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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 35 (2.660) Cidade do Vaticano terça-feira 1 de setembro de 2020 Restaurar a harmonia primordial da criação MENSAGEM PARA O DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELO CUIDAD O DA CRIAÇÃO NESTE NÚMERO Pág. 2: Para atravessar a tempestade: todos juntos, por Andrea Monda; pág. 3: Audiência geral de quarta-feira; Recomeçam as audiências gerais com a presença de fiéis; pág. 4: Quarenta e dois anos após a eleição de João Paulo I, por Andrea Tornielli; pág. 5: Na sua mensagem ao mundo, por Stefania Falasca; págs. 6/7: Mensagem do Santo Padre para o Dia mundial de oração pelo cuidado da criação; pág. 8: Para o poeta Adam Zagajewski só depois da derrota e da dor se poderá viver realmente, por Francesco Macinanti; pág. 9: Apreço do Pontífice pela nova iniciativa da pontifícia Academia mariana internacional; Carta ao pároco do santuário argentino de São Raimundo Nonato; pág. 10: O cardeal Sandri no santuário de Maria Santíssima “della Lobra”; Um site por semana; pág. 11: Na Guiné-Bissau o “pacto educativo” entre as missionárias da Imaculada e os habitantes de algumas aldeias; Fé e música na experiência de vida da irmã Maria Amélia Costa; pág. 12: Angelus de 30 de agosto.

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L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 35 (2.660) Cidade do Vaticano terça-feira 1 de setembro de 2020

Restaurar a harmoniaprimordial da criação

MENSAGEM PA R A O DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELO CUIDAD O DA CRIAÇÃO

NESTE NÚMEROPág. 2: Para atravessar a tempestade: todos juntos, por Andrea Monda; pág. 3: Audiência geral de quarta-feira; Recomeçam asaudiências gerais com a presença de fiéis; pág. 4: Quarenta e dois anos após a eleição de João Paulo I, por Andrea Tornielli;pág. 5: Na sua mensagem ao mundo, por Stefania Falasca; págs. 6/7: Mensagem do Santo Padre para o Dia mundial de oraçãopelo cuidado da criação; pág. 8: Para o poeta Adam Zagajewski só depois da derrota e da dor se poderá viver realmente, porFrancesco Macinanti; pág. 9: Apreço do Pontífice pela nova iniciativa da pontifícia Academia mariana internacional; Carta aopároco do santuário argentino de São Raimundo Nonato; pág. 10: O cardeal Sandri no santuário de Maria Santíssima “dellaLobra”; Um site por semana; pág. 11: Na Guiné-Bissau o “pacto educativo” entre as missionárias da Imaculada e os habitantesde algumas aldeias; Fé e música na experiência de vida da irmã Maria Amélia Costa; pág. 12: Angelus de 30 de agosto.

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 1 de setembro de 2020, número 35

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: € 162.00 - U.S. $ 240.00.

Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: assinaturas.or@sp c.va

Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800-160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected]

Publicidade Il Sole 24 Ore S.p.A, System Comunicazione Pubblicitaria, Via Monte Rosa, 91,20149 Milano, [email protected]

Para atravessar a tempestade:todos juntos

ANDREA MONDA

Todos recordam o que aconte-ceu há cinco meses, na tardede 27 de março, quando as

sombras do crepúsculo se adensa-vam juntamente com as nuvens car-regadas de chuva sobre a praça deSão Pedro, e o Papa subia lentamen-te os degraus do adro para erguer asua voz e rezar ao Deus Criadorque, naqueles dias, parecia ter-se es-quecido de vigiar sobre a sua cria-ção. «Há semanas que parece o en-tardecer, parece cair a noite», disseFrancisco. «Densas trevas cobriramas nossas praças, ruas e cidades;apoderaram-se das nossas vidas, en-chendo tudo de um silêncio ensur-decedor... pressente-se no ar, nota-senos gestos, dizem-no os olhares. Re-vemo-nos temerosos e desorientados.À semelhança dos discípulos doEvangelho, fomos surpreendidos poruma tempestade inesperada... De-mo-nos conta de estar no mesmobarco, todos frágeis... mas ao mesmotempo... necessários: todos chama-dos a remar juntos, todos carecidosde mútuo encorajamento. E, nestebarco, estamos todos. Tal como osdiscípulos que, falando a uma sóvoz, dizem... “vamos perecer”... as-sim também nós nos apercebemosde que não podemos continuar... ca-da qual por conta própria, mas só oconseguiremos juntos. A tempestadedesmascara a nossa vulnerabilidade edeixa a descoberto as falsas... segu-ranças com que construímos os nos-sos programas, os nossos projetos...e prioridades».

A mensagem era clara e sonora:não somos autossuficientes, sozinhosafundamo-nos. E depois uma aber-tura à esperança, com um olhar maisamplo e sobretudo mais grato: «Asnossas vidas são tecidas e sustenta-das por pessoas comuns (habitual-mente esquecidas), que não apare-cem nas manchetes dos jornais e re-vistas, mas que hoje estão, sem dúvi-da, a escrever os acontecimentos...da nossa história: médicos, enfermei-ros... trabalhadores dos supermerca-dos... curadores, transportadores,forças policiais, voluntários... religio-sas que compreenderam que nin-guém se salva sozinho».

Também na catequese desta au-diência geral de quarta-feira, o Papavoltou a esta imagem da tempestadee mais uma vez abriu os nossosolhos à esperança: «Perante a pan-demia e as suas consequências so-ciais, muitos correm o risco de per-der a esperança. Neste tempo de in-certeza e angústia, convido todos aaceitar o dom da esperança que vemde Cristo. É Ele que nos ajuda a na-vegar nas águas tumultuosas dadoença, da morte e da injustiça, quenão têm a última palavra sobre onosso destino final». O risco não éapenas perder a esperança, mas tam-bém a razão e que o medo e a luta

pela sobrevivência prevaleçam sobreo sentimento de solidariedade.Quando a tempestade se agita, ogrito que se levanta é “salve-se quempuder!”, mas há um engano nestapalavrinha, o sufixo reflexivo “se”;com efeito, seria mais correto gritar“salve-me quem puder!”. Se é verda-de que ninguém se salva sozinho,então a reivindicação deve dar lugarà oração. A tua vida torna-se vitamea e não m o rs .

Uma história autêntica, que ocor-reu há cerca de meio século, de-monstra esta verdade e dissipa ummito antigo, uma história que falade uma tempestade. O economistaholandês Rutger Bregman narra-ano seu ensaio Humankind. A HopefulHistory (será publicado em outubropela Feltrinelli) e foi proposta comoleitura teatral por Francesco Chia-mulera há alguns dias, durante oevento “Uma montanha de livros”,em Cortina d’Ampezzo: em junhode 1965, seis jovens de 13 a 16 anos,alunos do St. Andrew’s, um rigorosocolégio católico em Nuku’alofa, noPacífico, um pouco entediados, umpouco por desejo de aventura, apo-deraram-se de uma embarcação epartiram para as Ilhas Fiji, situadasa cerca de quinhentas milhas de dis-tância. Uma tempestade surpreen-deu-os e levou-os para a pequenailha ’Ata, onde viveram durante umano inteiro. Parece ser uma fotocó-pia da história contada por WilliamGolding no seu famoso romance Th eLord of the Flies que, publicado em1954, deu imediatamente popularida-de (e um prémio Nobel) ao seu au-tor. Se o início da história é o mes-mo, o desenvolvimento e a conclu-são são muito diferentes: no roman-ce de Golding o grupo de jovensnáufragos será dilacerado por guer-ras internas e, no final, a violênciapredominará causando várias víti-mas, porque a natureza humanaconduz inevitavelmente ao conflito eà luta pelo poder. Isto é literatura.Na realidade, a vicissitude históricados seis jovens de ’Ata é muito dife-rente, como recordou o capitão donavio que, após quinze meses, sal-

vou os náufragos, levando-os paracasa: «Os rapazes criaram uma pe-quena comuna com uma horta, tron-cos de árvores escavados para arma-zenar a água da chuva, um ginásiocom pesos, um campo de badmin-ton, um galinheiro e um fogo per-manente, tudo graças ao trabalhomanual, uma velha lâmina de faca emuita determinação». Organizadosem grupos de dois, os jovens dividi-ram as tarefas, a primeira das quais,fundamental, foi a de manter o fogoaceso durante quinze meses. Quan-do havia um desentendimento, oconfronto era imediatamente resolvi-do forçando os litigantes a ir aos ex-tremos opostos da ilha para arrefecero ânimo e após cerca de quatro ho-ras todos trabalhavam juntos pelareconciliação. Os dias dos seis jo-vens começavam e terminavam comcanções e orações, e um papel fun-damental foi desempenhado pelamúsica, graças ao “violão” moldadopor um dos rapazes a partir de umpedaço de madeira flutuante, utili-zando meia casca de coco e seis fiosde aço recuperados do seu barcodestruído. Quando um deles escorre-ga, caindo de um penhasco e quebrauma perna, a lógica da solidariedadeprevalece sobre a da sobrevivência: aperna é engessada de modo rudi-mentar, com paus e folhas, e a suaparte do trabalho é redistribuída en-tre os outros cinco. Quando foramresgatados, no domingo 11 de setem-bro de 1966, os seis náufragos en-contravam-se fisicamente em ótimascondições. Os quinze meses não de-sencadearam violência, mas amizade.

Há alguns dias o professor eméri-to de biologia Scott F. Gilbert, noMeeting de Comunhão e Libertaçãoem Rímini, falou sobre o corpo hu-mano, que na sua maravilhosa com-plexidade revela como a “re g r a ” quegoverna o mundo natural não é oconflito mas a colaboração. A suacolega, a bióloga americana LynnMargulis resumiu esta verdade comuma frase: «A vida não progride nomundo pela luta, mas graças a umarede de colaborações». Portanto, po-der-se-ia dizer que cada um de nós é

um indivíduo único e irrepetível,mas não está sozinho: cada organis-mo vive sempre em simbiose commilhares de milhões de microrganis-mos. Dentro do nosso corpo existemcerca de 160 espécies de micróbiosque desempenham funções funda-mentais para o nosso crescimento.Deveríamos reler positivamente afrase do pobre endemoninhado deGérasa: «O meu nome é Legião, por-que somos muitos»; ele referia-se à ru-tura de uma identidade dilaceradapelo espírito maligno, mas a verdadeda natureza humana na sua vidaquotidiana é que um organismo vivoconsiste no resultado de uma densatrama formada por um complexo emaravilhoso “trabalho de grupo”.

A conclusão do professor Gilbertvai muito além dos dados biológi-cos: «Os animais não existem comoentidades independentes, nós “for-mamo-nos com os outros”. Isto éimportante: para além dos dadoscompetitivos da evolução, há tam-bém este devir com os outros». Por-tanto, cada um de nós já é, por sisó, uma “companhia”, não é deixadosozinho na batalha da existência,porque a estrutura do seu própriocorpo já fala de uma aliança entremil componentes, tanto invisíveisquanto indispensáveis. Tal comoacontece, a nível social, graças a to-das aquelas pessoas “habitualmenteesquecidas”, como diz o Papa, masque apoiam a vida dos outros e comeles o mundo inteiro. Como o Papadisse há cinco meses, repetindo naaudiência geral com palavras fortes eclaras: «O homo sapiens deforma-se etorna-se uma espécie de homo oecono-micus — num sentido menor — indi-vidualista, calculista e dominador.Esquecemos que, sendo criados àimagem e semelhança de Deus, so-mos seres sociais, criativos e solidá-rios, com uma imensa capacidade deamar. Com frequência esquecemo-nos disto. Com efeito, somos os se-res mais cooperadores entre todas asespécies, e florescemos em comuni-dade, como se pode ver na experiên-cia dos santos».

Crianças de Harare (Zimbábue), ondea população é atingida por uma grave seca,

ajudam-se a carregar baldes de água (Epa)

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número 35, terça-feira 1 de setembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Desigualdade e degradaçãof ru t o

de uma economia doente

O Papa prosseguiu as reflexões sobre a pandemia

C AT E Q U E S E

As desigualdades e a degradação ambiental, alimentadas e agravadas pelapandemia, são fruto de uma «economia doente» e de um crescimento iníquo».É a nova severa denúncia do Papa Francisco, que na audiência geral de 26de agosto voltou a refletir sobre as consequências da crise, denunciandosobretudo as desigualdades sociais — «no mundo de hoje, poucos riquíssimospossuem mais do que o resto da humanidade» recordou — e dirigindo umpensamento particular às muitas crianças que «hoje morrem de fome devido àmá distribuição das riquezas».

Amados irmãos e irmãs, bom dia!Perante a pandemia e as suas con-sequências sociais, muitos correm orisco de perder a esperança. Nestetempo de incerteza e angústia, con-vido todos a aceitarem o dom dae s p e ra n ç a que vem de Cristo. É Eleque nos ajuda a navegar nas águastumultuosas da doença, da morte eda injustiça, que não têm a últimapalavra sobre o nosso destino final.

A pandemia pôs em evidência eagravou os problemas sociais, espe-cialmente a desigualdade. Algunspodem trabalhar de casa, enquantopara muitos outros isto é impossí-vel. Algumas crianças, apesar dasdificuldades, podem continuar areceber uma educação escolar, en-quanto para muitas outras houveuma brusca interrupção. Algumasnações poderosas podem emitirmoeda para enfrentar a emergên-cia, enquanto que para outras issosignificaria hipotecar o futuro.

Estes sintomas de desigualdaderevelam uma doença social; é umvírus que provém de uma econo-mia doente. Devemos simplesmen-te dizê-lo: a economia está doente.Adoeceu. É o resultado de umcrescimento económico iníquo —esta é a doença: o fruto de umcrescimento económico iníquo —que prescinde dos valores humanosfundamentais. No mundo de hoje,muito poucas pessoas ricas pos-suem mais do que o resto da hu-manidade. Repito isto porque nosfará refletir: poucos riquíssimos,um pequeno grupo, possui mais doque o resto da humanidade. Esta émera estatística. É uma injustiçaque clama aos céus! Ao mesmotempo, este modelo económico éindiferente aos danos infligidos àcasa comum. Não cuida da casacomum. Estamos quase a superarmuitos dos limites do nosso mara-vilhoso planeta, com consequênciasgraves e irreversíveis: desde a perdade biodiversidade e alterações cli-máticas ao aumento do nível dosmares e à destruição das florestastropicais. A desigualdade social e a

degradação ambiental andam demãos dadas e têm a mesma raiz(cf. Enc. Laudato si’, 101): a do pe-cado de querer possuir, de quererdominar os irmãos e irmãs, de pre-tender possuir e dominar a nature-za e o próprio Deus. Mas este nãoé o desígnio da criação.

«No princípio, Deus confiou aterra e os seus recursos à gestão co-mum da humanidade, para que de-la cuidasse» (Catecismo da IgrejaCatólica, 2402). Deus pediu-nosque dominássemos a terra em Seunome (cf. Gn 1, 28), cultivando-a ecuidando dela como se fosse umjardim, o jardim de todos (cf. Gn2, 15). «Enquanto “cultivar” querdizer lavrar ou trabalhar [...] “guar-dar” significa proteger..., preservar»(LS, 67). Mas atenção a não inter-pretar isto como uma carta brancapara fazer da terra aquilo que sequer. Não. Existe «uma relaçãoresponsável de reciprocidade»(ibid.) entre nós e a natureza. Umarelação de reciprocidade responsá-vel entre nós e a natureza. Recebe-mos da criação e damos por nossavez. «Cada comunidade pode to-mar da bondade da terra aquilo deque necessita para a sua sobrevi-vência, mas tem também o deverde a proteger» (ibidem). Ambas aspartes.

De facto, a terra «precede-nos efoi-nos dada» (ibid.), foi dada porDeus «a toda a humanidade»(CIC, 2402). E por isso é nosso de-ver assegurar que os seus frutoscheguem a todos, e não apenas aalguns. Este é um elemento-chaveda nossa relação com os bens ter-renos. Como recordaram os padresdo Concílio Vaticano II, «quemusa desses bens, não deve conside-rar as coisas exteriores que legiti-mamente possui só como próprias,mas também como comuns, nosentido de que possam beneficiarnão só a si mas também aos ou-tros» (Const. past. Gaudium etspes, 69). De facto, «a propriedadedum bem faz do seu detentor umadministrador da providência deDeus, com a obrigação de o fazerfrutificar e de comunicar os seusbenefícios aos outros» (CIC, 2404).Nós somos administradores dosbens, não donos. Administradores.“Sim, mas o bem é meu”. É verda-de, é teu, mas para o administra-res, não para o possuíres egoistica-mente.

Para assegurar que o que possuí-mos seja um valor para a comuni-dade, «a autoridade política tem odireito e o dever de regular, emfunção do bem comum» (ibid.,2406; [cf. GS 71; São João Paulo II,Carta enc. Sollicitudo rei socialis, 42;Carta enc. Centesimus annus,40.48]).

A «subordinação da propriedadeprivada ao destino universal dos bens[...] é uma “regra de ouro” docomportamento social, e o primeiroprincípio de toda a ordem ético-so-cial» (LS, 93; [cf. São João PauloII, Carta enc. Laborem exercens, 19]).

As propriedades, o dinheiro sãoinstrumentos que podem servir pa-ra a missão. Mas transformamo-losfacilmente em fins individuais oucoletivos. E quando isto acontece,são minados os valores humanosessenciais. O homo sapiens deforma-se e torna-se uma espécie de homooeconomicus — num sentido menor— individualista, calculista e domi-nador. Esquecemos que, sendocriados à imagem e semelhança deDeus, somos seres sociais, criativose solidários, com uma imensa capa-cidade de amar. Com frequênciaesquecemo-nos disto. De facto, so-mos os seres mais cooperadores en-tre todas as espécies, e florescemosem comunidade, como se pode verna experiência dos santos. Há umditado espanhol que me inspirouesta frase, que reza assim: Floresce-mos en racimo, como los santos. Flo-rescemos em comunidade como sevê na experiência dos santos.

Quando a obsessão de possuir edominar exclui milhões de pessoasdos bens primários; quando a desi-gualdade económica e tecnológicaé tal que dilacera o tecido social; equando a dependência do progres-

CO N T I N UA NA PÁGINA 8

A 2 de setembro no pátio de São Dâmaso

Recomeçam as audiências geraiscom a presença de fiéis

A Prefeitura da Casa Pontifícia informa que quarta-feira, 2 de se-tembro recomeçam as audiências gerais do Papa com a presençade fiéis. Seguindo as indicações sanitárias das autoridades, os en-contros do mês de setembro terão lugar no pátio de São Dâmasodo Palácio apostólico, com início às 9h30.

Quantos o desejarem poderão participar, sem necessidade de bi-lhete. A entrada será a partir da 7h30 do Portão de Bronze (colu-nata à direita da praça de São Pedro).

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 1 de setembro de 2020, número 35

Quarenta e dois anos após a eleição de João Paulo I

O Concílio de Albino LucianiANDREA TORNIELLI

Na noite de há 42 anos, o sucessordo Papa Paulo VI assomou sorriden-te à Varanda central da Basílica deSão Pedro. Albino Luciani, patriarcade Veneza, foi eleito no quarto es-crutínio, no dia 26 de agosto de1978, e escolheu o duplo nome deJoão Paulo, em homenagem aos seusimediatos predecessores, Roncalli eMontini. O primeiro nomeou-o bis-po de Vitório Véneto, incluindo-oassim entre os padres do Concílio; osegundo transferiu-o para Veneza ecriou-o cardeal. Naquela noite quen-te de verão ninguém podia imaginarque o pontificado de João Paulo I,pastor véneto manso e humilde, deorigem montanhesa, seria um dosmais breves da história. Quarenta edois anos depois daquele aconteci-mento, numa época em que o Con-cílio ecuménico Vaticano II é objetode ataques e de críticas, é significati-vo recordar Luciani através de algu-mas das suas palavras escritas quan-do era bispo e padre conciliar, paraexplicar aos fiéis da sua diocese oque então acontecia em Roma.

Contra o pessimismogeneralizado

Na fase preparatória, Luciani nãodeixa de dar o seu parecer por escri-to. No seu voto, o bispo de VitórioVéneto espera que o futuro Concíliodestaque o “otimismo cristão” ine-rente ao ensinamento do Ressuscita-do, contra o “pessimismo generaliza-do” da cultura relativista, denuncian-do uma ignorância substancial dos“aspetos elementares da fé”. Lucianiparte para Roma, participa nas ses-sões do Concílio, ouve atentamenteos debates. Nunca toma a palavra,mas escreve muitas páginas de apon-tamentos. Relê Antonio Rosmini, es-tuda em profundidade vários teólo-gos, entre os quais Henri de Lubac eHans Urs von Balthasar. Escreve fre-quentemente aos fiéis da sua dioce-se, mantém-nos informados sobre osresultados do Concílio e explica te-mas delicados com o habitual estilodidático e catequético, evitando aomesmo tempo simplificações excessi-vas. O bispo Luciani indica imedia-tamente Aquele que a seu ver será oprincipal ator do Concílio: «O Espí-rito Santo, presente nos trabalhoscom a sua assistência para evitar er-ros e desvios doutrinários». Uma as-sistência, escreve, que beneficiará osmembros do Concílio coletivamentecomo «líderes da Igreja, não comosimples homens», que «permanece-rão homens com o próprio tempera-mento».

Uma experiênciade Igreja universal

Numa mensagem para o dia mis-sionário, a 14 de outubro de 1963,Luciani informa os seus diocesanossobre a sua experiência pessoal dasmissões através dos bispos congrega-dos do mundo inteiro. Com efeito,escreve: «Na sala conciliar, basta-meorientar o olhar para as bancadas àminha frente. Ali estão: as barbas

dos bispos missionários, os rostosnegros dos africanos, as bochechassalientes dos rostos dos asiáticos. E ésuficiente trocar algumas palavrascom eles; abrem-se visões e necessi-dades, das quais nem sequer temosideia». No final do primeiro períododo Concílio, Luciani volta para casacom o seu “vizinho de assento”,Charles Msakila, bispo de Karema(Tanganica), seu hóspede por algunsdias: um gesto de atenção, mas tam-bém um modo de levar a diocese arespirar a dimensão da universalida-de da Igreja. O impulso missionáriosobressai também das palavras que obispo de Vitório Véneto dedicou aoPapa João XXIII, celebrando em ju-nho de 1963 uma missa em sufrágiodo Pontífice recentemente falecido.«A ideia do Papa João, que mais im-pressionou o meu espírito, é esta:Ecclesia Christi lumen gentium! AIgreja deve iluminar não apenas oscatólicos, mas todos; ela pertence atodos, devemos procurar aproximá-la de todos!».

Reforma litúrgicaDuas amostras dos escritos do bis-

po Luciani, para compreender comoo futuro Papa via alguns dos temascruciais do Concílio. A primeira re-fere-se à liturgia. «Durante a primei-ra sessão do Concílio — escreve — ogrande problema sobre a Missa foi:que ajuda oferecer aos fiéis, para queobtenham o máximo benefício possí-vel, que é “o ponto culminante da

vida cristã”? Que uma primeira aju-da, já dissemos, venha da Bíblia. ABíblia é a palavra de Deus; é ex-traordinária ao criar um clima de re-ligiosidade justa e fervorosa... Que aleitura das epístolas e do Evangelhoseja feita diretamente em italiano,quando os fiéis assistirem à Missa, eseja mais enfatizada... Uma segundaajuda é o uso da língua italiana. Naprimeira sessão do Concílio, 81 bis-pos pediram que para a liturgia seusasse a sua língua materna. Outrosprelados tinham receio... Outros ain-da observaram que, no passado, aIgreja mudou várias vezes de idio-ma, adaptando-se à língua do povo.O próprio Jesus falou e rezou nãoem hebraico, língua nacional da Pa-lestina, mas em aramaico, idioma dopovo... Uma terceira ajuda consisteem simplificar os ritos da Missa. Pa-ra ser honesto, ao longo dos séculosalguns ritos sobrepuseram-se, outrosnão são compreendidos pelo povode hoje, e outros ainda, para serementendidos, exigem explicações com-plicadas. Um rito — afirmou-se noConcílio — não deve ser algo sobre oque falar e explicar, mas algo que fa-la e explica por si só; contudo, nãoimponhamos aos fiéis dificuldadesinúteis! Uma quarta ajuda consisteem promover e facilitar a participa-ção dos fiéis».

Liberdade religiosaUm dos tópicos mais delicados e

complexos tratados pelo Concílio foi

o da liberdade religiosa. Para Lucia-ni foi uma mudança significativa emrelação ao ensino do seminário. Eiscomo o bispo de Vitório Véneto ex-plica tal momento: «Todos concor-damos que só existe uma religiãoverdadeira... No entanto, há tambémoutras questões certas que devem serenfrentadas. Ou seja, quem não estáconvencido do catolicismo tem o di-reito de professar a sua religião porvários motivos. O direito natural dizque todos têm o direito de procurara verdade. Pois bem, não se podebuscar a verdade, especialmente averdade religiosa, trancando-se numquarto e lendo alguns livros. Procu-ramo-la seriamente falando com osoutros, consultando-nos... Não te-nhais medo de dar uma bofetada nacara da verdade, quando conceder-des a uma pessoa o direito de usar asua liberdade».

Respeitar os direitosdos não-católicos

O bispo Luciani acrescenta: «Sealguém estiver consciente de que es-ta é a sua religião, tem o direito de aconservar, manifestar e propagar. Épreciso julgar bem a própria reli-gião, mas também a dos outros. Aescolha da religião deve ser livre;quanto mais livre e convicta for, tan-to mais honrado se sentirá quem aabraça. Estes são os direitos, os di-reitos naturais. Contudo, não existedireito algum ao qual não corres-ponda inclusive um dever. Os não-católicos têm o direito de professar asua religião, e eu tenho o dever derespeitar o seu direito: eu, pessoaparticular; eu, sacerdote; eu, bispo;eu, Estado».

Fazei melhor o catecismoPara concluir, nos escritos do pa-

dre conciliar Luciani também se en-contram estas palavras de notávelatualidade no relacionamento comos fiéis de outros credos. Embora te-nham sido escritas há 56 anos, aindaacertam em cheio e parecem estarem sintonia com a frase de BentoXVI, frequentemente citada pelo seusucessor Francisco: «A Igreja nãocresce por proselitismo, mas poratração». E portanto, diante da pre-sença de outros credos religiosos,certamente não são as proibições deos professar nem o entrincheiramen-to defensivo que mantêm vivo o cris-tianismo. A fé cristã existe e difun-de-se quando há cristãos que a vi-vem e testemunham com a própriavida. «Alguns bispos — escreve Albi-no Luciani — assustaram-se: mas en-tão amanhã vêm os budistas e fazema sua propaganda em Roma, vêmpara converter a Itália. Ou há qua-tro mil muçulmanos em Roma: têmo direito de construir para si umamesquita. Não há nada a dizer: épreciso deixar que o façam. Se qui-serdes que os vossos filhos não setornem budistas nem muçulmanos,deveis praticar melhor o catecismo,fazer com que estejam verdadeira-mente convencidos da sua religiãocatólica».

Comunicado

A Fundação João Paulo I do Vati-cano, criada pelo Papa Franciscocom Rescriptum ex audentia nopassado dia 17 de fevereiro paraque a investigação, os estudos e oaprofundamento sobre o pensa-mento e os ensinamentos de JoãoPaulo I possam ser promovidos anível internacional, tem trabalha-do arduamente desde a sua recen-te criação para consolidar a suaestrutura e para criar atividadesque ajudem a destacar o trabalhode João Paulo I.

No 42º aniversário da sua elei-ção como Papa, a Fundação temo prazer de anunciar que, durantea reunião do Conselho de Admi-nistração realizada a 3 de julho, opresidente, cardeal secretário deEstado Pietro Parolin, nomeou,como previsto no artigo 11 dosEstatutos, o Comité Científicocom uma personalidade «de com-provada competência e experiên-cia» e ordenou a sua atividadeconferindo o papel de coordena-dor do Comité Científico à Dr.a

Stefania Falasca, vice-presidenteda Fundação. O Comité, cujosmembros são nomeados ad quin-quennium, é composto da seguinteforma: professor Carlo Ossola, fi-lólogo no Collège de France emParis; pe. Dario Vitali, professor

de Eclesiologia e director do De-partamento de Teologia Dogmáti-ca da Pontifícia UniversidadeGregoriana; mons. Gilfredo Ma-rengo, professor de AntropologiaTeológica e vice-decano do Ponti-fício Instituto Teológico JoãoPaulo II para as Ciências do Ma-trimónio e da Família na Pontifí-cia Universidade Lateranense;prof. Mauro Velati, colaboradorda Fundação para as Ciências re-ligiosas João XXIII e a causa dacanonização de João Paulo I paraa qual escreveu a parte relativaaos anos venezianos na B i o g ra p h i aex documentis della Positio; pe.Diego Sartorelli, director da Bi-blioteca e Arquivo Histórico doPatriarcado de Veneza; Dr. LorisSerafini, arquivista, director doMuseu Albino Luciani em Canaled ' A g o rd o .

Nesta primeira fase da ativida-de da Fundação, o Conselho deAdministração também decidiu,de acordo com o parágrafo 5 doartigo 11 dos Estatutos, cooptar oprefeito do Arquivo Apostólicodo Vaticano, mons. Sergio Paga-no, e o prefeito da BibliotecaApostólica do Vaticano, mons.Cesare Pasini, para o ComitéCientífico pelas suas competên-cias.

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número 35, terça-feira 1 de setembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Na sua mensagem ao mundo

Seis «Queremos»atuais

ST E FA N I A FALASCA

Na tarefa «única e singular daCátedra romana, “que presi-de à caridade universal”», o

pontificado de Albino Luciani come-çou com a máxima simplicidade ecom gestos que testemunhavam odesejo decisivo de redescobrir a di-mensão essencialmente pastoral doofício papal. Entre estes deve serconsiderado singular que a primeiradecisão tomada, logo após a suaeleição, foi a de não abrir imediata-mente o Conclave, convidando oscardeais idosos que ficaram fora aouvir, juntamente com o resto doColégio, a sua primeira mensagemao mundo. Naquela mensagem Urbiet orbi, pronunciada a 27 de agostode 1978, o rumo não só do seu pon-tificado foi claramente delineado nosseis programáticos “Q u e re m o s ”. “Vo -lumnos” nos quais, em várias oca-siões, declarou de todas as maneirasque continuava a implementação doConcílio Vaticano II, preservando oseu legado e impedindo qualquerseu desvio. Estes são os seis “q u e re -mos” apontados por João Paulo I:«Queremos prosseguir, sem para-gens, a herança do Concílio Vatica-no II, cujas normas sábias devemcontinuar a cumprir-se.... Queremosconservar intacta a grande disciplinada Igreja... quer no exercício das vir-tudes evangélicas, quer no serviçoaos pobres, aos humildes e aos inde-

fesos... Queremos recordar a toda aIgreja que o seu primeiro dever con-tinua a ser o da evangelização, paraanunciar a salvação... Queremoscontinuar o esforço ecuménico...com atenção a tudo o que possa fa-vorecer a unidade... Queremos pros-seguir com paciência e firmeza na-quele diálogo sereno e construtivo,que... Paulo VI pôs como fundamen-to e programa da sua ação pastoral...Queremos, enfim, favorecer todas asiniciativas... que possam defender eincrementar a paz no mundo contur-bado».

Estas são exatamente as priorida-des no programa de um Pontíficeque, com clareza, pretendia percor-rer e levar a Igreja a progredir aolongo dos principais caminhos indi-cados pelo Concílio. «Explico. Euestava no Concílio e em 1962 assineia mensagem dos padres ao mundo...Também assinei a Gaudium et spes»,disse durante a audiência geral sobrea esperança, a 20 de setembro.«Quando Paulo VI mandou publicara Populorum progressio fiquei emocio-nado, entusiasmado, falei, escrevi.Também hoje estou verdadeiramenteconvencido de que nunca se fará osuficiente da parte da hierarquia, doMagistério, para insistir, para reco-mendar um diálogo sereno e cons-trutivo, os grandes problemas da li-berdade, a promoção do desenvolvi-mento, do progresso social, da justi-ça e da paz; e os leigos nunca se

empenharão o suficiente na resolu-ção destes problemas». E a afirma-ção que se segue — omitida nas edi-ções oficiais — embora argumentadaimediatamente pelas chancelarias,conduz também diretamente aoscompromissos enumerados que te-cem e marcam o seu breve pontifica-do, em particular na frente da buscada paz: «Nestes momentos temosum exemplo de Camp David. An-teontem, o Congresso americano ex-plodiu num aplauso que tambémouvimos quando Carter citou as pa-lavras de Jesus: “Bem-aventuradosos pacificadores!”. Espero verdadei-ramente que estes aplausos e estaspalavras entrem no coração de todosos cristãos, especialmente de nós, ca-tólicos, e nos tornem autenticamentepacificadores e construtores de paz».

Além disso, precisamente a pro-moção da reconciliação e da fraterni-dade entre os povos, convidando àcolaboração para «a edificação, o in-cremento tão vulnerável da paz nomundo conturbado» e impedindo onacionalismo dentro das nações, «aviolência que apenas destrói e se-meia escombros» — juntamente como compromisso ecuménico e inter-re-ligioso, documentado pela densaagenda de audiências com represen-tantes de Igrejas não católicas — foiinserida como prioridade no discur-so programático de João Paulo I. Ocompromisso ecuménico e inter-reli-gioso de unidade, fraternidade e paztece todo o mês do seu pontificado.E é significativo o desejo de fomen-tar a unidade com as Igrejas irmãsdo Oriente, como já na sua homiliade 3 de setembro, tinha citado nasaudação a todo o povo, depois doscardeais, também os patriarcas dasIgrejas orientais, uma menção entãoretirada do texto oficial. No dia 2 desetembro encontrou-se em sucessivasaudiências na biblioteca particularcom os delegados de numerosas de-nominações não católicas que entãoestavam presentes na celebração de 3de setembro. O Papa frisou a neces-sidade de continuar o diálogo entreas comunidades cristãs, iniciado peloConcílio, e de procurar na oração aunidade querida por Cristo. A ma-nhã de 5 de setembro foi dedicadatambém às audiências com as dele-gações das Igrejas e comunidadesnão católicas reunidas em Roma edurante estas audiências morreu re-pentinamente nos seus braços o che-fe da Igreja ortodoxa russa Nikodim

(1929-1978), metropolita de Lenin-grado e Novgorod, exarca patriarcalpara a Europa ocidental e presidentedo gabinete do patriarcado de Mos-covo para as relações entre as Igrejasortodoxas e as outras Igrejas.

Trata-se de perspetivas que voltama apresentar-se também no discursoao corpo diplomático, a 31 de agos-to, no qual ele definiu a natureza e apeculiaridade da ação diplomáticada Santa Sé, que brota de um olharde fé e se desenvolve — na esteira«da Constituição conciliar Gaudiumet spes, assim como de muitas men-sagens do saudoso Paulo VI» — nosulco da grande diplomacia quemuitos frutos deu à Igreja alimenta-da pela caridade. Em continuidadecom João XXIII e Paulo VI, JoãoPaulo I ilustra a contribuição que aIgreja pode oferecer para a constru-ção de uma humanidade fundada nafraternidade: tanto a nível interna-cional, colaborando na busca de me-lhores soluções para a paz, a justiça,o desenvolvimento, o desarmamentoe a ajuda humanitária, como a nívelpastoral, colaborando na formaçãoda consciência dos fiéis e de todosos homens de boa vontade.

Assim, a 4 de setembro, ao rece-ber os mais de cem representantesdas missões internacionais, retomouos mesmos temas, sublinhando que«o nosso coração está aberto a todosos povos, a todas as culturas e a to-das as raças», afirmando: «É certoque não temos, para os grandes pro-blemas mundiais, soluções-milagres.Podemos, todavia, concorrer comuma coisa bem preciosa: um espíritoque ajuda a deslindar estes proble-mas e os coloca no eixo que é essen-cial, o da caridade universal... paraque a Igreja, humilde mensageira doEvangelho a todos os povos da ter-ra, possa contribuir para criar umclima de justiça, fraternidade, solida-riedade e esperança, sem o qual omundo não pode viver».

Estas considerações claras e bási-cas, pronunciadas há 42 anos porum Papa durante 34 dias no Sóliode Pedro, são suficientes para refletirsobre a rigorosa atualidade da suamensagem, que a liga à do atual bis-po de Roma. E como foi importanteo gesto de instituir uma Fundaçãodo Vaticano dedicada a João PauloI, a fim de que o seu legado teológi-co, cultural e espiritual possa serplenamente retomado e estudado.

Albino Luciani numa fotografiada época do seu episcopado em Vittório Véneto

A primeira página de 28-29 de agosto de 1978 com o texto da radiomensagem «Urbi et orbi»

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número 35, terça-feira 1 de setembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

Mensagem do Santo Padre para o Dia mundial de oração pelo cuidado da criação

Tempo para restaurar a harmoniaprimordial da criação

«A desintegração da biodiversidade, oaumento vertiginoso de catástrofesclimáticas, o impacto desproporcionadoque tem a pandemia atual sobre osmais pobres e frágeis são sinais dealarme perante a avidez desenfreada doconsumo», escreve o Papa Francisco namensagem, que aqui publicamos, parao Dia mundial de oração pelo cuidadoda criação, que se celebra a 1 des e t e m b ro .

Queridos irmãos e irmãs!Anualmente, sobretudo desde a pu-blicação da carta encíclica Laudatosi’ (24 de maio de 2015; daqui emdiante, citada com a sigla LS), o pri-meiro dia de setembro assinala, paraa família cristã, o Dia Mundial deOração pelo Cuidado da Criação; ecom ele se abre o Tempo da Criaçãoque conclui no dia 4 de outubro,memória de São Francisco de Assis.Durante este período, os cristãos re-novam em todo o mundo a fé emDeus criador e unem-se de maneiraespecial na oração e na ação pelapreservação da casa comum.

Alegro-me com o tema escolhidopela família ecuménica para a cele-bração do Tempo da Criação 2020,ou seja, um «Jubileu pela Terra»,tendo em vista que se celebra preci-samente este ano o quinquagésimoaniversário do Dia da Terra.

Na Sagrada Escritura, o Jubileu éum tempo sagrado para recordar, re-gressar, repousar, restaurar e rejubi-l a r.

1. Um tempo para recordarSomos convidados a lembrar so-

bretudo que o destino último dacriação é entrar no «sábado eterno»de Deus. É uma viagem que se reali-za no tempo, abraçando o ritmo dossete dias da semana, o ciclo dos seteanos e o grande Ano Jubilar que so-

brevém ao concluírem-se os seteanos sabáticos.

Depois o Jubileu é um tempo degraça para recordar a vocação pri-mordial da criação: ser e prosperarcomo comunidade de amor. Existi-mos apenas graças às relações comDeus criador, com os irmãos e irmãsenquanto membros de uma famíliacomum e com todas as criaturas quehabitam na mesma casa que nós.«Tudo está relacionado, e todos nós,seres humanos, caminhamos juntoscomo irmãos e irmãs numa peregri-nação maravilhosa, entrelaçados peloamor que Deus tem a cada uma dassuas criaturas e que nos une tam-bém, com terna afeição, ao irmãosol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãeterra» (LS, 92).

Por isso o Jubileu é um tempopara a recordação, repassando namemória a nossa existência inter-re-lacional. Temos necessidade constan-te de nos lembrar que «tudo está in-ter-relacionado e o cuidado autênti-co da nossa própria vida e das nos-sas relações com a natureza é insepa-rável da fraternidade, da justiça e dafidelidade aos outros» (LS, 70).

2. Um tempo para regressarO Jubileu é um tempo para voltar

atrás e arrepender-se. Quebramos oslaços que nos uniam ao Criador, aosoutros seres humanos e ao resto dacriação. Precisamos de sarar estas re-lações danificadas, que são essenciaispara sustentáculo de nós mesmos ede toda a trama da vida.

O Jubileu é um tempo de regressoa Deus, nosso criador amoroso. Nãoé possível viver em harmonia com acriação, sem estar em paz com oCriador, fonte e origem de todas ascoisas. Como observou o Papa Ben-to XVI, «o consumo brutal da cria-ção começa lá onde Deus não está,onde a matéria já é somente materialpara nós, onde nós mesmos somos aúltima instância, onde o conjunto ésimplesmente nossa propriedade»(Encontro com o clero da diocese deB o l z a n o - B re s s a n o n e , 6 de agosto de2008).

O Jubileu convida-nos a pensarnovamente nos outros, especialmentenos pobres e nos mais vulneráveis.Somos chamados a acolher de novoo plano primordial e amoroso deDeus para a criação como uma he-rança comum, um banquete que de-ve ser partilhado com todos os ir-

mãos e irmãs em espírito de convi-vialidade; não numa competição de-satinada, mas numa comunhão jubi-losa, onde nos apoiamos e protege-mos mutuamente. O Jubileu é umtempo para dar liberdade aos opri-midos e a quantos estão acorrenta-dos aos grilhões das várias formasde escravidão moderna, nomeada-mente o tráfico de pessoas e o traba-lho infantil.

Além disso precisamos de voltar aouvir a terra, expressa na SagradaEscritura pelo termo adamah, o lu-gar donde foi tirado Ad a m , o ho-mem. Hoje, a voz da criação incita-nos, alarmada, a regressar ao lugarcerto na ordem natural, lembrando-nos que somos parte, não patrões,da rede interligada da vida. A desin-

tegração da biodiversidade, o au-mento vertiginoso de catástrofes cli-máticas, o impacto desproporciona-do que tem a pandemia atual sobreos mais pobres e frágeis são sinaisde alarme perante a avidez desen-freada do consumo.

De modo particular durante esteTempo da Criação, ouçamos o pul-sar da criação. Com efeito, esta nas-ceu para manifestar e comunicar aglória de Deus, para nos ajudar aencontrar na sua beleza o Senhor detodas as coisas e regressar a Ele (cf.SÃO BO AV E N T U R A , In II Sent.,I, 2, 2,q. 1, concl; B re v i l . , II, 5.11). Por isso,a terra da qual fomos tirados é lugarde oração e meditação: «desperte-mos o sentido estético e contempla-tivo que Deus colocou em nós»

(Exort. ap. Querida Amazonia, 56). Acapacidade de contemplar e nos ma-ravilharmos é algo que podemosaprender especialmente dos irmãos eirmãs indígenas, que vivem em har-monia com a terra e as suas variadasformas de vida.

3. Um tempo para repousarDeus, na sua sabedoria, reservou

o dia de sábado para que a terra eos seus habitantes pudessem descan-sar e restaurar-se. Hoje, porém, osnossos estilos de vida forçam o pla-neta para além dos seus limites. Aprocura contínua de crescimento e ociclo incessante da produção e doconsumo estão a extenuar o ambien-te. As florestas dissipam-se, o solotorna-se erosivo, os campos desapa-recem, os desertos avançam, os ma-res tornam-se ácidos e as tempesta-des intensificam-se: a criação geme!

Durante o Jubileu, o Povo deDeus era convidado a repousar dosseus trabalhos habituais, para deixar— graças à diminuição do consumohabitual — que a terra se regenerassee o mundo reentrasse na ordem. Ho-je precisamos de encontrar estilos devida équos e sustentáveis, que resti-tuam à Terra o repouso que lhe ca-be, vias de subsistência suficientespara todos, sem destruir os ecossiste-mas que nos sustentam.

De algum modo a pandemia atuallevou-nos a redescobrir estilos de vi-da mais simples e sustentáveis. A cri-se deu-nos, em certo sentido, a pos-sibilidade de desenvolver novas ma-neiras de viver. Foi possível consta-tar como a Terra consegue recuperar,se a deixarmos descansar: o ar tor-nou-se mais puro, as águas maistransparentes, as espécies animaisvoltaram para muitos lugares dondetinham desaparecido. A pandemialevou-nos a uma encruzilhada. De-vemos aproveitar este momento deci-sivo para acabar com atividades eobjetivos supérfluos e destrutivos, ecultivar valores, vínculos e projetoscriadores. Devemos examinar os

nossos hábitos no uso da energia, noconsumo, nos transportes e na ali-mentação. Devemos retirar, das nos-sas economias, aspetos não essen-ciais e nocivos, e criar modalidadesvantajosas de comércio, produção etransporte dos bens.

4. Um tempo para restaurarO Jubileu é um tempo para res-

taurar a harmonia primordial dacriação e para curar relações huma-nas comprometidas.

Convida a restabelecer relaçõessociais equitativas, restituindo a cadaum a sua liberdade e os bens pró-prios, e perdoando as dívidas dosoutros. Por isso não devemos esque-cer a história de exploração do Suldo planeta, que provocou um enor-me deficit ecológico, devido princi-palmente à depredação dos recursose ao uso excessivo do espaço am-biental comum para a eliminaçãodos resíduos. É o tempo de uma jus-tiça reparadora. A este respeito, re-novo o meu apelo para se cancelar adívida dos países mais frágeis, à luzdo grave impacto das crises sanitá-rias, sociais e económicas que aque-les têm de enfrentar na sequência dovírus Covid-19. É necessário aindaassegurar que os incentivos para arecuperação, em fase de elaboração eimplementação a nível mundial, re-gional e nacional, se tornem real-mente eficazes mediante políticas, le-gislações e investimentos centradosno bem comum e com a garantia dese alcançar os objetivos sociais e am-bientais globais.

De igual modo é preciso restaurara terra. O restabelecimento de umequilíbrio climático é extremamenteimportante, vista a urgência em quenos encontramos. Estamos a ficarsem tempo, como nos lembram osnossos filhos e os jovens. Tem-se defazer todo o possível para manter oaumento da temperatura média glo-bal abaixo do limite de 1,5 grauscentígrados, como ficou consagradono Acordo de Paris sobre o Clima:

ultrapassar tal limite revelar-se-á ca-tastrófico, sobretudo para as comu-nidades mais pobres em todo omundo. Neste momento crítico, énecessário promover uma solidarie-dade intra e intergeracional. Comopreparação para a importante Cimei-ra do Clima em Glasgow, no ReinoUnido (COP 26), convido cada país aadotar metas nacionais mais ambi-ciosas para reduzir as emissões.

O restabelecimento da biodiversi-dade é igualmente crucial no contex-to de uma extinção de espécies euma degradação dos ecossistemassem precedentes. É necessário apoiaro apelo das Nações Unidas parapreservar 30% da Terra como habitatprotegido até 2030, a fim de conter ataxa alarmante de perda da biodiver-sidade. Exorto a comunidade inter-nacional a colaborar para garantirque a Cimeira sobre a Biodiversida-de (COP 15) de Kunming, na China,constitua um ponto de viragem nosentido do restabelecimento da Terracomo casa onde, segundo a vontadedo Criador, a vida seja abundante.

Somos obrigados a reparar segun-do justiça, garantindo, a quantos ha-bitaram uma terra durante gerações,que possam recuperar plenamente asua utilização. É preciso proteger ascomunidades indígenas de empresas,particularmente multinacionais, que,com a extração perniciosa de com-bustíveis fósseis, minerais, madeira eprodutos agroindustriais, «fazem nospaíses menos desenvolvidos aquiloque não podem fazer nos países quelhes dão o capital» (LS, 51). Esta máconduta das empresas representa um«novo tipo de colonialismo» (SÃOJOÃO PAU L O II, Discurso à PontifíciaAcademia das Ciências Sociais, 27 deabril de 2001, citado na Exort. ap.Querida Amazonia, 14), que exploravergonhosamente comunidades epaíses mais pobres a braços comuma busca desesperada de desenvol-vimento económico. É necessárioconsolidar as legislações nacionais einternacionais, para que regulamen-tem as atividades das empresas ex-

trativas e garantam o acesso à justiçaaos prejudicados.

5. Um tempo para rejubilarNa tradição bíblica, o Jubileu

constitui um acontecimento festivo,inaugurado por um som de trombaque ressoa por toda a terra. Sabe-mos que o clamor da Terra e dospobres se tornou, nos anos passados,ainda mais rumoroso. Simultanea-mente somos testemunhas do modocomo o Espírito Santo está inspiran-do por todo o lado indivíduos e co-munidades a unirem-se para recons-truir a casa comum e defender osmais vulneráveis. Assistimos ao sur-gimento gradual de uma grande mo-bilização de pessoas que, partindode baixo e das periferias, se estãoempenhando generosamente em prolda proteção da terra e dos pobres. Éuma alegria ver tantos jovens e co-munidades, especialmente indígenas,na linha da frente para dar respostaà crise ecológica. Apelam por umJubileu da Terra e um novo começo,cientes de que «as coisas podemmudar» (LS, 13).

Temos ainda motivo para nos ale-grar quando constatamos como oAno especial de aniversário da Lau-dato si’ está a inspirar numerosas ini-ciativas a nível local e global emprol do cuidado da casa comum edos pobres. Este ano deveria levar aplanos operacionais de longo prazo,para chegar a haver uma ecologia in-tegral nas famílias, paróquias, dioce-ses, ordens religiosas, escolas, uni-versidades, cuidados da saúde, em-presas, fazendas agrícolas e em mui-tas outras áreas.

Regozijamo-nos também com ascomunidades de crentes que se estãodando as mãos para criar um mundomais justo, pacífico e sustentável. Émotivo de particular alegria que oTempo da Criação se esteja a tornaruma iniciativa verdadeiramente ecu-ménica. Continuemos a crescer naconsciência de que todos moramosnuma casa comum enquanto mem-bros da mesma família!

Alegremo-nos porque o Criador,no seu amor, sustenta os nossos hu-mildes esforços em prol da Terra.Esta é também a casa de Deus, ondea sua Palavra «se fez carne e veiohabitar connosco» (Jo 1, 14), o lugarque a efusão do Espírito Santo reno-va sem cessar.

«Enviai, Senhor, o vosso Espíritoe renovai a face da terra» (cf. Sl104/103, 30).

Roma, em São João de Latrão, 1de setembro de 2020.

«A procura contínua de crescimento e o ciclo incessanteda produção e do consumo estão a extenuar o ambienteAs florestas dissipam-se, o solo torna-se erosivo, os camposdesaparecem, os desertos avançam, os mares tornam-seácidos e as tempestades intensificam-se: a criação geme»

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 1 de setembro de 2020, número 35

Para o poeta Adam Zagajewski só depois da derrota e da dor se poderá viver realmente

Contanto que a vitória não nos surpreenda

Adam Zagajewski

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 3

FRANCESCO MACINANTI

O que pesa demasiado e arrasta para baixo,que dói como dor e arde como uma bofetada,pode ser pedra ou âncora.

A emergência devida à pandemia ainda nãofoi resolvida e no entanto já deixou uma sensa-ção de derrota generalizada. A derrota de umageração — sobrevivente da última grande guer-ra do século passado — cancelada pelo vírus. Aderrota de uma geração apátrida, a dos jovens,que lutam para encontrar um lugar na socieda-de.

Mas será possível viver após a derrota?Adam Zagajewski é um dos poetas que, na suaprodução literária, mais abordou os temas davida como batalha e a possibilidade de derrota.É polaco, mas nasceu em Lviv, na atual Ucrâ-nia, em 1945.

Há muito tempo ignorado na Itália — a suacoletânea de poemas Dalla vita degli oggetti,originalmente de 2002, só foi traduzida paraitaliano pela editora Adelphi em 2012. Há noescritor e poeta polaco uma forte conceito davida como uma batalha concreta: o êxito não écerto. A derrota é o resultado mais provável,na verdade é o ponto de partida da existência.A vitória, com as suas certezas, já não é alcan-çável. A derrota significa o fluxo inexorável dotempo, a transitoriedade do presente. Significaperda de certezas; nem sequer os intelectuaissão infalíveis: os nossos sábios, os nossos guiassão tristes e loucos, e talvez conheçam aindamenos do que nós, as pessoas comuns. A der-rota é certamente a experiência da morte, pre-sente nos rostos dos mortos das guerras, dosamigos assassinados, dos judeus massacradosnos campos de extermínio.

Perante a derrota, o poeta vacila, hesita,atraído ora pelo abismo do niilismo, que o ar-rasta a afogar-se, ora pela esperança na salva-ção, uma âncora à qual se agarrar, um funda-mento sobre o qual reconstruir.

Zagajewski é um poeta numa viagem embusca de uma verdade sobre o mundo e o ho-mem que é, no entanto, inalcançável. Os seusinterlocutores privilegiados são músicos e pin-tores. E no entanto, a beleza, a música não sal-vam: ouvi a Paixão segundo Mateus que trans-forma a dor em beleza. Nos corredores do me-tropolitano, a dor não muda, apenas permane-ce, sem trégua. Os interlocutores, porém, sãotambém, e talvez sobretudo, filósofos: Schope-nhauer ( em Zagajewski não há lugar para aalienação: os mortos fixam os despreocupadosviventes com ironia fria: nós também éramosassim, precisamente iguais), Kierkegaard e, so-bretudo, Nietzsche, a quem ele pergunta: seDeus não existe o que são as palavras, de ondevem essa luz interior? E de onde vem a ale-gria? De onde vem o nada? Onde reside o per-dão? Por que os sonhos pequenos desvanecemde manhã e os grandes crescem?

Outra força — ao mesmo tempo propulsiva eimpediente — age no poeta: a nostalgia. ParaZagajewski é uma condição humana natural:vivemos na nostalgia. Nostalgia, claro, da in-fância — quem não quereria voltar a ser criançapela última vez! — Nostalgia da pátria, paraaquele que viveu em cidades estrangeiras du-rante muito tempo, e é uma nostalgia que ani-quila o poeta.

Há também outro tipo de nostalgia que ani-ma as nossas vidas, um sentimento quase pla-tónico, ou melhor, uma inquietação agostinianado coração, que só pode dissolver-se após amorte: já não haverá nostalgia, porque alcança-rá a si mesma, admirada por ter afastado du-rante tanto tempo a sua sombra ártica. É anostalgia de uma perfeição perdida, de um de-sejo de infinito que se confronta com a expe-riência da morte e da finitude humana.

A morte é então o grande mistério: rostos,esperanças, expetativas que se perdem e a sen-sação de que ninguém está à nossa espera láno alto.

Há, contudo, momentos epifânicos, momen-tos de clareza em que podemos vislumbrar ou-tra dimensão, uma transcendência. São mo-mentos em que se faz experiência do outro, emque só há salvação, mesmo que a solidão tenhao sabor do ópio. São momentos em que se po-de intuir que, entre os transeuntes, todos têmum punhado de infinito e que viveremos namorte, mas de maneira diferente, absorvidospela música e as coisas mínimas e esquecidasrecuperarão a sua dignidade imortal. Age o su-ficiente para transcender a nossa finitude e ge-rar em nós um sentimento de maravilha: Se-nhor Deus, dá-nos um longo inverno, músicasuave, lábios pacientes, e um pouco de orgulho— antes que o nosso tempo acabe. Concede-nos a maravilha e uma chama, alta, clara.

É possível viver após a derrota? Sim! Defacto, só após a derrota é que se pode realmen-te viver: as amizades tornam-se mais profun-das, o amor levanta a cabeça cuidadosamente.É a derrota que torna possível uma verdadeirarelação com os outros. É na derrota, ou seja,no sofrimento, que nascem as amizades maisfortes. Só depois da derrota mediante a qual,por uma vez, estamos agora todos unidos éque é possível reconstruir, desde que não seja-mos surpreendidos pela vitória.

so material ilimitado ameaça acasa comum, então não pode-mos ficar a olhar de braços cru-zados. Não, isso é desolador.Não podemos ficar a olhar!Com os olhos fixos em Jesus(cf. Hb 12, 2) e com a certezade que o seu amor opera atra-vés da comunidade dos seusdiscípulos, devemos agir emconjunto na esperança de geraralgo diferente e melhor. A espe-rança cristã, enraizada emDeus, é a nossa âncora. Susten-ta a vontade de partilhar, forta-lecendo a nossa missão comodiscípulos de Cristo, que parti-lhou tudo connosco.

Isto foi compreendido pelasprimeiras comunidades cristãs,que, como nós, viveram temposdifíceis. Conscientes de formarum só coração e uma só alma,punham todos os seus bens emcomum, dando testemunho daabundante graça de Cristo so-

bre eles (cf. At 4, 32-35). Nósestamos a viver uma crise. Apandemia pôs-nos todos em cri-se. Mas recordai-vos: de umacrise não se pode sair iguais, ousaímos melhores ou saímos pio-res. Eis a nossa opção. Depoisda crise, continuaremos com es-te sistema económico de injusti-ça social e de desprezo pelocuidado do meio ambiente, dacriação, da casa comum? Pense-mos nisto. Que as comunidadescristãs do século XXI recup eremesta realidade — o cuidado dacriação e a justiça social: cami-nham juntas — dando assim tes-temunho da Ressurreição doSenhor. Se cuidarmos dos bensque o Criador nos concede, separtilharmos o que possuímospara que não falte nada a nin-guém, então de facto podemosinspirar esperança para regene-rar um mundo mais saudável emais justo.

E para terminar, pensemosnas crianças. Lede as estatísti-

cas: quantas crianças, hoje,morrem de fome devido à mádistribuição das riquezas, a umsistema económico como disseacima; e quantas crianças, hoje,não têm direito à escolarização,pelo mesmo motivo. Que estaimagem, das crianças necessita-das, com fome e com falta deescolarização, nos ajude a com-preender que desta crise deve-mos sair melhores. Obrigado.

No final da catequese, saudandoos fiéis que o seguiam através dosmeios de comunicação, Franciscodisse aos de língua portuguesa:

Saúdo os ouvintes de línguaportuguesa, desejando-vos umafé grande para verdes a realida-de com o olhar de Deus e umagrande caridade para vos apro-ximardes das pessoas com o seucoração misericordioso. Confiaiem Deus, como a Virgem Ma-ria! De bom grado abençoo avós e aos vossos entes queridos.

O Papa prosseguiu as reflexões sobre a pandemia

Lab oratóriosobre o pós-pandemia

«Para quem é responsável, a pergunta última não é:como me desenrasco heroicamente nesta situação, mas:qual poderá ser a vida da geração vindoura»

(D. Bonhoeffer)

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número 35, terça-feira 1 de setembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

Libertar a devoção à Virgemda influência das máfias

Apreço do Pontífice pela nova iniciativa da pontifícia Academia mariana internacional

ANTONIO TARALLO

O Papa Francisco «tomou conheci-mento com prazer» da iniciativa dapontifícia Academia mariana interna-cional, que a 18 de setembro realiza-rá um congresso para «dar iníciooficialmente ao novo sector, oportu-namente instituído no seu âmbito».Trata-se do Departamento de análisee estudo dos fenómenos criminais emafiosos, concebido e criado «paralibertar a figura de Nossa Senhorada influência das organizações crimi-nosas».

«Desejo manifestar o meu apreçopor esta importante iniciativa e diri-jo as minhas cordiais saudações aospromotores, aos relatores e a todosos participantes na significativa jor-nada de estudo, destinada a envolvervários ramos da sociedade civil, paraque, em colaboração com as autori-dades eclesiásticas e instituições pú-blicas, possam ser identificadas pro-postas eficazes para uma operaçãocultural necessária para a sensibiliza-ção das consciências e a adoção demedidas adequadas», escreveu oPontífice numa carta dirigida paraesta ocasião ao presidente da insti-tuição mariana, padre Stefano Cec-chin, da ordem dos Frades menores.Uma carta que atesta a atenção doPapa ao novo processo que há al-gum tempo ocupa a pontifícia Aca-

demia: novas visões, novos progra-mas, novas perspetivas e metodolo-gias de uma mariologia cada vezmenos “académica” e mais próximada sociedade, na plenitude dos ensi-namentos do Concílio Vaticano II eem total harmonia com o magistériode Francisco que, a 4 de dezembrode 2019, já teve a oportunidade dedirigir a sua saudação à comunidadedo instituto.

Desta vez, a carta ao presidentediz respeito — de modo particular —à nova estrutura que surge no seioda pontifícia Academia: o Departa-mento que se ocupará de libertar a

figura de Maria do poder criminoso.O projeto ambicioso — o congressoinaugural terá lugar na sala da “Uni-dade da Itália” do Tribunal de ape-lação em Roma — que contará com aparticipação de importantes persona-lidades da sociedade civil, unidaspor um “sonho” que não quer serapenas tal, mas uma realidade con-creta: o bem comum, tão necessárionos tempos difíceis que hoje vive-mos.

Considerando que a figura deMaria, bem como os lugares, rituaise simbolismos a Ela associados, sãoobjeto de “reconfiguração sistemáti-

ca” por parte das máfias e do crimeorganizado não só na Itália, mastambém noutros países em escalaglobal, a Academia promove esteimportante Departamento que terá atarefa de estudar e supervisionar esteproblema. O Papa Francisco frisoueste ponto delicado na sua carta, da-tada na solenidade mariana da As-sunção: «A devoção mariana é umtesouro religioso-cultural a ser salva-guardado na sua pureza original, li-bertando-o de superestruturas, pode-res ou condicionamentos que não sa-tisfazem os critérios evangélicos dejustiça, liberdade, honestidade e soli-dariedade».

O que levou a Academia a criareste novo Departamento? A preocu-pante “operação cultural” que seperpetua há várias décadas pelo cri-me, procurou criar no inconscientecoletivo de várias comunidades ita-lianas e estrangeiras uma visão dis-torcida e historicamente irreal daMãe de Cristo. A partir destes dadossurgiu uma espécie de “o cupação”dos lugares e rituais marianos pelasmáfias, de modo a esvaziar o signifi-cado evangélico autêntico da figurade Maria. A fim de contrastar estecenário, a pontifícia Academia consi-derou necessária uma “operação cul-tural” igualmente forte e coesa pararestituir à verdade a figura de Maria.E fá-lo-á não só de uma perspetivacristã, mas também considerando atradição islâmica, dado que Maria éo “mo delo” da ação crente em am-bas as religiões.

O Departamento — lê-se numanota da Academia — quer restituir aMaria «o seu contexto natural, nãosó multirreligioso e multicultural,mas também transreligioso e trans-cultural não apenas de facto mastambém de direito», encontrandoprecisamente na sua figura a possibi-lidade «de promover dimensões quenão sejam secundárias nem alheiasao bem comum da civitas, mas quepossam deveras tornar-se um ele-mento poderoso, capaz de valorizartudo o que em nome da humanida-de comum contribui para a constru-ção da paz, bem-estar para todos,cuidado do planeta e a sua sustenta-bilidade».

O Departamento ocupar-se-á denove áreas temáticas: criminalidadeorganizada autóctone (’ndrangheta,cosa nostra, camorra, máfia da Apú-lia, stidda, máfia do Gargano); cri-minalidade estrangeira (albanesa, ni-geriana, turca, colombiana, tchetche-na, mexicana); ecomafia e crimesambientais, arqueomáfia, zoomáfia;apreensão, confiscação e gestão debens da criminalidade mafiosa; his-tória do terrorismo nacional; terroris-mo internacional; violência intrafa-miliar; violência de género e, porfim, prevenção e análise do consumode drogas entre menores. Portanto, éabrangente o programa do novo De-partamento que vê a pontifícia Aca-demia comprometer-se — em primei-ra pessoa — num projeto corajoso,ambicioso e profundamente inova-d o r.

Carta ao pároco do santuário argentino de São Raimundo Nonato

Um hino a favor da vida nascente

Numa carta autógrafa, o Papa Francisco evocou a me-mória pessoal dos encontros — durante os anos vividosem Buenos Aires — realizados durante os dias das cele-brações em honra de São Raimundo Nonato. Nestamissiva, enviada a 6 de agosto ao padre Rubén Ceraci,pároco do santuário argentino dedicado ao religiosomercedário invocado como padroeiro das grávidas edas parteiras, o Pontífice assegurou a sua proximidadeespiritual à comunidade que se preparava para viver afesta litúrgica do Santo, recordada com grande soleni-dade na capital do país a 31 de agosto.

O Papa recordou em particular «as bênçãos dasmães, dos filhos e dos cônjuges que desejam um fi-lho», confiando-se à intercessão de Raimundo Nonato.Trata-se, escreveu, de «um verdadeiro hino à vida nas-cente». Também «agora», confessou, «quando na au-diência geral alguns cônjuges me pedem a bênção paraque um filho possa nascer, eu digo-lhes para rezarem aSão Raimundo Nonato». E «se são provenientes daArgentina — continuou — recomendo-lhes que passempelo santuário da rua Cervantes», em Buenos Aires.

O Pontífice expressou os seus melhores votos ao sa-cerdote para a celebração, que este ano foi «um poucoatípica», por causa das restrições devidas à Covid-19. Econcluiu a carta com a certeza de que, apesar de tudo,para a comunidade esta foi uma ocasião de abundantegraça, paz, saúde e fecundidade.

A novena teve inicio a 22 de agosto e concluiu-se nodia 30. Este ano o tema escolhido para a festa foi:“Juntamente com São Raimundo, abracemos a espe-rança”. A missa solene foi celebrada a 31 de agosto pe-lo cardeal Mario Aurelio Poli, arcebispo de Buenos Ai-res e primaz da Argentina. Todas as celebrações pude-ram ser seguidas através das contas dos meios de co-municação social do santuário: Facebook, Instagram eYoutub e.

São Raimundo é muito venerado na capital do país,onde é invocado também como protetor dos nascitu-ros. Mercedário do século XIII, originário da Catalunha— foi um dos primeiros companheiros de São PedroNolasco — é chamado “não-nascido” porque foi tiradovivo do ventre da sua mãe já falecida. As argentinasconservam a tradição de levar sapatinhos ao santuárioe receber aqueles das que as precederam. Isto cria umacorrente de amor em benefício da maternidade e docompromisso de promover a vida em todas as suas fa-ses.

Imagem de São Raimundo Nonatoem procissão pelas ruas de Buenos Aires

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 1 de setembro de 2020, número 35

O cardeal Sandri no santuário de Maria Santíssima “della Lobra”

Em oração pelo Líbano, berço de esperançaUm pensamento ao «amado» Líba-no — «berço de esperança para apermanência dos cristãos no MédioOriente, mas tão ameaçado não sópelas dificuldades e dores causadaspela explosão no porto de Beirute,mas também pela contínua instabili-dade política e pela grave crise eco-nómica» — foi dirigido pelo cardealLeonardo Sandri durante a celebra-ção eucarística presidida na manhãde 16 de agosto, na paróquia de SãoFrancisco de Assis, em Sorrento(Itália).

Na sua homilia, o prefeito daCongregação para as Igrejas Orien-tais inspirou-se no trecho evangélicoda liturgia, que narra como Jesus sedeslocou da Galileia, indo mais anorte, à região de Tiro e Sídon, ci-dades que hoje se encontram no suldo Líbano.

Os cristãos do País dos cedros, su-blinhou o purpurado, «orgulham-seao recordar este episódio do Evange-lho», porque «podem dizer: Jesustambém esteve entre nós, na nossaterra». Esta experiência, porém, em-bora não «no sentido da presença fí-sica, pode e deve ser de cada um denós, para podermos dizer: Deustambém esteve na minha casa, naminha vida, ouviu o grito do meucoração como o da mulher protago-nista do diálogo com Jesus no Evan-gelho, cuja fé é louvada».

Referindo-se ainda à página doEvangelho, o prefeito reconheceuque, no início, é difícil compreender«a dureza das respostas de Jesus» àcananeia, uma mulher que sofre car-regando no seu coração «a tragédiade uma mãe que vê o seu filho so-frer, que o deu à luz e o acompanhano caminho da existência». Mas auma leitura mais cuidadosa, «talvezpossamos compreender a atitude deJesus, não como dirigida à mulherpara a excluir, mas para reafirmarvárias vezes a validade da promessade Deus ao seu povo, Israel». Comefeito, enquanto «as portas da espe-rança parecem fechar-se para a mãeno episódio do Evangelho», na rea-lidade Jesus «bate com força às por-tas do coração dos filhos da promes-sa a Abraão, quase como se os des-pertasse com o badalar de um sino»,assegurando que Deus não se esque-ceu da promessa, Deus é fiel, Ele é oEmanuel, o Deus-connosco».

O Evangelho de Mateus, acres-centou o cardeal Sandri, continua «arecordar este acontecimento, dadoque foi escrito para comunidadesque provêm em grande parte da féjudaica. Nas suas páginas «vemosmuitas pessoas que se dão conta deJesus e o seguem, mas também mui-tas que mantêm fechados os olhosdo coração e da mente, rejeitando-o»: continuam a dizer que «Deus éfiel, Deus prometeu, mas na realida-de não querem viver do cumprimen-to da promessa, permanecendoalheios a Jesus». É um risco, adver-tiu, também «para cada um de nós:perguntemo-nos se somos cristãosporque repetimos as palavras de fé,ou porque ao repeti-las vivemos to-dos os dias em oração de louvor ede ação de graças, e na caridadeconcreta que manifesta o nosso ser

irmãos em Cristo».Mas permanece «a conclu-

são do diálogo de Jesus, queelogia a mulher porque admi-te que não encontrou uma fétão grande naqueles que sesentiam privilegiados por te-rem sido os primeiros desti-natários da promessa».

Na humilde e determinadainsistência da mulher que«com dignidade e força im-plora pela vida do seu filho— disse o cardeal — p o demosreler as invocações de tantasmães, talvez também aquipresentes, preocupadas com acondição de doença, desespe-ro ou miséria dos próprios fi-lhos». Por vezes, tambémelas «tiveram ou têm a im-pressão de que Deus talveznão ouça o seu grito, no en-tanto continuam a invocá-lo,certas de que até no sofri-mento Ele está presente, nãose esquece de nós que somosas suas criaturas, especial-mente as mais frágeis e afli-tas».

Aliás, acrescentou o prefeito, Ele di-rige «um apelo a cada um de nóspara continuarmos a ter fé, para oreconhecermos presente, para o ser-virmos, para o amarmos, para nosdirigirmos a Ele», até por vezes ele-vando um grito e reconhecendo:«Sou fraco, não aguento mais, mas

sou que «a caridade concreta, a soli-dariedade para com os pobres e ne-cessitados, a solidariedade nas cida-des e entre as gerações são sinais deuma existência redimida e capaz dever os irmãos que encontramos nonosso caminho, como Maria que foiservir a sua prima Isabel». Eis oconvite a não esquecer Deus, umavez que Ele «nunca se esquece denós».

Em seguida, o purpurado frisouque Maria é exaltada e alcança «asalturas de graça que a nenhuma cria-tura humana foi concedido imagi-nar». Nas palavras do Magnificat ela«proclama que Deus olhou para ahumildade da sua serva e que as ge-rações lhe chamarão bem-aventura-da. Sabe reconhecer o dom e dá gra-ças Àquele que é a sua origem e fon-te». Para o cardeal Sandri, a capaci-dade de permanecer com «um cora-ção cheio de admiração e gratidão éo melhor antídoto contra o orgulhoe o pensamento de possuir a graçacomo se a tivéssemos conquistadocom as nossas próprias forças». Estecoração, «profundamente enraizadoem Deus», permite que Maria «con-temple toda a história humana comouma história de salvação: Ele inter-veio e intervém a favor dos pequeni-nos que n’Ele confiam».

O purpurado convidou a invocar,por intercessão de Maria, «um olharpuro capaz de ver os grandes sinaisde Deus na nossa vida». Depois, re-ferindo-se à beleza e à história doslugares de Massa Lubrense, evocouem particular a imagem das profun-dezas do mar, que podem «lembrar-nos como o Senhor desceu aos nos-sos abismos». Ninguém, acrescen-tou, «deve sentir-se tão distante queJesus não o possa alcançar e salvar,como recorda São Paulo». Por fim,o prefeito dirigiu-se aos devotos deNossa Senhora “della Lobra”, que«a suplicam e invocam, permanecen-do ligados à sua doce memória atéde terras distantes, como da Argenti-na, da qual — recordou — tamb émeu provenho».

A imagem de Nossa Senhora “della Lobra”

Um site por semana

Arquivo Apostólico do Vaticano

FABIO BO L Z E T TA

Um património histórico ao serviço dos estudiosos de todo o mundo.O Arquivo Apostólico do Vaticano é um dos centros de investigaçãomais importantes que existem atualmente. Constituído por mais de600 fontes de arquivo, doze séculos de história percorridos ao longode 85 quilómetros lineares de estantes. Foi reintroduzido ao Arquivodo Vaticano o nome de “Ap ostólico”, por vontade do Papa Francisco,a 22 de outubro de 2019, remontando assim às origens da fundação doinstituto, desejado há 400 anos pelo Papa Paulo V e mais tarde rebati-zado como “Arquivo Secreto do Vaticano”, enfatizando com “s e c re -tum” (para separar, distinguir, reservar) a concentração de documentosde diferentes escritórios num único local privado, separado e reservadodo Papa. No seu interior são conservados, entre outros, os arquivoshistóricos dos departamentos da Cúria e mais de 75 representações di-plomáticas da Santa Sé e os arquivos completos dos dois últimos Con-cílios ecuménicos. Um tesouro de história. O Papa Leão XII, em 1881,abriu as suas portas aos estudiosos. A proteção do património docu-mental e a sua valorização como memória histórica estão entre as prin-cipais missões. Sob o novo nome, o endereço de acesso à Internet tam-bém foi alterado. Após as férias de verão, os Arquivos serão reabertosaos estudiosos a 31 de agosto de 2020.

www.archivioap ostolicovaticano.va

Na Encarnação, o próprio Deus«não está apenas próximo delas,mas encontra-se presente no meio denós nestes nossos irmãos mais frá-geis: Jesus é o filho da cananeia, Je-sus tomou sobre si os seus sofrimen-tos, viveu-os pessoalmente, e por es-ta razão não os deixa sozinhos».

contigo sei que posso ir emf re n t e ! » .

Também no dia anterior, 15de agosto, durante a celebraçãoda solenidade da Assunção, nosantuário de Santa Maria “dellaLobra”, o cardeal referiu-se aoLíbano, sem esquecer as nume-rosas dores que o mundo atra-vessa e que «geraram e geram amorte; pensemos nas vítimas dapandemia que não dá sinais dediminuição no mundo, mastambém nas da violência, guer-ras e tragédias» ou «nas tantasdores mais escondidas nas nos-sas casas e famílias». O purpu-rado convidou a olhar paraMaria Assunta ao céu como«estrela do mar e refúgio dosnavegantes, Mãe de todos nósperegrinos nesta terra e nestevale de lágrimas». Depois, re-cordou que a Virgem reza «porcada um de nós e nos exorta aprocurar a luz de Jesus que seencontra em nós desde o dia donosso batismo, e a fazê-la bri-lhar nas trevas do mundo».

Em particular, o prefeito fri-

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número 35, terça-feira 1 de setembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

As notas que aproximam de DeusFé e música na experiência de vida da irmã Maria Amélia Costa

«A vocação é como uma música muito simples atravésda qual a mensagem do Evangelho pode ser levada pa-ra todo o lado». Uma devoção a Deus que corre sobreas notas da fé e que irmã Maria Amélia Costa, portu-guesa de 73 anos, franciscana hospitaleira da Imacula-da Conceição há mais de cinquenta anos, expressoucom álbuns musicais nos quais, ao piano ou com a vio-la, há canções de inspiração cristã. «Num momentoforte de espiritualidade — disse a religiosa à agênciaEcclesia — durante um retiro com as irmãs, dei pormim a compor algumas coisas sem me aperceber doque eram». Depois, como que envolta num rio místico,«compreendi que estava a nascer uma canção e que es-ta era uma vontade que vinha do alto». Assim, saiu oprimeiro álbum, seguido por outros até ao último inti-tulado Perto da praia, perto do mar.

«A chamada de Jesus tem muito a ver com o mar»,explica a irmã Maria Amélia, «e também com a via-gem, a partida». Nesta passagem há a referência à mi-nha chamada, o primeiro sim, expresso nos versos«Conhecia a tempestade, conhecia o mar agitado, mastambém o mar calmo». Por conseguinte, o mar comometáfora da vida, que a viu tornar-se, aos 21 anos, umaprofessora de educação moral no instituto de São Joséem Vila Real e empenhada na pastoral juvenil; umaépoca em que o amor pela música entrava lentamenteno seu coração. «Queria ser como os cantores-compo-sitores nacionais da época», revelou: «Comecei a estu-dar piano mas não podia levá-lo comigo nos encontroscom os jovens. Assim aprendi a tocar viola, o que foi

muito fácil de manejar, praticando com um aluno queme desafiou a fazer cada vez melhor».

Professora e compositora: aspetos fundamentais quetêm contado e contam muito na sua criação artística.«Mas a minha música não é “p ersonalizada” — esp eci-fica a religiosa — e de facto pergunto-me frequente-mente se uma frase “b ombástica” do Papa Francisco re-presenta uma mensagem a ser traduzida em versos».

Na Guiné-Bissau o “pacto educativo” entre as missionárias da Imaculada e os habitantes de algumas aldeias

O futuro de um sorrisoCRISTINA UGUCCIONI

Felizmente, e não sem sacrifícios, to-dos os dias no mundo há homens emulheres que decidem aliar-se, uniras forças e as suas melhores qualida-des para assegurar educação e esco-laridade às jovens gerações. Aconte-ce também na Guiné-Bissau, um pe-queno Estado africano de 1.800.000habitantes, 15% dos quais são de fécristã, 46% de fé muçulmana, en-quanto os restantes são seguidoresda religião tradicional. Aqui, onde ataxa de analfabetismo ainda é eleva-da, centenas de meninos e meninaspodem estudar e construir um bomfuturo, graças à feliz aliança nascidaentre doze religiosas missionárias daImaculada, os aldeões, o Estado e adiocese de Bissau; trata-se de umaaliança que representa uma declina-ção significativa do “amplo pactoeducativo”, cuja necessidade e ur-gência foram sublinhadas pelo PapaFrancisco, anunciando o encontromundial intitulado “Reconstruir opacto educativo global” (adiado paraoutubro próximo por causa da pan-demia).

Tudo começou no início dos anosnoventa, quando as missionárias daImaculada, visitando os povoadosnos arredores das vilas de Mansôa eBissorã, começaram a conscientizar apopulação sobre a importância demandar crianças à escola e decidiramoferecer um saco de arroz aos pro-fessores das (poucas) escolas estataisque não recebem regularmente o sa-lário do Estado. Os habitantes dasaldeias, compreendendo gradual-mente a importância de garantiruma boa educação aos seus filhos,

começam a pedir a abertura de no-vas escolas. Assim acontece: ao lon-go dos anos, são criadas 16 “escolasautogeridas”, construídas pelos al-deões, que conseguem encontrar pe-lo menos uma parte do material ne-cessário, assegurando que tambémàs meninas seja oferecida a oportuni-dade de estudar: por sua vez, as ir-mãs missionárias da Imaculada for-necem o material que falta para aconstrução (cimento e chapas dezinco para a cobertura do telhado),ocupam-se da seleção e da formaçãodos professores e gerem-nas estipu-lando, juntamente com a diocese deBissau, um acordo com o Estado,que paga o salário aos professores.Atualmente, estas 16 escolas — to dasabrangem o ciclo de ensino básico e

secundário — podem contar com oi-tenta professores e são frequentadaspor mais de cinco mil alunos (de di-ferentes religiões), metade dos quaissão meninas.

«A obra de conscientização levadaa cabo nas aldeias, que ainda conti-nua, demonstrou que funciona; asminhas irmãs e eu estamos felizespor ver que muitos pais mandam osfilhos à escola e que há um grandenúmero de meninas. Algumas delasescolheram tornar-se professoras ehoje trabalham nas escolas dos po-voados onde estudaram», afirma airmã Alessandra Bonfanti, missioná-ria da Imaculada, 65 anos, que seocupa de atividades de formação, nacomissão diocesana de catequese ena rádio Sol Mansi. «Lembro-me

que quando cheguei à Guiné-Bissau,há vinte e nove anos, o número demeninas que iam à escola era muitoreduzido: só eram preparadas paraser esposas e mães, e julgava-se quepara elas a educação não era neces-sária. Hoje a situação mudou e umnúmero sempre crescente de mulhe-res estuda e participa na vida públi-ca: mas ainda há muito trabalho afazer para garantir o pleno respeitoda dignidade das mulheres». NaGuiné-Bissau existe a prática de ca-samentos forçados e ainda se realizaa mutilação genital feminina, apesarde ser proibida por uma lei de 2011.

Nas escolas, as missionárias daImaculada ocupam-se da formaçãodos professores com cursos periódi-cos (recentemente um foi dedicado àviolência doméstica) e também dãoaulas e lições aos alunos sobre certostemas (por exemplo, o valor e a dig-nidade da pessoa, a paz e a justiça,o respeito pela natureza, os direitoshumanos). O objetivo, salienta a ir-mã Alessandra, é garantir a forma-ção integral da pessoa, ou seja, aformação de meninos e meninas quetenham não só uma boa educação,mas também valores sólidos, que se-jam capazes de assumir responsabili-dades, colocar os seus melhores ta-lentos ao serviço dos outros e cons-truir comunidades fraternas.

Refletindo sobre o discurso com oqual o Papa Francisco anunciou oencontro mundial dedicado à “Re-construção do pacto educativo glo-bal”, a irmã Alessandra observa:«Senti-me em casa, lendo as pala-vras do Santo Padre, são palavraspreciosas que orientam, relançam,encorajam a obra educativa. A alian-ça que ele invoca é indispensável, asnossas 16 escolas testemunham quepara educar uma criança é realmentenecessário um povoado, a comunhãode intenções de muitos adultos quese tornam cúmplices laboriosos emvista do bem dos mais pequeninos.A educação, diz o Papa, não é umaempresa individual; na África, afligi-da por muitos problemas mas aindanão doente de individualismo, comoacontece em muitas sociedades oci-dentais, esta verdade é mais fácil decompreender e de propor. E é capazde gerar o inesquecível sorriso degratidão dos nossos alunos!».

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 1 de setembro de 2020, número 35

Diálogo e legalidadepara resolver os conflitosno Mediterrâneo oriental

O Papa falou do dia pelo cuidado da criação

ANGELUS

O Papa Francisco apela «ao diálogo construtivo e ao respeito da legalidadeinternacional» a fim de garantir a paz dos povos do Mediterrâneo oriental.No final do Angelus de domingo, 30 de agosto, recitado com os fiéis reunidosna praça de São Pedro – no respeito das medidas de segurança em vigorpara impedir os contágios de coronavírus – e com quantos em todas aspartes do mundo o seguiam através da mídia, o Pontífice expressou a suapreocupação pelas crescentes tensões na área e auspiciou o fim dos conflitos.Anteriormente o Pontífice dedicou a sua reflexão ao trecho evangélico daliturgia dominical (Mateus 16, 21-27), no qual Jesus indica aos discípulos ocaminho da cruz.

que a sua glória passe pela Paixão.Para Pedro e para os outros discí-pulos - mas também para nós! - acruz é uma coisa desconfortável, acruz é um “escândalo”, enquantoJesus considera um “escândalo” fu-gir da cruz, o que significaria fugirda vontade do Pai, da missão queEle lhe confiou para a nossa salva-ção. É por isso que Jesus respondea Pedro: «Afasta-te, Satanás! Tu éspara mim um estorvo, porque osteus pensamentos não são os deDeus, mas os dos homens!» (v. 23).Dez minutos antes, Jesus louvouPedro, prometeu-lhe que ele seria abase da sua Igreja, o fundamento;dez minutos depois disse-lhe: “Sa-tanás”. Como é que isto pode sercompreendido? Acontece a todosnós! Em momentos de devoção, defervor, de boa vontade, de proximi-dade ao nosso semelhante, olhamospara Jesus e vamos em frente; masnos momentos em que ele vai aoencontro da cruz, fugimos. O dia-bo, Satanás - como diz Jesus a Pe-dro - tenta-nos. É típico do espíritomau, é caraterístico do diabo afas-tar-nos da cruz, da cruz de Jesus.

Dirigindo-se a todos, Jesusacrescenta: «Se alguém quiser virapós mim, renegue-se a si mesmo,tome a sua cruz e siga-me» (v. 24).Desta forma Ele mostra o caminhodo verdadeiro discípulo, realçandoduas atitudes. A primeira é «rene-

gar-se a si próprio», o que não sig-nifica uma mudança superficial,mas uma conversão, uma inversãode mentalidade e de valores. A ou-tra atitude é tomar a própria cruz.Não se trata apenas de suportarpacientemente tribulações diárias,mas de suportar com fé e responsa-bilidade aquela parte do esforço,aquela parte do sofrimento que aluta contra o mal implica. A vidados cristãos é sempre uma luta. ABíblia diz que a vida do crente éuma milícia: lutar contra o espíritomaligno, lutar contra o Mal.

Assim, o compromisso de “tomara cruz” torna-se participação comCristo na salvação do mundo. Pen-sando nisto, façamos com que acruz pendurada na parede de casa,ou a pequena que usamos ao peito,seja sinal do nosso desejo de nosunirmos a Cristo no serviço aosnossos irmãos com amor, especial-mente aos mais pequeninos e maisfrágeis. A cruz é um sinal santo doAmor de Deus, é um sinal do Sa-crifício de Jesus, e não deve ser re-duzida a um objeto de superstiçãoou a uma joia ornamental. Cadavez que olhamos para a imagem deCristo crucificado, pensemos queEle, como verdadeiro Servo do Se-nhor, cumpriu a Sua missão dandoa vida, derramando o Seu sanguepara a remissão dos pecados. Enão nos deixemos levar para o ou-tro lado, para a tentação do Malig-no. Consequentemente, se quiser-mos ser Seus discípulos, somoschamados a imitá-lo, dedicandosem reservas a nossa vida por amora Deus e ao próximo.

Que a Virgem Maria, unida aoseu Filho até ao Calvário, nos aju-de a não retroceder perante as pro-vações e sofrimentos que o teste-munho do Evangelho implica paratodos nós.

No final do Angelus, o Pontíficerecordou o Dia mundial de oraçãopelo cuidado da criação – que secelebra a 1 de Setembro o inaugura o

“Jubileu da Terra” celebrado porIgrejas e comunidades cristãs até 4de outubro – e referiu-se ao desastreambiental ocorrido nos dias passadosao largo da costa oriental da ilhaMaurícia. Em seguida apelou pelofim das tensões no Mediterrâneooriental e saudou alguns grupos defiéis presentes na praça.

Amados irmãos e irmãs!Depois de amanhã, 1 de setem-

bro, é o Dia Mundial de Oraçãopelos Cuidados da Criação. A par-tir desta data, até 4 de outubro, ce-lebraremos com os nossos irmãoscristãos de várias Igrejas e tradi-ções o “Jubileu da Terra”, para co-memorar a instituição, há 50 anos,do Dia da Terra. Saúdo as váriasiniciativas promovidas em todas aspartes do mundo e, entre elas, oConcerto realizado hoje na Cate-dral de Port-Louis, capital daMaurícia, onde infelizmente ocor-reu recentemente um desastre am-biental.

Acompanho com preocupação astensões na zona do MediterrâneoOriental, que é minada por váriossurtos de instabilidade. Apelo aodiálogo construtivo e ao respeitopela legalidade internacional, a fimde resolver, por favor, os conflitosque ameaçam a paz dos povos da-quela região.

E saúdo todos vós hoje aqui reu-nidos de Roma, da Itália e de vá-rios países. Vejo acolá as bandeiras,e saúdo a Comunidade Religiosade Timor Leste em Itália. Muitobem, com as bandeiras! Os pere-grinos de Londrina e Formosa, noBrasil; e os jovens de Grantorto,diocese de Vicenza. Bem-vindos!Vejo também bandeiras polacas,saúdo os polacos; bandeiras argen-tinas, até os argentinos. Bem-vin-dos a todos!

Desejo a todos bom domingo.Por favor, não vos esqueçais de re-zar por mim. Bom almoço e até àvista!

Estimados irmãos e irmãs, bomdia!O trecho do Evangelho de hoje (cf.Mt 16, 21-27) está ligado ao do do-mingo passado (cf. Mt 16,13-20).Depois de Pedro, em nome tam-bém dos outros discípulos, ter pro-fessado a fé em Jesus como Mes-sias e Filho de Deus, o próprio Je-sus começa a falar-lhes da sua pai-xão. A caminho de Jerusalém, eleexplica abertamente aos seus ami-gos o que o espera no final na ci-dade santa: prediz o seu mistériode morte e ressurreição, de humi-lhação e glória. Ele diz que deve«sofrer muito da parte dos anciãos,e, dos príncipes dos sacerdotes edos escribas, ser morto e ao tercei-ro dia ressuscitar» (Mt 16, 21). Masas suas palavras não são compreen-didas, porque os discípulos têmuma fé ainda imatura e demasiadoligada à mentalidade deste mundo(cf. Rm 12, 2). Pensam numa vitó-ria demasiado terrena, e por estarazão não compreendem a lingua-gem da Cruz.

Perante a perspetiva de que Je-sus possa falhar e morrer na cruz,o próprio Pedro rebela-se e diz-lhe:«Deus te livre de tal, Senhor; issonão há de acontecer!» (v. 22). Eleacredita em Jesus - Pedro é assim -,ele tem fé, acredita em Jesus, acre-dita; quer segui-lo, mas não aceita