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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLVIII, número 11 (2.456) Cidade do Vaticano quinta-feira 16 de março de 2017 y(7HB5G3*QLTKKS( +_!"!%!=!#! No Angelus o Pontífice recordou a tragédia ocorrida na Guatemala A favor dos jovens vítimas de violência O Papa para esta época GIOVANNI MARIA VIAN Tem início o quinto ano do pon- tificado e Francisco aproveitou de novo a ocasião, que lhe foi dada através de uma pergunta formula- da por um menino numa paró- quia romana, para refletir sobre o serviço papal, respondendo com palavras simples e radicais: «Jesus escolhe quem Ele quer que seja Papa nesta época; noutro tempo escolhe outro, e outro, e outro». Abrindo-se imediatamente depois a uma confidência: «Gosto disto; e gostava também quando era pá- roco numa paróquia, reitor da fa- culdade e também pároco, am- bos, gostava muito. Apreciava também dar aulas de catecismo, celebrar a missa para as crianças, gostava. Sempre gostei de ser sa- cerdote». Esta consciência do Pontífice, simples e imediata, comove por- que deixa transparecer uma since- ridade de vida que se apresenta de modo desarmante. «O que Deus quer, o que o Senhor te concede é bom, porque quando o Senhor te dá uma tarefa a realizar — um trabalho, ser pastor de uma paróquia ou de uma diocese, ou ser Papa, pastor — confia-te uma tarefa», acrescentou, insistindo em seguida com as crianças sobre a missão dos párocos e dos bis- pos: não só levar a paz, mas «en- sinar a palavra de Deus, fazer ca- tecismo». Eis então, quem quiser compreender realmente Bergoglio deve considerar estas suas respos- tas, abandonando caricaturas mal- Uma oração «por todos os jovens vítimas de violência, de maus-tratos, de exploração e de guerras»: foi pe- dida pelo Papa Francisco no final do Angelus de 12 de março, na praça de São Pedro. Porque, explicou no seu fervoroso apelo, «é uma chaga, é um grito abafado que deve ser ouvido por todos nós e que não podemos continuar a fingir que não vemos nem ouvimos». Em particular, o Pontífice refe- riu-se às vítimas do «grave e triste incêndio que rebentou dentro da Casa Refúgio Virgem da Assunção» na Guatemala. Garantindo a sua proximidade ao povo do país da América Central, Francisco expres- sou solidariedade também às jovens que ficaram feridas. Antes da oração mariana, como de costume, o Papa tinha comentado o evangelho do segundo domingo da quaresma, centrado no episódio da transfiguração de Jesus. «A “lumino- sidade” que caracteriza este evento extraordinário — explicou — simboli- za a sua finalidade: iluminar as men- tes e os corações dos discípulos para que possam compreender claramente quem é o seu Mestre. É um raio de luz que se abre de repente sobre o mistério de Jesus e ilumina toda a sua pessoa e toda a sua vicissitude». A mesma temática depois foi reto- mada pelo Bispo de Roma na parte da tarde, durante a homilia da missa celebrada na paróquia de Santa Ma- dalena de Canossa. No decurso da visita pastoral a Ottavia o Pontífice encontrou-se também com várias realidades da comunidade, estabele- cendo sobretudo com as crianças um denso diálogo feito de perguntas e respostas, que entre memória e refle- xão, se tornou um momento de cate- quese: o encontro com Jesus? É sempre Ele quem dá o primeiro pas- so. Melhor ser Papa ou pároco? Os dois, o importante é fazer bem o que Deus quer. Do que tem medo o Pontífice? Dos malvados, da malda- de, dos mexericos que são como bombas. Os momentos bons? Mui- tos, assistir ao futebol na tarde de domingo com o pai e às vezes tam- bém com a mãe; e o encontro com um grupo de velhos amigos de esco- la. Telemóvel ou tv? A tecnologia ajuda a comunicar mas já não somos capazes de dialogar, sobretudo de ouvir os outros. PÁGINAS 2 E 3 CONTINUA NA PÁGINA 8 Início do quinto ano de pontificado Coragem de dizer tudo PÁGINAS 8 A 10 Nas aparições em Fátima Mensagem de esperança ANGELO SODANO NA PÁGINA 14 Mulheres no Antigo Testamento A profetisa Ana LUÍSA MARIA ALMENDRA NA PÁGINA 12 Familiares à espera de informações depois do incêndio (Ap) Durante os exercícios espirituais um fio de oração e de solidariedade uniu o Papa e a Cúria romana à atormentada cidade de Alepo. De facto, o último dia de retiro em Aric- cia, sexta-feira 10 de março, iniciou com a missa celebrada pelo Pontífice e oferecida pela Síria, e foi carateri- zado por um gesto concreto de pro- ximidade e solidariedade: Francisco, graças também ao contributo da Cú- ria romana, enviou o valor de cem mil euros aos pobres da cidade síria, através de uma espécie de gemina- ção espiritual entre o pregador dos exercícios, o franciscano Giulio Mi- chelini, e o seu irmão de hábito pá- roco em Alepo, Ibrahim Alsabagh. No final da última meditação Francisco quis agradecer expressa- mente ao pregador a preparação com a qual guiou a reflexão e recor- dou que às vezes uma simples pala- vra pode ser suficiente para favore- cer a meditação espiritual. Logo de- pois, o Pontífice regressou ao Vatica- no. E na parte da tarde, às 17h00, foi ao Vicariato de Roma para se encon- trar com os párocos prefeitos da dio- cese. PÁGINAS 4 A 7 Francisco na conclusão dos exercícios espirituais em Ariccia Uma ajuda às populações sírias

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Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · transfiguração de Jesus. «A “lumino-sidade” que caracteriza este evento extraordinário — explicou

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLVIII, número 11 (2.456) Cidade do Vaticano quinta-feira 16 de março de 2017

y(7HB5G3*QLTKKS( +_!"!%!=!#!

No Angelus o Pontífice recordou a tragédia ocorrida na Guatemala

A favor dos jovensvítimas de violência

O Papapara esta época

GI O VA N N I MARIA VIAN

Tem início o quinto ano do pon-tificado e Francisco aproveitou denovo a ocasião, que lhe foi dadaatravés de uma pergunta formula-da por um menino numa paró-quia romana, para refletir sobre oserviço papal, respondendo compalavras simples e radicais: «Jesusescolhe quem Ele quer que sejaPapa nesta época; noutro tempoescolhe outro, e outro, e outro».Abrindo-se imediatamente depoisa uma confidência: «Gosto disto;e gostava também quando era pá-roco numa paróquia, reitor da fa-culdade e também pároco, am-bos, gostava muito. Apreciavatambém dar aulas de catecismo,celebrar a missa para as crianças,gostava. Sempre gostei de ser sa-c e rd o t e » .

Esta consciência do Pontífice,simples e imediata, comove por-que deixa transparecer uma since-ridade de vida que se apresentade modo desarmante. «O queDeus quer, o que o Senhor teconcede é bom, porque quando oSenhor te dá uma tarefa a realizar— um trabalho, ser pastor de umaparóquia ou de uma diocese, ouser Papa, pastor — confia-te umatarefa», acrescentou, insistindoem seguida com as crianças sobrea missão dos párocos e dos bis-pos: não só levar a paz, mas «en-sinar a palavra de Deus, fazer ca-tecismo». Eis então, quem quisercompreender realmente Bergogliodeve considerar estas suas respos-tas, abandonando caricaturas mal-

Uma oração «por todos os jovensvítimas de violência, de maus-tratos,de exploração e de guerras»: foi pe-dida pelo Papa Francisco no final doAngelus de 12 de março, na praça deSão Pedro. Porque, explicou no seufervoroso apelo, «é uma chaga, é umgrito abafado que deve ser ouvidopor todos nós e que não podemos

continuar a fingir que não vemosnem ouvimos».

Em particular, o Pontífice refe-riu-se às vítimas do «grave e tristeincêndio que rebentou dentro daCasa Refúgio Virgem da Assunção»na Guatemala. Garantindo a suaproximidade ao povo do país daAmérica Central, Francisco expres-sou solidariedade também às jovensque ficaram feridas.

Antes da oração mariana, como decostume, o Papa tinha comentado oevangelho do segundo domingo daquaresma, centrado no episódio datransfiguração de Jesus. «A “lumino-sidade” que caracteriza este eventoextraordinário — explicou — simb oli-za a sua finalidade: iluminar as men-tes e os corações dos discípulos paraque possam compreender claramentequem é o seu Mestre. É um raio deluz que se abre de repente sobre omistério de Jesus e ilumina toda asua pessoa e toda a sua vicissitude».

A mesma temática depois foi reto-mada pelo Bispo de Roma na parteda tarde, durante a homilia da missacelebrada na paróquia de Santa Ma-dalena de Canossa. No decurso davisita pastoral a Ottavia o Pontíficeencontrou-se também com váriasrealidades da comunidade, estabele-cendo sobretudo com as crianças umdenso diálogo feito de perguntas erespostas, que entre memória e refle-xão, se tornou um momento de cate-quese: o encontro com Jesus? Ésempre Ele quem dá o primeiro pas-

so. Melhor ser Papa ou pároco? Osdois, o importante é fazer bem oque Deus quer. Do que tem medo oPontífice? Dos malvados, da malda-de, dos mexericos que são comobombas. Os momentos bons? Mui-tos, assistir ao futebol na tarde dedomingo com o pai e às vezes tam-

bém com a mãe; e o encontro comum grupo de velhos amigos de esco-la. Telemóvel ou tv? A tecnologiaajuda a comunicar mas já não somoscapazes de dialogar, sobretudo deouvir os outros.

PÁGINAS 2 E 3

CO N T I N UA NA PÁGINA 8

Início do quinto ano de pontificado

Coragem de dizer tudo

PÁGINAS 8 A 10

Nas aparições em Fátima

Mensagem de esperança

ANGELO SODANO NA PÁGINA 14

Mulheres no Antigo Testamento

A profetisa Ana

LUÍSA MARIA ALMENDRA NA PÁGINA 12

Familiares à espera de informações depois do incêndio (Ap)

Durante os exercícios espirituais umfio de oração e de solidariedadeuniu o Papa e a Cúria romana àatormentada cidade de Alepo. Defacto, o último dia de retiro em Aric-

cia, sexta-feira 10 de março, inicioucom a missa celebrada pelo Pontíficee oferecida pela Síria, e foi carateri-zado por um gesto concreto de pro-ximidade e solidariedade: Francisco,

graças também ao contributo da Cú-ria romana, enviou o valor de cemmil euros aos pobres da cidade síria,através de uma espécie de gemina-ção espiritual entre o pregador dosexercícios, o franciscano Giulio Mi-chelini, e o seu irmão de hábito pá-roco em Alepo, Ibrahim Alsabagh.

No final da última meditaçãoFrancisco quis agradecer expressa-mente ao pregador a preparaçãocom a qual guiou a reflexão e recor-dou que às vezes uma simples pala-vra pode ser suficiente para favore-cer a meditação espiritual. Logo de-pois, o Pontífice regressou ao Vatica-no. E na parte da tarde, às 17h00, foiao Vicariato de Roma para se encon-trar com os párocos prefeitos da dio-cese.

PÁGINAS 4 A 7

Francisco na conclusão dos exercícios espirituais em Ariccia

Uma ajuda às populações sírias

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 16 de março de 2017, número 11

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

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No Angelus o Pontífice convidou os fiéis à oração

Pelos jovensvítimas de violência

Encontro com os párocos prefeitos de Roma

Na tarde de sexta-feira 10 de março o Papa Francisco foi ao Vicariato de Romapara se encontrar com os párocos prefeitos da diocese

Uma oração «por todas as moças e rapazesvítimas de violências, de maus-tratos, deexploração e de guerras», foi pedida pelo Papano final do Angelus de 12 de março, na praçade São Pedro. Em precedência o Pontífice tinhacomentado o evangelho do segundo domingo deq u a re s m a .

Amados irmãos e irmãs, bom dia!O Evangelho deste segundo domingo deQuaresma apresenta-nos a narração daTransfiguração de Jesus (cf. Mt 17, 1-9). To-mou consigo em particular três apóstolos,Pedro, Tiago e João, subiu com eles a umalto monte, e lá deu-se este singular fenó-meno: o rosto de Jesus «brilhou como o sole as suas vestes tornaram-se brancas como aluz» (v. 2). Deste modo o Senhor fez res-plandecer na sua própria pessoa aquela gló-ria divina que se podia obter com a fé nasua pregação e nos seus gestos milagrosos.E a transfiguração, no monte, é acompanha-da pela aparição de Moisés e Elias, «queconversavam com Ele» (v. 3).

A «luminosidade» que caracteriza esteevento extraordinário simboliza a sua finali-dade: iluminar as mentes e os corações dosdiscípulos para que possam compreenderclaramente quem é o seu Mestre. É um raiode luz que se abre de repente sobre o misté-rio de Jesus e ilumina toda a sua pessoa etoda a sua vicissitude.

Agora decididamente encaminhado paraJerusalém, onde deverá sofrer a condenaçãoà morte por crucificação, Jesus quer prepa-rar os seus para este escândalo — o escânda-lo da cruz — para este escândalo demasiadoforte para a sua fé e, ao mesmo tempo, pre-nunciar a sua ressurreição, manifestando-secomo o Messias, o Filho de Deus. Com efei-to, Jesus estava a demonstrar-se um Messiasdiverso em relação às expetativas, àquiloque eles imaginavam acerca do Messias, co-mo era o Messias: não um rei poderoso eglorioso, mas um servo humilde e desarma-do; não um senhor de grandes riquezas, si-nal de bênção, mas um homem pobre, quenão tem onde reclinar a cabeça; não um pa-triarca com descendência numerosa, mas umsolteiro sem casa nem refúgio. É deverasuma revelação invertida de Deus, e o sinal

mais desconcertante desta escandalosa inver-são é a cruz. Mas precisamente através dacruz Jesus chegará à ressurreição gloriosa,que será definitiva, não como esta transfigu-ração que durou um momento, um instante.

Jesus transfigurado no monte Tabor quismostrar aos seus discípulos a sua glória, nãopara evitar que eles passassem através dacruz, mas para indicar onde carregar a cruz.Quem morre com Cristo, com Cristo ressus-citará. E a cruz é a porta da ressurreição.Quem luta juntamente com Ele, com Eletriunfará. Eis a mensagem de esperança quea cruz de Jesus contém, exortando à fortale-za na nossa existência. A Cruz cristã não éum adorno de casa nem um ornamento pes-soal, mas a cruz cristã é uma chamada aoamor com o qual Jesus se sacrificou parasalvar a humanidade do mal e do pecado.Neste tempo de Quaresma, contemplemos

com devoção a imagem do crucificado, Je-sus na cruz: ele é o símbolo da fé cristã, é oemblema de Jesus, morto e ressuscitado pornós. Façamos com que a Cruz ritme as eta-pas do nosso itinerário quaresmal para com-preender cada vez mais a gravidade do pe-cado e o valor do sacrifício com o qual oRedentor salvou todos nós.

A Virgem Santa soube contemplar a gló-ria de Jesus escondida na sua humildade.Que ela nos ajude a estar com Ele na ora-ção silenciosa, a deixarmo-nos iluminar pelasua presença, para trazer ao coração, atravésdas noites mais escuras, um reflexo da suaglória.

No final da prece mariana o Papa uniu-se aoluto do povo da Guatemala, onde um incêndiocausou vítimas e feridos entre as jovenshóspedes de uma casa de acolhimento.

Queridos irmãos e irmãs!Expresso a minha proximidade ao povo daGuatemala, que vive em luta pelo grave etriste incêndio que rebentou dentro da CasaRefúgio Virgem da Assunção, causando víti-mas e feridos entre as jovens que ali habita-vam. O Senhor acolha as suas almas, cureos feridos, conforte as suas famílias angus-tiadas e toda a nação.

Rezo também e peço-vos que rezeis comi-go por todas as moças e jovens vítimas deviolências, de maus-tratos, de exploração ede guerras. Esta é uma chaga, este é um gri-to abafado que deve ser ouvido por todosnós e que não podemos continuar a fingirque não vemos nem ouvimos.

Dirijo uma cordial saudação a todos vósaqui presentes, fiéis de Roma e de tantaspartes do mundo.

A todos desejo bom domingo. Por favornão vos esqueçais de rezar por mim. Bomalmoço e até à vista!

Pablo Picasso, «Crucificação» (1930)

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número 11, quinta-feira 16 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Homilia da missa com os fiéis da paróquia romana de Santa Madalena de Canossa

Antecipação da ressurreição

Resposta às necessidadesdas pessoas

GA E TA N O VALLINI

Começou com o entusiasmo encan-tador e contagioso das crianças edos jovens que frequentam a cate-quese e dos escuteiros — entre aper-tos de mão, abraços, troca de piadase os já habituais selfies — a visita doPapa à paróquia de Santa Madalenade Canossa. Foi o primeiro encontrodos tantos em programa, através dosquais Francisco pôde conhecer umacomunidade jovem e viva, ponto dereferência numa zona da periferiaoeste da cidade na qual, entre carên-cia de serviços e consequências dacrise económica que atingiu muitasfamílias, os problemas são muitos,assim como as necessidades às quaisdar uma resposta.

Tendo chegado adiantado de 15minutos em relação ao programa esaudado a multidão em festa, o Pon-tífice foi recebido pelo cardeal vigá-rio, Agostino Vallini, pelo bispoPaolo Selvadagi, auxiliar do setoroeste, pelo prepósito-geral da con-gregação dos Filhos da caridade (ca-nossianos) à qual foi confiada a guiada paróquia desde a instituição em1988, Giorgio Valente, pelo seu vigá-rio, Antonio Papa, pelo pároco,Giorgio Spinello, pelo vigário paro-quial, Antonio Vettorato, e pelos co-

laboradores, Sergio Pinato e SandroSantoni.

O Papa respondeu aos acenos dospresentes, até das muitas pessoasque estavam nas varandas e nas ja-nelas dos edifícios adjacentes à paró-quia enfeitados com festões e balõescoloridos, tornando a atmosfera ain-da mais alegre desse domingo de cli-ma já primaveril. Chegou ao campodesportivo para se encontrar com osjovens, e daqui — depois de um bre-ve momento diante da estátua deSanta Madalena — deslocou-se parao interior do conjunto paroquial,inaugurado em 1996.

No teatro Francisco encontrou àsua espera as sessenta e cinco crian-ças batizadas no último ano, com osseus pais, irmãos e irmãs. Entre ochoro de algum recém-nascido can-sado pela espera e tanta emoção, oPapa saudou todas as famílias. A ca-da uma delas dirigiu uma pergunta,uma palavra de encorajamento e al-guma piada. Como quando sorrindorecordou a um casal com quatro fi-lhas que será difícil encontrar paratodas um namorado e fazê-las casar.No final, antes de convidar os pre-sentes — como fez na conclusão decada encontro — a rezar a Nossa Se-nhora uma Ave-Maria, Franciscopronunciou uma breve saudação.

«Agradeço-vos muito por estar aqui:é cansativo ficar de pé, com as crian-ças» disse, pedindo em seguida querezassem por ele: «Preciso disso, eeu rezarei por vós, para que estascrianças cresçam bem e sejam pes-soas de bem. Obrigado por dardes avida: isto é grandioso! Faz-nos asse-melhar muito a Deus, dar a vida: éesta que ele dá».

Como sempre, foi comovedor oencontro com os idosos e os doen-tes, reunidos na cripta. Entre elesPalmira e Parisse Simoni, de 92 e 89anos, dois irmãos de San Pellegrinodi Norcia que perderam a casa nosismo, e agora são hóspedes de uma

sobrinha em Ottavia. O Pontíficesaudou todos com grande afeto, de-tendo-se em particular com uma reli-giosa cega, a irmã Pierina, de 82anos, das Servas da Encarnação quetrabalham na clínica Salus. A reli-giosa contou-lhe que o conheceu emBuenos Aires, onde estivera nos anosoitenta para assistir a mãe e frequen-tava a paróquia de San José de Flo-res. «Hoje não o vejo com os olhos— contou emocionada — mas com ocoração».

Francisco agradeceu a todos eprometeu rezar por eles. «A doença

CO N T I N UA NA PÁGINA 11

«Nós estamos habituados a falar dos pecados dosoutros: é uma coisa feia»; seria melhor «olhar paraos nossos pecados e para Ele, que se fez pecado»para a salvação dos homens. Foi a lição que o PapaFrancisco tirou do episódio evangélico datransfiguração, celebrando a missa do segundodomingo de Quaresma na paróquia romana deSanta Madalena de Canossa, onde foi em visitapastoral na tarde de domingo 12 de março.

citasse da morte, ou seja, na ressurreição Jesus te-rá — tivera, mas naquele momento ainda não ti-nha ressuscitado — o mesmo rosto luminoso, bri-lhante, será assim! Mas o que pretendia dizer?Que entre esta transfiguração, tão bonita, e aque-la ressurreição, haverá outro rosto de Jesus: have-rá um rosto não tão belo; haverá um rosto feio,desfigurado, torturado, desprezado, ensanguenta-do pela coroa de espinhos... Todo o corpo de Je-

2 Cor 5, 21). O pecado é a coisa mais desagradá-vel; o pecado é a ofensa a Deus, a bofetada aDeus, é dizer não a Deus: “Não me importo deti, prefiro isto...”. E Jesus fez-se pecado, aniqui-lou-se, abaixou-se até ali... E a fim de preparar osdiscípulos para não se escandalizar por o ver as-sim, na cruz, fez esta transfiguração.

Nós estamos habituados a falar dos pecados:quando nos confessamos — “Cometi este e aquelep ecado” — e também na Confissão, quando so-mos perdoados, sentimos que estamos perdoadosporque Ele assumiu este pecado na Paixão: Elefez-se pecado. Nós estamos habituados a falar dospecados dos outros. Não é bom fazê-lo... Em vezde falar dos pecados do próximo, não digo quenos façamos nós pecado, porque não podemos,mas olhemos para os nossos pecados e para Ele,que se fez pecado.

Este é o caminho rumo à Páscoa, rumo à Res-surreição: ir em frente com a segurança destatransfiguração; ver este rosto tão luminoso, tãobelo que será o mesmo na Ressurreição e o mes-mo que encontraremos no Céu, e ver também ooutro rosto, que se fez pecado, pagando assim,por todos nós. Jesus fez-se pecado, fez-se maldi-ção de Deus por nós: o Filho bendito, na Paixãotornou-se maldito porque assumiu sobre si os nos-sos pecados (cf. Gl 3, 10-14). Pensemos nisto.Quanto amor! Quanto amor! E pensemos tam-bém na beleza do rosto transfigurado de Jesusque encontraremos no Céu. E que esta contem-plação dos dois rostos de Jesus — o transfiguradoe o que se fez pecado, feito maldição — nos enco-raje a ir em frente pelo caminho da vida, pelo ca-minho da vida cristã. Nos encoraje a pedir perdãopelos nossos pecados, a não pecar tanto... Nosencoraje sobretudo a ter confiança, porque se Elese fez pecado foi porque assumiu sobre si os nos-sos. E Ele está sempre disposto a perdoar-nos.Devemos apenas pedi-lo.

Neste trecho do Evangelho (cf. Mt 17, 1-9), faz-sereferência duas vezes à beleza de Jesus, de Jesus-Deus, de Jesus luminoso, de Jesus cheio de ale-gria e de vida. Primeiro, na visão: “E foi transfi-gurado”. Transfigura-se diante deles, dos discípu-los: “O seu rosto brilhou como o sol e as suasvestes tornaram-se brancas como a luz». E Jesustransforma-se, transfigura-se. A segunda vez, en-quanto desciam do monte, Jesus ordenou-lhesque não falassem desta visão antes que Ele ressus-

sus será precisamente como algo para deitar fora.Duas transfigurações e no meio Jesus Crucificado,a cruz. Devemos olhar muito para a cruz! É Je-sus-Deus — “este é o meu Filho”, “este é o meuFilho muito amado!” — Jesus, o Filho de Deus, opróprio Deus, no qual o Pai pôs todo o seu enle-vo: ele aniquilou-se para nos salvar! E para usaruma palavra demasiado forte, muito forte, talvezuma das palavras mais fortes do Novo Testamen-to, uma palavra que Paulo usa: fez-se pecado (cf.

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 16 de março de 2017, número 11

Quarta e quinta meditação dos exercícios espirituais

Evangelho segundo JudasA partir do suicídio de Judas — «umfacto histórico incómodo e embara-çante com o qual a Igreja não temmedo de fazer as contas» — nasceu«uma obra de misericórdia»: com astrinta moedas que tentou inutilmen-te devolver aos sacerdotes, «acabou-se, de facto, por construir um cemi-tério para a sepultura dos estrangei-ros» em Jerusalém. Foi precisamentesobre a «delicada questão» do suicí-dio de Judas e acerca da «sua perdada fé no Senhor», que o padre Giu-lio Michelini falou ao Papa e aosseus colaboradores da Cúria romanana manhã de 8 de março, na quintameditação dos exercícios espirituais,na Casa Divin Maestro em Ariccia.Para o pregador — que recebeu ume-mail de testemunho de um irmãode hábito, pároco em Alepo, no qualdescreve o calvário da população —é significativo que aquele sangue,contrariamente às acusações antiju-daicas de deicídio, movidas sobretu-do a partir do século V, não recaia«sobre a cabeça de Israel» mas nocampo comprado com o sangue deCristo que se tornou, portanto,«obra de misericórdia».

As crónicas dos nossos dias, ob-servou o franciscano, estão cheias de«casos de suicídios e suicídios assis-tidos», referindo-se expressamente àvicissitude do «jovem que se matoudepois que a sua mãe pediu a inter-venção da guarda fiscal», porque fa-zia uso de entorpecentes. Mas «osuicídio de Judas interpela-nos a to-dos diretamente» afirmou o padreMichelini, fazendo referência ao tre-cho de Mateus (27, 1-10). E se «oEvangelho não nos oferece elemen-tos seguros» para compreender asrazões do seu comportamento, «ahipótese é que num certo ponto te-nha perdido a fé no Senhor». Corro-borando esta afirmação, o religiosopropôs um testemunho do escritorfrancês Emmanuel Carrère que, noromance autobiográfico Le Royaume(2014) não esconde a própria expe-riência de desilusão: «Num certo pe-ríodo da minha vida fui cristão. Du-rou três anos. Já não o sou», acres-centando: «Abandono-te, Senhor,mas Tu, não me abandones».

Substancialmente Carrère, comen-tou o padre Michelini, «diz queabandonou a fé em Cristo depois deo ter amado sem o ter visto». Aocontrário, Judas «esteve muito pró-ximo de Jesus, conheceu-o em carnee osso». E mais: «Judas seguiu comentusiasmo Jesus que o chamou, ou-viu as suas palavras e viu os sinaisque realizou». Citando RomanoGuardini, «Judas estava realmentedisposto ao seguimento do mestre».Mas, prosseguiu o padre Michelini,«num certo ponto deve ter aconteci-do algo que o levou a perder a féem Jesus, a não confiar mais». Toda-via «as razões não são dadas nosEvangelhos»; para Bento XVI «o queaconteceu a Judas já não é psicologi-camente explicável».

Por sua vez, o pregador aduziu «ahipótese de que Judas tenha pensa-do em entregar Jesus às autoridadesreligiosas a fim de que se mostrassecomo o messias de Israel». Resu-mindo, «Judas teria projetado sobreo rosto de Jesus a imagem do seu

não deixou de advertir contra o jul-gar-nos «superiores a Judas, porquetodos nós abandonamos Jesus, atéPedro o negou». Eis então o convitea questionar-nos «se não há na nos-sa vida muitos dias nos quais aban-donamos Cristo, o nosso saber me-lhor, o nosso sentimento mais santo,o nosso dever, o nosso amor pelavaidade, uma sensualidade, um lu-cro, uma segurança, um ódio, umavingança?». E assim, segundo Guar-dini, «temos poucas justificações pa-ra falar ainda com indignação sobreo “traidor”, porque Judas nos revelaa nós mesmos».

Voltando ao facto do suicídio deJudas — «um dos cinco sobre osquais se fala na Bíblia sem mencio-nar os impulsos suicidas que atin-gem muitas mulheres e muitos ho-mens» — o pregador indicou a ques-tão da motivação. Mais do que «de-sespero», esse gesto trágico exprime«remorso, arrependimento, consciên-cia e confissão do pecado cometi-do».

Mas há outro ponto focal que nosinterpela sem desculpas, afirmou opadre Michelini recorrendo a OsNoivos, cujo autor Alessandro Man-zoni — sugeriu — «deveria ser beati-ficado, talvez não canonicamente,

Exatamente nesta perspetiva,acrescentou, «é importante que aIgreja vá às ruas para se encontrarcom quem vive no pecado, que este-ja presente nos cárceres e nos luga-res onde há realidades que não que-remos ver», pubs e discotecas incluí-dos onde, confidenciou, alguns ir-mãos de hábito vão para evangelizar«e eu, como professor, simpatica-mente brinco com eles». Do evange-lho de Mateus, foi a indicação doreligioso, vem também a sugestão desaber «fazer as contas com os pró-prios problemas e escândalos, semnada esconder». A ponto que oevangelista põe por escrito que entreos antepassados de Jesus há umap ro s t i t u t a .

Na tarde do dia 7 o pregador, du-rante a quarta meditação, propôsuma reflexão sobre «a oração de Je-sus e a sua captura no Getsémani»(Mt 26, 36-56), sugerindo ir com opróprio coração até ao Getsémanipara sentir a «tristeza» e a «angús-tia» de Jesus, questionando-nos deque modo nos pomos diante da «an-gústia do nosso próximo», se somoscapazes de manter «os olhos aber-tos» e de rezar ou se cedemos à ten-tação do sono. Outra questão a for-mular é «se posso compreender a

boa vontade de Deus como verda-deira para mim e para o mundo ouse tenho uma ideia imperfeita destasua vontade, como se fosse um “ca-pricho”, típico das atitudes dos pa-gãos».

Também é importante verificar,insistiu o pregador, «se me dou con-ta de quanto é importante aquelaque poderíamos chamar a versatili-dade do Pai de Jesus Cristo: a suavontade de salvação certamente é fir-me — como dizia Guardini — mas aforma como a realiza é condiciona-da». Assim «a omnipotência deDeus detém-se diante da liberdadeda sua criatura e depois se Deusmuda de ideia, de acordo com o li-vro de Jonas (3, 10), pode até arre-pender-se, precisamente como seconverteram os habitantes de Níni-ve, se até Deus se converte, comopode a sua Igreja não mudar, comopodemos permanecer fixos na nossarigidez?».

Para a sua meditação o padre Mi-chelini começou com um confrontoentre a oração de Jesus no horto dasOliveiras e no monte Tabor. As duassituações, explicou, têm semelhançasimpressionantes e «a situação exis-tencial» de Jesus é de provação: noprimeiro caso, porque Pedro e osoutros não compreenderam o senti-do do primeiro anúncio de Jesus quedissera que deveria morrer em Jeru-salém; no segundo porque Ele aca-bara de anunciar que alguém haveriade o entregar. Mas em ambos osmomentos, observou o pregador, osdiscípulos não entendem o que estáacontecendo.

Contudo, uma discriminante sepa-ra as duas cenas: no Tabor há a vozdo Pai que consola o Filho; no Get-sémani, ao contrário — exceto naversão de Lucas para quem Jesus éencorajado na luta por um anjo —não se ouve voz alguma. É Jesus,explicou o padre Michelini, que sedirige ao Pai, «aceitando que sejafeita a sua santa vontade de bem».Esta vontade originária não deseja amorte do Filho, mas a sua salvação,como escreveu Guardini em Il Signo-re : «Jesus viera para redimir o seupovo e, nele, o mundo. Isto deviacumprir-se através da dedicação à fée ao amor; mas falhou. Todavia, per-maneceu o mandato do Pai, que mu-dou de forma». E também a parábo-la dos vinhateiros homicidas, expli-cou o pregador, nos apresenta «umpai que envia o filho», certo de queserá respeitado. Mas o anúncio e apessoa de Jesus não são aceites eportanto o reino passará de outromodo: aquele que Jesus, no Getsé-mani, é chamado a aceitar. A propó-sito, o pregador falou da «teologiado plano B»: «Até diante da rejeiçãodo seu povo, que Jesus não podiater em conta desde o início, ele nãopara e aceita o “outro plano”, supor-tando o seu sacrifício». E Jesus, evi-denciou o religioso, exorta ainda osseus discípulos — como fez ele mes-mo no Getsémani, pondo em práticao Shemá, a oração de Israel — aamar «Deus com todo o coração eforças, até dar a vida». Isto certa-mente não é teoria mas realidade aviver diariamente.

José Ferraz de Almeida Júnior, «Remorso de Judas» (1880)

messias ideal: libertador, combaten-te, político». A ponto que no Evan-gelho de Mateus todos os discípuloschamam Jesus «Kyrie (Senhor)»: sóJudas o chama, por duas vezes,«Rabi» porque n’Ele, justamente,«vê só um mestre e mediante a en-trega deseja forçá-lo a fazer o quedesejaria».

Mas «como pôde acontecer queum homem escolhido pessoalmentepor Jesus tenha chegado a perder afé a ponto de já não o reconhecer?»:é uma pergunta que não nos podedeixar indiferentes. «Guardini pensanum processo com algumas fases,com muito apego ao dinheiro» ex-plicou o padre Michelini. «É menosarticulada, mas bastante sugestiva, arequintada análise do escritor israeli-ta Amoz Oz, que vê na crucificaçãoo momento da perda da confiançapor parte de Judas». E o pregador

por quanto disse sobre a nossa expe-riência de vida». Através do Evange-lho «não sabemos quem foi procurarJudas» depois que os sacerdotes otinham mandado embora com mausmodos «esquecendo-se que erampastores». Mas precisamente «a ex-periência do Inominado», no capítu-lo 21 do romance de Manzoni, narraacerca de «um homem que faz ascontas com os próprios pecados gra-ves». Até ao encontro com o cardealFederigo Borromeo que lhe pedeperdão por não o ter encontrado an-tes. «A Igreja, como nos ensina oPapa Francisco, deve sempre ir aoencontro do pecador», exclamou opadre Michelini. E desta maneiraJudas, naquelas horas terríveis, «cer-tamente encontrou-se com a partepior de si mesmo, com o seu erro, oadversário, o inimigo, a ponto quese suicidou».

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número 11, quinta-feira 16 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Sexta e sétima meditação dos exercícios espirituais

A voz da mulher

Padre Cantalamessa explica os temas das pregações quaresmais

Eternidade? Nada mais atual

Mikhail Gubin,«Crucifixion»

CO N T I N UA NA PÁGINA 6

As mulheres irrompem na cena dapaixão de Jesus segundo Mateus, fa-zendo sentir com discrição a suapresença e a sua voz e pedindo destemodo «que se faça com que hoje naIgreja as suas palavras não sejam ig-noradas». E precisamente para forta-lecer esta convicção, padre GiulioMichelini quis dar espaço à contri-buição de um casal de noivos, Ma-riateresa Zattoni e Gilberto Gillini,durante os exercícios espirituais parao Papa e a Cúria romana, que pro-puseram de novo o perfil da esposade Pilatos e «a sua tentativa fracas-sada de salvar Jesus».

Têm o mesmo fio condutor a sex-ta e a sétima meditação que o prega-dor propôs respetivamente na tardede quarta-feira 8 e na manhã dequinta-feira 9 de março em Ariccia.«A morte de Jesus é verdadeira ecertamente não aparente» é o pontode partida escolhido pelo pregadorpara a sua sétima reflexão, dedicadaexpressamente à «morte do Mes-sias» (Mt 27, 45-56). Ainda por ci-ma, especificou, «alguns detalhes danarração evangélica são tão inconve-nientes que para os exegetas repre-sentam precisamente indícios de his-toricidade, com base no chamado“critério de embaraço”: principal-mente, a sensação de abandono queJesus experimentou na cruz». Mas«a exacerbar o sentimento de aban-dono — explicou — é a incompreen-são de Jesus por parte de quem estáa assistir» à crucificação. Com efeito,«nos três Evangelhos sinópticos,aqueles que estão aos pés da cruznão compreendem o que está aacontecer e como morre o Messias:acreditam que Jesus chama Elias». Eeste «equívoco» é «uma última tor-tura».

Ao contrário, como se sabe, nacruz «Jesus chama o Pai, mas o Paiestá em silêncio e não intervém: eisoutro elemento embaraçoso de todaa narração». Precisamente «sobre ogrito do Pai — observou o pregador— o escritor israelita Amos Oz escre-veu algumas frases muito bonitas»,descrevendo a morte de Jesus «sob oponto de vista de Judas que está aassistir à crucificação esperando con-tudo que ele não morra». Oz pensaque, em primeiro lugar, Jesus chamavárias vezes a mãe. De resto, é umfacto incontestável que as mulherestenham assistido à crucificação. Eprecisamente aos pés da cruz Mariaé vista inclusive como mãe da Igre-ja.

Resta questionar-se, prosseguiu opregador, sobre o porquê de «mui-tos mal-entendidos nos Evangelhos,nos relacionamentos de Jesus com osadversários e com os apóstolos».Cristo «é constantemente incompre-endido, é um verdadeiro Iesus incom-p re h e n s u s », que não é «reconhecido,acolhido, entendido». Poderíamosafirmar, segundo o religioso, «que osequívocos são mecanismos de defe-sa: as ciências da linguagem fazem-nos notar que na comunicação en-tram em jogo o conteúdo e a relaçãoentre os comunicados. Muitas vezesconcordamos sobre o objeto, mas seo relacionamento estiver prejudica-do, e houver obstáculos humanos,então o conteúdo passa em segundoplano».

Por sua vez, «Jesus não deixou deexplicar e explicar novamente aosdiscípulos e adversários aquilo quenão compreendiam. Mas da cruz jánão pode explicar nada, embora sejaa cruz que explica tudo: assim Jesusnão pode esclarecer que não está achamar Elias, só pode confiar-se aoEspírito para que seja o Espírito aexplicar o que não conseguiu fazercompreender». Uma lição válidatambém para cada cristão, observouMichelini convidando a perguntar-se: «Como reajo quando os outrosnão me entendem ou quando mesinto incompreendido?». E a suges-tão é verificar «se posso melhorar aminha comunicação» e, contudo,«acolher a incompreensão com hu-mildade». Mas também deixar de la-do «orgulho e obstinação» procu-rando sempre compreender os ou-t ro s .

Foi significativo também, acres-centou, a comparação entre «a figu-ra do centurião aos pés da cruz»,que feriu Jesus com a lança, e a do«centurião de Cafarnaum», peloqual o Senhor cura uma pessoa que-rida: «Se Jesus oferece a outra faceaos soldados, ao centurião de Cafar-

naum, assim como ao que está aospés da cruz, oferece também o ladodo qual agora brotará água e sanguepara perdoar os pecados». Por con-seguinte, neste ponto da meditação,o pregador introduziu «uma questãoum pouco técnica de crítica textual,meramente filológica, mas de grandeinteresse teológico». Com efeito, noEvangelho de Mateus «afirma-seque o golpe de lança foi dado antesda morte de Jesus e não depois, co-mo no Evangelho de João. Jesus,deste modo, grita pela dor e o seu

brado não está separado do contextomas é causado justamente pelo gol-pe de lança». Além disso, «para Ma-teus o sangue de Jesus é a salvaçãodos pecados do mundo». Concluin-do, o religioso convidou a saber«ver a presença de Deus» não só«nos sinais gritantes», mas sobretu-do «na normalidade do quotidiano eno olhar do outro».

A sexta meditação, na tarde dequarta-feira 8 de março, «foi carate-

NICOLA GORI

Nas sociedades modernas e ultraconectadas, nas quaisos meios de comunicação ditam a agenda das priorida-des, há sempre a tentação de privilegiar o urgente aoimportante e de antepor o «recente» ao «eterno». Pre-cisamente contra esta tentação advertiu o capuchinhoRaniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifíciaque na sexta-feira 10 de março deu início ao ciclo depregações quaresmais na capela Redemptoris Mater doPalácio apostólico. Na entrevista concedida a L’O sser-vatore Romano o religioso explicou o tema deste ano— «Ninguém pode dizer: “Jesus é o Senhor” senão noEspírito Santo (1 Cor 12, 3)» — e antecipou algumas li-nhas de reflexão das pregações, que prosseguirão nassextas-feiras 17, 24 e 31 de março e 7 de abril.

Por que no centro da pregação está o Espírito Santo?

Dois motivos impeliram-me a dedicar as pregaçõesdo último Advento e desta Quaresma à pessoa e à obrado Espírito Santo. O primeiro é evidenciar a que con-sidero a verdadeira novidade do pós-Concílio, isto é,uma tomada de consciência mais clara do lugar do Es-pírito na vida e na teologia da Igreja. O segundo moti-vo, menos universal mas também importante, é que em2017 se celebra o cinquentenário do início da Renova-ção no Espírito na Igreja católica, que envolveu deze-nas de milhões de fiéis em todo o mundo, jubileu queo Papa Francisco deseja que se celebre, com particularsolenidade e abertura ecuménica, no próximo Pente-costes.

Quanto relevo é dado à atualidade nas meditações?

Se se entende «atualidade» no sentido de referênciasa situações ou eventos em ato, temo que haja bempouco de atual nas pregações que me preparo para mi-nistrar. Mas na minha opinião, «atual» não é só «oque está a acontecer» e não é sinónimo de «recente».As coisas mais «atuais» são as eternas, isto é, as quetocam as pessoas no núcleo mais íntimo da própriaexistência, em todas as épocas e culturas. É a mesmadistinção que existe entre «o urgente» e «o importan-te». Somos tentados a antepor sempre o urgente aoimportante e o «recente» ao «eterno». É uma tendên-cia que o ritmo contínuo da comunicação e a necessi-dade de novidade dos mass media tornam hoje particu-

larmente sensível. O que há de mais importante e atualpara o crente, aliás para cada homem, para cada mu-lher, de que saber se a vida tem sentido ou não, se amorte é o fim de tudo ou, pelo contrário, o início davida verdadeira? Então o mistério pascal da morte eressurreição de Cristo, que me preparo para reler à luzda redescoberta do Espírito Santo, é a única resposta atais problemas. A diferença que existe entre esta atuali-dade e a mediática da crónica é a mesma que há entrequem passa o tempo a olhar para o desenho deixadopela onda na praia — que a onda sucessiva apaga — equem eleva os olhos para contemplar o mar na suaimensidão.

O que significa para o homem de hoje o conhecimento daplena verdade?

A resposta pode parecer simplista mas é a única queo cristão pode dar: o conhecimento da plena verdadeou da única verdade que conta, é conhecer Cristo. Asduas primeiras pregações tratam exatamente deste te-ma: saber quem é Cristo; não só quem foi mas quem éhoje para mim e para o mundo. «Dai-me um ponto deapoio — teria exclamado o inventor da alavanca, Arqui-medes — e levantarei o mundo». Quem acredita na di-vindade de Cristo encontrou este ponto de apoio ina-balável na vida.

Ainda há espaço para o Espírito Santo nas nossas socieda-des?

O Espírito Santo não é uma ideia nem uma abstra-ção: é a realidade mais palpitante que se possa pensar.Não por nada a Escritura fala dele com os símbolos dovento, do fogo, da água, do perfume, da pomba. Goe-the via no Veni creator que é o hino por excelência doEspírito Santo, uma «invocação do génio, que fala po-derosamente a todos os homens dotados de espírito ede ânimo grande». Ele mesmo fez uma bonita tradu-ção alemã do hino e queria que fosse cantado todos osdomingos em sua casa. Vivemos numa civilização cara-terizada pelo predomínio absoluto da técnica. Teoriza-se até um computador capaz de pensar, mas ninguémnunca pensou num computador capaz de amar. O Es-pírito Santo — que é amor em estado puro e a fonte detodo o amor — é o único que pode infundir uma almana nossa humanidade ressequida.

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 16 de março de 2017, número 11

Oitava e nona meditação para a Cúria romana

No sinal da caridadeUm fio de oração e de solidariedadeuniu os exercícios espirituais — p re -gados ao Papa Francisco e à Cúriaromana na casa Divin Maestro deAriccia — à martirizada cidade síriade Alepo. O último dia de medita-ção, sexta-feira 10 de março, come-çou com a missa celebrada peloPontífice expressamente pela Síria.E distinguiu-se graças a um gestoconcreto de proximidade: graças àcontribuição da Cúria, Franciscodestinou aos pobres de Alepo aquantia de cem mil euros. E chegouimediatamente a resposta agradecidado pároco dessa cidade, Ibrahim Al-sabagh — autor do livro Un istanteprima dell’alba (Milano, EdizioniTerra Santa, 2016, 208 pp.), que foilido durante a semana — através deuma carta enviada ao pregador dosexercícios espirituais, padre GiulioMichelini.

Concluíram-se desta maneira, nosinal da caridade, os seis dias de re-tiro espiritual durante os quais opregador propôs uma série de refle-xões sobre a paixão, morte e ressur-reição de Jesus, à luz do Evangelhode Mateus.

Para estas últimas duas medita-ções, o franciscano inspirou-se numgesto de caridade «malogrado».Com efeito, se alguém tivesse tido a«caridade» de entrar no quarto deGregor Samsa — o personagem kaf-kiano da Me t a m o r f o s e — p ro v a v e l -mente de «inseto horrível» em quese transformara, ele teria «reencon-trado a sua humanidade», «voltandoa ser homem». E quantas pessoasnos dias de hoje, não num romancemas na vida real, esperam ouvir estaexpressão: «Tu és um homem!»?

Assim o pregador comparou a lei-tura do Evangelho de Mateus com acitação de «um dos autores mais re-presentativos do século passado»,guiando os presentes ao encontro deCristo ressuscitado que, «não obs-tante todas as nossas dúvidas e osnossos pecados», se aproxima sem-

pre do homem, perdoando-o. Destaforma, o «estar próximo» de Jesustorna-se um programa de vida paracada cristão.

Após uma semana de reflexões so-bre a paixão e morte de Jesus, o pre-gador disse: «Finalmente um suspi-ro, “Ele ressuscitou!”». A meditação

sobre o significado da cruz e do so-frimento dilui-se na consciência cris-tã, que consola: «A morte de Jesusnão é o fim do Evangelho, o fim éum novo início!».

Para fazer compreender melhoreste «despertar» — é precisamenteeste o significado fundamental doverbo grego (e g h e i ro ) usado paraanunciar que Jesus ressuscitou — opregador recordou a figura kafkianaque, numa certa manhã, acorda noseu quarto, transformado num inse-to: «Descobre que já não é um ho-mem!». «A questão do humanismo— frisou o religioso — sobressai for-temente na nossa época, e é aquique a ressurreição de Jesus manifestamais uma vez o seu vigor impetuo-so».

Contudo, é uma resposta que po-de encontrar obstáculos no homemque eleva as suas barreiras pessoais.O Evangelho de Mateus — disse opregador — é o único que sugere«corajosamente» as essenciais oposi-ções possíveis ao anúncio da ressur-reição, convidando assim a «meditarsobre as dúvidas e objeções do ho-mem de hoje».

Poder-se-ia dizer que «Jesus nãoressuscitou realmente» e que o seucadáver só foi roubado. Ou entãoque, de modo racional, «a ressurrei-ção não é possível», supondo por-tanto «uma morte aparente». Outrasobjeções realçam mais a relação dohomem com a notícia: mesmo quefosse verdadeira, «a ressurreição deJesus não muda a minha vida, éuma verdade do catecismo que nadatem a ver com a realidade diária».Eis outra objeção: «Estou tão ocu-

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A voz da mulher

rizada não só pelo seu conteúdo» —o processo romano contra Jesus, aesposa de Pilatos e os sonhos deDeus (Mt 27, 11-26) — «mas tambémpela modalidade com a qual foi pre-parada», explicou o próprio Miche-lini. De facto, foi escrita com oscônjuges Mariateresa Zattoni e Gil-berto Gillini. Com eles o franciscanocolabora «desde há diversos anospregando exercícios espirituais às fa-mílias e noutros encontros de forma-ção». Juntos escreveram alguns li-vros «que apresentam uma duplaforma de leitura do texto bíblico,exegética e contextual familiar». Opregador está convicto de que «a lei-tura e a exegese da Escritura não sãouma prerrogativa dos consagradosou dos agentes do setor, e que os ca-sais e as famílias devem ser ajudadosa praticá-las: algo que até agora —realçou — não parece ter sido feitode forma convicta na nossa Igreja».

Para a meditação Michelini inspi-rou-se no processo romano, apon-tando sobre a escolha feita por Pôn-cio Pilatos, entre Jesus e Barrabás. Erecordou a interpretação citada porBento XVI no respeitante a uma va-riante textual, proposta por Oríge-nes, sobre o nome de Barrabás queseria «o mesmo Jesus». Portanto,

explicou «a importância deste ele-mento para compreender o comple-xo sistema mediante o qual o evan-gelista Mateus considera a eficáciado sangue de Jesus para o perdãodos pecados. Este sistema teológicoposto em prática por Mateus nãonos deve fazer perder de vista a di-mensão humana de um facto aparen-temente óbvio e que é de uma gravi-dade sem precedentes: dois homensestão um em frente do outro; só ums o b re v i v e r á » .

A este propósito, o pregador fezreferência ao romance de WilliamStyron, Sophie’s choice (1979): narrade uma jovem mãe polaca deportadapara Auschwitz e obrigada por umoficial nazista a escolher qual dosseus dois filhos condenar à morte.Com esta pista de reflexão o religio-so recordou que «infelizmente o po-vo judeu foi, por séculos, acusadode deicídio pelos cristãos: finalmenteesta acusação absurda foi desmonta-da a todos os níveis». Porém, insis-tiu, «segundo a paixão de Mateus,esta acusação nunca deveria ter sidoconsiderada porque, como no casode Sophie, obrigada a condenar àmorte a própria filha, a responsabili-dade desta terrível decisão provémde quem permitiu à multidão esco-lher, ou seja, o prefeito romano».

E para delinear a figura da esposade Pilatos o franciscano deu espaçoà contribuição preparada pelo casal.«No meio da paixão de Jesus segun-do Mateus irrompe uma mulher»,observaram imediatamente os cônju-ges, evidenciando que, «no jogo depoder masculino, a cumplicidade en-tre um sumo sacerdote e Pilatos, ir-rompe justamente a voz ténue deuma mulher. Mas só através de ummensageiro, porque enquanto os ho-mens jogam a sua partida não lhe épermitido aproximar-se». Todavia,«a esposa de Pilatos pode legitimar-se diante destes homens porque, diz,“muito sofreu” por causa daquele“justo”» (Mt 27, 19).

A mulher cumpre «um ato deamor em relação ao marido» comu-nicando-lhe o seu sonho. E «espere-mos — é o auspício dos dois comen-tadores — que as mulheres sejamsempre capazes desta linguagem enão se tornem papagaios dos ho-mens quando eles jogam as suas par-tidas sobre o poder». Em síntese,«nos bastidores» a mulher, impoten-te, faz ouvir a sua voz e opõe o seusonho aos jogos de poder para sal-var aquele justo: «uma tentativa, po-rém, fracassada». Com efeito, Pilatos«lava as mãos, mostrando que nãoestá envolvido»: aliás, supõem-seque até ouviu a sugestão da esposa

de «não implicar com aquele justo»e talvez, «à noite em casa, lhe teráaté dito que não podia fazer mais doque isso para o salvar». Mas, é aconclusão dos dois cônjuges, «assimo casal atraiçoa-se si mesmo, a alian-ça conjugal é mal interpretada, é re-duzida ao próprio interesse, à vonta-de de ter razão, o que mata oamor».

Enfim, na última parte da medita-ção Michelini examinou «os cincosonhos do Evangelho da infância se-gundo Mateus, e o sonho da esposade Pilatos». Estes sonhos «devemser considerados no seu conjunto,porque representam aquilo ao quepoderíamos chamar o “sonho deD eus”: a salvação do filho, que atra-vés dos sonhos do início do Evange-lho foge de quem o quer assassi-nar». Mas «se José e os Magos com-preendem o que devem fazer, e ape-sar da fragilidade daquilo que rece-beram o colocam em prática, Pilatosao contrário não ouve a voz da es-posa, não ouve os sonhos, está inte-ressado unicamente, como já Hero-des, em preservar o poder». Umaquestão que interpela os crentes, atéos impelir a interrogar-se «qual é omeu sonho hoje e se corresponde,daquilo que posso entender, ao so-nho de Deus para mim».

Ulla Thynell, «Gregor Samsa» CO N T I N UA NA PÁGINA 7

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número 11, quinta-feira 16 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Francisco na conclusão dos exercícios espirituais em Ariccia

Uma palavra para todos

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Oitava e nona meditação

pado com a minha realidade» que«a ressurreição de Jesus não me inte-ressa». Trata-se da «globalização daindiferença», contra a qual o PapaFrancisco alertou muitas vezes,«convidando a não anestesiar aconsciência».

Além disso, acrescentou o prega-dor, há o confronto com a chamadapós-verdade: ou seja, que as notícias,verdadeiras ou falsas que sejam, têmuma impressionante potencialidadede difusão. Enfim, há que considerarque a ressurreição «é contudo umacontecimento meta-histórico, noqual só posso confiar olhando parao sepulcro vazio e ouvindo as narra-ções das sucessivas aparições de Je-sus aos discípulos».

São «desafios» nos quais cada umpoderá averiguar qual é a sua pes-soal resposta de fé. A sugestão dofranciscano — graças à analogia entrea metamorfose de Gregor Samsa e ade Jesus no monte Tabor, na qual«Jesus não se transformou» mas «semostrou pelo que era» — é de che-gar à consciência de que «Cristo res-suscitado é o mesmo Cristo homemda história»: portanto, uma «mensa-gem de libertação do homem».Abrem-se aqui duas sendas, e ambasdevem ser trilhadas. Antes de tudo épreciso «estudar mais a Bíblia» para«preencher a lacuna entre o NovoTestamento e o homem de hoje». Aoutra vereda é «a caridade», que te-ria salvado o protagonista do contode Kafka. É através destes dois ca-minhos que pode passar o «anún-cio» fundamental: «Ele ressusci-tou!».

Das palavras do Evangelho so-bressai um «detalhe interessante».

Mateus (28, 10) escreve: «Jesus dis-se-lhes [às mulheres]: “Não temais!Ide dizer aos meus irmãos que sevão à Galileia”». O franciscano re-cordou que alguns códigos omitemo pronome «meus» e outros a pala-vra «irmãos», como se se sentissem«constrangidos». Depois, o prega-dor explicou: «É difícil crer que Je-sus possa perdoar os onze discípu-los. Mas Jesus, como fez a figura bí-blica de José, “p erdoa” até quem o“negou”».

Cristo ressuscitado «vai ao encon-tro dos seus irmãos embora eles du-videm». É um pormenor que salien-ta as debilidades de cada cristão,mas consola com dois termos prefe-ridos de Mateus: o verbo «aproxi-mar-se» (p ro s é rc h o m a i ) e o nome«Emanuel» («Deus-connosco»). De-pois, o pregador dirigiu-se direta-mente ao seu auditório: «O Senhorressuscitado ama-vos e aproxima-sede todos nós porque é o Emanuel, oDeus que se faz próximo».

Uma certeza que deu uma respos-ta completa às interrogações levanta-das pelo franciscano na tarde prece-dente, 9 de março, oitava meditaçãodedicada ao tema «A sepultura e osábado de Jesus». Foi ali que o pre-gador franciscano levou idealmente,além do corpo de Jesus crucificado ecolocado no sepulcro, «todos os cru-cificados do mundo», evocando osmais horríveis massacres e injustiçasdesde o século passado até hoje:«Corpos de homens e mulheres se-pultados, queimados nas câmaras degás ou enterrados nas valas comunsdos gulags, perdidos ao largo doMediterrâneo, encontrados no ocea-no porque lançados de aviões nosvuelos de la muerte». Diante do mis-

tério do sofrimento, da morte, da vi-da e da cruz, o franciscano convidouos presentes a meditar sobre a atitu-de da «expetativa», deixando-se aju-dar mais uma vez pelas figuras femi-ninas apresentadas pela narraçãoevangélica de Mateus. Em especial,as mulheres que assistiram ao sepul-tamento de Jesus e esperaram diantedo sepulcro.

O pregador começou pelo sepul-tamento de Jesus: um gesto que«não é só um ato de piedade», masum verdadeiro «mandamento» parao crente. Uma prática, recordou ci-tando três trechos bíblicos (o sepul-tamento de Sara, de Moisés e dosdeportados de Nínive), profunda-mente radicada na tradição judaica.O sepultamento de Jesus «ratificoua realidade da morte do Messias deDeus». Um gesto que «sancionava ofim de tudo».

Mas então, interrogou-se, «porque as mulheres vão ao sepulcro?».Que podiam fazer? E questionou-se:«Que se pode fazer diante da dordo próximo?». Em certos casos, dis-se, «só podemos estar ali». Mas nãose trata de um gesto inútil, assim co-mo não foi vão o da irmã de Moisés,que seguiu de longe o destino do ir-mão mais jovem deixado nas águasdo Nilo, garantindo-lhe a salvação.Imediatamente, acrescentou, «somoslevados a pensar nas mulheres que,se de longe assistem à morte e ao se-pultamento do Messias, depois serãoas mesmas que propagarão a notíciada sua ressurreição». As mulheresforam «protagonistas de “um partoe x t r a o rd i n á r i o ”, em sentido simbóli-co, que se entrevê no seu estar senta-das diante do sepulcro. Uma sepul-tura que foi cortada da rocha, no-

va», como «um novo seio virginalque se abre para receber e conservarna memória, sobretudo das mulhe-res, o corpo do Crucificado» e que,com a ressurreição, «renasce para omundo».

As mulheres, explicou o religiosofranciscano, «esperam como se esti-vessem prestes a ter um parto, ofere-cendo tudo aquilo que podem, ouseja, o próprio sofrimento». Dianteda sepultura, elas assistem de certamaneira ao contraste entre a vida e amorte, recordando «que naquele se-pulcro teve lugar a luta que é a mãede todos os combates». Um renasci-mento que evoca até aquele de«quem vive no pecado e depois che-ga a uma nova vida em Cristo». Asmulheres «vão ao sepulcro, lugar demorte, e ali vivem a experiência donascimento da vida. Uma vez queninguém pode dar a vida a si mes-mo, dado que a recebe quando vemao mundo, do mesmo modo aconte-ce também com a vida que vem de-pois da morte, pois ninguém a podedar a si próprio. As mulheres que as-sistem ao sepultamento de Jesus di-zem-nos a única coisa que podemosfazer: esperar».

No final da sua meditação, o pre-gador franciscano exortou a fazerduas perguntas: que faço diante dosofrimento que «só posso observarde longe» e que aflige a humanida-de de hoje, «encho a minha atençãocom a oração, ou penso que simples-mente não há nada a fazer e afasto-me ainda mais daquela cruz?». E de-pois: como vivo a relação com amorte, «com medo e desespero, re-movendo-a, ou então confio noDeus de Jesus Cristo, que o resgatouda morte?».

Bonnie Bruno, «Resurrection»

Concluíram-se na manhã de sexta-feira, 10 de março, em Ariccia, osexercícios espirituais nos quaisparticiparam o Pontífice e os membrosda Cúria romana. No final da últimameditação proposta pelo franciscanoGiulio Michelini na capela da casaDivin Maestro dos religiosos paulinos,o Papa Francisco agradeceu aopregador com as seguintes palavras.

Desejo agradecer-te o bem que qui-seste fazer-nos e o bem que nos fi-zestes.

Antes de tudo, o teu mostrar-tecomo és, natural, sem “cara de santi-nho”. Natural. Sem artifícios. Comtoda a bagagem da tua vida: os estu-dos, as publicações, os amigos, ospais, os jovens frades dos quais tedeves ocupar... Tudo, tudo. Obriga-

guém encontra nos Exercícios umaspeto que dá alívio à desolação, de-ve ficar por ali e não ir em frente.Certamente, cada um de nós encon-trou um ou dois, entre todos eles. Eo resto não é desperdício, permane-ce, servirá para outra ocasião. E tal-vez as coisas mais importantes, maisfortes, podem não significar nadapara alguém, ou talvez uma palavri-nha, uma [pequena] coisa digamais... Como aquele gracejo dogrande pregador espanhol que, nofinal de uma ótima pregação bempreparada, aproxima-se dele um ho-mem — grande pecador público —em lágrimas, pedindo a confissão;confessou-se, muitos pecados e lágri-

mas, pecados e lágrimas. O confes-sor, assustado — porque conhecia avida deste homem — p erguntou:“Mas, diga-me, em que momentosentiu o senhor que Deus lhe tocavao coração? Com que palavra?...” —“Quando o senhor disse: Passemos aoutro assunto”. [ri, riem] Por vezes,as palavras mais simples são as quenos ajudam, ou as mais complicadas:a cada um, o Senhor dá a palavra[justa].

Agradeço-te isto e faço votos deque continues a trabalhar para aIgreja, na Igreja, na exegese, em tan-tas coisas que a Igreja te confia. Massobretudo, desejo que sejas um bomfrade.

do por seres “nor-mal”.

Depois, segundo,quero agradecer-te otrabalho que fizeste,como te preparaste.Isto significa respon-sabilidade, levar ascoisas a sério. E obri-gado por tudo o quenos deste. É verdade:há uma quantidadede coisas para medi-tar, mas Santo Ináciodiz que quando al-

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número 11, quinta-feira 16 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

No início do quinto anode pontificadoO número especial de L’Osservatore Romano paraa Argentina, publicado nos dias 11 e 12 de março,nas vésperas do aniversário de pontificado deFrancisco, foi pensado especificamente paradescrever estes quatro anos. A tiragem — que nototal foi de duzentos mil exemplares — é a maiselevada na história do jornal. No editorial deapresentação, que publicamos juntamente comoutros artigos, o coordenador da edição argentinaMarcelo Figueroa explica o conteúdo do númeroespecial. Na Itália, o diário «Corriere della Sera»de 13 de março dedicou duas páginas a esteaniversário. O jornalista Marco Ventura ressalta asprioridades do Papa Francisco: uma Igreja nãoautorreferencial mas em saída rumo às periferiasmateriais e existenciais, «abraçando os migrantesde Lampedusa, durante a primeira viagem dopontificado, há quatro anos». Valeria Della Valle,por sua vez, volta a percorrer o pontificado doponto de vista da língua, recordando algunsneologismos cunhados por Bergoglio. Depois,Luigi Accattoli enumera as nomeações mais

inesperadas destes anos. Por fim, Lucetta Scaraffiapõe em evidência a revolução coperniciana sentidapelo povo. Francisco, escreve a historiadora, é umhomem de envergadura que, no entanto, nummundo em que as pessoas se comunicam atravésdas imagens, soube transmitir a sua mensagemmediante imagens fortes: «Hoje o Papa já não évisto só como um símbolo institucional e depoder, depositário da lei divina, mas sobretudocomo nós, que precisa apenas — e ainda mais doque nós — de orações. Como não se cansa derecordar, desde o primeiro momento. E atransformação mais importante consisteprecisamente nisto: do alto da sua tarefa, ele nãopromete que rezará pelos outros mas, ao contrário,pede aos fiéis que o ajudem a cumpri-la».

Coragem de dizer tudoMARCELO FIGUEROA

São João Evangelista, cons-ciente de que não teria po-dido encerrar na sua obra o

alcance, a profundidade e a totali-dade dos poucos mais de trêsanos de ministério público de Je-sus, concluiu o seu Evangelho di-zendo: «Jesus fez ainda muitasoutras coisas. Se fossem escritasuma por uma, penso que nem omundo inteiro poderia conter oslivros que se deveriam escrever»(Jo 21, 25). Então, inspirado peloEspírito Santo decidiu selecionarseis sinais (cf. Jo 20, 30-31) comolinhas-guia para cumprir a sua ta-refa de comunicação vivificante.No princípio do seu Evangelhotomou outra decisão reveladora:apresentar com um hino cristão,como em jeito de nó inicial, aprotopresença de Cristo no mun-do (Jo 1, 1-18).

Ao preparar este número espe-cial de L’Osservatore Romanopara a Argentina, por ocasião dosquatro anos de pontificado deFrancisco, vimo-nos diante deuma dificuldade análoga. E foiexatamente o exemplo de SãoJoão que veio em nossa ajuda,para nos iluminar num caminhonarrativo inesperado. As diferen-ças com o evangelista são óbviasem termos de sacralidade, de re-velação e de pessoa à qual se fazreferência. No entanto, a convic-ção de que a fonte vivificante emissionária de Francisco se baseiana busca constante da imitatio Deido Jesus dos Evangelhos faz comque tais termos se transformemem instrumentos, tornando-se uminevitável manancial de compre-ensão do seu pontificado.

Situamos o protopapado deFrancisco na sua intervenção de-vocional durante o conclave emque foi eleito Sumo Pontífice daIgreja católica. Quem nos ofere-ceu o reflexivo «olhar joanino», àdistância de quattro anos, foi ocardeal Cláudio Hummes com assuas declarações especiais para es-te número comemorativo. A partirdali, o nó inicial da meada e osatuais fios comunicantes aplaina-ram o caminho da nossa tarefa eao mesmo tempo revelaram a coe-

rência de ação, de pensamento,de missão e sobretudo de espiri-tualidade destes quatro anos doprimeiro Papa argentino e latino-americano.

Às frase repletas de zelo apos-tólico e evangélico do então car-deal Jorge Mario Bergoglio, pro-nunciadas com parrésia (coragemde dizer tudo) somaram-se as pa-lavras-chave para a atual análisedo ministério de Francisco. A

chamada eclesiológica a sair rumoàs periferias que oprimem a hu-manidade foi um abraço aos po-bres, à paz e à criação. A visão deuma porta à qual bate de dentroo próprio Jesus Cristo para abar-car todos na sua Igreja, com aalegria do Evangelho, reflete-senos olhos da misericórdia.

Foi assim que nós, curadores,nos reconhecemos como merosespetadores, descobrindo aqueles

É necessária uma profunda teologia da mulher

Desmontar o clericalismo

Igreja em saída

«Não te esqueças dos pobres», disse o cardeal Cláudio Hummes duranteo conclave ao cardeal Bergoglio, que estava sentado ao seu lado, quandofoi alcançado o quórum para a eleição do novo Pontífice. Foi deste modoque o Papa recebeu a inspiração para escolher o nome de Francisco, umsanto que é símbolo da paz e da relação positiva com a criação. Publica-mos em seguida o breve texto do purpurado brasileiro para o número es-pecial dedicado ao aniversário de pontificado.

CLÁUDIO HUMMES

Francisco assumiu três grandes compromissos, no âmbito dos quaistrabalha. Ei-los: os pobres, a paz e a criação. Quando dirigiu o dis-curso aos jornalistas imediatamente após a sua eleição, pergunta-ram-lhe por que escolhera o nome de Francisco, ao que ele respon-deu: Francisco é o santo dos pobres, o santo da paz, o santo dacriação. São estes os seus três grandes pontos de referência. Ele fezuma grande mudança na Igreja, voltando a colocar fortemente nocentro a misericórdia e o amor, e não já a lei. A Igreja deve apostarmuito mais no amor e na misericórdia, e menos nas suas leis e es-truturas. E isto é fundamental para a Igreja, é uma reforma extraor-dinária. E sobre o problema da missão, ele fala de uma Igreja emsaída, de uma Igreja que vai ao encontro de todos, sobretudo rumoàs periferias dos pobres do mundo, dos descartados, dos refugiados,dos migrantes e dos enfermos. Trata-se de grandes mudanças que,pouco a pouco, vão penetrando no seio da Igreja e transformandotodos, como também eu fui transformado.

LU C E T TA SCARAFFIA

Desde o início do pontificado o problemadas mulheres na Igreja esteve muito presen-te nas palavras do Papa Francisco, enfrenta-do sempre com a concretude e a franquezaque depressa aprendemos a conhecer. À ad-missão da importância da figura materna nafamília acrescentou muitas vezes palavrasclaras de denúncia sobre as injustiças quepesam sobre as mulheres. Permaneceu céle-bre a sua repreensão a quem confunde a es-colha de serviço — que as mulheres, espe-cialmente as religiosas, desempenham commuita generosidade — com uma verdadeiraredução à condição de servidão. Para al-guns que estão fora da Igreja podem apare-cer afirmações óbvias, mas quem tem co-nhecimento de quantas religiosas são em-pregadas em trabalhos humildes ao serviçode sacerdotes, de cardeais a simples páro-cos, compreende a sua relevância crítica einovadora.

Sim, o Papa Francisco, que no passadocolaborou muitas vezes com mulheres, quetem amigas mulheres, revela-se imediata-mente ciente da importância e da urgênciado problema. E também da dificuldade queencontra quem procura inverter a situação,sacudir uma instituição intransigente numorganograma só masculino que não prevêintrusões femininas de qualquer tipo. O seuprojeto é claro: a abertura às mulheres nãodeve ser um simples alargamento à Igrejade uma revolução social que se verificou nomundo ocidental, uma adaptação passiva àmodernidade, mas uma reconsideração glo-bal da tradição cristã, ou seja, é necessáriotrabalhar para «uma profunda teologia damulher». É uma afirmação que irrita muitasteólogas feministas, que pensam que estateologia já foi feita, e exatamente por elas,mas que o Papa o ignore. Ao contrário,Francisco queria dizer que o trabalho aindanão tinha sido levado a cabo de maneirasuficiente, e sobretudo que este processodeveria envolver também os homens e che-gar a uma avaliação abrangente e unitáriada tradição.

Não me parece que esta sua proposta te-nha sido bem compreendida, ou verdadeira-mente acolhida como uma ocasião para irem frente com um passo diferente: por umlado, as teólogas mais críticas permanece-ram empoleiradas na sua posição dura derejeição de uma Igreja que nem sequer to-ma em consideração a possibilidade de rea-brir o capítulo do sacerdócio feminino, poroutro, as desanimadas não protestam masvivem, de uma certa maneira, às margensda vida da Igreja, fazendo grupo entre elas.

Mas Francisco foi em frente: de surpresa,concedeu à celebração da festa de MariaMadalena o mesmo valor litúrgico das cele-brações que cabem às festas dos apóstolos.Os jornalistas não se deram conta do alcan-ce revolucionário desta decisão, e para mui-tas feministas é sempre demasiado pouco.Mas, ao contrário, devemos reconhecer queo passo dado é de grande importância, emarca uma mudança da qual não se poderávoltar atrás: foi reconhecida a uma mulhera qualificação de apóstola, algo que nuncatinha acontecido e que abre possibilidadesinéditas para as mulheres não só de intervirativamente na evangelização — o que emgrande medida já fazem — mas sobretudode ver reconhecido o seu compromisso nes-te sentido.

Outro passo fundamental foi vivido du-rante a assembleia das delegadas das supe-rioras gerais: no passado, o Papa dirigia-lhes um discurso e uma bênção, desta vezdialogou com elas, respondendo às suasperguntas, exatamente como faz com os re-ligiosos. E não se limitou a responder nomomento, mas criou uma comissão específi-ca para debater o problema do diaconadofeminino, que tinha sido apresentado pelasreligiosas. Uma comissão que, pela primeiravez na história da Igreja, está formada empartes iguais por mulheres e por homens.

Essencialmente, Francisco interveio paraabrir algumas portas, para indicar um cami-nho: agora cabe às mulheres avançar. Semesperar que tudo lhe seja dado, que a mu-dança deve ser um dom ao qual têm direi-to. Certamente, merecido, mas sempre difí-cil de realizar.

No fundo, para nós mulheres seria sufi-ciente apenas continuar incansavelmente acolocar questões, a perguntar por que nun-ca se ouve o nosso parecer nas reuniões de-cisivas para o futuro da Igreja, como as doconselho de cardeais ou das congregaçõesque precedem o conclave. Em vez de pedirpara nos tornarmos cléricos, seria suficientedesmontar o clericalismo.

fios comunicantes através dos ar-tigos, das notas e dos diálogosque se sucederam para esta ediçãoespecial. Às declarações revelado-ras do cardeal Cláudio Hummesseguiram-se as reflexões e os es-critos exclusivos do cardeal KurtKoch, do prefeito Dario EdoardoViganò, do sacerdote jesuíta An-tonio Spadaro e da professoraLucetta Scaraffia, no âmbito doVaticano. Ao contrário, o olharargentino encontra-se refletidonos escritos do presbítero CarlosMaría Galli e de Adolfo PérezEsquivel, assim como no artigoescrito pelo filósofo Santiago Ko-vadloff.

A palavra de Francisco é apre-sentada de modo oficial, direta ecompleta no discurso à Cúria, nopassado mês de dezembro. Pala-vras e gestos constituem o fiocondutor deste número especialque, inclusive através da escolha

das imagens, procura comunicar ariqueza da comunicação visiva egestual de Francisco. Finalmente,as fotografias da capa e da con-tracapa imortalizam o instante emque Bergoglio atravessa o limiardo conclave como Sua SantidadePapa Francisco e o seu olharatento ao primeiro número destaedição de L’Osservatore Romanopara a Argentina.

Sinais, olhares, reflexões eacontecimentos que documentamos primeiros quatro anos destePapa vindo do «fim do mundo»,que ampliou o seu ministério àsperiferias do planeta inteiro. Umargentino que, partindo da «con-templação e adoração de JesusCristo» na sua vida pessoal, con-tinua a levar o Evangelho do Rei-no de Cristo a uma humanidadenecessitada desta «alegria dócil econsoladora».

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

dosas e «mexericos» perigosospor serem destrutivos e até diabó-licos, no sentido etimológico (defacto, diábolos significa «calunia-dor» ou «aquele que divide»).

Certamente, nos meios de co-municação não é fácil encontrartudo o que Francisco diz, mas ahonestidade exigiria que pelo me-nos os jornalistas e os chamadoscomentadores considerassem istopara ter uma ideia fidedigna dequem é verdadeiramente o Pontí-fice e para não transmitir imagensque, ao contrário, estão distantesda realidade. A ponto que o pró-prio Bergoglio tinha delineado,pouco antes do início do concla-ve, o perfil do novo Papa, «umhomem que, através da contem-plação de Jesus Cristo e da ado-ração de Jesus Cristo, ajude aIgreja a sair de si mesma rumo àsperiferias existenciais». Portanto,um Pontífice missionário.

E Francisco confirma-se missio-nário todos os dias, radicado naoração e na meditação, como ex-

plicou às crianças desejosas de oconhecer realmente, ao contráriode muitos adultos. «Um momen-to muito bonito para mim — gos-to muito — é quando posso rezarem silêncio, ler a Palavra deDeus: faz-me bem, gosto muito»,disse, acrescentando no final aquantos ainda não tivessem en-tendido: «E estas coisas digo-asàs crianças, mas para que as ou-çam também os adultos».

De resto, Bergoglio tinha con-vidado a rezar explicitamente des-de os primeiros momentos dopontificado quando com os fiéisrecitou o Pai-Nosso, a Ave-Mariae o Glória por Bento XVI, pedin-do em seguida «a oração do po-vo» pelo seu bispo e concluindoo seu primeiro e inesquecível dis-curso com uma solicitação, quedepois repetiu continuamente ecom o anúncio de um gesto quetambém se tornou familiar: «Re-zai por mim e até logo! Ver-nos-emos em breve: amanhã desejo irrezar a Nossa Senhora, para queproteja toda Roma».

O Papa para esta época

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 16 de março de 2017, número 11

Entrevista ao secretário de Estado no aniversário do pontificado

A reforma?Tudo parte do coração

ALESSANDRO GISOTTI

Celebra-se o quarto aniversário daeleição do Papa Francisco. Quatroanos vividos com grande intensidadepelo Pastor proveniente «quase dofim do mundo» que está a realizaruma obra de profunda renovação daIgreja. Também este quarto ano foidenso de momentos e documentosmagisteriais. Foi o ano de Am o r i slaetitia e do abraço histórico com opatriarca Cirilo em Cuba, o ano daJmj de Cracóvia e da visita a Aus-chwitz, da canonização da MadreTeresa e da viagem ecuménica aLund no quinto centenário da refor-ma de Lutero. Numa entrevista àRádio Vaticano (Secretaria para acomunicação), o cardeal secretáriode Estado Pietro Parolin traçou to-das essas linhas.

Voltemos àquele 13 de março de 2013quando o cardeal argentino Jorge Ma-rio Bergoglio foi eleito Papa.

Naquele dia, 13 de março, eu nãoestava em Roma mas em Caracas[como núncio na Venezuela]. Por-tanto a notícia chegou até nós aomeio-dia, quando em Roma já eranoite. Obviamente, em primeiro lu-gar senti uma grande surpresa poreste nome, pela eleição do cardealBergoglio, de quem tinha ouvido fa-lar mas não se previa naquele mo-mento que teria sido o novo Papa,pelo menos a imprensa não o apre-sentava entre os «papáveis». Entãofoi uma grande surpresa inclusivepelo nome, Francisco, que não esta-va na lista dos Papas e que, na mi-nha opinião, indicou imediatamenteaquelas que seriam as caraterísticasdo novo Pontífice. Depois, no seudiscurso, pronunciado com tantasimplicidade, com tanta paz e sereni-dade, comoveu-me sobretudo estaconfiança recíproca, o facto que elese tenha recomendado ao povo e pe-dido a oração do povo para queDeus o abençoasse, o «povo santode Deus», como o Papa Franciscogosta de dizer. Por outro lado, foi aentrega também do pastor ao povo,do povo ao pastor e do pastor aopovo e todos juntos a Deus. Distonasceu a imagem da Igreja que é umcaminhar juntos, pastor e povo, comconfiança, entregando-se todos àoração e por conseguinte à graça e àmisericórdia do Senhor.

O Santo Padre, desde os seus primeirospronunciamentos públicos, frisou a ne-cessidade de ser «Igreja em saída»,Igreja a caminho. Está a consolidar-sea diversos níveis da Igreja este estilosinodal, esta visão que o Papa apreciamuito?

Evidentemente é um caminho lon-go, progressivo, que, poderíamos di-zer, teve início com o concílio Vati-cano II, do qual o Papa Franciscoquer dar continuidade na sua aplica-ção na vida da Igreja. Parece-me im-portante esta Igreja a caminho, estaIgreja que se abre: antes de tudoabre-se ao Senhor, em saída rumo aoseu Senhor, para Jesus Cristo. E pre-cisamente porque a Igreja está em

saída rumo a Jesus Cristo conseguetambém acompanhar as pessoas, en-contrar-se com elas, acompanhá-lasna realidade de cada dia. Parece-memuito importante que este caminhoseja percorrido juntos. Eis a sinoda-lidade! A Igreja a caminho deve serconstruída juntos, mas sob a guia doEspírito santo. Portanto uma Igrejareunidade pelo Espírito onde cadaum está atento à sua voz e põe emcomum também os dons que o Espí-rito Santo lhe concede para a reali-zação desta missão.

O jubileu da misericórdia concluiu-semas a misericórdia permanece a arqui-trave deste pontificado, como nos recor-da também o lema episcopal de JorgeMario Bergoglio. Onde se veem os fru-tos mais fecundos desta contínua evoca-ção do Santo Padre à dimensão damisericórdia, da ternura de Deus?

Gostaria de dizer que esta insis-tência sobre a misericórdia não étanto um gosto pessoal do Papa masé exatamente o centrar a atenção nomistério fundamental que é o amorde Deus. A história da salvação só éa história da revelação do amor, da

vez melhor a vontade de Deus e dea aplicar.

O Papa Francisco está a dar início auma profunda reforma da Cúria. Comfrequência frisa que todos precisamos deuma reforma se quisermos até mais im-portante, «a reforma do coração». Ena Evangelii gaudium invoca «umareforma da Igreja em saída missioná-ria». Por que este processo de reformaé tão importante para este Pontífice queo invoca constantemente em tantos âm-bitos?

Na história, até o concílio a reto-mou, a Igreja semper reformanda! Éuma dimensão fundamental da Igre-ja estar em processo de reforma, de«conversão», para usar o termoevangélico. E é justo que seja assim,é necessário que seja assim. O Paparecorda-nos com insistência que se aIgreja quiser tornar-se cada vez maisela mesma, autêntica, se livre daque-las incrustações que se acumulam nocaminho da história e resplandeçadeveras como transparência doEvangelho. Diria que fundamental-mente este é o sentido da reforma eé por isso que o Papa insiste na «re-forma do coração»! Cada reformatambém estrutural da qual se temnecessidade — a nível da Cúria ro-mana tomaram-se já várias decisões,o Papa recordou-as no último dis-curso à Cúria romana, que estão alevar a transformações, a uma reno-vação — todavia, tudo parte do cora-ção, do íntimo. E portanto, justa-mente, o Papa insiste sobre isto.Gostaria de dizer, é importante, co-mo de resto o diz também ele, insis-tindo sobre a «reforma do coração»:não são os critérios funcionais quedevem guiar esta reforma mas, maisprofundamente, os critérios de umautêntico retorno a Deus e uma ver-dadeira manifestação da própria na-tureza da Igreja.

Por fim, Vossa Eminência é o colabora-dor mais estreito do Santo Padre. Oque está a receber pessoalmente, em pri-meiro lugar como cristão e depois comosecretário de Estado, do seu estar aolado do Papa Francisco nestes anos?

Deveras dou graças ao Senhor! Oque me impressiona do Papa Fran-cisco é precisamente esta sua inter-pretação de fé da realidade, das si-tuações, da qual nasce, diria, umagrande serenidade de fundo. Ele dis-se-o muitas vezes, mas experimento-o no contacto com ele: esta serenida-de de fundo pela qual diante das si-tuações, até das mais difíceis, maiscomplicadas — há tantas que são atémotivo de preocupação, de inquieta-ção — esta capacidade de olhar comserenidade para a realidade, de saberque tudo está nas mãos de Deus e irem frente com força, com coragem.Isto ajuda-me muito também no de-sempenho das minhas responsabili-dades e da minha função.

recordo-me sempre noinício, antes de começaro primeiro sínodo sobrea família, dizia: «Estesínodo deverá fazer bri-lhar o evangelho da fa-mília». E o evangelhoda família quer dizerpor um lado o plano deDeus sobre a família, omesmo que Deus con-cebeu desde a eternida-de sobre a família e, aomesmo tempo, tambémas condições reais nasquais esta família vive:marcada pelo pecadooriginal como toda a

realidade humana. Por conseguintepenso que a Amoris laetitia deu umgrande impulso, está a dar um gran-de impulso, como ouço também demuitas pessoas, à pastoral familiar.Deveras produz frutos de renovaçãoe de acompanhamento das situaçõesfamiliares que se encontram na fragi-lidade. No que diz respeito às críti-cas... Bem, críticas na Igreja semprehouve! Não é a primeira vez queacontece. Penso que o próprio Papanos deu a chave para as ler; isto é,devem ser críticas sinceras, que dese-jam construir e então servem paraprogredir, também para encontrarjuntos a maneira de conhecer cada

misericórdia e da ternura de Deusem relação à humanidade. E o Papaexortou-nos precisamente sobre estecentro, esta fonte. Penso que o esfor-ço da Igreja deva ser tornar-se trâmi-te, canal deste encontro entre a mi-sericórdia de Deus e o homem dehoje na sua realidade concreta, nassuas alegrias e dores, nas suas segu-ranças, fragilidades e dúvidas. O anosanto da misericórdia foi uma ofertaque o Papa concedeu à Igreja paraque se tornasse este instrumento demisericórdia. Justamente, como eledisse, fechou-se a porta santa mas aporta da misericórdia permanecesempre aberta! Em relação aos frutos

gostaria de frisar dois aspetos. Oprimeiro, por parte de muitos cris-tãos e batizados, é a redescoberta daconfissão como sacramento da mise-ricórdia de Deus no qual o SenhorJesus nos faz experimentar a miseri-córdia do Pai, o perdão dos pecadose todo o seu amor por nós. Ouvi demuitas partes que se verificou umdespertar deste sacramento e muitaspessoas se aproximaram dele. Espe-ramos que este despertar continue ese traduza deveras numa renovadafrequência ao sacramento da reconci-liação. O segundo é a atenção às si-tuações de pobreza e indigência. OPapa mostrou-nos, sobretudo com osgestos, este exercício da misericórdiaque é também uma das exortaçõesque nos é feita urgentemente duran-te a quaresma: a conversão nasce daprática das obras de caridade frater-na. Portanto esta atenção renovadaàs pessoas que se encontram em difi-culdade, aos pobres, aos marginali-zados, a quantos têm necessidade deapoio e proximidade. Parece-me quehouve muitas iniciativas. Penso queesta seja uma dimensão sobre a qualdevemos continuar e insistir.

No quarto ano de pontificado, em par-ticular com a publicação da exortaçãopós-sinodal Amoris laetitia e m e rg i ra m ,no âmbito católico, também críticas, in-compreensões, podemos dizer, em relaçãoao magistério do Papa Francisco. Queinterpretação nos pode dar disto?

Antes de tudo, diria de olhar paraa Amoris laetitia como um grandedom que nos foi oferecido. O Papa,

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número 11, quinta-feira 16 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

No cinquentenário de atividade de Telefono amico Itália

Da escuta ao diálogoUm encorajamento «a prosseguir comrenovado entusiasmo o serviço preciosoà sociedade, para que não se cortem oslaços do diálogo, e a fim de quenunca venha a faltar a escuta» foidirigido pelo Papa Francisco aosvoluntários de Telefono amico Itáliadurante a audiência realizada namanhã de sábado 11 de março, naSala Clementina, por ocasião doscinquenta anos de atividade daassociação.

Queridos irmãos e irmãs!Tenho o prazer de vos receber porocasião dos 50 anos de atividade deTelefono Amico Itália, e agradeço aoPresidente as palavras de saudação.

A vossa Associação está compro-metida em apoiar quantos se encon-tram em condições de solidão, deso-rientação e necessitam de escuta,compreensão e ajuda moral. Trata-se de um serviço importante, espe-

Condição do diálogo é a capaci-dade de escuta, que infelizmentenão é muito comum. Escutar o ou-tro exige paciência e atenção. Sóquem sabe estar em silêncio, sabeescutar. Não se pode escutar falan-do: boca fechada. Escutar Deus, es-cutar o irmão e a irmã que precisade ajuda, escutar um amigo, um fa-miliar. O próprio Deus é o exemplomais excelente de escuta: todas asvezes que rezamos, Ele escuta-nos,sem pedir nada e até nos precede etoma a iniciativa (cf. Exort. ap.Evangelii gaudium, 24) atendendo osnossos pedidos de ajuda. A capaci-dade de escuta, da qual Deus é mo-delo, encoraja-nos a abater os mu-ros das incompreensões, a criarpontes de comunicação, superandoo isolamento e o fechamento nonosso pequeno mundo. Alguém di-zia: para fazer a paz, no mundo,faltam ouvidos, faltam pessoas quesaibam escutar, e a partir dali de-pois vem o diálogo.

Caros amigos, através do diálogoe da escuta podemos contribuir pa-ra a construção de um mundo me-lhor, tornando-o lugar de acolhi-mento e respeito, contrastando as-sim as divisões e os conflitos. Enco-rajo-vos a prosseguir com entusias-mo renovado o vosso serviço precio-so à sociedade, para que ninguémpermaneça isolado, a fim de quenão se cortem os laços do diálogo, epara que nunca venha a faltar a es-cuta, que é a manifestação maissimples de caridade em relação aosirmãos.

Enquanto conto com as vossasorações, confio-vos à proteção daVirgem Maria, Mulher do silêncio eda escuta, e de coração vos abençooa vós, os vossos colaboradores equantos “encontrais” — telefonica-mente — no vosso trabalho quoti-diano. Obrigado.

[Bênção]E rezai por mim!

Visita em programa de 6 a 11 de setembro

Fr a n c i s c ona Colômbia

A capital Bogotá, Villavicencio, Medellín e Cartagena: são as quatro etapasda viagem que o Papa Francisco realizará na Colômbia de 6 a 11 de setem-bro deste ano. A notícia foi oficializada no dia 10 de março através de umcomunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, no qual se informa que «oconvite foi feito pelo presidente da República e pelos bispos colombianos»e que o «programa será publicado nos próximos dias».

Simultaneamente, na sede da representação pontifícia em Bogotá, o nún-cio apostólico Ettore Balestrero anunciou ao povo colombiano a viagempapal, na presença do chefe de Estado, Juan Manuel Santos, e da sua es-posa; do cardeal arcebispo de Bogotá, Rubén Salazar; do presidente daConferência episcopal, arcebispo Luis Augusto Castro Quiroga; e do bispoFabio Suescún Mutis, ordinário militar. Durante a conferência foram apre-sentados o logótipo e o lema da visita: «Demos o primeiro passo».

Trata-se da quinta viagem do Pontífice à América Latina, depois daquelaao Brasil em julho de 2013 para a Jmj, ao Equador, Bolívia e Paraguai emjulho de 2015, a Cuba em setembro do mesmo ano e ao México em janeirode 2016. E Francisco será o terceiro Papa que visita a Colômbia. O primei-ro foi Paulo VI, que de 22 a 24 de agosto de 1968 foi a Bogotá, por ocasiãoda segunda assembleia geral dos bispos da América Latina em Medellín eda inauguração da sede do Celam. Nessa circunstância Montini encontrou-se também na capital com trezentos mil camponeses. Há trinta e um anosfoi a vez de João Paulo II, que de 1 a 8 de julho de 1986 visitou uma deze-na de cidades do país, indo inclusive a Chinchiná e a Armero, onde aerupção do vulcão Nevado del Ruiz tinha causado 23.000 mortos.

cialmente no hodierno contexto so-cial, marcado por multíplices difi-culdades, causadas pelo isolamentoe pela falta de diálogo. As grandescidades, não obstante sejam super-povoadas, são emblema de um esti-lo de vida pouco humano com oqual os indivíduos se estão a acos-tumar: indiferença generalizada, co-municação cada vez mais virtual emenos pessoal, falta de valores fir-mes sobre os quais fundar a existên-cia, cultura do haver e do aparecer.Neste contexto, é indispensável fa-vorecer o diálogo e a escuta.

O diálogo permite conhecer-se ecompreender as exigências recípro-cas. Em primeiro lugar, ele manifes-ta um grande respeito, porque colo-ca as pessoas numa atitude de aber-tura recíproca, para compreender osaspetos melhores do interlocutor.Além disso, o diálogo é expressãode caridade porque, mesmo não ig-norando as diferenças, pode ajudara procurar e compartilhar percursosem vista do bem comum. Atravésdo diálogo podemos aprender a vero outro não como uma ameaça, mascomo um dom de Deus, que nos in-terpela e nos pede para ser reconhe-cido. Dialogar ajuda as pessoas ahumanizar as relações e a superar asincompreensões. Se houvesse maisdiálogo — mas diálogo verdadeiro!— nas famílias, nos ambientes detrabalho, na política, resolver-se-iammais facilmente muitas questões!Quando não há diálogo, crescem osproblemas, aumentam os equívocose as divisões.

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Resposta às necessidades das pessoas

é uma cruz, vós sabei-lo, mas a cruz— acrescentou — é uma semente devida, e carregando-a bem pode-sedar tanta vida a muita gente sem osaber». Depois garantiu: «Estou aovosso lado e peço também que re-zeis por mim: que o Senhor meconceda vida espiritual, que me tor-ne bom, que faça de mim um bomsacerdote para o serviço aos demais.Recomendo-me às vossas orações».

Seguiu-se o encontro com os mi-nistrantes, com alguns sacerdotes daXXXVI prefeitura e com a superiora-geral das Filhas da caridade (canos-sianas), irmã Annamaria Babbini,acompanhada por três irmãs de há-bito do conselho geral. O Papa sau-dou também os pais do padre Vet-torato, que celebraram cinquentaanos de matrimónio. Logo após en-controu-se com os conselhos pasto-ral e para os assuntos económicos.E foi a ocasião, para Francisco, deevidenciar a importância destes or-ganismos, que «fazem parte da vida

da paróquia». Assim como são im-portantes a obra da Cáritas, que de-ve trabalhar de maneira extraordi-nária para chegar a tantos necessita-dos, e a do oratório, que «é a colu-na das colunas da paróquia». Adois casais que se ocupam da pre-paração dos jovens para o matrimó-nio o Pontífice pediu para seremcorajosos, que significa dizer «todaa verdade sobre a vida matrimonial,que é belíssima mas não fácil» e,portanto, desaconselhar de celebraro matrimónio se não estiveremp ro n t o s .

Antes da celebração eucarística, oPapa confessou quatro pessoas: umadolescente, um jovem, uma mãe,que é também catequista, e um paide família. No final da missa — diri-gida pelo mestre das celebrações li-túrgicas pontifícias, monsenhorGuido Marini, coadjuvado pelomestre-de-cerimónias Ján Dubina —o pároco saudou-o em nome dosfiéis, dizendo: «Estou certo de quea partir deste encontro extraordiná-rio entre o pastor e o seu povo a

nossa vida se renovou, tornando-semais bonita, generosa e aberta aoencontro com o outro, para que ca-da um se sinta convidado a comuni-car a alegria de viver o Evangelho».

Após ter saudado os doentes naigreja, Francisco chegou ao adro.Dali, antes de retornar ao Vaticanodepois das intensas quatro horas emeia, dirigiu-se à multidão que ti-nha seguido a missa pelos alto-fa-lantes: «Muito obrigado pelo vossocaloroso acolhimento. Vejo que soisuma comunidade vivaz, que se mo-ve, o que aprecio muito. Continuaicom alegria, sempre, sem nunca de-sanimar». Antes da bênção e daAve-Maria conclusiva, o pedido deorações: «Tenho necessidade, poisdevo desempenhar bem o trabalho,não “assim-assim”; e para o fazerbem, é necessária a vossa oração».Um convite que na vigília do quar-to ano de pontificado — pelo qualpouco antes o padre Spinello lhe ti-nha dirigido as felicitações em no-me da comunidade — assumiu umsignificado particular.

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Longa tradição das mulheres no Antigo Testamento

A profetisa AnaLUÍSA MARIA ALMENDRA

Mencionar a profetisa Ana noevangelho da infância deLucas resulta efetivamente

surpreendente. Os motivos são bas-tante diversos: não há precedentesbíblicos para esta pessoa e o seu pa-pel, tal como o descreve o autor, nãoapresenta as marcas distintivas dosprofetas: a vocação, os oráculos dejuízo, as mensagens de consolação,as ações simbólicas, as visões...Quem é então a profetisa Ana? Epor que a nomeia o autor desta for-ma? Era deveras uma profetisa? Anaestá, no evangelho segundo Lucas,juntamente com o velho Simeão querecebe Jesus na apresentação noTemplo (cf. 2, 22-38). Trata-se domomento da circuncisão, um ritualcomum entre os judeus, ao qual ésubmetido cada varão no oitavo dia,segundo quanto prescreve a Lei. Por

messa messiânica (cf. Lc 2, 26)anunciada pelos antigos profetas (cf.Is 40, 1; 52, 9). O seu coração rejubi-la, porque é capaz de compreenderque Jesus é a salvação prometidapor Deus. Por outras palavras, apromessa divina realizou-se naquelemenino oferecido ao Senhor. Imersono Espírito, Simeão é capaz de ver ecompreender o profundo significadodo que está a viver: «porque osmeus olhos viram a Salvação, quepreparaste em favor de todos os po-vos. Luz para iluminar as nações eglória de Israel» (Lc 2, 30-32). Oevangelista Lucas oferece-nos a cha-ve para compreender os factos narra-dos: o reconhecimento de Jesus co-mo realização da promessa messiâni-ca depende da comunhão com o Es-pírito Santo, por meio do qual nos édoada a capacidade de ver em pro-fundidade (cf. Is 52, 10).

A profetisa Ana partilha plena-mente este olhar que nasce da pro-fundidade, e contudo o autor apre-senta-a como uma figura muito sin-gular: uma profetisa, viúva e idosa,filha de Fanuel, da tribo de Aser eque vive no Templo da cidade santa.Estas referências não são casuais. Fa-nuel evoca o nome Penuel (“rosto deD eus”), que Jacob dá ao lugar noqual se trava a sua luta interior como anjo durante a noite (cf. Gn 32,31). Ao contrário, a tribo de Aserevoca uma ascendência de prestígio,ou seja, o filho da matriarca Lia (cf.Gn 30, 13). Por conseguinte, Ana éuma mulher com importantes refe-rências bíblicas, estreitamente rela-cionada com a história de Israel. Oque surpreende mais é que, diversa-mente de Simeão, o autor não lhefaz dizer nada, simplesmente a des-creve. Ana não irrompe como Si-meão num cântico de louvor, noqual são evocadas e celebradas as es-peranças messiânicas de Israel. De-vemos vê-la e imaginá-la ali, noTemplo, juntamente com Simeão,Maria e José, através da apresenta-ção velada do evangelista.

Deve-se observar um pormenor:Ana «não se afastava do Templo»(Lc 2, 37). O que nos quer dizer Lu-cas com esta imagem: uma viúvaque fazia do Templo a sua casa? Anosso parecer, é uma maneira paradizer que Ana levou a sua longa vi-da (tinha oitenta e quatro anos) emoração e por conseguinte em comu-nhão com Deus. Não está ali poracaso, está ali porque tinha elegido

aquele lugar — a habitação de Deus— como sua casa habitual: o Temploera o centro da sua vida. Neste pon-to, o evangelista acrescenta uma ul-terior informação: Ana servia Deus«noite e dia com jejuns e orações»(Lc 2, 37). É uma afirmação impres-sionante, a idosa viúva estava «sem-pre» ocupada no mesmo serviço, ouseja, tinha uma dedicação de si ple-na e total. A afirmação surpreendeainda mais quando nos apercebemosde que nunca foi dito nada seme-lhante, antes ou depois, de outramulher, nem sequer de Maria ou deIsabel. Ambas se encontram numambiente familiar. Não se afastam dasua atividade diária, mesmo perma-necendo concentradas na própria in-terioridade e capazes de se abrirem àsurpresa de Deus. Ana, ao contrário,fez do Templo a sua casa. Permane-ceu ali noite e dia, louvando, jejuan-do e rezando continuamente. Pode-mos intuir que para Ana este louvorconstante se tornou o sentido da suavida, a razão de ser da sua existên-cia. Mesmo sendo uma mulher frá-gil, como idosa e viúva, ela experi-menta na própria carne a alegria au-têntica e inexaurível que só o Se-nhor pode dar.

Não sabemos porque o evangelis-ta lhe chama profetisa. A compreen-são que temos dos profetas é bastan-te relacionada com a escuta interior,com o anúncio da salvação e com a

denúncia dos crimes; em síntese, fa-lar explicitamente em nome deDeus. Ana não faz isto. O leitor per-manece admirado diante do silênciode Ana, não consegue compreenderque uma profetisa não profetize. Evem-lhe imediatamente ao pensa-mento Holda, a profetisa que, alémde confirmar a autenticidade do li-vro encontrado no templo durante oreino de Josias, anunciou a quedado reino do Sul (cf. 2 Rs 22). En-tão, porque não ouvimos a voz deAna? Porque se cala diante do Sal-vador do Mundo? Pois bem, deve-mos procurar as respostas para estasperguntas na maneira de narrar deLucas. Ele introduz a profetisa demodo diverso de como a apresentamos autores dos livros proféticos. ParaLucas a profecia tem lugar, não napraça pública nem na corte dos mo-narcas, mas na presença e na relaçãoíntima de Deus, tornando-se assimuma totalidade de vida, como no ca-so da nossa profetisa. Ana respondeperfeitamente a este «novo tipo» dep ro f e c i a .

Consiste precisamente nisto a di-mensão profética de muitos cristãos,dos primeiros e de todos os tempos.Por outras palavras, a profecia éuma decisão livre de ser e de perma-necer numa relação pessoal e íntimacom Deus; uma relação de amor deonde emerge o testemunho eloquen-te de fé e de louvor. Talvez o autortenha compreendido que ao teste-munho de Simeão faltava o de Ana;à palavra profética de Simeão queanuncia a Maria o dramático destinodo seu filho e dela como mãe (cf. Lc2, 34-35), faltava o testemunho de féde Ana, amadurecido na incomensu-rável interioridade de uma vida. Anaé a primeira de uma longa lista deprofetas e profetisas que desempe-nharão o papel fundamental noanúncio de Jesus Cristo, mesmo per-manecendo até hoje ignorados e des-conhecidos para muitos cristãos.

Como Isabel e Maria, Ana é umamulher que comunica uma verdadeque não se confunde com as outras:o reconhecimento de Jesus comodom de salvação precisa de um cora-

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Obras de Ambrogio da Fossano dito il Borgognone (1453-1523)

conseguinte, Maria e José levaram omenino a Jerusalém «para o oferecerao Senhor» (2, 22). Nesta expressão,o evangelista introduz o leitor nocoração do ritual da circuncisão cujosentido profundo consiste de factona pertença ao Senhor. Assim estáescrito na Lei: «Todo o primogénitovarão será consagrado ao Senhor»(Lc 2, 23; cf. Êx 13, 2.12.15).

No templo, estão juntamente comMaria e José duas figuras luminosas:o justo Simeão e a profetisa Ana;um homem justo e uma mulher pro-fetisa, por conseguinte, duas figurasdiversas unidas por uma tarefa — oreconhecimento — e x t r a o rd i n a r i a -mente significativa. Com efeito, oseu louvor sobressai do fundo dasua fé e da sua esperança. Ambos,Simeão e Ana, muito idosos, estãohabitados pelo Espírito Santo. E éprecisamente este Espírito que inspi-ra o seu louvor, feito de canto e pro-fecia, que ninguém, até àquele mo-mento da narração evangélica, tinhasido capaz de proclamar. Mas osdois idosos reagem de maneira di-versa face à apresentação do menino,cada um segundo o próprio papel.

Simeão é o homem da expectativa(cf. Lc 2, 25). No templo vigiava eaguardava o cumprimento da pro-

Sobre a autoraLuísa Maria Almendra ensina nafaculdade de teologia daUniversidade católica portuguesa,doutorada em teologia bíblica, naárea de Escritos sapienciais. Dácursos e seminários sobre Antigo eNovo Testamento e ensina línguasbíblicas. É membro da Society forthe Study of Biblical and SemiticRhetoric, da AssociationCatholique Française pour l’étudede la Bible e da Society ofBiblical Literature. É responsáveldo curso de teologia da faculdadee das relações internacionais damesma faculdade.

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número 11, quinta-feira 16 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Recordando Chiara Lubich no aniversário da morte

Uma luz sobre a família

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Longa tradição das mulheres no Antigo Testamento

Dois dias em Loppiano com milha-res de casais, pais, filhos e avós de50 países para celebrar, refletir ecompartilhar a vida, o empenho,perspectivas que contribuem para obem da humanidade.

«Você confia à família uma missãoexplosiva, uma reforma que as famí-lias podem concretizar no mundo»,assim disse Igino Giordani a ChiaraLubich na fundação do setor Famí-lias Novas do Movimento dos Foco-lares em 1967. Após 50 anos, justa-mente no nono aniversário de morteda fundadora, manifesta-se a copaflorida daquela semente: centenas demanifestações e iniciativas em muitascidades do mundo dizem que aquelaprofecia encontrou caminhos paraencarnar-se.

O evento de três dias em Loppia-no acolheu mais de mil pessoas de50 países de todas as gerações, cris-tãos, mas também muçulmanos, bu-distas e hindus. Os frutos de umahistória foram vistos na interação en-tre as diversas gerações: avós, filhos,netos. O programa, transmitido aovivo via streaming e traduzido em 19línguas, foi articulado em três temasprincipais: a família como trama derelacionamentos do casal, com os fi-lhos e entre gerações; o amor comoresposta à crítica na família comsuas feridas, desafios e dores; a famí-

lia, recurso criativo em relação à ba-se social.

Escutam-se pais e filhos. Comouma adolescente que conta sua dor ede seus irmãos mais novos, a feridada família provocada pelo pai, víti-ma do álcool. E a esperança queveio ao compartilhar, «porque a fa-mília é a coisa mais importante enão devemos ter medo de dar o pri-meiro passo: talvez seja difícil fazê-lo, mas, se é feito por amor, podemudar tudo». Escuta-se a história deum casal à procura do filho “pró di-

go” que, com a empresa da famíliadestruída e dívidas até o pescoço,foge para outro país. Na dor, os paisentendem que a misericórdia devevencer a cólera. Começam a viajaraté que o encontram: um abraço quedá início a uma vida reconciliada.Ao palco, sobem também Basma eTatiana. A primeira é muçulmana ea segunda é cristã e tornam-se maisque irmãs na partilha cotidiana, pro-funda e concreta, depois da mortedo marido de Basma em terras es-trangeiras, com dois filhos para criar

e sem apoio. Uma história símbolode povos que se encontram, mas quesó reconhecendo-se e acolhendo-sereciprocamente se transformam emfamília de famílias.

Da riqueza que emerge, faz-se in-térprete Maria Voce em seu discur-so. Recorda que o carisma da unida-de «oferece uma luz e uma chavetambém para olhar o mundo e a his-tória a fim de colher o vínculo decada um de nós com toda a humani-dade». E cita um trecho de Lubichde 6 de setembro de 1949, que ressoacomo um novo chamado aos que es-cutam: «O meu eu é a humanidadecom todos os homens que foram,são e serão. Sinto e vivo esta realida-de: porque sinto na minha alma sejao júbilo do céu, seja a angústia dahumanidade que é toda um grandeJesus abandonado».

Maria Voce propõe novamente ochamado inicial de Chiara Lubich àsfamílias a levar nas costas aquelaporção de mundo que parece «maisdespedaçado, mais semelhante a Eleabandonado», recordando que a in-substituível tarefa das famílias éaquela de «manter sempre aceso oamor nas casas, reavivando, assim,aqueles valores que foram doadospor Deus à família, para levá-los atodos os lugares da sociedade, gene-rosamente e sem parar». E continua,parafraseando o Papa Francisco, «atarefa é árdua, mas não podemosdeixar que nos roubem a esperan-ça».

Dois gestos simbólicos mas con-cretos exprimem o empenho e a de-terminação das famílias presentes avoltar aos seus próprios lugares paratestemunhar a fraternidade universale para fazer a própria parte, mesmoque seja como gota no oceano: ummomento de oração e de empenhopessoal, representado pela flor quecada família pendura em uma ceno-grafia montada fora do auditório. Ea geminação entre famílias de duaspartes diversas do mundo, a ser es-tendida a outras famílias dos respeti-vos territórios, de modo a intensifi-car uma rede que responda às neces-sidades de uma parte a outra domundo, como um círculo virtuoso.

O Seminário cultural sobre “Opacto de reciprocidade na vida fami-liar, generativo da confiança e da re-lação”, desenvolvido no primeiro diaentre uma centena de acadêmicos eespecialistas no campo do acompa-nhamento familiar, da terapia, dapesquisa pedagógica e psicologia edas disciplinas ligadas ao vasto mun-do das relações familiares, tinhaaprofundado a realidade da famíliade um ponto de vista teológico, an-tropológico, social, pedagógico, po-lítico. Uma reflexão sobre valores dafamília como recurso para a humani-dade, que evidenciou como seu futu-ro e significado de ser pessoa se jo-gue justamente na família. Final-mente, o perfilar-se no InstitutoUniversitário Sophia e em sinergiacom outros institutos a nível interna-cional, de um centro de pesquisa dealto nível, inter-religioso, intercon-fessional, intercultural, interdiscipli-nar que aprofunde e estude esse pa-trimônio de vida para poder expri-mi-lo a nível universal.

ção capaz de aguardar no silêncio ena interioridade noite e dia. O pa-pel de Ana não tem a novidade dode Isabel nem a grandeza do deMaria, contudo nela são antecipa-das as características mais relevantesdos discípulos e das discípulas deJesus. Como profetisa, Ana conti-nua a longa tradição das mulheresprofetisas no Antigo Testamentocuja presença, mesmo sendo muitodiscreta, é confirmada em diversosescritos bíblicos e deve ser interpre-tada dentro do contexto geral daprofecia em Israel. Pensemos emMiriam, a irmã de Moisés e deAraão (cf. Êx 15, 20), uma figuramuito admirada na literatura rabíni-ca; em Débora, profetisa e juíza,que anunciou a Barac a vitória deIsrael por vontade de Deus (cf. Jz4, 4.9); em Holda, da qual falamosacima (cf. 2 Rs 22, 14); ou até naesposa de Isaías, chamada a profeti-sa (cf. Is 8, 3). Mas a nossa prota-gonista, fazendo do Templo a suacasa, passa o limiar do Antigo Tes-tamento, antecipando o papel dasprofetisas dos primeiros tempos daIgreja (cf. At 2, 17; 21, 9; 1 Cor 11,5). A sua bênção consiste em louvara Deus e falar do menino «a quan-tos aguardavam a redenção em Je-rusalém» (Lc 2, 38). Com efeito, Jo-sé e Maria, no seu desejo de obede-cer à Lei em relação à circuncisãodo menino e à purificação da mãe,recebem a bênção de Deus atravésde Simeão e de Ana. Contudo, éfrisada aqui a sua atitude de expec-tativa e de louvor. Maria e José

permanecem à sombra. Parece queLucas queria advertir os seus leito-res que está para iniciar um temponovo, um tempo no qual o louvor eo anúncio são predominantes.

A narração bíblica está imbuída,por um lado, da beleza do ritual ju-daico e, por outro, da fé de Maria ede José através das palavras de Si-meão e da presença da profetisaAna. As palavras do velho Simeãoconstituem o centro da narração,não obstante sobressaiam num con-texto marcado por elementos teoló-gicos cheios de significado: obe-diência à Lei, celebração de umnascimento, adoração no Templo ereconhecimento de que a promessade Deus se cumpriu. A celebraçãono Templo não representa uma in-tromissão na vida deles, mas a reali-

zação da sua fé. Maria e José vi-viam num contexto de aliança equeriam introduzir o seu filho nomesmo ambiente. Simeão e Ana,sensíveis à presença de Deus noseventos do passado de Israel, res-pondem à obediência de José e deMaria com palavras de bênção. Es-ta sua bênção conferiu à celebraçãoda apresentação do menino um sig-nificado que de outra forma nuncateria tido. Imaginamos que Maria eJosé sempre recordaram esta bên-ção, sinal de um Deus que está nomeio de nós, mas isto permaneceum mistério indizível. Jesus é umDeus que veio à história para nosdar a alegria, mas permanece na ex-pectativa da nossa intimidade e es-p erança.

O dicastério para a culturaapresentou a Consulta feminina

Na vigília do dia 8 de março foi apresentada a Consulta feminina doPontifício Conselho para a cultura num encontro com os jornalistasrealizado na Sala de imprensa da Santa Sé. Intervieram o cardealGianfranco Ravasi, presidente do dicastério, Consuelo Corradi, coor-denadora da Consulta, e Shahrazad Houshmand, teóloga iraniana.

O organismo, que nasceu a 23 de junho de 2015, é composto portrinta e seis mulheres de diversas proveniências, em grande parte pre-sentes na Sala de imprensa. São artistas, diplomatas, estudiosas, em-presárias, jornalistas, atrizes, leigas e religiosas: entre elas, MariellaEnoc, Giovanna Boda, Nancy Brilli, Micol Forti, Elena Giacchi, Em-ma Madigan, Fiona May, Donna Orsuto, Maria Rita Parsi, MariaGiovanna Ruggieri, Monica Maggioni, Mary Melone, Chiara Palazzi-ni, Paola Pica, Lucetta Scaraffia. A Consulta reúne-se três vezes porano e oferece propostas para a atividade do dicastério.

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 16 de março de 2017, número 11

O Papa em Milão

Nas aparições em Fátima

Mensagem de esperança

João Paulo II em oração diante da imagem mariana(13 de maio de 1982)

No final da tarde do dia 15 de março, na em-baixada de Portugal junto da Santa Sé, o car-deal decano ilustrou ao corpo diplomático amensagem de Fátima em vista da próxima vi-sita do Papa Francisco ao santuário marianono centenário das aparições. Nesta circunstân-cias interveio também o bispo de Leiria-Fátima,D. António dos Santos Marto. Publicamos odiscurso do decano do colégio cardinalício.

ANGELO SODANO

O centenário das aparições marianas que severificaram em Fátima em 1917 levam-nos arefletir sobre o significado para a Igreja epara o mundo deste evento extraordinário.A história é mestra de vida, diziam os anti-gos Romanos. Historia magistra vitae! Ofacto de recordar os eventos de Fátima podefazer-nos compreender melhor a presençaprovidencial de Deus nas vicissitudes huma-nas. Pessoalmente desde quando era jovemaprendi a conhecer em família e na paróquiatoda a fascinante história das aparições deNossa Senhora em Fátima. Nos anos trági-cos da última guerra mundial, para nós jo-vens, foram de grande conforto as palavrasque Nossa Senhora tinha proferido aos trêspastorinhos em julho de 1917, perante as do-lorosas vicissitudes daquele tempo. Erampalavras cheias de esperança: «Por fim omeu Imaculado Coração triunfará!».

Já na altura nos parecia que a mensagemde Fátima fosse não só um convite à conver-são e à oração, mas inclusive um convite àesperança, recordando-nos a presença cons-tante de Deus no meio de nós, também nashoras mais trágicas da história. Nossa Se-nhora parecia querer lembrar-nos as pala-vras dirigidas por Jesus aos seus discípulos:«No mundo haveis de ter aflições. Cora-gem! Eu venci o mundo» (João 16, 33).

Portanto, cresci num ambiente mariano,que aliás era típico das nossas populações

do Piemonte. Ao tornar-me sacerdote em1950, tive depois a oportunidade de experi-mentar cada vez mais a missão de MariaSantíssima na comunidade cristã. O mesmoaconteceu quando, em 1961, fui chamado aoserviço da Santa Sé, durante o pontificadodo Papa João XXIII. Trabalhando tambémna América Latina, primeiro no Equador,depois no Uruguai e enfim no Chile, desco-bri melhor os sinais da presença de Mariana vida da Igreja. Por fim, ao ser chamadonovamente para Roma em 1988 por JoãoPaulo II, fui sempre edificado pela sua pro-funda devoção mariana. Não por acaso eletinha adotado como lema: Totus tuus, “To doteu”, ó Maria! Como se sabe, Ele fora pou-co depois a Portugal para homenagear aMãe de Cristo no seu bonito santuário deFátima. Este é o lema do importante evento:«Com Maria, peregrina na esperança e napaz».

Ultimamente, os teólogos ajudaram-nostambém a aprofundar o significado destapresença de Maria na vida dos crentes. Aeste respeito aprecei particularmente umainteressante publicação de um teólogo italia-no, padre Stefano De Fiores, cujo título éPerchè Dio ci parla mediante Maria. Significa-to delle apparizioni mariane nel nostro tempo[Por que Deus nos fala mediante Maria.Significado das aparições marianas no nossotempo] (Cisinello Balsamo, San Paolo,2011).

Neste escrito, ele recorda-nos o que todosos cristãos já conhecem, ou seja, que com asduas grandes fontes da revelação cristã, aSagrada Escritura e a tradição apostólica di-vina, os crentes, guiados pelo magistério daIgreja, já podem descobrir tudo o que Deusespera deles. Mas, o autor supracitadoacrescentava que Deus pode sempre intervirna história humana. Assim explicam-se tam-bém as intervenções sobrenaturais realizadaspor Deus no mundo por intercessão de Ma-ria Santíssima e de muitos santos. São inter-venções que ao longo dos séculos ajudarammuito os cristãos a descobrir cada vez maisa vontade de Deus.

De resto, já nisto consistia a mensagemque o apóstolo Paulo dava aos cristão deTessalonica: «Não extingais o Espírito. Não

desprezeis as profecias. Examinai tudo:abraçai o que é bom» (Te s s a l o n i c e n s e s 5, 19-21).

A este propósito são também esclarecedo-ras as palavras do Catecismo da Igreja Ca-tólica que nos diz: «No entanto, apesar de aRevelação (cristã) já estar completa, aindanão está plenamente explicitada. E está re-servado à fé cristã apreender gradualmentetodo o seu alcance, no decorrer dos sécu-los» (n. 66).

Compreende-se deste modo a riqueza domagistério da Igreja acerca da missão daMãe de Deus e dos santos na realidade dahistória humana. Assim se toma tambémconsciência do desenvolvimento progressivodo culto mariano ao longo dos séculos. Eisquanto já nos tinha recordado há mais dequarenta anos o saudoso cardeal ManuelGonçalves Cerejeira, patriarca de Lisboa,quando dizia que «não foi a igreja que im-pôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igre-ja», para chamar todos os homens da nossaépoca ao encontro com Jesus Salvador, que«veio para que todos os homens tenham vi-da e a tenham em abundância» (João 10,10).

A este respeito li com grande satisfação oque recentemente nos recordou o atual bis-po de Leiria-Fátima, D. António dos SantosMarto, num bonito artigo publicado ultima-mente na revista italiana «Vita e Pesiero»,com o título significativo: Fátima, o séculoXX e o mistério da iniquidade. O artigo ter-mina precisamente assim: «Graça e miseri-córdia. Estas palavras da última aparição deNossa Senhora a Lúcia, em Tuy, são a sínte-se da mensagem de Fátima e da revelaçãodo Deus compassivo... que se inclina sobretodos os sofrimentos humanos» (2017, 1, pá-gina 54).

Por conseguinte, há uma mensagem deesperança que chega até nós a partir da ce-lebração do centenário das aparições de Ma-ria Santíssima em Fátima. Podem ser nume-rosas e graves as provações da vida e as tra-gédias do mundo, mas o amor de Deus pornós é ainda maior. Do santuário de Fátimaa mãe de Jesus parece querer recordar-nosas palavras dirigidas por Jesus aos discípu-los antes da sua ascensão ao céu «Coragem,eu venci o mundo. Eu estarei sempre con-vosco, até ao fim do mundo» (Ma t e u s 28,20).

O encontro com os moradores das «Casas bran-cas» da «via Salomone» no bairro Forlanini, naperiferia sudeste de Milão, será o primeiro da vi-sita do Papa Francisco à cidade ambrosiana. Nosábado, 25 de março, o Pontífice começará o diavisitando uma zona caraterizada por uma fortedificuldade social, na qual se entrelaçam antigase novas pobrezas.

Por um lado droga, solidão, indigência e ado-lescentes com mil problemas, por outro os novosdesafios apresentados pela chegada de muitosimigrantes nos últimos anos. Por isso, o Paparealizará um gesto significativo: encontrar-se-ácom duas famílias nas suas casas e em seguida,numa praça, com os moradores do bairro, noqual vivem também roms, islâmicos e imigran-tes.

Depois, segundo o programa predisposto pelaPrefeitura da Casa Pontifícia, Francisco irá à ca-tedral, para um encontro com os sacerdotes e osconsagrados. Em seguida, após a adoração doSantíssimo Sacramento no «Scurolo di San Car-lo», um dos lugares-símbolo da Igreja ambrosia-

na, o Pontífice responderá a algumas perguntasdos presentes.

No final do colóquio, sairá ao adro da cate-dral para a recitação do Angelus e a bênção aosfiéis.

A etapa sucessiva será na prisão de San Vitto-re, onde o Papa saudará os presos, alguns direta-mente nas próprias celas. Depois almoçará comuma representação de cem encarcerados. Na par-te da tarde irá primeiro ao parque de Monza pa-ra a celebração da Eucaristia e depois ao estádioMeazza — San Siro para dialogar com os jovenscrismados.

Em seguida, do aeroporto de Linate regressa-rá ao Vaticano.

O logótipo escolhido para a visita representaduas mãos que se estendem para o Papa. Mãosque podem parecer também duas asas de pom-bas da paz, mas que no perfil recordam a cate-dral de Milão. Na parte superior do logótipo es-tá representado o abraço do Pontífice que se tor-na também um sorriso.

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número 11, quinta-feira 16 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

A 11 de março

Os Senhores Cardeais Kevin JosephFarrell, Prefeito do Dicastério paraos Leigos, a Família e a Vida; e Giu-seppe Versaldi, Prefeito da Congre-gação para a Educação Católica (dosInstitutos de Estudos); e D. Fulgen-ce Rabemahafaly, Arcebispo de Fia-narantsoa (Madagáscar).

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 11 de marçoDe D. José de Jesús Martínez Zepe-da, ao governo pastoral da Diocesede Irapuato (México).

No dia 14 de marçoDe D. Vincent Ri Pyung-ho, ao go-verno pastoral da Diocese de Jeonju( C o re i a ) .

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 9 de marçoNúncio Apostólico na Albânia, D.Charles John Brown, até esta dataNúncio Apostólico na Irlanda.Bispo da Diocese de Plasencia (Es-panha), o Rev.do Pe. José Luis Reta-na Gozalo, até hoje Delegado dioce-sano para as Instituições de Ensinoda Diocese de Ávila e Pároco.

D. José Luis Retana Gozalo nasceuem Pedro Bernardo (Espanha), no dia12 de março de 1953. Recebeu a Orde-nação sacerdotal a 29 de setembro de1979.

A 10 de marçoBispo da Diocese de Peterborough(Canadá), D. Daniel Joseph Miehm,até à presente data Auxiliar de Ha-milton.

A 11 de marçoEnviado Especial à cerimónia de co-roação da imagem de «Nossa Se-nhora da Saúde dos Enfermos», naCatedral-Santuário da Diocese deŚwidnica (Polónia), que terá lugar a13 de maio, no centenário das apari-ções da Virgem de Fátima, o SenhorCardeal Zenon Grocholewski, Prefei-to Emérito da Congregação para aEducação Católica.Bispo da Diocese de Irapuato (Mé-xico), D. Enrique Díaz Díaz, atéagora Coadjutor da Diocese de SanCristóbal de Las Casas.

A 14 de marçoBispo de Jeonju (Coreia), o Rev.do

Pe. John Kim Son-Tae, até hoje pá-roco de Samcheondong em Jeonju.

D. John Kim Son-Tae nasceu nodia 15 de setembro de 1961, em Yeo-san-myeon (Coreia). Foi ordenado Sa-cerdote a 20 de janeiro de 1989.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 7 de marçoD. Rudolf Deng Majak, Bispo deWau (Sudão do Sul).

O saudoso Prelado nasceu em Wa-rap (Sudão do Sul), no dia 1 de no-vembro de 1945. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal a 20 de novembro de 1970.Foi ordenado Bispo em 11 de fevereirode 1996.

D. James Michael Moynihan, BispoEmérito de Syracuse (E UA ).

O ilustre Prelado nasceu no dia 6de julho de 1932, em Rochester (EUA).Foi ordenado Sacerdote a 15 de dezem-bro de 1957. Recebeu a Ordenaçãoepiscopal em 29 de maio de 1995.

D. Tadeusz Rybak, Bispo Eméritode Legnica (Polónia).

O venerando Prelado nasceu a 7 denovembro de 1929, em Milanówek(Polónia). Recebeu a Ordenação sacer-dotal no dia 2 de agosto de 1953. Foiordenado Bispo em 24 de junho de1 9 7 7.

No dia 12 de marçoD. Luigi Barbarito, Núncio Apostó-lico.

O venerando Prelado nasceu emAtripalda (Itália), no dia 19 de abrilde 1922. Recebeu a Ordenação sacer-dotal a 20 de agosto de 1944. Foi or-denado Bispo em 10 de agosto de1969.

D. Jacques Fihey, Bispo Emérito deCoutances (França).

O ilustre Prelado nasceu a 1 de ou-tubro de 1931, em Narbonne (França).Foi ordenado Sacerdote no dia 29 dejunho de 1955. Recebeu a Ordenaçãoepiscopal em 10 de julho de 1977.

Sobre a descoberta dos sete planetas semelhantes à Terra

A cerveja e o telescópio

de TucsonGUY CONSOLMAGNO

«Acreditais que há vida noutra par-te do universo?». Trata-se de umapergunta que é feita continuamenteaos astrónomos. E é a pergunta cer-ta: a vida no universo é, até agora,uma questão de fé. Não temos da-dos que indiquem a existência deuma tal vida. Mas a nossa confian-ça no facto de que a vida existe éforte a ponto de nos tornar dispo-níveis a fazer o esforço de a procu-r a r.

Com o anúncio, na quarta-feira22 de fevereiro, da descoberta desete planetas semelhantes à Terraque orbitam em volta da estrelaTrappist-1, a nossa confiança nestaspesquisas tornou-se só um poucomais forte. Pelo menos três delaspoderiam ter a justa temperaturapara suportar a água líquida e, porconseguinte, a possibilidade de quehaja vida como a conhecemos.

A busca constante de planetasem volta de pequenas estrelas relati-vamente frias na nossa vizinhançagaláctica próxima faz uso de doistelescópios robóticos chamadosTrappist, acrónimo de TransitingPlanets And Planetesimals SmallTelescope. Trappist South, do qualforam feitas as observações aquidescritas, encontra-se no desertochileno num observatório em LaSilla, gerido pelo Observatório Eu-ropeu Austral; o seu equivalente,Trappist North, encontra-se nas re-dondezas de Marrakech, em Marro-cos. A estrela Trappist-1 tem o no-me do telescópio que a tornou fa-mosa.

Enquanto a maior parte da im-prensa popular se entusiasmou maispela possibilidade de que possa ha-ver vida naqueles planetas, eu vejona descoberta um significadom a i o r.

É importante recordar que nin-guém viu deveras aqueles planetas.São muito pequenos e demasiado

indistintos para serem visíveis coma atual geração de telescópios. Masmesmo se não os conseguimos ver,pensamos que existem devido aosefeitos que podemos observar queeles têm sobre a sua estrela. Estesistema planetário está de facto detal modo alinhado que, quando ca-da planeta orbita em volta da estre-la, passa entre a estrela e nós; porconseguinte, a luz da estrela é leve-mente ofuscada à passagem do pla-neta. Este tipo de efeito, por muitoleve que seja, pode ser relevadotambém com um telescópio peque-no. Os telescópios Trappist usamespelhos muito modestos, largos0,6 metros, para capturar a luz tre-mulante das estrelas.

Considerando que há muitas ou-tras coisas que poderiam ofuscaruma estrela, é preciso continuar aobservar para compreender se oefeito se repete com base regulartodas as vezes que o planeta com-pleta a órbita. Esta é uma das ra-zões pelas quais o team decidiuconcentrar a sua pesquisa sobre asestrelas vermelhas, ofuscadas. Umplaneta orbitaria bastante perto deuma estrela semelhante a fim de sersuficientemente quente para quehaja possibilidade de vida. Os pla-netas vizinhos orbitam mais rapida-mente; por conseguinte, temos mui-tas mais possibilidades de os verofuscar a luz da estrela, e todas asvezes que vemos este ofuscamentoestamos mais certos de que o plane-ta (ou neste caso os planetas) existerealmente. Além disso, com seteplanetas são necessárias muitas ob-servações para subdividir o ritmodos ofuscamentos em sete períodosregulares. Por conseguinte, estadescoberta não chegou num únicomomento de revelação, mas depoisde anos de pacientes observações.

Para aumentar ulteriormente anossa confiança no facto de que setrata deveras de planetas, os cientis-tas procuraram outros efeitos queestes planetas pudessem ter sobre a

estrela, como um subtil desloca-mento das suas cores espectrais. Osleves tremores vistos com um pe-queno telescópio levaram a um es-forço internacional que envolveu al-guns dos instrumentos maiores emais sofisticados de que dispomos.Juntamente com o telescópio Trap-pist South, os astrónomos utiliza-ram dados provenientes do telescó-pio espacial Spitzer da Nasa (queobserva a luz infravermelha domi-nante que esta estrela irradia) e doVlt (Very Large Telescope) do Ob-servatório Europeu Austral em Pa-ranal, no Chile, cujo espelho temuma amplitude de mais de oito me-t ro s .

Nenhum astrónomo teria podidofazer todas as observações necessá-rias para confirmar o resultado. Aciência é feita por uma comunidadede pessoas que trabalham juntaspor um objetivo comum. O Obser-vatório Europeu Austral é, sozinho,um consórcio de astrónomos apoia-do por quinze nações europeias, epelo Brasil.

A astronomia não é estrelas ouplanetas, mas a atividade das pes-soas que olham para estas estrelas eplanetas. O que motiva o trabalhoe a curiosidade humana é o desejode alimentar o ânimo humano. Odesejo humano de saber de quemaneira nos inserimos neste univer-so e se há outros lugares ou até ou-tros seres como nós estimula a nos-sa imaginação e faz-nos observarcom paciência, noite após noite. Es-ta paixão alimenta a fé dos astróno-mos, dando-lhes a esperança neces-sária de que as longas noites de ob-servações deem fruto.

Naturalmente, com a paixão ecom a fé, os cientistas são movidostambém por outros apetites... e pe-lo sentido do humorismo. Os astró-nomos belgas que construíram ostelescópios Trappist admitem queescolheram o nome para prestar ho-menagem à famosa cerveja produzi-da pelos trapistas belgas.

Uma reconstrução do sistema Trappist-1 (Ansa/Nasa)

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 16 de março de 2017, número 11

Na audiência geral o Papa explicou que a hipocrisia pode ameaçar o bem

O amornão é uma telenovela

Bom dia, estimados irmãos e irmãs!Sabemos bem que o grande mandamentoque o Senhor Jesus nos deixou é o de amar:amar a Deus com todo o coração, com todaa alma e com toda a mente, e amar o próxi-mo como a nós mesmos (cf. Mt 22, 37-39),ou seja, somos chamados ao amor, à carida-de. E esta é a nossa vocação mais sublime, anossa vocação por excelência; e a ela estávinculado também o júbilo da esperançacristã. Quem ama tem a alegria da esperan-ça, de chegar a encontrar o grande amorque é o Senhor.

No trecho da Carta aos Romanos que hápouco ouvimos, o Apóstolo Paulo alerta-nos: existe o risco de que a nossa caridadeseja hipócrita, que o nosso amor seja hipó-crita. Então, devemos interrogar-nos: quan-do se verifica esta hipocrisia? E como pode-mos estar certos de que o nosso amor é sin-cero, que a nossa caridade é autêntica? Quenão fingimos que praticamos a caridade ouque o nosso amor não é uma telenovela:amor sincero, forte...

A hipocrisia pode insinuar-se em toda aparte, até no nosso modo de amar. Isto verifi-ca-se quando o nosso amor é interesseiro,impelido por interesses pessoais; e quantosamores interesseiros existem... quando osserviços de caridade nos quais parece quetrabalhamos são realizados para nos mos-trarmos ou para nos sentirmos satisfeitos:«Mas como sou bom!». Não, isto é hipocri-sia! Ou então quando visamos situações quetenham «visibilidade» para mostrar a nossainteligência ou a nossa capacidade. Por de-trás de tudo isto existe uma ideia falsa, en-ganadora, ou seja, se amamos é porque so-mos bons; como se a caridade fosse umacriação do homem, um produto do nossocoração. Ao contrário, a caridade é antes detudo uma graça, um presente; poder amar éuma dádiva de Deus, que devemos pedir. EEle concede-o de bom grado, se lho pedir-mos. A caridade é uma graça: não consisteem fazer transparecer o que nós somos, masaquilo que o Senhor nos oferece e que nósrecebemos livremente; e não se pode expres-sar no encontro com o próximo, se antesnão for gerado pelo encontro com o sem-blante manso e misericordioso de Jesus.

Paulo convida-nos a reconhecer que so-mos pecadores e que até o nosso modo deamar é marcado pelo pecado. No entanto,ao mesmo tempo faz-se portador de umanúncio novo, um anúncio de esperança: o Se-nhor abre-nos um caminho de libertação,uma vereda de salvação. É a possibilidadede vivermos, também nós, o grande manda-mento do amor, de nos tornamos instrumen-tos da caridade de Deus. E isto acontecequando nos deixamos curar e renovar o co-ração por Cristo ressuscitado. O Senhor res-suscitado que vive no meio de nós, que viveao nosso lado, é capaz de curar o nosso co-ração: e fá-lo se lho pedirmos. É Ele quemnos permite, não obstante a nossa pequeneze pobreza, experimentar a compaixão doPai e celebrar as maravilhas do seu amor.

Então, compreende-se que tudo o que pode-mos ver e fazer pelos irmãos é apenas a res-posta àquilo que Deus fez e continua a fa-zer por nós. Aliás, é o próprio Deus que, fa-zendo morada no nosso coração e na nossavida, continua a aproximar-se e a servir to-dos aqueles que encontramos todos os diasno nosso caminho, a começar pelos últimose pelos mais necessitados, nos quais Ele é oprimeiro que se reconhece.

Então, com estas palavras o ApóstoloPaulo não quer tanto repreender-nos, comoao contrário encorajar-nos e reavivar a nossae s p e ra n ç a . Com efeito, todos nós fazemos aexperiência de não viver o mandamento doamor plenamente ou como deveríamos. Mastambém isto é uma graça, porque nos leva acompreender que sozinhos não somos capa-zes de amar de maneira autêntica: temos ne-cessidade de que o Senhor renove continua-mente este dom no nosso coração, atravésda experiência da sua misericórdia infinita.Só assim voltaremos a apreciar as pequenascoisas, as coisas simples, ordinárias; só assimvoltaremos a valorizar todas estas pequenascoisas de todos os dias e seremos capazes deamar os outros como Deus os ama, desejan-do o seu bem, isto é, que sejam santos, ami-gos de Deus; e ficaremos contentes com apossibilidade de nos tornarmos próximos dequantos são pobres e humildes, como Jesusfaz com cada um de nós quando nos afasta-mos dele, de nos inclinarmos aos pés dos ir-mãos como Ele, Bom Samaritano, faz com

cada um de nós, mediante a sua compaixãoe o seu perdão.

Amados irmãos, o que o Apóstolo Paulonos recordou é o segredo para sermos — usoas suas palavras — o segredo para sermos«alegres na esperança» (Rm 12, 12): alegresna esperança. O júbilo da esperança, poissabemos que em cada circunstância, até namais adversa e inclusive através dos nossospróprios fracassos, o amor de Deus não es-morece. Então, com coração visitado e habi-tado pela sua graça e pela sua fidelidade, vi-vamos na jubilosa esperança de partilharcom os irmãos, no pouco que podemos,aquilo que recebemos dele todos os dias.O brigado!

«Quem, com manobras financeiras e para fazernegociações não totalmente claras, fecha fábricase empresas, privando os homens do seutrabalho, comete um pecado gravíssimo»,denunciou o Pontífice no final da audiênciageral. Eis algumas das expressões do SantoP a d re .

Saúdo cordialmente os peregrinos de línguaportuguesa, em particular o grupo da Ama-dora e os cidadãos lisboetas de Santo Antó-nio guiados pelo Presidente da Junta deFreguesia. O Senhor vos abençoe e enchade alegria, e o Espírito Santo ilumine as de-cisões da vossa vida, para realizardes fiel-mente a vontade do Pai celeste. Sobre todosvós e sobre as vossas famílias e comunida-des, vele a Virgem Mãe de Deus e da Igre-ja.

Dirijo um pensamento especial aos traba-lhadores da «Sky Itália», enquanto faço vo-tos a fim de que a sua situação de trabalhopossa encontrar uma rápida solução, no res-peito pelos direitos de todos, particularmen-te das famílias. O trabalho dá dignidade, eos responsáveis dos povos e os governantestêm a obrigação de fazer tudo a fim de quecada homem e cada mulher possam traba-lhar e assim erguer a cabeça e olhar os ou-tros na cara com dignidade. Quem, commanobras financeiras e para fazer negocia-ções não totalmente claras, fecha fábricas eempresas, privando os homens do seu traba-lho, comete um pecado gravíssimo.

Finalmente, dirijo uma saudação aos jo-vens, aos doentes e aos recém-casados. Otempo litúrgico da Quaresma favoreça a rea-proximação de Deus: jejuai não apenas dasrefeições, mas sobretudo dos maus hábitos,diletos jovens, para adquirir maior domíniosobre vós mesmos; a oração seja para vós,prezados doentes, o instrumento para sentirDeus próximo de vós, particularmente nosofrimento; e a prática das obras de miseri-córdia vos ajude todos, caros recém-casados,a viver a vossa existência conjugal abrindo-aà necessidade dos irmãos.

Uma exortação ao amor verdadeiro, concreto, não de «telenovela» foi dirigido pelo PapaFrancisco aos fiéis presentes na audiência geral de quarta-feira 15 de março, na praça de SãoPedro. Dando continuidade às catequeses dedicadas à esperança cristã, o Pontífice comentou otrecho da carta aos Romanos (12, 9-13) em que São Paulo nos convida a fazer o bem aopróximo com alegria.

Benini, «Meditação sobre a naturezada fé, esperança e caridade»