais correta, vez que se

58

necessária da observância do devido processo legal, através da garantia dos seus

princípios processuais e constitucionais assecuratórios do Estado Democrático de

Direito, especialmente o contraditório e a ampla defesa.

É o que acentua Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 48):

Na Constituição, o direito à prova é inerência do conjunto de garantias do justo processo, que ela oferece ao enunciar os princípios do contraditório e ampla defesa, culminando por assegurar a própria observância destes quando garante a todos o due processo of law (art. 5°, incs. LIV e LV – supra, n. 94 e 97). Pelo aspecto constitucional, direito à prova é a liberdade de acesso às fontes e meios segundo o disposto em lei e sem restrições que maculem ou descaracterizem o justo processo.

O processo também é fruto da garantia ao acesso à Justiça e da preservação da

igualdade constitucional, porquanto não se pode admiti-lo como um fim em si mesmo,

mas sim como instrumento hábil, justo e igualitário para a reconstituição em juízo dos

fatos controvertidos e a melhor aplicação do Direito.

A inibição ou a impossibilidade de manifestação da parte no processo em busca

de sua própria defesa restringe o acesso à Justiça, pois de nada adiantaria a garantia do

direito de ação sem a observância das prerrogativas essenciais à higidez processual e à

manutenção das garantias e direitos fundamentais constitucionais do processo. De que

adiantaria ajuizar uma ação sem que o processo não oferecesse meios para a produção

da prova dos fatos nela alegados?

Por isso o processo justo e igualitário não pode ser outro senão aquele que

assegure todas as garantias constitucionais a ele pertinentes. Processo justo e igualitário

assegura a manutenção do acesso à Justiça e do devido processo legal.

trata de mero processo executório de multa oriunda do ato ilícito trabalhista, conforme se verificará no Capítulo 5.

59

A inobservância desses direitos e garantias fundamentais e das regras

processuais correspondentes implica abalo ao Estado Democrático de Direito, afetando

a finalidade processual de atingir a um resultado justo, de modo a buscar o

convencimento das partes, e sua resignação à coisa julgada. “O processo é, nesse

quadro, um instrumento a serviço da paz social” (CINTRA et al., 1997, p. 53).

Por outro lado, para CINTRA et al. (1997, p. 53) o princípio da igualdade

processual significa dizer “que as partes e os procuradores devem merecer tratamento

igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas

razões”.

Nesse sentido, estes citados autores, discorrendo sobre o princípio do devido

processo legal, assim se pronunciaram:

Em conclusão, pode-se afirmar que a garantia do acesso à justiça, consagrando no plano constitucional o próprio direito de ação (como direito à prestação jurisdicional) e o direito de defesa (direito à adequada resistência às pretensões adversárias), tem como conteúdo o direito ao processo, com as garantias do devido processo legal. Por direito ao processo não se pode entender a simples ordenação de atos, através de um procedimento qualquer. O procedimento há de realizar-se em contraditório, cercando-se de todas as garantias necessárias para que as partes possam sustentar suas razões de produzir provas, influir sobre a formação do convencimento do juiz. E mais: para que esse procedimento, garantido pelo devido processo legal, legitime o exercício da função jurisdicional (CINTRA at al., 2007, p. 84 e 85).

Nesse sentido, tem o devedor o direito de apontar e provar ao Juiz da causa uma

realidade fática diferente daquela descrita no auto de infração pelo fiscal trabalhista, de

modo a tornar justa a sua recusa ao pagamento da multa, com a conseqüente extinção da

respectiva execução.

Se esse direito à produção de prova tornar-se mitigado pelo processo, o

provimento jurisdicional restará totalmente comprometido porque eivado de nulidades,

60

distante do justo e do sistema processual igualitário. Ademais, a aplicação da norma ao

caso concreto poderá restar equivocada.

Haverá, entretanto, certas situações onde será permitido ao Juiz dispensar a

realização de certas provas, sem que, com isso, ocorra ofensa à igualdade entre as partes

ou ao devido processo legal. Seja porque o fato tornou-se incontroverso no processo,

seja porque a prova buscada pela parte não influencia no julgamento da lide, seja porque

os fatos, objeto da prova, são públicos e notórios.

Nesses casos, não há falar-se, necessariamente, em violação à ampla defesa, mas

apenas na aplicação dos princípios da celeridade e economia processual, diante da

ausência de prejuízo para a parte.

São aquelas provas consideradas inúteis e impertinentes, traduzidas como

irrelevantes para o deslinde da questão colocada na lide, ou seja, significa que a sua

produção ou a ausência de sua produção não afetará a busca da verdade e não afetará o

julgamento do processo.

O artigo 852, D, da CLT, é exemplo de norma a legitimar ao juiz a

dispensabilidade das provas inúteis:

O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerando o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes e protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.

Da mesma forma, o artigo 334, do CPC, torna dispensáveis certas provas quando

tiverem por objeto os fatos “I – notórios; II – afirmados por uma parte e confessados

pela parte contrária; III – admitidos, no processo, como incontroversos; IV – em cujo

favor milita presunção legal de existência ou de veracidade”, não havendo que se falar

em cerceamento do direito de defesa nesses casos.

61

Portanto, o direito à prova revela-se como expressão do acesso à justiça e do

devido processo legal, imbuído na garantia da preservação do contraditório e da ampla

defesa, para a higidez do processo e do provimento jurisdicional.

As partes, no curso do feito, terão ampla oportunidade de demonstrar os fatos

alegados em juízo, para justificar a sua pretensão e o direito que a ela se arraiga,

valendo-se de todos os meios lícitos de prova para demonstrar os fatos relevantes ao

deslinde do caso.

4. 3 A prova, seu objeto e a fé pública dos auditores fiscais do trabalho

O instrumento hábil a permitir toda uma reconstituição dos fatos, sobre os quais

se encontram alicerçados os pedidos de aplicação da lei expostos na inicial e na defesa é

o processo, desde que garantida a oportunidade às partes da dialética em igualdade de

condições (contraditório).

Vale dizer, por meio do instrumento do processo justo, caberá à parte que alegar

o fato constitutivo de sua pretensão o direito de prová-lo, assim como caberá à parte que

lançar fato impeditivo, modificativo e extintivo de direito o ônus de demonstrar a sua

ocorrência.

O direito à prova revela-se para Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 47) como

um “conjunto de oportunidades oferecidas à parte pela Constituição e pela lei, para que

possa demonstrar no processo a veracidade do que afirmam em relação aos fatos

relevantes para o julgamento”.

62

Ensina ainda o autor que: “(...) O resultado a ser obtido mediante a instrução

probatória é o conhecimento dos fatos e conseqüente firmeza para proferir a decisão”

(DINAMARCO, 2004, p. 43).

A reconstituição fática, feita por meio do instrumento processual, somente será

possibilitada, em primeiro lugar, se o processo assegurar as garantias fundamentais e,

em segundo lugar, através dos meios de prova considerados lícitos pelo ordenamento

jurídico.

Com efeito, a Constituição veda o uso das provas ilícitas em seu artigo 5º, inciso

LVI: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Portanto, terá o devedor, autor dos embargos à execução ajuizada para cobrança

da multa oriunda do ato ilícito trabalhista, ampla oportunidade de provar as suas

alegações, utilizando-se de todos os meios de prova, à exceção das ilícitas, dentro de um

sistema processual igualitário e democrático.

Mas quais serão a extensão e o objeto da prova, nesses embargos à execução?

Logicamente, a extensão da prova será em princípio ilimitada, diante dos

princípios constitucionais aplicáveis.

A delimitação do campo da prova será por meio da própria norma constitucional

e infraconstitucional, em face das regras processuais e do dever do Juiz de inibir as

diligências inúteis ou protelatórias do processo.

A prova, caso se revele desnecessária ao deslinde do feito, com a solução do

conflito, deverá ser inibida pelo Juiz da causa, responsável por zelar sempre pelo

desenvolvimento regular do processo, em face dos princípios da celeridade e economia

dos seus atos.

63

A inibição das diligências inúteis não traz prejuízo à parte, mas somente

contribui para a morosidade do processo. Morosidade esta vedada pelo artigo 5º, inciso

LXXVII, da CRF/88, oriundo da Emenda Constitucional n.º 45/04, cujo mandamento

assegura o direito ao tempo hábil do feito, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e

administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que

garantam a celeridade de sua tramitação”.

Em suma, o devedor terá à sua disposição todos os meios de prova aptos a

demonstrar o que eventualmente alegar nos seus embargos à execução, desde que lícitos

e pertinentes à busca da verdade.

Por isso que o direito à prova, em princípio, não possui limitação, desde que

pertinente ao caso, tendo a parte a possibilidade de provar o alegado, através de todos os

meios legais admitidos em direito.

Por óbvio, o objeto da prova será todo fato ocorrido, mas que não fora detectado

pelo fiscal trabalhista, ou todo fato que não ocorreu, embora tenha sido detectado pelo

agente da fiscalização – o fato controvertido no campo processual.

Manoel Antônio Teixeira Filho (1994, p. 41) acentua o seguinte:

O objeto da prova são os fatos (do latim factum, de facere = fazer, causar) narrados pelo autor, pelo réu ou por terceiros, que na técnica processual se referem aos acontecimentos jurídicos (fatos jurídicos naturais), ou atos jurídicos ou ilícitos (fatos jurídicos voluntários), originadores do conflito intersubjetivo de interesses. Daí por que o art. 332, do CPC, se refere à prova da verdade dos fatos em que se funda a ação uma defesa.

O vício do ato administrativo, traduzido na atuação dos fiscais do trabalho, a

demonstração de um eventual excesso de conduta, uma arbitrariedade do agente, uma

aplicação equivocada da norma descrita no auto de infração ou o erro de fato cometido

64

pelo agente, enfim, uma infinidade de situações que poderão ocorrer, serão alvo dos

ataques do devedor para fins de buscar a elisão da autuação, no processo judicial.

Como sabido, o ato administrativo depende de certos requisitos para sua

legitimidade e validade. Uma vez efetivado sem a observância dos seus pressupostos

legais, poderá o ato ser declarado nulo pelo Juiz da causa, desde que devidamente

provocado pela parte, sujeito passivo da relação de cobrança da multa trabalhista.

José Cretella Júnior (2000, p. 300) afirma que: “A manifestação de vontade, o

motivo, o objeto, a finalidade e a forma abrangem todos os aspectos sobre os quais os

vícios do ato administrativo podem incidir”.

Acresça-se que, como pessoa, o fiscal sempre estará passível de cometer

equívocos, erros de fato e excessos de conduta, vícios esses que poderão ser revistos

pelo devedor no Judiciário por meio próprio, onde lhe restará assegurado o direito

amplo de demonstrar o alegado e desincumbir-se do seu ônus probatório.

Aliás, esse o sentido da prova como instituto, como bem esclarece Manoel

Antônio Teixeira Filho (1994, p. 34 e 35):

(...) (1) É a demonstração (2), segundo as normas legais específicas (3), da verdade dos fatos (4) relevantes (5) e controvertidos no processo. Dissemos (1) demonstração porque, em concreto, a atividade probatória, que às partes preponderantemente incumbe em decorrência do ônus objetivo que a lei lhes atribui (CLT, art. 818), consiste em trazer aos autos elementos que demonstrem a verdade dos fatos lógico, tendente a influir na formação do convencimento do órgão jurisdicional; (2) segundo as normas legais específicas porque o direito processual não apenas estabelece as modalidades de prova admitidas em juízo (CPC, art. 332), ma também disciplina procedimento probatório das partes; (3) da verdade dos fatos porque, regra genérica, o objeto da prova são os fatos (CPC, art. 332); só excepcionalmente se exigirá a prova do direito (CPC, art. 337); (4) relevantes porque a prova não deve incidir sobre todos os fatos narrados na ação, mas somente em relação àqueles que se revelam importantes (relevantes) para a justa composição da lide; (5) controvertidos porquanto devem ficar fora do campo da prova os fatos incontroversos, assim entendidos os que, sendo afirmados por uma das partes, são confessados pela parte contrária (CPC, art. 302 e 334, II); os admitidos n processo como incontroversos (CPC, art. 334, III), bem assim os notórios (art. 334, I) e aqueles em cujo valor milita a presunção legal de

65

existência ou de veracidade (art. 334, IV); (6) no processo, vez que os fatos a serem provados são os que foram trazidos pelas partes ao conhecimento do juiz; assim, os fatos que permanecerem às margens do litígio (embora pudessem ser relevantes), ou que foram narrados intempestivamente, não podem ser destinatários da prova – ‘Quod non est in actis non est in mundo’ (...)

O grande desafio do devedor, todavia, apesar da ampla oportunidade e

disponibilidade dos meios de prova, será desincumbir-se do seu ônus em ilidir a

autuação fiscal, derrubando os alicerces fáticos lançados no auto de infração.

O artigo 3º da Lei 6.830 de 1980, que disciplina a Execução Fiscal, estabelece a

presunção de legalidade da dívida ativa da União, nos seguintes termos: “A Dívida

Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez”.

Isto porque o fiscal do trabalho, justamente por representar o Estado na

preservação do bem estar social e coletivo e por agir em conformidade com a lei, conta

com uma presunção de licitude dos seus atos. Nas lições de José dos Santos Carvalho

Pinto (2005, p. 16): “O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta

dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa

deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita”.

No mesmo sentido é o entendimento de Maria Sylvia Zenalla di Pietro (apud

REIS, 1997, p.164): “A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato

com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os

atos administrativos foram emitidos com observância da lei.”

Neste sentido, a fé pública dos fiscais gera a presunção relativa dos seus atos e

desloca para o devedor autuado o ônus da prova, de modo a desconstituí-lo.

Havendo o devedor se desincumbido a contento desse ônus da prova, o auto de

infração será declarado nulo e não mais subsistirá.

66

O conceito de presunção é bem delineado por Cândido Rangel Dinamarco

(2004, p. 113), in verbis: “A presunção é um processo racional do intelecto, pelo qual

do conhecimento de um fato infere-se com razoável probabilidade a existência de outro

ou o estado de uma pessoa ou coisa”.

Acrescenta ainda o citado autor:

Nenhuma presunção apóia-se em juízo absoluto de certeza. Presumir significa apenas confiar razoavelmente na probabilidade de que se mantenha constante a relação entre o fato-base e o presumido, sendo essa probalidade havida por suficiente para neutralizar maiores temores de erro. (...) O risco de errar ao presumir dimensiona-se na razão inversa à do grau de probabilidade de que a relação entre a ocorrência de um fato e a de outro se mantenha sempre. Quanto maior a probabilidade, menor o risco; menor a probabilidade, maior o risco a assumir. Diante disso, o legislador toma cuidado ao estabelecer suas presunções (praesumptiones legis) segundo os variáveis graus de probabilidade em que se apóia a legislar. Onde sente que é maior a probabilidade de uma relação constante, ele estabelece as chamadas presunções absolutas, que chegam ao ponto de se configurar como autênticas ficções legais insuscetíveis de questionamento mesmo diante da demonstração de uma realidade contrária – é o caso da chamada presunção de conhecimento da lei, imposta pelo artigo 3o da Lei de Introdução ao Código Civil. A presunção é relativa quando menor o grau de probabilidade e, portanto, maior o risco; nesses casos presume-se o fato, mas admite-se a prova da negativa ou de um fato neutralizador (DINAMARCO, 2004, p. 115 e 116).

Portanto, a atuação dos fiscais na inspeção do trabalho, justamente por observar

a regra da legalidade e os pressupostos de validade do ato da administração pública,

assegurar o interesse coletivo e primar pela defesa dos direitos indisponíveis do

empregado, sempre estará ligada a uma situação de maior probabilidade, de sorte a ser

considerada real, com menor possibilidade de erro na sua constatação.

Entretanto, o fiscal, notadamente por exercer ato com certa discricionariedade na

análise da situação fática da empresa em relação aos seus empregados, também poderá

cometer equívocos. Por isso que a presunção de legalidade dos seus atos é apenas

67

relativa (juris tantum), admitindo a produção de prova em sentido contrário pela parte

interessada.

O parágrafo único do artigo 3º, da Lei 6.830 de 1980, regulando o caput que

assegura a presunção de certeza e liquidez à Certidão de Dívida Ativa, assim preceitua:

“A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova

inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite”.

A presunção relativa de veracidade dos atos relatados pelos fiscais é uníssona

nos Tribunais Regionais do Trabalho, tal como exemplificam os julgados abaixos:

EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. REGULARIDADE DA AUTUAÇÃO. DESPROVIMENTO. O ato da autoridade fiscal, como ato administrativo, goza de presunção de legitimidade e de veracidade, cabendo ao autor realizar prova em contrário, em razão da presunção da validade da atividade administrativa em face da submissão ao princípio da legalidade, principalmente quando resta evidenciada a existência do motivo justificador da autuação. O poder discricionário para exercer a fiscalização é conferido pela Constituição da República, tendo o fiscal do MTE o poder-dever de examinar livros e documentos para apurar e esclarecer os fatos indispensáveis à correta aplicação da lei, exigindo o cumprimento das normas trabalhistas, mediante seu enquadramento na legislação pertinente. Não se pode olvidar que incumbe ao auditor fiscal do trabalho o poder-dever de cumprir e fazer cumprir as normas de tutela do trabalho humano na forma das instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, sendo certo que gozam de presunção de veracidade as declarações apostas no auto de infração pelo referido servidor, dando origem a documento público, sendo, portanto, dotadas de fé pública, seja quanto à forma ou seu conteúdo, a teor do que dispõe o artigo 364 do CPC.20

EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. CONSTITUIÇÃO VÁLIDA. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL. A dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez, que só pode ser elidida por prova em contrário, consoante prevê o parágrafo único, art. 3o da Lei n. 6.830/80. Na hipótese, a fundamentação legal da multa aplicada pode ser perfeitamente aferida no Auto de Infração, da qual teve ciência a agravada não só no momento da autuação,como por meio da notificação do processo administrativo. Destarte, o erro meramente material da Certidão de Dívida Ativa, que registrou capitulação diferente daquela expressamente consignada no ato de fiscalização e no processo administrativo, é passível de correção de ofício e não enseja nulidade. Isto porque não existiu prejuízo ou dificuldade para o direito de defesa da

20 Processo 00292-2006-022-03-00-5 RO; Data de publicação 24/03/2007; DJMG página 30; Quarta Turma; 3ª Região; Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo.

68

embargante que tinha plena ciência da infração cometida e do embasamento legal da multa aplicada.21

Admitir, aliás, que tal presunção seja absoluta seria abalar todo o sistema

democrático da CRF/88, concentrando e unificando o Poder nas mãos do executivo

imunizando-o do controle jurisdicional que poderia vir a sofrer, restringindo o direito de

ação e impossibilitando o cidadão de buscar a reparação de uma eventual ilegalidade

cometida pela Administração Pública.

Nesse sentido:

a liquidez da certidão de dívida ativa não inibe o executado de questionar a existência e validade do lançamento tributário, uma vez que se trata de presunção legal apenas juris tantum. Quer isto dizer que o embargante tem o direito de produzir todas as provas que se mostrarem úteis à defesa de sua alegação, na busca de ilidir o título fiscal (THEODORO JUNIOR, 2002, p. 19).

O auto de infração constata a irregularidade sob a ótica do fiscal do trabalho,

aponta a norma violada e descreve as circunstâncias fáticas vislumbradas para posterior

aplicação da penalidade administrativa.

A presunção de legalidade da multa é atributo do ato administrativo que a

aplicou, desde a lavratura do auto até a lavratura da certidão de dívida ativa da União,

objeto da cobrança judicial através da execução forçada.

A certidão da dívida ativa da União torna-se, pois, o título executivo a lastrear a

execução, consolidando e afirmando o auto de infração.

21 Processo 01915-2005-073-03-00-9 AP; Data de publicação 25/02/2006; DJMG página 9; Terceira Turma; 3ª Região; Relatora Desembargadora Lucilde D`Ajuda Lyra de Almeida.

69

Por isso que, nos embargos à execução, o devedor, ao atacar o título executivo,

automaticamente estará atacando a origem da dívida declarada pelo auto de infração,

atingindo o seu objetivo principal – a elisão da multa trabalhista.

Conclui-se que o direito à prova constitui um dos alicerces dos princípios

constitucionais do processo (do devido processo legal, do contraditório e da ampla

defesa), representando uma extensão do direito cívico de agir, pois de nada adiantaria o

amplo acesso à Justiça se, após ajuizada a ação, fosse restringida a atuação das partes

para demonstrar a sua alegação e o seu direito.

O processo possui também sustentação no Estado Democrático de Direito, o que

desenganadamente fortalece a tripartição pública dos Poderes, assim como mantém

intacto e legítimo o controle jurisdicional da inspeção trabalhista, como exemplo típico

do sistema de freios e contrapesos.

O executado, portanto, sempre poderá valer-se do processo para buscar a sua

absolvição para o pagamento da dívida.

70

5 O DIREITO DE DEFESA DO DEVEDOR SOB O REGIME DA NOVA COMPETÊNCIA TRABALHISTA

A certidão de dívida ativa é o documento que comprova o crédito do Estado em

face do sujeito passivo da relação tributária, consistindo, pois, em título executivo

extrajudicial para lastrear a execução forçada da obrigação ali contida.

Possui raízes no lançamento da dívida pública, com a constatação inicial da

irregularidade empresarial quanto ao cumprimento das normas trabalhistas e se

consolida após o término do processo administrativo eventualmente existente, com a

sua inscrição, habilitando a Fazenda ao ajuizamento da execução forçada.

Isto porque, primeiro, a atuação de ofício dos agentes fiscais do trabalho lança,

por meio do auto de infração, a constatação circunstanciada do fato ilícito, com a

capitulação da norma aplicável, a violação ocorrida e a multa aplicada sobre o ilícito.

O lançamento efetuado pelo próprio devedor, por outro lado, muito embora

possa ser passível de posterior revisão através dos embargos à execução, não enseja

matéria de grande complexidade fática, ao contrário do lançamento efetuado pela

Administração Pública, feito de acordo com a própria convicção do fiscal e

independentemente da vontade do sujeito passivo.

Nesse diapasão:

De uma vez, o processo administrativo-tributário, lastro da Certidão de Dívida Ativa, pode se originar de:

a) Declarações e informações de débito prestadas pelo sujeito passivo; ou

b) Débitos apurados pelo próprio credor.

Na primeira hipótese, tem-se o processo administrativo de rito sumário, calcado nas declarações e informações prestadas pelo devedor, no cumprimento de deveres instrumentais, acessórios de obrigação principal. Já na segunda hipótese, desenvolve-se iter procedimental de média

71

complexidade, quando o débito se fundamenta em dados cadastrais do credor, ou de ampla complexidade, observado em exigência calcada em atividade fiscalizadora (BITTENCOURT, 1998, p. 115).

O lançamento tributário nada mais é senão:

(..) .um procedimento que envolve basicamente a averiguação, identificação, qualificação e quantificação da obrigação tributária, e que se conclui com um ato, ou seja, o ato de lançamento. Esse lançamento produz efeitos vinculantes, embora não definitivos, porque qualquer lançamento está sujeito à condição resolutiva de sua posterior revisão ou reexame, dentro do período qüinqüenal de decadência (COSTA, 1993, p. 160).

Após a lavratura do auto de infração, o devedor será intimado para oferecer

defesa, dando-se início ao processo administrativo, que será julgado pelo próprio órgão

do Ministério do Trabalho e Emprego através das suas Delegacias Regionais do

Trabalho.

Da decisão sobre a impugnação administrativa caberá o competente recurso à

instância julgadora para o término do procedimento, com a chamada coisa julgada

administrativa22.

Terminado o processo administrativo e mantido o auto de infração com a

improcedência do recurso, a União Federal promoverá a inscrição da dívida, dando

origem à certidão de dívida ativa.

Esses os atos preliminares ao nascimento da certidão de dívida ativa, tal como

mencionou Humberto Theodoro Júnior. (2002, p. 9):

22 Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Pinto conceitua a coisa julgada administrativa como sendo “a situação jurídica pela qual determinada decisão firmada pela Administração não mais pode ser modificada na via administrativa”. Manual de Direito Administrativo; “op. cit.”, nota 42. Capítulo XV – Controle da Administração Pública; item III – Controle Administrativo; tópico 5 – Coisa Julgada Administrativa.

72

Antes, portanto, de ingressar em juízo, tem a Fazenda Pública de promover o acertamento de seu crédito, tanto objetiva como subjetivamente, mediante o procedimento da inscrição, para atribuir-lhe liquidez e certeza, ou seja, para determinar, de forma válida, a existência do crédito tributário, a quantia dele e a responsabilidade principal e subsidiária por seu resgate. Em outros termos, há de apurar-se antes da execução a existência da dívida, o que se deve e quem deve.

Correto afirmar, portanto, que referida Certidão não é senão fruto de uma série

de atos de procedimento, envolvendo desde o lançamento de ofício dos fiscais do

trabalho, no momento da lavratura do auto de infração, até a sua confirmação final e

irrecorrível administrativamente, com o julgamento do processo administrativo,

tornando-a hígida, após a devida inscrição, e elevando-a ao status de título executivo

extrajudicial, para o início da execução forçada.

Por outro lado, o título executivo extrajudicial, para sua validade, deve

apresentar as características de liquidez, certeza e exigibilidade.

Liquidez e certeza foram adquiridas no curso do processo de acertamento, onde

se discutiu, no âmbito administrativo, a origem da dívida e a norma violada, bem como

o valor da multa aplicada.

Cumpre salientar que, necessariamente, não há obrigatoriedade do processo

administrativo para que a dívida se torne líquida e certa. A simples inércia do sujeito

passivo da relação, o devedor, implica afirmação do título, sem prejuízo, logicamente,

do controle judicial do ato administrativo, que poderá ser exercido posteriormente.

A exigibilidade, por sua vez, decorre da ausência do pagamento espontâneo da

dívida e se configurará pela sua inscrição na dívida ativa da União, a fim de que a

mesma possa valer-se da competente certidão para, como título executivo, iniciar em

juízo a execução forçada para a satisfação da obrigação.

73

Nesse sentido, sobre a exigibilidade, certeza e liquidez da certidão de dívida

ativa, acentuou Ronaldo Cunha Campos (1978, p. 52): “A exigibilidade, constatada pela

inscrição, a certeza e liquidez, verificadas no lançamento ou no resultado do

procedimento, consistem ainda em características de relação obrigacional, e não de

sanção”.

Portanto, a certidão de dívida ativa detém os requisitos legais (certeza, liquidez e

exigibilidade) que a elevam ao título de executivo extrajudicial e constitui documento

essencial par a o ajuizamento da execução fiscal.

Tal como ensina Humberto Theodoro Júnior. (2002, p. 15): “O título executivo

que lastreia dita execução forçada é a Certidão de Dívida Ativa, cuja existência faz

surgir a presunção legal de certeza e liquidez do crédito fazendário (LEF, art. 3º), que,

todavia, é relativa, podendo ser ilidida por prova em contrário (idem, parágrafo único).

O artigo 585, inciso VI, do Código de Processo Civil classifica a Certidão de

Dívida Ativa como título executivo extrajudicial, ao passo que o artigo 202, do Código

Tributário Nacional, aponta os requisitos obrigatórios para a validade do mencionado

documento:

Artigo 585, inciso VI: São títulos executivos extrajudiciais:

VI – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei.

Artigo 202: O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente:

I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;

II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;

III – a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado;

IV – a data em que foi inscrita;

74

V – sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.

Parágrafo único: A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição.

Após assumir a qualidade de título executivo extrajudicial, a Certidão de Dívida

Ativa da União assume o papel de documento formal essencial para a validade da

execução judicial, abstrato e separado de sua causa ou do fato embrionário da dívida.

Na execução forçada não mais se discute a legalidade da dívida, porquanto já

ultrapassada a fase administrativa do seu acertamento. Agora, em juízo, inicia-se a

coação do Estado para o cumprimento da obrigação lastreada no título executivo

extrajudicial.

A causa da dívida somente poderá ser discutida se o devedor lançar mão do meio

processual legalmente estabelecido para se opor à execução, através dos embargos,

conforme se verá a seguir. Caso contrário, o Estado simplesmente o compelirá ao

pagamento do valor constante do título, através da execução forçada.

É o que explica Ronaldo Cunha Campos (1978, p. 49 e 50):

Os títulos sempre nascem de uma obrigação, mesmo que, após criados assumam a forma abstrata.

Notadamente os títulos chamados causais se ligam mais proximamente, a uma obrigação.

Contudo, e disse-o AMÍLCAR DE CASTRO, esta sua característica – o de ser causal – não retira ao título a aptidão de adquirir abstração própria dos títulos executivos (115).

A certidão, como a duplicata, se liga a uma causa. Todavia não se nega à duplicata o caráter de título porque, nos termos da lei 5.474/68, art. 2º, REPRODUZ A FATURA, e esta por sua vez nasce da emissão de nota fiscal onde se traduziu a venda mercantil (art. 3º) (116).

A duplicata vive como título executivo desvinculada de sua causa. Se, na execução, o devedor opõe embargos, a compra e venda onde encontra sua causa surge e se examina. Idêntica a posição das certidões de dívida ativa que, como o apontou com agudeza o Ministro COSTA MANSO, subsistem isoladas, até e se, o devedor em embargos provoca exame do procedimento onde se formaram estes títulos (117).

75

Esta Certidão de Dívida Ativa, assim considerada como título executivo

extrajudicial causal, será alvo dos embargos do devedor na execução fiscal para sua

desconstituição, a qual somente será viável se o embargante conseguir desincumbir-se

do seu ônus de prova, em face da presunção legal de certeza que paira sobre referido

documento, ou seja, demonstrar que os fatos descritos no auto de infração como causa

da aplicação da multa administrativa não são suficientes para tanto.

Sobre a certidão de dívida ativa como título executivo causal, manifestou Luiz

Carlos Derbli Bittencourt (1998, p. 115):

Pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do executivo fiscal, a Certidão de Dívida Ativa, embora unilateralmente expedida, guarda absoluta dependência de processo administrativo-tributário; no qual se apontam o nome do devedor, o valor da dívida bem como sua origem, natureza e fundamento. Em outras palavras, trata-se de título executivo causal, porquanto integrado a sua origem.

Portanto, a certidão de dívida ativa permanece intimamente ligada à sua origem.

Muito embora possua o caráter de abstração inerente ao título executivo extrajudicial, a

sua causa poderá ser amplamente discutida, após o ajuizamento da execução, por meio

dos embargos do devedor, o qual terá a oportunidade de, ao buscar a reconstituição dos

fatos que lhe deram origem, afastar a incidência da multa administrativa, demonstrando

a ausência de violação da norma trabalhista.

76

5.1 Os embargos à execução fiscal e a nova competência trabalhista – influências da transposição do novo regime sobre o direito de defesa do devedor

Ajuizada a execução fiscal, o executado será intimado a efetuar, em cinco dias

contados da data do recebimento da citação, o pagamento da dívida constante do título

executivo (certidão de dívida ativa) com juros e correção monetária, podendo,

entretanto, exercer a faculdade legal de garantir o juízo para apresentar sua defesa

utilizando-se, para tanto, dos embargos do devedor (artigo 8º da lei 6.830/80).

O artigo 16, caput, e parágrafos 1º e 2º, do mesmo diploma legal, conferem a

possibilidade de o executado oferecer os embargos do devedor, após a garantia integral

do juízo, ocasião em que terá a oportunidade de ampla produção probatória, inerente a

todo processo judicial, como já mencionado em capítulo anterior.

O artigo 16 e os seus parágrafos da referida lei assim preceituam:

O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:

I – do depósito;

II – da juntada da prova da fiança bancária;

III – da intimação da penhora.

§ 1º - Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

§2º - No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até 3 (três), ou, a critério do Juiz, até o dobro desse limite.

Assim, terá o devedor à sua disposição um processo justo e igualitário, onde terá

a garantia de utilizar-se de todos os meios de prova em direito admitidos para

demonstrar as suas alegações, com o respeito ao princípio da ampla defesa,

indissociável deste processo.

77

O próprio dispositivo citado vai além, pois assegura não só o direito à prova,

mas também a possibilidade de dobrar o limite do rol de testemunhas, à mercê do Juiz,

caso entenda ser pertinente.

Com isso, fica patente a clara intenção legislativa em assegurar que o devedor

disponha de meios eficazes e eficientes para provar as suas alegações, evitando-se, por

conseguinte, o enriquecimento sem causa e, pior, a injustiça oriunda de uma execução

lastreada por título cuja origem deu-se de forma ilegal ou equivocada.

Em suma, a certidão de dívida ativa, como título executivo extrajudicial causal,

poderá ser questionada na sua origem, garantindo-se ao devedor a possibilidade de

desincumbir-se do onus probandi decorrente da presunção relativa de legalidade dos

atos administrativos.

Nesse diapasão, Ronaldo Cunha Campos (1978, p.57) explicita: “Nos embargos,

atacado o título, vem à tona a relação obrigacional subjacente, e nesta ocasião os meios

de prova desta última cumprem sua função.”

Não se pode deixar de mencionar que a defesa do executado poderá envolver

aspectos formais ou matéria essencialmente de direito, situações que não envolvem o

presente estudo, mas que, mesmo nesses casos, há de se observar que o processo justo

estará sempre assegurado, como forma de frear a execução que se encontra inepta ao

fim pretendido ou de desconstituir de vez o título executivo.

É o que acrescentou com propriedade o citado autor:

Na medida em que o processo de execução inadmite defesa, em sentido estrito próprio, ou contestação, em sua estrutura, toda a matéria que poderia levar à sua extinção, inclusive aquelas de natureza estritamente processual (e. g., inépcia da inicial, incompetência absoluta) se levam ao juízo através dos EMBARGOS (CAMPOS, 1978, p. 185).

78

Em suma, as lições do mencionado doutrinador definem bem o escopo dos

embargos do devedor. Segundo o mesmo:

Destacaríamos os seguintes objetivos nos embargos:

a) – extinção do processo, como gênero, contendo duas espécies:

a1) – em virtude de vícios comuns a qualquer processo (e.g., inépcia da petição inicial);

a2) – em razão de vícios formais do título;

b) – extinção do processo através da declaração de inexistência da própria relação jurídica, subjacente, ou oposição de mérito (CAMPOS, 1978, p. 189 e 190).

A relação que deu origem ao título executivo é que se torna relevante e objeto

deste trabalho, na medida em que está buscando justificar a possibilidade ampla de uma

defesa de mérito, através da utilização dos meios de prova a demonstrar a “inexistência

da relação jurídica subjacente”.

Por isso que a sentença que julgar os embargos à execução fiscal, se procedente

o pedido do executado, quando atacar a relação jurídica formadora do título, importará

obrigatoriamente em anulação da dívida, com a concomitante desconstituição do título

executivo (certidão de dívida ativa), livrando-o do pagamento, ao passo que os vícios

formais do processo, quando atacados pelo pedido e uma vez reconhecidos, levarão à

extinção da execução, mas não à desconstituição da certidão de dívida ativa (v.g., caso

de ilegitimidade passiva, cujo resultado acarretará na extinção da execução, sem,

contudo, desconstituir o título executivo).

A nova competência da Justiça do Trabalho, ampliada pela Emenda

Constitucional n.º 45/04, abarcou no novo inciso VII do artigo 114, da CRF/88 as

execuções das penalidades aplicadas pelos fiscais trabalhistas, anteriormente

processadas pela Justiça Federal.

79

É que o artigo 109, inciso I, da Carta Magna atribuía a competência aos juízes

federais para processar e julgar: “as causas em que a União, entidade autárquica, ou

empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou

oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça

Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.

A nova redação incrementada ao novo inciso VII do artigo 114 da CRF/88, com

o advento da Emenda Constitucional n.º 45/04, assim ficou estabelecida: “Artigo 114:

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: VII – as ações relativas às

penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das

relações de trabalho”.

A alteração constitucional atribuiu, na verdade, tal competência para o ramo do

Judiciário melhor capacitado para exercê-la, na medida em que nada mais sensato e

lógico atribuir à própria Justiça Especializada em matéria laboral o poder de apreciar a

legalidade do ato administrativo, fruto da inspeção do trabalho e resolver os litígios daí

decorrentes.

Evitam-se, com isso, sobretudo, decisões conflitantes entre diferentes juízos

acerca da interpretação da norma trabalhista, tal como expressou Estêvão Mallet (2005,

p. 84):

Considere-se a hipótese de discussão a respeito da natureza remuneratória ou não de certa parcela concedida ao empregado. Autuada a empresa, por não ter recolhido o FGTS sobre o pagamento, poderia discutir, na Justiça Federal, a legitimidade de sua conduta, afirmando a natureza indenizatória da parcela. Demandada pelo empregado, para pagamento do FGTS sobre o mesmo pagamento, teria de defender-se na Justiça do Trabalho, concebendo-se que a Justiça Federal invalidasse a autuação e, ao mesmo tempo, fosse a reclamação julgada procedente pela Justiça do Trabalho. O pagamento feito ao empregado seria, a um só tempo, parcela remuneratória e não remuneratória, situação absurda e indesejável, cuja ocorrência cumpria evitar. Afinal, conforme o princípio da não-

80

contradição, é logicamente impossível “afirmar e negar ao mesmo tempo uma mesma coisa sob o mesmo aspecto”.

Nesse mesmo sentido, escreveu Otávio Brito Lopes (2005, p. 371):

Em sua faina diária, o auditor fiscal do trabalho é um intérprete da legislação trabalhista. Seus atos, entretanto, eram questionados perante a Justiça Federal, seja pela via do mandado de segurança, seja em embargos à execução fiscal, seja em ações declaratórias de inexigibilidade de débito. O acolhimento, ou não, das impugnações contra as multas e demais penalidades aplicadas necessariamente envolvia discussão acerca da interpretação da legislação trabalhista. Assim, existiam dois órgãos jurisdicionais diferentes interpretando a legislação trabalhista e, em alguns casos, até de maneira diversa; a Justiça Federal, ao analisar a legalidade das multas impostas aos empregadores pelos órgãos da fiscalização do trabalho e a Justiça do Trabalho, a julgar as reivindicações dos trabalhadores contra esses mesmos empregadores, o que causava um tumulto e um clima de insegurança jurídica totalmente contrários à estabilidade das relações sociais.

Desse modo, todas as ações hábeis a discutir a legalidade da multa

administrativa imposta pelos fiscais do trabalho serão ajuizadas perante a Justiça

Trabalhista, assim como as ações que permitam à União a cobrança da referida

penalidade.

O novo inciso VII do artigo 114 da CRF/88 não fez distinção de qualquer tipo

específico de ação. Tanto a execução fiscal quanto os embargos à execução fiscal serão

de competência da Justiça do Trabalho, desde que fundada em título executivo oriundo

das multas impostas pela fiscalização trabalhista (que têm por objeto as controvérsias

decorrentes da relação de emprego).

Esse entendimento é encontrado na lição de Marcos Neves Fava (2005, p. 353 e

354):

De inconsistência e temeridade ímpares constitui-se a hermenêutica de rejeição das execuções fiscais relacionadas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pela fiscalização das relações de trabalho. Desde logo, porque a competência para o gênero ‘ações’ induz, por corolário lógico, a de espécie ‘execução’. Aliás, o processo de

81

conhecimento, ressalvadas as tutelas meramente declaratórias, não se faz útil ou efetivo, sem a correspondente ação de execução. Ainda que assim não fosse, considerando-se o caráter instrumental das normas de competência, vinculadas que são à organização prática da jurisdição, de muito rasa lógica seria a distribuição da competência, de forma a exigir dos litigantes que se defendessem, ou postulassem, perante a Justiça do Trabalho, mas que, consolidada a obrigação de pagamento da dívida, aforassem – ou se defendessem – perante a Justiça Federal, durante a execução”.

Estevão Mallet (2005, p. 86), por sua vez, acrescentou:

A competência da Justiça do Trabalho, prevista no inciso VII, do art. 114, estende-se à impugnação, por meio de mandado de segurança ou ação anulatória, das autuações decorrentes de multas por infração às normas trabalhistas, bem como à cobrança de parcelas fiscais, previdenciárias e do FGTS. Mais uma vez a finalidade da nova hipótese de competência leva a afirmar-se que a própria execução fiscal das multas e dos valores deve ser feita perante a Justiça do Trabalho, admitindo-se discussão da legalidade do lançamento em embargos do executado. Não fosse assim, processando-se a execução perante a Justiça Federal, não haveria como impugnar o lançamento da Justiça do Trabalho.

Nesta mesma linha de raciocínio, expressou o Ministro do TST, Lélio Bentes

Correa (2005, p. 310):

O inciso VII do art. 114 comete à Justiça do Trabalho o processamento das “ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho”. Incluem-se, aí, não só as execuções fiscais, mas também as ações ou meios de impugnação assegurados ao devedor como forma de se opor à autuação injusta ou à execução que desborda dos limites da lei (embargos do devedor, exceção de pré-executividade e mandado de segurança, dentre outras).

Todavia, cumpre ressaltar que a transposição do regime da competência para o

ajuizamento da execução fiscal e, conseqüentemente, dos embargos do devedor, da

Justiça Federal à Justiça do Trabalho não afasta a incidência, nestes processos, da Lei

6.830/80 que regula especificamente o rito destas ações, justamente pelo caráter

especial da referida norma jurídica.

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Da mesma forma, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho editou a Instrução

Normativa n.° 27/2005, cuja redação do artigo 1º resguardou, de forma meramente

exemplificativa e não taxativa, representada pela expressão “tais como”, as ações

sujeitas a ritos especiais:

Artigo 1º: “As ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação Cautelar e Ação de Consignação em Pagamento”.

Marcos Neves Fava (2005, p. 356) assenta que:

Para as ações que já disponham de rito próprio, como as Execuções Fiscais (Lei n. 6.830) ou o Mandado de Segurança (1533), por evidente que seu procedimento deve ser observado, sempre com a restrição quanto ao sistema recursal, que decorre da adaptação dos modelos processuais comuns à Justiça do Trabalho, de há muito conhecida entre os operadores do direito do Trabalho. 23

Os Tribunais Regionais do Trabalho estão aplicando corretamente a legislação

específica das execuções fiscais, a exemplo do seguinte julgado:

Na execução fiscal, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos que julgar necessário no prazo dos embargos à execução, conforme art.16, parágrafo 2o., da Lei n. 6.830/80. O art. 17, parágrafo único, desse mesmo diploma legal, por sua vez, permite ao juiz julgar o processo sem a necessidade de dilação probatória, quando os embargos versarem sobre matéria de direito, ou, sendo de direito e de fato, a prova for exclusivamente documental.24

23 Interferência significativa ocorrida, entretanto, deu-se na sistemática dos recursos, os quais, segundo entendimento firmado pela Justiça Trabalhista, deverão obedecer às regras da CLT, conforme preconiza o artigo 2º da Instrução Normativa n.° 27/2005. 24 TRT 3ª Região; Processo n.º 00910-2006-043-03-00-8 AP, DJMG 26/09/2007, Página 12; 2ª T. Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça; Rev. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal.

83

Conclui-se que, mesmo com o processamento dessas ações na Justiça

Trabalhista, o seu rito especial será observado, não havendo interferência do direito à

ampla defesa do autor nos seus embargos à execução, sobretudo no que toca à

oportunidade ampla que lhe é conferida a buscar, por todos os meios lícitos de prova, a

verdade real dos fatos que originaram a autuação e a posterior inscrição da dívida.

Afinal, qualquer que seja a Instância Jurisdicional, ao Juiz sempre competirá a

busca da Justiça, assegurando não somente o seu caráter de perseguidor da verdade, mas

também a sua função de assegurar a preservação dos direitos e princípios fundamentais

inerentes a qualquer processo judicial.

Vale dizer, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, alicerces

do direito à prova, deverão ser sempre observados, esteja o feito na Justiça Federal,

esteja o feito na Justiça do Trabalho, porquanto são princípios constitucionais do

processo judicial.

A mudança da competência não causará e nem poderá causar influências

negativas no direito de prova do devedor, uma vez que as garantias processuais

constitucionais evidentemente permaneceram intactas e irremovíveis.

Ademais, qualquer que seja a esfera do Judiciário, ao juiz sempre caberá o dever

de perseguir a verdade para a formação do seu convencimento para a melhor aplicação

do direito ao caso concreto, utilizando-se, para tanto, de todos os meios lícitos de

prova.25

25 É o que acentuou o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, César P. S. Machado Júnior: “Por fim todos esses critérios indicam que a investigação probatória no processo do trabalho deve ser realizada plenamente, sem restrições que não estejam expressamente consignadas em texto legal, cujas normas devem ser aplicadas com a finalidade da efetivação da justiça, o que, inclusive, deve ser utilizado para a avaliação da prova produzida” (MACHADO JÚNIOR, 2001, p. 55).

84

6 CONCLUSÃO

Diante de tudo o que restou evidenciado no decorrer deste estudo, vários

aspectos deverão ser ressaltados sobre a questão.

Em primeiro momento, não se pode deixar de salientar o papel relevante que a

inspeção do trabalho exerce no país, sob o ponto de vista social, político e econômico.

A fiscalização do trabalho, sem sombra de dúvida, traz contribuições socio-

econômicas, na medida em que evita a ilegalidade trabalhista, sempre traduzida na

exploração do trabalhador, o lado economicamente mais fraco da relação de emprego.

Isto porque a proteção legal assegura uma série de direitos e garantias aos

trabalhadores. Direitos que se transformam em pecúnia aumentando a sua renda mensal

e direitos que os protegem do trabalho nocivo à saúde, preservando a sua integridade

física.

Com isso, o controle das condutas patronais pelos fiscais trabalhistas gera a

afirmação e a generalização, cada vez maiores, do Direito do Trabalho, contribuindo

para a erradicação da pobreza, um dos mandamentos da Constituição da República de

1988.

Aliás, o trabalho formal gera distribuição de renda e está intimamente

relacionado com o crescimento econômico do país. Fomenta o mercado de consumo,

beneficiando o comércio, o que certamente trará o aumento da circulação e da produção

de mercadorias das fábricas, que passarão a produzir mais e, conseqüentemente,

passarão a contratar mais.

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Do ponto de vista político, por sua vez, o trabalho exercido com observância das

normas trabalhistas, cumpre princípios e objetivos de extrema relevância alinhavados na

CRF/88.

A Carta Magna não somente busca a proteção dos direitos dos trabalhadores,

elevando-os à importante categoria de Direito Social Fundamental, mas também visa

cumprir o seu preceito de proteção ao livre trabalho e à dignidade humana.

Ademais, a inspeção do trabalho reafirma a atividade essencial do Estado como

garantidor do cumprimento das leis, legitimando a sua ação coercitiva através do seu

poder de polícia, enquanto agente incumbido em inibir qualquer conduta praticada pela

empresa, considerada nociva e prejudicial à classe hipossuficiente.

A competência para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho, como

visto, é da União Federal, por força do artigo 21, inciso XXIV da CRF/88, no uso das

atribuições próprias do Poder Executivo/Administrativo do Estado.

O princípio da separação e interdependência dos Poderes da União, por sua vez,

desempenha importante papel na preservação do Estado Democrático de Direito, na

medida em que se torna o meio de equilíbrio deste sistema político.

Isto porque, ao mesmo tempo em que não se nega a independência dos Poderes

no exercício de suas atribuições, admite-se também a possibilidade de revisão e controle

de suas condutas, como forma de desconcentrar sem cortar o elo harmônico que une os

três Poderes da União.

Justamente esse equilíbrio e essa harmonia entre os Poderes da União é que vão

possibilitar que o resultado obtido com a inspeção do trabalho realizada no ambiente

empresarial possa ser revisto, através do controle jurisdicional decorrente do exercício

do direito de ação, em face da proteção exposta na CRF/88 contra a lesão ou ameaça de

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lesão aos direitos e garantias do particular. Trata-se, aliás, de claro exemplo de

interferência do Poder Judiciário na atuação do Poder Executivo, sem representar abuso

de poder ou usurpação de competência.

Do mesmo modo, o Poder Legislativo delineia a atuação executiva e

administrativa do Estado, que somente poderá atuar nos exatos termos da lei, sempre em

observância ao princípio da reserva legal, traduzido no famoso preceito do artigo 5º,

inciso II, da CRF/88: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em

virtude de lei”.

Essa, aliás, a limitação do poder de polícia estatal. A lei norteia a ação dos

fiscais no ato da inspeção.

O controle jurisdicional, entretanto, somente se tornará efetivo se o Estado,

através do Poder Judiciário, possibilitar ao cidadão a utilização, por meio do processo

judicial, de meios aptos a desconstituir o ato do fiscal trabalhista caracterizado como

ilegal.

A efetivação desse controle jurisdicional dos atos administrativos decorre,

portanto, da observância das regras processuais oriundas dos princípios e garantias

constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Por isso que, de certa forma, a observância dessas regras contribui para garantir

o equilíbrio entre os Poderes da União, ao menos do Judiciário em relação aos atos do

Executivo, vez que de nada adiantaria um mandamento constitucional de proteção à

lesão ou à ameaça de lesão se o Estado-Juiz não oferecesse mecanismos idôneos para

sua efetivação.

Não se há de imaginar qualquer ato da Administração Púbica que não pudesse

ser judicialmente revisto, através do exercício do direito de ação.

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Tal idéia derrubaria o sistema de separação de poderes preconizado por

Montesquieu, afastaria a democracia e, sobretudo, o Estado de Direito, justamente

porque a inspeção trabalhista realiza-se exclusivamente sob os olhos e por meio da

atuação do Auditor-Fiscal do Trabalho, cuja conduta consiste em apurar no ambiente de

trabalho da empresa, o cumprimento das leis de proteção ao trabalhador.

A impossibilidade de qualquer controle jurisdicional de sua conduta conferiria

poder absoluto ao Poder Executivo, o que seria inaceitável.

É de concluir, portanto, que a inspeção trabalhista poderá ser suscetível de

constatações e interpretações equivocadas, passíveis de serem anuladas pelo Judiciário,

se devidamente provocado, a tempo e a modo.

Donde concluir-se que por meio da inspeção do trabalho, como fruto da

expressão fiscalizadora do cumprimento das normas do trabalho pelo Estado, no

exercício de sua função executiva, o fiscal trabalhista detém o poder de polícia, no

sentido de inibir o ato ilícito do trabalho. Entretanto, o controle judicial da legalidade

desses atos administrativos fiscalizatórios poderá ser sempre exercido, através do

manuseio de um processo judicial próprio, movido pelos interessados.

A CLT, tal como mencionado, reservou um capítulo para regular a atividade da

inspeção trabalhista e dos seus agentes, no seu título VII, “Do Processo de Multas

Administrativas”.

Trata-se de regras legais dirigidas à Administração Pública, definindo os limites

de atuação dos fiscais, mas que também regulam certas condutas dos particulares, no

decorrer da fiscalização, sempre inseridos numa relação de trabalho.

A multa administrativa é penalidade prevista em lei, aplicável ao particular

infrator das normas de proteção do trabalhador. Decorre, pois, de um ato ilícito

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trabalhista ocorrido e tem o caráter não somente punitivo, mas também pedagógico e

repressivo, no sentido de evitar uma reincidência ou um novo e distinto ilícito.

Embora a sua execução seja efetivada com base na Lei 6.830/80 que regula as

execuções fiscais, a multa administrativa trabalhista não se confunde com parcelas de

natureza fiscal, no sentido amplo, ou tributária no estrito sentido.

Referida lei apenas equiparou a multa administrativa às parcelas de natureza

tributária ou fiscal para efeitos de utilização do rito especial para a sua cobrança

judicial, o que não implica identidade entre a natureza das parcelas a serem executadas

por essa via processual.

A cobrança judicial das multas administrativas far-se-á, portanto, observando o

rito da Lei 6.830/80 e o devedor, sujeito passivo alvo da multa, poderá utilizar-se dos

embargos à execução como forma de se defender, provocando o controle jurisdicional

do Estado.

Para tanto, no processo judicial, terá o devedor todos os meios de prova,

considerados lícitos, para demonstrar a ilegalidade porventura cometida pelo fiscal do

trabalho.

O seu direito de produzir a prova para demonstrar que não ocorreram os fatos

que levaram à aplicação da multa decorre dos princípios fundamentais do processo,

traduzidos no devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Também decorre do seu direito cívico de ação e do princípio da inafastabilidade

do controle jurisdicional, porquanto não se admite o direito de agir se o processo não

oferecer amplos mecanismos para que a parte demonstre a prova de suas alegações.

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Qualquer inibição ilegal do direito de produzir a prova dos fatos que servem de

base a sua pretensão deduzida em juízo derrubará todo o alicerce construído sob o

prisma de um Estado Democrático de Direito.

O processo justo e democrático assegura a preservação e a busca da paz social,

fortalece o sistema jurídico e atribui ao particular a condição de fiscal de sua própria

liberdade e a de seus bens, em face da possibilidade de provocar o controle

jurisdicional.

A presunção de legalidade dos atos da administração pública não inibe o

exercício do direito de prova do devedor, no âmbito de seus embargos.

Ao revés, justamente por ser a presunção de legalidade relativa, caberá ao

devedor a difícil missão de demonstrar cabalmente os fatos que levariam à elisão da

multa executada.

Importante salientar que a edição da Emenda Constitucional n. 45/04 ampliou a

competência da Justiça do Trabalho para executar as multas impostas pelos fiscais

trabalhistas.

Nesse sentido, todas as execuções forçadas, que antes deveriam tramitar na

Justiça Federal, passaram a correr perante a Justiça Especializada.

Todavia, essa mudança na competência de tramitação da execução do ato ilícito

trabalhista não afetará o direito de defesa do devedor, ao utilizar-se dos embargos à

execução e tampouco afetará o rito procedimental da Lei 6.830/80.

Isto porque o direito de defesa, assim como o direito à prova, é inerente a

qualquer processo e independe da esfera judicial em que esteja tramitando. Seja no juízo

cível, penal, especial ou de família, caberá sempre ao Juiz da causa velar pela higidez

processual, assegurando o cumprimento dos seus princípios e institutos, sempre com o

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intuito de buscar a verdade real, a efetivação das suas medidas e a proximidade com os

ideais de Justiça!

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