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Prazer, PM

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Carolina Linhares

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Carolina Linhares YY

Prazer,

PM

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Trabalho de Conclusão de Curso da

Graduação em Comunicação Social

com Habilitação em Jornalismo

Escola de Comunicações e Artes

Universidade de São Paulo

2014

Carolina Linhares YY

Prazer,

PM

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Reportagem: Carolina Linhares

Projeto gráfico e diagramação: Vinícius Giba

Revisão: Carolina Linhares

Orientação: Claudio Tognolli

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Agradecimentos

Aos meus pais, pelo que sou e pelo que posso ser. Pelos mimos,

pela compreensão, pela honestidade, pelo compromisso, pelo

perfeccionismo, mas, principalmente, por embarcarem em todas

as minhas loucuras –a maior delas, ser jornalista;

A minha irmã, um grande orgulho e uma grande companheira;

À Nossa Senhora de Aparecida, que me livra dos perrengues;

Aos professores e jornalistas inesquecíveis, pela inspiração e

dedicação;

Ao orientador, Claudio Tognolli, por inisistir na riqueza das

orações subordinadas;

Ao Vinícius Giba, pelo projeto gráfico ousado e pelas madrugadas

a fio;

Aos policiais que me dedicaram seu tempo, sua atenção, sua

gentileza. Sem vocês, isto não se realizaria;

Aos meus familiares policiais, pela ideia e pela ajuda;

À USP e à ECA, por terem aberto a minha cabecinha. Vou sentir

muita saudade;

Ao Projeto Redigir, pelo carinho e por me ensinar que o esforço

vale a pena;

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Aos incríveis colegas destes cinco anos de jornalismo, as pessoas

mais inteligentes que já conheci e com quem eu adoro conversar

–especialmente os jormats 10;

Às amigas com quem divido a mesma alma;

Às brothers, amigas de colégio ao bingo;

Ao Breno, pela agradável surpresa e pela paciência nesses tempos

de TCC;

Aos colegas de redação da Folha de São Paulo, pelo batismo

no jornalismo e por um estágio de muitas dúvidas, risadas e

aprendizagem;

E, finalmente, a todos que me incentivaram e me ajudaram no

longo caminho percorrido nesta graduação e na produção deste

livro. Por causa de vocês todos, creio que evoluí e aprendi um

tanto. Muitíssimo obrigada.

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Estigma, 11

Paralelo, 12

Prazer, PM, 15

Novinho, 25

Memória, 55

Enxugando gelo, 73

Estereótipo, 105

Vingança, 129

Dentro da lei, 179

A mãe, 209

PM na mídia, 241

Bibliografia, 295

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11

Estigma

Jornalista inventa, jornalista mente, só mostra o que quer mos-

trar, só fala de um lado da história, é pura manipulação, serve aos

interesses das grandes empresas, dos grandes partidos, vive de

jabá, quer mais é vender notícia violenta, notícia ruim, notícia ir-

relevante, nem precisa de diploma, é arrogante e prepotente, acha

que sabe um pouquinho de tudo, não sabe nada de nada, se mete

a contrariar especialista, viciado em café, cigarro, álcool, jornalis-

ta é um chato, um pedante, só quer fofocar, quer ver o circo pegar

fogo, gosta é de uma polêmica, jornalista emite opinião e fala que é

imparcial, é tudo comunista e ainda por cima escreve tudo errado.

*

Policial atira primeiro, pergunta depois, só aborda negro e

pobre, é tudo assassino, filhos da ditadura, chama golpe de re-

volução, prefere regime militar, é um repressor, o braço armado

do governo, dá medo, tem é que manter distância, policial é vio-

lento, vê a população como inimiga, criminaliza os movimentos

sociais, é morto de fome, não estudou, é ignorante, corrupto,

pede propina, não paga nada que compra, é um fortinho de ca-

belo raspado, um coxinha, é explorado e desconta a raiva nos ou-

tros, mal treinado, mal preparado, uma vergonha, reaça, invade

favela, vive de bico, gosta de ver sangue, gosta de dar porrada,

além de ser um pau mandado sem coração.

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12

Paralelo

Depois de meter-se a ser jornalista (ou até antes para os mais

espertos), vem a amarga constatação de que se trata de uma pro-

fissão bastante problemática, estressante, desvalorizada, mal re-

munerada, cercada de estigmas, mas que é um ideal de vida.

Tive a oportunidade de ouvir mil vezes da boca de jornalis-

tas o que era o jornalismo. Dispensei as generalizações do senso

comum como aquilo que ele não é. Ou não deveria ser. Ou pelo

menos não é só isso.

Nunca, porém, ouvi de um policial o que era a polícia. Melhor:

como era ser policial. Contentei-me com o estigma.

Defini a polícia, ao longo da vida, através de duas narrativas: a

dos porta-vozes oficiais que representam a instituição Polícia Mi-

litar do Estado de São Paulo e a dos jornalistas que denunciam os

crimes daqueles que deveriam combater os criminosos.

Enquanto as vítimas da PM, mesmo sem o destaque que os

violentados pelo Estado requerem, tinham sua voz representada

pelos jornalistas, pelos ativistas, pelas redes sociais, os homens

fardados não falavam. Deixavam a corporação falar. E nunca fo-

ram, portanto, nada mais que uma farda.

Nesses tempos em que jornalistas e PMs se encontraram

mais do que nunca e se enfrentaram mais do que nunca, achei de

bom tom conhecê-los. E vi no meu último trabalho nesta gradua-

ção uma oportunidade para isso.

Resolvi perguntar a mulheres e homens de farda: afinal, o

que é ser PM?

Trata-se, veja só, de uma profissão bastante problemática, es-

tressante, desvalorizada, mal remunerada, cercada de estigmas,

mas que é um ideal de vida.

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15

Prazer, PM

A Polícia Militar do Estado de São Paulo é responsável pelo

policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública.

Segundo a Constituição, é organizada como uma força auxiliar e

reserva do Exército Brasileiro. Está subordinada ao Governo do Esta-

do de São Paulo através da Secretaria Estadual de Segurança Pública.

O efetivo da PM em São Paulo é 88 mil homens (embora

o número fixado por lei seja de 93 mil), que trabalham em to-

dos os municípios do Estado.

Atualmente, o comandante-geral da PM é o coronel Be-

nedito Roberto Meira e o secretário de Segurança Pública é

Fernando Grella Vieira.

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16

Já a Polícia Civil, também subordinada ao Estado de São Pau-

lo, funciona como polícia judiciária (é responsável, por exem-

plo, por encaminhar detidos pela PM à Justiça) e apura infra-

ções penais, exceto as militares.

Organização

O Comando-Geral é o órgão máximo da corporação --inclui

o Subcomandante, o Gabinete do Comandante-Geral, o Centro

de Inteligência e o Centro de Comunicação Social. Subordina-

do ao Subcomandante, está o Estado Maior, com suas seis se-

ções, e a Corregedoria.

Abaixo estão os chamados Grandes Comandos. São eles:

o Comando de Policiamento da Capital (CPC), o Comando de

Policiamento Metropolitano (CPM) e o Comando de Policia-

mento do Interior (CPI). Unidades especializadas de policia-

mento estão no mesmo nível.

Dentro dos Grandes Comandos, estão os Comandos de Po-

liciamento de Área (CPA), geralmente compostos por três ba-

talhões e, cada batalhão, é composto por três companhias.

Cada batalhão tem uma Companhia de Força Tática, que tem

armamento mais pesado e atua em ocorrências mais complexas,

regiões de mais criminalidade e controla distúrbios civis. A Ro-

cam é o policiamento da Força Tática feito em motos.

O Comando de Policiamento de Choque é responsável pelo

controle de distúrbios civis e operações especiais. O Choque

tem um regimento de Cavalaria e quatro batalhões –a Rota

(Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) é o 1º batalhão. O 2º ba-

talhão faz o policiamento em grandes eventos. O 3º batalhão

realiza controle de distúrbios civis e faz escoltas de presos de

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alta periculosidade. O 4º batalhão é de Operações Especiais –a

1º companhia é o Coe (Comandos e Operações Especiais), a 2º companhia é o Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) e a 3º companhia é o Canil.

Gabinete do Comandante Geral

Comando

de Policiamento

do Interior:

tem 10 CPA

Comando do

Corpo de Bombeiros

Grupamento

Aéreo

Comando

de Policiamento

da Capital:

tem 8 CPA

Comando

de Policiamento

Metropolitano:

tem 4 CPA

Diretorias

Subcomandante

Comandante Geral

Comando de

Policiamento

Ambiental

Comando de

Policiamento

Rodoviário

Comando de

Policiamento

de Choque

Estado Maior Corregedoria

É a polícia da polícia, foi criada em

1948. Faz apuração de infrações penais

de militares da corporação e investiga

casos em que o policial militar é vítima.

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Divisões (menor para maior)

Destacamento

Pelotão

Companhia (a área de policiamento da companhia coincide com a

área de um DP da Polícia Civil)

Batalhão

Comandos de Policiamento de Área

Grandes Comandos (Capital, Região Metropolitana, Interior)

Seções do Estado-Maior

A 1º Seção do Estado Maior, funciona como um RH: admi-

nistra as políticas de pessoal, os concursos, as contratações,

as transferências e o pagamento dos salários. A 2º Seção co-

leta e analisa dados de inteligência e funciona também como

polícia interna da corporação. Na 3º Seção é que são definidas

as estratégias de ensino e de operações –onde será o patrulha-

mento do policial operacional através da análise dos índices

criminais. Na 4º ficam os assuntos relativos à logística da PM,

como transporte, alimentação e fardamento. A 5º Seção é res-

ponsável por assuntos civis, cuidando das relações públicas e

da comunicação. Finalmente, à 6º Seção cabem os assuntos de

orçamento e gestão pela qualidade.

Há uma reprodução dessa estrutura, com exceção da 6º seção, nos Grandes Comandos, Comandos de Policiamento

de Área e Batalhões. São os chamados “Ps”. Nesses escalões,

portanto, existem as seções P1, P2, P3, P4 e P5, responsáveis

por cada uma dessas áreas em uma escala menor, enquanto as

Seções abrangem todo o Estado de São Paulo.

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Hierarquia militar

PRAÇASFunção no policiamento

Aluno SoldadoAluno da Escola Superior

de Soldados por um ano

Soldado 2ª ClasseFormou-se e está em

estágio de um ano

Soldado 1ª ClassePatrulheiro

CaboPatrulheiro

3º Sargento

2º Sargento

1º Sargento

Comandante de Grupo de Patrulha –

Supervisor de Policiamento

Sub TenenteComandante de Grupo de Patrulha –

Supervisor de Policiamento

PRAÇAS ESPECIAIS

Aluno Oficial (cadete)Aluno da Academia do Barro Branco

por três anos

Aspirante a OficialFormou-se e está em estágio

de seis meses

OFICIAIS

2º Tenente

1º Tenente

Comandante de Força Patrulha –

Gerente de policiamento

CapitãoComandante de companhia ou

P1, P3 ou P5 de batalhão

MajorCoordenador Operacional ou

SubComandante de batalhão

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Tenente-Coronel

Comandante de batalhão.

Coroneis escolhem entre os tenentes-

coroneis quais serão promovidos

Coronel

Comanda Comandos de Policiamento

de Área e Grandes Comandos.

Atualmente, há 60 coroneis.

Histórico1

Atendendo ao pedido do ministro da Justiça nomeado pela

Regência, o padre Diogo Antônio Feijó, para que as províncias

criassem forças de segurança vinculadas ao Estado, o Presi-

dente da Província de São Paulo, Brigadeiro Rafael Tobias de

Aguiar, estabelece o Corpo de Guardas Municipais Voluntá-

rios em 15 de dezembro de 1831.

Durante o Segundo Império, o órgão, que adotou o nome de

Corpo Policial Permanente, era responsável por funções mais

repressivas no policiamento na periferia da capital e em outras

cidades, enquanto outras guardas tinham função mais preventi-

va e urbana, fazendo o policiamento do centro da capital.

Na República Velha, a milícia é reorganizada e recebe novas de-

nominações, consolidando-se como Força Pública do Estado. Nes-

sa época, com a concentração do poder na esfera estadual, a força

funciona como braço armado do poder político do Estado de São

Paulo e se fortalece, tornando-se uma espécie de pequeno Exército.

1 Texto baseado em ARRUDA, Luiz Eduardo Pesce de. Polícia Militar: uma crônica.

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A Força Pública atuou em conflitos tanto no período monárquico

como na primeira fase da República, tendo lutado, por exemplo, na

Guerra dos Farrapos, na Guerra do Paraguai e contra a Coluna Mi-

guel Costa-Prestes. Em 1926, com o afastamento da Força Pública

das áreas urbanas em função do combate à coluna, fez-se necessária

a criação da Guarda Civil para o policiamento da capital. A Guarda

Civil era auxiliar da Força Pública, mas sem caráter militar. À Guar-

da Civil, então, coube o policiamento de áreas urbanizadas e nobres

da capital, enquanto a Força Pública se concentrou no policiamento

da periferia e do interior e na realização de tarefas repressivas. Ainda

assim, a Guarda Civil também exercia tarefas repressivas por meio

da DR (Divisão de Reserva), base do atual policiamento de choque.

Em 1930, a centralização do poder com Getúlio Vargas esvazia

a esfera estadual, e o aparato bélico da Força Pública é desmante-

lado. Pela última vez, em 1932, a Força Pública funcionou como

Exército paulista, lutando na Revolução Constitucionalista, mas

vivendo momentos de incerteza após a derrota. Em 1940, a dita-

dura de Vargas, no esforço de enfraquecer o braço armado paulis-

ta, altera o nome de Força Pública para Força Policial.

Antes disso, em 1936, a lei federal 192 reorganizou as po-

lícias militares, atribuindo a elas funções policiais. No ano se-

guinte, a lei estadual 2905/37 também organiza a Força Pública

com um papel acima de tudo policial.

Em 1947 com a redemocratização, a Força Pública volta ao

seu nome original; mesmo ano em que a Guarda Civil se ex-

pande para o interior. Ainda assim, a partir daí, a Força Públi-

ca concentra-se em atividades de policiamento, com a primeira

companhia de radiopatrulha criada em 1948.

No golpe militar de 1964, a Força esteve em prontidão aguar-

dando a decisão de seu chefe, o governador do Estado, sobre se

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São Paulo apoiaria o novo governo militar, o que aconteceu. Com

isso, a Força Pública e a Guarda Civil vivem interferências do go-

verno federal centralizador –o ensino das corporações foi reorga-

nizado e os comandantes-gerais vinham do Exército. A Força Pú-

blica foi então organizada segundo o decreto-lei nº 667 de 1969,

que regulamentou as polícias militares do Brasil.

Ao policiamento fardado coube enfrentar guerrilhas urbanas e,

para isso, em 1970, é criada a Rota. A repressão adotada às ativida-

des terroristas é igualmente utilizada contra criminosos comuns.

Buscava-se acabar com o crime pela força e, com a conivência do

governo militar, a violência foi respondida com mais violência,

criando-se um estado de guerra urbana não declarada, no qual con-

frontos armados e a morte de suspeitos eram frequentes.

O contexto favoreceu uma atuação violenta adotado por poli-

ciais, inclusive com a criação de esquadrões da morte. O desres-

peito aos direitos humanos rendeu críticas, e a Polícia Militar foi

tida como um órgão violento, imagem que persiste até hoje.

No fim da década de 1960, a Guarda Civil, com 15 mil ho-

mens, atuava na zona sul, oeste e partes do centro da capital e nas

principais cidades do interior. A Força Pública, com um efetivo

de 35 mil, agia nas zonas norte, leste, centro e em todo o interior.

Como as polícias tinham funções semelhantes –e na tentativa de

controlá-las e submetê-las à doutrina de segurança nacional vi-

gente– foram unidas na criação da Polícia Militar de São Paulo

através do decreto-lei 217 de 1970.

Com a redemocratização, policiais militares passaram a assumir

o posto de comandante-geral em vez de oficiais do Exército. A Polí-

cia Militar voltou-se ao serviço à comunidade, com o objetivo de dar

segurança ao cidadão e não mais ao Estado. Manifestações democrá-

ticas exigiam e exigem ainda hoje o policiamento comunitário.

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A Constituição de 1988 trata da segurança publica no Capí-

tulo III, artigo 144: “A segurança pública, dever do Estado, direi-

to e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da

ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.”

O parágrafo 5º define que “às polícias militares cabem a polícia

ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bom-

beiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe

a execução de atividades de defesa civil.”

Em 1995, é criada a Ouvidoria das Polícias, regulamentada

com a lei nº 826/97, em 1997.

Nos anos 1990, o massacre do Carandiru e o caso Favela Na-

val revelaram uma polícia extremamente violenta e prejudica-

ram a imagem da corporação. A partir daí, a PM empenhou-se

de forma mais significativa no ensino de direitos humanos e no

policiamento comunitário.

Ao todo, 111 detentos foram mortos no Carandiru durante

operação da PM para conter uma rebelião em 1992. O julgamen-

to dos policiais só terminou em 2014 com 73 condenados. O co-

ronel Ubiratan Guimarães, responsável pela ação, foi condenado

a 632 anos de prisão em 2001, mas morreu em 2006, enquanto

o processo ainda corria em outras instâncias da Justiça.

O caso favela Naval foi revelado em 1997 pelo Jornal Nacional,

que exibiu imagens de policiais agredindo, extorquindo e até ati-

rando contra moradores do bairro de Diadema. Um deles foi mor-

to. O policial autor do homicídio foi condenado a 15 anos de prisão.

Atualmente, a PM adota o método Giraldi de tiros, recomen-

dado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, na tentativa

de diminuir o número de civis mortos em ocorrências.

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Novinho

Você sabe qual a diferença

entre um Palio 2002 e 2003?

Oswaldo, tenente

Emergência aqui! Papa Mike (PM, policial militar)

baleado! Papa Mike baleado!

COPOM, QRX (aguarde) na rede aí, atento aí, a via-

tura está modulando.

Comando, estou tentando verificar aqui qual viatu-

ra, porém é new, está vindo só o prefixo do HT (rá-

dio transmissor).

*

Dá um QRX (aguarde) parceiro, modula com cal-

ma aí, qual é o QTH (local da ocorrência)?

Tô aqui ó... Tô aqui é...

Viatura

Comando

COPOM

COPOM

Viatura

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26

COPOM, o comando pra informar é, encostando

aí, próximo a viatura aí DA025, QSL (a mensagem

foi recebida, foi entendida)?

Qual QTH (local da ocorrência), comando?

Pela rotatória aí, próximo à piscina.

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida), as

viaturas vão apoiar o comando na rotatória próxi-

mo a piscina. Viatura alvejada, Mike (militar) bale-

ado no local.

Positivo, ô COPOM. É umas três viaturas, botar aí

no QTH (local da ocorrência). Deslocar com cautela,

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida)?

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida). As

viaturas vão ter cautela no deslocamento, vão en-

costar, vamos chegar no apoio lá do policial.

Me tira daqui, porra.

Ô, COPOM, por gentileza, aciona o resgate pro lo-

cal. Policial aqui ferido, positivo?

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida) co-

mando, tem o QSA (a intensidade do sinal) aí do

Mike (militar)? A UR (Unidade de Resgate) já está

sendo acionada.

*

Ô, COPOM, joga para os demais aí da rede, uma

moto amarela envolvida, QSL (a mensagem foi re-

cebida, foi entendida)?

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida), aten-

ção a toda rede uma moto amarela. Moto amarela

apenas aí. Troca de tiro com a DA025. Mike (militar)

baleado. Todas as viaturas cautela na abordagem.

Comando

COPOM

Comando

COPOM

Comando

COPOM

Viatura

Comando

COPOM

Comando

COPOM

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27

Comando tem o QTH (local da ocorrência) que se

evadiu essa moto?

*

COPOM, verifica aí qual é a situação do resgate, do

QTH (local da ocorrência).

Comando, já acionei. Tô fazendo 193 (telefone do

Corpo de Bombeiros) pra confirmar.

Verifica quanto tempo demora pra chegar até o

QTH (local da ocorrência).

Só um QRX (aguarde), já volto.

*

Comando, QAP (na escuta).

QAP (na escuta).

Positivo, teve um desabamento aí na marginal QSL

(a mensagem foi recebida, foi entendida)? Todas as

URs (Unidades de Resgate) estão empenhadas lá,

porém já fiz contato com o comando de área, estão

tentando deslocar uma viatura pro local.

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida),

COPOM positivo. Vou efetuar o socorro aqui do

Mike (militar), QSL (a mensagem foi recebida, foi

entendida)?

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida), co-

mando. Qual PS (pronto-socorro)?

*

Comando, qual PS (pronto-socorro) aí vai fazer o

resgate?

*

Comando, comando, QAP (na escuta) do COPOM?

Deslocando aí com o Mike (militar).

Comando

COPOM

Comando

COPOM

COPOM

Comando

COPOM

Comando

COPOM

COPOM

COPOM

Comando

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28

Qual PS (pronto-socorro), comando?

PS (pronto-socorro) do portão 2.

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida). Vou

verificar uma viatura já dando início aos procedi-

mentos aí no portão 2, QSL (a mensagem foi rece-

bida, foi entendida)?

*

COPOM, 019 (viatura número 019) em acom-

panhamento a moto amarela, QSL (a mensagem

foi recebida, foi entendida)?

QTH (local da ocorrência), 19?

Ô, comando chegou pro senhor aí? 19 em acompa-

nhamento uma moto amarela. Cautela na aborda-

gem pode estar envolvido no QRU (alguma mensa-

gem, missão, ordem...) do Mike (militar).

*

COPOM, eu não copiei o último QTC (mensagem,

notícia), repita.

Chegou pra mim aí a 19 em acompanhamento a

uma moto amarela. Pode ser o QLO (local) aí do

Mike (militar), QSL (a mensagem foi recebida, foi

entendida)? Só não jogou o QTH (local da ocorrên-

cia). Não consigo mais contato.

Positivo.

*

COPOM, é a 014 (viatura número 014).

QAP (na escuta), 14.

Por gentileza uma pesquisa de emplacamento.

Prossiga.

Bravo (B), Lima (L), Lima (L), 0581.

COPOM

Comando

COPOM

Viatura 2

COPOM

COPOM

Comando

COPOM

Comando

Viatura 3

COPOM

Viatura 3

COPOM

Viatura 3

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29

Ô comando, ô comando. Dá um apoio. O cidadão

aqui tentou reagir. COPOM.

Ô 19, 19 qual é o QRU (alguma mensagem, mis-

são, ordem...)?

Atenção a rede aí QRX (aguarde), troca de tiro.

Qual o QTH (local da ocorrência), 19?

Comando, copiou o QRI (transmissão) da 19 aí?

Possível troca de tiro aí com QRU (alguma mensa-

gem, missão, ordem...) da moto amarela.

Pelo PS (pronto-socorro) portão 2 estou indo no

apoio, QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida)?

19, QTH (local da ocorrência) por gentileza. QTH

(local da ocorrência) aí pro apoio.

*

A vtr (viatura) do comando pra informar que junta-

mente com a 19 aí pelo QTH (local da ocorrência).

Positivo. Qual QTH (local da ocorrência) pra apoio,

comando?

*

COPOM, é o comando. Resgate aqui pro QTH (lo-

cal da ocorrência). É a rotatória aqui próxima ao

esqueleto.

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida). A

UR (Unidade de Resgate) tinha acabado de chegar

no QTH (local da ocorrência) da viatura alvejada e

confirmou o óbito do outro Papa Mike (PM, poli-

cial militar), então ela já está direcionada pra esse

QTH (local da ocorrência) aí.

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida).

*

Viatura 2

COPOM

COPOM

COPOM

Comando

COPOM

Comando

COPOM

Comando

COPOM

Comando

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COPOM, é o comando pra informar.

QAP (na escuta).

Positivo. É... durante a abordagem aí houve... o in-

divíduo reagiu aí à abordagem, fez menção de sa-

car uma arma, os policiais acabaram revidando,

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida)?

Como foi a situação aí do resgate pro QTH (local

da ocorrência)?

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida). O

resgate já está a caminho, positivo?

*

Comando, sem novidade aí com Papa Mike (PM)?

Positivo. Os policiais aí reagiram, graças a Deus

ninguém ferido.

QSL (a mensagem foi recebida, foi entendida), tem

a placa da moto aí? Verificar se é caráter geral.

COPOM, é Fox (F), Fox (F), Neutra (N), 2007.

Toda a ação, com duas ocorrências, leva cerca de nove minu-

tos. Isso porque trata-se de uma simulação dentro da área da Aca-

demia do Barro Branco. Na cidade de São Paulo, a distância entre

o QTH e o pronto-socorro não é a distância da rotatória da piscina

ao portão dois. O comando tampouco se desloca rapidamente en-

tre dois locais com trocas de tiro para dar apoio.

Ainda assim, a simulação é bem planejada. O aluno do cur-

so de formação de oficiais (que muitas vezes já é um policial

praça) entra em uma viatura e começa a circular pela acade-

mia sem saber de nada. Outros alunos estão posicionados em

seus lugares para representarem seus papeis. Na rotatória da

piscina, já está a viatura alvejada, com um policial desacorda-

Comando

COPOM

Comando

COPOM

COPOM

Comando

COPOM

Comando

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do e outro, ferido e nervoso, que avisa da ocorrência, mas não

informa o local. Os “papas mike” baleados têm até ketchup na

farda. O aluno tem que se virar pra achar a viatura ali e, depois,

mostrando pleno domínio do código Q, usado internacional-

mente pelas forças armadas, informar sobre a ocorrência ao

COPOM, o centro de operações, que reúne no rádio as infor-

mações dos policiais em suas viaturas e das ligações ao 190. O

teatro é repetido de novo e de novo: uma vez para cada dupla

de alunos. Um é o tenente e o outro é seu motorista.

De propósito também é a demora da ambulância, obrigando

o aluno a decidir entre esperar ou socorrer o policial ferido. Para

causar mais estresse, dois outros alunos, representando soldados

que patrulhavam a pé perto da ocorrência, chegam ao local do ti-

roteio e ficam desesperados com a cena, pressionando o coman-

dante a fazer o resgate. O nervosismo dos alunos, transparente

nas mensagens de rádio, chega a deixar a situação engraçada.

Alguma viatura aí no QTH (local da ocorrência)?

Só pra jogar pro COPOM aí quantos indivíduos ba-

leados, se tem policial baleado...

COPOM, solicito apoio. Preciso de uma... um....

De um o quê, comando? Pelo amor de Deus, co-

mando!!!

Preciso de um... do apoio de uma...

Ele está desmaiado!!!! Está desmaiado...

Apoio de uma ambulância.

Não há um tempo limite pré-determinado para esperar

a ambulância, mas diante da demora por causa do “desaba-

mento na marginal”, espera-se que o comandante decida por

COPOM

Comando

Soldado

Comando

Soldado

Comando

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32

socorrer ele mesmo o policial baleado, enquanto os soldados

tomam conta do policial desacordado. Em relação a civis, a

ordem é dar prioridade ao resgate por profissionais de saúde

porque um resgate mal feito pode custar a vida da vítima e a

carreira dos policiais que a socorreram.

No caminho do aluno ao “pronto-socorro do portão 2”, está

estrategicamente posicionada a viatura 19, com um casal de po-

liciais abordando um homem em uma moto amarela. A ideia é

que o comandante veja a viatura e perceba a abordagem da moto

para já saber o lugar aonde ir quando a mesma viatura disser que

o homem reagiu, já que esse local tampouco é informado pelo rá-

dio. Ali também, os alunos fazem graça.

COPOM, cidadão baleado aqui no local, COPOM.

Tentou reagir aqui. E não teve jeito, COPOM.

Os alunos dão risada. “Defina ‘não teve jeito’”, diz uma delas.

Quando o aluno chega junto à viatura, vê o corpo do suspeito

da moto amarela caído no local. Os policiais, nervosos, justificam

os tiros dizendo que o homem fez menção de sacar uma arma e,

com certeza, devia ser o “desgraçado” que baleou o outro policial.

Os alunos atores vão inclusive retirando as cápsulas de bala do lo-

cal enquanto explicam o que aconteceu.

É aqui o principal teste do futuro tenente. Mesmo depois de

todo o estresse da ocorrência anterior, com um policial ferido e

outro morto, ele tem que desconfiar daquela troca de tiros –foi

mesmo uma reação necessária ou pode ter sido uma execução? O

procedimento correto é separar os policiais para explicarem a ocor-

rência. Perguntar qual deles atirou. O local tem que ser preserva-

do. O tenente precisa verificar as cápsulas e a posição do corpo

Viatura

Page 34: Prazer, PM

33

para ver se coincidem com o relato dos seus subordinados. Além

disso, deve recolher a arma do policial que atirou e do homem que

tentou reagir. A melhor parte da ocorrência é esta: o homem mor-

to não estava armado. Nem todos os alunos descobriram isso por-

que nem todos solicitaram a arma do suspeito aos policiais.

“É uma ocorrência de alto estresse. Teve uma troca de tiro.

Ninguém sabia onde, o policial não conseguia informar. Estava

todo mundo desesperado pra saber onde era o local. Quando ele

encontra o local, fica naquela né? Socorre, não socorrre, policial

baleado, o outro morto...”, explica o jovem tenente Andrade, ins-

trutor da turma e idealizador do exercício. Ele também participa

fazendo o papel do Copom. Vai acompanhando a viatura com seu

próprio carro: um Hyundai HB20 branco. Os alunos que já passa-

ram pelo teste ficam por ali, dedurando os outros.

— Olha lá, passou [para o pronto-socorro] olhando o retrovisor

nem viu a cor da moto [sendo abordada].

No fim, o tenente fala com cada aluno:

— Você viu a abordagem quando estava indo ao pronto-socorro?

— Tinha dois indivíduos sendo abordados. Eu lembro.

— Não, era só um.

— Era só um mesmo?

Os outros alunos tiram sarro: “Está vendo fantasma.” O te-

nente continua:

— A hora que você passou pela abordagem já havia lançado [no

rádio] que era uma moto amarela.

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— Isso.

— Não passou nada pela sua cabeça?

— Era o capeta. O que provavelmente baleou o policial lá.

— E você não acha estranho o cara estar sendo abordado e depois

aparecer morto?

— Se ele reagiu...

— Com o quê?

— Com arma. Já aconteceu comigo. Eu fui abordar....

— Mas cadê a arma? Não tinha arma.

— A policial disse pra mim que ele fez menção de sacar arma.

— Então você precisava separar esses dois pra contar direito essa

história. E perguntar para o morto vendo o corpo dele. Você preci-

sa olhar se foi de baixo pra cima. Outra coisa: o local também fala.

Quem que atirou? Você não perguntou.

— Foi ela.

— Tá. Ela atirou da onde pra onde? Daqui pra lá. O que que você

precisa olhar? Se tem cápsulas pro outro lado. Tem que olhar a

arma dos dois. Perguntar quantos disparos deu. O fundamental

é separar os dois.

O sol da manhã já vai alto no céu enquanto os alunos repetem o

teatro das ocorrências. Seu dia começou horas antes com a revista

matinal no pátio da Academia de Polícia Militar do Barro Branco,

na avenida Água Fria, Tucuruvi, na zona norte. Bem ao lado do Co-

légio Objetivo, onde a Água Fria encontra a avenida Nova Cantarei-

ra, há uma ruazinha com um portal e uma cancela. É a entrada da

academia. Ali, por três anos, os alunos oficiais têm aulas teóricas e

práticas em um complexo que mais parece um clube –bastante ar-

borizado, com espaço para prática esportiva e simulações de ocor-

rência, além dos prédios com salas de aula e dormitórios.

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A ruazinha continua no lado de dentro. Passando por um

ginásio, leva ao estacionamento em frente à entrada do prédio

principal. No saguão, ficam duas colunas no estilo greco-romano.

Uma indica “ala General Salgado”, e abaixo “hierarquia”. Na ou-

tra: “ala general Miguel Costa – disciplina”. Educação não está

escrito em lugar nenhum, mas não precisa. Ninguém passa por

um civil no corredor sem desejar bom dia. Ninguém passa por

um militar superior sem prestar continência.

O prédio e o rancho (o refeitório) estão dispostos formando um

retângulo, de maneira que, no centro, fica o amplo pátio para as ce-

rimônias e os desfiles. O teto de tijolos do rancho tem uma enorme

pintura com a bandeira do Brasil à esquerda, a bandeira de São Pau-

lo à direita, o logotipo da Polícia Militar ao centro e os dizeres de cabo

a rabo: “Escola de Comandantes”. Nas paredes de fora do rancho, há

uma sequência de placas com os nomes de todos os Estados brasilei-

ros seguindo a ordem da sua fundação e, quando há cerimônias, as

bandeiras de cada um deles também são penduradas ali. O chão do

pátio tem uma grande pintura azul com o símbolo do Barro Branco.

— Escola, sentido! – ordena um major.

Sete horas da manhã. A revista matinal começa. Todos far-

dados e em formação. Nessa cerimônia diária, os alunos cantam

as canções militares. Naquela sexta, foi a vez da Canção do Pa-

trulheiro. Para ajudar a memorizar, os alunos têm um hinário

com as letras de todas as canções. Depois, desfilam marchando

ao som da banda. Os alunos do terceiro ano é que vão à frente de

cada pelotão. Em certo momento, gritam todos:

— Barro! Branco!

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As pernas se movimentam absolutamente juntas. O ritmo é mar-

cado pelos passos no chão. A exibição é tanto bonita quanto sur-

real. Um desfile de 7 de Setembro, mas diário. Só depois é que

os alunos são liberados para as aulas. E o tenente Andrade pode

começar sua instrução de procedimento operacional.

O tenente é responsável por um pelotão de 30 alunos do

terceiro ano. Seu braço direito é o aluno “mais antigo” –o que

está no topo da hierarquia entre policiais da mesma patente.

Como os alunos, na verdade, não podem ser comparados por

antiguidade por terem entrado juntos na academia, o aluno

mais antigo é aquele com maior nota.

Como uma espécie de comandante-chefe do grupo, o tenente

verifica se os alunos estão em ordem, passa os recados da acade-

mia e, principalmente, conta das suas experiências na rua para

criar familiaridade com a atividade de policiamento.

Mas o tenente Andrade não é um tenente como os outros. É

um tenente novinho. Aos 26, tem mais cara de Oswaldo do que

de tenente Andrade. Suas aulas têm de vídeos do Porta dos Fun-

dos sacaneando a abordagem policial violenta a causos de roubo

de bancos, passando por áudios verdadeiros de ocorrências. Pra-

ticamente recém formado na academia e no posto mais baixo do

oficialato, ele faz mais o tipo brother: é amigo dos alunos.

“O vídeo do Porta dos Fundos [“Dura”] não é pra ficar revolta-

do. É pra rir. É pra ficar revoltado que isso exista. Temos que usar

pra melhorar. É uma crítica. Se você nunca fez isso ou nunca pre-

senciou isso como civil ou policial, você tem que saber que existe.

E, se existe, vamos tentar evitar.”

Oswaldo é o filho mais velho de uma escadinha –os irmãos

têm 25 e 24. Ele tem ainda uma irmã mais velha, de 32 anos. Pro-

fessora de ioga, budista e vegetariana, mora na Alemanha. É filha

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do primeiro relacionamento da mãe. O pai dela não quis se res-

ponsabilizar. Sumiu no mundo.

Já o pai de Oswaldo por pouco não vira padre. Sua mãe,

vó materna do tenente, largou o marido pra virar freira e to-

car um orfanato. Pela convivência próxima com religiosos, ele

quase seguiu o mesmo caminho, não fosse ter conhecido a

mãe de Oswaldo. Num fim de semana de folga do seminário,

voltou para o orfanato da mãe. “E aí quem tava lá lavando prato

que era funcionária da minha vó? Minha mãe”, conta Oswaldo.

O casamento, porém, acabou em 2010.

A atividade religiosa da avó garantiu bolsas para os netos e

para as crianças do orfanato em colégios particulares. “Graças

a Deus a gente conseguiu ter um ensino de qualidade. Foi pri-

mordial para nossa carreira.”

Oswaldo morou a vida toda na zona norte. Há cerca de um

ano, se mudou para a casa da namorada, que estuda Engenharia,

e diz que a convivência com os sogros é ótima. “Eu sou o intruso

na sociedade. Mas meu sogro foi militar também. Ele foi do Exér-

cito durante um tempo, sofreu um acidente numa instrução e per-

deu os movimentos de dois dedos. Ele ainda tem a coisa do militar

muito forte. Quando descobriu que eu era tenente, adorou.”

Criado também no orfanato da avó, Oswaldo era católico. Era.

Hoje não tem mais religião, apesar de manter a religiosidade.

“Acredito em Deus, acredito que tem alguma coisa que une todos

nós. Porque tudo é muito complexo, a natureza, a relação de to-

dos os animais, a gente... é uma coisa muito complexa pra existir

só por acaso. Acho que existe algo por trás. Agora como é chama-

do, como funciona e pra onde a gente vai, eu não sei.”

Crismado e ex-coroinha, sua prática religiosa ia além da

missa aos domingos. Participava de cursos e grupos de estu-

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do. Aprofundando-se na parte histórica, na origem do catoli-

cismo, na origem das outras religiões e na relação de Jesus

com profetas das demais crenças, o tenente viu que os símbo-

los são os mesmos e concluiu que as religiões foram inventa-

das para obtenção de poder.

Além disso, ele já questionava a proibição da camisinha

e do aborto. A gota d’água, porém, foi a separação dos pais.

“Onde eu achava que mais ia ter apoio, foi onde menos teve:

dentro da igreja. Em vez de dar suporte pra família, começou

o zunzunzinho: ‘ah! eu sempre soube...’”

Defensor das liberdades individuais, além da legalização

do aborto, Oswaldo é a favor da legalização da maconha. “Do

ponto moral, filosófico, até que ponto o Estado pode impedir

alguém de usar algo?”, questiona.

“Em algumas sociedades não é proibido o álcool? Antigamente,

tinha sociedade que era proibido o café. Hoje eu estou aqui toman-

do um cafezinho. Se eu estivesse em outra sociedade, anos atrás,

eu estaria sendo preso. É tudo uma questão cultural.”

Fora que a legalização seria uma mão na roda para a polí-

cia, que gasta tempo, dinheiro e esforço prendendo traficantes só

para que sejam substituídos instantaneamente no que se tornou

um sistema quase empresarial e muito lucrativo.

A legalização da maconha, desde que feita com bastan-

te orientação sobre os riscos do consumo, ajudaria porque o

consumidor dessa droga mais leve, ao se aproximar do tráfico

para obtê-la, pode acabar comprando também cocaína e cra-

ck, explica Oswaldo.

“Uma vez eu prendi um menor no tráfico. Como tinha que

achar um responsável, fui até a casa dele numa favelinha aqui na

zona norte. Aí toquei lá, a mãe não estava. Só o irmão.”

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— Puta! De novo? Meu irmão é foda.

Na viatura, o tenente aproveitou para conversar.

— Seu irmão já faz isso faz tempo?

— Ah, meu irmão é um perdido na vida. Olha, não vou poder de-

morar porque tô indo lá pro McDonald’s que eu trabalho agora.

— Você trabalha no Mc?

— Trabalho. Ganho R$ 800 por mês. Meu irmão tira isso por dia.

Na cabeça do jovem, a decisão: ganhar R$ 800 por dia ou por

mês? Aí Oswaldo separa os que têm cabeça fraca dos que, como

ele, tomam a decisão certa. “Eu tenho minha visão e eu não quero

isso para minha vida. Uma hora a casa do traficante vai cair, ele tá

fazendo uma coisa errada. É uma questão moral.”

Oswaldo não vê o criminoso como alguém obrigado a viver fora

da lei por não ter oportunidade dentro dela. É alguém que fez uma

escolha. No mundo, existem pessoas boas e más, ele diz. “Talvez eu

fosse muito inocente. Quando eu fui pra rua, eu vi um pouco mais

da maldade. Eu não tenho dó nenhuma de prender o cara. Ele fez

uma coisa errada, ele tem que pagar. Tem até aquela frase que as

pessoas criticam: antes ele do que eu. Mas é a pura verdade. Eu sou

um agente da lei, estou trabalhando, fui treinado durante quatro

anos pra fazer isso, pra me proteger, pra proteger terceiros. Agora

um ladrão? Se eu me defendi, a ocorrência é 100%.”

A opinião e o pensamento de Oswaldo sobre a polícia e a

atividade policial não divergem muito da posição adotada geral-

mente pelos homens fardados. É claro que, até por ser jovem e

ter sido formado numa polícia mais moderna e humanizada, ele

faz mais ressalvas e admite erros na corporação, mas não foge

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de um caminho delimitado –mesmo quando defende a legaliza-

ção da maconha. É uma nova cara da velha polícia. Mas apenas

isso já é quase uma revolução.

Ele não foge à regra quando argumenta que a criminalidade

não é só problema da polícia ou da falta dela. “Compete a outros

fatores: educação, saneamento básico, emprego.”

Quando diz que a lei é muito branda. “A gente vive num Esta-

do impune. E isso acaba aumentando a violência policial. O poli-

cial vai dar uma de Superman e resolver do jeito dele.”

Quando critica o sistema carcerário. “Pra mim está falido.” De

fato, há um déficit de 220 mil vagas no sistema prisional. Enquan-

to a população cresceu 12% entre 2000 e 2010, a população car-

cerária cresceu 128%. Em 2013, cerca de 40,1% dos presos eram

provisórios, ou seja, nem tinham tido seu crime julgado ainda.

Para começar a consertar a situação, o governo federal teria que

investir R$ 11 bilhões só em criação de vagas, mas o investimento

desde 2010 foi de apenas R$ 3,6 bilhões. “O preso não é ressocia-

lizado, aprende coisa pior com quem já está lá. Também não é mo-

tivo de exemplo porque o cara que está na rua sabe que, se rodar,

vai ficar uns mesezinhos preso e logo volta.”

Quando defende a redução da maioridade penal –com ressal-

va de que, já que o sistema carcerário está falido, essa medida de

nada adiantaria. “Eu já abordei cara de 17 anos que tinha 11 pri-

sões. Ele falava que tinha um ano ainda de liberdade para conti-

nuar roubando –‘Depois eu sossego’. Falava isso na minha cara!

E o que você vai fazer?.”

Quando prefere as policias civil e militar unificadas –“com as

informações compartilhadas”– ou então separadas, mas com o

ciclo de atuação completo –“deixa a Polícia Civil livre pra investi-

gação e a PM encaminha os detidos para a prisão.”

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Quando alfineta os jornalistas. Oswaldo, porém, não genera-

liza. “Tem pessoas que são mais tendenciosas a um ponto e tem

pessoas que são mais tendenciosas ao outro lado. É difícil passar

informação sem exprimir opinião.”

Quando reclama que o salário não compensa o risco. Um

tenente recebe R$ 6 mil brutos por mês. São descontados cerca

de R$ 2 mil. Aos 26 e sem filhos, Oswaldo acha um valor até

que bom. “Talvez não pelo risco que eu corro. Posso subir numa

favela e tomar um tiro, posso estar atrás de um carro roubado

e tomar um tiro. Eu nunca disparei, mas já dispararam contra

mim. Na hora, você fica na dúvida: vou reagir ou não vou? De-

pois, você fica pensando: podia ter morrido.”

Se um policial morre, a família pode receber até R$ 200 mil

de indenização –em 2013, o Estado dobrou o valor que antes che-

gava no máximo a R$ 100 mil. Claro que não é tão fácil. O Estado

pode demorar a liberar o seguro. Precisando pagar as contas, as

famílias passam necessidade. Quem salva, em geral, é a vaquinha

do pelotão. Um acidente na viatura, também é o PM que paga. O

policial vê um carro roubado, mas, antes de começar a persegui-

-lo, tem que parar e pensar: se eu bater a viatura, tenho dinheiro

pra pagar? “É complicado.”

“É complicado” define muita coisa na polícia. É a frase prefe-

rida de Oswaldo. Às vezes, vem acompanhada de uma risada, que

toma conta do rosto fino –sempre em evidência diante da falta de

cabelo, que é raspadinho bem rente, no estilo militar.

Há menos de dez anos, ele ficava de saco cheio com essa história

de farda bem passada, barba impecável, cabelo raspado. Já foi critica-

do pela falta de cuidado com esses itens essenciais quando era ainda

o aluno-oficial Oswaldo Andrade, que passava pelos corredores do

Barro Branco batendo continência pra todo mundo. Hoje é ele quem

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recebe continência dos alunos e anota as fardas encurrunhadas sem

pudor algum. Tudo por causa da teoria das janelas quebradas.

A lógica é a seguinte: um prédio abandonado está em perfeito

estado até que tem suas janelas quebradas. Esse descuido é inter-

pretado como descaso e as pessoas se sentem, então, livres para

cometerem pequenos crimes ali, como jogar lixo irregular, por

exemplo. É por isso que num bairro largado pelo Estado, sem ilu-

minação, sem saneamento, sem estrutura, os pequenos crimes se

proliferam, alimentando uma bola de neve. Num bairro de classe

alta, por exemplo, um pequeno crime já não passa despercebido.

Ora, no quartel a mesma coisa. Oswaldo diz que nenhum

amassado no uniforme pode passar incólume ou ele estaria ali-

mentando a bola de neve. “Eu vou criar 30 caras do meu pelotão

que vão estar nem aí. Não tá nem aí pra farda, não tá nem aí pra

tal coisa.... São vários ‘tá nem aí’ pequenos que talvez reflitam

num ‘tá nem aí’ médio. Vários ‘tá nem aí’ médios, geram um gra-

ve.” Ou seja: não deixe as janelas serem quebradas. A corporação

se preocupa primordialmente com isso. O próprio Regulamento

Disciplinar da Polícia Militar não define procedimentos no po-

liciamento, mas trata majoritariamente dos valores defendidos

pela corporação, das normas de conduta, da ética militar, das fal-

tas disciplinares e suas punições.

No Barro Branco, a função de Oswaldo é justamente conduzir

aqueles alunos e lhes relatar suas experiências como se fosse mesmo

um paizão, ele brinca. Além de anotar esses desvios do “tá nem aí”,

ele entrevista os alunos a cada bimestre, avaliando onde podem me-

lhorar e também, claro, onde a academia pode evoluir. “Se eu con-

seguir incutir um pouquinho em cada um o que eu penso e o que

a sociedade espera da policia, eles vão ensinar sargentos, soldados e

cabos, que vão transmitir isso pra população. É disso que eu gosto.”

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Na rua, o trabalho do tenente é o mesmo: instruir. Mas, em

vez de alunos, são os praças o foco dos ensinamentos. Com um

ano de curso, o praça é formado para ser um executor. Assim

como os oficiais, tem aula de polícia comunitária, direitos hu-

manos, comunicação social, direito, mas não na mesma carga

que no Barro Branco. O soldado de São Paulo, cuja formação

é referência no Brasil, tem 1.516 horas de instrução. O oficial,

que também deve dominar a parte administrativa, além de aná-

lise criminal e desenvolvimento de planos de policiamento, tem

5.465 horas. Recentemente, o tempo de curso foi reduzido de

quatro para três anos. Os alunos oficiais recebem um salário

inicial de R$ 2.663,50. Em todo o Estado, são cerca de dois mil

soldados e 200 oficiais formados por ano.

Uma evolução da PM nesse quesito é a implantação de uma

formação mais humanitária, sem humilhação, castigos e des-

respeito aos direitos humanos no intuito de que o policial, ao

ser respeitado, respeite também o cidadão quando for para a

rua. “Isso é perceptível. Aqui dentro todo mundo fala. O treina-

mento de acordar de madrugada, soltar bomba, correr e vir aqui

ficar sem comer já não existe. São coisas que já não tem. São

diferenças de longos anos e de poucos anos. Os que entraram

agora já não tiveram o que eu tive em 2006.” Os alunos tam-

bém não ficam mais presos na academia sem direito à defesa.

Quando recebe uma punição, o aluno agora pode recorrer.

“As coisas estão evoluindo. Aos passos de tartaruga, como a

sociedade. Dá dois passos, volta um, dá dois, volta um. A PM

também é assim. Eu estou instruindo meu pelotão talvez de uma

forma que eu não fui instruído. Se dois, três, quatro ou cinco ca-

ras pensarem assim, eles vão instruir daqui a cinco ou dez anos

outros oficiais. Então vai mudando.”

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Um dos desafios do tenente é desmistificar os direitos hu-

manos para sua tropa. “A população acha que direitos humanos

é só pra proteger bandido. A tropa tem um certo preconceito de

achar que é o ‘direito dos manos’. Mas eles existem para prote-

ger quem não é amparado pela sociedade, até os policiais po-

dem ser protegidos pelos direitos humanos”, explica Oswaldo. E

explica de novo. E de novo. E vai falando com o pelotão. Falando,

orientando, instruindo, carregando cada soldado pela mão. Até

melhorar a qualidade do policiamento.

Quando saiu do Barro Branco, Oswaldo trabalhou por dois

anos como comandante de força patrulha no 9º batalhão. Era o

oficial responsável por fiscalizar as patrulhas de policiamento,

ou seja, as viaturas que atendem o 190, de toda a área do ba-

talhão: Vila Guilherme, Santana, Casa Verde e Limão. É uma

região especial por ter zonas de favelas e bairros de classe alta,

além de abrigar o Anhembi com seus eventos –o pobre Oswaldo

trabalha em todos os desfiles de Carnaval.

“Lidar com bandido é a minoria dos casos. A gente não pren-

de gente todo dia. O maior número de atendimentos é o chamado

Charlie 4, que é a nossa desinteligência. Todo dia, todo horário

tem desinteligência. É aquele pessoal que briga, se envolve em

algum tipo de atrito e liga 190.”

Mas erram os que pensam que policiar é fácil. Um carro foi

roubado. Um Palio prata, ano 2002, duas portas. “Você sabe

qual a diferença entre um Palio 2002 e 2003? Eu também não

sabia, tive que aprender. Fui perguntando para os policiais,

vendo no Google...”

É complicado.

Oswaldo revela ainda um personagem da patrulha de todo dia:

o policial mais ou menos. O policial mais ou menos é herói? Não.

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É assassino? Não. Tampouco é corrupto. O policial mais ou menos

é só mais ou menos. Feijão com arroz. “Um carro foi roubado? Be-

leza, eu vou continuar indo pra lá pra atender minha ocorrência.

Ou: um carro foi roubado? Eu vou atender minha ocorrência, mas

vou prestando atenção nos carros. Pra gente, internamente, é o que

diferencia um policial mais ou menos de um policial bom.”

As ocorrências ficam mais graves no patrulhamento de For-

ça Tática, da qual Oswaldo também participou por dois anos. São

doze horas de patrulhamento em Blazer ou Hilux, com três ho-

mens na viatura e armamento mais potente.

A pior ocorrência da sua vida foi um estupro. De uma criança.

Que ainda chorava quando a viatura chegou. Acabara de aconte-

cer. Um parente que costumava tomar conta do menininho um

dia foi pego no flagra e fugiu. Mas a PM o encontrou. “Na hora

aquilo foi crescendo e parecia que tinha sido um parente meu. Fi-

quei com raiva, com raiva. Quando a gente pegou ele, queria ex-

travasar a raiva, mas tem que ser muito consciente. Respira, conta

até dez, algema, põe na viatura e leva.”

Outra ocorrência que muda o semblante de Oswaldo quando

vem à memória é um acidente que poderia ter acontecido com

qualquer um: uma moto avançou no sinal amarelo e bateu na sua

viatura. O condutor foi arremessado para um lado, o garupa para

o outro. A viatura rodou, o vidro estilhaçou. Veio a ambulância e

constatou que o motoqueiro tinha morrido. Sua mulher sobrevi-

veu. “Foi triste na hora ela gritando, e a gente já sabia que ele es-

tava morto. E meu motorista também estava super abalado. Foi

complicado. Eu lembro até hoje. Você fica pensando um monte

de coisa: será que não daria pra evitar?.”

“Não era um ladrão, não era uma pessoa que estava procuran-

do. Eu já cheguei em diversos tiroteios que o ladrão acabou mor-

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to. Mas é diferente, por mais que envolva morte, a gente chega lá

e vê que a pessoa procurou aquela situação. Eu tenho muito mais

sensibilidade quando é uma vitima.”

É complicado.

Em 2013 e 2014, Oswaldo viveu situações talvez ainda mais

complicadas na PM: foi escalado para participar das manifesta-

ções do Movimento Passe Livre e anti-Copa. É especialmente difí-

cil, diz o tenente, balizar os direitos das pessoas: o direito à mani-

festação e o direito de ir e vir. Além disso, tem os policiais –casos

pontuais, enfatiza– que são estourados e acabam agredindo ma-

nifestantes e jornalistas. Para uma corporação jovem, 183 anos

diante de um país de 514, Oswaldo crê que a PM aprendeu muito

com os protestos em massa.

“Houve excessos de ambos os lados. A gente tem que ficar

ouvindo e vendo coisas que são ilegais. Mas tudo bem, estou lá

para defender o direito da pessoa de protestar. Agora, quando

a pessoa já vai com a intenção de depredar e entrar em con-

fronto, não tem o que fazer. A tropa de manifestação trabalha

do meio-dia até a noite. Às vezes, trabalha doze horas. Você

já vai estafado, né? Aí o cara tá lá fumando um baseado e me

chamando de coxinha filha da puta porque eu não estudei e vi-

rei polícia. É fácil aguentar isso aí? Não é fácil... Eles não estão

ali pra protestar. Você acha que quebrando banco, queimando

lixeira, alguém está protestando alguma coisa? Pra mim, isso

não leva a lugar nenhum. O dono do banco tá rindo da cara

dele. Tudo tem seguro. E o governo está maravilhado. Porque

coloca a população contra a polícia e fica fora de foco. A maio-

ria das manifestações qual foi o resultado? Quebra-quebra e

confronto. Então fica polícia versus manifestantes e todo mun-

do esquece a real intenção da manifestação.”

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O problema do quebra-quebra é que sobra pra todo mundo. Essa

ação indiscriminada da polícia também é alvo de críticas, mesmo

fora de situação de manifestação. O contrário também é deplorável:

quando a polícia se concentra em abordar negros e pobres. Oswaldo

justifica que é necessário abordar qualquer suspeito. Qualquer.

“Um palio branco é roubado. Eu vejo um palio branco e abordo.

Mando todo mundo descer. A pessoa já desce achando um absurdo:

— Mas eu não fiz nada!

Calma, mano. Eu não sei. Eu não sei! Não está escrito na sua

testa. Até a gente conseguir ver quem é quem, tem que levantar a

mão. Deixa eu ver se está armado, se não está...”

A polícia, muitas vezes, é respeitada por medo, lamenta o te-

nente e diz que o temor vem da ditadura. “É engraçado falar por-

que eu não vivi a ditadura, meus pais viveram. A minha geração

de policial é diferente dos coronéis que viveram a ditadura. O en-

sinamento que eles tiveram é diferente do que a gente teve e do

que a gente está dando agora.”

Ainda assim, a visão da sociedade sobre a polícia é ruim –

uma polícia truculenta e repressiva, o braço armado do gover-

no. Sem contar que a polícia sempre é chamada nas situações

de erro, de crime, de sangue e de história triste. Tudo isso cria

uma visão da corporação.

“É difícil, né? Ser policial. A gente trabalha com cercea-

mento de liberdade, restringindo os direitos da pessoa. Todo

mundo que está errado, não admite que está errado, não gosta.

A pessoa para o carro no lugar errado, aí você vai autuar, ‘é só

um minutinho’. Ou seja, pra ela pode abrir uma exceção. Mas

quando ela está vendo alguém fazendo alguma coisa errada, aí

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tem que tomar a atitude correta. A gente vive numa sociedade

um pouco hipócrita.”

Oswaldo garante que a ditadura não é assunto de aulas nem

de conversa de corredor na academia. Não é tema de velhos co-

ronéis saudosos. Até porque muitos instrutores nem viveram

direito o regime militar. Eram muito jovens. O comandante da

academia, por exemplo, tem uns 50 anos. O tenente, por sua

vez, acha que não é certo viver num governo que restringe seus

direitos, mas, ao mesmo tempo, critica o sistema atual. “A nossa

democracia talvez não seja uma ditadura fantasiada? Realmen-

te todo mundo tem direito à educação, à saúde? Até que ponto

a gente melhorou?” Novamente, sem ser diferente dos demais

homens fardados, ele diz gostar do militarismo pelos valores es-

senciais na formação de um indivíduo.

“O pessoal fala que no militarismo vamos aprender a com-

bater um inimigo, como o militar das forças armadas. Então o

policial vai ver a sociedade como inimiga. A gente não tem ne-

nhum tipo de treinamento aqui em que a gente veja a sociedade

como inimiga. É diferente. Acho que isso está mudando cada

vez mais. O que a gente consegue utilizar que é muito bom no

militarismo é a ordem, a hierarquia, a disciplina. É o cara saber

que ele tem que acordar 6h, ele tem aula 7h30, não pode atrasar,

ele tem que vim aqui, cantar o hino nacional. Acho isso essen-

cial para a nossa função. Se você vai cuidar da sociedade, você

tem que pelo menos tentar ser o exemplo.”

Alguns policiais estão bem longe de ser o exemplo. O tenen-

te diz que essas pessoas “más” vêm da sociedade má e que suas

ações acabam encobrindo as boas práticas da PM. E ele concorda

que os desvios tenham mesmo que chamar atenção. Oswaldo de-

fende ainda a justiça militar, que diz ser mais eficaz. No boletim-

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49

-geral publicado todos os dias na intranet, ele vê a lista de poli-

ciais expulsos da corporação por diversos motivos. “Com certeza,

posso falar que a PM tem muito mais homem bom e muito mais

coisa boa. Porém, acho que acabam tomando maior proporção as

coisas negativas. Acho que todo lugar é assim.”

Sobre a fama de violência e as comparações com o Exérci-

to, o tenente explica que a PM adota o método Giraldi de tiros,

baseado no “double tap”: são dois tiros com o objetivo de fazer

o agressor parar. Caso ele continue, mais dois tiros. Além dis-

so, a munição da polícia, ponto 40, tem “alto poder de parada”.

Ou seja, vai parar no agressor, e não passar por ele. No Exército,

onde um tiro de preferência tem que matar logo uns três, a mu-

nição é transfixante –ultrapassa o corpo atingido.

E quem cobra da polícia que o tiro acerte braço ou perna não

sabe o que diz. É impossível, explica Oswaldo, ter essa mira espe-

cífica. Só para os atiradores de elite que, em geral, não estão cor-

rendo ou dentro de um carro em movimento.

Na academia, os alunos também treinam tiro ao alvo. O som

do disparo é de doer os tímpanos. Muito mais alto que nos fil-

mes de ação. Enquanto a turma de Oswaldo se virava na ocor-

rência do “papa mike” baleado, outra turma fazia, em duplas,

uma sequência de exercícios conjuntos. Era como uma gincana:

tinham que terminar as estações no menor tempo possível. Já

saem da viatura correndo, levando uma arma de cano longo. O

primeiro desafio era conter uma pessoa alterada (por drogas ou

problemas psicológicos). A capacidade de luta corporal é avalia-

da. Depois, eles arrastam de um cone a outro um boneco de 80

quilos que representa um PM a ser socorrido. É a vez de pular

um muro –um policial tem que fazer pezinho para o outro e

depois conseguir pular sozinho. Testam o equilíbrio em uma

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trave paralela e desviam de obstáculos. Pulam um muro menor

no impulso. Uma corrida entre cones, transporte de um pneu,

um rolamento e voilà! Não acabou. A última estação é a de tiro.

Uma série de tiros ao alvo e, agora sim, podem descansar.

De segunda à quinta, as aulas vão das 7h às 17h30. Na sexta

acaba mais cedo, às 13h. A alegria dá para ouvir: dos dormitórios,

os alunos cantam música sertaneja. É sexta-feira. Vão voltar para

suas casas. Os alunos do primeiro e segundo ano passam a sema-

na na academia. Apenas o terceiro ano não é interno.

Antes disso, porém, os alunos têm que ouvir os últimos reca-

dos do tenente Andrade. Meio dia e meia, ele reúne os alunos em

formação: um atrás do outro, em fila.

— Primeira Companhia, sentido!

O pelotão bate continência.

— Companhia, dispensar!

Os alunos se posicionam com as pernas abertas e os braços

cruzados para trás.

— Companhia, à vontade.

As vozes vão se levantando, instala-se o burburinho. Os soldados

conversam entre si sem precisar manter a postura. Fica até difícil

para o tenente recuperar a palavra. Alguns soltam um “shiiiiiu”.

— Atenção, companhia!

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Oswaldo avisa que houve palavras cantadas de forma erra-

da na Canção do Expedicionário e que os alunos vão ter que

treiná-la na próxima semana. Avisa aos que vão viajar para o

interior fardados que a recomendação é usar também o colete

a prova de balas devido a informações via P2 (o serviço de in-

teligência da polícia) de atividades e movimentação do PCC.

Os aniversariantes do mês são chamados um a um para rece-

berem um cartão e uma salva de palmas. Um aluno dá ainda

um recado relacionado ao serviço administrativo que os alunos

cumprem dentro do Barro Branco: a luz da fachada tem que

ficar acesa durante a noite por ordem do coronel.

A cada recado, uma reação de comentários e gritos de piada

por parte dos alunos. No nível de zoeira, parece uma sala de

ensino médio. Ainda mais depois da intimidade de três anos

juntos. A maior sacaneada, contudo, vem de Oswaldo. Duran-

te o dia, chega a suas mãos o VR de um aluno, ainda no enve-

lope e com a senha anotada, que fora achado e devolvido por

um funcionário da limpeza.

— Quem foi aí que perdeu um cartão de alimentação?

— Ummmmm – reage o pelotão.

— Vamos abrir aqui pra ver quem é....

— Ihhhhhhh!

— Diego...

— Ihhhhh!

— Martins...

— Uhhhhh!

— Franco!

— Aeeeeeeeee! – todos batem palma.

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52

Diego Martins Franco nunca mais vai esquecer nada. E o te-

nente sugere ao aluno que compre uma cesta básica para recom-

pensar a honestidade do tio da limpeza.

Ainda para o fim de semana, Oswaldo pede moderação na bi-

rita. “Agora, os senhores são exemplo.”

No pátio, soa uma corneta. O pelotão grita e faz barulho.

— Pessoal, então vou liberar vocês, não vou segurar mais não.

— Paraniiiiiiinfo! –vários deles gritam, indicando o apreço pelo

tenente que chega a ser mais novo que muitos ali.

Oswaldo libera oficialmente seu pelotão. Mais gritos de eufo-

ria. Fim de semana.

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Memória

A pessoa tem o maior medo de reagir com bandido,

mas com o policial ela reage, ela não aceita.

Laercio, sargento

Desde o fenômeno das manifestações de rua massivas em

junho, as marchas para as mais diversas causas se multiplica-

ram. Muitas vezes, são palco de conflitos com a polícia. Sem-

pre, portanto, são lotadas de policiais. Quase sempre, eles tam-

bém são alvo do protesto.

No Quarto Grande Ato contra a Copa não foi diferente. Os

cantos contra o mundial se igualavam em quantidade e impor-

tância aos gritos contra a Polícia Militar. “Não acabou. Tem que

acabar. Eu quero o fim da Polícia Militar.”

Aquelas palavras, à repetição exaustiva, podiam perder o sig-

nificado para aqueles que as entoavam. Para os policiais, eram

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56

uma provocação. Impossível medir, porém, a importância que da-

vam àquilo. Impossível saber quanto a provocação influenciava o

comportamento de cada um dos homens e mulheres fardados.

Pode ser que os cantos fossem tomados como uma gran-

de bobagem. Algo a ser ignorado. Ainda assim, um daqueles

cantos era especialmente sensível. “Que vergonha, que vergo-

nha deve ser. Reprimir trabalhador pra ter o que comer.”

Laercio acha que os gritos contra a polícia são falta de cultu-

ra. Coisa de vandalismo. Ele diz que as pessoas não entendem

que a polícia não está ali porque quer, mas porque está fazendo

a função que lhe cabe. “É um protesto insignificante porque a

polícia sempre vai existir, faz parte da humanidade.” Pior: aque-

les que gritam contra a PM, quando precisarem, vão recorrer a

ela. “Existe um ditado que diz que na hora do perigo, a pessoa

pensa em Deus e na polícia. Passou o perigo, esquece Deus e

amaldiçoa a polícia”, diz Laercio. A mesma frase foi dita recen-

temente pelo ex-capitão da Rota, Conte Lopes, em entrevista à

TV Folha. Sobre o senso-comum de que o polícia só é polícia

porque não estudou, Laercio diz que é um preconceito.

Sem curso superior, ele estudou em escola pública. O pai

o bancou até o fim do colégio. Depois, como seus irmãos mais

velhos, teve que se virar. O caminho mais seguro, indicado pelo

próprio pai, era o serviço público. Os três se aposentaram poli-

ciais. “Ninguém fica rico, mas é uma gotinha que não para de

pingar.” Na época, Laercio prestou concurso para Sabesp, Cor-

reios, PM –que foi o primeiro a sair. Entrando aleatoriamente

aos 21 anos, logo se viu no lugar certo. “Pelo dinamismo, adre-

nalina, coleguismo. Fiz muitos amigos.”

A aparência cansada contradiz a voz calma que supõe uma

vida tranquila. Pelo visto, a vida de um PM é sempre um tanto

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57

mais difícil do que imaginamos. Como tantos outros, Laercio fez

operação na favela, trocou tiro, salvou reféns, perdeu colegas e vi-

veu de bicos. Como tantos outros, Laercio se sente desvalorizado.

“Existe uma rejeição da sociedade. A gente sente isso.”

Diante desse repúdio, Laercio, que foi promovido a sargen-

to ao se aposentar em 2012 após 30 anos de carreira, guar-

da como bom exemplo aquele que tentou valorizar o policial.

Coronel Camilo, comandante-geral entre 2009 e 2012, atual-

mente vereador, mudou o nome dos cursos da PM, colocando

a palavra “superior” em todos eles. A Escola de Soldados ago-

ra é Curso Superior de Polícia, o que, para Laercio, tira a ideia

do “bem-feito, quem mandou não estudar.” Camilo ia pesso-

almente às companhias e batalhões falar com a tropa, incenti-

vando o policial. Antes, Laercio conta que o comandante-geral

era um deus: soldados nunca o viam.

Para os não policiais de São Paulo, porém, a gestão de Ca-

milo foi bastante contestada. Sua saída, em abril de 2012, ocor-

reu pouco após a operação de reintegração de posse do Pinhei-

rinho, em São José dos Campos, em janeiro de 2012. Cerca de

1.700 famílias ocupavam o terreno.

Na época, o Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana

fez um relatório com base em 634 depoimentos no qual os poli-

ciais foram acusados de abuso de autoridade, agressão e estupro.

O Conselho recebeu 1.876 denúncias de violações de direitos hu-

manos, incluindo 260 denúncias de ameaças e humilhações, 166

denúncias de agressão física, 71 casas saqueadas e 54 denúncias

de falta de assistência. O relatório aponta ainda que a morte do

morador Ivo Teles da Silva tem relação com a violência policial.

A Promotoria de Justiça de São José dos Campos apresentou

uma denúncia contra o coronel Manoel Messias Melo, coman-

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58

dante da operação. Segundo a Promotoria, foram usados dois

mil homens armados com metralhadoras, tonfas, balas de bor-

racha, bombas de gás e equipamentos de spray pimenta, além

de mais de duzentas viaturas, um carro blindado, dois helicóp-

teros águia, quarenta cães e cem cavalos. O texto diz que a rein-

tegração foi feita de maneira truculenta, com o uso de bombas

de gás e tiros de borracha, e que crianças presenciaram os pais

apanhando da polícia. A 5º Vara Criminal da Comarca de São

José dos Campos rejeitou a denúncia. O caso foi apresentado

ainda à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Or-

ganização dos Estados Americanos (OEA).

Um caso paralelo ao Pinheirinho também rendeu denúncias.

Enquanto a PM fazia a reintegração de posse, no dia 22 de janei-

ro, policiais da Rota fizeram uma ronda em outro bairro de Sâo

José dos Campos, o Campo dos Alemães. Ali praticaram abuso

sexual, tortura e agressão, segundo as vítimas. A Corregedoria in-

diciou 14 PMs pelo ocorrido.

Para Laercio, a culpa pela imagem ruim da PM é do milita-

rismo mal interpretado e da mídia, que divulga as notícias ruins

sobre a polícia atrás de audiência. “O militarismo é associado ao

governo militar. Essa associação vem de longe. É mais uma tradi-

ção. O policiamento não tem a ver com o sistema político militar.”

Quando Laercio entrou na PM, o Brasil vivia os tempos da di-

tadura militar. De 1982 a 2012, ele percebeu diversas mudanças na

polícia de São Paulo e os mecanismos que as tornaram possíveis.

Sobre a sua formação, ele diz ser incomparável com a atu-

al, por exemplo. Eram seis meses de escola militar de guerrilha,

um treinamento mais para a Força Auxiliar do Exército. A PM,

segundo a Constituição, ainda é uma Força Auxiliar do Exército,

embora suas atividades sejam diferentes atualmente: o foco é o

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59

policiamento. “Era mais bruto. Porque o Exército é direcionado

pra matar mesmo, pra guerra. A gente era muito mais direciona-

do para esse lado do que para o policiamento propriamente dito”,

conta. Hoje em dia, o curso na Escola Superior de Soldados tem

dois anos de duração –incluindo um ano de estágio.

De lá pra cá, Laercio viu a instituição ir de um extremo a outro

–de violência em excesso para falta de ação, segundo sua opinião.

O sargento pondera que o que era generalizado passou a consti-

tuir casos isolados, mas que, bem explorados pela mídia, fazem

com que a sociedade tome a parte pelo todo. “Criou-se o artigo

quinto, cheio de direitos [direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade]. Mudou muita coisa, mas hoje a mídia

ainda passa a imagem da PM violenta. São casos, mas quem está

dentro sabe que não é assim”, ele diz.

Houve uma época que sim, Laercio não nega, matar era a

forma mais “eficiente” de resolver um crime, mas ele divide

essa responsabilidade com a sociedade, que também pensava

assim. “Eu diria que essa mentalidade não era só da PM. E

muitos ainda a têm. Hoje em dia, eu acho que esse pensamento

existe mais na sociedade do que na própria PM, que chegava no

caso e queria resolver logo.” Talvez, a realidade da criminalida-

de atualmente, com as mesmas pessoas sendo presas e soltas

diversas vezes pelos mesmos crimes, contribua para que um

policial ainda veja o assassinato como uma opção para cortar

o mal pela raiz. A diferença é que a sociedade cada vez menos

compactua dessa ideia e a mídia está mais amadurecida e pre-

parada para denunciar os crimes policiais.

A partir do momento em que o pacto ideológico entre PM e

sociedade foi rompido, quando a democratização já não era sufi-

ciente e a população exigia também a implantação de um Estado

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de Direito efetivo, a polícia teve que mudar –e, claro, os soldados

se viram limitados. “De acordo com as cobranças que vão surgin-

do, a PM vai mudando.” O cabo dá pistas de como a ação policial

se enquadrou nessas mudanças e de como se sentiu de mãos ata-

das, reclamando de vários aspectos práticos do seu trabalho.

“É uma dificuldade danada pra trabalhar. Os próprios ban-

didos reagem muito mais. Antigamente, era mais difícil um

bandido reagir.”

[...]

“A gente é muito restrito hoje em dia. Antes tinha mais liber-

dade de patrulhar com viatura onde a gente queria dentro do se-

tor designado. Hoje existe um roteiro já pré-estabelecido de onde

tem que parar, estacionar, as ruas certas que tem que passar, de

acordo com o índice de criminalidade. O comandante de compa-

nhia vai mudando o roteiro conforme a necessidade.”

[...]

“Hoje em dia é difícil a polícia trabalhar. Às vezes você fala

‘coloca a mão pra cima’ e o cara fala ‘não vou fazer’. Aí se tiver al-

guém filmando, já aproveita. O policial vai fazer o que? Vai atirar?

Aí não atira, mas ele está fazendo o trabalho dele e ele tem que ter

segurança pra fazer. E, para fazer com segurança, tem que fazer a

abordagem profissional. Tem muitos casos de desobediência. Às

vezes tem que abordar à força porque não pode deixar de fazer.

A pessoa tem o maior medo de reagir com bandido, mas, com o

policial, ela reage, ela não aceita.”

[...]

“Antigamente a gente fazia muita operação na favela. Hoje

em dia é raro porque tem que passar por um monte de aprova-

ção. Antes, o comandante da companhia falava: vamos fazer uma

operação em tal lugar, a criminalidade lá ta alta, tem boatos que

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tem armas lá ou que o tráfico está muito grande. Ele pegava todo

mundo que estava trabalhando naquele dia e fazia. Hoje em dia,

ele precisa da aprovação do comandante do batalhão, do coman-

dante-geral, da Secretaria de Segurança Pública. Aí até chegar lá e

até voltar tudo... desestimula. Não tem autonomia.”

Laercio é saudoso da época em que a polícia era respeita-

da. “Antigamente, uma viatura pequena chegava num bar cheio,

todo mundo parava. Quem tava jogando parava, já ia pra parede.

Todo mundo respeitava.” O militar admite que o preço por tal res-

peito era caro. Era um respeito calcado no medo de uma polícia

violenta e despreparada, que queria resolver o crime a qualquer

preço, até mesmo se colocando em risco.

Em 1983, no ano seguinte à sua entrada na polícia, Laercio

perdeu o primeiro companheiro de trabalho. “É o que marca

mais: a gente chega e vê o colega fardado já morto em serviço...”

Era noite quando uma viatura de patrulha foi avisada que

uma loja de peças de automóveis estava sendo assaltada na

avenida Cursino. “Eles foram meio despreparados, não cha-

maram ninguém, não avisaram. Na época, tinha muito esse

negócio de produção, de chegar e pegar. Aí eles foram nessa

de pegar em flagrante e o primeiro que entrou já tomou o

tiro fatal”, conta Laercio.

Antes ainda da chegada dos companheiros, o policial já estava

morto. Nem chegou a ser socorrido. “Já tinha o sangue espalha-

do. Uma cena... Não tem explicação. Claro que pensamos ‘podia

ter sido eu’, mas não é só isso. Um sentimento de revolta. Difícil

explicar. É muito forte”, conta Laercio.

Aqueles policiais de atitude, que matam e são mortos,

ainda têm o apoio dos colegas. Ainda são considerados he-

róis, explica Laercio. Mas perderam o apoio da sociedade e da

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corporação. O sargento diz que deve haver um meio-termo

entre a polícia que mata primeiro e pergunta depois e a polí-

cia amputada pela sociedade.

“O policial acaba desestimulado a fazer o seu trabalho. A ins-

tituição desestimula. Uma ocorrência que o policial chegava e re-

solvia, hoje ele chega, não pode resolver, não pode entrar, chama

o apoio, espera o comando chegar, aí o comando avalia, conforme

for chama o Gate. Fica aquela negociação. Aí os bandidos apro-

veitam para exigir isso, exigir aquilo. Antigamente não tinha isso,

mas colocava o refém mais em risco. Acho que hoje é a maneira

mais certa, mas passamos de um extremo a outro: falta achar o

bom-senso de todos os lados, polícia e sociedade.”

Essa virada na polícia, segundo o diagnóstico de Laercio, se

deu também por causa da Constituição de 1988, mas principal-

mente devido aos episódios que abalaram a sociedade civil: o Ca-

randiru em 1992 e a Favela Naval em 1997. A partir deles, gerou-

-se a discussão de que a PM agia errado e era preciso rever isso.

Revelado pelo Jornal Nacional, o caso Favela Naval ocorreu

em março de 1997, quando policiais faziam uma espécie de

blitz na favela de Diadema e agrediam os motoristas que passa-

vam por ali. As cenas brutais, exibidas em rede nacional, mos-

tram um homem sendo espancado por oito minutos, antes de

levar um tiro. Dias depois, no mesmo local, outro vídeo mostra

os PMs cobrando propina dos motoristas e agredindo os passa-

geiros de um carro. Um dos policiais chega a atirar contra o ve-

ículo, matando uma pessoa no banco de trás.

O ex-soldado Otávio Lourenço Gambra, conhecido como

Rambo, foi condenado a 15 anos e dois meses de prisão pelo

assassinato de Mário José Josino, 30. Em 2005, ao comple-

tar um sexto da pena, Rambo passou ao regime semi-aberto.

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Nove policiais que participaram da blitz foram denunciados

pelo Ministério Público –três foram demitidos e seis expulsos

da PM. Há ainda outros dois policiais que foram punidos in-

ternamente, mas não participaram da ação, segundo a PM e,

por isso, continuam na corporação.

Laercio conta que as ocorrências de resistência, quando havia

troca de tiros ou mortes, costumavam ser elogiadas e os policiais

eram condecorados. Atualmente, a ocorrência considerada certa

é a sem violência. “Começou a ser exemplo só quando não havia

uma necessidade de trocar tiro.” Ele diz que o PM hoje “conta até

dez” antes de agir porque sabe as implicações: vai ser processado

pelo tribunal civil e militar, vai ser tirado da rua, vai passar por

acompanhamento psicológico e pode perder o bico.

“Se o psicólogo achar que o cara é perigoso, ele manda desar-

mar. Isso é humilhante pro policial. Uma coisa que você gosta

de fazer, que acredita estar fazendo certo. Claro que há exceções,

mas geralmente o policial estava fazendo do jeito certo.”

Justamente definir o “jeito certo” em uma ação policial é a di-

ficuldade. A decisão de atirar ou não é tomada em segundos. “O

momento do tiro é complicado porque às vezes a gente já vai com

adrenalina, já vai sabendo o que está acontecendo, sabendo o que

pode encontrar e às vezes encontra mesmo. É uma decisão que

tem que tomar em um décimo de segundo, não tem como expli-

car em que a gente se baseia exatamente.”

Essas ações de controle da atividade policial, como o afastamen-

to compulsório, embora sejam necessárias para tentar garantir o

cumprimento dos direitos dos cidadãos, estimulam a omissão da

polícia na visão de Laercio. “Isso inibe o policial. Ele prefere deixar

o bandido fugir. Ele podia chegar e forçar um tiroteio, mas ele pre-

fere ir devagar, chegar depois, quando o cara já fugiu.”

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E reclama: “A polícia ficou sem apoio pra trabalhar. De todos os

lados: da sociedade, do Estado, da própria instituição. Uma coisa pro-

voca outra. Conforme a sociedade cobra mais, a polícia recua mais.”

O próprio afastamento da atividade policial seria “mais pra

dar satisfação pra sociedade.” Pegou mal para o governo que as

pessoas encontrassem policiais com assassinatos na carreira pa-

trulhando por aí. O exemplo mais recente é o do soldado Henri-

que Dias Bueno de Araújo, que disparou contra Carlos Augusto

Muniz Braga, um camelô que tentou tirar da sua mão um spray

de pimenta. O spray era usado para dispersar as pessoas enquan-

to outros policiais imobilizavam outro camelô.

Carlos morreu com o tiro na cabeça. O soldado, que alegou

ter atirado acidentalmente, foi preso em flagrante por homicídio

e levado ao presídio militar Romão Gomes. Poucos dias depois,

porém, a Justiça emitiu um alvará de soltura.

O problema é que Henrique já responde a outro caso de

homicídio, por ter atirado contra um morador de rua. Segun-

do a PM, o morador de rua resistiu à abordagem e usou um

facão para ameaçar o soldado.

Exatamente para evitar que casos como esse ocorram, o poli-

cial envolvido em ocorrência com vítimas fatais costuma ser afas-

tado. Esse afastamento, acompanhado por psicólogo, é, em geral,

visto pelos policiais como uma punição –pelo estigma e por mu-

dar o horário de trabalho, afetando o bico.

O Proar (Programa de Acompanhamento a Policiais Milita-

res Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco), criado em 1995,

previa o afastamento automático do PM envolvido em uma ação

que resultasse em morte. Em 2002, o Proar foi substituído pelo

Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar (PA-

APM), que é mais abrangente. O policial pode ser encaminhado

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para avaliação psicológica após ações de risco e troca de tiros mes-

mo sem vítimas. Porém, a sensação de estar sendo castigado, ape-

sar ter sido maior nos primeiros anos do Proar, persiste.

Sobre a punição real, mais necessária do que esta simbólica, La-

ercio diz que quando um policial assassino é pego, é punido judi-

cialmente. Mas, para escapar da cadeia, basta esconder bem o crime.

“A gente usa um termo que a polícia dá um tiro de canhão pra

matar mosquito. Isso vale para tudo, não só para o policial envolvido

em crime, mas para a disciplina, o próprio RD [regimento discipli-

nar] é muito rígido, militar mesmo, muita cobrança, muita pressão.”

Pode-se questionar se o tiro de canhão contra os policiais cri-

minosos realmente funciona. Mas não restam dúvidas de que a

disciplina militar é um rojão que pesa, principalmente nos sol-

dados. “Ordens são ordens. Muita pressão, muita coisa ruim,

digamos assim. Mas tem a parte bonita, a parte boa do milita-

rismo que traz união. Às vezes a vida da gente depende de um

colega ou da corporação inteira.”

As ordens vêm de escalões superiores –de oficiais que não estão

nas ruas. Por isso, o soldado de patrulha, muitas vezes, se vê con-

frontado entre a sua experiência e seu conhecimento sobre o terre-

no e uma ordem que ele, justamente por estar na linha de frente,

crê não ser efetiva. “Isso é quase uma constante praticamente. Não

existe uma pesquisa. Em tudo. O fardamento ninguém pergunta

pra gente se é confortável, simplesmente é imposto. Ninguém per-

gunta que viatura é melhor pra trabalhar. É imposto. Tudo é impos-

to. Às vezes a agente está trabalhando recolhido pra ficar em pron-

tidão. Sabemos que não vai precisar. Mas quem dá ordem não está

vendo o que está acontecendo. Ele se baseia nas informações dele e

dá uma ordem. O cara está atrás de uma mesa. A gente está na rua,

a gente sabe quando é necessário e quando não é.”

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66

Ainda assim, não há questionamento. As ordens e o regi-

mento disciplinar estão ali para serem cumpridos. Laercio explica

que existe uma fiscalização disciplinar, ligada à Corregedoria da

PM, que funciona como a polícia da polícia. “Eles têm um farda-

mento diferente. Sai um ostensivo fardado que aborda policial de

serviço e vê se a bota dele está limpa, se está suja, se ele está com

postura... Qualquer coisa que acharem errado, o policial é puni-

do. Ele é comunicado, depois vai pro batalhão e é punido.”

A julgar pelos desabafos de Laercio sobre os problemas mais

cotidianos de um soldado, do desestímulo à ação às ordens en-

golidas à seco, fica difícil entender como alguém que entrou por

acaso na polícia se manteve ali 30 anos. Mas essa é uma questão

difícil mesmo se explicada. Não há razão. Há apenas uma irracio-

nalidade que prende as pessoas em seus empregos chamada tam-

bém de vocação. “A parte institucional é difícil de lidar. É muito

mais difícil conviver com a parte militar do que com o trabalho

em si. O trabalho em si a gente gosta. Vai atender ocorrência, vai

atender o cidadão, é gratificante na maioria das vezes. O patru-

lheiro que gosta de rua... Tá acabando isso, né? Mas ainda deve ter

gente que vê as coisas como eu e que ainda gosta.”

Esse grande balanço do que foi e do que é a polícia é quase

tudo que o tímido Laercio tem a dizer. Humilde e prestativo, in-

terrompe o bico de segurança à paisana no supermercado Assaí

da avenida João Dias, onde trabalha há dez anos, para discorrer

sobre a própria vida durante algumas horas de uma manhã de do-

mingo. Mas não fica totalmente à vontade com isso. Um sorriso

de verdade, só com o gravador desligado.

Para o dia frio, ele veste uma calça jeans e uma camisa xa-

drez de flanela. O rádio vai pendurado na cintura, pronto para

dedurar algum movimento suspeito. O rosto bem redondo, em

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67

geral, está sisudo. A careca e as bolsas cansadas abaixo dos

olhos pequenos denunciam a idade.

Laercio nasceu em Itaquera em 1961 e foi criado ali. É o mais

novo de cinco irmãos. O pai era mecânico de máquinas pesadas

e trabalhou em várias construtoras. “Tive uma infância pobre, na

periferia. Não diria difícil. Pobre, mas feliz e tranquila.” O traba-

lho o levou a morar na zona sul, onde patrulhava.

Aliás, foi numa patrulha em São Judas que conheceu sua

mulher, que trabalhava em uma loja no bairro. “Na época, inven-

taram o policiamento localizado, que ficava duas horas parado no

mesmo lugar. A idéia era fazer contato com o comércio. Foi o ini-

cio do policiamento comunitário. Eram umas kombis, que fica-

vam paradas. Eu trabalhava oito horas –duas horas em cada local

que o comandante estabelecia.” Quando se casaram, em 1986,

ambos trabalhavam no Paraíso, onde alugaram uma casa.

Laercio teve um casal de filhos: Douglas, de 25 anos, e Daísa,

de 15. “Esses dez anos de diferença são os dez anos de aluguel. A

gente estava pagando aluguel e pensou: pô, ter outro filho... A gen-

te queria uma menina, porque já tinha um menino. Aí um dormi-

tório já não serve mais, teria que ter três dormitórios. Aí a gente foi

se segurando.” Há 18 anos, comprou um terreno em Guarapiranga

e construiu sua casa. E o casal pôde engravidar novamente.

Douglas e Daísa estudaram em escola pública. Hoje a famí-

lia tem dois carros e uma moto –comprada quando Laercio pre-

cisou se deslocar da zona sul para o bico em Osasco, onde ficava

o Assaí na época. Com o nascimento do primeiro filho, a mulher

teve que parar de trabalhar porque não tinha com quem deixá-lo.

Foi uma boa escolha: Douglas é um orgulho para a família. De-

pois de fazer cursinho com bolsa, ele passou nas três universida-

des públicas em São Paulo no curso de Engenharia. Escolheu a

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68

Poli, na USP, e teve que se mudar para o Crusp, depois de muito

madrugar e pegar ônibus lotado, dada a distância entre Guarapi-

ranga, na zona sul, e o Butantã, na zona oeste. “A gente se realiza

mais através dos filhos. O que meu pai não pôde fazer por mim,

eu tento fazer para meus filhos.”

O filho do militar foi parar justamente na USP, um reduto

anti-PM. Em 2011, uma ação da polícia para reintegração de posse

da Reitoria, invadida por alunos, provocou uma greve estudantil

que se estendeu até o ano seguinte. Toda a história começou em

maio, quando o aluno da Faculdade de Economia e Administra-

ção Felipe Ramos de Paiva foi morto no estacionamento, após

uma tentativa de assalto. Em setembro, o reitor João Grandino

Rodas assinou, então, um convênio com a PM, que passou a ter

presença mais frequente no campus.

Desde então, estudantes (especialmente negros) relataram

terem sido abordados diversas vezes e sentiram sua liberdade

restringida. O ápice foi no dia 27 de outubro, quando policiais

prenderam três estudantes que fumavam maconha no estaciona-

mento da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, ge-

rando um confronto entre alunos e policiais ali mesmo.

De imediato, começou a polarização no campus entre aqueles

a favor da PM e os contrários, sendo que a Poli, onde Douglas já

estudava, era um dos pontos de apoio à PM. A questão é que os

alunos mais exaltados resolveram ocupar a Reitoria da USP, em

um movimento com pouquíssima legitimidade na comunidade

uspiana. Até que a polícia os transformou em heróis.

Na madrugada do dia 8 de novembro, mais de 400 poli-

ciais do Choque, Cavalaria, Goe e Gate, além de um helicópte-

ro, cercaram a Reitoria e levaram presas 73 pessoas. Os alunos

relataram abusos e violência na operação. A polícia negou. Os

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69

detidos foram indiciados sob suspeita de desobediência a or-

dem judicial (não cumpriram o prazo de desocupar a reitoria)

e dano ao patrimônio público.

Moradores do Crusp disseram terem sido impedidos de saí-

rem de casa durante a reintegração e que a PM usou bombas de

gás, estudantes alegaram terem sido agredidos, uma estudante

disse ter sido amordaçada, os detidos afirmaram que a própria

polícia destruiu partes da Reitoria. O Ministério Público Estadu-

al de São Paulo pediu a abertura de um inquérito para investiga-

ção da ação da PM no Crusp.

O resultado não podia ser outro: no mesmo dia uma Assem-

bleia Geral com cerca de três mil estudantes deliberou a greve. Os

alunos exigiam o fim do convênio da Reitoria com a Polícia Mili-

tar e a saída da PM do campus. Foi nesse ambiente que o filho de

Laercio levou sua graduação, mas o policial minimiza a situação.

“Pelo que eu converso com ele [Douglas], ele fala que não é a

USP. Aquele pessoal não representa a USP. Ele fala que é mais

uma parte, do pessoal de sociologia, por exemplo. Esse pessoal

sempre foi assim, não é só na USP. Mas ele não tem essa mesma

visão. Inclusive, não só ele como todo mundo achou muito erra-

do o pessoal invadir, destruir, achar que a USP era local isolado,

que você pode fazer o que quiser lá dentro, fumar maconha, fazer

tudo abertamente. Ele também não concorda com isso. Eu acho

que por eu ser PM, mas também pela própria visão dele.”

Laercio subiu ao posto de cabo por tempo de serviço e se

aposentou, portanto, como sargento. Um sargento aposentado

ganha R$ 5 mil por mês. São descontados mais ou menos R$

800. “Eles cortam alguma coisa em relação a quando você es-

tava na ativa. Existe uma briga na Justiça porque por lei isso

não pode. Militar não poderia ter esse corte. Mas o governo vai

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70

dando um jeitinho, já que a mídia explora isso [o baixo salário

na ativa e o salário integral na aposentadoria] e fica mal pro

governador. Os caras vão dar um jeito de tirar dos aposentados

pra pagar os das ativa. Teve um tempo que isso aconteceu. Ti-

rava dos mais velhos para pagar o inicial.”

Para complementar o salário, os bicos, é claro. Laercio conci-

liava a escala 12x36 da PM e dos bicos. Ele trabalhava à noite na

PM, das 19h às 7h. “A gente chega e tem meia hora de preleção.

O sargento passa as ordens do dia, confere o pelotão. Depois, pe-

gamos as viaturas e saímos. Se não tiver ocorrência, temos que

seguir o roteiro de onde patrulhar.” Às 10h, pegava serviço como

segurança no Assaí, de onde saía às 22h. Descansava até às 19h

do dia seguinte, quando começava a rotina outra vez.

Rotina essa bem diferente da de policiais em filmes de ação.

A maior parte das ocorrências são brigas de família, as chamadas

ocorrências de “desinteligência”. Também atendem muitos casos

de embriaguez e “código 13 –uma pessoa meio louca”, o que a ri-

gor não seria uma função da PM.

“A gente diz que a polícia abraça tudo. Abraça ocorrência

que não é dela. O pessoal liga 190 por qualquer coisa e a po-

lícia é praticamente obrigada a ir. Aí vai lá, faz socorro, parto.

Na verdade não é função da polícia, é função de ambulância,

de resgate. Até para ocorrências de bombeiro, muitas vezes o

pessoal liga 190. Acaba faltando viatura para a atividade-fim,

que é combater o crime, manter a paz.”

Diante disso, Laercio é mais um defensor da polícia comu-

nitária, ainda que ela também esteja em outro campo que não

a atividade-fim. A função da polícia comunitária é ser mais in-

tegrada à sociedade, conhecer os problemas daquele ambiente e

prever novos problemas. O PM terminou a carreira fazendo poli-

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71

ciamento comunitário em São Judas –e conheceu a mulher qua-

se da mesma forma, diga-se. “A gente cuida de outras coisas, por

exemplo, a gente faz pedido pra iluminação, porque, devido ao

local escuro, o pessoal é muito assaltado. Faz pedido pra asfalto.

Pede para a Prefeitura cercar parques porque a pessoa entra e usa

droga. A gente entra em outra áreas que não o policiamento.”

Contudo, os benefícios são sensíveis, diz Laercio, inclusive

a queda da criminalidade. “Você não vai chegar num policial

qualquer e dizer: ó, conheço um bandido ali. Mas você tendo

amizade com o policial, sendo sempre os mesmos, numa base

comunitária, você cria vinculo e pode até falar. É como se fosse

um amigo. Ele fica sabendo dos problemas daquele pedaço. Eu

acho que é o ideal. Lógico que não dá pra ter só polícia comuni-

tária, mas é o ideal, deveria ser o principal.”

Antes de voltar ao trabalho, entre os “bips” de produtos pas-

sando no caixa e o chiado do rádio, Laercio deixa ainda uma

última consideração sobre a polícia: critica a divisão entre os

policiais militares e os civis. “Fica uma briga de poderes e com-

petências. O governo, se dá uma coisa pra uma, tem que dar pra

outra para agradar também. Se ele dá um helicóptero pra PM

fazer patrulhamento, tem que dar para a Polícia Civil também.

Acaba perdendo a sociedade porque se paga duas polícias sepa-

radas para o que deveria ser a mesma coisa.”

Agora sim, depois do mergulho, certamente involuntário,

no seu passado, mas que acabou trazendo à tona muito mais –

as transformações de toda a Polícia Militar de São Paulo pós re-

democratizaçao–, Laercio pôde voltar ao bico de um domingo,

finalmente, normal. Antes, um sorriso e um aperto de mão for-

te e firme, como se todas as histórias anteriores não bastassem

para comprovar seu caráter policial.

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73

Enxugando gelo

Incomoda saber que a polícia

não é o que estão falando.

Massera, capitão

“A minha casa está sempre arrumadinha.” Mesmo sem nun-

ca ter estado lá, ninguém duvida disso quando vê o capitão Mas-

sera –um sujeito arrumadinho. Está impecável de camisa pólo

listrada branca e azul da Tommy Hilfiger, calça jeans e cabelo

penteado. As entradas e os grisalhos não são páreo para a juven-

tude que, praticamente, exala. Com um sorrisão, é um homem

bem simpático e educado. Sobretudo didático e organizado nas

ideias. Voz firme e assertiva. Perfeito para exercer a função mais

difícil dentro da Polícia Militar.

Como todo oficial, se formou na Academia de Polícia Militar do

Barro Branco. Antes disso estudou a vida toda em escolha pública.

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74

Na época, a concorrida seleção para o Barro Branco era feita pela

Fuvest. Hoje, igualmente concorrida, a prova é feita pela Vunesp.

O último edital, aberto no fim de 2013, convocava para 220 vagas

e teve 11.430 inscritos (quase 52 por vaga). Após avaliação médica,

exames psicotécnico e físico, Emerson Massera passou a ser um re-

cruta no ano de 1990. Fez o curso preparatório de dois anos –que

equivalia ao ensino médio– e o curso de formação de oficiais de

três anos, reconhecido pelo MEC como um curso de nível superior.

“Geralmente, o oficial quando se forma faz outra faculdade. Eu fiz

mais três”, se gaba. O capitão escolheu cursos que se relacionavam

com o seu trabalho e com cada momento da sua carreira.

A primeira foi ainda em 1994, junto com o último ano do Barro

Branco, quando estudou Processamento de Dados no Mackenzie,

o que levou três anos. A segunda foi o Direito, comum entre os ofi-

ciais, já que é uma disciplina também da carreira policial. Algumas

faculdades, como a Unicsul, onde Massera estudou, dão ao policial

o direito de eliminar matérias já cursadas no Barro Branco. O re-

sultado é que, em dois anos, Maserra concluiu o Direito e, no ano

seguinte, em 2006, entrou na USP para estudar Ciências Sociais,

graduação concluída em 2013, depois de dois anos trancados.

Massera começou seu trabalho de tenente como comandante

de força patrulha no 12º batalhão, que engloba os bairros de Moe-

ma, Campo Belo, Brookilin e Vila Mariana, na zona sul da capital.

Ele, de dentro de uma viatura, coordenava o policiamento de rua

da região de 62 km2. Essa é a função do oficial: gerenciar o poli-

ciamento feito pelos praças.

Naquela manhã de sábado, Massera tomava seu café mais

tranquilo. Estava de férias. Era fevereiro e seria bom descan-

sar antes da pauleira que viria com a Copa do Mundo. E que

já vinha sendo desde junho, quando o Brasil acordou. Estava

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75

especialmente difícil ser policial desde então. Mas a confiança,

o sorriso e a serenidade de Massera não murcham. Na quinta-

-feira mesmo fora obrigado a interromper as férias e vestir sua

farda. Para um apaixonado pela profissão, um alívio na absti-

nência. Ainda mais porque a ocasião era nobre: no quartel da

PM na Washington Luis, em frente ao aeroporto de Congo-

nhas, foi receber uma medalha em homenagem ao seu traba-

lho no 12º. Resultado de uma carreira que começou da manei-

ra mais clichê possível.

Durante toda a vida, o pai de Massera foi um praça. Um sar-

gento. Chegou ao oficialato na aposentadoria, quando todos os po-

liciais sobem uma posição na rígida hierarquia militar. Pelos olhos

do filho, Jair era um líder natural, honesto, querido pelos vizinhos

e pela família, um resolvedor de problemas alheios –e com prazer.

“Lembro o dia que falei com ele que queria ser policial. Devia

ter uns 14 ou 15 anos. Ele me disse para não cometer os mesmos

erros. Que estudasse. Que ele tinha tido a oportunidade de estu-

dar e não estudou. ‘Seja oficial que você vai poder ajudar muito

mais gente do que eu.’”

“Não tem nada melhor do que, na adrenalina, você perseguir

um carro roubado e, quando você prende o ladrão, sai uma víti-

ma de dentro do porta-malas e te abraça. ‘Se não fosse você, eu já

estaria morta agora’. A sensação disso é fantástica: eu fui o dife-

rencial para a vida de alguém. Ainda que seja uma atividade tão

difícil e tão pouco reconhecida, tão discriminada. Se fala em dis-

criminação de minorias, de migrantes, de pretos, mas acho que a

classe mais discriminada que existe hoje é a classe policial. Todo

mundo olha torto pro policial, ninguém quer precisar do policial,

mas quando precisa, acaba recorrendo. É uma categoria desvalo-

rizada tanto em termos salariais como socialmente.”

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76

Depois de diversas ocorrências com bastante adrenalina no

12º, Massera passou para o lado administrativo da PM. Traba-

lhou seis anos na inteligência da polícia e outros seis anos fa-

zendo análise social e criminal de São Paulo a partir do estudo

de estatísticas –foi isso o que motivou a última das gradua-

ções, em Ciências Sociais.

Foi no setor de inteligência da PM, ligado ao Comando-Geral,

que começou o trabalho de análise criminal quando ainda não

existiam ferramentas para isso. Cada delegado ou comandante de

companhia, se quisesse e como bem entendesse, separava os da-

dos criminais da sua região e a partir daí traçava uma estratégia.

Em 1998, a secretaria de Segurança Pública lança a primei-

ra ferramenta para obter dados criminais sistematizados: o info-

crim. De lá pra cá, a vida ficou mais fácil. “Hoje com um clique,

você tem tudo, inclusive BO”, diz.

Em 2002, foi chamado para fazer análise criminal para a

cidade de São Paulo, passando da inteligência do Comando-

-Geral para a inteligência do Comando da Capital, onde traba-

lhou com planejamento operacional, ou seja, identificava prio-

ridades para a ação policial na capital.

Massera conta que justamente na época do início do traba-

lho de análise na capital, os homicídios começaram a cair, mas

ressalta que não há relação de causalidade comprovada entre

os dois acontecimentos. “Seria leviano dizer que o homicídio

caiu a partir desse trabalho porque ele caiu em todo o Estado,

mas que teve uma participação teve.”

Para Massera, a redução dos homicídios está ligada ao en-

velhecimento populacional. Se em 1999, a taxa de homicídios

no Estado era de 35,27 a cada cem mil habitantes, em 2013, o

número passou a 10,5 –o segundo menor desde 2001, só per-

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77

de para 2011, quando a taxa foi de 10,1. Em 2013, foram 4.444

casos de homicídios dolosos segundo a Secretaria de Seguran-

ça Pública. Nos três primeiros trimestres de 2014, foram 3.176.

Enquanto isso, as pessoas de 15 a 24 anos, que representavam

quase 19% da população em 2000, passaram a cerca de 16% em

2010. “Como a violência é sofrida e praticada por jovens, parece

coerente dizer que a diminuição da população jovem leva a di-

minuição da violência”, explica.

Mas o capitão também admite o papel do investimento so-

cial na redução da criminalidade. “A diminuição da desigualda-

de também contribui. Tinha um prefeito aí famoso que, pra in-

vestir em moradia, construía viaduto pro pobre morar embaixo.

Mas no fim da década de 1990, começou o investimento mais

forte na área social e isso contribui muito para a redução da vio-

lência. Aliás, isso é fundamental.”

Massera, então, engata um discurso com teorias dignas de um

estudante da FFLCH de esquerda, quase estranho na boca de um

policial, embora ele mesmo reaja: “já ouvi que eu não penso como

um policial, mas como o policial pensa? Você já teve contato com

policiais pra saber isso?” E segue, destoante do senso-comum:

“O pessoal fala em investir cada vez mais em policiamento,

cada vez mais em repressão, e não é isso que vai reduzir a vio-

lência. O que vai reduzir a violência é investir na área social. Na

redução dos problemas que dão causa a criminalidade. Quando

você investe no fortalecimento do aparato policial e na repressão,

você não está investindo nas causas, mas nas consequências.”

Massera estaria sugerindo um foco nas causas: um trabalho

de prevenção –quase nunca associado à PM, que acaba lidando

mais com as consequências: a repressão. Para ele, investir em re-

pressão é como o Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago, no qual

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78

a solução foi segregar. Só que chega um momento em que todo

mundo fica cego –e as prisões ficam lotadas.

“O problema é que a PM é um órgão de repressão. Embo-

ra sua função na Constituição seja de prevenção, a polícia faz

muito pouca prevenção. Isso simplesmente porque a demanda

é grande. São 1.200 viaturas na rua para 45 mil chamados do

190 por dia só na capital. Essas viaturas somem, estão sempre

em atendimento de ocorrência. Ou seja, estão sempre atrás. É

um trabalho de enxugar gelo.”

Traçar a mentalidade de Massera também é como enxugar

gelo. Ele já alerta: “você não vai sair daqui com um perfil meu

de esquerda ou de direita.” Até porque esquerda e direita hoje

não existe mais, ele prega.

Minutos depois de defender a prevenção, não com o aumento da

presença ostensiva da polícia, mas com ações para moradia, urbani-

zação, revitalização do centro e integração entre empresas e a perife-

ria, Massera fala em leis mais duras e redução da maioridade penal.

Ele conta que, na Baixada do Glicério, a Record faz flagran-

tes de bandidos quebrando vidros para roubar o interior de car-

ros. “A polícia não faz nada, acontece todo dia, a qualquer hora

que viermos, nós filmamos isso”, eles dizem. Ao que Massera

responde: “Tá vendo esse menino aí na filmagem? No último

mês, prendemos 14 vezes.”

Não, a solução, para Massera, não são leis mais brandas. A te-

oria Saramago funciona nas condições normais de temperatura

e pressão, o que não é o caso da sociedade brasileira –um orga-

nismo doente, ele explica. Em um corpo com câncer não adianta

fazer a quimioterapia sem retirar o tumor. A prevenção vai evitar

que novas pessoas optem pelo crime, mas os criminosos reinci-

dentes precisam ser combatidos. Segundo Massera, a lei dura,

Page 80: Prazer, PM

79

inclusive para menores, é necessária no processo de retirada do

tumor. Uma vez curado o organismo, seria possível pensar em

penas alternativas e restabelecimento da maioridade penal aos 18.

“Dizem que colocar menor na cadeia é colocar a criança numa

escola de maldade. Mas hoje ela já está! O que precisaria é de um

sistema especial para as crianças porque o sistema não reeduca

ninguém. Aqui o preso trabalha três dias e desconta um dia na

pena, e trabalha se quiser. Há modelos na Ásia e Europa em que o

preso é obrigado a trabalhar pra pagar a estadia na cadeia e ainda

aprende uma profissão lá dentro.”

“Na PM, sou extrema esquerda. Fora da PM, sou extrema di-

reita”, diz. Além de defender investimento na área social e, fugin-

do do tema, a união civil entre pessoas do mesmo sexo, Massera

é totalmente contra a violência da polícia, que é praticada pelos

“maus policiais” –um termo que, junto com “bandido”, está na

boca dos policiais para definir quem é quem no mundo da PM.

Mocinho, empregando também um papel na narrativa, Mas-

sera nunca anda armado. Só quando transita fardado. “Sou a fa-

vor do desarmamento total e irrestrito. O fácil acesso a arma de

fogo é responsável pela violência que nós estamos vivendo hoje.

O estatuto do desarmamento foi também uma das grandes ferra-

mentas para a diminuição dos homicídios.”

Ele explica que embora a PM continue aumentando suas abor-

dagens a cada mês, a apreensão de armas vem caindo a cada ano.

“O que isso mostra? Que a quantidade de armas em circulação

no mercado é cada vez menor. E a quantidade de homicídios vem

caindo. Então tem uma relação entre a arma de fogo e homicídio.”

E continua: “Estive no Japão em 2007, tenho dados de 2006.

Foram 116 homicídios no país, quase todos por arma branca. Por-

que lá é proibido usar arma. A arma do policial está até enferruja-

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80

da porque ele nunca usa. A organização criminosa lá –que é mais

romantismo do que uma organização criminosa– quando muito

tem uma pistola. Um projeto como esse tem muita reação con-

servadora, mas seria um dos caminhos.”

Em 2006, em São Paulo, foram 6.057 homicídios. Em 2013,

4.444. Mas a vida da polícia não ficou melhor, pelo contrário.

Nunca foi tão difícil ser PM como em 2013.

*

É numa salinha de móveis novos e escuros, persianas ver-

des e quatro mesas que, sentado em uma confortável cadeira

de escritório preta com encosto alto, Massera tem que lidar

com a maior crise da PM.

Ao lado do computador, em cima da mesa, jornais do dia.

Aqueles que publicam sobre Amarildos desaparecidos, Fábios

presos, Fabrícios feridos e Carlos mortos.

É maio e logo a Copa começa. A demanda por informações da

PM por parte da mídia aumenta –na verdade, já havia aumentado

em junho, com as manifestações– e o Centro de Comunicação So-

cial da Polícia Militar do Estado de São Paulo tem muito o que fazer.

Na sala adjunta, os subordinados de Massera trabalham no

esquema de plantão 24h nos sete dias da semana e têm que res-

ponder aos cerca de 50 pedidos diários de jornalistas. São quatro

nessa função, dois cuidando da intranet e o primeiro tenente Fe-

lipe, braço direito do capitão, formado em jornalismo pela Cásper

Líbero em 2010 e formado no Barro Branco em 2003.

No comando, com Massera, está o capitão Marques e a capi-

tã Cibele. São, por sua vez, chefiados pelo coronel Lopes, sub-

-chefe do Centro de Comunicação Social. O centro foi criado para

concentrar as demandas de assessoria de imprensa, comunicação

externa e interna, enquanto a 5º seção do Estado Maior, que ori-

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81

ginalmente cuidaria dessa parte, mantém as diretrizes de comu-

nicação. O capitão trabalha ali desde 2008.

A vista lá fora é sempre mais agradável. A janela no primeiro

andar dá para a entrada do Quartel do Comando-Geral, na praça

Coronel Fernando Prestes, onde o sol vai encontrando brechas

entre as muitas árvores. Um prédio com um lindo vitral na facha-

da –uma homenagem aos Bandeirantes. Na frente, uma estátua

de Tobias de Aguiar, fundador da Força Pública Paulista, futura

PM, quando foi presidente da Província de São Paulo, em 1831.

O primeiro batalhão do Comando de Policiamento de Cho-

que leva o nome de Tobias Aguiar: Rondas Ostensivas Tobias

de Aguiar, a Rota. Aliás, o batalhão da Rota fica ali quase em

frente, num prédio amarelo antigo, do outro lado da avenida

Tiradentes, perto da Luz.

Mas a melhor parte da vista na sala de Massera é o jardim

japonês da entrada do quartel, com muito verde e um lagui-

nho. O prédio do Quartel do Comando-Geral abriga o Coman-

do da Capital e o da Região Metropolitana, além das seções do

Estado Maior e um prédio do Copom.

O prédio do Copom, aliás, cheira a tinta fresca. O Copom,

comando de operações, é que recebe as ligações do 190 e pas-

sa informações a todas as viaturas através da comunicação

via rádio. Com cerca de 700 policiais atendendo aproxima-

damente 150 mil ligações por dia em todo o Estado, há um

déficit no serviço de mais de 500 policiais que, por sua vez,

não podem ser retirados do policiamento de rua para traba-

lhar no Copom. A solução foi terceirizar as chamadas do 190.

Massera diz que não haverá prejuízos já que policiais conti-

nuarão supervisionando o trabalho e PMs aposentados serão

também empregados na função.

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82

São 9h e, por alguma solenidade, o hino nacional ecoa do ter-

ceiro andar, onde fica o salão nobre com lustres sofisticados e sofás

de couro marrom. É ali a sala do coronel Benedito Roberto Meira,

comandante-geral da PM. Mas o primeiro andar de Massera tam-

bém é privilegiado. Como uma espécie de mezanino, tem a melhor

vista do vitral bandeirante. Massera vai sentir falta de tudo isso.

O capitão está de mudança. Da próxima semana até o dia 20

de julho, vai para o CPCopa, o Comando de Policiamento da Copa,

criado especialmente para o Mundial no Brasil. Vai trocar o uni-

forme administrativo social da PM, com camisa e sapatos, pelo

uniforme de policiamento. Sem perder a oportunidade de fazer

propaganda, Massera diz que o plano de comunicação para a Copa

está pronto há muito tempo –o Centro de Comunicação Social foi

o primeiro órgão a terminar o planejamento. O plano operacional

também está definido: serão 4265 policiais, divididos em três ba-

talhões, para cobrir os aeroportos, Fan Fest, hotéis, metrô, pontos

turísticos e, claro, o Itaquerão. Esse efetivo foi conseguido recru-

tando policiais de todo o Estado e também com os alunos da PM.

Os 1.190 formandos do curso de soldado não vão nem passar para

o policiamento de rua, vão direto da formatura para o CPCopa. O

mesmo com 1018 sargentos e 280 oficiais.

Por enquanto, Massera ainda está ali, na sala de móveis novos

e escuros. Dentro da sala adjunta, quatro TVs ligadas ao mesmo

tempo na Globo, Globo News, BBC e Record. Enquanto um PM

liga pra Massera pedindo a divulgação de uma operação bem su-

cedida de assalto a banco, chovem críticas à atuação da polícia. É

a crise de imagem mais complexa da PM, diagnostica Massera. E

é ele que tem que enxugar esse iceberg.

Mais de 70%. Essa é a porcentagem da população brasileira

que não confia na polícia.

Page 84: Prazer, PM

83

O Índice de Confiança na Justiça Brasileira (ICJBrasil), re-

alizado pela Fundação Getúlio Vargas no primeiro semestre

de 2013, mostra que 70,1% da população não confia no traba-

lho das diversas polícias no Brasil –são 8,6 pontos porcentuais

acima do registrado no primeiro semestre de 2012. O mesmo

índice mostra que, em São Paulo, apenas 53% concordam que

a maioria dos policiais é honesta.

Um estudo da Anistia Internacional de maio de 2014 é ainda

mais alarmante: 80% dos brasileiros temem sofrer tortura poli-

cial. É o maior índice entre os 21 países analisados e quase o do-

bro da média mundial, de 44%.

Segundo o 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública do

Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao menos seis pes-

soas foram mortas por dia pelas polícias brasileiras em 2013.

Mas, assim como matam, também morrem. Em 2012, a taxa

de homicídio no Brasil foi de 24,3 por cem mil habitantes, en-

quanto a de policiais mortos em serviço e fora de serviço foi

de 72,1 por cem mil policiais.

Dados oficiais de São Paulo mostram que, no primeiro se-

mestre de 2013, foram 115 pessoas mortas por policiais de folga e

outras 150 mortas por PMs de serviço. Em janeiro de 2014, foram

76 mortos por policiais de folga ou de serviço –o maior número

desde novembro de 2012, quando 79 morreram.

Os policiais militares envolvidos nessas ocorrências com

mortes são na maioria brancos (79%), já as vítimas são na maio-

ria negras (61%) e jovens (57% tinham menos de 24 anos). A in-

formação é de um estudo da Ufscar que analisou 734 processos

com 939 vítimas entre 2009 e 2011. Apenas 1,6% dos policiais

foi indiciado, já que na maioria das vezes concluiu-se que não

houve crime ou que houve legítima defesa.

Page 85: Prazer, PM

84

O número de homicídios com envolvimento de PMs de-

nunciados à Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo no

primeiro semestre caiu 29%, de 197 casos em 2012 para 140

em 2013. Queixas envolvendo corrupção passiva também di-

minuíram: de 62 reclamações para 54.

Já as denúncias de excessos cometidos por policiais durante

abordagens cresceram 106% no primeiro semestre de 2013 em

comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 66

reclamações registradas ante 32 em 2012.

1º semestre

de 2012

1º semestre

de 2013Variação

Excessos durante

abordagem32 66 106%

Má qualidade

no atendimento329 539 64%

Ameaças 32 42 41%

Infrações

disciplinares283 343 21%

Prevaricação 73 95 30%

Homicídios 197 140 - 29%

Corrupção passiva 62 54 - 13%

Lesão corporal 16 10 - 38%

Fonte: Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo

Page 86: Prazer, PM

85

A atividade-fim da polícia também não é bem avaliada. En-

tre os paulistanos, a fonte número um de insatisfação é a se-

gurança, segundo pesquisa do Datafolha de 2014. Um total de

44% está insatisfeito com a “segurança para circular nas ruas

da cidade”. Em 2012, com 14,2 mortes a cada cem mil habi-

tantes, a cidade apresentou a quinta maior taxa de homicídio

entre 35 grandes cidades do mundo avaliadas pela ONU. Em-

bora as taxas de homicídio estejam em queda, os roubos, de

2005 a 2014, aumentaram 54,2%.

Entre os policiais, o panorama não é melhor. Uma pesquisa

de 2014 feita com policiais de todo o país revelou que a maioria

diz ser a favor da desmilitarização da PM –77,2% disseram não

concordar que as polícias militares e os corpos de bombeiros mi-

litares sejam subordinados ao Exército, como forças auxiliares.

No total, 53,4% discordam que os policiais militares sejam

julgados pela Justiça Militar. E para 80,1% deles, há muito ri-

gor em questões internas e pouco rigor em assuntos que afe-

tam a segurança pública.

Além disso, um terço pensa em sair da corporação onde tra-

balha. O estudo foi realizado com 21.101 policiais militares, civis,

federais, rodoviários federais, bombeiros e peritos criminais de

todos os Estados. Os militares eram maioria: 52,9%.

Sobre as dificuldades que enfrentam na rotina de trabalho,

mais de 80% deles citou baixos salários, leis penais inadequadas,

contingente policial insuficiente, falta de uma política de segu-

rança pública e formação e treinamento insuficientes.

Como solução, 27,1% sugerem a criação de uma nova polícia

civil e 21,86% querem a unificação entre a polícia civil e militar.

Embora os números e as notícias preocupem, a confiança de

Massera na instituição não se abala. Afinal, para ele, esse infer-

Page 87: Prazer, PM

86

no astral da PM é o resultado de uma campanha contra a corpo-

ração. “Incomoda saber que a polícia não é o que falam dela”,

desabafa. Conhecendo os repórteres que cobrem a polícia pelo

nome, o capitão distingue os imparciais daqueles que “deixam o

ativismo atrapalhar a isenção” ou dos que têm interesses pesso-

ais em alimentar o descrédito na PM.

“As críticas aumentaram muito mais agora. Elas se poten-

cializaram com o fenômeno das redes sociais. Hoje é lugar

comum falar mal da polícia. Você vai a uma festa e ouve: ‘ah,

mas você viu como a polícia abusa da autoridade, como a polí-

cia é violenta?’. A maior dificuldade é lidar com essas críticas.

Lidar com essas injustiças. As coisas boas que a polícia faz

acabam ficando escondidas. Que policial faz parto em viatura

ou que nós temos hoje uma quantidade de salvamentos que

polícia nenhuma do mundo tem. A PM de São Paulo mata

mais que todas as polícias dos EUA juntas, mas a PM também

morre mais do que todas as polícias dos EUA juntas. É uma

cidade violenta. E os casos de violência da polícia são tratados

como regra quando são exceção.”

Massera, como boa parte dos policiais, acredita que o jorna-

lismo escolhe mostrar o lado ruim da PM. “As pessoas só vêem

o lado mal da polícia. Dá a sensação de que a polícia só erra.

Mesmo quando faz tudo certo, mas uma vírgula sai errada, vão

focar nessa vírgula.” O clássico argumento policial de “temos

de 15 a 18 mil ocorrências bem sucedidas por dia, só os erros

são divulgados” revela uma profunda distorção do conceito de

notícia, que é justamente o inusitado, o fora do padrão. A man-

chete sempre será “homem morde cachorro”, a despeito dos

milhares de cachorros que morderam homens naquele mes-

mo dia. Só é notícia, o que foge da regra.

Page 88: Prazer, PM

87

Idem para o caso da polícia. O bom trabalho do efetivo deve-

ria ser a rotina, o ordinário, o normal. Às manchetes cabem os

desvios, a irregularidade, aquilo que é extraordinário e ainda com

um agravante: a atividade policial é exercida pelo Estado, e é fun-

ção do jornalismo, principalmente, vigiar e denunciar o mau fun-

cionamento daquilo que é público. Quando um criminoso mata

uma pessoa, seus familiares buscam a justiça através do Estado.

Agora quando o Estado é que mata, onde podem se abrigar os in-

justiçados se não no jornalismo?

É claro que o resultado é um banho de propaganda ruim

pra PM nas páginas dos jornais –e pior: nas redes sociais–,

mas a “perseguição” à corporação é igual para qualquer órgão,

empresa ou figura de relevância pública e explica a máxima

popular de que “jornal só tem notícia ruim”.

O fato é que essa bomba agora está nas mãos de Massera:

como colocar a opinião pública ao lado da PM, mesmo com um

escândalo de violência atrás do outro. “O problema da PM é que a

comunicação é deixada de lado culturalmente. A corporação não

consegue mostrar seus pontos bons.” A consequência é uma po-

lícia estereotipada com policiais estigmatizados.

“Dizer que a polícia é violenta porque é militar, ou seja, é

um entulho autoritário, é uma das maiores bobagens que eu já

ouvi até hoje. Eu conheço o pensamento de quem defende isso,

mas eu conheço principalmente a PM. Estudo modelos de poli-

cia no mundo há mais de 20 anos. Já visitei países para conhe-

cer a polícia. Esse discurso é que está ligado ao ranço da dita-

dura. Procurar eleger um inimigo para unir as pessoas. Porque

esses movimentos não são unidos.”

Massera inverte o raciocínio, então, para dizer que os movi-

mentos sociais é que demonizam a PM para, em torno disso,

Page 89: Prazer, PM

88

ganharem adeptos. “O Movimento Passe Livre, muito embora a

causa seja extremamente justa, como eles conseguiram adesão

maciça da população? Provocando a polícia. O movimento em si

era fraco. Provocaram a polícia e conseguiram uma reação des-

proporcional. No meu entendimento, houve excessos por parte

da PM, mas era exatamente o que eles queriam.”

Massera admite que o fatídico 13 de junho de 2013 foi espe-

cialmente violento. Dois dias antes, acontecera o Terceiro Ato

do MPL contra o aumento do preço da passagem no centro e

na Paulista. “Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro e

Paulista”, era a capa da Folha de São Paulo descrevendo o ato.

“Foram mais de 80 feridos, os dois lados erraram. Ninguém ti-

nha ouvido falar de black bock até então. Nunca antes tinha tido

uma manifestação violenta como aquela. Mas os jornais haviam

cobrado mais ação da polícia.”

Os editoriais de Folha de São Paulo e Estado de São Paulo que

se seguiram ao terceiro ato chegavam a ser radicais. Em “Reto-

mar a Paulista”, escreveu a Folha:

“Oito policiais militares e um número desconhecido de mani-

festantes feridos, 87 ônibus danificados, R$ 100 mil de prejuízos

em estações de metrô e milhões de paulistanos reféns do trân-

sito. Eis o saldo do terceiro protesto do Movimento Passe Livre

(MPL), que se vangloria de parar São Paulo –e chega perto de-

mais de consegui-lo.

Sua reivindicação de reverter o aumento da tarifa de ônibus e

metrô de R$ 3 para R$ 3,20 –abaixo da inflação, é útil assinalar–

não passa de pretexto, e dos mais vis. São jovens predispostos à

violência por uma ideologia pseudorrevolucionária, que buscam

tirar proveito da compreensível irritação geral com o preço pago

para viajar em ônibus e trens superlotados.

Page 90: Prazer, PM

89

[...]

É hora de pôr um ponto final nisso. Prefeitura e Polícia Militar

precisam fazer valer as restrições já existentes para protestos na

avenida Paulista, em cujas imediações estão sete grandes hospitais.

[...]

No que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a

força da lei. Cumpre investigar, identificar e processar os respon-

sáveis. Como em toda forma de criminalidade, aqui também a

impunidade é o maior incentivo à reincidência.”

No Estado, o texto era “Chegou a hora do basta”:

“No terceiro dia de protesto contra o aumento da tarifa dos

transportes coletivos, os baderneiros que o promovem ultrapas-

saram, ontem, todos os limites e, daqui para a frente, ou as au-

toridades determinam que a polícia aja com maior rigor do que

vem fazendo ou a capital paulista ficará entregue à desordem, o

que é inaceitável.

[...]

A PM agiu com moderação, ao contrário do que disseram os

manifestantes, que a acusaram de truculência para justificar os

seus atos de vandalismo. Num episódio em que isso ficou bem

claro, um PM que se afastou dos companheiros, nas proximida-

des da Praça da Sé, quase foi linchado por manifestantes que ten-

tava conter. Chegou a sacar a arma para se defender, mas feliz-

mente não atirou.

[...]

A atitude excessivamente moderada do governador já cansava

a população. Não importa se ele estava convencido de que a mo-

deração era a atitude mais adequada, ou se, por cálculo político,

evitou parecer truculento. O fato é que a população quer o fim da

baderna –e isso depende do rigor das autoridades.”

Page 91: Prazer, PM

90

E foi aí que a PM mordeu a isca. No dia 13, respondeu de

forma troglodita, fazendo com que os próximos atos do MPL

fossem apoiados por milhões nas ruas no país inteiro e, princi-

palmente, tendo essa mesma mídia apontando o dedo para a ex-

cessiva violência, em especial depois que uma repórter da Folha

levou um tiro de borracha no olho.

Massera acredita ter conseguido reverter um pouco a si-

tuação desfavorável para a PM com a estratégia de comuni-

cação sobre a chamada tropa do braço –um grupo de PMs

especializado em artes marciais, que não porta arma de fogo

e que passou a agir nas manifestações para tentar controlar

os distúrbios sem violência.

A tropa do braço surgiu antes da mídia do que na rua, o que

de fato acalmou os ânimos, mas, quando finalmente apareceu

atuando, no Segundo Grande Ato contra a Copa, em 22 de fe-

vereiro, acabou jogando lenha na fogueira. Foram cerca de mil

manifestantes, e o número de policiais era equivalente ou maior.

A PM tentou fagocitar os black bloks, isolando-os dentro de um

cordão de policiais que formava um círculo. Ainda assim, a mani-

festação acabou novamente em pancadaria indiscriminada pelas

ruas do centro –foram 262 presos. Muitos jornalistas foram víti-

mas da violência e a ação foi largamente criticada.

“O MPL e os black blocks não são distintos”, diz Massera.

“Os black blocks são a tropa de choque do MPL. Eles sabiam

muito bem a estratégia. Sempre foi estratégia provocar a polí-

cia para que aja de forma violenta e, consequentemente, unir

o grupo. Que foi o que aconteceu.”

Para Massera, junho de 2013 foi apenas a repetição de um ou-

tro caso, vivido em 2011, mas agora num nível nacional. Massera

viu a história se repetir –não por farsa, mas por tragédia.

Page 92: Prazer, PM

91

Em 2011, no ano em que a PM entrou no campus da USP,

prendeu usuários de maconha, causou um levante estudantil,

organizou uma reintegração de posse homérica com 73 presos –

políticos, dizem os estudantes– e, assim, tudo o que conseguiu

foi fazer um movimento antes sem respaldo interno se tornar

uma greve estudantil massiva que durou até o ano seguinte,

Massera dividia a sala de aula com aqueles que gritavam “Fora

PM” nas horas vagas. Mas o capitão não acha que a operação te-

nha sido violenta e que muito menos que tenha legitimado os

invasores da Reitoria. Justo o contrário.

“A operação [de reintegração de posse da Reitoria] foi bem

conduzida. Havia muito mais PMs que invasores. Sabíamos que

haveria um ambiente contra a PM, mas, quando há força poli-

cial em excesso, não há chance de reação. Porque se houves-

se reação, teria agressão e contra-reação. Quanto menos PMS,

maior a chance de confronto. E não houve uso de violência. A

grande lamentação daquelas pessoas foi essa. Deslegitimou o

discurso deles. Houve a menina que gritou que nem louca, mas

ninguém encostou nela. Ela se debateu. Foi mentira dela. O re-

lato dela no Jornal do Campus é igual a tortura do Vladimir Her-

zog, não tiveram nem originalidade. Na verdade, tivemos 99%

de acerto porque teve um PM que cometeu um erro e jogou

uma bomba de gás no Crusp. Ele foi punido.”

Foi nesse ninho de cobras, por assim dizer, que o capitão bus-

cou uma especialização que o ajudasse no seu trabalho de análise

social e criminal para a cidade de São Paulo. Do curso de Ciências

Sociais da USP, ele diz, absorveu muitas coisas, mas descartou

outras tantas. “Essa concepção de extrema esquerda na USP não

é a maioria, nem na própria FFLCH. É uma minoria barulhenta

que se impõe. Um discurso forte e anacrônico.” Com toda a situ-

Page 93: Prazer, PM

92

ação de tensão no campus naquela época, porém, o capitão não

teve nenhum episódio problemático. Conta que começou a ser

mais ouvido, as pessoas queriam saber a opinião de um policial.

Os alunos sempre o respeitaram.

Em maio, logo após a morte de Felipe Ramos de Paiva, aluno da

Faculdade de Economia e Administração, Massera disse que houve

um clamor popular pela presença da PM e que a violência dimi-

nuiu na USP. Para responder a uma reportagem feita pelo Jornal

da Tarde “com números distorcidos de violência divulgados pelo

Sintusp”, a PM divulgou seu próprio levantamento.

A estatística considera os 80 dias anteriores à morte de Felipe

e os 80 dias posteriores, descontando julho por ser mês de férias,

e foi feita através de Boletins de Ocorrência que têm a USP como

local do crime. Entre um período e outro, o furto de veículos caiu

de 20 para dois e o roubo de veículos caiu de 13 para um. Roubos

em geral passaram de 18 para seis, lesão corporal de nove para

dois e sequestro relâmpago de oito para um.

Segundo dados da USP, porém, a presença da PM na Cida-

de Universitária não impediu o aumento de roubos entre 2012

e 2014. Massera admite que a polícia não manteve ao longo de

todo esse tempo o mesmo número de policiais que circulavam no

campus nos primeiros meses após a morte de Felipe. Em relação

a 2012, os casos de roubo deste ano aumentaram em 55%. Foram

41 casos em 2011, 60 em 2012, 72 em 2013 e 93 até setembro de

2014. O convênio com a PM assinado pelo reitor João Grandino

Rodas em 2011, que estabeleceu os trâmites para a entrada da po-

lícia no campus, vence em 2015.

Do episódio da USP aos protestos de junho, pouco mudou.

Novamente, a polícia caía na velha estratégia apontada por Mas-

sera de ser o inimigo comum que alavanca um movimento sem

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93

respaldo. Mas, se é tão velha essa estratégia, por que sempre fun-

ciona? “Não é que a polícia cai, a polícia não tem alternativa. A po-

lícia é o ultimo dos remédios, apesar que muitos políticos vêem

como único. Mas é um remédio que sempre traz efeito colateral.

Quando você aplica a polícia numa manifestação em que o objeti-

vo dos manifestantes é buscar o confronto, o confronto vai existir

e a polícia não tem como controlar isso se não usar da força, da

violência teoricamente legítima.”

Se a corporação não tem alternativa, os policiais muito me-

nos. “Agora o policial é um ser humano. É difícil dosar a violên-

cia quando você precisa empregar a tropa. Porque imagine só,

o policial está ali intacto esperando ordem pra agir ou não. Vai

sendo provocado. ‘Você é um coxinha, sua mulher é uma vaga-

bunda, você é um analfabeto’. E ficam lá provocando. E o policial

engolindo aquilo. A hora que vem a ordem de agir, uma minoria

se exalta, mas eu não preciso de mais que dois ou três policiais

exaltados para provocar aquilo que eles querem. Infelizmente, é

isso.” Massera diz que por excesso de força ou por omissão, a PM

sempre será criticada. Especialmente em ocorrências de reinte-

gração de posse e manifestação.

Ainda assim, seja por sincera opinião pessoal ou porque faz

parte do seu trabalho de propaganda da PM, Massera defende

a atuação da polícia no geral naquele histórico mês de junho e

também nas manifestações contra a Copa de 2014. No caso da

repórter da Folha, Giuliana Vallone, atingida no olho, Massera

espera o resultado das investigações, mas acredita na versão, di-

ferente daquela narrada pela jornalista, de que o policial atirou

para o chão e a bala ricocheteou. No caso do estoquista, Fabrício

Proteus Chaves, baleado por um policial em uma manifestação

em janeiro, Massera é bem menos tolerante.

Page 95: Prazer, PM

94

“No caso daquele rapaz... Vou usar o termo correto: aquele

bandido que foi baleado naquela manifestação dos black blocks,

o Fabrício, cabeludo, black block, que estava com um estilete.

Quem faz o treinamento de tiro entende por que o policial atirou.

Uma pessoa com arma cortante, principalmente se a pessoa tem

habilidade para isso, que era o caso dele, estoquista, ela precisa

de poucos segundos pra cortar a jugular de alguém. O policial ca-

ído, ele indo pra cima com instrumento cortante, não tinha outra

alternativa que não arma de fogo. Mas, no momento que a polícia

usa arma de fogo para o policial não morrer, Fabricio passou a ser

um menino, manifestante, jovem.”

Com base na instrução de ação da Polícia Militar, o capitão

justifica o tiro. “A lei diz: você vai usar os recursos disponíveis de

maneira proporcional. Cessada a agressão, cessa a reação. A mor-

te pode ocorrer, mas não é o desejado. Naquele momento, com o

manifestante muito perto, o único recurso disponível era a arma

de fogo. Não tinha como reagir como uma tonfa. Então, é possível

sim você usar arma de fogo contra alguém que venha com uma

faca. Se o policial estivesse em pé, podia recuar, mas ele estava

caído. Era questão de segundos para ser cortado. A orientação, se-

gundo o método Giraldi, é dar dois tiros. Se a pessoa parar, você

para. Se a pessoa continuar, mais dois tiros.”

Massera explica ainda que é impossível exigir que o policial

atire em locais do corpo específicos, como no braço ou na per-

na. Com uma pistola ponto 40 e a uma distância de quatro me-

tros, já não é possível acertar onde se quer. “O policial é condi-

cionado a atirar onde tem mais massa, que é no tronco. Não é

na cabeça, é no tórax. Tanto que os dois tiros atingiram o tórax

de Fabrício. Qual é o objetivo do tiro policial: cessar a agres-

são. E os policiais foram perfeitos nisso. Deram dois tiros, o

Page 96: Prazer, PM

95

cara parou e foi socorrido depois. Se não houvesse o vídeo [que

mostra o policial caído], os policiais já estariam presos. Mas

eles agiram sim de acordo com o protocolo.”

Enquanto chefe da assessoria de imprensa da PM, Massera

repete o mantra: “A PM não tolera o mínimo de erro. Quem er-

rou, vai pagar pelo erro. A PM trata o policial que erra com mais

rigor do que o criminoso. Bandido usando farda precisa ser pu-

nido com rigor: é cadeia.” Mas, de novo, o capitão nem esquerda

nem direita também pende para o outro lado e admite: sim, há

violência policial. Sem deixar, é claro, de relativizar: “temos que

levar em consideração que o jornalista só mostra o que quer, aqui-

lo que vai vender. O que derruba a pauta, ele vai esconder. Temos

que ver até que ponto a denúncia é real.”

Se a violência da polícia não vem do resquício autoritário

da ditadura, Massera prega que a violência tampouco se cria na

PM. O caráter não pacífico do policial já existe nele desde an-

tes, a PM, porém, potencializa esse perfil agressor ao entregar

uma arma na mão dele.

“Muita gente diz que o policial vem da sociedade, a socie-

dade é violenta e, por isso, a violência na policia é uma repro-

dução da construção social. Que tem muita gente na socieda-

de que tem essa visão de que bandido bom é bandido morto é

fato, que acha que tem que ter violência contra bandido tam-

bém é fato. Vimos o episódio da Sheherazade. O policial que

pensa assim vem mesmo dessa sociedade que também pensa

assim. Mas a polícia não é só uma reprodução da configuração

social. É uma reprodução da configuração social potencializa-

da. Quem quer ser policial? É a pessoa que já associa a PM a

esses valores e a procura porque tem esses valores já incuti-

dos. Geralmente, uma pessoa que tem uma postura mais à es-

Page 97: Prazer, PM

96

querda não quer a carreira policial. Quem quer a carreira poli-

cial é mais conservador, mais à direita.”

E aí entra um trabalho essencial da polícia que, quando não é

feito, sobra para Massera, que tem que enxugar o iceberg. A PM

deve, na formação daquele policial, neutralizar sua veia agressiva.

“O treinamento do PM em São Paulo é o mais longo em todo o

Brasil. O policial não sai pra rua com uma arma com menos de 13

meses de instrução. Para soldado, são dois anos de curso, sendo um

de estágio. É muita teoria pra tentar corrigir a carga que ele trouxe da

sociedade. A função da PM, ao contrario do que muita gente pensa,

é tentar depurar essa pessoa que veio da sociedade com uma carga

violenta. Esse trabalho não consegue êxito 100% e muitos policiais

acabam adotando a postura de fazer justiça com as próprias mãos.”

Ainda assim, Massera aponta que o número de policiais que

optam por agir dessa maneira caiu vertiginosamente. Na década de

1980, cerca de 1.500 pessoas morriam na mão da polícia todo ano.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, nos dois primeiros tri-

mestres de 2014, houve 317 ocorrências de resistência seguida de

morte, ou seja, aquelas nas quais houve reação contra a PM e o sus-

peito foi morto. Cabe à PM investigar quais dessas mortes foram

legítimas e quais são resultado da ação dos justiceiros fardados.

O capitão diz que a PM intensificou o controle interno a

ponto de os policiais se darem conta de que não vale a pena ma-

tar. Ele diz que a justiça militar é mais rigorosa e, para os poli-

ciais que ainda costumam vingar morte de PM matando outros

dez bandidos, existe o Romão Gomes, hoje com uma população

carcerária de 187 policiais.

“Todas as mortes provocadas pela PM são legitimas? Eu diria

que não. Eu reconheço que não. Com base em parâmetros inter-

nacionais, quase metade das mortes eu acredito que poderiam

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97

ser evitadas. É aquela situação em que está só o bandido e o poli-

cial, o ladrão reage, mas o policial tem a opção de pegá-lo vivo ou

morto e escolhe pegar morto, porque não tem nenhuma testemu-

nha e nenhum juiz do mundo vai condenar isso.”

Como sempre, voltamos à sala de aula, único lugar onde o crime

praticado pelo Estado pode e deve ser combatido. “Pode assistir qual-

quer aula”, garante o capitão. “Em nenhum momento se pregam es-

ses valores, pelo contrário. Todas as instruções ensinam a usar recur-

sos menos letais. A carga de direitos humanos direta é pequena, mas

em todas as matérias tem direitos humanos. Se você assistir uma

aula, vai ver que não é essa polícia que a imprensa prega.”

Massera também dá aula na polícia, sabendo que se não for efi-

ciente ali, terá que ser depois para explicar à mídia o inexplicável.

Sua tática, ao falar com seus alunos, parece bastante convincente.

— Quando você executa um ladrão, você está fazendo trabalho

do PM (patrulhando e identificando o criminoso), da Policía Ci-

vil (fazendo um inquérito relâmpago), do promotor (acusando), do

juiz (julgando e condenando), do carrasco (executando uma pena

que nem existe no país), e, em última instância, fazendo o papel de

Deus, decidindo entre a vida e a morte das pessoas. Tirando o car-

rasco que não existe, qual é o menor salário nessa linha toda? É o

seu. Então, ao fazer justiça com as próprias mãos, você está sendo

bom pra sociedade ou está sendo um otário, usado por ela? Quem

assume o risco é você. Mesmo que fosse correto, quem assume o

risco é você. Se a sociedade quisesse que você resolvesse o proble-

ma, existiria uma lei: cabe ao PM, prender, julgar e executar. Se não

é isso que a sociedade quer, você tem que fazer seu papel.

*

Nos tempos de policiamento, Massera teve que por em práti-

ca o que prega. Nada fácil. O capitão já precisou usar a arma em

Page 99: Prazer, PM

98

algumas situações, mas nunca teve uma ocorrência com morte.

Em pelo menos três ocorrências, atirou contra o suspeito. Em

duas, acertou, mas provocou apenas ferimentos sem gravidade.

“Uma vez perseguindo um bandido, que já tinha atirado con-

tra mim três vezes, acabou a munição dele. Ele jogou a arma, ajo-

elhou e pôs a mão na cabeça. Não tinha testemunha, não tinha

nada. Se eu tivesse atirado nele ninguém iria me condenar por-

que ninguém ia saber a realidade. Eu algemei o ladrão e prendi.”

Massera, mesmo com toda a experiência, diz que esse tipo de

ocorrência abala o psicológico. “Eu já tenho uma tendência a tre-

mer, depois de uma ocorrência como essa, minhas pernas come-

çaram a tremer, demorei mais de 15 minutos pra voltar à calma.”

Mesmo que o policial envolvido não apresente nenhum trans-

torno evidente, ele defende o afastamento da atividade policial

depois de ocorrências violentas. Como não é todo dia que tem

ocorrência de tiroteio, são poucos policiais que são afastados para

receber apoio psicológico, o que não afeta o efetivo da tropa e

nem o policiamento. Enquanto a PM exalta essa medida de afas-

tamento, muitos policiais detestam ser retirados da rua, princi-

palmente porque têm a rotina alterada, prejudicando os bicos.

O capitão diz que não sente raiva dos bandidos e ensina os

alunos a controlar esse sentimento. A raiva atrapalha o raciocínio.

“Por mais que seja difícil, você está vendo alguém atirar num pai

de família, um estuprador –nossa! não existe nada mais terrível

do que isso–, na hora você tem que ser profissional.” Em certa

ocorrência, Massera prendeu um suspeito com uma mulher se-

questrada no porta-malas. Ao levá-lo para a delegacia, ouviu dele

algo inesperado:

— Tenente, gostei da sua postura.

Page 100: Prazer, PM

99

Massera achou estranho. Percebeu que se o bandido falara

aquilo, é porque algo andava errado na polícia.

— Que postura você gostou?

— Você me prendeu, me tratou dignamente, me conduziu pra de-

legacia, não me esculachou, você fez seu papel de policial e eu tiro

o chapéu pra isso. Eu faço meu papel de bandido e você de policial.

Eu tento, hoje eu me dei mal, mas você agiu de maneira nobre.

Uma das ocorrências que mais marcou o capitão foi um as-

sassinato que aconteceu bem na sua frente. De madrugada, Mas-

sera fizera um bom flagrante. “Seis motos estavam praticando

crimes em Moema. Eles roubaram um grupo de rapazes num

barzinho. As vítimas ligaram pro 190 e eu estava com uma opera-

ção na avenida Indianópolis. Eu tinha viaturas em todas as saídas.

E consegui fazer o cerco. Das seis motos, eu peguei quatro. Seis

ladrões. Foi demorado, cheguei às 3h na delegacia e sai às 17h. O

estresse da atividade burocrática é terrível.”

Voltando para entregar a viatura no quartel, já que seu tur-

no já havia acabado desde às 8h, Massera viu uma pessoa ati-

rando em outra. O capitão conseguiu prender o atirador e,

enquanto outra viatura o levava para a delegacia, Massera foi

socorrer a vítima, que perdeu massa encefálica e acabou mor-

rendo antes de chegar ao hospital.

“Me arrepio porque esse caso foi terrível. Quando eu voltei,

o filho dele estava esperando por notícias. Terrível. Acabei ten-

do que dar a notícia da morte do pai e ver o desespero daquele

menino. Devia ser um rapaz de uns 20 anos. Saiu chutando,

quase quebrou uma placa de trânsito. Acho que a pior coisa da

vida é dar uma notícia como essa.”

Page 101: Prazer, PM

100

“Essa ocorrência já está fazendo 18 anos e eu lembro dela

até hoje. Lidar com a frustração é terrível. E eu me considero re-

lativamente equilibrado, mas e o policial que tem dificuldades

financeiras, problema com a família, uma profissão não reco-

nhecida, estressante, tem que fazer bico, como ele lida com es-

sas situações? Qual é a capacidade de resiliência desse policial?

Se uma situação como essa me marcou a vida inteira, imagina

uma pessoa que não tem a mesma estrutura que eu pra supor-

tar isso? Muitos sociólogos, jornalistas, filósofos, colocam o cri-

minoso como uma vítima da sociedade. E o policial que comete

esses abusos também não seria uma vítima da sociedade? Con-

viver com a violência durante todo o tempo numa carreira ex-

tremamente difícil não torna o policial mais violento? Das duas

uma: ou a violência é banal pra ela ou a pessoa acaba se tornan-

do violenta também”, diz Massera em tom de desabafo.

Massera já ficou entre a vida e a morte várias vezes. Já teve

medo de morrer. Se lembra de uma negociação durante um se-

questro. O sequestrador com a arma apontada para a cabeça do

refém. Massera e um delegado negociando. O delegado, na certe-

za de que o sequestrador iria se entregar, colocou a mão no om-

bro dele. O sequestrador levantou a arma para atirar, Massera se-

gurou o tambor e começou a lutar com ele. “Se eu perco ali, ele

me dá um tiro. Quando termina, você pensa: não sei se deveria

ter feito isso, mas pelo menos eu salvei uma pessoa e deu certo.

Será que a próxima vai dar certo?”

*

Se um dia Massera contou ao pai que queria seguir sua car-

reira militar, agora ouve a mesma coisa do filho de 17 anos. Se for

mesmo essa a vontade dele, o pai o apoiará, mas preferia que o fi-

lho fosse médico ou engenheiro. No caso de ser mesmo policial, o

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101

jeito é torcer para terminar bem os 30 anos de carreira. Os dois já

conversaram bastante sobre o assunto, afinal, o capitão conhece

os dois lados dessa moeda. “É uma carreira gratificante, você não

se realiza em outra, mas tem duas coisas que ponderar: o risco

elevado e o reconhecimento social. Você vai ser frustrado e sub-

metido a um grande risco.”

Até agora na carreira, a recente cirurgia de hérnia de disco

na coluna por causa de ficar sentado muito tempo na frente do

computador foi a única sequela de Massera. Mas ele pensa no

pior: “a morte é algo muito próximo.” Separado, seu filho é o

único que ainda depende dele. O capitão já o deixou totalmente

amparado por via das dúvidas. “Mas o trauma de perder um pai

não é fácil. Eu não quero isso pra ele não. Quero morrer velhi-

nho”, diz dando risada.

Depois da separação, Massera se define como um solteirão

convicto. Sem dúvidas, parece muito feliz com a condição. Aos 42

anos, vive livre e leva sua rotina de maneira prazerosa. O capitão

gosta de correr, ir ao cinema (chega a assistir duas ou três sessões

no mesmo dia) e sair para jantar ou curtir um bar. No sábado, é

quando pode colocar a vida em ordem: leva a roupa na lavande-

ria, lava o carro, caminha, almoça na padaria, arruma a casa e sai,

geralmente, para ir ao cinema.

Massera nasceu e foi criado em São Paulo. Como o pai era PM

e policiais nunca receberam bem, o capitão diz não ter tido uma

infância muito fácil. Não passou fome, mas não tinha luxos e se

lembra bem dos três ou quatro brinquedos que teve. Nascido no

Ipiranga, foi criado em São Mateus, onde morava com os pais e

a irmã três anos mais velha em condições precárias de moradia e

saneamento. “Dos meus colegas de infância, dois ou três entra-

ram na polícia, uns 20% foram presos e o resto morreu. Essa é a

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102

realidade da periferia.” Seu Jair morreu em 2001, um ano antes

da mulher. Naquele mesmo ano, Massera foi morar sozinho.

Pouco antes de entrar no Barro Branco, Massera ficou noi-

vo. O noivado durou até dois anos depois do fim do curso de

oficial, acabando em 1996. Duas semanas depois da separa-

ção, a noiva disse que estava grávida. “Não vou voltar atrás na

minha decisão: assumo meu filho, mas a minha decisão é irre-

vogável.” Assim sendo, o capitão se casou com outra mulher,

com quem se relacionou de 1996 a 2009. “O problema não

são as mulheres, sou eu”, ele brinca.

O oficialato deu a Massera a possibilidade de ascensão social.

Seu filho, por exemplo pôde estudar em escola particular e agora

faz cursinho para entrar no Barro Branco. O capitão acumula sua

função no Centro de Comunicação com a de professor no Barro

Branco e na Escola de Sargentos, embora já tenha dado aula em fa-

culdade e cursinho. Seu salário varia de acordo com as aulas, mas

geralmente recebe R$ 19 mil brutos e R$ 12 a 13 mil líquidos.

“A perspectiva que a vida me dava aos 15 anos não era tão boa

quanto a realidade de aonde eu consegui chegar hoje, graças ao

sacrifício do meu pai e ao meu esforço também. Eu sou exata-

mente aquilo que eu queria ser em termos de realização pesso-

al. Eu tenho a possibilidade de ajudar pessoas, mesmo em uma

atividade administrativa.”

Em 1990, quando entrou na PM, ser policial era um orgulho,

um status, conta Massera. Em 2014, todo mundo esconde a iden-

tificação militar –seja por medo da violência contra PM, seja pela

“campanha” contra a PM na mídia e na área acadêmica. A socie-

dade não os reconhece mais.

Para ir à padaria naquela manhã, Massera deixou a identi-

ficação em casa. Por questões de segurança, claro. Garoto pro-

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103

paganda da instituição, nunca terá vergonha da sua profissão.

Justo o contrário.

“Eu continuo tendo orgulho. São poucas as categorias que

tem oportunidade de ajudar pessoas como a polícia tem. Pra

mim, a farda é um símbolo daquilo que lutei a vida toda: a jus-

tiça e o serviço à população.”

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Estereótipo

Se eu não matar, eu que vou morrer.

Rubens, ex-soldado da Rota

— Mas o que você acha daquela Sheherazade do SBT? –pergunta

direto ao ponto, depois de ter lançado sem pudor toda sua conde-

nável filosofia de vida.

Cala-se à espera de uma resposta. A ausência da voz forte e

grave cria um silêncio constrangedor. Ele se rende:

— Eu acho que ela fala a verdade.

Rubens é desses para quem direitos humanos deveriam va-

ler só para humanos direitos. Ele materializa os estereótipos

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106

do policial militar –da defesa de morte aos bandidos à cara de

mau. O incrível é que, em vez de ser escolhido o “funcionário

do mês”, acabou expulso da corporação. Ainda assim, brada sua

intolerância aos que chama de “vagabundos”. Mas é preciso dar

um desconto ao ex-soldado. Deve ser mais difícil ver criminosos

com bons olhos quando um deles atira em você pelas costas.

Ele tinha 23 anos. Foram cinco dias na UTI do HC, vinte e

oito dias no quarto andar e um mês e meio no Hospital Militar.

Baleado em agosto, ele voltou para a rua em fevereiro. “Eu tinha

que voltar pra provar que não ficou nenhuma sequela”, diz.

O ex-soldado tem boa memória. Volta como se fosse ontem ao

30 de agosto de 1982, época em que a polícia não tinha colete a

prova de bala e usava três oitão. “A gente estava na zona norte. O

Copom irradiou uma ocorrência do outro lado da norte. Era uma

segunda-feira fria. Nunca vou esquecer.”

Com quatro policiais, a viatura fazia o caminho da Cachoeirinha

para o Jardim Brasil. Em uma travessa de chão batido de uma avenida,

viram um carro suspeito com a lanterna acesa. Quando a viatura vol-

tou, o carro já estava com as portas abertas e os passageiros corriam.

“Eu, como era moleque novo, corria, saí que nem um doido na frente.”

Perto das 23h, a rua era bem escura. Rubens não viu que

“um dos elementos” tinha se escondido. Quando o policial pas-

sou correndo, ele atirou.

“Pegou nas costas, aí eu rodei. Fui trocando tiro com ele. Ele

atirando, eu atirando. Eu saí baleado, ele saiu baleado. Aí eu não

lembro mais nada. Me socorreram no pronto-socorro da Cacho-

eirinha”, Rubens conta.

“Eu senti na hora que eu tava morrendo. Você escuta as coi-

sas muito longe, sabe? É muito rápido, é muito rápido. ‘Eu vou

morrer’. Aí você fica fraco.”

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107

Rubens entrou na Rota (Rondas Ostensivas Tobias de

Aguiar), o 1º batalhão da tropa de choque da PM, aos 21 anos.

Fez o curso de soldado da Polícia Militar aos 20 –na época, eram

seis meses de curso e três meses de estágio. Rubens começou

na 1º companhia da Rota, que era vespertina até que o primeiro-

-tenente Conte Lopes foi promovido a capitão e assumiu a com-

panhia. Lopes fazia questão que sua companhia fosse noturna,

e Rubens foi trabalhar durante a noite.

Conte Lopes, ex-capitão da Rota, foi, portanto, um dos seus

mentores. Lopes seguiu a carreira política, tendo sido deputado

estadual em São Paulo de 1986 a 2010. Em 2012, foi eleito ve-

reador da capital e, ao lado do ex-tenente-coronel da Rota Paulo

Telhada (PSDB) e do ex-comandante-geral da PM Álvaro Camilo

(PSD), compõe a chamada “bancada da bala”. Entre seus proje-

tos de lei, está a proposta de proibir utilização de vias públicas

para realização de bailes funk, por exemplo.

Lopes é conhecido por ser um dos policiais mais matadores

de São Paulo, com ao menos 40 mortes assumidas na carreira.

Enquanto ele alega nunca ter matado inocentes, o livro Rota 66,

de Caco Barcellos, lançado em 1992 e que investiga assassinatos

cometidos pela Rota, mostra o contrário. Em 2014, Lopes foi can-

didato a deputado federal pelo PTB, mas não se elegeu.

Ao contrário do chefe, porém, Rubens não quer saber de polí-

tica. “Eu odeio político. Odeio política, odeio o PT. Não me desce.

Muita roubalheira que a gente fica sabendo, muita coisa errada. A

polícia tinha que ser totalmente independente de política, de gover-

no, tinha que ser uma coisa separada. Durante quatro anos um go-

verno fala ‘ó, quero a polícia verde’. Aí muda, vem outro cara lá: ‘ó,

eu quero a polícia branca’. Você dança conforme a música. Não é

assim que funciona a coisa. É polícia ou ladrão, é certo ou errado.”

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A revolta é por causa das decisões políticas que interferem

no funcionamento da polícia. “Entra um governador corrupto

lá, safado e aí? Tira os caras bons. Na época que eu estava na

Rota, tiraram o Capitão Conte que era um cara de frente, um

comandante de frente. Jogaram ele para... acho que foi pro [ba-

talhão] 19, na zona leste, depois jogaram ele pro Hospital Mi-

litar. Aí tiraram um capitão do hospital, que nunca trabalhou

na rua, pra comandar uma companhia de Rota. O cara não tem

noção nenhuma, tudo política.”

“Na época que o Montoro ganhou a eleição pra governador

[1983], ele queria acabar com a Rota e com o Dops (Departamen-

to de Ordem Política e Social). Só que fizeram uma pesquisa an-

tes com a população e 85% era favorável à Rota. O Dops ele aca-

bou, mas com a Rota não podia. O que ele fez? Se eu não posso

acabar com a Rota, então vou tirar os caras bons de lá. Tira o Ca-

pitão Conte, tira o Capitão Cora, tira o Tenente Salgado, que são

linhas de frente e que estão junto da tropa. Aí coloca uns caras

que são zero à esquerda, que trabalharam atrás de uma escriva-

ninha, que nunca trocaram tiro com vagabundo, que nunca fo-

ram pra rua”, desabafa Rubens. “A política é essa, eu não gosto

de política, acho que tudo é errado.”

Talvez, justamente por ter entrado na Rota quando essa

“limpeza” estava em curso, Rubens não tenha testemunhado

a ação dos esquadrões da morte enquanto soldado. Ele jura

que na sua época eles já não existiam, embora muita gente

falasse que sim.

O primeiro esquadrão da morte foi formado no fim dos anos

1960 e era comandado pelo delegado e chefe do Dops, Sérgio Pa-

ranhos Fleury, de forma que as mesmas técnicas violentas usadas

pela ditadura foram aplicadas também aos criminosos comuns.

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109

Rubens, aliás, prefere a ditadura. “Não é essa pouca vergonha

que é hoje em dia. O cara rouba, você sabe que ele roubou e você

não consegue pôr ele na cadeia por causa da lei.”

“Que democracia é essa? Democracia na cabeça desses ca-

ras é sinônimo de baderna. Eu não entendo essa democracia,

não entendo. Democracia que nego rouba, esse Mensalão... Os

caras roubaram pra caramba. Democracia e os caras ficam na

cadeia na maior mordomia.”

Ele explica, porém, que a polícia não tem nada a ver com a di-

tadura, como as pessoas pensam. “Pensam isso por causa da farda

militar, mas não tem nada a ver. [A polícia] está na mão da Dilma,

na mão do Lula. O Lula é liso, ninguém pega esse cara. Pra mim,

ele é um tremendo de um safado. Não vale nem a água que bebe.”

O ex-soldado diz que a preferência pela ditadura é estritamen-

te pessoal e que ele nem gosta do militarismo, por exemplo. “Eu

era consciente que tinha que andar com a farda passada, minha

bota tinha que estar engraxada. Mas moleque [oficial] chega lá na

Rota, você que tem 20 anos de polícia tem que falar pra ele ‘sim,

pois não, seu tenente’ e chamar de senhor.”

Voltando aos esquadrões, Rubens garante que já não exis-

tiam na década de 1980. “Na minha época já não tinha mais.

Na época do meu pai tinha. Eu era moleque, meu pai falava. E

lá onde eu morava de vez em quando aparecia cara morto. Dizia

meu pai que deixavam os caras lá mortos, matavam e jogavam

lá. Eu era moleque, bem moleque.”

Do pai, ex-policial rodoviário, Rubens herdou o gosto pela po-

lícia e por moto. Tendo sido expulso da primeira, hoje se dedica à

segunda. Ele transporta motos, estudou em escola pública, está no

terceiro casamento, tem um filho de 27 anos e, pela primeira vez

na vida, mora em uma casa própria: um apartamento no Piqueri.

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110

Rubens não tem curso superior. Tinha planos de fazer Educa-

ção Física depois que saiu da polícia, já que havia sido efetivado na

parte administrativa do cursinho Objetivo, onde trabalhava antes

como segurança, e então podia fazer cursinho sem pagar. Mas aca-

bou sendo chamado para trabalhar no Banco Digibanco, da Sharp,

onde foi promovido a chefe de contas correntes. Estava satisfeito

com o emprego, mas a Sharp faliu. Quando o banco foi comprado

pelo Banco Pontual, ainda foi trabalhar na gráfica da Sharp, que

fazia os manuais dos produtos eletrodomésticos. “Aí, infelizmen-

te, o seu Matias faleceu num acidente de helicóptero em Atlanta

em 1994. Em 2000, a Sharp pediu concordata.” Rubens abriu en-

tão uma lanchonete, depois um estacionamento, voltou a trabalhar

como segurança –para o presidente da Sony e para a dona do sho-

pping Eldorado–, até chegar ao negócio das motos.

Mesmo como segurança, teve pelo menos uma ocorrência

memorável. Enquanto a dona Maria Helena, proprietária do El-

dorado, fazia compras com os filhos em algum “shopping chi-

que”, os seguranças do estabelecimento pediram ajuda pra dois

dos seis seguranças que a acompanhavam. Homens haviam se-

questrado um rapaz e usavam seu cartão de crédito no shopping.

Rubens e Moacir prenderam os sequestradores na saída do local e

os entregaram nas mãos da polícia antissequestro. A melhor par-

te: Maria Helena nem ficou sabendo.

“Eu não sei o que é tirar 30 dias de férias acho que desde que

entrei na polícia. Nunca tirei férias 30 dias. As vezes que tirei fé-

rias na polícia foi pra fazer bico. Descansar 30 dias? Não sei o que

é isso. Não me lembro.”

A rotina de Rubens quando trabalhava na Rota era pesada. Pe-

gava serviço como segurança no cursinho Objetivo na Teodoro

Sampaio às 9h e saía entre 13h e 14h. De lá, ia para o quartel da

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111

Rota, um prédio antigo e amarelo na avenida Tiradentes. Almoça-

va, descansava, fazia educação física às 16h. O expediente começa-

va às 18h. Ouvia as instruções e ia pra rua uma hora depois. Sem

ocorrências graves, estaria de volta no quartel às 3h e em casa às

4h –morava em Santana na época. Trabalhava na Rota uma noite

sim, uma não. No dia seguinte, levantava às 8h para ir para o Ob-

jetivo. Depois, até às 22h, era segurança na Companhia Atlética do

Brooklin. O terceiro bico era no restaurante Bistecão na avenida

São João, onde ficava até fechar.

Hoje, fora da PM, Rubens percebe o tamanho do desgaste.

“Você entra num sistema que você faz parte e não percebe. Hoje

eu vejo que ali no dia-a-dia é estressante.”

Os três bicos foram a forma que Rubens encontrou de se

sustentar com salário de soldado sem ser corrupto. “Polícia

corrupto é pior que ladrão”, diz. Lembrando que, pra ele, la-

drão tem que morrer. “Ó, vou te resumir, vagabundo de pre-

ferência morto. Não importa a forma que você matou, é vaga-

bundo tem que morrer. Ponto.”

Rubens acredita que os professores e os policiais tinham

que ser mais valorizados pelo Estado. Ganhar um salário bom

para, na folga, “poder curtir a família e os filhos.” O bico tira

o tempo da família. “Se você tem um bom salário, se você tem

uma folga, se você tem tempo de ficar com a sua família, eu

acho que seria bem diferente”, diz.

Além disso, Rubens conta que os PMs não tinham apoio para

estudar. “Na própria polícia tem oficial que não gosta de ver um

praça fazendo faculdade, não é interessante pra ele. Não sei se

mudou, mas, na minha época, eu lembro que tinham muitos po-

liciais que estudavam e que tinham seus horários atrapalhados só

para que se prejudicassem na faculdade.”

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112

Mas, se essa vida de soldado da Rota era ingrata, Rubens

ainda estava por descobrir. De um dia para o outro, perdeu

tudo. Foi a pior parte de sua vida. Foi preso, a mulher o aban-

donou, vendeu sua moto e, por infeliz coincidência, o irmão

bateu seu carro. Tudo na mesma época.

“No fim de semana, quando eu via meu filho, ele segurava

na minha blusa e falava ‘quero meu pai, quero meu pai’. Ali aca-

bava o mundo pra mim.”

Foi em 1988. Um carro roubado. Cinco suspeitos (ou cinco

“vagabundos”). “Foram os cinco para o saco”, mas Rubens tam-

bém “rodou”. Ele e os colegas foram presos sob suspeita de exe-

cução. Enquanto muitos criticam a omissão da imprensa e a im-

punidade da polícia nesses casos, Rubens vê diferente. Para ele, a

“Rede Globo e os Direitos Humanos meteram o pau” e “a polícia

manda embora, não ta nem aí.”

A Rota patrulhava em Itaquera, quando viu um carro roubado

e foi abordá-lo. Os suspeitos saíram em fuga. Houve persegui-

ção. De dentro dos carros, suspeitos e policiais trocavam tiros. Os

suspeitos foram baleados e, numa curva de uma rua de terra, ca-

potaram o carro. “Aí socorremos os elementos. Todos morreram.

Tinha um menor, deu muita repercussão porque tinha um mole-

que no meio, 14 anos na época.”

Segundo Rubens, os bandidos morreram dos tiros e não do

acidente. Os cinco. Houve a acusação de execução. Algo lógi-

co devido às circunstâncias da ocorrência. Algo quase óbvio se

tratando de um policial que prega o assassinato contra o cri-

me. Mas Rubens nega ter matado os suspeitos. “Tanto que eu

fui absolvido depois.”

O policial admite, porém, que atira para matar. “A prefe-

rência é que ele morra. Não tenho dó não. Eu saio de casa pra

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113

trabalhar, ele sai pra roubar. Atira em quem está na frente

dele e não está nem aí.”

Como de se esperar, Rubens crê que entrar no crime é uma

simples questão de escolha e, pra quem toma essa decisão, não

cabe recurso. Com ele, vagabundo não tem vez. “Eu tive chance

de fazer coisa errada na minha adolescência e nunca fiz. Eu fui

criado numa vila, um monte morreu. Um monte. Pessoal fuma-

va maconha, ladrão, falecia um monte lá. Poderia ter tomado

esse rumo, mas meu pai me ensinou. Esse negócio de falta de

oportunidade eu acho uma tremenda safadeza. Se você quer tra-

balhar você arruma emprego. Nem que seja pra varrer o chão. Eu

mesmo, quando eu saí da polícia, estava há dez anos na PM. Eu

era militar, não era mais paisana. Eu vi o mundo desabar. Mas eu

nunca desisti. Eu trabalhei, tive lanchonete, tive estacionamen-

to, fui gerente em loja no Brás, fui segurança...”

Rubens teve que reconstruir a vida depois daquela ocorrência.

“Saiu no jornal, televisão, Jornal Nacional... Só que a Rede Globo

manipula tudo. Eu não gosto da Globo. Eu acho que eles dão a

notícia que eles querem, manipulada pelo governo. Hoje ela está

mais ligada ao PT, não sei, não gosto. Aí alegaram execução e a

polícia mandou a gente embora.”

Sua cunhada era oficial da PM e também o acusou. Chamou-o

de assassino e disse que a Rota fazia lavagem cerebral. “Você é te-

nente lá no seu quartel, aqui na minha casa mando eu”, ele retru-

cou. Mas já era tarde. Sua mulher saía pela porta carregando o filho.

Rubens acha que seu caso foi político. Que ele foi usado como

bode expiatório, tanto que a acusação e a prisão foram rápidas.

Só a absolvição é que demorou. O julgamento foi em 1994. Ele,

então, moveu uma ação contra o Estado para voltar à PM, mas o

prazo para fazê-lo já havia passado. “Segundo o juiz, você pode

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mover uma ação contra o Estado em até cinco anos. Mas antes

disso, eu não sabia se eu ia ser inocentado ou culpado”, diz.

Ele ficou no reservado (a polícia da polícia) por 18 dias. “É tor-

tura psicológica”, diz Rubens. “Você fica já numa celinha que só

tem uma janelinha. Um espaço 2 x 2 ou 2 x 3, deve ser. Aí toda

hora tem interrogatório, de madrugada, de manhã, você já não

sabe quando é dia, quando é noite, é tudo escuro. Tortura psicoló-

gica. Não provaram nada contra mim.”

Ainda assim, passou mais três meses no Romão Gomes, o

presídio militar. O inferno para Rubens. “Liberdade não tem pre-

ço. Eu, um policial, sempre trabalhei corretamente, nunca peguei

uma bala de ninguém, me vejo preso por causa de vagabundo.”

No Romão Gomes, a distinção entre “policial assassino” e “poli-

cial corrupto” guiava a dinâmica social. Para Rubens, os primeiros

eram heróis e os segundos, a escória da polícia. Ele conta que tinham

direito a uma ou duas horas de sol, “de resto, todo mundo no xadrez”.

“Policial ladrão tinha mais mordomia do que policial que matou

vagabundo. Você era obrigado a ouvir nego falar assim: ‘Eu matar

vagabundo? Eu não! Não sou trouxa’. Tinha um monte de polícia

ladrão, drogado, maconheiro. Nem ficavam no nosso lado, nem vi-

nham conversar com a gente. A gente era tachado como assassino.”

Em abril deste ano, o presídio Romão Gomes completou 65 anos.

Segundo reportagem do G1 do ano passado, 184 das 225 vagas esta-

vam ocupadas. Entre os detentos, 96 foram presos por homicídio e

47 já foram excluídos da PM. A exclusão não vem necessariamente

no momento da prisão e, para alguns presos, pode nunca acontecer.

Além do homicídio, as outras violações mais comuns são crimes se-

xuais e roubos. Os presos mais recentes ficam em uma cela 22h por

dia. Depois de meses, segundo avaliação psicológica, podem se mu-

dar para um alojamento e frequentar algumas partes do presídio.

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Quando a mãe visitou Rubens no Romão Gomes, disse que ha-

via males que vinham para o bem. Antes preso do que morto ou

numa cadeira de rodas, ela pensava. Pelo visto, a marca da bala que

o filho levara anos antes era tão nítida nela quanto nele.

Em três meses, houve a primeira audiência com o juiz e o

advogado de Rubens –pago através de uma vaquinha do pes-

soal da Rota– conseguiu suspender a prisão preventiva. O ex-

-soldado Rubens pôde responder em liberdade.

A expulsão da PM foi um golpe certeiro. Ele, que defendia a

corporação, que tinha três bicos para conseguir ser um policial

honesto, que amava a farda, estava expulso. “Você está traba-

lhando num dia, no outro, está na cadeia.” O pior: Rubens tem

absoluta certeza de não ter feito nada errado. Anos dedicados,

um trabalho impecável e, sem motivo, você está fora. Sozinho.

De um jeito ou de outro, o caso de Rubens é de injustiça. Se é

mesmo inocente como alega, sofreu preso sem motivo. Se é cul-

pado, pior ainda –acabou absolvido.

“Matei vagabundo, não matei pai de família. Não me conside-

ro um assassino. Considero que o que fiz tava certo. Tanto poda-

ram [a PM] que está essa porcaria que está hoje esse país.”

Rubens explica que não é contra a fiscalização e a punição na

PM. Desde que para o alvo correto. A Corregedoria é um “mal

necessário” que deveria ser usada para policiais corruptos e não

para “policial que matou vagabundo”.

“A polícia está cheia de corruptos”, diz Rubens e denuncia que,

para eles, a impunidade reina. Para os que matam criminosos, o

contrário: “se ferra, mandam embora”. “O mau polícia tem que ser

escrachado, tem que ser retirado da corporação. Mas o bom polícia,

o pessoal não valoriza. Para polícia que trocou tiro com vagabundo,

eles deviam contar até dez, ver direitinho [antes de punir].”

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116

O Proar (Programa de Acompanhamento a Policiais Militares

Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco), que existe justamente

para auxiliar os policiais que mataram alguém em serviço, Ru-

bens vê com maus olhos.

“Pra mim não ajuda em nada, só atrapalha o bico do polícia.

Você quer ajudar o polícia? Dê um salário correto pra ele. A fer-

ramenta do pedreiro é a colher de pedreiro. Se cai do andaime e

cai na cabeça de alguém, pode matar. A ferramenta do polícia é a

arma. Ele pensa muito rápido, é segundos. Se, por um acaso, ele

errar um tiro e pegar uma pessoa inocente, é a ferramenta de traba-

lho dele. O policial, antes de qualquer coisa, ele é um ser humano,

ele não vai querer matar um pai de família, não vai querer matar

uma pessoa inocente. Mas está arriscado a acontecer um acidente.

Só que a imprensa não vê esse lado, não valoriza o bom polícia.”

Nessa linha, ele defende a ação dos dois policiais do Rio de

Janeiro, que teriam atirado na auxiliar de serviços gerais Cláu-

dia Ferreira da Silva , em março, durante um tiroteio na peri-

feria, e a levaram ao hospital. O caso ganhou repercussão por-

que o porta-malas da viatura abriu e Cláudia foi arrastada por

350 metros. Segundo a Polícia Civil, no entanto, ela não morreu

em decorrência dos ferimentos provocados pelo atrito no asfalto

mas por disparo de arma de fogo.

Após o inquérito da Polícia Civil, os dois PMs foram indi-

ciados por homicídio culposo e mais quatro policiais que par-

ticiparam do resgate foram indiciados por fraude processual.

Assim como Rubens, o tenente Rodrigo Boaventura e o sargen-

to Zaqueu Pereira Bueno foram presos de um dia para o outro.

Os dois foram soltos em 11 de maio, quando o prazo de prisão

temporária expirou, e permanecerão em funções administrati-

vas enquanto durar o processo.

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“Não dá, não quero acreditar que aqueles caras fizeram aqui-

lo de propósito pra mulher cair do carro. A mulher já tava morta

com o tiro, eu acho. E todo mundo já caiu de pau. Não tem um

respaldo. Você pega uma ocorrência na qual o policial está total-

mente errado e fica a semana inteira divulgando isso, principal-

mente a Rede Globo. Quando a polícia faz uma ocorrência bonita,

os caras falam um minutinho só e já esquecem.”

E continua: “Todo mundo vira as costas pra você. Ninguém

te apoia em nada não. Mas, quando precisa da polícia, corre e

chama a polícia.”

Rubens cita também o episódio do Carandiru –um marco na

história da Polícia Militar de São Paulo. Dessa vez, a semelhan-

ça com seu caso é a condenação política, usada para dar alguma

satisfação à sociedade.

“O pessoal do Carandiru foi tudo condenado. Eles cumpriram or-

dem. Onde é que está o governador, secretário da segurança? Eles tam-

bém têm que ser julgados. Alguém deu ordem. Eles não entraram lá

por eles mesmos. Ficou o dia inteiro pra fazer aquilo lá. Entra, não en-

tra, entra, não entra. A princípio foi ordem do coronel Ubiratan? Foi.

Mas o coronel recebeu ordem do secretário, e de quem veio a ordem?

Veio do governador. Por que tem que ser os polícias a serem condena-

dos? E por que 22 anos pra ser julgado? Pra quê, fala pra mim? Por que

quem morreu lá era inocente? Para com isso... tudo vagabundo”, diz.

Ao todo, 111 detentos foram mortos no chamado Massacre

do Carandiru, quando a polícia entrou no presídio para conter

uma rebelião no pavilhão 9 no dia 02 de outubro de 1992. Em

2014, foram realizados os dois últimos julgamentos de poli-

ciais: foram 73 condenados no total. Devido ao grande número

de réus e de vítimas, o julgamento do foi dividido em etapas,

conforme os andares do pavilhão 9.

Page 119: Prazer, PM

118

Na primeira etapa, em 2013, foram condenados 23 PMs da

Rota a 156 anos de prisão pela morte de 13 presos. No mesmo

ano, outros 25 policiais da Rota foram condenado a 624 anos

cada um pela morte de 52 detentos. Em 2014, nove policiais

do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) foram condenados

a 96 anos de prisão e um a 104 anos pela morte de oito deten-

tos. E, finalmente, 15 policiais do COE (Comando de Operações

Especiais) foram condenados a 48 anos de prisão cada um pela

morte de quatro detentos.

O comandante responsável pela operação no Carandiru, coro-

nel Ubiratan Guimarães, foi condenado a 632 anos de prisão em

2001 por 105 das 111 mortes. No entanto, Ubiratan, que chegou a

se eleger deputado estadual pelo PSD, morreu em 2006, enquan-

to o processo ainda corria em outras instâncias da Justiça.

O então secretário da Segurança Pública, Pedro Franco de

Campos, deixou o cargo após o episódio. Luiz Antonio Fleury Fi-

lho era o governador de São Paulo na época. A Casa de Detenção

do Carandiru, a maior da América Latina com mais de sete mil

presos, foi implodida dez anos depois do massacre.

Enquanto a sociedade civil comemorou os julgamentos,

Rubens não vê sentido algum em punir policiais que, afinal,

resolveram um problema: se livraram de criminosos. “Pra dar

uma resposta pra sociedade? Que resposta? Só morreu vaga-

bundo ali. Morreu pouco, deveria ter morrido mais. Você acha

que tem cabimento bandido se criando na cadeia. Esses caras

tem tudo que morrer.”

Embora sempre defenda a corporação, Rubens diz que não

voltaria para a PM como ela é hoje. Para ele, tudo mudou muito

desde o Carandiru. “A polícia está de mãos atadas, não pode fazer

nada. E não adianta, eu não vou mudar meu modo de pensar.”

Page 120: Prazer, PM

119

Se, num milagre, Rubens recebesse o aviso de que poderia

voltar agora para a PM, sua resposta estaria na ponta da língua.

“Se falassem você vai voltar a trabalhar amanhã no sistema que

o governo quer, no sistema de hoje em dia. Você vai receber seus

atrasados e tudo. Eu não quero, eu não volto. Nesse esquema? Fi-

car pagando pau pra vagabundo? Não volto. Hoje é difícil traba-

lhar na rua. Você não tem respaldo de ninguém, é muita pressão,

ninguém te valoriza. Você mata um vagabundo numa quebrada

aí, à noite os caras já põem fogo em ônibus, já faz o diabo.”

Para o soldado, polícia mesmo era aquela da década de 1980.

Na Rota daquela época é que Rubens queria estar. “Na minha

época vagabundo não fazia nome não. Ele fazia nome na favela,

mas a Rota ia lá e sentava o aço, era caixão. Ia morrer. Hoje não.

Infelizmente o crime se organizou e a polícia está estacionada. E

a imprensa tem culpa. Não confio no Datena, não confio nesse

Marcelo Rezende, esses caras tem culpa, eles tem uma parcela de

culpa de estar essa vergonha... de tanto que eles ficam divulgando

aí. Os caras ficam atrás de ibope com a desgraça alheia. Esses Ci-

dade Alerta... Isso tudo pra mim é errado. Tudo errado.”

Atualmente, segundo policiais apontam, existe uma orientação

maior da corporação no sentido de evitar mortes em confrontos po-

liciais. Ao mesmo tempo, a imprensa e a sociedade não toleram a

violência policial como antes, já que a noção de direitos humanos

está mais madura no país, e exercem seu papel de controle, apon-

tando os erros policiais. Mesmo assim os mortos nas mãos de PM

continuam a ser notícia quase diária, do que se conclui que a vio-

lência sistemática da corporação está longe de ser extinta.

Um levantamento para monitorar a violência policial do Nú-

cleo de Estudos da Violência da USP, feito com base em notícias

publicadas em jornais desde 1980 até hoje, mostra o tamanho do

Page 121: Prazer, PM

120

desafio. É interessante observar, porém, o papel da pressão social

sobre a polícia. O número de vítimas fatais revela claramente o

efeito Carandiru nos anos seguintes ao massacre, com queda sig-

nificativa de mortos.

Violência Policial no Estado de São Paulo (NEV)

Número de Casos de

Violência Policial

Vítimas

Fatais

Vítimas

Feridas

Vítimas

Outras

Total de

Vítimas

1980 118 123 93 116 332

1981 278 327 208 116 651

1982 137 178 78 31 287

1983 113 118 263 11 392

1984 351 372 276 294 942

1985 298 360 308 51 719

1986 179 195 180 131 506

1987 168 195 85 199 479

1988 189 214 45 6 265

1989 214 278 1462 30 1770

1990 111 140 101 16 257

1991 372 423 125 23 580

1992 97 237 27 13 277

1993 68 54 191 11 256

1994 52 41 123 2 166

1995 55 75 64 2 141

1996 94 75 96 396 567

1997 275 179 328 9 516

1998 319 251 606 468 1325

1999 358 291 379 371 1041

Page 122: Prazer, PM

121

2000 428 348 469 44 861

2001 256 219 349 8 576

2002 167 180 157 7 344

2003 178 193 357 12 562

2004 167 154 224 1111 1489

2005 129 108 184 15 307

2006 235 269 357 326 952

2007 206 199 265 417 881

2008 149 126 107 19 288

2009 186 132 163 42 337

2010 86 68 50 11 129

Também por causa do Carandiru, de um modo geral a so-

ciedade paulista (e a PM) deixou de ver o homicídio como uma

ferramenta para solução de problemas, o que explica a queda

de mortes no Estado a partir dos anos 2000. Em 1999, a taxa

homicídios era de 35,27 a cada cem mil habitantes, número

que, em 2013, passou para 10,5.

Segundo a teoria da ação situacional, toda ação, inclusive a cri-

minal, é resultado das alternativas que uma pessoa percebe em

um determinado contexto. Portanto, se uma pessoa opta pelo cri-

me, é porque crê ser a melhor opção naquela circunstância.

Na década de 1960, em São Paulo, o homicídio ganha um

novo significado: passa a ser um instrumento de controle do

crime. Matar os criminosos seria, então, a melhor opção para

acabar com os crimes. Assim, os esquadrões da morte da PM

se espalham na década de 1970. Nas comunidades, por sua vez,

os civis também passam a ver o homicídio como algo eficaz, ge-

rando um mecanismo de multiplicação de homicídios. Como as

Page 123: Prazer, PM

122

mortes são praticadas em nome da justiça, o contexto moral per-

mite a ascensão dos homicídios –são tolerados pela sociedade e

pelas instituições de segurança.

Entre 1920 e 1960, o Estado registra menos de cinco homicí-

dios a cada cem mil habitantes. Entre 1960 e 1975, são de 5 a dez

casos. Em 1999, já são 65 mortes em cada cem mil habitantes.

Com o passar das décadas, porém, a situação fica insustentá-

vel. As pessoas começam a matar para não morrer e o contexto

moral é modificado: há uma percepção de que o conflito deve ser

evitado. As instituições de segurança buscam, então, outras polí-

ticas de redução do crime que não o homicídio, o que explicaria,

juntamente com os trágicos episódios da Favela Naval e do Ca-

randiru, essa nova PM “de mãos amarradas” que relata Rubens.

Em 2014, contudo, vemos que resquícios desse pensamen-

to homicida podem ser ainda encontrados na população de São

Paulo –no segmento pró-Sheherazade– e também na PM –no

estereotipado Rubens.

A aversão ao homicídio que se instaura nos anos 2000 segun-

do a teoria da ação situacional faz considerar a explicação oficial

da PM para os episódios de violência: são casos isolados. Os nú-

meros, porém, deixam dúvidas se a morte justiceira cabe aos es-

tereótipos perdidos da polícia ou se é institucionalizada.

Segundo balanço do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,

os mortos pela polícia em confrontos em São Paulo foram 397

em 2008, 543 em 2009, 495 em 2010, 437 em 2011, 564 em 2012

e 352 em 2013 –sendo que os dois primeiros números incluem

também mortos pela Polícia Civil. Nos dois primeiros trimestres

de 2014, foram 317 pessoas mortas pela PM de acordo com a Se-

cretaria de Segurança Pública.

*

Page 124: Prazer, PM

123

Rubens já é conhecido na padaria. Cumprimenta todo mun-

do, usa o salão do almoço para dar entrevista e ainda pede que

desliguem a televisão –“tá gravando aqui, ó”. Sua fala é curta e

grossa. Enquanto discorre sobre a inversão de valores na socie-

dade, leva uma blusa branca com uma bicicleta desenhada. Tem

o rosto grande, assim como as orelhas e o nariz. A parte da testa

acima do nariz é mais funda, dando a impressão de estar sempre

franzindo a cara, como quem está bravo.

E não é pra menos. Além dos problemas na PM, Rubens teve

uma vida pessoal conturbada. É filho de mãe pobre com pai mui-

to rico, uma relação nunca aceita pela avó paterna. Por isso, não

conheceu o pai e acabou sendo criado pela tia (irmã da mãe) des-

de os oito meses de idade. Tio e tia passaram a ser seus pais (com

registro e tudo) e ele diz nunca ter procurado a família verdadeira.

A mãe biológica morava no Rio de Janeiro e veio visitá-lo em

apenas duas ocasiões, antes de morrer. Rubens tinha cerca de dez

anos. “Eu lembro uma vez só, eu era muito pequeno.”

“Eram seis irmãos. Era complicado. Meu pai era militar tam-

bém, uma pessoa corretíssima. Era difícil eu ganhar um presen-

te. Uma bicicleta, quando ganharmos, era pra seis. Era uma bri-

ga”, conta, mas não mostra mágoas da infância.

Ele era o mais velho –“o primeiro a apanhar”. Tinha respon-

sabilidade sobre os irmãos e começou a trabalhar aos 12 anos, en-

tregando pão em Bragança Paulista, onde moravam.

Atualmente, depois da morte dos pais, não tem contato com

nenhum dos irmãos. A mãe morreu de câncer aos 63 e o pai de

leptospirose aos 71. “Meu pai deixou a casa aqui em São Paulo e

uma chácara e aí... briga de família... eu abandonei tudo”, conta.

“Quando meu pai faleceu, acharam por bem deixar o meu ir-

mão caçula tomar conta da chácara e o dinheiro que sobrasse era

Page 125: Prazer, PM

124

pra ele. Meu pai criou meu irmão caçula errado, ele passou muito

a mão na cabeça do meu irmão. Eu não concordava, mas também

não me envolvia. E meu irmão destruiu a chácara.”

O irmão do meio começou a articular uma saída:

— Acabaram com a chácara.

— Não quero saber. Vocês que deixaram o João tomando conta.

Então deixa que ele tome conta.

O irmão insistiu e Rubens cedeu.

— Eu tomo conta, mas do meu jeito, tá bom?

— Tá bom.

“Arrumei tudo. Meu irmão não pagou luz, cortaram luz,

pedi pra religar. Bomba da piscina ele deixou queimar, bom-

ba do poço. Eu fui arrumando tudo devagar, com o dinheiro

que recebia do aluguel da casa do meu pai e coloquei dinhei-

ro do meu bolso também.”

Durante quatro anos, Rubens foi o responsável pela chácara e,

nesse período, começou a se irritar quando os irmãos iam para lá

levando amigos sem ao menos lhe avisar.

“Aí meu sobrinho casou, e a mãe dele, minha cunhada, achou que

o filho tinha que morar na casa do meu pai de graça. Eu falei que o

dinheiro que se ganhava ali era o que sustentava a chácara. Começou

umas picuinhas, umas coisinhas, sabe? Aí eu achei melhor parar.”

Hoje em dia, os irmãos não ligam pra ele e ele não liga para os

irmãos. “Família é bom no retrato dentro da gaveta”, diz.

Com a primeira mulher, Irene, Rubens se casou no civil e na

igreja e teve seu filho Rafael. Com a sua prisão, se separaram em

Page 126: Prazer, PM

125

1989. Quando Irene se casou novamente e foi morar na Inglater-

ra, Rafael tinha dez anos e passou a viver com Rubens até que saiu

de casa aos 22. O pai pagou a faculdade do filho na Unip, mas pa-

rou de bancá-lo depois da graduação. “Eu fui dar uma dura nele,

ele ficou bicudo e foi pra casa da tia. Eu falei pra ele ‘tá na hora de

você trabalhar, cara’. Ele chegava da faculdade e ficava com a te-

levisão ligada até uma, duas horas da manhã. Um dia eu levantei

seis horas da manhã e falei ‘vai procurar emprego’. Cheguei em

casa, ele tinha ido embora pra casa da tia.” Ainda assim, pai e filho

se dão bem. Aos 27, Rafael já mora sozinho.

De 1990 até 2002, Rubens esteve com sua segunda mu-

lher, Dalila, que conheceu quando trabalhava na Sharp. O re-

lacionamento acabou quando a sogra morreu. “Ela pirou. Ela

chegava ao ponto de, no domingo, chovendo, ela pegava balde,

rodo, e ia no cemitério lavar o túmulo da mãe dela, debaixo de

chuva. Pirou mesmo. Ela chegava em casa do serviço e ficava

no quarto da mãe dela. Ali ela fumava até não sei que horas

da madrugada e dormia e não tomava banho. Pirou, pirou. Eu

quis ajudá-la, mas ela não quis. Hoje ela está legal. A gente se

fala, ela sabe que, se precisar de mim, pode me ligar. Minha

mulher atual sabe disso.”

A atual mulher, Telma, entrou na vida de Rubens em 2002 e

não saiu mais. “Eu não tenho dívida, meu filho está criado, eu es-

tou casado, a minha esposa trabalha, tenho minha primeira casa

própria, tenho carro, tenho moto”, diz Rubens. No fim, parece

que tudo deu certo. O ex-soldado deu a volta por cima.

“Eu fui revoltado muito tempo. Depois do negócio da polícia,

fui revoltado pra caramba. Mas a vida vai te ensinando.”

A estima pela carreira policial não o deixa esquecer a me-

lhor parte do policiamento: defender o cidadão. “Eu tenho esse

Page 127: Prazer, PM

126

raciocínio. Você poder ajudar as pessoas, né? Ser útil à popu-

lação.” A memória da prisão não o deixa esquecer o pior da

profissão. “Claro que ninguém te valoriza. Só vai te valorizar

quando sentir na pele mesmo. Quando ladrão entrar em casa,

barbarizar, fazer o diabo lá dentro. Fora isso, só mete o pau.”

Apesar de tudo, Rubens defende a polícia sem pestanejar.

“Gosto da polícia. Do meu lado ninguém fala mal dela que eu

não deixo. Toda profissão tem um bom e tem um mau. Não vem

querer criticar a polícia 100% que não é isso.”

E, para não ficar 100% nas ocorrências que quase acaba-

ram com sua vida, Rubens narra um episódio especialmente

emocionante que viveu.

“Eu estava saindo da base da Rota, ali na avenida Tiraden-

tes. Nós estávamos já na avenida 23 de Maio, quando passa um

cidadão com uma Brasília bege com o pisca ligado em alta velo-

cidade desesperado. Eu nem sei quem da equipe que falou pra

colar na Brasília pra ver o que tava acontecendo. Quando abor-

damos, era um pai com uma filhinha. Ela estava pronta pra ir a

um aniversário, mas esmagou os dedos na porta do carro.”

O ex-Rota nunca vai esquecer a menininha. Tinha uns três

anos. Estamos ainda nos anos 1980. Era um sábado à tardezinha.

“O pai entrou em pânico e estava levando a menina pro

HC. Ela chorava demais. Estava prontinha já, com vestidinho,

tudo cheio de sangue. Eu lembro que nós paramos a viatura

ao lado do carro e ele falou que a menina tinha se machucado,

tinha prendido a mãozinha, os dedos. Paramos a viatura, ele

parou a Brasília, eu peguei a menina no colo e ela foi no meu

colo na viatura até o HC.”

Enquanto conta a história, Rubens vai mudando o semblante.

Os olhos vão se enchendo d’água.

Page 128: Prazer, PM

“Do jeito que ele estava, sozinho e com o pisca ligado, ele po-

dia causar um acidente. Ele nem brasileiro era, falava enrolado,

eu lembro disso. Ele disse ‘eu tinha uma imagem de vocês total-

mente diferente’. Eu até choro.”

Já está às lágrimas.

“E o sangue dela ficou na minha roupa ainda. Acho que foi

uma coisa boa que eu fiz pra uma criança. Criança mexia comigo,

né? Eu acho que foi diferente porque ela parecia uma bonequinha.

E pegou bem o dedo dela. Esmagou, sabe? E ela chorava muito. Ele

mandou uma carta na época agradecendo o que nós fizemos.”

Antes de ir embora da padaria com uma moto na carroceria

da caminhonete, Rubens revela uma última intimidade dos este-

reótipos: eles também choram.

Page 129: Prazer, PM
Page 130: Prazer, PM

129

Vingança

Os travestis são o grupo mais excluído

com que eu já trabalhei até hoje.

Arruda, coronel

No Ensino Médio, Arruda foi presidente do centro cívico

de sua escola, em Araras. Era uma espécie de centro acadê-

mico, mas com outro nome, já que centro acadêmico era coi-

sa de comunista e vigoravam as regras do governo Geisel. A

escola, a maior da cidade, tinha 3.600 alunos. Quinhentos

deles estavam reunidos em um auditório para ouvir um re-

cado do diretor:

— Atenção, todos! Amanhã tem que pagar a Associação de Pais e

Mestres. Quem não tiver carteirinha vai ser desligado da escola.

Page 131: Prazer, PM

130

Arruda resolveu consultar o estatuto e leu no artigo pri-

meiro que a contribuição era voluntária. “Então eu li essa par-

te para o diretor. Maldita hora que eu fiz isso.” Os alunos co-

meçaram a bater o pé no chão gritando “Não paga, ninguém

paga.” Os pais de Arruda foram chamados na escola. Embora

sua relação com a mãe fosse boa, com o pai era diferente. E ele

chamou o filho para conversar:

— Fiquei sabendo que aconteceu esse incidente, você é o presi-

dente do centro cívico e você que liderou isso aí.

— Não é que eu liderei, eu só alertei para o que estava errado e o

pessoal se levantou.

— Disseram na escola que você é uma liderança muito perigosa e

que está a um passo do da liderança estudantil e da luta armada.

É verdade?

— Não, claro que não, pai.

— O diretor disse que se houver outro incidente, vão chamar o

Dops e enquadrar você na 477. Você sabe o que é isso? É o decreto

que dispõe sobre subversão no ensino. Sob esse decreto, o menor

de idade pode ser punido e, se você for condenado, você vai ser

desligado da escola, não pode fazer escola pública, nem estudar

na USP, nem ter diploma reconhecido pelo MEC, nem fazer pós-

-graduação, mestrado e doutorado, não vai conseguir bolsa pelo

CNPQ, Fapesp, não pode prestar concurso público, fazer serviço

militar, nem sair do país. Você tem consciência disso? Você acha

que agiu corretamente?

— Eu acho.

— Eu também acho, filho, mas, por favor, não faça mais nada.

Porque te amamos muito.

Page 132: Prazer, PM

131

“Esse ato mudou a minha relação com o meu pai, foi um

divisor de águas, porque, afinal, eu percebi que ele queria

meu bem. Foi muito marcante também pra mostrar o que é

viver sob o regime autoritário. Como os covardes se escon-

dem atrás de um regime. Imagina na época quantos jovens

devem ter sido acusados e acabaram caindo na luta arma-

da, matando, morrendo sob tortura. Totalmente infundado.

O que tinha a ver o regime militar com o fato de eu ter falado

que não precisava pagar a carteirinha? Eu só falei que o dire-

tor não podia nos extorquir.”

Foi ali que Arruda teve um estalo e decidiu seu futuro.

“Vou fazer parte das Forças Armadas. Vou me vingar. Vou me

vingar desse idiota.”

*

Aos 54, Luiz Eduardo Pesce de Arruda é um coronel apo-

sentado, faz parte da reserva da PM. Sentado no auditório da

AACD, na Borges Lagoa, está disposto a narrar toda a sua carrei-

ra para uma platéia vazia. Não, não participa de nenhum evento.

Ele agora trabalha na AACD e não havia outro lugar disponível

onde pudesse contar suas aventuras.

A testa cresce cabeça adentro, roubando espaço dos grisa-

lhos. Tem uma verruga no lado esquerdo do queixo, olhos pe-

quenos e um nariz grande. Maiores, porém, são as orelhas –os

lóbulos, na verdade. Está sorrindo em boa parte do tempo. Gar-

galhadas também não são raras. Um tanto barrigudo, é um co-

roa meia-idade bastante normal.

Arruda entrou na reserva em março de 2013, um feito relati-

vamente simples na carreira militar. “É muito fácil progredir fun-

cionalmente, basta estudar e ter uma boa folha de serviço e você

chega a coronel. A PM é uma das estruturas mais democráticas

Page 133: Prazer, PM

132

de acesso de público interno. Eu tenho certeza que tem mais ofi-

ciais que foram praça do que chefes que foram estagiários.”

Como coronel, Arruda recebe R$ 21 mil brutos, mas, segundo

ele, o salário líquido de um coronel é por volta de R$ 12 mil. Ele

mesmo recebe R$ 9 mil, mas porque os R$ 6 mil de pensão do filho

mais velho já são descontados no salário. Na AACD, recebe outros

R$ 9 mil e mais R$ 2.200 por dar aula de comunicação na Fapcom.

O filho mais velho nasceu em 1992, fruto do casamento com

a primeira mulher, Simone. Separaram-se em 1995, ano em que

começou a trabalhar com os Conselhos Comunitários de Segu-

rança (Consegs) e, talvez por isso, tenha se dedicado tanto a eles.

“Eu estava duro porque perdi tudo na separação. Minha proprie-

dade se resumia a uma cama, um armário e um chuveiro no

quartel, além de um fusca que meu pai tinha me dado.”

Hoje, Arruda está com sua casa quase quitada. Também pos-

sui um Corolla e um Celta 2007. O filho Rodrigo estuda Direito

no Ibmec do Rio e trabalha na Agência Nacional de Petróleo.

“Eu namorei mulheres muito interessantes depois, mas sempre

esbarrava no fato de que eu tinha uma relação próxima com minha

ex-mulher, falo com ela umas duas vezes por semana, falo sobre

meu filho. Não sou ex-pai. As mulheres de forma geral não enten-

diam isso e tinham ciúmes, mas a Márcia entendeu muito bem.”

A Márcia entendeu tão bem que chegou a hospedar Simone

doente em sua casa e cuidar dela. Arruda se casou novamente

em 2001. “Ela tem uma cabeça muito boa, uma mulher extraor-

dinária. Ela é pedagoga com ênfase em educação infantil. Ela lê a

criança, é uma coisa impressionante. Sabe quando é dor ou ma-

nha. E a despeito disso, ela não engravidou.”

O casal gastou R$ 70 mil em fertilização. Um dinheiro que,

na verdade, eles nem tinham. Na primeira tentativa, os fetos du-

Page 134: Prazer, PM

133

raram três semanas. Na segunda, uma. Márcia sofria com ansie-

dade, estresse, hormônios, exames, dor e ganho de peso.

“Uma mulher quer ser mãe e não engravida... a casa fica um am-

biente de luto permanente. Menstruou, começa a choradeira. ‘Deus

está me punindo’. E eu dizia: Márcia, minha filha, Deus é amor, não

está punindo nada. O casamento vai no limite da existência.”

Márcia e Arruda resolveram, finalmente, tomar a “melhor de-

cisão da vida” deles: adotar. Queriam uma menina. O Fórum li-

gava: “Olha, apareceu uma criança como vocês querem, se a mãe

não aparecer em 15 dias, é de vocês.” Só que a mãe sempre apare-

cia. Márcia chegou a mandar jogar fora o berço e tacou tinta por

cima da decoração do quarto do bebê.

Um dia, o Fórum ligou. Tinham um menino. Um ano e meio.

Pais usuários de droga. A criança fora achada pela PM com sarna e

toda queimada depois de cinco dias sem trocar fralda. A mãe passe-

ava com o carrinho na contra-mão da via expressa da Marginal Tietê.

“Eu vi a foto e achei bonitinho. Cheguei no abrigo, ele esta-

va sentadinho, brincando com um carrinho. Bonitinho, banha-

dinho, com umas roupinhas velhinhas. O tênis escrito ‘A Sta’. O

“L” e o “R” tinham sumido. Era um dia de evento, tinham uns 20

adultos. Quando eu apareci do outro lado, ele abriu o braço, o ros-

to se iluminou, saiu correndo no meio das pessoas, me abraçou

e pediu ‘colo, colo, colo’. Peguei e ele deitou no meu ombro, e foi

uma choradeira. Eu não sou kardecista, mas, se eu fosse, eu diria

que foi um reencontro. Foi impressionante.”

Lucca, a alegria da vida do coronel, nasceu em 2007. Arruda

pretende contar que ele é adotivo quando chegar a hora certa. “A

relação tem que se basear na verdade.”

Arruda é um cara conversador. Fala com as mãos e encena, mas

essa agitação é só a expressão de um cara tranquilo, ou melhor, pa-

Page 135: Prazer, PM

134

cífico. “Eu brigo por tão pouca coisa. Porque você vê que não vale

a pena. A vida é muito frágil, muito curta. Não vale a pena... o cara

briga com o irmão e fica 12 anos sem falar com ele por causa de um

pato que a mãe deixou, sabe essas coisas? Eu vi tantas vezes chegar

a hora para os outros. Uma hora vai chegar a minha, mas isso me

fez muito mais feliz porque eu aproveito melhor a vida.”

A última vez que Arruda quase morreu foi para defender um

boliviano em 2000. É 1h da manhã. O policial acaba de deixar Már-

cia em casa e passa em um posto de gasolina, na zona norte, na es-

quina da rua Zilda com a Engenheiro Caetano Alves –a rua do Es-

tadão– para abastecer. De repente, o posto é invadido por 30 jovens

correndo atrás de um boliviano. O boliviano pula para a loja de con-

veniência e todos pulam atrás. Um deles pega um martelo e bate

em alguma coisa que Arruda não consegue ver. Ali, o policial acha

que o boliviano morreu. Mas ele se levanta e corre até uma bomba

do posto. O grupo se dispersa. Arruda chama o 190 e se aproxima:

— Como você chama?

— Reinaldo.

Reinaldo estava bêbado e com o braço fraturado em várias partes.

— Reinaldo, eu sou polícia, vou te levar ao hospital.

— No quiero, no quiero –o boliviano entra em pânico.

Arruda ainda está agachado conversando com Reinaldo atrás

de uma bomba, quando percebe muitas pernas ao redor. O grupo

estava de volta, cercando a bomba.

“Eu estava à paisana, mas armado. Normalmente eu ando ar-

mado. Eu pensei ‘se eu saco a arma, vou ter que matar uns quatro

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adolescentes classe média no posto’. No dia seguinte, vai sair ‘poli-

cial maluco matou’. Minha mãe vai dizer ‘meu filho era tão bonzi-

nho, ajudava a sustentar a família’. Vai ser aquela coisa que a gen-

te já conhece e não funciona. Mas se eu não sacar eles me matam

agora. Resolvi tentar a contenção verbal. Identifiquei o líder.”

— Você, aqui. Polícia. Cala a boca e olha pra baixo. Dois passos de

mim, não chega perto de mim.

O líder foi ficando quieto. As ameaças de “vamos matar” fo-

ram se calando.

— O que vocês estão fazendo aqui? Quem vocês vão matar aqui?

Filho da puta, vou te jogar numa casa de detenção hoje. Você vai

virar menina hoje, rapaz. Se manda que em três minutos a Força

Tática está aqui.

O grupo foi embora. “Eu pensei, ‘obrigado Senhor’. Arruma-

mos uma tala e eu entalei o braço dele. Legal, né? Eu achei que

fosse morrer esse dia.”

“Não dá muito tempo para pensar quando você acha que vai

morrer. Você só pensa ‘poxa agora chegou minha hora’. É uma

descarga de adrenalina, depois parece que você tomou uma sur-

ra. Sua perna pesa uma tonelada. E você fica ligadaço. Esse dia eu

voltei para a casa da minha noiva e dormi lá.”

Arruda nasceu e cresceu em Araras, no interior de São Paulo.

Tem três irmãos: dois trabalharam no Banco do Brasil e uma irmã

é bióloga. Família de classe média, branca, católica –a elite da cida-

de. O coronel conta que não tinha amigos negros. Judeus, muçul-

manos, evangélicos eram uma realidade tão distante quanto Marte.

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Ele tem dois parentes militares. Um tio que era capitão, mas

largou a carreira e, no dia da formatura de Arruda como policial,

quase morreu de emoção –teve que ir ao hospital por causa de

uma desfribilação cardíaca. E um tio avô que foi sargento da cava-

laria. Tio Francisco Ferraz de Oliveira era comunista desses que

“levava mendigo pra casa”, fazia parte da Aliança Nacional Liber-

tadora e passou mais da metade da vida na cadeia. Não foi nem

por um nem por outro que Arruda escolheu a carreira militar.

“Eu queria uma missão que me permitisse servir. Queria de-

dicar minha vida ao serviço ao próximo. A primeira coisa que

pensei foi ser padre, mas não pode casar. Sou católico, mas sou

contra o celibato, acho um crime. Não tem nenhum fundamen-

to bíblico, é meramente administrativo e pode ser revogado pelo

papa. Uma grande parte dos problemas que vemos hoje na igre-

ja acontece pelo fato de ela atrair pessoas com questões sexuais

muito mal resolvidas, aí acaba dando em pedofilia.”

Arruda acabou mesmo indo fazer cursinho para prestar con-

curso para as Forças Armadas e, então, ficou sabendo da existên-

cia da Academia do Barro Branco, que formava oficiais da Polícia

Militar. “Comecei a olhar o currículo de uma e de outra, e come-

cei a me interessar mais pelo currículo da PM. Porque a PM tem

mais coisas de humanidades, e nas Forças Armadas é mais exa-

tas, e eu sou muito ruim de exatas.”

Na primeira tentativa, Arruda prestou para o Exército. Pas-

sou, mas não levou. Estava entre os 350 classificados, mas, antes

da matrícula, cortaram cem vagas por questão de orçamento e ele

ficou de fora. No ano seguinte, prestou concurso para a Força Aé-

rea e para a PM. Quando as provas das duas instituições coincidi-

ram, Arruda prestou as da PM. Mas, no teste de condicionamento

físico, caiu fora do colchão e quebrou o braço. Na terceira tentati-

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va, passou novamente na FAB e na PM. “Minha mãe falava ‘pelo

amor de Deus, criar um filho pra ficar correndo atrás de bandido’.

Todos da família queriam a FAB. Só meu pai disse que se era a

PM que eu queria, era para a PM que eu deveria ir.”

Na tentativa de evitar o que considerava ser uma tragédia, a

mãe mobilizou o único psicólogo de Araras na época. “Um ho-

mem extraordinário, um padre chamado João Modeste. Ela pediu

pra que ele fizesse um teste vocacional comigo. Foi o melhor psi-

cotécnico que eu fiz até hoje. Foi um dia inteiro de teste direto,

entrevista, desenho, mancha de Rorschach, desenho de novo...

Quando ele terminou, disse para minha mãe: minha senhora,

eu sinto muito, mas seu filho vai ser policial mesmo. Minha mãe

chorou”, conta Arruda dando risada.

O padre lhe perguntou:

— Você já fugiu com o carro do seu pai?

— Não.

— Seu irmão tem moto, e você?

— Não, nunca tive. Nem gosto de moto.

— Como você é de matemática?

— Ruim.

“O padre disse ‘ele não gosta de matemática, mecânica, di-

rigir... O que ele vai fazer na FAB?’ E eu fui pra Academia. Sou

muito feliz com a minha carreira. Eu não podia ter escolhido ou-

tra. Fiz exatamente o que quis fazer na vida.”

A maneira mais adequada de contar a carreira de Arruda

na PM é no melhor estilo Forrest Gump –em ordem crono-

lógica dentro de um super flash back baseado quase exclusi-

vamente em sua memória e cheio de gente famosa. A sorte é

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que sua memória não parece ser das piores: traz muitas datas

e muitos nomes, de modo que vamos ter que nos fiar nela.

Segundo a sua versão de si mesmo, Arruda é um humanista.

Quer dizer, tem o ser humano como maior preocupação e,

dentro disso, trabalha pelas minorias.

“Nós temos que desmistificar os direitos humanos. Direitos

humanos significa um conjunto mínimo de direitos que é atri-

buído para qualquer pessoa pelo simples fato de ela ser pessoa

humana. Quem discorda disso? Quem pode em sã consciência

dizer que isso está errado. Ninguém pode.”

Então vamos do começo. Depois do teste vocacional –o último

recurso de uma mãe desesperada– Arruda entrou na Academia

Militar de Polícia do Barro Branco. Foram dois anos preparatórios

(equivalentes ao ensino médio) e três anos de curso. “Eu vivi in-

tensamente a academia. Eu amei a escola todos os dias que estive

lá.” Arruda também fez teatro e shows no Barro Branco, inclusive

com Adoniran Barbosa. O coronel artista adora música e, além de

compor, escreve também peças de teatro.

Corria o ano de 1981. Da forma mais inusitada, a academia

abriu o caminho de Arruda para a publicidade. Como parte da co-

missão de formatura, ele achou o convite para a cerimônia muito

barroco e rococó –“nossa isso tá muito ruim, né?” Queria mudá-

-lo. Foi em uma gráfica e descobriu que ali só se fazia impressão.

“Falaram que tinha um troço chamado agência de propaganda.”

Arruda então pesquisou e soube da existência de Caio Luis de

Carvalho, grande nome da indústria de eventos no Brasil, além de

ter sido ministro do Esporte e do Turismo, presidente da Embratur e

presidente da SPTuris. Carvalho apareceu no Barro Branco para avi-

sar Arruda de que Roberto Duailibi, da DPZ, o esperava. “Peguei o

ônibus elétrico e levei três horas pra chegar na Cidade Jardim.”

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Ali, ninguém menos que Washington Olivetto e Neil Ferreira

o ajudaram a melhorar o convite. “Pegaram meu convite e que-

braram no meio, põe um traço aqui, põe brilho, chama o fotó-

grafo, não sei o quê...Eles tinham um Macintosh, uma coisa que

ninguém tinha.” Nasceu outro convite. “Caramba! Como os caras

conseguiram bolar isso? Aí mosca branca me picou.”

— O que vocês estudaram?

— Publicidade.

Arruda decidiu estudar a tal publicidade após a academia. Du-

ailibi o indicou a ESPM, onde estudou de 83 a 86, o que foi essen-

cial para que “voltasse à sua geração”.

“Em cinco anos de academia, eu fiquei alienado da linguagem da

minha geração. Não sabia como ela falava, não sabia mais os dramas

da minha geração, como o desemprego, que estava forte nessa épo-

ca. Foi uma retomada ao meu papel imerso na sociedade. Eu tinha

me isolado na academia, onde você não tem tempo pra nada.”

Além da ESPM, Arruda tinha sua iniciante carreira na polícia.

Nos primeiros quatro anos após a formatura, ele foi tenente de

um pelotão do Comando de Policiamente de Choque. “Participei

de invasão em penitenciária, casa de detenção, manicômio judici-

ário –coisas gravíssimas nessa fase da minha vida.”

O episódio mais significante desses quatro anos foi uma rebe-

lião em uma casa de detenção com nove reféns. O comandante da

operação o mandou entrar com seus soldados para resgatá-los. Ar-

ruda entrou mal armado, conta. Não havia colete a prova de balas

na época. Eram sete no total. Arruda com metralhadora, o sargento

com uma espingarda calibre 12 e soldados com revólver. Entraram.

Alcançaram a divineia, o pátio de entrada do presídio. De repente,

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uma gritaria do lado de fora dos muros. Presos de três pavilhões vi-

nham em uma operação chamada “cavalo doido”. Segundo Arruda,

eram 2.500 presos correndo e gritando com pau, pedra e facão. Do

pátio, os policiais viam a poeira levantando do outro lado do muro

e logo “bum, bum, bum”. Começam a empurrar o portão. O cami-

nho para a rua passa pela divineia. Os policiais pularam para um

cercadinho de tijolo coberto. “Costas com costas. Cada um protege

as costas do outro”, dizia o comandante.

— Seguinte, eu atiro primeiro –Arruda disse aos colegas– E não

percam munição, tem que atirar certo, não pode errar. Vamos

derrubar quanto a gente conseguir aqui e vamos esperar que al-

guém resgate a gente.

“Íamos ser massacrados. E aí os soldados de repente me joga-

ram pra cima na roda e sentaram em cima de mim. Eu comecei

a dar soco: ‘sai daqui’. Eles estavam me colocando embaixo para

me proteger”, conta.

“Essa relação primitiva, pré-moderna, a gente não vê em em-

presas. O cara colocar o corpo dele pra proteger o comandante. Dar

a vida pelo comandante. Como você explica uma coisa dessa?”

O fato é que, na estrutura militar, a vida do comandante literal-

mente vale mais que a do soldado. A hierarquia é respeitada. Mes-

mo entre pessoas do mesmo posto, há hierarquia, segundo o tempo

de serviço. Mesmo entre alunos, há hierarquia, segundo as notas.

Ser sargento é ser mais que soldado. Ser tenente é mais que sar-

gento. E ponto. As pessoas não têm o mesmo valor na corporação.

Ser coronel é ser mais que todo mundo. Arruda chegou lá.

Quem sobe a coronel ocupa o cargo por cinco anos e depois entra

para a reserva –assim outros podem assumir o posto. O número de

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coronéis não varia muito. Geralmente, um só vira coronel quando

outro deixa de ser. Como, na prática, não dá pra deixar de ser coro-

nel, a solução é ir para a reserva. “Na academia, nós éramos 190.

Pouco mais de 50 fizeram o curso superior da polícia, que é o pro-

grama de doutorado da instituição, que habilita a promoção a coro-

nel. Desses, só 23 foram coronéis. É bem piramidal.”

Voltando à divineia prestes a ser invadida, Arruda e os subor-

dinados foram salvos na última hora. Os presos não conseguiram

derrubar o portão, os bombeiros entraram e os espantaram com

jato d’água. Mas Arruda tem uma segunda passagem digna de

nota no Choque: uma enorme manifestação contra os preços al-

tos em São Paulo nos dias 4 e 5 de abril de 1983.

“Um dia de saques e pânico” era a manchete da Folha de São

Paulo no dia 5. “Manifestação de desempregados em Santo Ama-

ro degenera em violência contra o comércio; muitos feridos; 70

presos.” Segundo informações de reportagens da Folha de São

Paulo publicadas no dia seguinte, os protestos, iniciados em San-

to Amaro, tomaram 40 km. No total, foram presos 566 manifes-

tantes, houve 127 feridmos e uma pessoa morreu baleada.

Em março, o governador Franco Montoro, eleito de forma de-

mocrática no ano anterior, havia tomado posse. No governo fede-

ral estava Figueiredo. Desemprego em cerca de 7% nas capitais.

Inflação em 150% ao ano. Recessão pós “milagre econômico”.

“Imagine o seguinte: as Forças Armadas querendo sair do po-

der enquanto era possível manter a dignidade e sair relativamen-

te intocadas, mas havia uma parte dela que não queria a abertura

política. Qualquer oportunidade que eles tivessem, iriam tentar o

fechamento. Havia uma grande divisão das Forças Armadas nes-

se momento. O Geisel quase foi derrubado. ‘Vocês estão venden-

do o Brasil para os comunistas, seus generais de merda’. Houve

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atentado na ABI, explosão na banca do Estadão, atentado contra

um carro da Folha, atentado do Rio-Centro. De uma forma ou de

outra, todas foram manifestações de inconformismo da ala radi-

cal em razão da abertura política”, conta Arruda.

No dia 5, a manifestação popular chegou ao Palácio dos

Bandeirantes. As pessoas conseguiram derrubar as grades do

palácio, mas foram detidas pela PM. Naquele momento, a po-

lícia, por mais irônico que possa parecer aos críticos, “salvou”

a democracia, segundo Arruda.

“Se a invasão tivesse ocorrido, nós poderíamos ter um grave

risco na democracia. Ficaria evidente que o governo de São Paulo

não teria capacidade de manter a ordem pública e poderia ter tido

interferência federal. A partir daí, já sabemos o que ia acontecer...”

Montoro fez um pronunciamento e denunciou um plano de

desestabilização em São Paulo para permitir intervenção federal.

Depois da fala do governador, o secretário de Segurança Pública,

Manoel Pedro Pimentel, elevou o tom: “a polícia sempre foi acu-

sada de violência, mas agora vai agir sem medo de críticas.” Os

jornais noticiavam que Figueiredo deixara o Segundo Exército de

prontidão. “A violência se alastra e Montoro promete ordem”, era

a capa da Folha no dia 6. As reportagens também denunciavam a

violência na ação da PM para conter os distúrbios.

Segundo Arruda, foram cinco dias de quebra-quebra em São

Paulo. Destruição de trens e McDonald’s no melhor estilo black

block. “Fiquei praticamente cinco dias e cinco noites com o Cho-

que na rua. Meu subcomandante atendeu uma ligação do gover-

nador no orelhão na praça da República. Eu vi essa ligação.”

— Governador, não precisa ter intervenção da segurança federal,

nós temos capacidade, está tudo em ordem, vamos segurar isso aí.

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“Se o Montoro sentisse que ia fraquejar, nós teríamos uma

intervenção federal. Uma perturbação grave ao processo de-

mocrático que tava começando a se implantar. Depois disso,

o Montoro se tornou muito próximo da PM. Junto com Paulo

Egídio e com Claudio Lembo, talvez tenha sido um dos gover-

nadores que mais prestigiaram e respeitaram a polícia. Foi um

grande amigo da PM. Quando ele entrava nos quartéis, a tropa

o cercava. Quando ele entrou no governo, queria o fim da PM,

mas depois gostou da polícia.”

Os tempos de transição para a democracia estavam só come-

çando. “Um dia, em 1985, eu estou descendo a rua Jorge Miranda

e para um carrinho preto.”

— Tenente, o senhor está estudando comunicação social? –per-

guntou o major.

— Sim.

— O senhor gostaria de trabalhar comigo no quartel general onde

estamos montando uma equipe para trabalhar na abertura política?

— Major, estou feliz no Choque. E quero me concentrar nos estudos.

No dia seguinte, Arruda estava transferido para o tal quartel.

O segundo posto de Arruda na PM foi na Comunicação Social,

que tinha a missão de, após 20 anos de ditadura, reposicionar a

polícia para trabalhar no regime democrático.

Na época, a Secretaria de Transporte acabara de fazer um

projeto para que os policiais fardados pudessem usar o metrô de

graça para melhorar a segurança. Algo hoje comum, era inova-

ção na época. A primeira campanha de comunicação de Arruda

foi, então, para explicar aos PMs como agir, já que muitos che-

gavam na catraca, esperavam “dois décimos de segundo” e, se

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ninguém aparecesse para liberar a entrada, simplesmente pula-

vam. “Ele é autoridade, então pulava. Só que se uma autoridade

pula, duas mil pessoas pulam junto. E o metrô em três dias que-

ria cancelar o convênio.”

O terceiro posto na carreira foi de diretor de comunicação

social do Centro Civil da Casa Militar do governo de São Paulo.

De 1989 a 1990, trabalhou bem próximo ao governador Orestes

Quércia. Arruda já era então capitão. “Foram dois anos muito in-

teressantes pra conhecer como é o poder de perto.”

Foi nessa época que a defesa civil foi incluída nas leis orgâ-

nicas municipais de 80 municípios, sendo São Paulo um deles.

“Nós conseguimos fazer um lobby junto ao presidente da Câma-

ra, dizendo que era importante inserir a defesa civil na lei orgâni-

ca.” O presidente era Eduardo Suplicy, do PT, que prometeu de-

fender a inclusão da defesa civil, o que acabou sendo feito.

Mas aí é que começa a história. Quando o deputado Paulo

Caruso, do PMDB, ficou sabendo e falou com Arruda na ante-

-sala do governador.

— Como você, capitão, entrega algo de tamanho peso político

para alguém da oposição?

— Nós estamos fazendo isso com todas as câmaras municipais,

vereador. A defesa civil é suprapartidária, então falamos com o

presidente da Câmara não importa o partido.

— Não é assim, você deixou de dar visibilidade para o seu partido!

— Desculpe, qual é o meu partido? Não sou filiado a um partido

político.

— Pode deixar que vou falar com o governador e nós vamos tra-

var esse projeto lá na Câmara.

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“Ah, aquele dia...”, lembra Arruda sorrindo, mas como se pudes-

se sentir a mesma raiva novamente.

— Pode falar agora, porque se você não falar, meu chefe vai fa-

lar. Então, por favor, fale com o governador e eu vou falar com

o meu chefe da área militar, porque o que está sendo feito o

governador sabe.

“Ele resmungou e foi embora.”

Desse episódio, a sábia lição: “se Jesus Cristo voltar hoje

e falar que precisa de duas diárias pra ficar no Fórmula Um,

pagando R$ 180 e mais R$ 8 pro café da manhã, se for inte-

ressante politicamente, os caras põem Cristo no High; se não

for, eles falam que não tem dinheiro pro Fórmula Um. E o in-

teresse público? Onde fica?”

Se entre os políticos a coisa estava feia, a esperança do capitão

vinha de baixo –das lideranças comunitárias com quem traba-

lhou nessa época. Lideranças, por vezes, de populações miserá-

veis castigadas por calamidades.

“No natal, dia 24 de dezembro, não lembro se era de 89 ou 90,

eu recebi um pedido da Funai a respeito de índios que estavam in-

ternados na Casa do Índio na rua Apeninos, na Aclimação. Houve

uma epidemia na casa e eles tinham que tirar 40 índios de lá.”

A Casa do Índio era um local de apoio, onde os indígenas

ficavam às vezes o tempo necessário para terminar um trata-

mento. Arruda começou a ligar para hospitais e casas de re-

pouso para alojar os 40 índios.

“Eu tinha sido convidado para jantar na casa de uma famí-

lia alemã, de um colega da ESPM. Os pais do meu amigo eram

alemães, muito formais, maravilhosos, me queriam bem como a

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um filho. Eles marcaram o jantar às 19h. Quando cheguei com a

minha mulher, às 22h30, seu Frans estava na porta batendo o pé.

‘Muito bonito! Nunca vi militar atrasar assim que nem o senhor’.

Ficou muito bravo porque eu tinha atrasado, né?”

O próximo cargo foi como professor de história da PM na

Academia do Barro Branco, o que durou quatro anos. “Foi

um tempo muito feliz também.” Próximo da formação dos

oficiais da polícia, Arruda garante que em São Paulo não

existe mais aquelas aulas à la Tropa de Elite, com agressões e

humilhação. “Se houver um caso desse, o camarada está des-

ligado do corpo docente.”

O coronel reconhece, porém, que outras instituições Brasil

afora ainda agem assim e é preciso lutar contra a prática. Se um

aluno é mal tratado, entende que é isso que a polícia quer dele

e, por sua vez, age assim com a população, argumenta Arruda.

“Você tem que tratar o aluno como autoridade desde o primei-

ro dia. Tratar com respeito e com responsabilidade. Porque nós

temos uma tendência a infantilizar o aluno, pensar que o aluno

é um ser não pensante. E não é verdade. Você tem um tempo

muito curto para desvestir o homem velho e vestir o homem

novo, como dizia o Paulo Apóstolo. O jovem é fruto do ambiente

onde foi formado e dos valores familiares que recebeu. Ele vive

no meio de um senso comum que pode ser de ‘bandido bom é

bandido morto’. Você tem que desvestir aqueles valores antigos

que ele tinha e dizer que direitos humanos é pra todo mundo.

Se você tem a alternativa entre matar e não matar, sendo ambas

as alternativas legais, você tem que não matar.”

O quinto cargo foi na Secretaria de Segurança Pública de São

Paulo. Sua função, dessa vez, era trabalhar com os Conselhos Co-

munitários de Segurança, os incipientes Consegs.

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“Eles tinham sete anos de vida, mas eram pequenos, não ti-

nham regra, legislação, cada um fazia o que queria.” Era o ano de

1995, o mesmo em que Arruda se separou. Falido e sem família,

ele se dedicou mais do que nunca aos Consegs –um grande em-

purrão para o que seria o tema da sua vida, as minorias.

Durante a semana, Arruda participava de reuniões dos Conse-

gues de todo o Estado –se lembra em especial de uma que foi in-

vadida por uma cobra, causando confusão. Conheceu mais de 300

municípios do interior paulista. “Aprendi umas regras importantes

das comunidades, por exemplo, as pessoas aceitam uma resposta

que as desagrade, mas não gostam de ser engandas.” Assim, o di-

álogo sincero era importante e o policial dava orientações: “não dá

pra seguir esse caminho, vamos fazer assim...”

“Então criamos a legislação do Conseg, criamos sua formata-

ção atual naquele período. E fizemos 22 treinamentos com líde-

res dos Consegs em pontos diferentes do Estado.”

Segundo Arruda, o Conselho Comunitário de Segurança é

uma entidade civil vinculada por adesão a normas gerais vindas

da Secretaria de Segurança Pública. Seu objetivo é otimizar o diá-

logo entre o governo, a polícia e a sociedade civil. E, claro, Arruda

faz a propaganda. “É a mais bem sucedida experiência de partici-

pação comunitária e segurança no país. Nós temos em São Paul

mais de 600 Consegs implantados.” Foi através deles que Arruda

foi saindo do seu mundinho de Araras.

“Acabei trabalhando bastante com muçulmanos e judeus.

Aprendi um pouquinho sobre o islã, fiquei encantado, não sa-

bia nada sobre o islã. Tenho hoje grandes amigos no islã, e na

comunidade judaica também.”

Mesmo tendo acompanhado tantas reuniões de tantos Con-

segs diferentes, o policial guarda os bons personagens do pe-

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ríodo e faz questão da digressão para mencionar, por exemplo,

Maria do Carmo Espírito Santo, professora de Belo Horizonte,

que morreu neste ano.

“Ela foi para a guerrilha do Araguaia. Ela me mostrou um livro

onde estava o nome dela: ‘desaparecida em ação na guerrilha do

Araguaia’, mas era um nome falso que ela usou. Ela veio a pé do

Paraguai, de carona, caminhão, foi presa, torturada e, depois da

redemocratização, foi ser professora. Assumiu cadeira na escola,

casou e se tornou uma grande líder comunitária em Diadema.”

— Maria do Carmo, por que a senhora não entrou com pedido de

pensão? A senhora foi torturada, a senhora tem direito à reparação.

— Que reparação! Olha pra minha cara, coronel. Eu fui para lá

sabendo o que eu ia fazer. Agora é justo penalizar a sociedade por

um ato que foi de minha decisão? Não é correto.

“Em compensação, umas pessoas aí pra quem falaram ‘ó, a gar-

rafa de café que você está recebendo na redação eu vou cortar porque

você é comunista’. Aí o cara fala: ‘me ofendeu’ e pede reparação.”

Mas tudo bem. Arruda prefere ficar nos bons exemplos. É

mais do tipo de bem com a vida do que revoltado. Satisfeito,

ele segue: “conheci lideranças comunitárias maravilhosas, o que

me restaurou a fé no país. Porque a gente ouve falar de tanta pi-

caretagem... Houston, Siemens, mensalão, mensalão mineiro,

Zé Dirceu... Tanta picaretagem que a gente acha que o país intei-

ro é assim, mas não é. Tem milhões de pessoas silenciosas, anô-

nimas, que não ganham nada por isso e fazem coisas maravi-

lhosas pela comunidade, como a Maria do Carmo por exemplo.”

Os Consegs trilharam para Arruda um caminho sem vol-

ta: do trabalho com as comunidades à defesa das minorias. E

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aí encontramos uma das melhores histórias do coronel: um

quiprócó em Campinas, onde travestis estavam atendendo em

bairros de elite. Estamos em 2004.

“Houve uma invasão de travestis em um bairro nobre de cam-

pinas –e isso é uma tragédia social no bairro. O bairro estava em

pé de guerra. Eu fiquei umas duas noites vendo como funcionava

o movimento e vi que chegavam vans de oito cidades da região. As

vans às 20h despejavam os travestis e de manhã iam buscar.”

Teatral, Arruda inventa uma simulação para dimensionar o

tamanho da encrenca.

“Você chega no seu prédio à noite e tem o travesti com o

cliente fazendo sexo na frente da garagem do seu prédio. Você

tem que esperar porque, se você buzinar, eles jogam camisi-

nha, fezes, sangue no seu carro. Obviamente, quando você su-

bir, vai subir chorando.

— Pai, aconteceu isso e isso e isso...

Obviamente, seu pai vai ficar nervoso.

— Cadê minha arma? Vou dar um tiro nesses filhos da puta.

Aí sua mãe vai falar:

— Calma! Calma! Calma! Ai meu Deus, seu pai! Segura!

Aí o morador descontente resolve se mudar. Chega um advo-

gado e fala:

— Doutor, o senhor não gostaria de alugar o seu apartamento?

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— Quero sim.

— Quanto o senhor quer de aluguel?

‘Vou pedir alto’, pensa.

— Seis mil de aluguel.

— Está bom. Eu posso pagar seis meses adiantado par ao senhor?

‘Nossa, nossa, resolvi meu problema!’

Só que aquele apartamento, eles transformam num prostibu-

lo. Imagina um prédio residencial com três prostibulos. Porque o

problema não é o ato em si, são os crimes que cercam o mercado

da prostituição: entorpecente, arma de fogo, menor, roubo, explo-

ração de pessoas, tráfico de pessoas.”

Estamos, então, na primeira reunião com a comunidade, or-

ganizada por Arruda, para resolver o problema. Havia até faixas

“fora daqui seus travestis”.

— Todas as partes estão reunidas aqui? –pergunta Arruda, agora

no cargo de major.

— Sim, tá todo mundo.

— Cadê o presidente dos travestis?

— Como?!?!?!

— Todas as partes têm que estar representadas

Nisso, um velhinho levanta e vai embora. Mais algumas pes-

soas fazem o mesmo.

— Gente, temos que resolver o problema com os principais par-

tícipes dessa história.

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Duas travestis que faziam um trabalho de prevenção à Aids

com o grupo são levadas à reunião para representá-las.

“Foi a primeira vez na minha vida que eu falei com uma tra-

vesti. Já tinha abordado na rua, etc... Mas falar como nós estamos

falando aqui, foi a primeira vez”, lembra Arruda.

— Olha, os moradores estão aqui primeiro. Então, vocês têm que

achar um ponto seguro pra vocês trabalharem. Nós vamos colo-

car uma viatura pra vocês lá porque vocês também são vítimas

de violência. Tem que ser um ponto seguro, iluminado, onde as

pessoas possam procurar vocês. Não pode ter menor, vamos bater

duro em cima de tráfico de drogas, arma de fogo... Mas enquanto

vocês estiverem lá com os clientes adultos, não temos nada com

isso. Nós vamos, aliás, proteger vocês.

— Então vamos escolher uma praça?

— Vamos.

“Todas tinham até a sexta série de escolaridade. Por quê? Por-

que a história se repetia. Ouvi a mesma história 15 ou 20 vezes.

De Minas, Maranhão, Paraíba, interior de São Paulo, e vão todas

para a cidade grande.”

— Major, quando eu tinha doze anos, eu descobri que minha

orientação sexual era diferente do meu fenótipo, eu gostava dos

meninos, então os meninos me espancavam na escola, a profes-

sora não sabia como lidar. Tudo que era tarefa de meninos, a pro-

fessora passava para mim, zombavam de mim. Até o dia que meu

pai ficou sabendo e disse que preferia ter um filho morto a veado,

me espancou e eu saí de casa. Aí fui pro posto de gasolina...

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— Quanto você ganha por programa?

— De 50 a 150 reais. Um programa de 20 minutos. Eu tenho clientes

que são empresários, com carro bom... Se eles assumirem a condi-

ção passiva na relação e não usarmos camisinha, eles pagam o triplo.

— Qual o índice de infecção de Aids do grupo?

— 70%.

“Sua cabeça vai a mil, né? O cara se expõe a contrair Aids! É

uma patologia, é um problema patológico. Não é possível o cara

se expor dessa forma ao risco de contrair Aids e exigir que a rela-

ção seja mantida sem preservativo.”

— Bom, vocês têm que sair da rua –argumenta Arruda, disposto

a tirá-las daquela vida.

— Posso trabalhar na polícia?

— Não.

— Juiz de direito eu posso ser?

— Não.

— Posso ser médica?

— Vai ser difícil...

— Será que um consultório médico me contrata para ser secretária?

— Acho bem difícil.

— E nas lojas Marisa? Será que eu posso ser balconista?

— Não.

— E em banco?

— Não.

— Mas o senhor quer que eu trabalhe onde?

“Pra mim foi muito chocante isso. Foi o grupo mais excluído

com que eu já trabalhei até hoje. É um mundo paralelo. Para mim

Page 154: Prazer, PM

153

foi tudo novo. Aí que eu fiquei sabendo que travesti é ‘ela’, o ho-

mem que se traveste é ela. Eu não sabia também.” Arruda então

entrou em contato com pessoas da Secretaria do Trabalho para

tentar achar empregos para as travestis e, depois de um estudo,

concluíram que as opções possíveis seriam de auto-emprego, já

que ninguém contrataria travestis. “Eles fizeram um programa

de renda e emprego para essas travestis. Elas iriam trabalhar em

customização de roupas. Elas modelavam lingerie para homens e

faziam roupa pra pets. Quando eu saí de lá, oito tinham saído da

rua, o que é pouco, mas são oito vidas. Eu considerei uma vitória

razoável porque se uma saísse, já estava bom.”

Em 2005, o sexto trabalho na PM: comandante do 2º batalhão,

na zona leste. “Ouso dizer que foi a unidade onde eu fui mais fe-

liz na minha vida. Fiquei três anos comandando policiamento lá.”

Arruda assumiu o posto em abril como comandante interino e

foi efetivado em agosto, quando subiu uma patente no oficialato,

tornando-se tenente-coronel.

Já no ano seguinte, Arruda enfrentaria a onda de ataques do

PCC. No dia 12 de maio, foi chamado pelo comandante da capital

e foi avisado, ainda durante a tarde, que haveria ataques na sua

região. Arruda avisou seus capitães: preparem-se! Porém, incri-

velmente, não havia uma metodologia para lidar com a situação.

“Como eu li muito material da historia da instituição, eu me ba-

seei exatamente no modo de lidar com o terrorismo. Colocamos

viaturas em pontos distintos que mantenham contato visual, mas

que formem múltiplos alvos –se for atacar, tem que atacar dois ao

mesmo tempo– e diminuímos a luminosidade. Essa norma aca-

bou se tornando uma norma padrão na polícia naquele momen-

to, mas saiu do meu batalhão. Tudo baseado na experiência dos

anos 1960, quando havia ataque dos grupos armados.”

Page 155: Prazer, PM

154

Arruda deu a ordem: queria uma arma longa e uma força de

resposta (com motos e Força Tática) em cada base. Durante a noi-

te, foi vistoriando suas companhias.

— Cadê o comandante?

— Ah, o comandante não está aqui, ele ligou.

— Mas e a arma longa?

— Ah, não tem.

Irritadíssimo, o tenente-coronel reuniu seus capitães.

— Eu dei uma ordem e ela não foi cumprida como eu determinei,

os senhores não passaram nas bases e nem nas companhias, não

mandaram forças-resposta e tem companhia que não tem arma

longa. Temos notícias de ataque já chegando pelo vale do Paraíba,

Poá, Suzano. Esses ataques vão chegar aqui. Se eu vir algum ata-

que à base ou algum policial ferido e minha ordem não tiver sido

cumprida, pode preparar a escova de dentes que vocês vão dormir

no Romão Gomes.

“Aí tocou o que a gente chama de ‘barata voa’. Sabe quando

você acende a luz e a barata voa?”, riu Arruda.

São dez e meia da noite. Finalmente, as companhias es-

tão preparadas e todas as ordens foram cumpridas. Arruda já

pode ir pra casa. Quando estava na Marginal Tietê, recebe uma

ligação. Houve uma tentativa de ataque, mas, graças à força-

-resposta, não houve feridos.

“Na época, infelizmente a Sheherazade não estava na mídia,

porque ela teria falado várias coisas ricas como ela tem falado ul-

timamente, mas já tinham os cretinos falando bobagem na mí-

Page 156: Prazer, PM

155

dia como sempre tem. ‘Vamos reagir vigorosamente’. Comecei a

receber as mensagens do comando-geral: ‘vamos reagir vigorosa-

mente’. E recebemos a ordem de que policiais com restrição de

rua poderiam voltar para o policiamento.”

Os policiais com restrição de trabalho na rua são, geralmente,

aqueles que se envolveram em ocorrências de morte, o que, para

Arruda, evidencia o cuidado da PM com a questão da letalidade,

que foi drasticamente reduzida desde os anos 1980. “E isso não

foi conseguido assim de graça. Isso foi muita coragem de vários

comandantes que vieram dos anos 80 pra cá batendo duro pra

não permitir, porque, se soltar, a coisa vai lá em cima.”

Quando entra no tema da letalidade, Arruda abandona a expres-

são leve do rosto. O assunto é sério. “O Estado não é vingador. Se a

lei não é suficiente, a democracia está aí pra isso. Vamos discutir e

mudar. O que não pode é ficar estimulando a polícia a matar bandi-

do, porque não é papel dela. É muito fácil você transferir pra policia

a responsabilidade que não é dela. Todo mundo se omite e, se der

algum problema, pune o cara, põe na rua. É uma irresponsabilidade

de governantes fazer uma coisa dessas, ficar estimulando esse tipo

de situação. É uma irresponsabilidade de comandantes também.

Tem comandante que fica falando ‘é faca na caveira’. Esse coman-

dante devia sentar junto nos banco dos réus depois, mas não senta.

E o governador muito menos, e o secretário de segurança também

não. A gente tem que parar de ser inocente. O político continua no

cargo dele e o idiota que faz isso é condenado. Houve nos anos 80

e 70 irresponsáveis que ocuparam secretaria de segurança que fa-

ziam premiação de policias por resistência seguida de morte. Ima-

gina você premiar um policial porque se envolveu em ocorrência de

morte. A polícia é mais do que defensora dos direitos humanos, é

promotora deles. Tem que falar: pessoal, o Estado não é vingador.”

Page 157: Prazer, PM

156

Mas Arruda não deixa de também defender a corporação ao

lembrar que, na capital, são 45 mil chamadas de 190 e não acon-

tece nem 0,01% de erro, já que não há 4,5 mortes de inocentes

por dia. “0,001%, ou seja, 0,4 morte de inocente por dia pode

acontecer. Isso é um caso de erro a cada 90 mil chamadas.”

Para o coronel, o policial que faz justiça com as próprias mãos

pensa assim porque vem de uma sociedade que pensa assim –e

sua formação na polícia não o convenceu do contrário. Contudo,

Arruda vê que a valorização dos direitos humanos é um pensa-

mento crescente na PM, mas ainda não dominante.

“Se nós tivermos que pontuar fatos históricos, eu diria que uma

mudança vem desde a Favela Naval. Em São Paulo, isso foi mais

importante que o Carandiru. O Carandiru foi uma tragédia. Uma

operação mal conduzida, mal planejada, uma decisão política preva-

lecendo sobre uma decisão técnica. A tropa estava apavorada que os

detentos iam dar injeção com sangue infectado com Aids. À frente

da tropa estava um líder carismático, era o Ubiratan Guimarães. Ele

entrou na frente para acalmar a tropa. Quando ele entra, é ferido.

Um soldado sai com ele no colo e fala ‘mataram o comandante’. E aí

deu no que deu... Mas não teve a repercussão de causar vergonha no

público interno. A gente teve a consciência seguinte: quem estivesse

no Choque teria participado desse episodio do Carandiru. Amigos

meus que eu conheço profundamente, gente comprometida com di-

reito humanos estava lá. Uma loucura. Agora, a Favela Naval foi dife-

rente. Os policiais chegavam em casa e a mulher dizia ‘é assim que

você trabalha na rua? Você atira nas pessoas, você bate nas pessoas?’.

Isso levou a uma grande reflexão do público interno sobre o papel da

PM. Foi quando surgiu policiamento comunitário.”

Só que agora, diante do PCC e com as restrições de policia-

mento suspensas, esse cuidado com as taxas de letalidade parecia

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157

ter desaparecido. É uma e meia da manhã. Arruda reúne em seu

gabinete seus comandantes de companhia, de Força Tática e os

sargentos de policiamento de rua.

— A mídia está pressionando pra gente sentar o dedo na ma-

landragem. Quero dizer uma coisa pra vocês: o diabo não é

inteligente, só é velho. Ele já viu acontecer isso antes. Então,

se você não quiser estar daqui a um mês sentado sozinho no

banco dos réus com essa mesma imprensa e esse mesmo po-

lítico, que estão te exaltando agora, pedindo tua cabeça, não

façam bobagem. Eu não tenho que provar pra vocês se sou ho-

mem, se sou macho, se sou bom de porrada. Eu não tenho que

provar isso. Eu sou o comandante de vocês. Minha missão é

não deixar vocês fazerem merda, então não façam bobagem. O

comandante-geral não vai segurar, nem eu, nem governador,

nem secretário, ninguém vai segurar. Quem fizer merda segu-

ra sozinho. E não deixe seu subordinado fazer merda também.

Le-ga-li-da-de. Vamos fazer de acordo com a lei. A população

e a opinião estão do nosso lado. Não vamos perder a opinião

pública. Não quero ninja, não quero atentado, não quero sair

caçando. Se vocês souberem de algum delinquente que atacou

base nossa, atacou policial nosso, matou algum inativo nosso,

vocês tragam o nome pra nossa inteligência, nós vamos levan-

tar essa pessoa e nós vamos buscar essa pessoa. Um por um.

E nós vamos trazer conforme o cliente desejar. Se ele se entre-

gar, ele vem vivo, se não se entregar, ele vem morto, mas ele

vem. A princípio vivo. Mas nós vamos agir com inteligência,

com rapidez, com planejamento, com discrição. Trazendo um

por um desses que atacaram policiais da nossa área, mas não

quero bobagem. E eu to sabendo que tem gente entrando em

Page 159: Prazer, PM

158

favela e dando tiro pro alto. Eu não quero que vocês vão pertur-

bar pobre. Pobre já tem problema demais pra resolver. A favela

está do nosso lado, não vamos perder a favela. Alguma dúvida?

Não? Então, bom trabalho.

Um detalhe dessa época de ameaça do PCC é que um ativista

do movimento LGBT, diretor de uma ONG de defesa da diversi-

dade sexual, Edson Azevedo, que Arruda conheceu no trabalho

com as travestis, chegou a ligar oferecendo “uma rede de casas

seguras” para abrigar policiais e suas famílias que estivessem sob

risco. “Eu achei de uma dignidade extraordinária.”

Mas não foi pela estratégia de defesa contra o PCC traçada no

seu batalhão e adotada por toda a polícia que Arruda se tornou

celebridade na PM. Foi por outro delicadíssimo episódio em seus

anos de comando na zona leste.

Estamos em 2005. Duas alunas da USP Leste estão se acari-

ciando no campus. A policial Diana, da Ronda Escolar, resolve

abordá-las e, por sua vez, é cercada por mais de 80 alunos.

— Alguém chamou você aqui? Alguém pediu sua presença? – diziam.

— Olha, gente, a USP é lugar de família.

E Arruda dá gargalhadas contando a história. “Lugar de fa-

mília!”, ele ri. Diana acabou levando as meninas para a delega-

cia. O episódio veio a público em outubro e, segundo matéria

da Folha de São Paulo, teria ocorrido no dia 30 de setembro,

embora o coronel insista que foi em junho. O fato é que Arru-

da só ficou sabendo quando recebeu a ligação do comandante

responsável pelo policiamento na área da Cidade Universitá-

ria, o campus Butantã da USP.

Page 160: Prazer, PM

159

— Ô, Arruda, você está sabendo que a congregação está reunida

aqui na Reitoria? Pra proibir o acesso da PM aos campi da USP.

— Não... mas por quê?!

— Por causa de uma merda que vocês fizeram aí na USP Leste.

— Como uma merda?

— É... vocês fizeram.

O tenente-coronel Arruda aciona seu P2, o sargento responsá-

vel pela inteligência no batalhão.

— Comandante, foi um ato obsceno e houve uma intervenção po-

licial lá. Mas foi uma coisa simples. Os policiais conduziram as

meninas, mas o termo já foi arquivado.

Arruda, então, procura o tenente, responsável por fiscalizar

as patrulhas.

— Ah, comandante, eu nem fui lá, era uma bobagem, um ato

obsceno...

Só aí ele se dá conta do “tamanho da merda”.

— Gente, isso não é ato obsceno. Isso é intolerância! O que vocês

estudaram sobre isso?

Nada...

— Eu sou velho e estou ultrapassado, então eu tenho direito a ser

preconceituoso. Mas até eu aprendi que isso se chama intolerân-

cia. E vocês que são jovens não aprenderam ainda?

Page 161: Prazer, PM

160

Não...

— Hoje é quinta-feira. Domingo vai estar isso na mídia do mun-

do inteiro.

Tenente e sargento se entreolham, incrédulos. Mas não deu

outra. Domingo, 9 de outubro, enquete no Fantástico: Você achou

correta a atitude da policial militar? 56% votaram não.

Na segunda-feira, Arruda recebeu um ofício da Secretaria de

Justiça pedindo a apuração do caso e providencias em relação à

policial. As meninas foram chamadas ao batalhão e foram inter-

peladas pelo subcomandante.

— A policial foi agressiva?

— Não.

— Como vocês foram para a delegacia?

— Ela disse que poderíamos ir no nosso carro, mas preferimos

ir no dela.

— Tinha grade?

— Não, fomos no estofado mesmo.

— Vocês querem processar a policial?

— Não.

Elas e os advogados assinaram o depoimento e deu-se por

resolvido. Arruda não puniu Diana, mas a transferiu de área.

Disse que ela agiu como mãe, nordestina e evangélica, ignoran-

do as normas para o caso. Horas depois, vem uma senhora do

Jardim Keralux, um bairro pobre vizinho à USP Leste, bater na

porta de Arruda com um almaço com 250 assinaturas pedindo

a permanência de Diana.

Page 162: Prazer, PM

161

— O senhor é o comandante que protege veado e sapatão?

— ?!

— Tô sabendo que o senhor e seus amiguinhos veados e sapatões

estão punindo a Diana.

Até que a senhora ouviu da própria Diana que ela não havia

sido punida, mas transferida.

— Então tá bom, mas é o seguinte: você avisa os seus amigui-

nhos lá da USP que lá dentro eles podem fazer a putaria que

eles quiserem, mas aqui fora nos somos evangélicos e somos

gente decente. Se começar a beijar menina aqui fora nós va-

mos quebrar o pau.

Parece que o problema não estava tão resolvido assim. Ar-

ruda previa que os choques entre USP e Jardim Keralux iam

sobrar pra PM e teve uma ideia. Ligou para um advogado do

movimento LGBT com quem trabalhara no quiprócó das tra-

vestis de Campinas.

— Então, cara, aquela PM do caso na USP é minha soldada.

— Puta, Arruda! Que chato...

— Não. Melhor assim. Agora a gente resolve esse problema. Eu

sou ignorante nesse assunto, um pouco menos por causa do nos-

so trabalho em Campinas. Mas meus efetivos são muito mais ig-

norantes, ninguém sabe nada desse assunto. Eu preciso preparar

eles pra lidar com diversidade. Você me ajuda?

— Claro!

— Me ajuda a montar um curso pra preparar meus policiais.

Page 163: Prazer, PM

162

Arruda e mais três lideranças LGBT começaram a planejar um

curso e levantar nomes de convidados. Até um teatro do oprimi-

do nos moldes Paulo Freire foi sugerido, mas logo vetado pelo

comandante –“isso não passa na minha instituição”. Um tenen-

te que havia estudado direito homoafetivo ficou responsável por

criar situações concretas, como um casal gay que chega em um

restaurante provocando a ira dos demais clientes ou uma traves-

ti que quer usar o banheiro feminino, e os alunos debateriam

como o policial deveria agir.

Só faltava um local para as aulas, além da aprovação do co-

mando da PM, claro. Arruda foi falar com o coordenador da USP

Leste, que achou a ideia ótima e topou ceder uma sala de aula.

“Mas eu pedi um favor, disse que a PM era muito ortodoxa e que

o projeto ainda teria que ir para o comandante da ZL que iria

mandar para o comandante da capital, etc. Só quando todos apro-

vassem, poderíamos acertar a parceria com a universidade.”

Ocorre que a proposta do curso vazou e acabou veiculada

na Folha de São Paulo. Arruda se lembra o mês: dezembro. O

nome do jornalista: Ricardo Gallo. E a manchete: “PM quer

aprender com gays a lidar com gays.”

“Com auxílio de um transexual e de um bissexual, a Polícia Mi-

litar planeja para fevereiro um curso inédito, de dois dias, destina-

do a cem policiais militares da zona leste da cidade, para capacitar

os integrantes da corporação a lidar com gays, lésbicas e travestis.

O curso, que ainda depende de aprovação do comando da

PM, está em fase de articulação pelo 2º Batalhão de Policia-

mento Metropolitano da Capital. As aulas estão previstas para

ocorrer nos dias 9 e 10 de fevereiro na USP Leste, onde, em se-

tembro, duas universitárias foram levadas à delegacia por uma

PM porque se beijavam.

Page 164: Prazer, PM

163

[...]

‘Sentimos que há a necessidade de um conhecimento mú-

tuo [entre polícia e entidade de defesa de minorias]. As pessoas

têm de saber o papel da polícia na sociedade democrática’, disse

o tenente-coronel Luiz Eduardo Pesce de Arruda, comandante

do 2º Batalhão da PM.”

“Quando essa matéria veiculou, o mundo caiu na minha ca-

beça. Primeiro, o comando todo ligando pra mim: ‘Arruda você

está louco? Você toma uma decisão dessa sem falar com o coman-

do? Você está expondo a instituição!’ Foi um inferno.”

— Filho, o que está acontecendo? – liga a mãe, lá de Araras.

— O quê, mãe?

— Filho, eu sou sua mãe, comigo você pode se abrir. O que está

acontecendo, filho?

— Ah... a matéria da Folha. Mãe, se a senhora quer saber se eu

sou gay, eu não sou. Eu sou heterossexual.

— Então porque você fica se metendo com essas coisas aí? Está

todo mundo na cidade dizendo que você é veado.

— Mãe, o que a senhora quer que eu faça?

“Carl Marx dizia: tudo que é humano me interessa. Se é hu-

mano, merece minha proteção como policial. Como pessoa física,

eu sou católico, sou heterossexual, tenho uma família, me casei

de novo, tenho um filho do segundo casamento, tenho uma visão

de mundo pessoal, minha. Mas como policial, todas as pessoas

merecem minha proteção. Até o delinquente.”

Arruda virou piadinha de grupo de e-mail de policiais.

“Será que vamos ter que usar batom em vez de tonfa ou anel

de diamante em vez de algema?” ou “Antes era proibido, de-

Page 165: Prazer, PM

164

pois era tolerado, agora o Arruda quer tornar legal, então que-

ro morrer antes que seja obrigatório.”

O coronel reclama especialmente da crítica feita pela colunis-

ta da Folha, Barbara Gancia, que escreveu:

“O ano de 2006 já começa fervendo. Caso receba a aprovação

do comando da PM, nos dias 9 e 10 de fevereiro, o 2º Batalhão de

Policiamento Metropolitano da Capital irá realizar um curso para

ensinar cem policiais da zona leste a lidar com gays, lésbicas e

travestis. As aulas serão ministradas na USP Leste, onde, em se-

tembro, duas universitárias que trocavam beijos em público rece-

beram voz de prisão de uma policial militar.

Segundo o tentente-coronel Luiz Eduardo Pesce de Arruda, co-

mandante do 2º Batalhão, um dos benefícios do curso será dimi-

nuir, entre os policiais, a carga de preconceito contra os homosse-

xuais. Será que entendi direito? É o caso de perguntar se estamos

vivendo em outro planeta ou se, aqui na terra, os homossexuais

continuam a ser seres com uma cabeça, dois braços, duas pernas e

um coração, tal e qual os policiais que irão tentar ‘decifrá-los’.

Para evitar abusos como o da detenção indevida das duas

jovens da USP Leste, não seria suficiente que os policiais co-

nhecessem as leis que devem ajudar a impor? Se a moda pega,

daqui a pouco vamos ver a Polícia Militar oferecendo cursos

específicos para lidar com loiras, com cidadãos de olhos azuis

e com gente da terceira idade.

E já que a intenção é tentar compreender melhor o próximo, não

seria mais proveitoso começar instruindo os policiais a não tecer jul-

gamentos precipitados baseados na cor da pele ou no nível social?”

“Ela foi injusta comigo. A crítica dela foi injusta. Um dia vou

conhecê-la pessoalmente e vou falar pra ela isso. Ela disse que eu

queria tratá-los como se fossem pessoas diferentes, mas há sim

Page 166: Prazer, PM

165

uma legislação diferenciada. É uma minoria, e tem aspectos im-

portantíssimos de natureza psicológica, cultural, legal que são di-

ferentes. Como idoso, também tem legislação especifica. Criança

também. Não estou dizendo que é um ser de outro planeta, estou

dizendo que merece um recorte acadêmico [da polícia] porque tem

legislação específica que trata do assunto. Adolescente, por exem-

plo, tem a psique do adolescente. Tem que tratar em específico.”

“Disseram que eu queria dar aula na USP, que eu queria ser

deputado federal, que eu era veado, enfim... Aí eu recebi três li-

gações. Um coronel que me disse ‘Arruda, fique tranquilo, o ca-

minho é esse mesmo, está certo’. Me ligou a Heloísa Fernandes,

filha do Florestan, uma socióloga maravilhosa. E recebi uma liga-

ção da Ruth Cardoso.”

— Aqui é a professora Ruth.

— Ruth?

— É, a Ruth Cardoso...

— A senhora esposa do presidente Fernando Henrique?

— Isso mesmo.

— Oi, professora, pois não...

— Olha deve estar muito difícil para o senhor, mas fique tranqui-

lo. Eu estou muito orgulhosa, o senhor é muito corajoso, quero

muito conhecê-lo pessoalmente.

Todo satisfeito, Arruda conta que se encontraram no shop-

ping e Ruth lhe deu um beijão. Foi o que ele ganhou de bom. De

resto, a PM não aprovou o curso, alegando que os direitos huma-

nos já eram tratados na formação policial e Arruda saiu mais que

queimado. “Não sei como não perdi o comando, acho que eles fi-

caram com medo de tirar e dar mais polêmica.”

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166

Polêmica é o sobrenome de Arruda. Não satisfeito, resolveu

inventar outro curso: aulas preparatórias para bolivianos ingres-

sarem na PM. “Uma ação de discriminação positiva para entrar

boliviano na PM porque nós temos mais de 500 mil bolivarianos

em São Paulo e não temos nenhuma interlocução com eles. Eles

são explorados e ganham uma miséria, quando o tráfico cooptar

essa comunidade, estamos ferrados. A gente quer acelerar o pro-

cesso de inclusão desses imigrantes no Brasil. Vamos preparar

60 meninos desses pra trabalhar na PM, se 20 entrarem, desses

20, três vão ser oficiais e um vai ser juiz de direito.” A reação no-

vamente foi negativa: mas e os pobres brasileiros, você não vai

ajudar? “Mas o brasileiro já está na polícia”, argumenta.

Repentinamente dominado por um ar de aparência e desâni-

mo, desabafa. “Eu lembrava da Cecília Meireles. Há momentos

em que eu me sinto tentando explicar pro deserto e pra geleira o

significado da primavera.”

Mas a primavera não demorou. Já em 2006, um homossexual

foi agredido na Praça da República ao ponto de perder um rim. Na

época, o secretário de segurança foi questionado sobre como a PM

foi preparada para lidar com a diversidade sexual. Felizmente, uma

assessora do secretário sabia sobre a tentativa de curso na USP Leste,

o que ressuscitou a ideia. Segundo Arruda, o curso agora faz parte

das aulas curriculares na Escola de Soldados e no Barro Branco.

Avançando na carreira de Arruda, chegamos a sua promoção

como coronel. Para subir de tenente-coronel a coronel, é preciso

fazer um doutorado na PM. Depois de tentar duas vezes (na pri-

meira ainda estava queimado com a história da USP Leste), Ar-

ruda foi aceito para o doutorado com uma tese sobre segurança

pública em microcomunidades, um estudo que foi publicado pela

PwC (PricewaterhouseCoopers) como um prêmio de direitos hu-

Page 168: Prazer, PM

167

manos que eles concediam. A tese fez uma pesquisa com síndicos

de prédio, pastores evangélicos e coordenadores de ponto de táxi e

descobriu que uma minoria sabia dizer o nome de um policial da

sua área. “Estão juntos na rua e não se conhecem”, disse Arruda.

“Você não pode confiar em alguém que você não conhece.”

“A vida profissional me ensinou que a pessoas não querem

um super policial. Querem alguém que seja confiável, que seja

capaz de ajudá-las a resolver problemas e que seja solidário a

elas. O policial vê tanta desgraça, gente amputada, sem cabeça,

assassinada. Aí uma senhora bate o carro dela, levando a crian-

ça pra escola. O policial diz que não foi nada, mas, para aquela

mulher, aquele episódio foi o mais grave da vida dela. O policial

não pode perder essa consciência.”

Como tantos outros fardados, o coronel acredita que o futuro

está no policiamento comunitário. “Do modo como está, está no

limite, não consegue expandir, e eu não vejo outra saída que não

seja um policiamento muito próximo da população.” A base do

pensamento é que, se um policial não conhece o bairro e atua ali

esporadicamente, esse policial tenderá a ser agressivo para im-

por sua autoridade onde não é conhecido. Além disso, um jovem

que para aquele policial é um infrator, para a comunidade é um

cara que nasceu no bairro, e as pessoas não hesitarão em ficar do

lado dele caso seja maltratado. “Aí o PM mata o moleque num

confronto lá no bairro e o que acontece com os outros moleques?

Vão para a rua e queimam pneu em protesto contra a PM. Dizem

que é o PCC. Não é o PCC nada, é uma reação espontânea. Assim

você não tem a população com você.”

“Mao Tsé-Tung, no Livro Vermelho, dizia as condições de você

se relacionar para ter a população do lado do Exército de Liber-

tação Popular. Ele dizia: ‘fale docilmente com a população e de-

Page 169: Prazer, PM

168

volva tudo que pegar emprestado, pague tudo o que consumir e

não destrua propriedades nem plantações, não se envolva com as

mulheres e trate os presos com benevolência’. E o que nós vemos

muitas vezes? O policial atende bem as pessoas? Você tem a segu-

rança de chegar a um policial e ele te atender bem? Está certo ele

ir à padaria, esse hábito cultural péssimo que nós herdamos de

ficar tomando café e comendo de graça na padaria? Está errado,

você não está pagando pelo que consome.”

Já como coronel, Arruda foi chamado para dirigir o Centro

de Altos Estudos de Segurança (Caes), onde trabalhou de 2009

a 2011. O Caes, onde os policiais realizam seus mestrados e dou-

torados sem os quais não podem subir de patente, tem quatro

linhas de pesquisa, ele explica: polícia comunitária de direitos

humanos; gestão organizacional; saúde e qualidade de vida; e

prevenção e resposta a emergências e acidentes.

Nessa época, o comando-geral pediu que Arruda acompa-

nhasse um grupo de policiais em viagem à África do Sul para es-

tudar sobre a realização da Copa do Mundo. O coronel reclama

que agora as viagens de estudo foram cortadas. “O programa de

mestrado fazia uma viagem nacional, em sete unidades federati-

vas. Fizemos três vezes isso. Era uma visita muito bem estrutu-

rada, com debate, simpósio, visitas técnicas e culturais. E nada

que devia ser oculto da imprensa, tribunal de contas ou do poder

público. Jornalista podia ir junto. Eu sempre dizia para os meni-

nos ‘vocês estão lidando com dinheiro público, não tem que fazer

besteira’. Não tive um incidente.”

Mas o ex-secretário de Segurança Pública Antonio Ferreira Pinto

não achava que as viagens do Caes –nacionais e por vezes internacio-

nais– colaborassem para pensar o policiamento e suspendeu tudo.

“É deplorável quando você considera que educação não é prioridade.”

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169

O oitavo cargo na polícia foi comandando a Escola Superior de

Soldados, em Pirituba, onde não perdeu a oportunidade de inven-

tar mais uma. Arruda diz que os alunos se achavam maiorais e ti-

nham vinte que lutavam MMA. O esperto coronel convidou então

seis indígenas do Xingu lutadores de Huka-Huka, “a única arte

marcial brasileira”, para uma exibição. Foram 32 lutas. O placar?

Um empate e 31 vitórias para os índios. “Isso se chama diversidade.

As pessoas são diferentes umas das outras. Vocês não são piores

nem melhores, são diferentes. Usem isso pra vida de vocês.”

Depois de passar pela Academia de Polícia Militar do Barro

Branco, que forma oficiais, e pela Escola Superior de Soldados, que

forma praças, Arruda consegue traçar um diagnóstico sobre o en-

sino na PM e aponta os temas importantes que são negligenciados.

“Nós estudamos pouco a vítima. Ela é o objeto principal da

ocorrência, não o delinquente. A PM existe para atender a víti-

ma, e não para prender o delinquente. Ela prende para atender

a vítima. Também precisamos aumentar o volume de estudo so-

bre adolescente em conflito com a lei. Biologicamente, ele está

pronto pra vida, mas não ganha um centavo, então ele não exer-

ce nenhum poder político dentro de casa. Analfabeto funcional,

muitas vezes não chega à universidade. Está condenado ao su-

bemprego e é pressionado pelo consumo. Ele tem baixíssima au-

toestima e um profundo temor de ser exposto ao ridículo pelos

amigos através do bullying. Essa combinação explosiva leva o jo-

vem a se aproximar do crime.”

O coronel diz ainda que a maioria dos policiais escolhe a carrei-

ra por vocação –e aí que mora o perigo. “Um dos papeis da escola

é transformar a ilusão em realidade. O cara acha que ser policial é

Tropa de Elite. É chegar lá e bater na cara, mas não é assim, a vida

não é assim. Muitas vezes você vai perder. Você vai prender o trafi-

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170

cante e ele será libertado. E ele depois ri da sua cara. Quantas vezes

isso não acontece? É uma profissão muito estressante.”

Com seu jeito teatral, Arruda encena o exemplo mais básico

do dia a dia policial. O PM chega na periferia. É a única autorida-

de visível ali. Logo é procurado por um comerciante.

— Capitão, aquele moleque ali roubou meu estabelecimento qua-

renta vezes e está em liberdade. O senhor não vai fazer nada?

Aquele comerciante (e boa parte das pessoas) não conhece a

estrutura legal. Não sabe que a culpa pela libertação do moleque

não é do policial.

— Olha, capitão, não é pelos dez conto que ele leva todo dia. Mas

outro dia ele bateu na minha filha, né, Maria Cristina?

— Verdade, me deu uma coronhada.

Resultado: se o policial não tem estrutura para aguentar fir-

me, resolve fazer justiça com as próprias mãos. “É uma pro-

fissão muito difícil e pior: pouco valorizada pela sociedade. Eu

estou no ônibus com o crachá da AACD, todos olham e falam

‘ai que legal’. Na PM, as pessoas já olham assim do tipo ‘quem

mandou não estudar né?’”

É fato inegável que grande parte da rejeição à PM advém da

ditadura militar. Os policiais são vistos como um resquício do

governo autoritário e, aliás, ainda pensam com a mesma cabe-

ça, ou seja, ignoram os direitos humanos. Arruda argumenta

que os responsáveis pela tortura e comandantes do DOI-CODI

eram do Exército e que a polícia estava na rua. Claro que a PM

também matou, mas em confrontos. Para ele, a característica

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171

militar não implica uma ideologia. O coronel faz as vezes do

professor de história da PM que já foi para explicar como a rela-

ção ditadura-polícia não se sustenta:

“A PM foi organizada militarmente nesse moldes no período

da Regência e foi assim no Segundo Império, na Primeira Repúbli-

ca, na era Vargas, durante o regime militar e na redemocratização.

Ela tem esse modelo desde 1831. Aliás, durante o regime militar ela

não foi leal ao regime militar, ela foi leal ao governo de São Paulo,

que, por sua vez, era leal ao governo militar. Tem uma coisa mui-

to significativa nisso. Naquele episódio de 1964, a PM não fechou

com o Exército, fechou com o governador Ademar de Barros. Se ele

resolvesse resistir ao golpe, a PM também teria resistido.”

A violência sistemática da polícia, porém, deixa dúvidas so-

bre se o caráter pessoal de cada policial é fator determinante

para agir fora da lei ou se há de fato um problema estrutural

–o militarismo. Pensando com a cabeça da ditadura, a polícia

veria a população como um inimigo a ser combatido. Duas leis

ainda vigentes que organizam as polícias militares em nível

nacional e estadual foram decretadas por presidente e gover-

nador “usando das atribuições que lhe confere o § 1º do artigo

2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.” O de-

creto-lei nº 667 de 1969 regulamenta as polícias militares do

Brasil e o decreto-lei 217 de 1970 constitui a Polícia Militar de

São Paulo, unindo a Força Pública e a Guarda Civil do Estado.

Ambos estão fincados no AI-5.

Para Arruda, essa associação errônea entre PM e ditadura

tem outra origem. E aqui, pela primeira vez, o defensor das mi-

norias adota uma postura inesperadamente conservadora: tudo

faz parte de um plano para enfraquecer as instituições federais,

inclusive o Exército –e de lambuja a PM.

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172

“Esse ataque vem por parte de segmentos ligados ao governo

federal: PSTU, PSOL... Aparentemente, alguns grupos mais radi-

cais de caráter bolivariano querem extinguir instituições que não

sejam leais ao partido. A instituição não pode ser leal a nação, deve

ser ao partido. Hoje a PM é a única instituição pública presente

24h por dia em todos os municípios paulistas e brasileiros. Pra

tudo que acontece, a PM é acionada. Essa informação é processa-

da, sai da PM, vai pro Exército, do Exército vai para a Abin e de lá

para a Presidência da República. É uma rede de informação muito

bem estruturada no país inteiro. Ao quebrar essa rede, o objetivo é

acabar com a informação. Em segundo lugar, enfraquecer o Exér-

cito. E aí a ideia é substituir a PM por uma guarda bolivariana que

não tenha nenhum compromisso com o Estado nem com a socie-

dade, mas tenha compromisso com o governo.”

Pelo humanismo, defesa dos direitos humanos e, principal-

mente, pela tolerância, Arruda estaria bem enquadrado no lado

esquerdo da política, não fosse a maneira como enxerga as mu-

danças sociais dos últimos tempos. “O país esta passando por

uma crise moral muito grande, uma crise de relativização de valo-

res, desde a família, e falta de valores religiosos também, que são

importantes qualquer que seja a denominação.” Um discurso re-

acionário para provar que a complexidade humana –e o coronel–

não pode ser encaixada em grupos definidos. Arruda, em tom de

indignação, segue com críticas ao governo federal...

“[Segmentos ligados ao governo federal] que acolhem terrorista

e deixam ele em liberdade no Brasil, caso do Cesare Battisti, que

permitem que você pague e explore mão de obra escrava de médico

–precisa ir atrás de Cuba para mandar dinheiro pra Cuba. Ou seja,

você deixa as prioridades ideológicas acima do interesse nacional.

Veja o que está sendo feito com a Petrobras, veja o que está sendo

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173

feito com o Itamaraty, Banco do Brasil. As instituições estão sendo

profundamente afetadas. E a PM é a próxima, mas ela tem uma es-

trutura mais sólida.”

... e às manifestações de junho.

“Essa articulação se aproveita da insatisfação com a Copa e

com o Mensalão. O que a PM tem que evitar é uma camisa san-

grenta, um novo ícone como Edson Luis. Na última manifesta-

ção, teve muito problema com jornalista. De jornalista preso,

espancado, confusão etc. Em sã consciência, nenhum policial

vai atacar um jornalista. Por que atacou? Será que ele não iden-

tificou o jornalista claramente como jornalista? Será que o jor-

nalista tem que criar uma identidade visual mais fácil para ser

identificado? Quem tem que decidir isso? O jornalista e a polí-

cia. Tem que sentar junto e conversar.”

Mas Arruda não estende essa imunidade à agressão da PM a

todos os cidadãos –jornalistas ou não. Pelo contrário:

“De forma geral, a PM agiu bem e corretamente. Se houve

excesso, a estrutura da polícia é muito peremptória e muito dura

para punir excesso. Bom, em um movimento social quem está

no epicentro está sujeito a... Manifestação tem que ter ordem.

As pessoas tem que estar identificadas. Você não pode usar ano-

nimato, isso é contra a Constituição. Você não pode levar arma.

Coquetel molotov... Estou impressionado como isso não matou

ninguém até agora. Porque é uma arma utilizada pelos russos

na resistência contra o avanço do Exército nazista. Queima um

tanque de guerra, com a tripulação dentro, não é brincadeira

aquilo lá. Está certo uma pessoa levar isso? Qual é o objetivo

dela? Manifestação é um protesto legítimo, mas sem uso de vio-

lência. Violência é antidemocrático. Não e cabível usar a violên-

cia na democracia, em nenhuma hipótese.”

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174

Segundo levantamento da Abraji, 114 jornalistas foram agre-

didos nos protestos de 2013 –71 de forma deliberada e 65 por

agentes de segurança. A BBC Brasil diz ainda que a Corregedo-

ria da PM abriu 21 inquéritos para apurar agressões entre 1º de

junho e 28 de janeiro.

Mas, se por um lado, o militarismo é responsável por essa

ponte direta entre a PM e a ditadura na cabeça das pessoas, na

cabeça dos PMs significa hierarquia e disciplina. Quando o as-

sunto é militarismo, os policiais não raramente fogem da ques-

tão da repressão e divagam sobre os benefícios e malefícios de

uma estrutura piramidal tão rígida.

“A formação básica militar do PM é muito útil porque ele

aprende honra, disciplina, respeito à hierarquia, respeito à na-

ção, ao Estado de São Paulo. A sua responsabilidade é deixar uma

instituição melhor para quem vier depois de você. Nós tivemos

31 coronéis exercendo cargo de subprefeito no governo Kassab,

quantos foram processados por corrupção? Zero. Isso estatisti-

camente tem uma significação. Por que não teve nenhum caso?

Porque são valores e o grupo cobra dele. O grupo é muito forte e

cobra a maneira como você se conduz.”

Ainda em 2011, Arruda deixou a Escola Superior de Solda-

dos para assumir o Comando de Policiamento Metropolitano, ou

seja, se tornou responsável pelo policiamento em toda a região

metropolitana de São Paulo, excluindo a capital. Depois, foi ser

diretor de Ensino e Cultura da PM em maio de 2012 e, finalmen-

te, entrou para a reserva.

Além dos dez cargos na polícia, não podemos esquecer os

cursos de formação de Arruda. Além dos já mencionados –

Academia do Barro Branco, Publicidade na ESPM, Mestrado

e Doutorado no Caes–, o coronel cursou ainda Direito, tem

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175

uma especialização em Gestão do Terceiro Setor na GV e ga-

nhou uma bolsa do governo francês para uma especialização

em Liberdades Públicas e Segurança Pública na École Nationa-

le D’administration (Ena).

“Fiz outros cursos como de polícia comunitária nos EUA, vi-

sitei a polícia italiana, sul-africana, japonesa, canadense, fiz está-

gio na Legião Estrangeira. Quando eu estudei na Ena, o Sarkozy

era professor lá.”

O caminho que levou Arruda à Paris passa pelo Caribe.

Mas começou nos bombeiros. O comandante dos bombeiros

precisava de um tradutor de francês para um curso de uma

semana sobre defesa civil com franceses. Como Arruda fala

bem a língua, acabou quebrando esse galho. Um dos france-

ses era da embaixada da França e, tendo todo interesse em

manter boas relações com o Brasil, convidou Arruda para

um curso na Martinica. Eram policiais de 14 países e o curso

seria em francês, se alguns não tivessem reclamado porque

só falavam espanhol. Resultado: Arruda, pela segunda vez

na vida, traduziu um curso. Como recompensa, a escola da

Martinica o mandou para a Ena. O coronel tentou ainda fa-

zer mestrado na USP duas vezes (ECA e FFLCH), mas teve

que abandonar por causa da carreira.

Arruda está aí pra desmentir o ‘bem-feito não estudou’. Ele

estudou. E escolheu ser PM apesar dos pesares. “É uma car-

reira que envolve risco concreto de vida. Dano à saúde. Má ali-

mentação. Estresse. Risco de processo. Mas também você tem

grandes histórias de vida partilhadas, possibilidade concreta

de ajudar pessoas, de salvar a vida de pessoas. O maior desa-

fio do policial é manter a humanidade a despeito do ambiente

sórdido em que muitas vezes ele vai trabalhar.”

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176

Hu-ma-ni-da-de, diz o coronel humanista. E defende todas

as minorias, os PMs inclusos.

“Hoje, portanto, eu me considero uma pessoa muito mais rica

do que eu era quando vim aquele menino de Araras. Aquele me-

nino branco, classe média, católico. Hoje eu tenho amigos ne-

gros, orientais, ciganos, judeus, muçulmanos, gente que eu te-

nho absoluta confiança. [...] Não existe uma instituição chamada

polícia militar, o que existe são milhares de pessoas que se con-

gregam em torno de uma instituição. Você não pode desumani-

zar. Existe um cara ali que também é pai de família, que tem uma

mulher esperando por ele, que tem filho ou que tem um marido,

no caso da polícia feminina, que tem mãe e pai.”

No fim, a verdade é que nem aquele estudante de Araras en-

furecido com um diretor autoritário teria conseguido imaginar

uma vingança tão bem executada.

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179

Dentro da lei

Eu entrei em 1984! Não vi nada

disso, pô! Eu não faço isso!

Franciscon, major

Era para ser um ano qualquer. Como foram os outros 60 em

que levou seu comércio em Pirituba. Aos 85 anos, estava muito

bem acostumado àquela rotina. Lá pelas sete da manhã, quando o

sol amanhecia arrancando os trabalhadores da cama, ele já estava

içando a porta de aço. Ali pela rua, vinham chegando quatro rapa-

zes um tanto mal encarados. Cercaram-no dentro do bar e exigi-

ram dinheiro. Ora, como ousavam perturbar um senhor? Não ti-

nham vergonha na cara? Estavam um tanto alterados, certamente

tinham se drogado. Ele foi empurrando o grupo rebelde para fora.

Enxotando, indignado. Roubando um senhor?! E eles foram em-

bora desorientados como vieram. Mas foi outubro que deixou a ci-

Page 181: Prazer, PM

180

catriz no ano de 2010. Outra manhã. Hora de abrir a venda, e ele

suspendia a porta, distraído. Foi até o balcão para ajustar os copos

lagoinha onde servia café e pinga. Quando voltou-se para a porta,

chegou a reconhecê-los. Mas teve tempo só para isso. Foram três

tiros para cair manchando o chão de sangue. Morreu ali mesmo,

sem ninguém para ver. Os rapazes já iam longe e, com a arma, sa-

be-se lá o que fizeram. Ainda assim, a fofoca no bairro era muita e

todos os dedos apontavam para eles. O tempo que ficaram presos

foi o mesmo que demoraram para executar a vingança: três meses.

Sem testemunhas, sem provas e com um advogado pago pelo mais

abastado, não poderiam mesmo ter ficado encarceirados por mais

tempo. Às sete da manhã, alheio a tudo isso, o sol foi acordando os

madrugadores nos dias que se seguiram. Mas a porta de aço não se

movia. Os copos lagoinha estão onde sempre estiveram.

*

Na televisão, o major Franciscon apareceu com o cabelo

mais curto. O corte raspado bem rente na cabeça devia ser uma

exigência do trabalho na rua, para onde o major voltava por

ocasião da Copa do Mundo.

Franciscon comandou as operações policiais na Vila Mada-

lena, na zona oeste. O bairro teve o recorde de 70 mil pessoas

no dia do jogo entre Brasil e Colômbia, pelas quartas de final.

O efetivo policial variava segundo a quantidade de torcedores,

chegando a mais de mil policiais.

A dificuldade ali era fazer a festa acabar. Os moradores pre-

cisavam dormir, as ruas precisavam ser limpas, os bares já es-

tavam fechados. Certa hora da madrugada, lá ia Franciscon e

seus soldados, varrendo metaforicamente as pessoas da rua

para que os funcionários da prefeitura viessem logo atrás var-

rendo literalmente o lixo da rua.

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181

Na madrugada de quarta-feira, 2 de julho, torcedores revi-

daram com garrafas porque não queriam deixar o local. A po-

lícia respondeu com uma bomba de efeito moral e foi criticada

pelos boêmios e estrangeiros.

Na madrugada do sábado, dia 5, a PM colocou em prática

outra tática –planejada com a subprefeitura de Pinheiros, a

Guarda Civil e a CET. Major Franciscon começou a avisar por

um megafone em três línguas (português, inglês e espanhol)

que as pessoas deveriam ir embora.

“A Polícia Militar agradece a presença de todos. Devido à neces-

sidade de liberação da via para limpeza e demais providências, so-

licitamos a gentileza de encerramento das atividades festivas, para

que possamos proporcionar condições de, em breve, receber a to-

dos novamente. Desejamos um bom retorno a suas residências.”

Depois disso, lá pelas 2h30, passava o cordão de policiais, garis

e caminhões pipa lavando tudo. A tropa de choque não foi necessá-

ria. Fotos e vídeos do major e seu megafone foram parar nos jornais.

Tudo muito diferente da vida de Franciscon há alguns me-

ses, como subcomandante do 18º batalhão, em uma função

administrativa, longe da confusão da Copa do Mundo. Na rua

Chico de Paula, uma rua residencial pacata –tem até feira livre–

bem próxima à praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, é

que se esconde a sede do batalhão.

O batalhão cobre uma área de dois milhões de pessoas. São

600 policiais e 102 viaturas distribuídas em três companhias que

correspondem às áreas de três delegacias nos bairros Freguesia

do Ó, Brasilândia, Parada de Taipas e Jaraguá. As viaturas são

de vários tipos: Ronda Escolar, Força Tática, Rocam, 190, policia-

mento comunitário, viatura do comando (tenente), viatura do sar-

gento, viatura do comandante de companhia (capitão) etc.

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Franciscon acha que o governo deveria investir para ampliar

o número de policiais. Mas, sem mais recursos, a decisão fica na

mão da polícia: mais policiais seria dividir uma mesma pizza em

mais pedaços. Como ninguém quer uma fatia menor, um tem

que trabalhar por dois e a qualidade do serviço é comprometida.

No 18º, o major é o subcomandante responsável pela parte ad-

ministrativa. Há ainda outro major responsável pelo policiamen-

to e o comandante, um tenente-coronel. Franciscon recebe R$ 6

mil líquidos. Acha um valor baixo para quem tem um doutora-

do e é responsável por uma área de dois milhões de habitantes,

numa função com risco de morrer e de causar a morte.

Seu local de trabalho é uma casinha pequenina com três ban-

deiras içadas, de um lado um muro verde de um instituto de reabi-

litação de pessoas especiais, do outro uma grade verde de um órgão

da prefeitura de vigilância de saúde. As letras dispostas na fachada:

Polícia Militar 18º BPM/M. Por dentro, a casinha é até bastante es-

paçosa. Passando um hall de entrada, vem uma sala com uma esca-

da para baixo. Nas paredes, pintadas de branco na parte de cima e

de azul-turquesa na de baixo, fotos dos heróis do 18º batalhão –poli-

ciais que morreram em serviço. Pela esquerda, segue um corredor

que leva a outra salinha pequena. No corredor, as portas de acesso

para as salas do comandante e do subcomandante, o major Francis-

con. No fundo do corredor, o vestiário. Mas é descendo as escadas

que se revela a casa de quatro andares com escritórios para os po-

liciais que trabalham internamente no batalhão, um refeitório, co-

zinha e até um consultório de dentista. Na garagem, uma ou outra

viatura, assim como na rua, estacionadas em frente à casinha.

Uma delas está quebrada. O major, que costuma pegar ser-

viço às 9h30, chegou atrasado ao batalhão porque teve que re-

solver esse pepino. Ir até a viatura, trazê-la com mecânicos. Os

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183

mecânicos também são policiais, têm um macacão cinza da PM.

Inclusive, segundo uma nova regra de contagem de efetivo esta-

belecida pelo governo em 2013, os mecânicos são considerados

policias de rua, de policiamento.

Além deles, atendentes do 190, assessores de imprensa, guar-

das de quartel, equipes de departamento pessoal, equipes de lo-

gística etc são considerados agora parte do efetivo de policiamen-

to. Com a mudança, o número de PMs de rua passou de 61.174

em 2012 para 73.008 em 2013, e o número do pessoal adminis-

trativo diminuiu de 23.788 para 9.444.

Franciscon não teve tempo nem de trocar de roupa antes de ir

buscar a viatura quebrada. Chegou ao batalhão ainda de camiseta e

short, o uniforme da Educação Física. O major, agora mais fora de

forma, aos 48 anos, já foi um atleta –aliás triatleta, por dez anos.

Competiu pela PM na África do Sul, na Olimpíada Mundial

dos Policiais e Bombeiros. Pedalou ainda no México, nos EUA,

e nos circuitos de São Paulo, Rio e Santa Catarina. A Olimpikus

chegou a oferecer um patrocínio, mas não deu certo. Os tempos

de glória acabaram quando o joelho se arrebentou. Franciscon fez

cirurgia e parou. Agora só um exerciciozinho básico.

Quando ainda era segundo tenente, depois de ter se forma-

do, trabalhado no 17º batalhão, em Mogi das Cruzes, e no 14º, em

Osasco, o major prestou um concurso interno para instrutor de

Educação Física. Ele, então, fez o curso de Educação Física da PM,

reconhecido pelo MEC como uma graduação. Segundo o major,

é o primeiro curso de Educação Física do Brasil, criado em 1910.

Em 1992 e 1993, o major deu aulas de Educação Física no cur-

so de formação de soldados da PM, mas acabou transferido nova-

mente para Mogi, onde trabalhava à noite na Força Tática. Com

o filho mais velho, Victor, já nascido, o major pediu para voltar a

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São Paulo. A única vaga disponível na capital era de professor na

Academia do Barro Branco.

Franciscon, já tenente, trabalhou nove anos na academia.

Além de Educação Física, ensinava história da PM, defesa pes-

soal e ordem unida –marcha, movimento de tropa, disciplina.

“No Japão, as escolas civis dão ordem unida para os alunos por-

que no Japão o pessoal é bem disciplinado. Não é uma coisa pro-

priamente militar, é uma coisa disciplinar. Para trazer disciplina

para um conjunto de pessoas”, explica. Ele chefiava ainda a seção

de Educação Física e Esporte da academia, além de ser técnico

das equipes de judô, natação e atletismo.

Pois estava lá a viatura quebrada e o major precisava se deslocar

para ver um galpão para alugar. A sede da Força Tática do batalhão

vai ter que deixar o local onde hoje está bem instalada e é função

do major encontrar um outro lugar para realocá-la. O problema é

que houve uma redefinição da área de cada batalhão e, com isso, a

Força Tática, onde está hoje, acabou fora da nova área do 18º.Franciscon não tinha tampouco um motorista disponível na-

quele momento. Teve que dar um jeitinho. Foi conversar com os

mecânicos e pediu que um ficasse consertando a viatura enquan-

to o outro o levasse ao galpão na viatura dos próprios mecânicos –

um Gol acabadinho, meio sujo por dentro, com umas peças soltas...

Carro de mecânico. Um mecânico enquanto mecânico não é pau

pra toda obra, mas um mecânico militar é. Se o comandante quer

um motorista, um motorista ele vai ser. E com o macacão da PM.

Chegando ao galpão, Franciscon foi recebido pelo dono

do imóvel, um senhor velhinho com bastante dificuldades

de audição, e um homem mais jovem, que estava interme-

diando o negócio. Eram dois galpões vizinhos que, no fundo,

tinham espaço para uma salinha e um banheiro. No andar

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de cima, mais alguns cômodos. Nada que impressionasse o

major, que preferia que nada daquilo fosse necessário. Até

porque os galpões estavam sujos e danificados, certamente

precisariam de reforma.

Dali, o major foi fazer uma visita à sede da Força Tática no

Bairro do Limão –passar nas companhias periodicamente tam-

bém é função dos comandantes. Cada batalhão tem uma com-

panhia de Força Tática responsável por conter distúrbios civis

ante da chegada do Choque, reforçar o policiamento de rua e

atender ocorrências graves.

No pátio, as novas viaturas Hilux e um grupo de policiais com

uniforme preto de treinamento. Na parte de dentro, uma sala am-

pla e, no fundo, pilhas e pilhas de caixas de papelão sobre um ta-

tame. Por causa daquele material ali, a aula de judô para crianças

que acontece semanalmente teve que ser cancelada.

— Oi, comandante. Olha, chegaram aqui os novos uniformes do

batalhão, estamos separando pra cada companhia vir buscar.

Eram calças, camisetas, botas... tudo encaixotado. O novo uni-

forme da PM começou a ser usado ainda antes da Copa. É muito

parecido com o anterior, mas a camiseta passou a ser cinza escu-

ra, como a calça, e não de um tom mais claro.

À direita, entramos em um corredor quadrado, que dá acesso

às salas onde trabalham os PMs administrativos e também à sala

onde guardam material –armas de todo tipo, uma com um cano

maior que a outra.

Depois de exploradas a talvez futura e a atual instalações da

Força Tática, o major vai –no Gol com o mecânico– visitar o CIC,

Centro de Integração da Cidadania, que fica na sua área, na Estra-

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da de Taipas, no Jaraguá. Só aí temos a dimensão da área do 18º. Foi quase uma hora num trânsito levemente carregado e num sol

de quase meio-dia para finalmente poder sair da viatura já cum-

primentando os PMs na entrada do centro.

Os CICs são programas da Secretaria da Justiça e da Defesa

da Cidadania. Seis estão localizados em áreas vulneráveis da ca-

pital; há outros cinco no interior. No CIC, as pessoas têm acesso

a serviços públicos gratuitos, palestras, oficinas, orientação social

e jurídica, atividades educativas, podem emitir documentos e até

casar, no casamento civil comunitário.

A diretora daquela unidade, Edilaine Daniel, explica que

os programas são realizados em parceria com diversos ór-

gãos e, em Taipas, um deles é a PM –para o orgulho do major.

Logo na entrada, está a base da PM com praças. Vira e mexe,

estão brincando com as crianças por ali. Os próprios policiais

dão aulas de futebol e jiu jitsu para as crianças no CIC. Em

seis anos, foram 600 crianças atendidas. A importância do

trabalho está em “agir na semente”, dizem, e se gabam por-

que até filhos de traficante aparecem nas aulas. Outro pro-

grama importante é o Resgatando Marias, que presta auxí-

lio psicológico e jurídico para mulheres vítimas de violência

doméstica, inclusive oferecendo tratamento para os maridos

com problemas de drogas e álcool.

Com isso, a manhã já passou. Faz muito calor. No CIC, o am-

biente é mais agradável. Água e banheiro à disposição. Mas é pre-

ciso encarar mais uma hora de volta ao batalhão no Golzinho. O

major tem que voltar aos pepinos diários. E o mecânico-motoris-

ta-quebra-galho tem que voltar a salvar viaturas.

Numa outra manhã, anterior, o major lamentava enquanto

olhava para as fotos dos policiais que morreram em serviço, ex-

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postas na sala da escada, logo na entrada do batalhão. Os retratos

mais antigos eram de PMs mortos na década de 1980. As mortes

mais recentes eram do início dos anos 2000. “Todos nasceram de

uma mulher e são cidadãos”, dizia Franciscon.

Ali, antes de começar uma conversa sobre a sua vida de poli-

cial, achou necessário fazer um breve alerta sobre a mídia, que

“escolhe uma parte e publica como se fosse o todo”. Ele tem re-

ceio de reportagem, diz. Não precisava nem dizer. Está na cara,

no nervosismo, no tratamento excepcionalmente educado com

aqueles que podem espalhar inverdades e, principalmente, na

tentativa de expor todos os bons programas de polícia comunitá-

ria realizados no batalhão. Dentro da sua cordialidade, deixa cla-

ro que aquela entrevista é uma exceção, concedida tão somen-

te porque havia também um laço pessoal –para uma jornalista

amiga da namorada do seu filho.

Sentado em sua mesa em “L”, em uma sala espaçosa, com até

um sofá e uma mesinha dispondo livros sobre a polícia e sobre re-

ligião, Franciscon aprofunda suas críticas à mídia, que responsabi-

liza pela construção da imagem de uma polícia violenta e corrupta.

“Os construtores de opinião pública e a mídia colocam o po-

licial militar como corrupto. Então, o jovem, que não conhece

o policial, pensa ‘ah esse cara aí não merece crédito’. É um pro-

cesso de desconstrução de valores da nossa sociedade. [...] Se for

conveniente, a pessoa vai filmar aquilo que ela quer passar. Para

tender para onde ela quer.”

“Mídia, intelectuais, personalidades, artistas e área acadêmica

investem muito nessa mensagem de que a PM é filhote da dita-

dura. Eu entrei em 1984! Não vi nada disso, pô! Eu não faço isso!

Vê o meu currículo. O que eu fiz na minha atividade? Policiamen-

to de área, ambiental, professor de Educação Física. Quem é do

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188

Choque está no Choque. Mas o efetivo do Choque dá 2% da polí-

cia. Eu não me vejo como filhote da ditadura não.”

Sobre as agressões a jornalistas durante manifestações, o

major desconfia: será que eram jornalistas mesmo ou black blo-

cks se passando por jornalistas para filmar o que interessa? Es-

ses jornalistas agredidos fizeram exame de corpo delito? E tem

mais: o jornalista que cobre manifestação deve saber que, se

está na chuva, é pra se molhar.

“A tropa de choque vai partir com tonfa pra poder lutar com

o grupo que está depredando e o repórter entra exatamente no

meio disso... É como entrar na chuva e achar que um pingo não

vai cair em você. Se, em qualquer guerra, repórteres morrem por-

que vão querer filmar a linha de frente... É uma grande oportu-

nidade para o jornalista filmar e espalhar para prejudicar quem

quer que seja e vender reportagem. Essa é a única finalidade. No

sentido de vingança ou oportunismo. Mas não há compreensão.

O repórter não vai querer compreender o lado da polícia.”

E qual é o lado da polícia?

“O lado da polícia é proteger o governo e a sociedade. A gente

age tanto em ação de cão bravo na via, como com um demente,

um idoso na rua, que caiu ou teve um mal súbito. A mesma via-

tura que está atendendo isso, de repente, é chamada para desobs-

truir uma via que está interrompida por manifestantes xingando

e tacando pedra. Quem é capaz de fazer tudo isso?”

Com a conversa fluindo, porém, o major fica mais à von-

tade. Sem deixar de escolher cuidadosamente as palavras, me-

dindo cada frase, se esforçando para ser o mais claro possível

–falando devagar e pausadamente. Franciscon tem a pele bem

branquinha e um cabelo cinza claro. Os olhos verdes peque-

nininhos estão sempre apertadinhos, principalmente quando

Page 190: Prazer, PM

189

sorri. E sorri bastante. Com um nariz de batata, parece um pa-

pai noel. Se vestisse toda a fantasia, ficaria quase igual ao bom

velhinho apesar de, justiça seja feita, Franciscon não estar na

terceira idade e nem aparentar isso.

Acaba cancelando todos os seus compromissos por causa da

entrevista. Teria uma reunião com o pessoal da Ronda Escolar,

mas a hora passa e o assunto não acaba. “Você se importa se a

gente seguir?” Vai remarcando tudo para o dia seguinte. É bre-

ve com a mulher ao telefone: “Estou com uma jornalista, ela

está gravando.” Mas, quando dá 12h, encerramos. O major tem

que pegar a filha na escola.

Sua filha mais nova tem 11 anos. É a filha do segundo casa-

mento. A primeira mulher, Franciscon conheceu quando ainda

estudava na Academia do Barro Branco. Casaram-se em 1990 e o

filho, Victor, nasceu em 1991. Moravam na zona norte, a não ser

no ano em que foi transferido para Mogi. Em 1995, se separaram,

e o major se mudou para Pirituba, onde mora até hoje. O segun-

do casamento veio em 2000.

A primeira mulher é médica da PM e, como todo médico da

PM, é uma civil, que passou em um concurso e foi empossada

como segundo tenente. Os médicos, então, fazem quatro meses

de curso na academia e sobem à primeiro tenente. Depois de se-

parados, Franciscon chegou a dar aula para a ex-mulher no Barro

Branco, antes que ela assumisse um cargo no hospital militar.

Numa família de classe média, o major viveu a infância em

Pirituba. Aos 13, ajudava o pai no comércio, mas tinha o incentivo

para que seguisse outra profissão. Os pais pagaram cursinho para

que ele conseguisse ser aprovado no Barro Branco.

Naquela manhã, Franciscon também chegara meio esbafori-

do ao batalhão. Estava atrasado para a entrevista porque o tenen-

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190

te-coronel lhe enviou a um evento em seu lugar na última hora.

Fora entregar umas três medalhas de reconhecimento a policiais

do 18º na reunião mensal da tropa.

O major, por sua vez, recebeu duas medalhas em sua carrei-

ra. Quando ainda era tenente, a polícia recebeu uma denúncia de

que presos planejavam explodir parte de um presídio e fugir. Mas

ao explodirem a determinada cela, iriam causar a morte de outros

presos ali dentro. A denúncia veio justamente da mulher de um

detento que não queria ficar viúva. Ela avisou que a dinamite já

havia sido roubada. À paisana, Franciscon e outros policiais en-

traram em um barraco com 50 kg de dinamite e 15 pessoas “to-

mando cerveja e comemorando o que iam fazer no dia seguinte.”

Depois, a equipe fardada entrou e acabou com a festa. “Evitei a

morte de um monte de gente, embora fosse um monte de bandi-

do, mas do mesmo jeito que ia morrer, também ia fugir.”

A segunda medalha veio com uma ocorrência do carnaval de

1990. Um homem ligou para a polícia dizendo que, ao sair de um

baile com a namorada, em Osasco, foi abordado por quatro ho-

mens em um fusquinha. Roubaram seu relógio, carteira, o agre-

diram e saíram levando junto a namorada. O Copom passou a

ocorrência na rede: todos atrás de um fusquinha azul. Eram 23h.

“Quantos carros azuis tinham naquela época em Osasco no car-

naval? Um monte de carro. Aí o pessoal falava: poxa, é impossí-

vel. E eu no rádio falando ‘atenção, efetivo, não vamos cessar, va-

mos fazer as buscas em todos os carros azuis, não desanima’. Em

15 minutos, eu andando num local ermo, vi um fusquinha bem

devargazinho, quando ele viu a gente, ele apagou as luzes. Aí nós

abordamos. Eram eles. A mulher estava lá. Prendemos os quatro.

Eles estavam com revólver e faca. Não chegaram a abusar da mu-

lher, mas iam fazer isso. E aí salvamos”, conta orgulhoso.

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191

As ocorrências mal sucedidas, contudo, marcam mais ou

tanto quanto as heroicas. Era noite e um senhor chorava sen-

tado na calçada. Havia sido assaltado, mas pegou o crachá de

trabalho do ladrão. A polícia localizou o endereço da pessoa e

a prendeu. Tempos depois, o major fica sabendo que o ladrão

voltou e matou o senhor. Em outra ocasião, a mesma situação:

um idoso chorava na calçada.

— Eu moro na favela, mas entraram dois rapazes lá e me expul-

saram do barraco.

— Onde que é? Só mostra onde é o barraco, mas o senhor fica longe.

Os policiais entraram no barraco e lá estavam dois homens ar-

mados e com as respectivas namoradas. Dessa vez, foram presos

e tudo acabou bem.

O major orgulha-se de nunca na carreira ter precisado atirar

(só tiro pra cima para espantar suspeitos que haviam entrado no

mato). “Nunca matei ninguém”, diz.

Franciscon escolheu a carreira militar porque brincava de sol-

dado desde criança. “Meus brinquedos eram forte apache, tanque

de guerra. Com essa brincadeira, eu me realizava e hoje eu falo

que brinco no meu trabalho. Pra mim, é uma realização, é um

prazer. Não sinto nada que possa me desmotivar. Continuo me

divertindo, mas levando a sério, claro.”

A PM, porém, é muito diferente do Exército, que era onde

queria ser cadete, na verdade. “Eu achava que a polícia era des-

prezada, né? Ainda é. Mas, na época, eu rejeitava a polícia.” Ele

chegou a passar na Marinha, mas tendo sido aprovado no Bar-

ro Branco em segundo lugar, aos 17 anos, resolveu ser polícia

mesmo. O curso de oficial na PM durou cinco anos, de 1984 a

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192

1988. Foi um tempo de aprendizado sobre direito, administra-

ção pública, filosofia, sociologia. “Não aprendi nada de guerra.

só vi canhão em exposição.”

O militarismo da PM, para o major, é uma questão de estética,

eficiência, organização e disciplina. E é difícil explicar a natureza

híbrida, civil e militar, da polícia. “O PM é um catalisador de pesso-

as que colaboram tanto de outros órgãos públicos como da socie-

dade. Por isso, por estar envolvido diretamente com políticas públi-

cas, é uma atividade civil. Ele tem que ser civil. Por outro lado, para

sua administração, para facilitar o comando, o controle, preservar

os valores institucionais e facilitar o relacionamento entre superior

e comandados, a natureza militar reveste de mais autoridade a es-

trutura. Para manter a corporação menos vulnerável à tensão do

dia a dia que acaba levando a essa cultura de corrupção.”

“Nos Estados Unidos, as pessoas respeitam os vizinhos, o pro-

fessor, o juiz. As casas têm bandeira na porta, eles cultuam isso.

Claro que eles têm uma visão belicista, produzem pela mídia seus

heróis. Mas ali não precisa de um regime forte para o policial fazer

o papel dele. Porque ele já aprendeu a fazer o papel dele na famí-

lia, na escola, na comunidade. Não precisa de um regime militar

porque ele já foi regrado. Agora o brasileiro é meio assim... larga-

do. Então se você ganhar um poder e não tiver um regramento for-

te, aquele que tem o poder vai abusar porque é costume.”

O Tribunal Militar, por exemplo, é uma ferramenta de disci-

plina. O policial que comete um crime ou que simplesmente se

recusa a obedecer seu comandante pode ser preso e será julgado.

Além disso, o major aponta uma simbologia no militarismo que

ajuda no psicológico do militar: um recrutinha que vê um coronel

no fim de carreira e o toma como exemplo. As medalhas e o pa-

triotismo também estão no simbólico do militarismo.

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193

“A gente não fala hoje patriotismo porque está tão... O pessoal

deixou tão de lado. Mas o civismo. O bem comum da sociedade.

Você verifica que o pessoal só canta hino nacional quando tem

jogo da seleção brasileira. Ou então nos quartéis. Então [o mili-

tarismo] acaba sendo uma reserva cultural do civismo do país.”

Quando foi promovido a capitão, Franciscon foi trabalhar na

polícia ambiental, que age em todo o Estado de São Paulo. Como

vinha de uma área de ensino, após anos no Barro Branco, o coro-

nel o designou para chefiar o treinamento da polícia ambiental.

Foram nove cursos realizados em três anos –de identificação de

madeira em parceria com o IPT, de manejo e contenção de ani-

mais com veterinários e zoológicos, de monitoramento georefe-

renciado, de policiamento de rua em torno do zoológico.

Apesar do bom trabalho, Franciscon acabou sendo transferido

de posto e foi comandar uma companhia do 49º batalhão em Pi-

rituba em 2006. O major se preocupava na época –e em toda sua

carreira– em aproximar polícia, órgãos públicos e sociedade para

tornar as ações de prevenção mais eficazes dentro de um contexto

de polícia comunitária.

“A polícia militar é uma polícia de serviços humanos. Realiza

serviço de ajuda. Se uma pessoa precisa de informação, chama o

policial. Precisa ser socorrida pro pronto-socorro, viatura leva. Par-

turiente? Viatura. Cão bravo na rua, chama o policial. Então não é só

crime, são serviços de ajuda humana. O que são serviços de ajuda

humana? Tudo. A pessoa precisa, tá lá. Não dá pra falar ‘não vou.’”

O principal problema identificado pelo major na companhia

era o fato de, todos os dias, das 19h às 23h, quase todas as via-

turas estarem empenhadas nas ocorrências chamadas de desin-

teligência, basicamente, brigas de família. O problema dessas

ocorrências é justamente o potencial para que dali surja um ho-

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194

micídio. A Secretaria de Segurança Pública analisou homicídios

dolosos registrados em Boletins de Ocorrência entre janeiro e

abril de 2014 e, em 12,5% dos casos, as vítimas foram mortas

por causa de conflitos entre familiares e casais. Os mesmos nú-

meros mostram que, a cada dois dias, três pessoas são mortas

no Estado de São Paulo em brigas de família.

“Eu vi que essas famílias precisavam de auxílio e orientação

porque estavam em processo de desagregação familiar, por falta

de formação ou recursos. A gente sente a carência de uma assis-

tência social que tinha umas décadas anteriores, mas hoje não

tem no Brasil. O governo não investe muito nisso.”

O major então buscou suprir essa falta do Estado com orga-

nismos sociais (associações, igrejas, psicólogos e voluntários) que

passaram a visitar as famílias com ocorrências. Ele pegava os Bo-

letins de Ocorrência e ligava:

— Oi, Fulana, a senhora recebeu a visita da polícia tal dia?

— Foi...

— E como que está a situação agora?

— Tá tudo bem, é que aquele dia meu marido estava de cabeça

cheia.

— E vocês estão precisando de algum apoio? Orientação?

— Ah, a gente precisa muito.

— Posso fazer um contato com um agente comunitário pra visi-

tar vocês?

— Pode.

Em quatro meses, as ocorrências de desinteligência foram

praticamente zeradas e as viaturas não ficaram mais empenha-

das nisso. Segundo o major, os policiais levam em média de 40

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195

minutos a três horas para resolver uma ocorrência de marido e

mulher. Isso em média. Ele conta de uma briga de filhos de vizi-

nhos que envolveu 17 pessoas e levou 11 horas. Com as viaturas

livres, as ocorrências “normais” caíram em 23%.

Pela iniciativa, o major respondeu a nove denúncias feitas por ou-

tros policiais à Corregedoria da PM. “A gente enfrenta isso quando lida

com pessoas, não consegue agradar todo mundo. Alguns policiais não

concordaram, diziam que eu estava passando ocorrência pra minha

igreja. Mas a minha igreja era em Guarulhos e eu morava em Pirituba.

O que eu tinha era um contato com várias igrejas e associações.”

Nessa época, Franciscon foi chamado para fazer o mestrado na

polícia, no Centro de Altos Estudos de Segurança (Caes), algo neces-

sário para alcançar o posto de major. Embora não seja reconhecido

pela Capes, é um mestrado profissional e tem um ano de duração.

O major fez dessa prática desenvolvida na companhia, batizada de

“Paz na Família”, a sua tese na área de Ciências Policiais e de Segu-

rança e Ordem Pública. Seu orientador foi o comandante do bata-

lhão que, na época da apresentação, era o subcomandante da PM em

São Paulo. “Na véspera da formatura, veio a última denúncia. Dei a

cópia da minha tese, e o subcomandante encaminhou para o secre-

tário de segurança. E nunca mais veio nada. Aí resolveu.”

Em 2012, já no posto de major, foi comandar o 18º, na Fregue-

sia do Ó, e ainda naquele ano, participou de uma mega operação

envolvendo cinco batalhões na serra da Cantareira, uma área de

encosta invadida, com muitas favelas, que vai desde o Jaraguá até

a rodovia Fernão Dias. Em Jaraguá e Taipas havia um índice alto

de 17 a 21 procurados da Justiça presos por mês. Detidos não em

ocorrências, mas em abordagens.

As abordagens policiais são, aliás, um dos pontos de ques-

tionamento sobre a ação da polícia. Segundo uma pesquisa di-

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196

vulgada neste ano pela Ufscar, que analisou 734 processos da

Ouvidoria, de 2009 a 2011, a cada 100 mil habitantes, houve

35 negros presos contra 14 brancos, sendo que 30% da popu-

lação do Estado é negra. A tese argumenta que o racismo está,

portanto, institucionalizado na PM.

Franciscon diz que a abordagem é muito importante para re-

tirar drogas e armas, e pegar gente que está com mau propósito

para cometer o crime. “O policial está no policiamento: aquela

pessoa lá tem um jeito suspeito, vamos abordar? O cara não esta-

va fazendo nada, não tinha nada, respeitava o policial e, quando

ia ver o RG, procurado pela Justiça.”

Essa definição de jeito suspeito é que é, digamos, suspeita,

mas o major tenta explicar. “A pessoa pode ter roupa de mendigo

ou a roupa de uma pessoa chique, você não sabe, mas pode ser

um ladrão. Tem pessoa que tem rosto de médico e professor, mas

é bandido. Mas sempre tem um perfil. A maior parte dos presos

são adolescentes e jovens, entre 16 e 23 anos, homens. Cor? Hoje

não tem tanto. Hoje não tem status, rico está roubando, pobre

está roubando, porque é uma moda, é o desafio do jovem adoles-

cente de mostrar que é homem. Desafiar a autoridade e roubar.”

O major argumenta que a ação de abordagem é preventiva e qua-

lificada, ou seja, direcionada para tornar a ação eficaz. A definição do

alvo vem com pela vivência ou feeling do policial, pelo planejamento

do comando, que rastreia locais com mais incidência, e também atra-

vés de descrições de vítimas. “As abordagens recebem críticas porque

a mídia traz que a sociedade fala que a polícia está sendo autoritária

ou arbitrária fazendo a busca pessoal. O código do processo penal dá

esse poder. E é importante fazer isso para agir com prevenção.”

Voltando à ação na Cantareira, os batalhões 26º, em Mairi-

porã, o 49º, no Jaraguá, o 5º e o 9º, na zona leste, ficaram res-

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197

ponsáveis por cercar a área, enquanto o 18º atuaria lá dentro.

A operação foi planejada com o coordenador operacional da

PM e a Secretaria de Segurança Pública. Participaram a Rota,

o Coe, a polícia ambiental e a polícia de trânsito –um total de

280 policiais. Dois meses antes, a PM se preparou com fotos,

mapas, Google Earth, sobrevoos na região com helicópteros,

maquete. Eram 81 pastas com informação para 81 equipes de

prevenção qualificada.

Parte da polícia entrou no local antes, às 4h, e a operação co-

meçou de fato às 6h. Em quatro horas, foram 17 presos, dinhei-

ro e armas apreendidos, três mil pés de maconha e três antenas

clandestinas encontrados, motos e veículos roubados recupera-

dos, uma vítima de sequestro liberada.

Quando a operação terminou, um grupo do Coe ainda ficou

escondido na serra. Quando os suspeitos retomaram suas posi-

ções, onde terminava a ocupação do solo e começava a vegetação,

os policiais chegaram pelo mato, surpreendendo a todos.

Lidar com a favela que cresceu ocupando a serra não é nada fá-

cil. Mas o que tira o sono do major mesmo são os bailes funk. São

um pesadelo. São o sinal de que a sociedade caminha para o abismo.

“Está havendo uma desconstrução de valores sociais. Está

havendo questionamento de quem tradicionalmente tinha au-

toridade. E estão recebendo reconhecimento aqueles que não

deviam. Por exemplo, um cara que promove um baile funk, ele

é um herói, um líder. O PCC, que faz o tráfico e promove festa

de baile funk, é o bambambã.”

Franciscon explica que o fenômeno baile funk acabou di-

minuindo as biqueiras nas favelas porque é mais fácil vender

tudo nos bailes, frequentados por jovens de várias camadas so-

ciais e regiões da cidade.

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198

Como não poderia deixar de ser, em sua carreira, o major teve

um grande episódio de combate ao baile funk. Foi também no 18º, na

Freguesia do Ó, em 2013. Restaurantes tradicionais próximos à praça

da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, frequentadores da missa,

feirinha de artesanato, crianças, todos no bairro tranquilo tiveram a

rotina alterada quando o funk dominou as ruas entorno da igreja.

O major conta que um político conseguiu (mesmo sem al-

vará da Prefeitura) abrir oito bares para oito cabos eleitorais

em uma rua ali perto. Os bares fechavam a rua com mesas,

vendiam bebida alcoólica barata para menores, e o funk rolava

solto. Vinham dois mil jovens, inclusive das zonas sul e norte,

para o baile funk que acontecia sexta, sábado, domingo e até

quinta-feira à tarde. E sobrou pra PM resolver. Mas o major de-

cidiu que não ia segurar o problema sozinho.

“Houve um processo de omissão ao longo do tempo, dos po-

deres públicos e da sociedade. A Prefeitura não agiu quando ti-

nha que agir, a CET não atuou, a Polícia Civil, a Polícia Militar,

a Guarda Municipal, a igreja se omitiu, a associação do bairro...

Então foi assim até atingir esse status, essa condição.”

A solução foi marcar uma audiência pública no centro cultu-

ral do bairro. Franciscon chamou de porta em porta os bares, igre-

ja, moradores, restaurantes. Convidou o delegado, subprefeito,

CET, Psiu –“todos que tinham que dividir a pizza”. Numa quarta-

-feira à tarde, reuniu 81 pessoas. “Expusemos o problema e as

autoridades puderam falar sobre o que estavam fazendo pra re-

solver. Na verdade, não estavam fazendo nada, mas deram aquele

sambarilove.” Outra reunião foi marcada para que as os órgãos

públicos apresentassem o que haviam prometido.

A ideia era unir todos os responsáveis públicos e a sociedade

para resolução do problema. “Eu fiz a reunião para mostrar à opi-

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199

nião pública e não recair só nas minhas costas. Chamei os jornais

de bairro para retratarem e um fato curioso foi que um desses ór-

gãos públicos não veio. O jornal destacou essa ausência. Aí na reu-

nião seguinte o cara veio, então funcionou.”

Com todos os órgãos atuantes, o bairro venceu o baile

funk. E Franciscon ganhou o prêmio Mário Covas, que ho-

menageia boas iniciativas desenvolvidas por servidores e fun-

cionários públicos em São Paulo.

Outra questão que marcou esse período no 18º foi uma área

de preservação em Taipas, com um manancial, que estava cerca-

da de favelas. O major conta que pessoas com intenção eleitorei-

ra estavam influenciando os sem teto a invadir a área. Em troca,

teriam assessoria de um advogado, mas precisariam assistir às

reuniões partidárias do tal partido. Quando o major foi procurar

o dono do terreno, descobriu que ele também estava no esquema:

iria doar o lote em troca de dinheiro.

“No final, o que ia acontecer? Aquelas famílias, que iam inva-

dir e multiplicar, talvez iam trazer famílias de outras áreas: zona

sul e zona leste. Aumentaria mais a ocupação do solo, ia degradar

a área ambiental, ia aumentar a quantidade de violência e crime.

Ia aumentar esgoto, ia aumentar demanda de tudo.”

A Polícia Militar então retirou as poucas famílias que já lotea-

vam o espaço. “Documentamos tudo, tudo com educação, agindo

sempre com a lei.” O major enviou o caso para a Prefeitura e para

a Promotoria, que ordenou segurança ali 24h para evitar a invasão.

Depois do sucesso contra o baile funk, Franciscon foi transfe-

rido. Foi ser chefe do planejamento operacional do comando da

zona norte e foi chamado para fazer seu doutorado na PM, o que

abre as portas para a ascensão a coronel. Com a tese concluída,

o major só espera o dia da promoção e, até que se torne coronel

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Franciscon, voltou a trabalhar no 18º. Detalhe: a tal área ambien-

tal de Taipas foi invadida nesse meio tempo.

Foi só mais um pingo de decepção na carreira policial –cheia

de dificuldades. A maior desilusão de Franciscon é justamente a

sociedade brasileira. “Porque ela não respeita a autoridade e não

respeita as leis. O brasileiro viaja para os Estados Unidos e respei-

ta as leis lá. Até para ser chique e educado. Mas quando ele des-

ce no Brasil, continua fazendo as coisas igual ao favelado que ele

critica. Isso vai desde o pobre até o que tem formação. Ser polícia

no Brasil não é fácil que nem nos EUA ou na França, onde as pes-

soas respeitam a lei e a autoridade.”

Mas, se brasileiro não gosta da polícia, vai ter que engolir mes-

mo assim. O major diz que não há governo sem polícia porque

onde há lei, haverá gente disposta a descumpri-la. O major recla-

ma, por exemplo, da falta de respeito com os pais, professores e

até com o guardinha da CET. “Quando chega a Ronda Escolar,

tem aluno que fala assim: ‘manda aquela viatura grande que essa

pequena já não dá mais pra nós’. Falta o conteúdo de valores que

vem da família, e o policial acaba agindo como inspetor de aluno.”

No Brasil, o tal do “você pensa que é quem” reina. E contra

isso, o major rebate com um pensamento conservador que reina

igualmente, a tal da “inversão de valores”.

“Essa troca de valores é um processo que eu noto há uns

dez anos. Quando eu entrei na PM, em 1984, já era o processo

de abertura política, a polícia já estava querendo não ser vista

mais como autoritária, estava buscando uma forma de apare-

cer junto a sociedade, mas ainda tinha a rivalidade ideológi-

ca de quem era capitalista e quem era comunista. O governo

militar do lado capitalista, os intelectuais, políticos e artistas

dormiram pro lado da URSS, que era comunismo. A questão

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ideológica era sempre presente. Mas quando eu entrei, adoles-

cente, 17 anos, aprendendo as coisas, a policia me passou coi-

sas boas, eram professores bons, eram pessoas boas, cidadãos,

assim como eu fui professor na academia também. Aqueles

pacotes que vêm prontos dos formadores de opinião para a so-

ciedade são muito perigosos. E hoje a gente vê isso continuan-

do de novo. Hoje você não tem os pólos de comunismo e capi-

talismo. Há bandeiras ideológicas fragmentando a opinião das

pessoas. Ora a pessoa é a favor disso, ora é a favor daquilo, ora

ela se radicaliza pra uma situação, ora ela tolera outra. Bandei-

ras da descriminalização das drogas, penas alternativas, ques-

tionamento da autoridade.”

É dentro desse molde conservador de pensamento que o

major analisa os protestos de junho de 2013. Para ele, não

houve excesso da polícia nas manifestações porque não se tra-

tavam propriamente de manifestações, mas de uma ação cri-

minosa dos black blocks.

“Eles não foram fazer só manifestação. Pra quem foi fazer a

manifestação e não era black block, a polícia foi dar segurança. A

ideologia dos black block é de guerra social. Pelo menos, é o que

eu vi eles mesmos postando na rede social. Então, eles têm uma

tática de ação, eles distribuem cartilha sobre como agir, eles pa-

gam adolescentes para atuar. É um sistema tático de atuação. Eles

se misturam com aqueles cidadãos que estão indo para se mani-

festar, mas não estão no mesmo espírito de manifestação civil.

Eles estão no outro espírito e acabam causando o dano ao patri-

mônio e às vidas. Então, a polícia tem que agir.”

Alegando que a medida limitaria a manifestação àqueles

com espírito de protesto civil, o Estado de São Paulo aprovou

em julho deste ano uma lei proibindo o uso de máscaras e o por-

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202

te de “objetos pontiagudos, tacos, bastões, pedras, armamentos

que contenham artefatos explosivos e outros que possam lesio-

nar pessoas e danificar patrimônio público ou particular.”

Franciscon diz que os movimentos sociais são manipulados

segundo interesses eleitoreiros e de partidos. As pessoas nunca

estão na rua somente pela causa que defendem. “Isso eu apren-

di na vivência com o que eu observei. Eles pegam os humildes

e usam a necessidade deles para fazer um movimento social de

fachada para se autopromoverem como líderes sociais naquele

meio. Dá vontade de... É triste isso viu!”

Da mesma forma, os black blocks, com sua ideologia importa-

da da Europa por “quem tem dinheiro”, se aproveitaram do senti-

mento anti-Copa para ganhar o movimento. A polícia identificou

as táticas black blocks com base em estudo e análises e, embora

não negue que falta comprovação, o major afirma: “muitos jovens

deixaram de ser telemarketing e office boy pra ir pro black block.

Ganham uma cartilha de tática de ação no movimento social. Por

exemplo, cuspir na cara do polícia. ‘Ó, aquele policial ali é grande,

vai dar visibilidade. Deixa o cara nervoso, cospe, joga pedra, que

quando ele vier, ele vai bater em você, mas a gente vai filmar. Va-

mos com roupa normal e vamos falar que somos freelancer pra

depois vender pra um jornal.’”

O policial tem que estar preparado para essa tática da pro-

vocação e não responder. Cabe ao oficial, punir e retirar da ope-

ração aqueles que respondem, segundo o major. “Tem que ficar

lá ouvindo, e entrar por um ouvido e sair pelo outro. Depois de

um tempo, isso fica automático. Porque você já sabe as regras

do jogo. O repertório é sempre o mesmo. Fala que é corrupto,

que é da ditadura, da repressão, xingamentos chulos também.

Não tem muita criatividade não”.

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203

Franciscon diz que os black blocks têm origem no bloco das tre-

vas, algo que surgiu com o punk depois da Segunda Guerra Mun-

dial, já nos anos 60, quando o jovem estava louco, sem esperanças

por causa das bombas atômicas. “Raspava o cabelo, numa forma de

mostrar a revolta, e pintava o olho de preto. Aí vem o dark e mais

toda aquela sequência de modismo, de comportamento jovem.”

Para o major, não há falta de preparo para lidar com a manifes-

tação. “Tem que ter uma preparação contínua. A polícia se preocupa

muito em estar preparando. Prepara a parte psicológica, a parte in-

telectual, a parte física. As pessoas não têm conhecimento do nosso

preparo. Mas é um risco de um piloto de avião. Se der uma pane, o

avião cai e todo mundo morre. O erro dele é fatal. Um cirurgião, se

errar, o erro dele é fatal. O policial, o erro dele pode ser fatal. O pilo-

to e o médico tiveram um bom preparo. Pra ser um policial, exige-

-se um bom preparo, mas é estar lidando com fatalidade.”

O problema é que a dificuldade do policial no Brasil não é só

essa inversão de valores da sociedade. Franciscon diz que é tam-

bém a falta de reconhecimento do Estado, o que se reflete nos sa-

lários dos PMs. “Na visão global abaixo da linha do Equador, quais

cidades arrecadam como São Paulo? Cingapura? Nova Déli? A ci-

dade tem esse potencial todo e como pode termos a quinta polícia

mais mal paga do país. Tinha que ser a primeira mais bem paga do

país e de outros países do sul.”

Soma-se a isso a decepção do major com os “companheiros

que não correspondem”, largamente chamados de “maus poli-

ciais”. Como em toda profissão há resiliência, diz o major, a boa

formação e o caráter militar servem para evitar a má conduta –“e

mesmo assim acontecem essas situações”.

Franciscon conta que já prendeu policiais, mas já deixou de

prender também, quando faltava evidência. Diz que não prende

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204

injustamente um pai de família só por pressão de jornais. Ele só

prende no ato se constatar que realmente houve dolo, a intenção

de matar, ou quando houve corrupção.

“Uma vez eu prendi um policial que desceu da viatura, dispa-

rou a arma acidentalmente e matou uma pessoa. Ele não queria

matar a pessoa, mas esse eu tive que prender porque ele matou

um cidadão. Acabou sendo solto porque se provou que a arma

dele tinha problema. Há dez anos, eu mandei embora um cabo

que roubou linguiça. Tinha um salário baixo, faltou dinheiro para

comprar a mistura, e ele roubou para levar para a família. Foi

furto famélico. Mas quem era essa pessoa? Era um metalúrgico,

um desempregado? Era um policial. Aí muda de figura. Ele tem

um dever. A família estar passando fome não justifica. Já tinha 25

anos de carreira, foi mandado embora e preso.”

“Quem está pondo esta farda saiu da sociedade que a gente

lida. Não tem diferença nenhuma. É a mesma pessoa. Ela só recebe

o preparo técnico profissional e a doutrina de polícia para estar tra-

balhando. A polícia é um dos órgãos públicos do Estado que mais

investem recursos financeiros em treinamento de pessoal. A Jus-

tiça Militar não é uma justiça especial, privilegiada. É eficaz. Julga

apenas 120 mil pessoas (PMs na ativa e mais a reserva). O processo

é rápido e o cara vai pra rua. A Corregedoria da PM também é mui-

to forte e atuante.” Se a educação e a punição não conseguem zerar

os casos de abuso policial, é claro que Franciscon não atribui isso

à corporação, isolando os crimes cometidos por homens fardados.

“No poder público do Brasil, tem muito abuso de poder. A

região do Amazonas é uma terra sem lei. Aqui em São Paulo é

ótimo. Nossa polícia não comete abuso de poder. Há ocorrên-

cias de abuso de poder individual, de algum policial que não

conseguiu cumprir a lei, mas a instituição preza por manter o

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205

cumprimento da lei. A pessoa representa toda a sua instituição,

mas não é a instituição. Ela é membro. A instituição busca mi-

nimizar sempre o acontecimento desses fatos. Mas o ser huma-

no é um ser imperfeito. Esse tipo de trabalho que eu fiz [no 18º batalhão] nada mais foi do que convidar e estimular os outros

órgãos públicos a não abusar da lei, mas a cumprir a lei.”

Nas suas teorias sobre criminalidade, ele diz que há um compo-

nente, social, claro, mas que quem pratica o crime não é só aque-

le que não teve oportunidade. “Essa resposta não é a resposta pra

tudo.” O major diz que também depende dos valores de cada pes-

soa, já que um mesmo pai pode criar dois filhos: um se torna advo-

gado, outro se torna criminoso. Mesmo pra quem tem condições de

ser alguém na vida, às vezes o crime tem melhor custo-benefício.

Além disso, o ambiente também pode ser um detonador de

crimes. Adepto da teoria das janelas quebradas, o major diz que

“um ambiente que não tem um cuidado, não tem o zelo da coleti-

vidade, vai induzir aquela coletividade a reproduzir isso, influen-

ciando o comportamento das pessoas. Uma área que está impac-

tada pode irradiar e aumentar a quantidade de ocorrências.”

Sempre na defesa do cumprimento da lei, Franciscon acha

que o discurso de “bandido bom é bandido morto” está “por fora”.

Ele não cultua isso. E não compactua também com punição co-

letiva da sociedade. Bandido amarrado no poste “é uma cultura

totalmente primitiva, é falta de regramento social”. Mas também

prova que tanto a ação como a omissão da polícia influenciam a

sociedade. “Se ela atuar bem, está influenciando bem. Se atuar

mal, ela está influenciando mal. Por isso, é um setor muito im-

portante que todos têm que valorizar, compreender, prezar pra

que seja bem aperfeiçoada ao longo do tempo.”

*

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206

“Esses bandidos ainda devem estar vivos. Fazer o quê? A lei

do Brasil é assim: falha. Mas eu não organizei esquadrão da mor-

te, não mandei sair matando bandido por aí. Continuei normal.

Não precisei de psicólogo. O que me ajudou muito foi a fé, sou

evangélico. Me senti impotente como qualquer outro cidadão. Se

aconteceu isso comigo, o comandante de policiamento de Pirituba

na época, todos estão correndo o risco. Aí falam pra mim, que tive

meu pai morto, que eles viraram bandidos porque a sociedade e o

governo não deram oportunidade. Não tiveram oportunidade, né?

Mas foram lá e mataram meu pai. Isso é um discurso muito super-

ficial. Cada vida é um detalhe.”

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209

A mãe

Ah, você quer brigar? Vamos brincar de tiro então.

Vamos fazer um faroeste aí no meio da rua.

Adriana, soldado

Adriana diz que é sua intuição que a leva ao lugar certo na

hora certa.

“Marta, preciso fazer uma ligação.” Na época, não havia celu-

lar. A viatura encostou perto de um orelhão (ainda do tipo casinha

de concreto) em uma rua próxima à Augusta.

“Quando eu chego no orelhão, tem uma criancinha. Re-

cém-nascida, toda embrulhadinha, tinha acabado de sair da

maternidade”, conta.

Adriana nem fez a ligação.

— Marta, olha isso aqui!

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210

— Adriana, de quem é?

— Eu achei.

— Achou onde?

— Dentro do orelhão.

As roupas cor-de-rosa indicavam de qual maternidade vinha

o bebê. Acostumada a patrulhar a área da Paulista, Adriana já

tinha visto mulheres de rua dar à luz ali e ganharem a mesma

roupinha rosa para os filhos.

A soldado então acionou o Copom e o seu comandante –uma

comandante, no caso. Antes da unificação do policiamento femi-

nino e masculino, Adriana fazia parte da polícia feminina, com

um efetivo separado e com batalhões próprios (quatro na cidade),

que não cobriam uma área tão pré-determinada como os bata-

lhões regulares. Elas cuidavam de ocorrências mais leves, como

ajuda a gestantes, primeiros-socorros e casos de família. Quando,

por acaso, pegavam ocorrências mais sérias, eram orientadas a

esperar mais apoio e não tomar a dianteira do caso.

Ao levarem o bebê à maternidade, conseguiram o nome de

duas suspeitas que tinham parido há pouco. De lá, para delega-

cia. Enquanto o Boletim de Ocorrência era feito, Adriana, que fi-

cara com a criança –desde a manhã até cerca de 21h–, tinha que

levá-la de tempos em tempos ao hospital para ser amamentada.

Choviam repórteres na delegacia.

O delegado localizou uma moça, foram até a casa dela e... era

ela mesmo. O irmão e a cunhada não haviam percebido que ela

estava grávida, por medo, abandonou o bebê no orelhão.

Já era madrugada quando a situação estava esclarecida e a

criança foi entregue à mãe –não sem que quase todos os persona-

gens fossem interrogados pelos repórteres.

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211

As ocorrências que ficam na memória são as que “mexem com

a gente como pessoa, mas temos que tomar atitude como policial

militar”, diz Adriana. É claro que nem sempre dá tudo certo.

“Uma que me emocionou muito e a gente teve um traba-

lho muito árduo como policial foi adentrar um prédio com dez

andares e socorrer um senhor de 300 kg que estava tendo uma

parada cardíaca”, conta.

A ocorrência caiu nas mãos da PM feminina. Adriana e sua

companheira não podiam esperar o resgate. Era preciso levá-lo ao

hospital. Mas como movê-lo?

“Ele estava no chão já. Nós fizemos respiração boca a boca.

Enquanto uma fazia isso, a outra fazia massagem. Na época não

tinha luva, não tinha nada. A gente pegou um saco plástico, fez

um buraco no saco plástico e colocamos na boca dele. Com muito

sacrifício, conseguimos colocar um cobertor debaixo dele e arras-

tamos junto com os dois zeladores do prédio. Fomos arrastando

ele até o elevador”, diz Adriana.

No térreo, o desafio era maior: colocá-lo dentro da viatura, o

que foi feito através de “muito custo, muito muito muito”.

“Saímos correndo e, infelizmente, ele chegou ao hospital

morto. Mas ele saiu vivo, ele saiu vivo do prédio. Isso foi terrível.

Mas a gente não mediu esforços pra fazer... Ele tinha 300kg.”

Em 23 anos de carreira, Adriana nunca teve ocorrência

com morte –nem de policial nem de suspeito. “Foram mui-

tas ocorrências maravilhosas.” Nenhuma em que ela tenha

tido medo de morrer –nem mesmo nos ataques do PCC, em

2006. E nem mesmo depois de perder um companheiro de

trabalho. “É triste, muito triste. A gente não consegue racioci-

nar, a gente fica imaginando: ai, já pensou se fosse eu, se eu

estivesse ali. É desolador. Mesmo porque, no outro dia, a gen-

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212

te não vai ver o polícia, não vai ouvir ele falar no rádio”, conta,

já com lágrimas nos olhos.

Mas a tristeza é passageira. Adriana é moça alegre, logo se vê.

Aos 47, depois de ter passado poucas e boas, é espontânea e di-

vertida. Vai narrando uma sequência de acontecimentos incríveis

como numa conversa de bar. É uma morena alta. O cabelo liso

preto está preso num rabo-de-cavalo. Usa um piercing pequeno

no nariz, uma blusa regata amarela e um esmalte azul –desses

que chamam atenção. A soldado é absolutamente fiel à sua pro-

fissão. Não por afinidade total com a corporação, pelo contrário.

Mas porque guarda o policiamento de rua no coração.

Adriana entrou na PM em 1991, aos 23 anos. Foram oito me-

ses no curso de formação, que, segundo ela foi “ótimo”. Sua tur-

ma foi a última a ter aulas no CFAB (Centro de Formação e Aper-

feiçoamento de Bombeiros), na marginal Tietê, onde hoje fica a

Escola de Sargentos. Na época, não eram misturados os alunos

homens e mulheres. Sua turma tinha 224 meninas.

“Era todo dia treinamento, você entrava no alojamento e eram

224 meninas pra pouco chuveiro. Você tinha que tomar banho

em um ou dois minutos porque tinha que voltar pra sala de aula.

Aquele monte de menina! Tomava banho de gato, mas tinha que

estar perfeita, cabelinho arrumado, batom, a roupa impecável, sa-

pato engraxado, a saia e a camiseta muito bem passadas.”

Depois da turma de Adriana, as “PM fem” foram treinadas

nos próprios batalhões femininos –eram os GTs (Gabinete de

Treinamento).

“No GT, não tinha aula de tonfa, comando craw, era uma coi-

sa muito simples. A minha não, a minha turma foi a última que

foi pesada. Tive que passar embaixo de lama, atravessar corda e

cair no rio na água podre, subir naqueles ferros bem altos pra ver

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213

se a gente não tem medo de altura, correr 20 minutos todos os

dias, abdominal... Quando faltava um mês pra terminar o curso,

eu queria desistir porque eu não aguentava correr mais. E quem

não deixou foi uma tenente que, na época, tenente ótima, lembro

até hoje, era segurança da primeira-dama e dava aula de Educação

Física. E ela não me deixou sair.”

Dali, Adriana só saiu formada para fazer o policiamento

de rua. “O sonho de todo mundo, não adianta, é sentar den-

tro de uma viatura. Não adianta falar ‘vou entrar na polícia,

vou sair do curso e trabalhar na administração’. Mentira. O

sonho de qualquer policial que faz um curso, o primeiro so-

nho dele é sentar numa viatura e modular no rádio. Eu saí,

fui trabalhar na rua.”

Trabalhou no primeiro batalhão feminino, que cobria antes a

zona leste, mas passou a cobrir a região central, reforçando o efe-

tivo de uma área policiada por três batalhões da PM masculina.

Depois de fazer um curso na Honda e na Rocam, o efetivo de

motos da tropa de choque, Adriana assumiu uma das motos que

o batalhão havia ganhado da montadora. Era algo experimental

e logo ela voltou pra rua, em uma perua de Assistência Família.

“A gente passava na serra e recolhia as crianças pra ir pro

abrigo. Ia quem queria. Aí lá eles tomavam banho, comiam.

Quando era de tarde, tava lá de novo. A gente estacionava a

Kombi. As mesmas carinhas que de manhã a gente levou, es-

tavam lá de tarde.”

— Tia, leva eu. Tia, leva eu.

Para uma apaixonada pelo policiamento, a parte de mais

orgulho na carreira foi quando participou do tático feminino,

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214

o que durou de um a dois anos. “Tenho as fotos”, diz satisfeita.

Para isso, fez um curso com a Rota em Pirutuba, onde monta-

vam até simulações de favelas.

Hoje Adriana trabalha no 2º batalhão, que cobre a área de São

Miguel, Cangaíba, Penha –perto de onde mora, na zona leste.

Mas é do centro que vêm suas melhores histórias.

“Um taxista falou que tinha acabado de ser roubado e pedi-

mos a descrição da pessoa. Aí estávamos patrulhando e, de repen-

te, numa subida, eu vi um cara embrulhado no papelão.”

— Marta, está muito estranho aquele cara se cobrindo com papelão.

— Onde, Adriana?

— Ali! Pode ir em cima que é o cara.

Marta agiu sem pensar e, em vez de parar a viatura longe

como é recomendado, parou na cara do ladrão. “Ele já jogou o pa-

pelão no chão e atirou na gente. Se a gente tivesse parado longe,

quando ele fosse ter uma reação, a gente teria como reagir. Mas

não foi nem culpa dela, foi mais um ‘vamos, vamos, vamos’ pra

não deixar o cara fugir.”

Elas se abaixaram. O suspeito aproveitou para fugir descen-

do a rua. A viatura estava no sentido contrário, as PMs tiveram

quepersegui-lo a pé. “Ele desceu atirando pra cima, e a gente

descendo a pé em zigue-zague. Por que em zigue-zague? Por-

que é mais difícil do tiro acertar.”

Na troca de tiros, as policiais acreditam ter acertado o

suspeito, já que viram rastros de sangue pela rua. “Só que

ali na paralela era a avenida Nove de Julho. A gente acha que

ele entrou dentro de um ônibus e foi embora. A gente não

conseguiu pegá-lo.”

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215

A intuição (ou sorte pra quem não acredita) também estava

lá quando, perto do Hospital Pérola Byington, na Brigadeiro Luís

Antônio, no centro, uma velhinha “toda senhorinha” abordou a

viatura dizendo que haviam levado sua carteira.

— Como que o rapaz estava?

— Ai, não sei.

— Ele usava boné?

— Não sei...

“Ela não sabia nada. Velhinha, né?”, lembra Adriana.

— Olha, a senhora vai entrar aqui na viatura e nós vamos dar uma

volta bem devagarzinho pra ver se a senhora vê alguém. Caso a

senhora não localizar ninguém, a gente vai levar a senhora na de-

legacia e fazemos o boletim de ocorrência.

A cada rapaz avistado, seguia-se a negativa da senhorinha. Eis

que, quando a viatura ia subindo a rua Augusta, vêm descendo

dois rapazes do outro lado. Um ainda criança. Quando a viatura

passou, eles olharam para trás.

— Marta, volta com essa viatura agora no meio da rua. É aquele rapaz.

— Onde, Adriana?

— Volta aqui no meio da rua agora!

Enquanto a viatura virava, a criança, de uns oito anos, saiu

correndo. O maior, porém, foi abordado.

— Mão na cabeça.

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216

Adriana apalpou a carteira que estava dentro da calça, na parte

da frente. Segurando-a, perguntou:

— O que é isso aqui?

— Nada, senhora.

— Isso aqui é uma carteira. É sua?

— É minha.

Ela tirou a carteira de dentro da calça e levou pra senhorinha,

que aguardava na viatura. “Não expus ela, fui até a viatura e ela

confirmou que era sua carteira.” Adriana levou o rapaz, já maior

de idade, preso.

“Era o maldito que tinha roubado a senhorinha. Aí a gente co-

meça a falar umas coisas:”

— Você não tem dó? Outro dia pode ser sua mãe!

Dois ou três anos depois, Adriana e Marta foram depor sobre

o caso. No fórum, o rapaz apareceu usando a mesma camisa do

dia da prisão. Depois de serem ouvidos os advogados, Adriana é

interrogada. A juíza lê um trecho do processo e pede que a sol-

dado descreva o resto. Depois, o advogado de defesa lhe faz uma

pergunta. Adriana responde à juíza, que diz:

— Perfeito! Não preciso nem ouvir sua parceira mais. Está encerrado.

Na saída, Marta a esperava.

— Marta, nem vai te ouvir.

— Por que, Adriana?

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217

— O advogado perguntou qual era a camisa que o cara tava no dia

e eu falei que era essa mesma de hoje.

O caso marcou Adriana. “Era um rapaz novo: a partir do mo-

mento que a gente também tem problema na família, a gente toma

as atitudes de policial militar, mas fica um pouco ferida, sabe? A

gente se põe no lugar da família. Podia ser meu irmão aqui.”

*

Adriana nasceu e cresceu em Artur Alvim, na zona leste, sem

que nada lhe faltasse graças à mãe, como faz questão de ressaltar.

Em uma entrevista sobre a PM, a palavra “polícia”, mencionada

cerca de 60 vezes, perdeu para o “mãe”, já que Adriana falou da

dona Almira pelo menos 80 vezes.

São vizinhas, moram na mesma rua. A casa de Adriana,

na periferia, bem próxima à estação de metrô Artur Alvim, é a

mais bonita da rua. Pintada de laranja por fora e absolutamen-

te limpa e organizada por dentro. Ao entrar, o primeiro cômo-

do é a sala de TV e logo, atravessando-a, chegamos à cozinha,

ampla, branca e com uma mesa no centro –tudo bem equipado

com eletrodomésticos.

“Sempre tive uma vida maravilhosa. Estudei em colégio par-

ticular, colégio de freira, toda minha vida. Fiz inglês. Eu e meus

irmãos sempre tivemos de tudo por parte da minha mãe, não por

parte do meu pai. Não sou rica, não sou classe média, mas não

posso falar que tive uma infância má”, conta.

Houve até um momento em que sua família chegou a passar

fome, quando a mãe estava desempregada. Ela tinha oito ou nove

anos. “A gente comeu pão seco, minha mãe teve que pedir pra vi-

zinha.” Mas, ainda assim, Adriana não reclama e é profundamen-

te grata à mãe, que claramente é a base de sua família.

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218

Entre os irmãos, só Adriana fez faculdade. O irmão mais

novo, Alexandre, nunca trabalhou. O mais velho, Almir, 56,

casou novo e até pouco tempo era gerente do shopping Santa

Úrsula, em Ribeirão Preto. O do meio, Anselmo, 49, vive com

a mãe, pois tem uma deficiência.

O pai, Armelindo, fresador, trabalhando um pouco em uma

empresa, um pouco em outra, era mais desempregado que qual-

quer outra coisa. A mãe trabalhou em fábricas, como na Sousa

Cruz, que antigamente ficava no Carrão, mas se aposentou como

secretária de um juiz, com um bom salário.

“E se eu falar pra você que somente de três anos pra cá

que andei comprando o meu carro? E eu tenho 47 anos (ri-

sos). Ela paga minhas contas, ela faz tudo. Ela vai, compra

uma panela pra ela e compra uma pra mim. Às vezes, compra

só pra mim. Meu filho me pede alguma coisa, aí no outro dia

ela sai. ‘Onde você vai mãe?’. Ela vai lá e compra o que meu

filho pediu. Ela é maravilhosa.”

A mãe, inclusive, foi a responsável pela entrada na PM. Adria-

na trabalhava em um instituto de idiomas para estrangeiros no

Morumbi, que havia sido aberto para ensinar português e inglês

para funcionários da Volkswagen, da Ford e da Autolatina.

“Aí um dia eu passei mal, fui ao médico e passei no fórum

onde minha mãe trabalhava, na João Mendes. Desci no Anhan-

gabaú para pegar o metrô pra vir embora e pensei ‘vou passar

na minha mãe.’”

— Adriana, abriu inscrição pra Polícia Militar. Vai lá se inscrever.

— Mãe, tô doente, não vou lá não.

— Vai lá, Adriana, é aqui na Cruzeiro do Sul, no metrô Armênia.

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219

Adriana foi porque “tudo que minha mãe pede, eu faço”. Ao

pagar a taxa e fazer a inscrição, ela recebe o aviso de que já tem

um teste naquele dia mesmo. “Não era um teste só, eu fiz cinco

testes escritos. Eu e muita gente que estava lá.”

No dia seguinte, Adriana deveria voltar para continuar o pro-

cesso de seleção, mas tinha que trabalhar. Ali, ela tomou um dos

dois rumos: faltou quase a semana toda no trabalho para fazer

testes para a polícia. Até que um motorista da empresa foi até sua

casa lhe entregar uma carta dizendo que deveria se apresentar

lá. O motivo era o mesmo já aventado por uma de suas vizinhas:

— Adriana, vieram uns policiais aqui perguntar de você.

Esse procedimento, chamado de “investigação social”, faz

parte da seleção. Policiais à paisana perguntam a conhecidos

como é o comportamento daquele que está prestes a entrar para

a corporação. Após a visita dos policiais na empresa, seu chefe

já lhe deu sua demissão.

Veio o teste físico da PM. “Passei em tudo, não fui reprovada

em nada.” Finalmente, chegou o dia de ver a lista de aprovados,

mas seu nome não estava lá. E pior: ela estava desempregada.

Uma semana depois, ela recebe uma cartinha. “Dizia que hou-

ve erro no computador e que ele havia ‘comido’ muitos nomes com

a letra A. Eu tinha que entregar a documentação rapidinho porque

as outras já tinham feito isso. Entreguei. Deu tudo certo.”

Desde os 18, Adriana já morava sozinha –para ter uma vida

mais independente e mais livre dos irmãos. “Mas eu sempre cuidei

da casa e do meu irmão mais novo: dava comida, levava pra escola.”

Para o irmão Alexandre, cerca de vinte anos mais novo, a

mãe também conseguiu vaga com bolsa em escola privada,

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220

pagou curso de inglês e deu uma moto, o que não o impediu

de acabar no tráfico.

“Aí ele se envolveu com os meninos aqui, as amizades, as

amizades, as amizades... Começou a traficar. Dinheiro fácil.

Tive muitos problemas com ele. Porque era uma policial militar

irmã de um traficante, né?”

Adriana, como muitos policiais, acha que a entrada no cri-

me depende da cabeça de cada um. Não é só uma questão so-

cial, já que “o que a gente vê de ricos entrando no mundo do

crime... empresários esses dias aí estavam roubando carga, e

têm dinheiro, têm carrão, têm tudo!”

“Cada um tem sua cabeça, sua personalidade. A gente

não era rico, mas minha mãe dava de tudo. Por que meu ou-

tro irmão não entrou pro crime então? Não é verdade? Eu

acho que é o caráter e a cabeça de cada um. Não é porque um

tem e o outro não tem.”

De toda forma, era um traficante irmão de uma policial. Dona

Almira chorava:

— Adriana, não aguento mais, não aguento mais. É a noite in-

teirinha, Adriana, gente chamando aqui. Eu não aguento, eu

não durmo.

E, para Adriana, a mãe é sagrada.

— Alexandre, o que é isso? A mãe não dorme a noite inteira, você

tá pensando o quê? E a vergonha da mãe? A mãe não sai mais no

portão. A mãe nasceu aqui, se criou aqui. A mãe não sai no por-

tão porque está morrendo de vergonha da vizinhança. Alexandre,

você está acabando com ela.

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221

E Adriana é impulsiva.

Um dia, visitando a mãe, abriu o guarda-roupa do irmão e

achou pedras de crack.

“Sabe o que eu fiz? Errado, claro que errado, mas o desespero

de ver minha mãe naquela situação foi muito grande. Eu sabia

que eu ia comprar uma briga com meu irmão. Peguei aquelas pe-

dras, joguei na privada e dei descarga.”

Quando Alexandre chegou, Adriana já estava preparada. Os

dois armados.

— Cadê as pedras?

Alexandre partiu pra cima de Adriana e começou a briga. Até

que ele foi para a rua e ela aceitou a provocação.

— Ah, você quer brigar? Vamos brincar de tiro então. Vamos fa-

zer um faroeste aí no meio da rua. Você de um lado, eu do outro,

vamos ver quem atira e quem acerta.

As pessoas começaram a apartar a briga. Ele ficou na rua,

Adriana foi pra casa. Até que ele pulou o muro para o lado de

dentro, segundo Adriana, para matá-la.

Adriana tomou a atitude mais óbvia, o que qualquer um faria,

principalmente ela: chamou uma viatura, alegando que o irmão es-

tava armado e não tinha porte. Por incrível que pareça, Adriana se

decepcionou com a ineficiência da polícia, que apreendeu a arma,

mas soltou Alexandre depois de dar uma volta com ele na viatura.

“Eu fiquei muito revoltada, muito muito muito revoltada. Fi-

quei chocadésima. Chocada, porque eles sabiam que eu era poli-

cial. Ou tomasse a atitude correta ou não tomasse, não é verdade?”

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222

Adriana esperava que o irmão fosse preso por porte ilegal de

arma para “criar vergonha na cara”.

— Mãe, ele vai ficar lá pra aprender. Deixa ele lá.

— Adriana, mas ele vai sair de lá e vai te matar.

— A gente resolve. Deixa ele lá.

Ela não sabe explicar por que os colegas soltaram o irmão. Os

PMs tampouco deram justificativa alguma. Adriana acredita que

o irmão “cativou” os policiais.

“Meu irmão era muito educado. Como se diz, ‘não tem cara

de bandido’”, explica. Alexandre chegou a ser preso depois e, em

vez de ir para um presídio, ficou um ano na delegacia. “Uma in-

vestigadora se apaixonou por ele e o delegado gostou tanto dele

que não o mandou para casa de detenção.”

Depois do passeio com a polícia, Alexandre voltou em fúria

para casa, mas Adriana já não estava lá. Ele havia perdido além

da droga, sua arma. E, no tráfico, é preciso prestar conta de tudo.

As brigas perduraram. A mãe chorou por muito mais tempo.

Um dia, Adriana estava na rua e (intuitivamente) precisou fa-

zer uma ligação.

— Marta, tem que ser agora.

Acharam um orelhão num local um pouco perigoso. Era o

que tinha. Ligou para a mãe. Naquele exato momento, a casa dela

estava sendo metralhada. Mãe e irmão jogados no chão. Alexan-

dre tinha fugido pelo fundo. Era uma emboscada.

— Adriana, me socorre – dizia a mãe do outro lado.

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223

“Você vê que alguma coisa me tocou pra eu ligar. Fui para

o batalhão. Era o batalhão feminino. Falei com a coronel Luzia,

uma mulher maravilhosa.”

— Vamos ajudar você sim. Você é uma excelente policial.

Luzia pediu apoio de duas viaturas da Rota. Dentro de uma

delas, as policiais conversavam.

— Adriana, agora eu quero que você me conte tudo. E a verdade.

Ela contou tudo. E a verdade. Disse que o irmão era traficante.

Uma das viaturas encostou na porta de Adriana. A outra esta-

cionou na esquina, de modo a não ser vista. Ela juntou as coisas

da mãe e pôs na viatura. O telefone tocava.

— A senhora vai pra minha casa. A senhora, o Anselmo e o Alef.

Alef é o filho de Alexandre, criado praticamente pela avó, já

que a mãe não quis ficar com ele e o pai era traficante.

O telefone continuava tocando. Quando a polícia atendia, Ale-

xandre desligava. Os policiais revistaram o armário dele. Não ti-

nha drogas. Olharam a papelada da moto. Tudo em dia, era a mãe

que pagava. “Eles fizeram igual fazem na casa de tudo mundo,

jogaram as roupas no chão, jogaram tudo, não tinha nada. Nada.”

Depois desse episódio, Alexandre pediu ajuda à mãe. Pediu

que se mudassem. Foram para Campinas. Todos, inclusive Adria-

na, que trabalhava na Rocam lá. No início, ela ia e voltava todos os

dias, até que saiu a sua transferência. “Tive que mudar totalmen-

te a minha rotina de vida pra ajudar esse meu irmão.”

Page 225: Prazer, PM

224

“Nós temos parentes lá, eles arrumaram uma casa na rua

deles, a gente se mudou de um dia pro outro. Eu vendi minhas

coisas e fui morar com a minha mãe”, diz a policial. Elas fi-

caram na cidade pouco mais de um ano. Mas pouco adiantou.

Alexandre ficava mais em São Paulo do que em Campinas du-

rante esse tempo. Em uma madrugada, o telefone trouxe a no-

tícia da sua morte.

“Ele era um traficante pequeno. Vendia, pegava o dinhei-

rinho dele, se mantinha em roupa. Coisa que não precisava,

nunca precisou, minha mãe sempre deu tudo. Mas ele caiu.

Tinha muitas mulheres, era mulher que chovia, era todo dia

cesta de café, faixa na rua pra ele. Então assim... Caiu no mun-

do porque quis”, conta a irmã.

Sua morte foi mais um acerto de contas no mundo do tráfico.

Segundo Adriana, ele estava em frente a um bar, na rua, quando

chegou uma van com 15 homens. Fizeram um círculo em volta

dele e atiraram. Alexandre morreu de hemorragia aos 25 anos.

“O pé ficou caído porque ele levou um tiro de calibre 12.”

Como se não bastasse, para a revolta de Adriana, naquele dia,

os próprios amigos de Alexandre aproveitaram para roubar sua

carteira com cinco mil reais dentro. Não havia um documento

com o corpo para facilitar o enterro. “Minha mãe sofre até hoje.”

Ela reconheceu o corpo do irmão pelas tatuagens. “Eram

tatuagem artísticas, nenhuma de bandido. Tinha uma índia no

peito e o nome do filho dele.”

Alef nasceu do casamento de Alexandre, mas a mãe do meni-

no não quis criá-lo. Eles “se pegavam, se matavam, se batiam”, até

que Alexandre voltou para a casa de sua mãe com o Alef. Quando

ele morreu, a mãe do menino o pegou de volta –para a tristeza da

avó. Mas acabou desistindo dele outra vez.

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225

“Ele sabe toda a vida do pai, a gente não esconde. Então tudo

que a gente vê, a gente fala ‘tá vendo, o seu pai passou por isso.’”

Hoje, Alef tem 18 anos e é criado pela avó que, como fez

com o filho, dá de tudo para o neto. Ainda assim, ele “é uma

criança muito revoltada.” Compreensível. Abandonado pela

mãe. O pai morreu baleado. “A vida dele agora é só ficar for-

te. Só faz musculação, é suplemento que não para. Ele está

ficando neurótico. É isso.”

Alef já se formou e não pensa em faculdade. Estudou em es-

cola pública porque a mãe não deixou, na época, que ele fosse

morar com a avó para estudar no Colégio Militar junto com o fi-

lho de Adriana. “Ele ia entrar como meu dependente, ia pagar o

mesmo valor que pago para o meu filho”, explica Adriana sobre o

desconto que os PMs têm no colégio.

Adriana usa o exemplo de Alef para acalmar as angústias do

próprio filho, Fernando, que, aos 16 anos, sofre a ausência do pai.

— Filho, vamos se pôr no lugar do Alef. Ele não tem pai, a mãe

não liga pra ele. Ele que tem que ser revoltado e, ainda assim, não

muito, porque a vó dá de tudo pra ele. A vó só falta tirar a cabeça

dela pra vender pra dar as coisas pro Alef.

Adriana conheceu o pai de seu filho antes mesmo de entrar

na PM. Ele já era policial, entrou na corporação três anos antes

dela. Quando ela entrou na PM, tiveram um relacionamento.

“Saímos, e nessa saída aconteceu. Eu estava na polícia há seis

anos, tinha 30 anos.”

No início, o pai não quis aceitar a criança porque já tinha outra

mulher. Escondeu dela o filho Fernando. No fim, se separou, casou

com outra, com quem teve dois filhos. Mas Fernando, ele abandonou.

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226

“Até hoje não vê o menino. Na época, eu era motorista de uma

coronel e ele também. A gente trabalhava no mesmo prédio. Eu

cheguei a levar meu filho várias vezes pra trabalhar comigo. Eu

deixava ele lá com as meninas quando eu tinha que sair com a co-

ronel. Era quando ele via o menino.”

A atual mulher também não sabe da existência de Fernando.

Às vezes, Adriana liga pra ele cobrando visitas ao filho. Adriana

recebia a pensão pela assistência social da PM, ou seja, o dinhei-

ro saía do salário dele e caía no dela. Com o fim desse serviço, foi

necessário fazer o processo judicial, com exame de DNA e tudo.

Ele acompanhou o pré-natal de Adriana, paga a pensão e o do-

cumento de Fernando leva seu nome –aliás, os dois se parecem

muito. Mas praticamente é tudo.

“Todo mês de agosto, ele queria que meu ex-namorado fos-

se no Dia dos Pais na escola. E meu ex-namorado nunca ia e ele

chorava: ‘todo mundo tem pai, só eu que não tenho’. Teve um

Dia dos Pais que meu namorado jurou que ia. Eu cheguei lá e ele

falou de longe ‘cadê o Carlos?’. ‘O Carlos não veio’. Aí ele já co-

meçou a chorar. Quando era a hora dos pais se aproximarem, eu

que fui e ele chorou. Então o pai do amiguinho dele falou: ‘não,

Fernando, eu sou seu pai. Hoje eu sou seu pai. Vem cá, vem, fi-

lho’. Aí abraçou ele, beijou ele. Aí ele falou ‘ó, nós estamos indo

no McDonald’s. Vamos juntos?’. E fomos todos juntos.”

Adriana elogia bastante o comportamento do filho e do sobri-

nho diante das circunstâncias. “Eles se dão muito bem. São umas

crianças que não dão problema. E tudo que vai fazer tem que pe-

dir, não faz sem nossa autorização, não vai pra bailinho, não fica

na casa dos vizinhos. A gente não deixa.”

Para o orgulho de toda mãe, Fernando gosta de estudar. “Só

tira 9 ou 10. A única vez que tirou 8 chegou em casa chorando.”

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227

Há uns cinco meses, começou a ir pra academia. Além disso,

com o trabalho, a rotina ficou pesada: sai às 6h20 pra escola e

volta só às 23h. “Está trabalhando... mas não porque precise. Tra-

balha numa casa de cereais, dessas que vendem coisas de aca-

demia”, diz Adriana. A vantagem é que ele pode comprar suple-

mentos pela metade do preço. Dos R$ 650 que ganha, recebe

entre R$ 100 e 200. O resto vai nos suplementos.

Fernando nunca falou em ser policial. Quer prestar mecatrôni-

ca. Adriana acha bom. “Não quero que ele passe o que eu já passei.”

*

Dois ou três anos após a entrada na polícia, Adriana ganhou

passagens para férias em Miami e Orlando. A mãe fez uma surpre-

sa e lhe deu os bilhetes sem saber o tormento que viria por causa

do visto americano. Segundo Adriana, ela teve dificuldades espe-

cialmente por ser policial. Buscando orientações de como ir à en-

trevista, recebeu a opinião de que deveria ir fardada por ser militar.

Foi com o uniforme social da PM –“aquela sainha com aquele cha-

peuzinho”. Na época, ela conta que o visto era difícil de conseguir.

“Chegando lá, já me viram fardada. Eu entrei com a docu-

mentação. Cheguei na salinha e sentei. Do lado de fora, fica um

militar do Exército armado com metralhadora. Eu fui no banhei-

ro. Quando eu saí, me senti muito constrangida. O militar foi na

hora até a porta do banheiro, ele deu um pontapé na porta e olhou

todinho, vistoriou o banheiro pra ver se eu não tinha largado uma

bomba. Foi super constrangedor.”

Na entrevista, perguntaram a ela qual era a garantia de que

voltaria ao Brasil.

— A garantia que eu dou pra voltar é a minha profissão, po-

licial militar.

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228

— Isso não é garantia. E como você vai sobreviver lá?

— Eu estou levando o dinheiro para comer lá esses dias.

— Também não é o suficiente. O seu salário não é o suficiente.

“Nossa, aquilo acabou comigo como policial militar. Uma que

o militar já tinha dado aquele pontapé na porta achando que eu

tinha jogado uma bomba lá dentro e outra que não me autoriza-

ram por ser policial militar.”

Adriana resolveu então passar pela entrevista vestida como

civil. Teve o visto negado novamente. Voltou para casa arrasa-

da, chorando.

“Foi assim uma decepção muito grande. Hoje já está bem

mais fácil. Mas pra mim foi a pior coisa da minha vida. Pelo fato

de ser policial militar, a gente não tinha condições de fazer uma

viagem. O salário naquela época era muito baixo. Aí já começa-

ram os constrangimentos, as tristezas.”

A mãe, na época, já era secretária de um juiz, que veio a ser

desembargador, e se queixou com ele sobre o episódio do visto.

— Nossa, dona Almira, por que a senhora já não falou comigo?

Me traz as passagens dela.

Almira tirou xérox de toda a documentação do juiz, do RG ao

registro da OAB. Ele fez uma carta dizendo que estava cedendo as

passagens à Adriana e mais um valor para que ela se mantivesse

nos Estados Unidos por trinta dias.

“Ele empacotou tudo, pôs num envelope, lacrou e disse:

‘manda boa viagem pra sua filha.’” Adriana levou o pacote.

Nem passou pela entrevista. Foi chamada já para pegar o pas-

saporte com o visto.

Page 230: Prazer, PM

229

“Foi a primeira vez que precisei da Polícia Militar, porque eu

fui fardada. Eu joguei a minha profissão lá e falei: a minha garan-

tia é a minha profissão. Se eu não voltasse, ia ficar como procura-

da. E ele disse que não era garantia. Eu não sei porque ele achou

isso. Como não é garantia? Eu vou me ausentar do país, mas eu

sou uma policial militar. Ele quis dizer que pra ele aquilo não era

nada. Pra mim, era muito.”

Como disse Adriana, começaram as tristezas. A soldado

percebeu ali as dificuldades que teria dentro e fora da corpora-

ção durante sua carreira. Na sociedade, a rejeição de costume.

“A polícia é tão banalizada, né? Tudo é a polícia. Eles nunca es-

tão satisfeitos com a atitude da polícia. Se faz, é ‘por que fez?’;

se não faz, é ‘por que não fez?’. Então você acaba sem saber o

que fazer, não é verdade?”

Com a polícia em evidência na mídia por causa das manifes-

tações, o assunto repercute até dentro de casa.

— Ai, Adriana por que os polícias não fizeram isso?

— Mãe, eu não aguento a senhora. Se faz, questiona por que

fez. Aí deixa de fazer, questiona também. A senhora é igual

ao resto da população. Se a gente faz, tá errado, se a gente não

faz, tá errado.

Em tempos de protestos, gás e balas de borracha, a soldado

defende a polícia. “Eu acho que todas as atitudes que a polícia está

tomando são corretas. Na minha forma de ver, se não joga uma

bomba, eles não se afastam e aí quem se machuca somos nós. E

antes de ir pra rua, a gente tem preleção, tem orientações. A gen-

te não vai aleatoriamente. Somos orientados sobre o que a gente

deve fazer, o que não deve. Pra não se exceder.”

Page 231: Prazer, PM

230

Adriana conta que a pressão não vem só através da mídia.

Há ocasiões em que a própria população pede a ação da polícia

em casos que ela não pode agir, como, por exemplo, num res-

gate, que deve ser feito pelos profissionais de saúde. Se a víti-

ma morre, a culpa é da polícia que não socorreu. Se a polícia

socorre de forma errada, é pior ainda.

“A gente não tem valor nenhum, ainda mais na época que

nós estamos. Se meu filho quiser ser policial, só aceito se ele

entrar na academia, que já sai comandando. O salário é bom e

a humilhação é menor.”

Ainda assim, Adriana diz nunca ter sido desrespeitada nes-

ses 23 anos. Nem pelo fato de ser mulher. Mas isso é porque

ela faz concessões.

“Eu procuro relevar porque eu me ponho no lugar da pessoa.

Por exemplo, você vê um marinheiro todo bonitão ali. Você vai

olhar. Vai falar ‘nossa, como você é bonito, né?’. Se eu estou ali

fardada, por exemplo, com a roupa da Rocam, que é diferente,

uma calça justa, uma bota, cabelo solto... Em vista das meninas

da viatura que é um coque, é um fardamento diferente, então

chama atenção. Uma mulher em uma motona dessa. Surge co-

mentário ‘nossa, com essa farda fica mais bonita’ ou ‘que da

hora, como você consegue dirigir essa moto?’. Então, você pro-

cura não ouvir e relevar. Se você trata com respeito, você vai ter

respeito. Agora, se a pessoa não te der o respeito, aí você age na

legalidade. Eu ajo na legalidade.”

“Enquanto estiverem comigo e eu for encarregada, os meus

parceiros não vão relar a mão em ninguém. Ninguém vai fazer

mal a ninguém. Por mais que o cara seja bandido. Se ele me res-

peitar, se ele me tratar de ‘senhora’, me falar todos os dados, ele

vai ter meu respeito. Se ele não me respeitar, é algema, viatura e

Page 232: Prazer, PM

231

delegacia. Bater jamais. Sabe por que eu te digo isso? Porque a

gente tem família e eu sei o que eu já passei com o meu irmão. E

outra: a gente aprendeu a agir assim na escola, então tem que pôr

em prática o que a gente aprendeu”, diz.

Esses comentários aqui e ali são para a soldado apenas uma

das características do trabalho na rua, que ela ama. “Você rece-

be o carinho da população também, sabe, por ser mulher. Todo

mundo te olha, te admira, você recebe muitos elogios na rua.

Quando tem um bloqueio de moto que tem uma mulher, os mo-

toqueiros não ficam tão apreensivos.”

Porém, na estrutura militar, Adriana reclama de discrimina-

ção contra a mulher, baseada no clássico “isso é coisa de homem”.

Há uma generalização das mulheres, até que sejam reconhecidas

pelo bom trabalho. “Eu vou trabalhar com essa menina na rua?

Deus me livre”, exemplifica.

“Eu sou novata na companhia em que trabalho hoje, mas lá

também tem umas pessoas que eu conheço há vinte anos. Aí os

policiais falam ‘nossa, que mulherão, bonita’. Isso eu estou sa-

bendo já da boca dos outros, né? ‘Nossa, que mulherão, mas ela

é toda delicadinha, deve ser maior burguesinha, olha o carrão

dela.’” Logo, os policiais que a conhecem retrucam:

— Meu, você não conhece essa menina na rua. Burguesinha? Ela

é a maior bilona.

Bilona é quem trabalha bem, explica Adriana. “Melhor que

mil homens por aí.”

Adriana gosta do respeito que o militarismo impõe, o “sim,

senhora, não senhora”. Mesmo o filho, no colégio militar, segue a

rígida disciplina. “Isso pra mim é essencial. Meu filho não chama

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232

ninguém de você. Eu acho isso bonito em qualquer lugar. Den-

tro da polícia, eu acho muito bonito.” Mas as rígidas regras já lhe

causaram problemas.

“Às vezes eu sou meio assim, sabe? Ó, você pode ver meu es-

malte (risos), você vê a cor do meu esmalte, meu piercing e tal...”

Esmalte azul e piercing no nariz não são permitidos. Para as mu-

lheres, apenas coque, brinco pequeno e esmalte claro. E Adriana

ainda vai trabalhar naquele dia. O certo seria tirar o esmalte... Seria.

“O piercing eu tampo com aqueles adesivinhos. A gente não

pode adentrar o quartel com vestido branco, calça branca, bermu-

da, chinelo. O esmalte é clarinho. Camiseta de alcinha a gente

não pode, não pode entrar com decote.” Ainda assim ela garante:

“o regulamento é muito válido”.

Às vezes ela foge um pouquinho?

“Ah, sei lá, às vezes o calor, né gente... Mas está tudo no re-

gulamento. ‘Vou usar esse vestidinho’. Não. Quando você entrou

aqui você já sabia que não podia. Lê o regulamento. ‘Ah, esse pier-

cing aqui não dá nem pra ver’. Dá! Lê o regulamento. Você quan-

do entrou aqui não viu o regulamento? Você viu o regulamento,

então não adianta se queixar. Não adianta você brigar que você vai

ficar presa.”

E Adriana já ficou presa. Culpa de ser “meio bocuda”, como diz.

“Foi um processo administrativo e eu tenho muita mágoa da

Polícia Militar quanto a isso porque eu fui injustiçada. Eu fui in-

justiçada.” E tudo começou, imagine só, com os ataques do PCC,

em 2006. Adriana estava trabalhando em um trailer da PM em

Sapopemba. De vez em quando, alguém passava e alertava:

— Vão atacar o trailer.

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233

“Só que eles não paravam pra conversar com a gente, eles

passavam andando e falavam ‘vão atacar o trailer’. Passava uma

senhora e falava ‘ai moça, você não fica sozinha aí.’”

Os avisos duraram o dia inteiro e deixaram a soldado em pânico.

“Aquela pressão psicológica foi atacando a minha cabeça. O

medo foi corroendo, mas era um medo que assim... você não que-

ria ficar sozinha mesmo. Você não queria. Mas você tava ali, cum-

prindo seu horário de serviço, você tava ali de segurança, você

tava todo perfeitinho ali. Você tava ali. Mas aquilo era o dia intei-

ro. Aquilo foi dominando minha consciência, minha cabeça, foi

dominando. E você passando pro comando.”

— Comando, todo mundo está falando isso. Comando...

Mas a resposta dos comandantes era como se nada estivesse

acontecendo. Adriana não sabia se eles não acreditavam ou se es-

tavam adotando uma postura de não recuar. Não queriam man-

dar reforço. De fato, não mandaram mais policiais para o trailer,

mas pelo menos reforçaram a patrulha de viaturas na área.

O trailer foi atacado de dia. O local era uma praça movimenta-

da, com muitas pessoas fazendo corrida. Entre elas, os bandidos,

misturados ali, correndo armados.

“Chegou uma determinada hora que fecharam todas as ruas

paralelas e o trailer ficou cercado no meio. Tinha um carro, uma

Fiorino, eles desceram com um tripé com uma metralhadora. Já

estava montada dentro da Fiorino. Eles só pegaram o tripé, des-

ceram pela calçada e metralharam. Foi uma coisa de louco, louco.

Eu fiquei doidinha, fiquei ruim da cabeça.”

Havia bastante policiais porque era troca de turno –mais de

dez, segundo lembra Adriana. Os policiais responderam com

Page 235: Prazer, PM

234

tiros. Um policial foi baleado. Pessoas foram baleadas dentro

da igreja e dentro de um ônibus que passava.

“Eu acho uma desvalorização muito grande porque a gente

deu a o aviso sobre o ataque. Então a decisão do comando deve-

ria ter sido de apoiar os policiais, pôr bastante viatura. Ou então

vamos tirar. Não recuar. Vamos tirar desse local e por em outro.

Sei lá... Porque olha... A gente foi atacado num dia, no dia se-

guinte, com o trailer todo metralhado, nós estávamos no mes-

mo lugar. Como se nada tivesse acontecido.”

Mas havia acontecido. E Adriana não esqueceu. “Uns dias de-

pois, eu comecei a desmaiar na viatura, de repente. Ia na compa-

nhia, desmaiava. Outro dia fiquei desmaiada duas horas dentro do

alojamento e ninguém me achava. ‘Cadê Adriana? Cadê Adriana?’”

Um dia o capitão cansou de socorrê-la no pronto-socorro e a

levou para o Hospital Militar. “Fiquei lá quinze dias internada to-

mando soro. Diazepan na veia. Era uma tontura que não tinha fim.

Mas foi um abalo psicológico muito grande. Aí comecei a ter aque-

les problemas, aqueles problemas... Quando você tem esses proble-

mas, você é encaminhado direto pra psiquiatria. Aí fui pra psiquia-

tria. Fiquei oito meses afastada da Polícia Militar, fiquei em casa. O

salário lá embaixo, cai tudo. E você querendo pagar suas dívidas.”

Quando voltou ao trabalho, Adriana recomeçou aos poucos. Ela

podia voltar, mas “com restrições”. Restrições de farda e arma, ou

seja, não podia estar fardada e nem armada. Ela passou a realizar

atividades administrativas por um período. Ainda assim, seu co-

mandante pediu a todos que vestissem um uniforme da polícia, o

chamado “agasalho”. “O agasalho é um uniforme, é considerado

uniforme. Só que a PM não paga. A gente que compra”, ela explica.

“O comando queria que eu usasse o agasalho. Mas eu usava um

tênis branco, e o regulamento diz que é um tênis preto. É o regula-

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235

mento. Só que, até então, eu não tinha o tênis preto, tinha o branco.

Eu tinha a intenção de cumprir a ordem. Pra começar, era pra eu

estar à paisana, mas o coronel queria o agasalho e eu fui cumprir a

ordem com o que eu tinha: o agasalho, a camiseta e o tênis branco.”

Um tenente a comunicou por causa do tênis branco. Ao que

ela respondeu que tinha restrição ao uso de uniforme e não de-

veria, portanto, estar nem de agasalho. Não colou. Teve que res-

ponder um processo administrativo. No outro dia, chega outro

comunicado de outra pessoa. E mais outro ainda. “Eu respondi

três processos administrativos. Todos iguais sobre o tênis bran-

co. Aquilo perdurou dois anos, eu fui até o Tribunal de Justiça

Militar [a última instância].” Como prova, Adriana apresentou

uma foto do pelotão: todos com tênis vermelho, azul, roxo, mas

só ela foi comunicada. (Ela tirou a cabeça das pessoas na foto

para que não fossem identificadas). “E você não acredita! Eu

perdi. Fiquei seis dias presa no quartel.”

“Durante o processo, foram dois anos de total sofrimento.

Eu emagreci, eu fiquei enterrada na Fluoxetina, Diazepam. Foi

um sofrimento terrível, terrível. Eu pagando advogado, o ad-

vogado entrou com mandado de segurança. Aí tinha mês que

vinha um papel ‘ó, Adriana, você vai ter que cumprir cadeia

sábado’. Aí eu falava ‘imagina, estou com mandado de segu-

rança’. Aí tinha que ligar pro advogado, o advogado tinha que

ir lá. Olha, foram dois anos de total sofrimento. Eu entrei em

depressão. Foi uma coisa de louco.”

Depois do episódio, Adriana pediu transferência, mas só con-

seguiu a mudança para o 2º batalhão há cerca de um ano.

“Eu estava com tudo pra ganhar esse processo. Porque o aga-

salho é considerado um uniforme, está no regulamento. E no

processo estava lá provado que o pelotão inteiro estava com o tê-

Page 237: Prazer, PM

236

nis diferenciado, não era só eu. Então me senti totalmente injus-

tiçada. Totalmente, totalmente.”

Talvez um civil não tenha a dimensão da humilhação, já que

ninguém costuma ficar preso no trabalho. Um desgosto enorme

para Adriana, para quem um elogio e um puxão de orelha são,

respectivamente, o melhor e o pior da polícia.

“Você pegar uma ocorrência e ser prestigiado é a melhor coisa. O

seu chefe e a sua companhia virem que você está trabalhando. Você

ter o devido valor. Porque aqui a gente não tem, por mais que faça

bem feito. E esse é o meu desgosto. O chefe falar ‘a Adriana? A gen-

te precisa dela, ela está aqui. A gente não precisa mandar ela fazer

nada! Adriana é sempre impecável, é excelente. Na rua, sempre edu-

cada’. Agora, se você cometeu alguma gafe, se você for comunicada,

eles deveriam falar ‘nossa, não, eu vou ajudar ela. Ela não vai ficar

presa porque ela é uma excelente policial, a gente vai ajudar ela’. Mas

isso não existe. Por mais boa policial que você seja, no dia que você

escorregar, você fica presa, você responde a processo administrativo,

ninguém te ajuda. Então isso desgosta muito. Cadê a valorização?”

Talvez justamente pela não obediência incondicional do regula-

mento ter lhe causado um dos episódios mais tristes na PM, Adria-

na previne o filho de passar pelo mesmo. Ela diz que costuma tes-

tar seu comprometimento com o regulamento do colégio militar.

“Quando chega a época de férias, ele põe aquele piercing aqui

no nariz e faz mechas no cabelo. Mas, na volta às aulas, o regula-

mento não permite.”

— Vai com esse cabelo mesmo, filho.

— Não, mãe, não pode.

— Não, filho. Vai assim mesmo.

— Não pode, mãe. A senhora é louca?

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237

“Eu falo para ver até onde ele vai”, conta Adriana. O interes-

sante é que, se o regulamento incomoda, sem ele “o negócio fica

feio”. A questão para ela não é, sem dúvida, a existência de exi-

gentes regras militares. O problema é que tais regras serviram

para mostrar que, no fim das contas, ela estava sozinha.

*

A reintegração de posse que Adriana tinha naquela manhã

foi cancelada.

“A juíza cancelou, não sabemos o motivo, só o capitão. Mas

ele chegou tão nervoso que a gente procurou nem saber. Ficamos

até mais tarde ontem esperando o capitão chegar do fórum para

dar essa notícia pra gente.”

Ela conta que já participou de várias reintegrações no centro,

todas tranquilas. Mas seria sua primeira na zona leste. Adriana

explica que há um planejamento: assistentes sociais visitam a

ocupação antes, procuram ver para onde vão as pessoas, ofere-

cem verba para aqueles de outras cidades voltarem para casa.

Os policiais recebem as orientações, inclusive “é pra derrubar

tudo, não é pra deixar pedaços de madeira pra depois fazerem

tudo de novo”. Uns moradores retiram suas coisas. Outros en-

frentam. “Querem fazer bagunça, auê, mas o capitão aqui é mui-

to dócil, sabe conversar. Acho que seria tranquilo. Mas é um tra-

balho árduo. Um trabalho bem grande. E mexe com muita gente:

Prefeitura, Eletropaulo, Sabesp, assistente social.”

Por esses árduos trabalhos, a soldado recebe R$ 4.900 no fim

do mês. Com os descontos, são R$ 3.500. Adriana será em breve

promovida a cabo por tempo de serviço, o que aumentará seu sa-

lário em R$ 300. Quando se aposentar, receberá o salário de sar-

gento, mas sem alguns benefícios de quem está na ativa, como a

diária alimentação, por exemplo.

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238

Adriana chegou a concluir uma faculdade de Psicologia an-

tes de entrar para a PM, o que, junto com os mais de dez anos de

carreira, a tornava apta a prestar um curso chamado Chacal, que

leva ao oficialato em poucos meses, após um curso. “Serve pra

quem tem dez anos de polícia e nível universitário, além de bom

comportamento. Você paga uma taxa e presta esse concurso. E sai

oficial, pode ser cabo, soldado, o que for. Você sai oficial. Prestei

duas vezes e não consegui. É muito concorrido.”

Adriana pouco se abalou por não ter conseguido o oficiala-

to. Na polícia, ela já faz o que quer fazer e isso basta. Ela, in-

clusive, esconde da polícia o nível superior para manter-se em

sua função de policiamento de rua. Em sua ficha, consta ape-

nas segundo grau completo.

“Todo mundo tem o sonho de, quando sair do curso de polí-

cia, entrar numa viatura, falar no rádio, sair na rua, todo mundo

ver você, entendeu? E existe um setor de psicologia em todos os

lugares da Polícia Militar. De repente, por ser psicóloga, quando

precisassem de uma, iam me tirar da rua e colocar num setor in-

terno. É uma coisa que eu não queria. Eu amo trabalhar na rua.

Então pra mim não ia servir, eu ia ficar muito revoltada. E uma

vez que você recebe uma determinação, você tem que cumprir. E

pra você sair é muito difícil. Por isso, lá nos meus dados não tem

que eu tenho faculdade.”

O porquê da psicologia, assim como o porquê da PM, não

existe ao certo. A aleatoriedade costuma dar certo para alguém

cuja intuição funciona. “É tudo assim aleatório, entrei na polícia

casualmente. Fiz Psicologia porque achei que era uma coisa mais

fácil. Odeio estudar (risos).”

O fato é que os passos do acaso deram certo. Pela segunda

vez, os olhos mareiam ao dizer que ama trabalhar na rua e ajudar

Page 240: Prazer, PM

a população. “A minha perspectiva de vida é essa mesmo: ser pro-

movida por antiguidade e me reformar sargento. Minha perspec-

tiva de vida aqui é essa.” Se depender da mãe – e da sua intuição–

é bem capaz que Adriana chegue lá.

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241

PM na mídia

Esta coleção de manifestações midiáticas sobre a polícia não

tem caráter científico. Trata-se apenas de uma reunião do que eu

li e do que chegou até mim sobre a PM via jornais e redes sociais.

A imensa maioria das informações é sobre a Polícia Militar

de São Paulo, embora tenham sido incluídas reportagens sobre

a Polícia Civil e a polícia de outros Estados –principalmente do

Rio de Janeiro– quando julguei relevante para todo o processo

de entendimento da polícia.

As publicações focam no período de 2014 e excluem as mani-

festações de junho de 2013 no país. Algumas notícias anteriores

a 2014, porém, foram incluídas –novamente quando as julguei

necessárias para a compreensão geral da polícia.

Os dados encontrados nestas reportagens foram pertinentemen-

te abordados nos perfis deste livro. Informações específicas usadas

em cada perfil foram indicadas em bibliografia separada abaixo.

30 de dezembro de 2005 – UOL

Todos os policiais do caso favela Naval estão soltos nove anos depois

http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/27214/todos+os+policiais+do+caso+fav

ela+naval+estao+soltos+nove+anos+depois.shtml

6 de fevereiro de 2013 – UOL

Medo de transferência para prisão comum mantêm disciplina em presídio

para PMs em SP

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/02/06/medo-de-transferencia-

-para-penitenciaria-comum-ajuda-a-manter-disciplina-em-presidio-de-pms-em-sp.htm

Page 243: Prazer, PM

242

3 de março de 2013 – Veja

O dia a dia no Presídio Militar Romão Gomes

http://veja.abril.com.br/multimidia/galeria-fotos/o-presidio-militar-romao-gomes-pmrg-2013

22 de abril de 2013 – G1

Conheça o interior do presídio Romão Gomes

http://g1.globo.com/sao-paulo/fotos/2013/04/conheca-o-interior-do-presidio-romao-go-

mes.html

18 de julho de 2013 – Estadão

Contra chacinas, Anistia Internacional pede mudança na PM

http://politica.estadao.com.br/blogs/roldao-arruda/contra-chacinas-anistia-internacional-pe-

de-mudanca-na-pm/

24 de julho de 2013 – R7

Treze PMs da Rota são indiciados por estupro e tortura durante reintegra-

ção de posse no Pinheirinho

http://noticias.r7.com/sao-paulo/treze-pms-da-rota-sao-indiciados-por-estupro-e-tortura-

-durante-reintegracao-de-posse-no-pinheirinho-25072013

17 de agosto de 2013 - IG

Mortes por PMs de folga crescem 53% e se aproximam de homicídios em serviço

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-08-17/mortes-por-pms-de-folga-crescem-53-

-e-se-aproximam-de-homicidios-em-servico.html

21 agosto de 2013 – Estado

PM é afastado após usar gás contra jornalistas

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,pm-e-afastado-apos-usar-gas-contra-jornalis-

tas-imp-,1066206

Page 244: Prazer, PM

243

4 de setembro de 2013 – Folha

Terceirização do 190 deve sair em até 90 dias, diz Alckmin

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/09/1336772-terceirizacao-do-190-deve-sair-

-em-ate-90-dias-diz-alckmin.shtml

04 de outubro de 2013 – Folha em Espanhol

Antes y después de Amarildo

http://brasilcomn.blogfolha.uol.com.br/2013/10/04/antes-y-despues-de-amarildo/

8 de outubro de 2013 – Folha

Vídeo flagra policiais [civis] espancando jovens em delegacia de São Paulo

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/10/1353207-video-flagra-policiais-espancan-

do-jovens-em-delegacia-de-sao-paulo.shtml

29 de outubro de 2013– Comunique-se

Polícia é responsável por 75% das agressões a jornalistas, revela levanta-

mento da Abraji

http://portal.comunique-se.com.br/index.php/comunicacao/73121-policia-e-responsavel-

-por-75-das-agressoes-a-jornalistas-revela-levantamento-da-abraji

30 de outubro de 2013 – Leonardo Sakamoto

Violência policial: Salve, São Paulo! Os que vão morrer te saúdam!

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/10/30/violencia-policial-salve-sao-paulo-

-os-que-vao-morrer-te-saudam/

1º de novembro de 2013 – UOL

Denúncias de excessos da PM em abordagens crescem 106% em SP

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/11/01/denuncias-de-excessos-da-

-pm-em-abordagens-crescem-106-em-sp.htm

Page 245: Prazer, PM

244

05 de novembro de 2013 – UOL

Pesquisa aponta que 70% dos brasileiros não confiam na polícia

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2013/11/05/confianca-na-policia-

-cai-proxima-a-de-partidos-no-pais.htm

5 de novembro de 2013 – UOL

Polícias brasileiras matam quatro vezes mais que a dos EUA , diz estudo

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/11/05/policias-brasileiras-mata-

ram-126-vezes-mais-que-a-do-reino-unido-em-2012-diz-estudo.htm

12 de novembro de 2013 – Folha

Taxas de homicídio são epidêmicas em 11 países da América Latina, diz ONU

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/11/1370335-taxas-de-homicidio-sao-epidemicas-

-em-11-paises-da-america-latina-diz-onu.shtml

13 de novembro de 2013 – Folha

Suécia fecha quatro prisões porque população carcerária despenca

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/11/1370700-suecia-fecha-quatro-prisoes-porque-

-populacao-carceraria-despenca.shtml

1º dezembro de 2013 – El País Brasil

Apesar de avanço social, Brasil não reduz índices criminais

http://brasil.elpais.com/brasil/2013/11/23/actualidad/1385234850_199533.html

28 de dezembro de 2013 – Folha

É preciso desmilitarizar a polícia? Sim

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/12/1390874-e-preciso-desmilitarizar-a-policia-

-militar-sim.shtml

Page 246: Prazer, PM

245

28 de dezembro de 2013 – Folha

É preciso desmilitarizar a polícia? Não

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/12/1390875-e-preciso-desmilitarizar-a-policia-

-militar-nao.shtml

29 de dezembro de 2013 – Folha

Intocada, previdência dos militares gasta mais do que o Bolsa Família

http://dinheiropublico.blogfolha.uol.com.br/2013/12/29/intocada-previdencia-dos-militares-

-gasta-mais-do-que-o-bolsa-familia/

13 de janeiro – Folha

Número de roubos de veículos em São Paulo é o maior em 12 anos

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1396826-numero-de-roubos-de-veiculos-

-em-sao-paulo-e-o-maior-em-12-anos.shtml

22 de janeiro – Folha

Mortes provocadas por PMs de folga aumentam 50% no Estado de SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1401043-mortes-provocadas-por-pms-de-

-folga-aumentam-50-no-estado.shtml

26 de janeiro - Folha

PM encurrala manifestantes em hotel durante protesto contra a Copa; veja

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1403137-pm-encurrala-manifestantes-em-

-hotel-durante-protesto-contra-a-copa-veja.shtml

26 de janeiro – Estadão

‘Polícia chegou batendo em todo mundo’, conta estudante Vinícius Duarte

(protesto contra Copa)

http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,policia-chegou-batendo-em-todo-mundo-

-conta-estudante-vinicius-duarte,1123219

Page 247: Prazer, PM

246

27 de janeiro - Folha

Manifestante é baleado pela Polícia Militar em protesto contra a Copa (caso

Fabrício Proteus, baleado por PM)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/149603-manifestante-e-baleado-pela-policia-mi-

litar-em-protesto-contra-a-copa.shtml

27 de janeiro - Folha

Vídeo mostra PMs atirando dentro de hotel (protesto contra Copa)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/149594-video-mostra-pms-atirando-dentro-de-

-hotel.shtml

27 de janeiro – Folha

Maioria dos detidos é jovem e da periferia, mas perfil é variado (protesto

contra Copa)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/149596-maioria-dos-detidos-e-jovem-e-da-peri-

feria-mas-perfil-e-variado.shtml

27 de janeiro – Folha

‘TV Folha’ flagra policiais sem identificação (protesto contra Copa)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/149597-tv-folha-flagra-policiais-sem-identificacao.shtml

27 de janeiro – Folha

Polícia evitou uma tragédia, diz Alckmin (protesto contra Copa)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/149600-policia-evitou-uma-tragedia-diz-alck-

min.shtml

27 de janeiro – Revista Fórum

Inquérito revela tortura dentro da PM do Rio na formação de policiais

http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/01/inquerito-revela-tortura-dentro-da-pm-na-

-formacao-de-policiais/

Page 248: Prazer, PM

247

27 de janeiro – Folha

São Paulo bate recorde de roubo de veículos em 13 anos

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/149604-sao-paulo-bate-recorde-de-roubo-de-vei-

culos-em-13-anos.shtml

28 de janeiro – Folha

Homicídios caem e roubos crescem em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1403836-homicidios-caem-e-roubos-cres-

cem-em-sp.shtml

28 de janeiro – Estado

Editorial: O que o sábado mostrou (crítica à ação da PM em ato contra Copa)

http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-que-o-sabado-mostrou-imp-,1123747

28 de janeiro – J.Press

Depoimento de um estudante da USP sobre a ação da Polícia Militar du-

rante manifestações

http://jpress.jornalismojunior.com.br/2014/01/dia-descobri-luta-coletivo/

29 de janeiro – Estado

Imagem mostra PM agredindo fotógrafo em manifestação

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,imagem-mostra-pm-agredindo-fotografo-em-

-manifestacao,1124572

4 de fevereiro – Folha

Justiça do Rio declara morte presumida do pedreiro Amarildo

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1407426-justica-do-rio-declara-morte-pre-

sumida-do-pedreiro-amarildo.shtml

Page 249: Prazer, PM

248

4 de fevereiro – Folha

Marcos Augusto Gonçalves: Por uma nova polícia

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcosaugustogoncalves/2014/02/1407108-por-

-uma-nova-policia.shtml

5 de fevereiro – Folha

Marginal Tietê é liberada após protesto [pró-PM]; via tem

9,4 km de filas

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1407904-marginal-tiete-e-liberada-apos-

-protesto-via-tem-94-km-de-filas.shtml

7 de fevereiro – Carta Capital

“Perto de quem realmente manda, esses moleques estendidos no chão

[mortos pela PM do Rio] são tão perigosos quanto o Patati e Patatá.”

http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2014/02/07/perto-de-quem-realmente-manda-es-

ses-moleques-estendidos-no-chao-sao-tao-perigosos-quanto-o-patati-e-patata/

8 de fevereiro - Folha

Rojão que feriu cinegrafista no Rio era de manifestante, afirma polícia

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/151323-rojao-que-feriu-cinegrafista-no-rio-era-

-de-manifestante-afirma-policia.shtml

10 de fevereiro – Folha

Família de Fábio Porchat pede ajuda ao Congresso após ameaças na web

[por vídeo de crítica à PM do Porta dos Fundos]

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/02/1410220-familia-de-fabio-porchat-pede-

-ajuda-ao-congresso-apos-ameacas-na-web.shtml

Page 250: Prazer, PM

249

10 de fevereiro – Estadão

Bruno Paes Manso: Os assassinos que desafiaram o Governo de SP (ação

violenta da PM em Sapopemba)

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/os-assassinos-que-desafiaram-o-governo-de-sp/

12 de fevereiro – G1

Tenente desabafa após bombeiros serem assaltados: ‘Nojo deste país’

http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/02/tenente-desabafa-apos-bombeiros-se-

rem-assaltados-nojo-desse-pais.html

13 de fevereiro – Folha

Polícia Militar vai usar ‘tropa do braço’ em protestos em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1411475-policia-militar-vai-usar-tropa-

-do-braco-em-protestos-em-sp.shtml

14 de fevereiro – Folha

Alunos acusam policiais militares de agressão em escola de São Simão (SP)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ribeiraopreto/2014/02/1412335-alunos-depredam-esco-

la-estadual-em-sao-simao-sp-e-prefeitura-contrata-seguranca.shtml

17 de fevereiro – Folha

Defesa de PMs diz que não há como culpá-los por mortes no Carandiru

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1413334-defesa-de-pms-diz-que-nao-ha-co-

mo-culpa-los-por-mortes-no-carandiru.shtml

21 de fevereiro – Folha

Adolescente amarrado a poste é detido em novo assalto em Copacabana

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1415662-adolescente-amarrado-a-poste-e-

-preso-por-assalto-em-copacabana.shtml

Page 251: Prazer, PM

250

17 de fevereiro – Estadão

Erro de PM vira meme e recebe apoio de 75% dos comentaristas (caso de

José Guilherme da Silva, que morreu dentro de viatura)

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/violencia-vira-meme-apoiado-por-70-dos-comentaristas/

21 de fevereiro – El País Brasil

Polícia de São Paulo tenta esvaziar manifestação contra a Copa

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/21/politica/1392939683_466934.html

22 de fevereiro – Folha

Protesto contra a Copa reúne mil pessoas no centro de SP (primeiro ato

com tropa do braço)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416485-protesto-anti-copa-reune-400-

-pessoas-no-centro-de-sp.shtml

22 de fevereiro - Folha

Ato contra Copa em SP termina em confronto, vandalismo e 230 detidos

(primeiro ato com tropa do braço)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416525-ato-contra-copa-em-sp-termina-

-em-confronto-e-vandalismo.shtml

22 de fevereiro – Estado

Megaoperação da PM usa pelotão ninja, isola black blocs e prende 230 (pri-

meiro ato com tropa do braço)

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,megaoperacao-da-pm-usa-pelotao-ninja-isola-

-black-blocs-e-prende-230,1133414

Page 252: Prazer, PM

251

22 de fevereiro – Folha

Vídeo mostra cerco policial a manifestantes e jornalista em SP (primeiro

ato com tropa do braço)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416559-video-mostra-cerco-policial-a-ma-

nifestantes-e-jornalista-em-sp.shtml

23 de fevereiro – Folha

Todos os 262 manifestantes detidos em ato anti-Copa foram soltos, diz SSP

(primeiro ato com tropa do braço)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416621-todos-os-230-manifestantes-deti-

dos-em-ato-anti-copa-foram-soltos-diz-ssp.shtml

23 de fevereiro – Folha

Repórter da Folha é agredido por PMs em protesto; assista ao relato (pri-

meiro ato com tropa do braço)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416729-reporter-da-folha-e-agredido-por-

-pms-em-protesto-assista-ao-relato.shtml

23 de fevereiro – Folha

Reduzir depredação em protesto foi sucesso, afirma PM

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416746-reduzir-depredacao-em-protesto-

-foi-sucesso-afirma-pm.shtml

23 de fevereiro - UOL

PM deteve manifestantes sem acusação formal e impediu trabalho de advo-

gados (primeiro ato com tropa do braço)

http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/02/23/pm-deteve-manifestantes-

-sem-acusacao-formal-e-impediu-trabalho-de-advogados.htm#fotoNav=9

Page 253: Prazer, PM

252

23 de fevereiro – El País Brasil

Um protesto com mais policiais que manifestantes (primeiro ato com tro-

pa do braço)

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/23/politica/1393111858_875595.html

23 de fevereiro – El País Brasil

Ativistas denunciam brutalidade policial durante o ato contra a Copa de São

Paulo (primeiro ato com tropa do braço)

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/23/politica/1393194512_885141.html

23 de fevereiro – El País Brasil

“Estávamos todos apavorados”, diz professor da USP detido (primeiro ato

com tropa do braço)

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/23/politica/1393192949_387701.html

23 de fevereiro – Brasil Post

Vídeo mostra truculência policial contra jornalistas (primeiro ato com

tropa do braço)

http://www.brasilpost.com.br/2014/02/23/video-policia-jornalistas_n_4842809.html

23 de fevereiro – Brasil Post

[Relato de jornalista] Protesto em SP: pelo direito de fazer o meu trabalho

(primeiro ato com tropa do braço)

http://www.brasilpost.com.br/amanda-previdelli/protesto-em-sp-pelo-direi_b_4842874.

html?fb_action_ids=10201442973066778&fb_action_types=og.likes&fb_source=other_

multiline&action_object_map=%5B528604807254693%5D&action_type_map=%5B%22og.

likes%22%5D&action_ref_map=%5B%5D

Page 254: Prazer, PM

253

23 de fevereiro – Facebook Plínio comenta

h t t p s : / / w w w. f a c e b o o k . c o m / P l i n i o Co m e n t a / p h o t o s / p b . 4 6 3 3 0 8 3 1 3 6 9 1 5 5 3 .

-2207520000.1415395335./707227559299626/?type=3&theater

24 de fevereiro – Folha

PM não pune policiais que agridem manifestantes

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416800-pm-nao-pune-policiais-que-agri-

dem-manifestantes.shtml

24 de fevereiro – Folha

Maior número de homicídios em SP é ponto fora da curva, diz secretário

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416957-alta-de-homicidios-em-sp-e-pon-

to-fora-da-curva-diz-secretario.shtml

24 de fevereiro – Folha

Juiz do caso Carandiru multa advogado que abandonou plenário

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1417271-juiz-do-carandiru-multa-advoga-

do-que-abandonou-plenario.shtml

Page 255: Prazer, PM

254

24 de fevereiro – Folha – Charge Benett

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/22485-charges-fevereiro#foto-366195

25 de fevereiro – Nota de Rodapé

Relato do repórter fotográfico Victor Moriyama, detido pela PM no Ato con-

tra a Copa do Mundo

http://www.notaderodape.com.br/2014/02/relato-do-reporter-fotografico-victor.html

25 de fevereiro – Folha

Ministro diz que vai avaliar uso da ‘tropa do braço’ pelo país

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/153809-ministro-diz-que-vai-avaliar-uso-da-tro-

pa-do-braco-pelo-pais.shtml

25 de fevereiro – Folha

Polêmica, nova tática da PM já foi adotada em protestos na Europa e nos

EUA (sobre tropa do braço)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/153811-polemica-nova-tatica-da-pm-ja-foi-adota-

da-em-protestos-na-europa-e-nos-eua.shtml

Page 256: Prazer, PM

255

25 de fevereiro - Folha

Roubos têm 8º alta seguida e sobem 32,5% no Estado

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/153807-roubos-tem-8-alta-seguida-e-sobem-325-

-no-estado.shtml

26 de fevereiro – Folha

Policiais que balearam estudante em protesto não tinham armas não letais

(caso Fabrício Proteus, baleado por PM)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1418041-policiais-que-balearam-estudante-

-em-protesto-nao-tinham-armas-nao-letais.shtml

27 de fevereiro – Estado

De tocaia, elite da PM está à espera do bando (Operação do COE contra

PCC em Presidente Venceslau)

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,de-tocaia-elite-da-pm-esta-a-espera-do-ban-

do,1135057

27 de fevereiro – Estado

Alckmin confirma plano de resgate de líderes do PCC

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,alckmin-confirma-plano-de-resgate-de-lide-

res-do-pcc,1135391

27 de fevereiro – El país Brasil

“Bandido que mexe com polícia acaba assim” (caso de José Guilherme da

Silva, que morreu dentro de viatura)

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/27/politica/1393533978_778738.html

27 de fevereiro de 2014 – El País Brasil

Polícia brasileira mata cinco pessoas a cada dia

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/27/politica/1393533362_626474.html

Page 257: Prazer, PM

256

28 de fevereiro – Folha

Cláudia Collucci: As cadeias são os novos manicômios, diz psiquiatra

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudiacollucci/2014/02/1419355-as-cadeia-sao-os-no-

vos-manicomios-diz-psiquiatra.shtml

1º de março – Facebook Ruth Sheherazade

https://www.facebook.com/RuthSheherazade/photos/a.456318524469703.1073741828.4562

69034474652/462922430475979/?type=3&theater

Page 258: Prazer, PM

257

4 de março – Estadão

Policial tem casa atingida por ataque com coquetel molotov em Promissão

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,policial-tem-casa-atingida-por-ataque-com-co-

quetel-molotov-em-promissao,1137217

7 de março de 2014 – Youtube

Marcelo Freixo comenta a morte do PM Rodrigo Paes Leme e de outros

PMs em UPPs do Rio

https://www.youtube.com/watch?v=W363ls3noo4#t=92

7 de março – Revista Fórum

O culto à violência policial no Facebook

http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/03/o-culto-violencia-policial-facebook/

10 de março – UOL

Em meio a tensão com PCC, agentes penitenciários de SP entram em greve

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/03/10/em-meio-a-tensao-com-

-pcc-agentes-penitenciarios-de-sp-entram-em-greve.htm

10 de março - Folha

Mortes causadas por policiais militares voltam a crescer em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1423082-mortes-causadas-por-policiais-

-militares-voltam-a-crescer-em-sp.shtml

11 de março – El País Brasil

Facção [PCC] fatura 6 milhões de reais com tráfico e outros crimes

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/03/12/politica/1394584966_908556.html

Page 259: Prazer, PM

258

12 de março – Estado

Entidades e advogados tentam barrar prisão por averiguação e surras da

PM em manifestação [contra a Copa]

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/os-70-black-blocs-que-ainda-causam-nas-ruas-de-sp/

12 de março – Carta Capital

PM contraria jornalistas e insiste em distribuir coletes à imprensa para co-

bertura de protestos

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/pm-contraria-jornalistas-e-insiste-em-distribuir-

-coletes-a-imprensa-para-cobertura-de-protestos-6340.html

13 de março – Folha

Justiça mantém ação da ‘tropa do braço’ em protesto em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1424897-justica-mantem-acao-da-tropa-

-do-braco-em-protesto-em-sp.shtml

13 de março – Folha

Em ano eleitoral, Congresso tem fila de projetos contra manifestante violento

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1424810-em-ano-eleitoral-governo-tem-fi-

la-de-projetos-contra-manifestante-violento.shtml

13 de março – Folha

Vanessa Barbara: Diferentes conceitos de êxito (sobre tropa do braço)

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vanessabarbara/2014/03/1425382-diferentes-concei-

tos-de-exito.shtml

13 de março – Folha

PM simula ação em conflitos antes de protesto em SP; veja vídeo

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1425176-pm-simula-acao-em-conflitos-an-

tes-de-protesto-em-sp-veja-video.shtml

Page 260: Prazer, PM

259

14 de março – Folha

Protesto tem mais PMs que manifestantes

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/156359-protesto-tem-mais-pms-que-manifestan-

tes.shtml

14 de março – Agência Pública

Pedidos feitos pela Lei de Acesso à Informação para a Polícia de São Paulo

não têm resposta, em descumprimento da lei

http://apublica.org/2014/03/pergunte-a-pm/

14 de março – Folha

Cabral diz que PM ‘vai pegar covardes’ que mataram subcomandante [no Rio]

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1425558-cabral-diz-que-pm-vai-pegar-co-

vardes-que-mataram-subcomandante.shtml

16 de março – Folha

Organizadores da nova “Marcha da Família” pedem retorno dos militares

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1426175-organizadores-da-nova-marcha-pela-

-familia-pedem-retorno-dos-militares.shtml

16 de março – Folha

Ferreira Gullart: Paga o justo pelo baderneiro

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ferreiragullar/2014/03/1425537-paga-o-justo-pelo-ba-

derneiro.shtml

17 de março – Extra

Viatura da PM arrasta mulher por rua da Zona Norte do Rio. Veja o vídeo

(caso Claúdia)

http://extra.globo.com/casos-de-policia/viatura-da-pm-arrasta-mulher-por-rua-da-zona-norte-

-do-rio-veja-video-11896179.html

Page 261: Prazer, PM

260

17 de março – Extra

Viúvo de mulher morta em operação da PM em Madureira desabafa: ‘Ar-

rastaram o corpo dela como se fosse um saco’ (caso Claúdia)

http://extra.globo.com/casos-de-policia/viuvo-de-mulher-morta-em-operacao-da-pm-em-ma-

dureira-desabafa-arrastaram-corpo-dela-como-se-fosse-um-saco-11893573.html

17 de março – Folha

PMs são presos após arrastar vítima de bala perdida na rua (caso Claúdia

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1426571-pms-sao-presos-apos-porta-malas-

-abrir-e-mulher-ser-arrastada-por-250-metros.shtml

17 de março – Folha

Famílias dos presos deveriam processar Estado, diz advogado do Carandiru

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1426582-advogado-de-pms-do-carandiru-

-pede-que-estado-seja-processado-pelo-caso.shtml

17 de março – Facebook Mtst Trabalhadores Sem Teto

https://www.facebook.com/mtstbrasil/photosw

/a.466755456696124.100595.464790330225970/704047659633568/

Page 262: Prazer, PM

261

18 de março – Folha

Mulher arrastada por carro da PM foi morta por tiro, aponta laudo (caso Claúdia)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1427471-mulher-arrastada-por-carro-da-

-pm-foi-morta-por-tiro-aponta-laudo.shtml

18 de março – Facebook Ruth Sheherazade

https://www.facebook.com/RuthSheherazade/photos/a.456318524469703.1073741828.4562

69034474652/468563409911881/?type=3&theater

20 de março – Folha

PM diz que colocou mulher em porta-malas porque carro foi cercado (caso

Claúdia)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1428110-policial-diz-que-mulher-foi-colo-

cada-em-porta-malas-porque-carro-estava-cercado-por-moradores.shtml

Page 263: Prazer, PM

262

20 de março – Estadão

Bruno Paes Manso: Quando PMs arrastaram uma mãe morta pela rua, tira-

ram o chão que ainda nos mantém em pé (caso Claúdia)

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/quando-a-pm-arrastou-uma-mae-pela-corda-arran-

cou-o-chao-sob-os-nossos-pes/?fb_action_ids=10152343895984913&fb_action_types=og.re-

commends

20 de março – Folha

Editorial: Novela policial (sobre caso Claúdia)

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/03/1428029-novela-policial.shtml

20 de março – El País Brasil

Cartazes de homenagem a mulher arrastada pela PM (caso Claúdia)

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/03/21/album/1395358181_827395.html#1395358181_827

395_1395360025

20 de março – Folha em Espanhol

Las UPPs no se tornarán una política pública sostenible y universalizada si no

son acompañadas de una revolución radical en las policías

http://brasilcomn.blogfolha.uol.com.br/2014/03/20/las-upps-no-se-tornaran-una-politica-publi-

ca-sostenible-y-universalizada-si-no-son-acompanadas-de-una-revolucion-radical-en-las-policias/

20 de março – UOL

“Descarreguei a arma”, confessa suspeito de matar PM em SP

http://tvuol.uol.com.br/video/descarreguei-a-arma-confessa-suspeito-de-matar-pm-em-sp-

-04020C193566D8C94326/

21 de março – BBC Brasil

Governos buscam ‘investimento social’ para financiar recuperação de presos

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/03/140312_titulos_sociais_presidios_pai.shtml

Page 264: Prazer, PM

263

25 de março – Pragmatismo Político

Vídeo: Pichador tem a cara pichada por PM

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/03/video-pichador-tem-cara-pichada-por-

-pms.html

25 de março – Folha

Policiais envolvidos em mortes em SP são na maioria brancos, diz pesquisa

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2014/03/1430270-policiais-envolvi-

dos-em-mortes-em-sp-sao-na-maioria-brancos-diz-pesquisa.shtml

25 de março – Folha

Copa terá comando específico da PM a partir de maio em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1430553-copa-tera-comando-especifico-da-

-pm-a-partir-de-maio-em-sp.shtml

25 de março – Folha

Homicídios voltam a reduzir no Estado; roubo cresce 47% na capital

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1430593-homicidios-voltam-a-reduzir-no-

-estado-roubo-cresce-47-na-capital.shtml

26 de março – G1

Taxa de negros mortos pela polícia de SP é 3 vezes a de brancos, diz estudo

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/03/taxa-de-negros-mortos-pela-policia-de-sp-e-3-

-vezes-de-brancos-diz-estudo.html

26 de março – Folha

Vídeo mostra policiais atirando em rapaz; PM vai analisar imagens

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1431185-video-mostra-policiais-atirando-

-em-rapaz-pm-vai-analisar-imagens.shtml

Page 265: Prazer, PM

264

27 de março – Folha

Editorial: Roubos sem explicação

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/03/1431462-editorial-roubos-sem-explicacao.shtml

27 de março – Folha

Manifestantes fecham pista da av. Paulista em novo ato anti-Copa

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1432027-manifestantes-fechar-pista-da-av-

-paulista-em-novo-ato-anti-copa.shtml

27 de março – Folha

Pacífico, 4º ato anti-Copa reúne mil pessoas na região central de SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1432151-pacifico-4-ato-anti-copa-reune-

-mil-pessoas-na-regiao-central-de-sp.shtml

27 de março – BBC Brasil

Como policiais acusados de crimes continuam nas ruas?

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/03/140326_policias_jp_lk.shtml

28 de março – Estadão

Jovem que participava de arrastão é morto por PMs de folga na zona leste

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,jovem-que-participava-de-arrastao-e-morto-

-por-pms-de-folga-na-zona-leste,1146236

28 de março – IG

Violência policial é herança da ditadura: ‘Pau-de-arara está onde sempre esteve’

http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-03-28/violencia-policial-e-heranca-da-ditadu-

ra-pau-de-arara-esta-onde-sempre-esteve.html

Page 266: Prazer, PM

265

2 de abril – Última Instância UOL

Estudo sobre violência policial revela “racismo institucional” na PM de SP;

assista ao vídeo

http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/70082/estudo+sobre+violencia+policial+reve

la+racismo+institucional+na+pm+de+sp+assista+ao+video.shtml

2 de abril – Última Instância UOL

Polícia Militar de SP nega informações de pesquisa divulgada pela UFScar

(pesquisa racial)

http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/70110/policia+militar+de+sp+nega+inf

ormacoes+de+pesquisa+divulgada+pela+ufscar.shtml?fb_action_ids=812594622102619&fb_

action_types=og.likes&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582

3 de abril – El País Brasil

“A morte de inocentes, como Amarildo, é o resquício da ditadura” [diz Mar-

celo Rubes Paiva]

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/03/politica/1396562225_091459.html

3 de abril – Folha

Caderno Especial Carandiru

http://www1.folha.uol.com.br/especial/2013/massacredocarandiru/

21 anos depois 73 PMs condenados

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/159604-21-anos-depois-73-pms-condenados.

shtml

Advogado diz que vai pedir anulação do júri

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/159605-advogado-diz-que-vai-pedir-anulacao-

-do-juri.shtml

Page 267: Prazer, PM

266

Sobrevivente diz que não acredita em prisão de PMs

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/159606-sobrevivente-diz-que-nao-acredita-em-

-prisao-de-pms.shtml

‘Os presos se mataram por causa de drogas’

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/159607-os-presos-se-mataram-por-causa-de-dro-

gas.shtml

3 de abril – Fecebook Advogados Ativistas

https://www.facebook.com/AdvogadosAtivistas/photos/pb.495852747151291.

-2207520000.1415396221./611870075549557/?type=3&theater

4 de abril – Folha

Gestão Alckmin conta até enfermaria e infla vagas em presídios

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1435620-gestao-alckmin-conta-ate-enfer-

maria-e-infla-vagas-em-presidios.shtml

Page 268: Prazer, PM

267

4 de abril – Folha

Editorial: Justiça tardia (sobre julgamento do Carandiru)

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/04/1435571-editorial-justica-tardia.shtml

4 de abril – Folha – Charge Angeli

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/24074-charges-abril#foto-380413

5 de abril – Facebook Jornal A Nova Democracia

http://www.anovademocracia.com.br/no-128/5290-50-anos-do-golpe-militar-cadeia-para-

-os-torturadores

Page 269: Prazer, PM

268

6 de abril – Folha

Crimes crescem em SP, mas efetivo das polícias encolhe

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/160034-crimes-crescem-em-sp-mas-efetivo-das-

-policias-encolhe.shtml

6 de abril – Folha

Secretário diz que Estado vai contratar mais policiais

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/160035-secretario-diz-que-estado-vai-contratar-

-mais-policiais.shtml

9 de abril – Folha

País teve 136 agressões a jornalistas no ano passado: Cobertura de protestos

motivou alta de 232%

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/160577-pais-teve-136-agressoes-a-jornalistas-no-

-ano-passado.shtml

9 de abril – Carta Capital

A PM-SP revela sua ideologia em nota oficial: Para suprimir o debate sobre

a desmilitarização, Polícia Militar adota discurso radical e insinua que crí-

ticos são comunistas

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-pm-sp-revela-sua-ideologia-3626.html

10 de abril – Folha

1 em cada 5 foi vítima de violência no país de um ano para cá

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1438478-1-em-cada-5-foi-vitima-de-violen-

cia-no-pais-de-um-ano-para-ca.shtml

Page 270: Prazer, PM

269

10 de abril – Folha

Governo Alckmin conta mecânico e telefonista como policial de rua

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1438475-governo-alckmin-conta-mecani-

co-e-telefonista-como-policial-de-rua.shtml

10 de abril – Folha

Interpretação para classificar policiamento estava errada, diz PM

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1438476-interpretacao-para-classificar-

-policiamento-estava-errada-diz-pm.shtml

10 de abril – Estadão

Bruno Paes Manso: Em nota ao UOL, a PM chamou a sociedade para o de-

bate. Eu, humildemente, aceito o desafio

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/em-nota-ao-uol-a-pm-chamou-a-sociedade-ao-debate-eu-hu-

mildemente-aceito-o-desafio/?fb_action_ids=10152210030904822&fb_action_types=og.recommends

12 de abril – Folha

SP tem a quinta maior taxa de homicídios entre 35 grandes cidades

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1439591-sp-tem-a-5-maior-taxa-de-homici-

dios-do-mundo.shtml

12 de abril – Folha

PM quer usar aposentados para reforçar efetivo em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1439841-pm-quer-usar-aposentados-para-

-reforcar-efetivo-em-sp.shtml

13 de abril - Folha

Onda de roubo de celular impulsiona estatística do crime em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1439948-onda-de-roubo-de-celulares-im-

pulsiona-estatisticas-do-crime.shtml

Page 271: Prazer, PM

270

15 de abril – Folha

Vídeo mostra homens baleados pela PM agonizando em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1441047-video-mostra-homens-baleados-

-pela-pm-agonizando-em-sp.shtml

15 de abril – Folha

SP tem 3 tiroteios em 24 h; mulher morre com bebê no colo

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/161493-sp-tem-3-tiroteios-em-24-h-mulher-mor-

re-com-bebe-no-colo.shtml

15 de abril – Vaidapé

PM mata 76 em janeiro e Telhada afirma: ‘foi pouco. Bandido tem que ir

para o saco’

http://revistavaidape.com.br/blog/2014/04/pm-mata-76-em-janeiro-e-telhada-afirma-foi-

-pouco-bandido-tem-que-ir-para-o-saco/

16 de abril -Folha

Ato [contra Copa] acaba em vandalismo e causa pânico no metrô

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/161697-ato-acaba-em-vandalismo-e-causa-pani-

co-no-metro.shtml

17 de abril – Folha

3 são mortos pela PM após invadir casa de cantor do Trio Los Angeles

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/161835-3-sao-mortos-pela-pm-apos-invadir-casa-

-de-cantor-do-trio-los-angeles.shtml

17 de abril - Folha

Câmeras da PM darão alerta automático sobre crimes

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/161839-cameras-da-pm-darao-alerta-automatico-

-sobre-crimes.shtml

Page 272: Prazer, PM

271

21 de abril – Folha

Paramilitares americanos treinam policiais brasileiros para a Copa

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1443261-paramilitares-americanos-trei-

nam-policiais-brasileiros-para-a-copa.shtml

22 de abril – Folha

Alckmin vai retirar mil policiais do serviço 190

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/162465-alckmin-vai-retirar-mil-policiais-do-ser-

vico-190.shtml

22 de abril – Folha

PM conta policial da central [190] como efetivo de rua

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/162466-pm-conta-policial-da-central-como-efe-

tivo-de-rua.shtml

23 de abril – Folha

PM é baleado em tentativa de assalto na região dos Jardins, em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1444622-pm-e-baleado-em-tentativa-de-as-

salto-na-regiao-dos-jardins-em-sp.shtml

24 de abril – UOL

Polícia erra e mata refém de sequestro relâmpago, em São Paulo

http://tvuol.uol.com.br/video/policia-erra-e-mata-refem-de-sequestro-relampago-em-sao-

-paulo-04024C98306EC0815326

Page 273: Prazer, PM

272

24 de abril – Facebook perfil pessoal

25 de abril – BuzzFeed

26 frases do programa Polícia 24 Horas que você poderia usar na vida real

http://www.buzzfeed.com/manuelabarem/26-frases-do-programa-policia-24-horas-que-vo-

ce-poderia-usar

28 de abril – Folha

Médico morre após levar tiro dentro de delegacia

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/163464-medico-morre-apos-levar-tiro-dentro-

-de-delegacia.shtml

30 de abril –Folha

Protesto de sem-teto acaba em confronto

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/163758-protesto-de-sem-teto-acaba-em-confron-

to.shtml

30 de abril – Folha

Ruy Castro: Pessoas dentro da farda (em defesa dos policiais)

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2014/04/1447437-pessoas-dentro-da-

-farda.shtml

Page 274: Prazer, PM

273

1º de maio – Veja São Paulo

Os advogados especializados em defender PMs

http://vejasp.abril.com.br/materia/advogados-que-fazem-defesa-de-pms-tribunal-militar

2 de maio – Folha

Leitores comentam coluna [de Ruy Castro] sobre mortes de policiais em

serviço

http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2014/05/1448445-leitores-comentam-coluna-

-sobre-mortes-de-policiais-em-servico.shtml

4 de maio – Folha

‘Bancada da bala’ na Câmara de SP prega morte de bandido

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/05/1449170-bancada-da-bala-na-camara-de-

-sp-prega-morte-de-bandido.shtml

7 de maio

Ruy Castro: “Protesto” de teatro (em defesa dos policiais)

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2014/05/1450419-protesto-de-teatro.shtml

10 de maio – Estado

Contra latrocínio, guia da polícia diz para estrangeiro ‘não reagir’ na Copa

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,contra-latrocinio-guia-da-policia-diz-para-es-

trangeiro-nao-reagir-na-copa,1164966

11 de maio – Folha

‘Datenas’ do Facebook têm 20 milhões de seguidores

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/05/1452690-datenas-do-facebook-tem-20-mi-

lhoes-de-seguidores.shtml

Page 275: Prazer, PM

274

12 de maio – Folha

SP não paga indenização a família de PM assassinado

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/165506-sp-nao-paga-indenizacao-a-familia-de-

-pm-assassinado.shtml

12 de maio – Folha

Eventuais falhas [de pagamento de indenização] serão corrigidas, diz governo

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/165508-eventuais-falhas-serao-corrigidas-diz-go-

verno.shtml

12 de maio – Folha

‘Torturam muito ele’, diz mulher de policial morto

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/165510-torturam-muito-ele-diz-mulher-de-poli-

cial-morto.shtml

12 de maio – G1

Polícia conclui inquérito sobre morte de mulher arrastada no Rio (caso

Cláudia)

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/05/policia-termina-inquerito-que-investiga-

-morte-de-mulher-arrastada-no-rio.html

12 de maio - Estadão

Polícia procura suspeitos de matar capitão da PM em Guarulhos

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,policia-procura-suspeitos-de-matar-capitao-

-da-pm-em-guarulhos,1165638

12 de maio – BBC Brasil

Brasil lidera ranking de medo de tortura policial

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/05/140512_brasil_tortura_vale_rb.shtml

Page 276: Prazer, PM

275

17 de maio - Folha

Para Planalto, protestos não vão crescer

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1455855-para-planalto-protestos-nao-vao-cres-

cer.shtml

13 de maio – Folha

Família de PM morto em janeiro ainda não recebeu indenização

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/165698-familia-de-pm-morto-em-janeiro-ainda-

-nao-recebeu-indenizacao.shtml

17 de maio – Folha

PM troca nome por código em tarja que identifica policiais

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1455865-pm-troca-nome-por-codigo-em-tarja-

-que-identifica-policiais.shtml

20 de maio – G1

Policiamento da Copa começa a atuar em São Paulo nesta terça, diz PM

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/05/policiamento-da-copa-comeca-atuar-em-sao-

-paulo-nesta-terca-diz-pm.html

21 de maio – Estadão

Bruno Paes Manso: EXCLUSIVO: PM invade apartamento de madrugada

para deter inocente. Justiça mantém adolescente preso

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/bruno-paes-manso-e-andre-caramante/

23 de maio – Folha

Roubos têm 11º alta consecutiva e crescem 29% no Estado de SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/05/1458998-roubos-tem-11-alta-consecutiva-e-

-crescem-33-no-estado-de-sp-diz-ssp.shtml

Page 277: Prazer, PM

276

26 de maio – Folha

Coronel justifica nova tarja de identificação de policiais militares

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/videocasts/2014/05/1459844-coronel-justifica-no-

va-tarja-de-identificacao-de-policiais-militares.shtml

26 de maio – Agência Efe

Polícia de São Paulo recebe treinamento do FBI para controlar distúrbios

http://www.efe.com/efe/noticias/brasil/brasil/policia-paulo-recebe-treinamento-fbi-para-

-controlar-disturbios/3/16/2328388

27 de maio – SBT

Conexão Repórter mostra cenas de crimes contra a Polícia Militar 

http://www.sbt.com.br/conexaoreporter/noticias/14320/Conexao-Reporter-mostra-cenas-de-

-crimes-contra-a-Policia-Militar-.html#.VFVC7yLF8yL

28 de maio – Folha

Rapaz de 17 anos é apreendido pela polícia pela 19º vez em SP

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/168099-rapaz-de-17-anos-e-apreendido-pela-po-

licia-pela-19-vez-em-sp.shtml

31 de maio - Folha

PM vai investigar se homem foi morto por policiais sem reagir

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/168709-pm-vai-investigar-se-homem-foi-morto-

-por-policiais-sem-reagir.shtml

31 de maio – Ponte

Arma furtada na sede da Rota (PM-SP) é usada para matar soldado

http://ponte.org/arma-furtada-na-sede-da-rota-tropa-de-elite-da-pm-de-sp-e-usada-para-ma-

tar-soldado-da-corporacao/

Page 278: Prazer, PM

277

1º de junho – Folha

Filme ‘Junho’ leva ao cinema os protestos de 2013 no país

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/06/1462506-filme-junho-leva-ao-cinema-os-

-protestos-de-2013-no-pais.shtml

7 de junho – Pirikart

http://www.pirikart.com.br/image/88106137680

13 de junho – Folha

A cada dois dias, três são mortos em briga de família em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1469542-a-cada-dois-dias-tres-sao-mortos-

-em-briga-de-familia-em-sp.shtml

13 de junho – UOL

Defensoria vê ato da polícia de SP [em abertura da Copa] como despro-

porcional

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/06/13/defensoria-ve-ato-da-

-policia-de-sp-como-desproporcional.htm

Page 279: Prazer, PM

278

13 de junho – Estadão

Bruno Paes Manso: “Is it always like this in Brazil? Always so violent demos-

trations?” (CNN) “Sabía que iba a haber tensión pero esto…Brutal” (El Mundo)

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/is-it-always-like-this-in-brazil-always-so-violent-demostra-

tions-cnn-sabia-que-iba-a-haber-tension-pero-esto-brutal-el-mundo/

13 de junho – Pirikart

http://www.pirikart.com.br/image/88673202640

13 de junho – Folha – Charge Angeli

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/25777-charges-junho-2014#foto-404428

Page 280: Prazer, PM

279

14 de junho – Folha – Charge João Montanaro

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/25777-charges-junho-2014#foto-405062

17 de junho – Estadão

Bruno Paes Manso: Jornalismo não deve erguer muros, mas criar pontes.

Os desafios depois de junho de 2013 (sobre a criação da Ponte Jornalismo)

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/jornalismo-nao-deve-erguer-muros-jornalismo-deve-

-criar-pontes/

19 de junho – Folha – Charge Angeli

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/25777-charges-junho-2014#foto-407396

Page 281: Prazer, PM

280

20 de junho – Folha

PM faz reintegração de posse na Unesp Araraquara e leva 15 alunos à de-

legacia

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ribeiraopreto/2014/06/1473441-pm-faz-reintegra-

cao-de-posse-na-unesp-araraquara-e-leva-15-alunos-a-delegacia.shtml

23 de junho – Folha

Polícia Civil só investiga 1 a cada 10 roubos em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1474720-policia-civil-so-investiga-1-a-

-cada-10-roubos-em-sp.shtml

23 de junho – Folha

Boletim de ocorrência não basta para abrir inquérito, afirma secretaria

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1474725-boletim-de-ocorrencia-nao-basta-

-para-abrir-inquerito-afirma-secretaria.shtml

23 de junho – Folha

Para especialistas, falta de investigação alimenta violência

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/172488-para-especialistas-falta-de-investigacao-

-alimenta-violencia.shtml

24 de junho – Folha

PMs de folga vão reforçar segurança na porta das escolas de SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1475423-pms-de-folga-vao-reforcar-segu-

ranca-na-porta-das-escolas-de-sp.shtml

25 de junho – Folha

Painel do Leitor: críticas à gestão da PM e à atuação da Polícia Civil

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/172781-painel-do-leitor.shtml

Page 282: Prazer, PM

281

26 de junho – Folha

Roubos aumentam 42% na capital; homicídios saem de faixa epidêmica

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/173050-roubos-aumentam-42-na-capital-homi-

cidios-saem-de-faixa-epidemica.shtml

27 de junho – Folha

Ex-comandante da Rota, vereador lança revista em quadrinhos ‘para fãs da PM’

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1477305-ex-comandante-da-rota-vereador-

-lanca-revista-em-quadrinhos-para-fas-da-pm.shtml

28 de junho – Folha

Eliane Brum: o PM e o militante

Steevan Oliveira: Não vim de Marte. Sou PM em uma sociedade desigual

Luiz Fernando Vasconcelos: PM mantém uma ordem que é desordem

http://www1.folha.uol.com.br/esporte/folhanacopa/2014/06/1477892-eliane-brum-o-pm-e-

-o-militante.shtml

02 de julho – Folha

Polícia usa bomba de efeito moral para dispersar torcedores na Vila Madalena

http://www1.folha.uol.com.br/esporte/folhanacopa/2014/07/1479685-policia-usa-bombas-

-de-efeito-moral-para-dispersar-argentinos-em-sp.shtml

02 de julho – Estadão

Bruno Paes Manso: A ‘Ideologia Telhada’ é hoje o maior veneno para as po-

lícias e para a população de SP

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/em-40-anos-de-servico-publico-coronel-telhada-ain-

da-nao-aprendeu-que-dispensamos-esses-herois/

Page 283: Prazer, PM

282

02 de julho – Carta Capital

“Aqui não tem mídia, agora você vai morrer”: Preso nesta terça-feira ao pe-

dir a identificação de uma policial militar, o advogado Daniel Biral conta

que foi agredido e ameaçado por PMs

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/201caqui-nao-tem-midia-agora-voce-vai-mor-

rer201d-765.html

03 de julho – IG

Inquérito da PM ‘absolve’ oficial da morte do pedreiro Amarildo

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-07-03/ipm-absolve-oficial-da-morte-do-pe-

dreiro-amarildo.html

05 de julho – Ponte

São Paulo proíbe máscaras e bombas em protesto

http://ponte.org/sao-paulo-proibe-mascaras-e-bombas-em-protesto/

06 de julho – Folha

Capital puxa ‘epidemia’ de roubos; Estado bate recorde

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1481647-capital-puxa-epidemia-de-roubos-

-estado-bate-recorde.shtml

06 de julho – Folha

Haverá ‘total empenho’ para combater crimes, diz Grella

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1481654-havera-total-empenho-para-com-

bater-crimes-diz-grella.shtml

06 de julho – Folha

Infográfico: Roubos em alta

http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2014/07/84900-roubos-em-alta.shtml

Page 284: Prazer, PM

283

12 de julho – Folha

Após alta de roubos, Alckmin troca 4 chefes da PM na capital

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/175649-apos-alta-de-roubos-alckmin-troca-4-

-chefes-da-pm-na-capital.shtml

12 de julho – Folha

Condenado 1º PM por revide a ataques de facção (PCC, 2006)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/175648-condenado-1-pm-por-revide-a-ataques-

-de-faccao.shtml

12 de julho – Folha

Datafolha traça ranking da insatisfação dos paulistanos (segurança aparece

em 1º lugar)

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1484957-datafolha-traca-ranking-da-insa-

tisfacao-dos-paulistanos.shtml

14 de julho – Folha

Roubos esclarecidos caem 42% em SP nos últimos dez anos

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1485528-roubos-esclarecidos-caem-42-em-

-sp-nos-ultimos-dez-anos.shtml

14 de julho – Folha

Delegado-geral diz que houve mudança em 2013 (em investigações de roubos)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/175899-delegado-geral-diz-que-houve-mudanca-

-em-2013.shtml

14 de julho – Folha

Investigação em SP põe 30 policiais sob suspeita de elo com PCC

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1485479-investigacao-em-sp-poe-30-poli-

ciais-sob-suspeita-de-elo-com-pcc.shtml

Page 285: Prazer, PM

284

15 de julho – Terra

Quatro policiais detidos por agressão durante protestos contra Copa

http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/quatro-policiais-detidos-por-agressao-durante-pro-

testos-contra-copa,7d51935b78c37410VgnCLD200000b2bf46d0RCRD.html

17 de julho – Folha

Governo quer tornar permanentes os centros de segurança da Copa

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1487110-governo-quer-tornar-permanen-

tes-os-centros-de-seguranca-da-copa.shtml

20 de julho - Folha

Série nacional explora lado psicológico de policiais

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/07/1488016-serie-nacional-explora-lado-psi-

cologico-de-policiais.shtml

24 de julho – Estadão

PMs que atuaram em ação paralela ao Pinheirinho são indiciados por tor-

tura e abuso sexual

http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,pms-que-atuaram-em-acao-paralela-ao-pinheiri-

nho-sao-indiciados-por-tortura-e-abuso-sexual,1056911

25 de julho – Folha

Roubos têm aumento de 21% na capital paulista; homicídios caem

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1491196-mesmo-com-aumento-de-policia-

mento-para-a-copa-roubos-aumentam-em-sp.shtml

26 de julho – Folha

Com Copa, roubos dobram na região da Vila Madalena

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1491563-com-copa-do-mundo-casos-de-

-roubo-dobram-na-regiao-da-vila-madalena.shtml

Page 286: Prazer, PM

285

29 de julho – El País Brasil

Os policiais brasileiros querem desmilitarizar a instituição

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/30/politica/1406679075_861116.html

29 de julho – Jornal Nacional

Pesquisa mostra insatisfação dos policiais com o próprio trabalho

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/07/pesquisa-mostra-insatisfacao-dos-poli-

ciais-com-o-proprio-trabalho.html

30 de julho – UOL

Pesquisa diz que 77,2% dos policiais são a favor da desmilitarização da PM

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/07/30/um-terco-dos-policiais-

-brasileiros-pensa-em-deixar-corporacao-diz-pesquisa.html

2 de agosto – Folha

Dois pichadores são mortos por PMs dentro de prédio

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/178784-dois-pichadores-sao-mortos-por-pms-

-dentro-de-predio.shtml

6 de agosto – Folha

Para delegado, laudo enfraquece só uma acusação contra presos em ato

caso Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi 

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/08/1496347-para-delegado-laudo-enfraquece-

-so-uma-acusacao-contra-presos-em-ato.shtml

10 de agosto – Agência Efe

Brasil discute soluções para superlotação em presídios

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2014/08/10/brasil-discute-solucoes-para-su-

perlotacao-em-presidios.htm

Page 287: Prazer, PM

286

11 de agosto - Folha

PM é presa em SP após atirar em idoso durante abordagem policial

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/08/1498612-pm-e-presa-em-sp-apos-atirar-

-em-idoso-durante-abordagem-policial.shtml

20 de agosto – Ponte

Comissão de Segurança Pública da Câmara prioriza punição ao crime: Rela-

tório do Instituto Sou da Paz avalia que deputados federais preferem atuar no 

julgamento e punição ao invés de tratar das causas da violência. Resposta ao

crime é ineficaz, aponta o estudo

http://ponte.org/comissao-de-seguranca-publica-da-camara-nao-prioriza-prevencao-ao-crime/

21 de agosto – Vice

Quem É o Juiz que Manda os PMs pra cadeia

http://www.vice.com/pt_br/read/quem-e-o-juiz-que-manda-os-pms-pra-cadeia?utm_

source=vicefacebr

25 de agosto – Folha

Comerciante é detido [no Paraná] após criticar ação de PMs nas redes sociais

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/08/1505593-comerciante-e-detido-apos-criti-

car-acao-de-pms-nas-redes-sociais.shtml?cmpid=%22facefolha%22

28 de agosto - Folha

Prefeitura terá olheiro em bairro violento

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/182806-prefeitura-tera-olheiro-em-bairro-violento.shtml

28 de agosto – Folha

Assaltantes de ônibus são mortos [por PMs] em SP e no Rio

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/182813-assaltantes-de-onibus-sao-mortos-em-sp-

-e-no-rio.shtml

Page 288: Prazer, PM

287

28 de agosto – G1

Tribunal Militar dá liberdade a PMs suspeitos de matar pichadores

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/08/tribunal-militar-da-liberdade-pms-suspeitos-

-de-matar-pichadores.html

28 de agosto – Folha

Gestão Haddad quer criar grupo que receberá denúncia contra policiais

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/08/1506978-gestao-haddad-quer-criar-grupo-

-que-recebera-denuncia-contra-policiais.shtml

8 de setembro- Folha

Ação policial e eleição esvaziam protestos pelo país

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/09/1512551-acao-policial-e-eleicao-esvaziam-

-protestos-pelo-pais.shtml

9 de setembro - Folha

Governo de SP altera regras e facilita o pagamento de bônus a policiais [que

cumpram metas]

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/09/1513136-governo-de-sp-altera-regras-e-fa-

cilita-o-pagamento-de-bonus-a-policiais.shtml

10 de setembro – Folha

Com mudança em programa, SP vai pagar bônus a 18,8 mil policiais [que

cumpriram meta]

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/09/1513646-com-mudanca-em-programa-es-

tado-sp-pagara-bonus-a-188-mil-policiais.shtml

Page 289: Prazer, PM

288

15 de setembro – BBC Brasil

Medo de perder ‘voto conservador’ afasta violência policial de campanhas

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140912_salasocial_eleicoes2014_candi-

datos_policia_seguranca_cc.shtml

16 de setembro – BBC Brasil

Para cada quatro mortos pela polícia no Brasil, um policial é assassinado

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140914_salasocial_eleicoes2014_vio-

lencia_policia_numeros_lk_jp.shtml

18 de setembro – BBC Brasil

‘Na faculdade, deixei minha profissão camuflada; somos discriminados’,

diz PM

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140917_depoimento_pm_kawa_salaso-

cial_eleicoes2014_rw

18 de setembro – BBC Brasil

Por que é tão difícil investigar abusos por policiais? Conheça 5 razões

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140914_investigacao_crimes_salaso-

cial_eleicoes_lk

18 de setembro – Folha

PM é preso após morte de camelô durante operação na zona oeste de SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/09/1518328-pm-e-preso-apos-morte-de-came-

lo-durante-operacao-na-zona-oeste-de-sp.shtml

19 de setembro – UOL

PM preso por matar camelô responde por outra morte

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/09/19/pm-preso-por-ma-

tar-camelo-responde-por-outra-morte.html

Page 290: Prazer, PM

289

19 de setembro – BBC Brasil

‘Morte sem pena’: Perfis nas redes fazem apologia à violência policial

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140917_salasocial_eleicoes2014_vio-

lencia_rs.shtml

19 de setembro – BBC Brasil

Tragédia une mães de mortos por policiais: ‘Eles acham que a gente não

tem voz’

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140919_depoimentos_maes_vitimas_

salasocial_eleicoes2014_rw.shtml

19 de setembro – BBC Brasil

Truculência e barbárie não são soluções para a segurança, diz sociólogo

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140919_entrevista_ignacio_cano_jeff_

salasocial_eleicoes2014_rw.shtml

19 de setembro – BBC Brasil

Para analista, desmilitarização não resolve problemas da polícia

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140916_salasocial_eleicoes2014_jose_

vicente_lk.shtml

20 de setembro – Folha

Editorial: Homicídio policial (sobre camelô morto)

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/09/1519075-editorial-homicidio-policial.shtml

23 de setembro – Folha

Vídeos levam juíza a soltar PM que matou camelô horas após mandar

prender

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/09/1521138-videos-levam-juiza-a-soltar-pm-

-que-matou-camelo-horas-apos-mandar-prender.shtml

Page 291: Prazer, PM

290

25 de setembro – Folha

Análise: Bico e salário baixo contribuem para ação de PMs na folga

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/09/1346984-analise-militarizacao-bicos-e-sa-

larios-baixos-contribuem-para-as-ocorrencias.shtml

25 de setembro – Folha

Com críticas a PSDB e PT, ‘bancada da bala’ quer alçar voos maiores; assista

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/videocasts/2014/09/1522231-com-criticas-a-psdb-

-e-pt-bancada-da-bala-quer-alcar-voos-maiores-assista.shtml

2 de outubro – Folha

Com presença da PM, roubos e furtos dentro do campus da USP sobem 55%

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/10/1525771-com-presenca-da-pm-roubos-e-fur-

tos-dentro-do-campus-da-usp-sobem-55.shtml

17 de outubro – Estadão

Bruno Paes Manso: Pelo fim da pena de morte aos adolescentes. O caso

São Remo

http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/pelo-fim-da-pena-de-morte-aos-adolescentes-o-caso-

-sao-remo/

19 de outubro – Folha

PM é morto com tiro na cabeça na zona sul de SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/10/1534846-pm-e-morto-com-tiro-na-cabeca-

-na-zona-sul-de-sp.shtml?cmpid=%22facefolha%22

29 de outubro – G1

Justiça proíbe PM de usar balas de borracha durante protestos em SP

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/10/justica-proibe-uso-de-balas-de-borracha-por-

-pm-em-protestos-de-sp.html

Page 292: Prazer, PM

291

29 de outubro – Ponte

Documento secreto: PM viola normas de uso para bala de borracha

http://ponte.org/pm-bala-de-borracha-documento-secreto/

3 de novembro – Folha

Ligação com tráfico e milícia é 1º causa de expulsão de PMs no Rio

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1542378-ligacao-com-trafico-e-milicia-e-1-

-causa-de-expulsao-de-pms-no-rio.shtml

4 de novembro – Folha

Fornecedora banca viagem de cúpula da polícia paulista a Orlando, nos

EUA

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1542856-fornecedora-banca-viagem-de-cu-

pula-da-policia-paulista-a-orlando-nos-eua.shtml

5 de novembro – Folha

Sete pessoas são mortas em Belém (PA) após assassinato de PM

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1543495-belem-registra-oito-mortes-apos-

-assassinato-de-policial-militar.shtml

6 de novembro – Folha

TJ suspende proibição de uso de bala de borracha pela Polícia Militar de SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1544218-tj-suspende-proibicao-de-uso-de-

-bala-de-borracha-pela-policia-militar-de-sp.shtml

10 de novembro – Folha

Em 5 anos, polícia brasileira matou em média 6 pessoas por dia, diz estudo

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1545847-em-5-anos-policia-brasileira-ma-

tou-em-media-6-pessoas-por-dia-diz-estudo.shtml

Page 293: Prazer, PM

292

Sem data – Estadão

No fio da navalha: ‘Problema maior da polícia brasileira é a mentalidade

militar de reagir à violência com violência’, diz estudioso americano

http://www.estadao.com.br/noticias/geral,no-fio-da-navalha,1125620

Sem data – Tumblr Minha PM

Registros de violência policial em fotos

http://minhapm.tumblr.com/

Sem data – Tumblr Alckmin em Choque

Sátira de como o governador responde a tudo com policiamento

http://alckminemchoque.tumblr.com/

Sem data – Vídeo Coletivo Tatu Morto

Polícia Militar: Organização Terrorista.

http://vimeo.com/88219030

Sem data – Jornal Nacional

O Caso Favela Naval

http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/telejornais/jornal-nacional/favela-

-naval.htm

http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/favela-naval.htm

Page 294: Prazer, PM

293

Sem data – Foto de manifestação anti-Copa

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295

Bibliografia dos perfis

Novinho - Tenente Oswaldo

Dura - Porta dos Fundos

https://www.youtube.com/watch?v=DyPb15CHdew

15 de abril de 2013 - Secretaria de Segurança Pública

Assembleia aprova projeto que dobra seguro de policiais

http://www.ssp.sp.gov.br/noticia/lenoticia.aspx?id=30989

30 de abril de 2014 - Secretaria de Segurança Pública

São Paulo ganha 1.190 soldados para o policiamento nas ruas

http://www.ssp.sp.gov.br/noticia/lenoticia.aspx?id=34021

17 de maio de 2014 - Secretaria de Segurança Pública

PM entrega espadins a 228 cadetes em formação

http://www.ssp.sp.gov.br/noticia/lenoticia.aspx?id=34118

Memória - Sargento Laercio

6 de julho de 2012 - R7

Agentes reclamam de programa de apoio psicológico da Polícia Militar

http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/agentes-reclamam-de-programa-de-apoio-psicolo-

gico-da-policia-militar-20120706.html

Page 297: Prazer, PM

296

25 de maio de 2013 - IG

Programa para PM que passa por situação de risco vira “castigo” para agentes

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-05-25/programa-para-pm-que-passa-por-situ-

acao-de-risco-vira-castigo-para-agentes.html

Enxugando gelo - Capitão Massera

29 de outubro de 2011 - Estadão

Crimes no câmpus caem até 92% após convênio

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,crimes-no-campus-caem-ate-92-apos-conve-

nio-imp-,791981

13 de junho de 2014 - Folha

Editorial: Retomar a Paulista

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1294185-editorial-retomar-a-paulista.shtml

13 de junho de 2014 - Estadão

Editorial: Chegou a hora do basta

http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,chegou-a-hora-do-basta-imp-,1041814

2 de outubro de 2014 – Folha

Com presença da PM, roubos e furtos dentro do campus da USP sobem 55%

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/10/1525771-com-presenca-da-pm-roubos-e-fur-

tos-dentro-do-campus-da-usp-sobem-55.shtml

Vingança - Coronel Arruda

5 de abril de 1983 - Folha

Um dia de saques e pânico

http://acervo.folha.com.br/fsp/1983/04/05/2/

Page 298: Prazer, PM

297

6 de abril de 1983 - Folha

A violência se alastra e Montoro promete ordem

http://acervo.folha.com.br/fsp/1983/04/06/2/

7 de outubro de 2005 - Folha

Namoro de garotas vira caso de polícia

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0710200501.htm

7 de outubro de 2005 - Folha

Para diretor de Escola da EACH, não houve “ação obscena”

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0710200502.htm

30 de dezembro de 2005 - Folha

PM quer aprender com gays a lidar com gays

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3012200501.htm

30 de dezembro de 2005 - Folha

Policial que abordou jovens foi inocentada

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3012200502.htm

23 de janeiro de 2006 - UOL

Testemunhas indicadas por meninas da USP não foram ouvidas em sin-

dicância

http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/27021/testemunhas+indicadas+por+m

eninas+da+usp+nao+foram+ouvidas+em+sindicancia.shtml

12 de março de 2006 - Folha

Comando da PM desiste de curso com gays

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1203200614.htm

Page 299: Prazer, PM

298

12 de março de 2006 - Folha

“Não esperava outra atitude”, diz associação LGBT

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1203200615.htm

18 de setembro de 2011 - Estadão

O coronel que trouxe uma luta indígena à PM

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,o-coronel-que-trouxe-uma-luta-indigena-a-

-pm-imp-,774030

13 de janeiro de 2014 - Estadão

Formação de PMs deve ser humanizada, defende coronel [Arruda]

http://politica.estadao.com.br/blogs/roldao-arruda/coronel-da-reserva-defende-mudanca-na-

-formacao-de-policiais-militares/

Dentro da Lei - Major Franciscon

2 de julho de 2014 – Folha

Polícia usa bomba de efeito moral para dispersar torcedores na Vila Madalena

http://www1.folha.uol.com.br/esporte/folhanacopa/2014/07/1479685-policia-usa-bombas-

-de-efeito-moral-para-dispersar-argentinos-em-sp.shtml

5 de julho de 2014 - Folha

Mesmo com hora para acabar, torcedores não desanimam e fazem festa na

Vila Madalena

http://www1.folha.uol.com.br/esporte/folhanacopa/2014/07/1481608-mesmo-com-hora-pa-

ra-acabar-torcedores-nao-desanimam-e-fazem-festa-na-vila-madalena.shtml

Page 300: Prazer, PM

299

10 de julho de 2014 - G1

PM circula em festa na Vila Madalena após registro de venda livre de droga

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/07/pm-circula-em-festa-na-vila-madalena-apos-

-registro-de-venda-livre-de-droga.html

10 de julho de 2014 - SPTV

Major da PM fala em três idiomas para dispersar multidão na Vila Madalena

http://globotv.globo.com/globocom/g1/v/major-da-pm-fala-em-tres-idiomas-para-dispersar-

-multidao-na-vila-madalena/3487513/

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301

Artigos e trabalhos acadêmicos

ARRUDA, Luiz Eduardo Pesce de. Polícia Militar: uma crônica.

Publicado na revista “A Força Policial” n.º 13 - Polícia Mili-

tar do Estado de São Paulo. 1997.

MANSO, Bruno Paes. Crescimento e queda dos homicídios em

SP entre 1960 e 2010. Tese (Doutorado) apresentada ao

programa de pós-graduação em ciência política da Univer-

sidade de São Paulo. 2012. Disponível em: <http://www.

teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-12122012-

105928/pt-br.php>. Acesso: 2 de nov. 2014.

PINC, Tânia Maria. O uso da força não letal pela polícia nos en-

contros com o público. Tese (Mestrado) apresentada ao

programa de pós-graduação em ciência política da Univer-

sidade de São Paulo. 2006. Disponível em: <http://www.

teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-28052007-

151500/pt-br.php>. Acesso: 2 de nov. 2014.

Leis

BRASIL. Lei nº 192, de 17 de janeiro de 1936. Reorganiza, pelos

Estados e pela União, as Policias Militares sendo conside-

radas reservas do Exercito. Rio de Janeiro, Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1930-1939/

lei-192-17-janeiro-1936-501765-publicacaooriginal-1-pl.

html>. Acesso: 2 de nov. 2014.

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______. Decreto-lei nº 667, de 2 de julho de 1969. Reorganiza as

Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos

Estados, dos Território e do Distrito Federal, e dá outras

providências. Brasília, Disponível em: <http://www.pla-

nalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0667.htm>. Acesso:

2 de nov. 2014.

______. Decreto-lei nº 217/70, de 8 de abril de 1970. Dispõe so-

bre a constituição da Polícia Militar do Estado de São Pau-

lo, integrada por elementos da Força Pública do Estado e

da Guarda Civil de São Paulo. São Paulo, Disponível em:

<http://governo-sp.jusbrasil.com.br/legislacao/223589/

decreto-lei-217-70>. Acesso: 2 de nov. 2014.

______. Lei Complementar nº 826, de 20 de junho de 1997.

Cria, na Secretaria da Segurança Pública, a Ouvidoria da

Polícia do Estado de São Paulo e dá outras providências

correlatas. São Paulo, Disponível em: <http://www.al.sp.

gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/1997/lei.

complementar-826-20.06.1997.html>. Acesso: 2 de nov.

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______. Lei Complementar nº 893, de 9 de março de 2001. Regula-

mento Disciplinar da Polícia Militar. São Paulo, Disponível

em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.

complementar/2001/lei.complementar-893-09.03.2001.

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Pesquisas e estatísticas

FÓRUM Brasileiro de Segurança Pública. 7° Anuário Brasileiro

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mseguranca.org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-

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FÓRUM Brasileiro de Segurança Pública. 8° Anuário Brasileiro

de Segurança Pública. 2014. Disponível em: <http://www.forum-

seguranca.org.br/storage/download//8o_anuario_brasileiro_de_

seguranca_publica.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2014.

MAPA DA VIOLÊNCIA. Homicídios e Juventude no Brasil. Atuali-

zação 15 a 29 anos. 2014. Disponível em: <http://www.mapadaviolen-

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NEV - Núcleo de Estudos da Violência da USP. Violência Poli-

cia. Disponível em <http://www.nevusp.org/portugues/index.

php?option=com_content&task=view&id=743&Itemid=80>.

Acesso em: 2 nov. 2014.

SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. SP

Demográfico. 2012. Disponível em <http://produtos.seade.gov.

br/produtos/spdemog/out2012/spdemog_out2012.pdf>. Acesso

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SSP - Secretaria de Segurança Pública. Perfil de homicídio. 2014.

Disponível em <http://www.ssp.sp.gov.br/novaestatistica/Perfi-

lHomicidio.aspx>. Acesso em: 2 nov. 2014.

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SSP - Secretaria de Segurança Pública. Estatísticas trimestrais.

2014. Disponível em <http://www.ssp.sp.gov.br/novaestatistica/

Trimestrais.aspx>. Acesso em: 2 nov. 2014.

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