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1 15 de julho 2014 Ângela Almeida e Arlindo Begonha Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território PORTO DE PEDRA SENTIDA

PORTO DE PEDRA SENTIDA - Ciência Viva Porto de...monumentos de estilo barroco, nos solenes edifícios públicos de estilo neoclássico, nas modestas habitações das suas gentes (Fig

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15 de julho 2014

Ângela Almeida e Arlindo Begonha

Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território

PORTO

DE

PEDRA SENTIDA

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PPOORRTTOO DDEE PPEEDDRRAA SSEENNTTIIDDAA

Um percurso pela Geologia e pela Pedra da Cidade

Ângela Almeida e Arlindo Begonha

A pedra natural, utilizada na construção das nossas cidades e vilas, constitui um acessível e inestimável recurso

para o reconhecimento da importância da relação entre o património geológico, o património arquitetónico e o

desenvolvimento urbanístico e social.

Os edifícios, pavimentos, esculturas, fontes, muros, revelam muita informação sobre as pedras utilizadas, tantas

vezes de uma grande diversidade na sua natureza e proveniência.

A paisagem urbana pode ser considerada como um museu natural no qual a história geológica de uma região é

mostrada e contada nas formas topográficas, nos edifícios e mesmo nos afloramentos da rocha local que em

algumas cidades ainda se encontram acessíveis à observação.

Numa cidade, em lugar dos afloramentos, os edifícios e as pedras para construção constituem uma excelente

articulação entre o património natural e o património edificado, podendo ser utilizados para estimular o

interesse pela Geologia a partir da identificação da pedra com as fácies das pedreiras mais próximas. Este

interesse ultrapassa a fronteira da cidade em direção ao conhecimento da paisagem natural., reforçando a

grande importância da Geologia Urbana (Robbins & Welter, 2001; Feely, 2002; MacFayden, 2004; Almeida,

2006; Almeida e Begonha, 2010).

Nesta proposta de percurso pelo centro histórico da cidade do Porto, Património Mundial da Humanidade, os

participantes são convidados a observar a rocha que constitui o inestimável património natural e arquitetónico

da cidade, o Granito do Porto , essência da alma e caráter da cidade, presente nas primeiras habitações, no

sistema defensivo primitivo, na Muralha Fernandina, nos austeros monumentos medievais, nos deslumbrantes

monumentos de estilo barroco, nos solenes edifícios públicos de estilo neoclássico, nas modestas habitações

das suas gentes (Fig. 1).

“Porto de Pedra Sentida” foi o título que se atribuiu a esta ação de Geologia na cidade para homenagear a

cidade de granito, tendo como inspiração um dos seus poetas mais dedicados, granito fustigado por fenómenos

de alteração e de deterioração que afetam intensamente a pedra aplicada na construção em consequência da

própria natureza do granito e da ação continuada dos processos climáticos, da atividade industrial e, tantas

vezes, da negligência do Homem.

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A quem se destina este percurso

A elaboração do percurso selecionado pelo centro histórico da cidade do Porto surgiu pensando em todo o

Público, desde as pessoas que vivem na cidade e não conhecem a pedra com a qual é construída a sua casa, os

paralelos da sua rua, as guias dos passeios ou os monumentos da cidade, aos que reconhecem o Granito mas

não o identificam com as características arquitetónicas e ambientais da cidade, aos que reconhecem o Granito

na robustez dos edifícios e na cor cinzenta da cidade e que se deslumbram quando sentem que o Granito é a

raiz que a alimenta, aos turistas que vêm conhecer a cidade e se surpreendem ao compreender a sua natureza.

Esta ação destina-se igualmente a todos os que se encontram envolvidos na Educação: professores, crianças do

Ensino Básico, estudantes do Ensino Secundário e Superior, encarregados da gestão do ambiente, afinal aos

entusiastas pela Geologia…

Principais objetivos

- motivar os cidadãos a apreciar a pedra com que a sua cidade, a sua rua e a sua casa são construídas

- dar a conhecer a importância da utilização do granito colhido em pedreiras da cidade ao longo da história do

Porto, função do pensamento e das condições socioeconómicas de cada época

- estabelecer uma relação entre as características arquitetónicas e fatores ambientais com a rocha subjacente,

o granito

- incentivar uma discussão sobre a grande diversidade de tipos de deterioração da pedra e as medidas mais

adequadas com vista à conservação do património arquitetónico

A Cidade – o seu centro histórico

A cidade do Porto localiza-se na margem direita do Rio Douro, apresentando uma forma alongada E-W que

ocupa uma área de cerca de 41Km2. Ergue-se sobre uma série de colinas de topo aplanado que evidenciam

uma extensa plataforma de erosão que se estende para norte, descendo como uma suave escadaria em direção

1. Reitoria da UP 2. Hospital de Santo António 3. Porta do Olival 4. Igreja e Torre dos Clérigos 5. Estação de S. Bento 6. Av. de D. Afonso Henriques 7. Sé Catedral 8. Pena Ventosa 9. Vista das escarpas 10. Igreja de S. Francisco

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ao Oceano Atlântico. Para Sul, o vale do Rio Douro corta abruptamente a extensão natural da plataforma dando

lugar a uma vista imponente das escarpas graníticas. A cidade foi-se desenvolvendo entre o vale encaixado do

rio Douro, a sul, e o rio Leça, a norte, erguendo-se dos morros de granito assumindo uma vasta diversidade de

formas ao longo dos tempos.

O itinerário que se propõe constitui uma seleção entre diversas possibilidades de percursos de geologia urbana

que evidenciam diferentes aspetos da relação entre o granito e a cidade. Entre estes aspetos dar-se-á especial

atenção aos afloramentos de granito que ainda são observáveis no centro da cidade, às irregularidades na

topografia que terão determinado o desenvolvimento urbano, à instabilidade das escarpas devida à intensa

fracturação do granito, à grande diversidade de tipos de deterioração da pedra nas casas e monumentos como

consequência de processos ambientais e de agentes de poluição, à evolução da utilização do granito desde

tempos antigos até aos nossos dias, bem patente na muralha da cidade, nas igrejas medievais e em edifícios de

estilo barroco, de que a Torre dos Clérigos constitui o exemplo mais emblemático no nosso País de uma obra de

arquitetura esculpida em granito. Na topografia da área escolhida três importantes vales se destacam

encaixados totalmente em terreno granítico, atualmente encanados ou cobertos por fortes aquedutos sobre os

quais passam algumas ruas da cidade: entre os morros da Sé e da Vitória reconhece-se o antigo vale do rio da

Vila, atualmente coberto pela Rua Mouzinho da Silveira. Mais para juzante insinua-se o vale do rio Frio ou

ribeira das Virtudes, entre as Virtudes e os altos de Monchique, sobre o qual se construiu o Hospital de Santo

António. Um pouco mais para oeste o traçado da rua D. Pedro V, onde também é ainda possível observar o

granito em afloramento, aproveitou uma parte retilínea da ribeira de Massarelos. Apesar de se situar já fora da

área selecionada merece referência a ribeira da Granja, com alguns troços a descoberto ao longo do seu

percurso que se estende desde a nascente em Matosinhos até à Foz do Douro, passando por Ramalde e Lordelo

do Ouro, por ser a maior bacia hidrográfica que atravessa a cidade do Porto.

A Cidade e a Geologia

A cidade do Porto situa-se na Zona Centro-Ibérica, junto ao limite com a Zona de Ossa Morena (Julivert et al.,

1974; Ribeiro et al., 1979). O enquadramento geológico compreende essencialmente três tipos de formações:

sedimentos de superfície, formações metamórficas e rochas ígneas (Carta Geotécnica do Porto, 2003), sendo o

grupo mais expressivo o das rochas ígneas e, neste grupo, os granitos de idade hercínica (Fig. 1).

Considerando que o presente percurso foi elaborado para melhor se acompanhar a relação do granito com a

cidade, quer nos afloramentos ainda visíveis quer transformado na sua imponente arquitetura, far-se-á

exclusivamente a descrição das principais características das formações ígneas, que no caso da cidade do Porto

se exprimem pelos granitos relacionados com a orogenia Hercínica ou Varisca. Utilizando a classificação de

Ferreira et al. (1987) podem-se distinguir na área da cidade dois grupos de granitos: granitos biotíticos com

plagioclase cálcica e granitos de duas micas (mica branca e mica preta, respetivamente moscovite e biotite).

Tendo em consideração a relação temporal entre estes granitos e a terceira fase de deformação da orogenia

Hercínica, D3, é ainda possível distinguir duas séries no grupo dos granitos biotíticos: uma série precoce

constituída por granitos deformados ante- a sin-tectónicos e uma série tardi- a pós-tectónica.

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Os granitos de duas micas estão classificados como sin-tectónicos relativamente à fase D3, sendo no presente

contexto os mais relevantes pelas seguintes razões: representam o grupo de granitos mais extenso do

substrato da cidade, constituem o material de construção mais utilizado na edificação do centro histórico e é

exclusivamente sobre eles que este centro tem implantados os seus alicerces. Este granito, designado por

Granito do Porto, constitui uma extensa mancha ocupando grande parte da cidade, estendendo-se para Gaia,

Matosinhos e Maia. Contacta a Este com o Complexo Xisto-Grauváquico ante-Ordovícico e a Oeste com o

Complexo Metamórfico da Foz do Douro (Fig. 1). Está classificado como um granito leucocrata de grão médio a

grosseiro, de duas micas. Por vezes destaca-se a ocorrência de uma fácies mais orientada, de grão médio a fino

e mais rica em moscovite, assinalada no contacto do maciço granítico com as formações xistentes do Complexo

Metamórfico da Foz do Douro, correspondente a um alinhamento NW-SE que passa pela Arrábida. Pode

também apresentar uma textura mais grosseira e tendência porfiróide em zonas onde ocorram manifestações

pegmatíticas. As fases finais hercínicas atuaram sob a ação de uma tensão compressiva máxima N-S que

implicou o rejogo das fraturas correspondentes ao período no qual o sistema frágil NNE-SSW atingiu maiores

proporções. Medições do diaclasamento nos afloramentos graníticos distribuídos pela cidade revelam como

sistemas principais os de orientação NE-SW (N30º a N60ºE) e ENE-WSW a NW-SE (N100º a N140ºE) (Carta

Geotécnica do Porto, 2003). Recentes dados isotópicos U-Pb em zircão e monazite sugerem a idade de 318±2

Ma para a sua instalação (Almeida, 2001).

Fig. 1 - Adaptação da folha geológica da Carta Geotécnica do Porto (2003). No canto superior direito encontra-se representado o

enquadramento geológico da cidade do Porto num excerto retirado da folha 1 da Carta Geológica de Portugal à escala 1:200000

O granito de duas micas é ainda bem visível no acesso à Sé ladeando a Avenida D. Afonso Henriques, nas

escarpas das duas margens do Douro, em Campanhã, na Fontinha, na Avenida Fernão de Magalhães, na Rua

de D. Pedro V e em pequenos afloramentos dispersos um pouco por toda a cidade.

O granito do Porto ocorre sempre alterado, com maior ou menor intensidade. A caulinização dos feldspatos

esteve na origem de um importante jazigo de Caulino na Srª da Hora. As agressões atmosféricas e ambientais

têm causado uma acentuada degradação do granito, marcadamente patente nas patologias exibidas em

edifícios da cidade e na instabilidade das escarpas das margens do Douro. As pedras utilizadas nos

monumentos selecionados apresentam diferentes graus de alteração herdada das respetivas pedreiras e, por

consequência, diferenças na suscetibilidade relativamente à sua deterioração.

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O Granito e a história da Cidade

O centro histórico da cidade do Porto assenta sobre um maciço granítico cujos afloramentos forneceram a

pedra para a edificação da cidade ao longo da sua história.

O Porto é uma cidade cujo património remonta aos tempos pré-romanos, havendo indicações de que as

construções graníticas mais antigas se localizavam no morro da Pena Ventosa onde se levanta atualmente a Sé.

Muitos autores consideram igualmente a importância deste morro na origem da cidade e do seu nome. Apesar

de se atribuírem muitos sentidos diferentes ao nome inicial de Portucale, escolhemos a etimologia que melhor

se adapta ao tema desta atividade: o nome romano Portus ao qual se adicionou a palavra Cal com o

significado de pedra, rocha, lugar elevado e rochoso, que se situava junto ao rio Douro, na foz do rio da Vila.

Ligado indiscutivelmente à história da cidade do Porto está a construção do sistema

defensivo em granito do Porto, apresentando dois momentos distintos: a antiga muralha

em volta do povoado castrense no morro da Pena Ventosa (cerca velha), durante muito

tempo considerada de origem sueva (havendo atualmente indicações de que seja romana)

sendo possível observar raros vestígios reconstruídos na zona de Vandoma, e a muralha

iniciada no reinado de D. Afonso IV e terminada por D. Fernando, no século XIV (cerca

nova) que ficou até aos nossos dias conhecida como muralha Fernandina, da qual

magníficos fragmentos são ainda hoje observáveis assim como vestígios de algumas das

suas portas, propondo-se uma visita ao interior de um estabelecimento de restauração no

Jardim da Cordoaria para se observar parte da muralha e a Porta do Olival.

Qualquer que seja o percurso pelo centro histórico da Cidade do Porto é-se atraído por uma paisagem

caracterizada por uma elegância inesperada que resulta da harmonia entre a rudeza dos afloramentos de

granito e os edifícios que com ele foram trabalhados por artífices singulares...

Proposta de Itinerário

Os pontos de observação foram escolhidos pondo em evidência:

afloramentos de Granito do Porto

a evolução da utilização do granito desde construções medievais até de edifícios recentes,

passando pelos monumentos de estilo barroco e de estilo neoclássico

as irregularidades topográficas e sua relação com o desenvolvimento urbano

a deterioração da pedra nos monumentos, em consequência de agentes ambientais

a instabilidade das escarpas devida à intensa fracturação do granito

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Para ilustrar a diversidade da presença do granito no coração do Porto propõe-se um itinerário no decurso do

qual se dará uma atenção mais particular aos seguintes locais:

Reitoria da Universidade do Porto (antiga Faculdade de Ciências)

Igrejas do Carmo e das Carmelitas

Hospital de Santo António

Torre dos Clérigos

Estação de S. Bento

Avenida D. Afonso Henriques

Terreiro da Sé

Vista das escarpas do Douro e da Muralha Fernandina

Pena Ventosa

Rua de Sant'Ana

Entre os diversos aspetos da presença do granito na cidade escolheu-se para

ponto de partida o antigo edifício da Faculdade de Ciências, atualmente sede

da Reitoria da Universidade do Porto, por ter sido objeto de um estudo

pormenorizado da grande variedade de processos de deterioração

designadamente: desagregação granular, placas, plaquetas, crostas negras e

filmes negros, causados por agentes ambientais e de poluição, quer no

exterior quer interiormente (Oliveira, 2001; Begonha et al, 2004). O edifício da Reitoria da Universidade do

Porto foi construído no século XIX em estilo neoclássico inglês. A primeira planta deve-se a José da Costa e

Silva em 1803, posteriormente alterada e corrigida por Carlos Luís Ferreira da Cruz Amarante, em 1807, tendo

ocorrido diversas vicissitudes no decurso da sua construção que ficou definitivamente concluída apenas em

1899 (Oliveira, 2001).

Segue-se a observação do imponente Hospital de Santo António, considerado o

edifício português que exibe a maior fachada em granito. As suas fundações foram

assentes num vale cujo aterro está atualmente a ceder causando a abertura de

fendas na ala sul (R. Restauração) que há cerca de quatro anos ainda se

encontravam ativas mas que atualmente estão estabilizadas na sequência de

importantes trabalhos de colmatação. Begonha (2001) apresenta um estudo

exaustivo da deterioração do granito deste edifício do século XIX, no qual é possível

não só observar diversos tipos de deterioração como igualmente algumas medidas

de intervenção com vista à sua conservação.

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No prosseguimento do trajeto surge na paisagem urbana a vista da Torre dos

Clérigos que domina todo o centro histórico. A Igreja dos Clérigos e a Torre

constituem no seu conjunto um dos monumentos graníticos de estilo barroco do

século XVIII mais interessantes da Península Ibérica pela profu são do trabalho

realizado na pedra. A Torre tem cerca de setenta e cinco metros de altura e os seus

alicerces estão assentes na rocha viva. O admirável trabalho na pedra, decorrente da conceção de Nicolau

Nasoni, só foi possível graças às características mineralógicas e petrográficas do granito do Porto. Tal como

sucede com outros edifícios graníticos da cidade a Torre dos Clérigos apresenta aspetos de deterioração da

pedra e tem sido submetida a medidas de limpeza e de preservação periódicas. O ano de 2013 assinala os 250

anos de existência da Torre dos Clérigos, uma das marcas do período barroco mais importantes do país e que

está classificado como monumento nacional desde 1910.

Descendo a Rua das Carmelitas e a Rua dos Clérigos até à Praça de Almeida Garrett

observam-se edifícios notáveis do final do século XIX e início do século XX

construídos em granito de duas micas, chamando-se uma atenção particular para a

estação de S. Bento do arquiteto Marques da Silva e para a cinzenta magnitude da

Avenida dos Aliados, tendo com fundo o distinto edifício da Câmara Municipal.

Um dos afloramentos de granito do Porto foi atravessado pela

abertura de uma avenida que liga o centro da cidade à Ponte de

D. Luís I e à Catedral e, mais recentemente, pelo túnel onde

circula o metro que faz a ligação com Vila Nova de Gaia. Este

afloramento foi selecionado como uma paragem do presente itinerário onde se tem a oportunidade de observar

o granito in situ e de comparar as suas características com a pedra do património arquitetónico.

A Catedral com todos os edifícios no seu enquadramento constitui um local

paradigmático sobre a utilização do granito do Porto sob variados aspetos: vestígios

da construção medieval, sobreposição de estilos arquitetónicos de acordo com o

pensamento ao longo dos tempos, reconstrução de secções danificadas recorrendo

ao mesmo tipo de granito o mais possível semelhante ao original.

Seguindo o itinerário, no qual a cidade e o

granito se identificam, chama-se igualmente

a atenção para a paisagem envolvente, em

direção ao Rio Douro, onde se destacam

panos da Muralha Fernandina que se prolongam sobre uma escarpa granítica intensamente diaclasada e que

tem sido objeto de importantes medidas de geologia aplicada e de engenharia com vista à sua contenção.

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O Granito e a sua suscetibilidade às agressões ambientais - As patologias

A exploração de pedreiras para edificação de monumentos históricos, particularmente de granito, incidia em

zonas superficiais mais acessíveis nas quais a rocha já se encontrava moderadamente alterada permitindo

maior facilidade no seu trabalho pelos artífices e pedreiros. Este facto explica a razão pela qual, na maioria dos

casos estudados, as pedras utilizadas já possuíam diversos graus de meteorização herdados das pedreiras,

exibindo uma alterabilidade e uma suscetibilidade ao eventual desenvolvimento de patologias da pedra.

As influências decorrentes da atividade do Homem começam a atuar já durante a exploração da pedreira

ficando então as pedras sujeitas aos efeitos das técnicas de extração, assim como aos efeitos de alterações

ambientais. Estes efeitos podem ser muito significativos para as propriedades dos materiais e processos de

alteração que a pedra eventualmente exibirá a partir do momento em que é incorporada na obra de alvenaria.

O ambiente é por sua vez afetado pela poluição do ar produzida pela indústria e pelos escapes de automóveis.

Foram estas influências, juntamente com poluentes ácidos, que em meados do século XX constituíram a

principal causa de deterioração e conduziram a uma chamada de atenção a nível mundial para a necessidade

de se tomarem medidas de conservação do património edificado em pedra natural.

As agressões atmosféricas e ambientais têm causado uma acentuada degradação na pedra dos monumentos do

centro histórico da cidade. Estudos efetuados em edifícios e monumentos têm revelado uma intensa

deterioração da pedra de que se destacam em particular os seguintes tipos:

-Placas

-Plaquetas

-Desagregação granular

-Filmes negros

-Eflorescências

-Colonização biológica

Desagregação granular - processo de arenização caracteriz ado pela perda de material resultante do desengaste

dos grãos, geralmente de feldspato, ficando uma superfície rugosa devido à presença dominante de grãos

salientes de quartzo

Placas – acompanham a superfície exterior da pedra, sendo delimitadas por duas superfícies paralelas,

constituindo formações pouco espessas (5 mm em média) que se destacam da pedra deixando marcas onde se

observa desagregação granular.

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Plaquetas – Transição entre a desagregação granular e as placas, de forma planar e pequena espessura e de

menores dimensões do que as placas.

Crostas negras – formadas por depósitos de cor negra com pequena espessura, geralmente não ultrapassando

2mm, que cobrem a superfície das pedras e das argamassas e também a superfície exterior das placas e das

plaquetas.

Filmes negros – formações superficiais muito finas de cor negra ou castanha escura depositadas na superfície

da pedra, incluindo as superfícies exteriores de placas e plaquetas, fortemente aderentes e deixando observar-

se a rugosidade da pedra. Apresentam um caráter hidrófugo, parecendo proteger a pedra. Contudo, não

impedem a queda de material quando se depositam sobre placas e plaquetas.

Eflorescências – desenvolvimento de cristalização de sais solúveis sobre a superfície de meios porosos, tais

como pedras de granito e argamassas. Geralmente têm o aspeto de um pó branco ou muito claro, sendo

facilmente removidas com um pincel. Encontram-se frequentemente em pedras já fortemente afetadas por

desagregação granular forte.

Fissuração – pequenas fendas associadas à concentração de tensões em determinados pontos, sobretudo nas

arestas e vértices das pedras, por vezes com a formação de cunhas que se separam e caem. Em pedras de

granito mais meteorizado ou deteriorado parecem estar associadas à utilização recente de argamassas de

cimento Portland em juntas, mais resistentes e menos deformáveis do que as tradicionais argamassas de cal.

Colonização biológica – crescimento de plantas em áreas húmidas e sombrias onde se verifica maior escorrência

ou permanência de humidade. Geralmente desenvolvem-se musgos e algas e, por vezes, líquenes.

Exemplos de minerais de sais solúveis observados e analisados ao microscópio eletrónico de varrimento

encontram-se nas imagens da Fig. 2.

Fig. 2 e - Filme negro: cinza volante porosa

Fig.2 b- Crosta negra: Cinza volante porosa entre cristais de gesso

Fig. 2c – Placa: Gesso e atividade biológica

Fig. 2 d- Plaqueta: Calcite sobre feldspato potássico

Fig. 2-a Desagregação granular: 1- Gesso ( Ca SO4. 2H2O); 2- Glauberite (Na2 Ca (SO4)2); 3 – Halite (NaCl) sobre feldspato potássico; 4 – Figura de dissolução da halite

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O estudo da deterioração de diversos monumentos graníticos da cidade do Porto tem permitido confirmar as

seguintes observações:

Os minerais de sais solúveis e a poluição do ar constituem a principal causa de deterioração dos

monumentos graníticos do Porto

A fonte principal dos sais solúveis é a água das chuvas

As principais causas da poluição do ar são as indústrias e o tráfego automóvel

A cristalização de minerais de sais solúveis em áreas de forte evaporação causam o desenvolvimento de

tensões responsáveis pela deterioração da pedra, sendo este mecanismo por sua vez responsável pela génese

da desagregação granular, placas e plaquetas

A deposição a seco de poluentes do ar é responsável pela génese de filmes negros e de crostas negras,

que se formam respetivamente em áreas expostas e em áreas abrigadas das fachadas dos edifícios

As crostas negras formam-se quando os minerais de sais solúveis cristalizam na superfície exterior das

pedras, contribuindo essencialmente para o aspeto inestético do edifício. As crostas negras são basicamente

constituídas por cristais de gesso e partículas do ar

Os filmes negros são desprovidos de sais solúveis ou exibem pequenas quantidades de gesso

Os pontos de paragem de observação do granito na Cidade sugeridos neste percurso foram escolhidos

exclusivamente no centro histórico da cidade, Património Mundial da Humanidade. Entre cada paragem chama-

se igualmente a atenção para a paisagem envolvente, dedicando-se um interesse especial ao troço da Muralha

Fernandina e às escarpas monumentais da Serra do Pilar e da zona das Fontaínhas.

Propõe-se uma reflexão sobre o reconhecimento dos problemas ambientais que afetam as nossas cidades e

ameaçam o património arquitetónico e natural,

tomando como exemplo a Cidade do Porto, que

envolva uma discussão sobre as medidas de

intervenção mais adequadas na reconstituição e

preservação das estruturas em granito. Esta

reflexão deverá conduzir a uma atitude de

maior apreço e carinho por parte do cidadão

comum não só em relação ao património

arquitetónico de pedra natural, mas igualmente

a toda a paisagem que ultrapassa os limites da

sua cidade e que resulta da transformação dos

recursos geológicos ao longo dos tempos.

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A Cidade, a Pedra e a Gente encontram-se magistralmente ligadas pelas palavras dos seus

Escritores e Poetas....

“...Porto

Coração que do rio

O sangue e a música

retira.

Gaivota de pedra

Navio

E Lira.”

Albano Martins

""O Porto é um daqueles lugares onde a

memória e os sentidos são renovados ,

o murmúrio do granito nos fala do

passado, uma história que persiste no

presente talhada na pedra e nos olhos

da sua gente..."

Porto...Rocha granítica que o esforço humano

transformou e de que os seus moradores se

orgulham, só a palavra que nos diz esses

esforço e esse orgulho dá à bruteza do granito

o sentido da permanência e da tenacidade.

"Não nasci por acaso nestas pedras mas para aprender dureza, lume excedido, coragem de mãos lúcidas. ... Porto - cidade de luz de granito. Tristeza de luz viril com punhos de grito. "

José Gomes Ferreira

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