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Universidade Federal de Pernambuco Programa de Pós-Graduação em Psicologia Docente: Karla Galvão Adrião Por uma Epistemologia do Invisível Entre Circuitos Científicos e Políticas da Abjeção Céu Cavalcanti Recebo a partir da disciplina de epistemologia do conhecimento em psicologia um convite a refletir teoricamente sobre temáticas que me tenham interpelado desde um referêncial epistemológico. Desse modo, ao refletir sobre possíveis temáticas a escrever, esbarro nas minhas recentes caminhadas pelos campos de estudos que se comprometem a pensar a partir de locais de desprivilégio. Em paralelo, me debruçar sobre o conceito de abjeção me tem sido tarefa importante tanto pessoal quanto academicamente. Esboço então tentativa de linearidade que componha as necessárias amarras teóricas ao apresentar a reflexão epistemológica que me ocorre nesse contexto. Ao iniciar a organização desse texto, uma música chega na minha lista e parece de algum modo falar do que proponho. Trata-se de images, interpretada por Nina Simone. Ao deixar que a música me capture, presto atenção em sua letra, que fala: Ela não sabe sobre sua beleza/ ela pensa que seu corpo negro não tem glória/ mas se ela pudesse dançar nua sob as palmeiras/e visse sua imagem refletida no rio/ela saberia/mas não tem palmeiras nas ruas/e a pia não reflete imagens 1 . 1 Tradução livre da letra: “She does not know her beauty, She thinks her brown body has no glory. If she could dance naked, Under palm trees And see her image in the river She would know. But there are no palm trees On the street, And dishwater gives back no images.” Disponível em: http://www.vagalume.com.br/nina-simone/images.html#ixzz39bveCznj

Por Uma Epistemologia Do Invisível

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ensaio feito em disciplina do mestrado

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Universidade Federal de PernambucoPrograma de Ps-Graduao em PsicologiaDocente: Karla Galvo AdrioPor uma Epistemologia do Invisvel Entre Circuitos Cientficos e Polticas da AbjeoCu CavalcantiRecebo a partir da disciplina de epistemologia do conhecimento em psicologiaum convite a refletir teoricamente sobre temticas que me tenham interpelado desde umreferncial epistemolgico. Desse modo, ao refletir sobre possveis temticas a escrever,esbarro nas minhas recentes caminhadas pelos campos de estudos que se comprometema pensar a partir de locais de desprivilgio. m paralelo, me debru!ar sobre o conceitode ab"e!#o me tem sido tarefa importante tanto pessoal quanto academicamente. sbo!oent#o tentativa de linearidade que componha as necessrias amarras tericas aoapresentar a refle$#o epistemolgica que me ocorre nesse conte$to.%o iniciar a organi&a!#o desse te$to, uma m'sica chega na minha lista e parecedealgummodofalar doqueproponho. (rata)sedeimages, interpretadapor *ina+imone. %o dei$ar que a m'sica me capture, presto aten!#o em sua letra, que fala,Elano sabe sobre sua beleza/ ela pensa que seu corpo negro no tem glria/ mas se elapudesse danar nua sob as palmeiras/e visse sua imagemrefletida no rio/elasaberia/mas no tem palmeiras nas ruas/e a pia no reflete imagens1.% princpio parece n#o haver rela!#o direta de tal m'sica com uma disciplina deepistemologia ou com a refle$#o sobre constru!#o do conhecimento dito e tido comocientfico. -orm, a mim a liga!#o parece t#o clara que opto por usar essa m'sica comoguia a levar minha escrita quase delirante .numa proposta Deleu&iana/0 e dei$ar que oflu$o terico que por hora me atravessa se some 1s interpela!2es que trago.3maprimeiraassocia!#opodeserpensadaaorefletir sobrecomooaparatocientfico posto como ferramenta privilegiada de enuncia!#o. Como lcus possvel dedi&er sobre as coisas o que elas s#o. Desse modo se opera uma din4mica derepresenta!#o5reapresenta!#o6 do 7real8 que, depois de ser pronunciado se 7com)forma8.-enso de imediato algumas referncias diferentes que defendem tal ideia. -arece ent#o1 Traduo livre da letra: She does not know her beauty, She thinks her brown body has no glory. If she could dance naked, Under palm trees And see her image inthe river She would know. But there are no palm trees On the street, And dishwater gives back no images. Dis!on"vel em: #tt!:$$%%%&vagalume&com&br$nina-simone$imagestml'i())*+bve,)n-Por uma .!istemologia do /nvis"velhaver sentidoemtra!ar algumagenealogiaeentender queapartir domovimentodenominado como giro lingustico o discurso adentra nos variados campos de produ!#ode conhecimento e com isso, opera modifica!2es nas rela!2es dicot9micas entre su"eito)ob"eto. : que me chama aten!#o nesse ensaio pensar, se h no "ogo cientfico umadin4mica de representa!#o, em quais corpos e vidas o discurso do conhecimento n#oencontraeco, ouquandoofa&, colocataisvidas nolugar dasanormalidades edoe$tico. ;usco ent#o respaldo em debates epistemolgicos contempor4neos para melhorpensar tais quest2es. Das pias que no devolvem imagens Comoprimeiroelementoderefle$#o, meproponhoapensar sobrecomoossistemas de pensamento delimitam redes que parecem hierarqui&ar discursos,distribuindo possibilidades diferentes aos su"eitos. % pia da m'sica de *ina +imone mechega como potente metfora, pois se o que libertaria as auto percep!2es da pessoa quepossuiocorponegroeraapossibilidadedeverseurefle$odeoutrosmodos, tem convenientemente seus marcadoresapagados e atravessamentos como classe, ra!a, gnero, territrio passama sermenospre&ados na configura!#o de hegemonias intelectuais. *esse sentido,invisibilidade protege o status e mantm os supostos elevados patamares onde residemiluminadas criaturas chamadas cientistas. " !invisibilidade parado$almente antag9nica tambm me parece ser delegada a certosgrupos cu"o 7apagamento8 torna)se estratgico na manuten!#o do status quo das nossascenas coletivas. +e os poderososC cientistas s#o transparentes, h uma mirade de serestidos como ine$istentes. +ua in)e$istncia posta como op!#o diante do 7desconforto8que tra&em aos pro"etos civili&atrios calcados nas heran!as coloni&atrias banhadas namoral "udaico)crist# e alimentadas por sculos de economias imperialistaseurocentradas. %o me deparar com esse comple$o "ogo, busco au$lio nos escritos de DaAatri +pivac,quando ao perguntar sobre se dentro dos "ogos imperialistas, quais vivncias s#o postascomo subalternas, destrincha as redes de violncias que operam mesmo nos campos dasintelectualidades. lapassaafalarent#ode=san!2esnarrativas>conferidasavidassubalternas dentro deumsistema colonial.-ossopensar que,seria umefeitode tais* 5arcando a1ui o masculino !ro!ositalmente&Por uma .!istemologia do /nvis"velsan!2es o fato de, na m'sica de *ina, a pia ser o 'nico local possvel de constru!#onarrativa para a pessoa negra referida.(al invisibilidade, ainda me parece que por ve&es levada at seu pontoe$tremo. Eonasondeavidainsuportavelmentepesadaporn#ocabernospadr2esnormativos. Resgato a no!#o de ab"e!#o para lembrar que, nas conceitua!2es operadas apartir de inst4ncias normativas, sempre h vidas dei$adas propositalmente de fora dosideais eleitos como humanidade. *#o humanos5monstros s#o e$pulsos para as &onas den#orepresenta!#o. *#osefala, n#osev, n#osesabesobre, pareceser algicaalme"ada. mFudith;utler encontrorefle$#osobre comoas ab"e!2es seoperam,porm, em Fulia Gristeva me fica mais direta a rela!#o entre "ogos de ab"e!#o e "ogos decincia. m primeiro, a)b"eto posto como parado$al rela!#o radicalmente diferente deob)"eto. *esseconte$to, setemos noob"etoumcorpoHpassvel de investimentos,colocamos tal 7ob"eto8 como possvel e dese"vel nos variados conte$tos de vida. :pera)seumadin4micaderepresenta!#oondetal ob"etoencontraseulugarnasdin4micasculturais. mparalelo, hcorposquen#oencontrampossibilidadesdeinvestimentoqualquer. %ssim sendo, n#o se ob"etificam, n#o se materiali&am dentro e a partir dasdin4micas culturais. sses seres, s#o e$pusos da categoria de humano e empurrados aoque ;utler chama de &onas inabitveis da e$istncia. Como efeito poltico, a=desumani&a!#o> de corpos lhes dei$a a merc de toda uma srie de atrocidades quesequer ser#o tidas como =crimes>. -ois suas vidas s#o sempre tidas como menores emenos importantes. (ra!ar paralelosentre polticascientficase polticasdeab"e!#o mepareceportanto,ponto fundamental a se pensar epistemologias crticas. Dar vo#$ Iuando nos pergunta =pode o subalterno falar/> +pivac n#o espera compor ummanual de passos simples para visibilidade de grupos minoritrios. : que se opera mais a refle$#o de como o sistema que define quem tem vo& desde sempre atravessadopor pro"etos coloni&atrios. Dar vo& passa a ser um parado$o similar ao que circula apalavra =empoderar>, pois teria a5o intelectual que se vista de criticidades esse poderquase divino de =dar> vo& a quemeleger como necessitada5o desse ato/ *#o ouso aindaemumensaiobuscarresponderessaquest#o, maspartodelapararefletirsobreque6 .ntendendo cor!o no a!enas como materialidade2 mas tamb3m como su!er4"cie !or onde circulem a4etos e intensidades& Por uma .!istemologia do /nvis"velmodelodecinciapossvelquandonospropomosapercebercomcertaclare&aasredes deopress#oquenos atravessamaodistribuir privilgios aalguns conte$tos.?ara@aA segue sua refle$#o por caminhos que me permitem tra!ar fina costura tericaaoproporqueumoutromodelodecinciasefa&necessrio. Cinciadeinspira!#ofeminista, diriam algumas, cincia sucessora, diria +andra ?arding, cinciacorporificada, nos diria a prpria ?ara@aA.%modifica!#odopressupostosquedelimitamoconstructoterico.comoaintrincadano!#odeob"etividadecientfica0, fa&emoperar emcascatamodifica!2estambm nos campos sub"ascentes. -enso ent#o que, o embate na legitima!#o de umacinciacorporificada, quenecessariamenteatravessadopor embates daordemdeprodu!#o e legitima!#o dos discursos, necessariamente implica empensar outrasmetodologiaseformasde7fa&er8 cientfico. -orsuave&, amodifica!#onessefa&errevela como produto, outras verdades conceituais sobre o mundo. ntendo nesse lcus,metodologia como um espa!o propcio a materiali&ar proposi!2es poltico)ideolgicasque se originam a partir da refle$#o epistemolgica crtica. -arafinali&ar tal breveensaio, concluocomarefle$#odeque, sehredesconstantes de invisibilidade, a metfora da vis#o nos novamente 'til.: convite feitopor pro"etos de inspira!#o feminista parece ser potente ferramenta de autocrtica que mechega enquanto pessoa que busca se apropriar do campo 7cientfico8. %ssim, bebendonesse referncial ao pensar sobre violncias5colonialismos5opress2es tambmdoscampos intelectuais, me insurge o dese"o crescente de que ns, enquanto pessoas quemanipulam e mobili&am as maquinarias tericas, possamos sempre nos responsabili&arpelo que escolhemos,aprendemos e queremos ver. %efer&ncias;3(BR, Fudith. Corpos que pesam, sobre os limites discursivos do se$o. in, Bouro, Duacira B. .:rg.0.' corpoeducado( pedagogias da se)ualidade. ;elo ?ori&onte, %utntica, 6JJJ.KKKKKKKKK *arcos de guerra+ ,as vidas lloradas. spasa libros, Ladrid, 6JMJ.?%R%N%O, Donna. Antropologia do Ciborgue.+#o -aulo, ditora %utntica, 6JJP.KKKKKKKKKKK +aberes Bocali&ados, a quest#o da cincia para o feminismo e o privilgio da perspectiva parcial. Qn,Cadernos Pagu. *'cleo de studos de Dnero5 3*QC%L-. +#o -aulo, MPPR.B:RD, %udre.A -ransformao do .il&ncio em ,inguagem e Ao. MPSH disponvel emhttps,[email protected]%3DRU6JB:RDU6JC:B(%*%)bVlt.pdf. %cessadoem M65JH56JMH-RQ*+, ;auV"e.W LQFR, QreneCostera. ComoosCorposse (ornamLatria, ntrevistacomFudith;utler.Qn%evista Estudos /eministas. vol.MJ, n.M. 6JJ6. R:B*QG, +uelA.Cartografia .entimental ! -ransforma0es Contempor1neas do Desejo. ditora +ulina. +#o-aulo. 6JJX. Por uma .!istemologia do /nvis"vel+QL:*, *ina. Qmages. Qn +QL:*, *ina. Pastel 2lues, -hilips Records, MPXH+-QY%G, DaAatri ChaVravortA. Pode o subalterno falar$ ;elo ?ori&onte, ditora da 3ZLD, 6JMJ.