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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Luis Henrique Soares Gatto MATO GROSSO E SUAS AÇÕES NO CENÁRIO INTERNACIONAL (1995-2010) DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS PUC/ São Paulo-SP 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Luis Henrique Soares Gatto

MATO GROSSO E SUAS AÇÕES NO CENÁRIO INTERNACIONAL

(1995-2010)

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

PUC/ São Paulo-SP

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Luis Henrique Soares Gatto

MATO GROSSO E SUAS AÇÕES NO CENÁRIO INTERNACIONAL

(1995-2010)

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, sob orientação do Prof. Doutor Henrique Altemani de Oliveira.

PUC/ São Paulo-SP

2012

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FOLHA DE APROVAÇÃO:

Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

À Priscila que sempre esteve ao meu lado; e que durante o período de elaboração desta Tese, foi minha namorada, noiva e esposa. Como se não bastasse a sua luta diária para me ensinar a aproveitar o momento, ainda me deu de presente Maria Clara e Marco Antônio, completando assim a nossa família. Aos meus Pais que me deram toda a base da minha formação e patrocinaram, em todos os aspectos, o meu sonho. Aos meus irmãos, que mesmo distantes dividiram este sonho comigo. À Tia Rosa e ao Tio Jairo, todo o meu reconhecimento e agradecimento por preencherem de forma maravilhosa o tempo dos meus filhos. Ao Altemani, meu orientador, que me acompanha desde o mestrado e sempre cumpriu o seu papel de forma bastante transparente e objetiva.

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RESUMO

O acentuado processo de globalização no Pós-Guerra Fria, aliado a uma presença brasileira mais intensa no comércio internacional, propiciou às unidades federativas (estados ou municípios) significativa ampliação de seus processos de inserção internacional. Em decorrência desse fenômeno, algumas abordagens teóricas em Relações Internacionais aventam a hipótese de que as unidades federativas adquiriram maior autonomia para atuação externa. A presente Tese concentra-se na análise das ações internacionais do Estado de Mato Grosso (MT) a partir da realidade de ser uma das unidades da federação que mais exportam; pela ausência de bibliografia que analise as suas ações externas e pelo fato de fazer fronteira com a Bolívia, situação que proporciona diversas trocas de experiências. Dessa forma, pretende-se refletir sobre a existência de autonomia para um ente da federação elaborar as suas ações externas; até onde essa autonomia vai; e, dentro desta perspectiva, como Mato Grosso se posiciona em relação a sua inserção no cenário internacional e como empreende essa busca. Palavras-chave: Relações Internacionais, Diplomacia Federativa, Paradiplomacia, Mato Grosso.

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ABSTRACT

The accentuated globalization process post Cold War, associate with a stronger Brazilian presence in international trade, propitiate to the Federation Units (states or counties) significant expansion of its international integration processes. Due this phenomenon some theoretical approaches in International Relations suggest the hypothesis that the federal units have acquired greater autonomy for external action. This thesis focuses on the analysis of the international actions of the State of Mato Grosso (MT) from the reality that being one of the Federation Units leading export; the absence of literature analyzing their external actions and by the fact bordering with Bolivia, a situation that provides several exchanges’ experiences. Thus, we intend to reflect about the existence of autonomy to a Federation’s entity prepare their external actions, whither this autonomy will, and, within this perspective, such Mato Grosso is positioned in relation to their integration into the international scene and to engage this quest. Keywords: International Relations, Federative Diplomacy, Paradipolomacy, Mato

Grosso.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 7

CAPÍTULO 1 – A diplomacia federativa como um novo paradigma............... . 18

1.1 Globalização e soberania ........................................................................................................ .19

1.2 Ações externas federativas ..................................................................................................... .34

1.3 Ações externas – questões jurídicas........................................................................................ .52

1.4 Ações externas federativas – A AFEPA .................................................................................... .70

CAPÍTULO 2 – Os planos de governo nas ideias.............................................. .79

2.1 Os planos de governo Dante de Oliveira e Rogério Salles

(1995 a 06-04-2002 / 06-04-2002 a 31-12-2002) .................................................................... .80

2.2 Os planos de governo Blario Maggi e Silval Barbosa

(1-1-2003 a 30-03-2010 / 31-03-2010 a 31-12-2010) ............................................................. .96

CAPÍTULO 3 – Reflexões sobre os planos de governo .................................. .109

CAPÍTULO 4 – Integração: a fronteira com a Bolívia e o centro oeste sul-

americano ...................................................................................................... 156

CONCLUSÃO ................................................................................................... 195

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 210

ANEXOS.......................................................................................................... 220

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INTRODUÇÃO

É ponto pacífico que, no mundo atual, cada vez mais governos

subnacionais, sejam municípios ou unidades federadas – no caso brasileiro,

participam do cenário internacional, entre outras razões, para defender os seus

interesses. A maior intensificação das ações desses novos atores dentro do contexto

internacional ocorreu, em grande medida, no período do pós Guerra Fria, por

diversas razões que veremos adiante. Uma delas, sem dúvida, foi o fato de a

agenda internacional deixar de ser pautada, principalmente, pelas questões de

segurança.

Assim, com o fim da União Soviética (1991) e também com a queda do Muro

de Berlim (1989), o liberalismo econômico encontrou um terreno fértil para se

propagar como ideologia mais acertada, por diversos países:

Assim, com a vitória, de forma pacífica, dos Estados Unidos sobre a União Soviética e com o fim da guerra fria, propagou-se a esperança de que os valores do liberalismo, vinculando democracia e mercado, tendiam a uma irreversível universalização, com a possibilidade de estabelecimento de uma paz mais duradoura e que os recursos econômicos, anteriormente destinados à produção de armas, seriam direcionados aos processos de desenvolvimento econômico e social. Enfim, a tendência agora seria de cooperação entre os países e não de conflitos (OLIVEIRA, 2006, p. VIII).

O fato é que, desde então, um novo cenário se apresentou e novas

possibilidades e desafios foram colocados, pelo que se convencionou chamar de

globalização, conceito que abordaremos no próximo capítulo. Com ela se

apresentou um debate internacional mais voltado para as questões econômicas;

muitos Estados passaram a defender o livre comércio internacional, sem a

imposição de barreiras tarifárias. Alguns estudiosos chegaram a acreditar em um

mundo totalmente pacífico e regido por regras aceitas por todos.

A queda do Muro de Berlim, em 1989, e a dissolução de União Soviética, dois anos depois, marcaram um ponto de inflexão na história mundial contemporânea. Pessoas dos mais variados pontos do mundo se perguntavam como era possível a ordem bipolar da guerra fria desaparecer de forma tão rápida e relativamente pacífica. Alguns analistas se apressaram em identificar uma nova etapa da história da humanidade, que seria caracterizada, no plano político, pelo fortalecimento dos regimes democráticos e pelo primado do direito internacional, e, no plano econômico, pela economia de mercado. Parecia surgir no horizonte o que

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poderíamos denominar “paz Kantiana”, um mundo regido por regras construídas e aceitas por todos (VIDIGAL, 2006, p. 1).

Frente à globalização, ao liberalismo econômico e a outras transformações

como a tecnológica, por exemplo, os governos subnacionais se viram obrigados, em

muitos casos, a buscar o cenário externo para enfrentar os desafios deste novo

contexto e também para buscar desenvolvimento para as suas regiões.

Esses novos desafios também impuseram aos subnacionais uma nova

realidade na forma de se relacionarem internamente com o governo central, uma vez

que, para poder defender os seus interesses, se viram obrigados a buscar uma

maior interferência na elaboração da política externa do país.

A partir dos anos 90, porém, a aceleração do processo de globalização e o consequente acirramento da competição internacional, ao mesmo tempo em que impulsionam o avanço dos processos de integração regional, alteram os papéis dos governos nacionais e subnacionais, obrigando os gestores públicos, em todas as instâncias, a incluir esse tema em suas agendas, sob pena de exclusão dos fluxos de comércio e de capital. Nesse sentido, os governos subnacionais vêem-se impelidos a desenvolver estratégias para viabilizar a sua participação pró-ativa nesse processo, em busca de uma posição protagônica. Este aspecto constitui a segunda consideração (...), caracterizada pelo reconhecimento de que o atual papel atribuído aos governos nacionais não lhes assegura monopólio de ação na área internacional nem lhes outorga o direito de serem os únicos orientadores das ações dos governos subnacionais (BARRETO, 2001, p. 13-14).

Esse movimento, chamado por alguns de paradiplomacia, vem ganhando

cada vez mais espaço e adeptos no cenário externo. O que provoca um aumento de

atores internacionais e também gera a necessidade de se regulamentar tais ações,

principalmente no Brasil.

Inúmeros são os países que admitem esta prática, que traduz a crescente multiplicidade das instâncias e dos atores que, na atualidade, atuam no campo internacional. Acrescem a este tema os pactos firmados pelas unidades da Federação – estados, municípios e o Distrito Federal – com entidades similares no exterior. À atuação internacional dessas subunidades convencionou-se chamar paradiplomacia, fenômeno amplamente regulamentado nos países industriais avançados, que ostenta graus elevadíssimos de institucionalização na Europa e na Ásia, e que se verifica amiúde também no continente africano (LESSA, 2007a, p. 421).

Segundo Lessa (2007b), o termo paradiplomacia é utilizado de forma casual

desde o início dos anos 80, mas foi alçada ao debate acadêmico em 1990 por

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Panayotis Soldatos, para designar as atividades diplomáticas desenvolvidas entre

unidades políticas não centrais situadas em diferentes países.

No Brasil, o termo adotado pelo Itamaraty para designar as ações externas

dos entes federados é diplomacia federativa. Como destaca Brigagão (2005):

O fenômeno das relações internacionais federativas, entes descentralizados (ou governos subnacionais conforme terminologia que varia muito) atinge diversos países, mesmo aqueles cuja forma de Estado não é federal. Internacionalmente, denomina-se paradiplomacia essa possibilidade de Estados-membros, províncias, regiões e cidades formular e executar uma política externa própria, com ou sem o auxílio da União. No Brasil, Estados e Municípios, como entidades federativas autônomas, formulam e executam, cada vez mais, o que o Itamaraty passou a denominar diplomacia federativa, expressão que busca assimilar esse movimento descentralizado como uma derivação da própria diplomacia da União. Noutra perspectiva, mais próxima dos governos subnacionais, o fenômeno pode ser denominado também de política externa federativa (BRIGADÃO, 2005, p. 19).

Considerando a realidade brasileira, em 1997, a Assessoria de Relações

Federativas (ARF) foi criada pelo Itamaraty, posteriormente denominada de

Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA):

Por determinação do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Itamaraty criou, em 1997, a Assessoria de Relações Federativas (ARF), junto ao gabinete do Ministro das Relações Exteriores com o propósito de incentivar a aproximação com os Estados e Municípios, valendo-se de escritórios regionais, que atuariam como se fossem ‘Embaixadas Federativas’ dentro do próprio País, para atender às novas demandas e somar-se ao que oficialmente passou a ser denominada pelo governo federal a diplomacia federativa. Com o governo de Luis Inácio Lula da Silva, a ARF foi transformada em Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA) e a Presidência da República criou a Subchefia de Assuntos Federativos, que passou a coordenar as ações do Executivo visando dar um novo perfil, mais cooperativo, às relações entre a União, os Estados e Municípios, incluindo o tema das relações internacionais (BRIGADÃO, 2005, p. 21).

Sobre a criação da ARF Barreto (2001), citando o decreto 2246/97, que a

institui, lembra que ela tem o objetivo de fazer a relação do Ministério das Relações

Exteriores “com os Governos dos Estados e Municípios brasileiros, com o objetivo

de assessorá-los em suas iniciativas externas, tratativas com Governos estrangeiros,

organismos internacionais e organizações não governamentais” (p. 23).

Segundo a autora a criação da ARF foi para permitir aos poderes públicos

locais uma interlocução direta e específica com a Chancelaria, com o objetivo de

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incentivar, apoiar e orientar as ações internacionais deles, sempre respeitando os

limites constitucionais.

É dentro deste contexto que a presente tese se insere. Ela tem por objetivo

geral analisar as ações internacionais do estado de Mato Grosso (MT) no período

entre os anos de 1995-2010. Partindo da seguinte hipótese: MT, como unidade

federada, teria despertado para implementação de ações externas, buscando uma

maior inserção internacional, defendendo seus interesses e sem interferência do

governo central? Essa hipótese se sustenta, ao menos inicialmente, com base na

vertente teórica que aponta para uma autonomia dos governos não centrais no que

diz respeito às ações externas.

Assim podemos dizer que temos como objetivo específico verificar como

Mato Grosso vem promovendo os seus interesses no cenário externo. Para tanto,

será necessário estudarmos o comportamento dos governos subnacionais frente à

elaboração da política externa do país e também qual a margem de manobra deles.

Neste sentido, é importante perceber como as unidades federadas vêm se

comportando externamente, bem como diagnosticar qual a margem para as suas

manobras nos assuntos externos.

Entendemos que fazendo esse estudo poderemos checar, inclusive, se MT

tem mesmo ações internacionais ou se apenas segue orientações e políticas do

Governo Federal.

Em que pese parecer ser o período estudado bastante longo e o tema muito

extenso, veremos que a nossa pretensão não é tão ampla que não possa ser

estudada. Primeiro porque detectamos não serem muitas as ações externas; e,

segundo, por terem sido apenas dois1 os governadores eleitos em todo o período

que estudamos, o que nos permite afirmar que não houve grandes mudanças na

forma de pensar o contexto externo. Essa afirmação se confirma quando analisamos

os Planos de Governo e também os Planos Plurianuais referentes ao período

estudado.

A escolha do estado de Mato Grosso não se deu ao acaso, ela se justifica

principalmente por: a) fazer fronteira com a Bolívia; b) se tratar de uma das unidades

da federação que mais exporta, tendo com isso um grande peso na balança

1 Veremos neste mesmo capítulo mais adiante que, em determinado momento, os Vice-Governadores assumiram

o governo do estado, mas apenas deram continuidade às ações já planejadas, não provocando, desta forma,

impacto nas ações dos antigos titulares.

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comercial brasileira; e c) pela ausência de bibliografia que analise as suas ações

externas levando em consideração aspectos não só econômicos mas também

políticos.

Veremos, no decorrer do trabalho, que a fronteira com a Bolívia possui um

movimento intenso, que obriga Mato Grosso, em muitas situações, a tratar dos mais

variados assuntos diretamente com o governo boliviano ou com os representantes

dos departamentos, sem necessariamente passar por órgãos do governo federal

brasileiro. Essas ações são justificadas pelas autoridades mato-grossenses com

base na falta de celeridade do governo federal, que muitas vezes não consegue

atender às demandas, muitas vezes particulares, que envolvem ambas as regiões.

Constatamos que os assuntos tratados entre Bolívia e Mato Grosso são os mais

variados e abarcaram questões que vão desde energia, segurança, vigilância

sanitária, turismo até o comércio bilateral.

Outro ponto importante que foi considerado é o grande fluxo de comércio

internacional existente no estado. Como se sabe, em 2005, Mato Grosso foi o

estado que mais exportou grãos no Brasil e, desde então, se mantém na segunda

colocação entre as unidades da federação que mais exportam grãos. Ocupa

atualmente o 7° lugar entre os estados que mais exportam no Brasil. Figura entre os

maiores produtores de carne, soja, arroz, milho, algodão e outras commodities, tem

também, desde 2004, o maior rebanho de bovinos do Brasil2. Desta forma, atrai para

si grandes empresas multinacionais que realizam diversos investimentos no

agronegócio. Entendemos que, principalmente pela posição de destaque nas

exportações brasileiras, as ações externas do estado passaram a ter uma

importância anteriormente nunca alcançada. Essa grande movimentação

internacional colocou MT em destaque no mundo como sendo o “celeiro” do Brasil.

Importante ressaltar também a dimensão ambiental do estado, que tem parte

do seu território na Amazônia Legal e no Pantanal – dois ecossistemas que chamam

a atenção de ONG´s e indústrias do mundo todo que enviam seus representantes

para estudar e até mesmo fiscalizar as reservas naturais do estado.

Diante dos pontos elencados acima, a escassez de bibliografa e estudos

sobre a região, no que diz respeito a ações internacionais, saltam aos olhos. O que

2 Dados da Federação das Indústrias de Mato Grosso (FIEMT), referente ao ano de 2008. Disponível em:

<http://www.fiemt.com.br/ns/mostra.php?noticia=1791>. Acesso em: 25 mar. 2009. Ver também:

<http://www.indicador.seplan.mt.gov.br/mtemnumeros2010/pdf/aspectoseconomicos.pdf>. Acesso em: 13 jul.

2011.

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encontramos em algumas situações são trabalhos que trazem principalmente o

ponto de vista econômico das exportações, sem, contudo, comentar questões

ligadas à política e tomada de decisões.

O momento histórico abarcou a administração de quatro governadores, a

saber: Dante de Oliveira (1995-2002), Rogério Sales (6/4/2002 - 31/12/2002), Blairo

Maggi (2003-2010) e Silval Barbosa (31/03/2010 - 31/12/2010). Cabe ressalvar

que, tanto Rogério Sales como Silval Barbosa assumiram o governo do estado

apenas por um período curto de tempo, em função dos governadores eleitos, Dante

de Oliveira e Blairo Maggi, disputarem as eleições para o senado; apenas como

registro, o primeiro saiu derrotado nas urnas e o segundo conseguiu se eleger.

Neste sentido percebemos que os dois vices apenas deram continuidade às ações

que já estavam em andamento, sem terem uma autonomia para a implementação de

novas ações externas.

O presente trabalho esta dividido em seis partes denominadas da seguinte

maneira: Introdução; capítulo 1 – Diplomacia Federativa como um novo Paradigma,

capítulo 2 - Os planos de governo no mundo das ideias; capítulo 3 - Os planos de

governo no mundo real; capítulo 4 – Integração: a fronteira com a Bolívia e o Centro

Oeste Sul Americano; Conclusão.

Em linhas gerais, o capítulo 1 traz à tona a discussão sobre o conceito de

diplomacia federativa e política externa federativa. Para tanto faz o debate acerca de

temas que influenciam na elaboração dos conceitos dentre os quais a globalização,

o federalismo e a soberania dos Estados Nação. Todos foram tratados de forma

conjunta para que se pudesse chegar a uma análise mais completa sobre as ações

internacionais dos governos subnacionais. No referido capítulo está clara também a

posição deste pesquisador no sentido de afirmar que o Estado Nação ainda é o

principal ator no contexto externo, assim, o que estamos destacando é que dentro

deste contexto começam a aparecer novos atores.

O capítulo 1 contempla ainda algumas questões jurídicas relacionadas ao

tema, diplomacia federativa e também o relato e uma abordagem analítica sobre os

Escritórios de Representação que o Itamaraty mantém em algumas unidades da

federação, bem como, um debate sobre o papel da Assessoria Especial de Assuntos

Federativos e Parlamentares ligada ao Itamaraty.

O capítulo 2 tem o foco nas situações que foram planejadas e idealizadas

pelos governadores, em termos de ações externas, durante o período estudado. O

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capítulo tem como base os Planos de Governo que foram apresentados para a

população pelos candidatos vencedores, como sendo o que eles iriam implementar

se eleitos fossem; e também os Planos Plurianuais (PPAs), documento que mostra

as metas, objetivos e diretrizes da administração pública, por parte do Executivo.

No referido capítulo abordamos principalmente os documentos

mencionados, uma vez que entendemos que ambos demonstram o compromisso

dos governantes para com a população; eles também nos permitem perceber o que

foi planejado, mas não implementado, em nível de ações externas. Importante

mencionar a utilização de jornais, artigos e livros de autores que debateram o

assunto.

O capítulo 3 complementa o anterior na medida em que promove uma

análise dos Planos de Governo e PPAs. Para tanto foram feitas entrevistas com

agentes políticos que estiveram envolvidos diretamente em alguns dos episódios

aqui estudados.

Com esta dinâmica a ideia foi fazer com que tivéssemos o maior número de

informações disponíveis para análise; bem como promover uma complementação

das informações evitando, assim, uma análise parcial.

Por fim, o capítulo 4, baseado principalmente em entrevistas, contempla a

questão da Integração, particularmente os assuntos relacionados à fronteira de MT e

à Bolívia, bem como à ideia do Centro Oeste Sul-americano. A opção por se abordar

ambos os assuntos em capítulo específico deve-se ao fato de que eles são

mencionados constantemente ao longo do período estudado, como sendo o foco

mais comum das ações internacionais de MT.

Sobre a questão metodológica alguns esclarecimentos devem ser feitos.

Para atingir o objetivo do presente trabalho, qual seja, analisar as ações

internacionais do estado de Mato Grosso (MT) no período entre os anos de 1995-

2010, fizemos a opção por uma análise qualitativa e também pela realização de

algumas entrevistas. Neste sentido, podemos dizer que o nosso estudo tem como

base a reflexão feita por meio de textos e leva em consideração aspectos estruturais

e conjunturais do momento estudado. Destaca também a importância de aspectos

cognitivos como, valores, crenças e ideias, que sempre influenciam as percepções e

decisões dos agentes políticos e econômicos.

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Entendemos que, dessa forma, pudemos realizar uma análise que levasse

em consideração "as relações entre pensamento e ação política’’ (BARRETO, 1977,

p. 16), estas sempre relacionadas aos Homens de Estado3.

Afirmamos ser qualitativa a pesquisa na medida em que muito das

informações obtidas não puderam ser quantificadas, por serem parte de ações e

pensamentos políticos dos Homens de Estado. Neste sentido, a opção pela

metodologia qualitativa foi a mais acertada, por ser propícia para abordar assuntos

que permeiam o universo de valores, crenças e percepções. Desta forma

conseguimos apreender o significado de muitas posições e ideias das ações

governamentais.

Nos dizeres de Minayo (2007):

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. O universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das relações, das representações e da intencionalidade e é o objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e indicadores quantitativos (MINAYO, 2007, p. 21).

Quanto à utilização de entrevistas no presente trabalho, afirmamos que foi

de extrema importância. Elas foram um complemento para atingirmos a completude

da análise qualitativa e para a obtenção de informações que não estavam expressas

nos documentos analisados. As entrevistas ajudaram-nos ainda a compreender de

forma clara o espírito que permeou o planejamento e as tomadas de decisões.

No entendimento de Cervo e Bervian (1996):

A entrevista tornou-se, nos últimos anos, um instrumento do qual se servem constantemente os pesquisadores em ciências sociais e psicológicas. Recorrem estes à entrevista sempre que têm necessidade de obter dados que não podem ser encontrados em registros e fontes documentais e que podem ser fornecidos por certas pessoas. Esses dados serão utilizados

3 Aqui entendemos por Homens de Estado não somente a figura do Chefe de Estado/Governador, representante

da nação/ unidade da federação, mas todo aquele que, de certa forma, influencia na tomada de suas decisões,

participando direta ou indiretamente do seu governo. É aquele que faz com que suas ideias possam interferir nos

rumos da nação/unidade federativa, dessa forma, ele pode ser desde um diplomata, passando por um

ministro/secretário, ou até um intelectual que não ocupe nenhum cargo no governo.

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tanto para o estudo de “fatos” como de casos ou de opiniões (CERVO; BERVIAN, 1996, p. 136).

Dentro de uma análise qualitativa, entendemos que as entrevistas feitas nos

deram uma maior compreensão dos fatos, bem como uma determinação dos

sentimentos que faziam parte do momento histórico estudado. Pudemos, assim,

descobrir planos de ação que efetivamente não foram implementados, mas

pensados, o que nos ajudou a compreender de forma mais ampla uma determinada

situação de ação ou omissão.

Assim, as entrevistas nos proporcionaram algumas vantagens, dentre as

quais citamos:

(...) maior oportunidade para avaliar atitudes, condutas, podendo o entrevistado ser observado naquilo que diz e como diz: registro de reações e gestos; (...) oportunidade para a obtenção de dados que não se encontram em fontes documentais e que sejam relevantes e significativos; (...) possibilidade de conseguir informações mais precisas, podendo ser comprovadas, de imediato, as discordâncias (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 181).

Para Minayo (2007), a entrevista pode ser vista como uma técnica

privilegiada de comunicação. “Ela tem o objetivo de construir informações

pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas

igualmente pertinentes com vistas a este objetivo” (p. 64).

A mesma autora tem a seguinte classificação para as entrevistas, que

segundo ela, são conversas com finalidade e se caracterizam pela sua forma de

organização:

(a) Sondagem de opinião (...); (b) Semi estruturada (...); (c) Aberta ou em profundidade, em que o informante é convidado a falar livremente sobre um tema e as perguntas do investigador, quando são feitas, buscam dar mais profundidade às reflexões; (d) Focalizada (...); (e) Projetiva (...) (MINAYO, 2007, p. 64-65).

Dentro da classificação apresentada, entendemos que as entrevistas feitas

aqui, foram abertas uma vez que não houve em momento algum um roteiro de

questões fixas que devessem ser respondidas pelos entrevistados. A abordagem

deu-se, a todo o momento, proporcionando liberdade para os interlocutores falarem

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abertamente sobre as ações internacionais do estado de MT no período estudado

que entendessem ser relevantes.

Minayo faz também a relação da realização de entrevistas com a

investigação qualitativa. Para ela, o fornecimento de dados primários, que são

objetos principais das pesquisas qualitativas, podem ser obtidos e construídos por

meio do diálogo. Tais dados, que são subjetivos, fazem parte da realidade dos

entrevistados e são formados por suas crenças, ideias, opiniões e maneira de

pensar. Nesse sentido vejamos a passagem abaixo:

A entrevista como fonte de informação pode nos fornecer dados secundários e primários de duas naturezas: (a) os primeiros dizem respeito aos fatos que o pesquisador poderia conseguir por meio de outras fontes como censos, estatísticas, registros civis, documentos, atestados de óbito e outros; (b) os segundos - que são objetos principais da investigação qualitativa – referem-se a informações diretamente construídas no diálogo com o indivíduo entrevistado e tratam da reflexão do próprio sujeito sobre a realidade que vivencia. Os cientistas sociais costumam denominar esses últimos de dados “subjetivos”, pois só podem ser conseguidos com a contribuição da pessoa. Constituem uma representação da realidade: ideias, crenças, maneira de pensar; opiniões, sentimentos, maneiras de sentir; maneiras de atuar; condutas; projeções para o futuro; razões conscientes ou inconscientes de determinadas atitudes e comportamentos (MINAYO, 2007, p. 65).

A utilização de entrevistas vai ao encontro da metodologia qualitativa, uma

vez que se apresenta como forma privilegiada de interação social e está sujeita à

mesma dinâmica das relações existentes na própria sociedade (MINAYO, 2007).

Desta maneira, da mesma forma como o método qualitativo, que se debruça sobre a

realidade e contexto em que a pesquisa é feita, a entrevista, quando analisada,

“precisa incorporar o contexto de sua produção e, sempre que possível, ser

acompanhada e complementada por informações provenientes de observação

participante” (p. 66). Minayo (2007) conclui da seguinte maneira as suas

considerações sobre a entrevista: “Desta forma, além da fala que é seu material

primordial, o investigado qualitativista terá em mãos elementos de relações, práticas,

cumplicidades, omissões e imponderáveis que pontuam o cotidiano” (p. 66).

Vale destacar também que as entrevistas foram feitas não só com os

agentes públicos, mas também com pesquisadores e membros da academia, que de

alguma forma contribuíram para a formulação ou implementação das ações externas

de MT.

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Nesta etapa de discussões metodológicas cabe ainda uma observação.

Como dito acima, o objetivo geral é analisar as ações internacionais do estado de

MT no período de 1995-2010. Como objetivos específicos temos a busca pela

resposta de três questionamentos: a) Mato Grosso vem promovendo ações no

cenário externo e defendendo os seus interesses à revelia do governo central? b)

Qual o comportamento dos governos subnacionais frente à elaboração da política

externa do governo central? c) E por fim, detectar se Mato Grosso tem ações

externas ou apenas segue orientações do governo federal?

Para a formulação de tais objetivos partimos da seguinte hipótese: tendo por

base as vertentes teóricas que apontam a ideia de uma autonomia das unidades

federadas no âmbito internacional, para nós, neste momento, Diplomacia Federativa,

o estado de Mato Grosso teria despertado para o cenário internacional passando a

realizar diversas ações no âmbito externo, buscando, uma maior inserção naquele

contexto e defendendo seus interesses; sem que, para isso, contasse com real

apoio do governo federal?

Assim, buscou-se, com base no estudo deste caso específico, refletir até

que ponto MT foi capaz de se posicionar (interna e externamente) para defender

seus interesses; se conseguiu idealizar e implementar suas ações externas, bem

como a sua autonomia para se relacionar com o exterior, não só com empresas

privadas, ONG´s, organizações internacionais, mas também com outros Estados.

Cabe completar os argumentos da justificativa com a ideia de que a

experiência pessoal deste pesquisador também influenciou na escolha deste estudo

de caso; uma vez que, vivendo em Mato Grosso e acompanhado a maior parte do

noticiário social, político e econômico local percebi que, durante a década de

noventa, as transformações no cenário internacional foram se tornando pauta da

política mato-grossense, mesmo que aparentemente as análises e avaliações não

ultrapassassem o nível dos discursos políticos retóricos, servindo apenas para a

exposição de problemas. Lembrando Lakatos e Marconi (1991, p. 135): “A maneira

particular pela qual o indivíduo reage aos fatos, à cultura em que vive, à ciência, ao

quadro de referência de outras ciências e às observações constitui também fontes

de novas hipóteses”.

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Capítulo 1 – A DIPLOMACIA FEDERATIVA COMO UM NOVO

PARADIGMA

Neste capítulo nos propomos a conceituar e detalhar a concepção teórica da

ideia de diplomacia federativa. Para tanto, importante se faz abordar temas afins que

influenciam diretamente na elaboração de tal conceito. Assim, antes de adentrar

especificamente ao tema, falaremos também sobre a globalização, o federalismo e a

soberania dos Estados Nação. Entendemos que todos devem ser tratados de forma

conjunta para podermos chegar a uma análise mais completa sobre as ações

internacionais dos entes federados, no nosso caso, de Mato Grosso.

Assim acreditamos também ser possível mostrar que, diferente de alguns

autores que veremos abaixo, a diplomacia federativa ou as ações internacionais das

unidades federadas não indicam uma queda no protagonismo do Estado Nação nas

relações internacionais, que continua sendo o ator mais importante no cenário

externo.

O objetivo do presente capítulo não é defender uma ou outra concepção

teórica, que acredita, ou não, no fim do protagonismo do Estado Nação, este debate

será feito, mas como forma de ajudar a compreender os movimentos externos dos

entes federados. O que destacamos é o fato de existir, dentro do cenário externo,

vários atores que coexistem, sendo que o principal é o Estado Nação, detentor

legítimo4 de poderes para representar seus cidadãos nas relações internacionais.

Veremos abaixo, não as diferentes correntes teóricas das relações

internacionais e suas análises sobre as várias possibilidades de se interpretar a

realidade e os acontecimentos externos, mas sim a versão de cientistas sociais,

economistas, historiadores e outros estudiosos abordando os temas mencionados

acima, dentro de uma perspectiva histórica e analítica, demonstrando suas

percepções sobre as grandes transformações mundiais e seus impactos. É nesse

cenário de grandes mudanças e incertezas que está sendo construída a ideia e o

conceito de diplomacia federativa.

4 Entendemos que a legitimidade do Estado Nação pode ser comprovada ao menos de duas maneiras. A primeira

internamente, por meio do reconhecimento da Constituição Federal (no caso brasileiro) e a segunda

externamente, pelo reconhecimento dos organismos internacionais.

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1.1 Globalização e soberania

Comecemos, então, mencionando os escritos de Ianni (2001) que destacam

a internacionalização do capital no pós Segunda Guerra como um fator de grande

novidade no cenário internacional, tendo provocado grandes mudanças nos mais

variados setores da sociedade. Segundo o autor, esse processo de

internacionalização ocorreu em escala – intensidade e generalidade – jamais vista,

fazendo com que o capital deixasse de lado o seu componente nacional para se

manifestar em escala internacional. Essa conotação mundial se tornou mais intensa

após o fim da Guerra Fria.

Para Ianni (2001), o período da Guerra Fria (1946-89) foi um momento em

que o capitalismo se desenvolveu de maneira intensiva pelo mundo, modificando a

divisão internacional do trabalho, flexibilizando processos produtivos e também

marcando o momento em que empresas, corporações e conglomerados

transnacionais adquiriram preeminência sobre as economias nacionais. Afirma que:

“Tanto é assim que as transnacionais redesenham o mapa do mundo, em termos

geoeconômicos e geopolíticos muitas vezes bem diferentes daqueles que haviam

sido desenhados pelos mais fortes Estados nacionais” (p. 56). Conclui que a

existência das empresas transnacionais, que passaram a predominar desde o fim da

Segunda Guerra Mundial, está dentro de uma nova ordem mundial.

Evidente que esta percepção não é plenamente compartilhada por todos os

analistas, como veremos adiante. Principalmente se considerarmos que as ações

das empresas transnacionais decorrem precipuamente das decisões tomadas nas

instituições multilaterais, como, por exemplo, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio

(GATT) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), ou ainda das decisões unilaterais

dos EUA, por exemplo, o Plano Marshall, quando se diz respeito à recuperação das

economias destruídas durante a Segunda Guerra. Destaca-se também o

protecionismo instaurado pela Comunidade Econômica Europeia e também pelo

Japão, como forma de fortalecer e desenvolver as suas transnacionais.

Marcilio Marques Moreira (2000) também tem sua opinião sobre a nova

ordem mundial surgida no pós Guerra Fria. Para ele, após o fim da União Soviética e

a Unificação das Alemanhas, a Guerra Fria passou a ser apenas objeto de estudo

dos historiadores. Acredita ainda que após a queda do Muro de Berlim, o mundo,

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tomado por uma euforia, viu surgir a crença de que a Democracia, vitoriosa contra o

totalitarismo, (Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria), “se tornaria, enfim, valor

universal e que o livre-mercado, visto o colapso das economias de comando, seria

adotado como a melhor forma de organização racional da vida econômica pela

maioria, se não todos os países. Criava-se assim, para Moreira, uma atmosfera de

otimismo que levaria à crença de que se formavam, no mundo dos valores, grandes

unanimidades” (p. 13).

Moreira (2000) retrata os anos 80 como sendo o período de

desregulamentação dos sistemas financeiros, o que contribuiu para a intensificação

de fluxos financeiros em nível global; pujança econômica, também facilitada por

novas tecnologias, processos produtivos, avanços nos setores de comunicação e de

transportes, grandes investimentos em pesquisas; todos esses fatores facilitaram e

contribuíram para o efetivo desenvolvimento de mercados globais (p. 15).

Gelson Fonseca Júnior (1994), analisando o “fim dramático e repentino” da

Guerra Fria, afirma que a ordem política, os mecanismos de segurança e de solução

de controvérsias e o papel dos organismos multilaterais, tiveram que ser repensados

[...] (p. 70).

Particularmente sobre o assunto globalização, muitos são os conceitos

possíveis. Vejamos por exemplo o de Aguillar (2009), que aborda aspectos

econômicos, financeiros, tecnológicos entre outros para, então, conceituar a

globalização:

Globalização significa o fenômeno econômico de busca de conquista de mercados sem restrições às fronteiras nacionais, o fenômeno político da crescente interdependência dos países, o fenômeno cultural de influências recíprocas entre habitantes de países diversos, o fenômeno social do frequente deslocamento e fixação de residência de habitantes de um país em outros, o fenômeno tecnológico da revolução informática e das telecomunicações, o fenômeno financeiro dos investimentos especulativos planetários, causando simultaneamente a reestruturação dos agentes econômicos, a transformação do papel do Estado e do direito em todos os países envolvidos (AGUILLAR, 2009, p. 59, 60).

Triches (1999) aponta para uma nova ordem internacional quando ocorrem

transformações econômicas, políticas e sociais. Detecta também avanços e

inovações tecnológicas que permitem que produtos sejam “produzidos de forma

mais eficiente e com melhor qualidade. Isso vem atender às necessidades dos

consumidores globais cada vez mais exigentes” (p. 3).

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Para ele o termo globalização “refere-se, em última análise, à reorganização

das estruturas de produção de bens e serviços e ao aumento dos fluxos comerciais

e financeiros” (TRICHES, 1999, p. 5). Aqui, mais uma vez, aparecem as empresas

transnacionais. Para Triches (1999) elas são responsáveis por promover um grande

desenvolvimento tecnológico que faz com que os produtos e a própria tecnologia

percam suas identidades nacionais, por serem produzidos em várias partes do

globo.

Afirma ainda que a globalização financeira está associada à grande

mobilidade de fluxos de capitais internacionais e a uma crescente interdependência

econômica entre os países; ela ainda “aumenta a oportunidade de investimentos

com a diversificação de instrumentos financeiros e com maior alavancagem de

recursos” (TRICHES, 1999, p. 5).

O autor conclui dizendo que a nova ordem internacional está vinculada à

difusão das inovações tecnológicas, no campo da computação e comunicação, bem

como ao “acelerado processo de desregulamentação dos mercados financeiros

domésticos e do surgimento de novos mercados e novas instituições” (TRICHES,

1999, p. 6). São parte desta realidade os conglomerados bancários, empresas

multinacionais e outros.

Em sua opinião, essa nova ordem internacional, na qual impera a

globalização econômica, os mercados comerciais e financeiros integrados em

blocos, faz com que as economias locais e nacionais sejam desafiadas

constantemente. Para ele, “as nações e até mesmo as regiões tendem a perder

graus de liberdade no que se refere à condução de políticas econômicas, bem como

nas questões relacionadas à soberania e a tomada de decisão política” (TRICHES,

1999, p. 15).

Outro autor, Marcos Galvão (1998a), sustenta que a “globalização expressa

uma sensação de ruptura entre o momento atual e o passado recente” e que no

Brasil essa sensação se reforçou por conta da proximidade temporal

entre a consolidação da hegemonia do pensamento liberal em âmbito mundial – queda do Muro de Berlim, “fim da história” – e, no plano interno, a redemocratização completada com as eleições presidenciais de 1989 e a abertura econômica empreendida a partir de 1990 (GALVÃO, 1998a, p. 36).

Luiz Felipe Lampreia (1999), também emite sua opinião sobre as

transformações mundiais e seus impactos, particularmente no Brasil. Destaca que

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da supremacia da Guerra Fria à proeminência da globalização e da competição

econômica, o Brasil mudou e consolidou a sua democracia e alterou profundamente

o modelo de desenvolvimento, que se baseava na intervenção estatal, no

fechamento da economia e em políticas de crescimento que geravam inflação

progressiva (p. 199).

A nova ordem mundial, em ambos os autores mencionados acima, tem

como uma de suas principais características a proeminência de questões

econômicas. Nesse contexto, como veremos adiante, o papel do Estado Nação

começa também a ser repensado.

Nossa percepção de Globalização decorre das considerações de Anthony

Giddens (1990), principalmente na percepção de que ela corresponde a modos de

vida e de organização sociais que surgiram na Europa, por volta do século XVII e

passaram a ter influência de alcance mais ou menos mundial. Assim, Globalização

corresponderia à intensificação de relações sociais de alcance mundial, que

vinculam lugares distantes de tal forma que acontecimentos locais são influenciados

por eventos remotos e vice versa.

Corresponde exatamente à pressão pós fim da Guerra Fria que começou a

enfatizar a existência de valores universais que estariam unificando o mundo (para

muitos, a humanidade) em um ambiente estável, pacífico e cooperativo.

Fonseca e Lafer (1994) demonstram esta visão de uma forma bem clara

quando apontam que, no primeiro momento do pós-Guerra Fria, a ideia dominante

era a de que conflitos eram coisas do passado e que, a partir desta universalização,

os Estados estariam direcionados muito mais a ações cooperativas que

favoreceriam os processo de desenvolvimento econômico, gerando um clima

contínuo de prosperidade. Observam, no entanto, que esta visão foi passageira com

a irrupção de uma multiplicidade de conflitos, de exacerbação de nacionalismos e de

ampliação do fosso entre países desenvolvidos e não desenvolvidos.

A globalização, ainda segundo Giddens (1990), apresenta quatro

dimensões, não excludentes e não necessariamente cooperativas:

a) Economia Capitalista - os principais centros de poder na economia mundial são Estados Capitalistas. As políticas domésticas e internacionais destes Estados envolvem regulação da atividade econômica, mas também certo grau de "isolamento" institucional entre economia e política, separação que abre espaço para a atuação global das empresas fora de seus países-sede;

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b) Sistema de Estados-Nação: todos os espaços são de soberania de algum Estado, monopólio da violência em seus territórios. Por maior que seja o poder de algumas empresas, não são organizações militares e não podem estabelecer-se como legais ou capazes de governar um determinado espaço geográfico;

c) Ordem militar mundial - O poder destruidor das armas nucleares, embora previna o confronto direto, permite que os Estados se envolvam como influências organizadoras em conflitos periféricos;

d) Desenvolvimento industrial - A indústria moderna é intrinsecamente baseada em divisões do trabalho, não apenas ao nível das tarefas individuais ou coletivas, mas também da especialização regional (GALVÃO, 1998a, p. 41-45)

5.

Veremos agora, de forma mais focada, os impactos que os Estados Nação

vêm sofrendo com a globalização. Perceberemos que, para alguns autores, eles

estão enfraquecendo e perdendo legitimidade para atuar e defender os interesses

de sua população no cenário internacional; para outros apenas sofrem com um

momento de transição e reacomodação de novos participantes neste cenário, mas

ainda exercem papel preponderante.

Para Ianni (2001, p. 59), “o significado do Estado-nação tem sido alterado

drasticamente, quando examinado à luz da globalização do capitalismo, intensificada

desde o término da Segunda Guerra e acelerada com o fim da Guerra Fria”. Para

ele, essa internacionalização do capital e consequente fortalecimento das grandes

empresas, faz com que os Estados Nação tenham seus interesses prejudicados e

com isso algumas das suas características clássicas parecem não ter mais sentido:

Algumas das características “clássicas” do Estado-nação parecem modificadas, ou radicalmente transformadas. As condições e as possibilidades de soberania, projeto nacional, emancipação nacional, reforma institucional, liberalização das políticas econômicas ou a revolução social, entre outras mudanças mais ou menos substantivas em âmbito nacional, passam a estar determinadas por exigências de instituições, organizações e corporações multilaterais, transnacionais ou propriamente mundiais, que pairam acima das nações (IANNI, 2001, p. 59).

Sobre as mudanças nas características do capital financeiro, o autor aponta

para o fato de que no passado, tal capital, estava preso ou ligado a decisões do

Estado Nação, o que não ocorre nos dia de hoje. Esse novo cenário conta com a

5 Resumo do pensamento de Giddens realizado por GALVÃO, Marcos B. A.. Globalização: arautos, céticos e

críticos (primeira parte). Política Externa, v. 6, n. 4. p 41-45, Mar.-Maio 1998.

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participação de novos atores que têm grande influência dentro dos Estados e

também no contexto internacional:

A rigor, o capital financeiro parece adquirir mais força do que em qualquer época anterior, quando ainda se encontrava enraizado em centros decisórios nacionais, mais ou menos subordinados ao Estado-nação. Além da mundialização acelerada e generalizada das forças produtivas, dos processos econômicos, da nova divisão internacional do trabalho, formam-se redes e circuitos informatizados, por meio dos quais as transnacionais e os bancos movem o capital por todos os centros do mundo (IANNI, 2001, p. 69).

Ianni apresenta esta nova sociedade mundial como sendo formada por um

sistema de atores. Atores de todos os tipos:

Estados nacionais, empresas transnacionais, organizações bilaterais e multilaterais, narcotráfico, terrorismo, Grupo dos 7, ONU, FMI, BIRD, FAO, OIT, AIEA e muitos outros, compreendendo naturalmente também as organizações não governamentais (ONG’s) dedicadas a problemas ambientais, defesa de populações nativas, proteção de direitos humanos, denúncias de práticas de violência e tortura. Também podem adquirir relevância regional e mundial atores de tipo nacional, podendo entrar ativa ou passivamente no jogo das pendências regionais e mundiais. Uns e outros sintetizariam muito do que são as relações, controvérsias, soluções e impasses correntes no âmbito da mundialização (IANNI, 2001, p. 78, 79).

Mas, mesmo nesse sistema internacional, Ianni afirma a importância dos

Estados nacionais que “continuam a desempenhar os papéis de atores privilegiados,

ainda que frequentemente desafiados pelas corporações, empresas ou

conglomerados” (IANNI, 2001, p. 79). Frente a esta constatação, o autor toca em

outro ponto bastante relevante em sua análise quando compara a relação entre

Estados, que no cenário internacional aparecem como sendo formalmente iguais.

A interdependência das nações focaliza principalmente as relações exteriores, diplomáticas, internacionais. Envolve Estados passionais tomados como soberanos, formalmente iguais em sua soberania, a despeito de suas diversidades, desigualdades e hierarquias. E diz respeito a bilateralismos, multilateralismos e nacionalismos, acomodando ideais de soberania e realidades geoeconômicas e geopolíticas regionais e mundiais. Apoia-se sempre no emblema, ou paradigma, da sociedade nacional, do Estado-nação, reconhecendo que este está sendo desafiado pelas relações internacionais, pelo jogo das alianças ou disputas entre os blocos geoeconômicos ou geopolíticos, pelas exigências da soberania e as lutas pela hegemonia (IANNI, 2001, p. 79).

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Assim, podemos dizer que Ianni faz uma análise alertando para as

diferenças reais que existem entre os Estados. Para ele, o cenário em que todos são

apresentados como iguais é fictício, a igualdade seria apenas uma formalidade que

acaba criando um contexto de enfrentamento entre eles, levando ao questionamento

da soberania e hegemonia dos Estados:

Note-se que as noções de soberania e hegemonia revelam-se não só problemáticas, mas centrais, nas análises sistêmicas. Grande parte dessas análises dedica-se a codificar as condições e as possibilidades de soberania e hegemonia. São temas da maior relevância numa época em que o mundo se torna cenário de muitas ações, em geral polarizadas por algumas mais fortes [...] (IANNI, 2001, p. 87).

Por outro lado, não se furta a destacar que, atualmente, por conta das

grandes transformações técnicas nos meios de produção, barreiras culturais,

sociais, linguísticas, religiosas e territoriais têm sido superadas (IANNI, 2001, p. 104)

fortalecendo assim a noção de mundo globalizado.

Pontifica o fortalecimento das grandes corporações econômicas, que estão

se transformando em estruturas mundiais de poder, e se colocando lado a lado de

Estados nacionais. Ao adquirirem força, versatilidade e generalidade graças “a

globalização do capitalismo, nessa mesma medida reduzem-se ou subordinam-se as

possibilidades dos Estados nacionais, que eram as figuras por excelência do

imperialismo e da interdependência” (IANNI, 2001, p. 186).

Caracteriza a globalização do capitalismo como sendo detentora do

conhecimento em: técnicas eletrônicas, microeletrônica, automação, robótica,

informática; que passam a ser disseminadas em caráter global intensificando e

modificando os processos de trabalho e produção. Essas características promovem

mudanças também na “geografia das fábricas, usinas, montadoras e zonas francas,

bem como promovem, simultaneamente, uma nova divisão internacional do trabalho

e produção” (IANNI, 2001, p. 195).

Os impactos da globalização acabam abalando “mais ou menos

profundamente os parâmetros históricos e geográficos, ou as categorias de tempo e

espaço, que haviam sido elaborados com base no Estado nação, nas configurações

e movimentos da sociedade nacional [...]” (IANNI, 2001, p. 205, 206).

Considerando as transformações acima, Ianni (2001) afirma que para se

obter uma análise mais completa das relações internacionais atualmente, não basta

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apenas estudar os Estados Nacionais. Alerta que muito do pensamento científico na

atualidade tem como paradigma para as suas reflexões os Estados Nacionais, e que

por isso são insuficientes para refletir sobre globalização e as transformações que

ela provoca. Por essa situação os novos desafios são grandes para os

pesquisadores e estudiosos.

O pensamento científico, em suas produções mais notáveis, elaborado primordialmente com base na reflexão sobre a sociedade nacional, não é suficiente para apreender a constituição e os movimentos da sociedade global. O paradigma clássico das ciências sociais foi constituído e continua a desenvolver-se com base na reflexão sobre as formas e os movimentos da sociedade nacional. Mas a sociedade nacional está sendo recoberta, assimilada ou subsumida pela sociedade global, uma realidade que não está ainda suficientemente reconhecida e codificada. A sociedade global apresenta desafios empíricos e metodológicos, ou históricos e teóricos, que exigem novos conceitos, outras categorias, diferentes interpretações (IANNI, 2001, p. 237).

Esta ideia é aprofundada na continuação do texto de Ianni (2001), quando

ainda nos diz que, as reflexões construídas a partir da sociedade nacional começam

a ser revistas e passam a ter como novo paradigma a sociedade global. Mas em sua

conclusão afirma que essa situação, por si só, não nos autoriza a dizer que a

sociedade nacional deve ser desconsiderada em novas análises, mas apenas que

elas já não explicam a totalidade dos movimentos globais que vem ocorrendo.

[...] É óbvio que a sociedade nacional continua a ter vigência, com seu território, sua população, seu mercado, sua moeda, seu hino, sua bandeira, seu governo, sua constituição, sua cultura, sua religião, sua história e demais formas de organização social e técnica do trabalho, façanhas, heróis, santos, monumentos, ruínas. Ela constitui o cenário no qual seus membros movimentam-se, vivem, trabalham, lutam, pensam, fabulam, morrem. Tanto assim que subsistem e ressurgem nacionalismos, provincialismos, regionalismos, etnicismos, fundamentalismos e identidades em muitos lugares, nos diversos quadrantes do mundo. Mas a sociedade nacional não dá conta, nem empírica nem metodologicamente, nem histórica ou teoricamente, de toda a realidade na qual se inserem indivíduos e classes, nações e nacionalidades, culturas e civilizações. [...] (IANNI, 2001, p. 239).

Por fim, Ianni (2001) aponta para uma mudança na percepção da ideia de

Estado Nação; afirma que este entra em declínio como realidade e conceito e que

passa por uma fase crítica, uma vez que as forças que operam em escala mundial

como as sociais, econômicas, políticas, culturais, geopolíticas, religiosas desafiam a

soberania e a hegemonia do Estado Nação.

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Há noções que sofrem em uma espécie de obsolescência, em certos casos parcial, em outros total. O Estado nação, por exemplo, entra em declínio, como realidade e conceito. Não se trata de dizer que deixará de existir, mas que está realmente em declínio, passa por uma fase crítica, busca reformular-se. As forças sociais, econômicas, políticas, culturais, geopolíticas, religiosas e outras, que operam em escala mundial, desafiam o Estado nação, com sua soberania, como o lugar da hegemonia. Sendo assim, os espaços do projeto nacional, seja qual for a sua tonalidade política ou econômica, reduzem-se, anulam-se ou somente podem ser recriados sob outras condições. A globalização cria injunções e estabelece parâmetros, anula e abre horizontes. Mas o pensamento científico parece um tanto tímido, surpreso ou mesmo atônito, diante das implicações epistemológicas da globalização (IANNI, 2001, p. 244).

Em um artigo denominado A política mudou de lugar, Ianni (2002) confirma a

sua ideia de que, algumas categorias do pensamento político são desafiadas e

questionadas pelos dilemas e horizontes da globalização: “sociedade civil, estado,

partido político, sindicato, movimento social, opinião pública, povo, classe social,

cidadania, soberania e hegemonia, entre outras” (p. 17). Os novos desafios e

dilemas que abarcam os vários setores da sociedade fazem com que haja uma crise

do Estado-nação e na ideia de soberania nacional. Para ele, a transnacionalização

da economia além de reorientar, reduz a capacidade decisória do governo nacional,

sem setores da economia, finanças e outros; o que causa crise no princípio de

soberania nacional.

[...] Ao intensificarem e generalizarem as injunções “externas”, as condições e as possibilidades da soberania alteram-se, redefinem-se e também reduzem-se. Se cresce a importância das injunções “externas”, configurando a dinâmica da globalização, pode reduzir-se a importância das forças sociais “internas”, no que se refere à organização e às diretrizes do poder estatal (IANNI, 2001, p.18).

Ainda sobre a globalização e seus impactos, Flávia Oliveira (2002), destaca

a velocidade com que as transformações vêm ocorrendo:

As profundas e rápidas transformações em andamento no mundo contemporâneo, principalmente a partir da década de 1970, e que não tranquilamente convencionou-se tratar como globalização, está impondo em vários níveis uma ruptura com o passado, apresentando às ciências humanas uma nova realidade, o que coloca na busca de novos paradigmas. Para cada ciência, tal ruptura impõe questões específicas. A história, ciência que se volta preferencialmente para o passado, não está passando ilesa frente a essas transformações (OLIVEIRA, 2002, p. 95).

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Corsi (2002) é mais um que alerta para o enfraquecimento dos Estados

nacionais em meio ao processo de globalização6, tal situação ocorre principalmente,

segundo ele, pela pujança da economia e pelo fortalecimento de grandes

conglomerados empresariais, que muitas vezes têm faturamento maior que muitos

Estados. Para ele, a pujança econômica gerada pela globalização estaria

comprometendo inclusive a soberania dos Estados (CORSI, 2002, p. 102, 103).

A recente crise financeira global (a partir de 2008), com epicentro nos

Estados Unidos e nas economias dos países desenvolvidos, no entanto, colocou um

profundo questionamento frente estas ponderações ao constatar que as economias

que pouco foram afetadas ou que se recuperaram mais rapidamente foram

exatamente as em que o Estado tinha um papel mais atuante do que as “forças do

mercado”. De qualquer forma, a crise retomou a percepção da necessidade do

Estado exercer um papel de regulador em torno das forças do mercado.

Soares (2002) concentra seu foco na diplomacia, que segundo ele sofreu

mudanças dentro do mundo globalizado. Afirma que são possíveis três acepções

para a globalização:

a) Uma transformação das regras e formas da tradicional diplomacia bilateral, Estado a Estado, e sua adaptação às realidades da diplomacia multilateral, nas suas variadas formas, por exigências do Século XX, e b) Uma visão, no campo tradicionalmente reservado às Chancelarias e aos diplomatas, por parte de outros agentes, seja funcionários dos Estados (como os Ministérios da Fazenda, da Indústria e Comércio, dos Ministérios de Comércio Exterior, quando existem, de vários Conselhos ligados ao comércio exterior ou a finanças internacionais), seja de grupos oficiais ou não oficias de natureza privada (por ex.: as empresas sob controle estatal, as organizações não governamentais, as ONG´s, em particular aquelas que contam com um apoio oficioso dos Estados). Enfim, há uma terceira acepção para “globalização”, que, como se verá, quereria significar uma intrusão de determinados temas internacionais, naquelas esferas tradicionalmente reservadas à competência interna dos Estados. São assim três aspectos da realidade das relações internacionais neste final de século e que denominamos “globalização”: a predominância da diplomacia a setores generalizados da sociedade e, enfim, um esmaecimento da linha divisória, em alguns assuntos, entre a esfera da política interna e das relações internacionais (SOARES, 2002, p. 126, 127).

6 Para Corsi (2002) a globalização tem as seguintes características: a formação de oligopólios transnacionais em

importantes setores, a formação de mercados de capital, de câmbio e de títulos de valores globais, a formação de

um mercado mundial unificado, a formação de uma nova divisão internacional do trabalho baseada em uma certa

desconcentração industrial e a formação de espaços onde se processa uma produção globalizada. Observa-se

também uma nova onda de inovações tecnológicas (informática, robótica, biotecnologias, etc).

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Ainda sobre a diplomacia, Lampreia (1999), em artigo já mencionado acima,

afirma que: “A diplomacia é uma tarefa de permanente recriação da tradição e do

patrimônio que o passado nos deixou. É essa dialética entre a tradição e a inovação

que justifica nosso trabalho de estabelecer uma ponte entre nosso país e o mundo”

(p. 199).

Entendemos que em seu escrito, Lampreia (1999), ao considerar

especificamente a diplomacia brasileira, está afirmando que ela tem que mudar e

atentar para novas formas de promoção dos interesses do Estado. “Aqui entra em

cena uma diplomacia mais atuante para promover uma nova e mais eficaz inserção

externa do Brasil” (p. 199). Assim, está reconhecendo, além dos efeitos da

globalização, o novo momento de adesão ao modelo liberal por parte do Brasil.

Fernando Henrique Cardoso (2001) confirma que:

Tendo aberto seu mercado ao comércio internacional e, sobretudo, tendo alcançado a estabilidade monetária, o Brasil tornou-se capaz de estabelecer uma relação inteiramente diferente com a economia internacional: uma relação que já não se baseia na ideia de ameaça, mas na ideia de desafio (CARDOSO, 2001, p. 7).

Mas demonstrava, no entanto, suas inquietações quanto ao fato dos fluxos

financeiros seguirem desgovernados e ameaçando as economias em

desenvolvimento.

“Entre esses pontos de interrogação, existe um que se destaca do ponto de vista da política externa do Brasil: até onde poderemos ir na direção de crescentes fluxos transnacionais e de uma interdependência internacional cada vez maior sem o desenvolvimento proporcional de estruturas de governança? Não existe, acaso, um déficit de governança em um mundo que se torna, a cada dia, mais globalizado, mas no qual a cooperação internacional deixa de responder a alguns dos problemas mais sérios? [...] A questão é que o Brasil e outros países emergentes poderiam ter um desempenho melhor se a arquitetura financeira internacional fosse mais estável, mais previsível. Isso exige um esforço sério no sentido do fortalecimento da coordenação e para assegurar uma estrutura financeira que favoreça o investimento produtivo, e não a especulação desenfreada (CARDOSO, 2001, p. 8, 9).

Para além de uma discussão sobre globalização, o que vimos nos dois

últimos parágrafos é a discussão de formas para se promover a política exterior.

Neste mesmo sentido Miyamoto e Gonçalves (2000) nos dizem:

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Há tantas políticas externas em um país, quanto são os interesses em jogo. Dessa forma, pelo menos três instâncias podem ser identificadas como tendo políticas externas: o tradicional lócus, a Chancelaria em princípio a grande responsável tanto pela formulação, quanto pela implementação da política externa e da política internacional do Brasil; as Forças Armadas, principalmente no que tange aos temas ligados à defesa do Estado; e os setores econômicos (MIYAMOTO; GONÇALVES, 2000, p. 173).

No que diz respeito a considerações acerca de questões ligadas à

segurança nacional, mesmo em um mundo Pós Guerra Fria e globalizado, onde

esse assunto possa parecer sem sentido e sem cabimento, José Luiz Machado e

Costa (1999) destaca que a preocupação com as questões de defesa devem ser

mantidas, para ele:

O desordenamento que se verifica no quadro de poder mundial torna essencial a avaliação crítica do atual processo de acomodação de forças, de forma a habilitar o País a estabelecer referenciais próprios que orientem sua postura no campo da defesa. Conceitos tradicionais como identidade nacional, soberania e balança de poder, que logo após o término da Guerra Fria foram relativizados, voltaram a adquirir importância, e a presença constante do conflito no cenário internacional evidencia o fato de que a capacitação militar é ainda relevante nas relações entre os Estados (COSTA, 1999, p. 67, 68).

Desta forma, Costa (1999) chama a atenção daqueles autores que

acreditam que, com a globalização, os assuntos relacionados à segurança estarão

apenas em segundo plano nas relações entre os Estados, preteridos pelas questões

comerciais baseadas na concepção de liberalismo.

Para ele, o fim do ordenamento global bipolar, em que os inimigos se

encontravam de forma clara e definida em lados opostos, torna difícil o

reconhecimento de novas ameaças, o que acaba colocando em cheque todas as

perspectivas de defesa até então existentes. Por isso os Estados devem buscar

novos “objetivos e condicionantes de natureza estratégica, bem como o

estabelecimento de parâmetros de autodefesa distintos dos convencionais” (COSTA,

1999, p. 68). Alerta que nesse contexto deve ser considerada também a participação

crescente de atores transnacionais. “Enquanto não se delinear uma ordem mundial

mais previsível, a maioria das nações deverá manter uma atitude de prudência na

reformulação de suas organizações militares” (COSTA, 1999, p. 68).

Em outro artigo, destacando as questões de segurança internacional no pós

Guerra Fria, Miyamoto (2002) aborda a postura dos Estados – nações sobre esse

tema em um mundo globalizado. Para ele:

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[...] o tema da segurança ainda não foi e dificilmente será descartado pelos Estados – nações. Mesmo quando se diz que este conceito está sendo rapidamente superado e substituído por um mundo global, onde as fronteiras fazem parte do passado. Tais fatos mostram claramente que apesar das discussões, suscitadas sobre os processos de globalização e/ou mundialização, privilegiando as relações diplomáticas, econômicas e culturais, o tema da segurança ainda não foi e dificilmente será descartado pelos Estados – nações. Mesmo quando se diz que este conceito está sendo rapidamente superado e substituído por um mundo global, onde as fronteiras fazem parte do passado (MIYAMOTO, 2002, p. 277).

Como podemos perceber, Miyamoto (2002) não acredita em um

enfraquecimento do Estado – nação, principalmente nas questões que envolvem

segurança, seu tema de estudo. Dessa forma considera que “os Estados - nações,

com todas as suas deficiências e restrições, continuarão existindo e manterão

políticas de defesa própria ou de blocos, com identificações ideológicas,

econômicas, políticas, geoestratégicas, etc” (p. 277).

Apontando a relação entre a globalização e a soberania, Jorge Castro (2003)

faz uma análise que considera necessária prudência aos autores que acreditam no

fim do Estado Nação e também da sua soberania e legitimidade, para representarem

os interesses de sua população no cenário internacional. Segundo ele, a crise dos

Estados “na atualidade é consequência da distância que existe entre os sistemas

políticos estatais, que continuam sendo realidades nacionais e territoriais, e a

globalização da economia e das finanças, que afeta essencialmente todos os

países” (p. 173). Para ele, a origem da crise “está na revolução tecnológica do

processamento da informação, surgida e reforçada nos últimos vinte anos” (p. 173).

Mesmo diante dos impactos provocados pela globalização, Castro não

acredita no desaparecimento do poder político estatal. Nos seus dizeres o que existe

de diferente neste momento é a autonomia da economia:

[...] a característica diferenciada dessa nova situação estrutural é que existe uma virtual autonomia do econômico, sustentado na revolução tecnológica, que vem se descolando das questões políticas. O pensamento neoliberal universaliza e idealiza esta situação de ordem conjuntural, transformando-a numa doutrina de ordem geral (CASTRO, 2003, p. 173).

Castro (2003) aborda ainda a questão da soberania dos Estados; apesar de

dizer ser verdade que, “em sintonia com o processo de globalização, a soberania

dos Estados-Nação, embora seja ainda efetiva, tem declinado progressivamente” (p.

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173); acredita que esse declínio não significa o desaparecimento dela; para ele: “A

soberania tem uma nova forma, composta de uma série de organismos nacionais e

supranacionais, unidos sob uma nova e única fórmula” (p. 174).

Refletindo sobre a atual conjuntura globalizada e também sobre o embate

entre política e economia, Castro (2003) conclui dizendo que:

Com ou sem Estado – Nação forte, sempre existe uma superioridade do político, não como substância alheia à história, mas como momento de unidade e de projeção da totalidade dos momentos sociais. Nesse sentido, todas as crises desatam tendências e contra-tendências. Não existe choque final na história, a história jamais se enclausura, jamais revela seus segredos (CASTRO, 2003, p. 182).

Bauman (1999), diferentemente de Castro, aponta para uma prevalência do

econômico sobre o político, em um contexto globalizado. Para ele a globalização é

“o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo

que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira” (p. 7). Dentro de sua

perspectiva ela, a globalização, provoca um abalo na soberania dos Países,

principalmente no componente econômico. Isso porque, cada vez mais, os Estados-

nação não conseguem suportar as pressões advindas das grandes empresas. As

regras de livre mercado, o volatilidade do capital e das finanças, fogem, dentro deste

contexto, do controle político que outrora era exercido pelos Estados. Na sua

concepção, “o Estado não deve tocar em coisa alguma relacionada à vida

econômica: qualquer tentativa nesse sentido enfrentaria imediata e furiosa punição

dos mercados mundiais” (p. 37, 74).

Diferentemente dos que acreditam, como Bauman, na prevalência dos

fatores econômicos sobre os políticos, bem como, na globalização como sendo um

caminho sem volta, afetando diretamente a soberania dos Estados; Amado Luiz

Cervo (2002) confronta tal perspectiva fazendo uma análise do cenário internacional

e mostrando o posicionamento de alguns Estados frente às várias crises

internacionais ocorridas na década de noventa. Assim, constata a ação protecionista

em várias situações de conflitos comerciais em que nada tem haver com a

concepção de liberalismo, apresentadas por alguns autores como sendo soberana

nas relações comerciais externas.

Começa primeiro destacando que o mercado brasileiro aberto na década de

noventa tinha como objetivo “forçar a modernização do sistema produtivo e a elevar

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sua competitividade externa; para tanto, o governo brasileiro atuou em várias frentes

tentando alcançar do GATT-OMC um sistema multilateral com regras transparentes,

fixas e justas e dos blocos regionais idênticos dispositivos” (Cervo, 2002, p. 16).

Mas, diante de dificuldades conjunturais, o governo brasileiro se deparou com

medidas ecoprotecionistas e de caráter fitossanitárias, entre outras, dos governos de

países desenvolvidos que contrariavam o discurso liberal.

Como lembra Cervo (2002, p. 18), os EUA7 “mantinham seu arsenal de

barreiras às importações brasileiras de manufaturados e primários; e o Canadá

mostrou à diplomacia brasileira o jogo duro que significa lidar com contenciosos

comerciais” quando escondeu seus subsídios e castigou as exportações de carne

brasileira divulgando contaminação pelo mal da vaca louca. Sobre a União Europeia,

lembra que ela não abria mão dos subsídios agrícolas.

Cervo destaca que na globalização as exigências de implementação do

liberalismo foram feitas pelos países avançados aos países em desenvolvimento.

Mesmo durante as crises que apareceram:

A globalização financeira comportou duas exigências dos países avançados sobre as economias emergentes: o livre fluxo de capitais e a abertura dos sistemas financeiro, empresarial e dos mercados de valores a sua penetração. Quando as reformas dos Estados satisfizeram tais exigências, dois também foram os efeitos que se generalizaram: o aumento dos fluxos, em boa medida de capitais especulativos, e as crises financeiras. Quando as crises financeiras abalavam essas economias (México em 1994-95, Ásia em 1997-98, Rússia em 1998 e Argentina em 2001), o G7 apenas de leve cogitou na possibilidade de introduzir controles ou salvaguardas para os efeitos predatórios dos capitais especulativos (CERVO, 2002, p. 19).

O resultado da política governamental que apostou no liberalismo gerou

prejuízos para o Brasil, Cervo (2002) lembra que: “O grave perfil das contas

públicas, em sintonia com instruções vinculadas aos socorros concedidos pelo FMI

desde 1990, retirava investimentos produtivos, provocando outras crises, como a

escassez de energia elétrica, e bloqueava o crescimento econômico” (p. 20). O

resultado final foi o grande movimento de capitais especulativos, desapropriação dos

ativos nacionais (por meio das privatizações) e aumento da dependência estrutural,

financeira e econômica do Brasil. “O Brasil transitou, pois, da década perdida à

década perversa” (p. 20, 21).

7 Destaca que os EUA colocaram barreiras tarifárias nos seguintes produtos: suco de laranja, calçados, carnes

bovinas e de aves, etanol, açúcar e siderúrgicos. Barreiras fitossanitárias impediram a exportação de frutas e

legumes.

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Diante do quadro apresentado acima, o mais importante para nós é

compreender que a globalização provocou sim várias mudanças e transformações

em diversos setores da sociedade da economia e da política; e que o papel do

Estado foi preponderante para a resolução de todos os percalços. Assim,

entendemos que é ele quem decide qual o caminho a seguir, por ser soberano e ter

legitimidade. Desta forma cabe ao Estado definir se vai ou não implementar uma

política econômica liberal; neste sentido acreditamos como Marcos Galvão (1998b),

que [...] “a liberalização (da economia) foi fruto de decisão política e a supervisão vai

até onde tal vontade permite” (p. 121).

Não compartilhamos da ideia de que com a globalização caminhamos para

um mundo sem opções de escolha, no qual os Estados estariam com os dias

contados e a economia caminhando para a liberdade total de mercado, para alguns,

seria o fim da história. Nosso entendimento pode ser bem expressado no

posicionamento de Galvão (1998b) ao afirmar que “a globalização não é um

processo monolítico e unidirecional, ao qual países e sociedades se devam ajustar

passiva e automaticamente. Continua a existir a possibilidade – e a necessidade - de

tomar decisões e escolher caminhos” (p. 150). O que existe efetivamente de novo é

o fato de não existir a bi-polaridade da Guerra Fria, mas sim um amplo leque de

alternativas que se evidencia concretamente na variedade das experiências

históricas contemporâneas (p. 150). E para nós, neste contexto, o Estado-nação

ainda é o ator principal.

1.2 Ações externas federativas

O objetivo de termos abordado a globalização até o presente momento foi

para mostrar seus vários aspectos e elementos que fazem parte hoje do cenário

internacional e acabam influenciando os países internamente.

Como veremos mais adiante, é neste cenário globalizado que os entes

federados vêm agindo para defender e mostrar os seus interesses. É neste contexto

que os Estados começam a enfrentar uma realidade diferente da existente na antiga

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ordem bi-polar e a se deparar com um cenário externo mais diversificado em termos

de participantes.

Mas, para seguirmos adiante é importante, mais uma vez, ficar claro que o

nosso entendimento, é o de que o Estado-nação ainda tem o papel de ator

preponderante nas relações internacionais e a ele ainda cabe defender os interesses

de sua população no cenário internacional, por ser legítimo para fazer e implementar

a política externa.

Essa posição não significa desconsiderar automaticamente outras variáveis

que atuam no cenário internacional globalizado como, por exemplo, a sociedade civil

organizada, as empresas, entidades de classe, governos subnacionais entre outros.

Nesse sentido podemos citar Oliveira (2005), na seguinte passagem:

É evidente que a análise da política externa brasileira, com ênfase no papel do Estado como ator preponderante na integração ao sistema internacional, não deixa, por um lado, de considerar a atual internacionalização das diferentes variáveis e, por outro, o papel da sociedade civil representada por empresas, associações, classes, agregando uma dimensão transnacional às relações interestatais. Entretanto, queremos deixar bem claro que política externa é a área que representa os interesses e objetivos do Estado no plano internacional e que, por conseguinte, sua definição e implementação é prerrogativa do estado (OLIVEIRA, 2005, p. 2, 3).

Oliveira (2005) ainda cita em seu livro, aqui mencionado, artigo de Celso

Lafer (2000), que vai ao encontro das nossas ideias e demonstra que a participação

dos Estados nas relações internacionais é de grande valia, pois é ele quem defende

os interesses das empresas e grupos sociais. Assim, não há que se falar em

diminuição do papel dos Estados nas relações internacionais. Na passagem abaixo,

Lafer (2005) ainda aponta a importância da legitimidade do Estado e de onde deriva.

Apesar da multiplicidade de novos atores na cena internacional e do seu funcionamento em redes que são um dado da governança do espaço mundial, o Estado permanece como uma indispensável instância pública de intermediação. Instância interna de intermediação das instituições do Estado com a sociedade civil e instancia externa de intermediação com o mundo, em função das especificidades que caracterizam os países e que explicam as distintas visões sobre as modalidades de sua inserção no sistema internacional. A legitimidade do Estado como instância pública de intermediação deriva do fato de que as condições de vida das populações dependem do desempenho dos Estados em que vivem. Daí a relevância e atualidade do conceito de interesse nacional, que cabe aos Estados representar (LAFER, 2005, p. 5, 6).

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Para findarmos este momento do texto, citemos Maria Regina Soares de

Lima (2000), que tem na passagem abaixo uma análise sobre a globalização e o seu

impacto nas questões ligadas à política externa dos Estados, bem como o impacto

interno dela (globalização) nos países. Lima (2000) nos traz o seguinte olhar:

“A globalização, no sentido amplo de internacionalização da economia e de diversos fenômenos sociais, fomenta a superação da fronteira interno/externo e, consequentemente, a internacionalização da agenda doméstica, com a incorporação à esfera da decisão legislativa de questões de política externa, questões que previamente estavam restritas ao Executivo. A integração à economia internacional e a abertura econômica contribuem para a politização da política externa em vista dos impactos distributivos internos da maior participação no comércio internacional, uma vez que em uma economia aberta há ganhos e perdas diferenciados, frutos de decisões e negociações internacionais (LIMA, 2000, p. 287).

Esse cenário globalizado, com foco no liberalismo econômico, afeta também,

em nosso entender, as cidades e unidades federativas, fazendo com que elas

busquem defender seus interesses no âmbito internacional, por vezes, com o auxilio

da União, mas também por meio de ações diretas. Essa situação faz com que as

cidades e unidades federativas se projetem internacionalmente e também

influenciem, de alguma maneira, a elaboração da política externa promovida pelo

Governo Central. Importante vermos as observações abaixo da autora:

A economia global estimula a criação de redes de intercambio entre as cidades e estados de diferentes países. A formação dessas novas redes federativas questiona a tradição constitucional latino-americana calcada na maior autonomia do Executivo na condução da política externa (LIMA, 2000,

p. 287).

O processo de liberalização econômica induziu a um crescimento da

importância da política doméstica na definição da Política Externa, possibilitando

uma crescente diminuição da autonomia do Itamaraty em sua elaboração. Neste

cenário se faz importante atender as demandas e interesses de setores produtivos e

também dos diferentes entes federados.

Por seu turno, a liberalização política também pode fomentar a politização da política externa, tendo em vista sua maior exposição no escrutínio público. Dessa forma, tanto a internacionalização econômica quanto a liberalização política desafiam o processo tradicional de formação da política externa. Afinal, onde está o interesse nacional quando a ação do Estado tem consequências distributivas domésticas? [...] (LIMA, 2000, p. 287, 288).

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Em resumo, a principal consequência da liberalização política da abertura econômica foi ter modificado a natureza da política externa que, além de representar interesses coletivos no plano mundial, passou a ter que negociar interesses setoriais, inserindo-se diretamente no conflito distributivo interno. Idealmente, nessa nova situação, a ratificação tende a adquirir uma dinâmica própria, cabendo ao chefe de governo o papel de compatibilizar os dois níveis, tal como ocorre nas poliarquias contemporâneas (LIMA, 2000, p. 295, 296).

Então, podemos afirmar que, frente ao processo de abertura econômica, não

só os entes federados, mas outros setores organizados da sociedade sentiram

necessidade de se organizar e defender seus interesses no cenário externo. Esse

novo cenário, parece-nos, também obrigou o governo federal a rever os seus

conceitos de negociação interna.

Esse retrato, de uma maior participação de outros atores na política externa

brasileira, também provoca uma renovação na agenda internacional do país, assim

apontam Hirst e Lima (2002):

A ampliação do espaço público no Brasil vem renovando notavelmente a agenda internacional do país. Lado a lado com a ampliação do espaço ocupado pela representação política institucionalizada, expande-se um novo território coabitando por uma miscelânea de atores e organizações, cuja principal resultante é a corrosão da fronteira entre problemáticas internas e externas. É justamente a eliminação das barreiras entre ambos domínios que impulsiona uma diversificação do tipo de vinculação entre globalização e vida democrática, entre espaços públicos locais e atores transnacionais (HIRST; LIMA, 2002, p. 87)

As autoras concluem o artigo afirmando que: “O novo ‘internacionalismo’

brasileiro resulta tanto da mudança do perfil de inserção internacional em face da

globalização dos mercados, quanto da ampliação da rede de alianças transnacionais

oriunda da sociedade civil” (HIRST; LIMA, p. 94). Para elas é essa diversidade de

atores e interesses que faz “desaparecer o consenso monolítico prévio com relação

à política externa” (p. 95). Por fim, afirmam que há uma redução no grau de

autonomia do Estado, pois os interesses domésticos aparecem com maior

intensidade, diluindo a “fronteira entre o interno e externo” (p. 96). E que a sociedade

civil brasileira, participa do novo internacionalismo por meio de redes transnacionais,

o que configuram um “canal que pode criar espaços de interação e cooperação

dentro dessas sociedades” (p. 96).

Nessa perspectiva nos perguntamos como MT tem se comportado dentro

desse novo cenário globalizado? Será que vem se projetando internacionalmente e

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defendendo seus interesses ou tem deixado essa missão para o Governo Federal?

Esperamos na conclusão deste trabalho responder esse questionamento.

Feita esta abordagem teórica analítica, esperamos ter mostrado que a

globalização gerou mudanças no comportamento dos Estados Nação, e também nos

setores sociais, políticos, econômicos, industriais entre outros; mostraremos abaixo,

de forma mais detalhada, autores que sinalizam para uma maior ação internacional

dos entes federados.

Com as mudanças geradas pela globalização vimos, particularmente nos

artigos de Hirst e Lima, que tais transformações também influenciaram os atores

internos no Brasil, o que proporcionou uma nova perspectiva na elaboração da

política externa brasileira por parte do Governo Central. Por ser o Brasil um Estado

federado, importante se faz tecer alguns comentários acerca do comportamento das

unidades federativas nesse cenário globalizado. Abaixo mostraremos algumas

posições que defendem as ações externas das unidades federativas em vários

níveis, com maior ou menor autonomia em relação ao governo central. Mas é

importante reiterar que a posição deste pesquisador é de que, mesmo neste cenário,

o Estado é ainda o principal ator nas relações externas e se hoje as unidades

federativas agem externamente é porque não confrontam a União.

Apresentando uma nova realidade do federalismo, Kugelmas e Branco

(2005) acreditam que o cenário internacional globalizado promove uma mudança

nas ações dos Estados. Com a “crescente internacionalização dos mercados, os

Estados nacionais vêm diminuindo seu raio de atuação. Essa situação ocorre

também por conta da maior presença dos níveis subnacionais de poder no cenário

internacional” (p. 161). Esse envolvimento no cenário externo também é conhecido

como paradiplomacia segundo os autores, que apresentam a definição dada por

Noé Cornago Prieto8. É

[...] o envolvimento de entidades governamentais subnacionais nas relações internacionais. Isso ocorre por meio do estabelecimento de contatos formais e informais com entidades públicas ou privadas estrangeiras, com o objetivo de promover interesses políticos e socioeconômicos, bem como outros, dentro dos limites aos quais cada entidade governamental subnacional está

8 PRIETO, Noé Cornago O outro lado do novo regionalismo pós-soviético e da Ásia Pacífico: a diplomacia

federativa além das fronteiras do mundo ocidental. In: VIGEVANI, Tullo; WANDERLEY, Luiz E..;

BARRETO, Maria Inês; MARIANO, Marcelo P. (Org.). A dimensão subnacional e as relações

internacionais. São Paulo: Educ/Unesp/ Edusc, p. 251-282, 2004.

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constitucionalmente vinculada. (PRIETO, 2004 apud KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 162).

Mais adiante reconhecem que dentro das relações internacionais o Estado é

quem tem capacidade de representação nos foros internacionais “cabendo a ele

estabelecer vínculos com outros Estados e ter sua legitimidade reconhecida do

ponto de vista do direito internacional público” (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p.

164). Desta forma, não resta dúvida que em termos jurídicos, é apenas “por

intermédio do Estado central que os governos subnacionais podem estabelecer

acordos e intercâmbios com outros Estados ou outros governos subnacionais”

(KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 164)

Para eles as ações e participação dos governos subnacionais devem ser

vistas e entendidas dentro de um contexto de globalização econômica, lembram

também de Colacrai e Zubelzu9 que têm o mesmo entendimento. “A tendência de

formação de blocos regionais, a crescente transnacionalização e a interdependência

têm implicado vários canais de vinculação de atores diversos [...]” (2004 apud

KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 169). Destacam que esse processo não ocorre

apenas no nível “macro das relações internacionais” (p. 169) o que facilita a

participação das unidades subnacionais, mesmo que essa participação seja

intermediada por um órgão federal.

Afirmam que “a reboque desta iniciativa” (criação do Mercosul, Pacto Andino

e Nafta) “abriu-se caminho para uma ação ativa e relativamente independente de

vária unidades subnacionais dos vários países”. (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p.

177) E ainda trazem a reflexão de que o desafio das ações dos governos

subnacionais é não entrar em conflito com a ordem constitucional vigente nos

países.

Para eles os estados subnacionais, municípios ou mesmo províncias podem

ser vistos como “novos atores” no cenário internacional por que “vêm estabelecendo

vínculos e integrações de cunho econômico e cultural que tem estabelecido novas

formas de cooperação internacional” (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 182). Pode-

9 COLACRAI, Miryan; ZUBELZÚ, Gabriela. Las vinculaciones externas y la capacidad de gestióninternacional

desplegadas por las provincias argentinas en la última década. Una lectura desde las relaciones internacionales.

In: VIGEVANI, Tullo; WANDERLEY, Luiz E..; BARRETO, Maria Inês e MARIANO, Marcelo P. (Org.). A

dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: Educ/Unesp/ Edusc. p. 313-344, 2004.

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se afirmar desta forma mesmo que eles não sejam considerados como sujeitos do

Direito Público Internacional.

Particularmente sobre o Brasil ambos afirmam que:

Esta nova dinâmica nas relações internas e externas sugere um reposicionamento dos Estados brasileiros perante a federação existente no país e a globalização. As unidades subnacionais passam a mostrar que também podem ocupar espaços econômicos, políticos e sociais na arena internacional, ou mesmo contribuir para recuperar arranjos institucionais em crise, como o do modelo atual do federalismo brasileiro (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 184).

Diante de tantas transformações, os autores afirmam que “as unidades

subnacionais têm deixado de ser unidades administrativas voltadas à resolução

interna de seus interesses [...] para assumir uma condição política, no sentido de

definir relações e estratégias de desenvolvimento e afinidades regionais”

(KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 185), isso graças à nova realidade imposta pela

internacionalização da economia.

Como conclusão os autores chamam a atenção para o fato de que,

atualmente, cada vez mais os níveis subnacionais vêm reivindicando participação na

elaboração da política externa em seus respectivos Estados, como se vê na

Comunidade Europeia (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 186)

Quem também aborda a questão do federalismo frente ao processo de

globalização é Tatiana Lacerda Prazeres (2004) que faz uma análise focada no

aspecto jurídico das ações internacionais dos entes federados. Analisando vários

países federalistas chega a seguinte afirmação:

A atuação de unidades federadas no plano internacional é tradicionalmente efetivada pelo ente central, que costuma representar o conjunto de interesses nacionais no âmbito externo. Os países estruturados sob o federalismo vêm, entretanto, enfrentando desafios para conciliar interesses de províncias, cantões, Länder ou estados (e mesmo municípios) com as estratégias das unidades centrais na formulação da política externa (PRAZERES, 2004, p. 284).

Particularmente sobre a realidade brasileira, Prazeres afirma que as

unidades subnacionais não se acomodam diante das limitações impostas a sua

atuação externa.

Dadas as novas possibilidades decorrentes da atual cena internacional, várias delas tem manifestado interesse em operar no plano externo, independentemente da chancela das unidades centrais, o que se verifica,

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por exemplo, pelos acordos de cooperação celebrados diretamente entre entes federados, por um lado, e estados soberanos ou mesmo unidades subnacionais de países estrangeiros, por outro (PRAZERES, 2004, p. 284).

A autora está interessada em buscar alternativas constitucionais para

permitir as ações dos governos subnacionais, principalmente nas ações que

busquem a integração. Para tanto, segue com uma série de afirmações sobre o

federalismo. Entende que, em uma federação, o Estado federal é o soberano e as

unidades federativas são autônomas, sendo assim, não poderiam assumir

compromissos internacionais; que no Brasil a condução da política externa é

centralizada no presidente da República a qual também é uma marca registrada de

todas as Constituições brasileiras depois da adoção do federalismo (PRAZERES,

2004).

Feita as considerações teóricas acima, que como a autora destaca são

opinião dominante entre os juristas, no plano de real, porém, outras experiências

aparecem e passam a mostrar diferenças entre o mundo teórico e o prático.

Malgrado o cenário jurídico-formal pareça indicar uma realidade em que a atuação internacional do Brasil encontra-se sob o monopólio do Estado federal, a experiência empírica indica um contexto diverso, no qual se observa uma série de iniciativas externas levadas a cabo por unidades federadas, ainda que a atuação das ditas unidades neste sentido venha sendo reprimida e marginalizada, principalmente em virtude da orientação constitucional antes exposta (PRAZERES, 2004, p. 298).

Para ilustrar a sua afirmação Prazeres destaca o escritório de Pernambuco

em Lisboa, bem como, as várias viagens para o exterior dos governadores para

participar de vários eventos internacionais. “Promove-se, também, com frequência, a

participação de unidades federadas em feiras ou eventos a incentivarem o comércio

local, investimentos ou turismo” (PRAZERES, 2004, p. 298, 299).10

No Brasil, a autora destaca que a participação externa se tornou mais

intensa e adquiriu maior relevância a partir do momento da redemocratização e com

a nova Constituição federal (PRAZERES, 2004). Para ela o fato de o Ministério de

Relações Exteriores (MRE) ter instituído em junho de 2003 a Assessoria Especial de

Assuntos Federativos e Parlamentares em substituição a Assessoria de Relações

Federativas, criada em 1997, demonstra que o MRE está ciente das ações externas

10

A autora menciona também acordos celebrados entre: a Guiana francesa e o estado do Amapá; Rio Grande do

Sul e a Galícia (Espanha); Santa Catarina e a região de Vêneto (Itália); Santa Catarina e o Paraguai; Santa

Catarina e a província de Hei Long Jian (China). (PRAZERES, 2004, p. 300).

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promovidas pelas unidades federativas. Segundo ela a implantação de escritórios

regionais do Itamaraty (PRAZERES, p. 300), em algumas unidades da federação

também faz parte deste reconhecimento11. No seu entendimento, essas ações do

Itamaraty vão ao encontro da manutenção do centralismo na elaboração da política

externa, pois, percebendo as necessidades dos governos estaduais, poderiam

continuar elaborando políticas externas sem a participação direta dos entes

federados.

O Itamaraty, seguindo a orientação assentada por sua Consultoria Jurídica, parece rechaçar a atuação externa direta de unidades federadas no Brasil, fato materializado sobretudo com os “acordos” celebrados entre as ditas unidades e Estados estrangeiros, ou mesmo unidades subnacionais de Estados estrangeiros. O estabelecimento de uma diplomacia federativa teria o objetivo de suprir a demanda das unidades federadas em matéria de atuação externa, ao encampar os interesses das referidas unidades e fazê-lo sentir na atuação externa do Estado federal – não se admitindo, assim, a atuação externa direta das unidades federadas (PRAZERES, 2004, p. 301).

Dentro do objetivo do seu artigo a autora acredita que o ideal, mas pouco

provável, seria uma reforma constitucional que permitisse e regulasse as ações

internacionais dos entes federados; mas apresenta duas propostas que entende

mais realista, a primeira refere-se à atuação dos entes federados mediados pelo

Itamaraty, neste caso os acordos seriam assinados pelo Estado federal e as

unidades federadas seriam responsáveis pela implantação e execução do projeto12;

a segunda, fazer os acordos tendo por base o Direito Internacional Privado, assim a

celebração teria como partes empresas, fundações, associações, esses atuariam

como intermediário da unidade federativa (PRAZERES, 2004).

Importa destacar que, para a autora, as possibilidades mencionadas acima

não excluem necessidade imediata de aumentar as relações e conversas internas

entre os governos estaduais e federal. Assim, a intensificação do diálogo se faz

essencial para que a política externa do Brasil possa representar de forma mais

intensa os interesses dos governos subnacionais (PRAZERES, 2004).

Ainda fazendo o debate sobre federalismo e relações internacionais, José

Flávio Sombra Saraiva (2006) afirma ser necessária uma “profunda revisão dos

11

A autora menciona os escritórios em: Santa Catarina, Manaus, Recife, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio

Grande do Sul e Minas Gerais. 12

Cita o exemplo do Acordo de Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica entre o Governo da República

Federativa do Brasil e o Governo Popular da Hungria, que teve como entidade executora a Secretaria de Ciência

e Tecnologia do Estado de São Paulo.

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paradigmas que orientam as relações internacionais dos Estados federativos, uma

vez que no mundo todo existe uma elevação gradual de status quo dos entes

federativos ou das unidades subnacionais no processo de relações internacionais do

mundo contemporâneo” (p. 430).

Para ele no Brasil os entes federativos já têm uma atuação na política

exterior bem como na política comercial do país, mas ainda existe “um descompasso

entre os aspectos formais e reais no que tange à dimensão da ação externa dos

entes federativos. Há quase um abismo entre palavras e gestos” (p. 301).

Saraiva (2006), assim como Prazeres acima, lembram-se da criação da

Assessoria de Relações Federativas, mas como sendo um evento tardio de

reconhecimento das ações subnacionais por parte do Itamaraty. O autor destaca o

papel da Subchefia de Assuntos Federativos junto à Presidência da República, que

“vem permitindo engendrar movimentos políticos inéditos no âmbito internacional,

[...]” bem como buscando aproximação junto às assessorias e secretarias de

assuntos internacionais dos entes federativos (p. 431).

No seu entendimento, apesar do federalismo brasileiro ser marcado por

conflitos entre o governo central e as unidades federativas, isso não impediu que

essas últimas reivindicassem participação na elaboração da agenda de comércio

exterior. Assim, os “governadores de Estado vêm sublinhando quanto os interesses

dos Estados – membros da federação podem ser bastante diversos e quanto essa

diversidade deve ser considerada na formulação da política exterior e comercial”

(SARAIVA, 2006, p. 436). Caso emblemático seria os relacionados ao agronegócio

brasileiro.

Outro caso que merece atenção especial no campo das relações federativas é o do agronegócio brasileiro. Área que ocupa papel todo especial na inserção internacional do Brasil ante as regras duras do comércio internacional, ela vem sendo monitorada pela área federal muitas vezes sem uma boa interlocução com governos e interesses locais. O exemplo recente do controle limitado sobre a febre aftosa está por prejudicar, de forma estrutural, uma área fundamental, como a exportação de carne bovina brasileira (SARAIVA, 2006, p. 439).

Em que pese concordarmos com a passagem acima, veremos em capítulo

específico que o combate à febre aftosa foi um exemplo de sucesso em MT,

momento de grande diálogo entre MT, governo federal e a Bolívia.

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Saraiva exemplifica o centralismo e burocracia do governo federal com as

ações do Itamaraty, Ministério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio Exterior que tomam decisões sem o envolvimento das

unidades subnacionais.

O argumento crucial dos negociadores internacionais da União, ávidos por manterem a verticalidade dessa plataforma negocial, está no fato de que o emaranhado e a complexidade das várias negociações simultâneas exige coordenação central. Nesse sentido, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) já seria suficiente como lugar de interação dos atores domésticos no processo interno de circulação de informações e tomada de decisões. Se esse argumento é dotado de grande racionalidade e plausibilidade, o mesmo tem servido para reforçar o caráter centralista e estatocêntrico das negociações (SARAIVA, 2006, p. 441).

Aqui nos cabe uma observação em relação ao estado de MT. Como

veremos em capítulo especifico adiante, MT hoje não conta com uma equipe

especializada dentro do governo a ponto de poder oferecer subsídios para as

negociações internacionais brasileiras, mesmo as ligadas ao agronegócio, uma vez

que encontramos fortes indícios que tais informações, quando necessárias, são

buscadas junto às entidades de classe que representam os determinados setores

exportadores.

Com a ausência de uma equipe que seria capaz de fornecer informações e

participar dos debates do comércio exterior brasileiro, MT perde força e deixa de

apresentar seus interesses ao governo federal e também deixa de ter força para

pressioná-lo no sentido de defendê-los no cenário externo. Para Saraiva a criação

de agências, assessorias ou secretarias de governo com a função de pensar ações

internacionais é uma das boas ideias que governos subnacionais vêm tomando,

assim, podemos dizer que MT já está perdendo frente às unidades federativas que

implantaram tais setores.

Outras três possibilidades são apresentadas por Saraiva (2006) como forma

de fortalecer a participação dos entes federados: a) pressão política dos

governadores diretamente no governo federal ou no Congresso Nacional, essa “vem

sendo a forma mais explícita do agir das unidades subnacionais” (p. 443); b) viagens

internacionais dos governadores ou a implantação de escritórios internacionais, “na

forma de intervenção direta nas fontes financiadoras do comércio internacional” (p.

444); c) a exploração da geografia regional que pode determinar quais as relações

se deve priorizar, por exemplo: “Se a logística dos Estados do Nordeste do Brasil se

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dirigem prioritariamente para o contexto caribenho-europeu-africano, é natural que

os Estados do Sul do Brasil estejam mais voltados para o contexto platino da

América do Sul” (p. 445).

No fim do seu artigo, Saraiva (2006) reafirma que “a formação histórica do

federalismo esgarçado no Brasil construiu uma metodologia centralista e restritiva de

federalismo no que se refere à política externa e à política de comércio exterior” (p.

450) E que, mesmo diante das mudanças econômicas, políticas, sociais e

tecnológica das últimas décadas, o Brasil tem se mostrado conservador e tradicional

quando o assunto é política externa, sempre centralizando as suas ações no

governo federal. Diante deste quadro, o autor faz questão de dizer que essa relação

não é estática. “Ela opera de forma dinâmica no tempo, na geografia múltipla, bem

como na diversidade de interesses em jogo e nas possibilidades que se criam ante o

poder relativo de cada unidade subnacional” (p. 450). Para ele o Brasil precisa rever

essa posição centralizadora sob o risco de ficar “démodé no tratamento de tão

relevante dimensão estratégica para um país continental com interesses múltiplos e

geografia complexa na cena internacional” (p. 452); certo de que cada vez mais as

unidades federativas têm interesses externos e nem sempre são chamadas para

discutir políticas que tratam de seus interesses no âmbito internacional.

Abordado até o momento discussões sobre a globalização e também sobre

o federalismo, teremos adiante autores que analisam diretamente as ações externas

dos entes federados. Assim, vejamos Farias (2000), para quem a atuação dos

“Governos não Centrais” (GNCs) no cenário externo, tem evoluído bastante no Brasil

desde a Constituição de 1988, essa situação vem gerando uma “concepção que

limita a participação destes atores nas Relações Internacionais, considerando-as

competência exclusiva do Governo Federal” (p. 5). Ela ainda nos diz o seguinte:

Inúmeros atores não estatais têm sido apontados como agentes ativos nas relações econômicas e políticas internacionais. Além das chamadas ONGs (organizações não governamentais) e das empresas transnacionais, há também uma outra ordem de atores sub-nacionais atuantes no meio internacional: municípios, sub-regiões e, no caso de sistemas federados, os Estados Membros. Essa discussão ganha em interesse quando se trata de países territorialmente extensos e de regime Federalista, como por exemplo o Brasil, onde os interesses de cada Estado Membro podem ser bastante diversos. Essa diversidade de interesses dificulta a formulação de políticas unitárias e centralizadoras (FARIAS, 2000, p. 9).

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Celso Lafer (1982), em seu livro Paradoxos e Possibilidades, já sinalizava

essa nova ordem bem antes da Constituição de 1988, como podemos ver abaixo:

“Em síntese, a perspectiva ora em exame reconhece a relevância do Estado como ator preponderante na vida das Relações Internacionais, porém registra o aparecimento do fenômeno transnacional, isto é, de assuntos de relevância transnacional não canalizados necessariamente de Estado para Estado, mas que atuam no âmbito das diferentes sociedades civis. Classes, empresas, ideias, partidos, associações profissionais, órgãos da comunidade de informações e segurança, que atuam em vários países de forma paragovernamental – como a CIA -, são protagonistas no campo das Relações Internacionais, que atuam por caminhos e formas próprias e que, por isso, agregam uma dimensão transnacional às relações interestatais.” (LAFER, 1982, p. 24).

Lafer (1982) reitera e não deixa dúvidas quanto ao desgaste da ideia de

soberania idealizada sob a Lógica de Westfália, no mesmo livro, no tópico

denominado “As Nações Unidas e a Pax Americana”, volta a desconstruir e aponta

dois pontos fundamentais que levam à corrosão do referido conceito, quais sejam:

as necessidades e dilemas da cooperação internacional e, também, o

transnacionalismo. A respeito do primeiro nos diz:

Em síntese – esta é a conclusão -, creio que estamos a presenciar, hoje, os limites reais da Lógica de Westfália, limites que penso poder formular nos seguintes termos: os Estados não são auto-suficientes mas sim inter-relacionados; este inter-relacionamento mina o conceito clássico de soberania e exige a cooperação (LAFER, 1982, p. 79).

Sobre o segundo arremata:

A outra vertente que mina o conceito clássico de soberania é o transnacionalismo (grifo do autor), isto é, aquelas relações que não transitam necessariamente pelos canais diplomáticos do Estado, mas que influem nas sociedades e revelam que nenhum estado é auto-suficiente. Classes, empresas, valores e ideias, partidos, associações profissionais, grupos de pressão, são todos protagonistas no campo das relações internacionais, que agem por formas e caminhos próprios, agregando, por isso mesmo, uma significativa dimensão transnacional às relações internacionais (LAFER, 1982, p. 79).

Outros dois autores que abordam especificamente as ações dos entes

federados são, Maia e Farias (2006). Para ambos, as mudanças no cenário

internacional, como por exemplo, crise do petróleo, inovações tecnológicas,

consolidação de blocos econômicos, grandes empresas transnacionais entre outras,

são eventos que criaram um cenário para maior participação das unidades

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federativas. Assim, entendem que as fronteiras ficaram mais flexíveis e as relações

econômicas mais preponderantes que as questões de segurança.

Particularmente sobre o Brasil, eles destacam que os governos subnacionais

não são soberanos para agir no cenário externo, mas que a conjuntura econômica

desse cenário tem fomentado maior interesse dessas unidades federadas em

participar da arena internacional de forma direta. Ainda afirmam que a participação

delas, no caso brasileiro passou a ocorrer após a democratização:

Inserção internacional dos estados brasileiros somente se materializou com a redemocratização operada a partir da segunda metade da década de 1980. Desde então, vários estados-membros têm buscado, com a aprovação tácita do Governo Federal, incrementar sua situação econômica através do relacionamento direto com outros atores, como países ou governos subnacionais de outros países (MAIA; FARIAS, 2006, p. 53-54).

Encontramos também em Pereira (2004), o relato de algumas mudanças

provocadas pela globalização que ajudaram a fortalecer as ações internacionais de

outros atores, que não o Estado Nação:

[...] o enfraquecimento do Estado Nação, por conta da diminuição de sua soberania; o fortalecimento do direito internacional público; o surgimento e fortalecimento de diversos atores em Relações Internacionais (governos subnacionais, empresas transnacionais, organizações não governamentais) e o aumento dos fluxos de informações, de capitais, de tecnologias, e de pessoas (PEREIRA, 2004, p.12, 13).

Para Pereira (2004) todas as mudanças acima são reflexos diretos dos

avanços tecnológicos nas áreas de comunicação e informática, da

desregulamentação e da mobilidade do capital financeiro, da abertura comercial, da

formação de blocos econômicos, e do esgotamento do socialismo real soviético.

Dentro desse cenário é que está sendo construída a maior participação de entes

subnacionais.

Farias (2000)13, assim como Pereira, destaca que o movimento ocorrido ao

longo da segunda metade do século XX, quais sejam, o fim do condicionamento das

políticas externas baseadas em questões de segurança e a grande volatilidade do

capital financeiro, bem como o fortalecimento das relações econômicas entre os

13

Sobre este assunto ver, além da obra de MAIA e FARIAS (2006) mencionada anteriormente, a dissertação de

mestrado de FARIAS (2000), Federalismo e relações internacionais.

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países, passou a exigir uma máquina burocrática mais ágil que nem sempre os

governos centrais (GC) possuíam, mas que foi encontrada nos governos não

centrais (GNCs). Assim, nos parece que, para a autora, os governos centrais seriam

morosos para a resolução dos problemas, mas o fato é que ela também não aponta

situações que possam comprovar essa suposta morosidade.

Se Pereira (2004) e Farias (2000) concordam que as mudanças no cenário

internacional criaram ambiente para a participação dos entes subnacionais, o

primeiro acredita que as ações devem estar focadas mais em questões econômicas,

o que fica claro quando, em sua análise, conclui que “a diplomacia federativa dá

ensejo à possibilidade de os governos locais promoverem ações externas com vistas

a fomentar o desenvolvimento de empresas sediadas nos seus respectivos

territórios” (PEREIRA, 2004, p. 6). Já Farias (2000) lembra que a economia não é o

único fator que deve ser considerado, uma vez que questões culturais, de combate

às drogas, ambientais e humanitárias também são importantes e passíveis de

demandarem tais ações externas por parte das unidades federadas.

Outro autor que trata sobre as ações internacionais dos entes federados é

Rodrigues. Ele nos traz a definição de “política externa federativa como sendo, a

estratégia própria de um estado ou município, desenvolvido no âmbito de sua

autonomia, visando à sua inserção internacional, de forma individual ou coletiva; e

também de diplomacia federativa, que é a expressão criada pelo MRE para

identificar as ações internacionais de estados e municípios brasileiros no âmbito da

política externa” (p. 36). Importante destacar que tais conceitos servirão de base

para os nossos estudos neste trabalho. Assim, é a partir deles que serão estudadas

as ações internacionais de Mato Grosso.

Depois de tal definição, Rodrigues (2009) se volta para o relato de alguns

acontecimentos históricos que tiveram importância no desenvolvimento da política

externa federativa, perceberemos muitas semelhanças entre Farias e Pereira. Para

ele “o fim da Guerra Fria [...] mudou radicalmente o rumo das relações internacionais

e abriu novas veredas e debates teóricos sobre este campo de saberes” (p. 48).

Destaca que:

O reconhecimento dos governos subnacionais como instâncias de decisão necessárias para a execução de políticas globais encontrou no Relatório

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Our Global neighbourhood14

, da Comissão sobre a Governança Global, a chave da ideia-força eleita para presidir programas, estratégias e ações públicas e privadas no século XXI. [...] Os governos locais foram elevados à condição de parceiros necessários das novas estratégias globais de governança, aí incluídas as políticas públicas de matriz internacional, voltadas aos direitos humanos, à saúde pública, ao desenvolvimento sustentável e outras. A virada nas instâncias locais começou a ser sentida de maneira muito particular nos organismos econômicos e programas internacionais dedicados a financiar o desenvolvimento, O Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), assim como o Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) passaram a conceber novos planos de

investimento para os governos locais (RODRIGUES, 2009, p. 48).

O mesmo autor menciona, ainda, as questões ligadas ao meio ambiente,

saúde e educação como no trecho abaixo, ao destacar que tais assuntos foram

temas importantes que fortaleceram a participação dos GNC, quando se tornaram

pauta de uma nova agenda internacional:

Meio ambiente, urbanização e temas sociais, como educação e saúde, conquistaram um novo status em que os governos subnacionais passaram a ter um papel fundamental. As cidades se destacaram nesses novos debates, pois o adensamento demográfico se agudiza nos grandes entornos urbanos, nas regiões metropolitanas, que em vários países concentram mais de 50% de sua população e os mais difíceis problemas e desafios do desenvolvimento sustentável têm aí seus nós górdios (RODRIGUES, 2009, p. 50).

Na opinião de Rodrigues (2009), foi na Conferência Habitat II, ocorrida em

Istambul, em 1996, na qual se realizou a primeira cúpula das Nações Unidas, que se

ofereceu uma plataforma oficial para representantes de autoridades locais e

sociedade civil, por meio do Fórum Mundial de Cidades e Autoridades Locais. Após

essa conferência, segundo o autor, passou-se a se falar de uma ONU com poderes

locais.

Rodrigues acredita que as mudanças provocadas pela globalização geraram

uma disputa maior entre as unidades federativas, uma vez que elas passaram a se

confrontar para defender seus interesses, intensificando assim as ações

subnacionais.

14

Aqui o autor cita o seguinte trecho do relatório Our Global Neighbourhood. The Report of the Comission on

Global Governance, (RODRIGUES, 2009, p. 48): “Effective global decision-making thus needs to build upon and influence decisions taken locally, nationally, end regionally and to draw on the skills and resources of a

diversity of people and institutions at many levels” / “A tomada de decisões globais, para ser eficaz, necessita

então ser erigida a partir de, e ao mesmo tempo influenciar, as decisões tomadas localmente, nacional e

regionalmente e ser elaboradas a partir das capacidades e recursos de uma diversidade de pessoas e instituições

em vários níveis” (RODRIGUES, 2009, p. 48, tradução do autor).

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“Em Estados com forma federativa ou quase-federativa, a questão de competitividade deixou de ser uma preocupação apenas dos governos centrais. Com a abertura das fronteiras econômicas, os governos subnacionais se viram expostos a novos fluxos de capitais e de investimento e começaram a disputar diretamente esses recursos, o que antes era monopolizado pelo governo federal. Uma das consequências da globalização foi a deterioração da produção, a possibilidade de produzir em qualquer lugar, e então as empresas transnacionais voltaram-se para os chamados mercados emergentes, que passam a integrar teias globais, gerando acirrada competitividade intra e inter-governos subnacionais. (RODRIGUES, 2009, p. 52).

Alguns questionamentos podem ser feitos sobre as afirmações de Rodrigues

(2009), por exemplo, quando afirma que houve uma maior integração da economia

regional no pós Guerra Fria. Aqui o autor parece não levar em conta a formação da

Comunidade Economia Europeia (CEE) em 1958, da Associação Europeia de Livre

Comércio (EFTA) em 1960, da Associação Latino Americana de Livre Comércio

(ALALC) de 1960, ou ainda, da Associação Latino Americana de Integração (ALADI)

1980, todas criadas antes do fim da Guerra Fria.

Outra questão que, nos parece, deva ser levantada, é sobre os

investimentos das empresas transnacionais, como aponta Rodrigues. Tais

aplicações seriam frutos de negociações entre o governo federal e a empresa?

Assim um caso de política externa. Ou fruto de negociações entre o governo

estadual e a empresa? Assim um exemplo de política externa federativa. Ou ainda,

se os investimentos são tratados com o governo central, para só posteriormente se

debater qual a unidade da federação o receberia? Assim política interna.

Levando em consideração unidades federativas, particularmente MT, o

importante é que elas possam se aproveitar da maior autonomia que têm tido, para

defender os seus interesses e se projetarem no cenário externo. Essa

movimentação para o cenário externo não pode ser vista como algo completamente

novo e inédito, mas como um processo que está sendo construído e atualmente

encontra um cenário propício para intensificação dessas relações. Vejamos o

entendimento de Wagner de Melo Romão sobre os entes subnacionais (cidades,

estados, províncias, regiões, departamentos):

Portanto, embora cidades europeias e norte-americanas já se relacionassem entre si desde o início do século passado, as condições históricas para a intensificação das atividades internacionais de cidades são

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bastante recentes. Em primeiro lugar, há que se considerar que as relações internacionais hoje se dão em um contexto político bastante distinto do que há pelo menos trinta anos. O relaxamento das tensões internacionais com o enfraquecimento do bloco soviético e o fim da Guerra Fria possibilitaram que os países pudessem estabelecer relações entre si com maior liberdade e pragmatismo. Isso também se refletiu na diminuição das desconfianças dos governos nacionais com relação às ações externas de suas unidades subnacionais, tornando este fenômeno mais difundido pelo mundo (ROMÃO, 2009, p. 48)

Finaliza dizendo que se deve considerar também o fim de ditaduras, bem

como, a formação de blocos econômicos como eventos que facilitaram as relações

dos entes subnacionais.

O que se viu nos anos 1980 e 1990 foi um processo contínuo de descentralização dos poderes nacionais, ocorrido em parte pelo fim de muitas ditaduras centralizadoras (Espanha, Portugal, Brasil Argentina e outros) e, sobretudo, pelo surgimento de blocos econômicos como a União Europeia e o Mercosul (ROMÃO, 2009, p. 48).

Para ele, o conjunto desses eventos foi responsável por consolidar

estruturas regionais e locais de governo o que facilitou as instâncias subnacionais e

flexibilizou as estruturas dos países federativos.

Por fim, vale relembrar a ideia de Saraiva, mencionada acima, e que

aparece em outro artigo, mencionando a participação dos entes federados nas

relações exteriores do Brasil:

Há que se fazer ressaltar a necessidade de uma profunda revisão dos paradigmas que orientam as relações internacionais dos estados federativos. Esse movimento vem acontecendo, em escala diferenciada, em todo o mundo e expressa a elevação gradual de status quo dos entes federativos ou das unidades subnacionais no processo de gestação das relações internacionais do mundo contemporâneo. No caso brasileiro, a chamada paradiplomacia dos entes federativos vem demonstrando vigor excepcional nos últimos anos, sinalizando fenômeno original na conformação do processo decisório da política exterior e comercial do país. Inédita é a introdução de um certo “federalismo social”, em torno do qual a autoridade política descentralizada atua mais próxima às realidades e interesses socialmente constituídos. Essa nova dimensão, que emerge na base das transformações que ocorrem nos planos mais locais da vida federativa, vem impregnando positivamente a gestão do estado (ROMÃO, 2009, p. 132, 133).

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1.3 Ações externas federativas – questões jurídicas

Diante deste quadro, onde os governos subnacionais aparecem como atores

internacionais, uma ação do Itamaraty também se torna digna de registro. Como já

mencionado acima por Tatiana Prazeres, vários outros autores destacam a criação

dos escritórios de representação como sendo uma ação que ajuda a construir a

legitimidade das ações dos entes federados. Dentre eles podemos citar Rodrigues,

para quem

[...] a legitimidade das relações internacionais de estados federados e municípios é um processo em construção, que se alimenta dos movimentos de ação/reação do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Com efeito, o MRE criou a Assessoria de Relações Federativas (ARF) em 1997, órgão da assessoria do gabinete do ministro, para lidar com as crescentes demandas federativas. Em 2003, a ARF foi transformada em Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (Afepa). A Afepa dispõe de uma rede de escritórios Regionais do MRE (Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo), órgão que apoiam e auxiliam as ações internacionais de estados e municípios (RODRIGUES, 2009, p. 38, 39).

No site do MRE podemos encontrar pequena explicação que mostra um

pouco o espírito que está por trás dos Escritórios de Representação15. O texto foi

15

“O Itamaraty tem procurado, ao longo dos últimos anos, intensificar o diálogo com os Estados da Federação e

Municípios, assessorando-os em suas iniciativas externas, incentivando, apoiando e orientando sua ação e

presença internacionais, observada, naturalmente, a competência constitucional do Governo Federal em matéria

de formulação e implementação da política externa brasileira. Para isso criou uma Assessoria de Relações

Federativas, a ARF, e escritórios de representação em diversos estados da Federação, aos quais vem se somar

agora o de Minas Gerais (EREMINAS).

Os escritórios regionais têm favorecido uma maior aproximação da Chancelaria com a sociedade, e estendido ao

empresariado dos Estados onde atuam um acesso mais direto ao comércio exterior. Também têm procurado

facilitar o intercâmbio entre os Estados e o exterior nas áreas de cooperação científica e tecnológica, intercâmbio

educacional e difusão cultural. Os Estados da Federação e Municípios adquiriram, ao longo dos últimos anos,

uma crescente inserção internacional. Belo Horizonte, para citar um exemplo, firmou há pouco tempo, convênio

de cooperação técnica na área das pequenas e médias empresas com a cidade italiana de Bolonha. A capital

mineira viveu recentemente a experiência da cooperação internacional de forma muito positiva, como sede da

Secretaria-Executiva da rede Mercocidades, no período de outubro de 1999 a setembro de 2000. Belo Horizonte

sediou ainda importantes eventos de grande interesse nacional, como a reunião da ALCA, em 1997, e a

Comissão Mista Empresarial Brasil-Alemanha, em 1999.

A cooperação internacional poderá propiciar benefícios mais amplos ao Estado e aos municípios de Minas

Gerais, e o escritório do Itamaraty estará pronto para apoiar suas iniciativas nessa área. O Escritório abre também

a possibilidade de ampliar a cooperação com o meio acadêmico. O Itamaraty já firmou convênios de cooperação

com seis universidades mineiras – a PUC/MG, a Unicentro Newton Paiva, a UNA – União de Negócios e

Administração, a UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais, a Universidade Federal de Juiz de Fora e a

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apresentado na inauguração do Escritório de Minas Gerais. Nele, parece-nos

prevalecer a ideia de que o Itamaraty, a título de assessoramento e orientação das

ações externas das unidades federadas, busca fiscalizar tais ações e deixar claro

que o governo central detém competência constitucional em matéria de formulação e

implementação de política externa. Dentro desta perspectiva, a autonomia, que

muitos autores apontam, dos governos subnacionais é bastante relativa, uma vez

que o governo central busca acompanhar tais ações de muito próximo e talvez até

com alguma interferência.

Como já destacado anteriormente, assim como Prazeres e Rodrigues,

Saraiva (2004, p. 133) também é outro autor que faz uma ligação entre a visibilidade

que as ações internacionais dos entes federados ganharam com a criação, em 1997,

da Assessoria de Assuntos Federativos, no Ministério de Relações Exteriores,

posteriormente chamada de Assessoria Especial de Assuntos Federativos e

Parlamentares. Bem como, com a criação, no início do governo Lula, da Subchefia

de Assuntos Federativos ligada à Presidência da República que, segundo o autor,

permitiu a realização de movimentos políticos inéditos, no “gerenciamento de

projetos cooperativos na área internacional, como nos casos de interlocução de

prefeituras de cidades paulistas com cidades italianas da Planície do Pó” (p. 133).

Para esses autores existe, por parte do governo federal, com a criação dos

departamentos mencionados, o reconhecimento de que os governos subnacionais

estavam agindo externamente e que por isso não poderiam ficar sem um interlocutor

na esfera federal.

Para nós, não fica claro, na fala dos autores, o entendimento deles, se a

criação de tais departamentos seria uma espécie de controle do governo federal

sobre os entes federados, ou se são apenas um parceiro em tais ações.

Outro autor que destaca a intensificação das ações internacionais dos

governos subnacionais é Kjeld Jakobsen (2009), para quem os atores subnacionais

(estados e municípios) têm atuado, cada vez mais, em questões ligadas aos direitos

Universidade Federal de Minas Gerais. Os acordos têm permitido a difusão de informações sobre temas

internacionais relevantes para o estado e seus municípios. O Ministério das Relações Exteriores agradece ao

Governo do Estado, à Federação das Indústrias de Minas Gerais, ao Centro das Indústrias das Cidades Industriais

de Minas, à Câmara de Dirigentes Lojistas, à Federação das Associações Comerciais, Industriais e

Agropecuárias e de Serviços de Minas Gerais e à Câmara Internacional do Comércio o apoio recebido para a

abertura do EREMINAS”.

Disponível em: <http://ereminas.itamaraty.gov.br/pt-br/sobre_o_ereminas.xml>. Acesso em: 27 nov. 2011.

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fundamentais como saúde, educação e moradia. Essa situação tem feito com que

eles busquem parcerias e construam estratégias no cenário internacional. Para ele:

[...] as atividades internacionais de municípios têm aumentado de modo significativo nas últimas décadas em virtude da descentralização administrativa e da ampliação das responsabilidades sociais das prefeituras, bem como pelos desafios introduzidos pela globalização (JAKOBSEN, 2009, p. 24).

Jakobsen (2009) entende que essa intensificação de ações dos municípios

no cenário internacional ocorre porque os governos centrais não têm conseguido

atender as demandas municipais, principalmente nos assuntos ligados aos direitos

fundamentais. Porém, para o autor, apenas cidades grandes e algumas de porte

médio têm condições de fazer investimentos e manter tais iniciativas. Tal raciocínio

pode ser remetido aos entes federados, uma vez que o autor, em diversas

passagens do seu artigo, assim o faz.

Outro ponto a se destacar é que, para ele, tais ações só têm sentido se o

estado funcionar “como indutor de desenvolvimento e provedor de bem estar social,

e não a partir da posição neoliberal de que estes fatores brotam do funcionamento

das leis de mercado e da livre-iniciativa” (JAKOBSEN, 2009, p. 25). Assim, chama

atenção para o fato de que as ações internacionais feitas por empresas não têm,

necessariamente, os mesmos objetivos dos entes subnacionais que devem sempre

promover o bem comum (p. 26).

Para se chegar ao bem comum, o autor defende que as ações externas dos

governos subnacionais devem atuar com base em dois princípios: complementação

à política externa do governo central e diplomacia pública. Sobre o primeiro

exemplifica mencionando “uma série de tratados e compromissos assumidos pelos

governos centrais que requerem a participação dos governos municipais para ser

(sic) efetivados” (JAKOBSEN, 2009, p. 26)16. Sobre o segundo, apresenta a seguinte

definição de Joseph Nye: “[...] diplomacia pública também é a soma da diplomacia

16

Os exemplos dado pelo autor é o Protocolo de Kyoto (1997), que fala da redução das emissões de CO2; os

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU (2000), que fala da erradicação da pobreza, da fome, do

ensino primário universal, da igualdade de gênero, redução da mortalidade infantil, combate a malaria entre

outros; programas do Banco Mundial, como o Cities Alliance de erradicação de favelas.

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fechada do Estado nacional com a desenvolvida pelos demais atores não-

governamentais e dos entes subnacionais (estados e municípios)” (p. 30) 17.

Jakobson (2009) vê a diplomacia pública como um meio para promover o

Soft Power, que atua levando em consideração fatores culturais (hábitos, arte e

tecnologia), valores políticos e éticos, e a moral da política exterior (p. 29). Desta

forma, estados e municípios, poderiam utilizar suas características regionais e

naturais para se promover internacionalmente:

O Brasil, por exemplo, possui uma série de vantagens naturais quanto a estes componentes, e isso lhe permite utilizar soft Power em sua política externa para exercer influência e atrair admiradores: cordialidade, simpatia, cultura alimentar e hospitalidade do povo em geral. Também a música, a dança e as atividades artísticas e folclóricas, como o carnaval. [...] Transferidos estes conceitos aos governos municipais, haverá interesse em promover os valores, a cultura e a história das cidades; construir influência política e contribuir com as decisões; atrair insumos e benefícios econômicos e técnicos; modernizar-se e aproveitar as oportunidades oferecidas pela globalização (JAKOBSEN, 2009, p. 29, 30).

Para ele, é dentro desta perspectiva que os municípios devem se

movimentar e articular, criando possibilidades para interagir com o governo central,

ONGs, empresários, sindicatos, constituindo mecanismos que objetivem defender os

interesses e demandas da sociedade (JAKOBSEN, 2009).

Feita até aqui uma abordagem prestigiando um viés de ação política,

passemos agora a tecer comentários sobre a questão jurídica envolvendo os entes

federados. A ideia é ver o posicionamento sobre a possibilidade de as unidades da

federação agirem e se relacionarem no cenário externo, bem como perceber se tais

ações têm legitimidade e reconhecimento por parte dos Organismos Internacionais e

Estados Soberanos.

É fato que o entendimento majoritário dos doutrinadores e juristas brasileiros

vai ao encontro da ideia de que somente o Governo Federal tem a legitimidade para

elaborar e executar as políticas externas do Estado brasileiro. Nesta linha de

pensamento enquadram-se grandes nomes como Guido Soares, Hildebrando

Accioly, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, José Francisco Rezek.

Rodrigues (2004) menciona as seguintes passagens para ilustrar o

pensamento dos autores mencionados. O primeiro assevera que “a organização

17

Esta definição é apresentada por Jakobsen, tendo por base os seguintes livros de Joseph Nye: The Paradox of

American Power (2002) e Soft Power (2004).

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interna dos Estados é assunto que foge ao Direito Internacional, constituindo-se o

denominado domínio reservado dos Estados” (p. 54, 55); o segundo e terceiro

afirmam que “a personalidade externa existe somente no superestado, isto é, no

Estado Federal. Os seus membros, ou seja, os estados federados possuem

simplesmente a autonomia interna, sujeita esta, entretanto, às restrições que forem

impostas pela constituição federal” (p. 54, 55); por fim, Rezek afirma que “Estados

federados, exatamente porque federados, não têm personalidade jurídica de direito

internacional público, falecendo-lhes, assim, a capacidade para exprimir voz e

vontade próprias na cena internacional” (p. 54, 55)

As manifestações dos autores citados anteriormente têm por base algumas

passagens da Constituição Federal de 1988, dentre as quais podemos mencionar os

artigos 21, 49, 52, 84. O primeiro faz menção às competências da União, dentre as

quais podemos citar o inciso I - manter relações com Estados estrangeiros e

participar de organizações internacionais; no artigo 49, inciso I, temos: “É de

competência exclusiva do Congresso Nacional: resolver definitivamente sobre

tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos

gravosos ao patrimônio nacional”; o artigo 52 traz as competências do Senado

Federal, dentre as quais destacamos o inciso V – “autorizar operações externas de

natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos

Territórios e dos Municípios”; por fim, e não menos importante, o artigo 84, que nos

mostra as atribuições do Presidente da República, incisos VII – “manter relações

com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos”; e VIII –

“celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do

Congresso Nacional” (MAZZUOLI, 2009).

Rodrigues (2004) nos diz ainda que no âmbito internacional é consenso que

os governos subnacionais não são reconhecidos como pessoas de Direito

Internacional Público; desta forma, não têm legitimidade para representar os

Estados. O mesmo entendimento ocorre no Brasil. Essa situação é mais clara

quando consideramos o ordenamento jurídico da Organização das Nações Unidas

(ONU); ao analisar a Carta de las Naciones Unidas y Estatuto de la Corte

Internacional de Justicia, Rodrigues afirma que “não há nenhuma menção a

governos subnacionais na Carta da ONU”, e continua dizendo que nem poderia,

uma vez que as “relações internacionais naquele momento (26 de junho de 1945)

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ainda estavam pautadas pelo paradigma de Vestfália, em que somente os Estados-

nação possuíam o estatuto jurídico internacional” (p. 56).

Essa visão dominante, conforme o próprio Rodrigues (2004) não impede que

haja atualmente, o que considera ser, certo reconhecimento de Organismos

Internacionais da importância da participação dos governos subnacionais no cenário

externo. Ele lembra que:

Embora os governos subnacionais não sejam reconhecidos como sujeitos

de direito internacional público, o reconhecimento de sua existência e de

sua importância pelo sistema da ONU pode ser observado em diversos

instrumentos de organismos especializados do sistema, por meio da

cláusula federal. A preocupação se justifica na medida da existência de

diversos Estados federais ou Estados unitários descentralizados em que os

governos subnacionais dispõem de graus variados de autonomia, a

depender do regime constitucional de cada Estado (RODRIGUES, 2004, p.

57).

Aparentemente, tentando contrapor a visão dominante, Rodrigues (2004)

mostra situações que considera serem exemplos de um reconhecimento tácito das

ações dos entes subnacionais. Para tanto, destaca o artigo 10 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), que fala da necessidade de submeter normas da

OIT para apreciação dos governos subnacionais; destaca a Convenção sobre o

Estatuto dos Refugiados que obriga aos governos centrais a comunicar, sobre o

conteúdo da Convenção, aos entes federados entre outros (RODRIGUES, 2004, p.

57)18.

18

“Por exemplo, na Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) há disposições expressas

sobre os Estados federais. O artigo 19, que trata sobre os convênios e as recomendações, embora equipare as

obrigações dos Estados federais aos não-federais, em face da OIT, lista uma série de obrigações que os Estados

federais devem tomar para garantir a aplicação interna das normas, dentre elas: medidas efetivas para submeter

as normas da OIT à apreciação dos governos subnacionais; consultas periódicas com os governos subnacionais

visando promover medidas coordenadas para a execução das normas da OIT; obrigação de informar ao Diretor

Geral da OIT sobre as referidas medidas e sobre a situação federativa atinente às normas da OIT que se visa

implementar.

Outro tratado constitutivo que contém uma cláusula federal é a da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados,

de 28 de julho de 1951. O artigo 41 do Estatuto dispõe que os Estados federais ou não-unitários, cuja aplicação

das regras da Convenção dependa das competências federativas, deverão comunicar aos governos subnacionais o

texto da Convenção, bem assim deverão informar sobre a legislação e as práticas federativas relacionadas à

aplicação das disposições da Convenção. [...]

A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, fruto de longo trabalho de codificação da Comissão

de Direito Internacional (CDI), em seu texto final possui um dispositivo fundamental que impede o Estado

membro do tratado de invocar questões impeditivas internas para descumprir o texto convencional, fato atinente

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Tenta assim destacar que na atualidade, apesar do discurso oficial não

reconhecer legitimidade dos governos subnacionais para agir no cenário externo, na

prática, algumas mudanças vêm ocorrendo a ponto de se considerar importante tais

ações. O que o autor não aborda, e que nos parece importe, é que tais ações, para

serem legítimas, devem se socorrer necessariamente de uma manifestação do

governo central. Assim, a legitimidade, da unidade federativa, para agir ou não no

cenário internacional, só existirá se autorizada pelo Estado.

Diante desta nova realidade, Rodrigues conclui que os governos

subnacionais são plenamente reconhecidos como atores internacionais; mas não

são reconhecidos pelo direito público internacional como tendo personalidade

jurídica internacional. Neste ponto seria correto perguntar: do que vale ser

reconhecido como ator e agir no cenário internacional sem ter legitimidade para

tanto? Dessa forma, percebemos que a resposta passa mais uma vez pelo governo

central, que é quem será capaz de avalizar tais ações. Seria assim correto falar em

autonomia dos governos subnacionais? Parece-nos que não.

Afirma, ainda, que o não reconhecimento jurídico no cenário internacional

faz com que os governos subnacionais não tenham o reconhecimento dos acordos

que firmam, ficando na esfera da informalidade. Mas o que ocorre é uma tendência

que parece ser o da validação de tais acordos, levando a uma previsão

Constitucional.

Outro a defender mudanças no ordenamento jurídico interno é Antonio Paulo

Cachapuz de Medeiros (2007), como veremos adiante. Para Medeiros a visão

dominante, de que os entes subnacionais não têm personalidade jurídica para o

Direito Público Internacional, não impede que os municípios e unidades federadas

ajam internacionalmente e cada vez como mais frequência. Como relata: “As

unidades federadas brasileiras agem na cena internacional, perseguindo objetivos

à autonomia dos governos subnacionais. Trata-se do artigo 27, que diz: “Uma parte não pode invocar as

disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado”.

O sistema da ONU vem absorvendo, de forma crescente, novas demandas originadas com o fim da Guerra Fria, e

os novos atores subnacionais partícipes de conferências e da própria estrutura onusiana, como o Conselho

Econômico e Social da ONU (ECOSOC). Mas é possivelmente no Banco Mundial em que os governos

subnacionais têm explorado melhor as oportunidades. Com efeito, o Banco Mundial, assim como outras agências

da ONU, atende e negocia empréstimos diretamente com entes subnacionais, desde que o aval ou a garantia seja

dada pela União Federal. Há hoje toda uma estrutura internacional dos organismos financiadores voltada para o

relacionamento direto com os governos subnacionais” (RODRIGUES, 2004, p. 57).

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59

de cooperação, comércio, turismo, captação de investimentos, bem como de

intercâmbio cultural, científico e educacional”. (p. 202).

Segundo Medeiros (2007), essas ações, também denominadas de

paradiplomacia, são reflexos da “horizontalização das relações internacionais, da

segmentação objetiva das políticas nacionais e da globalização” (p. 202). Diante

deste novo quadro das relações internacionais, Medeiros afirma ser importante e

necessário se estabelecer “uma fórmula que permita a celebração de convênios

pelas unidades federadas com subunidades políticas ou administrativas

estrangeiras, desde que aprovadas previamente pelo Ministério das Relações

Exteriores [...] (p. 202)”.. Essa participação do MRE no processo se faz necessária a

fim de se evitar conflitos entre os convênios e a Lei Federal ou com a política

externa brasileira.

Medeiros aponta que inúmeras são as iniciativas de ações paradiplomáticas

no Brasil e acredita que elas vão se intensificar. Por isso, é importante que haja uma

reflexão sobre o tema e que ele seja previsto pelo nosso ordenamento jurídico. O

que ocorre hoje é que:

Não sendo possível qualificar as unidades federadas como sujeitos de Direito Internacional, os convênios por elas firmados com unidades estrangeiras não são tratados internacionais, logo, não pertencem ao ordenamento jurídico internacional, mas ao direito interno de cada uma das partes. Esses instrumentos não podem obrigá-las ou ao Estado brasileiro no plano internacional (MEDEIROS, 2007, p. 202).

O autor lembra ainda que, mesmo que a doutrina clássica, mais adotada

pelos países, defenda a ideia de que as unidades políticas do Estado não possuem

capacidade internacional; é grande o número de países que vêm reconhecendo a

capacidade das unidades subnacionais de pactuarem com outros Estados, inclusive

garantindo constitucionalmente tais ações (MEDEIROS, 2007).

Aparentemente, a maior preocupação de Medeiros (2007) está em regular

tais movimentos internacionais, para que se evite conflito entre as ações dos entes

subnacionais e as do governo federal. Apesar de diagnosticar as ações

paradiplomáticas, o autor em momento algum questiona o papel do Estado como

sendo o único legítimo para agir internacionalmente, assim, acreditamos, deve ser

dele o papel de regular e autorizar a participação dos entes federados, limitando ou

não a autonomia de tais ações, na medida em que, as referidas ações, devam

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sempre ser submetidas a uma representação do governo federal. Finaliza afirmando

que: “Compete aos Estados determinar, em seu direito interno, quem tem

capacidade de celebrar tratados no plano internacional” (p. 204).

Outro autor que deve ser mencionado é José Vicente da Silva Lessa (2007),

para quem, é de se pontuar a prática rotineira e crescente da paradiplomacia no

Brasil, mesmo “a despeito de a Constituição Federal estabelecer [...] o princípio

segundo o qual somente o Estado federal [...] tem poder e voz em matéria de política

externa” (p. 11).

A implementação da paradiplomacia ocorre para se alcançar os mais

variados objetivos e interesses. Para tanto, as unidades federadas ignoram a

legislação federal que impede tais ações:

Com relação ao Brasil, aponta-se a total impossibilidade jurídica da celebração de “atos internacionais”, sob quaisquer que sejam as denominações, que tenham por “partes contratantes” unidades federadas e entidades de direito público estrangeiras. Isto não impede, na prática, a ação de governos estaduais e municipais, os quais, agindo a partir do que percebem ser o interesse regional ou local, buscam abrir e explorar “janelas de oportunidade” econômicas e comerciais, estabelecer vínculos de cooperação técnica, tecnológica, científica, cultural e educacional, não apenas com países ou áreas administrativas estrangeiras com as quais tenham fronteiras comuns, mas também com aquelas situadas em outras latitudes do planeta (LESSA, 2007, p. 12).

Em sua obra Lessa (2007) traz a definição do termo paradiplomacia, que foi

cunhado por Panayotis Soldatos, “para designar a atividade diplomática

desenvolvida entre entidades políticas não-centrais situadas em diferentes Estados”

(p. 15). Para Lessa (2007, p. 15) “a atividade diplomática pode ser desenvolvida de

forma coordenada e complementar à diplomacia conduzida pelo Estado central,

como também pode estar em conflito ou em competição com a diplomacia

‘tradicional’”.19

Lessa (2007) detecta que tal movimento em direção à paradiplomacia tem

sido cada vez mais constante nos últimos anos, e vem ocorrendo por algumas

razões:

Entre as características mais marcantes das relações internacionais, nas últimas duas décadas, aponta-se a crescente pluralidade dos vetores de interação. A condução da política externa dos países já há muito não se restringe aos esquemas verticalizados de outrora, palco, por excelência, de

19

Essa definição se aproxima e muito da de política externa federativa apresentada anteriormente por Rodrigues.

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atuação dos agentes oficiais dos Estados. Entre as fissuras abertas numa ordem planetária em rápida expansão e sem rumos claros, marcada pela generalização das relações horizontais, emergem novos e variados agentes dotados de uma consciência de cidadania ampliada e da percepção da multiplicidade disponível de possibilidades de interação, facultadas pela instantaneidade e pelo alcance global das comunicações (LESSA, 2007, p. 17, 18).

Dentro desta perspectiva onde a busca por parcerias aparece como sendo

prioridade para gerar desenvolvimento, Lessa (2007) afirma que:

Autoridades responsáveis pelos governos locais nutrem a convicção de que, sendo os espaços estaduais e municipais aqueles em que se organiza a vida produtiva do país, onde vivem e trabalham os cidadãos, será também este o plano onde melhor se poderão aferir as necessidades concretas da nacionalidade. Em virtude desse entendimento, buscam os governadores atuar como “dinamizadores” regionais, fautores do progresso econômico e social – e mesmo como colaboradores do governo central, suplementando com suas ações paradiplomáticas as políticas de integração e de desenvolvimento deste último (LESSA, 2007, p. 22).

Lessa (2007) mostra a participação paradiplomática como sendo um

elemento caracterizador da horizontalidade das relações internacionais. Destaca que

a percepção dos governos locais, associações civis e de grupos organizados é a de

que os seus interesses e soluções para seus problemas podem estar para além de

suas fronteiras. “Consolida-se a percepção de que as oportunidades de superação

de vicissitudes e de contingências históricas específicas podem ser encontradas

num contexto mais fecundo da cooperação internacional” (p. 23).

Em nosso entender a principal ideia que permeia a fala dos autores que

abordam as ações externas dos entes federados no aspecto jurídico, é a falta do

respaldo na legislação. Já vimos acima e veremos abaixo, autores mencionando

esta preocupação e dizendo da necessidade de se criar uma legislação que

recepcione tais atuações. Neste sentido vai André Costa20, no prefácio que faz do

livro de Clóvis Brigagão (2005):

Ao contrário de federações como Argentina, Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Rússia e Suíça, que criaram base institucional em suas respectivas constituições para que seus entes federados atuem no campo internacional, em minha experiência profissional na Subchefia de Assuntos Federativos da Presidência da República e evidentemente como diplomata de carreira, pude testemunhar que os acordos e convênios internacionais firmados entre unidades federadas brasileiras e homólogos estrangeiros são assinados “no fio do bigode” e carecem de respaldo jurídico (BRIGAGÃO, 2005, p.13).

20

Diplomata de Carreira e Deputado Federal pelo PDT/RJ.

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Fato é que, o descompasso entre a realidade social e as leis positivadas,

quase sempre existe, no Brasil não poderia ser diferente, como afirma Saraiva em

artigo já mencionado, sobre as ações externas de entes federativos:

Ao contrário, o Brasil é um exemplo extraordinário de descompasso entre os aspectos formais e reais, no que tange à dimensão da ação externa dos entes federativos. Há quase um abismo entre palavras e gestos (SARAIVA, 2004, p. 133).

E continua demonstrando que tal diferença é mais forte nas áreas de política

comercial onde as ações internacionais dos entes federados são mais frequentes e

que, por isso, colocam em questão o poder absoluto da soberania estatal:

A mudança de paradigma se faz necessária. O conceito tradicional de soberania estatal é posto em xeque, ao permitir engendrar a revitalização de áreas incontestavelmente ligadas a interesses e cooperações com as unidades subnacionais. Esse é o caso da política comercial do Brasil para a formação de um grande mercado sul-americano de intercâmbios, bem como a expansão do comércio Sul-Sul, à maneira que vem sendo postulado pelo núcleo duro do poder nacional na formulação da política exterior bem como da política comercial do país. Como ampliar o comércio com os países da franja oriental do Atlântico Sul sem a força da diversidade operacional e da capacitação de operadores da cooperação internacional nos estados e municípios?[...] (SARAIVA, 2004, p. 137, 138).

Outra preocupação que aparece, principalmente, na fala daqueles autores

que exercem ou exerceram alguma função junto ao governo federal é a necessidade

de que as ações externas dos estados e municípios devam andar junto com as

ações do governo central. Neste sentido Costa deixa claro sua posição:

Essa denominada ação externa das unidades federadas, que não questiona ou visa substituir o papel dos estados Nacionais como responsáveis pelas relações com outros países e com organismos multilaterais mundiais e regionais, deve ser conduzida em estreita coordenação com a União e o Ministério das Relações Exteriores (COSTA, 2005, p. 12).

Vejamos a publicação do PRIMEIRO Encontro de Negociações

Internacionais: Os estados e municípios do Brasil no Mundo21. Evento que foi

realizado no dia 8 de agosto de 2006, com o apoio da Fundação Alexandre Gusmão

21

Primeiro Encontro Negociações Internacionais: os estados e municípios do Brasil no mundo. Brasília, 8 ago.

2006. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão (Funag), 2007.

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e da Assessoria Especial para Assuntos Federativos e Parlamentares do Ministério

de Relações Exteriores, e que teve como objetivo “expor aos representantes dos

estados, do Distrito Federal e dos Municípios o andamento das negociações

internacionais” que contam com a participação do Brasil e também “conhecer a

pauta de interesses dos estados e Municípios na área de Relações Internacionais”

(PRIMEIRO [...], 2007, p. 5).

No mencionado evento, o embaixador Jeronimo Moscardo, então presidente

da Fundação Alexandre Gusmão, afirma que o Itamaraty, por determinação do

presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do Chanceler Celso Luiz Nunes Amorim,

“volta-se para dentro, para os Estados e para todos os Municípios brasileiros em

busca de suas raízes, por entender e ter a convicção de que a sociedade pode

saber mais que o Governo” (PRIMEIRO [...] , 2007, p. 7). Essa percepção se

completa com a ideia oficial de que o destinatário final da política externa é o

cidadão que mora no município. Para ele está clara a ideia defendida no MRE, de

que o Ministério só poderá seguir com o auxílio dos estados e municípios.

No mesmo evento, o embaixador Samuel Pinheiro, naquele momento

Ministro Interino das Relações Exteriores, considera ser de grande importância a

participação dos estados e municípios nas questões internacionais, uma vez que

elas impactam diretamente em suas realidades. Destaca também que, nos últimos

anos, tem sido feito grande esforço para garantir a participação de diferentes

organizações de sociedades civis sobre assuntos internacionais e que o evento

pretende o mesmo, considerando os estados e municípios. Destaca e lembra que o

Estado brasileiro precisa entender os diferentes interesses das unidades federadas

quando se trata de comércio internacional para assim, entrar coeso nas negociações

internacionais:

[...] na política internacional, naturalmente os Estados por terem interesses diferentes, seria muito curioso possuírem interesses iguais. É natural que os interesses sejam diferentes. Nesse processo, os Estados, por meio de organizações da sociedade civil, procuram estabelecer contatos diretos com os Estados estrangeiros e procuram estabelecer esquemas de cooperação, esquemas, eu diria, de influência diretamente. Mas, como nós sabemos a “união faz a força”, de modo que é muito importante o Brasil esteja nas negociações internacionais e na política internacional, que ele se apresente de uma forma ordenada, articulada e unida (PRIMEIRO [...], 2007, p. 11).

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O Embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho22, falando sobre o

Mercosul, destaca a participação ativa de municípios no processo de fortalecimento

do bloco. Para ele, os municípios são atores importantes no processo de integração

(PRIMEIRO [...], 2007).

Adiante, o Embaixador Régis Arslanian23 discorre sobre o procedimento do

Itamaraty em negociações internacionais. Podemos ver no relato feito a

preocupação do Ministério em inserir no debate as entidades de classe e também

organizações sociais, assim, estaria buscando maior coesão no posicionamento

Brasileiro frente às questões internacionais:

A gente primeiro se reúne dentro do governo e com os outros Ministérios, com Agências interessadas. Se é uma área de comunicação, a gente tem que se reunir com o Ministério das Comunicações, com a Anatel, a agência na área de telecomunicações. E a gente faz essas reuniões de coordenação, depois a gente se reúne com o setor privado, com o conselho, temos um conselho empresarial que reúne todas as associações, todos os grupos, federações de indústria e agricultura. [...] Uma vez definida nossa posição dentro do Governo, depois com o setor privado, a gente se reúne para poder coordenar nossas posições negociadoras com todos esses Blocos e países dentro do MERCOSUL [...]. Temos também reuniões de coordenação, nas quais levamos o dia inteiro, talvez muitos de vocês tenham participado dessas reuniões, são negociações mais amplas, são negociações de consulta com a sociedade civil. E para essas reuniões de discussões, de debates e consultas, a gente chama os representantes do Congresso, acadêmicos, setor privado, setor de Governo, forças sindicais, sindicatos, vêm enfim, todos os representantes dos segmentos da sociedade civil para essas reuniões. [...] É importante isso não só para a gente coordenar posições, mas também para o negociador ouvir um pouco da sociedade civil de cada um dos representantes. (PRIMEIRO [...], 2007, p. 16, 17).

Após este relato, o Embaixador conclui dizendo que as negociações

comerciais são muito difíceis. Desta forma podemos ver que a busca por um

consenso interno tem muitas variáveis e interesses de diversos setores, mas a

busca por um denominador comum é importante para que o Brasil possa realmente

atender as suas demandas internas.

A intenção de buscar mais diálogo com a sociedade civil também esteve

presente na fala do Conselheiro Bernardo Paranhos Velloso24, na palestra que

proferiu sobre o meio ambiente. Fica demonstrado que muitas vezes o consenso

22

Dirigente do Departamento de Integração, que é responsável pela condução das negociações no MERCOSUL

interno e negociações do MERCOSUL com países da América Latina. 23

Diretor de Negociações Internacionais do Itamaraty. 24

Chefe da Divisão do Meio Ambiente do Itamaraty.

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sobre um determinado tema, no caso específico o meio ambiente, precisa começar a

ser construído dentro do próprio governo; e que a busca por posições convergentes

é extremamente complexa (PRIMEIRO [...], 2007).

Com o tema, “Ação externa de estados e municípios”, o jurista Antônio

Cachapuz de Medeiros25 teceu comentários importantes acerca da possibilidade de

ações internacionais de municípios e estados. Com a afirmação de que cabe apenas

à União a competência para manter relações com Estados estrangeiros e com

organismos internacionais; e ao Presidente da República a celebração de tratados

internacionais, que posteriormente estão sujeitos ao referendo do Congresso

Nacional; ponderou que:

Nas federações, há uma tendência que as subunidades da Federação, os Estados federados, os Municípios (no caso do Brasil, o Distrito Federal), as províncias argentinas e outras unidades de Federação, como na Alemanha, no Canadá e na Bélgica busquem uma participação cada vez maior nas negociações internacionais e na celebração de alguns instrumentos jurídicos que cristalizem, que concretizem os seus vínculos com outras subunidades de países estrangeiros e, às vezes, até com esses países. Neste assunto há uma tendência que pode ser facilmente constatada e que vem sendo objeto de muita atenção em alguns países. Este tema vem despertando muita preocupação e representa um desafio aos juristas, aos políticos, aos legisladores, além de encontrar fórmulas que permitam a maior participação dos Estados e Municípios, que permitam subunidades de Estados compostos, a celebração de alguns compromissos internacionais e não deixa de ser também um desafio para o Brasil (PRIMEIRO [...], 2007, p. 65, 66).

Diante desta realidade e com a sua experiência de consultor, Medeiros

relata que, no seu cotidiano profissional no Ministério, são inúmeros os casos, e

cada vez mais frequentes, em que é obrigado a dar parecer sobre situações

jurídicas criadas por municípios ou unidades federativas que assinam instrumentos

jurídicos que parecem verdadeiros tratados, o que não poderia acontecer. Na

observação feita pelo professor, um tratado internacional é um acordo entre sujeitos

do Direito Internacional Público e que por isso, só podem ser firmados por aqueles

que têm capacidade jurídica no plano internacional, pois cria direitos e obrigações

para os Estados.

Diz ainda de forma taxativa que os municípios e o Distrito Federal não são

sujeitos de direito internacional e que em uma Federação, quem representa os

estados, no plano internacional, é a União. Essa diferenciação quanto à

25

Professor Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros é consultor Jurídico do Ministério de Relações Exteriores.

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personalidade jurídica é de grande importância para não haver conflito de

competência entre os envolvidos sujeitos. Medeiros conclui:

Portanto, é muito importante esta distinção entre o que é um genuíno tratado internacional e o que são outros instrumentos jurídicos de competência, respectivamente, da União e dos Municípios e Estados da Federação celebrarem. Então, nós entendemos que os estados e os Municípios que, evidentemente, devem participar de negociações internacionais para levar avante os seus interesses locais, devem praticar operações externas de natureza financeira. A própria Constituição assegura aos Estados e Municípios esta faculdade, como a tomada de empréstimo junto a bancos internacionais de fomento e a organismos internacionais, desde que aprovados pelo Senado Federal (PRIMEIRO [...], 2007, p. 66, 67).

Finaliza apresentando a ideia, já mencionada acima, da necessidade de uma

revisão na legislação que permita e possibilite um maior espectro de ação no cenário

internacional para os municípios e estados federados, dada, principalmente, a

diversidade de interesses existentes em um país continental como o Brasil, ele

afirma:

Acho, também, que nós devemos explorar a possibilidade de, quem sabe, adotar alguma legislação que permita aos Estados e Municípios do Brasil, um país continental e com tantos interesses setoriais, a possibilidade de firmar convênio com subunidades de países estrangeiros e que circunscrevam a competência constitucional dos Estados e Municípios. Convênios que sejam regidos sobre matérias que possam ser reguladas pela legislação estadual e municipal. Não vejo porque isso não possa ser feito desde que estes convênios, evidentemente, não se caracterizem como tratados internacionais e como acordo entre pessoas de direito internacional público, criando direitos e obrigações recíprocas. Isto é uma possibilidade, a qual eu acho que deve ser explorada e, quem sabe, até regulamentando o objeto de alguma legislação complementar que assegure aos Municípios e aos Estados esta faculdade (PRIMEIRO [...], 2007, p. 67).

O conselheiro Rudá Gonzales Seferin26, ao debater com o professor

Medeiros, nos mostra que as ações externas dos municípios e estados podem e

devem ser planejadas:

O estudo antecipado do país a ser visitado é fundamental para o êxito nos contatos. É preciso conhecer de antemão os principais hábitos e costumes locais, algo da história e da economia, o perfil da indústria e do comércio, dos canais de distribuição de mercadorias e, principalmente, ter uma ideia dos produtos concorrentes brasileiros no mercado que se visita. O planejamento cuidadoso das ações é igualmente importante (PRIMEIRO [...], 2007, p. 69).

26

Lotado na Divisão de Atos Internacionais do Itamaraty.

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O autor destaca também a importância das unidades federadas se

relacionarem com mais profundidade com seus pares de outros países, buscando

assim vínculos mais formais, sem, contudo, deixar de lado a responsabilidade

jurídica de suas ações.

[...] atualmente as unidades federadas veem facilitadas as suas aproximações com parceiros diretos, também subnacionais, no exterior. Eles (vínculos) são motivados pela intenção genuína de explorar janelas de oportunidade que lhes pareçam atender seus interesses, protagonizando assim negociações de ajuste com instituições estrangeiras não centrais. Em decorrência destes contatos, estabelecem-se entendimentos em um plano horizontal sobre temas econômicos e comerciais, fenômeno que tem sido chamado de paradiplomacia. O exercício da paradiplomacia é visto por alguns administradores como forma de dinamizar contatos em esferas circunscritas a interesses específicos. Há, entretanto, possibilidades que se estabeleçam contradições, nas quais se redundem na nulidade dos efeitos pretendidos ou conflitos de competências de difícil solução. É prudente evitar colisões indesejadas entre esferas de atuação e zelar para que esforços bem intencionados e legítimos não se tornem inócuos (PRIMEIRO [...], 2007, p. 71).

Para se evitar conflitos de competência, as ações devem ser bem

planejadas e estar sempre em harmonia com a Carta Magna.

Para tanto, eventuais formalizações que surjam dos contatos horizontais necessitam dar-se dentro de determinados parâmetros. A ideia é promover ações em harmonia com a Unidade Federal e com os princípios constitucionais. O importante é manter desimpedidos os vasos comunicantes, por meio dos quais se sustenta a coerência da ação diplomática brasileira, em seu conjunto, conduzida pela União. O arcabouço das relações externas do Brasil é constituído por acordos e demais compromissos nacionais assinados pelo Presidente a República ou em seu nome, com a aprovação do Congresso Nacional, e que obrigam o país em seu todo no interesse comum. O agente governamental que interage na arena internacional deve acompanhar a constante evolução do conjunto dos atos internacionais, aos quais o nosso país se obriga. A sua tarefa é cuidar para que qualquer formalização resultante de seus contratos não contradiga a lei interna, nem que seja incompatível com os acordos já existentes pelo Brasil e outros países ou organizações internacionais (PRIMEIRO [...], 2007, p. 71, 72).

Com o objetivo de ajudar a evitar conflitos, Seferin menciona a existência de

acordos quadros ou acordos básicos, que, segundo ele, proporcionam uma moldura,

um andaime para a celebração futura de outros acordos mais específicos ou ajustes

complementares. Tais acordos proporcionam ainda a possibilidade para os estados

federados de aprofundar e atender aos interesses das partes contratantes. Assim,

afirma que:

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O conhecimento desses acordos-quadro e seu aproveitamento pelas unidades federadas, em coordenação com o Ministério das Relações Exteriores, pode ser de grande valia para o tratamento no plano internacional de matérias de interesse específico (PRIMEIRO [...], 2007, p. 73).

Em seu momento final o conselheiro afirma que o papel do Ministério de

Relações Exteriores é o de contribuir para o pacto federativo, realizando e

promovendo os interesses brasileiros, “que são também as somas dos interesses

regionais e locais” (PRIMEIRO [...], 2007, p. 74)

Vicente Trevas27, no mesmo evento, afirma que é compreensão do governo

federal e uma diretriz fundamental, a busca pelo fortalecimento da federação.

Entretanto, este seminário é muito importante, pois é compreensão do nosso Governo que uma diretriz fundamental significa o fortalecimento da federação para a possibilidade de operarmos e transitarmos mais ainda, atualmente, na direção deste novo ciclo histórico, além do nosso país estar fazendo grandes reflexões, preservando e dando continuidade aos seus traços estratégicos sobre política externa (PRIMEIRO [...], 2007, p. 95, 96).

Trevas destaca ainda que o governo central deve estar atento para

“mobilizar a capacidade criadora, a energia positiva, a agregação de valor” que vem

dos entes federados (PRIMEIRO [...], 2007, p. 96). Destaca também as ações

desses entes nas relações que têm construído com outros países:

É também interessante no segundo momento nós termos a capacidade de aprender também iniciativas que os nossos entes federados e os municípios, ao longo da história contemporânea recente, têm operado no sentido das relações com outros países, sejam Estados federados, províncias e municipalidades. É importante ainda que no Governo Federal, nós tenhamos a capacidade de aprender como esta é uma ocasião indispensável, essas contribuições que os nossos entes federados expressam, operam e tem produzido resultados. (PRIMEIRO [...], 2007, p. 97)

A defesa e apoio de uma participação mais ativa dos municípios e unidades

federadas fazem parte, segundo Trevas, de um projeto maior de desenvolvimento do

Estado brasileiro:

Isto é muito importante porque, conforme eu falei inicialmente, esse novo ciclo histórico do nosso país pressupõe uma capacidade de operarmos o

27

Secretário de Assuntos Federativos da Presidência da República

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nosso projeto de desenvolvimento nas suas múltiplas e simultâneas escalas: a escala da integração regional supranacional, e a escala do Brasil, que é um país continental, a qual se expressa numa dinâmica amazônica, nordestina, centro-oeste, sul e sudeste, elas são operadas pelos nossos Estados federados que tem raiz na história, na cultura e na economia de nosso país, mas também essa escala local e territorial que terá, certamente, nas Cidades o seu protagonismo (PRIMEIRO [...], 2007, p. 98)..

Nesta perspectiva Trevas aponta que o papel do governo federal é o de ser

facilitador para que os entes federados possam construir a cooperação internacional.

Insiste ainda que os municípios e estados devem ser vistos como parceiros, e não

subalternos, do governo federal na construção das relações internacionais.

O embaixador Adalino Senna Ganem28, ao ser questionado sobre a

possibilidade de dissociação de propósito ou de interesses na integração das ações

do governo federal e entes federados, tem um resposta taxativa:

Não eu só vejo integração e agregação de propósitos. Primeiro, porque as competências estão muito bem definidas. A formulação da política externa cabe ao Governo Federal, por meio do Itamaraty e dos demais órgãos competentes e os Estados e Municípios são os braços operacionais dessas políticas porque, afinal de contas, as associações empresariais, as universidades, as entidades de classe, os sindicatos estão nas cidades e Municípios. Então há uma perspectiva na integração dessas ações. Inclusive, eu ouvi uma pergunta aqui hoje: “Se os Estados e Municípios podem ter ações independentes, por que integrar-se com o Governo Federal ou com o Itamaraty?” Porque as ações serão muito mais efetivas. Eu posso dar vários exemplos concretos em todos os sentidos. Por exemplo, nós fazemos em São Paulo várias missões empresariais e a nossa primeira tarefa foi buscar integrar os vários agentes dentro do próprio Estado. As ações muitas vezes eram individuais. Como essa mentalidade internacional de integração no Brasil é muito nova, dista dos representantes de Campinas, os quais acompanhei quando estava em Nova York. Campinas foi a primeira cidade a ter uma Secretaria de Relações Internacionais em 1994. Muito bem, só que quando nós fazemos essas missões empresariais por nós mesmos, nós temos uma força inferior, uma capacidade de organização muito menor do que quando nós utilizamos a capilaridade do sistema do Itamaraty, que tem representações em todos os países e com essas informações, as quais nós chamamos de inteligência local, pois não adianta apenas ler o jornal, o fundamental é você ter a oportunidade de viver naquela sociedade, de conhecer as pessoas e ter conversas reservadas sobre temas sensíveis. Então é indispensável uma agregação, sem dúvida. (PRIMEIRO [...], 2007, p. 119, 120).

O fim do evento foi marcado pelo discurso do embaixador Samuel Pinheiro

Guimarães Neto29, que disse que MRE está sim interessado nas ações

28

Assessor especial para assuntos internacionais do estado de São Paulo. Palestra proferida no: Primeiro

Encontro Negociações Internacionais: os estados e municípios do Brasil no mundo. Brasília, 8 ago. 2006.

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70

internacionais dos municípios e que a eficácia das relações internacionais do Brasil

passa por essa cooperação:

Estamos também muito interessados em fortalecer as atividades de natureza internacional dos Municípios em coordenação conosco, para que eles possam contar com a nossa cooperação naquilo que vierem a fazer em nível internacional e possam fazer de uma forma mais eficaz em relação aos interesses nacionais. Creio que nisso podemos dar uma contribuição importante, de modo que eu tenho certeza de que tanto a Assessoria de Relações Federativas e Parlamentares, como o Instituto de Pesquisa e a Fundação Alexandre Gusmão terão ideias, que poderão partir das que já tiverem aqui apresentadas e implementadas em conjunto com os Senhores. Tenho certeza que a cooperação entre os Municípios, os Estado e a União Federal será de grande proveito para a execução de uma política externa que seja eficiente e capaz de defender e, ainda, promover os interesses do Brasil no exterior. (PRIMEIRO [...], 2007, p. 146).

1.4 Ações externas federativas – A AFEPA

O que percebemos com os depoimentos anteriores é mais uma vez o

reconhecimento do Estado nação como principal ator internacional, apesar do

aumento da participação dos governos subnacionais no cenário externo. Em nosso

entender, com base nas declarações acima, o governo central ainda é o responsável

pelos movimentos internacionais e é dele que deve partir a autorização para a

participação das unidades federadas, assim, nos parece que o governo central cria

um discurso para recepcionar as ações dos municípios e unidades federadas no

intuito de fiscalizá-las; desta forma, os governos subnacionais não estariam

proibidos de se relacionar externamente, mas tal relacionamento deverá

obrigatoriamente passar pelo reconhecimento do governo central. Nessa mesma

linha de pensamento veremos abaixo a entrevista o Embaixador Sérgio Danese30.

Ele aponta a democratização como sendo um momento marcante para a

intensificação das ações internacionais dos estados e municípios:

29

Ministro de Estado Interino. Palestra proferida no: Primeiro Encontro Negociações Internacionais: os estados e

municípios do Brasil no mundo. Brasília, 8 ago. 2006. 30

DANESE, Sérgio. Danese é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA).

Entrevista realizada em: 7 out. 2010.

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71

Agora com a democratização do Brasil, portanto com o fortalecimento, com a Constituição de 88, do federalismo, portanto federalismo e democracia o resultado disso é que os estados e municípios vão atrás de defender os seus interesses e uma parte desses interesses está em uma ação externa de procurar abrir mercado para as suas empresas, procurar investimentos, procurar promover a imagem cultural do país, procurar promover a cultura do país, buscar cooperação, fornecer cooperação em casos em que é solicitado e com isso o nosso Itamaraty se viu diante da realidade de que os estados e municípios brasileiros começaram a fazer relações externas cada vez com maior intensidade e com maior independência, então a percepção do Itamaraty foi de que ele deveria jamais remar contra a maré, mas aproveitar para entender que essa realidade nova e, portanto procurar colaborar com essa realidade e colocá-la quando fosse necessária dentro dos marcos institucionais cabíveis.

Nessa perspectiva, a Assessoria de Relações Federativas, criada em 1997,

tinha o objetivo de, resguardados os limites constitucionais, incentivar o lado positivo

da diplomacia desses movimentos das unidades da federação, que é, “ver o Brasil

inteiro atuando no cenário internacional, prestando e recebendo cooperação,

promovendo o comércio, promovendo investimentos”31. Assim, os estados e

municípios teriam uma assessoria para as suas ações e não um limitador para elas.

A assessoria foi criada no Itamaraty um pouco a partir do reconhecimento dessa realidade, nós estávamos lidando com isso, então num certo momento havia uma demanda dos estados e municípios, por ajuda do Itamaraty, para mobilizar as embaixadas, para ajudar na preparação de um programa, para acompanhar uma visita, para fazer o follow up várias ações que nós vimos que estavam um pouco dispersas pelo Ministério como consequência dessa realidade nova, então o que aconteceu, [...] o ministro Lampréia, com quem eu trabalhava na época, eu era o conselheiro político, ele foi todo o começo de ano, dos três anos que passei no gabinete, ele foi às comissões de relações exteriores da câmara e do senado, e em uma dessas idas, senão me engano da Câmara em 1995, ele fazia uma apresentação formal e depois respondia perguntas etc. No texto de apresentação formal, eu que atuava como conselheiro político, portanto uma das minhas atribuições era escrever os textos, eu coloquei no texto, como uma sugestão para o Ministro, um parágrafo expressivo, mas não muito longo, que falava de relações federativas e aí ele indo a Câmara eu achei que era interessante, e sugeri, que ele dissesse que nós estávamos reconhecendo essa questão e que o Itamaraty responderia a isso criando uma assessoria de relações federativas, isso colocado no discurso acabou ganhando o formato de uma política e um pouco depois teve que ser atendido. [...] e então em 1997 foi criado a assessoria e foi nomeado o primeiro assessor que foi o então Ministro, hoje embaixador, Cesário Melantonio Neto

32.

31

Ibidem. 32

DANESE, Sérgio. Danese é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA).

Entrevista realizada em: 7 out. 2010.

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72

Danese relembra que em 2003 houve a fusão entre as assessorias de

assuntos federativos e a de assuntos parlamentares33, modelo que perdura até hoje

com o nome de Assessoria Especial de Relações Federativas e Parlamentares

(AFEPA):

[...] depois de 2003, com o novo governo, por alguma razão que aí eu não sei explicar, decidiu-se fundir as duas assessorias, a de assuntos parlamentares, que na época se chamava assessoria de relações com o congresso, com a assessoria de relações federativas e se fundou aquilo que se chama aqui de AFEPA, Assessoria Especial de Relações Federativas e Parlamentares, que tem uma característica um pouco curiosa, porque ao juntar uma coisa muito antiga que vinha de 1958-59, com uma mais recente, mais incipiente, obviamente que o maior acaba dominando muito o menor, então a assessoria aqui tem um pouco dessa situação, enfim, a gente procura corrigir isso, mas há um certo desequilíbrio. O Congresso está aqui do lado e nós temos uma imensa atividade no congresso e uma imensa demanda no congresso sobre nós, então isso nos ocupa muito o tempo.

A AFEPA, segundo Danese, tem uma divisão desequilibrada, na medida em

que os assuntos federativos não são tão prestigiados, mas essa situação se deve,

principalmente, pela grande demanda do Congresso junto à Assessoria. Outra

questão apontada pelo embaixador é que, diferente de seus antecessores, ele não

tem disponibilidade para uma ação mais pró-ativa para com os estados e

municípios, situação que faz com que a AFEPA se torne um local para que os entes

federados busquem dirimir algumas dúvidas pertinentes às ações internacionais.

Parece-nos que por essa realidade a AFEPA não consegue cumprir o que seria um

de seus principais objetivos no âmbito das relações federativas, qual seja, fazer um

acompanhamento de todas as ações dos governos subnacionais.

Danese afirma que quando chegou à AFEPA, os assuntos eram tratados de

forma transversal, ou seja, todo mundo tratava de tudo. “Eu preferi uma coisa mais

organizada, então eu coloquei o Ministro Viedis e uma conselheira que cuida das

relações federativas e das comissões mistas do congresso, e há um setor que cuida

33

Nas palavras de Danese: “A assessoria parlamentar foi criada em 1958. Eu tenho aqui até uma espécie de

certidão de nascimento dela que foi um memorando feito pelo então secretário Álvaro Vagui, que depois foi

deputado federal, ele faz um memorando, ele redigiu um memorando, que foi assinado pelo então primeiro secretário Antonio Francisco Azeredo da Silveira, dizendo que com a vinda para Brasília era importante que o

Itamaraty tivesse uma atenção especial para questões legislativas etc. E aí ele propõe a criação e aí é criada, na

época chamava-se Secretária de Assuntos Legislativos e com esse nome ela sobreviveu até os anos 80, e depois,

no começo do 90 é que foi mudado para Assessoria de Relações do Congresso, e aí depois fundida com a

Assessoria de Relações Federativas”.

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73

da Câmara e um setor que cuida do Senado”34. Desta forma, entende que o trabalho

foi mais bem dividido, mesmo a parte federativa tendo menor destaque.

Você veja pela própria divisão que a parte federativa, digamos, ocupa um terço, mas na verdade um terço menor, que tem uma parte colada que são as comissões mistas e tal, e as outras duas, Câmara e Senado, ocupam os outros dois terços. Pela própria estrutura você vê que há um evidente desequilíbrio, mas é um desequilíbrio que é consequência do movimento que nós temos aqui. Agora a parte federativa tem sido muito ativa, mais é uma atividade que é um pouco diferente do que foi com os dois primeiros chefes, o que era apenas assessoria federativa, porque eles faziam um trabalho mais pró-ativo, eles faziam muito de ir aos estados buscar, procurar provocar coisas, procurar falar com as universidades, eu não tenho jeito de fazer isso, eu não posso sair daqui com o congresso em funcionamento, toda hora tem incêndio para apagar, coisas para tratar, para tramitar e a presença aqui é muito forte, então a gente acaba não viajando e não tendo essa agenda mais propositiva. É uma base de dizer assim, olha nós queremos ajudar, se vocês precisarem, esse tipo de assessoramento fica na base, digamos, pontual, na medida em que os estados e municípios nos solicitam muito apoio

35.

Destaca que existe muito movimento e consulta por parte dos estados e

municípios junto a AFEPA, o que faz com que a assessoria tenha como atividade,

reagir aos questionamentos e consultas feitas. Lembra também que outro trabalho

feito é atender aos pedidos de apoio para a organização de viagens ao exterior dos

chefes do executivo estadual ou municipal, onde eles acabam acionando as

embaixadas e dando orientações e informações mais específicas. Sobre os estados

com mais familiaridade nas ações internacionais, Danese destaca que esses,

quando tratam de questões técnicas, como, por exemplo, envolvendo promoções

comerciais, questões empresariais, culturais já procuram diretamente as secretarias

específicas do Itamaraty.

Danese também fala que os escritórios de representação nos estados são

representações do Itamaraty, são repartições que, de alguma forma, são

coordenados pela AFEPA, mas que respondem tematicamente ao MRE; “por

exemplo, se eles estão tratando de algum assunto de promoção comercial, eles se

dirigem exatamente ao departamento de promoção comercial”. Todos tem um

caráter multifuncional e respondem às diferentes áreas do Itamaraty.

34

DANESE, Sérgio. Danese é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA).

Entrevista realizada em: 7 out. 2010. 35

Ibidem.

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74

Segundo ele os escritórios não são fundamentais para a interação entre os

estados e o Itamaraty. Eles ajudam, mas muita coisa pode ser feita sem o intermédio

deles, bastando um bom relacionamento. Destaca também que hoje os escritórios

funcionam com certa autonomia e que não existem regras claras que todos devem

seguir, isso ocorre porque foram criados em momentos variados com regimento

interno também diversos. Danese apresentou um memorando36, que visa à

unificação dos procedimentos dos escritórios; é um trabalho inicial que deverá

pautar a elaboração do regimento interno do MRE.

Para ele o único escritório que tem uma função diferenciada é o do Rio de

Janeiro, porque

[...] o do RJ tem o museu histórico do Itamaraty e tem uma parte do nosso arquivo histórico que não vai ter nos outros estados, [...] e ele administra o antigo palácio do Itamaraty que é hoje em dia um local para reuniões de recepções, etc. Então ele é muito especial, ele tem uma natureza, ele é o antigo Itamaraty com essas funções, está em uma cidade simbólica onde acontece muita coisa, então volta e meia acontecem reuniões presidenciais [...].

Danese diz acreditar ainda que os estados e municípios, no Brasil, procuram

cada vez mais cooperação, parcerias e investimentos junto aos governos e

empresas estrangeiras. É essa situação que proporcionou um impulso da diplomacia

federativa no Brasil. O mesmo movimento, segundo o autor, ocorre em outros

países, principalmente europeus depois do processo de integração. Para ele o que

ocorre na Europa hoje é que há uma

diminuição muito grande do que é o espaço de soberania, do que são as competências soberanas dos Estados nacionais europeus. Você não tem mais moeda, ou vários deles tem uma moeda em comum, e você passa a ter cada vez mais uma política externa, ainda não chegaram a isso, mas tem política agrícola comum. Eles tem uma política externa que será comum, eles tem uma política de defesa que será completamente comum, eles tem uma política migratória que é absolutamente comum.

Ele continua:

Ora, quando você apaga várias dessas atribuições que são básicas da soberania de um Estado Nacional, você dilui muito a questão do estado Nacional. Então, o que acontece na Europa é o que chama hoje em dia da Europa das regiões, quando você faz isso, a região ganha uma importância

36

Vide Anexo 1.

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muito grande, se o Estado já não é mais uma grande Unidade, a região passa a ser a Unidade Administrativa com algumas competências, e várias dessas regiões europeias, na Espanha, na Itália, na França, e na Alemanha sobretudo, a Alemanha é um Estado Federal, os outros não, mas tem esse sistema de regiões, essas regiões atuam com muita independência e tem, digamos, entre aspas “políticas externas ou políticas internacionais” de cooperação, de promoção comercial, de promoção de investimentos, e assim por diante. E eles são parceiros muito naturais de estados federados brasileiros, por exemplo, ou mesmo de cidades brasileiras, porque muitas vezes eles têm muitos recursos e eles procuram boas parcerias e quando eles encontram eles adoram fazer isso.

Tais parcerias e cooperações podem ocorrer, não só no âmbito comercial

mas também técnico, cultural, de ajuda ao desenvolvimento, de restauração de bens

históricos, segundo Danese. Para que essas parcerias se tornem possíveis é

importante a assinatura de acordos entre o Brasil e outros países, assim, com um

marco jurídico, se torna possível os entes federados desenvolverem suas ações

internacionais. “Nossa função mais importante aqui é acompanhar os acordos”37,

afirma o embaixador.

Aponta também a relação existente entre a AFEPA e Sub-Chefia de

Assuntos Federativos da Casa Civil, que foca as suas ações mais junto aos

municípios do que nos estados. Esse relacionamento, entre a Sub-Chefia e os

municípios têm várias facetas, mas apenas uma delas diz respeito às ações

internacionais; que necessariamente passam pela AFEPA. Assim, Danese afirma

que a Sub – Chefia sempre procura a AFEPA, quando se trata de ações externas,

uma vez que esta última tem relação direta com as embaixadas.

Danese afirma que a diplomacia federativa se desenvolveu e é uma

realidade, essa nova situação impõe também aos municípios e estados uma grande

responsabilidade, uma vez que passam a ser responsáveis pela imagem do Brasil

no exterior. Assim, defende a interação entre os estados e municípios com a

Assessoria, quando da elaboração

[...] ao mesmo tempo em que essa questão de diplomacia federativa se desenvolveu, é uma realidade, nós lidamos com ela com a visão mais positiva, mais engajada, querendo ajudar, incentivando e tudo mais. Há um contrapé a isso, que é uma imensa responsabilidade que essa ação dá aos estados e municípios que nela se engajam, porque de certa forma, ao fazer isso, eles também estão de certa forma também se responsabilizando pela projeção do Brasil no exterior, então é preciso fazer isso com muita responsabilidade.

37

DANESE, Sérgio. Danese é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA).

Entrevista realizada em: 7 out. 2010.

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Sem mencionar nomes o embaixador relembra de situações

constrangedoras quando viagens de governadores já estavam todas definidas e

agendadas, com seus roteiros deliberados e que tiveram que ser desmarcadas por

algum motivo. Segundo ele, essa situação gera descontentamento e irritação nos

países visitados.

[...] nós temos aqui problemas frequentes com ações mal feitas, não é a maioria e nem a norma, más há casos de ações mal feitas de estados e municípios que planejam missões e aí a missão é mal planejada, é mal orientada, é mal concebida é adiada na última hora é cancelada na última hora, na última hora disse que iria o governador, aí o governador já não vai, vai uma delegação de outro nível. Aí a embaixada já se desgastou para fazer programas, para conseguir as audiências, os países levam a sério! Se a embaixada, o governo, o estado X, o município X, pedem para preparar, marcar uma audiência e tudo mais, as pessoas levam a sério e acham que aquilo tudo é uma coisa (é um Brasil). Então nós temos, de vez em quando, problemas chatos aqui, porque viagens que são concebidas durante semanas e semanas, trocas de comunicações, programas feitos, audiências marcadas, tudo marcado, na última hora cancela, adia ou então diz: Ah! O governador não vai, mas vai o secretário, o secretário não vai, mais vai o sub do sub. Isso é uma chatice. [...] O estado ou município que se engajam em uma ação internacional ele tem que planejar aquilo com antecedência, ele tem que saber que do outro lado ele vai encontrar interlocutores que estão levando a sério, não é brincadeira. Eles serão levados, cada vez mais o Brasil, com a projeção que tem no mundo, é levado muito a sério.

Neste momento podemos perceber na prática o alerta feito pelos juristas

mencionados anteriormente. Fica claro a necessidade da criação de um aparato

legal que possa, de alguma forma, responsabilizar os governos subnacionais frente

aos compromissos por eles assumidos no exterior, sob pena de o governo central

ser acionado para responder pelos atos daqueles.

O aparelhamento dos estados com uma secretaria específica para tratar de

assuntos internacionais é bem visto por Danese. Segundo ele, muitos estados e

municípios já contam com essa estrutura, em vários níveis hierárquicos, seja como

secretaria de estado, seja como assessoria do governador. Elas são muito comuns

naqueles municípios de fronteira principalmente; mas também naqueles municípios

que têm

[...] consciência de que a ação internacional faz parte da sua essência, e outros descobrem essa vocação, ou porque é um pólo exportador, ou porque é um pólo receptor de tecnologias ou de capital estrangeiro, ou tem interesse em cooperação, ou são espertos e descobrem países que tem solução para um problema deles.

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Aponta também que a participação ativa do governador é importante para o

sucesso das ações. Ele deve ser protagonista no processo. Ele deve se engajar e se

colocar à frente da burocracia, determinando que ela prepare a viagem, mais

importante, fazendo o folow up da viagem. Ele é o catalisador do processo, é quem

vai atrair empresários e convocar a participação dos vários secretários. Com esse

engajamento ele se torna um fator importante para o sucesso das ações

internacionais. Para ele:

Os Executivos (poderes) no Brasil são sempre muito fortes e aí, nesse caso, obviamente quem comanda a máquina obviamente tem o papel importante. Então eu acho que faz sentido sim que o governador se engaje, ele não pode se envolver nisso de modo a prejudicar as suas funções internas, o papel do governador é governar, então, a parte internacional é apenas uma dimensão, não é a majoritária da ação do governador, o governador tem zilhões de coisas para se preocupar: estradas, educação, a saúde, segurança, etc.

Ao terminar a entrevista Danese chama a atenção para um fato que,

segundo ele é pouco valorizado pelas unidades federativas, mas tão importante

quanto realizar as visitas aos países; que é fazer com que esses países venham

conhecer as potenciais regiões de investimentos.

[...] os estados e municípios precisam aprender e vários sabem disso, mas muitos precisam aprender que muitas vezes, mais importante do que você ir visitar o outro para mostrar o seu estado [...] é conseguir trazer o visitante aqui, então as organizações de missões ou de convites a autoridades estrangeiras para virem ao Brasil, quer dizer, a diplomacia federativa aqui também recebe, tem um lado que é de receber. [...] Quando eu estive na Argélia eu dizia isso: não fique vindo só aqui visitar não, chama o cara para conhecer a sua empresa, porque ele indo lá, ele vai ver, eles não têm ideia do que é o Brasil, as pessoas não têm ideia pelo mundo afora do que é o Brasil. [...] Então não adianta você ficar indo aos lugares mostrando coisas, tem que também procurar sensibilizar o teu potencial cliente, teu potencial investidor, o teu potencial parceiro a vir ver você em casa, se ele vier você está com um caminho muito mais percorrido do que ele receber você, porque ele receberá todo mundo. Agora a hora em que ele tem que ir, ele tem que se engajar, é outra coisa. Eu acho que isso ai é uma coisa importante de ser pensada nessa área.

Para findarmos o presente capítulo retomemos de forma mais detalhada o

conceito de diplomacia federativa.

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Entendemos por diplomacia federativa, tal como concebida e desenvolvida pelo Itamaraty, a diplomacia federal exercida em conjunto com as ações internacionais realizadas por governos subnacionais e atores não governamentais, direcionada e integrada às normas constitucionais e aos interesses nacionais definidos pelo governo federal. Outra definição que nos ocorre para diplomacia federativa é diplomacia federal voltada às ações internacionais de governos subnacionais e atores não-governamentais, com o intuito de submetê-las aos controles ou às balizas dadas pelas normas constitucionais e definidas pelo interesse nacional, enquanto estratégia federal de inserção internacional do País (RODRIGUES, 2004, p. 40).

O presente capítulo teve como objetivo claro a relação existente entre a

globalização, o federalismo e as ações internacionais de governos subnacionais;

bem como as implicações jurídicas de tais atos e a necessidade de um estudo mais

aprofundado sobre o assunto.

Passaremos no próximo capítulo a estudar o estado de Mato Grosso e a

suas ações internacionais, tendo como base inicial para o debate, os planos de

governo e plurianuais que vigoraram durante o período estudado.

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Capítulo 2 – OS PLANOS DE GOVERNO NAS IDEIAS

No capítulo anterior mostramos algumas transformações ocorridas no

mundo para podermos contextualizar o cenário histórico em que as ações

internacionais dos entes federativos estão inseridas. Debatemos e apresentamos o

conceito de globalização, da diplomacia federativa, da política externa federativa,

bem como de outros temas ligados diretamente ao assunto como, por exemplo, o

federalismo e as transformações ocorridas no papel do Estado-nação.

Fizemos também uma apresentação sobre as concepções teóricas da

diplomacia federativa e levantamos a opinião de juristas e doutrinadores sobre o

tema, a fim de verificarmos os aspectos jurídicos da possibilidade e legitimidade das

ações dos entes federados no contexto externo.

Neste segundo capítulo que se apresenta, traremos para o foco do debate o

estado de Mato Grosso; para tanto, começaremos o nosso estudo apresentando o

que efetivamente foi pensado, concebido, idealizado e planejado, em termos de

ações internacionais durante o período estudado. Este capítulo destaca dois tipos de

documentos, quais sejam: os Planos de Governo e os Planos Plurianuais (PPAs).

Os primeiros foram apresentados à sociedade pelos candidatos como sendo o

planejamento do que iriam fazer se eleitos fossem. Já os PPAs foram quatro e

servem para que o executivo estabeleça as diretrizes, objetivos e metas da

administração pública para as despesas de capital ao longo do período estudado.

Eles têm previsão na Constituição Federal no artigo 165 e, na Estadual,

artigo 162. Estão materializados nas seguintes leis estaduais: Lei 6.728 de 28 de

dezembro de 1995; Lei 7.225 de 22 de dezembro de 1999, referentes ao governo

Dante. E Lei 8.064 de 30 de dezembro de 2003; Lei 8.827, de 17 de janeiro de 2008,

referentes ao governo Maggi. Elas focam os seguintes períodos respectivamente

1996-1999, 2000-2003, 2004-2007, 2008-2011 (LESSA et al, 2009)38.

38

. Lessa et al (2009) buscam, no plano federal, estabelecer uma relação entre os PPAs e as relações

internacionais, ou, mais diretamente, a correlação entre as linhas estratégicas dos planos com a forma de

contemplar as relações externas do país. Procuram, assim, estabelecer a coerência entre o planejado e o

executado. Buscam identificar as ações externas e como estão atreladas ao processo de desenvolvimento

nacional. No presente trabalho, seria o caso de se buscar as ações externas de Mato Grosso e como elas

proporcionam a promoção dos interesses de Mato Grosso.

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Importante destacar que constatamos serem os Planos de Governo um

documento muito mais completo, para a nossa pesquisa, do que os PPAs, e que por

isso receberam a nossa maior atenção. Assim, faremos menção aos PPAs somente

quando estes puderem nos dar informações que não encontramos nos Planos, de

forma a complementá-los.

A opção por esta forma de abordagem se deu pelo fato de que, tanto os

Planos de Governo quanto os PPAs são documentos oficiais e que demonstram qual

a direção que o governo pretende seguir. Ambos são documentos que exigem

planejamento e a demonstração de responsabilidade e compromisso com as

políticas públicas de longo prazo, que também é característica das ações

internacionais. Partindo de tais documentos, entendemos ser mais fácil também

detectar ideias que foram apresentadas, mas não implementadas, ou mesmo, ações

implementadas que não estavam mencionadas.

O fato de iniciarmos os estudos por tais documentos não significa, porém,

que outras fontes foram desconsideradas. Destacamos, por exemplo, a utilização de

jornais locais e nacionais, bem como de artigos e livros de autores que escreveram

sobre o assunto. Não podemos esquecer que também foram utilizadas entrevistas

feitas com vários atores, que de alguma forma, ajudaram a construir as ações

internacionais de Mato Grosso. Todo esse material e a sua análise poderão ser

vistos nos capítulos seguintes, aonde chegaremos a um diagnóstico mais crítico do

nosso estudo.

Com essa dinâmica tentamos não ficar presos e limitados a apenas uma ou

outra fonte de pesquisa e trabalhamos para obter o maior número de informações

possíveis, bem como, as mais amplas visões e análises sobre o assunto estudado.

2.1 Os planos do governo Dante de Oliveira e Rogério Salles (1995 a 06-04-

2002/ 06-04-2002 a 31-12-2002)

No início deste trabalho, afirmamos que analisamos as ações internacionais

do estado de MT na administração de 4 (quatro) governadores. O primeiro deles, por

ordem cronológica dos mandatos, Dante de Oliveira, depois Rogério Salles, Blairo

Maggi e por fim, Silval Barbosa.

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A seguir faremos a apresentação dos planos de governo, e quando

necessário, a abordagem dos PPAs, no que diz respeito às ações internacionais de

MT. O objetivo é apontar todo e qualquer assunto que faça menção a políticas que

visem a projetar o estado no cenário externo, sem que haja, neste capítulo, uma

preocupação maior com o fato de verificarmos se ela foi ou não implementada. Vale

lembrar que após esse mapeamento, as ideias e propostas apresentadas serão

confrontadas nos próximos capítulos.

Importante destacar que tais documentos serviram de base para nortear as

entrevistas que foram feitas e também para uma comparação com os relatos dos

analistas e especialistas que abordaram o assunto.

Como dito, são dois os principais documentos a serem avaliados, quais

sejam: os Planos de governo apresentados para as duas eleições e os PPAs. Cabe

atentar para o fato de que os Planos de governos trabalham com uma perspectiva

temporal mais ampla, compreendida entre os anos de1995 a 2006, mas focam suas

ações para o exercício dos mandatos.

No primeiro deles, encontramos o que o governador entende por Plano de

Metas e, diante de tal definição, podemos perceber o quão importante foi o

documento para a campanha e a administração propriamente dita.

O plano de Metas – Mato Grosso 1995/2006, em sua parte estratégica, é

uma proposta de desenvolvimento do Estado, que contempla um conjunto

de princípios, diretrizes, prioridades e políticas públicas, destinados a

orientar o planejamento e a ação do governo. Deve servir também de

indicativo para a iniciativa privada e a sociedade civil organizada, dentro dos

objetivos de construir o Mato Grosso do futuro, onde se realizem as

expectativas de qualidade de vida da população (PLANO DE METAS, 1995,

p. 10).

Como vemos nos trechos abaixo, em nenhum momento aparece qualquer tipo

de menção às ações no cenário externo como prioridade do plano de governo. As

prioridades estão nas questões que envolvem energia, educação, emprego e renda,

telecomunicações e transportes.

O Plano de Metas contempla três Diretrizes e estratégias para o desenvolvimento: Modernização e fortalecimento do Estado; Descentralização da ação do poder público, através da cooperação entre Estado, Municípios e sociedade; e

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Desenvolvimento científico e tecnológico, pela cooperação entre Estado, Municípios e iniciativa privada. As prioridades estratégicas para o desenvolvimento do Estado envolvem as seguintes Políticas Estruturantes – vigas que irão sustentar a construção do desenvolvimento: energia, educação, emprego e renda, telecomunicações e transportes (PLANO DE METAS, 1995, p. 8).

Em outro momento do texto temos a afirmação literal de que o Plano tem

como prioridade estratégica a educação, energia e estrada; “trinômio este que dará

sustentação para a proposta de desenvolvimento de MT nas dimensões humanas e

econômicas” (PLANO DE METAS, 1995, p. 5).

Ao realizar um diagnóstico contextualizando o estado de Mato Grosso no

cenário externo, o Plano leva em consideração as transformações que estavam

ocorrendo no cenário internacional, destacando a dificuldade dos Estados-nação

controlarem as suas fronteiras, a intensificação tecnológica da produção agrícola

nos países desenvolvidos e, também, a preocupação com a preservação do planeta

e com o consumo de produtos ecologicamente corretos.

Os Estados Nacionais viram-se diante de uma realidade onde deixavam de ter instrumentos que os possibilitassem controlar totalmente suas fronteiras, notadamente na área financeira e do comércio internacional. Um dos resultados dessa nova ordem comercial deverá ser a intensificação tecnológica na produção agrícola dos países desenvolvidos, que permita concorrer com a agricultura de países periféricos que utilizam seus recursos naturais como principal fonte de produtividade mais elevada. A preservação do Planeta torna-se, também, uma preocupação crescente nos principais mercados consumidores mundiais, e de uma forma independente dos governos locais, passa a se constituir uma barreira não tarifária ao comércio de produtos originados, principalmente, do terceiro mundo. O que move esses consumidores a preferirem produtos ecologicamente “limpos” e “corretos” é a consciência da devastação e degradação já ocorrida em seus próprios países, e por eles transferida à periferia do capitalismo, onde agora são registradas com maior amplitude (PLANO DE METAS, 1995, p. 15).

Adiante, o texto destaca que o estado de MT deve agir no sentido de superar

as grandes diferenças sociais e a pobreza, buscando implementar políticas que

valorizem o desenvolvimento sustentável. Um alerta é feito, mostrando que MT não

pode esperar que essas ações partam primeiramente da União, ou seja, defende-se

a ideia de que a unidade da federação pode estar à frente, realizando ações que

amenizem as desigualdades nela existentes. Essa mentalidade, pró-ativa, também

leva em consideração o cenário internacional; nesse sentido, é literal a afirmação de

que MT deve buscar estreitar seus laços com os países vizinhos.

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Os novos padrões de relacionamento dos Estados Nacionais estão levando, também, à formação de interesses econômicos regionais que superam suas fronteiras, como a União Europeia e o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Nosso país já participa do MERCOSUL, que busca integrar os mercados brasileiro, argentino, uruguaio e paraguaio. Além disso, por sua posição geográfica estratégica, Mato Grosso deve procurar, também, estreitar os laços econômicos e culturais com os povos vizinhos na Bolívia e no Chile, e através desse ter acesso a portos no Oceano Pacífico. Encontrar esses caminhos para o futuro é a proposta e tarefa desse plano estratégico (PLANO DE METAS, 1995, p. 16).

Mesmo diante da necessidade da promoção da integração, o Plano

diagnostica, na questão dos transportes, uma das principais dificuldades para se

concretizar o intercâmbio destacado acima. Como podemos ver a seguir, todo e

qualquer tipo de intercâmbio, seja ele comercial, cultural ou turístico, fica

comprometido quando não se tem uma malha de transportes que atenda às

demandas do estado e de sua população.

A circulação de cargas e passageiros está diretamente dependente de uma malha viária mal conservada e com estrutura que não suporta a demanda crescente do número de veículos e cargas. A fase atual do desenvolvimento de Mato Grosso exige que se garanta o escoamento da produção pela malha existente, em que predomina um péssimo estado de conservação. A outra restrição na área dos transportes, é a inexistência de um corredor de exportação competitivo no contexto nacional e internacional, que diminua os custos de transportes até os grandes centros consumidores, aos portos de exportação e mercados externos. Falta uma base de integração intermodal dos sistemas viários (rodoviários, ferroviários e hidroviários) que possibilitem, ao Estado de Mato Grosso, exercer um papel significativo no desenvolvimento nacional e na integração latino-americana (PLANO DE METAS, 1995, p. 27).

Ainda sobre o setor de transportes, o Plano demonstra todo o interesse em

buscar um caminho rumo ao Pacífico:

O Governo do Estado deve atuar, junto à União, de forma a influenciar decisões nacionais e internacionais que digam respeito aos interesses de Mato Grosso, na área de transportes, notadamente nas questões das hidrovias Paraguai-Paraná, Tocantins-Araguaia, Tapajós, ferrovias Ferronorte e Projeto Libertadores, este que se propõe a financiar a renovação ferroviária que liga o Centro-Oeste brasileiro aos portos chilenos e peruanos do Oceano Pacífico, e aos portos atlânticos do Brasil (PLANO DE METAS, 1995, p. 72).

Alcançar o Pacífico, aliás, é um projeto que ultrapassa as fronteiras do

governo estadual e chega ao governo federal. É um sonho antigo que tem como um

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dos grandes objetivos o mercado asiático39. Em princípio a intenção era o mercado

japonês, hoje sem dúvida alguma a China é o sonho dos empresários brasileiros.

Considerando as exportações de MT, a intenção é fazer chegar com custos

reduzidos a grande produção de commodities naquela região.

Para obter êxito nesta empreitada, alguns caminhos se apresentam:

Existem vários projetos chamados corredores que a Comissão Técnica (CT) do Tratado de Cooperação Amazônica (CTA) está considerando. Por exemplo: existe o projeto denominado pela CT de corredor Belém-Iquitos. Também o chamado corredor inter-oceânico que uniria Belém com Manaus, seguiria pelo rio Putumayo, fronteira entre a Colômbia e o Peru, até chegar ao Equador, passando por Quito e terminando em Puerto de Esmeralda no Pacífico equatoriano. Outro desses projetos é o conhecido como corredor Rio Negro, o qual conectaria o Brasil com a Colômbia e a Venezuela. Outro ainda é o corredor Trans-Oceânico de Rio Branco até Iñapari (no Peru) e, daí, a portos do Pacífico também no Peru, ao sul. O corredor chamado Cáceres-Santa Cruz iria de Mato Grosso (no Brasil) até a Bolívia (PLANO DE METAS, 1995, p. 129).

Zevallos (1993), ainda faz uma análise dizendo dos problemas a serem

enfrentados pelo Brasil nessa empreitada rumo ao Pacífico. Lembra a falta de

condições das estradas existentes; da diversidade geográfica da região que engloba

os Andes e a Floresta Amazônica; bem como as barreiras impostas pelo narcotráfico

e também por grupos armados. Ainda hoje, muitos desses problemas ainda

persistem.

Veremos adiante, em capítulo especifico, que a saída pela Bolívia é a que

mais beneficiaria MT, porém, essa solução ainda enfrenta sérios problemas para se

efetivar. Um dos fatores que sem dúvida não contribui para a implementação desta

via, é o fato de MT ver a Bolívia apenas como um local de passagem e que não tem

interesses ou prioridades. A Bolívia é vista pelos governantes estaduais como um

corredor e não como um parceiro para a efetivação de negócios. Em nível federal,

quando se fala em saída pelo Pacífico, é essa a visão que imperava. Segundo

Zevallos (1993), o assunto era tratado como se não houvesse outros países entre o

Brasil e a Ásia, essa percepção tornava mais morosa a implementação de tal saída.

O extremo dessa posição foi manifestado no Congresso Nacional Brasileiro, quando, ao falar-se de Estrada Acre-Tóquio estava-se sugerindo que entre esses dois pontos não há nada: o Peru com seus interesses e recursos

39

Para maiores informações neste sentido ver texto de ZEVALLOS, Enrique Amayo. Da Amazônia ao Pacífico

cruzando os Andes. Estudos Avançados, v. 7, n. 17, 1993.

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simplesmente não existia. Parece óbvio que essa maneira de pensar poderia transformar qualquer projeto, por melhor que fosse, em inegociável. [...] É dessa forma que alguns setores importantes da classe dirigente brasileira se expressam, como se a estrada servisse apenas ao Brasil, dizendo praticamente que o Peru, além de servir de zona de passagem, não é quase nada (ZEVALLOS, 1993, p. 147).

O que chama a atenção na questão de transportes é que, em que pese à

saída para o Pacífico ser mencionada como um objetivo a ser alcançado pelo

governo, o Plano não apresenta no tópico “Propostas de Soluções” para o setor de

transportes, nenhuma ação direta para que tal objetivo seja alcançado. Aliás, para o

nosso trabalho, cabe mencionar apenas o item quatro:

[...] 4- Construir, com o apoio da União Federal e financiamento de organizações nacionais e internacionais de desenvolvimento, os trechos de rodovias Sorriso/Paranatinga e Paranatinga/Canarana [...] (PLANO DE METAS, 1995, p. 73).

O referido item é no tópico “Propostas de Soluções” o único que faz menção

à necessidade de uma ação no âmbito internacional por parte do governo estadual;

ou seja, não é apresentada uma proposta real para a saída pelo Pacífico tida como

essencial para que haja integração e desenvolvimento do estado.

Neste cenário de carências aparece, também, a questão da energia como

um fator que impede o desenvolvimento acelerado da região. Naquele momento, o

diagnóstico feito foi bastante negativo e MT aparecia como sendo um estado que

importava, grande parte da energia que consumia, de outros estados da união e,

também, que se utilizava de uma grande carga de óleo diesel para atender as

localidades que não tinham linhas de transmissão. Essa situação se tornava ainda

mais problemática quando considerado o grande potencial hídrico do estado:

O Estado de Mato Grosso, detentor de um potencial hídrico inventariado em cerca de 17.495.000 kw, apresenta uma matriz energética totalmente dependente em relação aos derivados de petróleo. Registra-se também, um elevado nível de importação de energia elétrica gerada na Região Sudeste (79,5%, em 1993), que é complementada com a queima aproximada de 97,8 milhões de litros de óleo diesel/ano na geração da energia requerida pela concessionária estadual. Exclui-se desses dados o volume de combustível utilizado pelos auto-produtores não atendidos pela rede de distribuição estadual (PLANO DE METAS, 1995, p. 29).

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O diagnóstico do setor energético, apresentado no Plano, foi bastante

negativo, já que não atendia as necessidades mínimas da população:

Insuficiência de energia elétrica para suprir as necessidades básicas da sociedade. Esse problema é agravado pela baixa qualidade do serviço, alta dependência de importação de energia e de derivados de petróleo, elevado nível de perdas no sistema elétrico, e pela não utilização de formas alternativas de energia (PLANO DE METAS, 1995, p. 71).

Ao apresentar as soluções para o setor energético do estado, o Plano faz

clara menção a propostas que passavam pelo cenário internacional, a destacar:

A política energética será liderada pelo Governo do Estado em articulação com o Governo Federal, através do Ministério das Minas e Energia, Eletrobrás, Eletronorte, a iniciativa privada e os municípios, com o apoio de agências nacionais e internacionais de desenvolvimento, a fim de garantir as seguintes ações prioritárias: [...] 6- Diversificar a matriz energética do Estado através da utilização de energéticos alternativos, como biomassa e energia solar e a inclusão do Estado no Programa Federal de utilização do gás da Bolívia;

[...] (PLANO DE METAS, 1995, p. 71, 72).

No âmbito das relações internacionais, o Plano faz menção, em seu capítulo

III, denominado Integração Sul-americana, à necessidade de promoção da

integração, não só econômica, mas também cultural e tecnológica. É dado grande

importância ao fato de o estado estar localizado no centro do continente, bem como,

ser um grande fornecedor de matérias primas; segundo análise abaixo, a prioridade

deveria relacionar-se com os países do MERCOSUL e do Pacto Andino.

Mato Grosso, por estar localizado estrategicamente no centro do Continente Sul-americano e possuir uma economia razoavelmente consolidada, com alguma infraestrutura já implantada, reúne condições geoeconômicas excepcionais para ter um papel de destaque no processo de Integração Sul-americana, tanto em relação aos Países do MERCOSUL, quanto aos do Pacto Andino (PLANO DE METAS, 1995, p. 39).

Fica clara, ainda, a percepção de que, por meio da integração regional com

os países vizinhos, o estado poderia ter um grande salto na sua economia, trazendo,

assim, um ganho para toda a sociedade.

O processo de integração sul-americana poderá contribuir para que Mato Grosso encontre novos caminhos para sua economia, incorpore melhorias qualitativas ao seu desenvolvimento, incrementando outros setores e permitir que suas riquezas sejam, cada vez mais, transformadas em qualidade de vida para toda sua população. Para tanto, é preciso um projeto

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claro e bem delineado de atuação, decisão política dos governantes, capacidade de articulação e de desenvolver parcerias com diferentes setores da sociedade, para que a integração possa se dar nos níveis econômico, cultural, científico/tecnológico e de amizade entre os povos (PLANO DE METAS, 1995, p. 39, 40).

Importante, ainda, destacar a concepção do Plano de que toda a integração

só seria possível se houvesse investimentos em várias áreas e setores da

economia; dessa maneira, importantes seriam os investimentos na agricultura,

transportes, telecomunicações e outras, como mencionado no texto abaixo:

Nesse contexto, os transportes, as telecomunicações, o intercâmbio científico, cultural e comercial, bem como o incremento do turismo, são setores estratégicos e prioritários para inserir Mato Grosso de forma ativa e efetiva no processo de integração latino-americano. Além desses, os setores de energia, meio ambiente, indústria e agricultura possuem amplas possibilidades de ações conjuntas com os parceiros da integração (PLANO

DE METAS, 1995, p. 40).

Com objetivo de promover a integração sul-americana, o Plano apresenta

ações40 bastante claras de como se alcançar tal meta. Podemos mencionar:

consolidar a ligação rodoviária entre Cáceres e San Matias, implantar o distrito

portuário de Cáceres, elaborar um plano diretor para incentivar o turismo na região,

40

Abaixo íntegra das ações apresentadas encontradas no Plano de Metas (1995, p. 40, 81): “No setor de

Transportes a prioridade é consolidar a ligação rodoviária entre Cáceres e San Matias, [...], como forma de tentar

consolidar a saída para o Pacífico, via Cáceres. No modo hidroviário, é importante a Implantação do Distrito

Portuário de Cáceres e desenvolver programa de operacionalização da navegação no Rio Paraguai.

A viabilização do Turismo na região tem como ponto de partida [...] a busca de recursos para investimentos em

infraestrutura. É necessário conseguir a internacionalização do Aeroporto Marechal Rondon e abrir rotas aéreas

para Santa Cruz de La Sierra e os Países Andinos [...]

O Intercâmbio Cultural, um dos pilares da Integração, deve ser incrementado através de eventos internacionais

em diversos locais, da criação de programas de bolsas de estudos para alunos nas Universidades vizinhas e em

nosso Estado, e do incentivo ao ensino do Espanhol. Em Cuiabá deverá ser construído o Centro Cultural

Sulamericano.

Os rios e cursos d’água são a maior preocupação com relação à proteção do Meio Ambiente, especialmente

devido ao Pantanal mato-grossense, a maior área úmida do Planeta e que fica no centro da região, constituindo-

se em um dos maiores potenciais turísticos e científicos do País. Será incentivada a criação da Universidade

Sulamericana do Meio Ambiente, com prioridade para estudos dos recursos hídricos e da conservação dos

recursos naturais e para a melhoria da qualidade de vida na Região. [...]

As dificuldades no setor de Energia em Mato Grosso podem ser resolvidos em parte com a utilização do gás da

Bolívia, através da construção de um Gasoduto entre Santa Cruz de La Sierra e Cuiabá. [...]

No âmbito da Agricultura, Indústria e Comércio o fundamental é estimular a pesquisa e o intercâmbio dos

diversos setores da iniciativa privada e remover obstáculos burocráticos, para maximizar as oportunidades de

negócios entre Mato Grosso e os diferentes mercados.[...].

[...] Promover intercâmbio comercial turístico interestadual e internacional, especialmente no roteiro turístico

latino-americano; [...]”.

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internacionalizar o aeroporto Marechal Rondon e abrir rotas para Santa Cruz de La

Sierra e os países andinos, buscar o intercambio cultural fornecendo bolsas de

estudos aos estudantes universitários, incentivar o ensino do espanhol e criar o

centro cultural sul-americano, implementar o gasoduto e buscar a diminuição das

barreiras burocráticas na região, com o objetivo de implementar e fortalecer o

comércio.

Percebe-se, ao analisar as propostas apresentadas, a ideia de que para

alcançar a integração, as ações deveriam ocorrer em várias áreas de interesse do

estado, desde o comércio, passando pela cultura, turismo, ciência e tecnologia. O

Plano também não se esqueceu do meio ambiente, assunto a ser tratado de forma

internacional, dentro do conjunto de países da região. Foi lembrado como sendo

uma área com possibilidades de estabelecimento de parcerias financeiras e técnicas

com organismos internacionais. Nesta temática, há que se destacar que o Plano,

apresentou a ideia de sustentabilidade ambiental como sendo parte de “[...] uma

dimensão econômica do desenvolvimento e que por isso, precisa ser incorporada

nos processos de decisão, em todos os níveis, como forma de assegurar retornos

permanentes para a sociedade” (PLANO DE METAS, 1995, p. 46). Adiante é

mencionado, também, a necessidade de implementação de um desenvolvimento

sustentável por ser

um processo de transformação política, econômica e social no qual a utilização dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação tecnológica e as mudanças institucionais, são feitas de forma coordenada, se harmonizam e reforçam os potencial presente e futuro, a fim de atender

as necessidades e aspirações humanas (PLANO DE METAS, 1995, p. 48).

Ao defender um desenvolvimento sustentável e também a importância de se

buscar a sustentabilidade ambiental, o Plano destacou a inclusão da temática “meio

ambiente” na agenda internacional:

A constatação de problemas causados em todo o mundo por atividades insustentáveis levou parcelas da opinião pública internacional e o governo da maioria dos países a colocarem o meio ambiente no bojo das decisões a respeito dos caminhos do desenvolvimento. Para Mato Grosso, com suas ainda grandes riquezas naturais, essa situação se constitui numa vantagem comparativa significativa para a articulação de projetos e busca de recursos que venham contribuir para alavancar o seu desenvolvimento dentro dos paradigmas da sustentabilidade, incorporando o meio ambiente como elemento articulador

de projetos intersetoriais (PLANO DE METAS, 1995, p. 49).

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Aqui, faz-se importante registrar o que o Plano chama de “Programas

Especiais”, dentre os quais, o Programa de Desenvolvimento Agroambiental de Mato

Grosso (PRODEAGRO) e o Projeto Pantanal do Programa Nacional de Meio

Ambiente (PNMA), “ambos financiados com recursos externos e que tem grande

importância, especialmente porque possuem na sua concepção, componentes de

planejamento, interdisciplinaridade e fortalecimento institucional” (PLANO DE

METAS, 1995, p. 49).

Sobre esses dois programas, o diagnóstico do Plano é o de que ambos

apresentam desvios e dificuldades de implementação e, por isso, precisam ser

reestruturados não só conceitualmente, mas também operacionalmente; devendo,

inclusive, haver a priorização dos instrumentos de planejamento, como o

Zoneamento Sócio-econômico-ecológico e o plano de conservação da Bacia do Alto

Paraguai (PCBAP), ambos instrumentos que servirão de base para orientar

investimentos no estado.

Ainda contam com a possibilidade de recursos externos os programas de

Florestas Tropicais e Áreas Úmidas que deverão, segundo o Plano, ser negociados

sempre de forma articulada com as diretrizes globais de planejamento, buscando o

fortalecimento institucional do Governo e a ampliação das parcerias com a

sociedade (PLANO DE METAS, 1995).

Percebemos aqui mais uma situação com ideias genéricas sem a maior

preocupação de uma apresentação mais efetiva de como tais políticas podem ser

implementadas. Essa situação dificulta inclusive o diagnóstico do que de fato foi

realizado pelo governo estadual na questão ambiental. Podemos dizer que em

nenhum outro momento do texto se faz menção mais detalhada aos programas

acima destacados41, o que nos leva a crer que o Plano, mesmo possuindo um tópico

específico para tratar sobre o meio ambiente, apenas fez um estudo superficial

sobre o tema.

Outro momento do texto que destaca ações no cenário internacional é o que

diz respeito às telecomunicações. Neste caso, a fibra ótica é lembrada como um

41

A exceção ocorre na p. 54, no tópico “Propostas de Solução”, quando novamente se aponta a necessidade de

“rediscutir e implementar o Plano Nacional de Meio Ambiente – (PNMA) no que se refere a planejamento e

ações emergenciais e reavaliar e implementar o componente ambiental do PRODEAGRO, bem como todas as

interfaces ambientais existentes no Programa” (PLANO DE METAS, 1995). Mais uma vez percebemos aqui a

ausência de um conteúdo histórico sobre os planos destacados.

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meio a ser utilizado para diminuir as distâncias continentais do estado de MT. Não

obstante tal saída ser tratada de forma bastante genérica e sucinta, é de se destacar

que:

Além de operacionalizar estas ações (relacionadas a telecomunicações), o governo estadual deve trabalhar politicamente no sentido de adiantar prazos e evitar mudanças de rotas eventuais em relação ao programa de implantação da rede de fibra ótica no interior do país. A comissão de Integração Latino-Americana já reuniu informações sobre este projeto. A possibilidade de se somar à demanda mato-grossense a demanda de países vizinhos como a Bolívia e o Peru, aumenta o poder de convencimento para a agilização da obra, diante da evidente viabilidade comercial para os futuros concessionários dos serviços (PLANO DE METAS, 1995, p. 75, grifo nosso).

Ao trazer à tona as questões relacionadas ao desenvolvimento e à promoção

industrial do estado, mais uma vez, o cenário internacional é lembrado, e aparece

como uma saída viável para a promoção do aumento das divisas da região. A

palavra de ordem é agregar valor aos produtos do estado que, por serem primários

em sua maioria, não geram tantas divisas:

Uma política de agregação de valor à produção deve buscar a transformação da produção primária de matérias primas em produto elaborado e disponível no mercado consumidor. Essa denominação, chamada agregação de valor, deve apresentar-se como a articulação das atividades do setor industrial, comercial e de serviços, de maneira a adequar o seu produto como mercadoria final (PLANO DE METAS, 1995, p. 82).

Ao fazer este diagnóstico, o Plano apresenta o cenário internacional como

sendo um mercado consumidor promissor e que, por isso, deve ser buscado pelas

políticas públicas de incentivo comercial. A ideia apresentada é que ao se vender

para o exterior, o estado se torna uma referência nas tomadas de decisões que

envolvem os produtos por ele produzidos. Assim, há no tópico “Instrumentos de

promoção comercial, industrial e de serviços” duas saídas para se atingir o mercado

internacional:

[...] criar estrutura associativista empresarial para ampliar a oferta de mercadorias a nível nacional e internacional; criar estrutura que permita a divulgação de produtos gerados nas diversas regiões do Estado tais como: estandes permanentes, centros de informações para oportunidades comerciais (internas e externas), feiras e exposições e participação em debates; [...] (PLANO DE METAS, 1995, p. 83).

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Por fim, são dois os últimos momentos em que o Plano apresenta alguma

proposta relacionada ao cenário internacional. Primeiro, é quando faz menção às

políticas culturais a serem implementadas. Ali, encontramos a seguinte ação:

“Promover o intercâmbio regional, estadual e internacional, com atenção especial à

Integração Latino-Americana” (PLANO DE METAS, 1995, p. 90). Há de se destacar

que não existe nenhum comentário de como o estado fará esta promoção; assim,

não se tem ideia de como essa integração cultural será alcançada. Segundo,

quando afirma a necessidade de se “[...] selecionar, formar e capacitar policiais em

academias de polícias estaduais, nacionais e internacionais.” (PLANO DE METAS,

1995, p. 93) Mais uma vez, aqui não há maiores explicações de como será

operacionalizada esta ação.

O segundo programa traz a seguinte denominação: “Plano de metas Mato

Grosso 1995-2006, versão 1999-2002”. Vejamos, a seguir, nas palavras do

governador Dante de Oliveira, a apresentação do referido documento:

Em 1994, a Frente Cidadania e Desenvolvimento promoveu uma ampla mobilização da sociedade civil organizada para a construção de um novo modelo de gestão pública para Mato Grosso. Como resultado do engajamento de lideranças políticas, comunitárias, empresariais e dos trabalhadores, que contribuíram através do intenso debate de ideias e formulação de propostas, pela primeira vez, na história, concebeu-se o Plano de Metas - Mato Grosso 1995/2006. Incorporando uma visão de longo prazo, o Plano de Metas sintetizou o nosso compromisso de realizar um governo inovador, capaz de enfrentar os desafios e dar respostas às reais aspirações do conjunto da sociedade mato-grossense. Hoje, quase quatro anos depois, as profundas transformações econômicas, sociais e políticas que estão ocorrendo no mundo, e em nosso Estado, em particular, exigem a atualização e incorporação desse novo paradigma de desenvolvimento ao Plano de Metas. Esse novo modelo, a que me refiro, está sendo gestado à luz do inter-relacionamento dos mercados e do avanço acelerado da tecnologia. Nesta perspectiva é que se apresenta o Plano de Metas – Versão 1999/2002. Esse documento, que apresento para apreciação, preserva e reafirma o nosso compromisso com o desenvolvimento sustentado e modelo de gestão explicitados na Visão Estratégica de longo prazo, do período 1995-2006. No entanto, avança, ao incorporar estratégias, princípios e políticas globais compatíveis aos cenários macroeconômicos que balizam o futuro da economia mundial e, por consequência, a nacional e a mato-grossense (PLANO DE METAS, 1998, p. 8).

Sendo assim, nesta segunda versão do Plano, apenas nos deteremos às

propostas de ações internacionais para o período de 1999-2002, uma vez que

entendemos desnecessária uma retomada da análise de longo prazo que aparece

no primeiro documento, já apontada por nós.

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O que entendemos ser de importante destaque é que, também nesta

segunda versão, o Plano faz menção à conjuntura internacional já nas primeiras

linhas. Assim, percebemos que todas as ações por ele propostas levam em

consideração as novas transformações que vêm ocorrendo no mundo globalizado:

A definição de uma política de desenvolvimento para Mato Grosso precisa levar em conta as profundas transformações econômicas, sociais e políticas que estão ocorrendo no mundo, com todas as oportunidades e desafios que lhes são inerentes. No plano mundial, assistimos à crescente interpenetração dos mercados de bens e serviços, evidenciando uma nova visão de competitividade e um extraordinário aumento da dimensão e velocidade dos sistemas de informação e dos fluxos financeiros nos mercados de capitais. A globalização implica em profunda transformação de processos produtivos e métodos de gestão, em função da acelerada inovação tecnológica, particularmente nos campos da comunicação, da microeletrônica, da informática e das constantes transformações de demandas da competição. Uma das consequências desse processo tem sido a crescente desterritorialização das atividades econômicas, no sentido de que a localização das unidades produtivas passar a depender, cada vez mais, das vantagens dinâmicas ou construídas e, cada vez menos, de vantagens comparativas estáticas das dotações de recursos naturais de qualquer território. Consideram-se construídas aquelas vantagens criadas pela mudança tecnológica, pela qualificação da mão-de-obra e pelo aperfeiçoamento dos métodos de gestão, do lado das empresas, e pela melhoria dos serviços de infraestrutura e da qualidade das políticas públicas, do lado do governo. Se, por um lado, as transformações engendradas pela globalização criam oportunidades, por outro, geram novos desafios. Dentre os mais difíceis, aparentemente, estão aqueles relacionados com a criação de empregos e com o desenvolvimento de regiões consideradas periféricas (PLANO DE METAS, 1998, p. 14, 15).

Como podemos perceber, há um diagnóstico que aponta as transformações

do cenário internacional e dos desafios impostos pela nova realidade que se

apresenta; e, também, de qual a influência deste cenário externo dentro do estado

de Mato Grosso. Nesse sentido, a avaliação apresentada não se diferencia em muito

das análises sobre o contexto externo feitas no capítulo anterior. O que pode ser

considerado um elemento novo na análise é o foco no estado de MT. Ao nosso ver,

os Planos não aprofundaram os impactos específicos no estado e quando o fizeram,

de forma tímida e acanhada, não souberam levar adiante muitas das medidas

apresentadas.

Importante concordar que, ao menos no discurso, as transformações

externas são consideradas importantes pelos Planos, para se pensar o contexto

regional e o desenvolvimento estadual. Neste sentido temos a afirmação de que a:

“[...] interconexão com outras regiões e com outros continentes, dentro de um

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esquema de logística integrada, envolvendo a articulação e a integração de redes

modernas de comunicação, transporte e energia[...]” (PLANO DE METAS, 1998, p.

15), devem ser consideradas ao se buscar a evolução do estado.

Por entender que todo o desenvolvimento do estado deve levar em

consideração políticas amplas, que envolvam até países limítrofes quando for o

caso, é que o Plano aponta para necessidade de redução dos desequilíbrios

regionais como uma meta a ser alcançada. Esta redução aparece como sendo uma

das quatro42 principais estratégias de ação, e apresenta

[...] uma nova abordagem para a questão regional, que deve ser tratada no contexto da nova geografia econômica, sem considerar os limites de suas regiões. Trata-se, de forma mais adequada, de analisar o problema e propor políticas que, na maioria das vezes, transcendem as fronteiras de uma região. A prioridade é a integração do Estado, tanto dentro de suas fronteiras quanto com o resto do país e com outros continentes. Especial ênfase será dada à consolidação dos eixos de integração multimodal, que permitam uma adequada utilização das nossas potencialidades (PLANO DE METAS, 1998, p. 15, 16).

Fica claro, mais uma vez, que o cenário internacional, ao menos em teoria,

exerce um papel importante quando são elaboradas as ações e os objetivos a serem

alcançados pelo estado de Mato Grosso. Neste ponto, o Plano destaca que a

promoção da integração regional e internacional fez parte da ação do governo no

primeiro mandato e continuará sendo prioridade no segundo (PLANO DE METAS,

1998, 22).

A promoção da integração regional e internacional é considerada de extrema

necessidade em um mundo que se globaliza e é importante para se alcançar o

desenvolvimento da região.

Na era da economia globalizada, onde a formação de blocos comerciais como o NAFTA (Estados Unidos, Canadá e México) e a União Europeia é um processo cada vez mais presente na vida dos países, Mato Grosso deve procurar, cada vez mais, a integração econômica, cultural e política como forma de alavancagem de seu desenvolvimento, até porque ocupa uma posição geográfica estratégica na América do Sul, facilitando a logística de transporte de pessoas e de mercadorias. Acordos comerciais, principalmente com os países do Mercosul, além do Chile e Bolívia, intensificam a produção de produtos primários e podem contribuir para a implantação de novos setores industriais e de prestação de serviços em Mato Grosso (PLANO DE METAS, 1998, p. 23, 24).

42

As outras três são: construção de um estado necessário e eficiente; redução dos equilíbrios sociais e

integração; inserção competitiva e modernização produtiva (PLANO DE METAS, 1998, p. 15).

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Tal integração, regional e internacional, é objetivo considerado pelo Plano

em longo prazo. Devendo ocorrer nos mais diversos setores como, por exemplo, o

econômico e o cultural. Neste segundo Plano, a necessidade da vinda do gás da

Bolívia para Mato Grosso também é lembrada como essencial, assim como no

primeiro. Deve-se destacar que no item que trata da questão de transportes, no

segundo Plano, não existe menção alguma sobre a rodovia que liga Mato Grosso à

Bolívia, anteriormente mencionada. Em compensação, aparece como meta, no

mesmo documento, a necessidade de implementação de programa de promoção

comercial, em parceria com o setor produtivo, que priorize o MERCOSUL (PLANO

DE METAS, 1998, p. 62).

A questão ambiental é mencionada neste momento, trazendo como

realização do primeiro mandato a elaboração e aprovação do “Programa de

Desenvolvimento Sustentável do Pantanal – BID/Pantanal, maiores informações

sobre o Programa estão abaixo; ele também é mencionado quando o assunto é

turismo, aparece como o viabilizador de investimentos nas áreas de infraestrutura

básica, como saneamento, sistema viário-turístico e gerenciamento de bacias

hidrográficas” (PLANO DE METAS, 1998, p. 68).

As realizações e metas a serem alcançadas para se obter a integração

regional e internacional do estado de Mato Grosso são assim descritas:

A posição estratégica de Mato Grosso na América do Sul, permitindo a agilização do transporte de pessoas e de mercadorias, a formação dos blocos comerciais dentro do contexto de uma economia globalizada, faz com que seja fundamental para o Estado a busca constante de uma maior integração econômica, cultural e política, com os demais estados do Brasil e

com os demais países da América Latina. POLÍTICA DE PROMOÇÃO E INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E CULTURAL O processo de integração sul-americana ajudará ao Estado a encontrar caminhos alternativos para sua economia e incorporar melhorias qualitativas ao seu desenvolvimento. Dentro deste contexto, o Governo do Estado, no período de 1995/98, realizou as seguintes ações: a) eventos de promoção ao intercâmbio regional, estadual e internacional, com especial atenção à integração latino-americana; b) elaboração do Plano Multimodal de Transportes, para todo o Estado; c) implantação parcial do Programa de Marketing Turístico Regional; d) realização de eventos culturais, empresariais e esportivos, envolvendo países latino-americanos; e e) início da elaboração do plano de desenvolvimento turístico da Amazônia e do Araguaia. Metas – Inserir Mato Grosso, de forma competitiva, nos mercados regionais e internacionais, especialmente no âmbito do MERCOSUL, MERCOESTE e ALCA.

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– Intensificar ações de cooperação econômica, técnica, científica e cultural com a Bolívia e os países andinos, no contexto da integração sul-americana. – Intensificar a participação do Estado nas ações do Tratado de Cooperação Amazônica, em parceria com a SUDAM, OEA e o Ministério das Relações Exteriores. – Intensificar a promoção de eventos internacionais, de natureza econômica, turística e cultural (PLANO DE METAS, 1998, p. 71, 72).

Fica claro, na passagem acima, que as políticas para a integração regional e

internacional são basicamente as mesmas apresentadas no primeiro Plano. Bem

como, a falta de detalhamentos das ações tidas como realizadas no primeiro

mandato.

Um projeto de grande dimensão do governo Dante foi, sem dúvida, o

“Programa de Desenvolvimento Sustentável do Pantanal”43, patrocinado pelo Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), que ficou conhecido como BID-Pantanal.

Segundo depoimento44 do governador Dante, o projeto tinha como objetivo maior a

proteção do pantanal para as gerações futuras.

Segundo José Assad Thomé Jr45, coordenador estadual do projeto, a

iniciativa foi:

[...] um programa ambiental constituído por projetos que visam o conhecimento, o controle e a redução dos problemas na Bacia do Alto Paraguai (BAP), e por ações de fortalecimento econômico compatíveis com a preservação do ambiente pantaneiro. Está subdividido em quatro grandes componentes: a- Gerenciamento de Bacias;

A1: Administração de recursos hídricos; A2: Manejo integrado de sub-bacias críticas; A2.1: Gerenciamento integrado de sub-bacias críticas; A2.2: Difusão de tecnologias e Regularização de atividades mineradoras.

b- Meio Ambiente Urbano; B1: Plano de gerenciamento integrado de resíduos sólidos urbanos para os municípios da Bacia do Alto Paraguai; B2: Saneamento urbano

c- Promoção de Atividades Sustentáveis; C1: ordenamento e promoção do ecoturismo; C2: gestão dos recursos pesqueiros do pantanal; C3: apoio técnico aos produtores rurais da planície pantaneira; C4:apoio para a sustentabilidade das terras indígenas.

d- Áreas de Conservação; D1: Criação e implementação de estradas parque; D2: Criação implantação e manejo de Unidades de Conservação;

O Programa Pantanal tinha ainda um grande objetivo geral, qual seja:

43

Vide Anexo 2 44

Veja a íntegra do depoimento no Anexo 3. 45

Gerente da Unidade executora estadual da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEMA).

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Promover o desenvolvimento sustentável da BAP, através do gerenciamento e da conservação de seus recursos naturais, incentivando atividades econômicas ambientalmente compatíveis com o ecossistema e

provendo melhores condições de vida à população local46

.

Assim, concluímos uma primeira parte deste capítulo, dando prioridade para

a apresentação formal dos “Planos de Governo” do governador Dante. Seguindo

com a mesma dinâmica, daremos continuidade agora focando o governo Blairo

Maggi.

2.2 Os planos do Governo Blairo Maggi e Silval Barbosa (1-1-2003 a 30-03-2010/

31-03-2010 a 31-12-2010)

Seguindo a mesma metodologia usada no estudo do governo Dante,

inicialmente analisaremos documentos do governo que, em algum momento, tratam

ou mencionam ações ligadas ao cenário externo. Passaremos, agora, a falar do

documento “Agenda Mato Grosso mais forte – compromisso com o desenvolvimento

e com a superação das desigualdades sociais e regionais”, apresentado como

sendo o plano de governo para as eleições em 2002. Ali, fica claro que o futuro

governador possuía uma ideia bastante clara sobre, primeiro, de como deveria ser o

seu governo, e, segundo, de como este governo agiria dentro de um mundo

globalizado.

Neste contexto de globalização, em uma sociedade onde a multidiversidade e a expansão do conhecimento avança com celeridade, o governo não pode ser dúbio, tímido, hesitante. Precisa ser dinâmico e rápido nas decisões de seus governantes, participação, legitimidade e confiança por parte da sociedade. Por fim, requer ainda uma ação que restaure a liderança do governo e do estado, enquanto mediador e indutor do esforço dessa sociedade que almeja desenvolver-se com responsabilidade social (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 27).

Para o governador, a sua administração deveria assumir alguns

compromissos com o futuro de Mato Grosso, e um deles seria tornar o estado o

46

As citações que falam sobre o Programa Pantanal foram tiradas de uma apresentação de Thomé Jr. Esse

material não foi publicado e faz parte do acervo particular do referido funcionário.

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maior pólo de desenvolvimento do agronegócio do país e da América Latina. Essa

afirmação pode ser visualizada na passagem abaixo, e deve ser levada em

consideração mesmo que possa parecer apenas discurso político.

Ser um estado social e economicamente equilibrado, eficiente, com tributação justa, emprego, segurança e qualidade de vida, transformando-se no maior pólo de desenvolvimento do agronegócio do país e da América Latina, sendo reconhecido internacionalmente pela modernidade e qualidade da sua produção com preservação e conservação ambiental (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 22).

Aqui, mais uma vez, fica aparente que o futuro governador e sua equipe

possuíam um mínimo de noção da importância do cenário internacional para o

desenvolvimento do estado de MT, principalmente quando coloca como uma de

suas prioridades, as ações de preservação e conservação do meio ambiente,

assunto com grande espaço na agenda internacional. Em nosso entender, ao traçar

o objetivo de se tornar o “maior pólo de desenvolvimento do agronegócio do país e

da América Latina” Maggi reconhece que sem uma política de incentivo às

exportações a economia não daria o salto necessário para gerar dividendos e,

assim, melhorar a qualidade de vida da população.

Qualidade de vida que, entre outros fatores, está relacionada ao

saneamento básico, segundo o plano de governo. Neste sentido, Maggi coloca como

prioridade do programa BID-Pantanal o investimento em saneamento básico; para

tanto, propõe a articulação e a busca de novas linhas de crédito no Banco

Interamericano, posicionamento bastante claro na seguinte passagem: “Articular

junto ao BID visando garantir o saneamento como primeira prioridade de

investimento do Programa BID - Pantanal” (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 27).

Para ele, essa articulação com organismos internacionais era de extrema

importância para a obtenção de financiamentos com vista à construção de

infraestrutura de saneamento: “Articular junto a organismos federais e internacionais,

visando à construção de infraestruturas de saneamento” (PLANO DE GOVERNO,

2002, p. 27).

Em outro ponto do plano de governo, denominado “Modernização da

Produção e do Mercado”, é feita, mais uma vez, alusão à necessidade de se buscar

o fortalecimento das relações de comércio internacional. Com o objetivo de

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Promover o aperfeiçoamento da institucionalidade e dos instrumentos de apoio às exportações, visando à ampliação da capacidade de exportação do estado e a consolidação de sua inserção no mercado externo (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 57).

Algumas ações foram propostas, dentre as quais, podemos citar: o estímulo

para a formação de consórcios de exportação de pequenas e médias empresas; a

capacitação de pessoal dedicado à produção e à gestão de negócios com o exterior

visando ao desenvolvimento de ações articuladas com o MRE e da Agricultura; a

oferta de assessoria técnica a consórcios de pequenas e médias empresas na

gestão de negócios com o exterior organizados por pólos regionais; o apoio às

empresas de pequeno e médio porte no acesso aos mecanismos oficiais de

financiamento às exportações; a elaboração e implementação de um plano

estratégico de desenvolvimento das exportações com o objetivo de explicitar as

prioridades políticas, contendo um diagnóstico dos problemas para as vendas

externas de MT, os objetivos e prioridades, bem como instrumentos e mecanismos

de apoio; articulação e prioridades para alcançar os objetivos e mecanismos de

avaliação técnica, econômica e social das políticas públicas adotadas nesta área;

realização de amplo apoio de marketing dos produtos mato-grossenses no mercado

externo; incentivo ao pequeno produtor para participar do comércio exterior por meio

da formação de consórcios, associações, certificação de produtos como selo verde e

selo sem agrotóxico; criação de incentivos específicos para viabilização de

exportação de serviços; oferecimento de assessoria técnica para consórcios de

pequenas e médias empresas em gestão de comércio exterior; criação de

mecanismos para a formação de acordos bilaterais com outros estados e países;

elaboração, nos primeiros cem dias de governo, de um estudo da viabilidade de

exportação de produtos artesanais do estado, com a possibilidade de construção,

em Cuiabá, de um centro de captação, promoção, divulgação e comercialização de

tais produtos no Brasil e no exterior (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 57).

Mais adiante, ainda visando à promoção do comércio exterior no estado,

surge no tópico: “Promover a mobilização regional – Participação nos blocos

econômicos” o objetivo de

[...] dotar o Governo Estadual de uma estrutura organizacional capaz de identificar as oportunidades de mercado e agir em função da divulgação e inserção da produção de Mato Grosso no comércio exterior, fortalecendo a

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99

geração de empregos, a integração regional e a superação das desigualdades regionais e sociais (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 60).

Para se alcançar os objetivos acima mencionados, o plano deixa clara a

necessidade, principalmente, de se criar, dentro da estrutura governamental, grupos

de trabalho capazes de dar condições reais para a inserção do estado no cenário

internacional. Podemos perceber uma nítida preocupação na formação de técnicos

capacitados para atuar no fomento do comércio internacional. Não é por outra razão

que as ações abaixo foram destacadas no já mencionado plano de governo.

– Formar um grupo de trabalho para a elaboração e divulgação de estudos sobre as condições estruturais e conjunturais da inserção do estado em blocos econômicos internacionais, como ALCA, MERCOSUL, Pacto Andino, CEE (Comunidade Econômica Europeia), NAFTA (Estados Unidos, Canadá e México) e APEC (Ásia-Pacífico); - Articular com o Governo Federal, estados das regiões Centro-Oeste e Norte e países limítrofes, para a implementação de infraestruturas em benefício do escoamento da produção e dinamização das relações de comércio exterior com essas áreas; - Elaborar e implementar estratégias regionais com vistas à soma de esforços para a ampliação de vantagens competitivas nos mercados internacionais; - Realizar eventos regionais visando sensibilizar e mobilizar os produtores locais e regionais para incentivar a produção, disseminar informações sobre oportunidades de negócios e mercados potenciais (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 60).

A busca por financiamentos em organismos internacionais é lembrada, mais

uma vez sem mencionar maiores detalhes de como poderia acontecer, para a

obtenção de créditos para a infraestrutura. Destaca-se a ação de “melhorias na

Hidrovia Paraná/Paraguai, que podemos chamar de Hidrovia da Integração com o

MERCOSUL” (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 62), tida como uma das ações

importantes a ser realizada pelo futuro governo.

Além do plano de governo resgatado acima, cabe também destacarmos o

projeto de lei do Plano Plurianual de 2004-2007, que foi apresentado pelo

governador Blairo Maggi à Assembleia Legislativa do estado de Mato Grosso e por

ela aprovado. Plano este que é a “[...] expressão do compromisso do governo com

os cidadãos [...] e reflete a construção coletiva de um governo que ainda amadurece

no conhecimento e reconhecimento das condições de governar” (PLANO

PLURIANUAL, 2003, p. 2)47. O mesmo teve por base as ideias apresentadas na

47

Plano Plurianual 2004-2007. Projeto de lei agosto de 2003. Poder Executivo. (Posteriormente aprovado se

transformando em Lei 8.064 de 30 de dezembro de 2003).

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“Agenda Mato Grosso Mais Forte” que, como já vimos, fora construída durante o

período que antecedeu as eleições de 2002. Ainda nas palavras do governador, o

Plano “[...] será como um guia, uma orientação sobre os rumos que pretendemos

seguir nos próximos anos, de modo que, mesmo nos dias mais difíceis não

perderemos o horizonte daquilo que pretendemos edificar neste Estado” (PLANO

PLURIANUAL, 2003, p. 2).

Dois são os pontos a serem destacados no supramencionado documento. O

primeiro, que trata da infraestrutura e do desenvolvimento econômico; e outro, que

aborda a globalização e a necessidade de revitalização do Estado.

No tópico denominado Infraestrutura e Desenvolvimento Econômico,

novamente, fica clara a intenção do governo de transformar o estado no maior pólo

de agronegócio do País e também da América Latina; e que, para atingir este

objetivo, o grande desafio a ser superado seria o da infraestrutura.

Ainda que apresente preocupações com as desigualdades social e regional e com sua qualidade ambiental, Mato Grosso tem potencial para se transformar no maior pólo do agronegócio do País e da América Latina. Todavia, este potencial passa pela superação de vários desafios. Dentre eles, podem ser citados a precária infraestrutura de transporte multimodal, a necessidade de ampliação dos níveis de ocupação e renda nos meios rural e urbano, a incorporação de regiões e segmentos sociais marginalizados ao processo produtivo, a diversificação e modernização da pauta produtiva, o aumento da competitividade e o aproveitamento de oportunidades nos mercados interno e externo (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 25).

A precária infraestrutura dos transportes é destacada no Plano, que lista os

principais corredores48 onde deverão ser feitos os investimentos com o objetivo de

superar tal desequilíbrio. Para o nosso trabalho destacamos apenas três:

Corredor Sul/ Sudoeste – Rodo – Hidroviário (Hidrovia Paraguai – Paraná) – Cuiabá (BR 174/070) – Cáceres – Corumbá – Assunção – Barranqueras – Nova Palmira – Campanha – Buenos Aires;

48

“Corredor Norte – Rodo-hidroviário, composto pela BR 163 (Cuiabá-Santarém) e pela Hidrovia Teles Pires

– Juruena – Tapajós;

Corredor Centro – Norte - Hidro – Rodo – Ferroviário, composto, a partir de Nova Xavantina, pela Hidrovia

Mortes – Araguaia – Tocantins, passando por Xambioá – BR 010/153/226 até Imperatriz (MA) – Ferrovias

Norte-Sul e Carajás para atingir o Terminal de Ponte da Madeira em São Luiz (MA);

Corredor Leste – Rodo – Ferroviário, composto pela BR 070 (Cuiabá – Goiânia – Belo Horizonte – Vitória)

ou BR 364 (Cuiabá – Rondonópolis – Itumbiara – Belo Horizonte – Vitória);

Corredor Sudeste – Rodo – Ferroviário (FERRONORTE) – Cuiabá – Rondonópolis – Alto Taquari –

Chapadão do Sul – Aparecida do Taboado – Santos” (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 27, 28).

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Corredor Oeste – Rodoviário (ligação com o Pacífico) – Cuiabá (BR 174/070) – Cáceres – San Mathias – Santa Cruz – Portos do Chile e do Peru; Corredor Noroeste – Rodo – Hidroviário – Cuiabá – Sapezal (BR 174) – Hidrovia Madeira – Amazônia – Solimões – Porto Velho – Itacoatiara – Iquitos ou Macapá

(PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 27, 28).

Temos, desta forma, uma visão ampla de todo o cenário dos principais

corredores de transportes do estado. Os corredores Sul/ Sudeste, Oeste/rodoviário e

Noroeste/ rodo/ hidroviário serão vistos mais particularmente adiante, por terem seus

traçados em outros países. Neste momento do texto, o importante é destacar que o

governo possuía absoluta consciência da necessidade de se efetivarem os

corredores modais.

Mais adiante aparece também uma relação entre a globalização e os

transportes. Aqui, conforme visto ao longo deste capítulo dois e também no Plano

do governo Dante acima, temos uma conceituação da globalização. Ela aparece

objetivando, a nosso ver, justificar os investimentos necessários nas questões

ligadas aos transportes, como sendo fundamental para a implementação das

exportações.

Em tempos de globalização e abertura para o mercado externo, o Centro Oeste apresenta uma posição geográfica estratégica e competitiva na América do Sul, destacando-se como emergente pólo irradiador dos principais corredores de transportes e exportação: Santarém, Itaqui, Arica, Ilo, além dos tradicionais portos do Centro Sul. A reativação do transporte hidroviário no Rio Paraguai necessita de investimentos federais no trecho Cáceres-Corumbá para execução de serviços de drenagem e sinalização; a iniciativa privada está comprometida com a infraestrutura portuária e de armazenamento. A hidrovia Paraguai-Paraná é considerada a coluna vertical do MERCOSUL, pois além do Brasil, percorre o Paraguai, o Uruguai e a Argentina (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 28).

Abaixo a caracterização da globalização:

O atual processo globalizante, a exemplo dos anteriores na história da humanidade, caracteriza-se de modo fundamental pela intensificação de trocas comerciais e financeiras e pelo seu forte conteúdo tecnológico (em especial nas áreas de transporte, telecomunicações, informática, robótica, microeletrônica e biotecnologia). Este fluxo mais livre de capitais, mercadorias e pessoas engendrou um novo ordenamento geopolítico-econômico internacional e agiu como catalisador das principais mudanças no âmbito dos Estados nacionais e mesmo na formação de um novo espaço transnacional, tanto para a atuação do capital quanto dos Estados (blocos regionais como o MERCOSUL, NAFTA e União Europeia e organismos multilaterais como a OMC, ONU e as suas diversas agências setoriais) (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 30).

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Após essa caracterização da globalização, o Plano de governo aborda os

reflexos dessas mudanças no cenário mato-grossense. Neste momento, mais uma

vez, aparece como sendo importante a reestruturação do estado, unidade federativa,

que tinha seu modelo econômico, segundo o plano, saturado e incapaz de fazer

novos investimentos em áreas básicas.

O aparelho do Estado em Mato Grosso passou a apresentar sinais de fadiga e saturação a partir de meados dos anos 1980, com a situação financeira e patrimonial da Administração Direta e Indireta deteriorando-se cada vez mais, apresentando frequentes atrasos de pagamentos, além da incapacidade das agências de cumprirem os objetivos para os quais foram criadas. Adotou-se então uma ação baseada na redução do papel do Estado, gerando extinções, fusões, incorporações de órgãos e demissão de servidores como as principais medidas adotadas (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 31).

Diante das dificuldades encontradas pelo governo Maggi, principalmente

pela ineficiência do estado em proporcionar novos investimentos, a constatação de

uma posição geográfica favorável à produção e ao escoamento dos produtos

regionais no mercado internacional pelo estado de MT aparece como sendo uma

possibilidade a ser explorada para se superar os desafios e os problemas

enfrentados por Mato Grosso.

Assim, uma vez mais o agronegócio aparece como prioridade para ajudar o

estado a superar as adversidades econômicas. Essa opção fica evidente no

balizamento estratégico apontado na passagem abaixo:

Todas as ações do Governo devem convergir para a construção de um futuro onde Mato Grosso possa: “Constituir-se em um Estado social e economicamente equilibrado, estimulando as potencialidades regionais e consolidando-se como o maior pólo de desenvolvimento do agronegócio da América Latina” (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 41).

Feita a opção econômica pelos produtos agrícolas, aparece abaixo, no

objetivo 3 do PPA, a intenção de se intensificar as relações comerciais com outros

países baseadas nas potencialidades regionais.

Objetivo 3: Promover o desenvolvimento sustentável da economia, fortalecendo a competitividade, a diversificação e a participação nos mercados nacional e internacional, com base nas potencialidades regionais, ampliando a

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participação do micro, pequeno e médio empreendimento (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 41).

Muitas das estratégias49 para se alcançar esse objetivo apareceram acima,

no Plano de governo. Abaixo o PPA apresenta algumas outras possibilidades. Para

o nosso estudo, destacaremos apenas o item seis:

[...] 6. Fortalecer as relações de comércio nacional e internacional

[...] (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 43).

As estratégias apresentadas, tanto no Plano de governo como no PPA,

levam em consideração a intensificação de ações internacionais, principalmente

daquelas que possam ajudar a intensificar o comércio internacional, sempre

priorizando as commodities agrícolas. Finalizando a apresentação dos Planos de

governo Maggi, podemos dizer que existia a percepção de que, por meio do

fortalecimento do comércio externo, MT poderia ter um salto na sua balança

comercial e também proporcionar melhorias para a sua população.

Desse modo, terminamos a apresentação dos principais documentos que

foram exibidos à sociedade no período que estudamos e que, em alguma medida,

tratavam de ações internacionais. Importante percebermos que, em vários

momentos, elas aparecem como sendo de grande importância para superar as

dificuldades econômicas diagnosticadas e como meio de proporcionar um salto na

qualidade de vida dos mato-grossenses. Veremos no próximo capítulo quais ideias

propostas foram implementadas, ou não, e quais os resultados.

Como prévia da análise que se apresentará podemos dizer que ambos os

planos refletem em muito o momento de sua elaboração. Neste sentido a

49

“Estratégias: 1. Estimular o desenvolvimento regional, considerando as aptidões de cada região, com vistas a

redução das desigualdades econômicas e sociais;

2. Fortalecer a produção e disseminação de conhecimentos e tecnologias, a partir da realidade e aptidões

regionais;

3. Apoiar o desenvolvimento de tecnologias apropriadas ao uso adequado dos recursos naturais, oportunizando o acesso aos setores produtivos;

4. Incentivar e fomentar a participação de micro e pequenos empreendimentos no mercado, através de

disponibilização de linhas de crédito e apoio técnico para suas inserções no sistema de produção;

5. Fomentar o incremento e a diversificação da produção;

6. [...];

7. Dotar as regiões do Estado de infraestrutura em energia elétrica e transporte, de modo a promover a integração

regional e as demandas do setor produtivo;

8. Desenvolver agros-pólos que consolidem a produção e a transformação de matéria-prima” (PLANO

PLURIANUAL, 2003, p. 42).

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preocupação com a globalização, o comércio internacional e outras influências

externas dentro de MT são consideradas nas avaliações feitas. É verdade que, na

teoria, muito mais ações foram idealizadas do que na prática implementadas.

Outra questão é o retrato que ambos os Planos fazem da situação do

governo estadual. Todos trazem o quadro de um estado sem condições financeiras

de fazer investimentos nas mais diversas áreas fundamentais. A nosso ver, essas

avaliações encontram mais eco no período do governo Dante, que ao assumir o

governo estadual teve que realizar várias medidas saneadoras, que eram, inclusive,

as mesmas feitas pelo governo federal, como por exemplo, as várias privatizações

das empresas estaduais, criação de agências de regulação, diminuição do corpo de

funcionários não concursados entre outras.

Outro ponto importante a se destacar para o nosso trabalho é que em todos

os Planos não há a menor demonstração de conhecimento de diplomacia federativa

ou de política externa federativa. Apesar da existência da previsão da realização de

ações internacionais, não existe, em nenhum momento, como estratégia de ação, a

defesa do protagonismo do estado para a implementação de tais ações. Ou seja,

ambos os governos agiram, na maioria das vezes, de forma voluntariosa sem

maiores planejamentos e sem uma pretensão maior de implementar uma secretaria

ou criar um corpo burocrático perene para assessorar o governador nas questões

internacionais.

Essa afirmação tem importância principalmente se considerarmos que a

bibliografia relacionada ao tema, ações externas dos governos subnacionais, ganha

força na década de noventa e, como vimos, sempre defendendo um estado

protagonista, que aja em defesa de seus interesses. O protagonismo das unidades

federadas é de grande importância, se acreditarmos que, em um mundo globalizado,

cada vez mais são sentidos os impactos do cenário externo pelos governos locais; e

parece que, ao menos no discurso, é nessa perspectiva que os Planos de governo

estão trabalhando.

Neste mesmo sentido temos Karina Mariano e Marcelo Mariano (2005):

O termo “globalização” tem gerado intenso debate quanto ao seu significado e quais seriam as suas características centrais. No entanto, em meio a essa acalorada discussão, foi possível chegar a alguns consensos, e um deles refere-se ao fato de que os impactos da globalização são cada vez mais locais e regionais, levando os governos subnacionais a assumirem novas

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responsabilidades, entre elas criar estratégias próprias de inserção internacional. [...] De fato, tanto o fenômeno da globalização como o da regionalização impactam diretamente sobre o cotidiano das localidades, mas se originam fora desse âmbito. Isto implica dizer que, para entender o comportamento de um governo subnacional no plano internacional é preciso compreender também o contexto mundial em que essa ação se desenvolve (MARIANO, K.; MARIANO, M., 2005, p. 132, 133).

Não significa dizer que os Estados-nação irão perder o status de ator

principal que lhes pertence, aqui concordamos com os autores que afirmam o

seguinte:

A relação entre globalização e Estado não se resume a um enfraquecimento do segundo e à busca de uma nova forma de ordenamento e controle internacional, com a inserção de novos atores nesse âmbito – no caso, os governos subnacionais. Trata-se na verdade, de uma reformulação do papel do Estado promovida com base nos efeitos gerados pela globalização, que trazem para a esfera nacional novos desafios e uma nova lógica de funcionamento (MARIANO, K.; MARIANO, M., 2005, p. 133)..

Uma questão importante que justifica a defesa das ações externas dos

governos subnacionais é o fato de que eles devem agir para evitar o prejuízo de

seus interesses. Nesse sentido, MT precisa se organizar; primeiro porque é fato que

o contexto externo e mesmo políticas do governo central podem contrariar os

interesses do estado; segundo porque outras unidades da federação e mesmo

municípios já se encontram organizados, inclusive com um corpo burocrático

capacitado para agir e planejar tais ações. Neste caso, vale a passagem abaixo de

Barreto (2001), que ao estudar o processo regional de integração do Mercosul faz o

seguinte destaque dando o exemplo da criação da rede Mercocidades50, que apesar

de formada pelas seguintes cidades em maio de 1996, Porto Alegre, Florianópolis,

50 Segundo GAMBINI, Priscila Truviz Hottz, no artigo: Rede Mercocidades: paradiplomacia de cidades no

Mercosul, a rede Mercocidades foi fundada pelas seguintes cidades: Rosario (Argentina), Assunção (Paraguai),

Florianópolis (Brasil), Porto Alegre (Brasil), La Plata (Argentina), Curitiba (Brasil), Rio de Janeiro (Brasil),

Brasília (Brasil), Córdoba (Argentina), Salvador (Brasil) e Montevidéu (Uruguai). A Autora destaca que a rede

foi fundada em 1995 pela Declaração de Assunção.

Para ela: “Originalmente, a Rede Mercocidades foi criada no intuito de contribuir para que o Mercosul seja um espaço comum de sociedade, cultura e economia mais democrático e acessível às esferas subnacionais,

fortalecendo a atuação das cidades no contexto regional do Mercosul.

O fundamento desta atuação internacional desde o nível local é de que os governos locais não podem depender

apenas da vontade dos governos nacionais para melhorar a qualidade de vida de suas populações, devendo então

interagir com as demais esferas de governo (inclusive as internacionais), ampliando o ideal de democratização

das relações internacionais e ao mesmo tempo, utilizando-se da Rede para reduzir as disparidades sociais

causadas pelas diferentes realidades dos seus membros associados” (p. 3).

Artigo disponível em: <http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/artigos/Patricia%20RI.pdf>. Acesso em: 14

out. 2011.

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Curitiba, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Brasília, Buenos Aires, Córdoba,

La Plata, Rosário, Montevidéu e Assunção, nos serve como exemplo:

A atuação das instâncias subnacionais de governo, locais e estaduais, no campo das relações internacionais - e, particularmente, no da integração regional do Mercosul - ocorre a partir do momento em que as ações do governo central sobre política externa começam a incidir sobre o processo político interno, impactando agentes econômicos, sociais e políticos de diferentes regiões e setores. No nível local, o caso da rede Mercocidades constitui um exemplo concreto de treze cidades localizadas nos países do Mercosul que se organizam em rede com o objetivo de influenciar e participar do processo de integração, assim como de estabelecer uma cooperação qualificada entre si nos campos econômico, científico, cultural, político e social. Essa iniciativa reflete a preocupação dessas municipalidades se unirem para se transformarem em atores sociais capazes de influenciar os governos centrais de seus respectivos países que vinham decidindo a pauta da integração de forma centralizada (BARRETO, 2001, p. 10).

Barreto (2001) destaca que a nova realidade imposta pela globalização faz

com que surja a necessidade de os estados subnacionais desenvolverem uma

“dimensão estratégica capaz de entender e diferenciar como os diferentes atores

sociais vislumbram um projeto futuro de sociedade nesse novo contexto e quais as

suas demandas manifestas ou latentes” (p. 11). Para ela

Trata-se, na verdade, de atender à reivindicação de um compromisso maior com um projeto de governo capaz de, ao mesmo tempo, garantir coesão social e inserção adequada no processo de globalização em curso. No caso brasileiro - e principalmente dos estados das regiões sudeste e sul do país - existem evidências de que os vários segmentos sociais estão a demandar maior atenção dos respectivos governos com relação ao processo de integração do Mercosul (BARRETO, 2001, p. 11).

A autora continua a sua análise focada também nas transformações

ocorridas no governo federal. Segundo ela o governo central vem dando sinais de

que deve haver uma descentralização da política externa e, para tanto, vem

promovendo algumas mudanças.

[...] a necessidade da descentralização da política externa também começa a ser reconhecida, embora a representação formal do país – assim como a formulação e execução de sua política externa - sejam de competência exclusiva do Governo Federal. Daí a criação, em junho de 1997, da Assessoria de Relações Federativas – ARF, como órgão assessor do Gabinete, com a finalidade de “fazer a interface do Ministério das Relações Exteriores com os Governos dos Estados e Municípios brasileiros, com o objetivo de assessorá-los em suas iniciativas externas, tratativas com Governos estrangeiros, organismos internacionais e organizações não governamentais” (BARRETO, 2001, p. 11, 12).

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Particularmente sobre MT podemos afirmar, olhando para os Planos de

governo, que a dimensão estratégica não é contemplada quando consideramos as

ações externas, na medida em que tais ações não são detalhadas no referido

documento; apesar das transformações externas serem mencionadas como uma

variável a ser considerada para o planejamento das ações do governo, não

percebemos nenhuma descrição para a implementação de políticas que pudessem

de, alguma maneira, defender os interesses mato-grossenses junto à elaboração da

política externa federal ou também no contexto externo.

Diante ao quadro mencionado acima por Barreto (2001), concordamos poder

haver prejuízo aos interesses dos entes federados tendo em vista ações do governo

central, bem como, de transformações ocorridas no cenário internacional. Assim

importante ter um grupo de funcionários preparados para lidar com essa realidade.

Outro ponto igualmente válido para a reflexão é o fato de que esse corpo de

funcionários qualificados pode trabalhar para evitar possíveis conflitos entre as

ações das unidades federadas e as diretrizes gerais da política externa elaborada

pelo governo federal.

Já foi dito anteriormente, mas não é demais lembrar que o Estado Nação é o

ator principal nas Relações Internacionais. Porém cabe frisar que:

Há uma mudança na relação entre o governo central e as unidades

subnacionais: a participação direta dos governos subnacionais no plano

internacional modifica e pode desestabilizar a divisão de atribuições

estabelecida constitucionalmente. O grau de conflito entre essas esferas

governamentais varia de acordo com as regras institucionais de cada país,

que podem estabelecer maior ou menor grau de autonomia das instâncias

subnacionais (MARIANO, K.; MARIANO, M., 2005, p. 131, 132).

Frente à possibilidade de conflito, falham os Planos de governo na medida

em que não fazem menção alguma sobre as situações em que eles podem ocorrer.

Não há a menor discussão sobre como enfrentar, por exemplo, o conflito de

competências nos casos das ações externas. Cabe ainda destacar que muito se fala

em parcerias com o governo central ou a busca de financiamentos junto a

organismos internacionais, mas também nesses pontos, não se fala exatamente

como tais ações deverão ser implementadas.

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Por fim, lembramos que na perspectiva de Mariano e Mariano a criação de

mecanismos de controle que ocorre no plano subnacional foi uma forma encontrada

para dar uma resposta rápida aos efeitos locais provocados pela globalização.

Assim, dizem:

A outra tendência gerada pela globalização a fim de criar mecanismos de

controle ocorre no plano subnacional, como uma resposta aos efeitos locais

desse fenômeno, independentemente da existência de um processo de

integração. Consideramos que os mecanismos governamentais

institucionalizados têm os seus procedimentos alterados, na medida em que

os governos subnacionais passam a assumir responsabilidades antes

restritas ao plano central (MARIANO, K.; MARIANO, M., 2005, p. 146).

Para finalizar, podemos afirmar que os Planos, apesar de entenderem que a

globalização impacta em MT, não conseguem demonstrar e nem mesmo pensar

ações externas para poder enfrentar esses impactos. Veremos essa situação de

forma mais detalhada no capítulo seguinte, que conta inclusive com as entrevistas

feitas com alguns atores que participaram da elaboração dos planos.

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Capítulo 3 – REFLEXÕES SOBRE OS PLANOS DE GOVERNO

Feitos os apontamentos das ações internacionais durante o período

estudado, passemos agora para uma análise mais profunda. Veremos, com a ajuda

de entrevistas, bem como da análise dos estudos de outros autores, o que

efetivamente foi implementado ao longo do período estudado. Nesse sentido, o

presente capítulo e o próximo, ganham importância uma vez que muito do conteúdo

de ambos se baseiam em entrevistas feitas por este pesquisador.

Como dito na Introdução desta tese, as entrevistas são importantes para

podermos apreender aspectos cognitivos como valores, crenças e ideias que

sempre influenciam percepções e decisões dos agentes políticos. Aspectos esses

de grande importância, uma vez que a opção foi pela realização de uma pesquisa

qualitativa.

As entrevistas nos permitiram complementar a tese com informações e

ideias que muitas vezes não estavam em documentos ou livros pesquisados. Neste

sentido nos proporcionou uma análise mais completa dos fatos abordados. Elas nos

ajudaram a compreender muitas ações governamentais, bem como o espírito que

permeou as tomadas de decisão.

As entrevistas analisadas nos capítulos 3 e 4 foram feitas com agentes

públicos, pesquisadores, membros da academia e outros sujeitos que colaboraram,

de alguma forma, para a formulação e implementação de ações externas de MT, é a

ideia de Homens de Estado, já apresentada na nossa Introdução. Assim,

acreditamos ter sido possível fazer o estudo levando em consideração as relações

entre o pensamento e as ações políticas.

No presente capítulo a ideia é constatar até que ponto Mato Grosso

empreendeu sozinho tais ações e também o grau de autonomia que tinha para

implementá-las.

Destaquemos primeiro a entrevista feita com o Sr. Valter Albano51,

coordenador geral dos planos de governo do governador Dante de Oliveira. O nosso

51

O Sr. Valter Albano ocupou, entre outras, a função de secretário de fazenda do governo Dante de Oliveira

entre os anos de 1996 a 2001. Foi responsável pela coordenação geral dos Planos de Governo, abordados na

capítulo anterior. Atualmente é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. A entrevista foi

concedida em: 5 nov. 2009. Todo o conteúdo usado na tese foi obtido nesta única entrevista.

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primeiro questionamento foi no sentido de saber a real interferência do contexto

externo na elaboração dos Planos que, apesar de ser mencionado frequentemente e

de diversas maneiras, como nas expressões: “cenário internacional”, “globalização”,

“mundo globalizado”, “economia globalizada”, não aparece em nenhum momento

como prioridade na agenda governamental52. Esse questionamento também se fez

importante para podermos, de início, verificar se os termos foram utilizados apenas

como retórica pelo Plano de Governo, ou se realmente tinham uma fundamentação

que pudesse posteriormente se transformar em ações.

Segundo Albano, o fato de o cenário internacional ser levado em

consideração na elaboração dos Planos, mas não ser apresentado como prioridade,

tem uma explicação bastante clara, qual seja: o contraste entre o estado que se

tinha e o estado que se projetava.

O entrevistado explica como foi pensado e escrito o Plano de Governo, bem

como a metodologia utilizada para a construção do documento. Destaca que

primeiro foi feita a leitura das potencialidades de MT, momento em que se detectou

uma população pequena dentro de um território amplo com grande diversidade

natural. Neste cenário, lembra que perceberam “que em quaisquer dos possíveis

vetores econômicos sempre pela baixa população nós dependeríamos de um

mercado externo”.

Para demonstrar a dependência de MT com relação ao exterior, Albano

menciona algumas potencialidades de MT, a começar pela agricultura lembra que os

potenciais compradores seriam a China, EUA e parte da Europa.

Considerando o turismo regional afirma:

Se nós estivéssemos falando de potencialidades naturais e culturais voltadas para a economia turística, nós poderíamos ter um mercado nacional forte, mas a competitividade de MT seria maior para outras populações; porque no Brasil tem estados e regiões que competem bastante com MT nesse campo. Então seria MT ofertar essas suas potencialidades para a economia turística também para outros mercados e aí sinalizamos muito a questão da Ásia; e um caso concreto foi a visita do governador Dante de Oliveira ao Japão, a Coréia do Sul e a China fazendo essa discussão no campo da economia turística e no caso da China também na economia da agricultura e da carne.

Segue mencionando a carência no setor econômico, no qual a tecnologia é

mais avançada como a da biodiversidade, da biomedicina e da saúde, nestes

52

As prioridades nos Planos eram: energia, educação, emprego e estradas; conhecido como os quatro “es”.

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setores EUA e Europa são desenvolvidos e poderiam usar o potencial da região

para potencializar as pesquisas.

Assim, Albano afirma que após esse levantamento chegou-se a conclusão

de que MT tinha potencialidades e “todas as economias ou populações de fora que

tenham relação de interesse com esses três vetores encontrarão no estado esse

potencial e no governo abertura para discutir inclusive facilidades. Esse foi o

desenho que foi discutido na ocasião”.

Diante deste diagnóstico sobre as potencialidades, foram debatidas

também, durante a elaboração do Plano de Governo, quais eram as principais

deficiências de MT. Feita a avaliação, chegou-se à conclusão de quais deveriam ser

as prioridades do estado. É nesse momento que se cria a ideia dos “quatro es” como

objetivos a serem alcançadas. Assim, fica claro que MT tinha uma carência grande

em vários setores que demandaram as primeiras e prioritárias ações do governo

estadual. A passagem abaixo ilustra o momento vivido por MT e a reflexão sobre o

porquê da ausência de ações externas para explorar as potencialidades do estado,

deixando transparente o conflito entre possibilidade versus falta de infraestrutura.

Agora, se isso foi enxergado (as potencialidades), porque não apareceu nos quatro “es”(energia, educação, emprego e estradas)? Então, os quatro “es” vieram como nos puxando para a realidade, ora você tem todas essas potencialidades, mas em torno de 43 % da energia servida era a motor a diesel, mais de 80 % da outra energia vinha de fora, sobretudo de Goiás. A educação, do ponto de vista da aprendizagem, do nível de conhecimento, nós estávamos numa posição entre os 3 ou 4 piores estados do Brasil, inclusive com o nordeste dentro. Estradas continuam sendo o principal desafio, estrada no sentido maior da palavra, via de transporte. E a discussão foi, sobretudo, a ferrovia, que aí foi um passo fundamental que o Dante deu de conseguir trazer até Alto Araguaia, e o projeto era até Campo Novo dos Parecis, só que o governo que veio, no plano nacional não conseguiu. Então a estratégia era resolver as questões infraestruturais, infraestruturais não só física e econômica, mas da infraestrutura humana. Quer dizer, nós temos aqui gente capaz de responder a possíveis investimentos internacionais em termos de conhecimento? Então vamos investir fortemente na educação, não só na linha de potencializar a pessoa humana, como colocá-la em condições de recepcionar eventuais investimentos. Decorrente de tudo isso vem o emprego. Partindo do pressuposto de quem tem território grande, quem tem muitas potencialidades econômicas em todos os 3 setores, e tem baixa população, a tendência é ter alta renda, e nesse ponto MT é bem posicionado, até hoje. Quer dizer, a melhor posição de MT fora território é renda per capita

53.

53

ALBANO, Valter. Entrevista concedida em: 5 nov. 2009.

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De acordo com Albano, havia necessidade de se preparar o estado para

receber novos investimentos, o mundo havia passado por grandes transformações,

mas o estado de MT ainda era atrasado e sofria com as políticas patrimonialistas

das administrações públicas anteriores. Seria necessário um grande salto em

direção ao futuro, em direção ao mundo globalizado, por isso se justificava ter como

prioridade o que ele chamou de quatro “es”: educação, energia, estrada e emprego.

O caminho para a modernização não seria fácil e, para alcançá-lo, era

providencial a necessidade de uma reforma do estado mato-grossense. Nesse

sentido, Albano afirma que “o estado estava desorganizado do ponto de vista do seu

aparelho”, que as empresas estatais serviam para fornecer emprego assistencialista

ou ainda para endividar o estado, sangrando o tesouro estadual, que desta forma

não tinha condições para financiar políticas públicas essenciais, por exemplo, nas

áreas de educação, saneamento e transporte; nem para gerar o desenvolvimento do

estado. Assim a reestruturação do estado também passou a ser prioridade:

Então o outro esforço que esteve junto com os “es”, foi o de reorganizar o estado, enxugá-lo, torná-lo forte, capaz de financiar políticas públicas e ser capaz também de regular e fiscalizar. Este terminou sendo, ao lado da questão energética e da infraestrutura física o grande projeto, a reorganização do estado.

Diante da explanação acima, evidencia-se uma grande diferença entre o

estado que se buscava e o que se tinha. Essa realidade afrontou o governo Dante,

fazendo com que seus planos maiores, de busca por um mercado externo, fossem

adiados, uma vez que o que se tinha, naquele momento, era um estado sucateado,

endividado e sem infraestrutura para receber investimentos estrangeiros.

Todos esses problemas não impediram o governo de começar trabalhar

imediatamente pela implementação da saída pelo Pacífico e também pela criação do

gasoduto para trazer o gás da Bolívia. Vejamos agora como o governador Dante,

segundo Albano, pensou essa questão:

Dante na condição de engenheiro civil e muito interessado pela área de transporte, assim por convicção profissional e não política, ele conseguiu reunir um grupo de pessoas, incluindo seu então vice-governador Marcio Lacerda, professor Serafim

54 e tantos outros e verificando o custo benefício,

54

Professor do departamento de Geologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); atual coordenador

do Conselho de Integração Internacional da Federação das Indústrias de Mato Grosso (FIEMT); assessor (em

2005) para assuntos internacionais da Secretaria de Estado de Indústria, Comércio, Minas e Energia.

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tudo sinalizava para se ter esse esforço de estabelecer relações comerciais forte com outras regiões do planeta, que o caminho mais curto fosse a saída pelo Pacífico, como de fato é. Isso (a saída) tem um estudo que demonstra a viabilidade econômica em larga escala; tanto que o próprio governador atual (Blairo Maggi) quando fez também a sua discussão político eleitoral para o primeiro mandato, ele fez a mesma discussão e trilhou por aí de carro para fazer aquela demonstração política do seu interesse. No caso do período em que o Dante governou de 8 anos, o que foi mais palpável foi a vinda do gás natural para ser processado e transformado em energia aqui e isso teve um significado estratégico porque mais que dobrou a capacidade geradora do estado e a sua mudança da condição de importador de energia para exportador. Não só abasteceu, o que foi uma revolução nessa área, como se transformou em exportador. Existe toda uma discussão internacional das pré-condições políticas históricas da Bolívia. Estou retirando isso, estou colocando do ponto de vista estritamente econômico foi fundamental essa vinda do gás; que eram duas vertentes, trazer o gás via Cuiabá e estabelecer a saída pelo Pacífico.

Sobre a possibilidade de se implementar a saída pelo Pacífico, Albano

lembrou do ex-presidente Ernesto Geisel que dizia o seguinte sobre o projeto de

saída pelo Pacífico:

Esse projeto é inviável porque nós temos lá na costa um país civilizado (Chile) e aqui um que pretende ser (Brasil) mas temos no meio um, isso eu estou resumindo tá, que ao meu alcance nunca será. E olha ele estava certo né? Pelo menos até agora.

Segue refletindo sobre quais poderiam ter sido os motivos que fizeram com

que a rota pelo Pacífico, via MT, não fosse implementada. Um dos fatores seria a

avaliação de que a opinião de Geisel, acima, era a que imperava entre os

estrategistas brasileiros ligados ao governo central. Neste sentido, relata a

passagem vivida entre o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador

Dante:

Eu me lembro que o presidente Fernando Henrique dizia ao Dante: olha Dante vamos resolver, vamos lá, foi com o Dante à Bolívia, sentou com o presidente de então e chegaram a celebrar a intenção (Brasil – Bolívia, pela construção da ferrovia), não um acordo. E o presidente do Chile, Ricardo Lagos, esteve com o FHC e disse que não haveria problema nenhum para o Chile. E eu concordo, não tem mesmo, eles só teriam a ganhar; mas as intenções não se confirmaram. Aí eu penso que os estrategistas brasileiros, o Itamaraty é o forte, que, pelo menos até quando eu estive como membro de governo trabalhando eu considero ali altamente profissional, há apreciações de que há hoje uma certa partidarização, eu não posso confirmar, mas muito profissional; mas também existia o lobby fortíssimo de todo o aparato das fábricas de caminhão no mundo inteiro. É indiscutível, como é forte até hoje. O governo fraco não trouxe, o governo federal e o governo do estado não conseguiram trazer de Alto Araguaia nem um palmo a mais, durante quase 8 anos já da ferrovia dentro de MT; e não há como

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discutir o quanto que a ferrovia é importante dentro de um estado como MT, nós temos produção representativa e um alto consumo de insumos. E mesmo assim não veio um palmo.

Após tecer seus comentários sobre os fatores ligados à esfera federal,

principalmente, Albano lança ainda um olhar crítico sobre a posição do governo

Maggi relacionada à ferrovia dentro do território estadual. Afirma que aquele governo

foi fraco na medida em que não conseguiu fazer a obra andar durante os quase oito

anos em que esteve no poder.

A análise que eu faço, independente da pessoa do governador, o governo não tem visão estratégica, não tendo visão estratégica, não tratou das questões centrais para o estado mato-grossense, preferiu tratar dos negócios do agronegócio, aí é uma questão setorizada, menor, uma vertente muito pessoal.

Em nosso entender, muitas podem ser as justificativas para a não efetivação

desta rota, via Mato Grosso. Mas o fato é que Mato Grosso do Sul teve, ao menos

durante o governo Lula, uma maior recepção por parte do governo federal para

implementar a saída para o Pacífico via cidade de Corumbá, que fica em seu

território. Esta rota conta com o apoio e financiamento do Banco Nacional de

Desenvolvimento (BNDES) e tem o seguinte traçado: parte do porto de Santos até

Corumbá/Puerto Suarez (fronteira Brasil – Bolívia), passa por Santa Cruz de La

Sierra, Yacuíba/Poncitos (fronteira Bolívia – Argentina), Salta e Socompa (fronteira

Argentina – Chile) e chega aos portos de Antofagasta e Mejillones55.

Há que se destacar também que, em 2006, o presidente Lula esteve com o

governador do Acre, Jorge Viana, também do Partido dos Trabalhadores, para

inaugurar uma ponte que faria a ligação entre Assis Brasil (Brasil) e Iñapari (Peru).

Com investimentos na ordem de vinte e vinco milhões de reais do governo federal56,

essa rota também se apresenta como outra saída para o Pacífico aos produtos

brasileiros.

Diante das duas saídas mencionadas acima, entendemos ser razoável

afirmar que MT deixou a desejar no fator articulação política junto ao governo

federal. Uma vez que não se poderia afirmar falta de condições para financiar a rota,

55

Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/arqs/corredor_bioceanico/Produto%203.pdf>. Acesso em 27 fev.

2012. 56

Disponível em: <http://www.transportes.gov.br/noticia/conteudo/id/16438/module/default>. Acesso em 27

fev. 2012.

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nem mesmo a falta de interesses geopolíticos para que ela se efetivasse. O que

vemos é um cenário onde o estado foi preterido e teve seus interesses prejudicados.

Na entrevista também fica evidente a afirmação de Albano que além das

dificuldades encontradas dentro do próprio Governo Central, para implementar essa

saída, via MT, para o Pacífico, outros problemas se apresentavam, como por

exemplo, o lobby do setor rodoviário, uma vez que se pensava em fazer o trajeto via

ferrovia.

Alguma coisa conspirou dentro do Brasil, que eu imaginei que fosse, de um lado, o lobby desse setor rodoviário, vamos chamar assim, isso o Dante falava, só que eu não tenho uma informação para dizer houve um caso lá em São Paulo, que se reuniram, não, não tenho esse dado. Agora eu me lembro que a força profissional do Itamaraty nunca se animou, por conta daquelas razões apresentadas pelo então presidente Ernesto Geisel; Itamaraty que tem no seu quadro pessoas técnicas, profissionais. E aí eu não me lembro o nome do embaixador, [...] que esteve nos EUA, o Dante se dava muito bem com ele, acho que Rubens Barbosa, e eu já vi até um pronunciamento dele até sobre o Itamaraty de hoje; mas ele dizia, Dante olha, o Itamaraty é profissional e é pragmático, o Itamaraty não enxerga na Bolívia perspectiva de médio, longo prazo numa visão estratégica que não é esse médio prazo nosso, não enxerga o aparecimento de uma liderança transformadora, e a qualquer momento uma ferrovia vai ser estraçalhada naquele país. Então, o investidor privado não entra, o Estado brasileiro e o Estado chileno não vão construir na Bolívia, acho que isso é um dado importante

Albano não deixa dúvidas de que o grande articulador das ações externas

do governo Dante de Oliveira era o próprio governador, que aproveitava o seu bom

trânsito em Brasília e o relacionamento com as lideranças do governo central para

trazer benefícios a MT. Dante ficou conhecido no cenário nacional por ser o homem

das Diretas, ao participar ativamente do movimento conhecido como Diretas Já

apresentou a Proposta de emenda Constitucional n° 5 (PEC n° 5) que defendia o

retorno das eleições diretas no Brasil. Era com essa história e currículo que o

governador Dante se apresentava para conseguir benfeitorias para Mato Grosso.

Dentro deste quadro, em que o governador era uma figura proeminente

frente às questões políticas do estado, perguntamos para Albano qual era a relação

do governo estadual com o governo central naquele momento? Vejamos abaixo a

resposta:

O escritório de representação do estado (em Brasília) foi dirigido por um período curto pelo Edson Garcia, que por um período também foi secretário de planejamento, do governo Dante aqui no estado. Uma pessoa muito bem relacionada em Brasília, mas não era nessa estatura política institucional de

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visitar e fazer um convencimento de lideranças expressivas do Itamaraty ou mesmo do governo federal. Ele tinha uma relação um pouco mais estreita com o ministério da fazenda, com o ministério do planejamento e nisso ajudou muito. Agora, além disso, como o Dante era uma figura nacional, ele era o governador, ele era o embaixador, ele era tudo ao mesmo tempo, ele fazia tudo pessoalmente, porque ele tinha uma disposição para o trabalho que até agora eu não conheci outro. E ele fazia tudo pessoalmente. Ele trabalhava dentro do Itamaraty, trabalhava nos ministérios, trabalhava com o presidente da república, falava com os governadores. Eu me lembro da luta que ele teve com o governador Covas

57 e com o presidente da

república na questão da ferrovia, quer dizer a capacidade dele de convencimento é que fez com que o governador Covas entrasse com tudo, por exemplo, na ponte rodoferroviária, ali foi ele (Covas) que concluiu e o governador Quércia

58 que começou. O presidente Fernando Henrique

sempre foi muito aberto a este trabalho que o Dante fazia.

Frente a tanta disposição em defender MT, por parte do governador, Albano

faz um contraponto com os parlamentares mato-grossenses que atuavam em

Brasília e acaba tecendo duras críticas ao que denominou ser um novo modus

operandi desses parlamentares, que deixavam de lado a obrigação de

representarem a Unidade Federativa e a população do estado para então defender

os seus interesses. Essa nova forma de agir fez com que os parlamentares

buscassem atender apenas os seus interesses, por meio das emendas

parlamentares, o que ocasionou um grande prejuízo para o estado.

[...] naquele momento estava se consolidando no Brasil, esse novo modus operandi das autoridades políticas na condição de deputado federal e na condição de senador. Na minha avaliação naquele momento já estava passando fortíssimo a condição dessas autoridades políticas deixarem de representarem o estado e a população e começarem a representarem a si mesmo. Aí é que fortaleceu a questão das emendas parlamentares e isso é muito importante. As emendas parlamentares fizeram com que os deputados federais e os senadores saíssem do assunto estratégico do estado e da região, seja o econômico ou social e passasse a tratar do pedaço da rodovia, do centro comunitário, da escola onde ele, ajudando realizar, costurava melhor aquele ambiente político ao seu favor. Nem estou dizendo aqui de outros interesses escusos. Então o trabalho dele (deputado federal e senador) passou a ser de um despachante maior, tratando de assuntos pequenos. Não havia assim uma bancada federal para junto com o governador dizer: este ano presidente da república, congresso nacional, ministérios este ano nós temos que resolver isso, todas as forças que nós vamos votar aqui é em favor de abrir a saída, por exemplo, para o Pacífico, não existiu isso. E pelo o que eu vejo deixou de existir no Brasil como um todo.

57

Mario Covas foi governador do estado de São Paulo entre os anos de 1995-2001. 58

Orestes Quércia foi governador do estado de São Paulo entre os anos de 1987-1991.

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Pelo relato acima, nos parece clara a ausência de ações que pudessem

envolver todo o secretariado. O fato de o governador aparecer aqui como uma

pessoa que sempre esteve à frente de todas as ações, fez com que uma agenda

que prestigiava as ações internacionais não fosse constituída de forma precisa para

que pudesse ser posteriormente cobrada; desta forma, algo que em um primeiro

momento poderia aparecer como uma boa ação, qual seja, o protagonismo do

governador, aparece como sendo uma característica negativa para que as ações

internacionais fossem tratadas de forma institucional no governo, uma vez que não

havia nenhuma secretaria, ou similar, que pudessem agir neste sentido.

Importante frisar também que a falta de articulação política em nível federal

dos parlamentares de Mato Grosso, nas questões envolvendo o cenário

internacional, também procede quando focamos a Assembleia Legislativa

Estadual59, podemos dizer que, naquela Casa, não existe nenhum registro de

debates ou temas afetos a nossa temática e ao nosso período estudado que mereça

registro.

Ações ligadas às áreas de cultura, ciência e turismo também foram

abordadas por Albano como sendo de grande importância para o desenvolvimento

do estado e região. As ações implementadas nessa área foram vistas como um meio

para se obter a integração regional.

Durante aquele período foi quando se trouxe para MT a maior quantidade, o maior volume de eventos nacionais e internacionais, inclusive a chamada feira internacional LITERAMÉRICA, que foi criada. Então, o forte foi isso. O governo, conforme seu plano criou e estruturou uma secretaria de turismo, transformou a fundação de cultura em secretaria de cultura, implementou a lei de incentivo a cultura, chamada lei Hermes de Abreu, o que permitiu a vinda de muitos eventos no campo cultural, aportou recursos para a secretaria de turismo; apresentou um programa ao BID, o BID Pantanal, então as estratégias desenvolvidas foram essas..

Um fato a ser considerado, por aparecer na introdução de ambos os planos,

é uma análise sobre o contexto internacional, bem como, a importância da realidade

do cenário externo para o estado de Mato Grosso. É a partir da constatação de

mudanças no contexto externo, que Mato Grosso passa a ser pensado e planejado.

59

O levantamento foi feito junto ao Instituto Memória do Poder Legislativo, que cuida dos registros do

parlamento estadual, abarcando o período desta tese. Durante o período não foi registrada nenhuma ação digna

de registro por não terem efetivamente influenciado as ações externas de MT.

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Como vimos anteriormente, na fala de Albano, o contexto externo, deve ser levado

em consideração como uma opção real para se alcançar divisas e desenvolvimento.

Mariano e Barreto (2004) mostram abaixo como se posicionam os governos

subnacionais em um cenário de grandes mudanças internacionais:

No contexto atual, marcado pelo fenômeno de globalização econômica, política, social e cultural que afeta a soberania do Estado nacional, a investigação sobre a ascensão dos governos subnacionais nas relações internacionais adquire cada vez maior significação. A intensificação desses processos e o consequente acirramento da competição internacional – ocorridos sobretudo a partir dos anos 90 -, ao mesmo tempo em que impulsionaram o avanço das iniciativas de integração regional alteraram as condições de gestão dos Estados nacionais. Na medida em que os Estados nacionais vêm perdendo capacidade de atuar como agentes promotores do desenvolvimento nacional e regional, ocorre um processo de transferência dessa responsabilidade para os níveis estaduais (ou provinciais) e locais de governo, que se veem constrangidos a enfrentar o desafio de sua própria sobrevivência nos planos econômicos, políticos e social (MARIANO; BARRETO, 2004, p. 21, 22).

Inseridos em um mundo globalizado e considerando o cenário internacional

importante para o desenvolvimento do estado, ambos os planos mencionam

inúmeras vezes a necessidade de uma integração com os países vizinhos. Neste

momento, sem sombra de dúvida, o foco se volta para a Bolívia, na maioria das

vezes.

A ideia de estreitar laços com os países da América do Sul, principalmente

com a Bolívia, é bastante antiga. Retrocedendo um pouco, chegaremos ao Acordo

de Roboré60, assinado entre o Brasil e aquele país.

Dentro de um cenário no qual as unidades da federação passam a ser mais

protagonistas do que observadoras, as ações internacionais ganham força e

destaque, principalmente porque passam a influenciar diretamente nas questões

internas da sua população. Assim, mais uma vez, observamos as considerações de

Mariano e Barreto (2004):

Ante ao novo imperativo da competitividade e da inserção nos espaços globais, os governos subnacionais são induzidos a desenvolver um novo tipo de protagonismo, conjugando estratégias e iniciativas diferenciadas voltadas, de um lado, para a atração de investimentos, a renovação da base econômica e a modernização da infraestrutura e, de outro, para a melhoria da qualidade de vida, a integração social e a governabilidade (MARIANO; BARRETO, 2004).

60

Vide Anexo 4.

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Um dos exemplos de ação externa que obteve êxito e sucesso,

principalmente no quesito comercial, foi o combate à febre aftosa61. Desenvolvida no

Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (INDEA), sob a administração do

Dr. Enio José de Arruda Martins62, presidente do Instituto entre os anos de 1995 e

2002.

O objetivo, naquele momento, era fazer com que Mato Grosso se tornasse

região livre da febre aftosa, situação essa que permitiria um imediato aumento nas

exportações de carne, uma vez que mercados, como o europeu, determinavam a

erradicação da doença como pré-requisito para que as exportações fossem aceitas.

Portanto, a erradicação da doença permitiria a Mato Grosso implementar

mais uma cadeia produtiva – a da carne –, atraindo para a região novos criadores e,

também, frigoríficos – necessários para atender a demanda do mercado externo.

Segundo Martins, a erradicação da doença foi vista pelo governo estadual

como prioridade e sempre encontrou um lugar de destaque na agenda do

governador Dante de Oliveira. Algumas medidas foram tomadas para alcançar o

objetivo, dentre as principais destaca-se a “blindagem” do Instituto de ingerências de

políticos – a maior prova disso foi a própria permanência de Martins durante um

longo período no comando do INDEA.

Martins nos fez um breve histórico, apontando que antes de 1995 o Estado

de Mato Grosso não tinha a permissão para comercializar carne “in natura” para os

países membros da União Europeia porque não atendia as condições sanitárias

exigidas pelos países membros.

61

Definição de febre aftosa pelo Dr. Enio José de Arruda Martins: “É uma doença viral, altamente contagiosa,

que ataca bovinos como também suínos, caprinos, ovinos, bubalinos e animais silvestres. A contaminação se dá

através de contato direto de animais doentes com os sãos ou vice-versa. As principais vias são os pisos dos

estábulos, currais, rações, estercos, veículos de transporte animal, equipamentos comuns de alimentação, sacos,

cordas, laços e até as roupas dos vaqueiros. A febre aftosa tem como profilaxia a vacinação sistemática dos

animais, conforme época determinada pelo Ministério da Agricultura, de acordo com o Circuito Pecuário ao qual

o Estado é parte integrante.

Como medidas de polícia sanitária temos o seguinte. Por se tratar de doença de comunicação obrigatória, em

caso de suspeita ou de ocorrência de foco diagnosticado laboratorialmente deverão ser tomadas as seguintes

providências: em caso de suspeita notificar, imediatamente, o órgão estadual responsável pela execução das

atividades de Defesa Sanitária Animal. Será acionada a equipe emergencial de saúde animal, do órgão oficial.

Após exames clínicos dos animais da propriedade, em caso de persistência da suspeita de febre aftosa, será

coletado material para o envio aos laboratórios oficiais para realização de exames ficando o imóvel interditado.

Caso os exames sejam negativos proceder-se-á a desinterdição. Se o resultado for positivo, a equipe emergencial

juntamente com o órgão executor da Defesa Sanitária Animal do Estado tomarão as providências que o caso

requer, tais como: interdição da propriedade, sacrifício dos animais, despovoamento, vazio sanitário,

repovoamento dentre outras, para que a enfermidade não se dissemine” (Entrevista concedida em: 22 out. 2009). 62

MARTINS, Enio José de Arruda. Médico veterinário, atualmente o Dr. Enio Martins trabalha no Ministério da

Agricultura e Meio Ambiente. Entrevista concedida em: 22 out. 2009.

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A partir de 1995, em uma ação conjunta com o governo federal, o estado de

Mato Grosso priorizou o programa nacional de erradicação da febre aftosa e

implementou as ações indicadas pelo Ministério da Agricultura, por meio do

departamento de defesa animal, que tinha como objetivo erradicar a febre aftosa e

com isso abrir o grande mercado europeu para os seus produtos.

À época, o governador entendia que, sendo um estado de grande extensão

territorial, baixa densidade populacional e com grande aptidão para a pecuária, Mato

Grosso possuía as características para se tornar um estado exportador. Assim,

efetivou e capacitou o quadro de profissionais do INDEA, equipou as unidades de

defesa em cada município, fortaleceu a participação comunitária por meio dos

comitês municipais, buscou uma interação do governo com a iniciativa privada,

incrementou as vigilâncias intermunicipais, interestaduais e internacionais,

utilizando-se de postos fixos de fiscalização volante, e criou o grupo emergencial de

vigilância epidemiológica (GEVE).

Os resultados dessas ações foram quase imediatas. Dos 61 focos existentes

no ano de 1995, apenas 1 perdurou em 1996. Depois desse período nunca mais se

registraram focos da doença em Mato Grosso. Ainda em 1996, o Ministério da

Agricultura, por meio do departamento de defesa animal, pleiteou visita técnica de

inspeção a Mato Grosso pelos representantes da União Europeia, ocasião em que

foram avaliadas todas as ações acima relatadas; o objetivo era mostrar que o estado

estava apto a ser tornar área habilitada para o comércio de carne “in natura”.

Para que o sucesso da política de erradicação da febre aftosa fosse

alcançado, ações de vacinação e treinamento junto à fronteira com a Bolívia foram

realizadas. A parceria entre o Estado de Mato Grosso e o país vizinho foi de grande

importância e intermediada pelo governo federal.

Martins não titubeia ao relatar a intensa relação entre MT e a Bolívia, e diz

que, sem o apoio das autoridades bolivianas, Mato Grosso não conseguiria êxito em

seu objetivo. O apoio dos bolivianos foi essencial para a criação de um cordão fito-

sanitário eficiente, que vacinava e fiscalizava a fronteira.

O ponto alto dessa empreitada se deu quando, em 24 de maio de 2000, o

Ministro da Agricultura e do Abastecimento do Brasil, Pratini de Moraes, declarou e a

Organização Internacional de Epizootias, com sede em Paris, homologou o Estado

de Mato Grosso como sendo zona livre da aftosa.

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Martins destaca, também, o empenho dos técnicos do governo federal,

representado pelo Ministério da Agricultura, e também do ministro Pratini de Moraes,

que defendeu Mato Grosso nos fóruns internacionais como zona livre da aftosa.

O caso mencionado acima pode ser considerado uma experiência exitosa de

ação de um ente federado no cenário internacional, mas devemos atentar para o

fato de que houve apoio direto do governo federal. Ou seja, em alguma medida o

sucesso da erradicação ocorreu também porque o governo central estava envolvido.

Na referida ação, encontramos todas as articulações mencionadas abaixo:

As experiências ao redor do mundo têm demonstrado uma tendência simultânea tanto no sentido de incorporação de novas funções – como, por exemplo, a coordenação e a articulação de ações entre as diferentes instâncias de governo, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade civil – quanto no de ampliação do campo de atuação subnacional em setores considerados estratégico, como é o caso das relações internacionais (CASTELLS; BORJA

63, 1996 apud MARIANO; BARRETO,

2004, p. 22, 23).

Ou ainda o que Cervo (2002) denomina como sendo de Estado Logístico, que

é:

aquele que fortalece o núcleo nacional, transferindo à sociedade responsabilidades empreendedoras e ajudando-a a operar no exterior, por modo a equilibrar os benefícios da interdependência mediante um tipo de inserção madura no mundo globalizado (CERVO, 2002, p. 7).

No combate à aftosa, o empenho direto do governador foi decisivo para o

sucesso da ação. Podemos concluir assim que, desde que não entrem em conflito

com a política externa do governo federal, trabalhando em sintonia com tais

orientações, as ações dos entes federados são bem vindas.

Assim, é possível notar que duas realidades diferentes convivem, senão em

completa harmonia, ao menos aparentemente; quais sejam: a da limitação jurídico -

legal e da ação efetiva no cenário externo. Dessa maneira, a limitação estaria,

principalmente, na primeira realidade, sendo que a segunda leva em consideração a

vontade política.

63

CASTELLS, Manuel; BORJA, Jordi. As cidades como atores políticos. Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n.

45, p. 152-166, jul. 1996.

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A incorporação dessas questões nas agendas das administrações estaduais e locais induz a uma reflexão mais aprofundada a respeito de novos papéis e funções assumidos por essas instâncias de governo, assim como sobre os limites e as possibilidades de sua atuação no plano internacional. Embora as restrições mais comumente invocadas à atuação internacional dos governos estaduais e locais sejam de natureza jurídica – envolvendo, principalmente, as competências constitucionais estabelecidas para as diferentes esferas de governo - as experiências empíricas e o debate atual oscilam entre posições que privilegiam aspectos políticos, econômicos e sociais, paralelamente aos de cunho jurídico-constitucional. Em alguns casos, como o brasileiro, embora a Constituição nacional apresente rígidos obstáculos à atuação internacional de seus entes federados, essa atividade, no entanto, é tolerada – e mesmo monitorada – pelo governo central. Em outros casos, não obstante a Constituição apresentar maior abertura para a descentralização da política externa, a ação subnacional pode depender muito mais da correlação entre forças políticas, que podem tolher ou incentivar iniciativas no plano internacional. Isso significa que, muitas vezes, o limite à atuação internacional, no nível subnacional, não é imposto somente pela dimensão constitucional, mas pela esfera política (CERVO, 2002, p. 23).

Outro trabalho implementado na fronteira com a Bolívia visava à segurança

da região. A criação do Grupo Especial de Fronteira (GEFron)64, no governo Dante

de Oliveira, em 13 de março de 2002, por meio do Decreto Estadual nº 3994, previa

o trabalho integrado da Polícia Militar, Civil e Corpo de Bombeiros, em uma região

de 980 Km de extensão, sendo 750 Km de limite seco e 230 Km de limite aquático,

constituída por 25 municípios e uma população de 240.000 habitantes, com uma

economia pujante na produção de grãos e criação de gado.

A criação do GEFron se justificou pela carência de uma fiscalização mais

ostensiva na região, o que tornava o espaço fronteiriço fértil para a ação de

criminosos; não é por outra razão que a sua missão era a de apoiar os órgão

federais responsáveis pela segurança na fronteira, desencadeando na região

operações de prevenção e combate ao tráfico de drogas, contrabando, roubo e furto

de veículos, e invasão de propriedades.

O GEFron tem como objetivos a integração das ações policiais, redução de

ameaças e riscos para produtores rurais e condutores de veículos, diminuição da

participação de policiais no crime, predominância da legalidade nas atividades

desenvolvidas na região, redução da criminalidade em Mato Grosso e em outros

estados da Federação e a interação policial com a comunidade.

64

As informações sobre a missão, justificativa e objetivos da criação do GEFron foram obtidas no site do

governo do estado de Mato Grosso:

<http://www.seguranca.mt.gov.br/gefron.php?PHPSESSID=a2f24b6ce6a7a03132da117418adf4c0> Acesso em:

29 maio 2008.

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Em entrevista com o hoje reformado coronel Leovaldo Sales65, primeiro

comandante do GEFRON, a missão deste grupamento especial fica clara: apoiar os

órgãos federais a promover a segurança na fronteira.

Segundo o coronel Sales, a criação do GEFRON fazia parte de um projeto

maior, patrocinado pelo governo federal por meio da sua Secretaria Nacional de

Segurança Pública. No seu entendimento, o evento do sequestro do ônibus 17466,

no Rio de Janeiro, gerou um clamor nacional por medidas duras contra a

criminalidade; desta forma, o governo federal deu início ao “desengavetamento” de

uma série de ideias e projetos para combater a criminalidade. Por meio da referida

secretaria, criou-se um fundo para patrocinar projetos de governos estaduais,

objetivando combater a criminalidade na fronteira.

Mato Grosso apresentou a proposta de criação do GEFron, um projeto

simples, mas conciso e eficiente nas palavras do coronel Sales, que conseguiu

trazer para o estado cinco milhões de reais para a implementação da ideia – até

então, pioneira na região.

O Grupo iria agir especificamente na “faixa de fronteira”, aquela área de 150

km paralela à linha divisória terrestre dentro do território nacional. Essa região tem

por característica o grande fluxo e movimentação de produtos contrabandeados e de

drogas. Segundo análise do coronel, essa realidade se agravou, principalmente,

depois da implementação do SIVAM67, que teve o mérito de coibir, com grande

sucesso, o tráfico de drogas pela via área.

A fronteira com a Bolívia sempre foi motivo de preocupação para as

autoridades constituídas, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Prova disso

são as ações do exército, desenvolvidas em conjunto com as polícias estaduais e

federais. Em reportagem, o jornal “Diário de Cuiabá”68 relatou a atuação do exército,

polícia federal e estadual na operação Cadeado III, que teve como objetivo “o

combate a delitos fronteiriços entre Mato Grosso e Bolívia”, principalmente os

relacionados ao contrabando de armas, drogas e crimes ambientais . A área de

65

SALES, Leovaldo. Primeiro comandante do GEFRON. Entrevista realizada em: 1º out. 2008, na Associação

dos Oficiais do Estado de Mato Grosso. 66

Sequestro ocorrido em 12 de junho de 2000 no Rio de Janeiro, em que houve a morte de uma refém. 67

Inaugurado em 25 de julho de 2002 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, o Sistema de Vigilância da

Amazônia (SIVAM), foi um projeto elaborado pelas forças armadas do Brasil com o objetivo de vigiar a

Amazônia Legal. 68

JESUS, Joanice. Operação do exército tem 700 homens. Jornal Diário de Cuiabá, 4 jun. 2008.

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atuação da operação, segundo o tenente coronel do exército, Elto Olímpio Valich, foi

“[...] desde o sul de Cáceres ao norte de Comodoro. É uma extensão de 400

quilômetros, abrangendo, inclusive, rodovias federais e estradas vicinais” (JESUS,

2008). A operação empregou 1500 militares e envolveu, além do Exército, Polícia

Militar e Civil, a Polícia Rodoviária Federal, o Corpo de Bombeiros, o Instituto

Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de

Mato Grosso(SEMA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A operação Cadeado III deu prosseguimento às operações Cadeado I e II,

que ocorreram em maio e novembro de 2007, respectivamente; todas com o objetivo

de proporcionar alguma segurança em uma região apontada como um dos principais

corredores do tráfego de entorpecentes do país. Importante destacar que, além do

patrulhamento terrestre, também foram realizados o aéreo e o fluvial.

Adiante, depoimentos de autoridades da região da fronteira sobre os

resultados proporcionados pela implantação do GEFRON. Neles veremos que

existem duas percepções bem diferentes por parte das autoridades; que tem como

marco a implementação do grupamento69. Nos dizeres do deputado federal Pedro

Henry o grupamento representa um incremento na segurança pública da fronteira.

Ação ostensiva que ajudou a reduzir sensivelmente a criminalidade na região, que é

muito sensível principalmente às questões ligadas ao tráfico de drogas. Afirma que

“houve uma melhora significativa em toda segurança pública na região de fronteira”

(GEFRON, 2004, p. 1)70. No mesmo sentido, demonstrando satisfação com a

implantação do GEFRON, abaixo a manifestação do Cônsul Boliviano:

El consulado de Bolívia en Cuiabá, conocedor del desempeño eficiente que viene desarrollando la GEFRON, en la responsabilidad de Coronel Sales, en el ejercicio de sus funciones del control fronterizo y sobretodo, de las resultado obtenidos en el flujo migratorio y de buen desempeño humano, lo que ha permitido obtener resultados de seguridad en la ciudadanía fronteriza, consiguiendo con esto, acompaña a las estrategias de integración ente ambos pueblos; es que me permito en este aniversario de su creación, felicitarlos y asimismo, desearles lo mejor para los años venideros (GEFRON, 2004, p. 1)

71.

Segue abaixo a manifestação do prefeito da cidade de Cáceres, a mais

importante da região da fronteira dentro do estado de MT:

69

GEFRON notícias. Informativo do Grupo Especial de Fronteira. Dez. 2004. 70

Deputado Federal Pedro Henry. 71

Cônsul da Bolívia em Cuiabá Edmundo Pilar Roca Beck.

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A chegada do GEFRON foi imprescindível para que o município de Cáceres verificasse a diminuição dos índices de violência na área de fronteira e, via de consequência, na própria cidade. Sem dúvida alguma, o GEFRON [...] proporciona segurança aos nossos municípios. Na verdade, houve uma grande e positiva motivação para todos os que vivem próximo à fronteira (GEFRON, 2004, p. 2)

72.

Por fim, as palavras do Sr. Ricardo Borges Castro da Cunha, presidente da

Associação dos Proprietários Rurais de MT (APR-MT) que, sem dúvida alguma, era

uma das mais prejudicadas e desassistidas na região fronteiriça. Destaca que com a

atuação do GEFRON a tranquilidade nas propriedades rurais da região voltou. Para

ele: “A implantação do GEFRON nos deu tranquilidade e eliminou em 100% os

roubos de gado. O Grupo desenvolve um trabalho excelente e com isso, nós

proprietários rurais, temos mais tranquilidade para trabalhar” (GEFRON, 2004, p. 5).

Como se sabe, constitucionalmente, as áreas de fronteira são fiscalizadas,

policiadas e defendidas por órgão federais, mas, como vimos, essa imposição legal

não foi impedimento para a efetiva implementação de uma força tarefa composta

pelas polícias civil e militar, que respondem diretamente ao governador do Estado. O

fato é que, mesmo com obrigação legal de fiscalizar as fronteiras, as polícias

federais e o exército não vinham cumprindo a contento este trabalho na região

fronteiriça de Mato Grosso e Bolívia, daí a necessidade do GEFron, que em muitas

situações deixou de ser força auxiliar, para ser protagonista nas ações da fronteira.

Carta de intenção assinada em 26 de novembro de 2002 por

representantes73 da Bolívia, Brasil e dos estados de MT, MS, AC, RO, mostra que,

quando se tem um mínimo de planejamento e vontade política, não são problemas

as ações internacionais dos estados da federação. Assim, fica demonstrado que os

estados podem promover ações internacionais, desde que, não vão contra ações do

governo federal.

A referida carta, celebrada por autoridades brasileiras e bolivianas, trata,

especificamente, da segurança na fronteira. Reconhece a existência do tráfico de

drogas e dos problemas ocasionados a partir dele; a grande quantidade de roubos,

72

Prefeito de Cáceres, Túlio Fontes. 73

Polícia Nacional da Bolívia; Polícia Federal do Brasil; Polícia Rodoviária Federal do Brasil; Secretaria de

Segurança Pública do Acre, Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso; Secretária de Segurança

Pública de Mato Grosso do Sul); Secretaria de Segurança Pública e Defesa da Cidadania do Estado de

Rondônia).

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furtos e comercialização de veículos ocorridos na região, envolvendo organizações

criminosas atuantes nos dois lados da fronteira; a existência da prostituição infantil,

e por fim, reconhece a necessidade de se estabelecer mecanismos de cooperação

bilateral nas áreas de inteligência, comunicação e treinamento. Este é o mérito da

Carta, que agenda reuniões periódicas entre as partes envolvidas, para a

formulação e aperfeiçoamento das ações que visam ao combate desses crimes.

Mais uma vez, temos, acima, o exemplo de uma ação internacional de

sucesso, alcançado, principalmente, a partir de um planejamento estratégico

realizado entre as diversas esferas do Estado brasileiro e boliviano. Neste caso

específico, fica comprovada a atuação destacada do governo mato-grossense como

protagonista no processo. Todavia, mais uma vez, com a participação do governo

federal.

Apesar dos exemplos mencionados acima (combate à aftosa e criação do

GEFron), destacamos como sendo um fator gerador de dificuldade a falta um corpo

técnico burocrático qualificado para criar e implementar ações externas, bem como a

ausência de um departamento ou secretaria que pudesse absorver todos esses

funcionários.

A implantação deste aparato institucional, entendemos, é necessária para o

sucesso e a continuidade das ações internacionais de Mato Grosso. Aliás, de

maneira geral, ambos os planos de governo fazem menção à falta de um estado

moderno e qualificado capaz de atender as demandas impostas por um mundo mais

dinâmico e globalizado. Essa dificuldade é apontada por Mariano e Barreto na

seguinte passagem:

[...] uma grande questão que se apresenta é a de como operacionalizar a descentralização das atividades de promoção do desenvolvimento e de gestão das relações internacionais, tendo em vista que os níveis de governo são estruturalmente frágeis nas suas relações bilaterais e multilaterais. [...] Para tentar suprir essa fragilidade estrutural, um recurso utilizado por muitas instâncias subnacionais de governo para viabilizar sua inserção internacional tem sido o de atuação em redes de cidades, de regiões ou de autoridades locais e/ou regionais (MARIANO; BARRETO, 2004, p. 25, 26).

Dois bons exemplos de tentativa de aparelhar o Estado com funcionários

capacitados para lidar com as questões externas foram dados pelo governo Maggi.

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Primeiro com o decreto nº. 1.561, de 5 de setembro de 200874, que instituía um

grupo de trabalho para promover a integração e inserção do Estado de Mato Grosso

na região sul-americana. Tal Grupo tinha como objetivo coordenar, articular e

monitorar a execução das ações no âmbito sul-americano. O outro ocorreu com uma

ação gestada no governo Maggi e implementada pelo Governador Silval, qual seja: a

criação do “Comitê Estadual de Articulação das Políticas Públicas na Faixa de

Fronteira”75, que se propunha a implementar ações que pudessem gerar

desenvolvimento econômico para a região de fronteira de Mato Grosso.

O empenho do Maggi, em implementar uma política de desenvolvimento

para a fronteira também pode ser visto nos encontros que teve com outros

governadores, como no caso abaixo:

Os governos de Mato Grosso e de Rondônia discutem ações estratégicas que deverão dar novo impulso ao intercâmbio comercial. Outra meta, debatida num encontro realizado ontem entre representantes dos dois estados, em Rondônia, consiste em criar um sistema eficaz de proteção às regiões de fronteira. Blairo e o governador de Rondônia, Ivo Cassol, discutem amanhã, em Cuiabá, detalhes da viagem marcada para maio, quando visitarão países que integram o MERCOSUL

76

Adiante temos, na mesma reportagem, a opinião do Chefe da Casa Civil,

Eumar Novacki, apontando as preocupações com a segurança da área de fronteira

e, também, a importância de se buscar uma aproximação com os países sul-

americanos, na tentativa de se viabilizar novas saídas para implementação e

fortalecimento da economia de MT.

[...] Maggi também buscará alternativas para incrementar a economia de Mato Grosso. Uma das vias, segundo destacou Novacki, é melhorar o relacionamento com os países da América do Sul, com o fortalecimento de parceiras comerciais. "Queremos fortalecer o intercâmbio. Existem várias ações em andamento e a troca de experiências entre os estados pode formar uma parceria que seja boa para a sociedade", frisou Novacki

77.

Segundo o secretário, além de setores que poderiam receber inovações com

a integração, Mato Grosso queria ampliar as ações no campo da segurança pública.

Questões como o fortalecimento da segurança na região de fronteira e ainda a

74

Vide Anexo 5 75

Comitê criado pelo Decreto n° 2.720 de 5 de agosto de 2010. Vide Anexo 6. 76

Blairo e Cassol se reúnem amanhã em Cuiába. Diário de Cuiabá, 31 mar. 2009. 77

Blairo e Cassol se reúnem amanhã em Cuiába. Diário de Cuiabá, 31 mar. 2009.

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construção de mecanismos para unificar a linguagem da justiça entre os países

deveriam entrar na pauta de discussões de Maggi e de Cassol com representantes

de outros países.

Sobre o “Comitê de Fronteira” é importante dizer que um grupo de técnicos

do estado vem trabalhando para a sua implementação. O seu objetivo geral é:

[...] contribuir para o desenvolvimento econômico e social dos municípios da Faixa de Fronteira Mato-grossense integrando-os inter e intra regionalmente aos restantes do país e aos municípios do país vizinho, a Bolívia

78.

E os objetivos específicos

Ampliar e consolidar a presença do estado na Faixa de Fronteira, Contribuir para o processo de desenvolvimento na Faixa de fronteira, identificando ações comuns entre os diversos atores institucionais, Articular as ações governamentais na Faixa de Fronteira; Instituir o Comitê Binacional dos Municípios da Fronteira Brasil-Bolívia

79.

O supra mencionado Comitê tem como órgãos coordenadores a Secretaria

de Planejamento (SEPLAN), Casa Civil e a Casa Militar, que deverão trabalhar junto

ao Ministério de Integração Nacional na busca de recursos, objetivando sempre o

desenvolvimento econômico e social dos municípios80.

Mais uma vez, temos um exemplo de que tanto o governo federal, quanto o

estadual podem trabalhar juntos no contexto internacional sem maiores debates

sobre a competência para agir de cada um deles. O Comitê faz parte de um

“Programa de Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira” desenvolvido, desde

1999, pelo governo federal.

O objetivo do referido Programa é o de levar desenvolvimento social,

saneamento, urbanização, educação, saúde e assistência social para, assim,

combater problemas comuns às áreas de fronteira, como por exemplo, as baixas

condições de vida da população e de crescimento econômico, os conflitos fundiários,

78

Documento cedido pelo funcionário da Casa Civil Paulo Tarso de Lara Oliveira. Sem publicação. p. 2 79

Ibidem, p. 2. 80

Em Mato Grosso os municípios são os seguintes: Araputanga, Barão de Melgaço, Barra dos Bugres, Cáceres,

Campos de Julio, Comodoro, Conquista d’Oeste, Curvelândia, Figueiróplis d’Oeste, Gloria d’Oeste, Indiavaí,

Jauru, Lambari d’Oeste, Mirasol d’Oeste, N.Srª do Livramento , Nova Lacerda, Poconé, Pontes e Lacerda, Porto

Esperidião, Porto Estrela, Reserva do Cabaçal, Rio Branco, Salto do Céu, São José do Quatro Marcos, Sapezal,

Tangará da Serra, Vale do São Domingos, Vila Bela da Santíssima Trindade.

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invasões de terras indígenas, tráfico de drogas, vazio demográfico e falta de

infraestrutura.

Coordenada pelo Ministério de Integração Nacional, a política de

desenvolvimento regional e integração nacional, traçou uma estratégia específica e

diferenciada para a faixa de fronteira. Como podemos perceber, o governo federal

considera de extrema importância a participação de atores locais para a resolução

dos problemas fronteiriços, desta forma, não só os estados, mas também os

municípios passam a ter um papel de extrema relevância81

A situação atual nos indica como principais problemas das áreas de fronteira os seguintes: as baixas condições de vida da população e de crescimento econômico, a eclosão frequente de conflitos fundiários, invasões de terras indígenas, exploração predatória dos recursos naturais, contrabando, tráfico de drogas, vazio demográfico e falta de infraestrutura. Assim o Governo Federal, a partir de 1999, instituiu o Programa de Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira, constante nos últimos planos, que tem como objetivo contribuir para o seu desenvolvimento social, investindo em melhorias nas áreas de saneamento, urbanização, educação, saúde e assistência social, bem como de realizar estudos dos problemas e demandas da região da faixa da fronteira. A implantação do Fórum Permanente é uma forma de garantir a participação de atores locais na definição e execução de ações na Faixa de Fronteira. O Fórum, integrado por aqueles que são diretamente atingidos pelas ações de programas governamentais, assumirão relevante papel, tendo em vista, que ele terá possibilidades de validar propostas de ações para a Faixa de Fronteira. O Fórum marcará uma nova fase na forma de ação governamental, pois institucionalizará a participação de atores locais no planejamento e na execução de ações específicas para a Faixa de Fronteira

82.

Assim, mais uma vez constata-se que, quando os governos federais e

estaduais realizam ações baseadas no diálogo, buscando um bem maior e objetivos

comuns, neste caso a segurança da fronteira, as questões jurídicas, sobre a

competência de quem deve ou pode agir, passam a ser menores ou até mesmo

desconsideradas.

81

Neste mesmo sentido podemos citar a seguinte passagem: “Partindo das relações internacionais, percebemos

que estado federado e município, a princípio entidades subnacionais voltadas para a realidade interna de um

Estado, têm apresentado protagonismo na condução de atividades no cenário externo. [...] Também a

globalização agiu como fator de estímulo para a crescente atuação das entidades subnacionais no cenário

externo, sobretudo após o fim da Guerra Fria, pois, na medida em que os Estados nacionais foram perdendo

capacidade de promover o desenvolvimento local, as entidades subnacionais foram impulsionadas a procurar

soluções para seus problemas internos fora das fronteiras nacionais” (KEATING, 2004 apud SALA; SANTOS,

2009, p. 24). KEATING, Michel. “Regiones y asuntos internacionales: motivos, oportunidades y estratégias”. In:

VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: Educ, Unesp,

Edusc, Fapesp, 2004. 82

Documento cedido pelo funcionário da Casa Civil Paulo Tarso de Lara Oliveira. Sem publicação. p. 1

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Corroboram a afirmação anterior as falas dos representantes das duas

esferas de governo. Vejamos primeiro os comentários do gestor governamental da

Secretaria de Planejamento Reinaldo Vaz Guimarães que tem a função de

coordenador das ações do Comitê, no que diz respeito à busca de recursos para a

promoção do desenvolvimento econômico e social da região envolvida, no Ministério

de Integração Nacional.

“Por meio da atuação conjunta entre Secretaria de Planejamento, Casa Civil, Casa Militar, Secretaria de Justiça e Segurança Pública, Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (Sebrae), Federação Mato-grossense das Indústrias (Fiemt), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), pretendemos articular e aplicar ações governamentais e consolidar a presença do Estado na Faixa de Fronteira”.

83

Para o chefe de gabinete da Secretaria do Centro Oeste do Ministério da

Integração Nacional, Paulo André, “a iniciativa vai ser de extrema importância para o

combate aos principais problemas enfrentados nas áreas de fronteira como as

baixas condições de vida da população e de crescimento econômico. Em outra

passagem continua elencando os conflitos fundiários, as invasões de terras

indígenas, a exploração indiscriminada de recursos naturais, o tráfico de drogas, o

contrabando e a falta de infraestrutura”84. Ele conclui:

A Faixa de Fronteira de Mato Grosso, em especial, tem merecido atenção especial do Ministério da Integração Nacional e de todo poder público porque é uma área que sempre foi esquecida e deixada para segundo plano. A presença do Estado tem que ser forte e atuante buscando uma parceria com os municípios para agregar emprego, renda e melhor qualidade de vida para a população que vive lá, disse

85.

Entendemos, desta forma, que a criação e implementação do “Grupo de

Trabalho para a Integração e inserção do estado de Mato Grosso no contexto Sul-

Americano” bem como a existência, do “Comitê Estadual Gestor das Políticas da

Faixa de Fronteira” demonstraram por parte do governo Maggi certo interesse e

reconhecimento da importância da promoção da integração, e ainda uma busca para

83

Notícia publicada em: 15 set. 2009, no site da Secretaria de Comunicação do estado de MT:

<http://www.secom.mt.gov.br/>. Acesso em: 26 mar. 2010. 84

Ibidem. 85

Ibidem.

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atender uma demanda reprimida, de aparelhamento do estado, no que diz respeito

às questões internacionais.

Ainda nas palavras de Reinaldo Vaz Guimarães86 a ideia é que o Comitê

trabalhe pelo “fortalecimento institucional, fortalecimento da cidadania local e do

desenvolvimento econômico da fronteira”.

O fortalecimento institucional ocorreria das seguintes maneiras:

Mecanismos de Gestão Participativa: articulação institucional com os consórcios intermunicipais, implantar o “Fórum Permanente dos Municípios da Faixa de Fronteira” para formulação de agendas de ações e compromissos; estimular a organização social para o desenvolvimento regional; Sistema de Informações: mecanismos de cooperação para compartilhamento de dados e informações

87;

Já para o fortalecimento da cidadania local, dever-se-ia:

Criar mecanismos de cooperação e integração entre as regiões; promoção de eventos culturais e esportivos que estimulem a cooperação e a amizade entre os municípios

88;

E por fim o desenvolvimento econômico que demandaria um número maior

de ações:

Apoiar a diversificação produtiva: identificação dos arranjos produtivos locais (APL’s) com maior potencial de implementação; sinergia com os programas de qualificação profissional; Estimular as iniciativas de associativismo e cooperativismo local; Certificação de origem da produção local como diferencial para agregação de valor; Fomentar a complementaridade e a diversificação produtiva das economias locais Melhoria da infraestrutura: desenvolver estratégias de unificar os interesses locais com o planejamento dos governos estadual e federal; Criação de áreas de Integração de caráter comercial, industrial e/ou logístico; Estudar incentivos especiais em termos financeiros, fiscais e trabalhistas; Financiamento da realização de planos diretores integrados para as regiões; Criar mecanismos de cooperação para compatibilizar planos de investimento em infraestrutura urbana

89

86

É gestor governamental, lotado na Secretaria de Planejamento (SEPLAN). O material aqui mencionado foi

cedido pelo autor a este pesquisador e não foi publicado. 87

Slide 28 do material cedido. 88

Slide 29 do material cedido. 89

Slides 30 e 31 do material cedido.

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Ao fazer as suas considerações finais Guimarães aponta para um cenário,

que imagina atingir, após a implementação de todas as ações propostas, qual seja:

A ampliação da visão de fronteira, além da noção de limite, descortina as possibilidades de integração cooperativa. A fronteira deve ser considerada como faixa de contato e não limites de separação. O desenvolvimento a ser perseguido terá que se envolver em um conceito mais qualitativo, incluindo as alterações da composição do produto e a alocação de recursos pelos diferentes setores da economia e da sociedade, de forma a melhorar os indicadores de bem-estar econômico e social como a pobreza, desemprego, desigualdade, condições de saúde, alimentação, educação e moradia. O modelo de desenvolvimento na contemporaneidade deve adotar como estratégia de ação a valorização das potencialidades regionais como instrumento de desenvolvimento, Os municípios da fronteira mato-grossense apresentam indicadores sociais que por si já justificam uma ação mais efetiva de melhoria do bem estar social, enquanto os indicadores econômicos sinalizam para a necessidade de fomento a iniciativas de arranjos locais. A questão cultural e identitária devem ser consideradas como estratégias de desenvolvimento no sentido de potencializar as variáveis endógenas, adotando a construção de políticas de desenvolvimento com base em demandas sociais e não como ofertas clientelistas e paternalistas do Estado

90.

Diante das ações mencionadas acima, podemos dizer que o estado de MT,

vai ao encontro da perspectiva apresentada por Mariano e Barreto, de que a

integração deve promover o desenvolvimento e buscar o consenso em torno de

objetivos comuns, e que para se atingir tais metas existe a necessidade de um

Estado instrumentalizado.

O enfrentamento da questão subnacional pressupõe, pelo menos até certo ponto, o resgate da ideia-matriz da integração como forma de promoção do desenvolvimento, de melhor inserção internacional e de integração democrática, buscando consenso em torno de objetivos comuns. A adequação do aparato institucional da integração ao seu atual estágio de desenvolvimento, por sua vez, requer maior conscientização e grande disposição por parte dos estados nacionais em promover o avanço desse processo, mediante renúncia a alguma parcela de sua soberania. É forçoso reconhecer que esses dois aspectos estão intimamente relacionados. Não há como pretender enfrentar a questão subnacional sem disposição para promover a necessária evolução do aparato institucional da integração (MARIANO; BARRETO, 2004, p. 39, 40).

Assim, constatamos o quão importante e necessária é a instrumentalização

do Estado para se alcançar o desenvolvimento e integração regional. Aqui, mais

90

Slides 32, 33 e 34 do material cedido.

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uma vez analisando as informações, podemos afirmar novamente que o MT precisa

criar mecanismos institucionais para poder pensar e implementar as suas ações no

âmbito externo.

Diante da implementação do Grupo de Trabalho para a Integração e

inserção do estado de Mato Grosso no contexto sul-americano, bem como do

Comitê Estadual Gestor das Políticas da Faixa de Fronteira é importante observar

que, apesar de toda a criação de um aparato jurídico burocrático para recepcioná-

los, eles tiveram e continuam tendo grandes dificuldades de se efetivarem na

prática, essa afirmação ganha força principalmente se compararmos com as ações

desenvolvidas no combate à febre aftosa e com o GEFRON, uma vez que, até o

presente momento, não se tem relato de ações efetivas que tenham alcançado

algum dos objetivos por eles apresentados.

A nosso ver, mesmo concluindo que as políticas como o GEFRON e de

combate à febre aftosa tiveram efetivo sucesso, detectamos que a falta de

continuidade nas ações internacionais é uma característica dos agentes públicos. A

falta de vontade política dos agentes em implementar tais ações e dar continuidade

aparece com frequência na fala dos entrevistados, como sendo um fator

determinante para o insucesso de tais ações.

O que percebemos é que existe uma grande apatia no que diz respeito à

execução de tais políticas, uma vez que os políticos, na sua maioria, entendem que

tais ações não trazem dividendos políticos e nem influenciam nas eleições. Diante

deste quadro, o que temos é um eterno recomeçar que, talvez, só seria evitado com

a formação de uma secretaria de assuntos internacionais composta por um quadro

técnico específico e de concursados. Assim, poderíamos ver as ações

implementadas sem a necessidade de passar pela vontade deste ou daquele gestor/

partido, ou seja, poderíamos falar em vontade do estado.

A situação idealizada acima não é de forma alguma a garantida de que as

ações externas teriam continuidade entre governos diferentes que se alternam no

poder. Mas, com certeza geraria uma maior dificuldade para que essas interrupções

fossem feitas. Nesse sentido, podemos concluir que a secretaria não é a garantia de

continuidade, mas sim de promoção dos debates, ideias e ações externas pelos

governos.

Aqui vale o conhecimento relatado por Seitenfus (1994) sobre a sua

experiência na criação da Secretaria Especial para Assuntos Internacionais (SEAI)

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do Estado do Rio Grande do Sul. Nas suas palavras, as ações internacionais da

unidade da federação não podem se basear no voluntarismo do governador, é

necessário um quadro técnico competente e capaz de levar em conta ações que, na

maioria das vezes, dão frutos somente após longo tempo de maturação.

Todas as iniciativas do novo governo devem ser precedidas de uma intensa e séria preparação. As relações internacionais são basicamente processos de confrontação e/ ou cooperação, implicando Estados soberanos. Portanto, a profissionalização e o embasamento técnico são condições indispensáveis para toda e qualquer medida de caráter internacional. Somente nestas condições uma política do governo estadual poderá ser levada em consideração tanto em Brasília quanto junto aos governos estrangeiros. [...] As ações internacionais do Estado não devem, também, basear-se no voluntarismo do titular do Governo Estadual. Através da criação da SEAI definiu-se uma área formal, [...] de atuação junto às províncias argentinas limítrofes ao Rio Grande do Sul. [...] De outra parte, as questões internacionais exigem uma equipe altamente qualificada. Os erros por ventura cometidos representam altíssimo custo a ser pago durante muito tempo pelo Governo. As iniciativas têm, por sua vez, um tempo de maturação muito longo. O ritmo de negociação de um projeto de cooperação, como por exemplo, com a Alemanha ou o Japão. É extremamente lento. Uma vez aprovado, traz seus frutos, mas possivelmente no próximo governo. Nesse ponto reside a necessidade de um projeto de desenvolvimento, independente da alternância de governos, a garantir a continuidade das iniciativas, essenciais à boa administração dos interesses públicos (SEITENFUNS, 1994, p. 77, 95, 96).

Talvez um dos fatores que influencie a apatia dos altos escalões da

administração pública é a percepção que eles têm do chefe do executivo. Ao fazer

uma análise em uma perspectiva histórica, abordando a temática da integração

regional, o hoje secretário Chefe da Casa Civil de MT, José Lacerda91, diz que a

partir de 1986, todos os governadores de Mato Grosso deram pequenos passos

rumo à integração, mas nenhum deles deu um passo definitivo, representativo.

Apesar de considerar que houve um avanço, afirma que existe a ausência de uma

política agressiva que tenha buscado a integração regional.

Acho que o primeiro passo da integração foi dado em 1986, começou naquela época com o governador Carlos Bezerra, depois veio o Jaime Campos, que deu uma certa sequência, depois veio o Dante de Oliveira, Blairo e agora o Silval né. Eu acho que cada um fez um pequeno passo. Se você me perguntar qual deles deu um passo representativo, que pudesse ser mais agressivo, não houve. Houve avanço? Houve.

91

José Lacerda foi vereador e vice-prefeito na cidade de Cáceres, deputado estadual e hoje Chefe da Casa Civil

do governo Silval Barbosa. Entrevista foi feita em: 3 ago. 2010, na Casa Civil.

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Na fala acima, se em um primeiro momento pode parecer existir

continuidade nas ações externas do estado, no caso em tela, relacionado à

integração regional, podemos ver claramente, com base em fatos atuais, que

nenhum dos governadores deu um passo importante para que a integração

ocorresse, embora a previsão e ideia sempre aparecessem, no período estudado,

nos planos de governo.

Em uma reflexão sobre a não participação dos parlamentares brasileiros nas

questões internacionais, Seitenfus (1994) pondera que se um político se envolve

mais com as questões nacionais e relega, a um segundo plano, as regionais, ele já

está cometendo um suicídio político, inviabilizando sua reeleição. Como então ser

mais atuante e dedicado às questões internacionais?

Quando um deputado ou senador brasileiro rejeita a rotina política tradicional e transforma-se, de um mero defensor de interesses regionais, em um interessado nas grandes questões nacionais, torna-se difícil sua reeleição. Presume-se, assim, a grande dificuldade em obter mecanismos que levem o Congresso a ser mais atuante nestas questões internacionais. É previsível a resposta dos eleitores quando constatarem a dedicação de um parlamentar a questões externas, se a regra da retribuição ao atendimento de interesses imediatos e localizados aplica-se até mesmo no caso das grandes questões internas (SEITENFUNS, 1994, p. 39, 40).

Ao aprofundarmos a análise, percebemos que grande parte das propostas

apresentadas não foram efetivamente implementadas. Particularmente sobre o

governo Dante podemos destacar que o estreitamento das relações econômicas e

culturais com a Bolívia e o Chile, excetuando a criação do gasoduto com o primeiro,

não existiu. Nada foi feito também para criar uma política de incentivo cultural e

turístico que buscassem a integração com os países latinos. Não houve também a

criação e implementação de uma política de parcerias na área de ciência e

tecnologia com os países da região.

Sobre a logística, podemos dizer que, durante o período estudado, a saída

para o Pacífico não se efetivou e que, cada vez mais, menos pessoas acreditam na

sua viabilidade econômica. Como veremos no capítulo 4, que trata da integração,

depois do “Estradeiro Internacional”92 promovido pelo governo Maggi, a utilização

dos portos do Chile para a exportação de commodities se mostrou inviável por conta

92

Projeto do Governo Maggi que retoma a ideia de viabilizar a saída de produtos do MT pelos portos do Chile.

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das condições encontradas nas cordilheiras. Outro ponto é o fato da ligação entre

Cáceres e San Matias, até hoje, não se encontrar pavimentada na sua totalidade e

não ter se consolidada como rota de comércio entre as duas regiões.

Já sobre o sistema hidroviário (Paraguai-Paraná) podemos dizer que não foi

adiante por problemas ambientais. Considerando ainda as questões ambientais, o

principal projeto nessa área, durante o período estudado, foi BID Pantanal, mas que

não teve sequência no governo Maggi.

Podemos afirmar também que não foi implementada a interconexão com

outras regiões e com outros continentes, dentro de um esquema de logística

integrada, envolvendo a articulação e a integração de redes modernas de

comunicação e transporte, conforme a previsão.

Toda a deficiência no aspecto da logística, mencionado acima, dificulta ou

mesmo impede que seja alcançado o objetivo de promoção da integração regional,

tido como prioridade do governo Dante. Faz também, com que surjam dificuldades

na integração cultural e turística com os países vizinhos, considerada como

estratégica para o estado segundo os Planos de Governo.

Diante desse quadro, podemos dizer que os Planos idealizaram muitas

ações que não foram implementadas em momento algum, o que impossibilitou

alcançar os objetivos traçados, como por exemplo, o que será mencionado na

passagem abaixo, em que a integração regional é mais uma vez vista como sendo

importante para o desenvolvimento estadual:

Na era da economia globalizada, onde a formação de blocos comerciais como o NAFTA (Estados Unidos, Canadá e México) e a União Européia é um processo cada vez mais presente na vida dos países, Mato Grosso deve procurar, cada vez mais, a integração econômica, cultural e política como forma de alavancagem de seu desenvolvimento, até porque ocupa uma posição geográfica estratégica na América do Sul, facilitando a logística de transporte de pessoas e de mercadorias. Acordos comerciais, principalmente com os países do MERCOSUL, além do Chile e Bolívia, intensificam a produção de produtos primários e podem contribuir para a implantação de novos setores industriais e de prestação de serviços em Mato Grosso (PLANO DE METAS, 1998, p. 23, 24).

Mais adiante ainda temos, de forma mais explícita, algumas metas não

alcançadas, apresentadas no supramencionado Plano:

[...] Metas

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– Inserir Mato Grosso, de forma competitiva, nos mercados regionais e internacionais, especialmente no âmbito do MERCOSUL, MERCOESTE e ALCA. – Intensificar ações de cooperação econômica, técnica, científica e cultural com a Bolívia e os países andinos, no contexto da integração sul-americana. – Intensificar a participação do Estado nas ações do Tratado de Cooperação Amazônica, em parceria com a SUDAM, OEA e o Ministério das Relações Exteriores. – Intensificar a promoção de eventos internacionais, de natureza econômica, turística e cultural (PLANO DE METAS, 1998, p. 71, 72).

As ações idealizadas com foco no comércio internacional, excetuando a

questão do gasoduto e o combate à aftosa, no governo Dante, ficaram restritas ao

evento “Mato Grosso Hora de Investir”, palestra em que o governador apresentava,

para empresários e potenciais investidores, os benefícios de se investir no estado de

Mato Grosso. Vejamos nas palavras do ex-vice governador Rogério Salles93, o seu

entendimento sobre o evento:

O governo Dante sempre teve clareza da necessidade de Mato Grosso diversificar sua economia e industrializar as matérias primas produzidas aqui como forma de se desenvolver econômica e socialmente, gerando mais emprego para sua população e estabilizando um pouco mais sua economia. Primeiro foi atrás de viabilizar a questão da Logística (ferronorte ) e energética (Gasoduto), modernizou a política de incentivos fiscais (proalmat, ...) e começou a divulgar o potencial do estado nos grandes centros econômicos brasileiros e no exterior, levando junto com a comitiva oficial as principais lideranças empresariais. O surto de industrialização, desenvolvimento econômico e diversificação de nossa economia se sustentam até hoje nos frutos deste projeto, já que nada de novo foi feito à exceção da copa 2014.

Sendo assim, o estado não conseguiu ampliar a oferta de mercadorias em

nível nacional e internacional, ainda hoje os principais produtos exportados são

agrícolas, não criou uma estrutura de stands permanentes, centros de informação e

oportunidades que permitissem a divulgação dos produtos produzidos em MT e nem

se intensificou a participação em feiras e exposições internacionais, de forma

permanente, para divulgar a região. Ao ser questionado sobre como MT se

posicionava no mercado internacional para comercializar seus produtos, Salles

afirma que como “um grande fornecedor de commodities através principalmente das

grandes tradings, sem uma política mais pesada de conquista de novos mercados e

de diversificação de nossa pauta de exportações”.

93

SALLES, Rogério. Entrevista concedida em: 21 fev. 2011.

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Uma boa constatação de que ainda hoje perdura uma ausência de

diversificação da produção de Mato Grosso é a fala de Francisco Antonio de

Almeida94. O empresário, que é o diretor do Porto Seco de Cuiabá,95 preocupa-se

com a falta de incentivo do governo do estado para a atração de novas empresas

para MT, que não se dediquem apenas ao setor do agronegócio. Segundo ele é

necessário criar uma política de incentivos para a diversificação da cadeia produtiva

que não seja focada apenas ao agronegócio.

Com uma visão privilegiada, de quem administra o Porto Seco, Almeida

deixa claro que a movimentação ali, ainda é incipiente. O Porto é uma empresa

privada, que funciona como uma concessão do governo federal, autorizada via

Receita Federal. É uma estação aduaneira, um terminal alfandegário, existe desde

2003; com o objetivo maior de facilitar as importações e exportações de MT e com

objetivos: “geral – impulsionar o crescimento do comércio exterior e as mudanças

culturais alicerçadas em oportunidade, inovação e estímulo; e específicos”:

1. Servir de alavanca tributária excepcional através de benefício fiscal em parceria com o governo do estado de Mato Grosso (diferimento e redução de ICMS nas importações), desta forma promover um modelo de desenvolvimento do comércio internacional, empreendedora e atrativa para que os mais diversos segmentos possam atingir com maior facilidade o mercado mundial para aquisições de insumos e produtos. 2. Oferecer área alfandegada em zona secundária de uso público, destinada aos serviços de movimentação e armazenagem de mercadorias sobre controle aduaneiro. 3. Promover um modelo de desenvolvimento do comércio internacional através da prestação de serviços de assessoria em comércio exterior, logística de transporte e desembaraço aduaneiro com “agilidade e simplicidade”

96.

O Porto Seco pode ser considerado um termômetro da economia regional,

pois por ali passam uma grande quantidade e variedade de produtos importados e

exportados de MT.

A maior parte das importações é proveniente da China de onde chegam

desde máquinas pesadas, como tratores, até porcelanato usado na construção civil.

94

ALMEIDA, Francisco Antonio de. Diretor do Porto Seco de Cuiabá. Entrevista feita em: 7 jul. 2011. 95

Vide Anexo 7. 96

Informações disponíveis em: <HTTP://portoseco.com/perguntas.phd>. Acesso em: 7 jul. 2011.

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Essa relação, aliás, não data dos dias de hoje, como fica claro na entrevista97 abaixo

para o boletim eletrônico da Federação das Indústrias de MT:

FI - Viabilizar negócios com potências mundiais é o melhor caminho para Mato Grosso? FA - Sem dúvida. Neste ponto, o trabalho da FIEMT, de incentivo e promoção de ações para inserir as empresas mato-grossenses no mercado globalizado é fundamental. Cito o exemplo da China, que além de referência nacional, virou ícone de mercado economicamente viável para Mato Grosso. Temos o que o tigre asiático não tem: comida; enquanto eles nos oferecem o know how em alta tecnologia. E essa relação de comércio já anda bastante aquecida. No ano passado, o Porto Seco recebeu muitas máquinas industriais, tratores e empilhadeiras, além de outros produtos provenientes do país, a preços convenientes e atrativos para o empresário local. É uma troca inteligente, pois vendemos o que produzimos de melhor e compramos a tecnologia que vai garantir o aprimoramento dos nossos produtos. Estive na China em 2006 e, neste ano, pretendo participar da Missão Empresarial da FIEMT ao país, certo de que encontrarei novas percepções e experiências

98.

Podemos constar também que, mesmo diante da falta de um planejamento e

uma política de incentivos para o comércio exterior, de forma mais ampla, sem o

foco no agronegócio, MT vem crescendo e se mostrando ativo no comércio

internacional.

FI - Com o desenvolvimento acelerado do Estado, as empresas mato-grossenses têm adquirido a cultura de comércio exterior como ferramenta para acompanhar esta evolução? FA - Com certeza. As empresas ‘enxergam' cada vez mais a necessidade de trabalhar com comércio exterior para, assim, se tornarem competitivas no mercado internacional. As importações via Porto Seco tiveram, em 2008, um incremento de 20%, valor de 160 milhões de dólares, em relação ao mesmo período do ano passado. E podemos crescer muito mais. Mato Grosso está em franco desenvolvimento, prova disso são os investimentos das empresas em suas plantas industriais. Máquinas operatrizes destinadas à agroindústria, produtos da indústria petroquímica, ativos do agronegócio, entre outros, chegam frequentemente do exterior, pois apresentam boa qualidade a preços bastante competitivos. Para se ter uma ideia, recebemos, em 2008, 400 contêineres somente com equipamentos para a planta da Sadia, em Lucas do Rio Verde

99.

Sobre o governo Maggi, a realidade não diverge tanto, ou seja, muito pouco

do planejado e idealizado foram efetivamente implementados. Desse modo,

podemos dizer que o governador Maggi conseguiu fazer com que o estado se

tornasse um grande pólo do agronegócio, não só para o Brasil, mas para o mundo.

97

ALMEIDA, Francisco Antônio de. Entrevista concedida à FIEMT, em: 5 fev. 2009. Disponível em:

<http://portoseco.com/noticias.php?cod=16> . Acesso em: 7 jul. 2011. 98

Ibidem. 99

Ibidem.

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140

Mesmo que tenha ficado muito aquém nas questões relacionadas ao meio ambiente

e a sustentabilidade das produções.

Ao verificarmos a sua gestão percebemos que o projeto BID Pantanal,

iniciado no governo anterior, e mencionado no seu plano de governo como sendo

prioritário e de grande importância para qualidade de vida da população, foi deixado

de lado em seu governo.

No item denominado Modernização da Produção e do Mercado, percebemos

que apenas o comércio internacional, de determinados produtos, foram incentivados,

aliás, muito mais por organização das entidades de classe e de associação de

produtores, do que por ações do próprio governo. Sendo assim, o objetivo de

institucionalizar no estado instrumentos de apoio às exportações não foi criado. A

nosso ver, um dos reflexos dessa situação é o fato da pauta de exportação do

estado continuar baseada apenas em produtos primários do agronegócio.

Vejamos agora as ações que foram mencionadas, mas não implementadas

pelo governo Maggi, dentre as principais podemos destacar: o estímulo e a

formação de consórcios de exportação de pequenas e médias empresas; a

capacitação de pessoal dedicado à produção e à gestão de negócios com o exterior

visando a desenvolver ações articuladas com o Ministérios das Relações Exteriores

e da Agricultura; o oferecimento de assessoria técnica a consórcios de pequenas e

médias empresas na gestão de negócios com o exterior organizados em pólos

regionais; o apoio às empresas de pequeno e médio porte no acesso aos

mecanismos oficiais de financiamento às exportações; criação de incentivos

específicos para viabilizar as exportações de serviços; criação de mecanismos para

a formação de acordos bilaterais com outros estados e países100; entre outros101.

100

Plano de Governo “Agenda Mato Grosso mais forte – compromisso com o desenvolvimento e com a

superação das desigualdades sociais e regionais”. 101

Ibidem, p. 57. Completam a lista de ações não implementadas pelo governo Maggi, os seguintes itens:

- Elaborar e divulgar estudos visando à identificação de mercados futuros potenciais;

- Elaborar e implementar um Plano Estratégico de Desenvolvimento das Exportações, que explicite a prioridade

concedida à política de exportações, contendo um claro diagnóstico dos principais problemas para a realização

das vendas externas mato-grossenses; objetivos e prioridades, bem como instrumentos e mecanismos de apoio e de articulação a serem mobilizados para alcançar os objetivos e mecanismos de avaliação técnica, econômica e

social das políticas públicas adotadas nesta área;

- Realizar estudos técnicos que avaliem as negociações em curso, identificando o impacto de seus resultados para

o estado;

- Realizar amplo programa de marketing dos produtos mato-grossenses nos mercados externos;

- Incentivar o pequeno produtor a participar do comércio exterior, através da formação de

consórcios/associações, certificação dos produtos (Selo Verde, Selo Sem Agrotóxico, etc.);

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Com a ausência das ações acima, outros objetivos ficaram comprometidos e

não foram alcançados. Neste sentido podemos mencionar a passagem abaixo:

[...] dotar o Governo Estadual de uma estrutura organizacional capaz de identificar as oportunidades de mercado e agir em função da divulgação e inserção da produção de Mato Grosso no comércio exterior, fortalecendo a geração de empregos, a integração regional e a superação das desigualdades regionais e sociais (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 60).

Bem como:

a formação de um grupo de trabalho para a elaboração e divulgação de estudos sobre as condições estruturais e conjunturais da inserção do estado em blocos econômicos internacionais, como ALCA, MERCOSUL, Pacto Andino, CEE (Comunidade Econômica Europeia), NAFTA (Estados Unidos, Canadá e México) e APEC (Ásia-Pacífico); articulação com o Governo Federal, estados das regiões Centro-Oeste e Norte e países limítrofes, para a implementação de infraestruturas em benefício do escoamento da produção e dinamização das relações de comércio exterior com essas áreas; elaboração e implementação de estratégias regionais com vistas à soma de esforços para a ampliação de vantagens competitivas nos mercados internacionais; realização de eventos regionais visando sensibilizar e mobilizar os produtores locais e regionais para incentivar a produção, disseminar informações sobre oportunidades de negócios e

mercados potenciais (PLANO DE GOVERNO, 2002, p. 60).

Constatamos aqui o grande distanciamento entre o idealizado e o

implementado pelo governo. Podemos dizer que, apesar de aparecer

constantemente nos planos e discursos do governador, tais ações não alcançaram

relevância no cenário político mato-grossense.

Situação semelhante pode ser constatada ao avaliarmos as estratégias

elaboradas no Plano Plurianual102 apresentado pelo governador Blairo Maggi à

Assembleia Legislativa do estado de Mato Grosso. Percebemos ali que as

estratégias apresentadas, como necessárias para gerar um maior desenvolvimento

econômico para o estado, não foram implementadas, quais sejam: estimular o

desenvolvimento regional, considerando as aptidões de cada região, com vistas à

- Divulgar sistematicamente e de forma organizada, junto à opinião pública e aos formadores de opinião,

informações sobre as negociações comerciais em que o estado está envolvido e seus potenciais impactos;

- Oferecer assessoria técnica a consórcios de pequenas e médias empresas na gestão de negócios com o exterior,

organizada por pólos regionais;

- Elaborar, nos primeiros cem dias de governo, Estudo de Viabilidade das possibilidades de exportação de

produtos artesanais do estado, com a possibilidade de construir em Cuiabá um centro de captação, promoção,

divulgação e comercialização desses produtos no município, no estado, no país e no exterior. 102

Plano Plurianual 2004-2007. Projeto de lei agosto de 2003. Poder Executivo, 2003.

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redução das desigualdades econômicas e sociais; fortalecer a produção e

disseminação de conhecimentos e tecnologias, a partir da realidade e aptidões

regionais; apoiar o desenvolvimento de tecnologias apropriadas ao uso adequado

dos recursos naturais, oportunizando o acesso aos setores produtivos; incentivar e

fomentar a participação de micro e pequenos empreendimentos no mercado, através

de disponibilização de linhas de crédito e apoio técnico para suas inserções no

sistema de produção; fomentar o incremento e a diversificação da produção;

fortalecer as relações de comércio nacional e internacional; dotar as regiões do

Estado de infraestrutura em energia elétrica e transporte, de modo a promover a

integração regional e as demandas do setor produtivo; desenvolver agros-pólos que

consolidem a produção e a transformação de matéria-prima (PLANO PLURIANUAL,

2003, P. 42).

Constatamos que, excetuadas algumas ações voltadas para o agronegócio,

as ações estatais, não priorizaram, em momento algum, o cenário internacional em

busca de um desenvolvimento da região. Essa situação, a nosso ver, não será

revertida se o estado de MT não buscar parcerias, também, com o governo federal.

Assim, seria de extrema valia uma aproximação, por exemplo, com o

departamento de promoção comercial do Itamaraty. Nas palavras do Embaixador

Mario Ernani Saade103, o departamento apoia as exportações brasileiras e as

captações de recursos para investimentos. Entre suas funções está a de aproximar

a oferta brasileira exportável das necessidades internacionais. Para tanto, promove

feiras, seminários, missões, oferta informações comerciais e promove o turismo, não

só para órgãos federais, mas também para os municípios e unidades federadas.

Para ele, a participação dos municípios, estados federados e associações de classe,

nos assuntos internacionais é importante, uma vez que tem sido cada vez mais

comum “[...] as Federações ou Associações de classe congregarem grupos de

setores específicos de Municípios específicos para dar mais massa crítica às

missões [...]” (PRIMEIRO [...], 2007, p. 63).

Trazemos a tona novamente, a passagem abaixo, na qual o conselheiro

Rudá Gonzales Seferin104 destaca a importância do planejamento para que se possa

obter êxito nas ações internacionais. Aparentemente, durante o período estudado, o

103

Chefe do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty. Palestra proferida no: Primeiro Encontro

Negociações Internacionais: os estados e municípios do Brasil no mundo. Brasília, 8 ago. 2006. 104

Lotado na Divisão de Atos Internacionais do Itamaraty.

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estado de Mato Grosso não seguiu tais orientações, dificultando e muito o sucesso

de suas ações:

O estudo antecipado do país a ser visitado é fundamental para o êxito nos contatos. É preciso conhecer de antemão os principais hábitos e costumes locais, algo da história e da economia, o perfil da indústria e do comércio, dos canais de distribuição de mercadorias e, principalmente, ter uma ideia dos produtos concorrentes brasileiros no mercado que se visita (PRIMEIRO [...], 2007, p. 69).

Outro ponto que pode ser visto como negativo é falta de menção à Agência

Brasileira de Cooperação105 (ABC) e de efetiva implementação de acordos e

protocolos de cooperação.

A mencionada agência, nas palavras do embaixador Luiz Henrique Pereira

da Fonseca106, é “o instrumento nacional para desenvolver a promoção de

mudanças estruturais nos sistemas produtivos ante a superação de restrições que

possibilitem o crescimento auto sustentável” (PRIMEIRO, 2007, p. 80). Destaca

também que, por excelência, o instrumento base da cooperação internacional são os

acordos bases, que devem ser submetidos ao Congresso e servem de referência

para que os estados e municípios possam firmar seus protocolos.

Como se sabe, é da competência do Chefe do Poder Executivo celebrar tratados internacionais, isto não obstante, os estados e Municípios poderem firmar tipos de protocolos institucionais. Protocolos de intenção são firmados, normalmente, entre instituições de Estados, de prefeituras e o próprio Governo, o que não significa que estes protocolos sejam acordos. E é muito recomendado que sejam sempre canalizados pelo Itamaraty (PRIMEIRO [...], 2007, p. 81).

Os governantes de MT devem atentar para o fato de que existem diferenças,

muito grandes, entre os interesses das unidades da federação. Desta forma, é

necessário que se busque sempre uma grande aproximação com o governo federal,

a fim de apresentar as prioridades e vontades do estado.

105

A ABC tem como atribuição negociar, coordenar, implementar e acompanhar os programas e projetos

brasileiros de cooperação técnica, executados com base nos acordos firmados pelo Brasil com outros países e

organismos internacionais. Disponível em: <http://www.abc.gov.br/abc/introducao.asp>. Acesso em: 2 ago.

2011. 106

Diretor da Agência Brasileira de Cooperação. Palestra proferida no: Primeiro Encontro Negociações

Internacionais: os estados e municípios do Brasil no mundo. Brasília, 8 ago. 2006.

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Uma entrevista feita com o Sr. Glauber Silveira da Silva107 mostra a relação

que existe entre o setor produtivo e o estado. Segundo ele, apesar de ser cordial,

ainda precisa ser melhorada, uma vez que as ações de propaganda e divulgação

comercial dos produtos ocorrem por conta da Aprosoja. O governo estadual teve e

tem seu mérito apenas quando criou a possibilidade, isentando de impostos os

produtores, para que e organizassem. Segundo ele, esse modelo começou com

Dante, ao incentivar a produção e exportação de algodão, e ganhou força no

governo Maggi, que elaborou uma política de isenção para setores produtivos da

carne, soja, madeira.

A entidade que preside é responsável por toda a cadeia produtiva do grão,

desde as pesquisas de desenvolvimento, o plantio até a comercialização. Hoje o

governo estadual não participa ativamente dessa cadeia. Entendemos que o seu

papel chega ser até de consultor, pois quando necessita de informações procura a

Associação para obtê-las, o mesmo ocorre quando participa de eventos

internacionais sobre assuntos ligados ao grão, neste caso sempre se faz presente

um representante da entidade.

Glauber diz que o empecilho maior está junto ao governo federal que,

segundo ele, além de não ajudar atrapalha e muito. Cita o exemplo dos ex-Ministros

Marina Silva e Carlos Minc, que segundo ele apenas ajudaram a denegrir a imagem

dos produtores e produtos agrícolas mundo afora.

Além disso, menciona a inércia da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX)

ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, quando o

assunto é a promoção comercial dos produtos agrícolas. Outro ponto de muito atrito

é a legislação ambiental, que segundo Silva, com as constantes mudanças, acaba

promovendo uma grande instabilidade para os produtores.

Situação que também merece destaque é a existência de um grande número

de missões internacionais promovidas pela FIEMT e pelo SEBRAE - MT108, e que

não contam com a participação direta do governo do estado. Segundo Marta

Torezam109, as missões têm os “critérios feitos a partir de uma análise do que temos

107

SILVA, Glauber Silveira da. Presidente da Associação dos Produtores de Soja (APROSOJA). Entrevista feita

em: 4 ago. 2011. 108

Federação da Indústrias do Estado de Mato Grosso (FIEMT) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e

Pequenas Empresas (SEBRAE). 109

TOREZAM, Marta. Líder da Unidade de Acesso a Mercados do SEBRAE-MT. Entrevista concedida em: 15

ago. 2011.

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145

e queremos”. Segundo ela, o SEBRAE, quando promove tais eventos, busca

inovação, modelos referenciais de aprendizado e oportunidades de negócios, dentro

de padrões que atendam o perfil das empresas locais, sempre observando as

tendências e contribuições múltiplas que possam ser agregadas.

Caso semelhante ocorre com a FIEMT, onde as missões organizadas não

contam com a participação dos membros do governo. A AMPA110, na fala de

Caroline Peron111, também afirma que o governo estadual não participa dos

processos de decisão comercial para o exterior. Estas colocações demonstram, por

um lado, falta de interesse por parte do estado em promover e organizar as ações

internacionais; e por outro, a falta de funcionários capazes de pensar as ações

externas do estado. Essa situação se mostra bastante temerosa uma vez que as

entidades e as associações de classe não representam os interesses do estado de

MT.

O que percebemos pelas narrativas dos representantes das entidades de

classe é que o estado de MT acabou terceirizando ações de extrema importância

para o desenvolvimento regional, uma vez que não participa de forma alguma nas

ações internacionais de tais entidades que geram divisas para MT.

Com esta postura, ficou impossível atingir os objetivos apresentados como

proposta do governo. Relembramos a passagem abaixo, que idealiza o comércio

exterior, encontrado no tópico “Promover a mobilização regional – Participação nos

blocos econômicos”, com objetivo de

[...] dotar o Governo Estadual de uma estrutura organizacional capaz de identificar as oportunidades de mercado e agir em função da divulgação e inserção da produção de Mato Grosso no comércio exterior, fortalecendo a geração de empregos, a integração regional e a superação das desigualdades regionais e sociais (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 60).

Como dito anteriormente, para se alcançar os objetivos acima mencionados,

existe a necessidade de se criar, dentro da estrutura governamental, grupos de

trabalho capazes de dar condições reais para a inserção do estado no cenário

internacional. Só que o que deveria ser feito por funcionários públicos treinados e

capacitados para promoverem o comércio e a integração internacional, tem sido

realizado pelas entidades de classe, principalmente as ligadas ao agronegócio.

110

Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (AMPA). 111

PERON, Caroline. Secretária da Diretoria. Entrevista concedida em: 10 ago. 2011.

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Posto isso, entendemos terem sido prejudicadas as ações abaixo:

- Formar um grupo de trabalho para a elaboração e divulgação de estudos sobre as condições estruturais e conjunturais da inserção do estado em blocos econômicos internacionais, como ALCA, MERCOSUL, Pacto Andino, CEE (Comunidade Econômica Europeia), NAFTA (Estados Unidos, Canadá e México) e APEC (Ásia-Pacífico); - Articular com o Governo Federal, estados das regiões Centro-Oeste e Norte e países limítrofes, para a implementação de infraestruturas em benefício do escoamento da produção e dinamização das relações de comércio exterior com essas áreas; - Elaborar e implementar estratégias regionais com vistas à soma de esforços para a ampliação de vantagens competitivas nos mercados internacionais; - Realizar eventos regionais visando sensibilizar e mobilizar os produtores locais e regionais para incentivar a produção, disseminar informações sobre oportunidades de negócios e mercados potenciais (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 60).

Ação importante e que entendemos, também não foi priorizada durante o

período estudado, é a elaboração de uma política que promova a visita de outros

países ao MT. Para tanto, cabe relembrar fala do embaixador Danese mencionada

anteriormente, no capítulo 1, onde afirma que:

[...] os estados e municípios precisam aprender e vários sabem disso, mas muitos precisam aprender que muitas vezes, mais importante do que você ir visitar o outro para mostrar o seu estado [...] é conseguir trazer o visitante aqui, então as organizações de missões ou de convites a autoridades estrangeiras para virem ao Brasil, quer dizer, a diplomacia federativa aqui também recebe, tem um lado que é de receber. [...] Quando eu estive na Argélia eu dizia isso: não fique vindo só aqui visitar não, chama o cara para conhecer a sua empresa, porque ele indo lá, ele vai ver, eles não tem ideia do que é o Brasil, as pessoas não tem ideia pelo mundo afora do que é o Brasil. [...] Então não adianta você ficar indo aos lugares mostrando coisas, tem que também procurar sensibilizar o teu potencial cliente, teu potencial investidor, o teu potencial parceiro a vir ver você em casa, se ele vier, você está com uma caminho muito mais percorrido do que ele receber você, porque ele receberá todo mundo. Agora a hora em que ele tem que ir, ele tem que se engajar, é outra coisa. Eu acho que isso ai é uma coisa importante de ser pensada nessa área.

112.

Sobre a infraestrutura, o cenário ainda hoje é bastante crítico e considerado

como um dos principais problemas de entrave ao desenvolvimento regional e que

ainda precisa ser superado. Podemos afirmar que, durante o período analisado, os

112

DANESE, Sérgio. Danese é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA).

Entrevista realizada em: 7 out. 2010.

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147

projetos não saíram do papel, sendo implementadas medidas paliativas e

descontinuas.

O diagnóstico feito abaixo, ainda vale para os nossos dias:

Ainda que apresente preocupações com as desigualdades social e regional e com sua qualidade ambiental, Mato Grosso tem potencial para se transformar no maior pólo do agronegócio do País e da América Latina. Todavia, este potencial passa pela superação de vários desafios. Dentre eles, podem ser citados a precária infraestrutura de transporte multimodal, a necessidade de ampliação dos níveis de ocupação e renda nos meios rural e urbano, a incorporação de regiões e segmentos sociais marginalizados ao processo produtivo, a diversificação e modernização da pauta produtiva, o aumento da competitividade e o aproveitamento de oportunidades nos mercados interno e externo (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 25).

A questão do transporte hidroviário, sempre mencionado, não conseguiu

superar os entraves jurídicos - ambientais e, ainda hoje, é apenas um sonho para o

estado. Abaixo passagem que ainda impera:

Em tempos de globalização e abertura para o mercado externo, o Centro Oeste apresenta uma posição geográfica estratégica e competitiva na América do Sul, destacando-se como emergente pólo irradiador dos principais corredores de transportes e exportação: Santarém, Itaqui, Arica, Ilo, além dos tradicionais portos do Centro Sul. A reativação do transporte hidroviário no Rio Paraguai necessita de investimentos federais no trecho Cáceres-Corumbá para execução de serviços de drenagem e sinalização; a iniciativa privada está comprometida com a infraestrutura portuária e de armazenamento. A hidrovia Paraguai-Paraná é considerada a coluna vertical do MERCOSUL, pois além do Brasil, percorre o Paraguai, o Uruguai e a Argentina (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 28).

Assim, os objetivos traçados abaixo ficaram muito longe de serem realizados

pelo governo Maggi, uma vez que a economia do estado está baseada na produção

de commodities, sem políticas específicas para outros setores produtivos.

Constituir-se em um Estado social e economicamente equilibrado, estimulando as potencialidades regionais e consolidando-se como o maior pólo de desenvolvimento do agronegócio da América Latina. [...] Promover o desenvolvimento sustentável da economia, fortalecendo a competitividade, a diversificação e a participação nos mercados nacional e internacional, com base nas potencialidades regionais, ampliando a participação do micro, pequeno e médio empreendimento (PLANO PLURIANUAL, 2003, p. 41).

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Neste ponto cabe mencionar entrevista feita com Alfredo da Mota

Menezes113, que considera a hidrovia Paraguai – Paraná, como sendo uma das

principais ações internacionais do governo Dante, mesmo não tendo se

concretizado. Para ele a hidrovia, por passar pela Bolívia, Paraguai, Uruguai,

Argentina e saindo no Oceano Atlântico, seria de grande importância para o

desenvolvimento do regional. Segundo ele, a atuação do Poder Judiciário Federal foi

um dos empecilhos para que a hidrovia se concretizasse, pois chegou até a impedir

a realização de uma audiência pública que seria realizada na cidade de Cáceres,

para se debater o assunto.

A indignação de Menezes vai além, pois, afirma que governador Dante, após

audiência com o então presidente argentino Fernando de La Rúa, conseguiu

inclusive o apoio de uma empresa privada americana para poder construir o porto de

Morrinhos:

Eu fui com Dante, eu e outros, em uma viagem a Argentina que teve até uma audiência com Fernando de la Rúa, presidente da Argentina, todo interessado nisso porque sabia que era um impacto para a região, para a região dele e aqui também. [...] depois foi na Argentina, um norte americano, presidente da maior companhia de navios e barcas para rio, [...], era a maior empresa de embarcações fluviais não marítimas, trabalhava com rios, internos, transportando bens, produtos nos Estados Unidos, no Mississipi e que tinha companhia de navegação na Argentina, em Buenos Aires para aquela região inteira, Uruguai e tudo mais. Ele garantiu o dinheiro internacional para a construção do Porto Morrinhos, então você tem o projeto, a decisão política, você tem o dinheiro para construir. O Porto de Morrinhos era a solução, porque você aumentava a carga [...] [...] era proposto que tivesse embarcações especiais para o rio, construídas para o rio, que viajariam entre bóias virtuais que já estavam prontas, não bateriam em barrancos, [...] com isso nós aumentaríamos a carga e subiriam produtos do Mercosul para cá. E a justiça não permitiu, não se decidiu e MT perdeu essa grande oportunidade.

Menezes destaca que a questão da hidrovia ainda foi retomada no governo

Blairo Maggi, mas como a sua visão era de um empresário pragmático, quando viu

as dificuldades jurídicas e ambientais que deveriam ser enfrentadas, desistiu de

levar adiante o projeto. No seu entender o que falta é

113

MENEZES, Alfredo da Mota. É professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso e foi assessor

especial do governador Dante de Oliveira para assuntos internacionais no período de 1999-2003. A entrevista foi

feita em: 17 nov. 2010.

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decisão política, força política, interesse político de enfrentar essa situação. Ninguém quer enfrentar, brigar com ambientalistas principalmente internacionais, na questão do Pantanal, mas é mostrar que pode se fazer isso sem destruir, com a nova tecnologia, com satélites, com barcaças fundo duplo, etc. E você pode fazer isso e Mato Grosso estaria ligado ao MERCOSUL, e o MERCOSUL aqui, o MERCOSUL tem interesse de chegar no Mato Grosso, Pegar a BR 163 e vai vender na Amazônia. Você já pensou a Argentina subir com seu produto, aqui em Cáceres, pega a 163 aqui em Cuiabá/Santarém e vai vender na Amazônia!

Um dos pontos importantes que dificultam a implementação das ações

internacionais e também é recorrente na fala dos nossos entrevistados é a falta de

continuidade das ações iniciadas. Essa questão fica bastante clara no comentário de

Jefferson de Castro114, quando afirma que o “sucesso de um relacionamento

internacional chama-se sequência”.

Ao fazer uma análise sobre o “Estradeiro Internacional”, Castro destaca que

um dos fatores do insucesso do projeto foi a falta de sequência nos trabalhos que se

seguiram a viagem. Para ele, “é muito importante que após a assinatura de acordos

as pessoas quando voltam para seus países trabalhem em prol da realização dos

projetos”.

Aponta ainda o que seria uma estratégia errada para se buscar o início de

aproximação com outros países, qual seja, começar uma relação abordando

assuntos comerciais. Para ele seriam mais efetivas e consistentes as relações que

se iniciam e tenham suas bases em acordos culturais e educacionais. Nos seus

dizeres:

Dar sequência custa dinheiro e você muitas vezes você não tem o resultado rápido. Nós sempre começamos as relações pelo lado mais difícil que é a industria, que é negócio, que é investimento. Na minha visão tem que se partir da parte cultural e educacional, é isso que cria raiz. E o estado é o indutor disso, ele tem que estar à frente de todo o processo de ação internacional, como no governo federal.

Ao refletir sobre a fronteira com a Bolívia, Castro aponta ainda para outro

problema que dificulta a implementação de ações internacionais, a falta de uma

secretaria específica para coordenar os trabalhos internacionais. Segundo ele “na

fronteira, a questão cultural, educacional poderia ter sido um plano de ação. Mas

114

CASTRO, Jefferson de. É diretor financeiro da AGECOPA, agência criada pelo governador Blairo Maggi

para gerir a copa do mundo em Mato Grosso. Foi responsável pelo Escritório de Representação de MT em

Brasília e Assessor na Secretária de Assuntos Estratégicos no Governo Maggi. Entrevista concedida em: 1º ago.

2010.

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150

isso (o fato de não ter sido um plano de ação) foi em decorrência de não termos uma

secretaria institucional de relação internacional”.

Abaixo mais uma passagem de sua fala destacando a falta de continuidade

das ações internacionais e também da ausência de uma institucionalização de tais

ações:

Há um problema de falta de continuidade e elaboração dessas ações. Onde nós tínhamos isso era na Secretaria de Assuntos Estratégicos, que fazia a diplomacia de MT. Depois se transformou no MT regional, que é o relacionamento com todos os municípios. O Cloves Vettorato (secretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos) fez o governador viajar e se relacionar com o mundo. Depois que ele morreu tudo acaba. Eu assumi um pouco o papel. Mas nós não conseguimos institucionalizar essa relação, p. ex. a embaixada dos EUA quando quer (contato com MT) me procura na Agecopa para tratar de assuntos referentes ao estado, não procura o escritório de representação de MT. Nós poderíamos ter ganho muito mais, o esforço de uma secretaria é muito maior do que de um só pessoa. Poderíamos ter construído uma relação muito mais sólida com o Itamaraty, que está presente em vários ministérios. Articulando, descobrindo novas possibilidades. Nós poderíamos ter quadruplicado o que fizemos.

Podemos perceber pelo relato acima que as ações ficaram sob a

responsabilidade de algumas pessoas e não dos departamentos/ secretarias, aliás,

essa é uma característica de todo o período que estudamos. O que ajuda a manter a

falta de continuidade das ações e projetos.

No mesmo sentido temos a fala de outro funcionário do estado, Paulo de

Tarso115, que além de detectar a falta de um aparato burocrático do estado para

cuidar dos assuntos internacionais, mostra que em muitas situações o estado está a

reboque dos acontecimentos, e age sem maior planejamento.

Tarso ao ser questionado sobre quais as principais ações em que participou

quando atuou na Casa Civil, destaca a organização do evento de 100 anos de

migração japonesa no Brasil, onde MT, depois de procurado pelo governo federal,

ajudou a organizar eventos culturais e comemorativos referentes à data; depois

projetos mais voltados para a integração sul-americana, destacando a participação

de MT no Foro Consultivo de Municípios e Províncias do MERCOSUL que é

presidido pela Casa Civil da Presidência da República; e por fim, a recepção de

missões internacionais da Rússia e embaixadores da União Europeia.

115

TARSO, Paulo de. Foi assessor, no segundo governo Blairo Maggi, do Secretário Chefe da Casa Civil.

Entrevista concedida em: 13 set. 2010.

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Ao abordar o planejamento de tais missões, Tarso nos deixa transparente a

falta de um planejamento elaborado e a posição apenas reativa de MT em questões

internacionais. A ausência de planejamento se deve, “primeiro por não ter um órgão

oficial, um cargo, para tratar de questões internacionais”. As participações nos

eventos acima, foram

[...] acontecendo por fatores externos, não foi planejado, p. ex. a questão do Japão foi o governo federal que procurou MT e o estado aderiu. A questão com a Rússia, com a União Europeia e o Foro Consultivo nós também fomos procurados. Ou seja, as ações partiram do governo federal ou de algum representante dos países que nos procurou. Mas nenhuma dessas ações foi planejada. Até porque como eu falei não tem um órgão voltado para a área internacional.

Tarso também aponta o problema da falta de um corpo técnico permanente.

Segundo ele, “não há órgão ou corpo técnico instituído com o objetivo de pensar

cenário internacional. Na Secretaria de Indústria e Comércio tem o setor que pensa

comércio internacional. Mas não temos nada permanente para pensar a questão

internacional”. A situação se agrava quando da aproximação de eleições, pois, os

poucos funcionários que trabalham com as poucas questões internacionais ocupam

cargos comissionados, não existe a menor certeza da manutenção deles em suas

funções, e por consequência, as políticas que são pensadas.

Sobre a relação de parcerias com o SEBRAE e a FIEMT, Tarso faz uma

análise positiva, quando diz que ambos são parceiros do estado na área

internacional, em muitos casos via Secretaria de Indústria e Comércio. Cada

entidade buscando atender a demanda de seus associados, faz viagens a vários

países tentado estabelecer laços comerciais. Destaca particularmente uma ação do

SEBRAE denominada de Arranjos Produtivos Locais (APLs), realizada junto aos

municípios da faixa de fronteira e que busca gerar desenvolvimento naquela região,

por meio de rodadas de negócio e a promoção de intercambio cultural. “Assim nós

buscamos alinhar a questão do desenvolvimento das comunidades locais com o

SEBRAE, na fronteira”.

Percebemos até aqui a falta de uma política clara de defesa dos interesses

de MT, e até mesmo uma política clara que defina quais são esses interesses.

Parece-nos que o governo acabou terceirizando as suas ações para as entidades de

classe e que caminha a reboque dos interesses daquelas. Não percebemos o

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152

governo como protagonista nas situações em que se envolve e que responde

apenas de maneira reativa aos acontecimentos.

Segundo Tarso,

Hoje, o governo não tem ações institucionalizadas para vender o estado, como foi o MT hora de investir. Eu sei de alguns eventos com esse objetivo, onde o governador viajou para Alemanha, Estados Unidos, mas nada como um programa de institucionalizado. Foram eventos organizados por parceiros que tinham interesse no estado.

De acordo com Tarso, além da falta de um plano oficial para divulgar as

potencialidades de MT, há, como dito anteriormente, a falta de continuidade das

poucas ações que visam ao cenário internacional, prova maior seria a relação com o

Japão em que “o estado não implementou efetivamente nada, e apenas organizou

os eventos culturais e comemorativos; e também com a União Europeia, onde

apenas foram firmados protocolos ambientais, mas até agora nada efetivo”.

Diante da constatação de que o SEBRAE tem ligação com o governo

estadual em alguns de seus projetos, entrevistamos o Sr. José Guilherme Barbosa

Ribeiro116. Para ele o estado de MT não tem tradição nem a cultura de realizar a

comercialização de seus produtos, essa busca pelo mercado externo não seria uma

vocação natural do poder público.

Segundo Ribeiro o que vem ocorrendo há quinze anos é um interesse de

“países como Bolívia, Peru, Chile, Argentina, Paraguai, que sofrem em alguma

medida influência de MT. Principalmente por causa do escoamento de produtos pela

da Bacia do Prata. Nesse sentido ele afirma que “há um interesse muito grande

desses países em conhecer o MT pelo lado comercial”. Isso porque eles querem

conhecer o estado grande produtor de soja, milho, algodão, carne, ouro, diamante

que está próximo deles. Dessa forma, ele constata que o fluxo é de fora para dentro.

Esse primeiro contato ganha força porque os estrangeiros são bem recebidos e

acabam voltando e estabelecendo novas relações. “É claro que quando as pessoas

vêm, e nós recebemos muito bem, somos muito receptivos e isso é muito válido,

também para a realização dos negócios. Essa receptividade acaba fazendo com que

eles também nos sejam receptivos”. Afirma que a hospitalidade e a vontade de

116

RIBEIRO, José Guilherme Barbosa. Funcionário há trinta e três anos do SEBRAE. Ribeiro é atual Diretor

Superintendente e responsável pelas ações da entidade. Entrevista feita em: 25 ago. 2011.

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manter o contato internacional acabam superando, por exemplo, até as dificuldades

do idioma.

O SEBRAE, conforme aponta Ribeiro, acaba sendo o primeiro contato de

empresários de outros países que querem fazer negócios em MT porque muitos dos

seus associados encaminham esses empreendedores. Eles acabam buscando junto

ao SEBRAE informações mais detalhadas para poder fazer os seus investimentos.

Já quanto às missões coordenadas pelo SEBRAE, Ribeiro faz alguns

esclarecimentos. Elas são pensadas de acordo com a necessidade do mercado, ou

seja, é o mercado quem vai dizer como o SEBRAE deve agir. “As missões têm como

proposta fazer com que as pessoas se conheçam, não é fechar negócios. É um

reconhecimento do mercado. É uma interação comercial”.

Lembra que o foco é sempre comercial, o que está previsto em estatuto, por

isso as questões educacionais, culturais e outras ficam prejudicadas em suas ações.

E justamente para não fugir a previsão estatutária e garantir as melhores

informações comerciais o SEBRAE realiza com frequência pesquisas para detectar

o fluxo comercial de vários locais.

Ribeiro chama atenção para a necessidade de uma implementação na

cadeia produtiva da economia do estado. Para ele essa situação só ocorrerá se

houver empreendedorismo por parte dos empresários locais “Os empresários

ligados as commodities que não industrializarem/ beneficiarem seus produtos, outros

investidores/ empresas virão e farão, isso já está acontecendo”. Afirma que somente

desta forma é que estaremos agregando valor e gerando empregos melhores e mais

qualificados, gerando tecnologia. Para ele o empresário tem que entender que

exportar é uma questão de sobrevivência:

O empresário no Brasil muitas vezes não exporta porque tem um grande mercado consumidor interno. Mas tem que entender que é uma questão de sobrevivência, uma vez que empresários de outros países estão buscando esse mercado.

Para tanto o governo do estado ocupa lugar importante, como um

fomentador, incentivador e idealizador desta cadeia produtiva. “Cabe ao estado sim

porque ele tem ferramentas tributárias, fiscais que podem estimular, ele não pode

tomar decisão pelo empresário, mas pode estimular. Apresentar seus interesses,

para fomentá-los.”

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154

Por fim, afirma que o estado, apesar de ter interesse em internacionalizar

suas ações, pois ajudam financeiramente, as ações internacionais do SEBRAE não

contam com uma macro política institucionalizada para esse fim. “Enfim, as

autoridades tem um interesse, mas não vejo um trabalho institucionalizado no

estado.”

Para finalizar o presente capítulo podemos afirmar, sem sombra de dúvida,

com base nas entrevistas colhidas, que o estado de MT necessita de uma secretaria

ou departamento para levar adiante as propostas e ideias que visem ao cenário

externo.

Como vimos, muitas das ações internacionais deixaram de ser

implementadas por falta de uma continuidade das políticas governamentais que

visavam à defesa dos interesses de MT. Com a oficialização de um departamento ou

secretaria, com corpo técnico capacitado e permanente, o governo estadual poderia

almejar uma estrutura semelhante ao do governo federal. Assim, teríamos, ao

menos, a garantia de que todas as ações externas estariam centralizadas em um

único local da administração pública.

A nosso ver, serve como exemplo cabal deste diagnóstico de falta de

continuidade, planejamento e implementação das ações de alcance externo é o

decreto número 478 de junho de 2011 (Anexo 8), que revoga, em menos de 1 ano,

decreto anterior (Anexo 6) que trata do mesmo assunto, qual seja, o Comitê da

Faixa de Fronteira. Destacando que ambos foram assinados pelo mesmo

governador e que ambos os documentos colocam a Casa Civil como principal

articular do Comitê.

Analisando os decretos, percebemos que a única diferença substancial entre

eles talvez esteja no artigo terceiro, que trata da composição do Comitê, pois ali

percebemos, no segundo decreto, um maior número de participantes representando

principalmente as secretarias de governo. A exceção deste artigo, todos os outros

são semelhantes, sem mudanças que possam ser consideradas substancias para a

presente tese. Em tempo de se destacar que os objetivos de ambos são parecidos e

a coordenação geral cabe também à Casa Civil e à Secretaria de Planejamento.

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Análise do próprio Chefe da Casa Civil, José Lacerda117, nos mostra que na

essência não há mudança substantiva entre os decretos. Há também uma clara

opção em atuar em sintonia com o Ministério da Integração Nacional, seguindo

sempre as orientações do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira

(PDFF). Para ele, por meio deste Programa MT

irá retomar o seu papel de integrador regional, já registrado ao longo da História, no pioneirismo do comércio exterior pelo corredor hidrográfico do Rio Paraguai. Porém, desta vez, com o objetivo de solucionar as questões de fronteira está focado no esforço de ações para o desenvolvimento econômico dos 28 municípios mato-grossenses e das cidades bolivianas, ao longo da fronteira (LACERDA, 2011).

Assim, a criação, em nível estadual do Comitê, visa unificar as ações

governamentais em busca da integração, desenvolvimento e fortalecimento dos

municípios da fronteira; estimulando investimentos em arranjos e cadeias produtivas

prioritárias para o desenvolvimento sustentável dessa região (LACERDA, 2011).

Nesse sentido, concluímos que no mínimo houve falta de planejamento por

parte das pessoas envolvidas na elaboração do decreto, uma vez que até os

objetivos, que poderiam ensejar uma reedição do documento, são muito

semelhantes, sem grandes modificações.

Outro ponto que merece ser destacado é a ausência da implementação de

projetos ligados à questão cultural, turística e educacional. Nestes casos, apesar de

sempre aparecerem como sendo importantes para o desenvolvimento de MT e

também como facilitadores de criação e fortalecimento das relações entre os

envolvidos, percebemos um total descaso para com essas políticas, em detrimento

de ações comerciais.

117

LACERDA, José. Integração pelo desenvolvimento regional. 07/10/2011. Disponível em:

<http://www.sinfra.mt.gov.br/TNX/noticia.php?secid=22XXcidXX73647>. Acesso em: 28 fev. 2011.

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Capítulo 4 – INTEGRAÇÃO: A FRONTEIRA COM A BOLÍVIA E O

CENTRO OESTE SUL-AMERICANO

O capítulo 4 visa abordar de forma mais detalhada as questões ligadas à

fronteira de MT com a Bolívia e também as ideias e ações relacionadas ao Centro

Oeste Sul-americano. A opção por se abordar ambos os assuntos em capítulo

específico, deve-se ao fato de que eles são mencionados, constantemente, ao longo

do período estudado, como sendo o foco mais comum das ações internacionais de

MT.

A fronteira é uma imposição geográfica e, por isso, considerada um espaço

que obriga os governantes de MT a considerá-la em seus planos de governo. A

questão territorial é um item de grande importância para aqueles que estudam as

relações internacionais. Podemos destacar que Aron (2002) tem um capítulo

dedicado ao “O Espaço” em seu clássico Paz e Guerra entre as Nações, em que fala

da importância de se considerar as questões territorial e geográfica. Outro autor é

Morgenthau (2003), que em seu A política entre as Nações: a luta pelo poder e pela

paz; destaca a “Geografia” com sendo um dos Elementos do Poder Nacional.

Assim, entendemos que a fronteira, no período estudado, sempre foi levada

em consideração pelos atores políticos quando pensaram planos de

desenvolvimento para a região, envolvendo cidades que se encontram na Bolívia e

no Brasil.

A região em si, bem como as cidades que ali estão localizadas, trazem

certas particularidades que as distinguem das demais regiões, pois sempre

englobam questões local e global que se confrontam de maneira mais acirrada:

Nas relações cotidianas em regiões de fronteiras, exacerbam-se preconceitos, rivalidades, concorrências desleais, ilicitudes em diversos níveis, ao mesmo tempo que também ocorrem positividades e relações agradáveis – geralmente silenciosas – de convivência e harmonia. As cidades fronteiriças se distinguem entre si não só pelo diferente tamanho como também pelas funcionalidades exercidas, mas em todas, a despeito da atração realçada pelas possibilidades que oferecem, verificam-se carências sociais, exclusão e deterioração ambiental. Assim como se observa em outros lugares, a região fronteiriça sustenta a atuação de duas lógicas, uma global e outra local, que se confrontam no processo de complementaridade. Entretanto, nesta região o confronto é mais acirrado. A constante presença do outro, com cultura, leis e

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comportamentos próprios – e, por suposto, diferentes - impõe uma forma de conviver com atitudes particulares (CARDOSO, 2011).

Sobre a ideia da integração do Centro Oeste Sul-americano, veremos que é

um sonho que vem sendo cultivado, em Mato Grosso, há algumas décadas por um

grupo de pessoas que vislumbram proporcionar desenvolvimento econômico, social

e cultural a uma região com grandes potenciais, mas, esquecida pela iniciativa

privada e governos centrais de seus países. Ela muitas vezes aparece, dentro de

uma perspectiva mais ampla, de integração Sul-americana, como veremos em

alguns artigos. Mas o fato é que ela em si constitui-se em uma região específica,

quase sempre abordada de forma particular.

O Centro Oeste Sul-americano é composto, segundo definição dada por

Serafim Carvalho Melo118, por uma região na América do Sul que envolve os

seguintes países: Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Peru.

Segundo Melo (2005), na Argentina, fazem parte as províncias de

Catamarca, Jujuy, San Tiago Del Estero, Salta e Tucuman (p. 39); na Bolívia, estão

presentes os departamentos de Chuquisaca, La Paz, Cochabamba, Oruro, Potosi,

Tarija, Santa Cruz, Beni e Pando (p. 50); no Brasil, incluem-se os estados de Mato

Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Acre (p. 67); no Chile, estão presentes

províncias de Arica, Iquique, que estão na Primeira Região Tarapacá, e as

províncias de Antofagasta, de Tocopilla e de El Loa, da Segunda Região

Antofagasta (p. 90); no Paraguai (todo o país) (p. 99); e no Peru os departamentos

de Arequipa, Moquegua, Tacna, Puno, Cusco e Madre de Dios (p. 102). Conforme

sua definição:

A região de interesse desta pesquisa se insere, aproximadamente, em um círculo com centro em Santa Cruz de La Sierra, com 1;300 Km de raio formado pelo Paraguai, norte da Argentina, norte do Chile, sul do Peru, pelo centro oeste e noroeste do Brasil, circunscrevendo uma área superior a 5.000.000 Km2 e uma população estimada de 40.000.000 de habitantes (MELO, 2005, p. 17).

A ideia da integração desta região frequentemente aparece nos planos de

governo, como pudemos ver no capítulo 2 desta tese. Melo foi um dos que mais

estudou e escreveu defendendo a viabilidade da integração do Centro Oeste; e o

118

Professor do departamento de Geologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); atual coordenador

do Conselho de Integração Internacional da Federação das Indústrias de Mato Grosso (FIEMT); assessor (em

2005) para assuntos internacionais da Secretaria de Estado de Indústria, Comércio, Minas e Energia.

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fato de até hoje ela não ter ocorrido, é, a nosso ver, mais uma prova de que se faz

necessário o aparelhamento do estado federado para se pensar as ações

internacionais, entre outras ações.

Mello, já em 1993, defendia a integração regional e palestrava sobre o

assunto. Então presidente da Comissão de Integração Internacional da Federação

das Indústrias do Estado de MT (FIEMT) abordava e apontava as grandes

possibilidades que poderiam ser abertas com a maior intensificação das relações

entre MT e os países sul-americanos.

Em sua biblioteca particular, encontramos textos e documentos119 relatando

algumas viagens aos países vizinhos durante o ano de 1993. Um deles, denominado

“Pela Integração Sul-americana”, datado de 28 de janeiro de 1993, Mello endereça

ao presidente da FIEMT uma solicitação de apoio para a “Viagem pela Integração

Sul-americana”. Para tanto, fez a seguinte justificativa:

A situação geográfica de Mato Grosso como Centro Geodésico da América do Sul, não fosse o extraordinário potencial em recursos renováveis ou não de que é detentor, serviria apenas para meras e inócuas referências de eloquentes discursos. Entretanto, depois de séculos no maior isolamento do resto do país, esta condição está a oferecer atualmente as melhores perspectivas de desenvolvimento do Estado e de toda região Centro-Oeste. A consolidação do MERCOSUL, bem como, em médio prazo, as inúmeras alternativas de escoamento de sua produção agrícola e /ou industrial seja por via rodoviária ou fluvial e num futuro não muito distante por via ferroviária até os Portos do Atlântico e rodoviário até o Pacífico, lhe dá uma ótima condição de competitividade. Sobre esta última alternativa é que se pretende desenvolver um trabalho “PELA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA”, o que consistiria na realização de uma viagem via terrestre de Cuiabá a Ilo no Peru, passando por Cáceres – San Inácio – Santa Cruz – Cochabamba – La Paz e Ilo, objetivando motivar as forças vivas destas comunidades por esta integração tão almejada pelos sul-americanos, mas que ao longo dos anos, muito que se fez em nome desta união, o foi por outros não sul-americanos e o que está ou foi encontrado feito, serviu muito mais para separar do que para unir. Mato Grosso, assiste agora um momento decisivo de sua história econômica, com a perspectiva de implantação do MERCOSUL, a reativação da hidrovia Paraguai-Paraná, a chegada dos trilhos da estrada de ferro Leste-Oeste, e a perspectiva da saída para o Pacífico, a qual se pretende conhecer “in loco” com a realização da viagem “PELA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA”.

A referida viagem aconteceu e, segundo o jornalista Onofre Ribeiro (1994)

em seu artigo intitulado “Redescoberta da América espanhola”, quebrou alguns

119

Os textos e documentos aqui mencionados não foram publicados e fazem parte do acervo particular de Melo.

Os que se encontram em nosso poder são fotocópias dos textos aqui mencionados.

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tabus: “por exemplo, não se sabia antes da viagem, da possibilidade de travessia

terrestre do Andes partindo de Santa Cruz de La Sierra”.

Ribeiro (1994) ainda constata a inércia dos políticos quando o assunto era a

questão da integração:

O que a caravana pretendeu foi reunir lideranças empresariais, políticas, imprensa e setores do governo estadual de Mato Grosso para uma visão técnica, política e comercial que representará a ligação sul-americana. Sobre ela muito se tem falado e pouco se tem feito. No governo Carlos Bezerra o assunto foi levantado com muita ênfase, mas não se concluiu. A questão vinha sendo tratada antes pelo atual senador José Marcio de Lacerda e pelo seu irmão José Lacerda, ex-deputado estadual. Depois disso a integração sul-americana não saiu do campo teórico. Esperava-se que a representatividade dessa caravana produzisse a quebra do sono secular que isolou a fronteira Oeste do Brasil de seus vizinhos. Só a título de esclarecimento, as relações históricas do Brasil com a Espanha no Oeste nunca foram boas. E continuam hoje marcadas pelo isolamento (RIBEIRO, 1994).

A passagem acima demonstra, mais uma vez, a inexistência de um corpo

técnico qualificado para tratar das ações internacionais. Essa ausência marcou e

marca até os dias de hoje as questões ligadas à integração regional. Essa questão

se agrava se considerarmos também a falta de prioridade, por parte dos agentes

políticos, nas questões internacionais. Para comprovarmos essa ideia, façamos uma

comparação, dando um salto de dezesseis anos. A entrevista120 a seguir, com o

título “Inserir MT na América do Sul”, Melo faz uma avaliação, 16 anos após a

viagem narrada acima, sobre a integração regional.

"Estamos situados no coração da América do Sul e temos poucos negócios com os países do Continente. Precisamos fomentar a integração intrarregional e incrementar o intercâmbio comercial, cultural e tecnológico com os nossos vizinhos". A afirmação é do coordenador de Integração Internacional da Federação das Indústrias do Estado (Fiemt), Serafim Carvalho de Mello, que aproveitou a visita da comitiva de embaixadores europeus para apresentar o projeto "Inserção de Mato Grosso na América do Sul". "Deixamos de ser fronteira agrícola para nos transformarmos em fronteira tecnológica", afirmou Serafim Carvalho, apontando a distância de Mato Grosso com o mercado europeu e a proximidade com os países do continente. "A nossa ação será no sentido de aproximar os países por meio da implantação de infraestrutura de energia, comunicação e transportes, com a participação da Corporação Andina de Fomento (CAF)", explicou Serafim.

120

Inserir MT na América do Sul. Entrevista com Serafim Carvalho de Mello. Jornal Diário de Cuiabá em

27/03/2009.

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Ele disse que já existe um processo em andamento e só é preciso implementar as ações para que o comércio seja intensificado. Segundo ele, a Fiemt vê com clareza as oportunidades que estão surgindo para as empresas mato-grossenses. "Para podermos alcançar um desenvolvimento mais acelerado, precisamos consolidar o nosso comércio regional". Ele entende que os interesses dos países são comuns e é preciso apenas "estreitar o relacionamento para tornarmos este intercâmbio mais forte na região". A Bolívia é terceiro parceiro comercial de Mato Grosso na América do Sul, com US$ 21,80 milhões, ficando atrás apenas da Colômbia (US$ 62,88 milhões) e Peru (US$ 25,93 milhões). Outros países têm participação mais tímida, como Argentina (US$ 21,61 milhões), Chile (US$ 15,70 milhões), Uruguai (US$ 5,01 milhões), Paraguai (US$ 4,10 milhões) e, Equador, US$ 2,50 milhões

121.

Mais uma vez, vemos a defesa intransigente da integração sul-americana

por Melo. E novamente, as mesmas dificuldades aparecem, principalmente as

relacionadas à falta de infraestrutura. Além da não prioridade do assunto na agenda

política, percebemos também a ausência de uma implementação mais efetiva, por

mínima que seja, de políticas públicas para promover a região, apesar delas, muitas

vezes, estarem previstas nos planos de governo.

Percebe-se claramente, também, a defesa de uma aproximação com os

vizinhos sul-americanos em detrimento de uma maior efetivação de políticas

comerciais que visem à Europa. Para ele, o fortalecimento dessas relações, sejam

elas comerciais, culturais ou políticas, são essenciais objetivando o fortalecimento

da região para, só posteriormente, buscar novos mercados. A ideia defendida é: se

temos a possibilidade real de uma implementação comercial regional, devemos

necessariamente efetivá-la.

Como vimos, a infraestrutura é uma preocupação permanente na fala de

Melo. Esta aparece mais uma vez na continuação da entrevista dada ao jornal Diário

de Cuiabá:

O coordenador de Integração Internacional da Federação das Indústrias do Estado (Fiemt), Serafim Carvalho de Mello, informou ainda que o processo de integração sul-americana poderá ser acelerado a partir da pavimentação de um trecho de 450 quilômetros entre San Mathias e Concepción, na Bolívia, e daí a Santa Cruz de La Sierra, com opções de saída para o Norte do Chile (Atica e Iquique) ou Sul do Peru (Ilo ou Matarani).

121 Inserir MT na América do Sul. Entrevista com Serafim Carvalho de Mello. Jornal Diário de Cuiabá em

27/03/2009.

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Outro projeto que poderá fomentar o intercâmbio na região é a construção de uma aduana comum entre Brasil e Bolívia, na fronteira entre os dois países. Com a construção da aduana, as operações seriam sequenciais e simultâneas, facilitando as relações comerciais de Mato Grosso com o país vizinho. Na opinião de Serafim Mello, a consolidação do processo de integração sul-americana passa pela aproximação dos países. "Isso tem se constatado em todas as viagens que realizamos até agora pela América do Sul. Não há como fazermos a integração sem a interligação e a consolidação das trocas comerciais de produtos regionais", lembra Serafim Carvalho Mello. Ele vê a necessidade de maior aproximação entre o Brasil e os governos regionais dos Departamentos de Santa Cruz de la Sierra, Cochabamba, La Paz e Oruro, na Bolívia, os governos de Puno, Arequipa, Moquegua e Táca (sul do Peru) e Arica e Iquique, no norte do Chile. "Precisamos promover o comércio intrarregional. A saída para o Pacífico é uma consequência natural da consolidação deste intercâmbio", lembra Serafim, autor de vários trabalhos sobre a integração sul-americana, entre eles o livro "Mato Grosso no Centro-Oeste sul-americano"

122.

Sobre a viagem feita em 1993 mencionada acima e denominada de “Viagem

pela Integração Sul-americana”, Melo lembra que ela foi composta por empresários,

professores universitários, rotarianos, políticos e imprensa tendo como objetivo

conhecer as potencialidades no comércio, turismo e também intensificar as relações

humanas entre as populações.

Em entrevista123 Melo, ao ser questionado sobre a viabilidade econômica da

região, não titubeia e diz que “o Centro Oeste Sul-americano é muito rico e que a

sua exploração econômica só não aconteceu ainda por falta de visão e decisão

política dos governantes, que só agora estão descobrindo isto”. Para ele, outro ponto

importante é o fato de que “o Brasil sempre deu as costas para os seus vizinhos e

eles, por sua vez, também para nós”.

A falta de continuidade e até mesmo de mais políticas que visem ao cenário

internacional da fronteira é apontada por Melo. Ao ser questionado sobre quais as

ações dos governos estadual e federal, nos últimos anos, bem como da classe

empresarial em busca da integração da região, é taxativo:

Realmente, muito pouco se avançou. Repito o que disse antes. Falta de visão política dos governantes. Nenhum Governo de Mato Grosso, antes, havia parado para pensar que Mato Grosso é ponto intermediário entre

122 Inserir MT na América do Sul. Entrevista com Serafim Carvalho de Mello. Jornal Diário de Cuiabá em

27/03/2009. 123

Além de entrevista cedida no dia 25/03/2008, Melo respondeu questões enviadas por este pesquisador, via

email, no dia 19/05/2008.

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duas costas marítimas. Que faz fronteira com outro País. Parece que isto nada significa. Cada quatro anos renasce na gente uma expectativa. Veja, agora veio o Morales. O que fazer, senão esperar ele sair e torcer pelo seu substituto ser um homem de visão de estadista. O Governador Blairo fez o Estradeiro Internacional IV. Ótimo. Depois veio o Morales. Paramos. É assim que se escreve a história

124.

Mesmo apontando dificuldades para a efetivação da integração, Melo, talvez

por uma questão de proximidade e de estratégia econômica, defende a aproximação

de MT com o Departamento de Santa Cruz e não com o governo central boliviano.

Isso porque, há grande dificuldade de relacionamento entre o referido departamento

e o governo de Evo Morales. O Departamento de Santa Cruz tem como capital a

cidade de Santa Cruz de La Sierra que, segundo Amaral e Melo (2008), é uma

cidade com mais de um milhão de habitantes, com economia bastante diversificada

contendo um parque industrial de pequenas e grandes empresas. Detentora de forte

setor comercial e com uma produção agrícola em expansão. “É o centro articulador

do oriente boliviano e líder do empreendedorismo nacional” (p. 206).

Entendemos que o distanciamento em relação ao governo central da Bolívia

deu-se principalmente por questões ideológicas defendidas pelo Presidente Morales,

essas atingiram as relações com MT no governo Maggi, principalmente envolvendo

a negociação do gás boliviano. Cremos ser esta questão um dos fatores que

dificultaram o bom andamento dos projetos de integração na região.

Do lado de cá da fronteira, Melo fala da dificuldade de realizar ações que

dizem respeito especificamente ao governo central, como por exemplo, a construção

de uma aduana na fronteira entre Brasil e Bolívia, na região de Mato Grosso e Santa

Cruz, e de rodovias.

Podemos dizer que mesmo diante de tantos desafios e interrupções, Melo

(2005) é um otimista e acredita ainda hoje na possibilidade de integração da região:

Nos dias de hoje, quando a tecnologia de comunicação disponível possibilita às pessoas se comunicarem em tempo real de qualquer parte do mundo, através de som e imagem; quando as relações entre as distâncias físicas versus os custos de transporte de produtos dão lugar às distâncias econômicas. Mato Grosso poderá se constituir no grande entroncamento sul-americano, pela sua posição geográfica estratégica, como ponto intermediário entre as duas costas marítimas do Atlântico e do pacífico e ponto de conexão norte sul (MELO, 2005, p. 21).

124

Inserir MT na América do Sul. Entrevista com Serafim Carvalho de Mello. Jornal Diário de Cuiabá em

27/03/2009.

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E vai além, afirmando que o Centro Oeste Sul-americano mesmo não sendo

organizado política ou administrativamente, vem, nos dias de hoje, deixando de ser

“uma área periférica para se constituir em centro estratégico e logístico no processo

de Integração Sul-americana” (MELO, 2005, p. 29).

No mesmo artigo mencionado acima, Amaral e Melo (2008) são enfáticos ao

dizer que “a integração regional não é um modismo é uma necessidade". Para eles o

processo de integração deve ser feito em várias dimensões, econômica, social,

cultural e política; E buscar:

Incremento do comércio regional como apoio ao comércio inter-regional; Produção e consolidação de negócios em escala regional, mediante fusões e associações estratégicas de empresas; Coordenação e convergência econômica; Criação de instituições voltadas para a construção de uma política de desenvolvimento regional com destaque para a infraestrutura de transportes e uma logística sul-americana de articulação no continente [...] (AMARAL; MELO, p. 215).

Como estratégia para buscar a integração entre Mato Grosso e Bolívia, os

autores apontam para a necessidade de se implementar um “Programa de

Desenvolvimento Regional Sustentado no Eixo Cuiabá – Santa Cruz de La Sierra,

através de uma maior aproximação dos respectivos governos regionais”, por meio

de convênios envolvendo os setores produtivos, universidades e outros atores

regionais (AMARAL; MELO, 2008, p. 261).

Melo também foi um dos articulistas do governo Dante quando o assunto era

integração e teve grande influência em suas ações. Como dito por Albano, no

capítulo 4, Dante por convicção profissional, sempre foi afeto às questões ligadas ao

transporte. Por essa razão e influenciado por seu vice-governador Marcio Lacerda e

pelo professor Serafim Carvalho, constatou a viabilidade econômica de se buscar a

saída para o pacífico com o objetivo maior de alcançar outros mercados

consumidores.

Diante desta constatação e certo da obrigatoriedade de se passar pela

Bolívia, em qualquer trajeto que se desenhasse, Dante tentou estabelecer relações

mais estreitas buscando relações comerciais para importar o gás. Assim se

viabilizou a construção do gasoduto até Cuiabá. Momento em que MT resolveu a

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164

questão de deficiência energética e passou a vender o excedente para outras

unidades da federação.

Albano lembrou ainda que o governador Dante chegou a visitar a Bolívia

juntamente com o então presidente Fernando Henrique Cardoso para celebrar a

intenção de se construir uma ferrovia que chegaria ao Chile. Ideia apoiada pelo

então presidente chileno Ricardo Lagos, mas obviamente essa situação não se

concretizou. Mencionou também a preocupação do então governador com o forte

lobby do setor rodoviário, bem como o entendimento de certa parcela do Itamaraty

que não via a menor possibilidade na construção da ferrovia e nem de outros

investimentos por parte da iniciativa privada na Bolívia.

Até aqui importante refletir que apesar de um aparente apoio à ideia da

integração pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), ela não seguiu à

frente, a exceção do combate à aftosa e à criação do GEFron, e permanece

estagnada na construção do gasoduto.

Em entrevista feita com o ex-vice-governador Marcio Lacerda125, que

começou sua carreira política defendendo os interesses das cidades fronteiriças de

MT, percebemos que as dificuldades de integração na região de fronteira são

antigas e para ele remonta à colonização feita por Portugal e Espanha. Segundo sua

análise, as diferenças entre as metrópoles marcaram profundamente a região e até

hoje existem diferenças culturais que impedem a integração.

Para Lacerda, desde a colonização o comércio na fronteira foi deixado de

lado e as populações que ali estavam, buscaram outras possibilidades comerciais; a

fronteira era uma região estratégica em que imperava os assuntos voltados para a

segurança.

Na sua concepção, as fronteiras sempre foram um local de separação, de

divisão e considerada como periferia para a economia formal e por isso, também de

grande isolamento populacional. Essas regiões de fronteira têm um pequeno peso

político junto ao governo federal e na formulação das políticas externas,

principalmente levando em consideração MT onde as áreas são pobres e deprimidas

dos dois lados. Mas é onde efetivamente acontece o ponto de ligação, de

convergência entre os países.

125

LACERDA, Marcio. Lacerda foi senador e vice-governador no primeiro governo Dante. Entrevista ocorrida

em: 4 ago. 2011.

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Relembra que quando atuou como senador e vice-governador do estado,

tentou romper o isolamento se reunindo com diversas autoridades dos países

vizinhos. Destaca que a região oeste, de MT, é a região mais isolada do estado em

termos econômicos, o mesmo ocorrendo na Bolívia, pois, sempre foram vistos como

área de defesa. Constata que o desenvolvimento brasileiro se deu na costa do

oceano atlântico e da América espanhola no pacífico.

Lacerda também reflete sobre a importância da Bolívia para a integração

Sul-americana. Segundo sua análise, a Bolívia representa comercialmente muito

pouco para MT, mas a grande questão estratégica é que, por ser vizinha de países

como Paraguai, Argentina, Chile e Peru, todos os caminhos da América do Sul

passam pelo seu território, “e como a Bolívia não tem caminho é o grande gargalo

da integração e que empobrece todo mundo”

Com essa posição estratégica dentro do continente, a Bolívia tem um papel

importante e sem ela é impossível falar em integração do Centro Oeste Sul-

americano. Destaca, como Melo acima, que a região tem o potencial de 40 milhões

de habitantes e que essa população deve ser considerada como mercado

consumidor. Afirma que “a inteligência comercial do estado de MT não acordou

ainda”, para essa situação.

Ao falar do Centro Oeste Sul-americano, lembra que a ideia tinha como

objetivo maior criar um pólo de desenvolvimento na região e assim romper o

isolamento. Com essa proposta prioritária, o governo criou uma estratégia de

defender a saída para o Pacífico como sendo o mote, um discurso para que então

se pudesse obter a integração regional. Ou seja, a saída para o Pacífico não era a

verdadeira prioridade e foi usada como discurso do governo, que queria promover o

desenvolvimento do Centro Oeste Sul-americano.

Para ele a logística do Centro Oeste Sul-americano ainda é deficitária e não

ajuda a integração. Grandes cidades dentro da região como Cuiabá, Campo Grande

(Brasil), Santa Cruz de La Sierra (Bolívia), Salta (Argentina), por exemplo, não

possuem ligação aérea ou terrestre entre si. São todas cidades importantes para o

fortalecimento do Centro Oeste sul-americano. Essa situação torna ainda mais difícil

que a integração ocorra.

Lacerda se vê como um dos defensores e idealizadores da criação do

Centro Oeste sul-americano, e acredita que isso se deu principalmente por conta

das demandas da região em que viveu, ou seja, região de fronteira. Relembra que

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166

como senador participou de vários eventos em várias cidades divulgando as

potencialidades da região, mas como podemos perceber, o trabalho para a

consolidação é longo e ainda não se efetivou.

Outras ações, na tentativa de promoção da região, são mencionadas na

entrevista feita com Menezes, assessor especial do governador Dante para assuntos

internacionais. Como vimos no capitulo anterior, Menezes aborda a questão da

hidrovia Paraguai-Paraná, também conhecida como hidrovia do MERCOSUL e a sua

importância para a promoção do desenvolvimento e integração regional, destacando

fatores que impediram a sua concretização.

Em outro momento, Menezes, ao refletir sobre a economia do estado

afirmando que MT hoje é muito dependente dos produtos agrícolas e precisa buscar

alternativas para a implementação da cadeia produtiva, aponta a região envolvendo

os países vizinhos, como potencial compradora dos produtos com maior valor

agregado. Desta forma, o foco e a prioridade do estado não seriam o litoral

brasileiro, mais sim um comércio internacional com os países da América do Sul,

que poderia gerar mais desenvolvimento para MT.

Com o objetivo de promover e implementar o desenvolvimento econômico

na região, Menezes afirma que participou, acompanhando o governador Dante, de

várias reuniões no departamento de Santa Cruz, em províncias argentinas, com o

governo central boliviano, chileno e outros na tentativa de criar rotas comerciais e

implementar uma infraestrutura, que pudessem trazer benefícios para os envolvidos.

Como destacado no capitulo 2 desta tese, o Plano de governo Dante, deixa

explícita a vontade do então governador de promover a integração da região. São

inúmeras as passagens em que ele aponta para a necessidade de se buscar o

desenvolvimento sustentável para a região, a superação das diferenças sociais e da

pobreza.

O plano destaca problemas na questão dos transportes como sendo um dos

principais a serem superados, bem como a falta de uma cultura de intercâmbio nas

áreas culturais, turísticas e comerciais. A dificuldade no trânsito de passageiros

também era visto como um grande entrave à integração.

Dante já mostrava o interesse em viabilizar junto à União, verbas para

poderem ser investidas em estradas, ferrovias e hidrovias que pudessem assim,

criar rotas de exportação para MT. Não deixa de destacar ainda que a diversificação

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da matriz energética do estado era prioridade naquele momento e passava

necessariamente pela importação do gás boliviano.

É explicita a menção à integração Sul-americana em seu plano, que

inclusive contém um capítulo com esse tema, em que busca demonstrar a

necessidade de se intensificar as relações com países do MERCOSUL e Pacto

Andino, para assim, buscar um maior desenvolvimento econômico.

Apresentou ideias como o oferecimento de bolsas de estudos, para

incentivar a troca de experiência na área de ciência e tecnologia, criação de políticas

de incentivo ao turismo, à pavimentação e implementação de rodovias, à

desburocratização dos procedimentos de importação e exportação para incentivar o

comércio, entre outras.

A temática da integração e também da saída para o pacifico era tão forte

que ainda perdurou também no governo Maggi. Como vimos no Capitulo 3, em

várias passagens o governador apresenta a necessidade de integrar MT aos países

vizinhos, como sendo uma forma de gerar desenvolvimento para a região. Em vários

discursos defendeu a hidrovia Paraná-Paraguai e realizou a expedição Estradeiro,

como forma de estudar a viabilidade econômica da exportação de grãos pelos portos

do Pacífico. A defesa da importância da hidrovia ocorreu inclusive em uma viagem à

Argentina quando falou de seus benefícios para o desenvolvimento regional.

Conforme destaca reportagem abaixo:

O governador Blairo Maggi afirmou nesta quinta-feira (29.07), no seu segundo dia de visita à Argentina, que a hidrovia Paraná-Paraguai é a solução para o Mercosul. Em todos os lugares que visitou, Maggi ouviu dos argentinos que a hidrovia é a ligação comercial que falta para a integração dos países do mercado comum. A retomada das discussões sobre a hidrovia foi tema da audiência de Maggi com o governador da província de Buenos Aires, Felipe Solá, no início da noite desta quinta-feira. Também foi um dos principais temas tratados na audiência com o secretário de Agricultura, Pecuária e Pesca da Argentina, Miguel Campos. Além das autoridades políticas, diretores de indústrias interessadas na melhoria das relações comerciais entre os países, setores de grãos, maquinários e do turismo solicitaram o apoio do governador de Mato Grosso para a retomada das discussões. "Sou favorável à hidrovia desde que não sejam necessárias intervenções no leito dos rios. A Paraná-Paraguai é essencial para o Mercosul, porém precisamos utilizar a trafegabilidade natural dos rios para evitar danos ambientais", declarou Maggi

126.

126

Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=10835&sid=13>. Acesso em: 19 set. 2011.

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168

Sobre o Estradeiro comecemos com a opinião de Castro127, para quem a

expedição teve um misto de interesses privados e públicos por parte do governador

e padeceu pela falta de continuidade de ações planejadas e teve aí um dos

principais problemas para a sua não efetivação. Relembra que houve apenas um

Estradeiro internacional128, realizado em 2005. Segundo Castro, foi a tentativa de, in

loco, ver a possibilidade de se exportar a soja de MT pelos portos do Chile e Peru

para a China; ideia essa apresentada por Melo e Menezes ao então governador.

Para Castro essa era uma ideia romântica, a saída para o Pacífico, e não

tardou para o então governador perceber a sua inviabilidade econômica,

principalmente por dois fatores: a instabilidade política boliviana e a geografia

andina.

Os portos dos dois países são ótimos, principalmente os do Chile, mas não para a carga de grãos, não tinham condições de receber o volume de grãos que interessava aos produtores. Essa saída é romancista. O Blairo nesse momento não conhecia essa possibilidade e apostou, não só como empresário, mas também como governador. Era uma ideia que já havia sido amplamente debatida e aceita como viável pela sociedade. Considero uma visão romântica por ser uma missão complexa por conta de questões logísticas, políticas [...]. A Bolívia é um entrave, só para se ter ideia, de San Matias a Santa Cruz eram 22 trancas à época. Tranca é um cara que acha que tem que cobrar um imposto porque o Estado não está cumprindo o seu papel. Onde está a garantia jurídica? Do Estado de Direito? Não existe. Perde-se muito tempo. O sistema político é também complicado, os sindicatos são muito fortes principalmente depois do Evo em 2006. Como se faz negócio desse jeito?

129

Onofre Ribeiro130, mesmo acreditando no Centro Oeste Sul-americano e no

potencial consumidor da sua população, também tem uma visão semelhante sobre a

saída para o Pacífico:

Eu nunca apostei nessa saída para o Pacífico, por você ter ali os Andes. Mas você tem o mercado regional com uma população muito grande, deve

127

CASTRO, Jefferson de. É diretor financeiro da AGECOPA, agência criada pelo governador Blairo Maggi

para gerir a copa do mundo em Mato Grosso. Foi responsável pelo Escritório de Representação de MT em

Brasília e Assessor na Secretária de Assuntos Estratégicos no Governo Maggi. Entrevista concedida em: 1º ago.

2010. 128

Outros foram feitos pelo governador Maggi dentro do estado como forma de verificar os problemas,

necessidades e pleitos das várias regiões mato-grossenses. 129

CASTRO, Jefferson de. Entrevista concedida em: 1º ago. 2010. 130

RIBEIRO, Onofre. É jornalista e analista político em MT. Atualmente é Secretário Adjunto de Comunicação.

Concedeu a entrevista e: 22 jun. 2011.

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ser uns 40 milhões de habitantes. Eu acredito na ideia de complementaridade comercial do Centro Oeste Sul-americano, integração comercial. P. ex. a Bolívia tem muito sal que pode alimentar o nosso gado. Hoje a saída para o pacífico é inviável para nós. Nós temos outras possibilidades em termos de logística para exportar. Absolutamente impossível levar produtos em grandes carretas pelos Andes.

Vejamos abaixo, um breve relato feito pela secretaria de Comunicação sobre

o Estradeiro internacional:

Estradeiro 4 - Após três experiências bem-sucedidas em missões de trabalho, a comissão organizadora da Expedição Estradeiro 4 está concluindo os preparativos da viagem internacional, que será realizada entre os dias 22 janeiro e 1º de fevereiro de 2005. A comitiva, formada por empresários e autoridades, mais uma vez, será liderada pelo governador Blairo Maggi, e percorrerá três países: Bolívia, Chile e Peru. O objetivo da expedição é identificar os problemas de logística e barreiras administrativas que possam estar emperrando um maior desenvolvimento das relações comerciais do Estado com os três países vizinhos. Eixo de integração intra-regional, a saída para o Pacífico através da Bolívia intensifica as relações comerciais com Mato Grosso. De olho nesse marcado, representantes de diversos setores econômicos do Estado, como os de carnes, algodão, grãos, açúcar e álcool, madeira, turismo, produtos plásticos e até da indústria metal-mecânica, além de dirigentes de diversas instituições públicas e privadas, integrarão a comitiva que cortará a Bolívia até chegar aos portos do Peru e do Chile, já no Oceano Pacífico, de onde é possível alcançar importantes mercados consumidores do mundo oriental. Só para a Bolívia, em 2003, Mato Grosso vendeu US$ 29,8 milhões em soja, algodão e açúcar, entre outros produtos, e importou US$ 56 milhões do país vizinho. No trecho a ser percorrido, empresários mato-grossenses e Governo, além de estabelecer relações com o comércio fronteiriço, vão divulgar as potencialidades do Estado. Soja, milho, arroz, algodão, açúcar, carnes bovina e suína, aves, couro, madeira e frutas, entre outros produtos, são alguns produtos que Mato Grosso tem para vender. No contexto do comércio bilateral, além do gás natural, a Bolívia oferece fertilizantes, sal, farinha de peixe, cobre, zinco, vinhos, cervejas, frutos do mar, alho, cebola, orégano, azeitonas e azeite, além dos serviços portuários

131.

A expedição contou também com a participação e apoio dos representantes

de Peru, Bolívia e Chile no Brasil, respectivamente embaixadores Hernán Couturier,

Edgar Omiste Camacho e Osvaldo Puccio Huidobro, bem como, com apoio do

Ministério de Relações Exteriores do Brasil.

Os embaixadores dos três países a serem percorridos também devem integrar a comitiva. O embaixador do Peru, Hernán Couturier, já confirmou a presença e nesta quarta-feira (17.11) o secretário de Ação Política, Louremberg Rocha, se reunirá em Brasília com o embaixador do Chile, Osvaldo Puccio Huidobro, para organizar a passagem da expedição por

131

Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=13716&sid=13>. Acesso em: 19 set. 2011.

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170

aquele país. À tarde, Rocha será recebido pelos embaixadores brasileiros, Rubens Barbosa e Pedro Bretas, no Itamaraty. Funcionários do Departamento América Meridional 1 e 2, departamentos Cultural, Comercial e da Assessoria Especial de Assuntos Federativos do Itamarati também participarão da reunião que vai finalizar o planejamento da Expedição Estradeiro 4. "Os embaixadores já demonstraram que acreditam na importância deste estradeiro, pois estamos buscando uma integração internacional", observou o secretário

132.

Segundo fala do governador Maggi, “o Brasil esteve voltado exclusivamente

para o Atlântico nos últimos 500 anos e, de costas para os Andes, Mato Grosso

ainda não descobriu os mercados da Bolívia, Chile e Peru”133. Superar esse

distanciamento histórico, bem como, as dificuldades impostas pela geografia eram

os grandes desafios da expedição que deveriam ter sido superados para a

implementação de uma rota comercial.

A comitiva liderada pelo governador chegou a La Paz por volta das 14h locais (15h de Mato Grosso). Foram cerca de sete horas de estrada, a partir de Cochabamba, num trajeto de 380 quilômetros pela Cordilheira dos Andes. Durante o trajeto, houve três paradas técnicas, a primeira quando se atingiu a altitude de 4.102 metros. Algumas pessoas sentiram uma leve tontura, mas não houve maiores contratempos. Durante o trajeto pela cordilheira, onde a altitude mais alta situa-se a 4.501 metros, a expedição passou por dois deslizamentos das encostas, que obstruíram a pista do lado contrario. A 104 km de La Paz, moradores de um pequeno povoado estavam fazendo uma manifestação e colocaram pedras na rodovia. Mas, graças à interferência da Policia Militar boliviana, a comitiva pôde seguir sem maiores problemas. As pedras foram colocadas num trecho aproximado de dois quilômetros antes do povoado. Já na localidade, os carros fizeram um pequeno desvio ao lado da rodovia para evitar outro trecho de 300 metros, onde havia muitas pedras

134.

Apesar de toda a movimentação provocada pela expedição Estradeiro,

vimos que a ideia de criação de uma rota comercial não se efetivou. Foram inúmeras

as manifestações de empresários, políticos, organizações de classe em favor da

integração e também dos seus benefícios. Mas como já mencionado anteriormente,

devido à falta de implementação dos protocolos assinados, da continuidade das

ações estabelecidas e também da falta de um corpo técnico capacitado para auxiliar

a implementação dos projetos, a ideia não foi adiante.

132

Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=13716&sid=13>. Acesso em: 19 set. 2011. 133 Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=13716&sid=13>. Acesso em: 19 set. 2011. 134

Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=13716&sid=13>. Acesso em: 19 set. 2011.

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Ideias135 como a criação de um fundo para o asfaltamento de estradas na

Bolívia proveniente da venda de gás da Bolívia para Mato Grosso,

desburocratização dos procedimentos para a exportação entre os países envolvidos,

rompimento de barreiras comerciais, melhora e construção de infraestrutura que liga

a região, protocolos de incentivo à cultura, ao turismo, ao intercambio cientifico. Na

oportunidade Maggi conseguiu também o comprometimento do presidente boliviano

no sentido de facilitar o trânsito para MT e também os entraves burocráticos, sempre

com o objetivo de promover o fluxo na fronteira.

O Governo boliviano vai rever problemas burocráticos que emperram as relações comerciais com Mato Grosso, garantiu o presidente do País, Carlos Mesa Gisbert, em audiência com o governador Blairo Maggi, na noite desta terça-feira (14.02). No próximo mês, uma missão oficial irá rever problemas burocráticos como a aduana única, retirada de "trancas" e livre acesso de bolivianos sem necessidade de passaporte. "Nessa parte burocrática, o presidente foi bastante sensível e nós mostramos a ele que temos muitas possibilidades de negócios entre os dois países, e que se nós não tirarmos essa burocracia não vai acontecer. Mesmo sem o asfalto, é possível transitar. Nós vimos que a estrada tem condições. Agora, com essa burocracia, fica impossível de se fazer", disse o governador. Segundo Blairo Maggi, Mesa classificou de "absurdo que isso ainda aconteça". "Eu acredito que o presidente vai tomar as decisões necessárias e se comprometeu, nos dias 3, 4 e 5 de março, enviar uma missão de alto nível para ver qual é a tarefa da Bolívia para que a gente possa resolver esse problema", disse Maggi. A burocracia, garantiu o presidente ao governador, não será empecilho para as relações comercias. "Começamos a discutir essas questões, como, por exemplo, diminuirmos as burocracias entre as nossas alfândegas, uma vez que nós queremos que turistas mato-grossenses venham para a Bolívia, e queremos bolivianos por lá também", informou o governador

136.

Abaixo temos a fala do governador Maggi, durante a viagem, em que

começa a visualizar a dificuldade de se transportar os grãos para exportação pelos

portos do pacífico, tendo em vista a geografia da Cordilheira, e a necessidade de

focar os trabalhos na promoção da integração com a Bolívia.

CORDILHEIRA – Em relação à saída para o Pacífico, assinalou Maggi, as propostas de comércio têm que ser revistas, conforme observa ele, no quarto dia da expedição. "Nós não acreditamos que para produto de soja isso seja interessante, uma vez que estamos muito longe. De Cuiabá para

135 Disponível em:

<http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=14250&sid=13>;

<http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=14252&sid=13>;

<http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=14259&sid=13>. Acesso em: 20 set. 2011. 136 Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=14253&sid=13>. Acesso em: 20 set. 2011.

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chegar aos portos do Sul, são 1,8 mil quilômetros. E até aqui (Bolívia), temos dois mil quilômetros a fazer e temos os inconvenientes da Cordilheira dos Andes. Mas, não é isso que nos traz aqui", disse o governador. "O que nós queremos é ter uma oportunidade de podermos vender produtos elaborados e semielaborados para a Bolívia e queremos comprar da Bolívia produtos que, às vezes, nem se fazem aqui, mas que tem um potencial muito grande - como, por exemplo, frutas. Todas as frutas consumidas em Mato Grosso vêm do Sul do Brasil e podem muito bem sair daqui (Bolívia) para Mato Grosso. Há oportunidades de negócios para todos. Precisamos é começar a trabalhar e diminuir a burocracia que existe e que impede que as pessoas transacionem negócios", completou. Uma aproximação do Brasil com a Bolívia pode ocorrer com a execução de políticas públicas e obras de infraestrutura, avaliou o embaixador do Brasil na Bolívia, Antonino Mena Gonçalves. O intercâmbio, segundo o embaixador, vai ocorrer a partir dos contatos que estão sendo mantidos. "Temos que utilizar a ligações com o Brasil, que, inexplicavelmente, não existem até agora, apesar dessa proximidade", disse o embaixador

137.

Em outro momento Maggi apresenta a sua visão sobre os portos que

encontrou na expedição. Em resumo afirma que são portos modernos, mas que não

teriam condições de escoar toda a produção de MT.

Nenhum dos portos visitados no Peru e no Chile tem condições de atender a demanda de exportação do Brasil. Faltando ainda visitar o porto de Iquique, última cidade a ser visitada no Chile neste sábado (19.02) pela Expedição Internacional Estradeiro 4, antes do retorno via Bolívia, o governador Blairo Maggi anunciou esta conclusão depois de visitar na tarde de sexta-feira (18.02) o Consórcio Portuário Arica (CPA). Na companhia de secretários de Estado, empresários, autoridades de Arica e de Tacna (Peru), distante 53 quilômetros, Maggi e comitiva, integrada por secretários de Estado, empresários, deputados se dirigiram em dois ônibus para até o terminal. "Se um produtor mato-grossense decidisse hoje mandar 20 mil ou 30 mil toneladas de soja, com certeza não vai ter condições de fazer esse embarque", disse o governador. Para Maggi, o porto é bom, porém é necessário muito investimento para torná-los aptos a receber futuramente mercadorias brasileiras. O primeiro porto visitado no Peru, em Matarani, é mais estruturado, mas eles não têm condições de receber maior demanda. A soja boliviana, procedente principalmente de Santa Cruz de la Sierra, chega ensacada, depois tem que ser desensacada para ser colocada nos navios. O governador explicou aos dirigentes do porto, que é privado, a necessidade de resolver o problema das estradas, que tem o ponto mais complicado na Bolivia no trecho não pavimentado de 450 quilômetros entre San Mathias e Concecepcio. Mas mesmo que as estradas estivessem em boas condições, a conclusão de Maggi é que atualmente os portos visitados não têm estrutura para recebimento de mercadorias brasileiras. No Brasil, o sistema utilizado nos portos é todo informatizado, o que não acontece nos portos peruanos e chilenos. "Isso custa muito caro. Para utilizar estes portos há que se fazer muitos investimentos em estradas, nos portos e em estrada de ferro", avaliou

138.

137

Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=14253&sid=13>. Acesso em: 20 set. 2011. 138 Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/imprime.php?cid=14332&sid=13>. Acesso em: 20 set. 2011.

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E assim, diante das constatações da expedição Estradeiro 4, acabou

qualquer vontade política mais efetiva de se buscar a saída para o Pacífico e, a

nosso ver, a integração do Centro Oeste Sul-americano. Segundo Sérgio Romani139,

a saída para o pacífico “é vista como uma possibilidade, mas não como realidade. O

foco hoje do governo é o transporte ferroviário e é nesse sentido que é feito o maior

trabalho”.

De se destacar também a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional

da América do Sul (IIRSA), idealizada pelo governo federal Brasileiro, o programa,

como o próprio nome diz tem uma preocupação em criar e desenvolver uma

infraestrutura especialmente nas áreas de transporte, energia e comunicação Em

doze países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai,

Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.

No contexto das comemorações dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil, por iniciativa do então presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo brasileiro promoveu, em Brasília, nos dias 31 de agosto e 1 setembro de 2000, uma reunião de todos os presidentes dos doze países da América do Sul. Foi nesse evento de caráter histórico e pioneiro no continente, que os presidentes tomaram conhecimento do Plano de Ação da IIRSA, que contém sugestões e propostas para, em um horizonte de dez anos, ampliar e modernizar a infraestrutura física da região, em especial nas áreas de transporte, energia e comunicação. Numa decisão histórica os presidentes dos doze países soberanos da América do Sul recomendaram a adoção do plano de ação multilateral, que, pela primeira vez na história, envolve todos os países do continente (SAMPAIO 2008. p. 221).

Sampaio (2008) destaca que após os países detectarem os temas como

democracia, comércio, a questão das drogas ilícitas e dos delitos a ela relacionados;

a questão da informação, do conhecimento e da tecnologia e da infraestrutura de

integração, como sendo prioridades é que a IIRSA baseou-se para implementar

eixos regionais de integração, “com o objetivo de estimular a organização do espaço

sul-americano, a partir da continuidade geográfica, da identidade cultural e dos

valores compartilhados, contribuindo para a construção de uma espaço de

prosperidade na região” (p. 226). Para tanto focou seus trabalhos na promoção de

uma integração nas questões envolvendo energia, transporte e telecomunicação.

A importância de falarmos sobre a IIRSA neste momento, mesmo não sendo

ela objeto de nosso estudo, é para mostrar que as questões envolvendo a

139

ROMANI, Sérgio. Romani foi Superintendente da Indústria na Secretaria de Indústria Comércio e Mineração

no governo Maggi e atualmente ocupa a mesma função. Entrevista concedida em: 1º jun. 2011.

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infraestrutura de logística e transporte na região do Centro Oeste Sul-americano é

deficitária o que dificulta a integração regional; Parte do Centro Oeste Sul-americano

é contemplado com o eixo Inter oceânico Brasil - Bolívia - Peru - Chile previsto pela

IIRSA, que deveria fazer a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico.

Partindo do porto de santos, em São Paulo, e do porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro, o eixo adentra para o interior do Brasil através do estado de São Paulo, em Mato Grosso do Sul, passando por Campo Grande e Corumbá e, adicionalmente, cortando Mato Grosso, por Cuiabá e Cáceres; saindo de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso entra na Bolívia, respectivamente, pelas cidades de Puerto Soares e San Matias, seguindo para Santa Cruz de La Sierra, Cochabamba e La Paz; da Bolívia, o eixo prossegue em direção aos portos de Matarani e Ilo, no Peru e, Arica e Iquique, no Chile (SAMPAIO 2008. p. 231).

Por fim, o autor destaca que é através da viabilização da infraestrutura que a

América do Sul poderá se tornar um “espaço comum de paz, democracia, e

cooperação para o desenvolvimento econômico e socioambiental” (SAMPAIO, 2008,

p. 233). Aqui, mais uma vez aparece a importância da Bolívia, por estar em posição

geográfica estratégica no centro do continente Sul-Americano e que por isso, tem o

potencial de “desempenhar um importante papel de integrador e facilitador dos

transportes e do comércio entre os países do seu entorno” (SAMPAIO, 2008, p.

233).

Para ele, a realidade boliviana é um fator que impõem alguns limites ao

projeto de integração, pois é o país mais pobre da América Latina, com cerca de

70% da sua população vivendo na linha de pobreza ou extrema pobreza, com sérios

problemas estruturais e sociais. Desta forma a IIRSA busca o reconhecimento de

segmentos da população e se mostrar como um meio para melhorar a condição de

vida e diminuir as desigualdades sociais do país.

A Bolívia, apesar de todas as dificuldades, conclui Sampaio,

tem fundamental importância para a circulação de pessoas e mercadorias dos diversos países no continente, tendo uma importância estratégica particular para o Brasil, por ser a via preferencial para conectar o Centro

Norte brasileiro à costa do Pacífico (SAMPAIO, 2008, p. 233).

Importante destacar que, mesmo diante desta constatação, ainda hoje a

Bolívia passa por momentos de grande instabilidade. Recentemente uma estrada

ligando as regiões de Beni e La Paz, que passa pelo Parque Nacional e Território

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Indígena Isiboro Sécure e que conta com financiamento do BNDES, foi interrompida

pelos indígenas. A obra, tida de grande importância, ainda está interrompida com a

alegação de que provocará grande impacto ambiental na região.140

Em compensação, a Bolívia, apesar de toda a instabilidade dentro do seu

território, é um país onde MT ainda envida esforços para estabelecer laços mais

efetivos e duradouros. Isso se deve, principalmente, ao fato de que MT é

consumidor do gás ali produzido. Vejamos agora as várias opiniões de pessoas, que

de uma forma ou de outra, trabalharam para construir e fortalecer a relação de MT

com esse país.

Primeiro, cabe lembrar que, além da questão envolvendo o gasoduto, já

falamos também de dois projetos importantes que foram implantados no governo

Dante e perduram até os dias de hoje. Primeiro o combate à febre aftosa e segundo

o GEFron que ajudam a manter vivas as relações entre a Bolívia e MT.

Retomemos a entrevista de Marcio Lacerda141, citada acima. Para ele duas

visões que imperam atualmente devem ser superadas, pois dificultam o

desenvolvimento de MT. A primeira é o fato de que a sociedade tem a percepção de

que as ações internacionais são de exclusividade do governo federal, o que

impediria, por exemplo, que empresários, políticos e o próprio governo estadual

ajam no cenário externo buscando maior aproximação com outros países.

O outro fato desponta como sendo uma preocupação em tom de alerta, qual

seja, “MT tem que despertar para essa nova realidade, de apenas exportar a matéria

prima e não implementar a cadeia produtiva, sob pena de não romper a pobreza”.

Aqui chama a atenção para o fato de que o estado não pode ficar dependente das

exportações de commodities, que estão todas nas mãos das tradings.142 Nesse

sentido, Lacerda afirma que MT, ao contrário do que pode parecer, não está no

controle comercial da situação, mas sim à disposição dos interesses das

multinacionais. “A soja é 100% exportável, não paga imposto (ICMS), mas demanda

estrada, armazém, energia, ou seja, o estado fica onerado por ela. [...]. Neste ponto

nós somos vistos como um quintal de produção”.

140

Estrada com financiamento brasileiro na Amazônia boliviana é alvo de protesto. Disponível em:

<http://noticias.uol.com.br/bbc/2011/08/16/estrada-com-financiamento-brasileiro-na-amazonia-boliviana-e-alvo-

de-protesto.jhtm>. Acesso em:18 ago. 2011. 141 LACERDA, Marcio. Lacerda foi senador e vice-governador no primeiro governo Dante. Entrevista ocorrida

em: 4 ago. 2011. 142

A principais são Amaggi, Bungue, Cargil e ADM

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Lacerda não tem dúvidas ao afirmar que um dos possíveis caminhos para a

aproximação de outros países é a diversificação na pauta de produtos exportados

por MT.

Ao ser questionado sobre o assunto do gás da Bolívia, relembra que ele,

então senador, esteve naquele país com o Ministro Stepanenko143, em momento em

que o então presidente Sanchez de Lozada144 encontrava dificuldades para cumprir

uma promessa de campanha, qual seja: levar o gás para a região da Bolívia que

ficava na fronteira com MT. O então presidente teria detectado que a região não

teria demanda para comportar o investimento para a implantação do gasoduto, ação

necessária para cumprir a sua promessa. Nesse momento “eu falei que era do outro

lado da fronteira e que tinha a demanda necessária para a instalação do

gasoduto”145. E assim, “o ministro Alexis Stepanenko assinou um termo de

compromisso com o governo boliviano, assumindo a responsabilidade de realizar

estudos técnicos sobre a real demanda do gás”146.

Lacerda lembra que depois da eleição do governador Dante, a Enron,

empresa americana de energia que já operava na Bolívia, o procurou para que ele

pudesse viabilizar o termo de compromisso assinado pelo então Ministro, para

detectar o potencial de demanda energética do nosso lado da fronteira.

Sendo assim, continua Lacerda, “Dante, que não estava sabendo dessa

situação me consultou e eu relatei o encontro na Bolívia. Depois de me ouvir, Dante

se reuniu com Fernando Henrique Cardoso que despachou em cima da cópia da

carta de intenção, para o Itamaraty, para formar um grupo de trabalho junto com o

Ministério da Infraestrutura e a Petrobras para estudar a viabilidade econômica do

projeto”.

Depois de muitas dificuldades, criadas inclusive pela própria Petrobras, no

sentido de impedir a construção do gasoduto147 que traz o gás para Cuiabá, “nós

conseguimos viabilizar a construção do gasoduto junto a Enron, que já tinha

143

Foi ministro chefe da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República, no

governo Itamar Franco. 144

Presidente boliviano em dois momentos. Primeiro agosto de 1993 à agosto de 1997. Segundo de agosto de

2002 à outubro de 2003. 145

LACERDA, Marcio. Lacerda foi senador e vice-governador no primeiro governo Dante. Entrevista ocorrida

em: 4 ago. 2011. 146 Ibidem. 147

Atualmente o gasoduto tem 643 Km de extensão e sai da cidade de Chiquitos, na Bolívia, passando por San

Matias e Cáceres e chega à Cuiabá.

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negócios de transporte de gás na Bolívia, e assim MT conseguiu um grande salto,

finaliza”.

Em paralelo a construção do gasoduto, a Eletronorte (Centrais Elétricas do

Norte do Brasil) publicou uma licitação internacional na modalidade de menor preço

buscando a implantação de uma usina de geração de energia em Cuiabá. A

intenção era suprir a demanda pela energia no estado, que, naquele momento,

importava de outras unidades federativas. A Empresa Produtora de Energia

(EPE)148, com nome fantasia de Pantanal Energia, venceu o processo e construiu

então a Termelétrica Mario Covas149, que entrou em funcionamento em agosto de

2001.

Questionado sobre se existia alguma diferença entre o governo boliviano e o

mato-grossense, Lacerda diz que não. Destaca que o problema de relacionamento

se deu com a Enron e que começaram a ocorrer quando empresa divulgou seus

problemas financeiros e posterior falência150 “o governo boliviano confiscou o duto

por onde o gás era transportado. Assim o problema da Bolívia não era com o

governo, mas com a Enron”. Nesse momento a termoelétrica se viu prejudicada,

sem poder contar com o seu principal insumo. Entre idas e vindas o fato é que

apenas agora, 27 de setembro de 2011, a termoelétrica vai conseguir gerar energia

de forma constante, graças à intervenção da PETROBRAS junto ao governo

boliviano, que viabilizou o fornecimento constante do gás151.

Atualmente, afirma Lacerda, não temos mais dependência da termoelétrica,

“depois da construção da Usina hidroelétrica do rio Manso e de várias Pequenas

Centrais Hidrelétricas (PCHs), MT tem excedente de energia”.

O ex-governador Rogério Salles152, ao comentar a questão da termoelétrica,

reitera a fala de Lacerda, e afirma que a prioridade do governo na busca pela

148

A EPE naquela oportunidade era um empresa que tinha como sócios a Shell e a Enron, cada uma com 50% do

capital. Informações no Jornal Diário de Cuiabá do dia 16/09/2003. 149

Informações em: <http://www.24horasnews.com.br/index.php?tipo=ler&mat=386544>. Acesso em 5 ou.

2011. 150

Os primeiros problemas foram divulgado no fim de 2001, quando em dezembro o Congresso Americano

passa a investigar o caso. Informações em:

<http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/2006/07/05/ult35u48298.jhtm>. Acesso em:5 out. 2011. 151

Fontes <http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=399838> e

<http://www.pantanalenergia.com.br/framestructure.asp?company.asp>. Acessos em 5 out. 2011. 152

SALLES, Rogério. Entrevista concedida em: 21 fev. 2011.

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implantação dela era fazer com que se “tornasse uma alternativa para evitar o

colapso no fornecimento de energia elétrica em Mato Grosso e como forma de

viabilizar a industrialização de nosso estado”, e por consequência natural,

“representar mais um laço de integração com a Bolívia [...]”.

Negociador importante do governador Blairo Maggi, nas questões

envolvendo o gás boliviano, Castro destaca a visão do então governador Dante e

suas ações que resultaram na construção da usina termoelétrica em MT, uma vez

que ela colocou MT no que chama de radar da área petrolífera. Na sua concepção

tudo caminhava bem até que, com a eleição de Evo Morales, em janeiro de 2006, as

relações ganham novos contornos. Para ele o discurso de que os brancos são

europeus exploradores (feito por Morales), não contribuiu em nada para uma boa

relação entre as partes. Assim, fica a leitura de que Morales era o grande fator de

desequilíbrio nas relações entre MT e Bolívia. Perceba que ele não fala da falência

da Enron, em 2001, como fator de desequilíbrio nas relações comerciais e políticas

envolvendo a Bolívia e Mato Grosso.

A ascensão de Morales à presidência vem acompanhada de uma série de

medidas e fatos polêmicos que ocorreram como a lei que nacionalizou refinarias,

postos e distribuidores de petróleo, em primeiro de maio de 2006; mudança na

Constituição boliviana e também o conflito com o departamento de Santa Cruz,

governado por Rubén Costas, que por conta das ações presidenciais, declarou o

departamento de Santa Cruz como autônomo. Lembremos que em 12 de setembro

de 2008, a fronteira da Bolívia com MT chegou a ser fechada pelos bolivianos.

Ao assumir as negociações para a retomada do fornecimento do gás para

MT, interrompida em 2006, Castro traça a estratégia de se aproximar do governo

central boliviano, em detrimento de relações mais intensas com o departamento de

Santa Cruz, segundo ele o motor econômico da Bolívia.

Para ele, a visão de Morales é de que o Brasil é o grande explorador de

suas riquezas, assim como os EUA e que por isso teria rompido as relações

comerciais com a PETROBRAS. Essa percepção ganha força uma vez que também

é respaldada pelo presidente venezuelano Hugo Chavez. Castro não hesita em dizer

que “Hugo Chavez deu respaldo para a Bolívia romper com o Brasil”.153

153

Para Castro essa percepção de Evo não dura muito, pois, este detectou que a PDVSA não tinha condições de

manter os investimentos técnicos e econômicos feitos pela PETROBRAS na Bolívia. Essa mudança na visão de

Evo foi um dos fatores que teriam ajudado a reaproximação da PETROBRAS.

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A sua maior missão era construir uma boa relação com o Presidente

Morales, que pudesse fazer com que a MT Gás154 continuasse desempenhando o

seu papel estratégico dentro do estado. Trabalho árduo, uma vez que as relações de

MT eram mais intensas com o departamento de Santa Cruz, responsável por 40%

das riquezas bolivianas, e opositor ao governo central boliviano, segundo Castro. O

governante Rubén Costas era amigo do governador Maggi e seu vice Silval.

Depois da ascensão de Evo, segundo Castro, a ideia que imperava na

estatal boliviana de petróleo, Yacimentos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) era

de que a empresa MT Gás e a Termoelétrica Mario Covas eram a mesma coisa.

Essa visão equivocada dificultou a retomada do fornecimento regular de gás para

MT, que começou a ocorrer em agosto de 2006.155

Desta forma a estratégia criada por Castro foi esclarecer e separar o que era

a MT Gás e o que era a empresa privada dona da termoelétrica. Essa ação foi

importante para que Evo passasse a ver de forma clara quais eram os interesses de

MT e da EPE. Questionado se havia diferenças entre o presidente Evo e o

govenador Maggi, que dificultaram a relação comercial, Castro afirma que apenas

por parte de Evo, uma vez que além da admiração nutrida por Maggi com relação ao

presidente, o governador ainda acreditava que o preço de gás contrato era muito

aquém do mercado e que de fato mereceria uma revisão contratual.

Castro destaca que MT participou de um grande número de reuniões com

representantes da Bolívia e também autoridades brasileiras, lembra-se da

participação de representantes da EPE, PETROBRAS, do Itamaraty e do ministro de

154

Fonte: <http://www.mtgas.com.br/mtgas/index.asp?cod=7>. Acesso em: 5 nov. 2011.

A MTGás tem como objetivo social e exploração, com exclusividade, do serviço público de distribuição de gás

natural ou manufaturado canalizado. Pode também explorar outras formas de distribuição, inclusive comprimido

ou liquefazendo, de produção própria ou de terceiros, nacional ou importado para uso comercial, industrial,

residencial, automotivo, em geração termelétrica ou qualquer uso possibilitado pelo avanço tecnológico no

território do Estado de Mato Grosso. A Companhia é responsável pela implantação e operação das redes de

distribuição, estações ou unidades de armazenamento, regulagem, liquefação e regaseificação de gás em todo o

Mato Grosso. A criação da MTGás atendeu à determinação do Governo do Estado de expandir o uso do gás

natural de maneira eficiente, segura e econômica, oferecendo uma alternativa energética viável e competitiva,

que assegure a qualidade dos bens produzidos, promovendo a preservação do meio ambiente e contribuindo para

o desenvolvimento da matriz energética do Estado.

155 Desde o dia 24 de agosto, quando a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) -- a estatal

boliviana de petróleo -- determinou o a suspensão no fornecimento de gás natural ao Estado, a EPE só recebeu

gás no dia seguinte, mas em um volume 10% inferior ao que está contratado com uma empresa daquele país que

é de 2,1 milhões de metros cúbicos/dia (m³). Fonte: Jornal Diário de Cuiabá. Edição nº 11615 de 13/09/2006.

Acesso em: 6 nov. 2011.

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Minas e Energia Silas Rondeau156. Nessas reuniões a pauta principal quase sempre

girava em torno do decreto de nacionalização do gás boliviano que provocou a

ocupação das usinas da PETROBRAS, em maio de 2006, e afetou diretamente o

fornecimento de gás para MT. Castro lembra que como representante do governo de

MT, se mantinha neutro sempre que o assunto se voltava para a EPE e que por

conta dessa neutralidade, em não defender os interesses privados, a Bolívia nunca

deixou MT totalmente sem gás, o que possibilitou ao governo manter uma oferta

constante para a empresa de alimentos SADIA e para os taxistas da região

metropolitana de Cuiabá, naquele momento os grandes prejudicados pela situação.

Na divisão do público e privado representado respectivamente pela MT Gás

e EPE157, bem como a aproximação do governo central boliviano, foram estratégias

acertadas, segundo Castro; primeiro porque mostrou que MT não tinha prioridade

em defender os interesses da EPE, mas sim os da população mato-grossense; e

segundo porque o controle a YPFB era todo feito por indicados pelo governo central,

o que significa dizer que o departamento de Santa Cruz não tinha nenhum poder de

decisão na estatal.

Castro afirma que a reaproximação fez com que MT firmasse um contrato

direto de fornecimento entre a MT Gás e YPFB, o que permitiu, ao menos

temporariamente, o fornecimento para posterior distribuição da empresa estatal. O

discurso construído por Castro, nesse momento, segundo ele mesmo aponta, teve

forte apelo social, na medida em que tentou sensibilizar o governo boliviano de que

a MT Gás não visava ao lucro, mas sim a atender uma demanda reprimida formada,

além dos taxistas, por hospitais, padarias e pela população mais carente.

Para Castro “a termoelétrica vai ter seu problema resolvido quando a

PETROBRAS encampá-la. Afirma ainda que ela teve seu relacionamento

prejudicado porque o ódio é grande do boliviano contra a empresa privada. O Evo

tem um discurso forte e ideológico para uma população com índice baixo de

educação e cultura”. Previsão essa que acabou ocorrendo em outubro de 2011

quando a PETROBRAS arrendou a termoelétrica, conforme mencionado acima.

156

Ministro de Minas e Energia no governo Lula entre julho de 2005 a maio de 2007. 157

Neste momento a Enron já não mais existia. A Ashmore, depois de comprar a Prisma Energy International,

holding que reunia os ativos da Enron, em abril de 2006, passa a ser sócia da Shell na termoelétrica. Mais

informações vide Jornal Diário de Cuiabá edição n. 11528, 30/05/2006. Acesso em: 10 out. 2011.

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Assim, apenas agora a questão do fornecimento de gás para MT se

estabiliza. Neste novo cenário o papel da PETROBRAS é de grande importância, na

medida em que é ela, contratualmente, quem fornece o gás para ser distribuído em

MT.

Castro finaliza dizendo que os planos para a MT Gás é torná-la uma

empresa capaz de distribuir gás para todo o centro oeste e desta forma abrindo uma

“grande oportunidade para o estado de MT no cenário de energia”. Para tanto ele

desenha uma nova empresa que seria uma “parceria tripartite, com os seguintes

sócios: YPFB, MT-Gás e 1 empresa privada, que poderia ou não ser a EPE”.

Ao ser perguntado sobre qual a sua liberdade para agir em questões

internacionais, Castro afirma que quando esteve na Casa Civil “tinha trânsito livre

em todas as secretarias do estado e que todo o relacionamento diplomático do

estado teve a sua participação”. Esse trabalho continuou quando ele foi para o

escritório de representação de MT em Brasília.

Particularmente sobre a questão envolvendo o gás, percebemos dois

diferentes momentos críticos que afetaram o estado de MT. O primeiro foi a

decretação da falência da Enron em 2001 e, depois, a medida de nacionalização do

petróleo e derivados feita por Evo em 2006. Em ambos os casos entendemos que as

ações de MT para enfrentar referidas situações sempre estiveram a reboque dos

acontecimentos. Na primeira situação, serviria de justificativa o fato de a falência

estar sendo discutida nos EUA, sede a empresa, mas em momento nenhum, algum

representante de MT foi enviado para sequer obter informações sobre qual seria o

encaminhamento da situação que estava criada, muito menos qual o destino dos

investimentos e empreendimentos feitos em MT.

Na segunda situação, mesmo com a participação direta de um negociador

representando MT em várias reuniões, podemos perceber que MT sempre esteve

em um segundo plano nas negociações, e que essas, sempre se davam em nível de

governo federal. Mesmo assim, não podemos deixar de constatar que o simples fato

da existência de alguém representando MT demonstra um avanço no

posicionamento do estado de MT em suas ações internacionais. Assim, mesmo não

sendo protagonista, MT demonstrou, aparentemente, perspicácia para defender

seus interesses.

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Vejamos agora a visão de Ribeiro158 sobre a Bolívia. A sua análise aborda

vários aspectos, como veremos. Destaca que na região da fronteira, em particular na

cidade de Cáceres, MT sempre teve uma grande ligação cultural com a Bolívia.

Afirma que “MT tem uma contaminação de visão exterior que outros estados não

tem”, ou seja, a existência da fronteira faz com que MT tenha obrigatoriamente que

ter, mesmo que pouco significante, um olhar para o externo.

Chama a atenção para o fato de que as discussões feitas pelo governador

Dante começaram ainda no governo de Carlos Bezerra159. Para ele os irmãos

Marcio Lacerda e José Lacerda seriam responsáveis pela aproximação com a

Bolívia. Lembra que essa aproximação com a Bolívia ganhou força naquele

momento porque a FIEMT apoiou a iniciativa, uma vez que o governo Dante não

tinha forças para levar adiante uma reaproximação, que vinha do governo Bezerra,

com o país vizinho.

Ainda no governo Dante, Ribeiro lembra que no fim do mandato, “houve um

encontro promovido pelo poder legislativo boliviano em San Matias para discutir

fronteira”. Destaca que naquele momento “as lideranças consolidadas, na região

como o poder legislativo, algumas instituições, universidades, associações

comerciais estavam interessadíssimas numa ordem na fronteira, porque eles têm

essa visão legalista da fronteira”. Lembra também que MT sempre teve uma

proximidade e boa relação com o departamento de Santa Cruz. Mas que “do

estradeiro para cá as ações foram mais de repressão do que de aproximação. Hoje

tem uma ligação (asfalto) entre Santa Cruz – Corumbá (MS), com isso MT está

perdendo a ligação com Santa Cruz”.

Ao ser questionado sobre as possibilidades de se intensificar as relações

comerciais com a Bolívia Ribeiro é taxativo: “É muito complexo construir uma relação

comercial de nação com a Bolívia, isso poderá ocorrer por Brasília”. Entendemos

que essa posição demonstra a fraqueza do estado de MT em promover os seus

interesses no exterior, mesmo em um país vizinho e com tantas carências, o estado

não tem capacidade de se articular e promover uma relação comercial efetiva.

Ao comentar a questão envolvendo a segurança na fronteira, destaca o

trabalho feito pelo GEFron. Para ele o GEFron foi “a única política de fronteira que

158

Onofre Ribeiro é jornalista e analista político em MT. Atualmente é Secretário Adjunto de Comunicação.

Concedeu a entrevista em: 22 jun. 2011. 159

Atualmente deputado federal, Carlos Bezerra foi governador de MT entre os anos de 1987 a 1990.

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183

se criou efetivamente. Não me consta outra política de fronteira”. Essa afirmação, a

nosso entender, demonstra a inoperância do estado para promover políticas de

integração na região. Entendemos que se excetuarmos o combate à aftosa e a

questão do gás, que são eminentemente comerciais, não teremos nenhuma outra

ação importante.

A criação do Grupamento de Fronteira, para Ribeiro, “é fruto da falta de uma

política de defesa nacional e do interesse do governo federal para com a fronteira”.

Ou seja, o descaso do governo federal para com a questão da segurança na

fronteira obrigou MT a se organizar e criar um batalhão específico para atuar na

região. Ele vai adiante e afirma que “a falta de segurança e a falta de ordem impediu

muito o nosso avanço a oeste. Elas são responsáveis em parte pela desestruturação

boliviana”.

No cenário atual sobre a situação da Bolívia ele conclui:

A Bolívia perdeu o foco, as lideranças não têm interesses em uma democracia consolidada e nem em uma economia consolidada em cima de uma produção real, trabalha com essa coisa paralela convém a quem manda. Assim, neste momento não é possível se estabelecer uma política de fronteia, porque não há ambiente político receptivo do lado de lá. O Evo Morales representa os cocaleiros, é um pouco de ideal dele, mas ele está alimentando marginal, a marginalidade que eu digo, a marginalidade legal a marginalidade constitucional, a marginalidade jurídica.

Para ele, esse cenário apenas se reverteria com uma efetiva participação do

Brasil, uma vez que, pelo papel internacional de destaque que ocupa, teria

condições de forçar uma nova realidade social ao país vizinho. “Eu acredito que pelo

papel de destaque que o Brasil ocupa hoje no mundo, vai acabar obrigando a Bolívia

a se organizar (por pressão nossa/por simbiose), porque eles precisam de nós e lá

eles não têm mais opção” Conclui afirmando que pelo fato de o Brasil ter grande

influência, MT seria um estado estratégico que poderia ajudar na construção desse

novo cenário.

Nesse sentido MT tem papel importante por ter Know How em exportação. Para a Bolívia é exportado um pouco de carne, material de indústria de transformação (ferro, janelas, porta, madeira) bebidas, roupas; é uma exportação incipiente, por conta do empobrecimento lá e da falta de segurança.

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184

Dentro desta perspectiva, a nosso ver, o cenário atual de turbulências

internas na Bolívia não permite a intensificação de qualquer tipo de relação entre MT

e a Bolívia. Neste contexto ganha importância o papel do governo federal brasileiro

que teria, além de força econômica, força política para pacificar a região.

Os problemas internos vividos pela Bolívia também são mencionados por

Marcio Lacerda160, para ele

A Bolívia tem um problema político interno, que cria muito mais problema para eles do que para os outros. Por exemplo, a questão do gás, ela vai acabar ficando sentada em cima do gás, por que o Brasil vai descobrir gás, a Argentina também, Brasil já descobriu. O grande atrativo da Bolívia é o fato de que todos os caminhos da América do Sul passam pela Bolívia.

Aponta também para os problemas ligados à segurança, que afetam o

comércio incipiente realizado na fronteira. “O GEFron ajudou muito o combate ao

crime, principalmente ao comércio ilegal de carro. Mas ainda existe o contrabando

formiga de drogas na fronteira, que substituiu o comércio de carros”.

Como vimos até aqui, as várias entrevistas feitas apontam uma série de

dificuldades para uma melhor integração com a Bolívia, em particular com o

departamento de Santa Cruz. Na maioria das vezes, esses problemas só podem ser

superados com um grande volume de recursos financeiros, é o caso, por exemplo,

da falta de uma infraestrutura e da segurança. É o caso da falta de qualificação e

capacitação da polícia que atua na fronteira. Segundo Lacerda, “todo o esforço para

a integração fica na polícia da fronteira. A polícia boliviana agride e a brasileira

também”.

Outra solução para o caso acima mencionado pela ex-vice-governador seria

a adoção de uma legislação única para ambos os países, essa é com certeza uma

medida bem mais difícil de implementar devido aos tramites legislativos de ambos os

países:

Deve-se fazer um acordo operacional de segurança, assim eu defino o que é crime aqui e lá; assim eu posso ser julgado aqui ou lá. O que eu tenho hoje é que quando eu chego na fronteira o cara prende sua mala, tira sua roupa, o cara não volta.

160

LACERDA, Marcio. Lacerda foi senador e vice-governador no primeiro governo Dante. Entrevista ocorrida

em: 4 ago. 2011.

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185

Apesar de tantas dificuldades apontadas, Lacerda afirma que a política

interna da Bolívia, calcada em conflitos étnicos, é seu maior entrave para a

integração; afirma, ainda, ser de vital importância investimentos para que a Bolívia

se torne um caminho para América do Sul, estabelecendo ligações entre Paraguai,

Argentina, Peru, Chile, consequentemente de todos eles com o Brasil.

Lacerda é um otimista e acredita que, dentro de uma perspectiva histórica,

MT tem o relacionamento com o país vizinho cada vez mais aprofundado e evoluído.

E que nem mesmo Morales pode trazer empecilhos para o relacionamento que

existe entre ambos.

Lacerda é enfático ao dizer que o que falta hoje é que a questão da

integração, seja com a Bolívia, seja com os países vizinhos, se torne uma bandeira

política. Só assim, os objetivos traçados, pensados, planejados anteriormente

poderão ser alcançados. Prova disso seria o combate à febre aftosa e a vinda do

gás para MT, que foram prioridades do governo Dante.

Dentro desta perspectiva, o Centro Oeste Sul-americano é um sonho

realizável, para Lacerda. Mesmo sendo uma região diagnosticada como pobre, em

uma visão mais desatenta, pois ele lembra que, nela está “a maior reserva de água

potável do mundo, onde tem gás, tem petróleo, os recursos minerais e as terras

agricultáveis estão aqui, tem o maior produtor de grão do Brasil”, diante deste

quadro pergunta, sem dar a resposta: “é pobre por quê?”.

Para ele as ações de políticos e empresários de MT estão voltadas para a

Europa e Ásia; não para “o mercado vizinho, que é pequeno, mas é complementar

ao nosso, eles demandam, eles comprariam o que nós produzimos”, assim afirma

Lacerda.

Nós importamos fosfato da Índia, da China, da Rússia, mas não importamos do Peru. O Peru importa carne da Argentina, da Austrália, importa carne brasileira dos EUA, mas não importa daqui. Qual é o problema? Lima não conversa com Brasília, não sabe que tem MT e nem MT sabe que tem Lima. Quer dizer, então a economia mato-grossense desconhece esse potencial de mercado.

Lacerda aponta ainda para duas situações internas enfrentadas por MT que

podem servir para justificar uma ação política e comercial voltada para o Centro

Oeste Sul-americano. A primeira delas é o fato de MT não ter um mercado

consumidor para toda a sua produção, segundo ele:

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186

Nós somos uma região muito forte na produção, mas temos um gargalo que não tem solução, nós não temos mercado interno. Até a produção de um assentamento é produto de exportação. Assim, o mais interessado em encontrar uma saída é a gente.

O segundo problema apontado é a guerra fiscal e tributária que existe entre

as unidades da federação, que faz com que a União fique com a maior parte dos

impostos.

A nossa guerra fiscal e a dependência que temos de SP é muito grave, é mascarada. Por isso mais difícil de se combater. É violento, você não se apercebe. É pior que o colonialismo internacional. O Brasil é federativo, mas na prática é um Estado unitário, pois a União tem o comando de mais de 60% do orçamento.

Outra forma para obter desenvolvimento para MT é através da

industrialização, Lacerda afirma que ela é necessária para se agregar valor à

produção. Lembra o turismo como grande potencial inexplorado e relembra a

hidrovia Paraná-Paraguai, que não funciona em MT, como sendo um projeto que

precisa ser retomado pelas autoridades.

Lacerda critica o fato dos políticos, acadêmicos e empresários terem seus

objetivos e ações focadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Particularmente

sobre a classe empresarial, afirma que ela “pensa em níveis de empresas pequenas

e médias”. Assim chama a atenção para o fato de que o governo estadual tem que

levar a bandeira da integração, inclusive para o governo federal, pois segundo ele,

“nenhum formulador de política econômica de Brasília, nos coloca na conta deles,

mesmo sendo grandes exportadores”. O ex-vice-governador afirma que “o governo

central tem muito pouco a ver com as pequenas cidades da fronteira, como Cáceres

e com o comércio formiga que ocorre ali”. Sendo assim, a responsabilidade por

promover a região e a integração deve sim ser do governo estadual, o maior

interessado no processo.

Lacerda acredita na necessidade de criação de escritórios de representação

de MT nos países vizinhos para ajudar a promover e fortalecer comercialmente a

região, bem como na integração cultural, turística e assim, com uma economia

fortalecida, a região poderá passar a interessar a grandes investidores e criar novas

rotas, por exemplo, para os EUA e China.

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187

Após os comentários de Lacerda, que abordou várias questões, como a

necessidade de um fortalecimento comercial, cultural, a implementação de políticas

voltadas para a integração como a instalação de escritórios de representação, o

treinamento adequado à polícia de fronteira, aos incentivos culturais e turísticos,

foquemos a questão da segurança fronteiriça no governo Maggi. Neste contexto,

mais uma vez, importante a visão de Castro sobre o assunto, uma vez que ele

também trabalhou diretamente em vários projetos envolvendo a Bolívia.

Inicialmente faz uma reflexão sobre o GEFron, que como já vimos, foi

formado com recursos federal e estadual. Castro destaca que o trabalho inicialmente

foi bem feito pelo grupamento. Relembra que a sua criação trouxe de fato muita

tranquilidade para a região, que carecia de uma fiscalização mais intensa. O

problema, para ele, é a manutenção, pois, a demanda para treinamento e

capacitação é contínua e isso tem um alto custo. “Um problema é criar o outro é

manter, tem que treinar, capacitar continuar treinando e isso custa, para isso se

gasta. É caro. Assim, de fato o GEFron deu um pulo e depois começou a cair”.

Acrescentemos ainda a grande possibilidade de corrupção do batalhão, pois na

opinião dele, “quanto mais tempo você deixa uma pessoa em uma função na

fronteira maior a possibilidade dela se corromper”.

Com a constatação acima, o governo Maggi fez a opção de realizar

investimentos na área de tecnologia, uma grande carência do GEFron. Desta forma

um dos principais problemas do batalhão poderia ser superado, qual seja, o

aumento do efetivo, o que se ocorresse acabaria perpetuando o círculo vicioso

mencionado acima de um aumento de investimentos em mais treinamento e

capacitação dos envolvidos.

Diante desta realidade e nova opção, Castro realizou a ação de estudar as

possibilidades de tecnologia em segurança à disposição para que o estado de MT

pudesse realizar a compra. Assim, no escritório de representação de MT em Brasília,

ele contata primeiro a embaixada americana, depois chineses, os indianos, ingleses

e por fim a russos, com quem MT fecha negócio.

Saliente-se que essa negociação foi feita ao longo de 2009 e 2010 e se

efetivou em 2011 conforme relatado abaixo em reportagem pelo jornal Diário de

Cuiabá161.

161 Fonte: Jornal Diário de Cuiabá. Edição n.13051 de 05 jul. 2011.

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O Governo do Estado de Mato Grosso adquiriu ontem 10 radares móveis de proteção de fronteira, pelo valor de R$ 14 milhões. O contrato, fechado com a empresa russa, Gorizont, tornou-se a primeira negociação fechada entre um governo estadual brasileiro e um grupo russo do setor de alta tecnologia. O governador Silval Barbosa (PMDB) e a comitiva do Estado foram recebidos por autoridades da Rússia, na cidade de Rostov-on-Don, que disseram ter interessem em expandir as cooperações científicas e comerciais com o Brasil. “Considero esse acordo um impulso na relação entre os nossos países. Existem muitas áreas nas quais podemos firmar cooperações como essa. A descoberta de novas tecnologias é uma delas”, disse o vice-governador de Rostov, Sergey Gorban. Ele também afirmou que a iniciativa de Mato Grosso pode se tornar um marco na relação entre os dois países, abrindo assim, precedentes para parcerias em diversos segmentos. Gorban frisou que a Rússia é um consumidor da soja brasileira. O governador apontou que Mato Grosso servirá novamente como um exemplo para todo o país na proteção das divisas nacionais com aparato tecnológico. O equipamento de segurança adquirido, denominado de Monitoramento Móvel Autônomo (Coman), é utilizado também nas fronteiras da China, da Grécia, da Ucrânia, da Índia e do Vietnam, para evitar o trânsito ilegal e para coibir a prática de atividades ilícitas nas áreas. “Os policiais do Grupo Especial de Fronteira de Mato Grosso (Gefron) e do Batalhão de Operações Especiais (Bope) serão os primeiros do Brasil a dominarem a operação do sistema Coman. Essa é a primeira parceria e a sinalização de que o Estado está aberto para novos intercâmbios nesse sentido”, disse o chefe do Executivo. Os recursos para a aquisição dos veículos equipados integram o orçamento da Agecopa. São exigências da Fifa a implementação do controle na fronteira e de ações para eliminar o risco de atentados terroristas até a Copa de 2014.

162

Castro aponta para uma situação ainda mais ampla, a de que a sua ida para

a Rússia visava não só a questões de segurança, mas de captação de investimentos

nas mais diversas áreas: tecnológica, computação, agrícola e militar. Outra questão

era o fato de que MT não buscava apenas a relação compra e venda, mas sim uma

relação mais ampla e complexa, uma relação de parceria, na qual pudesse haver

transferência de tecnologia. “O negócio não era só venda e compra, mas comprar

parceria; queremos investimentos, não queremos patrões”.

162

Fonte: Jornal Diário de Cuiabá. Edição n.13051 de 05 jul. 2011.

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Com essa parceria Castro acredita que o problema de segurança na

fronteira com a Bolívia se resolverá. Afirma: “Teremos de 30 a 40 carros e um

helicóptero não tripulado na fronteira seca com a Bolívia. Desta forma teremos o

problema de segurança na fronteira resolvido.”

Cabe destacar que o investimento mencionado acima, na área de

segurança, foi feito com recursos do estado de MT. Não houve participação direta do

governo brasileiro. Castro destaca que a estratégia foi proposital, para tornar o

processo mais célere. “O investimento em segurança foi só do governo do estado de

MT. O estado organizou e fez a compra. Nós só iremos comunicar ao Itamaraty,

assim, eles terão que aceitar”.

Situação constatada após a entrevista que realizamos com Castro, foi o fato

de o contrato não ter se efetivado. Com uma série de reportagens, a imprensa de

MT apontou o que seria uma grande quantidade de irregularidades, impedindo assim

a efetivação do contrato.

Simultaneamente foram feitas acusações por políticos, da oposição e

também da situação, que afirmavam que o contrato estava superfaturado e que não

havia previsão de transferência de tecnologia. Objetivando evitar um maior desgaste

político interno, o governador cancelou a compra de 10 carros, e solicitou à

Procuradoria do Estado que estudasse uma forma de reaver o valor de 2 milhões de

reais que já havia sido depositado como forma de garantia do negócio163.

Toda essa situação, que ocorreu em novembro de 2011, foi antecedida por

um embargo russo nas importações de carne brasileira, o que atingiu diretamente

MT, que é o maior exportador brasileiro. O embargo164 foi imposto em junho de

2011, segundo as autoridades russas isto ocorreu pelo fato dos frigoríficos

brasileiros não atenderem as exigências fitossanitárias exigidas pelo país165. Assim,

o cancelamento da compra dos carros para a segurança da fronteira acabou

aumentando o mal estar entre a Rússia e MT.

Diante deste quadro, fica evidente a falta de preparo do staff do governo

estadual para lidar com assuntos internacionais. Uma medida que, em tese, poderia

gerar grandes dividendos para MT, implementando as relações comerciais entre

163

Disponível em: <http://www.hipernoticias.com.br/TNX/conteudo.php?sid=170&cid=6630&parent=170>.

Acesso em: 28 fev. 2012. 164

Fonte: Jornal Diário de Cuiabá. Edição 13.110 de 13/09/2011. 165

Fonte: Jornal Diário de Cuiabá. Edição 13.025 de 03/06/2011.

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190

ambos, MT e Rússia, tornou-se um problema a mais para ser administrado e ainda

hoje sem solução.

Em relação à Bolívia, apesar de um bom relacionamento com o governo

central e com o departamento de Santa Cruz, Castro afirma que a questão de

drogas ainda é um problema, principalmente em relação à produção, que ocorre

dentro do território boliviano, em particular “Santa Cruz de La Sierra é uma região

produtora de cocaína, os traficantes do mundo inteiro estão lá, comercializando”.

A droga é hoje um problema na Bolívia, eles aumentaram a produção de folha de coca, MT aumentou o seu consumo, o Brasil também pela evolução econômica, as parcerias com as agências americanas, como Drug Enforcement Administration (DEA), foram rompidas e a Bolívia se tornou uma terra sem regras.

Na opinião de Castro, o governo brasileiro começou a enfrentar esse

problema, mas não conta com o apoio do governo central boliviano. A situação se

complica, a nosso ver, quando o mesmo governo ainda toma medidas que ajudam

àqueles que cometem ilícitos no Brasil. Aqui serve de exemplo a promulgação de

uma lei que anistia todos os proprietários de carros irregulares naquele país, desde

que façam o pagamento de impostos e taxas devidas para a regularização. Esta lei

vem prejudicando muito MT, as autoridades acreditam que pode ser um incentivo

aos furtos e roubos de automóveis deste lado da fronteira166.

Como forma de intensificar a aproximação, Castro defende a realização de

atividades culturais e educacionais e afirma que nesses assuntos nada foi feito.

Com a Bolívia nada foi feito. A parte educacional e cultural nada foi feito. Queria fazer os jogos estudantis, Santa Cruz – MT, ai criou-se um problema sério para Rubens Costa com o governo central. Aí focamos os jogos com o governo central, mas eles não se entenderam e a coisa não andou.

Em sua entrevista, Castro aponta avanços no relacionamento do estado de

MT com o Itamaraty, principalmente por meio do escritório de representação de MT

em Brasília, que durante o governo Maggi era o responsável, na sua pessoa, de

organizar as viagens internacionais do governador. Mas afirma que o corpo

burocrático está separado e não há interação entre as ações das secretarias. “Nós

(corpo burocrático) estamos todos separados, não vemos em conjunto as ações das

166

No dia 8 de junho, foi aprovada na Bolívia a lei 133/2011, conhecida como Regulação e Saneamento

Veicular. Está lei permite a regularização, inclusive de carros roubados no Brasil.

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secretarias”. O que, convenhamos, impede um sincronismo nas ações, bem como

gera dificuldade ou até impossibilidade de se agir dentro de uma única linha de

pensamento.

Para nós, as ações realizadas por Castro aconteceram muito mais pelo perfil

proativo do funcionário e pela autonomia que ele tinha para agir, do que por conta de

uma organicidade e procedimento burocrático das secretarias e dos departamentos

do estado. Prova disso é que ele mesmo afirma que depois que saiu do escritório de

representação de MT em Brasília, levou consigo as atribuições que tinha ali de atuar

na esfera internacional.

Castro também aponta para uma ausência de planejamento estratégico do

governo na esfera diplomática, talvez a exceção, segundo ele, seja na questão da

segurança. Para Castro, essa carência foi muito prejudicial ao estado de MT que

poderia, em algumas situações, ter feito mais. Um exemplo foi a questão ambiental,

que não foi prioridade no primeiro governo Maggi. Essa situação inverteu-se após o

governador ser denunciado pelo Greenpeace como um dos maiores destruidores da

Amazônia, o que foi noticiado inclusive no New York Times167.

Segundo ele: “A parte diplomática, de relações internacionais não há um

planejamento, ela foi sendo construída ao longo do tempo, moldado por conta de

necessidade. O Blairo não veio com uma agenda pré constituída para o meio

ambiente”. E conclui abordando mais uma vez a questão ambiental: “Não tinha uma

agenda internacional diplomática e nem ambiental. Até por força de lei não podemos

gerir uma agenda diplomática”.

Após essa fala percebemos que o governo, ao ser denunciado e exposto

internacionalmente, não tinha a menor ideia de como agir e se posicionar frente às

denúncias feitas que envolviam a questão ambiental, principalmente. Acreditamos

que as ações internacionais apresentadas no Plano de Governo estavam mais

voltadas para o plano teórico que para ações práticas. Entendemos ainda que a

afirmação feita por Castro de que: “Até por força de lei não podemos gerir uma

agenda diplomática”; é descabida uma vez o ele próprio narra a participação em

167

Esse fato ocorreu em 2005. Em 2008 o Jornal New York Times também fez menção ao governador Maggi

como sendo um dos grandes desmatadores. Maiores informações vide:

<http://www.greenpeace.org.br/motosserra/>;

<http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2005/06/20/ult1928u1185.jhtm>; e

<http://www.nytimes.com/2008/05/25/world/americas/25amazon.html?pagewanted=print>. Acessos em 18 out.

2011.

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192

várias ações internacionais. Assim, o que ocorreu na questão ambiental foi

decorrente da falta de preparo técnico para enfrentar os problemas que em

determinado momento ganharam dimensão mundial.

Essa situação demonstra, a nosso ver, a falta de prioridade dada para as

questões envolvendo os assuntos internacionais. Demonstra também a falta de

pessoal qualificado para lidar com as referidas questões e, por fim, o amadorismo

com que os assuntos externos foram tratados.

Para finalizarmos este capítulo, trazemos para o debate algumas

considerações feitas no “Primeiro Encontro Negociações Internacionais: Os Estados

e Municípios do Brasil e no Mundo”, que demonstram, ao menos no plano do

discurso, a necessidade de se integrar com os países vizinhos. Selecionamos a

passagem em que o professor Serafim Carvalho Melo, no evento representando a

FIEMT, faz o seguinte questionamento ao Ministro Roberto Azevedo:

Embaixador, o estado de MT, exporta para a Bolívia energia elétrica, importa gás e, no caso do transporte rodoviário de passageiros, o ônibus só vai até a fronteira, não a cruza dos dois lados. Qual é a posição do Governo brasileiro hoje em relação às medidas do Governo boliviano na parte das relações comerciais?

A resposta vem abaixo, e podemos perceber que mesmo palestrando sobre

a OMC e o MERCOSUL, Azevedo não tem tanta segurança em sua resposta e

apenas faz comentários mais gerais sobre a fronteira MT e Bolívia.

Não é bem essa minha área. Eu cuido, como afirmo, da agenda externa. Deixa eu responder de uma forma muito mais geral. Essa pergunta do senhor explica um pouco o grande projeto de integração sul-americana que tem a política externa brasileira hoje, porque nós somos vizinhos, de qualquer jeito, seremos sempre vizinhos, tanto da Bolívia como do Uruguai e da Argentina. Não há como, se o senhor tem um vizinho do lado, a melhor coisa que o senhor pode fazer é ter uma boa relação com ele, é não brigar com ele, eu acho que é por isso que procuramos ter boas relações com os nossos vizinhos e temos. [...] A solução que todos temos, inclusive deles com relação a nós e não só nós com relação a eles, é nós tentarmos estreitar esses laços e nossa integração, além de construir uma integração que seja sul-americana porque é geográfica, política e chegar a uma integração política dessa geografia nossa. Então, esse aqui, eu acho, essa pergunta que o senhor fez, que não existe esse contato, essa estrada, tem rompido tudo (PRIMEIRO [...], 2007, p. 37).

Destaca ainda a necessidade de se buscar a integração e que para essa

ocorrer se faz necessário o investimento em infraestrutura:

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193

Com uma integração maior, evidentemente, haverá uma integração maior de nossa infraestrutura, das nossas estradas, de nosso relacionamento, não é? Eu acho que a gente precisa um do outro, nós precisamos da Bolívia, eles precisam da gente, então a única opção que nós temos, é termos que trabalhar juntos para termos uma boa relação e construir essa integração sul-americana. [...] Então, esses são projetos para o futuro, não é um projeto circunstancial. Agora nós temos uma integração com esses países vizinhos. Esse eu acho que é o fulcro da política externa nossa hoje, promover e dar prioridade à nossa integração sul-americana (PRIMEIRO

[...], 2007, p. 37, 38).

No mesmo evento Rubem Amaral168 faz o diagnóstico de uma situação

muito delicada e que afeta todas as fronteiras, qual seja, a imigração. Denomina de

imigração silenciosa aquela que ocorre no âmbito das fronteiras.

No caso específico da América do Sul, onde nós temos as nossas fronteiras, nós temos uma rede consular que presta assistência. Ao contrário do que ocorre em outras partes do mundo em que os brasileiros estão naqueles países e não saem de lá, ou seja, não podem sair, pois estão muito longe da assistência consular na fronteira, esta tem uma particularidade, ela é muito fluída, ou seja, a população da fronteira muitas vezes mora no outro lado delas, mas continua mantendo vínculos muito estreitos com o Brasil, portanto ela ora está aqui, ora está ali. [...] Nós estamos verificando nessas regiões que situações, antes consideradas bastante instáveis, estão demandando uma atenção maior nossa, como por exemplo, o caso dos nossos cidadãos no Paraguai e na Bolívia. São assuntos relativos às populações de fronteira considerados, talvez, entre os mais atuais (PRIMEIRO [...], 2007, p. 77).

Amaral aponta a integração como uma das saídas para ajudar o padronizar

o trânsito nas fronteiras

Obviamente, a integração fronteiriça vai facilitar isto tudo, ou seja, a ideia de que as fronteiras sejam mais tênues. Elas estarão no mapa, certamente, mas tem toda uma dinâmica própria local, ou seja, as fronteiras muito abertas, como é o caso das nossas que são muito voltadas aos nossos cidadãos, passam de um lado para outro e os estrangeiros também vêm para cá com muita facilidade. Isto é bom, porque nós estamos à frente de outros continentes neste aspecto (PRIMEIRO [...], 2007, p. 78).

Dentro desta perspectiva de promover a integração, João Luiz Pereira da

Cunha, responsável pelo Departamento da América do Sul, também faz a defesa

mencionado a necessidade de se integrar para que se possa evitar situações

168

Responsável pelo Departamento de Comunidades Brasileiras no Exterior.

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conflituosas. Abaixo mostra até mesmo a mudança na percepção da ideia de

fronteira, o que antes separava, hoje deve unir os países:

O departamento da América do Sul, além das questões políticas, também cuida do que antigamente era a separação entre os países, ou seja, as fronteiras. Recentemente, o foco da divisão de fronteiras ficou meramente técnico a questão de colocação de marcos, mas a área política que antigamente cuidava da política bilateral teve que se envolver cada vez mais com a política de fronteiras porque o que antes era uma cerca que nos separava, hoje em dia é uma região que nos une. Com esta mudança de foco nos problemas, a política e as ações mudaram radicalmente e hoje temos que enfrentar dificuldades que há anos atrás não nos passaria pela cabeça. [...] (PRIMEIRO [...], 2007, p. 86)

Para mostrar a importância de se buscar a integração e o valor dela para se

entender características culturais e linguísticas de outros países, Cunha mostra um

exemplo prático e recente de um entendimento conceitual de uma palavra,

nacionalização, que gerou uma grande crise entre Bolívia e Brasil:

Outra coisa que eu gostaria de mencionar é que os aspectos da integração que muitas vezes passam despercebidos, porque só quem lida no dia a dia, na negociação direta e no esforço de aproximação se dá conta deste problema. Primeiro a diferença de conceitos. Os senhores devem ter acompanhado o problema de decisões da Bolívia de nacionalizar as reservas de hidrocarboneto. Um dos problemas que nós tivemos foi o próprio conceito de nacionalização. Eles falavam, inclusive dentro da Bolívia que havia três conceitos para o termo nacionalização. Até conseguirmos entender o que um lado estava dizendo e conseguir conciliar o diálogo levou três semanas. Porque o termo é o mesmo dos dois lados da fronteira, mas o conceito era completamente diferente. [...] E outra coisa, enfim, que nós temos que ter sempre presente neste processo de integração é que não é porque a maioria dos nossos vizinhos fala espanhol, que são todos iguais. Não. Há diferenças muito profundas, muito arraigadas e às vezes o papel do Brasil é servir justamente de árbitro. Não digo tanto, porque é um termo muito forte, mas de facilitador no diálogo entre outros dois dos nossos vizinhos (PRIMEIRO [...], 2007, p. 87, 88).

Assim, como podemos perceber, os desafios são imensos para se promover

a integração do Centro Oeste Sul-americano e também com a Bolívia. Eles passam

pelas esferas políticas, comerciais, culturais, logísticas e outras, que concluímos,

vêm aparecendo com frequência apenas nos discursos dos governadores e

dirigentes políticos, empresariais e de outras entidades.

O fato é que, mesmo diante de grandes desafios e problemas que devem

ser superados, temos, nessas duas regiões, uma grande possibilidade de gerar

desenvolvimento econômico para Mato Grosso. Para tanto, pretendemos apontar

alguns caminhos na nossa conclusão.

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195

CONCLUSÃO

Conforme visto na Introdução da tese, Mato Grosso (MT) foi a unidade da

federação escolhida para ser estudada por fazer fronteira com a Bolívia, por ter uma

participação expressiva nas exportações brasileiras e também por falta de uma

bibliografia específica que analisasse as suas ações políticas internacionais.

Na confluência destes fatores, entendemos que MT seria um bom estudo de

caso para, com base na teoria que defende a possibilidade das ações internacionais

serem feitas por governos subnacionais, podermos fazer uma análise dessas ações

externas adotadas pelo referido estado.

Para iniciarmos a nossa análise, partimos do estudo dos Planos de Governo

e também dos Planos Plurianuais (PPA’s) que vigoraram durante o período

estudado, 1995-2010. Desta forma, buscamos localizar todas as ideias e políticas

públicas que visassem ao exterior, que foram apresentadas e planejadas para serem

implementadas. A escolha por tais documentos, Planos de Governo e Planos

Plurianuais, deu-se por entendermos serem ambos a personificação das ideias e do

planejamento das ações estratégicas que os governadores queriam implementar

quando eleitos. Ou seja, ali estavam expressas as estratégias que acreditavam ser

as melhores para o estado.

Ciente de que os Planos são um instrumento de planejamento de ações do

estado, mas que não são capazes de retratar toda a realidade por trás de sua

elaboração, é que, objetivando completar o nosso estudo, fizemos também diversas

entrevistas com estudiosos e agentes públicos que, de alguma forma, contribuíram

para a idealização e a implementação de várias ações externas realizadas por MT.

Desse modo, trabalhamos com elementos cognitivos como, por exemplo, valores,

crenças e ideias que influenciam percepções e decisões dos agentes envolvidos.

Assim, entendemos que fomos capazes de chegar a uma análise mais

completa, que pudesse retratar o momento histórico pesquisado e as ações ali

idealizadas e implementadas, ou não.

Frente a esta estratégia metodológica, fez-se necessário apresentar os

objetivos e mesmo a hipótese da tese, uma vez que esses são elementos

fundamentais para que fosse estabelecido o norte da pesquisa e evitarmos assim

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196

que focássemos nossa atenção em assuntos menos importantes. Por isso

afirmamos no objetivo geral que a nossa proposta era a de analisar as ações

internacionais do estado de Mato Grosso (MT) no período entre os anos de 1995-

2010. Para tanto, partimos da seguinte hipótese: MT como unidade federada, teria

despertado para implementação de ações externas, buscando uma maior inserção

internacional, defendendo seus interesses e sem interferência do governo central?

Lembramos que tal hipótese se sustentava na base teórica que defende a

autonomia para os governos subnacionais agirem internacionalmente, denominada

por nós de diplomacia federativa.

Feitos estes esclarecimentos apontamos, então, os objetivos específicos da

tese que eram as respostas para as seguintes questões: a) Mato Grosso vem

promovendo ações no cenário externo e defendendo os seus interesses? b) Qual o

comportamento dos governos subnacionais frente à elaboração da política externa

do governo central? c) E por fim, detectar se Mato Grosso tem ações externas ou

apenas segue orientações do governo federal?

Assim, antes de adentrarmos ao assunto específico da tese, fizemos uma

caracterização sobre o momento histórico do pós Guerra Fria, e constatamos que foi

naquela ocasião que se intensificou a ideia da diplomacia federativa. Conceituamos

globalização, debatemos sobre o federalismo e a soberania do Estado-nação para

podermos, posteriormente, iniciar o debate teórico acerca das ações externas dos

governos subnacionais, bem como das questões jurídicas que os cercavam.

Neste momento da tese mostramos as definições por quais optamos, a de

diplomacia federativa, que “é a expressão criada pelo MRE para identificar as ações

internacionais de estados e municípios brasileiros no âmbito da política externa e de

política externa federativa, com sendo a estratégia própria de um estado ou

município, desenvolvido no âmbito de sua autonomia, visando à sua inserção

internacional, de forma individual ou coletiva” (RODRIGUES, 2009, p. 36). E também

a afirmação de que a paradiplomacia é:

(...) o envolvimento de entidades governamentais subnacionais nas relações internacionais. Isso ocorre por meio do estabelecimento de contatos formais e informais com entidades públicas ou privadas estrangeiras, com o objetivo de promover interesses políticos e socioeconômicos, bem como outros, dentro dos limites aos quais cada entidade governamental subnacional está

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197

constitucionalmente vinculada (PRIETO169

, 2004 apud KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 162).

Constatamos, assim, várias nomenclaturas para designar as ações externas

dos governos não centrais, mas podemos afirmar que, na essência, todas buscavam

retratar e apreender essa ideia, qual seja, a da paradiplomacia, cujo precursor é

Panayotis Soldatos (1990). Este autor cria a terminologia paradiplomacia na década

de oitenta para designar a atividade diplomática desenvolvida entre entidades

políticas não centrais situadas em diferentes Estados.

Em nosso estudo de caso, a abordagem foi feita buscando detectar como foi

o posicionamento de MT frente a essa nova possibilidade de ação política que se

apresentava. Neste sentido, a nossa maior preocupação foi apontar se, em algum

momento, a unidade federativa agiu internacionalmente, para posteriormente buscar

atingir os objetivos específicos apontados acima.

Podemos seguir respondendo os objetivos específicos mencionados acima:

a) Mato Grosso vem promovendo ações no cenário externo e defendendo os seus

interesses?

Afirmamos que sim. MT vem promovendo ações no cenário externo. O que

podemos e devemos discutir é se com essas ações o estado está defendendo seus

interesses, ou apenas seguindo orientações do governo federal. Constatamos que

MT ao agir para implementar a criação do GEFron, o combate à febre aftosa, a

criação do Comitê de Fronteira, por exemplo, apenas agiu depois de provocado ou

orientado pelo governo federal.

Logo, os interesses do estado estariam submetidos aos da União, o que não

significa dizer que não teria benefícios posteriores com as ações implementadas.

Mas, nesse cenário, fica clara a falta de elaboração e definição das políticas públicas

de interesse exclusivo de MT que pudessem ser debatidas na esfera federal e

posteriormente implementadas.

Outro ponto é a qualidade e efetividade com que essas ações foram

pensadas e implementadas. Como vimos no capítulo 2, a apresentação detalhada

dos Planos de Governo e também a análise dos PPA’s nos permite detectar uma

169

PRIETO, Noé Cornago O outro lado do novo regionalismo pós-soviético e da Ásia Pacífico: a diplomacia

federativa além das fronteiras do mundo ocidental. In: VIGEVANI, Tullo; WANDERLEY, Luiz E..;

BARRETO, Maria Inês; MARIANO, Marcelo P. (Org.). A dimensão subnacional e as relações

internacionais. São Paulo: Educ, Unesp, Edusc, p. 251-282, 2004.

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série de medidas externas, ou mesmo internas para beneficiar ações externas, que

foram planejadas. Também constatamos que o cenário internacional e as

transformações ali ocorridas, como a globalização, a liberalização econômica, a

revolução tecnológica entre outras, são vistas como importantes e influentes no

cenário federativo.

Assim, é correto dizer que os governadores souberam reconhecer a

influência do contexto externo e que por isso planejaram implementar uma série de

medidas para poder defender e projetar o estado, ao menos no nível das ideias.

Portanto, cabe perguntarmos se tais medidas foram implementadas. E a resposta é

que, a maioria delas, não. E aqui nós temos uma discussão com relação à

percepção que os governadores tiveram da não implementação de tais medidas,

mesmo estando elas idealizadas nos Planos de Governo.

Podemos afirmar que todas as ações externas que visavam ao

desenvolvimento de questões ligadas à promoção da cultura, da ciência, da

tecnologia e do turismo, não foram efetivamente implementadas em momento algum

pelos governadores. Ressaltamos que não foram poucas as ideias apresentadas

para a promoção de tais setores, mas vimos que, mais pela falta de vontade política

de que por planejamento, os referidos setores não foram prestigiados. Aliás, esses

setores aparecem nos Planos de Governo sendo mencionados apenas de maneira

genérica, em um discurso vazio sobre a importância deles para a promoção da

integração regional e do desenvolvimento da sociedade; diferentemente das

questões comerciais e econômicas, que aparecem de forma detalhada.

Particularmente sobre o governo Dante, podemos dizer, conforme visto no

capítulo 3, que sua gestão concentrou-se em tomar medidas que pudessem resolver

os problemas de educação, energia, emprego e estradas. Para tanto, as ações

externas não eram consideradas como um meio para se chegar à solução de tais

problemas, que eram vistos estritamente como sendo de caráter interno. Assim,

mesmo considerando as potencialidades de MT para o mercado externo, o governo

se viu refém de carências estruturais do estado que precisavam ser resolvidas

imediatamente.

Assim, as metas como: a inserção de MT no mercado regional e

internacional; intensificação de cooperação econômica, técnica, científica e cultural

com a Bolívia e países andinos; aumento da participação do estado no Tratado de

Cooperação Amazônica, em parceria com a OEA e o Ministério das Relações

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199

Exteriores, entre outras destacadas no capítulo 2, não foram atingidas, apesar de

terem sido apresentadas.

Ainda no governo Dante, devemos destacar algumas ações. O combate à

febre aftosa e a criação do GEFron, ambos assemelham-se por terem sido

implementados com a ajuda do governo federal. Aqui é importante destacar que

mesmo com uma participação ativa, para o sucesso de tais políticas, a nosso ver,

como dito anteriormente, o governo estadual caminhou a reboque dos

acontecimentos, apenas seguindo as orientações e o comando do governo federal.

Outra ação foi a busca da saída pelo Pacífico, que apesar de ter sido uma

das grandes bandeiras do governo Dante, junto com a tentativa de implementação

da hidrovia Paraguai – Paraná, não foi alcançada. Nestes dois casos, percebemos

que mesmo sendo prioridade para MT, tais saídas não eram de grande interesse do

governo federal, o que, sem dúvida alguma, fez com que os projetos não se

efetivassem.

Destacamos ainda o projeto BID Pantanal, que apesar de ser gestado no

primeiro governo, não consta em momento algum no primeiro Plano de Governo.

Projeto que tem uma perspectiva de promoção e desenvolvimento do meio

ambiente, principalmente do Pantanal, e que foi implementado apenas no governo

Dante. O referido projeto, apesar de aparecer no Plano do governo Maggi como

prioridade, deixou de ser prestigiado, passando ao esquecimento, mesmo depois de

ter sido aprovado pelo BID, que chegou a enviar valores para a sua implementação.

Por fim, a construção do gasoduto vindo da Bolívia e o Projeto MT - Hora de

Investir. Sobre o primeiro podemos afirmar que a sua realização foi de interesse

único e exclusivo de MT, que se articulou para defender sua implementação. Após

os relatos do ex-vice-governador, Marcio Lacerda, vimos as dificuldades que se

apresentaram para a efetivação do gasoduto, inclusive impostas pelo governo

federal, o que não significa dizer que não houve apoio de setores do governo

central. Entendemos que um projeto dessa magnitude não poderia ocorrer sem a

participação do governo federal brasileiro, mas neste caso o interesse maior era de

MT; principalmente porque, como vimos acima, a questão energética era uma

prioridade para o governo Dante, que vislumbrava poder difundir as potencialidades

econômicas do estado, após a resolução de problemas relacionados à energia, ao

emprego, à educação e às estradas.

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Sobre o aspecto energético relacionado ao gasoduto, destacam-se as

negociações intermediadas pelo governo federal brasileiro, quando o presidente

boliviano Evo Morales decidiu interromper o fornecimento de gás para MT. Como

vimos de forma detalhada, essa negociação foi intensa e demorada, tendo sido

resolvida somente com a mediação direta do governo central do Brasil. Mesmo

neste momento, MT conseguiu defender seu interesse de manutenção do

fornecimento de gás, como sendo estratégico para o desenvolvimento do estado.

Concluímos que, apesar de uma efetiva participação do governo federal, o

protagonismo de MT fez com que as questões políticas e comercias também fossem

superadas.

Já o MT - Hora de Investir, entendemos ter sido elaborado única e

exclusivamente pelo governo estadual. Apesar de aparecer nos noticiários como um

grande projeto, pudemos perceber que, no fundo, não existia nenhum planejamento

estratégico e político feito com antecedência. Para alguns analistas, não passou de

um projeto de marketing feito por membros do governo. Queremos dizer com isso

que, diferentemente do que percebemos no GEFron, no BID Pantanal e mesmo no

gasoduto, em que havia projetos detalhando os trabalhos o mostrando um

planejamento anterior à implementação, não existe nenhum documento que

demonstre uma elaboração prévia desta ação, o que nos permite dizer que, apesar

das várias viagens feitas pelo governador Dante com o objetivo de divulgar MT e a

suas potencialidades, houve um certo amadorismo na condução das ações. Prova

disso é que não se têm registros do retorno efetivo que essas viagens

proporcionaram ao estado.

Devemos destacar sim o profissionalismo técnico com que foram

construídas as apresentações dos eventos em que o governador reunia empresários

e investidores interessados em conhecer MT, privilegiando a elaboração de vídeos,

e outros materiais de divulgação, em vários idiomas; porém, a falta de um

planejamento estratégico abordando previamente aspectos políticos, econômicos,

sociais, culturais, tecnológicos e de infraestrutura, que pudessem ser apresentados

como potencialidades, bem como, a ausência de informações do que efetivamente

fora feito de investimentos, deixa um vácuo no governo Dante.

Importante mencionar que nas várias ações externas em que MT participou,

nunca, em momento algum, o estado contou com um corpo técnico efetivo para

realizá-las. Ainda hoje, podemos afirmar que a ausência de uma secretaria de

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assuntos internacionais faz grande falta para o estado. A formação deste corpo

burocrático qualificado, sabemos, não é a garantia de que problemas não

acontecerão, mas ao menos a certeza de que as ações externas poderão ser

conduzidas por profissionais qualificados e competentes, que poderão trabalhar de

forma a criar ações institucionalizadas. Nesse sentido podemos afirmar que estes

técnicos poderiam ajudar MT a elaborar de fato uma política externa federativa,

evitando ações isoladas, que é o que vimos em todo o período, e também erros

grosseiros que possam prejudicar o estado na condução de políticas que defendam

os seus interesses.

As políticas mencionadas acima e implementadas no governo Dante

seguiram caminhos diferentes no governo Maggi. Podemos começar dizendo que o

BID Pantanal não teve continuidade – apesar de expressamente garantido no Plano

de Governo a sua continuidade; que o GEFron não foi prestigiado com o aumento de

valores para o seu orçamento, muito menos do seu efetivo, podemos dizer que

nesse caso houve até um sucateamento do grupamento, que atualmente carece de

investimentos até em equipamento. Por fim, a questão do gasoduto, que foi levada

adiante e teve seu capítulo derradeiro sob o comando de Maggi.

Pontualmente sobre as propostas apresentadas, podemos afirmar também

que a maioria delas não foram implementadas, ficando assim apenas no plano das

ideias e apresentações. Outra característica que se destaca é o fato de que a

maioria das ações visam ao comércio, e em particular às questões agrícolas.

Comparando os Planos de Governo de Dante e Maggi, percebemos claramente, ao

menos no discurso, que o primeiro tenta priorizar um maior número de temas, como

por exemplo, a criação de empregos, transporte, energia, educação, falava-se em

integração cultural, científica e tecnológica; já Maggi, foca seus argumentos para as

questões que estão ligadas diretamente a assuntos comerciais.

Podemos relembrar a passagem do capítulo 2 da tese170, em que aparecem

várias medidas a serem implementadas, em todas as situações podemos afirmar

170

O estímulo para a formação de consórcios de exportação de pequenas e médias empresas; a capacitação de

pessoal dedicado à produção e à gestão de negócios com o exterior visando ao desenvolvimento de ações

articuladas com o MRE e da Agricultura; a oferta de assessoria técnica a consórcios de pequenas e médias

empresas na gestão de negócios com o exterior organizados por pólos regionais; o apoio as empresas de pequeno

e médio porte no acesso aos mecanismos oficiais de financiamento às exportações; a elaboração e

implementação de um plano estratégico de desenvolvimento das exportações com o objetivo de explicitar as

prioridades políticas da mesma, contendo um diagnóstico dos problemas para as vendas externas de MT, os

objetivos e prioridades, bem como instrumentos e mecanismos de apoio, articulação e prioridades para alcançar

os objetivos e mecanismos de avaliação técnica, econômica e social das políticas públicas adotadas nesta área;

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202

que foram deixadas de lado, tendo servido apenas para o discurso político elaborado

no calor da campanha.

O Plano de Governo de Maggi, sem dúvida alguma, trata de um maior

número de ações a serem implementadas, se comparadas com as do governo

Dante, mas isso não significou que houve implementação daquilo que fora por

aquele planejado.

No governo Maggi, uma das ações que mais foram divulgados na imprensa

local e internacional foi o projeto denominado Estradeiro Internacional, que como

vimos, foi uma reedição da bandeira defendida pelo governador Dante, de viabilizar

a saída pelo Pacífico. Maggi e sua comitiva, formada de secretários e empresários,

fizeram o trajeto de carro até o Chile, para ver se existia a possibilidade real de fazer

a exportação dos produtos agrícolas produzidos em MT, pelos portos chilenos. O

que, como vimos, se demonstrou inviável, pelo menos da forma como fora

apresentada.

Um mérito que podemos ver no governo Maggi foi a tentativa de criar dentro

de seu governo grupos que pudessem discutir relações internacionais. Podemos

afirmar que já havia previsão no seu Plano de Governo, quando mencionava a

necessidade de se criar grupo de trabalho para a elaboração e divulgação de

estudos sobre o comércio internacional.

Como mencionado em capítulos anteriores, dois exemplos desta tentativa

foram os decretos nº. 1.561, de 5 de setembro de 2008 e nº 2.720, de 5 de agosto

de 2010. O primeiro cria um grupo de trabalho para debater as possibilidades de

inserção e integração de MT na região sul-americana. O segundo, gestado por

Maggi, mas assinado por Silval Barbosa, seu vice-governador, criava o Comitê

Estadual de Articulação das Políticas Públicas na Faixa de Fronteira, que visava à

promoção do desenvolvimento, em sentido lato, para a região. Em tempo, vimos que

em menos de um ano o segundo decreto fora revogado, e que a criação do Comitê

realização de amplo apoio de marketing dos produtos mato-grossenses no mercado externo; incentivo ao

pequeno produtor para participar do comércio exterior por meio da formação de consórcios, associações,

certificação de produtos como selo verde e selo sem agrotóxico; criação de incentivos específicos para viabilização de exportação de serviços; oferecimento de assessoria técnica para consórcios de pequenas e médias

empresas em gestão de comércio exterior; criação de mecanismos para a formação de acordos bilaterais com

outros estados e países; elaboração nos primeiros cem dias de governo de um estudo de viabilidade das

possibilidade de exportação de produtos artesanais do estado, com a possibilidade de construção em Cuiabá de

um centro de captação, promoção, divulgação e comercialização de tais produtos no Brasil e no exterior.

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203

de Fronteira fora incentivado pelo governo federal por meio do Ministério da

Integração Nacional.

Outro ponto que vale destacar na conclusão, como mais uma criação do

governo Maggi, mas que efetivamente não gerou dividendos, foi a lei 8.774 de 20 de

dezembro de 1997, que criava o “Conselho Permanente de Exportação de Mato

Grosso”. Ele tinha como objetivos: promover a agregação de valor às exportações

de MT, aumentar a base exportadora, aperfeiçoar as condições de acesso e

financiamento e garantia, reduzir a burocracia para a exportação, melhorar as

condições de infraestrutura para reduzir os custos das exportações, criação de

programa para a promoção comercial e de acesso a mercados, inserir novas

empresas do estado no mercado externo e atrair e reter investimentos estrangeiros

diretos.

Diante dos decretos e da lei mencionados acima, podemos afirmar que tais

normativos não vêm cumprindo o seu papel. Os membros não cumprem o que seria

a tarefa mais fácil, que é a de se reunir a cada tempo. Não existe registro de ações

efetivas que possam ser mencionadas, apenas divulgação de notícias que retratam

o lançamento dos Comitês, Conselho e Grupo. Nota-se, mais uma vez, a falta de

vontade por parte dos agentes públicos em implementar e realizar as ações para as

quais são designados. O cenário nos leva a crer também na falta de capacitação dos

funcionários designados e, sem sombra de dúvidas, o prejuízo causado pela

ausência de uma secretaria ou assessoria específica para tratar de tais ações.

Diante de um cenário desolador para as ações externas é razoável

perguntarmos como o estado de MT conseguiu se destacar na federação se

tornando um dos grandes exportadores de commodities? Essa pergunta pode ser

respondida considerando algumas variáveis internas e externas. Primeiro a

constatação de que pelo menos, desde a década de 1970, o governo federal, por

meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), criada em

1972, vem fazendo investimentos em pesquisa visando tornar o cerrado uma região

mais produtiva. Um bom exemplo dessa afirmação é o extinto Programa de

Cooperação Nipo-Brasileiro para o desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER)171,

foi idealizado e implementado nos anos de 1974 e seguintes pela parceria entre a

Organização das Cooperativas de São Paulo e a Federação Nacional das

171

Fonte: <HTTP://www.prodecer.com.br/oprodecer.html>. Acesso em: maio 2010.

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Cooperativas de Compras do Japão (ZENCOREN) com a parceria também da

EMBRAPA. Esse projeto investiu cerca de US$570 milhões e proporcionou a

incorpoaração de 350 mil hectares de Cerrados dos estados de MG, GO, BA, MS,

MT, TO e MA, tornando essa região um grande celeiro e referência na produção

agrícola do país.

Com o grande investimento em pesquisas, o cerrado passou a ser produtivo,

atraindo para a região um grande número de agricultores da região sul do Brasil em

busca de terras mais baratas. Com a união dos resultados das pesquisas e desta

mão de obra qualificada, começa a ocorrer a transformação na agricultura que

verificamos até hoje.

Junte-se a estes fatores o aumento da demanda mundial por alimentos e

passamos a ter, assim, um cenário ideal para os produtores agrícolas. Como

ouvimos do representante dos produtores de soja de MT, hoje o cenário é tão

favorável que eles nem precisam se preocupar em encontrar compradores, esses é

que vão ao MT em busca dos melhores negócios.

Frente a este cenário, destacamos atualmente o papel das entidades de

classe. No caso dos produtos agrícolas, a Federação da Agricultura e Pecuária do

estado de Mato Grosso (FAMATO) tem um papel de destaque, ela reúne todos os

sindicatos rurais do estado e, atualmente, representa 25 mil produtores rurais; não

deixemos de mencionar também a Associação dos Produtores de Soja de Mato

Grosso (APROSOJA), a Associação Mato Grossense dos Produtores de Algodão

(AMPA) e a Associação dos Criadores de Mato Grosso (ACRIMAT).

Esse conjunto de entidades forma um sistema extremamente eficiente que

investe em pesquisas, palestras, intercâmbios e propaganda de seus produtos.

Realizam um trabalho diferenciado que conta com profissionais capacitados que

transitam no mundo todo em busca do que há de mais moderno e que sirva para ser

implementado por seus associados. Para subsidiá-los criaram o Instituto Mato-

grossense de Economia Agropecuária (IMEA), que realiza uma séria de pesquisas e

análise de dados com o objetivo de fornecer para os seus associados informações

atuais e estratégicas ligadas ao agronegócio.

No setor industrial, considerando as grandes indústrias, pequenas e micro

empresas, temos a Federação das Indústrias de Mato Grosso (FIEMT) e o Serviço

Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-MT) respectivamente.

Embora esses setores não tenham a importância do setor agrícola de MT no cenário

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nacional, destacam-se em suas ações internacionais promovendo viagens,

capacitação técnica, rodadas de negócios e intercâmbios, com diversos países,

objetivando implementar as relações comerciais de seus membros.

Particularmente sobre a FIEMT, destaca-se a atuação do Centro

Internacional de Negócios (CIN), que além de organizar viagens de negócios,

principalmente para a China, para seus associados, sempre teve papel importante

na promoção de debates sobre a integração com os países sul-americanos,

principalmente a Bolívia. Particularmente sobre os eventos172 realizados na Bolívia,

o CIN, além de promover a divulgação, sempre manda representantes. Este tipo de

atuação faz com que muitas vezes a FIEMT se torne o principal interlocutor entre

empresários estrangeiros e o governo de MT.

Frente ao cenário descrito acima, o estado ocupa um papel menor e sempre

caminha a reboque dos acontecimentos, cabendo a ele, na maioria das vezes,

apenas o papel de apoiador das ações ou ainda daquele que ajuda determinada

cadeia produtiva com incentivos fiscais173, algo, que convenhamos, é muito pouco

para buscar o desenvolvimento da região. Assim, nota-se, que o estado não está

preparado para discutir, por exemplo, questões envolvendo embargos de produtos e

nem mesmo tem uma ideia do que ocorre em todas as etapas da produção e do

comércio de tais produtos. Como constatamos, por meio de entrevistas, o estado,

quando precisa de informações mais detalhadas de alguma cadeia produtiva,

envolvendo o agronegócio, busca-as nas entidades de classe.

Dessa forma, a atuação estatal, até hoje, vem sendo muito aquém do que

se espera dentro de uma perspectiva de diplomacia federativa. A teoria prega que o

governo subnacional seja capaz de se instrumentalizar e enfrentar os problemas que

lhes são apresentados, inclusive os que vêm do cenário externo. Neste sentido não

172 Alguns eventos realizados no Bolívia: Expomadera (madeira, movéis e tecnologia) – Oruro; Expoforest

(madeira, móveis e tecnologia) – Santa Cruz de la Sierra; Tecnomueble (madeira, móveis e tecnologia) – Sucre;

Fima (madeira, móveis e tecnologia) - La Paz; Expo Bolívia Minera (minérios, hidrocarburos e energia) – Oruro;

Tecnomadera (madeira, móveis e tecnologia) – Cochabamba; Expocruz (multisetorial) – Santa Cruz de la Sierra;

Expomueble (madeira, móveis e tecnologia) – Potosi; Petrogas (petróleo, gás e enrgia) – Tarija; Fimatar

(madeira, móveis e tecnologia) Tarija.

Fonte: <http://www.fiemt.com.br/site/institucional.php?secao=casafiemt_cin_servicos_integracao>. Acesso em:

01 mar. 2012. 173

Vide, por exemplo, a criação da lei número 6. 883 de 2 de junho de 1997, que visa ao incentivo da produção

de algodão no estado.

Fonte:

<http://app1.sefaz.mt.gov.br/Sistema/Legislacao/legislacaotribut.nsf/07fa81bed2760c6b84256710004d3940/847

9794ffe57a452042567e0005f3ca5?OpenDocument>. Acesso em: 1º mar.. 2012.

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se pode permitir que o estado caminhe a reboque da demanda e dos interesses de

um ou outro grupo econômico.

MT deve ser capaz de elaborar políticas públicas capazes de responder a

problemas mundiais, uma vez que esses passam a influenciar diretamente o seu

contexto regional. Nesse sentido vai Prieto (2004):

[...] De fato, nas atuais condições da economia política mundial, os governos, independentemente de seu nível, precisam responder de forma cada vez mais efetiva aos problemas mundiais, e isso vai muito além do imaginário convencional com base no qual, até recentemente, as políticas nacionais e internacionais eram formuladas (PRIETO, 2004, p. 274).

Entendemos que em um momento no qual o próprio Itamaraty, em alguma

medida, indica que as unidades federativas que agirem internacionalmente podem

contar com o apoio da AFEPA e também de seus escritórios regionais, MT não pode

se omitir e deixar de lado essa vertente de ação externa para ajudar na resolução de

seus problemas.

Aqui podemos trazer o segundo dos nossos objetivos específicos: b) Qual o

comportamento dos governos subnacionais frente à elaboração da política externa

do governo central?

É praticamente nenhuma no caso de MT. Entendemos desta forma

principalmente porque o estado se apresenta politicamente fraco frente às

demandas nacionais e locais, que influenciam as relações internacionais do Brasil.

Em momento algum da pesquisa pudemos perceber, por exemplo, MT apresentando

suas demandas e interesses nas questões agrícolas, embora esta seja uma área na

qual o estado tem grande participação e peso nacional.

Outro fato importante é que MT não buscou, durante e período estudado e

ainda hoje, criar órgãos institucionais que pudessem criar vínculos com agentes do

governo federal, sejam nos ministérios, nas secretarias, ou mesmo nas assessorias.

O estado não dispõe de uma assessoria de ações exteriores, por exemplo, para se

relacionar com o Ministério de Relações Exteriores. O escritório de representação

em Brasília, como vimos, não faz uma articulação política junto ao governo federal

que permita ao estado apresentar soluções e debater sobre seus interesses. Os

contatos com a AFEPA, com a secretaria de comércio exterior e mesmo com o

Ministério de Indústria e Comércio é mínimo e não gera dividendos para o estado. A

inércia é também do legislativo, estadual e federal, neste último caso nenhum

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parlamentar do estado se interessa pelos assuntos debatidos, por exemplo, na

Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.

Em todo o período estudado, MT sempre teve seus governadores entre os

aliados do governo federal, mas mesmo assim, o ganho político dessa situação não

trouxe ao estado um grande desenvolvimento, como poderia. Podemos excluir o

combate à febre aftosa, o apoio ao GEFron e a construção do gasoduto, o que,

convenhamos, é pouco para um estado que tem participação efetiva na balança

comercial do país.

Essa situação mais uma vez mostra o atraso de MT para implementar

políticas que defendam os seus interesses e que possam em alguma medida

influenciar na elaboração das relações exteriores do Brasil. Brigagão (2005) aponta

em seus estudos sobre a diplomacia federativa exemplos de ações externas de

governos estaduais, dentre os quais podemos citar: protesto de Leonel Brizola,

então governador do Rio Grande do Sul, em 1960, contra o governo federal por não

ter participado das negociações da criação da Associação Latino Americana de Livre

Comércio (ALALC); criação em 1964 da primeira Secretaria de Relações

Internacionais em unidades federativas, em Minas Gerais, por Magalhães Pinto;

novamente com Brizola em 1982, no Rio de Janeiro, quando pela primeira vez um

estado passou a ter política externa própria e com agenda internacional bem

específica, participando da Internacional Socialista e de movimentos trabalhistas na

América Latina, Europa, EUA e África; mais uma vez o Rio Grande do Sul, com a

criação da sua Secretaria de Assuntos de Relações Internacionais em 1987, no

governo de Pedro Simon; e a forte atuação do Amapá durante a década de 90

fazendo uma política externa voltada para cooperação com a Guiana Francesa.

Além desses fatos podemos citar a existência de secretarias municipais de relações

internacionais nas cidades de São Paulo, Guarulhos, Salvador, Campinas, Santa

Maria, Porto Alegre, Belo Horizonte entre outras.

Após apresentação de cidades e estados que já atuam com base em política

externa federativa, cabe chegarmos ao nosso terceiro questionamento. c) E por fim,

detectar se Mato Grosso tem ações externas ou apenas segue orientações do

governo federal?

Como vimos acima, MT realizou sim ações externas. Mas isso significa que

não segue as orientações e políticas traçadas pelo governo central? Não, MT

também, como já apontado, segue as orientações do governo federal. O importante

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neste questionamento é afirmar que MT, mais do que seguir ações externas, tem

propostas de ações externas, todas apresentadas nos planos de governos e

algumas já retomadas nesta conclusão. Essa situação por si só não traz benefícios

ao estado, uma vez que não se efetivam, a nosso ver, por uma falta de política

externa federativa, neste caso, entendendo política externa federativa como sendo o

instrumento para efetivar e implementar as propostas apresentadas. Aqui, mais uma

vez, entendemos ser necessária a criação de uma secretaria de assuntos

internacionais, o que por si só não garante a criação de uma política externa, mas

ajuda e muito na busca pela criação de uma.

Neste cenário o mais importante é que o estado se organize para não

confrontar a política externa do governo federal, muito menos os seus interesses;

mas sim, trabalhar em parceria e harmonia para que possa fazer valer os seus

interesses.

Quanto à elaboração de um plano para criação de uma política externa

federativa, ambos os governos de MT erraram, principalmente por não acreditarem

ser necessária a montagem de uma equipe técnica capaz de atender essa

necessidade, e segundo, por apostar que todo o planejamento de algumas ações

poderia ser responsabilidade de um ou outro funcionário, o que dificulta, e muito, a

continuidade dos trabalhos, e que, em se tratando de política externa, em que os

resultados normalmente tardam a sair, é condenar ao fracasso tais ações.

Ações voluntariosas, personalizadas e por vezes amadoras foram frequentes

no período estudado, e que não podem se repetir caso o estado se pretenda sério e

profissional na busca pela defesa de seus interesses. Essas características se

fazem necessárias para que MT consiga enfrentar o novo cenário político que se

apresenta, no qual as unidades federativas buscam atuar na defesa de seus

interesses junto ao governo central. Mais um assunto se apresenta como importante,

o fato de a Constituição resguardar à União o direito de representar o país no

cenário internacional, em outras palavras, as relações exteriores são de

competência exclusiva da União; isso, por si só, como já debatemos, não impede

que os estados se posicionem externamente, muito menos que busquem influenciar

o governo central para atender as suas demandas no exterior.

A prova de que o contexto externo deve ser considerado aparece claramente

nos Planos, inclusive ações prioritárias são comuns neles. Por exemplo, ambos

falam da necessidade de se implementar a hidrovia Paraná-Paraguai, mencionam

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ainda a importância de se intensificar as relações culturais, logísticas, turísticas,

educacionais, tecnológicas e buscar soluções para problemas ambientais, junto aos

países sul-americanos. MT precisa aprender a usar as ações externas como sendo

mais um instrumento para lhe ajudar a solucionar os seus problemas locais, para

tanto precisa de uma política externa federativa que mostre caminhos possíveis para

a implementação das referidas ações; e essa situação só poderá ser alcançada com

um corpo técnico burocrático qualificado. Este trabalho deve ser desenvolvido pelo

estado e não por grupos representantes de determinadas classes.

O que propomos é que MT passe a ser protagonista na defesa dos

interesses de sua população e use as ações externas como mais um meio para

atingir esse objetivo. Para isso, precisa aprender a se relacionar externamente, a

criar vínculos como forma de se aproximar de possíveis parceiros, não deixando

este trabalho somente para a diplomacia tradicional. Importante não confrontar e

estar sempre ciente de que o papel central das relações internacionais ainda cabe

ao Estado e ter clareza de que a diplomacia federativa, principalmente no Brasil,

está sendo gestada e que, por isso mesmo, não existe uma fórmula pronta para se

seguir.

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220

ANEXOS

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221

ANEXO 1

Funções básicas de um escritório Regional (uniformizar as competências no RISE):

Articulação com área internacional dos Governos estaduais, das capitais e dos

municípios, tanto nos Poderes Executivos quanto Legislativo (interface com a

AFEPA, áreas geográficas e temáticas);

Representação formal do MRE no Estado (interface com o G, SG, áreas

geográficas e temáticas);

Atendimento consular para elaboração de atos notariais, regularização de vistos,

expedição de passaportes oficiais, atendimento ao público em matérias relativas

a brasileiros no exterior etc. (interface com a SGEB – checar base legal);

Articulação com o meio acadêmico (interface do IRbr, FUNAG e IPRI) e

empresarial (interface do DPR, DEC e SGAS);

Informação sobre a carreira diplomática e carreiras do Serviço Exterior,

divulgação de concursos do Itamaraty;

Articulação com as áreas prestadoras ou receptoras de cooperação técnica

(interface com a ABC);

Preparação e acompanhamento de missões estrangeiras ao Estado e do Estado

e Municípios ao exterior (interface das áreas geográficas e temáticas e da

AFEPA);

Articulação com a rede consular estrangeira eventualmente sediada na mesma

cidade;

Articulação com as autoridades da área fronteiriça e com as Comissões de

Limites nos Estados com fronteira internacional (interface com a SGEB e a

SGAS);

Área administrativa, com processamento da contabilidade no SIAFI e

comunicação integrada ao sistema de comunicações Exped/ SERE do DCD

(interface com a SGEX);

Estrutura básica mínima de um Escritório Regional

Sede própria – um escritório ou prédio independente com pelo menos três salas

de trabalho, área de atendimento ao público. Sala de reuniões e sala de apoio

(copa, comunicações, arquivo, almoxarifado);

Mobiliário e instalações (telefonia, comunicações, copa) completas.

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Rede de informática completa.

Automóvel de representação.

Automóvel de serviço

AFEPA/SFD/ 05-10-2010

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223

ANEXO 2

Programa Pantanal, apresentação de Sr. José Assad Thomé Jr :

O dia 05 de junho de 2001, data em que se comemorou o Dia Internacional do Meio

Ambiente, marcou uma nova etapa na história da Política Estadual de Meio

Ambiente de Mato Grosso. Nesse dia foi assinado com o Banco Interamericano de

Desenvolvimento – BID, o contrato de empréstimo para a execução do Programa de

Desenvolvimento Sustentável do Pantanal – Programa Pantanal, para os Estados de

Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. Esta etapa, vencida com sucesso,

representa a obstinação e a aplicação de todos os segmentos envolvidos na

concretização de um trabalho iniciado em 1995, oportunidade em que o governador

Dante de Oliveira e o governador do Estado de Mato Grosso do Sul formalizaram a

solicitação de empréstimo ao Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, com

a finalidade de viabilizar recursos financeiros para a aplicação em projetos de cunho

ambiental, na área do Pantanal.

Um programa desta magnitude se justifica na medida em que a Bacia Hidrográfica

do Alto Paraguai (BAP) abriga um dos mais importantes e frágeis ecossistemas, o

Pantanal, com extensão territorial de, aproximadamente, 496.000 km², dos quais

396.800 km² pertencem ao Brasil e 99.000 km² às Repúblicas do Paraguai e da

Bolívia. A porção brasileira divide-se em 189.551 km² pertencentes ao estado de

Mato Grosso e 207.249km², ao Estado de Mato Grosso do Sul. Desta área, cerca de

64% correspondem a planaltos e 36%, a planícies. O rio Paraguai, leito principal da

BAP, figura como um dos mais importantes rios de planície do Brasil, superado

somente pelo rio Amazonas. De sua nascente, na Chapada dos Parecis, próxima à

cidade de Diamantino (MT), até sua confluência com o rio Paraná, na fronteira do

Paraguai com a Argentina, ele percorre a extensão de 2.621 km, sendo 1.683 km em

território brasileiro.

O programa se justifica também em virtude do passivo ambiental existente na área,

causado pelo modelo de desenvolvimento aplicado no Brasil. Nos últimos 30 anos,

vários fatores contribuíram para alterar o equilíbrio ecológico do ecossistema

pantaneiro: (1) o significativo desenvolvimento agrícola na bacia, especialmente no

Cerrado, que gerou um enorme volume de sedimentos e de agrotóxicos, assoreando

os rios pantaneiros e contaminando águas e terras; (2) o crescimento das cidades

que levou a uma expressiva contaminação das águas de origem urbana e de origem

industrial; (3) a pesca e caça, com severo impacto sobre as populações animais; (4)

a atividade mineradora e garimpeira, que, mesmo antiga na região, teve uma

expansão violenta nos últimos 20 anos, com a utilização de máquinas pesadas; (5) o

parcelamento das terras, que inviabilizou a pecuária intensiva tradicional; (6) a

competitividade de mercado entre a pecuária extensiva do pantanal e a sua

intensiva área de entorno.

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224

(...)

Este Programa, no valor total de US$ 400.000.000,00, está dividido entre três

executores, a saber: o Estado de Mato Grosso, o de Mato Grosso do Sul e o IBAMA.

Financeiramente, o valor está dividido em porcentagens distintas: 50%, financiados

pelo BID, com até 12,5% de contrapartida de cada um dos Estados, totalizando em

25%, e os 25% restantes, de responsabilidade da União, com financiamento através

de outra financeira internacional.

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ANEXO 3

Quando lanço os olhos para os sete anos em que governo Mato Grosso, vejo uma

série de problemas que resolvemos, de problemas que não resolvemos, de

programas bem sucedidos, e de programas que serão realizados daqui para a

frente. Alguns, a curto prazo, outros, a longo prazo.

O Programa Pantanal é um desses que serão realizados em futuro próximo, como

uma garantia para o futuro distante. É reconhecida a importância universal que o

Pantanal Mato-grossense vem alcançando como referência ecossistemática, do

ponto de vista ambiental e econômico, do ponto de vista do ecoturismo.

Isso, sem contar que o Pantanal é uma das referências de identidade da nossa

gente. Do ponto de vista mundial, é reconhecido pela UNESCO como Reserva da

Biosfera e como Patrimônio Mundial Natural.

Não foi uma luta fácil. Desde a concepção do Programa Pantanal, em 1996, até as

negociações para sua completa aprovação e deixá-lo iniciado, foram gastas muitas

conversas e viagens, contatos foram mantidos com técnicos de diversas missões do

Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID, com a direção do BID, e muitas idas

e vindas a Brasília.

O programa tem uma característica muito especial: foi concebido por técnicos mato-

grossenses, e atende a uma demanda inadiável da sociedade de nosso Estado.

Gostaria de recordar um dos episódios da nossa luta. No Ministério do Meio

Ambiente, vínhamos encontrando barreiras e dificuldade de compreensão a respeito

de um programa de recuperação e de preservação do Pantanal Mato-grossense.

Irritado com a incompreensão, cheguei um dia no Ministério e disse: “Eu não quero

passar para a história como os governadores de São Paulo, que estão gastando

uma fortuna, tentando ressuscitar o rio Tietê. Quero dar um alento ao Pantanal

agora, enquanto ele ainda tão foi destruído, para mais tarde não pedir bilhões de

dólares para recuperá-lo”.

O desabafo causou o impacto esperado. O Programa Pantanal saiu do papel. Mas

esbarramos na incapacidade de endividamento dos governos de Mato Grosso e de

Mato Grosso do Sul, onde estão os 396.800 mil quilômetros quadrados do Pantanal

brasileiro. Por conta disso, foi preciso que o governo federal assumisse

compromissos financeiros do Programa, através do Ministério do Meio Ambiente. Foi

um gesto de grandeza e de estadista, do Presidente Fernando Henrique Cardoso,

que compreendeu o alcance da conservação e da preservação do Pantanal Mato-

grossense, na sua condição de Reserva da Biosfera e de Reserva do Patrimônio

Mundial Natural.

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Foram 16 missões técnicas para discussão do Programa Pantanal, no Brasil e nos

Estados Unidos, para definirmos as três agendas básicas.

Era absolutamente indispensável que nós lutássemos para salvar o Pantanal antes

que ele fosse degradado pela erosão dos solos, pelo assoreamento e pela

contaminação das águas através dos agrotóxicos usados na agricultura, em terras

altas das cabeceiras. Era urgente estimular as três atividades ambientalmente mais

apropriadas para o Pantanal, de modo a manter o seu equilíbrio sócio-ambiental: a

pecuária tradicional, a pesca e o ecoturismo.

O conceito moderno de qualidade de vida requer a existência de lugares especiais

no mundo, onde as pessoas possam retomar as suas raízes lúdicas e suportar as

pressões cotidianas. O Pantanal reúne todas essas características, que ainda se

conservam bastante originais.

Como pantaneiro histórico, nunca poderia fugir do compromisso de preservar e de

conservar o Pantanal para as gerações atuais e futuras.

Se não pude ver a implantação do Programa Pantanal durante minha administração

como Governador de meu Estado, estou certo de que o verei implantado nos

próximos anos. Comigo, terei sempre a satisfação de ter podido iniciá-lo. Concluí-lo

será um compromisso dos próximos governos, em respeito à sociedade mato-

grossense e mundial174.

174

Os anexos 2 e 3 foram tirados do projeto apresentado e aprovado pelo Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID). Esses materiais não foram publicados.

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227

ANEXO 4

Acordo assinado por Brasil e Bolívia no ano de 1958, que, entre outras coisas,

previa o livre trânsito de mercadorias. Maiores informações vide:

“Ata da entrevista em Corumbá e Roboré dos Ministros das Relações Exteriores do

Brasil e da Bolívia:

Os Ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Bolívia, Senhores José Carlos

de Macedo Soares e Manuel BarrauPeláez, nas conversações que mantiveram em

sua Entrevista Especial nas cidades de Corumbá e Roboreé, nos dias 24,25,26 e 27

de Janeiro de 1958, consideraram diversos assuntos pendentes de solução entre

ambos os países e relativos a: (I) Exploração do Petróleo boliviano e o fornecimento

de hidrocarbonetos ao Brasil, (II) Estrada de Ferro Corumbá-Santa Cruz de La

Sierra, (III) limites, (IV) relações econômicas e comerciais e (V) intercâmbio cultural;

resolveram subscrever a presente Ata, que consigna os acordos adotados a respeito

dos referidos assuntos, acordos estes que deverão ser postos em prática pelos dois

países.

a. EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO BOLIVIANO E O FORNECIMENTO

DE HIDROCARBONETOS AO BRASIL.

A nota Reversal anexa à presente Ata, cujo texto em português e em

espanhol, autenticados pelos Ministros das Relações Exteriores do

Brasil e da Bolívia, será firmado em La Paz, por ambos os Ministros,

durante o mês de março do presente ano, contém os acordos a que

chegaram sobre esta matéria.

b. ESTRADA DE FERRO CORUMBÁ-SANTA CRUZ DE LA SIERRA.

A Nota Reversal anexa à presente Ata, cujo texto em português e em

espanhol, autenticados pelos Ministros das Relações Exteriores do

Brasil e da Bolívia , será firmada em La Paz, por ambos os Ministros,

durante o mês e Março do presente ano, trata especificamente da

substituição da garantia estabelecida no Artigo IV do Tratado sobre

Ligação Ferroviária e prevê o endosso da dívida decorrente da

construção da ferrovia Corumbá-Santa Cruz de laSierra, pelo Estado

boliviano.

c. LIMITES

Os problemas de demarcação referentes ao marco do Jacadigo, Corixa

do Destacamento- Cerrinho de São Matias e Quatro Irmãos-Rio Verde

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(nascente), foram resolvidos durante a Reunião Especial dos Ministros

das Relações Exteriores do Brasil e da Bolívia, em Roboré.

d. RELAÇÕES ECONÔMICAS E COMERCIAIS

1º Convênio Comercial

A Comissão Mista Comercial brasileiro- boliviana prevista no Artigo V do Convênio

Comercial, firmado a 24 de Dezembro de 1953, reunir-se-á na cidade de La Paz, no

mês de Março próximo; nessa oportunidade, adotará acordos sobre a seguinte

matéria:

a. Possibilidade da adoção do dólar norte-americano de livre

conversibilidade para as operações comerciais entre ambos as países.

b. Ambos os Governos poderiam autorizar operações vinculadas entre

exportadores e importadores, tanto estatais como privados. Essas

operações seriam reguladas de acordo com as estipulações

contratuais que acordem os interessados, no tocante à forma e à

moeda de pagamento.

c. Estudar a possibilidade de pagamento, dentro do intercâmbio

comercial, utilizando cruzeiros e/ou bolivianos, pelo mercado livre de

câmbio.

d. Em nenhum dos três casos anteriores seriam fixados montantes

limitativos do intercâmbio, deixando que os mesmos se regulem

livremente pelas partes interessadas.

e. A Comissão Mista deve acordar o regime para o pagamento de frases,

seguros, comissões, etc., destinado a facilitar o intercâmbio.

f. A Comissão Mista estudará a fixação de uma margem de crédito

recíproco para o caso das operações reguladas em dólares de livre

conversibilidade.

2º- Tráfego Fronteiriço

A Comissão Mista formulará um novo projeto de Convênio de Tráfego Fronteiriço,

baseado em listas limitativas de artigos procedentes e ambos os países e

destinados exclusivamente às populações fronteiriças. A moeda que regulará esse

comércio será a nacional de cada país, pelo mercado livre de câmbio.

3º- Convênio Especial sobre borracha, castanha, gesso, sal e gado.

A Comissão Mista elaborará um projeto de Convênio Especial regulando o comércio

de borracha, castanha, gesso, sal e gado, baseado nas atuais condições das zonas

beneficiadas pelo referido comércio.

4º- Convênio de Cooperação Econômica e Técnica.

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A Comissão Mista estudará, preferencialmente, o projeto brasileiro de Convênio de

Cooperação Econômica e Técnica.

5º- Convênio de Trânsito

Durante a sua próxima reunião, a Comissão Mista concluirá o estudo relativo ao

Convênio de Trânsito entre os dois países.

6º- Convênio sobre Aproveitamento de Vias Fluviais.

Os Governos de ambos os países constituirão uma Comissão Mista Especial

Técnico- Econômica para o estudo de soluções que tornem permanente a

navegabilidade dos rios bolivianos dos sistema fluvial do Amazonas.

7º- Convênio sobre Entrepostos de Depósito Franco em Santos, Manáus e

Corumbá.

Sobre as bases do projeto já apresentado pelo Brasil, será formulado um convênio

para o estabelecimento, em favor da Bolívia, de entrepostos de depósito franco em

Santos, Manáus e Corumbá.

8º- Agência do Banco do Brasil S.A . , em La Paz.

Será inaugurada, em La Paz, com a possível brevidade, uma Agência de Banco do

Banco S.A . .

(V) INTERCÂMBIO CULTURAL Depois de uma análise do Convênio e Intercâmbio Cultural de 23 de Junho de 1939, os Ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Bolívia acordaram em incorporar ao mesmo aos pontos contemplados no projeto de nota reversal apresentado ao Ministério das Relações Exteriores pela Embaixada do Brasil em La Paz, para ampliar convenientemente suas estipulações, adaptando-o à necessidade de fomentar as relações culturais entre ambos os países .

Do mesmo modo, ficou decidida a inclusão no Convênio de Intercâmbio Cultural, dos

pontos sugeridos pelo Ministério da Educação da Bolívia e referentes à educação

fundamental.

Acordam, finalmente, em celebrar, oportunamente, um novo e mais amplo Convênio

de Intercâmbio Cultural, em consonância com o estreitamento das relações entre os

dois países.

a. Manuel Barrau Pelaez

b. José Carlos de Macedo Soares

Roboré, 28 de Janeiro de 1958”.

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230

ANEXO 5

DECRETO Nº 1.561, DE 05 DE SETEMBRO DE 2008.

Institui o Grupo de Trabalho para integração e inserção do

Estado de Mato-Grosso no contexto Sul-Americano.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO MATO GROSSO, no uso

das atribuições que lhe confere o artigo 66, inciso III, da

Constituição Estadual,

D E C R E T A:

Art. 1º Fica instituído o Grupo de Trabalho para integração

inserção do Estado de Mato-Grosso no contexto Sul-

Americano.

Art. 2º O Grupo de Trabalho ora criado terá a seguinte

composição:

I – 3 (três) representantes da Secretaria de Estado de

Planejamento e Coordenação Geral;

II – 1 (um) representante da Casa da Casa Civil;

III – 1 (um) representante da Casa da Casa Militar.

Art. 3º O referido Grupo de Trabalho terá as seguintes

atribuições:

I – coordenar, articular, e monitorar a execução das ações

desenvolvidas no âmbito do Estado atinentes à integração e

inserção mato-grossense no âmbito Sul-Americano;

II – realizar reuniões periódicas de trabalho com os respectivos

membros e, ou quando necessário.

Art. 4º Através de seus respectivos titulares, ficam os órgãos

da Administração Pública Estadual, direta e indireta,

incumbidos de prestar as informações solicitadas pelos

membros do Grupo de Trabalho.

Art. 5º Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá, 05 de setembro de 2008, 187°

da Independência e 120° da República.

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231

ANEXO 6

DECRETO Nº 2.720, DE 05 DE AGOSTO DE 2010.

Dispõe sobre a criação do Comitê Estadual de

Articulação das Políticas Públicas na Faixa de

Fronteira, e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, no

uso das atribuições que lhe confere o artigo 66, inciso III,

da Constituição Estadual,

DECRETA:

Art. 1º Fica criado o Comitê Estadual de Articulação das

Políticas Públicas na Faixa de Fronteira vinculado à Casa

Civil,com objetivo de estabelecer estratégias para integrar,

desenvolver e fortalecer os municípios da Faixa de

Fronteira do Estado de Mato Grosso.

Art. 2º Compete ao Comitê Estadual de Articulação das

Políticas Públicas na Faixa de Fronteira:

I - congregar organizações comprometidas com o

desenvolvimento da Faixa de Fronteira;

II - contextualizar as ações definidas nas Políticas

Nacionais e Estaduais de desenvolvimento regional,

voltadas para a Faixa de Fronteira;

III - propor estratégias, plano e projetos voltados para o

desenvolvimento sustentável da Faixa de Fronteira;

IV - identificar, reivindicar e divulgar as fontes de

financiamento para o desenvolvimento dos municípios que

constituem a Faixa de Fronteira;

V - desenvolver as atividades de relacionamento com o

corpo consular;

VI - articular as ações de governo relativas à integração

internacional especialmente às ligadas a Faixa de

Fronteira.

Art. 3º O Comitê Estadual de Articulação das Políticas

Públicas na Faixa de Fronteira será composto por um

representante dos seguintes órgãos:

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232

I - Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação

Geral – SEPLAN;

II - Casa Civil;

III - Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública –

SEJUSP;

IV - Secretaria de Estado de Desenvolvimento do Turismo

– SEDTUR;

V - Secretaria de Estado de Indústria Comércio Minas e

Energia – SICME/MT;

VI - Municípios pertencentes a Faixa de Fronteira do

Estado de Mato Grosso.

Parágrafo único. Poderão integrar o Comitê, na condição

de parceiros e convidados, outros órgãos e entidades que

venham a contribuir para o atendimento das finalidades do

grupo.

Art. 4 O exercício da função de membro do Comitê

Estadual de Articulação das Políticas Públicas na Faixa de

Fronteira não será remunerada, sendo considerado serviço

público relevante.

Art. 5º A Coordenação Executiva do Comitê Estadual de

Articulação das Políticas Públicas na Faixa de Fronteira

será exercida, em conjunto, pela Casa Civil e Secretaria de

Estado de Planejamento e Coordenação Geral.

Art. 6º As normas procedimentais, atribuições e

competências do Comitê Articulador Estadual das Políticas

Públicas na Faixa de Fronteira serão estabelecidas por

meio de Regimento Interno.

Art. 7º Este Decreto entra em vigor na data de sua

publicação.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá, 05 de agosto de 2010,

188º da independência 122º da República.

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ANEXO 7

Informações consultadas em: 7 jul. 11.

Disponível em: <HTTP://portoseco.com/perguntas.phd>

Perguntas e Respostas

Como foi iniciado o Porto Seco de Cuiabá?

Os Portos Secos são estações aduaneiras do interior. É uma concessão da receita

federal, só ela pode fazer isso. Em 2001 ganhamos uma concorrência para criação

do primeiro Porto Seco do Estado de mato Grosso em Cuiabá. Paralelamente,

levamos um pedido ao governador Blairo Maggi para dotar Mato Grosso de

mecanismos fiscais de ICMS que pudessem transformar o centro geodésico da

América Latina também num centro de intercâmbio comercial.

Que tipos de mecanismos fiscais foram concedidos?

Os mecanismos transformaram Mato Grosso no Estado com o melhor regime fiscal

de importação do Brasil. Foi concedido o diferimento do ICMS na importação via

Porto Seco do Estado, cujo índice é de 17%. Devido a isso, realizamos a maior

importação de colheitadeiras do hemisfério sul, aqui mesmo, em Cuiabá. Um

exemplo da questão do ICMS também é o seguinte, se o importador for o

consumidor final do produto, ou seja, se não comercializar o produto importado, o

ICMS será de 0%. Caso o produto seja comercializado será tributado em 10% (dez

por cento) para vendas dentro do Estado de Mato Grosso e de 2% (dois por cento)

para vendas fora do Estado.

Que serviços são oferecidos pelo Porto Seco?

O Porto Seco tem condições, de acordo com a legislação, de estocar mercadoria

importada através do regime de entreposto aduaneiro, por período de um ano

prorrogável por mais um ano, cujos impostos federais somente serão pagos no ato

da nacionalização. A Nacionalização pode ser em lotes de produtos, ou seja,

conforme as vendas . E na exportação não há necessidade de Regime Especial de

Exportação, pois o produto sai exportado do Porto Seco . Operamos também com o

regime de DAC (Depósito Alfandegário Certificado), onde o produto é armazenado

no Porto Seco, é feito todo o processo de exportação e emitido o DAC para que o

exportador receba o valor da exportação de seu agente financeiro.

Então todas as questões burocráticas são resolvidas por aqui?

Sim, 100%. Temos aqui como suporte e fiscalização a Receita Federal , Estadual,

Ministério da Agricultura , ANVISA e IBAMA, que são os órgãos anuentes nas

transações de importação e exportação. Todo o encaminhamento para importar ou

exportar é resolvida para o cliente de forma rápida e segura.

E quais são os benefícios de importar e exportar pelo Porto Seco?

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Maior segurança, haja visto que seu produto passa a ser de sua responsabilidade

quando já está dentro de Mato Grosso. Tem-se também um acompanhamento

melhor dos tramites de importação e a garantia de um bom depósito alfandegado.

Consequentemente tem um menor custo pelos benefícios fiscais advindos de

operações por empresas estabelecidas em Mato Grosso e passar pelo Porto Seco.

E os benefícios para Cuiabá?

Voltemos ao centro geodésico da América do Sul. Não adianta nada essa posição e

não alinharmos essa condição às logísticas necessárias para integrarmos as

diversas regiões das quais somos o centro. Isso significa que Mato Grosso e Cuiabá

podem se transformar, num futuro próximo, no centro comercial de importação e

exportação. Conforme ampliarmos os acordos comercias, como a ALCA, melhora a

situação de Cuiabá, já que temos a melhor posição da América do Sul para distribuir

produtos importados. Aumentando a logística de importação consequentemente se

diminui o custo das exportações, tão necessário aos produtores aqui estabelecidos.

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ANEXO 8

DECRETO Nº 478, DE 28 DE JUNHO DE 2011. Dispõe sobre a criação do Comitê Estadual para o Desenvolvimento e

Integração das Políticas Públicas na Faixa de Fronteira, e dá outras

providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, no uso das atribuições que

lhe confere o artigo 66, inciso III, da Constituição Estadual,

DECRETA:

Art. 1º Fica criado o Comitê Estadual para o Desenvolvimento e Integração

das Políticas Públicas na Faixa de Fronteira vinculado à Casa Civil,com objetivo de

estabelecer estratégias para integrar, desenvolver e fortalecer os municípios da

Faixa de Fronteira do Estado de Mato Grosso.

Art. 2º Compete ao Comitê Estadual para o Desenvolvimento e Integração das

Políticas Públicas na Faixa de Fronteira:

I - definir critérios contextualizando com as ações definidas nas Políticas Nacionais e

Estaduais de desenvolvimento regional, voltadas para a Faixa de Fronteira;

II - congregar e interagir as entidades governamentais, as universidades públicas e

privadas e a sociedade civil organizada, comprometidas com o desenvolvimento e

integração da Faixa de Fronteira;

III - estabelecer critérios de ações conjuntas entre o Governo do Estado e os

Municípios abrangidos pela Faixa de Fronteira, respeitando as especificidades de

cada município e atuação dos órgãos governamentais;

IV - propor políticas de governo, articular os níveis de Governos Federal, Estadual e

Municipal, bem como articular as ações relativas à integração internacional

especialmente às ligadas a Faixa de Fronteira;

V - propor estratégias, plano e projetos voltados para o desenvolvimento

sustentável da Faixa de Fronteira;

VI - identificar, reivindicar e divulgar as fontes de financiamento para o

desenvolvimento dos municípios que constituem a Faixa de Fronteira;

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VII - desenvolver as atividades de relacionamento com o Ministério de Relações

Exteriores, Itamaraty, Embaixadas e Corpo Consulares.

VIII - promover e desenvolver atividades de relacionamento com a Comissão de

Relações Exteriores e Segurança Nacional da Câmara Federal e do Senado

Federal.

Art. 3º O Comitê Estadual para o Desenvolvimento e a Integração das Políticas

Públicas na Faixa de Fronteira será composto por representantes indicados pelos

Titulares dos seguintes órgãos:

I - Casa Civil;

II - Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral – SEPLAN;

III - Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos - SEJUDH;

IV - Secretaria de Estado de Segurança Pública – SESP;

V - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural e Agricultura

Familiar – SEDRAF;

VI - Secretaria de Estado de Desenvolvimento do Turismo – SEDTUR;

VII - Secretaria de Estado de Indústria Comércio Minas e Energia – SICME;

VIII - Secretaria de Estado de Saúde – SES;

IX - Secretaria de Estado de Cidades – SECID;

X - Secretaria de Estado de Transporte e Pavimentação Urbana – SETPU;

XI - Secretaria de Estado de Educação – SEDUC;

XII - Secretaria de Estado de Cultura – SEC;

XIII - 01 representante de cada município pertencente a Faixa de Fronteira

do Estado de Mato Grosso.

Parágrafo único. Poderão participar das reuniões do Comitê, na condição

de convidados órgãos públicos municipais, estaduais, federais, universidades

públicas e privadas e a sociedade civil organizada, que venham a contribuir nas

ações de políticas públicas para o atendimento das finalidades do Comitê.

Art. 4º O exercício da função de membro do Comitê Estadual para o

Desenvolvimento e a Integração das Políticas Públicas na Faixa de Fronteira não

será remunerada, sendo considerado serviço público relevante.

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Art. 5º A Coordenação Executiva dos trabalhos nas reuniões do Comitê Estadual

para o Desenvolvimento e a Integração das Políticas Públicas na Faixa de Fronteira

será exercida, pela Casa Civil e secretariada pela Secretária de Estado de

Planejamento e Coordenação Geral.

Art. 6º As normas procedimentais, atribuições e outras competências do Comitê

Estadual para o Desenvolvimento e a Integração das Políticas Públicas na Faixa de

Fronteira serão estabelecidas por meio de Regimento Interno.

Art. 7º Fica revogado o Decreto nº 2.720, de 05 de agosto de 2010.

Art. 8º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá, 28 de junho de 2011, 190º da Independência,

e 123º da República.

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