235
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES NO ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL MARIA CAROLINA CANCELLA DE AMORIM

portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES

NO ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL

MARIA CAROLINA CANCELLA DE AMORIM

RIO DE JANEIRO

2016

Page 2: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

MARIA CAROLINA CANCELLA DE AMORIM

PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES

NO ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL

Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Direito, área de concentração em Acesso à Justiça e Efetividade do Processo, para a obtenção do título de Mestre.

Prof. Dr. Guilherme Calmon Nogueira da Gama

(Orientador)

Rio de Janeiro

2016

12

Page 3: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

13

Page 4: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Agradeço ao Professor Dr. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, orientador desta dissertação, pela confiança depositada, o acompanhamento e a atenção a

cada detalhe da pesquisa.

Ao Professor Dr. Rafael Mario Iorio Filho, pelo incentivo nesta pesquisa e na participação em diversas atividades acadêmicas.

À Professora Dra. Mariza Alves Braga, pela amizade e o incentivo.

14

Page 5: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

À Carolina Monteiro Gonçalves da Silva (in memoriam)

15

Page 6: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

RESUMO

O sistema norte-americano, diante de sua complexidade e dos microssistemas jurídicos, baseia-se nos precedentes judiciais. Para se compreender esse sistema, é preciso conhecer a teoria do stare decisis, a fim de perceber que o precedente tem efeito vinculante obrigatório tão somente no plano vertical. A perfeita distinção entre ratio decidendi e obter dicta é essencial para se verificar o que de fato possui efeito vinculante. Mecanismos de revisão dos precedentes (overruling) e de distinção de casos para afastar sua incidência (distinguishing), além da aplicação de modulação temporal dos efeitos da decisão, integram o sistema de precedentes. O Brasil não adotou o sistema de precedentes judiciais, mas apropriou-se do efeito vinculante obrigatório no plano vertical para fortalecer os mecanismos já existentes e criar outros, com a edição do Código de Processo Civil, atribuindo-lhes efeitos de provimentos judiciais vinculantes. Em razão disso, afirma-se que o país caminha para a adoção de um sistema jurídico híbrido, pois a base do sistema do civil law está sofrendo forte influência do sistema do common law. Os provimentos judiciais vinculantes se coadunam com os anseios do Estado Democrático Constitucional, pois, se adequadamente aplicados, atuam no sentido de atender aos princípios de isonomia, segurança jurídica, celeridade e efetividade, contribuindo, portanto, para o real alcance do sentido de acesso à justiça por meio de um processo justo.

PALAVRAS-CHAVE: Precedentes. Sistemas jurídicos. Princípios constitucionais. Acesso à justiça.

16

Page 7: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

ABSTRACT

The US system, in the face of its complexity and legal microsystems, is based on judicial precedents. For the purpose of understand this system, it is necessary to know the “stare decisis theory”, realizing that the precedent has mandatory binding effect so only in the vertical plane. The perfect distinction between the ratio decidendi and the obter dicta is essential to verify what actually has binding effect. Mechanisms of preceding review (overruling) and mechanisms of case distinction to move away its incidence (distinguishing), in addition to temporal modulation application of the effects of the decision, integrate the judicial system of precedents. Brazil did not adopt this system, but appropriated the mandatory precedential effect in the vertical plane, to strengthen the existing mechanisms and create other ones with the edition of the Code of Civil Procedure, assigning them binding legal effects of provisionses. For this very reason, it can be affirmed that the country moves towards the adoption of a hybrid legal system, because the civil law system base is suffering strong influence of the common law system. The binding legal provisionses are consistent with the wishes of the Democratic State of Law, because, if properly applied, they act to meet the principles of equality, legal certainty, celerity and effectiveness, fomenting the real extent of the sense of access to justice by means of a fair process.

KEY WORDS: Precedents. Legal systems. Constitutional principles. Access to justice.

17

Page 8: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................11

1. PRECEDENTES JUDICIAIS NO SISTEMA NORTE-AMERICANO......151.1 – Considerações iniciais sobre o modelo jurídico norte-americano....................151.2 – Common law e aplicação dos precedentes judiciais.........................................17 1.3 –Teoria dos precedentes e seu processo de decomposição: separação entre ratio

decidendi e obter dicta........................................................................................221.4 – Relevância da identificação de causas iguais e distinguishing........................321.5 – Sistema de revisão do precedente: overruling..................................................371.6 – Influência do sistema de precedentes judiciais norte-americano no Brasil......41

2. REALIDADE DO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO E A NECESSIDADE DE CONTENÇÃO DE DEMANDAS DE MASSA...............................................................................................................45

2.1 – Evolução histórica e seus efeitos no processo..................................................45

2.2 – Judicialização como alternativa diante da ineficiência dos meios de composição de conflitos............................................................................................53

2.3 – Adoção do sistema híbrido no ordenamento jurídico brasileiro.......................61

2.4 – Mecanismos utilizados na luta contra a massificação de processos.................67

3. PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO....................................................................................................72

3.1 – Pedido de uniformização de jurisprudência no Código de Processo Civil de 1973, nos Juizados Especiais Federais e nos Juizados Especiais da Fazenda Pública.................................................................................................................72

3.2 – Súmulas vinculantes e persuasivas..................................................................76 3.2.1 Aspectos históricos................................................................................783.2.2 Natureza jurídica...................................................................................81 3.2.3 Pressupostos..........................................................................................823.2.4 Procedimento previsto no novo Código de Processo Civil...................823.2.5 Papel das súmulas vinculantes no controle de constitucionalidade.......843.2.6 Súmulas vinculantes e atendimento aos princípios do acesso à justiça,

da celeridade e da efetividade................................................................86

18

Page 9: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

3.2.7 Papel das súmulas persuasivas diante do novo Código de Processo Civil.......................................................................................................88

3.3 – Repercussão geral no recurso extraordinário....................................................89 3.4 – Sentença de improcedência liminar do pedido.................................................92 3.5 – Normas cogentes e aplicação do prospective overruling.................................953.6 – Dispensa do reexame necessário diante dos provimentos judiciais

vinculantes.........................................................................................................1003.7 – Assunção de competência...............................................................................1023.8 – Incidente de resolução de demandas repetitivas.............................................1043.9 – Recursos repetitivos no novo Código de Processo Civil................................1073.10 – Papel do Conselho Nacional de Justiça nos provimentos judiciais

vinculantes.........................................................................................................112

4. PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES E SUA COMPATIBILIZAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.....116 4.1 – Princípio do acesso à justiça.....................................................................1174.2 – Princípio da isonomia...............................................................................1224.3 – Princípio do contraditório e da ampla defesa...........................................124 4.4 – Princípio da independência dos magistrados............................................1284.5 – Princípio da segurança nas relações jurídicas: previsibilidade e proteção da confiança............................................................................................................1304.6 – Princípio da duração razoável do processo...............................................1324.7 – Provimentos judiciais vinculantes no Estado Democrático Constitucional....................................................................................................135

CONCLUSÃO..................................................................................................140

19

Page 10: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

INTRODUÇÃO

A presente dissertação, na linha de pesquisa “Acesso à Justiça e Efetividade do

Processo”, tem como tema os “Provimentos Judiciais Vinculantes no Estado

Democrático Constitucional”.

Esta pesquisa busca responder a quatro questões básicas: a) se o Brasil adotou o

sistema de precedentes e está caminhando para a adoção de um sistema híbrido; b) quais

são os provimentos judiciais vinculantes criados pelo novo Código de Processo Civil e

os instrumentos já existentes que ganharam força vinculante; c) se os provimentos

judiciais vinculantes foram criados para a contenção de demandas de massa; e ainda, d)

se eles se coadunam com o Estado Democrático Constitucional.

Um dos objetivos deste trabalho é investigar se o Brasil adotou, ou não, o

sistema de precedentes judiciais existente no common law, presente em alguns países,

como, por exemplo, os Estados Unidos, ou se apropriou-se de uma característica

fundamental dos precedentes: o efeito vinculante obrigatório vertical.

Tal medida é decisiva para tentar conter o expressivo número de demandas

judiciais que assola o Poder Judiciário, causando lentidão na prestação jurisdicional, em

clara ofensa aos princípios da duração razoável do processo e da efetividade.

Mecanismos processuais foram criados, enquanto outros, já existentes, ganharam

força vinculante, em especial com a edição do novo Código de Processo Civil, em vigor

desde março do corrente ano, diploma que trouxe forte impacto para o sistema

processual brasileiro.

Trazer mecanismos pertinentes ao sistema common law, adaptando-os à

realidade brasileira, em regra pautada no sistema civil law, exige uma análise mais

contundente por parte da doutrina, a fim de verificar se o país não passou a adotar um

sistema híbrido ou até mesmo se ainda é correto falar na existência de sistemas puros,

em uma percepção moderna segundo a qual ambos sofrem influências mútuas.

20

Page 11: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

A recente vigência de um novo Código de Processo Civil torna o momento

profícuo à observação e ao estudo do alcance e dos objetivos dos novos mecanismos

criados e também para a realização, por meio da aplicação de um método comparado, de

análises críticas desses instrumentos com os existentes em outros países, em especial a

questão dos precedentes, base do modelo norte-americano.

Assim, também parte-se para uma análise comparativa, através do método

histórico, com as previsões do Código de Processo Civil anterior, de modo a avaliar se,

de fato, houve mudanças positivas. Resta evidenciado que ainda é muito cedo para fazer

avaliações completas sobre os impactos de tais mudanças no sistema jurídico. O certo é

que o novo diploma processual, além de estimular a adoção de mecanismos de

autocomposição e heterocomposição de conflitos, simplificou alguns procedimentos e,

principalmente, atribuiu caráter vinculante às súmulas, aos enunciados dos tribunais e às

teses jurídicas firmadas pelos tribunais superiores, entre outros, de modo a permitir que

os juízes os apliquem desde logo, no primeiro grau de jurisdição, encerrando a contenda

e, com isso, economizando tempo, custos e esforços tanto dos jurisdicionados quanto da

própria máquina estatal.

Essa questão, de início, pode causar estranheza e até mesmo certo receio, por

parte da comunidade jurídica, que, a partir de agora, terá de se adaptar e conviver com

um modelo segundo o qual expressões como distinguishing, overruling, anticipatory

overruling e prospective overruling farão parte do dia a dia forense, além de ter de

compreender bem a aplicação da teoria do stare decisis, com a exata distinção entre

ratio decidendi e obter dicta.

Fato positivo é que muito mais será exigido dos advogados, os quais terão de

demonstrar que a causa que defendem é diferente das demais ações em curso, sob pena

de obterem o mesmo resultado. Igualmente, muito mais será exigido dos magistrados

quando da fundamentação das decisões, visto que, de acordo com o novo Código de

Processo Civil, não poderão limitar-se a invocar precedentes ou enunciados de súmula

sem indicar, de forma precisa, os fundamentos determinantes ou demonstrar que o caso

em julgamento se ajusta àqueles fundamentos.

O Brasil vivencia um Estado Democrático Constitucional preocupado em

estabelecer e garantir uma série de direitos fundamentais na própria Constituição. Entre

eles, está prevista uma série de princípios básicos que devem ser observados, a fim de se

21

Page 12: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

afirmar a existência de um processo justo: o princípio de acesso à justiça, ou da

inafastabilidade do controle do Poder Judiciário; o da isonomia ou igualdade das partes;

o princípio do contraditório e da ampla defesa; o princípio da duração razoável do

processo; o da efetividade; o da publicidade; o princípio do juiz natural, não esquecendo

a necessidade de se garantir a independência dos juízes; e o da imparcialidade nos

julgamentos. Portanto, é imperioso que se proceda a uma meticulosa análise acerca dos

provimentos judiciais vinculantes e de sua compatibilização com os princípios

processuais constitucionais, de modo a verificar se os anseios do Estado Democrático

Constitucional estão sendo correspondidos ou se corre-se o risco de feri-los em nome

dos mesmos princípios usados como justificativa para a criação de um sistema célere

porém nem sempre justo.

Esta pesquisa, recorrendo ao método bibliográfico, foi dividida em quatro

capítulos.

O primeiro capítulo, intitulado “Precedentes judiciais no sistema jurídico

norte-americano”, fará uma apresentação do modelo jurídico dos Estados Unidos,

apontando as dificuldades, narradas pelos próprios doutrinadores norte-americanos, em

sintetizar o modelo, o qual, na verdade, apresenta cinquenta microssistemas jurídicos

distintos. A apresentação do sistema do common law, presente naquele país, e suas

origens históricas também foram objeto dessa seção. O primeiro capítulo, portanto,

cuidará justamente da conceituação dos precedentes judiciais, sua aplicação no sistema

jurídico do common law, trazendo não só a teoria dos precedentes em si, como também

seu respectivo processo de composição, com a separação entre ratio decidendi e obter

dicta.

Busca-se demonstrar que o sistema de precedentes não é estático, portanto não

há que se falar em risco de engessamento do Direito. Muito pelo contrário, pois há

cuidado com o contínuo sistema de revisão dos precedentes, o que se chama de

overruling, que pode ser realizado até mesmo antecipadamente (anticipatory

overruling). A relevância na identificação de causas iguais também será abordada, a fim

de que os casos distintos não tenham o mesmo tratamento, o que se conhece como

distinguishing. Por fim, nesse capítulo, haverá a preocupação em demonstrar a

influência do sistema de precedentes em terras brasileiras.

22

Page 13: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O segundo capítulo é intitulado “Realidade do sistema jurídico brasileiro e

necessidade de contenção de demandas de massa”, momento em que se apresenta um

panorama da realidade do Brasil em termos de número de demandas, com a

apresentação dos resultados da última pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de

Justiça. Por meio de uma abordagem histórica, procura-se entender os motivos para se

chegar a essa realidade. A excessiva judicialização diante da ineficiência dos meios de

composição de conflitos também será abordada, ao lado do incentivo que esses

mecanismos receberam com o novo diploma processual civil. Discutem-se os modelos

jurídicos existentes e a interferência recíproca que sofrem, enfatizando-se os efeitos no

sistema jurídico brasileiro e se é correto afirmar que se está diante de um sistema

híbrido. Por fim, serão apresentados os mecanismos empregados na luta contra a

massificação dos processos.

No terceiro capítulo, haverá abordagem dos provimentos judiciais vinculantes no

Brasil, elencando-se cada um deles e apontando os que já existiam em nosso modelo

antes da vigência do novo diploma processual, os que ganharam força vinculante após a

vigência e os novos instrumentos, inspirados, em regra, no Direito Comparado.

Ao se estabelecer a distinção entre o sistema de precedentes e o sistema de

provimentos judiciais vinculantes, torna-se fácil compreender o principal motivo pelo

qual esses mecanismos foram criados ou por que lhes foram atribuídos tais efeitos,

levando-se em conta a realidade judiciária brasileira, que busca a contenção da

massificação de processos não só pelo incentivo da desjudicialização dos conflitos.

Por derradeiro, o quarto e último capítulo tratará do Estado Democrático

Constitucional, em especial dos anseios para que se observem os direitos fundamentais

e os princípios processuais constitucionalmente estabelecidos. O foco deste capítulo

será verificar a compatibilização dos provimentos judiciais vinculantes com os

princípios constitucionais, apresentando argumentos favoráveis e desfavoráveis à sua

utilização no sistema jurídico brasileiro.

23

Page 14: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

CAPÍTULO 1

PRECEDENTES JUDICIAIS NO SISTEMA JURÍDICO

NORTE-AMERICANO

1.1 – Considerações iniciais sobre o modelo jurídico norte-americano

Para que se possa compreender a teoria dos precedentes aplicada no sistema da

common law e seu possível aproveitamento no ordenamento jurídico brasileiro, é

necessário tecer algumas breves considerações sobre o sistema norte-americano, berço

do referido sistema.

Resumir em poucas páginas a magnitude de um sistema composto por

microssistemas jurídicos que demandariam um estudo individualizado representa atitude

desafiadora, mas a intenção, aqui, é apresentar o sistema e suas especificidades no

sentido de se compreender como ocorrem a aplicação dos precedentes, sua composição,

a questão da força vinculante e as possíveis modificações nos respectivos

entendimentos, tudo com vistas a uma adequada compatibilização com os anseios da

sociedade contemporânea.

Composto por cinquenta estados e um distrito federal, os Estados Unidos

constituem uma República Constitucional Federal, o que permite o autogoverno de cada

região de forma autônoma, atribuindo, a todas, capacidade legislativa e a possibilidade

de criar seu próprio sistema jurídico. Estudar e compreender dessa forma o sistema

jurídico americano é uma atitude bastante desafiadora, pois estamos lidando com

cinquenta e um microssistemas autônomos. Esse fato é reconhecido pelo

constitucionalista norte-americano Willian Burhman:1

1 “Falar do sistema jurídico norte-americano é complexo porque, na realidade, existem cinquenta e um sistemas judiciais diferentes no país, que contemplam o sistema de tribunais federais e os sistemas judiciais de cada estado. Quanto às questões de legislação estadual, cada um desses sistemas é fechado e autônomo. Em outras palavras, cada sistema estadual tem seu próprio tribunal de última instância, o qual, por sua vez, tem a última palavra sobre as questões de direito. Apenas nas questões de âmbito federal que têm origem em um tribunal federal ou até mesmo estadual, é possível afirmar que há aparência de um único sistema judicial nacional, com um tribunal – o Supremo Tribunal dos Estados Unidos – servindo

24

Page 15: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

To speak of the judicial system of the United States is misleading, because there are in reality 51 different judicial system in the country: the federal court system and the court system in each state. As to questions of the state law, each of the state systems resort is a separate closed system. In other words, each state system has its own court of last resort that has the last word on what state law is. Only in issues of federal law, arising originally either in federal or state court, can it be said that there is the semblance of a single national judicial system with one court, the United States Supreme Court, serving as the court of last resort.

Basicamente, o sistema jurídico norte-americano é composto pelas Federal

Courts e State Courts. Existe a possibilidade de cada estado criar cortes inferiores. As

cortes federais, ou Federal Courts, são compostas, em regra e no topo da organização

judiciária, pela U.S. Supreme Court (a chamada Suprema Corte), na qual são julgados

os casos de apelação cujo fundamento fere a Constituição americana. Em seguida, têm-

se as U.S. Courts of Appeals (as cortes de apelação), que, por sua vez, são divididas em

treze circuitos judiciais federais, dos quais onze dividem-se em bases territoriais.

As denominadas Legislative Courts apreciam questões específicas. Assim, em

matéria tributária federal, existem as tax courts; a revisão das decisões do departamento

de veteranos de guerra é feita pela Court of Veterans Appeals; os danos decorrentes de

ações ou omissões dos agentes estatais são julgados pela Court of Federal Claims; as

penalidades impostas pelas cortes marciais podem ser revistas nas Courts of the Armed

Forces; as causas referentes à legislação alfandegária ou à legislação de importação são

examinadas nas Courts of Internacional Trade; e, por fim, a matéria falimentar é

apreciada pelas Banckruptcy Courts. Na primeira instância da esfera federal, estão os

U.S. District Courts, que são os juízes federais, também conhecidos como trial courts.

Atualmente, o país está dividido em noventa e quatro distritos, havendo pelo menos um

distrito federal em cada estado-membro.

Na esfera federal, a Justiça americana apresenta duas premissas básicas: a

Diversity, que tem o objetivo de garantir àquelas Cortes a solução de Controversies

entre dois ou mais estados da federação ou entre cidadãos de diferentes estados; e a

Federal Question, a respeito das controvérsias surgidas no tocante à própria

Constituição e às leis federais.2

como o tribunal de última instância” (Tradução livre). (BURHMAN, Willian. Introduction to the law and legal system of the United States. 3 ed. EUA: West Group, 2006.)

2 SILVA, Paulo Cesar da. “A importância do precedente no direito norte-americano”. 1º Curso de Introdução ao Direito Americano: Fundamentals of US Law Course. Publicações da Escola da AGU, Brasília, n. 12, pp. 1-406, set./out. 2011.

25

Page 16: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O sistema das Cortes Estaduais, conhecidas como State Courts System,

compreende State Supreme Court, Superior Courts, Special Courts e Trial courts para o

julgamento dos casos de menor complexidade. Assim, nesse sistema, cada estado-

membro é livre para estabelecer a organização do poder judiciário local, diretriz diversa

da adotada no Brasil, onde as respectivas competências da Justiça Federal, da Justiça

Estadual e das chamadas Justiças Especializadas (Eleitoral, Militar e Trabalhista) estão

delineadas na Constituição da República, restando aos estados-membros, segundo

dispõe o artigo 24, XI, da CRFB, apenas a competência concorrente para legislar sobre

os procedimentos de apoio ao processo, traduzidos como normas de organização

judiciária locais.

A estrutura e a organização judiciárias americanas, por sua vez, formam um

emaranhado bastante complexo, a exigir um estudo oportunamente mais profundo, não

se confundindo, de fato, com o sistema jurídico brasileiro, que centraliza na União a

competência para legislar sobre o Poder Judiciário, permitindo pouquíssima intervenção

por parte dos estados, o que, em certa medida, contraria a própria ideia de federalismo.

O sistema americano se baseia no Direito anglo-saxão e tem por pressuposto o

fato de a lei ser criada pelos usos e costumes, nas decisões proferidas pelos juízes ou

pelo corpo de juízes em casos concretos, e não em atos normativos codificados pelo

Poder Legislativo.3

1.2 – Common law e aplicação dos precedentes judiciais

Com a adoção do sistema common law, os Estados Unidos apresentam um

modelo jurídico em que a principal fonte é o chamado “precedente judicial”. Dessa

maneira, o Tribunal acaba por funcionar como um legislador, similar ao órgão que a

Constituição incumbiu de legislar. Nesse sentido, como nos orienta Luis Henrique

Volpe Carmargo,4

no common law não existe uma regra escrita prevendo a necessidade de observância dos precedentes. Existe, sim, conforme célebre frase do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Oliver Wendell Holmes, “o peso da tradição de pelo menos 1.000 anos”, que

3 Idem, p. 325.4 CAMARGO, Luis Felipe Volpe. “A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. 2 ed. São Paulo: RT, 2012, p. 553.

26

Page 17: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

justifica o respeito ao que já fora decidido no passado. É, portanto, inerente à cultura do povo anglo-saxão.

No sistema common law, a decisão judicial apresenta, basicamente, duas funções

distintas e complementares: a primeira consiste em solucionar determinada controvérsia

apresentada ao Tribunal, enquanto a segunda visa estabelecer um precedente que norteie

outras futuras decisões em casos semelhantes.

Para se entender a implantação do sistema, é necessário, em primeiro lugar,

conhecer um pouco da história norte-americana e das bases do Direito anglo-saxão.

Antes do século XVIII, não se aplicava adequadamente o Direito inglês nas colônias,

em face das discrepâncias entre a situação econômica e social nas colônias e aquela

existente na Inglaterra. Além disso, faltavam juristas com o necessário preparo para

exercerem as atividades jurisdicionais com maestria.

Nesse contexto, as colônias – muitas já um tanto desenvolvidas e

autossuficientes – não mais compactuavam com a intervenção e a exploração

econômica inglesa. Assim, em 1775 teve início um intenso conflito bélico com a

Inglaterra, registrando-se, pela primeira vez na história da expansão territorial europeia,

um ato revolucionário das colônias em face do país colonizador.

Nesse período – mais precisamente em 1774 –, reuniu-se o Primeiro Congresso

Continental da Filadélfia, ocasião em que os representantes das colônias exigiram a

cessação da interferência do Parlamento inglês em matéria de impostos e questões afetas

à política interna. Logo após, em 1775, realizou-se o Segundo Congresso Continental,

oportunidade em que foi possível perceber a intensificação do movimento separatista.

Assim, com forte apoio popular, a Guerra da Independência dos Estados Unidos,

também conhecida como Guerra da Revolução Americana ou Revolução Americana,

levou à Proclamação da Independência, em 4 de julho de 1776. Anos depois, em 1787,

na Filadélfia, as treze colônias – Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, Nova

Hampshire, Nova Jersey, Nova Iorque, Pensilvânia, Delaware, Virgínia, Maryland,

Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia –, ao reconhecerem a importância de se

contar com um governo fortalecido, além de reafirmarem a independência dos

27

Page 18: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

respectivos estados, organizaram a Convenção Constitucional da Filadélfia. Lembra-se,

aqui, a lição do professor americano Allan Farnsworth:5

[...] O texto definitivo da Constituição denota a influência dos princípios desenvolvidos no curso da História. As noções de soberania do povo e de governo baseado em um contrato social encontram-se no preâmbulo, nas disposições sobre a ratificação da Constituição pelas convenções estaduais e na ideia da concessão de poderes ao governo central. A teoria de que o governo federal tem poderes limitados se evidencia não só pela enumeração desses poderes, incluindo a decretação de impostos, a declaração de guerra, a regulamentação dos comércios interestadual e internacional e a conclusão de tratados, mas também pela ressalva da competência dos estados em matéria legislativa. O conceito de separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário federais está formalmente implícito na Constituição, que esboça, ao longo de três capítulos, cada um desses três poderes magnos e, presumivelmente, distintos. Por fim, a convicção de que os direitos constitucionais devem ser estabelecidos em um instrumento escrito emerge do próprio documento. A Constituição não continha garantias de direitos individuais. Contudo, já em 1789, o Congresso prontamente propôs as dez primeiras emendas à Constituição, popularmente conhecidas como Declaração de Direitos, em virtude do fato de várias delas se referirem aos direitos do indivíduo em face do governo federal. Essas emendas foram aprovadas em 1791.

Dessa forma, embora as antigas colônias se tenham submetido e aderido à

União, mantiveram a independência política, administrativa e legislativa, na medida em

cada uma tinha – como ainda tem – autonomia para criar e impor as normas jurídicas,

respeitando tão somente as restrições indicadas na Constituição Federal.

Ana Carolina Miguel Gouveia explica que a Constituição americana consagrou o

princípio da tripartição dos poderes, estabelecendo, com precisão, as atribuições dos

Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Aos membros do Poder Judiciário, fez-se

questão de garantir a independência, evitando-se, portanto, eventuais ingerências dos

outros poderes. Por sua vez, as questões mais relevantes e sensíveis de interesse

nacional foram reservadas ao Congresso Nacional, enquanto os estados têm

competência residual para legislar.6

Nesse sentido, registra-se que, ao criar um sistema de federalismo puro, a

Constituição trouxe a teoria Checks and Balances, ou seja, o sistema de freios e

5 FARNSWORTH, Allan. An Introduction to the Legal System of the United States. 3 ed. Nova Iorque: Oceana Publications, 1996.66 GOUVEIA, Ana Carolina Miguel. “Common Law no sistema americano: evolução, críticas e crescimento do direito legislado”. 1º Curso de Introdução ao Direito Americano: Fundamentals of US Law Course. Publicações da Escola da AGU, Brasília, n. 12, pp. 1-406, set./out. 2011.

28

Page 19: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

contrapesos, com a intenção de autoconter os limites de cada poder. Segundo a lição de

Augusto Zimmermann,7

(...) a separação de poderes e o Checks and Balances seriam perfeitamente compatíveis com o Estado democrático, limitando-se o poder, mas garantindo-se a plena liberdade política dos indivíduos e o direito das minorias. Possibilita, de igual forma, a formação do Estado de Direito, na medida em que ele previne o abuso governamental, submetendo-se governantes e governados ao rule of law, em que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de prévia determinação legal.

Com o Federalismo instalado, logo surgiram vozes contrárias ao sistema

adotado, e alguns descontentes recorreram a Montesquieu para atacar a doutrina e, com

isso, enfraquecê-la. A célebre frase “É da natureza da República que seu território seja

pequeno; se não for assim, ela dificilmente poderá subsistir”, desse filófoso, serviu de

mote aos antifederalistas para questionar a separação dos poderes, ao argumento de que

haveria risco de concentração e abuso de poder.8

Propuseram, então, como saída, a adoção da doutrina pura ou absoluta de

separação dos poderes, que, no fim das contas, privilegiava o Poder Legislativo, até

mesmo por temer os poderes conferidos à Suprema Corte, os quais, até então, eram

considerados excessivos. Essa discussão perdurou até Joseph Story, no caso Martin v.

Hunter’s Lessee (1816), consolidando o papel da Constituição e a função dos estados ao

admitir a possibilidade de a Suprema Corte rever decisão de uma Corte Estadual.

A América escolheu ser, sob muitos aspectos, uma nação; e, em relação a todos eles, seu governo é completo, competente, supremo. Pode, para atingir esse efeito, controlar legitimamente todos os indivíduos ou governos dentro do território americano. A Constituição e as leis de um estado, se contrárias à Constituição e às leis dos Estados Unidos, são absolutamente nulas. Os estados são partes constituintes de um grande império – para alguns fins, soberanos; para outros, subordinados.9

Assinala-se que as emendas à Constituição pautadas na necessidade de assegurar

direitos e garantias fundamentais, conhecidas como Bill of Rights, entraram em vigor no

dia 15 de dezembro de 1789, cumprindo o estabelecido no artigo 5o do texto original.

77 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.88 SPURLIN, Paul Merrill. Montesquieu in America. 1769-1801. New York: Octagon Books, 1969.99 Idem, ibidem.

29

Page 20: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Foi nesse contexto histórico, portanto, que o sistema jurídico norte-americano se

consolidou, sendo hoje considerado um dos quatro modelos destacados como mais

importantes no mundo, como destaca René David:1010

I- o sistema romano-germânico, que os autores do sistema da Common Law denominam Civil Law, no qual se encontra o Direito brasileiro; II- o sistema da Common Law, que, conforme será esclarecido mais além, não deve ser confundido com “sistema inglês” (porque se aplica a vários países, embora nascido na Inglaterra), nem com “britânico” (adjetivo relativo à Grã-Bretanha, entidade política que inclui a Escócia, pertencente ao sistema da família romano-germânica), nem com anglo-saxão (porque esse adjetivo designa o sistema dos direitos que regiam as tribos antes da conquista normanda da Inglaterra, portanto anterior à criação da Common Law naquele país);III- o sistema dos direitos socialistas, na atualidade, que compunham a denominada Europa do Leste, capitaneados pela URSS até a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento daquela; IV- outras concepções da ordem social e do direito, tais como direito muçulmano, indiano, direitos do Extremo Oriente, direito judaico, direitos da África e de Madagascar, que, em determinados países, é a principal fonte das normas jurídicas nacionais (Irã, Iraque) e, em outros, relevantes para determinados ramos do direito privado, e em particular, em matéria de família, sendo os demais campos ora da família romano-germânica (Israel e Líbano), ora da Common Law (Índia, Paquistão).

Com a produção feita por um juiz – o chamado judge made law –, o commom

law baseia-se essencialmente na figura dos precedentes judiciais. A doutrina norte-

americana afirma que os precedentes são dotados de autoridade e que, exatamente por

essa razão, devem, obrigatoriamente, ser observados. Verifica-se, aqui, que tal

aconteceu sem que houvesse uma norma escrita impondo o efeito vinculante, o que, por

si só, é algo bastante curioso – esse efeito se deu naturalmente, como um contínuo e

ininterrupto acúmulo de saberes, experiências, costumes e conselhos a justificar uma

boa decisão. Resulta da construção de uma nação, tornando-se um grande sistema

jurídico, embora carregue algumas peculiaridades que se distinguem do common law

puro do Direito inglês.

Teresa Arruda Alvim, ao mencionar Lord Reid,1111 faz alguns interessantes

apontamentos que nos levam a refletir:

1010 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo: direito comparado. 2 ed. Tradução de Hermínio A. de Carvalho. Lisboa: Meridiano, 1978.1111 Palestra proferida no início da década de 1970 sobre o juiz como law maker (LESTER, Anthony, Q. C. English Judges as Law Makers, Public Kaw, 1993, pp. 269-290).

30

Page 21: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Houve um tempo em que se acreditava ser quase indecente sugerir-se que juízes criavam o direito – eles só o declaram. Aqueles afeitos a contos de fadas parecem ter pensado que, em alguma caverna do Aladim, o common law estaria escondido em todo seu esplendor que desceria por sobre o juiz, por meio das mágicas palavras “abre-te sésamo”. Más decisões seriam proferidas quando o juiz se atrapalhasse com a senha e a porta errada abrisse. Mas nós não acreditamos mais em contas de fadas.

Conclui-se que os precedentes traduziam definitivamente a vontade da sociedade

norte-americana, definida por seus costumes, os quais, consolidados, perpetravam-se

por meio das decisões judiciais. Resta saber se, hoje, o sistema continua

desempenhando aquele papel inicial, pois observa-se forte influência do sistema

romanístico nos Estados Unidos, com a recepção do Direito legislado.

Atualmente, vive-se um momento no Direito em que não mais é possível definir,

com precisão cirúrgica, o sistema jurídico ao qual o país se filia, mas tão somente traçar

elementos que baseiam o sistema em regra, não se desprezando a influência de outros

sistemas jurídicos. Entende-se que tal questão é bastante salutar. Por que não aproveitar

os mecanismos positivos e disponíveis em outros modelos para inseri-los, desde que

respeitados os casuísmos e as peculiaridades do modelo preexistente? Tal fenômeno, já

observado nos Estados Unidos, passa a ser estudado no Brasil, país que – acredita-se –

passará a adotar um sistema jurídico híbrido, tema a ser oportunamente abordado.

1.3 – Teoria dos precedentes e o respectivo processo de decomposição: separação

entre ratio decidendi e obter dicta

A fim de se compreender a decomposição do precedente, é preciso, em primeiro

lugar, estudar a teoria correspondente, de modo a entender as partes integrantes, a

natureza jurídica e os respectivos efeitos. Tal estudo se faz necessário porque, com o

advento do novo Código de Processo Civil, o sistema jurídico brasileiro evidencia um

momento crucial de mudança, razão pela qual é preciso determinar se o ordenamento

jurídico brasileiro agasalhou a teoria dos precedentes.1212 Assim, examina-se o conceito

de “precedente judicial” pela ótica anglo-saxônica: uma decisão proferida nas instâncias

superiores que vincula as instâncias inferiores e a própria Corte que a proferiu.

1212 “A precedent is simply any prior decision of any court that bears a legally significant analogy to the case now before a court” (BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, D. Neil; MARSHALL, Geoffrey. “Precedent in the United Kingdom”. In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (orgs.). Interpreting Precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p. 323).

31

Page 22: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Como assinala Ana Carolina de Sá Dantas,1313 o precedente desempenha

importante papel em duas situações distintas do sistema common law: quando se trata de

criar uma nova norma e quando se busca interpretá-la corretamente. Dessa forma, os

juízes têm um papel extremamente relevante, pois são os detentores de tal

responsabilidade social qualificada,1414 já que, no momento de proferir a decisão,

devem levar em conta sua aplicação em todos os casos subsequentes. Sobre a função do

precedente nos países de common law, José Jesus Cazetta Júnior consigna:1515

Em todos os países do common law, tal como ocorre entre nós, a função dos órgãos jurisdicionais de primeira instância é aplicar normas e resolver controvérsias. Mas nos Estados Unidos e na Inglaterra a teoria jurídica admite que os Tribunais dotados de uma competência recursal cumpram ordinariamente duas funções distintas: a) julgam e, se isso for necessário, b) criam normas gerais e dotadas de abstração, i.e., passíveis de sucessivas aplicações a todos, sempre que se repitam hipóteses similares às dos fatos principais da causa.

É preciso analisar a possibilidade de comparar os precedentes com experiências,

exemplos ou costumes, a fim de que se possa compreender, com mais facilidade, sua

real dimensão. Nesse tópico, é essencial a lição do jurista Luis Guilherme Marinoni,1616

que aponta a impossibilidade de se confundir o precedente pura e simplesmente com

uma experiência, pois o primeiro é um dado autônomo, valorado, ainda que em torno

dele não existam experiências ou raciocínios aproveitáveis. Tampouco pode-se

confundi-lo com exemplo. Para Marinoni, os dois conceitos não se misturam. Isso

porque o valor do precedente não guarda relação com seu conteúdo. O simples fato de o

precedente poder ser revogado, sem que importe seu conteúdo, desconecta seu valor do

impacto que provoca nos jurisdicionados. Para Schauer,1717 inclusive, a prática de

seguir precedentes implica tomá-lo por seu próprio status – sua fonte, e não seu

conteúdo – de precedente como uma razão para decidir a questão posta da mesma forma

como decidida no passado.

1313 DANTAS, Ana Carolina de Sá. Reflexões acerca das técnicas utilizadas para afastar o uso do precedente: overruling e distinguish. 1º Curso de Introdução ao Direito Americano: Fundamentals of US Law Course. Publicações da Escola da AGU, Brasília, n. 12, pp. 1-406, set./out. 2011.1414 Idem, ibidem.1515 CAZETTA Júnior, José Jesus. “A ineficácia do precedente no Sistema Brasileiro de Jurisdição Constitucional (1891-1993): contribuição ao estudo do efeito vinculante”. 201 f. (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004, p. 73.1616 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3 ed. São Paulo: RT, 2013.1717 SCHAUER, Frederic. Precedente, Stanford Law Review, v. 39, n. 3, fev.1987.

32

Page 23: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Quanto a identificar o precedente como um costume, igualmente isso não soa

adequado. Compartilhando o entendimento de Neil Duxbury, não se considera possível

confundi-los. Entre as razões, encontram-se a probabilidade de apresentarem conteúdos

opostos e a desnecessidade do reconhecimento judicial anterior do costume, ao contrário

do precedente, como analisado por Luis Marinoni.1818 Talvez a melhor evidência dessa

diferença esteja no fato de o costume ser anterior à criação da teoria dos precedentes,

algo que o próprio Duxbury destaca: “Finally, perhaps the most decisive evidence that

precedent and custom are diferentes forms of legal authority is the common law itself,

for the common law existed as a form of customary law long before the was a doctrine

of precedent”.1919

Assim, não se podem olvidar a importância dos costumes e o fato de serem

considerados pelas Cortes contemporâneas. É clara a hipótese de o precedente acabar

por firmar um costume local. Portanto, é preciso analisar os precedentes levando em

consideração o alcance de seus efeitos para o futuro, pois o magistrado deve ter

consciência plena de que sua decisão, ao se tornar um precedente, atingirá casos futuros,

servindo como modelo regente.

Nesse passo, conclui-se que todo precedente judicial é uma decisão judicial, mas

indaga-se: Será que todas as decisões configuram um precedente? Quem nos dá essa

resposta é o acadêmico Evaristo Aragão Santos,2020 ao apontar que não parece razoável

entender a questão nessa linha. Desse modo, as decisões proferidas em um juízo de

primeira instância não vinculam os demais juízos; isso vale apenas para o caso das

decisões proferidas em instâncias superiores. Ressalta-se que, em regra, no sistema

jurídico norte-americano, os precedentes têm efeito vinculante, porém isso não vale para

as decisões proferidas no primeiro grau de jurisdição.

É relevante, neste estudo, examinar a teoria do stare decisis. Para Freddie

Diddier,2121 o sistema da common law é informado pela teoria do stare decisis, segundo

1818 MARINONI, op. cit.1919 “Finalmente, talvez a prova mais decisiva de que ‘precedentes’ e ‘costumes’ são diferentes formas de autoridade jurídica é o próprio sistema da common law, que aponta para uma forma de direito consuetudinário muito antes da doutrina de precedente” (DUXBURY, Neil. The Nature and Authority of Precedent. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2008).2020 SANTOS, EVARISTO ARAGÃO. “Em torno do conceito e da formação do precedente judicial”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.2121 DIDIER JUNIOR, Freddie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Podium, 2011, v. 2, p. 239.

33

Page 24: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

a qual o precedente judicial – rectius: sua ratio decidendi –, sobretudo aquele emanado

da Corte Superior, é dotado de eficácia vinculante não são para a própria Corte, mas

também para os juízos que lhe são hierarquicamente inferiores.

Desse modo, é preciso estudar o stare decisis em dois planos distintos e

importantes: horizontal e vertical. No plano horizontal, reside o efeito vinculante para os

casos futuros que serão apreciados na mesma Corte que exarou o precedente. No plano

vertical, por sua vez, reside a aplicação do efeito vinculante nas decisões proferidas

pelas instâncias inferiores, que estão, portanto, subordinadas, do ponto de vista

hierárquico, às Cortes superiores. Assim, verifica-se, no plano vertical, a vinculação das

cortes inferiores sempre que situadas na mesma jurisdição.2222 Evan Carminker2323

destaca:

The duty to obey hierarchical precedent tracks the path of review followed by a particular case as it moves up the three federal judicial triers: A court must follow the precedents established by the court(s) directly above it. District courts must follow both Supreme Court decisions and those issued by whichever court of appeals has revisory jurisdiction over its decisions, and courts of appeals must heed Supreme Court decisions. However, a court can ignore precedents established by other courts so long as they lack revisory jurisdiction over it. Thus, a circuit court of appeals is not bound by decisions of coordinate circuit courts of appeals, and a district court judge may ignore the decisions of ‘foreign’ courts os appeals as well as other district court judges, even within the same district.

Como já se destacou quando da análise da estrutura e da organização judiciárias

americanas, uma Corte Estadual deve obedecer, portanto, aos precedentes de sua

respectiva Corte de Apelação Estadual e também da Suprema Corte, não se vinculando,

contudo, a decisões proferidas por outras Cortes Estaduais. Isso permite visualizar e

consagrar a ideia dos microssistemas jurídicos que compõem cada estado.

Sobre essa teoria, indaga-se ainda se todos os precedentes teriam efeitos

vinculantes. A resposta é negativa. Existem precedentes com efeito vinculante

2222 DANTAS, Ana Carolina de Sá, op. cit. 2323 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação seguido de um caso particular, uma vez que se movem para cima os três triers judiciais federais: um tribunal deve seguir os precedentes estabelecidos pelo(s) tribunal(is) diretamente superior(es). Os tribunais distritais, por sua vez, devem seguir tanto as decisões da Suprema Corte quanto as emitidas por qualquer tribunal de apelação com jurisdição sobre suas decisões, e os tribunais de apelação devem acatar as decisões da Suprema Corte. No entanto, um tribunal pode ignorar os precedentes estabelecidos por outros tribunais, desde que não tenham jurisdição sobre ele” (Tradução livre) (CARMINKER, Evan H. “Why Must Inferior Courts Obey Superior Court Precedents?”, Stanford Law Review, Stanford, CA, v. 46, pp. 871-873).

34

Page 25: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

obrigatório e outros que servem apenas para persuadir o magistrado no momento da

decisão.2424

Roland Seroussi2525 esclarece que existem os building precedents, com plena

autoridade, envolvendo o pleno respeito de um tribunal às suas próprias decisões, o

respeito às decisões das jurisdições superiores pelos tribunais inferiores da mesma

alçada, o respeito pelos juízes do estado e, em matéria de Direito federal, às decisões

judiciárias que emanam da esfera federal. Os persuasive precedentes só têm autoridade

reduzida, secundária, situando-se mais no plano da moral: um tribunal pode não seguir

uma decisão tomada por um juízo que lhe é inferior ou o tribunal de um estado tem o

direito de não seguir a decisão tomada por um tribunal de categoria equivalente que

pertence a outro estado.

Michele Taruffo, por sua vez, explica que não convém afirmar que, no common

law, o procedente é vinculante, traduzindo uma verdadeira obrigação do juiz de

acompanhá-lo. Aduz que, no sistema inglês, no qual o precedente é dotado de maior

eficácia, os magistrados acabam por utilizar numerosas e prodigiosas técnicas de

argumentação, incluindo overruling e distinguishing, de modo a não seguirem o

precedente. Destaca ainda que, nesse sistema, o “precedente possui uma força

considerável, de forma que o juiz, a princípio, o siga – como de fato acontece –, mas

esta força é reversível”.2626 Permite-se, então, que o juiz não siga o precedente quando

julgar oportuna uma solução mais justa e adequada ao caso.

No mesmo sentido, Taruffo explica que, para que se possa entender o

precedente, é preciso conhecer sua direção. Dessa maneira, é possível apontar a relação

entre o órgão que proferiu a decisão tida como precedente e o juiz que, mais tarde, irá

apreciar outro caso sucessivo. É por esse motivo que apresenta a questão da vinculação

ligada aos planos vertical e horizontal, apontando que, no primeiro caso, ocorre a

aplicação típica do precedente, “pois sua força”, conforme assinalado por Taruffo, “se

baseia na autoridade e também na competência do órgão que proferiu a decisão,

vinculando os demais que se encontram a ele subordinados”. Já no plano horizontal,

2424 Idem, ibidem.2525 SEROUSSI, Roland. Introdução ao direito inglês e norte-americano. São Paulo: Landy, 2001, p. 110.2626 TARUFFO, Michele. “Precedente e jurisprudência”. Tradução de Chiara de Teffé. Rio de Janeiro, n. 2, jul.-dez./2014. Disponível em: <http://civilistica.com/precedente-ejurisprudencia/>. Acesso em 1o de abril de 2016.

35

Page 26: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

com órgãos jurisdicionais sem qualquer diferença de autoridade, verifica-se plenamente

a questão persuasiva do precedente.2727

Taruffo também traz o que denomina “autoprecedente”, ou seja, precedentes

emanados da mesma Corte que julgará o caso sucessivo, acreditando que os juízes

devem segui-lo, a fim de que casos iguais sejam tratados da mesma forma. Assim, uma

mesma Corte que emanasse opiniões distintas a cada dia teria pouca autoridade e geraria

profunda insegurança na comunidade, além de ofensa ao princípio da isonomia.2828

Em suma, o precedente só tem efeito vinculante obrigatório se estiver no plano

horizontal – decisão proferida pela própria Corte – ou no plano vertical quando a

decisão é proferida por Corte superior.

Dessa maneira, os precedentes não obrigatórios, chamados de persuasivos,

servem de guia, de boa orientação para os tribunais. A análise histórica do sistema de

precedentes nos revela que, na atualidade, essa é a situação mais comum nas Cortes.

José Rogério Cruz e Tucci,2929 ao estudar a história dos sistemas jurídicos,

ensina que o uso de precedentes, persuasivos ou obrigatórios, com força vinculante está

presente e é cíclico:

2727 “O caso típico de aplicação do precedente ocorre quando sua direção é vertical, ou seja, quando o juiz sucessivo, que deve decidir o caso idêntico ou similar, coloca-se em um grau inferior na hierarquia judicial. (...) Por sua vez, autoridade e competência conectam-se à posição do órgão: quanto mais elevado for o nível da Corte que emana o precedente, mais autoridade têm suas decisões. A força do precedente vai, por assim dizer, de cima para baixo: as verdadeiras “Cortes do precedente” são as Cortes Supremas, cujas decisões são impostas a todos os órgãos judiciários de grau inferior; em seguida, vêm as Cortes de Apelação e assim sucessivamente, descendo na escala judiciária. Naturalmente, pode acontecer que uma Corte Suprema pronuncie uma má decisão e um juiz de primeira instância pronuncie uma excelente decisão, mas isso é eventual e, de qualquer modo, não prejudica o fundamento da concepção vertical do precedente. Fala-se, no entanto, também em precedente horizontal, para indicar a força persuasiva que um precedente pode ter em relação aos órgãos judiciários que pertencem ao mesmo nível daquele que pronunciou a primeira decisão. O precedente horizontal pode ter alguma força persuasiva, mas esta tende a ser inferior àquela do precedente vertical, seja porque se trate da Corte Suprema, que é única, seja porque, entre órgãos do mesmo nível, não há – ao menos a priori – qualquer diferença de autoridade. Pode acontecer que um órgão, não de vértice, produza decisões particularmente significativas e, portanto, tenha influência sobre outros juízes do mesmo nível, mas isso se relaciona mais à qualidade intrínseca das decisões do que a mecanismos comparáveis ao precedente” (TARUFFO, op. cit.).2828 “Um caso peculiar e interessante de precedente horizontal é representado pelo chamado autoprecedente, ou seja, os precedentes emanados da mesma corte que decide o caso sucessivo. O problema pode referir-se a qualquer juiz, mas é colocado, em particular, sobre as cortes supremas. Indaga-se se elas são ou devem ser, de alguma forma, vinculadas aos seus próprios precedentes. Uma resposta positiva a esta questão parece justificada, essencialmente com base na necessidade de que casos iguais sejam tratados da mesma forma pelo mesmo juiz. Uma corte que, sobre o mesmo assunto, trocasse a cada dia sua opinião teria muito pouca autoridade e violaria qualquer princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei. Justificar-se-ia então, e com razões sólidas, um alto grau de força do autoprecedente ou, até mesmo, um vínculo formal da corte para seguir seus próprios precedentes” (Idem, ibidem).2929 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004, p.162.

36

Page 27: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Por paradoxal que possa parecer, vem assinalado que, sob o prisma da história do direito moderno, os sistemas de direito codificado também conheceram, além da força natural dos precedentes persuasivos, precedentes com eficácia vinculante, sendo certo que dentre eles sobressaía a jurisprudência de cortes superiores (precedentes verticais), como, e.g., os arrêts de réglement do Parlamento francês, os julgamentos das “causas maiores” da Rota Romana, da Itália pré-unitária, o regime de assentos da Casa de Suplicação em Portugal, o prejulgado trabalhista no Brasil e, ainda hoje, o controle exercido pelo Tribunal Constitucional espanhol sobre as decisões que contrariam precedentes judiciais, e a inusitada regra constante do artigo 1º do Código Suíço, que outorga ao juiz, diante da lacuna da lei, o poder de criar a regra aplicável ao caso concreto (...). Se olharmos ainda mais para o passado, iremos verificar que o uso do precedente, acentuado na casuística, constituiu um método cuja característica fundamental independe da época, do sistema jurídico ou da natureza da função exercida pelas pessoas que o empregam.

Cumpre destacar que a teoria do precedente não tem o condão de engessar as

decisões judiciais, muito menos de cercear a plena atividade jurisdicional dos juízes de

primeira instância, mas sim de assegurar a previsibilidade e a segurança jurídica a todos

os jurisdicionados.

Para Shauer,3030 a característica da previsibilidade merece bastante destaque,

pois, quando um julgador tem de decidir um caso da mesma forma que já o fez em casos

anteriores similares, permite-se que as partes prevejam o futuro com facilidade e

previsão, e isso, inclusive, permitirá que tenham a tranquilidade suficiente para

enfrentar o desconhecido.

Essa busca pela unidade no sistema jurídico é perseguida por outros

ordenamentos, como no Brasil, por exemplo. John P. Dawson3131 explica que, no

sistema jurídico norte-americano, essa busca tem como base a teoria do stare decisis,

que significa que uma Corte não pode julgar um caso obedecendo à tendência do

momento, sem, em primeiro lugar, agir de forma coerente com as decisões judiciais que

antecederam aquele caso. Assim, pois, uma decisão do passado, cujas razões tenham

sido expostas, deve ser aplicada em casos similares e futuros, em que caibam as mesmas

razões, e somente novas e persuasivas razões poderão ditar uma decisão que não seja

similar às antecedentes. Parece que esse é um meio de evitar arbitrariedades – um dos

principais objetivos de todo sistema jurídico.

3030 SCHAUER, Frederick. “Precedent”, Standford Law Review, Standford, CA, v. 39, 1987, p. 597.3131 DAWSON, John. “As funções do juiz”. In PÉRES, Janine Yvonne Ramos. Aspectos do direito americano. Rio de Janeiro: Forense, 1963, p. 25.

37

Page 28: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

É importante destacar que alguns autores, como, por exemplo, Robert

Summers,3232 apesar de reconhecerem como regra a eficácia vinculante do precedente,

indicam a existência de precedentes formalmente vinculantes e não formalmente

vinculantes mas que têm força; não formalmente vinculantes sem força; e meramente

ilustrativos ou dotados de outros valores.3333

Por outro lado, alguns autores norte-americanos enxergam os precedentes de

maneira totalmente dissociada da teoria do stare decisis. É o caso de Simpson,3434 que

aponta que qualquer tentativa de identificação completa entre common law e stare

decisis é insatisfatória, in verbis:

To a historian at least any identification between the common law system and the doctrine of precedent, any attempt explain the nature of the common law in terms of stare decisis, is bound to seen unsatisfactory, for the elaboration of rules and principles governing the use of precedents and their status as authorities is reatively modern, and the idea that there could be binding precedent more recent still. The common law had been in existence for centuries before anybody was very excited about these matters, and yet it functioned as any system of law without such props as the concept of the ratio decidendi, and functioned well enough.

A teoria do stare decisis é a regra no sistema de precedentes judiciais, com as

exceções devidamente apresentadas. Em outros sistemas jurídicos, como no Brasil,

reproduz-se a mesma linha. No Brasil, há as súmulas persuasivas e as súmulas

vinculantes.

Os enunciados da súmula da jurisprudência predominante com eficácia

vinculante são conceituados como: proposições aprovadas ou revisadas, de ofício ou por

iniciativa de legitimado ativo para ação direta de inconstitucionalidade, por dois terços

dos membros do Supremo Tribunal Federal, quanto a interpretação, validade e eficácia

3232 SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York States). Interpreting Precedents: a Comparative Study. London: Dartmouth,1997.3333 ZANETI JR., Hermes. Il valore vincolante dei precedenti. Tesi di dottorato. Roma: Universitá degli studi Roma Ter, 2013-2014, pp. 358-359.3434 Para um historiador, portanto, qualquer identificação entre o sistema de direito comum e a doutrina do precedente, qualquer tentativa de explicar a natureza da lei comum em termos de stare decisis, é vista como insatisfatória para a elaboração de regras e princípios que regem o uso de precedentes, sendo sua condição de autoridade relativamente moderna – e a ideia de que poderia haver efeito vinculante, mais recente ainda. A lei comum já existe há séculos, antes mesmo que alguém se empenhasse em estudar esses assuntos, e funcionava como qualquer sistema de direito, sem esses adereços, como o conceito de ratio, e tudo ia muito bem (Tradução livre) (SIMPSON, A. W. B. “The Common Law and Legal Theory”. In HORDER, Jeremy (org.). Oxford Essays in Jurisprudence. Oxford: Clarendon Press, 1973, p. 77).

38

Page 29: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

de normas determinadas, em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e

Administração Pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, sob

pena do uso de reclamação.3535 De acordo com o Supremo Tribunal Federal,3636 as

súmulas, em geral, podem ser assim definidas:

Palavra originária do latim SUMMULA, que significa sumário, restrito, resumo. É uma síntese de todos os casos parecidos, decididos da mesma maneira, colocada por meio de uma proposição direta e clara. A súmula não possui caráter cogente, servindo apenas de orientação para futuras decisões.

Súmulas persuasivas são aquelas que tão somente influenciam as decisões

judiciais, servindo como uma orientação, sem efeito obrigatório. Na prática, porém, os

juízes têm adotado as orientações sumuladas pelos tribunais, com a finalidade,

inclusive, de evitar a procrastinação do feito.

Registra-se que a formação jurídica em todas as universidades dos Estados

Unidos é voltada para o estudo de casos concretos e para a análise dos precedentes, de

modo a buscar fundamentos que respondam às questões apresentadas. Quem recorda a

cultura jurídica americana e o sistema de precedentes é Charles Cole,3737 assinalando

que lá a cultura requer que os alunos sejam ensinados a analisar casos concretos para

determinar os fatos relevantes, questões que a Corte precisa decidir e os fundamentos

que se mostram apropriados a responder às questões jurídicas. Assim, o método de

ensino de casos é um aspecto necessário do precedente vinculante. Tal abordagem

realça a razão ou o fundamento da decisão da Corte, requerendo que a questão jurídica

ou as questões de um caso jurídico sejam articuladas no contexto em análise.

Após a apresentação da teoria dos precedentes, com a análise do conceito e as

exceções à teoria do stare decisis, passa-se a analisar a decomposição do precedente

judicial no common law: ratio decidendi e obter dicta.

Pautado pela expressão stare decisis et non quieta movere, o sistema de

precedentes judiciais é feito pelos magistrados e, portanto, a cada caso submetido a

julgamento, deve-se pesquisar se já existe um pronunciamento judicial anterior sobre o

3535 TUCCI, op. cit.3636 Glossário jurídico do STF. http://www.stf.jus.br/portal/glossario/ Acesso em 02 jan. 2016. 3737 COLE, Charles D. “Precedente judicial: a experiência norte-americana”, RePro, v. 23, out-dez. 1998, pp. 83-84.

39

Page 30: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

mesmo tema. Assim, se constatada essa existência, parte-se para a realização de um

processo de decomposição.3838

Essa decomposição, segundo as palavras de Camargo,3939 tem por objetivo

separar a essência da tese jurídica ou a razão de decidir (ratio decidendi, no Direito

inglês, ou holding, no Direito norte-americano) das considerações periféricas (obter

dicta), pois é apenas o núcleo determinante do precedente que vincula (binding

precedent) o julgamento dos casos posteriores.

Desse modo, ao se aplicar um precedente, é preciso haver um cuidado muito

especial por parte dos magistrados no momento dessa separação, até mesmo para

verificar a ocorrência de semelhanças entre o caso em julgamento e a decisão anterior

proferida pela Corte. Michele Taruffo esclarece bem o tema:4040

A doutrina do precedente faz distinção entre ratio decidendi, que é a regra de direito que é colocada como fundamento jurídico da decisão sobre os fatos específicos do caso, e obter dictum, ou seja, todas as aquelas afirmações e argumentações que estão contidas na motivação da sentença, mas que, por serem úteis para a compreensão da decisão e de seus motivos, não são parte integrante do fundamento jurídico da decisão.

Firmada a necessidade de se decompor o precedente, é imperioso entender como

extrair a ratio decidendi da decisão. Para tanto, trazem-se autores que apontam algumas

teorias.

A primeira delas é a chamada Teoria de Wambaugh, ou simplesmente Teoria da

Inversão. Segundo essa teoria, para identificar a ratio decidendi de um caso, deve-se

atentar para a suposição do que seja a ratio e inseri-la no contexto do próprio

julgamento. Logo após, deve-se inserir uma palavra que procure inverter seu sentido.

Nesse caso, se a decisão da Corte for a mesma com a palavra modificada, conclui-se

que a proposição inicial não era a ratio decidendi do caso. O segundo método exige o

conhecimento dos fatos materiais tratados pelo tribunal, os quais, segundo parte da

doutrina americana, são essenciais para que se possa decidir um caso e aplicá-lo a casos

futuros.41413838 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012.3939 Idem, ibidem.4040 TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 2007. 4141 Idem, ibidem.

40

Page 31: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

H. K. Lucke4242 sintetiza a existência de três métodos para tratar a

decomposição do precedente:

A essência da vinculação de uma decisão judicial é tradicionalmente somada na frase ratio decidendi (razão para decisão). Muitos pensamentos e esforços foram despendidos para analisar e definir esse conceito e encontrar um método confiável para descobrir como a ratio decidendi de um caso é apurada de maneira mais adequada. Parece haver três ideias principais: a assim chamada teoria clássica, a visão generalizada, da qual Julius Stone foi um proeminente defensor na Austrália, que considera toda a noção de que um único caso poderia conter apenas uma ratio decidendi como uma ilusão completa, e a teoria dos fatos materiais, desenvolvida por Goodhart.

Com tantas teorias e métodos buscando auxiliar o magistrado nessa tarefa, não

causa surpresa a posição de Teresa Arruda Wambier,4343 ao apontar que a intepretação

do precedente para que se extraia a holding ou a ratio decidendi é tarefa tão – ou até

mesmo mais – complexa que a interpretação da lei.

Em suma, é possível sintetizar a tarefa de decomposição do precedente em

quatro etapas: 1) examinar atentamente o caso concreto; 2) verificar a semelhança entre

eles; 3) identificar a ratio decidendi, diferenciando-a da obter dicta; 4) decidir pela

aplicação do precedente ao caso concreto.4444

Percebe-se, aqui, a imensa responsabilidade dos magistrados que atuam no

sistema jurídico da common law com base nos precedentes judiciais.

1.4 – Relevância da identificação de causas iguais e distinguish

Quando da análise do modelo jurídico common law, foi possível perceber que se

baseia nos precedentes judiciais, seguindo, portanto, uma decisão anteriormente

produzida em caso semelhante, desde que observadas as considerações acerca dos

efeitos vinculantes. Será vinculante se disser respeito a uma decisão proferida pelo

próprio Tribunal (plano horizontal) ou por uma Corte hierarquicamente superior (plano

vertical).

4242 LUKE, H. K. “Ratio decidendi: adjucative rationale theory developed by Goodhart”, http://epublications.bond.edu.au/cgi/viewcontent.cgi.article. Acesso em 29 nov. 2015. 4343 WAMBIER, Teresa Arruda. Precedente e evolução do Direito. In ___ (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 11- 95.4444 Idem, ibidem.

41

Page 32: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Já se assinalou-se a imensa responsabilidade do magistrado em virtude de saber

que sua decisão pode tornar-se um precedente, atingindo, portanto, casos futuros. Ao

mesmo tempo, percebeu-se a difícil tarefa de distinguir entre ratio decidendi e obter

dicta, bem como as várias teorias acerca da matéria.

O objetivo maior da teoria do stare decisis é alcançar previsibilidade e segurança

jurídica, atribuindo, com isso, tratamento isonômico aos jurisdicionados. No entanto,

em algumas situações, ao analisar um caso concreto, o juiz percebe que não está diante

de nenhum caso semelhante ou mesmo parecido, dando-se conta de peculiaridades que

afastam a incidência do precedente. Situações desse tipo configuram o que se chama de

distinguish, termo definido por Rodolfo Mancuso4545 de forma muito simples: uma

prática dos tribunais para fundamentar a não aplicação do precedente a determinado

caso.

É fato que o juiz deve ter o cuidado de analisar detidamente o caso concreto em

julgamento para verificar se há necessidade de fazer incidir os precedentes. Neil

Duxbury4646 ensina que o distinguish nada mais é do que aquilo que os juízes fazem

quando estabelecem a distinção entre um caso e outro.

Por óbvio, entende-se que, para aplicar a ratio decidendi, é preciso comparar o

caso inicial com aquele sob julgamento, a fim de reunir as circunstâncias fáticas. Como

bem recorda Marinoni,4747 isso caracteriza uma diferenciação dos casos que assume a

forma da técnica jurídica voltada à aplicação dos precedentes, o chamado distinguish.

Marinoni acrescenta, com bastante propriedade, que o distinguish exige, como

antecedente lógico, que se identifique a ratio decidendi do precedente. Portanto, antes

de aplicá-lo, é preciso extrair a ratio decidendi e a obter dicta, ressaltando que apenas a

primeira forma o precedente. Allan Farnsworth4848 elucida a matéria:

O distinguihing é ferramenta útil nas mãos do juiz. Senão, vejamos: se uma corte, ao analisar um precedente (visando à sua potencial aplicação em um novo caso), concluir que é interessante aplicar, ao caso em análise, o princípio jurídico desenvolvido na decisão anterior, interpretará o precedente (seu holding) da maneira o mais geral possível, tratando as diferenças factuais entre os dois casos como irrelevantes. Porém, se

4545 MANCUSO, Rodolfo Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2 ed. São Paulo: RT, 1999, p. 172.4646 DUXBURY, Neil. The Nature and Authority of Precedent. New York: Cambridge University Press, 2008.4747 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3 ed. São Paulo: RT, 2013.4848 FARNSWORTH, Allan, op. cit., p. 56. Tradução livre.

42

Page 33: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

ao juiz não parecer coerente a aplicação de uma regra imposta por um precedente, ele tenderá a analisar o novo caso tratando como relevantes as diferenças entre este e o precedente, restringindo ao máximo a aplicação do último, ainda que a intenção da Corte que o proferiu tenha sido de ampla aplicação.

O fato é que, após a realização do distinguishing, a não adoção do precedente ao

caso concreto não o torna, por si só, obsoleto ou inaplicável a outros casos. Pelo

contrário, apenas estabelece que, naquele caso concreto em julgamento, não há

compatibilidade necessária que justifique sua adoção. Mais uma vez, Duxbury4949

lembra que a não adoção do precedente não o torna bad law, mas tão somente

inapplicable law. No entanto, cumpre observar que, quando isso ocorre, o magistrado

deve estar atento, uma vez que é possível que essa decisão não esteja mais sendo aceita

pela comunidade jurídica. Dessa forma, o excesso de distinções pode representar sinal

de enfraquecimento de sua autoridade.5050

Resta saber se o distinguishing permite a alteração do precedente. Segundo o

professor Marinoni,5151 isso é possível e, citando Duxbury,5252 defende que essa

possibilidade está presente quando uma corte deixa de lado um precedente para, em

razão da presença de um número maior de fatos materiais, editar uma regra particular.

Ao exigir outros fatos materiais nos casos em julgamento, a nova ratio decidendi é

aplicável a um número reduzido de casos. Desse modo, o distinguished acaba por

permitir a alteração do precedente, ou melhor, a mudança da ratio decidendi do

precedente.5353

Uma situação muito comum no momento do julgamento é o surgimento de

novas situações, com muitas peculiaridades, não abordadas nos precedentes. No entanto,

apesar dessas diferenças, nada impede que o resultado seja o mesmo do precedente, o

que, em parte, explica o interesse dos processualistas no estudo do alcance dos

precedentes.

Para abordar esse tema, nada mais apropriado que extrair a ponderação dos

fundamentos ou as razões do precedente, denominados substantive reasons, e analisar o

que justifica o sistema de precedentes vinculantes e obrigatórios. Assim, na presença de

4949 DUXBURY, op. cit.5050 Idem, ibidem.5151 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit. 5252 DUXBURY, op. cit.5353 MARINONI, op. cit.

43

Page 34: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

elementos de distinção que afastem a incidência, no caso concreto, da aplicação do

precedente, o juiz deverá buscar uma nova solução.

Ana Carolina de Sá Dantas5454 apresenta alguns interessantes exemplos de

aplicação concreta do distinguish na Suprema Corte Americana. Um deles é o caso

“Rasul versus Bush”, decidido em 2004. Na oportunidade, a mencionada Corte afastou

a aplicação do precedente oriundo do caso Eisentrager, julgado em 1950, permitindo,

com isso, que os prisioneiros (dois australianos e doze kuwaitianos) tivessem seus

habeas corpus julgados por uma corte norte-americana. No julgado, a Suprema Corte,

considerou distinções significativas do caso Eisentrager o fato de os prisioneiros não

serem nacionais de países em guerra com os Estados Unidos, de não terem acesso a

nenhum tribunal, de inexistirem acusação formal e condenação, e de estarem presos em

um local (Base Naval de Guantánamo) onde os Estados Unidos mantêm o controle e a

prestação de atividade jurisdicional.

Assim, o distinguishing contribui, de maneira significativa, para que se

compreenda que o sistema de precedentes não é estático nem cria dificuldade para

alterações ou até mesmo para uma correta adaptação às necessidades e aos valores da

sociedade contemporânea; ao contrário, permite a constante revisão dos precedentes e,

uma vez observadas as distinções, a busca por uma nova decisão, um novo direito. Isso

é motivo de instigação para a classe jurídica, sobretudo para os advogados, que devem

mostrar à Corte as peculiaridades do caso concreto sub judice, a fim de afastar a

incidência do precedente, o que torna o common law um dos mais dinâmicos sistemas

jurídicos do mundo.

Marinoni faz referência às palavras de Benjamin Cardozo, que, com

propriedade, discorre acerca do papel do julgador diante da complexidade desse

sistema:

Em meus primeiros anos como juiz, a minha perturbação de espírito foi muito grande ao perceber que não havia portos seguros no oceano em que me lançara. Eu queria a certeza. Fiquei deprimido e desanimado quando descobri que essa busca era vã. Estava tentando alcançar a terra, a terra firme das normas fixas e estabelecidas, o paraíso de uma justiça que se revelasse mais clara e dominante que seu pálidos e tênues reflexos em minha mente e consciência vacilantes. Descobri, com os viajantes em Paracelso, de Browing, que o verdadeiro paraíso sempre esteve mais além. Com o passar os anos e à medida que refletia mais e mais sobre a natureza do processo judicial, eu me reconciliei com a incerteza, porque cresci para vê-la como inevitável. Cresci para ver que o

5454 DANTAS, op. cit.

44

Page 35: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

processo em sua mais alta extensão não é descoberta, mas criação, que as dúvidas e apreensões, as esperanças e os temores fazem parte do trabalho do intelecto, das dores da morte e do nascimento, em que princípios que serviram a uma época se vão e novos princípios nascem.5555

Assim, ao analisar o precedente judicial e concluir pela aplicação do

distinguishing, é extremamente relevante trazer à baila quatro instrumentos utilizados

no sistema norte-americano: a técnica de sinalização, a transformation, o overriding e a

técnica de elaboração de distinções inconsistentes (the drawing of inconsistent

distinctions).

Na primeira delas, a também chamada technique of signaling, a Corte rejeita a

aplicação do precedente ao caso concreto, mas não o revoga de pronto, deixando para

fazê-lo apenas em momento posterior. Nessa hipótese, há o temor de se revogar o

precedente de uma só vez, levando, com isso, a uma insegurança jurídica. Aqui, é

preciso ressaltar a grande importância dos advogados para o sistema de precedentes

judiciais, pois esses profissionais devem, a partir das demandas que se encontram sob

sua responsabilidade, sinalizar para a Corte a manifesta perda da força e,

consequentemente, da autoridade dos precedentes. Engana-se quem pensa que o stare

decisis é um sistema tão rígido que não permite mudanças à luz do desenvolvimento da

própria sociedade; pelo contrário, o Tribunal revisa e reavalia os precedentes ao efetuar

o distinguishing e o overruling (o qual será abordado na sequência).

A segunda técnica é a chamada transformation. Trata-se de um mecanismo

através do qual a Corte não realiza exatamente o distinguishing nem o overruling, que é

a revogação do precedente, apenas reconfigurando-o, o que implica uma verdadeira

transformação para que possa ser aplicado ao caso concreto.

A terceira técnica é conhecida como overriding. Não se confunde com a

transformation nem com o overruling, pois não há qualquer sinal que aponte para uma

alteração do precedente, tampouco que envolva uma revogação. O overriding pode ser

conceituado como um instrumento que restringe a aplicação do precedente, podendo-se

afirmar a ocorrência de uma revogação parcial.5656

5555 MARINONI, op. cit.5656 Idem, ibidem.

45

Page 36: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Para melhor compreender o overriding, é necessário imaginar-se diante de outra

situação fática e que, portanto, exija a adoção de outro juízo, de acordo com o

entendimento da Corte naquele caso concreto. Isso ocorre quando se percebe que o caso

anterior teria outro resultado na hipótese de ser julgado naquele momento. Embora não

revogue por completo o precedente – não se confundindo, portanto, com o overruling –,

é imperioso afirmar que se trata de uma prévia, um anúncio de que a Corte tende, muito

em breve, a revogá-lo definitivamente.

A quarta e última técnica é conhecida como elaboração de distinções

inconsistentes. Segundo a lição de Eisenberg,5757 trata-se de outro processo através do

qual as Cortes cuidam de revogar os entendimentos estabelecidos, sob a alegação de

distinções inconsistentes com o precedente vigente, em virtude de uma nova

configuração social. Existem semelhanças com as técnicas do overruling e da

transformation, pois envolve a revogação de um entendimento estabelecido que falhou

em atender aos anseios da comunidade. Como diferença, apresenta o fato de a

revogação ser parcial. Mais uma vez, essa técnica deixa claro à comunidade jurídica que

o precedente está perdendo sua força e que, em breve, será totalmente revogado.

1.5 – Sistema de revisão do precedente: overruling

O sistema de precedentes judiciais visa garantir a previsibilidade e a segurança

nas relações jurídicas. Dessa forma, o overruling não é tão usual, embora se mostre

necessário, na medida em que a evolução da sociedade traz novas demandas a exigir

novos entendimentos e novos direitos.

Uma das conceituações possíveis para overruling é a revogação total do

precedente. Na atualidade, é impensável um sistema de precedentes que não admita a

aplicação do overruling, sob a alegação de risco à segurança jurídica, pois uma das

exigências da sociedade contemporânea é a crença em que os tribunais estarão atentos

às transformações sociais, adequando suas decisões às novas configurações.

É claro que o sistema visa garantir a segurança nas relações jurídicas, até mesmo

porque tal circunstância não se distancia do princípio da dignidade da pessoa humana. 5757 EISENBERG, Melvin Aron. The Nature of the Common Law. Cambridge: Harvard University Press, 1980.

46

Page 37: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Por outro lado, para preservá-lo, também se torna imperioso permitir o

acompanhamento das decisões, para que os tribunais, de forma responsável e sensível,

consigam proceder às alterações necessárias. Nesse contexto, Ingo Wolfgang Sarlet

assinala que as noções de segurança jurídica estão intrinsecamente ligadas à dignidade

da pessoa humana.

Considerando que também a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como sua realização , desde logo é perceptível o quanto da ideia de segurança jurídica encontra-se umbilicalmente vinculada à própria noção de dignidade da pessoa humana (...) a dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo lugar onde as pessoas estejam sendo atingida por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranquilidade, confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas.658

A estabilidade integra uma dimensão objetiva da segurança jurídica, enquanto,

para muitos, a previsibilidade traduz a confiabilidade do cidadão em seus próprios

direitos. A continuidade, por sua vez, mostra-se necessária para o próprio conceito de

Estado de Direito, de modo que seja capaz de se impor como ordem jurídica.5959 Para

José Canotilho, entre outros estudiosos, é impossível separar as noções de segurança

jurídica e de confiabilidade,

a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito –, enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade de indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos.6060

Para Melvin Eisenberg,6161 um precedente está em condições de ser revogado

quando deixa de corresponder aos padrões de congruência social e de consistência

sistêmica, e também quando os valores que sustentam a estabilidade – basicamente, 658 SARLET, Ingo Wolfgang. “A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: a dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro”, Revista de Direito Constitucional, Florianópolis, v. 57, p. 11.5959 Idem, ibidem.6060 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2002.

6161 EISENBERG, op. cit.

47

Page 38: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

isonomia, confiança justificada e vedação da surpresa injusta – fundamentam mais sua

revogação do que sua preservação. Segundo esse autor, quando o precedente passa a

negar proposições morais, políticas e de experiência, deixa de atender aos padrões de

congruência social. Sobre o tema, Marinoni afirma que

a corte deve utilizar proposições morais ancoradas na aspirações da sociedade como um todo, assim como empregar proposições de conteúdo político que reflitam uma situação como boa para a generalidade da sociedade. Estas proposições, dentro de uma adequada metodologia, devem poder ser vistas como substancialmente fundadas na comunidade, derivar de normas morais ou políticas que têm esta base ou aparecer como se tivessem tal fundamento. Do mesmo modo, as proposições de experiência, assim como as de moralidade e política, devem ter ancoragem social. Porém, ao contrário das duas últimas, não necessitam ter base na generalidade da comunidade. É que as proposições de experiência podem dizer respeito a assuntos técnicos, de interesse e de conhecimento de poucos, devendo, assim, encontrar fundamento em outro lugar, como em pareceres ou opiniões de especialistas.6262

Patrícia Perrone Campos Mello6363 apresenta algumas situações em que a

consequência é a final revogação do precedente: quando desponta uma contradição,

quando se torna ultrapassado, nas hipóteses em que é colhido pela obsolescência, em

virtude de mutações judiciais, e quando se encontra equivocado. Nessas hipóteses,

portanto, o precedente é revogado – como uma exceção – pelo mecanismo do

overruling, que se apresenta de quatro formas distintas.

A primeira é o que se chama de retrospective overruling, que, como explica

Teresa Arruda Wambier,6464 opera efeitos retroativos e não permite que a decisão

anterior, que foi substituída, seja invocada como paradigma para casos pretéritos que

ainda aguardam julgamento.

A segunda é a propective overrulling, ou seja, a técnica segundo a qual o

precedente é revogado com eficácia ex nunc. Dessa forma, não retroage, aplicando-se

apenas aos casos subsequentes, o que significa que a ratio decidendi que foi substituída

continuará a ter eficácia quanto aos fatos anteriormente ocorridos.

A terceira é a anticipatory overruling, instituto tido como arrojado para o

sistema de precedentes judiciais nos tribunais americanos. Trata-se de uma revogação

preventiva do precedente pelas Cortes inferiores, sob a alegação de que não mais se

6262 MARINONI, op. cit.6363 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 237.6464 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. “Súmula vinculante: desastre ou solução?”, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 25, n. 98, pp. 295-306, abr.-jun 2000.

48

Page 39: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

estaria diante de uma good law, como, inclusive, já reconhecido pelo próprio Tribunal

ad quem. É preciso que, no Tribunal Superior haja uma sinalização, uma alteração no

precedente, abrindo-se, então, espaço para que as instâncias inferiores afastem sua

incidência.

Como se percebe, as teses apresentadas servem para reforçar a ideia de que o

sistema de precedentes pode e deve ser alterado, buscando sempre adequar-se às

necessidades da comunidade.

Em suma, conclui-se, como explica Lênio Streck,6565 que o precedente judicial

não se confunde com o stare decisis e que, pela tradição do sistema da common law, e

não por força de norma constitucional ou até mesmo de lei ordinária, tem efeito

vinculante que se irradia por todo o ordenamento jurídico. É o que se chama de

holding. Para que esse efeito opere com precisão, é necessário que se esteja diante de

uma circunstância similar.

Dessa forma, para que se aplique corretamente o precedente, de acordo com sua

gênese, é prudente decompô-lo, como anteriormente explicado, de modo que seja

possível verificar o que constitui a fundamentação da decisão e o que representa apenas

um dictum, ou seja, uma mera observação.

No sistema do commom law, ao contrário do que, algumas vezes, se imagina, o

juiz não pode negar-se a cumprir a lei, encontrando-se vinculado ao sistema de

precedentes. Assim, para afastar sua incidência, deverá fundamentar muito bem sua

decisão no caso concreto, recorrendo ao distinguish ou até mesmo ao overruling como

forma de manter os precedentes alinhados à realidade social.6666

1.6 – A influência do sistema de precedentes judiciais norte-americano no Brasil

Uma das questões mais tormentosas no Direito Processual Civil brasileiro,

sobretudo com o advento do novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/15), é saber

se o sistema jurídico brasileiro adotou a teoria dos precedentes. Essa, na verdade, não é

6565 STRECK, Lênio; ABOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.6666 Idem, ibidem.

49

Page 40: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

uma discussão tão recente, pois remonta à criação das súmulas vinculantes,

regulamentadas pela Lei n. 11.417/06.

Defende-se que o Brasil não adotou a teoria dos precedentes judiciais no novo

Código de Processo Civil, tampouco por meio das súmulas vinculantes. Tal

posicionamento escora-se na própria definição e no entendimento do precedente

judicial, além do contexto de sua formação no sistema jurídico do commom law.

Michele Tarufo assinala:6767

Observe-se que há muito tempo se fala de precedente também em muitos ordenamentos de civil law e não só nos ordenamentos tradicionalmente fundados sobre o precedente, como os de common law. Essa extensão do fenômeno do precedente pode, no entanto, provocar mal-entendidos, além da perda de precisão do conceito de precedente, dado que nem sempre se entende corretamente que coisa isto é. Em especial nem sempre se presta atenção ao fato de que, em linha de princípio, o precedente se funda sobre a analogia do que o juiz vê entre os fatos do caso que ele deve decidir e os fatos do caso já decidido, porque somente com essa condição é que se pode aplicar a regra pela qual a mesma ratio decidendi deve ser aplicada para casos idênticos ou ao menos similares.

Parece que o Brasil tentou apenas buscar nos precedentes seu efeito vinculante, a

holding, que tanto lhe interessava para conter o número excessivo de demandas

judiciais. Atravessamos um período em que é impossível negar a existência de uma

jurisdição de massa, com múltiplos processos semelhantes, nos quais o Judiciário não dá

conta de pôr, isoladamente, um ponto final. Isso só seria possível por meio da aplicação

de uma única decisão, buscando-se justificar uma medida nesse sentido pelos benefícios

contidos nos princípios da isonomia, da segurança nas relações jurídicas e da

previsibilidade.

Afirmar-se que, em nosso país, adota-se o sistema de precedentes traduz, com

profundo respeito às opiniões contrárias, total desconhecimento de seu real significado,

que parte de um caso concreto para a aplicação em eventuais casos futuros, desde que

esteja presente a semelhança. Como ensina Castanheira,6868

o precedente é uma concreta decisão jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu – trata-se também aqui de uma estrita decisão

6767 TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios. Apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013.6868 CASTANHEIRA, op. cit.

50

Page 41: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

jurisdicional – que se toma (ou se impõe) como padrão normativo casuístico em decisões análogas ou para casos de aplicação concretamente analógica.

No Brasil, tem-se um sentido completamente diferente: diante de muitos casos

semelhantes e já existentes, busca-se uma única decisão judicial com força vinculante

para os que já existem e também para todos os casos futuros. Assim, evidente está a

intenção de se buscar apenas a força vinculante dos precedentes. Um dos melhores

exemplos disso são as súmulas, os verdadeiros enunciados genéricos,6969 que trazem em

si uma vinculação geral e abstrata para os casos futuros e que ganharam força com o

advento do novo Código de Processo Civil.

Essa situação leva-nos a refletir se o magistrado brasileiro pode afastar-se da lei

privilegiando outras fontes do Direito. Pelo fenômeno da integração diante da ausência

de lei (fonte formal) que regule o caso concreto, o juiz pode fazer uso de outras fontes,

denominadas materiais, como, por exemplo, os princípios gerais do direito, os costumes

e a própria jurisprudência.

Lênio Streck7070 responde à indagação apontando hipóteses específicas em que

o magistrado poderia desvincular-se do texto legal quando a lei ou o ato normativo

forem inconstitucionais, caso em que deixará de aplicá-los. Estará, assim, exercendo o

controle difuso de constitucionalidade ou declarando-a inconstitucional, através do

exercício do controle concentrado de constitucionalidade, quando legitimado.

Outra hipótese é a aplicação dos critérios de resolução de antinomias7171 quando

se interpreta conforme a Constituição, sendo necessária uma adição de sentido ao artigo

de lei para que esteja em plena consonância com o texto constitucional. Segundo Streck,

cabe ainda destacar outras três hipóteses: quando o magistrado aplicar nulidade sem

redução de texto, permanecendo, dessa forma, a literalidade do dispositivo; quando

houver declaração de inconstitucionalidade com redução de texto; e quando uma regra

contrariar um princípio.

6969 STRECK, op. cit.7070 STRECK, LENIO. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 605-606.7171 A antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto (lacunas de colisão). Conceito extraído da obra TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Método, p. 38.

51

Page 42: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Nesse contexto, ao mesmo tempo que não podemos permitir que os magistrados

deixem de observar as leis, até mesmo por conta do princípio da legalidade, insculpido

no artigo 5º, II, da CRFB,7272 o sistema jurídico brasileiro tem incentivado a utilização de

outras fontes pelos julgadores. No novo Código de Processo Civil, por exemplo, nada

mais do que trinta artigos apontam para a necessidade de se observarem as súmulas

persuasivas, os enunciados dos tribunais locais e as teses jurídicas firmadas por meio do

incidente de resolução de demandas repetitivas, entre outras circunstâncias que serão

analisadas no terceiro capítulo deste estudo.

Em verdade, tem-se um sistema no qual a aplicação exclusiva da lei já não mais

se coaduna com a realidade. O juiz, portanto, deve estar atento aos demais mecanismos,

até então considerados fontes formais, para buscar a solução ao conflito apresentado.

Registre-se que todos esses mecanismos – tanto o que já existiam, como as súmulas,

quanto as novas orientações, como a tese jurídica firmada no incidente de resolução de

demandas repetitivas – não podem ser considerados precedentes judiciais, mas, sim,

provimentos judiciais vinculantes, pois buscaram a força vinculante do precedente para

justificar a aplicação em todos os casos concretos similares, com vistas a conter a

expansão do número de demandas judiciais. Emprega-se o termo “força vinculante” do

precedente porque, como ensina Michele Taruffo, não há eficácia formalmente

vinculante na Inglaterra tampouco nos Estados Unidos. Reproduz-se, a seguir, sua lição:

(...) é necessário considerar que o problema da eficácia do precedente é muito mais complexo do que comumente se pensa. O precedente não tem eficácia formalmente vinculante nem na Inglaterra nem nos Estados Unidos. Com maior razão – e independentemente da eventualidade de se considerar a jurisprudência fonte de direito – exclui-se que o precedente tenha eficácia vinculante nos sistemas de civil law. Então, qualquer tentativa de atribuir semelhante eficácia ao precedente é destituída de fundamento: poder-se-á falar somente de força do precedente entendendo-se que essa pode ser maior ou menor conforme o caso, de modo que haverá um precedente forte quando esse estiver em condições de determinar efetivamente a decisão de casos sucessivos, e um precedente fraco, quando os juízes posteriores tenderem a não reconhecer a ele um grau relevante de influência sobre suas decisões.7373

7272 Artigo 5º, II CRFB – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (...).”7373 TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios. Apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013.

52

Page 43: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Para Taruffo,7474 essa força é um conceito gradual e, com isso, dois fatores

ganhariam importância no cenário jurídico: 1) o posto do magistrado que proferiu a

decisão; 2) a qualidade e a autoridade da própria decisão.

Nesse sentido, mesmo sem adotar a teoria dos precedentes, busca-se sua força

vinculante para justificar diversos instrumentos jurídicos, em especial aqueles contidos

no Novo Código de Processo Civil.

CAPÍTULO 2

REALIDADE DO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO E A NECESSIDADE DE

CONTENÇÃO DE DEMANDAS DE MASSA

2.1. Evolução histórica e seus efeitos no processo

Para que se possa compreender adequadamente o motivo pelo qual hoje

buscam-se mecanismos para combater as demandas de massa que assolam o sistema

judiciário brasileiro, é necessário verificar, na evolução histórica do Direito Processual

Civil, os motivos para tamanha explosão de contendas, focando sua análise, sobretudo,

na promulgação da Constituição Federal de 1988, que consagrou o Estado Democrático

Constitucional, contemplando importantes princípios constitucionais, dentre os quais, o

acesso à justiça.

O Direito Processual Civil é um ramo da ciência jurídica que cuida de regular o

exercício da atividade jurisdicional. Integra o grupo do Direito Público, uma vez que a

própria atividade jurisdicional é exercida pelo Estado, com exclusividade, por meio do

Poder Judiciário.7575 Mantém ampla relação com outros ramos do Direito, em especial

7474 Idem, ibidem.7575 “O direito processual é comumente definido como o ramo do Direito Público interno que disciplina os princípios e as regras no que tange ao exercício da função jurisdicional do Estado. É um ramo do Direito Público porque dispõe sobre o exercício de uma função predominantemente pública, a função jurisdicional, por órgãos do próprio Estado, juízes e tribunais, e porque, em seu exercício, esses órgãos buscam realizar fins eminentemente públicos de atuar de acordo com a vontade concreta da lei e de assegurar a paz social. É um ramo do Direito Público interno porque a função jurisdicional é uma das três funções soberanas do Estado Democrático de Direito, que emana da própria soberania estatal. Cada nação soberana institui seus próprios juízes e estabelece as regras que devem ser observadas em sua atuação. No exercício da função jurisdicional, o Estado trava relações jurídicas com outros sujeitos de direito, públicos ou privados, interessados ou não no resultado, e todos esses múltiplos vínculos entre esses sujeitos, direcionados ao objetivo comum de propiciar o adequado exercício da função jurisdicional, formam o processo que empresta seu nome a esse ramo do Direito” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, v. 1, p. 25).

53

Page 44: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

com o Direito Constitucional, levando-se em conta que este traça regras e princípios que

devem ser observados em todos os processos, como, por exemplo, acesso à justiça,

isonomia ou igualdade das partes, devido processo legal,7676 contraditório e ampla

defesa, publicidade, celeridade, fundamentação das decisões judiciais, vedação do uso

de provas ilícitas, garantia de assistência jurídica gratuita a quem dela necessitar, entre

outros.

Não se pode olvidar da relação indissociável com o processo penal e o processo

do trabalho, bem como com o Direito Privado, o qual, com frequência, ao cuidar de

determinado instituto, impõe exigências a serem observadas nos processos judiciais que

versem sobre aquela matéria.7777

Basicamente, o Direito Processual Civil tem como objetivo instrumentalizar a

regra de direito material, operacionalizando-a, além de contribuir para a preservação da

ordem jurídica, com a inequívoca proteção dos direitos estabelecidos no regramento

jurídico constitucional, apresentando, como fontes formais primordiais, a Constituição,

os tratados internacionais, as leis complementares e ordinárias, e as normas de

organização judiciária, além de resoluções e regimentos internos dos respectivos

tribunais. Como fontes materiais, citam-se analogia, costumes, princípios gerais de

direito e, com um olhar mais aprofundado, também a jurisprudência, a qual, nos países

de common law, é tida como fonte formal, além das convenções processuais, que foram

inseridas a partir da edição do novo Código de Processo Civil, mais precisamente em

seu artigo 190.

Quanto ao aspecto histórico, é preciso indicar, ainda que brevemente, as origens

desse ramo do Direito, as quais remontam ao Processo Civil romano, que teve

influência direta do processo grego, sobretudo no que diz respeito à livre apreciação das

7676 O princípio do devido processo legal se desenvolveu principalmente nos Estados Unidos e foi marcado – pode-se dizer – por duas características. A primeira decorre da evolução do law of the land (ou julgamento pela “lei da terra” por um júri constituído por seus pares, ou pelo juiz que os substitua) e do his day on court (ou direito de ser ouvido no tribunal), revestindo-se de caráter estritamente processual (procedural due process). A segunda, de cunho material e substantivo (substantive due process), tornou-se o principal instrumento para o exame da reasonableness (razoabilidade) e rationality (racionalidade) das normas e dos atos do Poder Público em geral.7777 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense. 56 ed., v. 1, p. 6.

54

Page 45: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

provas.7878 Sérgio Bermudes7979 sintetiza adequadamente a evolução histórica do

processo romano em três momentos distintos:

1) Período primitivo: Também denominado legis actiones, com início na

fundação de Roma até 149 a.C. Com um procedimento bastante solene, em

que predominava a oralidade, as partes estavam restritas ao manuseio de

cinco ações da lei, em dois momentos: no primeiro o juiz fixava o objeto da

lide e, no segundo, os cidadãos atuavam como árbitros, sentenciando após a

colheita das provas. Esse procedimento caracterizou-se pela ausência de

advogados.

2) Período formulário: Caracterizado pela abolição da legis actiones, atribuindo

aos magistrados a possibilidade de criar mecanismos voltados à solução de

qualquer litígio. Continuava a presença marcante do árbitro nos julgamentos,

mas já se fazia presente a atuação de advogados.

3) Período da cognitio extraordinária: Marcado por profunda transformação.

Compreendido entre o ano 200 d.C. dc e 565 d.C. dc, a atividade

jurisdicional passou a pertencer ao Estado, que assumiu essa função ao

deixar de lado a figura dos árbitros privados. Considerado o berço do

processo moderno.

Após a queda do Império Romano e a ascensão dos povos germânicos,

observou-se um sério comprometimento na evolução do processo europeu, pois as

noções dos germânicos sobre o processo eram muito incipientes. Assim, cada grupo era

regido por um instrumento próprio, de acordo com seus rígidos costumes.

Seguiu-se um momento de proliferação das questões religiosas atreladas ao

processo, “com a adoção de práticas conhecidas como “juízos de Deus”, “ordálias” ou

duelos judiciais, em que se acreditava que a divindade participava dos julgamentos e

revelava sua vontade por meio de métodos cabalísticos”.8080 Assim, havia intensa

restrição ao uso de provas, verificando-se um procedimento acusatório marcado pela

rigidez excessiva até meados da Idade Média. A igreja católica, como nos recorda

7878 Idem, ibidem.7979 BERMUDES, SÉRGIO apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 56 ed. Rio de Janeiro: Forense, v 1, p. 14.

8080 THEODORO, op. cit.

55

Page 46: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Humberto Theodoro,8181 paralelamente ao processo germânico, procurava preservar e

desenvolver no processo canônico algumas características do Direito Romano.

Da fusão entre o Direito Canônico, o Direito Romano e o Direito Germânico,

nasceu o Direito comum e, com ele, também o processo comum, que perdurou do

século XI ao século XVI, influenciando, até os dias de hoje, a legislação processual

ocidental. O processo comum caracterizava-se pela solenidade e a lentidão.

Aperfeiçoado e novamente inspirado no modelo romano, transforma-se no processo

moderno, que ainda sofria alguma influência do Direito Germânico, mas trazia

inovações como o processo sumário, benquisto no Direito Canônico. Nesse momento,

houve a abolição das ordálias ou dos juízos divinos, mas alguns mecanismos, como o

uso de tortura para a obtenção de confissões e o sistema tarifado legal de provas,

continuaram a existir – o primeiro, até o século XIX, e o segundo, até o século XVII.

Com a Revolução Francesa, eliminou-se o sistema tarifado e foi introduzido o sistema

do livre convencimento.

Em seguida, no século XX, deu-se início à fase científica do processo civil,

marcada pelo afastamento do sistema tarifado, pela outorga de poderes aos juízes para

apreciar as provas produzidas no processo, bem como pela busca de celeridade

processual, imprimindo-se a ideia do processo como instrumento de pacificação social.

Segundo Humberto Theodoro Junior, a evolução histórica do processo civil nos últimos

três séculos ocorreu da seguinte forma:

O século XIX, influenciado pelo Liberalismo, deixava o processo dominado

pelas partes, seja quanto a seu andamento, seja quanto à própria instrução probatória.

Com a predominância do privatismo, pouco restava aos magistrados.

O século XX, por sua vez, foi marcado pela publicização do processo civil,

tendo como escopo primordial a pacificação dos conflitos. Dessa forma, o Estado

assumiu a direção do processo e, ao mesmo tempo, consagrou-se a autonomia do

Direito Processual. Agora, no século XXI reafirma-se, diante do neoconstitucionalismo,

o caráter publicista do processo. Na importante lição de Humberto Theodoro:8282

8181 Idem, ibidem.8282 Idem, ibidem.

56

Page 47: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O neoconstitucionalismo do Estado Democrático de Direito manteve a natureza publicística do processo. Seu caráter instrumental, porém, passou a ser visto dentro de outro prisma: em vez de isolar-se o direito processual, o mais importante passou a ser a sua interveiculação com o direito material, já que teria sempre de lembrar que a função do processo não era outra senão a de dar efetividade à tutela dos direitos subjetivos substancialmente lesados ou ameaçados (CRFB, artigo 5º, XXXV). Acima de tudo, impôs-se a constitucionalização do processo, mediante inserção dos seus princípios básicos no rol dos direitos e garantias individuais. Procede-se, com isso, à evolução da garantia do devido processo legal para o processo justo. Realizou-se, por fim, a democratização do processo: o juiz continua titular do poder de definir a solução do litígio, mas não poderá fazê-lo isolada e autoritariamente. As partes, numa nova concepção do contraditório, terão o direito de influir efetivamente no iter de formação do provimento judicial. O contraditório deixa de ser um dialógico entre as partes para sujeitar também o juiz. Trata-se da inserção do processo judicial no plano da democracia participativa, em que os atos de poder não ficam restritos à deliberação de representantes da soberania popular, mas podem legitimar-se, também, pela participação direta dos cidadãos em sua conformação. O processo, no atual Estado Democrático de Direito, realiza seu mister pacificador pelo regime cooperativo, em que as partes, tanto quanto o juiz, participam efetivamente da formação do ato de autoridade destinado a compor o conflito jurídico levado à apreciação do Poder Judiciário.

No que diz respeito à evolução histórica do Direito Processual Civil no Brasil,

deve-se começar no período do descobrimento, momento, segundo Humberto Dalla,8383

no qual se dava grande importância a espécies de municípios, que funcionavam como

núcleos administrativos, em que o exercício da jurisdição era feito por juízes ordinários

ou da terra. Aos donatários das capitanias hereditárias, dava-se o poder de tratar das

questões judiciais, e o Ouvidor-Geral era tido como a autoridade máxima.

As Ordenações Afonsinas estavam em vigor e, com base no que se tratou

anteriormente, eram inspiradas no Direito Canônico, cuidando, prioritariamente, da

Administração Pública. Em seguida, vieram as Ordenações Manuelinas, as quais, por

sua vez, trouxeram poucas mudanças em relação à primeira e tinham por objetivo

primordial garantir o fortalecimento dos interesses da realeza. Em 1603, houve a

promulgação das Ordenações Filipinas, que permaneceram em vigor mesmo com a

Proclamação da Independência. Até então, era considerada arrojada, sendo tratada no

terceiro dos cinco livros do Direito Processual Civil.8484

Em 7 de setembro de 1822, veio a Independência. Então, foi necessário

estabelecer normas que compusessem o ordenamento jurídico brasileiro, o que veio a

8383 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Direito Processual Civil Contemporâneo. 6 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2015.8484 Idem, ibidem.

57

Page 48: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

acontecer em 1824, com a introdução dos princípios fundamentais e da abolição das

penas cruéis e da tortura.8585

Humberto Dalla recorda que um decreto de 20 de outubro de 1823 determinou a

permanência das Ordenações Filipinas e de outras normas jurídicas portuguesas, que só

seriam revogadas caso se mostrassem contrárias à soberania brasileira. Com a

promulgação do Código de Processo Criminal, instalou-se mais uma novidade com a

previsão sobre a administração da jurisdição civil, que ainda era regulada pelas

Ordenações Filipinas. Após algumas modificações no próprio Código de Processo

Criminal e a publicação do Código Comercial, surgiu o que foi considerado o primeiro

regramento processual civil brasileiro (Regulamento nº 737), que cuidava

essencialmente do funcionamento dos tribunais e das causas que envolviam questões

comerciais.

Em 1876, foi publicada a Consolidação das Leis do Processo Civil, também

denominada Consolidação Ribas. Com a Proclamação da República, o Regulamento n.

737 passou a tratar das causas cíveis, aplicando ainda as Ordenações. Somente com o

advento da Constituição de 1891, o cenário mudou, com a possibilidade de os Estados

regulamentarem a matéria processual, o que antes era reservado à União.

Posteriormente, em 1916, com a promulgação do Código Civil Brasileiro, foram

trazidas, além das normas de direito material, algumas regras afetas ao direito

processual.

Em seguida, tem-se o Código Judiciário de 1919 e, com a Carta de 1934, ocorre

a unificação de matéria processual, devolvendo-se à União a competência exclusiva

para legislar sobre matéria processual – competência que perdura até os dias de hoje,

diante do disposto no artigo 22, I, da CRFB/88. Essa unificação serviu para estabelecer

uma linha mestra diante das inúmeras leis que proliferavam nos estados, os quais, até

então, podiam editá-las.

O Código de Processo Civil de 1939, composto por 1.052 artigos, foi inspirado

no modelo europeu e apontou algumas inovações, como os princípios da oralidade,

dispositivo e do juiz ativo, além de imprimir mais celeridade à tramitação dos

processos.8686

8585 Idem, ibidem.8686 Idem, p. 87.

58

Page 49: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Até que em 1973, com a promulgação do Código de Processo Civil, inaugura-se

a fase instrumental do Direito Processual Civil, em que, efetivamente, entende-se o

processo como um instrumento de acesso à justiça. Reconhecido pela doutrina como um

grande avanço no campo processual, esse diploma processual passou a sofrer alterações

pontuais, sobretudo a partir da década de 1990, culminando com a criação de uma

comissão composta por diversos processualistas que elaboraram o Projeto de Lei n.

166/2010, apresentado ao Senado Federal.

Assim, após uma consulta pública que culminou com algumas alterações e a

publicação de consecutivas versões, o texto final foi encaminho ao Senado em fevereiro

de 2015 e, em março do mesmo ano, mais precisamente no dia 16, foi publicada a Lei n.

13.105/15 (Código de Processo Civil de 2015), que entrou em vigor após um ano de

vacatio legis, trazendo, basicamente, a vontade e a necessidade de se imprimirem

celeridade e efetividade aos processos em curso, com o perfeito atendimento aos

princípios constitucionais e a redução de recursos, com destaque para os provimentos

judiciais vinculantes e o estímulo ao bom uso dos mecanismos de conciliação.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a

redemocratização – firmado o Estado Democrático Constitucional –, bem como com a

consequente preocupação em se estabelecerem as garantias individuais (que,

anteriormente, ocupavam segundo plano, por conta do período ditatorial que o Brasil

viveu, entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985) no renascimento da abertura

política, houve uma explosão de demandas judiciais. Surge, dessa forma, o fenômeno da

judicialização das relações sociais e políticas.

O Estado Democrático Constitucional, símbolo da Constituição de 1988, como

recorda Hermes Zaneti Junior,

é a junção do Direito Constitucional e da democracia, ou seja, um Estado de Direito no qual os direitos fundamentais individuais e coletivos exercem papel contramajoritário e no qual a lei e os atos dos poderes públicos estão submetidos à Constituição. Nessa ordem de raciocínio, cabe aprofundar e retomar duas importantes consequências da inter-relação entre as tradições do common law e do civil law: o controle dúplice de constitucionalidade e a unicidade da jurisdição.

59

Page 50: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Com a redemocratização e o Estado Democrático constitucional, percebeu-se

que o expressivo aumento do número de demandas foi corroborado por um importante

estatuto, promulgando-se, logo em seguida, em 11 de setembro de 1990, a Lei n. 8.078

(Código de Defesa do Consumidor), que, segundo Marcelo Pereira,8787

foi de fundamental importância para a defesa de direitos transindividuais, pois trouxe vários mecanismos que passaram a ser utilizados nas demais ações coletivas, como as noções de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, previstas no artigo 81. Verifica-se que o Código de Defesa do Consumidor se destaca na área processual por definir regras de competência para as ações de consumo, o que está disposto no artigo 93 desse diploma legal, por trazer regramento diferenciado ao ônus da prova e por tratar de legitimação para estas ações.

Posteriormente, a Lei n. 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis,

garantindo acesso gratuito, salvo quando da interposição de recurso às turmas recursais,

permitiu o acesso à justiça sem a presença de advogados para se dirimirem conflitos que

envolvam até vinte salários mínimos.

A pesquisa “Justiça em Números 2015”, elaborada pelo Conselho Nacional de

Justiça, tomando como ano-base 2014, constitui a principal fonte de divulgação dos

dados estatísticos da justiça brasileira. À época, essa pesquisa apontou a existência de

cerca de 99,7 milhões de processos em curso no Brasil, o que corresponde a pelo menos

um processo para cada dois brasileiros, levando-se em conta que, segundo o IBGE, o

Brasil tem 201 milhões de habitantes. A título de comparação, na Austrália esse número

cai para um processo a cada 6,4 mil habitantes.

Essa pesquisa também revelou a existência de 15 mil cartórios judiciais,

divididos entre varas especializadas, juizados especiais, zonas eleitorais e auditorias

militares, distribuídos por 5.570 municípios. Mais da metade – exatamente 63% das

unidades judiciárias – pertence à justiça estadual, 20% correspondem à justiça eleitoral,

10% à justiça do trabalho e aproximadamente 7% à justiça federal. Os processos em

primeiro grau de jurisdição correspondem a 86% de novos casos, 95% de processos

pendentes, 87% de processos baixados e 84% das sentenças.8888

8787 ALMEIDA, Marcelo Pereira. Precedentes judiciais: Análise crítica dos métodos empregados no Brasil para a solução de demandas de massa. Rio de Janeiro: Juruá, 2014, p. 151.8888 Conselho Nacional de Justiça. Pesquisa “Justiça em Números 2015”. Disponível em www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros. Acesso em 1o de maio de 2016.

60

Page 51: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O ministro Luis Felipe Salomão, do STJ,8989 ao cuidar do tema, afirma que o

fenômeno da judicialização das relações políticas e sociais decorre do maior acesso à

justiça, que não se confunde com acesso ao Poder Judiciário. Esse acesso tem a ver com

a garantia de um processo justo, célere, que possibilita ao jurisdicionado usar a máquina

judiciária para resolver seus conflitos com mais rapidez e segurança. Salomão lembra

ainda que, no Brasil, 25 anos após a promulgação da Constituição de 1988, o número de

casos novos se havia multiplicado oitenta vezes. Só em 1988, foram 350 mil novas

ações em todos os segmentos do Judiciário. Assim, nesse cenário, não resta alternativa

senão buscar, nos provimentos judiciais vinculantes e no estímulo a formas de

composição de conflitos, a redução desse número de processos.

2.2 Judicialização como alternativa diante da ineficiência dos meios de composição

de conflitos

A fim de que se possa avaliar se o excesso de demandas também decorre da

ineficiência dos meios de composição de conflitos, é necessário, em um primeiro

momento, um aprofundamento nos conceitos de acesso à justiça e também nos

principais instrumentos alternativos de solução de conflitos. Ao final, parte-se para a

análise da atual situação do ordenamento jurídico brasileiro.

Inicialmente, consigna-se que o princípio estabelecido no artigo 5º, XXXV, da

CRFB/88,9090 conhecido como acesso à justiça, ou inafastabilidade de controle do

Poder Judiciário, não se limita à possibilidade de acessar o Poder Judiciário. Como nos

explica Humberto Dalla,9191

o acesso ao Judiciário decorre do movimento renovatório do direito (acesso à justiça) e implica propiciar ao cidadão amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, desde a propositura da ação até a tutela definitiva de seu conflito. O acesso à justiça decorre do exercício da função jurisdicional como monopólio estatal. Em verdade, o significado do princípio da inafastabilidade da jurisdição compreende não só a ideia da garantia do direito de ação, mas o efetivo acesso à justiça e, por via de consequência, da amplitude dessa

8989 SALOMÃO, Luis Felipe. “A Constituição Federal e a preparação/formação do juiz brasileiro”. Superior Tribunal de Justiça. Doutrina. Disponível em www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/doutr/article/.../1048. Acesso em 1o de maio de 2016.9090 Artigo 5º, XXXV, da CRFB/88 – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (...).”9191 PINHO, op. cit., p. 809.

61

Page 52: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

acessibilidade, adequação e tempestividade da tutela jurídica, traduzindo-se em garantia das garantias constitucionais.

Nesse mesmo sentido, diversos doutrinadores entendem a efetividade como um

valor fundamental na busca pela tutela dos direitos.9292 Todavia, é preciso reconhecer

que, como afirma Mauro Cappelletti,9393 a jurisdição não seria o meio mais adequado

para resolver certos conflitos, razão pela qual é preciso buscar outros mecanismos.

Os conflitos podem ser solucionados pelo Poder Judiciário por meio do exercício

da atividade jurisdicional, e também de outros mecanismos, por vezes denominados

“meios alternativos de acesso à justiça”. Humberto Dalla9494 classifica as vias

alternativas em puras e híbridas.

As vias alternativas puras são aquelas em que a composição do conflito não tem

qualquer intervenção do Estado, como ocorre na arbitragem, na mediação e na

negociação. Os mecanismos híbridos, por sua vez, são aqueles que apontam a

interferência do Poder Judiciário, ainda que para fins de homologação. Nessa categoria,

estão a conciliação no curso de um processo judicial, a transação penal, a remissão do

Estatuto da Criança e do Adolescente e o termo de ajustamento que pode ser celebrado

nos termos da ação civil pública, principal mecanismo de tutela dos direitos difusos e

coletivos previsto na Lei n. 7.347/85.

9292 “Para merecer a denominação de efetivo, o processo deve conter os seguintes elementos básicos: a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, que resultem de expressa previsão normativa e que se possam inferir do sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo de eventuais sujeitos; c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade; d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias” (MOREIRA, José Carlos Barbosa apud PINHO, op. cit., p. 811).9393 “O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo ocidental. Tendo início em 1965, esses posicionamentos emergiram mais ou menos em sequência cronológica. Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira onda desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses difusos e, especialmente, nas áreas de proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente de enfoque de acesso às justiça, porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo” (CAPPELLETTI, Mauro apud PINHO, Humberto Dalla Bernardina, op.cit., p. 810).9494 PINHO, op. cit., p. 810.

62

Page 53: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

A negociação se caracteriza pela ausência de uma terceira pessoa, deixando,

dessa forma, que as próprias partes, sozinhas, busquem uma solução para o conflito em

questão. Dessa forma, é possível economizar as agruras envolvidas em um processo

judicial, incluindo as despesas com custas e o tempo despendido.

Na Escola de Direito de Harvard, como nos recorda Humberto Dalla,9595 tem-se

ensinado uma técnica conhecida como principled negotiation, ou negociação por

princípios, que se baseia, principalmente, em estabelecer a diferença entre interesse e

posição, pois, com frequência, as pessoas estão mais preocupadas em acertar valores do

que em manifestar exatamente o que pretendem com a negociação. Assim, ao se buscar

o êxito em uma negociação, é preciso ter em mente três questões:

1) A percepção, procurando colocar-se no lugar do outro, sem partir do

pressuposto de que o outro sempre tem a intenção de prejudicá-lo. Nesse momento, não

se deve culpar a outra parte, cuidando para que todos participem da elaboração do

possível acordo. Além disso, pedir e dar conselhos e crédito à outra parte também são

atitudes que configuram importantes passos para o êxito da negociação; 2) É preciso

conter a emoção e os gestos; 3) Nesse momento, é primordial ouvir e mostrar-se claro

em suas exposições.

A Escola ressalta que as partes devem saber exatamente os limites da negociação

(best alternative to a negotiated agrément). Assim, caso a negociação não ocorra da

maneira esperada, é preciso buscar outro mecanismo de solução para a solução dos

conflitos.

Na mediação, por sua vez, muito comum no direito norte-americano, tem-se a

figura dessa terceira pessoa imparcial, que atuará junto aos envolvidos na busca pela

solução do conflito. Não tem autoridade decisória, mas atua como um interventor, muito

presente nas causas em que as partes estão emocionalmente envolvidas. Para que a

mediação ocorra, é necessário haver um conflito envolvendo as partes e que estejam

divergindo quanto a uma solução, além da existência de um terceiro. Maria de Nazareth

Serpa9696 define a mediação como um

9595 Idem, p. 819.9696 SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e prática da mediação de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 1999.

63

Page 54: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

processo onde e através do qual uma terceira pessoa age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma disputa sem prescrever qual a solução. Um de seus aspectos-chave é que incorpora o uso de um terceiro que não tem nenhum interesse pessoal no mérito da questões. Sem essa intervenção neutra, as partes são incapazes de engajar uma discussão proveitosa. O terceiro interventor serve, em parte, de árbitro para assegurar que o processo prossiga efetivamente, sem degenerar em barganhas posicionais ou advocacia associada.

Os doutrinadores concordam que, na mediação, o que se faz, em verdade, é

tentar a aproximação entre as pessoas, não só em busca da solução do conflito, mas

também do diálogo entre os envolvidos. Essa circunstância é necessária quando, em

virtude das circunstâncias, as partes precisam manter o diálogo, como, por exemplo, nas

relações de família. Um ex-casal com filho(s) em comum precisa manter contato e

dialogar em função dos direitos e dos deveres de criar o menor da forma mais adequada,

respeitando seu direito a uma vida familiar saudável.

A fim de alcançar a solução, é preciso atender a alguns requisitos básicos: o

primeiro deles é o rights-based, em que as próprias partes delimitam, de forma objetiva,

a solução a ser alcançada, e esses dados são tomados como ponto de partida para a

negociação. O segundo é o interest-based, que ocorre quando as partes buscam a

solução mediante seus interesses e necessidades, sem se preocupar com as disposições

legais e jurisprudenciais.9797

A mediação pode ser extrajudicial ou judicial. No segundo caso, também é

conhecida como mediação incidental. Ocorre quando, no curso do processo, as partes

resolvem, a qualquer momento, buscar uma solução para o conflito. Para que a

mediação alcance êxito, é necessário que as partes concordem com sua adoção e, em

seguida, elejam uma mediador, pessoa na qual depositem sua confiança, verificando

nele a efetiva possibilidade de contribuir para a pacificação do conflito. Devem, então,

oficializar o procedimento, elaborando o termos da mediação, etapa que, no Direito

norte-americano, é conhecida como agreement to mediate. Nesse momento, o mediador

deve ouvir as partes separadamente e em conjunto. A essa sessão, dá-se o nome de

caucus. Destaca-se que a mediação deve primar pela confidencialidade e que, durante

todo o processo, o mediador deve estar bastante atento às questões trazidas pelas partes,

buscando sempre a melhor forma de solucionar o conflito. Celebrado o acordo na

mediação extrajudicial, desde que cumpridos alguns requisitos, considera-se que há um

9797 PINHO, op. cit., p. 824.

64

Page 55: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

título executivo extrajudicial, na forma do artigo 784, IV, do Código de Processo Civil,

o qual, portanto, em caso de descumprimento, pode ser levado à execução, mediante

ação autônoma, perante o Judiciário.

A mediação no Brasil foi regulamentada recentemente, através da Lei n. 13.140,

de 23 de junho de 2015, a qual prevê que o instrumento deve atender aos princípios de

imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade,

autonomia da vontade, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé.

Além dos princípios, a lei regulamenta a figura do mediador, cuida da mediação

judicial e extrajudicial, do processo de mediação e ainda permite sua realização por

pessoas jurídicas de Direito Público. Dessa forma, portanto, União, estados, o Distrito

Federal e os municípios podem criar câmaras de prevenção e resolução administrativa

de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com

competência para: dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; 

avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de

composição, nas hipóteses de controvérsias entre particulares e pessoa jurídica de

Direito Público e promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de

conduta. A lei ainda garante que as controvérsias jurídicas que envolvam a

Administração Pública federal direta, suas autarquias e fundações poderão ser objeto de

transação por adesão, com fundamento em: autorização do advogado-geral da União

(com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou dos tribunais

superiores); ou parecer do advogado-geral da União, aprovado pelo presidente da

República. 

Sem dúvida, esse foi um grande avanço na legislação, pois se permitiu,

abertamente, o uso da mediação no caso de pessoas jurídicas de Direito Público. O

próprio Código de Processo Civil de 2015 cuidou de tratar da mediação, autorizando o

autor, desde a petição inicial, a indicar se pretende ou não a realização da audiência de

mediação, conforme prevê o artigo 319, VII. Nas ações de família, inclusive, o diploma

prevê a realização de quantas audiências de conciliação e mediação quantas forem

necessárias para viabilizar a solução consensual do conflito. Na hipótese de não se

realizar acordo, a demanda seguirá o procedimento comum. Acredita-se que a intenção

do legislador em promover a obrigatoriedade da composição do conflito nas ações de

65

Page 56: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

família é válida, embora questionável. Isso porque a mediação se baseia,

essencialmente, na autonomia, o que parece que, aqui, não está sendo observado.

É preciso registrar que a hipótese citada não é a primeira vez que o legislador

brasileiro prevê tal obrigatoriedade, pois, em passado recente, havia disposição acerca

das comissões de conciliação prévias da justiça do trabalho, as quais vieram a ser

declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal justamente em razão dessa

obrigatoriedade, uma vez que forçava o jurisdicionado a procurar a comissão e tentar a

conciliação, para, só então, ajuizar a reclamação constitucional, o que a corte entendeu

por ofensa ao princípio do acesso à justiça.

A terceira via alternativa mais comum nessa busca pela solução dos conflitos é a

conciliação. Humberto Dalla9898 explica que, de acordo com esse mecanismo, a postura

do intermediador deve ser mais ativa, não apenas facilitando o entendimento das partes

envolvidas, como também apresentando uma solução para o impasse. A conciliação está

muito presente no cotidiano do jurisdicionado, em especial nos juizados especiais, já

que o procedimento sumaríssimo prevê sua realização após a citação do réu e, caso não

se chegue a um acordo, será convolada em audiência de instrução e julgamento.

O novo Código de Processo Civil também estabelece que o autor indique na

inicial se pretende a realização da audiência de conciliação. Da mesma forma que a

mediação, acredita-se que se trata de um instrumento bastante efetivo para a

composição dos conflitos, embora seja necessário capacitar os conciliadores para que,

na audiência, sua atuação não se resuma a perguntar às partes se existe a possibilidade

de acordo, mas, na contramão dessa atividade, desempenhar papel mais contundente ao

estimular as partes envolvidas a pôr fim ao litígio apresentado.

Por fim, o quarto mecanismo alternativo é a arbitragem, em que as partes,

maiores e capazes, encaminham, voluntariamente, um litígio de natureza patrimonial ao

árbitro, escolhido entre as partes, o qual, então, vai decidir o conflito. A arbitragem não

é uma atividade jurisdicional, pois é um monopólio estatal, sendo feita por particulares.

Para José Cretella Júnior,9999 a arbitragem é

9898 Idem, ibidem.9999 CRETELLA JÚNIOR, José. Da arbitragem e seu conceito categorial, Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 98, p. 127-138, 1988.

66

Page 57: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos próprios e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este substraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida.

A sentença do árbitro é considerada pelo Código de Processo Civil no artigo

515, VII, título executivo judicial. Portanto, em caso de eventual descumprimento, as

partes podem ingressar em juízo com ação de execução a fim de que o juiz tome as

medidas necessárias para compelir a parte a cumprir aquela determinação. Ressalte-se

que, nesse caso, mesmo estando diante de um título executivo judicial, não se fala em

cumprimento de sentença, mas em ação autônoma, pois, para que houvesse

cumprimento, haveria necessidade de uma fase ou etapa do processo de conhecimento –

e, no caso concreto, não houve processo de conhecimento.

Ao se estudar a história da arbitragem, verifica-se que está prevista desdeo

tempo do Império, quando era, inclusive, obrigatória. Com o passar dos anos e a

evolução histórica do Direito Processual, já abordada em tópico anterior, tanto o Código

Civil de 1916 quanto o Código de Processo Civil de 1973 mantiveram a cláusula de

arbitragem, porém sem caráter obrigatório. Posteriormente, a Lei de Arbitragem veio

tratar, de maneira específica, desse instituto. Assinala-se que o Superior Tribunal de

Justiça, inclusive, determinou sua aplicação às cláusulas firmadas anteriormente a essa

lei.100100

Quando a Lei n. 9.307/97 (recentemente modificada pela Lei n. 13.129/15) foi

promulgada, surgiram discussões acerca de sua constitucionalidade justamente por

causa dos princípios da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário e do acesso à

justiça, previstos na Carta Magna. Assim, os que defendiam a inconstitucionalidade

alegavam a impossibilidade de alguém ser processado e julgado senão por um juiz, a

subtração do juiz natural e a violação aos princípios do devido processo legal e do

acesso às vias recursais. Essa tese, que inclusive já era minoritária, foi afastada pelo

Supremo Tribunal Federal.101101 Após algum questionamento, entendeu-se que não há

100100 Superior Tribunal de Justiça, Súmula n. 485 – “A Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição”.101101 Joel Dias Figueira Junior apontava algumas razões para defender a constitucionalidade da lei de arbitragem: 1) o acesso à jurisdição não estava deixando de ser garantido; 2) a execução forçada da sentença só pode ser feita mediante pedido ao Poder Judiciário; 3) as tutelas de urgência, inibitória e

67

Page 58: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

qualquer afronta constitucional, tendo em vista que a arbitragem é um mecanismo

alternativo e voluntário, a que se recorre em questões específicas, razão pela qual a parte

estaria abrindo mão de litigar no âmbito do Poder Judiciário por vontade própria.

É interessante examinar essas discussões que envolvem a natureza jurídica da

arbitragem – enquanto alguns defendem um forte caráter privatista envolvido, outros

apostam no caráter público, O mais adequado, contudo, seria apontar um caráter sui

generis, como bem define Joel Dias Figueira Junior,102102 pois acaba por agrupar as

duas características, uma vez que nasce da vontade das partes e tem por objetivo a

pacificação social, algo idêntico ao que ocorre com a atividade jurisdicional estatal. De

toda sorte, com o advento do novo Código de Processo Civil, a doutrina tem rechaçado

a primeira corrente – privatista.103103 O fato é que, sem dúvida, a arbitragem é um

mecanismo eficaz, conhecido e usado internacionalmente, sobretudo nos litígios que

envolvem questões empresariais. Assim, o novo Código de Processo Civil acaba por

reconhecer o importante papel desempenhado pela arbitragem como forma de

pacificação de conflitos.

Após essas considerações gerais formuladas sobre os mecanismos alternativos

de acesso à justiça, é chegado o momento de enfrentar as dificuldades com sua

utilização, o que contribui para que a sociedade ainda veja o Poder Judiciário como

única e exclusiva fonte para solucionar seus anseios.

Um dos primeiros obstáculos que demandam superação é a desinformação sobre

esses mecanismos. Boa parte da população não conhece esses instrumentos, os quais

podem ser utilizados, inclusive, na esfera extrajudicial, o que contribui para a

diminuição de custos e de tempo.

coercitiva só podem ser tomadas por juízes regularmente investidos; 4) se houver qualquer discussão que envolva direito indisponível, o árbitro deverá suspender o procedimento para que as partes possam buscar a composição junto ao Poder Judiciário (FIGUEIRA JR apud PINHO, Humberto Dalla Bernardina, op. cit., p. 878).102102 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.103103 “Atenta aos clamores e à evolução do instituto da arbitragem acompanhada pelas legislações comparadas, optou a comissão relatora por abraçar a teoria publicística da natureza jurídica da arbitragem e, assim, por imprimir à sentença arbitral força obrigatória, com os mesmos efeitos da sentença proferida pelo Judiciário, inclusive condenatório” (MARTINS, Pedro Antônio Batista. “Anotações sobre a arbitragem no Brasil e o projeto no Senado n. 78/92”, Revista Forense, n. 332, 1995, p. 145).

68

Page 59: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O segundo é a falta de confiança na intervenção de um terceiro, seja para

contribuir na solução do litígio, como no caso dos mediadores e conciliadores, seja para

decidir, como o árbitro.

Acredita-se que a sociedade em geral deposita confiança apenas nas mãos do

magistrado. Com uma intensa campanha de divulgação desses mecanismos e, em

especial, dos resultados positivos, acredita-se que a utilização desses instrumentos só

tenderá a crescer. Assim, em breve, será possível chegar a uma efetiva diminuição do

número de demandas.

2.3 – Adoção do sistema híbrido no ordenamento jurídico brasileiro

Inicialmente, é imperioso afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro, no

tocante ao Direito Processual Civil, está passando por profundas mudanças na tentativa

de conter o expressivo número de demandas judiciais em um sistema que se encontra à

beira de um colapso se não for adotada nenhuma providência urgente. Nesse cenário,

buscou-se, no modelo dos precedentes judiciais, usados no common law, em especial na

força vinculante, uma solução para imprimir celeridade. Essa é a razão para que se

defenda que foi adotado um regime de precedentes vinculantes no Brasil com o advento

do novo Código de Processo Civil.

Daniel Mitidiero,104104 inclusive, discorre acerca da necessidade de reconstrução

do Poder Judiciário, ressaltando que o novo diploma processual civil, em seu artigo

926,105105 prescreve a necessidade de se viabilizar a prolação de uma decisão justa e

efetiva, de forma célere e efetiva, além de cuidar da promoção da unidade do direito por

meio de uma ordem jurídica segura, livre e igualitária. Nesse passo, diante de tantas

mudanças, seria correto afirmar que o Brasil ainda adota o sistema da civil law? E essas

influências que acabamos de ressaltar, elas também não deveriam ser levadas em conta?

Na busca por essas respostas, depara-se com o importante estudo de Michelle

Taruffo106106 sobre o tema. Taruffo ensina que, por muitos anos, fomos informados de

diferenças clássicas entre os dois sistemas, como, por exemplo, que o common law seria 104104 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: Da persuasão à vinculação. São Paulo: RT, 2016, p. 86.105105 Artigo 926 Código de Processo Civil 2015 – “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

106106 TARUFFO, Michelle. Processo civil comparado: ensaios. São Paulo: Macial Pons, 2013, p. 17.

69

Page 60: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

um modelo essencialmente oral, enquanto o civil law seria norteado pela escrita. O

doutrinador conclui que essa premissa não é verdadeira, pois o processo de common law

tem muitos atos escritos, e essa tendência vem aumentando recentemente. Acrescenta

que, no civil law, a oralidade tem sido oportunizada e, por vezes, até mesmo priorizada.

Dessa maneira não procedem essas afirmações categóricas.

Outro ponto que merece consideração é que, tradicionalmente, associava-se o

commom law a um modelo inquisitorial, ou non adversary. No entanto, hoje essa

circunstância não mais está tão presente; pelo contrário, verifica-se a figura ativa do

magistrado com plenos poderes, inclusive para gerir o procedimento. No civil law,

segundo Taruffo, excetuando-se as questões históricas no campo do Processo Penal, não

há espaço para o modelo inquisitorial – muito pelo contrário, há espaço significativo

para que o contraditório se desenvolva, por força da obrigatoriedade dos princípios

constitucionais.

Taruffo107107 ensina que, atualmente, esses modelos tradicionais vêm sofrendo

transformação constante:

Talvez tenham se dado conta do fato de que já passou o tempo de rígidas contraposições dogmáticas e de contrastes de princípios, e que já passou o tempo de insistir sobre aquelas contraposições e contrastes, porque outros problemas bem diferentes apareceram no campo da justiça civil, e muitos legisladores assumiram orientações reformadoras mais pragmáticas e menos ideologicamente orientadas. Em qualquer caso, se não pretende a qualquer custo deixar a realidade de fora da ciência jurídica, importa levar em consideração as várias e importantes transformações que ocorreram e que ainda estão ocorrendo – em muitos ordenamentos processuais de common law e de civil law. E é levando em consideração os resultados dessas transformações, de fato, que será possível construir novos modelos úteis para análise comparadas dos sistemas processuais.

Entre as mudanças destacadas pelo autor no sistema dos Estados Unidos, país

que adota o common law, está o fato de que, a partir da década de 1970, o juiz deixou de

ser praticamente um “árbitro” passivo, tornando-se um managerial judge, com atitudes

mais contundentes na organização e gestão dos processos.

Tradicionalmente, via-se no common law uma audiência dialogal, marcada pela

existência de provas centradas nas testemunhas, porém, desde o início do século XXI,

esse panorama também está mudando. Hoje, permite-se e até mesmo se estimula que as 107107 Idem, p. 9.

70

Page 61: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

partes tenham uma fase preparatória ao debate, com o conhecimento das provas pelas

partes contrárias ou até mesmo de uma terceira pessoa.

A terceira alteração diz a respeito à presença do júri nas causas cíveis. Na

Inglaterra, esse modelo já desapareceu. Nos Estados Unidos, contudo, ainda é utilizado,

até mesmo porque o trial jury encontra-se previsto na sétima emenda à Constituição,

presente, inclusive, nos casos que envolvem ressarcimento e punitive damages.

A necessidade de transformação atingiu também o sistema civil law. Sempre se

acreditou em um modelo único de civil law, homogêneo, o qual, entretanto, nunca

existiu de forma efetiva. Ao contrário, esse modelo sempre se caracterizou por uma

pluralidade de fontes, entre códigos e estatutos.

Apesar das considerações desenvolvidas, é óbvio que existem diferenças entre

esses dois sistemas, porém, como mais uma vez recorda Taruffo,108108

o que se pretende sugerir é que não são aceitáveis os termos tradicionais nos quais as ditinções entre os dois grupos de ordenamento foram formuladas, admitindo-se que os dois modelos nunca tiveram qualquer capacidade descritiva. A realidade normativa – e mais ainda, a efetiva experiência – desses sistemas surge, desde logo, profundamente alterada e parece destinada a profundas transformações posteriores. Enquanto desaparece a aparente clareza dos dois modelos e das respectivas distinções, o panorama dos ordenamentos processuais atuais muda profundamente também por conta do aparecimento e da crescente importância de suas tendências, que não podem mais ser reconduzidas à estática classificação de cada sistema processual, como de “common law” e de “civil law” ou misto. Assumem também grande relevância os ordenamentos que, no passado, eram deixados à margem (ou de fora) do panorama tomado em consideração, mas que por ora, e mais ainda em um futuro próximo, não podem mais ser desprezados.

Pensamentos que visavam representar as características fundamentais e

estruturantes de cada modelo, em separado, estão definitivamente superados. Para o

autor, atualmente há que se falar em três modelos processuais: a) modelos estruturais,

que se apoiam basicamente em estruturas de procedimento; b) modelos funcionais, que

buscam na efetividade o meio de se realizar justiça; e c) modelos supranacionais, que

podem manter características dos dois modelos tradicionais, mas que se diferenciam

pelo fato de fazer referência a dimensões que vão além dos limites nacionais.109109

108108 Idem, ibidem.

109109 Idem, p. 33.

71

Page 62: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Na comparação entre os sistemas, lembramos Mirjan Damaska,110110

pesquisador da Universidade de Yale, em função de suas pertinentes observações.

Assim, para ele, na civil law, a jurisdição tem sido estruturada para a aplicação do

direito objetivo, adotando, portanto, um modelo centralizador, pautado na hierarquia, e

que por muito tempo considerou os juízes como “bocas da lei”, limitando-os a declarar

o que está na lei, em completa subordinação. Por outro lado, no common law, a

preocupação primordial é a solução dos conflitos, por conta do profundo enraizamento

na vida da comunidade e, com isso, a preocupação com a manutenção da coesão entre

os membros.111111 Leonardo Greco leciona:

Enquanto a justiça da civil law tem sido a justiça do rei, do soberano, do Estado, a justiça do common law é a justiça paritária, da comunidade. Daí resultam algumas características típicas da civil law que influenciam toda a nossa teoria geral do processo, na medida em que a sua edificação se deu quase inteiramente pela doutrina dos países que adotam o sistema de direito escrito. Cabe observar, desde logo, que a crise decorrente da crescente perda da credibilidade ou confiança da sociedade na justiça e nos seus juízes, o que poderíamos também chamar de crise de legitimidade do poder jurisdicional, decorrente da elevação de consciência jurídica da população e do seu grau de exigência em relação ao desempenho do Judiciário, está levando a que a doutrina e os ordenamentos jurídicos dos países da civil law voltem os olhos para os da common law , procurando lá encontrar soluções para problemas comuns por meio de institutos que não existem ou que são poucos desenvolvidos na civil law . O mesmo acontece, por sua vez, nos países da common law , que, para solucionar problemas não resolvidos através de suas técnicas, vêm também, em alguns casos, buscar soluções no nosso sistema (grifos nossos).

O civil law se caracteriza, basicamente, por ser um modelo hierárquico,

originário da tradição romano-germânico, exercida por juízes técnicos que se tornam

vitalícios após ingresso por concurso público (em alguns países, inclusive no Brasil).

Nesse sistema, há certa tendência de especialização entre os magistrados. Suas decisões

são pautadas pela legalidade, com farta disposição de recursos para as instâncias

superiores, prevalência de provas escritas e a preocupação de documentar tudo, de modo

que o tribunal possa ter idênticas condições para o exercício da cognição. O sistema

probatório, por si só, é considerado formalista e os peritos são considerados auxiliares

da justiça. Aqui, a defesa do interesse público é quase exclusiva do Estado, por

intermédio de seus agentes. Também há pouca possibilidade de atos de disposição das

110110 DAMASKA, Mirjan R. The Faces of Justice and State Authority. Yale: Yale University Press, 1986.111111 DAMASKA apud GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. 5 ed. Rio de Janeiro: GEN, 2016.

72

Page 63: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

partes, com algumas exceções e novidades pautadas pelo novo Código de Processo

Civil, como, por exemplo, os negócios processuais e a calendarização, previstos nos

arts. 190 e 191 do CPC, respectivamente.112112

Por outro lado, no sistema do common law, a escolha dos juízes sofre forte

influência política, não existem tantas especializações e, ao invés de se optar por

recursos para instâncias superiores, é comum pedir revisão ao próprio juiz prolator da

decisão. No que diz respeito ao sistema probatório, é mais comum a adoção de provas

orais, fugindo-se do tom formalista e solene característico do outro sistema. Aqui, os

peritos são considerados testemunhas das partes e, no que tange à proteção do interesse

público, existe amplo espaço para que a comunidade possa tomar a iniciativa. Sem

dúvida, a disposição das partes é mais ampla na common law.113113

Destaca-se que ambos os sistemas – common law e civil law – têm objetivos em

comum: respeitar a igualdade e a previsibilidade.

O primeiro, em que os casos são tidos como fontes de direito, continuou a se

desenvolver e não é mais o mesmo do início, como leciona Teresa Arruda Alvim.114114

Esse sistema não se iniciou com a existência de uma premissa ou regra que

estabelecesse que os precedentes seriam vinculantes. Essa circunstância ocorreu

naturalmente, a tal ponto que se desenvolveu confiança no sistema de precedentes,

sendo “concebida a teoria declaratória, já que os juízes declaravam um direito que “já

existia” (sob a forma de costume), embora fosse às suas decisões que se davam (e se

dão) o valor e o status de ser direito”.115115

O segundo sistema, civil law, foi concebido de maneira distinta, mas, já na Idade

Média, havia a noção de repetição das decisões, de modo a legitimar essa prática junto à

sociedade, garantindo, portanto, a estabilidade dos processos.116116

Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que um dos momentos históricos mais

marcantes para o civil law teve lugar em Bolonha, no século XI, em razão da revisão

dos textos romanos, de modo a transformá-los em “um todo coerente”, com o objetivo

de imprimir ao documento coerência e segurança, formando, assim, um conjunto de

112112 Idem, pp. 4-9.113113 Idem, ibidem.114114 WAMBIER, op. cit., p. 13.115115 Idem, p. 21.116116 Idem, p. 22.

73

Page 64: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

textos, analisado e interpretado de maneira complexa, de diversos modos – gramatical,

retórico e dialético. A autora recorda que os romanos já contavam com um “direito

jurisprudencial” e que por isso foi mais fácil imprimir aos textos uma forma mais

próxima à sistemática.

O segundo momento histórico mais importante ocorreu no final do século XVIII,

com a Revolução Francesa, quando se passou a entender que a lei traduzia

perfeitamente a vontade do povo, o que explica o entendimento de que a lei escrita

abrangeria todas as necessidades e alcançaria todas as circunstâncias concretas. O

desejo da previsibilidade já despontava naquele momento.

Na sociedade contemporânea, no sistema do civil law, compreende-se

claramente que a lei, sozinha, não é capaz de alcançar todas as situações concretas

submetidas ao Poder Judiciário.117117 Atualmente, buscar outras fontes, inclusive a

jurisprudência e a doutrina, é essencial para o juiz. Nesse sentido, Teresa Arruda ensina:

a riqueza do mundo real, somada ao fenômeno consistente em que, cada vez mais, camadas que antes eram marginalizadas passaram a integrar a sociedade institucionalizada, tudo somado ao acesso à justiça fez nascer a possibilidade de que casos complexos (hard cases) fossem submetidos, cada vez mais frequentemente, à apreciação do Judiciário.

Observa-se que, em ambos os sistemas, procurou-se buscar a

previsibilidade,118118 conquistando espaço na luta contra o excesso de demandas

judiciais, já que a incerteza compromete, de maneira severa, o sistema. A seu modo,

com as diferenças apontadas, ambos procuram atender aos anseios dos jurisdicionados

quanto à composição de conflitos de forma célere e justa.

Em suma, atualmente deve-se pensa não em um modelo ideal, mas um modelo

justo que atenda aos anseios da comunidade jurídica do país em questão. No caso do

Brasil, está-se diante de um número excessivo de demandas, razão pela qual estimula-se

a adoção de mecanismos alternativos, como já exposto, buscando-se a força vinculante 117117 Idem, p. 26.118118 Nesse sentido “após demonstrar que a valorização do precedente sempre desempenhou um papel relevante nos sistemas jurídicos da common law, e apontar que, mesmo os países da Europa continental, de civil law, vêm, paulatinamente, seguindo essa tendência, afirma que a jurisprudência consolidada garante certeza e previsibilidade, bem como igualdade entre os jurisdicionados” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2 ed. São Paulo: RT, 2008, p. 210).

74

Page 65: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

dos precedentes119119 para adotar uma sistema em que os provimentos judiciais

vinculantes ganhem força, com o intuito de alcançar segurança e isonomia nas relações

jurídicas.

Evaristo Aragão Santos120120 traz uma reflexão muito interessante ao afirmar

que o uso de precedentes precisa ser pensado a partir da realidade brasileira:

Refiro-me, especialmente, à (quase irresistível) tentação de simplesmente transpormos para nossa realidade uma teoria de direito estrangeiro. Tentação certamente potencializada quando nos vemos diante de tema tão emblemático no ambiente dos ordenamentos estrangeiros da tradição do common law. Não acredito que devamos simplesmente “importar” uma teoria do precedente formulada para a realidade do common law, adaptando para o nosso contexto aquilo que lá representariam seus institutos fundamentais. Afirmo isso, aliás, por acreditar não existir nem mesmo o que propriamente “importar”. Não porque as concepções estrangeiras sejam em si inadequadas. Pelo contrário. Digo isso porque, não obstante a amplitude e a sofisticação do debate que há séculos se desenvolve lá fora a respeito do tema, ainda assim não se pode dizer existir uma concepção anglo-americana clara, sistemática e definida, em todos os seus aspectos, a respeito do precedente judicial.

Acredita-se que, com o advento do Código de Processo Civil brasileiro, passou-

se a adotar um sistema híbrido no Brasil, com características dos dois mais conhecidos

sistemas.

2.4 – Mecanismos utilizados na luta contra a massificação dos processos

Como o objetivo, aqui, é analisar os mecanismos empregados no combate à

massificação dos processos, inicialmente é preciso analisar o que levou à atual explosão

de processos.

Para essa análise, traz-se o estudo realizado por Rodolfo Camargo

Mancuso,121121 em especial quando aborda a crise numérica dos processos judiciais e

119119 “Nos modelos jurídicos contemporâneos, o precedente judicial vem alcançando cada vez mais importância para atender a uma necessidade de interpretação e aplicação uniforme do direito pelos tribunais” (TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 100).120120 SANTOS, EVARISTO ARAGÃO. “Em torno do conceito e da formação do precedente judicial”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

121121 MANCUSO, Rodolfo Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. 2 ed. São Paulo: RT, 2015.

75

Page 66: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

suas concausas. Deve-se observar, ab initio, que já há algum tempo o Judiciário vem

sendo demandado para solucionar questões que constituem claramente objeto da

Administração Pública.122122

O Judiciário é demandado diante da ineficiência do poder público em promover

e atender às suas atribuições. É possível elencar diversos exemplos concretos em que a

sociedade propõe demandas simplesmente para ter atendido um direito básico, que

constitui em dever do Estado cumprir. É o caso das demandas que envolvem saúde,

diversas ações cotidianas com pedidos de tutela de urgência, solicitando internação em

hospitais públicos – tudo isso poderia ser evitado se o Poder Público desempenhasse seu

papel de maneira eficaz.

Outro exemplo recente, no Rio de Janeiro, são as demandas judiciais para a

abertura de vagas em creches municipais, uma vez que a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (n. 9.394/96) prevê que, a partir dos 4 anos de idade, as crianças devem

frequentar creches. Evidentemente, essa medida tem grande alcance social, ao

possibilitar que as mães (figura que, em regra, cuida diretamente da prole) retornem ao

trabalho, fomentando, dessa forma, a economia. Como o Poder Público não cria vagas

suficientes para atender a essa demanda, a sociedade tem de recorrer ao Poder

Judiciário.

Rodolfo Camargo Mancuso123123 menciona que não se está lidando com essa

sobrecarga de maneira correta, focando a questão tão somente em seu efeito e deixando

de lado o enfrentamento das causas.

Por conta de insistir no vezo de lidar com o efeito – a sobrecarga de processos – deixando in albis os fatores que lhe estão na base, enfeixados no demandismo judiciário excessivo, não é de se estranhar que a crise judiciária brasileira venha recrudescendo, como, numa analogia, sucederia com estado clínico do paciente cujo médico insistisse em baixar a febre, deixando de investigar a causa da moléstia. A partir de um tal contexto, compreende-se o agravamento do quadro judiciário nacional, ainda insuflado por diversos fatores, tal a crescente contenciosidade social (a explosão da litigiosidade, prognosticada por Mauro Cappelletti no último quartel do século passado), a massificação dos conflitos (os mass tort cases da experiência norte-americana), a parca

122122 “Ao Poder Judiciário, cabe a apreciação de lesões que consistam em violação da ordem jurídica e cuja prevenção ou correção, por isso mesmo, dependa apenas do restabelecimento da ordem jurídica violada. Lesões de cuja decorrência sejam necessários meios de outra natureza, como são os meios econômicos, financeiros, políticos, técnicos, científicos, artísticos etc., não constituem objeto de função jurisdicional. Constituem objeto da administração pública ou da função legislativa” (MESQUITA, José Inácio Botelho. A crise do Judiciário e do processo. Teses, estudos e pareceres do processo civil . São Paulo: RT, 2005, v. I, p. 293). 123123 MANCUSO, op. cit., p. 58.

76

Page 67: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

e insatisfatória divulgação quanto às outras formas de resolução de conflitos, e seu corolário: a judicialização do cotidiano.

Acredita-se que, por muito tempo, a preocupação foi garantir o acesso à justiça,

como um verdadeiro acesso ao Poder Judiciário, sem vislumbrar os efeitos dessa busca

incessante. Neste momento, assegurado o acesso, a preocupação se volta a garantir

celeridade e efetividade, pois do que adianta promover uma demanda se a solução do

litígio perdurar por anos a fio? Nesse sentido, Carreira Alvim124124 afirma:

(...) o problema do acesso à justiça não é uma questão de “entrada”, pois, pela porta gigantesca desse templo chamado Justiça, entra quem quer, seja através de advogado pago, seja de advogado mantido pelo Poder Público, seja de advogado escolhido pela própria parte, sob os auspícios da assistência judiciária, não havendo, sob esse prisma, nenhum dificuldade de acesso. O problema é de “saída”, pois todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável, e os que saem fazem-no pelas “portas de emergência”, representadas pelas tutelas antecipatórias, pois a grande maioria fica lá dentro, para conseguir sair com vida.

Expostos, basicamente, os motivos pelos quais se está diante de um excessivo

número de demandas, passa-se à análise dos mecanismos adequados para conter essa

explosão, em especial aqueles delineados no novo Código de Processo Civil. Acredita-

se que o atual diploma estimulou a solução dos conflitos por meio da conciliação e da

mediação, conferindo a esses instrumentos lugar de destaque. A arbitragem também

mereceu um olhar mais atento, com a permissão, inclusive, de que atuem pessoas

jurídicas de Direito Público.

O segundo ponto foi a manutenção, com os devidos acréscimos e modificações,

do artigo 285-A do Código de Processo Civil de 1973, transmudado no artigo 332 – a

chamada sentença de improcedência liminar do pedido. O claro objetivo é conter, logo

no início, uma demanda que restaria infrutífera ao alcançar os tribunais superiores,

permitindo, assim, que uma única decisão do Poder Judiciário ponha fim ao litígio, sem

sequer precisar completar a relação jurídica angular com a citação do demandado.

O terceiro ponto restou tão somente na tentativa, pois o projeto inicial criou a

possibilidade, prevista no artigo 333 do novo CPC, de conversão de uma ação

124124 ALVIM, José Eduardo Carreira. “Justiça: acesso e descesso”, Jus navigandi. Disponível em https://jus.com.br/artigos/4078/justica-acesso-e-descesso. Acesso em 1o de maio de 2016.

77

Page 68: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

individual em coletiva, o que acabou por não vigorar na versão final, em razão de veto

da presidência da República.

O processo coletivo, ao cuidar dos chamados direitos transindividuais, merece

olhar mais atento no ordenamento jurídico pátrio. Atualmente, o conceito desses direitos

– difusos, coletivos e individuais homogêneos – encontra abrigo no Código de Defesa

do Consumidor, e o principal instrumento para a tutela está previsto basicamente na

ação civil pública, prevista na Lei 7.347/85. É evidente que existem outros mecanismos,

e o tema está pulverizado em legislações esparsas, mas essa não é a situação ideal.

Existe, inclusive, um projeto paralisado no Congresso Nacional – o do Código

Brasileiro de Processos Coletivos.

Acredita-se que a possibilidade de ajuizamento de demandas coletivas auxilia,

de forma significativa, na contenção de tantas outras demandas individuais que

nasceriam caso a primeira não fosse proposta. O processo coletivo tem sua origem no

sistema da common law, como leciona Teori Zavascki:125125

Aponta-se a experiência inglesa, no sistema da common law, como origem dos instrumentos do processo coletivo e, mais especificamente, da tutela coletiva de direitos. Desde o século XVII, os tribunais de equidade (Courts of Chancery) admitiam, no direito inglês, o bill of peace, um modelo de demanda que rompia com o princípio segundo o qual todos os sujeitos interessados devem, necessariamente, participar do processo, com o que passou a permitir, já então, que representantes de determinados grupos de indivíduos atuassem, em nome próprio, demandando por interesses dos representados ou, também, sendo demandados, por conta dos mesmos interesses Assim nasceu, segundo a maioria dos doutrinadores, a ação de classe (class action). Embora se registrem, na jurisprudência da época, casos ilustrativos da sua utilização, esse modelo procedimental enfrentava dificuldades de ordem teórica e prática, relacionadas sobretudo com a ausência de definição de seus contornos. Foi modesta a aplicação e a evolução do instituto até o final do século XIX. Em 1873, o advento do Court of Judicature Act deu-lhe uma definição mais clara, mas, ainda assim, sua utilização permaneceu contida, inclusive em virtude das interpretações restritivas impostas pela jurisprudência.

Para Zavascki, foi o Brasil que revolucionou o domínio do processo coletivo, ao

protagonizar, de forma mais marcante que os demais países de civil law, os

instrumentos de tutela desses direitos, pois, já na década de 1970, introduziu a ação

popular, seguida da ação civil pública e, mais tarde, do Código de Defesa do

125125 ZAVASCKI, Teori. Processo coletivo. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 6 ed. São Paulo: RT, 2016.

78

Page 69: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Consumidor. A própria Constituição Federal de 1988 procurou tutelar uma série de

direitos de forma transindividual, como meio ambiente, patrimônio cultural, proibição

da improbidade administrativa e proteção ao consumidor, todos previstos nos artigos

225, 226, 37, parágrafo 4º, e artigo 5º, XXXII, respectivamente. Também cuidou de

enquadrar as ações de controle de constitucionalidade entre os instrumentos de tutela

coletiva de direitos.

Percebe-se, como já assinalado, que houve certo receio em relação ao artigo 333

do novo Código de Processo Civil, que trazia um mecanismo inovador. O dispositivo

previa que, em casos de relevância social e dificuldade para formação de litisconsórcio,

qualquer legitimado da ação civil pública – cujo elenco se encontra no artigo 5º da Lei

n. 7.347/85 – poderia requerer a conversão da demanda individual em demanda

coletiva. Além da estranheza ao próprio sistema do processo coletivo, a doutrina se

manifestava veementemente por seu afastamento. A esse respeito, Rodolfo Kronemberg

Hartmann126126 assinala:

O artigo em questão, como se observa, era completamente subversivo ao sistema de tutelas coletivas e desnecessário parra a ordem jurídica, já sendo bastante criticado no meio jurídico. Com efeito, uma característica inerente ao processo coletivo é, justamente, a possibilidade do opt out, ou seja, de o titular do direito de feição coletiva optar pela via individual em detrimento de aguardar a solução do processo coletivo (artigo 104 da Lei n. 8.078/90). Só que esse dispositivo retirava essa possibilidade ao determinar que a via individual seria tolhida quando o processo fosse convertido em coletivo. Além disso, também se poderia objetar que, se os requerentes dessa conversão têm legitimidade para propor ação civil pública, então os mesmos deveriam adotar esta providência e não intervir em um processo individual, tencionando transformá-lo em coletivo.

De toda sorte, mesmo diante dessa vedação, o Brasil dispõe de mecanismos

próprios que contribuem para a proteção da tutela coletiva, reduzindo, assim, o número

de demandas.

Por fim, os provimentos judiciais vinculantes constituem o quarto e último

mecanismo para combater o número excessivo de demandas no Brasil. Delineados no

Código de Processo Civil em diversos dispositivos, os quais serão comentados, em mais

detalhes, no capítulo seguinte, têm por objetivo garantir a previsibilidade e a isonomia,

assegurando, assim, o atendimento ao princípio da segurança jurídica, na medida em

126126 HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Novo Código de Processo Civil comparado e anotado. 2 ed. Niterói, 2016, pp. 786-801.

79

Page 70: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

que permitem a aplicação da mesma decisão a casos idênticos e poupam tempo e

esforços das partes diante da aplicação imediata do entendimento dos tribunais

superiores e do próprio tribunal local, em virtude de direito local, já no primeiro grau de

jurisdição, evitando-se, assim, a procrastinação do feito.

CAPÍTULO 3

PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES NO SISTEMA JURÍDICO

BRASILEIRO

Acredita-se, como já destacado, que o ordenamento jurídico brasileiro não

adotou os precedentes judiciais, mas um sistema de provimentos judiciais vinculantes,

buscando, na fonte dos precedentes, apenas sua força vinculante.

Esses provimentos judiciais vinculantes, concebidos com o objetivo de conter as

demandas de massa, tiveram início com: os pedidos de uniformização de jurisprudência

no Código de Processo Civil de 1973; o pedido de uniformização de jurisprudência nos

juizados especiais federais em 2001, através da Lei n. 12.259 e, posteriormente, da Lei

n. 12.153/09; os juizados especiais fazendários; e as súmulas vinculantes previstas no

artigo 103-A da Constituição Federal, as quais, em seguida, foram regulamentadas pela

Lei n. 11.417/06. Outros instrumentos também surgiram: a repercussão geral no recurso

extraordinário, a súmula impeditiva de recursos e, mais recentemente, a improcedência

liminar do pedido, os recursos repetitivos e a tese jurídica firmada em incidente de

resolução de demandas repetitivas.

3.1 – Pedido de uniformização de jurisprudência no CPC/1973, nos juizados

especiais federais e nos juizados especiais da Fazenda Pública

O pedido de uniformização de jurisprudência foi um dos primeiros sinalizadores

reais da necessidade de se criarem instrumentos de contenção de demandas judicias de

massa. Além disso, tem por finalidade impedir que a mesma regra de direito seja

80

Page 71: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

interpretada de forma diversa por órgãos do mesmo tribunal.127127 Assim reconhecia

José Carlos Barbosa Moreira:128128

(...) a existência, no aparelho estatal, de uma pluralidade de órgãos judicantes que podem ter (e com frequência têm) de enfrentar iguais questões de direito e, portanto, de enunciar teses jurídicas em idêntica matéria. Nasce daí a possibilidade de que, num mesmo instante histórico – sem variação das condições culturais, políticas, sociais, econômicas, que possam justificar a discrepância –, a mesma regra de direito seja diferentemente entendida, e as espécies semelhantes se apliquem a teses jurídicas divergentes ou até mesmo opostas, muito ao contrário, pela evolução homogênea da jurisprudência dos Tribunais – e não raro se semeiam, entre o membros da comunidade, o descrédito e o cepticismo quanto à efetividade da garantia constitucional. Nesses limites e somente neles, é que se põe o problema da uniformização da jurisprudência Não se trata, nem seria concebível que se tratasse, de impor aos órgãos judicantes uma camisa de força, que lhes tolhesse o movimento em direção a novas maneiras de entender as regras jurídicas, sempre que a anteriormente adotada já não corresponda às necessidades cambiantes do convívio social. Trata-se, pura e simplesmente, de evitar, na medida do possível, que a sorte dos litigantes e, afinal, a própria unidade do sistema jurídico vigente fiquem na dependência exclusiva da distribuição do feito ou do recurso.

O Código de Processo Civil de 1973 tratava desse tema em seu artigo 476,129129

ao apontar que a uniformização de jurisprudência era um incidente processual que tinha

por objetivo unificar a jurisprudência entre tribunais distintos. Como não tinha natureza

jurídica recursal, não se concedia às partes o direito à sua admissão, mas tão somente a

possibilidade, conforme explicava o parágrafo único do supramencionado dispositivo,

de requerer que o julgamento obedecesse à decisão da uniformização.

O pressuposto básico para o pedido de uniformização era a divergência

jurisprudencial. O órgão fracionário solicitava o pronunciamento do tribunal, por

intermédio do Pleno ou do Órgão Especial. O tribunal, por sua vez, respeitando os

critérios de conveniência e oportunidade e diante da real existência de divergência

jurisprudencial, passava a discutir a tese sobre a qual pendia o dissídio jurisprudencial.

O voto de cada participante deveria estar devidamente fundamentado, cumprindo-se,

127127 MADEIRA, Daniela Pereira. “O novo enfoque dado à jurisprudência e a sociedade moderna”, Direito jurispudencial, v. II, p. 329.128128 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. 5, p. 5. 129129 Código de Processo Civil de 1973 (Lei ) – Artigo 476: “Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: I) verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II) no julgamento recorrido, a interpretação for diversa da que lhe haja dada por outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas. Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo”.

81

Page 72: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

ainda, a exigência de intimação para manifestação obrigatória do Ministério Público.

Dando por encerrado o julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência, o

órgão judicial suscitante deveria retomar o julgamento do processo e, em consequência,

adotar o entendimento firmado pelo tribunal.

O artigo 479 do Código de Processo Civil de 1973 apontava que o julgamento,

tomado pelos votos da maioria absoluta dos membros integrantes do tribunal, seria

objeto de súmula e constituiria precedente na uniformização de jurisprudência. Além

disso, o Regimento local trataria de dispor acerca da respectiva publicação no órgão

oficial. É importante assinalar que o dispositivo atribuía força vinculante às decisões no

incidente de uniformização de jurisprudência, fato repetido com o pedido de

uniformização criado nos juizados especiais federais, em 2001.

Na atualidade, o artigo 14 da Lei n. 10.259/09 permite a formulação de pedido

de uniformização de jurisprudência para as turmas de uniformização ou até mesmo para

o próprio Superior Tribunal de Justiça, na hipótese em que as decisões divergirem do

microssistema. A lei prevê que, se houver divergência entre turmas recursais da mesma

região, o pedido deverá ser apreciado pela reunião dessas turmas, sob a presidência do

juiz coordenador. No entanto, em se tratando de turmas de diferentes regiões ou que se

encontrem em desalinho com a posição do Superior Tribunal de Justiça, o pedido de

uniformização será julgado por uma Turma Nacional de Uniformização, presidida pelo

ministro corregedor-geral da Justiça Federal e composta por dez juízes federais efetivos.

Esse assunto é tratado na Resolução n. 345, de 2 de junho de 2015 (que revogou a

Resolução n. 22, de 4 de setembro de 2008).

Assim, a atual resolução estabelece que a Turma Nacional de Uniformização é

competente para processar e julgar o pedido de uniformização de interpretação de lei

federal, quanto a questões de direito material, quando fundadas em: divergência entre

decisões de Turmas Recursais de diferentes regiões; decisão de Turma Recursal

proferida contrariamente a súmulas ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal

de Justiça ou da Turma Nacional de Uniformização; decisão proferida pela Turma

Regional de Uniformização contrariamente à súmula ou à jurisprudência dominante do

Superior Tribunal de Justiça ou da Turma Nacional de Uniformização.

Ademais, a resolução prevê que, antes mesmo da distribuição do pedido de

uniformização, o presidente da Turma Nacional pode negar-lhe seguimento se for

82

Page 73: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou estiver em confronto com

súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo

Tribunal Federal. Poderá ainda determinar o retorno dos autos à origem, com vistas à

adequação necessária, ou dar provimento ao pedido de uniformização quando o acórdão

estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Turma

Nacional de Uniformização, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal

Federal.

Por derradeiro, a aludida resolução prevê que é possível a devolução às turmas

de origem para sobrestamento dos feitos que versarem sobre tema que estiver pendente

de apreciação na Turma Nacional de Uniformização, no Supremo Tribunal Federal, em

regime de repercussão geral ou no Superior Tribunal de Justiça, em incidente de

uniformização ou recurso repetitivo, de modo a promover a posterior confirmação do

acórdão recorrido ou sua adaptação à decisão que vier a ser proferida nos recursos

indicados. Esse mesmo texto legal ainda disciplina a hipótese de existirem dois ou mais

pedidos de uniformização com idêntica questão de direito, estabelecendo, nesse caso, a

escolha de dois ou mais pedidos representativos da controvérsia, restando os demais

sobrestados até o julgamento do caso-piloto.

Nesse sentido, o pedido de uniformização de jurisprudência, como o próprio

nome já indica, foi criado para uniformizar as decisões, configurando, inequivocamente,

força vinculante aos casos semelhantes e futuros, bem como aos já existentes

eventualmente sobrestados. Esse mesmo instituto previsto na Lei dos Juizados Especiais

Federais foi reproduzido na Lei n. 12.153, que, em 2009, criou o Juizado Especial da

Fazenda Pública, consagrando-o em seu artigo 28.

O Provimento n. 7 do Conselho Nacional de Justiça, igualmente, cuidou de

estabelecer regras para a uniformização da jurisprudência junto aos tribunais de justiça

por ocasião da publicação da Lei n. 12.153/09. Mais recentemente, em 2012, também

tem-se a Lei n. 12.665, que cuidou de regular a estrutura das Turmas Recursais dos

Juizados Especiais Federais, revogando alguns dispositivos da Lei n. 10.259/09.

Valter Shuenquener Araújo130130 assinala que “a resposta uniforme do Poder

Judiciário é algo tão revelador que a jurisprudência tem, inclusive, quando uma

130130 ARAÚJO, Valter Shuenquener. O princípio da confiança: uma nova forma de tutela do cidadão diante do Estado. Niterói: Ímpetus, 2009, pp. 182-183.

83

Page 74: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

demanda é de massa, afastado o rigor da técnica processual para manter uma decisão

uniforme em todos os processos”. E acrescenta:

Em um dos repetidos precedentes envolvendo o reajuste dos servidores públicos federais em 28,86%, típica demanda de massa já pacificada pela jurisprudência, o título cognitivo que transitara em julgado, no caso específico apreciado pelo STJ em sede de recurso especial, estava, no momento da execução, em desconformidade com o que a jurisprudência vinha entendendo sobre o tema. O provimento judicial havia assegurado um reajuste de 28,86% enquanto a jurisprudência brasileira apenas garante o direito ao reajuste no mesmo percentual, mas com a dedução dos percentuais de reajustes já pagos ao servidor. Diante deste cenário, o STJ optou por afastar o rigor processual e, dando provimento ao recurso da Fazenda Pública, determinou, em prol da necessidade de uniformização de jurisprudência, a compensação, na fase de execução, dos aumentos recebidos pelos servidores. Afastou-se do título judicial o que estava em dissonância com a mansa jurisprudência sobre o tema.

Não há dúvida quanto à natureza jurídica da uniformização de jurisprudência

outrora trazida no artigo 476 do Código de Processo Civil de 1973. Tratava-se de

incidente processual, afastando-se de pronto a natureza recursal, visto que a própria

parte não tinha direito à sua submissão.131131 Nos juizados especiais federais e nos

juizados especiais fazendários, por sua vez, o instrumento prevê essa possibilidade,

razão pela qual a doutrina mais avalizada defende tratar-se de recurso.132132

De toda sorte, o instrumento em questão tem como condão uniformizar o

entendimento, a fim de evitar decisões conflitantes e atender à previsibilidade, à

isonomia e à segurança nas relações jurídicas.

3.2 – Súmulas vinculantes e persuasivas no modelo jurídico brasileiro

No modelo brasileiro, existem as súmulas persuasivas e as súmulas vinculantes.

As súmulas vinculantes são aquelas dotadas de força obrigatória, vinculando

tanto o Poder Judiciário quanto o próprio Poder Executivo, e estão previstas no artigo

103 da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como na Lei n. 11.417/06.

São proposições aprovadas ou revisadas, de ofício ou por iniciativa de legitimado ativo 131131 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 4 ed. São Paulo: RT.

132132 Nesse sentido, PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Curso de Processo Civil contemporâneo. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 608. Ver também ALMEIDA, Marcelo Pereira. Precedentes judiciais: análise crítica dos métodos empregados no Brasil para a solução de demandas de massa. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2014, p. 169.

84

Page 75: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

para ação direta de inconstitucionalidade, por dois terços dos membros do Supremo

Tribunal Federal, quanto a interpretação, validade e eficácia de normas determinadas,

em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta ou

indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, sob pena do uso de reclamação.133133

As súmulas persuasivas, por sua vez, são aquelas que tão somente influenciam

as decisões judiciais, servindo como uma orientação, sem efeito obrigatório. Na prática,

porém, os juízes têm adotado as orientações sumuladas pelos tribunais, inclusive com a

finalidade de evitar a procrastinação do feito.

Inicialmente, examina-se a primeira modalidade – as súmulas vinculantes –,

abordando aspectos como seu conceito, sua natureza jurídica e as opiniões favoráveis e

contrárias a esse instrumento. Alguns autores134134 até mesmo a apontam como um dos

temas mais emblemáticos da reforma constitucional, considerando-a verdadeiro desafio

para o ordenamento jurídico brasileiro.

A súmula vinculante que ora se conhece foi precedida de outros mecanismos

recentes que alteraram a legislação e que, segundo Candido Rangel Dinamarco,135135

contribuíram, de forma significativa, para a valorização dos precedentes judiciais e para

a ampliação dos poderes judicantes do relator, revelando forte tendência do processo

civil contemporâneo.

É notório que o Poder Judiciário está abarrotado de processos. Segundo os

últimos dados contidos em relatório apresentado em 2013, pelo Conselho Nacional de

Justiça, existem aproximadamente 92,2 milhões de ações em tramitação, o que, em uma

conta rápida, nos aproximaria de um processo para cada três brasileiros. De fato, nos

últimos quatro anos, houve aumento de 10% no número de processos, registrando-se,

contudo, pequena queda de 10% na taxa de congestionamento, que corresponde ao

número de processos tramitando ainda sem baixa na distribuição. E, foi justamente

nesse cenário que a súmula vinculante ganhou aplausos, sendo reconhecida como uma

forma segura e eficaz de deter o processo ainda na primeira instância, ao argumento de

que de nada adiantaria seu prosseguimento se, ao chegar ao Supremo Tribunal, a

decisão fosse modificada para se adequar-se ao entendimento do tribunal.

133133 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 147.134134 LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula vinculante: um desafio. São Paulo: RT, 2005.135135 DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, v. II, p. 102.

85

Page 76: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Hoje, algumas situações recorrentes, em especial na década de 1990, não

encontrariam mais respaldo. Tomemos, por exemplo, o caso da possibilidade de prisão

do depositário infiel com base no Decreto-lei n. 911/69, que, em seu artigo 4o, permitia

a conversão da busca e apreensão em depósito e, consequentemente, a prisão civil do

depositário infiel segundo o posicionamento à época do Supremo Tribunal Federal. Isso

nos apontava uma circunstância bastante curiosa. No primeiro grau de jurisdição, os

juízes negavam a prisão, ao argumento de afronta ao Pacto São José da Costa Rica, do

qual o Brasil é signatário, indicando também razões afetas à questão de direitos

humanos, tomando como base, em regra, os escritos da professora Flávia

Piovesan.136136

No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça acompanhava as decisões dos juízes de

primeira instância, o que se repetia, em geral, no Superior Tribunal de Justiça. Essa

situação só viria a ser alterada alguns anos depois, quando despontasse no Supremo

Tribunal Federal, que considerava constitucional a prisão civil do depositário infiel, da

mesma forma que a prisão civil do devedor de alimentos. Tal posicionamento foi

reformulado em 2008, através de decisão publicada no Informativo n. 449 e,

posteriormente, também com a edição da Súmula Vinculante n. 25, que reconheceu a

inconstitucionalidade da prisão, encerrando discussões que perduraram por muitos anos.

Se casos concretos desse tipo acontecessem hoje, seriam decididos logo na primeira

instância, que, forçosamente, aplicaria a posição do Supremo.

Justamente neste ponto, têm início e se intensificam os debates acerca da

constitucionalidade ou não da súmula vinculante. Deve-se priorizar essa alternativa, na

tentativa de conter o avanço das demandas judiciais? Ou simplesmente deve-se pensar

no atingimento dos princípios fundantes do Direito Processual Civil, com a finalidade

de assegurar um processo justo?

3.2.1 – Aspectos históricos

Para bem compreender um instituto, é imperioso analisar os aspectos históricos

que o envolvem, pois somente dessa forma é possível enxergá-lo de maneira crítica.

136136 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo. Saraiva, 2014.

86

Page 77: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Humberto Dalla137137 descreve, em sua obra recente, a origem da súmula

vinculante, remontando-a ao Direito português e permitindo, dessa forma, a

compreensão do histórico do precedente judicial.

No século XII, em Portugal, existiam as chamadas façanhas, sentenças que

tinham força obrigatória de observância nos casos futuros que apresentassem traços

semelhantes. Naquele país, existia a Casa de Suplicação de Lisboa. De acordo com as

Ordenações Manuelinas, as decisões dessa Casa, que se chamavam assentos, passaram a

ter força vinculante e configurariam prestimoso auxílio à interpretação das normas. Tal

previsão perdurou por mais de trezentos anos, sendo extinta a força obrigatória somente

em 1822, quando a Casa de Suplicação passou a exercer função eminentemente

legislativa. É importante compreender que, à época, o sistema encontrava-se

influenciado por ideais afetos ao liberalismo e ao princípio da separação dos poderes.

Alguns anos depois, mais precisamente em 1832, foi criado o Supremo Tribunal

de Justiça, por conta da grande reforma judiciária que Portugal atravessava,

encarregando-se de uniformizar o entendimento dos tribunais. Em 1926, mesmo

suprimido o termo “assentos”, em razão de um decreto, determinou-se que as decisões

proferidas em conflitos de jurisprudência teriam eficácia vinculante. Mais uma vez,

observa-se um reforço na ideia de buscar a uniformização do entendimento, visto, desde

aquele momento, como um importante instrumento a evitar o cometimento de graves

injustiças, na hipótese de decisões conflitantes em casos idênticos. Atualmente, o

sistema jurídico português mantém a uniformização de jurisprudência.

No Brasil, as decisões proferidas no Rio de Janeiro e na Bahia, como leciona o

jurista Humberto Dalla, deveriam seguir os assentos da Casa de Suplicação de Lisboa,

em virtude da “Lei da Boa Razão”, datada de 1769. A Corte Portuguesa chegou ao

Brasil em 1808 e, nesse mesmo ano, foi criada uma casa de suplicação para, da mesma

maneira que em Portugal, pudesse decidir com efeitos vinculantes. No entanto, a

Independência do Brasil e a criação do Supremo Tribunal de Justiça, durante o Brasil

Império, não foram suficientes para uniformizar a jurisprudência, uma vez que o

mencionado tribunal foi criado para exercer praticamente a função de cassar as decisões

proferidas pelos Tribunais de Relação das Províncias, as quais se viam eivadas de

ilegalidade.

137137 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Curso de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2014.

87

Page 78: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Somente em 1876 o Supremo Tribunal de Justiça foi autorizado a realizar os

assentos com força vinculante. Tal situação seria alterada com a promulgação da

primeira Constituição da República em 1891, que vetou a criação e a aplicação dos

assentos anteriores, ao argumento de incompatibilidade com o atual sistema.

Alguns juristas tentaram criar uma figura jurídica que alcançasse os mesmos

efeitos dos assentos. Isso ocorreu com o Código de 1973, que, embora tenha consagrado

a uniformização da jurisprudência, em virtude da enxurrada de críticas, acabou por

perder o caráter vinculante, servindo apenas como orientação.

Cumpre também ressaltar o papel da avocatória, inserida pela Emenda

Constitucional n. 07/77, e da representação interpretativa. A avocatória permitia ao

Supremo Tribunal avocar qualquer processo, desde que por iniciativa do procurador-

geral da República, e apresentava natureza jurídica eminentemente de ação

constitucional. A representação interpretativa, por sua vez, permitia ao Supremo decidir,

em competência originária, a interpretação de lei federal, estadual e até mesmo

municipal. Essa decisão tinha efeito obrigatório em todos os demais órgãos do Poder

Judiciário, exceto em relação ao próprio Supremo, o qual também podia alterar seu

entendimento.

Cabe ainda destacar os chamados prejulgados, que foram criados com a clara

intenção de uniformizar a jurisprudência, coibindo a divergência entre turmas e câmaras

de um mesmo tribunal. O Instituto de Revista estava previsto no Código de 1939, e sua

função era uniformizar a jurisprudência do tribunal, sobretudo quando houvesse

divergência entre mais de um grupo de turmas ou câmaras. O chamado recurso de

revista foi posteriormente abolido do sistema processual civil, permanecendo, contudo,

no âmbito do direito trabalhista.

Ao longo da década de 1960, com o objetivo de desafogar o Poder Judiciário,

foram criadas as chamadas súmulas de jurisprudência predominantes – técnica mantida

até os dias de hoje e prevista no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Precisamente os anos de 1962 e 2003 foram marcados pela edição de um número

expressivo de súmulas. Esses enunciados das súmulas, de entendimento dominante, não

têm caráter vinculante, servindo apenas de orientação para o julgamento de casos

semelhantes. Permite-se, inclusive, de acordo com o Regimento Interno da Corte

Suprema, que o ministro proponha a revisão da súmula, podendo proceder ao

sobrestamento do processo.

88

Page 79: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O efeito obrigatório surgiu apenas com as súmulas vinculantes, criadas com a

Emenda Constitucional n. 45/2001 e posteriormente regulamentadas pela Lei n.

11.417/2006.

3.2.2 Natureza jurídica

Existe alguma divergência sobre a natureza jurídica das súmulas vinculantes.

Guilherme Peña de Moraes,138138 inclusive, chama a atenção para tal discussão

doutrinária.

Lenio Luis Streck139139 defende a natureza legislativa desse instituto, justamente

por permitir a edição de normas gerais e abstratas, enquanto, para Jorge Miranda140140 e

Luis Carlos Alcoforado,141141 elas devem ser revestidas de cárater jurisdicional, pois

demandariam a provocação e o julgamento de diversos casos anteriores. Importante

ainda frisar o entendimento de Mauro Cappelletti142142 sobre o tema, ao defender que,

em verdade, está-se diante de um instituto misto, intermediário, entre o que é possível

extrair de abstrato dos atos legislativos e a concretude dos atos jurisdicionais, uma vez

que:

os juízes estão constrangidos a ser criadores do Direito. Efetivamente, eles são chamados a interpretar e, por isso, inevitavelmente, a esclarecer, integrar, plasmar e transformar e, não raro, a criar ex novo o Direito. Isso não significa que eles sejam legisladores. Existe realmente diferença entre os processos legislativo e jurisdicional.

Acredita-se que, de fato, se trata de um instrumento de caráter jurisdicional, até

mesmo em virtude dos mecanismos previstos e utilizados em lei, como o manejo da

reclamação, que pode, inclusive, cassar uma decisão judicial.

138138 MORAES, Guilherme Pena de. Súmula vinculante no direito brasileiro, Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 17, 2008. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 16 abr. 2016.139139 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 13.140140 MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 196. 141141 ALCOFORADO, Luis Carlos. Súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.142142 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legislativos? Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 73.

89

Page 80: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

3.2.3 Pressupostos

Apontam-se, como pressupostos para a edição das súmulas vinculantes, a

existência de um número expressivo de casos judicializados sobre o mesmo tema e a

controvérsia entre os órgãos jurisdicionais entre si e também em relação aos órgãos

administrativos acerca de matéria constitucional, o que pode levar a uma grave

insegurança jurídica. Com a edição das súmulas, torna-se possível sedimentar o tema,

fazendo com que a jurisdição seja previsível. É exatamente dessa forma que ensina

Guilheme Peña de Moraes:143143

A eficácia vinculante dos enunciados da súmula de jurisprudência predominante é submetida a quatro pressupostos materiais. A relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica expressa que a súmula vinculante é traduzida como instrumento de uniformização de jurisprudência , sem embargo da remodelação das categorias de processo civil individual para a efetividade da tutela dos conflitos de massa. As reiteradas decisões sobre matéria constitucional exprimem que o objeto da súmula vinculante gira em torno da interpretação de determinada norma federal, estadual ou municipal, contraposta em face de regra ou princípio constitucional , de forma a definir os limites de eficácia e dispor sobre a validade da norma interpretada.

3.2.4 – Procedimento previsto no novo Código de Processo Civil

O artigo 103-A da Constituição Federal prevê o instituto da súmula vinculante.

Posteriormente, essa previsão foi regulamentada pela Lei n. 11.417/06, que disciplina os

aspectos relativos a edição, revisão e cancelamento das súmulas pela Supremo Tribunal

Federal.

O próprio texto constitucional relaciona, minuciosamente, o que pode ser objeto

dessa súmula. Quanto à legitimação, deve-se atentar para o rol indicado no artigo 3º, o

qual, inclusive, julga-se passível de alteração por lei ordinária. Ressalte-se que, embora

as partes não estejam indicadas como legitimadas, infere-se não haver óbice quanto à

possibilidade de solicitarem ao Supremo a edição de uma súmula caso o processo já

esteja tramitando na Corte. Os próprios ministros também podem, de ofício, solicitar

tanto a edição quanto a revisão e o próprio cancelamento.

143143 MORAES, Guilherme Pena de. Súmula vinculante no direito brasileiro, Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 17, 2008. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 16 de abril de 2016;

90

Page 81: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

No que diz respeito ao tempo, a lei prevê que a súmula terá efeito imediato, não

tendo, por conseguinte, efeito ex tunc, razão pela qual não pode vincular decisões

proferidas anteriormente. É importante registrar a possibilidade de se aplicar, em prol da

segurança jurídica, a chamada modularização dos efeitos temporais. Permite-se além da

restrição quanto aos efeitos temporais, uma restrição de ordem subjetiva, ou seja, quanto

àqueles que serão atingidos pelos efeitos da súmula. Assim, é possível dizer, por

exemplo, que a súmula terá efeito vinculante somente quanto aos habitantes de

determinado município, sempre com o intuito de preservar a segurança nas relações

jurídicas e o interesse público.

Tanto o Poder Judiciário quanto a Administração Pública direta e indireta nas

esferas federal, estadual e municipal ficam vinculados, o que, contudo, não alcança o

Poder Legislativo, no exercício de função normativa. Dessa forma, nada impede que o

Legislativo venha a editar lei em sentido exatamente oposto ao da súmula, de acordo

com a previsão do artigo 103, § 2º , da Constituição da República Federativa do Brasil.

O quinto artigo da supramencionada lei relata a possibilidade de o Supremo, de

ofício ou por meio de provocação, revisar e cancelar a súmula. Conclui-se, portanto, que

as matérias que são tratadas nas súmulas não precisam ser necessariamente matérias

constitucionais em sentido estrito, mas podem abranger a lei, permitindo sua

interpretação.

A Constituição da República estabelece a possibilidade de reclamação ao

Supremo Tribunal Federal na hipótese de a súmula vinculante não ser respeitada. Tal

previsão se repete no artigo 7º da referida lei e acaba por atingir outros casos, como, por

exemplo, as hipóteses em que sua aplicação é indevida ou até mesmo quando existe

uma interpretação errônea do real sentido da súmula. A reclamação, portanto, é um

instituto de competência originária do Supremo Tribunal Federal e, uma vez acolhida no

mérito, acaba por cassar a decisão judicial impugnada, demonstrando, assim, a clara

função de correção.

No entanto, quanto à natureza jurídica da reclamação, observa-se alguma

controvérsia. O tema é abordado por Teresa Arruda Wambier, in verbis:144144

144144 WAMBIER, Teresa Arruda. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: RT, 2007, p. 278.

91

Page 82: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Discute-se intensamente no plano doutrinário sobre qual seria a natureza jurídica da reclamação. Parece-nos que a natureza desta medida é jurisdicional, e não administrativa ou correcional. Trata-se de expediente de que se podem valer as partes para provocar alteração de decisão judicial: logo sua natureza não pode ser meramente correcional. Ademais, a decisão, na reclamação, fica acobertada pela coisa julgada, sendo, portanto, rescindível.

Leonardo Lins Morato145145 defende que se trata de uma ação, e não de um

recurso, até porque pode ser utilizada contra simples ato administrativo. Cumpre

assinalar que o parágrafo 1º do artigo 7º da lei 9868/96 prevê que apenas será cabível a

reclamação após o esgotamento de todos os recursos na esfera administrativa. Tal

circunstância lembra a previsão imposta pelo Superior Tribunal de Justiça ao tratar do

habeas data, ressaltando sua impossibilidade caso não haja recusa de informações por

parte da autoridade administrativa.

A reclamação não comporta instrução propriamente dita, mas tão somente prova

documental, a qual deve ser anexada à inicial, permitindo ao reclamado a manifestação

no prazo de dez dias. Na reclamação, cabem agravo regimental, oponível à decisão do

relator, e embargos de declaração. A decisão final, de mérito, é rescindível, desde que

estejam presentes os requisitos do artigo 966 do Diploma Processual Civil.

Uma vez acolhida pela Corte Suprema a reclamação fundada em violação de

enunciado da súmula, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente,

com vistas ao julgamento do recurso, que deverá adequar-se às decisões administrativas

já proferidas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal em todas as

esferas – cível, administrativa e penal.

3.2.5 – Papel das súmulas vinculantes no controle de constitucionalidade

É importante entender o papel das súmulas vinculantes no controle de

constitucionalidade. Para tanto, inicialmente examina-se no que consiste o controle de

constitucionalidade. Marcelo Neves146146 o define como:

145145 MORATO, Leonardo. A reclamação prevista na Constituição Federal: aspectos polêmicos e atuais dos recursos. Coordenação de Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006, pp. 441-452.146146 NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 74.

92

Page 83: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

juízo de adequação da norma infraconstitucional (objeto) à norma constitucional (parâmetro), por meio da verificação da relação imediata de conformidade vertical entre aquela e esta, com o fim de impor a sanção de invalidade à norma que seja revestida de incompatibilidade material e/ou formal com a Constituição.

Nesse controle, o Brasil adota um sistema híbrido, que comporta o controle

político, realizado por órgãos como a Comissão de Constituição e Justiça, e o controle

judicial, sob a responsabilidade do Poder Judiciário.

Em regra, o controle político é definido como uma espécie de controle

preventivo, cumprindo, todavia, ressaltar a hipótese admitida pela doutrina e pela

jurisprudência quanto ao controle preventivo judicial, no qual se admite a propositura de

mandado de segurança pelo Parlamento, com vistas a não se submeter à votação um

projeto de lei flagrantemente inconstitucional.

O chamado controle judicial, por sua vez, é notoriamente repressivo, pois, com a

norma em vigência, pretende-se expurgá-la do ordenamento. Fala-se, então, em controle

concentrado e controle difuso.

O controle concentrado se realiza por via de ação direta, tendo, como objeto

principal, a verificação da (in)constitucionalidade da norma, enquanto o controle difuso

se operacionaliza pela via da exceção, permitindo que até mesmo os juízes de primeiro

grau verifiquem, incidentalmente, a inconstitucionalidade da norma com o efeito inter

partes.

É preciso refletir se as súmulas vinculantes constituem uma forma de exercício

do controle de constitucionalidade.

Assim, entende-se que, embora não obedeçam fielmente às características do

processo objetivo, presentes nas ações diretas de inconstitucionalidade e na ação

declaratória de constitucionalidade, usadas como forma de controle concentrado, elas

são, sim, mecanismos de exercício de controle de constitucionalidade porque, em

primeiro lugar, é possível editar uma súmula com base nas normas gerais, de forma

abstrata, e, em seguida, em decorrência de seu caráter obrigatório, vinculante, ainda que

a outros órgãos jurisdicionais e à administração pública.

O fato é que a súmula se tornou um importante mecanismo de controle de

constitucionalidade, pois, diante do número significativo de processos e da divergência

93

Page 84: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

acerca da constitucionalidade ou não de determinado dispositivo legal, nada impede que

o Supremo, provocado, ou até mesmo de ofício, julgue por bem editar uma súmula

acerca de sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. É o que ocorre, por

exemplo, com a Súmula Vinculante n. 12, que, ao tratar da cobrança de taxa de

matrícula nas universidades públicas, considera-a inconstitucional, em face do artigo

206, IV, da Constituição da República.147147

3.2.6 – Súmulas vinculantes e atendimento aos princípios do acesso à justiça, da

celeridade e da efetividade

A súmula vinculante, nas palavras de Teresa Arruda Wambier,148148

é um dos temas mais controvertidos da reforma constitucional do Poder Judiciário. Da mesma forma que temas como a legalização do aborto, da eutanásia e o debate sobre a pena de morte, por exemplo, a súmula vinculante é assunto polêmico, especialmente em razão de sua carga ideológico-valorativa.

Indaga-se, ainda, se a súmula afrontaria uma série de princípios e garantias

constitucionais. Para abordar esse tema, traz-se a lição de Erik Navarro Wolkart,149149

que reúne uma série de argumentos desfavoráveis alinhados pela doutrina. Um desses

argumentos é sua incompatibilidade com o princípio da separação de poderes, ao

argumento de que traria conflitos de atribuição entre os Poderes Judiciário e Legislativo.

Outro é o estancamento da evolução da jurisprudência e, em consequência, do Direito,

ao causar um verdadeiro engessamento da atividade jurisdicional, uma vez que o juiz

estaria limitado ao teor dos enunciados, o que também acarretaria restrição à liberdade

de decidir do magistrado, com grave ofensa ao princípio do livre convencimento.

Ademais, haveria ofensa ao princípio da fundamentação das decisões judiciais,

insculpido no artigo 93, X da CRFB,150150 em virtude da substituição da devida e 147147 Súmula Vinculante n. 12 do STF: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no artigo 206, IV, da Constituição Federal”.148148 WAMBIER, Teresa Arruda. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: RT, 2007.149149 WOLKART, Erik Navarro. “Súmula vinculante necessidade e implicações práticas de sua adoção (o processo civil em movimento)”. In WAMBIER, Teresa Arruda (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012.

150150 Artigo 93, IX da CRFB: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em

94

Page 85: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

correta fundamentação pelo teor da súmula. Os princípios do contraditório e da ampla

defesa também restariam ofendidos em nome do alcance da celeridade processual. Nem

sempre todos os casos estão diretamente abarcados pela súmula, e a parte perderia a

oportunidade de rever a decisão por um órgão colegiado, em virtude da imediata

aplicação, ainda em primeiro grau, do teor da súmula.

Em contrapartida, posições favoráveis às súmulas vinculantes sustentam que não

há incompatibilidade com a cláusula da separação de poderes, pois, como defende

Cândido Rangel Dinamarco,151151

ao emiti-las, o Supremo Tribunal Federal não institui preceitos inteiramente novos, equiparando-se ao legislador, o que lhe toca fazer é, partindo de uma lei existente e pondo-a em confronto com a Constituição Federal, decidir se ela é válida ou inválida, eficaz ou ineficaz, ou que ela deve se interpretada de determinado modo, e não diferentemente.

Alguns autores apontam que não há que se falar em qualquer tipo de

engessamento da jurisprudência, até porque se permite a realização do que o direito

norte-americano chama de overruling, definindo-se-o como uma técnica em que o

precedente é modificado, sendo substituído por outro que venha a se adequar melhor à

realidade social. A própria lei da súmula vinculante autoriza a revisão e o cancelamento

das súmulas. Destaque-se que os argumentos mais benéficos e favoráveis às súmulas

vinculantes consistem na maior previsibilidade da decisão, atendendo à segurança

jurídica e, em última análise, à duração razoável do processo.

3.2.7 – Papel das súmulas persuasivas diante do novo Código de Processo Civil

No ordenamento jurídico brasileiro, segundo a doutrina, as súmulas persuasivas

são aquelas que têm por objetivo influenciar outras decisões e,152152 ao contrário das

súmulas vinculantes, são desprovidas de eficácia obrigatória. Entende-se, contudo, que,

determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.151151 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 340-341.

152152 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Curso de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2014.

95

Page 86: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

diante das previsões contidas no novo Código de Processo Civil, estabelecidas

sobretudo nos artigos 332, I e IV, 927, IV e V, e 932, V, a,153153 é preciso repensar a

posição dessas súmulas.

A nova lei, que, claramente, criou diversos mecanismos de contenção de

demandas de massa, também redimensionou a natureza das súmulas persuasivas.

Segundo Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior,154154 atualmente o Direito brasileiro

“se volta a solucionar com maior segurança jurídica, coerência, celeridade e isonomia as

demandas de massa, as causas repetitivas, ou melhor, as causas cuja relevância

ultrapassa os interesses subjetivos das partes”.

Dessa forma, assume-se a posição de que, com o novo Diploma Processual

Civil, até mesmo as súmulas persuasivas receberam caráter obrigatório, ao se afastar o

caráter de norma programática de dispositivos que determinam até mesmo a

observância dos enunciados dos tribunais locais. Calmon de Passos155155 já se

posicionava no sentido de sempre conferir eficácia vinculante à jurisprudência dos

tribunais superiores:

Coisa bem diversa ocorre, a meu ver, quando se trata de decisão tomada pelo Tribunal Superior em sua plenitude e com vistas à fixação de um entendimento que balize seus próprios julgamentos. O Tribunal impõe diretrizes para seus julgamentos e necessariamente as coloca também para os julgadores de instâncias inferiores. Aqui a força vinculante desta decisão é essencial e indescartável, sob pena de retirar-se dos Tribunais Superiores justamente a função que os justifica. Pouco importa o nome de que se revistam – súmulas, súmulas vinculantes, jurisprudência predominante ou o que for obrigam.

153153 Artigo 332.  “Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I- enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; (...) IV- enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local”.154154 ATAIDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. “Uma proposta de sistematização da eficácia temporal dos precedentes diante do projeto de novo CPC. O projeto do Novo Código de Processo Civil”. In DIDIER, Fredie e BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (orgs.). Estudos em homenagem ao Professor José Joaquim Calmon de Passos. Salvador: Juspodivm, 2012.155155 PASSOS, Calmon apud OLIVEIRA, Pedro Miranda de. O binômio repercussão geral e súmula vinculante. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. v. I, p. 703.

96

Page 87: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O artigo 332, I, do CPC156156 permite que o magistrado, sem a citação do réu,

julgue improcedente liminarmente pedido que contrariar enunciado de súmula do

Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.

O Enunciado n. 43 do Enfam, por sua vez,157157 permite a aplicação dessa regra

ao sistema dos juizados especiais e expande a interpretação do inciso IV do artigo 332

do Código de Processo Civilao possibilitar a abrangência aos enunciados e súmulas de

seus órgãos colegiados competentes. O Enunciado n. 146 do FPPC158158 ainda aduz que

os juízes, no momento da aplicação da improcedência liminar do pedido, devem

observar o disposto no artigo 927, IV, ou seja, os enunciados das súmulas do STF em

matéria constitucional, bem como os enunciados das súmulas do STJ em matéria

infraconstitucional.

Assinale-se que esses dispositivos não são considerados normas meramente

programáticas, ou seja, normas em que o legislador, em vez de regular, direta e

imediatamente, determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípios para

serem cumpridos pelos órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e

administrativos).159159

Assim, outra não pode ser a conclusão senão que as súmulas persuasivas foram

redimensionadas pelo novo Código de Processo Civil, diploma que optou por

uniformizar e negar a aplicação da característica persuasiva das súmulas em prol de um

processo que promova a celeridade processual.

3.3 – Repercussão geral no recurso extraordinário

Com o objetivo de contribuir para a otimização da atividade jurisdicional do

Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional n. 45/01 estabeleceu mais um

requisito de admissibilidade recursal, através da criação da repercussão geral, prevista

156156 Artigo 332.  “Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I- enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; (...) IV- enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local”.157157 Enunciado 43 do Enfam: “O artigo 332 do CPC/2015 se aplica ao sistema de juizados especiais e o inciso IV também abrange os enunciados e as súmulas dos seus órgãos colegiados competentes”.158158 Enunciado nº 146 do FPPC (artigo 332, I; artigo 927, IV): “Na aplicação do inciso I do artigo 332, o juiz observará o inciso IV do caput do artigo 927”.159159 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2007.

97

Page 88: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

no artigo 102, §3º, da CRFB. No entanto, o que parece uma novidade já existia, ainda

que sob diferentes aspectos, como ensina Luiz Guilherme Marinoni, com a chamada

arguição de relevância da questão firmada para conhecimento em sede extraordinária,

prevista no artigo 119, III, a e d, c/c §1º da Constituição de 1967.160160

Assinale-se, porém, que agora há uma característica absolutamente distinta: a

arguição de relevância foi construída para que o recurso extraordinário, outrora

incabível, fosse apreciado pelo Supremo, tratando-se de um instrumento, portanto,

eminentemente inclusivo. Assim, verifica-se o contrário da intenção embutida na

exigência desse requisito de admissibilidade recursal específico para o recurso

extraordinário, que tem o condão de excluir a possibilidade de apreciação pela Corte

Suprema. André Tunc161161 registra que cabe às Cortes superiores a outorga de poder

para selecionar os casos que serão apreciados. Assinala ainda que tal tema aparece, com

relativa frequência, como uma preocupação política.

A repercussão geral foi definida e detalhada somente com a Lei n. 11.418/06,

que acrescentou os artigos 543-A e 543- B ao Código de Processo Civil de 1973.

Atualmente, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei n.

13.105/15), o tema está disciplinado no artigo 1.035. Assim, pela nova lei, o Supremo

Tribunal Federal não conhecerá o recurso extraordinário quando a questão

constitucional envolvida não tiver repercussão geral. Além disso, tal decisão é

irrecorrível.

Da mesma forma que o Código anterior, a atual disciplina preocupa-se em

delinear a repercussão geral como representando questões relevantes sob os aspectos

econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os limites subjetivos do

processo. Desse modo, trata-se de um conceito jurídico indeterminado que deve

suplantar o interesse individual e versar sobre questões de interesse da sociedade. O

próprio artigo 1.035 do CPC/15 foi alterado ainda em vacatio pela Lei n. 13.256/16, que

suprimiu o inciso II do parágrafo 3º. Nesse contexto, a repercussão geral será

160160 Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, artigo 119: “Compete ao Supremo Tribunal Federal: III- julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal”.161161 TUNC, André. “La Cour suprême idéale”, Revue Internacionale de Droit Comparé, Paris, 1978, p. 440.

98

Page 89: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

reconhecida sempre que o acórdão contrariar súmula ou jurisprudência dominante do

Supremo Tribunal Federal u que tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado

ou lei federal, nos termos do artigo 97 da CRFB.

Outro ponto relevante no novo diploma processual foi o reconhecimento da

importância do amicus curiae. Inserido incialmente no contexto da intervenção de

terceiros, aqui está previsto no parágrafo 4º do supramencionado artigo 1.035 CPC.. Até

então, sua atuação remontava apenas às ações constitucionais. Instituto comum ao

sistema daocommom law, como defende Teresa Arruda,162162 o amicus curiae nasce da

necessidade de o Direito Processual Civil acompanhar a ótica dos valores

evidentemente encampados pela Constituição Federal, os quais, presume-se, são os

valores da nação brasileira. Trata-se, portanto, de um autêntico colaborador, auxiliando

o magistrado no esclarecimento de questões afetas ao processo para que, de algum

modo, o Poder Judiciário leve em consideração, no aspecto interpretativo, os valores

adotados pela sociedade (representada pelas instituições).163163

A nova lei permite que, uma vez reconhecida a repercussão geral, o ministro-

relator determine a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes,

individuais ou coletivos, que versem sobre a questão no âmbito do território nacional.

Claramente, a ideia do legislador, aqui, foi assegurar a isonomia, com os jurisdicionados

que se encontram em circunstâncias idênticas recebendo o mesmo tratamento jurídico.

Importante assinalar que, como nos recorda Tereza Arruda Alvim,164164 mais uma vez

as ações podem estar em primeiro ou segundo graus e se tratar de execução,

excetuando-se as execuções de títulos judiciais transitadas em julgado. O que importa,

de fato, é prevenir decisões divergentes da decisão do Supremo Tribunal Federal.

O § 8 do artigo 1.035 do CPC estabelece que, ao ser negada a repercussão geral,

o presidente, ou o vice-presidente, do tribunal de origem negará seguimento aos

recursos extraordinários sobrestados que versem sobre matéria idêntica. Essa norma

serve para racionalizar o sistema, uma vez que outra não poderia ser a solução, pois,

negada a repercussão geral, não estão preenchidos os requisitos de admissibilidade do

próprio recurso extraordinário.

162162 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo, RT, p. 257. 163163 Idem, ibidem.164164 Idem, ibidem.

99

Page 90: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Estabelece-se o prazo de um ano para o julgamento dos processos que têm a

repercussão geral reconhecida e que, portanto, terão preferência sobre os demais. Trata-

se de prazo impróprio. Observe-se que, em relação ao assunto, a Lei n. 13.256, de 4 de

fevereiro de 2016, revogou o § 10º, o qual, notoriamente, trazia consequência negativa

para as partes ao determinar que, esgotado esse prazo, os processos seguiriam o curso

normal, pois estaria cessada a suspensão.

Mais uma vez, observa-se que um dos objetivos da repercussão geral foi

atendido, ou seja, imprimir efetividade à prestação jurisdicional, assegurando melhor

atividade judicante; no entanto, alguns autores entendem que isso acabou por afastar o

jurisdicionado da jurisdição constitucional, que encontrava, no recurso extraordinário,

seu mais expressivo meio de acesso.165165

3.4 – Sentença de improcedência liminar do pedido

O novo Código de Processo Civil prevê, no artigo 332, a possibilidade de o

magistrado julgar improcedente o pedido do autor, independentemente de citação do

réu, se presentes as hipóteses descritas em seus incisos, como: existência de súmula do

Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça; acórdão proferido pelo

Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de

recursos repetitivos; entendimento firmado em incidentes de resolução de demandas

repetitivas ou de assunção de competência; e enunciado de súmula do Tribunal de

Justiça sobre direito local.

A sentença de improcedência liminar também é admissível quando se está diante

de prescrição ou decadência. Em verdade, esse dispositivo veio substituir a previsão do

artigo 285-A do Código de Processo Civil de 1973, o qual, por sua vez, foi incluído por

força da Lei n. 11.276/2009 e era bastante controvertido.

O referido dispositivo do CPC/73 tinha por objetivo conter o número excessivo

de demandas, de modo que muitos juízes aplicavam-no por considerarem que eram

causas fadadas ao insucesso, poupando, dessa forma, o próprio réu do ônus de contratar

165165 ALMEIDA, Marcelo Pereira. Precedentes judiciais. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2014, p. 174.

100

Page 91: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

um advogado e de pagar, desnecessariamente, pelos serviços cartorários, o que só

geraria despesas e perda de tempo.166166

À primeira vista, parece que o artigo 285-A do CPC/73 andou bem no

atendimento aos princípios da celeridade, da efetividade e da economia processual,

embora, examinado sob outro aspecto, apresentasse grave risco de ofensa ao princípio

do contraditório – tanto que a Ordem dos Advogados do Brasil propôs uma ação direta

de inconstitucionalidade,167167 a qual, contudo, até a presente data, não foi julgada em

definitivo e, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, perdeu o

objeto. No entanto, é imperioso analisar esse dispositivo do Código de Processo Civil de

1973 à luz do princípio do contraditório que, ao que parece, não foi devidamente

contemplado. Esse princípio, que garante às partes o acesso a todo o iter

procedimental,168168 não era contemplado, pois ocorria prolação da sentença de

improcedência do pedido autoral sem sequer haver a citação do réu.

O fato é que muitos processualistas defendiam esse instituto – que, inclusive, foi

aplicado em sede de juizados especiais. Os tribunais superiores exigiam que o tema em

questão já tivesse, ao menos, sido tratado pelas instâncias superiores, por meio de

verbetes sumulares ou de casos semelhantes já apreciados, com o fito de salvaguardar

um julgamento isonômico.169169

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, contudo, esse

instituto foi substituído pela sentença de improcedência liminar do pedido, prevista no

artigo 332. Logo, de início, é possível verificar a blindagem que o dispositivo recebeu,

evitando discussões sobre eventuais ofensas ao princípio do contraditório, pois o

primeiro enunciado do Fonajef foi exatamente nesse sentido, ao afirmar que o

julgamento de mérito de plano ou prima facie não viola o princípio do contraditório e

deve ser empregado nas hipóteses em que há reiteradas decisões de improcedência pelo

juízo sobre determinada matéria.

166166 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, p. 39.167167 ADIN n. 3.695.168168 TROCKER, Nicolò apud GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, p. 42.169169 STJ. Recurso Especial 1.225.227-MS – Relatora: Ministra Nancy Andrigui. STJ. Resp 1.109.398 – Relator Min. Luis Felipe Salomão.

101

Page 92: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Os autores que defendem sua utilização, entre eles Rodolfo Hartmann,170170

explicam que, na verdade, se trata de uma providência a ser adotada pelo magistrado

com o objetivo de melhorar o gerenciamento do tempo do processo, alcançando, dessa

forma, uma solução mais célere do mérito quando há nítida evidência de que o processo

estaria fadado ao insucesso. Hartman afirma:

Trata-se de uma tutela de evidência prestada em caráter definitivo, pois, como a própria nomenclatura sugere, há evidências da falta do direito alegado. Obviamente, o inverso não seria possível, ou seja, uma sentença liminar de procedência, posto que no processo ainda não consta o demandado, nem mesmo lhe foi oportunizada qualquer chance de defesa. Assim, tal dispositivo somente deve ser aplicado nos casos de improcedência, pois tudo continuará como antes.

Em suma, somente é cabível a aplicação da improcedência liminar de mérito

quando não houver necessidade de dilação probatória e estiverem presentes as hipóteses

elencadas no artigo 332 do CPC/15.

O novo Código aponta outro caso que permite a improcedência liminar. É o caso

da sentença proferida em sede de embargos à execução, nos termos no artigo 918, II,

que possibilita ao magistrado rejeitar liminarmente os embargos nas hipóteses de

indeferimento da petição inicial e de improcedência liminar do pedido.

Cabe tecer algumas considerações sobre a sentença de improcedência liminar do

pedido quando o juiz reconhece a prescrição e a decadência.

O Diploma Processual Civil de 2015 estabelece que a prescrição e a decadência

só podem ser reconhecidas pelo magistrado após oportunizar a oitiva das partes, em

conformidade com a previsão do artigo 487, parágrafo único, abrindo, contudo, exceção

justamente para o caso da sentença de improcedência liminar, ao permitir seu

reconhecimento independentemente de as partes se manifestarem.

Observa-se, por fim, que o instrumento procurou aclarar o dispositivo anterior,

apontando, com precisão, para as hipóteses que podem levar o juiz a concluir de pronto

pela improcedência liminar do pedido autoral.

170170 HARTMANN, Rodolfo. Curso completo do novo Processo Civil. 3 ed. Niterói: Ímpetus, 2016, p. 275.

102

Page 93: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

3.5 – Normas cogentes e aplicação do prospective overruling

A adequada interpretação dos arts. 927 e 932, IV, do novo diploma processual

civil merece cuidadoso exame.

O artigo 927 do CPC/2015 prevê que os juízes e os tribunais devem observar: as

decisões do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade;

os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de

competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos

extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal

Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria

infraconstitucional; e a orientação do plenário ou do órgão especial a que estiverem

vinculados.

O artigo 932, IV, do mesmo Código, por sua vez, prevê que incumbe ao

desembargador relator negar provimento a recurso que for contrário a: súmula do

Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça

em julgamento de recursos repetitivos e no entendimento firmado em incidente de

resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. Também impõe ao

relator, após facultada a apresentação de contrarrazões, em consonância com o inciso V,

dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária à súmula do Supremo

Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; ao acórdão

proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em

julgamento de recursos repetitivos e no entendimento firmado em incidente de

resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Parece, sem dúvida, tratar-se de normas cogentes, ou seja, de observância

obrigatória; do contrário, não faria sentido que o legislador as tivesse incluído no texto.

A questão já foi abordada por alguns autores, que concluíram nesse mesmo sentido. Em

primeiro lugar, é preciso analisar o artigo 927 do Código de Processo Civil. Rodolfo

Hartmann171171 aduz que

171171 HARTMANN, Rodolfo. Novo Código de Processo Civil comparado e anotado. Niterói: Editora Ímpetus, 2016.

103

Page 94: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

o dispositivo, inédito, impõe que os magistrados observem em seus julgamentos os precedentes ali mencionados. Não chega ao requinte de estabelecer que tais decisões mencionadas nos seus incisos são vinculativas, mas é o que se conclui diante de uma análise sistemática do novo Código de Processo Civil, mormente pela causa de pedir, que pode gerar o uso da via da reclamação, quando este dispositivo estiver sendo descumprido.

Tanto se pode afirmar que se trata de norma cogente que o próprio dispositivo

indica, em seus incisos, como o magistrado ou o tribunal devem proceder se

pretenderem afastar sua incidência com a alteração da tese jurídica. É o overruling

assentado no diploma brasileiro, mais precisamente no § 2º do artigo 927.

Na sequência, o § 3º do mesmo diploma permite que, na hipótese de alteração da

jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou

daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos – leia-se, no incidente de resolução

de demandas repetitivas ou nos recursos especiais e extraordinários repetitivos –, pode

haver modulação temporal dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança

jurídica. É o que se chama de prospective overruling, que, para a doutrina norte-

americana, significa a mudança de um precedente por meio de decisão expressa, no

sentido de que ele não mais deve ser a regra aplicável (controlling law).172172

Para a doutrina brasileira, essa possibilidade de postergação da produção dos

efeitos da decisão é conhecida como “modulação temporal”, que pode ser definida

como uma técnica processual que permite que o Tribunal limite, temporalmente, os

efeitos das decisões, fundamentando tal decisão no princípio da segurança jurídica e no

interesse público excepcional.173173 O certo é que a modulação temporal dos efeitos da

decisão é conhecida no meio jurídico, sobretudo no caso de decisões do Supremo

Tribunal Federal, inclusive com permissão expressa do artigo 27 da Lei n.

172172 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Curso de processo civil contemporâneo. 3 ed. Rio de Janeiro, Saraiva, 2016, v. II. Prospective overruling ou Sunbursting, por sua vez, é uma técnica de julgamento que tem sido muito empregada na common law estadunidense, principalmente a partir da segunda metade do século XX, por força da pressão das necessidades sociais de se modificar a lei, sem colocar em risco sua estabilidade, capsulada na regra do stare decisis. Por prospective overruling, entende-se a postergação da produção de efeitos de uma nova regra jurídica. Trata-se, na verdade, de uma excepcional limitação do efeito retrospectivo da overruling.173173 Idem, p. 763.

104

Page 95: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

9.868/99,174174 diante do risco de grave dano à segurança jurídica ou do risco de abalo

ao interesse nacional.

O Supremo Tribunal Federal já recorreu a essa técnica em diversas

situações,175175 aplicando-a até mesmo quando se vê diante de mera interpretação do

texto constitucional e no controle difuso de constitucionalidade, mormente quando

profere decisão nos recursos oriundos de outros tribunais em que se questiona a

constitucionalidade de leis.176176

Existem diversos argumentos favoráveis à aplicação da técnica de modulação

dos efeitos, ou prospective overruling, como narra o professor Humberto Dalla.177177

Entre eles, o fato de remediar interpretação jurisprudencial eventualmente considerada

obsoleta, levando em conta que as decisões judiciais devem refletir os valores da

sociedade moderna, razão pela qual imperiosa se faz sua revisão. Registre-se que o

Direito é uma ciência social e, como tal, deve acompanhar a evolução da própria

sociedade.

Humberto Dalla também sustenta que a atribuição desse efeito prospectivo acaba

por resguardar a confiança dos jurisdicionados no sistema de precedentes e que, em

alguns casos, a atribuição de efeito retroativo traria surpresa aos cidadãos, vulnerando,

dessa forma, sua confiança no sistema. Dessa forma, a aplicação é importante para

proteger a segurança nas relações jurídicas e resguardar a confiança dos jurisdicionados.

Por outro lado, a técnica não está isenta de críticas, inclusive, como ressalta esse

mesmo autor, o fato de que uma decisão judicial com eficácia meramente prospectiva

seria apenas um obter dictum, o que acabaria por desestimular o jurisdicionado a

apresentar novas teses que solicitassem a revisão, haja vista que não se beneficiaria

delas, gerando, assim, acomodação.178178

174174 Lei n. 9.868/99, artigo 27: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.175175 Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 29, julgada no Plenário do STF em 16 de fevereiro de 2012 (apreciação da constitucionalidade da Lei Complementar n. 135/10). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.029, de 8 de março de 2012, acerca da inconstitucionalidade da Lei n. 11.516/2007.176176 PINHO, Humberto Dalla Bernardina, op. cit., 2016, p. 755. Análise do Recuso Extraordinário n. 197.917, em junho de 2002.177177 Idem, p. 760.178178 Idem, p. 763.

105

Page 96: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

A fim de solucionar a primeira crítica, deveria ser aplicado o partial prospective

overruling, ou seja, o precedente seria aplicado ao caso concreto em julgamento e, em

seguida, aos casos futuros.

A segunda crítica reside no fato de a função jurisdicional estar precipuamente

dirigida à produção de decisões retroativas. Entende-se que as decisões dos órgãos

jurisdicionais dizem respeito a questões que, efetivamente, já ocorreram e que, portanto,

a aplicação desses efeitos prospectivos viria a contrariar a própria função jurisdicional,

aproximando-a de uma função eminentemente legislativa. Também na tentativa de

afastar a mencionada crítica, sustenta-se que a Corte Constitucional tem, como função,

preservar a integridade do sistema normativo constitucional, e não apenas apreciar os

casos concretos submetidos à sua análise.179179

Também merece crítica o que se reconhece como full retroactive

application,180180 que, na prática, acaba por permitir que um precedente alcance

sentenças transitadas em julgado, tornando, dessa forma, absolutamente vulnerável a

segurança jurídica e a própria atividade jurisdicional.

Através de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento

jurídico brasileiro já está familiarizado com a aplicação da modulação temporal. Traz-

se, por exemplo, à lume o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade n.

2.240,181181 que reconheceu a inconstitucionalidade da Lei n. 7.619, embora tenha

mantido sua vigência por 24 meses. Outro caso é o Conflito de Competência n. 7.204-

1,182182 em que a Corte Constitucional passou a entender que é a Justiça do Trabalho o

órgão competente para examinar as ações de indenização por danos materiais e morais

179179 Idem, ibidem.180180 “Cumpre, neste momento, distinguir as diferentes modalidades de eficácia atribuída aos precedentes. Eficácia retroativa plena ou pura (full retroactive application): a aplicação do novo precedente a todos os casos passados e futuros, inclusive aqueles já transitados em julgado. Retroativa parcial (partial retroactive application): a nova doutrina regula todas as novas demandas, salvo aquelas cujo julgamento já se tenha concluído em caráter final ou cuja reapreciação seja limitada por outras disposições normativas. Eficácia prospectiva pura (full prospective application): a nova regra só incidirá sobre situações configuradas a partir da data de sua afirmação ou determinado evento futuro, não atingindo nem mesmo as partes do caso que ensejou sua formulação, o caso em julgamento e os eventos ocorridos anteriormente permanecerão regidos pelo entendimento antigo. Eficácia prospectiva parcial (partial prospective application): o novo precedente deve ser aplicado ao caso em julgamento e aos fatos ocorridos posteriormente, mas não aos anteriores. Prospective Prospectivity: aplicação do novo precedente a partir de um dado momento no futuro.” (MELLO, Patrícia Perrone Campos apud DALLA, Humberto. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 179.)181181 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 2.240, Supremo Tribunal Federal. Ministro Eros Grau. Diário de Justiça Eletrônico de 3/8/2007.182182 Conflito de Competência (CC) n. 7.204-1 – Supremo Tribunal Federal. Ministro Ayres Brito.

106

Page 97: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

decorrentes de acidentes de trabalho, mas afirmou que esse entendimento só seria

aplicado a partir da Emenda Constitucional n. 45 , conhecida como Reforma do Poder

Judiciário. Acrescentou que os processos que estivessem em curso na Justiça Estadual,

até então competente, continuariam tramitando normalmente, desde que tivessem sido

prolatadas sentenças de mérito. Os demais seriam encaminhados à Justiça do Trabalho,

com o perfeito aproveitamento dos atos processuais já praticados.

Ressaltando o caráter impositivo da norma e a força vinculante dos precedentes,

o artigo 932, em seus incisos IV e V, do novo Código de Processo Civil, impõe ao

desembargador que negue provimento ao recurso nas hipóteses elencadas (IV) e que,

decorrido o prazo para apresentação de contrarrazões, dê provimento a recurso cuja

decisão a ser revista mostre-se contrária aos provimentos vinculantes estabelecidos no

inciso V.

Alguns autores têm-se manifestado favoravelmente à inserção desse dispositivo,

afimando tratar-se de um mecanismo que vai ao encontro das novas tendências do

Código de Processo Civil de 2015, o qual, notoriamente, contribuiu para a

uniformização e a estabilização da jurisprudência.183183 Deve-se ressaltar, contudo, que

ele não cuida apenas das súmulas vinculantes, mas também daquelas que conhecemos

como persuasivas, o que, para alguns, implica que os tribunais tenham mais

responsabilidade ao consolidar seu entendimento. Por outro lado, isso acabaria por criar,

nos tribunais, o receio de alterar bruscamente os entendimentos já consolidados e

sumulados,184184 o que se acredita ser um dos riscos inerentes ao sistema. Digno de

nota, porém, é o fato de que esse mesmo modelo permite o overruling, anteriormente

examinado, de modo que esse entendimento possa ser revisto sempre que não mais

atender às expectativas da sociedade moderna.

Conclui-se que o referido dispositivo pôs fim a um debate que permeava a

jurisprudência: se era permitido que o relator, monocraticamente, conhecesse e desse

provimento ao recurso, sem que antes se intimasse o recorrido. Com o advento da nova

disciplina, deve fazer-se presente o contraditório prévio, pois está claramente

estabelecido que a decisão monocrática só poderá ocorrer após facultada a apresentação

de contrarrazões.

183183 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.327.184184 Idem, ibidem.

107

Page 98: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

3.6 – Dispensa do reexame necessário diante dos provimentos judiciais vinculantes

O artigo 496 do novo diploma processual civil aponta, com inovações, o

princípio do duplo grau de jurisdição obrigatório, também chamado de reexame

necessário ou remessa ex officio. Esse dispositivo diverge do anterior ao estabelecer

patamares em relação aos valores de incidência quando da condenação da União,

estados, municípios e respectivas autarquias e fundações autárquicas, além da não

incidência diante dos provimentos vinculantes. Esse princípio foi concebido como uma

forma de preservar a Fazenda Pública, submetendo-se ao crivo do reexame, por

instância superior, as sentenças de mérito, podendo o Tribunal reexaminá-las

integralmente, modificando-as total ou parcialmente. Esse exame compreende todas as

parcelas da condenação, inclusive de honorários advocatícios.185185

Salienta-se que persiste a dúvida se, nesse reexame, a situação da Fazenda

Pública poderia ser agravada em segunda instância. Para a maioria dos autores, isso não

seria possível, pois se está diante de um instrumento protetivo, que busca evitar

desgastes ao erário, com vistas a atender ao interesse público. Esse mesmo

entendimento é esposado pela Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça.186186 Ocorre

que Nelson Nery Junior187187 admite essa possibilidade e leciona:

Assim, é licito ao Tribunal, no reexame obrigatório, modificar total ou parcialmente a sentença reexaminada, da forma como entender adequada, podendo piorar a situação da Fazenda Pública sem incidir na proibição da reformatio in pejus, que atua somente nos recursos, e não na remessa necessária, que, como já visto, não é um recurso. O equívoco do STJ 45 está em interpretar a remessa necessária como sendo objeto de efeito devolutivo, o que só ocorre nos recursos, como consequência do princípio dispositivo, que não é o caso do instituto aqui examinado, regido pelo princípio oposto: o inquisitório.

Parece que esse agravamento só seria possível nas hipóteses de recurso

voluntário da parte e na aplicação de questões como juros, correção monetária, custas,

honorários e prestações vincendas em obrigações de trato continuado. O dispositivo em

comento determina, em resumo, que as sentenças que condenam a Fazenda Púbica a

185185 Súmula n. 325 do STJ – “A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive os honorários de advogado”.186186 Súmula n. 45 do STJ – “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.187187 NERY JR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 810.

108

Page 99: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

pagar quantias superiores aos valores estabelecidos no artigo 496, § 3º, sejam

submetidas a reexame pelo Tribunal.

Ocorre que o novo Código se preocupou em afastar a incidência do reexame

necessário se a decisão proferida pelo magistrado estiver em consonância com os

provimentos vinculantes elencados no § 4º do artigo 496, como, por exemplo, súmulas

de Tribunais Superiores, acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo

Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, entendimento

firmado em incidentes de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de

competência, bem como na última hipótese, que compreende entendimento coincidente

com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público,

consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Chama a atenção justamente esse último inciso, o IV do § 4º do artigo 496, pois

parece, à primeira vista, que, se o juiz sentenciar considerando aplicável um

entendimento administrativo com força vinculante na Administração Pública, já

afastaria a incidência do reexame necessário. A doutrina ainda não se manifestou sobre

esse dispositivo, mas as discussões envolvendo o que se chama de “coisa julgada

administrativa” são antigas. Para Helly Lopes Meireles,188188

a denominada coisa julgada administrativa, que, na verdade, é apenas uma preclusão de efeitos internos, não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário.

Nesse mesmo sentido, Celso Bandeira de Melo:189189

Algumas vezes, com a expressão, muito criticada, ‘coisa julgada administrativa’ pretende-se referir a situação sucessiva a algum ato administrativo em decorrência do qual  Administração fica impedida não só de retratar-se dele na esfera administrativa, mas também de questioná-lo judicialmente. Vale dizer: a chamada ‘coisa julgada administrativa’ implica, para ela, a definitividade dos efeitos de uma decisão que haja tomado

188188 MEIRELES, Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, s.d., p. 625.189189 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, s. d., p. 421.

109

Page 100: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Dessa forma, convém assinalar que, diante das hipóteses elencadas nos §§ 3º e 4º

do artigo 496, afasta-se a incidência do reexame necessário e, no tocante ao inciso IV, é

imperioso entender que, se o magistrado mantiver na sentença entendimento

administrativo com força vinculante na própria Administração, não há que se falar em

remessa ex officio.

3.7 – Assunção de competência

O novo Código de Processo Civil disciplina, em seu artigo 947, a assunção de

competência, prevendo que, quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou

de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com

grande repercussão social, sem a repetição de múltiplos recursos, é possível criar um

incidente, encaminhando-o para o órgão colegiado do referido tribunal, de acordo com

previsão do Regimento Interno. Nesse passo, o acórdão desse julgamento vinculará

todos os juízes e órgão fracionários, exceto se houver revisão de tese (overruled).

Em verdade, esse dispositivo não é novidade, pois o artigo 555, § 1º, do Código

de Processo Civil de 1973 já trazia previsão semelhante, com o claro objetivo de

uniformizar o entendimento do Tribunal. No entanto, isso só era permitido quando do

julgamento de recursos, como apelação e agravo. Muitos doutrinadores defendiam que

esse instrumento deveria ser estendido para alcançar os processos de competência

originária dos tribunais, inclusive José Carlos Barbosa Moreira190190 e Candido Rangel

Dinamarco.191191

190190 Sobre o artigo 555, §1, do CPC/73, José Carlos Barbosa Moreira afirmava: “Sua colocação sugere que o incidente só terá cabimento quando se estiver julgando apelação ou agravo. Iguais razões, contudo, militam em favor da respectiva utilização no julgamento de outros recursos, ou de causa obrigatoriamente sujeita ao duplo grau de jurisdição. Não é apenas quando se julga apelação ou agravo que surge questão de direito relevante, a cujo respeito seja conveniente prevenir ou compor divergência entre órgãos fracionários de um mesmo tribunal” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 676).191191 Sobre o artigo 555, §1, do CPC/ 73, Candido Rangel Dinamarco ensina: “Ainda que assim tenha sido a deliberada intenção do legislador, a ela não está adstrito o intérprete, pois, como é elementar em uma boa hermenêutica, nem sempre a mens legislatoris é reveladora fiel da mens legis. Interprete-se o artigo 555, §1, segundo seus objetivos (interpretação teleológica) e inserido entre as demais técnicas contidas no Código de Processo Civil (interpretação sistemática) e ver-se-á que essa é uma regra de amplitude geral, pertinente a todos os recursos da competência dos tribunais locais e também às causas de competência originária” (DINAMARCO, Candido. A reforma da reforma. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 137).

110

Page 101: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Na lição de Rodolfo Hartmann,192192 a finalidade desse incidente é prevenir

eventuais discrepâncias nas decisões proferidas entre turmas e câmaras de um mesmo

tribunal. Desse modo, na presença dos requisitos elencados no caput do artigo 947, o

próprio relator, de ofício ou a requerimento das partes, o Ministério Público ou a

Defensoria Pública podem dar início a esse incidente, o qual, uma vez aceito, será

encaminhado ao órgão colegiado que tiver atribuição para apreciá-lo, em consonância

com o Regimento Interno vigente.

Destaca-se, contudo, que, com a exigência de que se trate de uma questão de

direito de relevância social, o instrumento recai em dificuldade, pois, em verdade, está-

se a lidar com um conceito jurídico indeterminado. Alguns autores tentam definir o que

é uma “questão de direito relevante”. Segundo a lição de Luciano Viveiros de

Castro:193193

Por relevante questão de direito, compreende-se a situação que envolva teses jurídicas com potencial de gerar o fenômeno da multiplicação de futuros recursos repetitivos, e, por tal razão, tornam oportuna e proveitosa a diligente manifestação do Tribunal sobre o assunto objeto de controvérsia.

Nesse mesmo sentido, Candido Rangel Dinamarco:194194

O vocábulo “questão” é empregado no texto da lei em seu puro significado carneluttiano, a designar toda dúvida surgida no espírito do juiz ou levada a ele pelas partes. Tem-se dúvidas quanto aos fatos, ou questões de fato, e dúvidas quanto à interpretação da lei ou à dimensão desta e sua pertinência ao caso, ou questões de direito. Como é arquinotório, Carnelutti conceituou questões como “pontos duvidosos de fato ou de direito”.

Essa mesma discussão já teve lugar quando se tratou da repercussão geral, e

parece que o sistema jurídico já evoluiu o suficiente para concluir o que de fato merece

atenção especial, por se refletir, diretamente, em uma parcela significativa da sociedade.

Verifica-se, por último, mais um esforço do diploma processual, na tentativa de conter o

número de demandas judiciais.

192192 HARTMANN, Rodolfo. Curso completo do novo Código de Processo Civil. 3 ed. Niterói: Ímpetus, 2016.193193 CASTRO, João Pedro Almeida Viveiros. “Análise do instituto da assunção de competência dentro dos escopos do novo Código de Processo Civil”, Revista da Emerj, Rio de Janeiro, v. 17, n. 64, pp. 74-115, jan.- abr. 2014.194194 DINAMARCO, 2002, p. 136.

111

Page 102: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

3.8 – Incidente de resolução de demandas repetitivas

Previsto no novo Código de Processo Civil em seus artigos 976 a 987, o

incidente, que não tem natureza jurídica recursal, pode ser instaurado sempre que se

estiver diante de processos que versem sobre idênticas questões de direito e que,

portanto, possam gerar conflitos ensejadores de grave insegurança nas relações jurídicas

e no que tange à isonomia.

O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente do tribunal pelo

juiz ou relator, por meio de ofício, ou pelas partes, pelo Ministério Público ou pela

Defensoria Pública, por meio de uma simples petição.

A desistência ou o abandono do incidente não impedem seu exame de mérito,

tampouco haverá cobrança de custas. Caberá ao Regimento Interno do respectivo

tribunal regular os detalhes quanto a aspectos procedimentais. O julgamento do

incidente caberá ao órgão indicado pelo Regimento Interno entre aqueles responsáveis

pela uniformização de jurisprudência do tribunal. A esse colegiado, incumbido de julgar

o incidente e de fixar a tese jurídica, haverá atribuição de julgamento do recurso,

remessa necessária ou causa de competência originária do local que deu origem ao

incidente.

Estão previstas amplas divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico

no Conselho Nacional de Justiça. A questão do prazo para o julgamento do incidente foi

prevista em até um ano, com prioridade sobre os demais feitos, à exceção daqueles que

contemplam réu preso e habeas corpus.

Ao admitir o incidente, o relator cuidará de suspender os processos individuais

ou coletivos que tramitam no estado ou na região, conforme for o caso, e ainda poderá

requisitar informações aos órgãos em cujo juízo tramitam processos em que se discute o

objeto do incidente. Esses órgãos devem atender à requisição no prazo de 15 (quinze)

dias, intimando-se o Ministério Público para, se quiser, manifestar-se em igual prazo.

O artigo 981 prevê a ordem do julgamento do incidente, indicando que o relator

fará a exposição do respectivo objeto e que podem sustentar suas razões,

sucessivamente: autor e réu do processo originário, e o Ministério Público, pelo prazo

de trinta minutos. Além disso, os demais interessados também podem fazê-lo, pelo

112

Page 103: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

prazo de trinta minutos, divididos entre todos, exigindo-se, contudo, a respectiva

inscrição, com a antecedência de dois dias.

A tese jurídica, julgado o incidente, será aplicada a todos os processos

individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na

área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive aqueles que tramitem nos juizados

especiais do respectivo estado ou região. A tese ainda é admitida em eventuais casos

futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de

competência do tribunal, salvo revisão, na forma do artigo 983 do projeto. Essa hipótese

de revisão é aquela que permite o reexame da tese jurídica, sendo realizada pelo próprio

Tribunal.

A não observância da tese adotada no incidente enseja a possibilidade de

interposição de reclamação, que pode ser proposta perante qualquer tribunal,

competindo seu julgamento ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar

ou autoridade que se pretenda garantir. Acrescente-se que, do julgamento do mérito do

incidente, caberá recurso extraordinário ou especial, obedecendo-se às respectivas

hipóteses de cabimento.

Inspirado no modelo adotado na Alemanha (Musterverfahren),195195 o incidente

já foi abordado em diversos enunciados. Há pelo menos nove enunciados do Fórum

Permanente de Processualistas Civis que cuidam do incidente de resolução de demandas

repetitivas. Uma das preocupações imediatas consistiu em esclarecer que, para a

instauração desse incidente, não há necessidade de existirem outros processos sobre a

mesma questão unicamente de direito, mas apenas o risco de quebra da isonomia e da

ofensa à segurança nas relações jurídicas.196196

195195 De modo sucinto, o Musterverfahren é constituído com a provocação de uma das partes na forma acima exposta; após, será feito o juízo de admissibilidade, com a necessidade de se cumprir o prazo assinalado em lei (quatro meses) e de haver dez pedidos que solicitem a prestação da atividade jurisdicional, por meio da aplicação da causa-piloto quanto ao elemento repetitivo. Se for positivo, publica-se a formação do incidente e ocorre a suspensão dos processos individuais. Por conseguinte, realiza-se a escolha do representante para as partes, a fim de que se proceda ao julgamento do mérito do procedimento-modelo. A decisão, então, terá efeito vinculante, retomando-se o julgamento das demandas individuais. (“O contraditório (ou sua ausência) no Musterverfahren brasileiro”, Caroline Gaudio Rezende, Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, v. XIII).

196196 Enunciado n. 87 do FPPC: “A instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas, preponderantemente, o risco de quebra da isonomia e de ofensa à segurança jurídica”.

113

Page 104: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

A lei não prevê quais matérias podem ser objeto do incidente. Nesse mesmo

diapasão, tem-se o Enunciado 88.197197 Nada impede, porém, que, em determinado

momento, haja mais de um incidente proposto no mesmo tribunal sobre a mesma

questão. Refletindo sobre a questão, tem-se mais um enunciado que aponta para a

solução: a necessidade de apensá-los e processá-los em conjunto. Também aqueles que

forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão devem ser apensados e

sobrestados, devendo, contudo, o órgão julgador levar em consideração seus

fundamentos.198198

Caso a controvérsia aconteça em juízos de segundo grau distintos, nada impedirá

a propositura de mais de um incidente versando sobre idêntica matéria. O Fórum

Permanente de Processualistas Civis também disciplinou, por meio de outros

enunciados, que caberá ao órgão colegiado, indicado no respectivo Regimento Interno,

o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas, ficando

vedada a decisão monocrática.199199

Com relação à suspensão de recursos, o Fórum Permanente de Processualistas

Civis esclarece que decorre da admissão do Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas, não guardando, portanto, relação com a tutela de urgência. Nada impede

que a parte ofereça recurso especial ou extraordinário, dependendo do caso concreto

envolvido na decisão.

Da mesma forma, há preocupação com a incidência do incidente de resolução de

demandas repetitivas nos juizados especiais, permitida com a elucidação em um dos

enunciados do Enafam, como o que permite que seja suscitada nos processos em curso

nos juizados especiais.200200

197197 Enunciado n. 88 do FPPC: “Não existe limitação de matérias de direito passíveis de gerar a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas e, por isso, não é admissível qualquer interpretação que, por tal fundamento, restrinja seu cabimento”.198198 Enunciado n. 89 do FPPC: “Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal, todos deverão ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados, cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas”.199199 Enunciado n. 91 do FPPC: “Cabe ao órgão colegiado realizar o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas, sendo vedada a decisão monocrática”.

200200 Enunciado n. 44 do Enafam: “Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que deverá ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema”.

114

Page 105: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Registre-se que, admitido o incidente, os processos que apresentem o mesmo

objeto e estejam tramitando nos juizados especiais também devem ser suspensos,

consignando-se que, se os objetivos consistem na consolidação do entendimento e na

uniformização da jurisprudência, outro não poderia ser o entendimento; do contrário,

correr-se-ia o risco de uma decisão em incidente de resolução de demandas repetitivas

não ser aplicada em sede de juizado.

A atenção à entrada em vigor do novo Código, indubitavelmente, deve voltar-se

para esse instrumento, até então inexistente no Brasil. Assim, será necessário

acompanhar o tratamento a ele conferido nos tribunais, a começar pela reformulação de

seus respectivos regimentos internos, com vistas à sua inclusão e à observância do

sistema, que deve ser criado para expor, de forma clara e eficaz, as teses jurídicas

firmadas, visando à ampla utilização pela comunidade jurídica.

3. 9 – Recursos repetitivos no Novo Código de Processo Civil

Os recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça surgiram com a Lei n.

11.672/2008, que acrescentou a alínea “c” ao art. 543 do diploma processual civil de

1973.201201 Também encontravam previsão na Resolução n. 08 do respectivo Tribunal

Superior. 201201 Art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973: “Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.§1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.§2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.§3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.§4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.§5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no §4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.§6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.§7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.§8o Na hipótese prevista no inciso II do §7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

115

Page 106: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Tal medida foi adotada no sentido de permitir a aplicação da mesma tese jurídica

nas situações jurídicas idênticas, contribuindo, visivelmente, para a previsibilidade das

decisões e, portanto, para a segurança nas relações jurídicas – pelo menos esse deve ser

o entendimento mais adequado para a multiplicação de processos. Um recurso é eleito

como representativo e, com isso, todos os outros recursos em trâmite nos Tribunais

Regionais Federais e nos Tribunais de Justiça que versem sobre aquela questão restarão

suspensos, aguardando decisão da Corte Superior, a qual, então, será aplicada a todos.

A princípio, não merece prosperar ad eternum um recurso se estiver diante de

uma questão já pacificada. Apesar de não determinar efeito vinculante, como ocorre nas

súmulas do Supremo Tribunal Federal, essa lei tem funcionado de forma muito eficaz e

contribuído significativamente para a redução do número de processos.

Salientam-se, neste ponto, alguns aspectos procedimentais que envolvem essa

lei. Em primeiro lugar, destacamos a questão do tribunal de origem, que, ao verificar a

existência da controvérsia, deve escolher um recurso e encaminhá-lo ao Superior

Tribunal de Justiça. No entanto, qual critério deve nortear essa escolha?

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro passou a tratar a matéria na Resolução n.

03/2009, porém não apontou, por exemplo, se os demais litigantes terão acesso ao

processo escolhido como parâmetro.

Quando a escolha é feita pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, a questão se

torna ainda mais emblemática, pois determina-se a suspensão dos processos quando, na

controvérsia, já existe jurisprudência dominante, sem haver, efetivamente, uma seleção

dentre os recursos oferecidos. Acrescente-se que a lei não faz menção à possibilidade de

recurso diante da decisão que determina a suspensão dos processos, o que gera críticas

quanto a seu conteúdo.202202

Ressalte-se ainda a presença possível, ainda que incomum, do amicus curiae,

anteriormente prevista no § 4º do art. 543-C do CPC/73, o qual, por sua vez, também

tornou obrigatória a presença do Ministério Público.

§9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.”202202 RIBEIRO, Cristiana Hamdar. “A lei dos recursos repetitivos e os princípios do direito processual civil brasileiro”. Disponível em http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-eletronica-de-direito-processual/volume-v.

116

Page 107: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

A própria lei deixou a cargo dos tribunais de segunda instância, no âmbito de sua

competência, e do próprio Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de estabelecer,

mediante resolução, os procedimentos relativos ao processo e ao julgamento do recurso

especial nos casos que envolvem recursos repetitivos.

Recentemente, com o advento da Lei n. 13.015, de 21 de julho de 2014, que

entrou em vigor em setembro de 2015, repetiu-se praticamente a sistemática dos

recursos repetitivos agora na Justiça do Trabalho com o previsto no artigo 896-C da

Consolidação das leis do Trabalho.

Registre-se a previsão que impõe, sob pena de não conhecimento do recurso de

revista, a necessidade de se indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a

dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do

Trabalho que conflite com a decisão regional, exigindo mais atenção por parte dos

operadores do direito para sua correta indicação.

Apesar de as orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho não

terem força vinculante explícita, servem como parâmetro para as decisões em primeira

instância, em prol dos princípios da economia processual e da razoável duração do

processo repetindo a lógica presente nos recursos repetitivos junto ao Superior Tribunal

de Justiça.

Mais uma vez, busca-se reforçar a ideia presente na moderna sistemática

processual quanto à necessária diminuição do número de demandas, com a criação de

diversos instrumentos. Nesse sentido, os recursos repetitivos foram mantidos no Novo

Código de Processo Civil.

Após a Emenda Constitucional n. 45, foi promulgado o “Pacto de Estado por um

Judiciário mais Rápido e Republicano”, tendo, entre suas prioridades, a redução do

número de processos nos tribunais superiores. Nesse sentido, posteriormente foi

delineada, como já assinalado, a ideia dos recursos repetitivos como mecanismos que

contribuiriam para a redução do número de processos, sobretudo nesses tribunais.

Assim, conforme previsão contida nos artigos. 1.036 e seguintes do Código de

Processo Civil vigente, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários

ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para

julgamento, de acordo com as disposições contidas no próprio código, observando-se o

117

Page 108: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal

de Justiça. Permite-se, então, que sejam escolhidos, pelo presidente ou vice-presidente

do tribunal local ou do Tribunal Regional Federal, e também pelo próprio relator, como

bem aponta o parágrafo 5º do artigo 1.036, dois ou mais recursos representativos da

controvérsia, os quais serão encaminhados aos respectivos tribunais para análise,

decretando-se a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos,

que tramitem na região ou no estado. Nesse sentido, Talamini203203 nos recorda:

Trata-se daquilo que Barbosa Moreira, referindo-se às normas aplicáveis ao Supremo Tribunal Federal, apropriadamente chamou de julgamento do recurso “por amostragem”, expressão agora aplicável também ao Superior Tribunal de Justiça. Quando a mesma questão de direito for reiterada em uma grande quantidade de recursos, seleciona-se um deles, ou um pequeno conjunto, que retrate adequadamente a controvérsia. Este recurso “amostra”, ou o conjunto deles, será decidido primeiramente pelo STJ – e o que decidir quanto a ele (decisão-quadro), em regra, poderá ser aplicado aos demais, que até então permanecerão sobrestados. Note-se que não é necessário que os vários recursos sejam todos no mesmo sentido e contra decisões que tenham adotado uma mesma e única orientação. O fundamental é que todos versem sobre a mesma questão. Podem existir recursos em sentidos opostos, contra decisões antagônicas entre si, mas todos versando sobre idêntica questão de direito. Todos deverão ser reunidos no mesmo procedimento de julgamento por amostragem.

Em primeiro lugar, cumpre destacar que inexistem critérios de ordem objetiva

para a escolha dos recursos que servirão de paradigma e serão efetivamente analisados

pelos tribunais superiores. Acredita-se que o correto seria a imposição, por parte do

legislador, de algum balizador para a eleição desses recursos.

Em seguida, destacam-se o papel do relator e a percepção, que o legislador teceu

a minúcias, sobre suas atribuições, conforme destaca o artigo seguinte. Finalmente, uma

questão muito importante é a possibilidade do distinguish pela parte prejudicada, caso

entenda que seu caso não é semelhante aos demais. Assim, portanto, o processo não

poderia restar sobrestado, sendo, assim, solicitado o prosseguimento do feito. Da

decisão que resolver esse requerimento, caberá agravo de instrumento se o processo

203203 TALAMINI, Eduardo. Julgamento de recursos no STJ por amostragem. Disponível em www.migalhas.com.br. Acesso em 17 abr. 2016.

118

Page 109: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

estiver em primeiro grau, ou agravo interno, se for decisão de relator em órgão

colegiado.204204

Após a manifestação do Ministério Público, tem-se aqui oportunidade para a

manifestação de pessoas, órgãos ou entidades que expressem seu interesse na

controvérsia. É a figura do amicus curiae. Salienta-se que o Superior Tribunal de

Justiça205205 continua entendendo que o pedido de intervenção, nessa qualidade, deve

ser realizado antes do início do julgamento pelo órgão colegiado.

Humberto Dalla Bernardina de Pinho206206 assinala que, após a fase de

manifestação do Ministério Público e demais interessados, o recurso será incluído em

pauta, com preferência sobre os demais, exceto habeas corpus e processos que

envolvam réu preso, e que o conteúdo do acórdão deverá abranger a análise dos

fundamentos relevantes da tese jurídica discutida.

Trata-se também de uma oportunidade para a realização do overruling,

provocando, dessa forma. a instância superior para que leve em consideração a

superveniência de circunstâncias que, necessariamente, conduzam à alteração de

entendimento firmado no recurso-paradigma, como, por exemplo, mudanças no

contexto fático, de natureza ideológica ou até mesmo inovações tecnológicas que

venham a repercutir diretamente no caso.207207 Quanto à possibilidade de se realizar o

overruling, trazemos a posição de Fredie Didier Junior:208208

A demonstração de que há um distinguish ou um overruling deve ser feita perante tribunal superior, e não perante o tribunal local. Parece mais adequado que se admita uma reclamação constitucional ao tribunal superior para que determine ao tribunal local que não mantenha o recurso sobrestado, por não versar sobre o mesmo assunto do recurso escolhido para julgamento por amostragem ou por não se aplicar mais o precedente, em razão de um novo contexto fático ou normativo

O próprio Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento de uma

questão de ordem em agravo de instrumento, reconheceu os riscos da imutabilidade das

204204 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Curso de Processo Civil contemporâneo. 3 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2016.205205 Recurso Especial n. 1.152.218-RS. Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 7 de maio de 2014. Informativo STJ n. 540.206206 PINHO, op. cit.207207 Ibidem.208208 DIDIER JR. Freddie e CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação a decisões judiciais e processo nos tribunais. 9 ed. Bahia: JusPodivm, 2011, v. 3.

119

Page 110: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

decisões, caso as portas dos tribunais superiores não estivessem abertas para eventual

rediscussão. Felizmente, esses posicionamentos reforçam a ideia de que os recursos

repetitivos concebidos como medida de contenção da avalanche de recursos junto aos

tribunais superiores não encerram a possibilidade da distinção e das modificações

necessárias decorrentes da evolução da sociedade e do próprio Direito.

3.10 – Papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos provimentos judiciais

vinculantes

A Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2001, também conhecida

como Reforma do Poder Judiciário, criou o Conselho Nacional de Justiça – instituição

pública que visa aperfeiçoar o sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz

respeito ao controle e à transparência no âmbito administrativo e processual,

contribuindo, dessa forma, para uma prestação jurisdicional eficaz e efetiva, atendendo

à moralidade em benefício da sociedade brasileira.209209

O CNJ atua diretamente nas questões que envolvem a criação de políticas

judiciárias, atendimento e serviço aos cidadãos. Também tem atuação direta na gestão

judiciária e na elaboração de relatórios semestrais, a fim de garantir que os tribunais

atuem de forma eficaz, célebre e dentro dos padrões da moralidade. Sua esfera de

atuação inclui, ainda, processos administrativos disciplinares. Além disso, o CNJ

desenvolve programas nas mais diversas áreas, abrangendo meio ambiente, direitos

humanos e tecnologia.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça realizou extensa pesquisa

intitulada “A força normativa do direito judicial: uma análise da aplicação prática do

precedente no direito brasileiro e de seus desafios para a legitimação da autoridade do

Poder Judiciário”. A pesquisa, que reúne dados coletivos entre os meses de novembro

de 2013 e fevereiro de 2014, portanto sob a vigência do Código de Processo Civil de

1973, teve por objetivo revelar a compreensão que o Poder Judiciário tem sobre o

direito jurisprudencial e o precedente judicial.

Procurou-se, especificamente, compreender os motivos pelos quais os juízes se

desviam da aplicação dos precedentes, principalmente por meio do distinguishing, a

209209 Disponível em http://www.cnj.jus.br/sobre-o-cnj/quem-somos-visitas-e-contatos. Acesso em 24 abr. 2016.

120

Page 111: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

maneira como são utilizados os mecanismos que garantem essa aplicação, as

dificuldades que têm representado para a correta individualização do Direito e para a

contribuição da racionalidade, a coerência do sistema jurídico e, por fim, a contribuição

dos mecanismos previstos no então projeto do Código de Processo Civil, hoje Lei n.

13.105/15, para a aplicação dos precedentes nos tribunais brasileiros.210210

Em suma, a pesquisa mostra que, à época em que foi desenvolvida, o Poder

Judiciário era severamente criticado pela aplicação um tanto quanto simplista das

súmulas no momento do julgamento. No entanto, com a entrada em vigor do novo

Código de Processo Civil, tal questão se mostra superada, uma vez que o artigo 499 da

Lei n. 13.105/15 exige que o magistrado fundamente adequadamente sua decisão, seja

pela aplicação dos precedentes, seja por seu afastamento, com a correta aplicação da

técnica do distinguishing, sob pena de nulidade.

Outro ponto levantado foi a obrigatoriedade de se preencherem os requisitos

para a promulgação das súmulas vinculantes, como, por exemplo, a necessidade de

existirem reiteradas decisões, pois, com frequência, a falta de observância aproxima a

súmula de critérios de conveniência e oportunidade, o que, de certa forma, torna-a

perigosamente próxima de um discurso legislativo.211211 Consiste em preocupação real

a elaboração de súmulas fundadas em conceitos indeterminados, valorativos e

interpretativos que “vão além da regra judicial fundamentada na jurisprudência”.

Revelou-se ainda a preocupação com alguns dispositivos do Código de Processo

Civil de 1973, como o § 1º do artigo 518,212212 que permitia que o recurso de apelação

não fosse recebido pelo magistrado na hipótese de a decisão estar alinhada às súmulas

dos tribunais superiores.

O novo Código de Processo Civil acabou por ampliar esses poderes, ao retirar o

juízo de admissibilidade na apelação do juiz de primeiro grau, o qual, conforme prevê a

nova redação, deverá tão somente encaminhar o recurso ao tribunal, após o prazo das

contrarrazões recursais. O tribunal, por sua vez, por intermédio do desembargador-

210210 “A força normativa do direito judicial: uma análise da aplicação prática do precedente no direito brasileiro e dos seus desafios para a legitimação da autoridade do Poder Judiciário disponível”, p. 10. Disponível em http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/881d8582d1e287566dd9f0d00ef8b218.pdf.211211 Ibidem, p. 142.212212 Artigo 518, parágrafo 1º, CPC/73: “Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder”.

121

Page 112: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

relator, negará provimento ao recurso, conforme previsto no artigo 932, IV, ou lhe dará

provimento se estiverem presentes as condições elencadas no inciso seguinte. Tomando

por base essa pesquisa, é possível perceber que a preocupação dos jurisdicionados

seguirá, exigindo-se, dessa forma, mais cuidado dos tribunais quando de sua aplicação.

Relatou-se um problema quanto às reclamações constitucionais dirigidas ao

Supremo Tribunal Federal, por força das disposições alinhadas no artigo 102, I, alínea

“L”, da CRFB,213213 entendendo-se que os próprios ministros encontram dificuldade

em concordar sobre quais elementos de suas próprias decisões vinculariam os futuros

casos. A pesquisa em comento ressaltou que tal dificuldade se dá porque se adota o

modelo de decisão conhecido como seriatim, ou seja, aqueles que se caracteriza pela

multiplicidade de votos, mesmo quando há consonância entre as partes sobre a decisão a

ser tomada.

A pesquisa demonstrou ainda que a ratio decidendi encontrava-se na

fundamentação das decisões, e não no dispositivo, sugerindo que o ideal seria que os

ministros adotassem a regra, após a leitura de seus votos, de indicar os pontos de

consenso ou as regras que serviriam como parâmetro para as futuras decisões.214214 Por

derradeiro, também apontou a falta de responsividade e a ausência de plena motivação

como problemas relevantes tanto no momento da criação do precedente quanto na hora

de sua aplicação pelos tribunais.

Espera-se que o novo Código de Processo Civil resolva a questão que diz

respeito à detalhada fundamentação das decisões judiciais, prevista no art. 489, §1º, em

especial nos incisos IV e V, os quais exigem que, para que a decisão seja tida como

fundamentada, não se limite a indicar os precedentes ou enunciados de súmulas,

identificando também seus fundamentos e demonstrando que o caso se ajusta à hipótese

em apreço (ou se a decisão deixar de seguir os provimentos vinculantes, que demonstre

adequadamente o distinguish ou indique sua superação overruling).

213213 CRFB, art. 102, I, L: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: l) a reclamação, para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”.214214 “A força normativa do direito judicial: uma análise da aplicação prática do precedente no direito brasileiro e dos seus desafios para a legitimação da autoridade do Poder Judiciário”, p. 146.

122

Page 113: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

CAPÍTULO 4

PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES

E SUA COMPATIBILIZAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

123

Page 114: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Os princípios215215 têm, em regra, quatro funções básicas previamente definidas:

inspiração para o legislador, contribuição interpretativa, suprimento de lacunas e

sistematização do ordenamento, contribuindo para lhe conferir sentido harmônico.216216

O papel dos princípios é fundamental no Estado Democrático Constitucional e

imprescindível para garantir a existência fecunda do processualismo constitucional

contemporâneo, burilado a partir da observância dos princípios processuais

constitucionais, como isonomia, acesso à justiça, devido processo legal, contraditório e

ampla defesa, juiz natural, motivação das decisões judiciais, entre outros. Nesse sentido,

leciona Candido Rangel Dinamarco:217217

A Constituição formula princípios, oferece garantias e impõe exigências em relação ao sistema processual com um único objetivo final, que se pode qualificar como uma garantia-síntese e é o acesso à justiça, mediante a concessão em “tempo razoável”, de uma decisão de mérito justa e efetiva. Mediante este conjunto de disposições, a Constituição Federal quer afeiçoar o processo a si mesma, de modo que ele reflita, em menor escala, o que, em escala maior, está na base do próprio Estado de Direito (legalidade, devido processo legal, participação em contraditório). Ela quer um processo pluralista, de acesso universal, participativo, isonômico, liberal, transparente, conduzido com impessoalidade por agentes previamente definitivos e observância das regras, sem excessos etc. – porque assim ela mesma exige que seja o próprio Estado e assim é o modelo político da democracia.

O novo Código de Processo Civil preocupou-se em reproduzir, logo na parte

geral, os princípios constitucionais, reforçando a ideia de que todos os envolvidos nas

demandas judiciais devem observá-los, na medida de suas respectivas atuações.

Após abordar os provimentos judiciais vinculantes como súmulas vinculantes ou

não, os enunciados dos Tribunais, as teses jurídicas firmadas em incidentes de resolução

de demandas repetitivas, em assunção de competência e em recursos repetitivos, é

imperioso analisar se eles se compatibilizam ou não com os princípios constitucionais.

215215 “Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sob diferentes formas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico” (MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 573).216216 SCHIAVI, Mauro. “O novo Código de Processo Civil e o princípio da duração razoável do processo”. Disponível em http://www.trt7.jus.br/escolajudicial/arquivos/files/busca/2015/NOVO_CPC_E_O_PRINCIPIO_DA_DURACAO_RAZOAVEL_DO_PROCESSO_-_Mauro.pdf. Acesso em 17 jun. 2016.217217 DINAMARCO, Candido Rangel et al. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 54.

124

Page 115: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Para tanto, faz-se necessário entender, em primeiro lugar, o significado de cada um,

além da extensão e das regras de interpretação de aplicabilidade, para, só então, partir

para o exame, relacionando-os com o sistema de provimentos judiciais vinculantes.

Entre os princípios existentes, foram escolhidos o acesso à justiça, ou

inafastabilidade do controle do Poder Judiciário, a isonomia, ou igualdade das partes, o

contraditório e a ampla defesa, a independência dos magistrados e a duração razoável do

processo.

Passa-se à análise dos provimentos judiciais vinculantes e de sua

compatibilização com os princípios constitucionais vigentes.

4.1 – Princípio de acesso à justiça e atendimento à celeridade e efetividade do

processo

Inicialmente, examina-se o princípio de acesso à justiça ou da inafastabilidade

de controle do Poder Judiciário, previsto no artigo 5º, XXXV, da CRFB.218218

O princípio em questão garante que as partes tenham acesso ao Poder Judiciário

e impõe, por outro lado, que o Estado exerça sua atividade jurisdicional. Para que,

efetivamente, se possa dizer que o princípio de acesso à justiça foi atendido, torna-se

imperioso verificar a coexistência de outros fatores: celeridade e efetividade na

prestação jurisdicional. Como se pode afirmar que o acesso à justiça está garantido se o

deslinde da questão imposta somente ocorre por meio de uma sentença prolatada dez

anos depois do ajuizamento? Resta evidente que tal circunstância não mais se coaduna

com o que se espera do Poder Judiciário, o qual deve, sim, atender satisfatoriamente a

entrega da prestação jurisdicional de forma célere e efetiva.

É preciso, pois, ressaltar a importância do trabalho do Conselho Nacional de

Justiça ao estabelecer e exigir o cumprimento de metas, de modo que os processos não

perdurem por tanto tempo. Nesse mesmo sentido, a lição de Humberto Dalla Bernardina

de Pinho.219219

218218 Artigo 5º, XXXV, CRFB – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

219219 PINHO, op. cit., p. 102

125

Page 116: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Não se trata, portanto, de mera garantia de acesso ao juízo (direito à ação), mas de própria tutela (proteção) jurisdicional (adequada, tempestiva e, principalmente, efetiva) a quem tiver razão. Ou seja, significa o próprio acesso à justiça. Frise-se, no entanto, que esse direito à prestação jurisdicional não é incondicional e genérico, sujeitando-se a condições da legislação processual e do direito substantivo.

O princípio do acesso à justiça, portanto, merece cuidadosa leitura na atualidade,

pois não há como confundi-lo com a simples possibilidade de ingressar com demandas

no Judiciário, mas de alcançar uma resposta rápida e efetiva. Cabe ressaltar que o atual

sistema, como já abordado no segundo capítulo, acaba por alimentar o que se conhece

por demandismo, afastando a incidência efetiva de utilização dos meios de

autocomposição e heterocomposição de conflitos. Ada Pellegrini Grinover220220

destaca:

O elevado grau de litigiosidade, próprio da sociedade moderna, e os esforços rumo à universalidade da jurisdição (um número cada vez maior de pessoas e uma tipologia cada vez mais ampla de causas que acedem ao Judiciário) constituem elementos que acarretam a excessiva sobrecarga de juízes e tribunais. E a solução não consiste exclusivamente no aumento de magistrados, pois, quanto mais fácil for o acesso à justiça, quanto mais ampla a universalidade da jurisdição, maior será o número de processos, formando uma verdadeira bola de neve.

Assim, o novo diploma processual civil preocupou-se em reforçar o princípio

constitucional ao tratar das normas gerais precisamente no artigo 3º.221221 No entanto,

de nada adianta reforçar a existência do princípio do acesso à justiça enquanto não for

possível incutir no jurisdicionado a noção de uso com responsabilidade. Deve-se, sim,

usar o aparato judicial no âmbito civil, diante de uma lesão ou ameaça a direito, mas

depois de tentar solucionar o litígio por meio de outros mecanismos.

A busca pela solução do conflito através de acordo entre as partes é possível e

foi estimulada com o novo Código de Processo Civil. Esse mesmo diploma cuidou até

mesmo de permitir, especificamente no artigo 190,222222 o que se conhece por negócios

processuais, ou seja, em se tratando de processos que admitam autocomposição,

220220 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Os fundamentos da justiça conciliativa”, Revista de Arbitragem e Conciliação, n. 14, jul-set. 2007, pp. 17-18.221221 Artigo 3º do CPC/15 – “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. §1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. §2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. §3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

126

Page 117: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

permite-se que as partes plenamente capazes estipulem mudanças no procedimento a

fim de ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre seu ônus, poderes,

faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Insta salientar que a própria lei impõe limites a essas convenções. Caberá ao

magistrado (inclusive de ofício) recusar a aplicação do convencionado pelas partes se

estiver diante de nulidade, de inserção de cláusula abusiva em contrato de adesão ou até

mesmo em casos nos quais uma das partes esteja em evidente circunstância de

vulnerabilidade.

Aqui, abrem-se parênteses para destacar que a nova lei permitiu, diante de mera

interpretação literal, a inserção de cláusula de convenção processual nos contratos de

adesão. Assim, acredita-se que, muito em breve, tão logo as grandes empresas façam

uso dessa cláusula em seus contratos, os futuros litígios decorrentes desses contratos se

transformarão em incontáveis processos judiciais.

Tal iniciativa é excelente, mas questiona-se, de início, a pouca aplicação: se no

Brasil as partes não conseguem reunir-se para discutir o direito material em questão,

quanto mais fazê-lo em questões afetas ao procedimento. Por outro lado, acredita-se que

esse cenário mudará tão logo os envolvidos descubram que, ao recorrerem a esse

dispositivo, poderão alcançar resultados com mais rapidez. Talvez esse seja o grande

chamariz para a aplicação dos negócios processuais e também da chamada

calendarização prevista no artigo seguinte, de número 191,223223 do CPC, que exige a

presença do juiz para que, junto com as partes, o calendário possa ser fixado.

222222 Artigo 190 do CPC – “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”.

223223 Artigo 191 do CPC – “De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso. § 1o O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. § 2o Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário”.

127

Page 118: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Mauro Cappelletti afirma que é preciso reconhecer os três obstáculos essenciais

que o princípio do acesso à justiça enfrenta na atualidade: obstáculo econômico,

geográfico e burocrático.224224

O primeiro – obstáculo econômico – direciona-se aos custos da justiça, que

abrangem honorários advocatícios, honorários de peritos e demais custas e taxas

judiciárias. A parcela da população brasileira economicamente hipossuficiente dispõe da

garantia da assistência judiciária gratuita, por meio da Defensoria Pública, que, contudo,

conta com inúmeras dificuldades para atender adequadamente a uma parcela da

sociedade que só faz aumentar a cada ano em todo o Brasil.

O segundo obstáculo diz respeito às barreiras geográficas, levando-se em conta

que o Brasil é um país de dimensões continentais, razão pela qual boa parte da

população acaba fisicamente distante das capitais. Assim, ainda que existiam comarcas

do interior, não há um número suficiente para atender a todos.

O terceiro e último obstáculo é a burocratização do sistema. Leonardo

Greco225225 aponta que o desemparelhamento da máquina judiciária, a má remuneração,

a falta de formação técnico-profissional dos serventuários e a inadequação da estrutura

judiciária para enfrentar o excessivo número de demandas são os principais motivos que

corroboram para tornar “vantajosa a posição do devedor, a litigância de má-fé, a

inadimplência, a prática de atos procrastinatórios, especialmente pelas pessoas jurídicas

de Direito Público, a produção de provas inúteis e a contestação de direitos

incontestáveis, sobrecarregando a justiça e dificultando e retardando o acesso do

cidadão ao pleno gozo individual de seus direitos”.226226

Assim, nesse cenário, os provimentos judiciais vinculantes desempenham papel

significativo, pois corroboram, a princípio, o fiel cumprimento do princípio do acesso à

justiça. A ideia é que auxiliem a diminuição de custos, tempo e esforços das partes com

demandas intermináveis e desnecessárias quando, de antemão, logo na primeira

instância, o jurisdicionado pode alcançar uma resposta do Poder Judiciário, em

consonância com o entendimento das Cortes hierarquicamente superiores, evitando-se,

dessa forma, recursos inúteis.

224224 CAPPELLETTI, Mauro apud GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 5 ed. São Paulo, Gen, 2016, p. 15.225225 GRECO, Leonardo, op. cit., p. 16.226226 Idem, p. 17.

128

Page 119: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni227227 defende que a adoção desse

sistema auxilia na redução de despesas, de tempo e também de todos os transtornos que,

notoriamente, são comuns em litígios. Dessa forma, pouparíamos à parte que tem um

direito respaldado em um precedente das Cortes Superiores a interposição de um

recurso para ter, de forma objetiva, seu direito tutelado. Marinoni também defende que

obrigar a parte a litigar desnecessariamente viola o direito fundamental à tutela

jurisdicional e também o da razoável duração do processo.228228 Isso sem contar que o

uso de provimentos judiciais vinculantes funciona como um verdadeiro desestímulo à

litigância. Não se pode confundir acesso à justiça com o desenfreado estímulo à

litigância. A esse respeito, Marinoni assinala que

não há dúvida que a preocupação com a questão do acesso à justiça não deve levar ao estímulo à litigância. Descabe confundir acesso à justiça com facilidade de litigar. A propositura de uma ação tem profundas implicações de ordem pessoal e econômica, devendo constituir uma opção feita a partir de um processo de reflexão em que sejam considerados, de modo racional, os prós e os contras que podem advir da instauração do processo judicial.

O sistema de provimentos judiciais vinculantes acaba por dissuadir a parte a

propor demandas quando, de antemão, ela conhece a posição do tribunal sobre o tema e,

portanto, reconhece como infrutífera qualquer tentativa de alcançar um resultado

diverso que lhe possa ser favorável.229229 Marinoni230230 consigna que uma situação

desse tipo acaba por gerar uma verdadeira “loteria”, ou seja, o Poder Judiciário acabaria 227227 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3 ed. São Paulo, RT, 2013, pp. 209-210.228228 “As economias de custo associado a um sistema de stare decisis ultrapassam as despesas decorrentes do litígio. Maior segurança não só desencoraja os litígios, mas também permite um planejamento mais eficiente com base nos precedentes. Novamente, comparem-se os efeitos do atual sistema stare decisis, que estabelece alguns obstáculos à autorreversão da Suprema Corte a um regime de maior liberdade discricionária. O sistema atual reduz o grau de agitação do corpo de precedente da Corte, permitindo, assim, que os ramos políticos e o povo mais eficientemente planejem com base nas regras conhecidas. Um sistema mais discricionário, em comparação, faria o planejamento e os recursos mais onerosos e menos eficientes” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3 ed. São Paulo, RT, 2015, p. 177).

229229 “Um sistema que melhora a estabilidade do corpo de precedentes da Corte desencoraja os gastos com litígios que visam perturbá-lo. Por outro lado, um regime mais altamente discricionário sinalizaria uma maior receptividade à argumentação dirigida à revogação do precedente, incentivando assim o aumento de despesas voltadas à revogação das decisões anteriores. Mais fundamentalmente, as regras do stare decisis aumentam o nível de estabilidade e certeza no direito, diminuindo, assim, o incentivo à litigiosidade em todos os níveis do sistema judicial. A ideia de que a incerteza estimula a ação judicial não é exatamente nova. A visão apresentada aqui é simplesmente que uma regra de stare decisis aumenta a segurança e, portanto, reduz o incentivo à litigiosidade” (LEE, Thomas R. apud MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p. 179).230230 Idem, pp. 179-180.

129

Page 120: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

sendo visto como uma casa lotérica, na qual a parte tentaria a sorte, o êxito na demanda.

No entanto, isso implica elevados gastos para a máquina estatal, que, diante da ausência

de uma solução jurisdicional para a questão, vê-se diante de inúmeras demandas que

questionam o mesmo pedido, o que, consequentemente, torna a justiça lenta e

“destituída de conferir adequada atenção aos conflitos”.

Além disso, pode-se afirmar que esse sistema favorece o estabelecimento de

acordos entre as partes, uma vez que elas conhecem a posição a ser tomada pelo

tribunal, o que, portanto, as ajuda a flexibilizar e tratar com bastante racionalidade uma

proposta de acordo. Essa possibilidade reduz, de forma significativa, o número de

demandas, contribuindo para a racionalização do Poder Judiciário.

4.2 – Princípio da isonomia

Insculpido no caput do artigo 5º da CRFB, o princípio da isonomia,231231

também denominado igualdade das partes, pretende “restabelecer o equilíbrio entre as

partes e possibilitar a sua livre e efetiva participação no processo, como corolário do

devido processo legal”.232232 Além dessa previsão constitucional, o princípio também

encontra assento no Código de Processo Civil de 2015, precisamente no artigo 7º. Uma

leitura mais cuidadosa do alcance desse princípio permite afirmar que é preciso garantir

às partes, no curso da instrução processual, paridade de armas, permitindo-se, inclusive,

231231 “Destinado a ser um microcosmo em relação ao Estado democrático, o processo civil moderno rege-se pelos grandes pilares da democracia, entre os quais destaca-se a igualdade como valor de primeira grandeza. O princípio isonômico, ditado pela Constituição em termos de ampla generalidade (artigo 5º, caput, c/c artigo 3º, IV), quando penetra no mundo do processo, assume a conotação de princípio da igualdade das partes. Da efetividade deste, são encarregados o legislador e o juiz, aos quais cabe a dúplice responsabilidade de não criar desigualdades e de neutralizar as que porventura existam. Tal é o significado da fórmula tratar com igualdade os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das desigualdades. A leitura adequada dos artigos 7º e 139, I, do CPC mostra que este inclui entre os deveres primários do juiz a prática e a preservação da igualdade entre as partes, ou seja: não basta agir com isonomia em relação a todas as partes, é também indispensável neutralizar as desigualdades. Essas desigualdades que o juiz e o legislador do processo devem compensar com medidas adequadas são resultantes de fatores externos ao processo – fraquezas de toda a ordem, como pobreza, desinformação, carências culturais e piscossociais em geral. Neutralizar desigualdades significa promover a igualdade substancial, que nem sempre coincide com uma formal igualdade de tratamento, porque esta pode ser, quando ocorrentes essas fraquezas, fonte de terríveis desigualdades. A tarefa de preservar a isonomia consiste, portanto, nesse tratamento formalmente desigual que substancialmente iguala” (DINAMARCO e CARRILHO, op. cit., p. 59).232232 PINHO, op. cit., p. 94.

130

Page 121: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

que o magistrado adote medidas e providências específicas para assegurar o respectivo

atendimento. Para Leonardo Greco,233233

as partes devem ser tratadas com igualdade, de tal modo que desfrutem concretamente das mesmas oportunidades de sucesso final, em face das circunstâncias da causa. Para assegurar a efetiva paridade de armas, o juiz deve suprir, em caráter assistencial, as deficiências defensivas de uma parte que a coloquem em posição de inferioridade em relação à outra, para que ambas concretamente se apresentem nas mesmas condições de acesso à tutela jurisdicional dos seus interesses. Essa equalização é particularmente importante quando entre as partes exista relação fática de subordinação ou dependência, como nas relações de família, de trabalho, de consumo.

Objetivamente, deve-se ponderar se os provimentos judiciais vinculantes estão

em consonância com o que se espera desse princípio. Hélio Ricardo Diniz Krebs234234

defende que esse sistema presta deferência ao princípio da igualdade, até mesmo porque

foi criado originariamente e tem como pressuposto básico a expressão treat likes cases

alike.

Defendendo que a universalidade está estreitamente ligada ao princípio da

igualdade e justificando que, dessa forma, o sistema está em perfeita consonância com

seus objetivos, tem-se José Rogério Cruz e Tucci,235235 que assinala tratar-se de “uma

exigência natural de que casos substancialmente iguais sejam tratados de modo

semelhante. É ele, com efeito, o componente axiológico que sempre revestiu a ideia de

justiça como qualidade formal”.

Não se pode olvidar que os provimentos judiciais vinculantes contribuem de

forma significativa para a despersonalização das demandas, uma vez que casos iguais

terão o mesmo desfecho. Isso ajuda até mesmo na aceitação das decisões, pois, se uma

parte tem um desfecho diferente de outra em situação jurídica idêntica, fica com a clara

sensação de injustiça e desconfiança. A adoção desse sistema, portanto, minimiza tal

efeito.236236 233233 GRECO, Leonardo. “Garantias fundamentais do processo: o processo justo”. Disponível em http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/dcoumentos/texto165.htm. Acesso em 2 maio. 2016.

234234 KREBS, Hélio Ricardo Diniz. Sistema de precedentes e direitos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 266.

235235 TUCCI, José Rogério, Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004, p. 25.

236236 “A aderência à doutrina do stare decisis também aumenta a reputação dos juízes e faz com que o fruto do seu trabalho seja mais aceitável ao grande público. Uma norma que ordene os juízes a decidirem casos iguais da mesma forma aumenta a possibilidade de que os juízes de fato administrarão a justiça

131

Page 122: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

4.3 – Princípio do contraditório e da ampla defesa

O artigo 5º, LV, da CRFB237237 cuida dos princípios do contraditório238238 e da

ampla defesa. Conforme ensina Humberto Dalla Bernardina de Pinho, esse princípio

“impõe que seja observado verdadeiro diálogo, com participação das partes, que é a

garantia não apenas de ter ciência de todos os atos processuais, mas de ser ouvido,

possibilitando a influência na decisão”.

O contraditório e a ampla defesa constituem, em conjunto com o princípio da

isonomia, a garantia de equilíbrio entre as partes.239239 Insta salientar que o novo

Código de Processo Civil cuida do contraditório no artigo 9º, ao indicar que o juiz não

deverá proferir decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida, o

que, na verdade, se trata da relevância do contraditório participativo, da mesma forma

que a imposição delineada no artigo seguinte, que aduz que o juiz não pode decidir, em

grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado

às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva

decidir de ofício. Expressiva, portanto, foi a preocupação do novo diploma em assegurar

o contraditório participativo.240240

imparcialmente e que eles serão vistos agindo desta maneira. Esta percepção, que obviamente aumenta a força institucional do Judiciário, é da maior importância tendo em vista seu efeito estabilizador na condução privada de relações econômicas e no sistema geral de governo” (STEVENS, John Paul apud MARINONI, op. cit., p. 182).237237 Artigo 5, LV, CRFB – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV) aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.238238 “Contraditório é participação, e sua garantia, imposta pela Constituição em relação a todo e qualquer processo – civil, penal e trabalhista, ou mesmo não jurisdicional (artigo 5º, LV ) –, significa em primeiro lugar que a lei deve franquear-lhes esses meios. Mas significa também que o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a ser feito, exercendo ele próprio o contraditório. A garantia deste resolve-se, portanto, em um direito das partes e em deveres do juiz. É do passado a afirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes, desconsiderada a participação do juiz. A participação franqueada aos litigantes é uma expressão da ideia, plantada no mundo político, de que o exercício do poder só se legitima quando preparado por atos idôneos segundo a Constituição e a lei, com a participação dos sujeitos interessados. O juiz, inerte no início e sempre atuando por provocação da parte, é um institucionalizado ignorante dos fatos que interessarão para julgamento, sendo-lhe vedado decidir segundo o conhecimento que eventualmente tenha deles fora dos autos. As partes, conhecendo os fatos, até porque os vivenciaram como testemunhas, conhecem realidades captáveis mediante perícias, têm documentos ou sabem onde estão etc. Daí seu interesse de que se lhes dê oportunidade para isso” (DINAMARCO e CARRILHO, op. cit., pp. 62-63).239239 PINHO, op. cit., p. 99.240240 “O contraditório participativo precisa ser efetivado até em relação às questões que, por expressa disposição lega, o juiz pode ou deve apreciar de ofício, como as relativas à concorrência das condições da ação ou à falta de pressupostos processuais que possam acarretar nulidades absolutas. Atualmente, os

132

Page 123: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Neste ponto, cabe uma manifestação acerca do termo adotado pela doutrina

atual, sobretudo diante do novo Código de Processo Civil, o outrora mencionado

“contraditório participativo”. O emprego dessa terminologia, contudo, suscita

questionamentos. Candido Rangel Dinamarco o afirma como inadequado e redundante,

pois, se o próprio contraditório é tido como participação, jamais seria possível conceber

um contraditório que não fosse participativo.241241

Mesmo assim, o próprio diploma legal aponta exceções, as quais permitem ao

magistrado tomar decisões sem antes submetê-las ao contraditório, como é o caso das

tutelas de urgência e de algumas hipóteses de tutela de evidência. É o que se chama de

contraditório diferido, que acaba por resultar em uma ponderação de interesses entre o

próprio acesso à justiça e os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Da lição de Leonardo Greco242242 sobre o princípio do contraditório, destaca-se

a seguinte passagem:

Ninguém pode ser atingido por uma decisão judicial na sua esfera de interesses sem ter tido ampla possibilidade de influir eficazmente na sua formação. O contraditório é consequência do princípio político da participação democrática e pressupõe: a) audiência bilateral: adequada e tempestiva notificação do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais através de comunicações preferencialmente reais, bem como ampla possibilidade de impugnar e contrariar os atos dos demais sujeitos, de modo que nenhuma questão seja decidida sem essa prévia audiência das partes; b) direito de apresentar alegações, propor e produzir provas, participar da produção das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de ofício pelo juiz e exigir a adoção de todas as providências que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunstâncias da causa e as imposições do direito material; c) congruidade dos prazos: os prazos para a prática dos atos processuais, apesar da brevidade, devem ser suficientes, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, para a prática de cada ato da parte com efetivo proveito para a sua defesa; d) o contraditório eficaz é sempre prévio, anterior a qualquer decisão, devendo a sua postergação ser excepcional e fundamentada na convicção firme da existência do direito do requerente e na cuidadosa ponderação dos interesses em jogo e dos riscos da antecipação ou da postergação da decisão; e) o contraditório participativo pressupõe que todos os contra interessados tenham o direito de intervir no processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e que preservem o direito de discutir os efeitos da sentença que tenha sido produzida sem a sua plena participação.

Direitos francês, italiano e português possuem disposições expressas estabelecendo que os juízes não podem decidir de ofício nenhuma questão sem antes ouvir as partes, regras que são adotadas em diversos dispositivos do Código de 2015, especialmente em seus artigos 9 º e 10º. Essa nova perspectiva do princípio do contraditório exige que a prova seja uma dos componentes do direito de defesa, ou seja, que às partes seja garantido o direito de defender-se provando, que não se exaure no direito de propor a produção das provas, compreendendo também o direito de efetivamente produzir todas as provas que potencialmente tenham alguma relevância para o êxito da sua postulação ou defesa” (GRECO, op. cit., p. 514).241241 DINAMARCO e CARRILHO, op. cit., p. 62.242242 GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. Disponível em http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/dcoumentos/texto165.htm. Acesso em 2 maio. 2016, p. 11.

133

Page 124: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

É relevante discutir se os provimentos judiciais vinculantes – sobretudo aquelas

situações que permitem ao magistrado julgar improcedente o pedido do autor,

independentemente da citação do réu, o que ocorre na sentença de improcedência

liminar do pedido, apontada no artigo 332 do Código de Processo Civil –243243 ofendem

ou não os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Essa discussão já fora travada quando da vigência do Código de Processo Civil

de 1973, em relação ao artigo 285-A,244244 que permitia que o juiz julgasse

improcedente o pedido autoral caso se estivesse diante de uma questão de direito e de

um número expressivo de ações que já tivessem sido julgadas improcedentes naquele

juízo, evitando-se, assim, a procrastinação do feito nos casos em que já se conhecia a

posição dos tribunais superiores sobre o tema. Apesar do espanto inicial, dada a

ausência de citação do réu, o dispositivo foi bem aceito pela doutrina e aplicado nas

cortes, pois entendeu-se sua contribuição no que tange ao atendimento aos princípios do

contraditório e ampla defesa.

Uma crítica reiterada à época foi o fato de inexistir um mecanismo que

permitisse que o réu tomasse conhecimento de que um dia fora judicialmente

demandado, ainda que não tivesse motivos para se preocupar com isso, considerando-se

a improcedência do pedido autoral. Na prática, o réu só tomaria conhecimento da

existência da demanda se o autor apelasse da sentença de improcedência, pois, dessa

maneira, o réu seria citado para apresentar as contrarrazões na apelação. Essa

consideração foi sanada com o novo Código de Processo Civil ao estabelecer a previsão

do artigo 332, que, como já mencionado, retrata a sentença de improcedência liminar do 243243 Artigo 332 do CPC/15 – “Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I) enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV) enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. § 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição. § 2o Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 241. §3o Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias. § 4o Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias”.244244 Artigo 285-A do CPC/73 – “Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. §1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. §2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso”.

134

Page 125: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

pedido, uma vez que o parágrafo 2º determina que o réu será intimado do trânsito em

julgado da demanda.

Conclui-se, portanto, que a sentença de improcedência liminar do pedido

prevista no novo Código de Processo Civil não ofende os princípios do contraditório e

da ampla defesa, levando-se em conta a inexistência de prejuízos para a parte ré e por se

tratar de um mecanismo que visa assegurar celeridade e efetividade na prestação

jurisdicional.

Outro ponto que merece destaque no confronto com os princípios constitucionais

diz respeito às súmulas vinculantes. Como outrora reportado, trata-se de provimentos

judiciais vinculantes que obrigam não só o Poder Judiciário, mas também a

Administração Pública, a adotar a orientação imposta pelo Supremo Tribunal Federal.

Erick Navarro245245 enumera sistematicamente os argumentos contrários às

súmulas vinculantes, como a incompatibilidade com o princípio que estabelece a

separação de poderes, o estancamento da evolução da jurisprudência e,

consequentemente, do direito, a restrição à liberdade de decidir, a indevida substituição

da fundamentação das decisões judiciais pela mera referência à sumula vinculante, o

fracasso da adoção por outras democracias constitucionais, a violação ao princípio

democrático e, por, fim aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Este último

ponto merece destaque porque a doutrina considera que esses princípios não podem ser

desrespeitados ao argumento de celeridade processual.246246 Por outro lado, é tido como

a principal proposta com vistas à otimização do tempo no processo, representando,

portanto, importante instrumento para o atingimento do objetivo constitucional da

razoável duração do processo.

4.4 – Princípio da independência dos magistrados

Corolário do princípio da separação dos poderes, assegurado no artigo 2º da

Constituição Federal,247247 o princípio da independência dos magistrados obriga todas

245245 NAVARRO, Erick. “Direito jurisprudencial. Súmula vinculante: necessidade e implicações práticas de sua adoção (o processo civil em movimento)”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, pp. 277-340.246246 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi. A súmula vinculante, RePro 120/75, São Paulo: RT, fev. 2005.

135

Page 126: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

as instituições a promoverem e acatarem as decisões judiciais. Nesse diapasão, Lúcia

Cavalleiro de M. Wehling de Toledo:248248

A independência do Juiz, sendo, como é, corolário direto da independência do próprio Poder Judiciário, e consequência histórica natural do monopólio estatal da jurisdição, deve ser analisada não de forma desvinculada da finalidade democrática da instituição judiciária, mas sim como parte indissociável de um conjunto maior, contido no próprio formato contemporâneo do Estado democrático de direito: as garantias do cidadão jurisdicionado, dentre as quais estão a segurança jurídica, o devido processo legal e, em outra medida, também o direito à equal protection of the laws.

Exige-se que os magistrados no exercício da função jurisdicional, com perfeita

independência, sem sofrer qualquer tipo de ameaça, influência ou aliciamento, julguem

com imparcialidade, baseando-se na lei, de acordo com o princípio da legalidade, como

fonte formal do direito, além das demais fontes materiais, como forma de garantir a

igualdade das partes. Assegura-se, ainda, às partes julgamento por juízes independentes

e imparciais,249249 e também que sejam julgados por tribunais previamente

estabelecidos, em conformidade com a lei, vedando-se a criação de tribunais de

exceção.

No que tange à imparcialidade, é relevante trazer a lição de Candido Rangel

Dinamarco:250250

A Constituição não dedica palavras à garantia da imparcialidade do juiz , mas contém uma série de dispositivos destinados a assegurar que todas as causas posta em juízo – cíveis, trabalhistas, criminais – sejam conduzidas e processadas por juízes imparciais. Seria absolutamente ilegítimo e repugnante o Estado chamar a si a atribuição de

247247 Artigo 2º, CRFB – “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.248248 TOLEDO, Lúcia Cavalleiro de M. Wehling. “A Emenda Constitucional n. 45 e a súmula vinculante: Independência judicial, segurança jurídica e garantia de igual julgamento”. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=347. Acesso em 16 maio. 2016.249249 “Imparcialidade não se confunde com neutralidade nem importa suposto dever de ser ética ou axiologicamente neutro. A doutrina processual moderna vem enfatizando que o juiz, embora escravo da lei, como tradicionalmente se diz, tem legítima liberdade para interpretar os textos desta e as concretas situações em julgamento segundo os valores da sociedade. O sistema de pluralidade de graus de jurisdição e a publicidade dos atos processuais operam como freios a possíveis excessos e prática de parcialidades a pretexto dessa liberdade interpretativa. No julgamento dos recursos, feito por outras pessoas (que são juízes dos órgãos superiores da magistratura), não se reproduzem necessariamente os mesmos possíveis sentimentos e interesses do juiz inferior, reconstituindo-se a indispensável impessoalidade” (DINAMARCO e CARRILHO, op. cit., p. 57).

250250 Idem, ibidem.

136

Page 127: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

solucionar conflitos, exercendo o poder sobre as partes, mas permitir que seu agentes o fizessem movidos por sentimentos ou interesses próprios, sem o indispensável compromisso com a lei e os valores que ela consubstancia – especialmente com o valor do justo. Os agentes estatais têm o dever de agir com impessoalidade, sem levar em conta esses sentimentos ou interesses e, portanto, com abstração de sua própria pessoa e de seus próprios interesses. O juiz, ao conduzir o processo e julgar a causa, é naquele momento o próprio Estado, que ele consubstancia nessa atividade.

Os magistrados têm o dever de garantir, por sua vez, que as partes sejam

julgadas por tribunais competentes para o exame da matéria em questão e que se

obedeçam a todas as normas e procedimentos estabelecidos para a instrução, em

conformidade com o que preceitua o princípio do devido processo legal. Indaga-se,

portanto, se o uso de provimentos judiciais vinculantes não retiraria do magistrado o

livre convencimento no momento do julgamento, uma vez que se veria obrigado a

aplicar o entendimento do Tribunal, o que acabaria por afetar sua independência.

Acredita-se não haver qualquer óbice, considerando que o próprio magistrado, se

entender que, no caso concreto, não se deve aplicar a tese jurídica firmada, súmula ou

até mesmo o enunciado, pode afastar sua aplicação, demonstrando, de forma

absolutamente fundamentada, a não aplicabilidade no caso posto em julgamento. Tal

medida é permitida e está disposta no artigo 489251251 do Código de Processo Civil.

Denise Maria Rodriguez Moraes252252 defende que o respeito aos precedentes

judiciais é necessário como uma forma de racionalização do discurso jurídico,

posicionamento que encontra concordância em Robert Alexy,253253 ao afirmar os

251251 Artigo 489 – “São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.252252 MORALES, Denise Maria Rodriguez. “A vinculação dos precedentes judiciais”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 398.253253 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 270.

137

Page 128: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

precedentes como regra imprescindível na argumentação jurídica, até mesmo por força

do princípio da universalidade. Nessa mesma esteira de pensamento, tem-se Chaim

Perelman:254254

A regra da justiça requer a aplicação de um tratamento idêntico a seres ou a situações que são integrados numa mesma categoria. A racionalidade desta regra e a validade que lhe reconhecem se reportam ao princípio da inércia, do qual resulta, notadamente, a importância conferida ao precedente.

4.5 – Princípio da segurança nas relações jurídicas: previsibilidade e proteção da

confiança

Implicitamente consagrado na Constituição Federal, o princípio da segurança

nas relações jurídicas é essencial como forma de garantir a paz e a estabilidade, tendo

como principal objetivo proteger e preservar as justas expectativas das pessoas.255255

Trata-se, em verdade, de um elemento essencial ao Estado Democrático constitucional,

firmado na Constituição Federal de 1988, de onde derivam questões como “a

retroatividade das leis, a validez dos atos administrativos, a autossujeição da

administração pública aos requisitos da publicidade e à coisa julgada”.256256 Nesse

sentido, pode-se afirmar que, de forma intrínseca, os valores da estabilidade e da

proporcionalidade estão presentes quando se trata de segurança nas relações jurídicas.

Portanto, a estabilidade auxilia não só na atividade jurisdicional do magistrado, como na

de todos os envolvidos neste cenário. É mais seguro e reconfortante para os advogados

atuarem em um tribunal estável, o que muito contribuirá para a tranquilidade da

comunidade jurídica. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni leciona:

O maior responsável pela orientação jurídica é o advogado. Em todas as democracias cabe à classe dos advogados a pesada e grave responsabilidade de orientar os cidadãos acerca dos seus direitos. É espantoso perceber, entretanto, que os advogados brasileiros não têm como orientar seus clientes acerca dos direitos. Não lhes é possível orientá-los acerca do que devem esperar ao tomarem determinada postura diante de uma situação

254254 PERELMAN, Chaim e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 248.255255 DANTAS, B. “Direito fundamental à previsibilidade das decisões judiciais”, Revista Justiça e Cidadania, edição 149, janeiro de 2013.256256 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 9 ed. São Paulo: RT, 2009, p. 146.

138

Page 129: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

jurídica ou de um conflito, exatamente por nada poderem dizer, com algum grau de confiança, sobre as posições do Judiciário.

Viver em um contexto jurídico em que as decisões acerca de determinada

questão estão sempre em constante mudança causa profunda inquietação na

comunidade. Isso não quer dizer que se defenda um engessamento das decisões

judiciais. Longe disso. Defende-se um sistema estável, sim, mas que esteja pronto a

efetuar adequações e transformações que se fazem necessárias, por força da evolução da

própria sociedade. Para contemplar essa necessidade é que deve recorrer ao overruling e

ao anticipatory overruling. Corroborando tal posição, tem-se Teresa Arruda Alvim

Wambier:257257

Ao que parece, todavia, o princípio da legalidade e o da isonomia, verdadeiros pilares da civilização moderna, levam a que se considerem adequadas soluções que tendam a evitar que ocorram essas discrepâncias . Sempre nos pareceu desejável, para os fins de se gerar dose mais elevada de previsibilidade, que certo texto de lei comporte um só entendimento, que se considere correto.

Não só a estabilidade e a proporcionalidade, mas também a previsibilidade, são

lembradas como importantes componentes dos provimentos judiciais vinculantes.

Assim, aspira-se, de fato, que a lei comporte um único entendimento dos tribunais,

evitando-se, portanto, decisões conflitantes que resultem em prejuízos aos envolvidos,

além, claro, de sérios riscos de dano ao princípio da igualdade.

Acredita-se que os tribunais, justamente por resolverem casos concretos que lhes

são submetidos, são mais bem-orientados por precedentes, com o objetivo de garantir

uniformidade nas decisões, o que contribui, de forma significativa, para a segurança nas

relações jurídicas.258258

4.6 – Princípio da duração razoável do processo

257257 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Recurso especial. São Paulo: Editora RT, 2004, pp. 218-220.

258258 “Os Tribunais resolvem casos concretos. De facto, os tribunais, especialmente os tribunais superiores, procuram orientar-se em grande medida por tais resoluções paradigmáticas – pelos precedentes –, o que é útil à uniformidade e à continuidade da jurisprudência e, ao mesmo tempo, sobretudo, à segurança jurídica” (Larenz, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 610-611).

139

Page 130: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Um dos importantes princípios consignados no texto constitucional é o princípio

da duração razoável do processo, disposto no artigo 5o, LXXVIII, da CRFB. Como já

assinalado, para que se possa afirmar a existência do princípio do acesso à justiça, faz-se

necessária a observância da celeridade e da efetividade nas demandas judiciais.

Com frequência, a lentidão na entrega da prestação jurisdicional é causada pelo

excesso de demandas, além de outras causas, como “a inserção de uma realidade social

com novas demandas, frutos dos tempos modernos e com novas questões que

demandam litígios”. Estes últimos são denominados os “novos direitos”.259259

A inserção do princípio da duração razoável do processo, ou da tutela tempestiva

no texto constitucional, deu-se com a Emenda Constitucional n. 45, conhecida como

Reforma do Poder Judiciário, e se mostrou fundamental para combater a morosidade na

entrega da atividade atividade judicial, bem como atender aos anseios do “Pacto de

Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”,260260 que foi celebrado

entre os chefes dos três poderes. Esse pacto celebrou diversos compromissos, dentre os

quais a implementação da reforma constitucional do Poder Judiciário, a reforma do

sistema processual e os procedimentos, a Defensoria Pública e o acesso à justiça, os

Juizados Especiais e Justiça itinerante, a execução fiscal, os precatórios, as graves

violações a direitos humanos, a informatização, a produção de dados e os indicadores

estatísticos, a coerência entre a atuação administrativa e as orientações já pacificadas,

além do incentivo à aplicação das penas alternativas.261261

A preocupação com a duração razoável do processo também existe nos países de

tradição do common law. É o caso dos Estados Unidos, país que cuidou de evidenciar,

na sexta emenda,262262 a preocupação com as questões que envolvem a tempestividade

nos processos, em especial o processo penal.

259259 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Curso de processo civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Saraiva, 2016, v. II, p. 111.260260 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm. Acesso em 10 jun. 2016.261261 Idem, p. 112.

262262 Sexta Emenda norte-americana – “Em todos os processos criminais, o acusado terá direito a um julgamento rápido e público, por um júri imparcial do Estado e distrito onde o crime houver sido cometido, distrito esse que será previamente estabelecido por lei, e de ser informado sobre a natureza e a causa da acusação; de ser acareado com as testemunhas de acusação; de fazer comparecer por meios legais testemunhas da defesa e de ser defendido por um advogado”. Disponível em http://www.mspc.eng.br/temdiv/const_usa01.shtml#eme_6. Acesso em 10 jun. 2016.

140

Page 131: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Também na Europa, a preocupação se repete. A Itália, por exemplo, desde 1957,

como assinala Humberto Dalla,263263 submete-se à Convenção Europeia, e diante da

previsão da duração razoável do processo, algumas vezes acabou condenada pela

morosidade na Justiça. Um projeto de lei capitaneado por um senador italiano previu a

reparação de danos nos casos de excessiva lentidão no trâmite processual. A simples

entrega, portanto, da prestação jurisdicional de forma tardia geraria o dever de

indenizar.

No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça tem desempenhado importante papel

ao estabelecer metas, exigir cumprimento de prazos e aplicar punições caso os Tribunais

descumpram a determinação.

A conscientização da relevância do tempo nos processos judicias já era lembrada

por Francesco Carnelutti:264264 “É imenso e, em grande parte, desconhecido o valor que

o tempo tem no processo. Não seria imprudente compará-lo a um inimigo contra qual o

juiz deve lutar sem tréguas”.

Algumas características do princípio da duração razoável do processo também

são apontadas por Humberto Dalla.265265 Dentre elas, destacam-se: universalidade,

limitabilidade, cumulatividade, irrenunciabilidade e harmonização com o conceito de

efetividade.

O novo Código de Processo Civil destacou esse princípio no artigo 4º,

garantindo às partes não somente a rápida solução do litígio, como também a solução

integral do mérito, ou seja, a atividade satisfativa.

Resta entender o papel dos provimentos judiciais vinculantes no atendimento ao

princípio da duração razoável do processo. Entende-se que os mecanismos elencados no

atual Código de Processo Civil se coadunam com esse princípio, considerando-se a

importância do tempo ali trazida tanto para o jurisdicionado como para a própria

máquina estatal e todos os envolvidos direta e indiretamente no processo, ao admitir a

aplicação de uma solução desde o início, com julgamento de mérito, em virtude da

aplicação da decisão que reproduz o teor de uma súmula vinculante ou não, um

enunciado dos Tribunais ou uma tese jurídica firmada em incidente de resolução de

263263 PINHO, op. cit., 2016, p. 113.264264 CARNELUTTI apud DINAMARCO e CARRILHO, op. cit., p. 56.265265 PINHO, op. cit., pp. 114-115.

141

Page 132: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

demandas repetitivas ou assunção de competência nos termos do artigo 332 do diploma

processual civil.

Outro ponto importante se dá com a previsão, para o desembargador-relator, de

negar provimento a um recurso quando a decisão estiver em conformidade com os

provimentos judiciais vinculantes, nos termos do artigo 932 do Código de Processo

Civil, evitando, assim, um recurso que perduraria por longo tempo não só no Tribunal

local ou regional, nos casos de competência da justiça federal, mas também nos

Tribunais Superiores.

Felizmente, a duração razoável do processo tem sido uma das grandes

preocupações dos processualistas modernos, de modo que todos os esforços nas

mudanças legislativas têm por objetivo primordial seu acolhimento, ao lado da

efetividade, para o perfeito atendimento ao princípio do acesso à justiça ou da

inafastabilidade do controle do Poder Judiciário.

Sintetizando essas colocações, segue a posição de Candido Rangel

Dinamarco:266266

Um dos grandes desafios enfrentados pelos estudiosos e pelos operadores do processo tem sido, ao longo de muitas décadas, o da busca por meios capazes de neutralizar os efeitos perversos do tempo sobre os direitos, mediante a oferta da de meios aptos a proporcionar a tempestividade da tutela jurisdicional – ou seja, acelerar o curso dos processos em sua caminhada rumo à oferta dessa tutela. Essa preocupação é tanto maior e mais grave quando se sabe que as longas demoras dos processos vêm constituindo o pior dos males de toda a ordem processual, não só neste país, mas também naqueles de legislação judiciária mais aprimoradas. O decurso do tempo é muitas vezes causador do perecimento de direitos ou de insuportáveis angústias pela espera de uma tutela jurisdicional, nascendo daí a imagem do tempo-inimigo, da qual se vale a doutrina há mais de meio século para ilustrar esses desgastes.

4.7 – Provimentos judiciais vinculantes no Estado Democrático Constitucional

O Estado Democrático Constitucional é um modelo consolidador dos direitos

fundamentais ao assegurar a supremacia das normas constitucionais na sociedade

contemporânea, enfatizando as conquistas liberais, sociais e decorrentes da

solidariedade e da comunidade, além da efetiva participação da sociedade na tomada de

266266 DINAMARCO e CARRILHO, op. cit., pp. 55-56.

142

Page 133: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

decisões políticas. Nesse sentido, busca-se assegurar os direitos fundamentais nas três

dimensões existentes.

Seu principal objetivo é efetivar a prevalência dos direitos fundamentais

individuais, sociais e coletivos. Os direitos fundamentais de primeira dimensão,

considerados individuais ou negativos, são aqueles relacionados diretamente às pessoas,

como o direito à vida, à igualdade formal, à liberdade e à manifestação de pensamento e

crença. Os direitos fundamentais de segunda dimensão, por sua vez, referem-se aos

direitos sociais, como o direito à saúde, à moradia, à educação, à segurança, ao lazer e à

previdência, bem como os direitos relacionados aos trabalhadores. Em se tratando de

direitos fundamentais de terceira dimensão, incluem-se os direitos difusos e coletivos e

ainda há discussão sobre a consolidação de uma quarta categoria de direitos

fundamentais, que, para alguns autores, diz respeito ao direito de participação

democrática, enquanto outros defendem tratar-se de direitos relacionados à engenharia

genética.

Para Hermes Zanetti Junior,267267 o Estado Democrático Constitucional pode ser

definido como “a junção do direito constitucional e da democracia, ou seja, um Estado

de Direito no qual os direitos fundamentais individuais e coletivos exercem o papel

contramajoritário e no qual a lei e os atos dos poderes públicos estão submetidos à

Constituição”.

É nesse contexto, de observância do Estado Democrático Constitucional no

Brasil, firmado na Constituição de 1988, que se pretende discutir o papel dos

provimentos judiciais vinculantes e sua compatibilização com os direitos e garantias

fundamentais, sobretudo no que diz respeito à igualdade jurídica.

Os provimentos judiciais vinculantes, previstos no novo Código de Processo

Civil, como outrora asseverado, não se confundem com os precedentes judiciais

presentes no sistema norte-americano, mas são neles inspirados, na medida em que

possuem efeito vinculante obrigatório no plano vertical. Acredita-se que essa é uma

tentativa do sistema jurídico brasileiro de tentar conter o número expressivo de

demandas judiciais que abarrotam o Poder Judiciário e, igualmente, garantir

uniformidade no entendimento dos tribunais, de modo que os juízes de primeiro grau as

267267 ZANETTI JR, op. cit., p. 58.

143

Page 134: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

apliquem desde logo, evitando-se, assim, a procrastinação do feito por longos anos,

quando, desde o início, já se conhece o posicionamento dos tribunais superiores sobre a

questão em exame. Essa é a posição de Dierle Nunes:268268

Vivemos no Brasil hoje uma clara tentativa de valorização dos precedentes como ferramenta para a resolução de casos, principalmente no que tange aos casos repetitivos (de atacado), nos quais se viabiliza um pretensão isomórfica que leva à multiplicação de ações “idênticas”. Tal fenômeno se dá pela crença que as velhas ferramentas e cânones relativos ao uso de normas já não dariam mais conta da nova realidade, conduzindo vários países do civil law (alegado) a buscar no common law soluções antigas (por lá) para esse novos problemas. Contundo, nem sempre a transposição respeita nossa realidade (que é diferente) ou, noutras hipóteses, não leva em consideração a experiência daqueles países de origem ao se buscar ler novos institutos (para nós) a partir de vícios que já trazemos.

Considerando que se vive em um Estado Democrático Constitucional, marcado

pela observância de princípios e garantias fundamentais, algo já explorado na

Constituição Federal de 1988, é preciso verificar se os provimentos judiciais vinculantes

indicados e anteriormente abordados convivem perfeitamente com um verdadeiro

sistema processual constitucional democrático.269269

268268 NUNES, Dierle. “Jurisprudência instável e seus riscos: a aposta nos precedentes vs. uma compreensão constitucionalmente adequada do seu uso no Brasil”. In WAMBIER, Teresa Arruda (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2014, pp. 433-472.269269 “Nesse aspecto, o processualismo constitucional democrático por nós defendido tenta discutir a aplicação de uma igualdade efetiva e valoriza, de modo policêntrico e comparticipativo, uma renovada defesa de convergência entre civil law e common law, ao buscar uma aplicação legítima e eficiente (efetiva) do direito para todas as litigiosidades (sem se aplicarem padrões decisórios que pauperizam a análise e a reconstrução interpretativa do direito), e defendendo o delineamento de uma teoria de precedentes para que o Brasil suplante a utilização mecânica dos julgados isolados e súmulas em nosso país. Nesses termos, seria essencial para a aplicação de precedentes seguir algumas premissas essenciais: 1ª – Esgotamento prévio da temática antes de sua utilização como um padrão decisório (precedente): ao se proceder à análise de aplicação dos precedentes no common law, percebe-se ser muito difícil a formação de um precedente (padrão decisório a ser repetido) a partir de um único julgado, salvo se, em sua análise, for procedido um esgotamento discursivo de todos os aspectos relevantes suscitados pelos interessados. Nestes termos, mostra-se estranha a formação de um “precedente” a partir de um julgamento superficial de um (ou poucos) recursos (especiais e/ou extraordinários) pinçados pelos tribunais (de Justiça, Regionais ou Superiores). Ou seja, precedente (padrão decisório) dificilmente se forma a partir de um único julgado. 2ª – Integridade na reconstrução da histórica institucional de aplicação da tese ou instituto pelo Tribunal: ao formar o precedente, o Tribunal Superior deverá levar em consideração todo o histórico de aplicação da tese, sendo inviável que o magistrado decida desconsiderando o passado das decisões acerca da temática. E, mesmo que seja uma hipótese de superação do precedente (overruling), o magistrado deverá indicar a reconstrução e as razões (fundamentação idônea) para a quebra do posicionamento acerca da temática. 3ª – Estabilidade decisória dentro do Tribunal (stare decisis horizontal): o Tribunal é vinculado às suas próprias decisões: como o precedente deve se formar com uma discussão próxima da exaustão, o padrão passa a ser vinculante para os ministros do Tribunal que se formou. É impensável naquelas tradições que a qualquer momento um ministro tente promover um entendimento particular (subjetivo) acerca de uma temática, salvo quando se tratar de um caso diferente (distinguishing) ou de superação (overruling). Mas, nessas hipóteses, sua fundamentação deve ser idônea ao convencimento da situação de aplicação. 4ª – Aplicação discursiva do padrão (precedente) pelos tribunais inferiores (stare decisis vertical): as decisões dos Tribunais Superiores são consideradas

144

Page 135: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Parte-se da premessa de que o juiz, nos dias de hoje, tem-se afastado por

completo da ideia de um julgador como reprodutor da lei nos casos submetidos a

julgamento. Para discutir essa questão, faz-se necessário trazer à baila a lição de Luiz

Guilherme Marinoni,270270 o qual, em sua recente obra, examina se, na atualidade,

ainda é possível pensar que o magistrado está apenas vinculado à lei.

Para Marinoni, isso revela “um profundo desconhecimento do significado de

direito no Estado contemporâneo”.271271 Defende ele que houve uma evolução da teoria

da interpretação, sobretudo mediante o contundente impacto do constitucionalismo

contra o puro legalismo, visto até mesmo como autoritário, que acabou por “culminar na

dissociação entre texto legal e norma jurídica (resultado interpretativo), bem como na

incorporação de valores morais contidos nas normas de direitos fundamentais ao

raciocínio decisório ou interpretativo”.272272

É necessário compreender que não se defende um afastamento da lei – é claro –

quando da interpretação e do julgamento do caso submetido à função jurisdicional do

Estado, até mesmo porque isso seria impossível, haja vista a inteligência do princípio da

legalidade. Pretende-se, tão somente, ponderar que é preciso observar outras fontes,

dentre elas os precedentes, para que casos idênticos tenham o mesmo tratamento, não se

quedando à sorte ou ao azar de serem apreciados por magistrados com posicionamentos

díspares diante das situações apresentadas. Trata-se de uma premissa básica, como já

obrigatórias para os tribunais inferiores (comparação de casos): o precedente não pode ser aplicado de modo mecânico pelos Tribunais e juízes (como, v.g., as súmulas são aplicadas entre nós). Na tradição do common law, para suscitar um precedente como fundamento, o juiz deve mostrar que o caso, inclusive, em alguns casos, no plano fático, é idêntico ao precedente do Tribunal Superior, ou seja, não há uma repetição mecânica, mas uma demonstração discursiva da identidade dos casos. 5ª – Estabelecimento de fixação e separação das ratione decidendi dos obter dicta da decisão: a ratio decidendi (elemento vinculante) justifica e pode servir de padrão para a solução do caso futuro, já o obter dictum constitui-se pelos discursos não autoritativos que se manifestam nos pronunciamentos judiciais, de sorte que apenas as considerações que representam indispensavelmente o nexo estrito de causalidade jurídica entre o fato e a decisão integram a ratio decidendi, onde qualquer outro aspecto relevante, qualquer outra observação, qualquer outra advertência que não tem aquela relação de causalidade é obter um obter dictum ou, nas palavras de Vaughan, um “gratis dictum”. 6ª – Delineamento de técnicas processuais idôneas de distinção (distinguishing) e superação (overruling) do padrão decisório: a ideia de se padronizarem entendimentos não se presta tão só ao fim de promover um modo eficiente e rápido de julgar os casos, para se gerar uma profusão numérica de julgamentos. Nestes temos, a cada precedente formado (padrão decisório), devem ser criados modos idôneos de se demonstrar que o caso em mente seja semelhante, e de proceder à superação de seu conteúdo pela inexorável mudança social – como ordinariamente ocorre em países de common law” (NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o redimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva. “A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória”, RePro, v. 189, p. 38, set. 2011).270270 MARINONI, Luiz Guilherme. Ética dos precedentes. São Paulo: RT, 2016.271271 Idem, pp. 92-93.272272 Idem, p. 93.

145

Page 136: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

visto, a da igualdade. Ademais, o respeito ao posicionamento das Cortes Superiores

contribui sobremaneira, ao poupar tempo, gastos e esforços dos jurisdicionados.

Nesse passo, deve-se rechaçar a alegação de empoderamento pelas Cortes, pois,

como recorda Marinoni,273273 além das partes litigantes, toda a sociedade tem interesse

em controlar o exercício desse poder, uma vez que “têm concreto interesse todos

aqueles que podem ser potencialmente atingidos pela solução instituída no precedente.

Resultado disso é a técnica que abre oportunidade para a intervenção do amicus curiae

no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça”.274274

Dessa forma, as súmulas, sejam elas vinculantes ou persuasivas – embora estas

últimas tenham perdido o sentido nesse sistema, pois acabam vinculando as decisões

judiciais –, e as teses jurídicas firmadas nos recursos repetitivos são provimentos

judiciais vinculantes emanados pelas Cortes Superiores em perfeita consonância com o

que se espera no processualismo constitucional democrático.

Outras são as justificativas encontradas para o uso dos provimentos judiciais

vinculantes, como fortalecimento da unidade e da previsibilidade, maior alcance e

promoção da igualdade jurídica, decisões judiciais mais justas e céleres, contribuindo,

dessa forma, para que se atinja a efetividade e evitando-se custos e esforços

desnecessários por parte dos litigantes. Não bastasse tudo isso, a adoção dos

provimentos judiciais vinculantes ainda contribui para a evolução e o desenvolvimento

do próprio Direito.

Destaca-se que os provimentos judiciais vinculantes também contribuem para o

melhor gerenciamento dos processos judiciais, atuando como um “filtro da judicialidade

excessiva e elemento aceleratório do trâmite processual”.275275

Além disso, é possível afirmar que a adoção dos provimentos estimula a

desjudicialização dos conflitos, estimulando a realização de acordos, pois, justamente

por força da previsibilidade, as partes não se aventuram em “longas e árduas” demandas

judiciais.

273273 Idem, pp. 98-100.274274 Idem, p. 100.275275 MANCUSO, Rodolfo Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT, 2016, p. 237.

146

Page 137: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Importa ressalta a necessidade de formação contínua dos operadores do Direito

em um sistema baseado em provimentos judiciais vinculantes. Muito mais será exigido

dos advogados ao postularem, pois eles terão de conhecer profundamente não só a lei,

mas também as súmulas, os enunciados, as teses jurídicas firmadas em incidente de

resolução de demandas repetitivas, a assunção de competência e julgamento de recursos

repetitivos, entre outros provimentos, a fim de tentarem afastar junto sua incidência se

conseguirem comprovar que o caso em questão não é idêntico aos demais e por isso não

merece o mesmo tratamento, utilizando a técnica do distinguishing. Do contrário, se não

houver um esforço nesse sentido e se o juiz assim entender, corre-se o risco de adotar

um provimento judicial vinculante aplicável a outros casos.

Também dos magistrados, exige-se esforço contínuo, na medida em que devem

estar atentos aos provimentos judiciais vinculantes, aplicando-os nos termos do novo

diploma processual civil. Igualmente é preciso que atentem para o fato de os

provimentos não serem medidas estáticas; muito pelo contrário, são medidas que devem

traduzir a realidade da sociedade atual, atendendo a seus anseios, razão pela qual o juiz

deve sinalizar a necessidade de se aplicarem as técnicas comuns aos sistemas de

precedentes, como o overruling e o anticipatory overruling. Acostumar-se com a

possibilidade de aplicação da modulação temporal dos efeitos de suas decisões

conhecido como prospective overruling. Conhecer e distinguir a ratio decidendi do

obter dicta e principalmente cuidar de fundamentar as decisões respeitando exatamente

os ditames do artigo 489 do Código de Processo Civil são exercícios diários que fazem

parte do renovado perfil do magistrado brasileiro na contemporaneidade.

CONCLUSÃO

O sistema norte-americano, muito complexo e composto por muitos

microssistemas jurídicos, em que cada Estado-membro tem a capacidade para legislar e

organizar o funcionamento e a estrutura do Poder Judiciário local, embora submetido à

Constituição americana e às decisões vinculantes da Suprema Corte, baseia-se no

sistema de precedentes judiciais.

147

Page 138: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

Conhecer a teoria do stare decisis, que informa o sistema do commom law, é

fundamental para que se compreendam o conceito e a aplicabilidade dos precedentes

judiciais. A partir do julgamento de um caso concreto, todos os casos posteriores que

sejam idênticos adotarão o mesmo entendimento, com vinculação obrigatória tão

somente no plano vertical. No plano horizontal, os precedentes têm efeito persuasivo,

portanto não vinculativo, para o magistrado, embora sejam frequentemente aplicados,

pois integram a cultura jurídica do país.

Para melhor compreensão dos precedentes judiciais, é necessário estudar sua

decomposição, com o objetivo de separar as razões de decidir (ratio decidendi) das

considerações não essenciais (obter dicta), levando-se em conta que apenas o núcleo

determinante do precedente vincula o julgamento dos casos superiores.

Uma das justificativas para a adoção de um sistema de precedentes judiciais é o

atendimento ao princípio da isonomia, com aplicação dos conceitos de igualdade

jurídica. Desse modo, faz-se necessário identificar os casos idênticos e, com isso,

aplicar os precedentes judiciais em consonância com os auspícios da previsibilidade e

da segurança jurídica. Caso contrário, deve-se fazer o distinguishing, fundamentando-

se, portanto, a não aplicação do precedente judicial ao caso concreto.

Há que se destacar a existência de um sistema de revisão dos precedentes

chamado de overruling, que se mostra necessário quando se considera que a evolução

da sociedade traz novas demandas a exigir novos entendimentos e novos direitos.

Garante-se, com isso, a segurança nas relações jurídicas, mas, ao mesmo tempo, não se

afasta do princípio da dignidade da pessoa humana quando os Tribunais, de forma

prudente e sensível, fazem o acompanhamento e a revisão das decisões. A revisão pode,

inclusive, ser feita de forma antecipada (anticipatory overruling), uma revogação

preventiva, permitindo-se que as instâncias inferiores afastem a incidência dos

precedentes, desde que não mais se coadunem com a realidade social contemporânea e

os anseios da sociedade e já exista uma sinalização dos Tribunais Superiores apontando

para a alteração do precedente.

Ao estudar a gênese dos precedentes, as razões para sua criação e sua inserção

no sistema jurídico do common law norte-americano, percebe-se que o Brasil não

adotou a teoria dos precedentes judiciais. No entanto, apropriou-se de uma característica

fundamental dos precedentes: o efeito vinculante no plano vertical.

148

Page 139: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

O Brasil já havia criado um mecanismo com eficácia vinculante no plano

vertical, atingindo não só a esfera judicial, mas também a administrativa: a súmula

vinculante. De início, gerou controvérsias e, hoje, é bem aceita no ordenamento

jurídico, desempenhando papel relevante até mesmo no exercício do controle de

constitucionalidade.

A eficácia vinculante no plano vertical é essencial quando se está em busca de

um meio de obstar o excesso de demandas judiciais na origem, no primeiro grau de

jurisdição, e ao mesmo tempo resolver os inúmeros casos idênticos que já avançaram e

hoje estão suspensos, aguardando posição dos Tribunais Superiores.

O Brasil sofre com um número excessivo de demandas judiciais, como

demonstrado pela recente pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça,

devendo-se buscar na história alguns elementos para que se possa compreender como o

país alcançou tais números.

Defende-se que a ineficiência dos meios adequados de composição de conflitos

contribuiu para a excessiva judicialização e espera-se que esse cenário se transforme,

sobretudo, com a vigência do novo diploma processual civil, que incentivou o uso dos

mecanismos de autocomposição e de heterocomposição de conflitos.

Mostrou-se oportuno que este estudo se voltasse para o novo Código de

Processo Civil, em vigor desde março do corrente ano, para que fosse possível

compreender que o sistema jurídico brasileiro, inspirado no efeito vinculante no plano

vertical dos precedentes, elencou provimentos judiciais vinculantes, ou seja,

instrumentos com observância obrigatória por parte dos magistrados. Esse é o caso das

súmulas.

A súmula vinculante já tem esse efeito, desde a sua criação, mas defende-se que,

com o advento do novo diploma processual, as súmulas até então chamadas de

persuasivas também ganharam esse efeito. Dessa forma, não há mais que se falar em

súmulas persuasivas no Brasil, pois, segundo o artigo 332, I do CPC, o juiz deve julgar

liminarmente improcedente o pedido autoral nas causas que dispensem a fase instrutória

– o que chamamos de sentença de improcedência liminar do pedido. Observa-se que os

próprios enunciados dos Tribunais de Justiça sobre direito local também ganharam esse

149

Page 140: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

status, por força do disposto no artigo 332, IV, do CPC. Nesse mesmo sentido, a lição

dos artigos 927, IV, e 932, IV, e 932,V, todos do CPC.

Dentre os provimentos judiciais vinculantes estabelecidos, incluem-se as teses

jurídicas firmadas em incidentes de resolução de demandas repetitivas, assunção de

competência e julgamento de recursos repetitivos.

Deve-se atentar para o fato de as disposições previstas nos artigos 927 e 932 do

CPC se tratarem de normas cogentes e cuidarem ainda da possibilidade de aplicação da

modulação temporal dos efeitos das decisões, o que se conhece por prospective

overruling.

Outro importante ponto foi o afastamento da incidência da revisão obrigatória,

ou princípio do duplo grau de jurisdição obrigatório, nos casos de existência de

provimento judicial vinculante, nos termos do artigo 496, §4º, do CPC.

Conclui-se que o Código de Processo Civil atual, ao estabelecer os provimentos

judiciais vinculantes, seja com a criação de novos institutos, seja com a releitura dos já

existentes, inspirou-se no efeito obrigatório no plano vertical dos precedentes, sem,

contudo, adotar essa teoria.

Com isso, é imperioso concluir que se caminha para uma sistema jurídico

híbrido e, justamente por conta dessas fortes influências do sistema do common law, não

se pode mais dizer, de forma taxativa, que o Brasil adota o sistema do civil law. Aliás,

estagnar os sistemas jurídicos não é mais um bom entendimento para a doutrina

processual, uma vez que os sistemas sofrem influências mútuas.

Por fim, considerando que o país vivencia um Estado Democrático

Constitucional, preocupado em atender aos direitos e às garantias fundamentais

previstos na Constituição, conclui-se que o sistema de provimentos judiciais

vinculantes, se for cuidadosa e adequadamente empregado, com o objetivo de atender à

igualdade jurídica das partes, à segurança jurídica e à previsibilidade, constitui um

relevante meio para conter o excessivo número de demandas judiciais e, principalmente,

contribui para o atendimento aos princípios da celeridade e efetividade do processo, em

consonância com o acesso à justiça, visando garantir um processo justo.

150

Page 141: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

REFERÊNCIAS

ALCOFORADO, Luis Carlos. Súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2001.

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

151

Page 142: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

ALMEIDA, Marcelo Pereira. Precedentes judiciais: análise crítica dos métodos

empregados no Brasil para a solução de demandas de massa. Rio de Janeiro: Juruá,

2014.

ALVIM, José Eduardo Carreira. “Justiça: acesso e descesso”, Jus navigandi. Disponível

em https://jus.com.br/artigos/4078/justica-acesso-e-descesso. Acesso em 1o de maio de

2016.

ATAIDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. “Uma proposta de sistematização da eficácia

temporal dos precedentes diante do projeto de novo CPC. O projeto do Novo Código de

Processo Civil”. In DIDIER, Fredie e BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (orgs.).

Estudos em homenagem ao Professor José Joaquim Calmon de Passos. Salvador:

Juspodivm, 2012.

BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, D. Neil; MARSHALL, Geoffrey. “Precedent

in the United Kingdom”. In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (orgs.).

Interpreting Precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997.

BERMUDES, Sérgio. A reforma do judiciário pela Emenda Constitucional n. 45. Rio

de Janeiro: Forense, 2005.

BRASIL. Lei 13.015/14. Lei disponível no sítio eletrônico do Planalto Presidência da

República Federativa do Brasil. Em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2014/lei/l13015.htm

BRASIL. Constituição Federal. Disponível no sítio eletrônico do Planalto Presidência

da República Federativa do Brasil. Em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.

BRASIL. Lei 11.417/2006. Lei. Disponível no sítio eletrônico do Planalto Presidência

da República Federativa do Brasil. Em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-

2006/2006/Lei/L11417.htm.

BURHMAN, Willian. Introduction to the law and legal system of the United States. 3

ed. EUA: West Group, 2006.

152

Page 143: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

CAMARGO, Luis Felipe Volpe. “A força dos precedentes no moderno processo civil

brasileiro”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. 2 ed.

São Paulo: RT, 2012.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição.

Coimbra: Almedina, 2002.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legislativos? Coimbra: Coimbra Editora, 1993.

CASTRO, João Pedro Almeida Viveiros. “Análise do instituto da assunção de

competência dentro dos escopos do novo Código de Processo Civil”. Revista da Emerj,

Rio de Janeiro, v. 17, n. 64, pp. 74-115, jan.-abr. 2014.

CAZETTA Júnior, José Jesus. “A ineficácia do precedente no Sistema Brasileiro de

Jurisdição Constitucional (1891-1993): contribuição ao estudo do efeito vinculante.

2004”. 201 f. (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universidade

de São Paulo. São Paulo, 2004, p. 73.

COLE, Charles D. “Precedente judicial: a experiência norte-americana”, RePro, v. 23,

pp. 83-84, out-dez. 1998.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pesquisa “Justiça em Números 2015”.

Disponível em www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros. Acesso em

1o de maio de 2016.

CRETELLA JÚNIOR, José. “Da arbitragem e seu conceito categorial”. Revista de

Informação Legislativa. Brasília, n. 98, pp. 127-138, 1988.

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo:

RT, 2004.

DAMASKA, Mirjan R. The Faces of Justice and State Authority. Yale: Yale University

Press, 1986.

DANTAS, Ana Carolina de Sá. Reflexões acerca das técnicas utilizadas para afastar o

uso do precedente: overruling e distinguish. 1º Curso de Introdução ao Direito

Americano: Fundamentals of US Law Course. Publicações da Escola da AGU, Brasília,

n. 12, pp. 1-406, set./out. 2011.

153

Page 144: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

DANTAS, B. “Direito fundamental à previsibilidade das decisões judiciais”. Revista

Justiça e Cidadania, n. 149, jan. de 2013.

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo: direito comparado. 2 ed.

Tradução de Hermínio A. de Carvalho. Lisboa: Meridiano, 1978.

DAWSON, John. “As funções do juiz”. In PÉRES, Janine Yvonne Ramos. Aspectos do

direito americano. Rio de Janeiro: Forense, 1963.

DIDIER JR, Freddie e CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito

processual civil: meios de impugnação a decisões judiciais e processo nos tribunais. 9

ed. Bahia: JusPodium, 2011, v. 3.

DIDIER JR, Freddie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil. Salvador: JusPodium, 2011, v. 2.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6 ed. São

Paulo: Malheiros, 2009.

______. Fundamentos do processo moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, v. II.

______. A reforma da reforma. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

______ e CARRILHO LOPES, Bruno Vasconcelos. Teoria geral do novo processo

civil. São Paulo: Malheiros, 2016.

FARNSWORTH, Allan. An Introduction to the Legal System of the United States. 3 ed.

Nova Iorque, 1996.

GOUVEIA, Ana Carolina Miguel. “Common Law no sistema americano: evolução,

críticas e crescimento do direito legislado”. 1º Curso de Introdução ao Direito

Americano: Fundamentals of US Law Course. Publicações da Escola da AGU, Brasília,

n. 12, pp. 1-406, set./out. 2011.

GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. Disponível

em htp://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto165.htm. Acesso em

02 maio 2016.

______. Instituições de processo civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II.

154

Page 145: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

GRINOVER, Ada Pellegrini. “Os fundamentos da justiça conciliativa”. Revista de

Arbitragem e Conciliação, n. 14, jul-set. 2007, pp. 17-18.

HARTMANN, Rodolfo. Curso completo do novo processo civil. 3 ed. Niterói: Ímpetus,

2016.

______. Novo Código de Processo Civil comparado e anotado. Niterói: Editora

Ímpetus, 2016.

KREBS, Hélio Ricardo Diniz. Sistema de precedentes e direitos fundamentais. São

Paulo: RT, 2015.

LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula vinculante: um desafio. São Paulo: RT, fev. 2005.

LESTER, Anthony, Q. C. English Judges as Law Makers. Public Kaw, 1993.

LUKE, H. K. “Ratio decidendi: adjucative rationale theory developed by Goodhart”,

http://epublications.bond.edu.au/cgi/viewcontent.cgi.article. Acesso em 29 nov. 2015.

MANCUSO, Rodolfo Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas.

São Paulo: RT, 2016, p. 237.

MARINONI, Luiz Guilherme. Ética dos precedentes. São Paulo: RT, 2016.

______. Precedentes obrigatórios. 3 ed. São Paulo: RT, 2013.

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim (orgs.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2014, v. II.

MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. 2 ed.

Coimbra: Coimbra Editora, 1996.

MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: RT, 2016.

MORAES, Guilherme Pena de. “Súmula vinculante no direito brasileiro”. Revista

Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 17, 2008. Disponível em:

http://www.direitopublico.com.br.

MORAES, Guilherme Pena de. “Súmula vinculante no direito brasileiro”, Revista

Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 17, 2008. Disponível em:

http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 16 abr. 2016.

155

Page 146: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

MORALES, Denise Maria Rodriguez. “A vinculação dos precedentes judiciais”. In

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012.

MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira,

1999.

NAVARRO, Erick. “Súmula vinculante: Necessidade e implicações práticas de sua

adoção (o processo civil em movimento)”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.).

Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, v. I.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 9 ed.

São Paulo: Ed. RT, 2009.

_______ e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e

legislação extravagante. 10 ed. São Paulo: RT, 2007.

NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988.

NUNES, Dierle. “Jurisprudência instável e seus riscos: a aposta nos precedentes vs. uma

compreensão constitucionalmente adequada do seu uso no Brasil”. In WAMBIER,

Teresa Arruda (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Editora RT, 2014.

______. “Processualismo constitucional democrático e o redimensionamento de

técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências

‘não compreendidas’ de padronização decisória. RePro, v. 189, p. 38, set. 2011.

OLIVEIRA, Pedro Miranda de. “O binômio repercussão geral e súmula vinculante”. In

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. S.l., v. I.

PERELMAN, Chaim e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a

nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Curso de Processo Civil contemporâneo. 3 ed.

Rio de Janeiro: Saraiva, 2016.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. 5 ed. Rio de Janeiro:

Saraiva, 2014.

______. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva,

2014.

156

Page 147: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

PRUDENTE, Antônio de Souza. “A súmula vinculante e a tutela do controle difuso de

constitucionalidade”, Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça

Federal – CEJ, Brasília, v. 9, n. 31, pp. 53-60, dez. 2005.

RIBEIRO, Cristiana Hamdar. “A lei dos recursos repetitivos e os princípios do direito

processual civil brasileiro”. Disponível em http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-

eletronica-de-direito-processual/volume-v.

ROCHA, José de Albuquerque. Súmula vinculante e democracia. São Paulo: Atlas,

2009.

SALOMÃO, Luis Felipe. “A Constituição Federal e a preparação/formação do juiz

brasileiro”. In Superior Tribunal de Justiça. Doutrina. Disponível em

ww w. stj .jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/doutr/article/.../1048 . Acesso em 1o

maio 2016.

SANTOS, Evaristo Aragão. “Em torno do conceito e da formação do precedente

judicial”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang. “A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: a

dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no

direito constitucional brasileiro”, Revista de Direito Constitucional, v. 57.

SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi. “A súmula vinculante”, RePro 120/75, São Paulo:

RT, fev. 2005.

SCHAUER, Frederick. “Precedent”, Standford Law Review, Standford, CA, v. 39, p.

597, 1987.

SCHIAVI, Mauro. “O novo Código de Processo Civil e o principio da duração razoável

do processo”. Disponível em:

http://www.trt7.jus.br/escolajudicial/arquivos/files/busca/2015/NOVO_CPC_E_O_PRI

NCIPIO_DA_DURACAO_RAZOAVEL_DO_PROCESSO_-_Mauro.pdf. Acesso em

17 jun. 2016.

SEROUSSI, Roland. Introdução ao direito inglês e norte-americano. São Paulo: Landy,

2001.

157

Page 148: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e prática da mediação de conflitos. Rio de Janeiro:

Lumen Iuris, 1999.

SIFUENTES, Monica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos

tribunais. São Paulo: Saraiva. 2005.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo:

Malheiros, 2007.

SILVA, Paulo Cesar da. “A importância do precedente no direito norte-americano”. 1º

Curso de Introdução ao Direito Americano: Fundamentals of US Law Course.

Publicações da Escola da AGU, Brasília, n. 12, pp. 1-406, set./out. 2011.

SIMPSON, A. W.B. “The Common Law and Legal Theory”. In HORDER, Jeremy

(org.). Oxford Essays in Jurisprudence. Oxford: Clarendon Press, 1973, p. 77.

SPURLIN, Paul Merrill. Montesquieu in America. 1769-1801. New York: Octagon

Books, 1969.

STRECK, Lenio Luiz e ABBOUD,George. O precedente judicial e as súmulas

vinculantes. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. 2 ed.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York States). Interpreting

Precedents: a Comparative Study. London: Dartmouth,1997.

TALAMINI, Eduardo. “Julgamento de recursos no STJ por amostragem”. Disponível

em www.migalhas.com.br acesso em 17 de abril de 2016.

TARUFFO, Michele. “Precedente e jurisprudência”. Tradução de Chiara de Teffé. Rio

de Janeiro, n. 2, jul.-dez./2014. Disponível em: <http://civilistica.com/precedente-

ejurisprudencia/>. Acesso em 1o abr. 2016.

______. “Precedente e giurisprudenza”, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 2007.

TAVARES, André Ramos. A nova lei da súmula vinculante: estudo e comentários à lei

11417, de 19/12/2006. São Paulo: Método, 2007.

158

Page 149: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 56 ed. Rio de

Janeiro: Forense, v. I.

TOLEDO, Lúcia Cavalleiro de M. Wehling. “A Emenda Constitucional n. 45 e a

súmula vinculante: Independência judicial, segurança jurídica e garantia de igual

julgamento”. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?

n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=347. Acesso em 16 maio. 2016.

TUCCI, José Rogério Cruz e. “Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do

precedente judicial”. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito

jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

______. Precedente como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004.

TUNC, André. “La Cour suprême idéale”, Revue Internacionale de Droit Comparé,

Paris, 1978.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial. São Paulo: RT, 2004.

______. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT.

______. “Súmula vinculante: desastre ou solução?”, Revista de processo, São Paulo,

Revista dos Tribunais, v. 25, n. 98, pp. 295-306, abr.-jun 2000.

Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.

______ e WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários à nova sistemática

processual civil. 1 ed. São Paulo: RT, 2007.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e NERY JUNIOR, Nelson (orgs.). A reclamação

prevista na Constituição Federal: aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo:

RT, 2006.

WOLKART, Erik Navarro. “Súmula vinculante necessidade e implicações práticas de

sua adoção (o processo civil em movimento)”. In WAMBIER, Teresa Arruda (org.).

Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012.

ZANETI JR., Hermes. Il valore vincolante dei precedenti. Tesi di dottorato. Roma:

Universitá degli studi Roma Ter, 2013-2014.

159

Page 150: portal.estacio.brportal.estacio.br/media/922643/maria-carolina...  · Web view23 “O dever de obediência hierárquica do precedente rastreia o caminho de avaliação ... de lei

ZAVASCKI, Teori. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de

direitos. 6 ed. São Paulo: RT, 2016.

ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2 ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005.

160