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68 Cecilia Flores-Oebanda O telefone toca no meio da noite. Uma voz sibila no escuro: “Saia do caminho do tráfico, ou vamos matar você e seus filhos”. Mas Cecilia Flores-Oebanda não se deixa intimidar. Ela está acostumada às amea- ças de morte, depois de tantos anos de luta contra aqueles que com- pram e vendem meninas para o trabalho escravo. Hoje ela é uma das principais defensoras do fim da escravidão moderna no mundo. V á em frente”, Cecilia costuma responder. “Pretendo lutar até a minha última gota de sangue”. Nada pode fazê-la desistir de seu sonho: que todas as crianças filipinas tenham direito a uma vida boa e segu- ra, em que possam ir à escola e não precisem trabalhar. O tráfico de seres humanos é o terceiro negócio mais lucrati- vo do mundo, atrás somente do tráfico de drogas e do comércio de armas. Muitas pessoas estão perdendo dinheiro devido à luta de Cecilia. “Mas agora eles têm medo de mim. Eles sabem que eu nunca vou desistir”, diz ela. Na primeira vez em que Cecilia foi ameaçada, ela temeu, principalmente por seus filhos. “Porém, todos os meus filhos concordaram que eu tenho que continuar”. Portões trancados Cecilia está sempre alerta no caminho para o trabalho. Uma guarda de segurança abre os portões de ferro e tem o cuidado de trancar o pesado cadeado novamente. Três garotinhas vêm correndo e abraçam Cecilia. “Tia Dai”, gritam, usando o apelido pelo qual as crianças chamam Cecilia. “Venha brincar conosco!” As meninas são primas vin- das de Cebu, no arquipélago de Visayas, uma das regiões mais pobres das Filipinas. Muitas vítimas do tráfico vêm de lá. Rosalie, 10 anos, e suas primas acabam de ser resgatadas pela organização Cecilia, o Fórum Visayan. Elas logo serão levadas ao Lar Seguro. O lar é uma casa para as meninas que não podem voltar para suas famílias. TEXTO: CARMILLA FLOYD FOTOS: KIM NAYLOR NOMEADA Páginas 68–87 POR QUE CECILIA É NOMEADA? Cecilia Flores-Oebanda foi nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo 2011 por sua luta de 20 anos contra o trabalho infantil e o tráfico humano. Cecilia começou a trabalhar aos cinco anos de idade, e fez da luta pelos direitos das crianças mais pobres e mais vulneráveis a missão de sua vida. Cecilia fundou a organi- zação Fórum Visayan, que salvou dezenas de milha- res de meninas do trabalho escravo e do tráfico humano. Eles realizam trabalho preventivo em áreas rurais e cidades para impedir que crianças sejam exploradas. Cecilia influenciou a legislação nas Filipinas e em todo o mundo para melhorar a proteção à criança. Apesar das constantes ameaças de morte, ela não desiste. Cecilia e o Fórum Visayan administram oito Lares Transitórios para meninas de todo o país, quatro centros de apoio para trabalhadores domésticos e um Lar Seguro, um lar para as maiores vítimas. Desde o ano 2000, Cecilia e o Fórum Visayan ajudaram 60.000 vítimas do tráfico de pessoas e levaram diversos casos ao tribunal. Eles treinaram milhares de parceiros no combate ao tráfico, inclusive juízes, promoto- res, policiais, agências de viagens e autoridades governamentais. Cecilia e as meninas que ela ajuda sofrem ameaças fre- quentes e precisam de prote- ção. Porém, Cecilia não tem medo. Ela nunca deixará de lutar.

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Cecilia Flores-OebandaO telefone toca no meio da noite. Uma voz sibila no escuro: “Saia do caminho do tráfico, ou vamos matar você e seus filhos”. Mas Cecilia Flores-Oebanda não se deixa intimidar. Ela está acostumada às amea-ças de morte, depois de tantos anos de luta contra aqueles que com-pram e vendem meninas para o trabalho escravo. Hoje ela é uma das principais defensoras do fim da escravidão moderna no mundo.

Vá em frente”, Cecilia costuma responder. “Pretendo lutar até

a minha última gota de sangue”.

Nada pode fazê-la desistir de seu sonho: que todas as crianças filipinas tenham direito a uma vida boa e segu-ra, em que possam ir à escola e não precisem trabalhar. O tráfico de seres humanos é o terceiro negócio mais lucrati-vo do mundo, atrás somente do tráfico de drogas e do comércio de armas. Muitas pessoas estão perdendo dinheiro devido à luta de Cecilia. “Mas agora eles têm medo de mim. Eles sabem que eu nunca vou desistir”, diz ela. Na primeira vez em que Cecilia foi ameaçada, ela temeu, principalmente por

seus filhos. “Porém, todos os meus filhos concordaram que eu tenho que continuar”.

Portões trancadosCecilia está sempre alerta no caminho para o trabalho. Uma guarda de segurança abre os portões de ferro e tem o cuidado de trancar o pesado cadeado novamente. Três garotinhas vêm correndo e abraçam Cecilia. “Tia Dai”, gritam, usando o apelido pelo qual as crianças chamam Cecilia. “Venha brincar conosco!”

As meninas são primas vin-das de Cebu, no arquipélago

de Visayas, uma das regiões mais pobres das Filipinas. Muitas vítimas do tráfico vêm de lá. Rosalie, 10 anos, e suas primas acabam de ser resgatadas pela organização Cecilia, o Fórum Visayan. Elas logo serão levadas ao Lar Seguro. O lar é uma casa para as meninas que não podem voltar para suas famílias.

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NOMEADA • Páginas 68–87

POr que CeCilia é nOmeada?Cecilia Flores-Oebanda foi nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo 2011 por sua luta de 20 anos contra o trabalho infantil e o tráfico humano.

Cecilia começou a trabalhar aos cinco anos de idade, e fez da luta pelos direitos das crianças mais pobres e mais vulneráveis a missão de sua vida.

Cecilia fundou a organi-zação Fórum Visayan, que salvou dezenas de milha-res de meninas do trabalho escravo e do tráfico humano. Eles realizam trabalho preventivo em áreas rurais e cidades para impedir que crianças sejam exploradas.

Cecilia influenciou a legislação nas Filipinas e em todo o mundo para melhorar a proteção à criança. Apesar das constantes ameaças de morte, ela não desiste.

Cecilia e o Fórum Visayan administram oito Lares Transitórios para meninas de todo o país, quatro centros de apoio para trabalhadores domésticos e um Lar Seguro, um lar para as maiores vítimas.

Desde o ano 2000, Cecilia e o Fórum Visayan ajudaram 60.000 vítimas do tráfico de pessoas e levaram diversos casos ao tribunal. Eles treinaram milhares de parceiros no combate ao tráfico, inclusive juízes, promoto-res, policiais, agências de viagens e autoridades governamentais.

Cecilia e as meninas que ela ajuda sofrem ameaças fre-quentes e precisam de prote-ção. Porém, Cecilia não tem medo. ela nunca deixará de lutar.

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Cecilia Flores-OebandaUma garota pode ter sido vendida por seus próprios pais e, neste caso, estaria sob risco de ser vendida nova-mente.

“Meu pai morreu, e minha mãe não fez nada para colocar comida na mesa para mim e meus irmãos”, conta Rosalie. “Eu morava com meu avô”.

Um dos vizinhos de Rosalie, Archie, sempre dizia que ela e suas primas deve-riam deixar a escola e traba-lhar para ele. Archie e sua amiga Stella tinham um internet café (lan house) e afirmavam precisar de mode-los para fazer filmes. Archie disse: “Vocês podem ganhar muito dinheiro”.

“Tive que sair da escola, pois nós não tínhamos nem mesmo o que comer”, conta Rosalie. Foi quando eu e minhas primas começamos a trabalhar para Archie.

Archie tinha prometido que apenas os rostos das meninas apareceriam no fil-me, mas era mentira. “Nós tivemos que dançar nuas diante de uma câmera. Archie disse que homens de outros países pagavam para nos ver”.

Tudo que Rosalie fazia era fil-mado com uma webcam. O filme era transmitido ao vivo on-line para homens dos EUA e Austrália. Enquanto obser-vavam as crianças, os homens enviavam mensagens para Archie, dizendo o que que-riam que as meninas fizessem diante da câmera.

As meninas trabalharam para Archie e Stella por mais de dois anos. Elas entregavam o dinheiro que recebiam a suas famílias. Muitas outras crianças faziam o mesmo. Archie dizia que elas não podiam contar o que faziam a ninguém.

Polícia invadeUm dia, o internet café foi cercado por policiais arma-dos. De longe, Rosalie viu Archie e Stella sendo condu-zidos por um carro de polícia. Quatro crianças também saí-ram da casa, e choravam quando os policiais as leva-ram. “As pessoas diziam que seríamos presas por ter traba-lhado para Archie. Ficamos apavoradas e nos esconde-mos. Levou vários meses até que nos encontrassem.

Não seria seguro manter as crianças que foram vítimas naquela área. Portanto, Rosalie e suas primas ficaram sob a custódia de Cecilia e do Fórum Visayan, em Manila. “Mas agora estou feliz. Sinto saudades da minha família, mas meu avô diz que estou melhor aqui e que devo me dedicar à escola”.

A história de CeciliaA família de Cecilia era das mais miseráveis entre os pobres. “Nós morávamos entre um lixão e um rio”, con-

ta ela. “Comecei a trabalhar aos cinco anos de idade. Minhas irmãs e eu vendíamos os peixes que meu pai pescava no rio. Eu andava naquele calor com o cesto de peixe na cabeça, enquanto água fedo-renta e óleo de peixe escor-riam pelo meu rosto e cabelo, mas eu sabia que não podia voltar para casa sem antes vender todos os peixes. As pessoas diziam: ‘Dance para nós, garotinha, e comprare-mos suas mercadorias’. Então, eu dançava e cantava”.

Cecilia e seus onze irmãos procuravam no lixão por coi-sas que pudessem vender. Às vezes, não dava tempo de sair quando o caminhão de lixo chegava. “Uma vez fiquei coberta de lixo fedorento até o queixo!”

Adorava a escolaA mãe de Cecilia havia estu-dado, e fazia questão que seus filhos fossem à escola. Ela

O que é tráfico humano?O tráfico de seres humanos é o terceiro negócio mais lucrativo do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e do comércio de armas. As pessoas podem ser vendidas diver-sas vezes, enquanto houver alguém disposto a comprá-las. Crianças e adultos são levados a outros países, ou para outras regiões de seu próprio país, para serem explorados em trabalhos forçados. Isso é chamado de escravidão moderna. Muitas pessoas são exploradas como emprega-das domésticas ou escravas sexuais. Crianças são rapta-das, vendidas, enganadas ou forçadas a fazer coisas contra a vontade. A maioria das vítimas são provenientes de famí-lias muito pobres. Os traficantes de seres humanos as con-trolam através da violência, chantagem e da ameaça de prejudicar os pais ou irmãos das vítimas.

Rosalie, 10 anos, e suas pri-mas foram resgatadas do tra-balho de dançar nuas diante de câmeras num internet café. Agora elas estão protegidas no Lar Seguro de Cecilia.

Quando criança, Cecilia vendia peixe para ajudar na sobrevivência da família. Dessa forma, podia ir à escola.

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preferia passar fome a não pagar as taxas escolares das crianças. Cecilia era importu-nada na escola por causa das sandálias estranhas e porque seu cabelo e roupas gastas sempre cheiravam a peixe e lixo. A pior época foi a adoles-cência. “Ela é bonita, mas fede”, diziam os meninos, tapando o nariz quando ela passava. “Vocês não conhe-cem esse novo perfume?” – dizia Cecilia, tentando pare-cer forte, mas por dentro ela ficava triste e com raiva. Ela percebeu que muitas famílias que não trabalhavam nem de longe tão duro quanto a sua se alimentavam bem. Então decidiu que seus filhos teriam uma vida melhor do que a sua.

O pai de Cecilia explicou que ela tinha que ser forte para sobreviver às dificulda-des deste mundo. “Ele me ensinou a lutar boxe e aposta-

va em mim como vencedora das lutas! E ele me jogou no rio para que eu aprendesse a nadar. Em pouco tempo, eu nadava como um peixe”.

Cecilia venceu várias com-petições de nado e conquistou uma vaga na equipe de nata-ção da escola. Isso lhe garan-tiu uma bolsa que pagava suas taxas escolares e seus livros.

Luta contra o ditadorDurante a infância de Cecilia, as Filipinas eram governadas pelo ditador Ferdinand Marcos. Ela começou a pro-testar contra o regime aos 14 anos, apesar daquilo ser mui-to perigoso. Ela estava furiosa porque Marcos e seus amigos tinham um estilo de vida luxuoso, enquanto os pobres passavam fome. Um dia, alguns anos mais tarde, Cecilia descobriu que os mili-tares planejavam um ataque à sua casa. Ela fugiu para as montanhas e ficou conhecida

por todo o país como Comandante Llway. Poucos sabiam que o temido comba-tente da liberdade era uma adolescente. Após vários anos lutando na guerrilha, ela foi cercada pelos soldados de Marcos. Ela gritou: “Aqui é o Comandante Llway. Não ati-rem, estou saindo”. Alguns dos soldados cortaram mechas de seus longos cabelos como prova de que tinham ajudado a capturá-la.

Ajuda às crianças pobresDurante o tempo que passou na montanha e na prisão, Cecilia teve três filhos. As crianças nascidas na prisão foram batizadas com os nomes Dakip (Captura) e Malaya (Liberdade).

O ditador Marcos foi enfim derrubado. Milhões de pesso-as tomaram as ruas e força-

ram a sua renúncia e a de seu regime.

Agora Cecilia queria pro-porcionar uma vida melhor a seus filhos. Todavia, ela tam-bém queria lutar por todas as crianças das Filipinas que vivem em extrema pobreza. Com a ajuda de seus irmãos, começou a construir sua pró-pria organização, em Manila. Nesta época, a região onde Cecilia cresceu foi atingida por um tufão que matou mais de 10.000 pessoas e deixou centenas de milhares de desa-brigados. Cecilia descobriu que traficantes impiedosos exploravam a tragédia alheia. Crianças que ficaram órfãs, ou mesmo as desabrigadas pelo tufão, recebiam promes-sas de emprego e escola, mas eram vendidas como escravas.

Conforme o trabalho de Cecilia se tornava mais

É comum meninas que trabalham como domésticas nas Filipinas serem tratadas como escravas. Muitas pedem ajuda pelo telefo-ne de apoio de Cecilia, que fun-ciona 24 horas.

Muitas meninas vendidas por traficantes de pessoas têm a chance voltar a ser crianças nos Lares Transitórios de Cecilia.

Cecilia adora cantar e rir com as meninas resgatadas por sua organização, o Fórum Visayan.

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conhecido, crianças começa-ram a procurá-la para pedir ajuda. “Eu conheci meninas que fugiram do trabalho escravo como empregadas domésticas de famílias ricas. Algumas delas tinham cica-trizes de queimaduras de cigarro ou ferro de passar. Uma moça havia sido forçada a beber ácido corrosivo e morreu devido aos ferimen-tos. Ela chegou até nós quan-do já era tarde demais. Percebi

que deveria apostar tudo na ajuda a essas crianças.

Em 1991, Cecilia liderou a primeira Marcha Global Contra o Trabalho Infantil,

que hoje reúne milhões de crianças e 114 organizações de todo o mundo na luta con-tra o trabalho infantil e a escravidão. A Marcha Global

Coopera-ção salva crianças“Todos devem aderir à luta contra o trabalho infantil e o tráfi co humano, ou nunca alcançaremos nosso objetivo”, diz Cecilia. Nos portos e aero-portos, ela atua em conjunto com a polícia, seguranças, taxistas e carregadores de bagagens. Eles são treinados por assistentes sociais e por meninas vítimas do tráfi co. Aprendem a identifi car trafi -cantes de seres humanos e suas jovens vítimas, a vigiar e a fazer perguntas, além de distri-buírem panfl etos com o núme-ro do telefone de apoio de Cecilia. Qualquer pessoa pode telefonar para essa linha para pedir ajuda ou denunciar suspeitos de tráfi co.

Cecilia e o Fórum Visayan acreditam que todos devem participar da luta para erradicar o trabalho infantil e o tráfi co humano. Eles lutam em todo o território fi lipino e certifi cam que os governantes não façam vista grossa para a compra e venda de crianças como mercadorias:

• Crianças e adultos das regiões mais pobres das Filipinas, de onde vem a maioria das vítimas do tráfi co humano, recebem educação e apoio. Em particular, as mães são treinadas para terem condições de proteger seus fi lhos. • Nos portos e aeroportos, o Fórum Visayan coopera com funcionários, policiais e outras autoridades, para identifi car o tráfi co humano e resgatar suas vítimas. • Operações de resgate são conduzidas para libertar crianças exploradas em bordéis ou como empregadas domésticas em residências. • Linhas telefônicas de apoio funcionam 24 horas por dia para crianças e adultos que precisam de ajuda ou desejam denunciar casos suspeitos de

tráfi co humano ou trabalho escravo.• As meninas resgatadas são acolhidas em Lares Transitórios em todo o país e recebem ajuda para voltarem para suas famílias e ter confi ança e fé no futuro. As meninas que não podem retornar para casa recebem abrigo e educação no Lar Seguro de Cecilia.• Crianças menores de 14 anos que por lei não podem trabalhar nas Filipinas, têm seus estudos pagos. As meninas mais velhas obtêm formação profi ssional, experiência de trabalho e, às vezes, auxílio fi nanceiro. Ex-trabalhadores infantis são encorajados a fundar Clubes dos Direitos da Criança locais, onde brincam e se divertem, e também conscientizam as pessoas sobre o tráfi co humano, a fi m de manter seus amigos seguros.• Para vencer a guerra contra o tráfi co humano é necessário aprimorar as leis, para que protejam as crianças e facilitem o julgamento dos trafi can-tes e sua condenação à prisão. Cecilia infl uencia políticos das Filipinas e de todo o mundo a mudarem suas leis e regras.

O que Cecilia e o Fórum Visayan fazem?

Cecilia ensinou a polícia e segu-ranças de portos e aeroportos a reconhecer trafi -cantes e meninas vítimas do tráfi co humano. Eles agora a ajudam a capturar aqueles que compram e vendem crianças.

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luta pelas cerca de 250 milhões de crianças trabalhadoras do mundo. Destas, quatro milhões são crianças filipinas.

As centenas de milhares de crianças que trabalhavam como domésticas para famí-lias filipinas não tinham direitos e geralmente eram tratadas como escravas. Por isso, em 1995, Cecilia fundou

o primeiro sindicato de empregados domésticos das Filipinas, o Sumapi.

Hoje, o Fórum Visayan, de Cecilia, é uma das organiza-ções mais importantes de todo mundo na luta contra a escravidão moderna e o tráfi-co humano. Centenas de voluntários e funcionários trabalham com Cecilia em

Manila, em seu Lar Seguro, nos Lares Transitórios de todo o país, e em seu progra-ma de prevenção nas vilas e favelas. Cecilia é conhecida em todo o mundo, mas ela nunca vai esquecer suas raí-zes. “Ainda posso sentir o cheiro de peixe e lixo no meu corpo”, diz Cecilia.

O Lar Seguro de Cecilia

Aprenda filipino!

Algumas garotas não podem retornar para as suas famílias e se mudam para o Lar Seguro de Cecilia, o “Center of Hope” (Centro da Esperança), em um endere-ço secreto de Manila. Geralmente, essas meninas sofreram ameaças de morte das pessoas de quem fugiram. Elas recebem apoio dos “pais do lar”, assistentes sociais, psicólogos, professores e seguranças.

“É preciso que elas se sintam como se este fosse o seu verdadeiro lar. Aqui, elas recebem proteção e fé no futuro”, diz Cecilia. O terreno do Lar Seguro foi compra-do através de uma doação feita por J.K. Rowling, a autora dos famosos livros de Harry Potter. Há planos de se construir uma escola e um ginásio ali.

Os quase 100 diferentes grupos étnicos que vivem nas 7.107 ilhas das Filipinas falam 170 línguas e dialetos diferentes. O idioma nacional é o filipino. Como as Filipinas pertenceram à Espanha e depois aos EUA por 400 anos, o idioma tem muitas palavras em espanhol e inglês.

Oi = Kumusta HóTchau = BabaySim = OhóNão = Hindi HóSocorro! = Saklala!Viva! = Mabuhay!Amigo = KaibiganGrupo de amigos = Barkada

Crianças resgatadas do trabalho infantil ajudam Cecilia na luta pelos direitos da criança, protestando contra o tráfico humano.

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Samraida

Aprenda filipino!

como escravavendida

Samraida tinha 14 anos quando foi contrabandea-da para fora das Filipinas com um passaporte falso. Ela viajou milhares de qui-lômetros para trabalhar 20 horas por dia, sete dias por semana, como empre-gada doméstica de uma família rica do Oriente Médio.

“Fui tratada pior que um animal, e fui vendida a um novo empregador contra minha vontade”, conta Samraida.

A gue se lembrar, sua mãe sempre trabalhou no

exterior. Sua família mora em Mindanao, uma das regiões mais pobres das Filipinas, a qual foi devastada pela guerra civil há mais de 30 anos. Muitas crianças pobres em Mindanao crescem sem suas mães. Aqui, a maioria das famílias são muçulmanas, portanto as meninas e mulhe-

res são muito procuradas para trabalhar como empregadas domésticas em países muçul-manos ricos, como a Arábia Saudita.

“Minha mãe só vinha para casa uma vez a cada dois ou três anos”, diz Samraida. “Quando eu tinha dez anos, pedi que ela ficasse. Eu chora-va e me agarrava a ela, mas ela ficou furiosa e gritou que tra-balhava feito uma escrava por

minha causa.

O jeepney é o meio de transporte mais comum nas Filipinas. Eles são sempre decorados com muita criatividade, cores vivas, estampas e ornamentos. Jeepneys frequentemente são utilizados para o transporte de vítimas do tráfico. Eles podem transportar até 15 pessoas, mas a polícia já parou ônibus jeepney onde os traficantes haviam embarcado até 50 jovens. Elas são muitas vezes cobertas com uma lona, e os trafican-tes dizem à polícia e aos funcionários do porto que o espaço de carga está cheio de legumes ou alguma outra mercadoria.

Jeepney para o transporte de escravas

Naquela noite, decidi parar de sentir saudades de minha mãe. Mal nos conhecíamos, de qualquer forma”.

Embora a mãe enviasse dinheiro todo mês, a família muitas vezes ficava à beira da inanição. O pai trabalhava duro na plantação, mas mes-mo assim eles quase não tinham o que comer. Quando Samraida tinha doze anos, ela teve que começar a trabalhar como empregada doméstica.

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Samraida Esmael, 18

Ela também cuidava de seus irmãos e da casa.

O trabalho de Samraida era duro e o salário, péssimo. Por isso, ela decidiu ir trabalhar no exterior também, apesar de sua mãe dizer que era hor-rível. As pessoas que traba-lham no exterior ganham mais, e dois salários ajuda-riam a família. Porém, Samraida era jovem demais para obter um passaporte – de acordo com a lei fi lipina, é preciso ter pelo menos 23 anos para trabalhar no exterior.

Documentos falsosA jornada de Samraida até seu trabalho no Oriente Médio começa quando ela tem 14 anos. Um homem de Manila vem à sua aldeia. Ele é um agente de recrutamento pro-curando por meninas que desejam trabalhar no exte-

rior. O homem promete que Samraida obterá um passa-porte e um emprego se ela o acompanhar.

Samraida agarra a chance. Numa manhã bem cedo, ela embarca para Manila com o agente de recrutamento e duas meninas mais velhas. A viagem leva quase quatro dias, primeiro de jeepney (microônibus típico das Filipinas) e depois de balsa.

“Seus vistos ainda não estão prontos”, explica o homem. “Enquanto esperam, podem morar com minha esposa e eu, e cuidar de nossa casa”.

Samraida e as outras meni-nas são mantidas trancadas na casa, sem remuneração. De fato, o agente de recrutamento afi rma que elas terão que pagar pela estadia e alimentação.

“Descontaremos essas des-pesas de seus salários durante seus primeiros sete meses no Oriente Médio”, diz ele.

Longa esperaO agente de recrutamento entrega a Samraida um papel onde estão os detalhes de seu passaporte falso. Sua idade foi alterada para 23 anos, e ela ganhou outro nome e local de nascimento. Ela precisa saber de cor todos os detalhes, caso seja interrogada pela polícia no aeroporto.

Semanas se passam, e Samraida sente-se assustada e enganada. Será que ela vai ter que fi car aqui, como escrava do agente de recrutamento? A sala escura onde ela dorme com as outras meninas parece uma cela de prisão. Ela quer ir para casa.

“Faça o que quiser”, diz o agente de recrutamento. “Mas primeiro você tem que pagar os sete meses de salários, é o que nos deve pelo alojamento, alimentação e despesas de via-gem. E você mesma pagará sua viagem de volta para casa”.

Samraida não tem nenhum dinheiro e não sabe para onde ir.

Após seis meses, outras meninas chegam à casa, e o agente de recrutamento diz que o visto de Samraida está pronto. Há um emprego espe-rando por ela no Kuwait. Três dias depois, ela está a caminho do aeroporto, vestida com um véu e uma saia longa. A esposa do agente de recrutamento maquiou Samraida para fazê-la parecer mais velha. Um homem encontra Samraida no terminal de embarque e entre-ga sua passagem e o passapor-te falso.

QUER SER: Assistente social e trabalhar para Cecilia.ÍDOLOS: As cantoras Celine Dion e Sarah Geronimo.GOSTA DE: Cantar, principalmente canções tradicionais fi lipinas.ADMIRA: Cecilia, Erica e todos os outros do Fórum Visayan.

O imenso aeroporto era assustador. Samraida nunca havia voado antes,quando foi contrabandeada para uma vida de trabalho escravo no exterior.

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“Demonstre confiança. Mantenha a coluna ereta e olhe para frente. Escolha o segundo portão ao passar pelo controle de passaporte”, diz o homem, antes de desa-parecer na multidão. O cora-ção de Samraida parece estar em sua boca, quando ela se aproxima do controle de pas-saporte. Suas mãos tremem ao entregar o passaporte fal-so, mas o oficial de controle de passaporte sequer olha para ela.

“Pode passar”, diz ele.Samraida percebe que o ofi-

cial de controle de passaporte foi pago para deixá-la passar.

A chegada ao KuwaitTonta e com náuseas, Samraida cambaleia para fora do avião no Kuwait. Um homem a aguarda no desem-barque segurando um cartaz

com o nome falso de Samraida. No entanto, ela não é levada ao seu local de trabalho, mas a uma agência de emprego na Cidade do Kuwait. Samraida é trancada num quarto pequeno e sem janelas, que já está cheio de meninas e jovens mulheres. Algumas são das Filipinas, outras do Sri Lanka, Indonésia e Etiópia. À noite, Samraida e algumas outras meninas têm que formar uma fila e ser inspecionadas por três homens. Samraida fica com medo. Um dos homens diz que tem seis filhos e quer uma menina para cuidar deles e de toda a casa.

“Você terá que trabalhar das quatro da manhã até às duas da manhã seguinte, sete dias por semana”, diz ele.

Samraida faz um cálculo rápido de cabeça. São 22

horas por dia! “Eu não consigo”, diz ela.O homem fica furioso.“Você é preguiçosa! Por que

veio para cá se não quer tra-balhar?”

Ao longo de duas semanas, Samraida conhece uma série de homens com exigências semelhantes. Ela vai para casa com um deles, para um perío-do de teste. Ela tem que subir numa escada alta para limpar um armário, mas perde o equilíbrio e quase cai. O homem a leva de volta à agên-cia de emprego.

“Ela não serve”, diz ele.O proprietário da agência

de emprego fica furioso e tenta espancar Samraida, mas ela foge.

“Por que você quer me machucar?”, pergunta ela. “Vim aqui para trabalhar, não para ser tratada como um animal”.

Quando Samraida é levada de volta ao quarto, ele está mais lotado que nunca. Mais meninas chegam do aeropor-to todos os dias, e não há mais espaço nem para deitar. Samraida tem que dormir sentada, mas isso é quase impossível devido ao calor. O quarto não tem nem janelas nem ventilador, e é difícil res-pirar ali. Samraida entende que terá que aceitar qualquer emprego, só para sair dali.

Primeiro empregoApós 18 dias, Samraida é con-tratada como empregada doméstica de uma família com quatro filhos, três dos quais são adultos, mas ainda vivem com os pais. É uma casa grande, de quatro anda-

Quase nenhum outro país no mundo tem tantos cida-dãos trabalhando no exte-rior quanto as Filipinas. O país tem uma longa tradição de pessoas que viajam ao exterior para encontrar tra-balho, uma tradição desen-volvida e incentivada pelo ex-ditador Marcos. Quase metade das crianças de 10-12 anos de idade do país afirma já ter considera-do a possibilidade de traba-lhar no exterior. Hoje, o país é uma das principais fontes de trabalhadores migrantes do mundo. Alguns viajam legalmente, mas centenas de milhares são contraban-deados para fora do país e vendidos em países vizi-nhos como Malásia e Hong Kong, além do Oriente Médio, África, EUA e Europa.

“Outros países exportam chá, café ou eletrônicos. As Filipinas exportam pesso-as”, diz Cecilia.

Exporta pessoas

Samraida foi interrogada pela polícia quando descobriram que ela tinha um passaporte falso.

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res. Uma mulher filipina um pouco mais velha cuida do preparo das refeições. Samraida deve limpar a casa, lavar e passar. Seu emprega-dor explica as regras da casa:

“Você nunca deve deixar a casa – você é jovem demais para sair sozinha. Você deve usar o véu e não pode usar roupas apertadas, curtas ou decotadas. Não perca tempo conversando com a outra empregada, nem telefone para sua casa. E não é permi-tido ter qualquer contato com as empregadas domésticas dos nossos vizinhos”.

Após o primeiro dia de tra-balho, Samraida está esgota-da. Seu corpo inteiro dói, pois ela esfregou pisos, lavou louça e roupa das quatro da manhã até a meia-noite.

A outra empregada traba-lha para a família há sete anos. Ela sussurra que Samraida deve tomar cuidado com o filho mais novo.

“Ele mente e diz que as empregadas domésticas rou-bam suas coisas, apenas para chamar a atenção da mãe”.

Samraida trabalha sete dias por semana, desde o amanhe-cer até a meia-noite. Os dias se emendam. A casa é a prisão de Samraida. Ela quer ir pra casa, mas assinou um contra-to e prometeu trabalhar para a família por dois anos. Todo mês, ela manda seu salário inteiro para sua família em Mindanao. Eles escrevem contando sobre a casa que estão construindo com seu dinheiro. Isso lhe dá forças para aguentar um pouco mais.

Samraida fogeApós dois anos, Samraida

está esgotada, mas feliz. Ela irá para casa. Seu contrato estipula que o empregador deve devolver seu passaporte e lhe dar uma passagem de avião. Mas ela tem um cho-que: seu patrão se recusa. Ele quer que Samraida fique.

“Vá para casa, se quiser”, diz ele. “Mas ficaremos com seu passaporte, e você não vai con-seguir a passagem conosco”.

A família para de pagar o salário, mas obriga Samraida a continuar trabalhando. Entretanto, depois de quatro meses, eles se cansam de suas lágrimas e seus apelos para ser autorizada a ir para casa. Eles a enviam de volta para a agência de emprego. Lá, eles dizem que Samraida tem de trabalhar para juntar o dinhei-ro da passagem para casa, e a vendem a outra família.

No novo emprego, Samraida cuida de uma garo-tinha. Quando a menina ado-ece, Samraida acompanha a família ao hospital, e percebe que esta é sua chance de esca-par. Ela pede permissão para ir ao banheiro, mas desce cor-rendo pelas escadas. Chegando à rua, ela chama um táxi.

“Leve-me a uma delegacia de polícia!”

A polícia ouve Samraida explicar que foi vendida con-tra sua vontade.

“Vamos tentar ajudá-la”, dizem eles. “Enquanto isso, você pode ficar aqui”.

Samraida é espremida em uma cela com cerca de 80 meninas e mulheres das Filipinas e de muitos outros países. Todas são empregadas domésticas aguardando jul-gamento ou esperando para

serem enviadas para casa. Logo Samraida faz uma boa amiga, Katy. Ela fugiu de seu patrão, que a estuprava.

“Ele me atacava toda vez que sua esposa saía de casa”, conta ela. Quando Katy fugiu, seu empregador a denunciou por roubo. Agora ela aguarda o julgamento.

Samraida fica com medo. Imagine se a mesma coisa acontecer com ela! Mas depois de oito meses na cela

da prisão, ela finalmente con-segue seu passaporte e uma passagem de avião. Quando ela voa para casa, Katy conti-nua presa. Ela foi condenada a vários anos de prisão pelo suposto roubo.

Finalmente em casaTodavia, quando Samraida chega em Mindanao, outro choque a aguarda. A casa nova, em cuja construção se gastou todo seu dinheiro, se

Samraida recuperou a esperança no futuro através de Cecilia e de sua estadia no Lar Transitório.

Samraida é muçulmana e faz suas orações cinco vezes por dia.

"O trabalho doméstico é dig-no". Cecilia luta pelos direitos das empregadas domésticas.

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foi. Houve confrontos entre rebeldes e forças governa­mentais em sua aldeia natal. Muitas pessoas morreram, e sua casa foi totalmente des­truída num incêndio. Seu pai e seus irmãos estão vivendo em um campo de refugiados. Eles estão felizes pela volta de Samraida, mas choram ao contar a ela sobre o que acon­teceu.

“Você nem sequer conse­guiu ver sua própria casa!”, dizem.

Samraida decide ir nova­mente para o exterior.

“Pretendo ganhar dinheiro suficiente para construir uma casa nova”.

“Absolutamente não”, diz o pai, aborrecido. “Neste caso, você terá que caminhar ou nadar até Manila”. Porém, Samraida insiste e o pai acaba concordando.

Uma noite, algumas sema­nas mais tarde, Samraida está de volta ao aeroporto. Mas, desta vez, o oficial de controle de passaporte do aeroporto

chama a unidade especial de combate ao tráfico humano. Eles foram treinados por Cecilia e pelo Fórum Visayan, e sabem reconhecer vítimas de tráfico. Samraida afirma ter 25 anos, mas o dentista da unidade especial examina seus dentes e descobre que ela tem 18 anos. Então, eles cha­mam Erica, uma das assisten­tes sociais do Fórum Visayan.

Lar Transitório protegeAtrás de muros altos, perto do aeroporto, fica o Lar Tran­sitório de Cecilia, onde meni­nas que foram resgatadas a caminho do exterior são man­tidas em segurança. Passa da meia­noite quando um guar­da abre o cadeado dos portões pesados. Samraida chora silenciosamente. Ela perdeu a chance de ajudar sua família. E se ela for presa por tentar viajar com um passaporte falso?

Erica a leva para um quarto no andar superior. Na escuri­dão, tudo que Samraida con­

segue ver são fileiras de pequenas camas, e ela entra em pânico. Estará ela de volta à prisão? Mas uma das meni­nas acorda e sussurra:

“Não se preocupe. Você foi trazida para um lugar bom. Agora durma, e amanhã con­versaremos mais”.

Na manhã seguinte, todas as meninas se reúnem em vol­ta de Samraida. Todas elas foram vítimas do tráfico, mas foram resgatadas pelo Fórum Visayan, uma organização que ajuda as meninas a fre­quentar à escola e as reúnem com suas famílias.

Uma semana depois, Samraida acorda no meio da noite. Uma menina está sen­tada na cama ao lado da sua. Ela acaba de chegar do aero­porto, e parece assustada e confusa.

“Não tenha medo”, diz Samraida. “Você foi trazida para um lugar bom. Agora durma, e nós conversare­ mos mais amanhã”.

Cecilia e o Fórum Visayan construíram nove dos chama-dos lares transitórios próximo ao aeroporto de Manila e dos portos de navegação usados pelos traficantes de pessoas. As meninas resgatadas são levadas diretamente para um lar transitório, onde obtêm proteção e socorro imediato. Nos lares transitórios, há assistentes sociais e trabalha-dores de campo disponíveis 24 horas por dia. Há também uma “mãe da casa”, que garante que as meninas tenham tudo que precisam, desde alimento e lugar para dormir até carinho e amor. Dependendo da situação indi-vidual de cada menina, elas podem receber ajuda para se reunir com suas famílias, bol-sas para as taxas escolares e apoio jurídico e psicológico. Os lares transitórios adminis-tram linhas telefônicas de assistência e treinam funcio-nários do aeroporto e de por-tos sobre como identificar o tráfico e resgatar as vítimas.

O que é o Lar Transitório?

Samraida foi mantida presa como uma escrava durante muitos anos. Hoje, ela está de volta à escola e deseja trabalhar com Cecilia e o Fórum Visayan. Ela já atua no combate ao tráfico humano, divulgando informações e participando de manifestações contra o tráfico.

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Um dia no Lar TransitórioPerto do aeroporto está um dos lares transitó-rios de Cecilia, uma casa segura para meninas resgatadas do tráfi co para o exterior, onde se-riam usadas em trabalhos forçados.

6h00 Hora de acordar! Às vezes novas meninas chegam do aeroporto durante a noite. Elas geralmente estão tristes e assustadas, portanto precisam de uma recepção calorosa quando as outras acordam.

6h20 Ginástica matinalAté as mais dorminhocas despertam.

6h40 Frescas e belasDucha rápida e escovar os dentes – ninguém quer perder o café da manhã.

7h30 Todas ajudamTodas ajudam a mãe da casa, Alice, a preparar o desjejum e pôr a mesa.

9h00 Oi CeciliaHoje Cecilia veio visitar. Ela brinca, joga e conversa com as meninas. Embora muitas delas contem suas experiên-cias tristes, também há mui-tas risadas.

11h00 Construir abrigo! O tufão se aproxima! Na brincadeira Bahay, Bata, Bagyo (Lar, Criança, Catástrofe), as crianças precisam de proteção e de um lar seguro. A brincadeira começa quando alguém grita que um furacão está chegando. Então todos devem se apressar para “construir” casas onde se abrigar.

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Um dia no Lar Transitório

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12h00 Peixe para o almoçoKrista, 16 anos, ajudou a fritar peixe para o almoço.

13h30 Dança das cadeiras com Lady GagaLady Gaga ecoa nos alto-falantes, enquanto as meninas brincam de dança das cadeiras. Todas gritam e riem quando a última cadei-ra se quebra sob a feliz vencedora. Ela foi res-gatada apenas alguns dias antes, depois que um membro da família para a qual trabalhava como doméstica ten-tou estuprá-la.

20h00 Noite de karaokê e cartasÀ noite, muitas se reú-nem em volta da TV para cantar karaokê. Outras preferem escrever cartas.

18h00 Orações cris-tãs e muçulmanasAs meninas católicas usam uma pequena sala no andar de cima como capela, enquanto as muçulmanas costumam usar o dormitório para suas orações.

22h00 Silêncio no Lar TransitórioA luzes se apagam e tudo é paz e sossego. Mas quem sabe quantas meninas novas serão resgatadas esta noite.

As garotas mais novas podem desenhar e escrever sobre suas experiências.

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Mary-Ann foi enganada para o bordelQuando o pai de Mary-Ann adoeceu, ela teve que deixar a esco-la. A família corria risco de passar fome quando lhe ofereceram um emprego com bom salário num restaurante de Manila. Porém, Mary-Ann foi enganada e forçada a se tornar escrava em um bordel.

Mary-Ann cresce em Samar, onde sua família tem uma

pequena propriedade rural. Eles moram num casebre de bambu rodeado de prados, montanhas e grandes árvores. A região é bonita, porém muito pobre. A família rara-mente tem alimento suficien-te para uma refeição satisfató-ria. Quando o pai adoece, Mary-Ann precisa parar de estudar e começa a trabalhar como empregada doméstica.

O salário é ruim e ela chora toda noite até dormir sob a mesa de seu patrão. Após seis meses, ela volta para casa e pede autorização à mãe para voltar para a escola. Mas não é possível.

Alguns dias depois, Nena, uma prima de sua mãe, vem visitar. Ela diz que pode con-seguir emprego para Mary-Ann em um restaurante na capital, Manila.

– Ela é jovem demais, dizem os pais inicialmente,

mas acabam cedendo quando Nena promete cuidar de Mary-Ann.

A jornada começa na manhã seguinte. Algumas meninas do vilarejo também vão. É a primeira vez que Mary-Ann deixa Samar, e a primeira vez que viaja de bal-sa. As ondas altas lhe causam enjoo, mas ela está cheia de expectativas.

No trajeto do terminal da balsa até Manila, prédios altos e ruas largas passam

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foi enganada para o bordelrápido pela janela do táxi. Letreiros luminosos e vitri-nes brilham na escuridão da noite. Todavia, quando o táxi para, Mary-Ann se decepcio-na. Ela vê uma casa suja cain-do aos pedaços atrás do muro alto.

– Onde está o restaurante? – pergunta ela.

– Primeiro vocês precisam descansar, retruca Nena. Ela leva as meninas para dentro da casa e as deixa sozinhas num quarto pequeno. As outras logo adormecem deita-das no chão. Mas Mary-Ann permanece acordada por mui-to tempo. Ela sente que Nena se comporta de maneira

meninas correm para a janela e veem um vigia do lado de fora dos portões. Elas estão presas no bordel.

Após algum tempo, surge um homem que as arrasta para outra sala, que está cheia de garotas de roupas íntimas sentadas no chão. De repente, Mary-Ann reconhece suas primas de Samar. Nena tam-bém as enganou e trouxe para cá. Uma delas, Paula, diz que as meninas são mantidas a sete chaves 24 horas por dia, e só podem sair para cuidar de clientes. Os homens que tra-balham no bordel são chama-dos cafetões. Eles vigiam as meninas e as levam aos hotéis

estranha, e que algo está erra-do.

Cativas no bordelNa manhã seguinte, Nena conta a verdade. Não há emprego em restaurante. As meninas devem trabalhar em um bordel e vender seus cor-pos para homens estranhos. Mary-Ann fica chocada.

– Por que você não disse? – grita ela. – Eu nunca teria vindo com você! Minha mãe não teria concordado com isso!

Nena simplesmente vai embora. Quando Mary-Ann tenta segui-la, a porta está trancada. Ela e as outras

dos clientes. Paula fica com pena de Mary-Ann, que chora e diz que quer ir para casa.

– Nena fica com todo o dinheiro que ganhamos, mas às vezes os clientes nos dão um dinheirinho – diz Paula. Eu economizei um pouco, e posso pagar sua passagem para casa.

Mas quando Nena volta, ela diz que Mary-Ann tem que ficar.

– O dinheiro de Paula não vai te levar longe. Você me deve muito dinheiro, por isso precisa trabalhar para me pagar. Você não tem escolha.

Um dos cafetões leva Mary-Ann a um consultório médico.

Mary-Ann foi resgatada do trabalho escravo em um bordel e recebeu proteção no lar de Cecilia para meninas.

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– Não diga uma palavra a ninguém, avisa ele no caminho.

Nena quer saber se Mary-Ann tem alguma doença e se ela é virgem, nunca teve rela-ção sexual. Mais tarde, Mary-Ann descobre que os clientes pagam mais por meninas vir-gens. Ela é a caçula no bordel e vale muito dinheiro para os traficantes.

A médica desconfia. Ela faz muitas perguntas, mas o cafe-tão está perto e Mary-Ann não se atreve a pedir ajuda.

Nena dá um sabonete espe-cial a Mary-Ann e manda que ela tome 3 banhos por dia para que sua pele fique mais clara. Ela também ganha um vestido curto e roupa íntima. As roupas de Mary-Ann são feias e infantis, diz Nena. Mary-Ann embrulha suas roupas num pacote. Quando ninguém está olhando, ela escreve um bilhete para sua mãe e o esconde entre as rou-pas. Depois ela entrega o pacote a Nena.

O primeiro clienteLogo o cafetão tenta levar Mary-Ann para um cliente, mas ela consegue escapar dele e se recusa a ir. No dia seguin-te, o cafetão está furioso. Ele xinga Mary-Ann de coisas terríveis e grita que ela não pode simplesmente comer e dormir, ela tem que traba-lhar. O cafetão obriga Mary-Ann a ir com ele e a deixa num quarto de hotel. O clien-te, um empresário chinês, está irritado porque teve que esperar dois dias por sua vir-gem. Ele diz para ela tirar a

roupa e tomar um banho. Ela começa a chorar, se ajoelha e implora que ele a deixe em paz.

– É a primeira vez que faço isso, eles me obrigaram.

No fim, o homem também começa a chorar.

– Não vou tocar em você. Mas não conte ao seu cafetão, diz ele. – Deite-se e descanse.

Mas Mary-Ann não ousa se deitar, ela teme que o homem a ataque.

– Não tenha medo. Eu

tenho filhas da sua idade, é por isso que eu estou te dei-xando em paz, diz ele.

Poucas horas depois, Mary-Ann encontra o cafetão no lobby do hotel.

– Doeu? – pergunta ele. Mary-Ann olha para baixo e sacode a cabeça.

Mary-Ann tenta fugirNo dia seguinte, Mary-Ann é arrastada para outro quarto de hotel. O cliente usa uma

túnica verde de hospital, como as que médicos costu-mam usar. Ele não se comove com as lágrimas de Mary-Ann.

– Eu paguei. Agora, tire a roupa e faça seu trabalho, diz ele, forçando Mary-Ann para a cama. Ela tenta se desvenci-lhar, mas ele é muito pesado. Ela sente que vai sufocar.

O homem estupra Mary-Ann. Em seguida, ele a joga para fora do quarto. Ela desce as escadas, determinada a

Dezenas de milhares de meninas de famílias pobres são vendidas por traficantes para prostíbulos e bordéis nas Filipinas.

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Mary-Ann, 17

to e estão recrutando meni-nas para um novo bordel. Por isso ela continua a trabalhar com Cecilia e o Fórum Visayan, para conscientizar as pessoas sobre o tráfi co huma-no e denunciar casos suspeitos.

– Quase todas as famílias da minha aldeia foram afetadas de alguma forma, diz ela. Muitas crianças e mulheres foram aliciadas e exploradas. Alerto minhas irmãs e todas as meninas da aldeia para não falar com estranhos. Eu digo: “Não dê ouvidos a promessas empolgantes de bons empre-gos bem remunerados, nem mesmo de pessoas que você conhece”. Afi nal, eu fui ven-dida por minha própria parente!

fugir antes do retorno do cafetão. Mas, quando ela cor-re para saída, os funcionários do hotel a impedem e cha-mam Nena.

Naquela noite, Mary-Ann se curva no chão do quarto abafado e sem janelas, e chora de dor e exaustão. Esta é sua vida, agora?

Chega o resgateEnquanto isso, na aldeia de Samar, a mãe de Mary-Ann encontra seu bilhete no paco-te de roupas. Ela vai direto à delegacia, que entra em con-tato com a polícia em Manila. No dia seguinte, batem à por-ta do bordel. Há policiais e assistentes sociais lá fora.

– Não temos uma Mary-Ann aqui, diz o cafetão. Mas Mary-Ann ouve seu nome e grita pedindo socorro.

No carro, a caminho da delegacia, o cafetão sussurra que é melhor ela fi car calada.

– Caso contrário, você e sua família estarão em apuros.

Mary-Ann fi ca com medo. E se Nena mandar matar seus pais e irmãos? Ela se recusa a responder às perguntas da polícia, e o cafetão é liberado

Muitas vezes, Mary-Ann ainda acorda no meio da noite com pesadelos, suando frio e o coração disparado. Mas ela se sente feliz por estar livre e por ter voltado para a escola.

– Vou me formar assistente social e trabalhar para Cecilia, diz Mary-Ann. Quero ser como ela e salvar as meninas da escravidão e dos abusos.

GOSTA DE: Escrever poesia e ler.FAMÍLIA: Mãe e seis irmãos – meu pai morreu.QUER SER: Assistente social.ÍDOLOS: As estrelas da TV Kris Bernal e Aljur Abrenica.ADMIRA: Cecilia e as outras pessoas do Fórum Visayan.

para voltar ao bordel. Mary-Ann é levada para

um lar transitório do Fórum Visayan. Outras meninas res-gatadas do tráfi co humano vêm recebê-la, e Cecilia lhe diz para não temer, pois ela está segura aqui. Então, Mary-Ann começa a contar sua história. Isso signifi ca que a polícia e o Fórum Visayan podem fazer outra operação de resgate e libertar todas as meninas que estão presas naquele bordel.

Feliz e livreCom o apoio de Cecilia e do Fórum Visayan, Mary-Ann tem coragem de testemunhar contra os trafi cantes no tribu-nal.

– Quero me vingar, ela diz a Cecilia. Eles roubaram minha infância.

Antes e durante o julga-mento, Mary-Ann e sua famí-lia recebem ameaças de mor-te. Mas Mary-Ann não se dei-xa intimidar e sua família a apoia.

Finalmente, Nena é conde-nada à prisão. Entretanto, Mary-Ann sabe que outras pessoas já assumiram seu pos-

Mary-Ann e suas novas amigas lutam juntas para combater o tráfi co humano.

Há uma pequena capela católica no Lar Transitório para meninas.

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Ruby

Ruby nunca se esquece do dia em que seu trafi cante foi condenado à prisão perpétua. Ela e Cecilia choraram quando o veredito foi anun-ciado. Foi uma vitória histórica.

Ruby tinha 14 anos quan-do foi enganada por um trafi cante. Ela era a

fi lha mais velha e vivia com sua família no bairro pobre de Mandaluyo.

“Eu tive que abandonar a escola e começar a trabalhar aos doze anos. Meu padrasto estava desempregado e gasta-va todo nosso dinheiro em bebida. Ele me batia e minha mãe gritava comigo o tempo todo. Um dia, uma amiga me disse que sua tia Nellie podia conseguir emprego para nós duas em um restaurante no litoral. Achei que era uma boa oportunidade de me livrar do meu padrasto e da ladainha

de minha mãe. Além disso, com um bom salário, eu poderia enviar dinheiro para a família”.

Ruby e cinco outras meni-nas se encontraram na casa da tia de sua amiga.

“Nellie mostrou nossos uniformes: tops curtos e minissaias. Ela também per-guntou se éramos virgens. Aquilo me deixou nervosa, mas minhas amigas não pare-ciam preocupadas, então eu não disse nada. Nellie disse que passaríamos aquela noite em sua casa e seguiríamos para o litoral no dia seguinte. Portanto, eu não tive tempo de falar com minha mãe. Na

manhã seguinte, viajamos quatro horas de ônibus até o terminal da balsa, em Batangas”.

Interrogada pela políciaQuando Nellie e as meninas estavam prestes a embarcar na balsa, um guarda as parou. Ele suspeitou que Nellie fosse trafi cante de pessoas e cha-mou a polícia.

“O policial perguntou

venceu trafi cante

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O mercadinho do bairro de Ruby tem que se proteger contra roubos.

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Robileen ”Ruby” Acebo, 20

quantos anos eu tinha”, diz Ruby. “Primeiro, eu respondi 18, como Nellie havia me ins-truído. Depois, disse 16. ‘Você parece ter doze anos”, disse o policial. Ele era um homem grande e sua voz parecia irritada.

Fiquei apavorada e acabei

feliz por minha mãe me con-siderar mais importante que o dinheiro”.

Veredito históricoNellie foi condenada à prisão perpétua. Pela primeira vez nas Filipinas, um trafi cante de pessoas foi condenado após ser capturado durante o transporte de suas vítimas.

“Fiquei muito contente, mas também lamentei por Nellie. Eu descobri que ela também havia sido vítima do tráfi co, e que acabara de ter um fi lho. O empresário, dono do bar para onde seríamos levadas, a convencera a recru-tar mais meninas. Agora Nellie está na prisão, mas o empresário continua livre. Isso não parece justo”.

Hoje, Ruby mora com sua família novamente. O tempo que passou no lar transitório

a fez acreditar no futuro e for-taleceu sua autoestima. Ela agora consegue se fazer ouvir quando seus pais brigam. Ela geralmente fala sobre o tráfi -co humano nas reuniões de protesto e apoia outras meni-nas.

“Agora estou estudando serviço social. Meu sonho é um dia ter meu próprio lar e uma família, e trabalhar para o Fórum Visayan. Esta é minha maneira de retribuir tudo que fi zeram por mim. Tia Cecil me inspirou. Ela possibilitou que milhares de meninas recuperassem suas vidas, e nunca deixa de lutar por nós”.

contando a verdade”. Na delegacia Ruby também

conheceu Chris, uma assis-tente social da organização de Cecilia, o Fórum Visayan.

“Chris me fez sentir segura. Ela explicou que nós estáva-mos prestes a ser vendidas para um bordel”, diz Ruby. “Falou que havíamos sido sal-vas no último minuto, e que Nellie seria presa, se aceitás-semos testemunhar contra ela. Porém não me atrevi a responder mais nenhuma pergunta”.

Ruby e suas amigas foram levadas para o lar transitório de Cecilia. As meninas mais velhas estavam furiosas e que-riam ir embora de lá.

“Na verdade, eu queria fi car, mas não ousei me opor às minhas amigas. Acabamos conseguindo escapar, mas a polícia nos pegou. Depois dis-so, fi z novas amigas no lar transitório. Aprendi mais sobre o tráfi co humano, e conheci meninas que tinham sido escravas sexuais em bor-déis. Eu percebi que tive mui-ta sorte por ter sido salva em cima da hora. Agora, queria que aqueles que me engana-ram fossem punidos. Não só por mim, mas também por minhas amigas”.

Ameaças de morteQuando Ruby e outra menina concordaram em testemu-nhar no tribunal, elas e suas famílias receberam ameaças de morte.

“Às vezes me sentia deses-perada e queria desistir”, lem-bra Ruby. “Mas Cecilia e o Fórum Visayan me deram o apoio que eu precisava para continuar. Na primeira vez que testemunhei, eu estava apavorada. A família e os amigos de Nellie estavam lá, me olhando de forma amea-çadora. Mais tarde, descobri que haviam oferecido muito dinheiro à minha mãe para que ela me impedisse de teste-munhar. Mas ela recusou. Aquilo me surpreendeu, mas também me senti orgulhosa e

QUER SER: Assistente social e trabalhar para Cecilia e o Fórum Visayan.GOSTA DE: Dançar, mas eu sou muito tímida! Escrever poesia.NÃO GOSTA: Gritos e injustiça. O fato de que meninas são exploradas e abusadas.ADMIRA: Cecilia. Ela me salvou e me inspirou a salvar outros.

Os prêmios e o diploma da escola de Ruby. Garotas resgatadas usam máscaras na inauguração do Lar Seguro de Cecilia.

A casa de Ruby – toda a família divide um único cômodo!

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Victor Reyes, 11

Geronimo Garcia, 13

Crianças contra o tráfi co humanoQuando um incêndio atingiu o bairro pobre de Pan-dacan, mais de 50 famílias tiveram suas casas des-truídas. Muitas crianças tiveram que abandonar a escola e começar a trabalhar para sobreviver. Uma delas foi Dane Padel, de 12 anos.

Agora Dane está de volta à escola, graças a uma bolsa de estudo do Clube dos Direitos da Criança de Cecilia, em Pandacan. Dane e outras crianças que foram salvas do

trabalho infantil agora lutam pelos direitos das crian-ças!– Fazemos teatro de rua para alertar crian-

ças e adultos sobre os trafi cantes de pessoas, conta Dane. Ele e seus amigos também criaram sua própria camiseta como parte da campanha

contra o tráfi co. Dane escreveu

“Não ao abuso!” em sua camiseta.

GOSTA DE: Escola, principal-mente matemática. ATIVIDADE NO CLUBE DOS DIREITOS DA CRIANÇA: Teatro. Gosta de atuar e nunca fi ca nervoso. QUER SER: Policial. Quero colocar todos os trafi cantes de pessoas e de drogas atrás das grades para proteger as crianças. A polícia nunca vem ao nosso bairro. ADMIRA: Minha avó. Ela é uma das líderes do Fórum Visayan no nosso bairro. GOSTA DE: Quando tivemos uma festa de Dia das Bruxas. NÃO GOSTA DE: Incêndios. Quando eu soube que o Fórum Visayan ajudou as pessoas afetadas pelo incêndio, entrei para o Clube dos Direitos da Criança.

ATIVIDADE NO CLUBE DOS DIREITOS DA CRIANÇA: Encontro meus amigos, faço teatro, canto e danço. Sou um bom ator. Também obtive ajuda para pagar as taxas escolares. GOSTA DE: Minha avó. Minha mãe me deixou com ela há sete anos e nunca mais voltou. Minha avó é cega, então eu a ajudo em tudo. Nós não temos quase nenhum dinheiro, os vizinhos nos dão comida. NÃO GOSTA DE: Quando as pessoas bebem, brigam e gritam. Aqui há gangues que lutam entre si. Eu tento evitá-los. QUER SER: Designer de moda e artista. O que mais quero criar são vestidos de baile. SONHO: Acabar com a violência na minha vizinhança e no meu país. MELHOR EXPERIÊNCIA: Quando visitamos o parque temático O Reino Encantado. PIOR: O grande incêndio. Ele destruiu a vida de muitas pessoas.

Esteja alerta!Kert Quiambo, 12

Não estou à venda!Renamae Timoteo, 10

Não fale com estranhos!Charlie Fernando, 11

Dane Padel

O teatro de rua das crianças alerta as pessoas sobre o tráfi co humano.

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Crianças contra o tráfi co humano

O guarda-roupa de MaricarA atriz MaricarMaricar mantém suas roupas em um armário num beco. Sua família guarda todos os seus pertences aqui, pois eles não têm casa própria.

Maricar, 13 anos, adora o Clube dos Direitos da Criança de Cecilia. Todo dia depois da aula, ela encontra seus amigos para ensaiar a peça infantil contra o tráfi co humano.

Roupas de brincar– Essas são minhas roupas de brincar. São confortáveis e dão liberdade de movimento. Minhas sandálias de plástico são práticas e baratas. Principalmente durante a época das monções, quando geralmente há inundações em Pandacan. Eu queria ter sapatos de salto e sapatilhas de bailarina quadriculadas, mas são muito caros.

Uniforme escolar – Temos que usar camisa branca e calças cor de rosa na escola. Compramos de segunda mão, de crianças mais velhas para quem não servem mais porque cresce-ram. Agora estou em férias de verão, sin-to falta da escola e de meus amigos de lá.

Roupas de festa– Posso pegar emprestados vestidos do Clube dos Direitos da Criança quando vou dançar danças fi lipinas, como Tatarin e Buling-Buling. Adoro festas, principalmen-te o Festival de Santo Niño. Nessa ocasião, nós brincamos e dançamos nas ruas

Santo Niño, o menino Jesus, é o santo padroeiro de Pandacan. Segundo a lenda, a área foi atacada pelo exército espanhol no século XIX. Mas os soldados inter-romperam o ataque quando viram um garotinho brincando em frente aos seus canhões. Os habitantes de Pandacan dizem que deve ter sido o menino Jesus que os salvou. Desde então, todos os anos, há uma festa em memória de Santo Niño no mês de janeiro.

Maricar e sua família não têm

casa própria, apenas um banco estrei-to e um armá-rio em uma dos becos

apertados do bairro pobre de Pandacan. Seus pais dor-mem no ban-co. Maricar e

seu irmão geral-mente dormem no chão da casa de

parentes. – Espero que um dia nós

tenhamos nossa própria casa, diz ela. Eu queria ter uma casinha bonita de qua-tro cômodos.

Antes, Maricar trabalhava para ajudar sua família, mas agora o Clube dos Direitos da Criança a ajuda a pagar as taxas escolares.

– O que mais gosto é do grupo de teatro. Também aprendemos a dançar. Interpretamos cenas sobre o tráfi co humano. Em uma cena, eu interpreto uma empregada doméstica que é abusada por seu patrão e vai à polícia.

ConscientizaMaricar aprendeu muito sobre o tráfi co humano e os direitos da criança. Ela cons-cientiza todas as pessoas

que conhece: família, vizi-nhos e colegas de escola.

– Eu digo: “Não seja cego, olhe à sua volta. Se você ver algo suspeito, não seja pas-sivo, faça alguma coisa!” Minha mãe fi cou chocada com muitas coisas que con-tei a ela. Por exemplo, que existe crime organizado e que pessoas compram e vendem crianças. Se os trafi -cantes humanos tentarem me recrutar, vou denunciá-los à polícia. Se tentarem me sequestrar, eu fugirei. Eu sou boa de briga!”

Quando Maricar ouve que um trafi cante foi condenado à prisão, ela fi ca feliz.

“Mas isso não acontece com frequência”, diz ela.

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Maricar com sua família. O banco estreito e o armário no beco são sua “casa”.

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