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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 19 (2.646) Cidade do Vaticano terça-feira 12 de maio de 2020 No Regina caeli Francisco recordou o septuagésimo aniversário da Declaração de Schuman À União Europeia servem concórdia e colaboração para vencer a Covid-19 Telefonema ao Cardeal Arcebispo de São Paulo Proximidade do Papa aos pobres do Brasil Audiência geral de quarta-feira Um grito que comove o coração de Deus PÁGINA 3 Prefácio de Francisco a um volume da Lev sobre João Paulo II Derramou o seu sangue pela Igreja PÁGINA 5 Em conversa com o filósofo italiano Roberto Esposito A primeira imunização é o direito LUCA M. POSSATI NAS PÁGINAS 6-7 Preocupado com o aumento do número de casos de Covid-19 no Brasil, o Papa Francisco telefonou no sábado passado ao Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arce- bispo de São Paulo, o estado mais atin- gido devido ao número de infetados e mortos, a ponto que o isolamento so- cial em todos os municípios foi prolon- gado até 31 de maio. Numa nota no si- te da Arquidiocese, o cardeal diz ter re- cebido um telefonema no seu telemóvel durante o qual o Santo Padre «pediu informações sobre a situação que estão a viver em particular as pessoas mais pobres, sabendo que nem todos têm uma casa» ou «a possibilidade de se- guir medidas preventivas para combater a transmissão da infeção». Além disso, acrescenta o Arcebispo, o Pontífice «as- segurou proximidade e oração e reco- mendou que eu concedesse a sua bên- ção apostólica. Por fim, pediu-me para rezar por ele». Um novo apelo a todos aqueles que têm responsabilidades na União Europeia — para que enfrentem «num espírito de concórdia e cola- boração as consequências sociais e económicas causadas pela pande- mia» no velho continente e no resto do mundo — foi feito por Francisco no final do Regina caeli, recitado no domingo, 10 de maio, na biblio- teca particular do Palácio Apostóli- co do Vaticano, no final do qual benzeu mais uma vez a Praça de São Pedro vazia, por causa das me- didas de distanciamento social para contrastar a propagação do contá- gio do coronavírus. O Pontífice recordou o septuagé- simo aniversário da Declaração his- tórica do então Ministro dos Negó- cios Estrangeiros francês, Robert Schuman, que inspirou o processo de integração dos povos da Europa. Anteriormente introduziu a antífo- na mariana com uma reflexão sobre a passagem litúrgica do Evangelho de João que relata o «discurso de despedida» de Jesus na Última Ceia. E com um tweet postado no início da tarde de segunda-feira na conta @Pontifex, o bispo de Roma recordou «que a 14 de maio os cren- tes de todas as religiões estão convi- dados a unir-se espiritualmente num dia de oração, jejum e obras de cari- dade, a fim de implorar Deus para que ajude a humanidade a superar esta pandemia. PÁGINA 12 Hospital de campanha montado num ginásio desportivo em Santo André, Estado de São Paulo (Reuters)

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 19 (2.646) Cidade do Vaticano terça-feira 12 de maio de 2020

No Regina caeli Francisco recordou o septuagésimo aniversário da Declaração de Schuman

À União Europeia servemconcórdia e colaboração para vencer a Covid-19

Telefonema ao Cardeal Arcebispo de São Paulo

Proximidade do Papa aos pobres do BrasilAudiência geral de quarta-feira

Um grito que comoveo coração de Deus

PÁGINA 3

Prefácio de Francisco a um volumeda Lev sobre João Paulo II

Derramou o seu sanguepela Igreja

PÁGINA 5

Em conversa com o filósofo italianoRoberto Esposito

A primeira imunizaçãoé o direito

LUCA M. PO S S AT I NAS PÁGINAS 6-7

Preocupado com o aumento do númerode casos de Covid-19 no Brasil, o PapaFrancisco telefonou no sábado passadoao Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arce-bispo de São Paulo, o estado mais atin-gido devido ao número de infetados emortos, a ponto que o isolamento so-cial em todos os municípios foi prolon-gado até 31 de maio. Numa nota no si-te da Arquidiocese, o cardeal diz ter re-cebido um telefonema no seu telemóveldurante o qual o Santo Padre «pediuinformações sobre a situação que estãoa viver em particular as pessoas maispobres, sabendo que nem todos têmuma casa» ou «a possibilidade de se-guir medidas preventivas para combatera transmissão da infeção». Além disso,acrescenta o Arcebispo, o Pontífice «as-segurou proximidade e oração e reco-mendou que eu concedesse a sua bên-ção apostólica. Por fim, pediu-me pararezar por ele».

Um novo apelo a todos aqueles quetêm responsabilidades na UniãoEuropeia — para que enfrentem«num espírito de concórdia e cola-boração as consequências sociais eeconómicas causadas pela pande-mia» no velho continente e no restodo mundo — foi feito por Franciscono final do Regina caeli, recitadono domingo, 10 de maio, na biblio-

teca particular do Palácio Apostóli-co do Vaticano, no final do qualbenzeu mais uma vez a Praça deSão Pedro vazia, por causa das me-didas de distanciamento social paracontrastar a propagação do contá-gio do coronavírus.

O Pontífice recordou o septuagé-simo aniversário da Declaração his-tórica do então Ministro dos Negó-

cios Estrangeiros francês, RobertSchuman, que inspirou o processode integração dos povos da Europa.

Anteriormente introduziu a antífo-na mariana com uma reflexão sobrea passagem litúrgica do Evangelhode João que relata o «discurso dedespedida» de Jesus na ÚltimaCeia. E com um tweet postado noinício da tarde de segunda-feira na

conta @Pontifex, o bispo de Romarecordou «que a 14 de maio os cren-tes de todas as religiões estão convi-dados a unir-se espiritualmente numdia de oração, jejum e obras de cari-dade, a fim de implorar Deus paraque ajude a humanidade a superaresta pandemia.

PÁGINA 12

Hospital de campanha montado num ginásio desportivo em Santo André,Estado de São Paulo (Reuters)

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 12 de maio de 2020, número 19

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

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As crianças pobres não podem esperarO Dispensário pediátrico Santa Marta pronto para recomeçar a assistência gratuita

Iniciativa das Vilas Pontifícias de Castel Gandolfo com a Esmolaria Apostólica

Leite fresco da “quinta do Papa” para os pobres

Todos os dias os pobres de Roma recebem duzentos li-tros de leite fresco — e também alguns frascos de io-gurte — que a quinta das Vilas Pontifícias de CastelGandolfo entrega pontualmente ao cardeal esmolerKonrad Krajewski, antes das 7 da manhã, diretamenteno Vaticano. precisamente na Via del Pellegrino, antesde chegar à redação de “L'Osservatore Romano”.

“Estamos a dar vida a esta iniciativa de solidariedadeem resposta aos apelos do Papa Francisco que, desde oinício da emergência provocada pela pandemia, nos re-corda que os pobres não podem ser deixados sozi-nhos”, explica o diretor das Vilas Pontifícias.

«Doar parte do leite produzido todos os dias na“quinta do Papa” — salienta — é um sinal muito con-creto para relançar o convite do Papa a não permane-cermos fechados, abrindo-nos generosamente às neces-sidades dos mais pobres e sozinhos, sobretudo nestemomento difícil».

Além disso, confidencia o diretor, «começámos adoar leite quando nos aproximávamos do dia 13 demarço, ou seja, no sétimo aniversário da eleição deFrancisco: da nossa parte não poderia haver melhor

“p re s e n t e ” para o Papa do que prestar um serviço con-tínuo às pessoas que necessitam de ajuda fraterna».

E assim, explica o diretor, «através do presidente edo secretário-geral do Governatorato do Estado da Ci-dade do Vaticano — cardeal Giuseppe Bertello e o bis-po Fernando Vérgez Alzaga — recorremos ao cardealesmoler para lhe entregar um fornecimento diário deleite — precisamente duzentos litros — em parte desti-nado aos Museus do Vaticano, que estão fechados des-de 9 de março».

Obviamente, assegura o diretor, «a quinta das VilasPontifícias continuará a garantir leite aos pobres assis-tidos pela Esmolaria Apostólica, também quando aemergência terminar».

Todos os dias, diz, «a quinta produz cerca de 800 li-tros de leite, metade do qual está à venda na “annona”— o pequeno “sup ermercado” do Vaticano que perma-nece sempre aberto — enquanto a outra metade é trans-formada, na histórica queijaria de Castel Gandolfo, emiogurte, queijos frescos e curados que também são ven-didos no Vaticano”.

Este gesto de solidariedade — salienta o diretor, re-cordando a atenção contínua à Cáritas de Albano e aalguns institutos religiosos da zona de Castel Gandolfo— insere-se na natureza de “serviço” das Vilas Pontifí-cias, que se vão tornando cada vez mais «um modelode ecologia integrada no respeito pelo meio ambiente,pelo homem e pelos animais». Em suma, «um ecossis-tema que tem uma visão económica e social harmonio-sa», em sintonia com a encíclica Laudato si'.

Por conseguinte, um pequeno-grande modelo. Mas«no respeitante à “quinta do Papa” não poderia ser deoutra forma», diz o diretor. Na consciência de que asVilas Pontifícias — que, aliás, assumem, através da ex-periência dos Museus do Vaticano, cada vez mais a di-mensão de “polo cultural” como verdadeiro “patrimó-nio da humanidade” — têm a missão de pôr em práticauma estratégia «que não visa exclusivamente o lucro,mas tem no seu centro o respeito pela criação: homens,animais, meio ambiente».

Com os seus 54 empregados, de facto, a quinta —conclui o diretor — confirma que é realmente possívelalcançar uma economia não egoísta, uma economia so-lidária, à medida do homem e para o homem, mais jus-ta, fraterna, sustentável e com um novo protagonismodaqueles que hoje são excluídos. Tal como o PapaFrancisco ensina. (giampaolo mattei)

VALENTINA GIACOMETTI

O Dispensário pediátrico SantaMarta está pronto para recomeçar.Como bons “vizinhos de casa” doPapa Francisco — a sede no Vaticanoestá “ligada” à Casa Santa Marta pe-lo beco estreito do Perugino — fer-vem os preparativos para recomeçaro serviço de assistência às famíliaspobres com filhos pequenos. Obvia-mente, no pleno respeito das indica-ções para conter a propagação docontágio.

«Mas os pobres, especialmente ascrianças, não podem esperar e nuncadevem ser deixadas sozinhas, agoramais do que nunca»: é sempre um

rio em cheia a irmã Antonietta Col-lacchi, diretora do Dispensário. Nofim de semana encheu a despensacom a última doação, pronta a ser

entregue às famílias assistidas. Che-garam 500 doces de Páscoa, muitosovos de chocolate e bolos, doadospor Castroni e Caffarel. A entrega

foi feita pelos voluntários da Asso-ciação nacional dos carabineiros.

«Estamos à vossa disposição esempre na linha da frente paraapoiar aqueles que têm e terão ne-cessidade de apoio», disse EnricoLorenzetti, coordenador regional daAssociação. É «um gesto importantepara as famílias tendo em vista anossa reabertura gradual», afirmou airmã Antonietta. Um gesto generosoe certamente não isolado: a gemina-ção entre o Dispensário e os atletasolímpicos das “Fiamme Gialle”[Chamas Amarelas], expressão daGuarda de Finanças, através do ser-viço de solidariedade da AthleticaVaticana, agora está bem estabeleci-da. Após a festa organizada no Na-tal, foram angariados muitos carri-nhos para os bebés.

É com este estilo aberto que oDispensário se prepara para celebraro centenário do seu serviço «como ocoração pulsante da caridade dentrodos muros do Vaticano», diz a reli-giosa. Um compromisso que o PapaFrancisco recordou também no dia25 de março, celebrando a missa ma-tutina na capela da Casa Santa Mar-ta. «O Papa quis rezar por nós, fi-lhas da caridade de São Vicente dePaulo, que servimos no Dispensáriohá 98 anos — diz a irmã Antonietta— e pelas nossas irmãs que traba-lham com os pobres e os doentes,até arriscando e dando a vida».Francisco conhece bem o Dispensá-rio: é precisamente com esta “famí-lia” animada que ele celebra, comsimplicidade, o seu aniversário.

Sobre o impulso das palavras doPapa, explica a religiosa, «continua-remos cada vez mais e melhor a ofe-recer assistência médica gratuita aosnecessitados e também a distribuirprodutos para a infância e bens deprimeira necessidade àqueles quenão têm recursos para os comprar».Qual é o “s e g re d o ”? A resposta dairmã Antonietta é de uma simplici-dade desarmante: «A Providêncianunca deixa de nos surpreender! Nonosso caminho encontramos sempremulheres e homens sensíveis que nosajudam a fazer sorrir “os nossos” fi-lhos juntamente com os seus pais».

Em suma, a comunidade do Dis-pensário — apoiada por voluntáriose médicos que, gratuitamente, garan-tem profissionalismo e tempo — estáa desenvolver o sistema para se man-ter perto, em segurança, daquelesque hoje precisam ainda de maisajuda. «Esperamos — e rezamos paraque seja em breve — encontrar-nosde novo todos, aqui no Dispensário,na nossa “pequena Galileia” ondeJesus nos precede e onde podemossempre encontrá-lo nos gestos deamor daqueles que se põem à dispo-sição dos outros», concluiu a irmãAntonietta. Com o seu constantesorriso.

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número 19, terça-feira 12 de maio de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Um grito que comoveo coração de Deus

Novo ciclo dedicado à oração

C AT E Q U E S E

«A fé é um grito; a não-fé é o sufoco desse grito»: salientou o PapaFrancisco na audiência geral de quarta-feira, 6 de maio, realizada — como éhabitual nesta época de pandemia da Covid-19 — na biblioteca particular doPalácio Apostólico do Vaticano e sem a presença dos fiéis. Inaugurando umnovo ciclo de catequese dedicado ao tema da oração, o Pontífice insistiu sobreo “mistério” da oração, tal como emerge da passagem evangélica de Marcos(10, 46-52) — lida em diferentes línguas antes da reflexão de Francisco —que narra a cura do cego Bartimeu.

“Filho de David” é muito impor-tante; significa “Messias” — confes-sa o Messias — é uma profissão defé que sai dos lábios daquele ho-mem desprezado por todos.

E Jesus ouve o seu grito. O pe-dido de Bartimeu toca o seu cora-ção, o coração de Deus, e para eleabrem-se as portas da salvação. Je-sus manda chamá-lo. Ele dá umsalto e aqueles que antes lhe di-ziam para se calar, agora condu-zem-no ao Mestre. Jesus fala comele, pede-lhe que manifeste o seudesejo — isto é importante — e en-tão o grito torna-se um pedido:«Que eu volte a ver, Senhor!» (cf.v. 51).

Jesus diz-lhe: «Vai, a tua fé tesalvou» (v. 52). Reconhece àquelehomem pobre, indefeso e despreza-

do todo o poder da sua fé, queatrai a misericórdia e o poder deDeus. Fé significa ter duas mãoslevantadas, uma voz que grita paraimplorar o dom da salvação. O Ca-tecismo afirma que «a humildade éo fundamento da oração» (Catecis-mo da Igreja Católica, n. 2.559). Aoração nasce da terra, do húmus —do qual deriva “humilde”, “humil-dade” — vem da nossa condição deprecariedade, da nossa sede cons-tante de Deus (cf. ibid., nn. 2.560-2.561).

A fé, vimo-lo em Bartimeu, égrito; a não-fé é sufocar aquele gri-to. Aquela atitude que as pessoastinham, ao silenciá-lo: não erampessoas de fé, mas ele sim. Sufocaraquele grito é uma espécie de“cumplicidade tácita”. A fé é pro-

testo contra uma condição penosada qual não compreendemos o mo-tivo; a não-fé é limitar-se a padeceruma situação à qual nos adapta-mos. A fé é esperança de ser salvo;a não-fé é acostumar-nos com omal que nos oprime e continuar as-sim.

Queridos irmãos e irmãs, come-cemos esta série de catequeses como grito de Bartimeu, porque talveznuma figura como a sua já estejatudo escrito. Bartimeu é um ho-mem perseverante. Ao seu redorhavia pessoas que explicavam queimplorar era inútil, que era um vo-zear sem resposta, que era barulhoque incomodava e nada mais, quepor favor deixasse de gritar: masele não se calou. E, no final, conse-guiu o que queria.

Mais forte do que qualquer ar-gumentação contrária, no coraçãodo homem há uma voz que invoca.Todos nós temos esta voz interior.Uma voz que sai espontaneamente,sem que ninguém a governe, umavoz que se interroga sobre o senti-do do nosso caminho aqui na terra,especialmente quando nos encon-tramos na escuridão: “Jesus, temcompaixão de mim! Jesus, temcompaixão de mim!”. É uma boni-ta oração!

Mas não estão estas palavras es-culpidas em toda a criação? Tudoinvoca e suplica para que o misté-rio da misericórdia encontre o seucumprimento definitivo. Não re-zam só os cristãos: eles comparti-lham o clamor de oração com to-dos os homens e mulheres. Mas ohorizonte ainda pode ser ampliado:Paulo afirma que toda a criação«geme e sofre as dores de parto»(Rm 8, 22). Com frequência, os ar-tistas fazem-se intérpretes deste gri-to silencioso da criação, que pres-siona em cada criatura e emergesobretudo no coração do homem,pois o homem é um «mendigo deDeus» (cf. CIC, n. 2.559). Bonitadefinição do homem: “mendigo deD eus”. Obrigado!

Amados irmãos e irmãs, bom dia!Hoje iniciamos um novo ciclo decatequeses sobre o tema da o ra ç ã o .A oração é o respiro da fé, é a suaexpressão mais adequada. Comoum grito que sai do coração dequem crê e se confia a Deus.

Pensemos na história de Barti-meu, um personagem do Evange-lho (cf. Mc 10, 46-52 e par.) e, con-fesso-vos, para mim é o mais sim-pático de todos. Era cego, estavasentado a mendigar à beira da es-trada, na periferia da sua cidade,Jericó. Não se trata de um perso-nagem anónimo, tem um rosto, umnome: Bartimeu, ou seja, “filho deTimeu”. Um dia ouve dizer que Je-sus passaria por ali. Com efeito, Je-ricó era uma encruzilhada de po-vos, continuamente atravessada porperegrinos e mercadores. EntãoBartimeu põe-se à espreita: fariatodo o possível para encontrar Je-sus. Muitas pessoas faziam o mes-mo: recordemos Zaqueu, que subiuà árvore. Muitos queriam ver Jesus,ele também.

Assim este homem entra nosEvangelhos como uma voz que gri-ta a plenos pulmões. Ele não vê;não sabe se Jesus está perto oulonge, mas ouve-o, devido ao baru-lho da multidão, que num dadomomento aumenta e se aproxima...Mas ele está completamente só, eninguém se importa com isto. E oque faz Bartimeu? Grita. Grita econtinua a bradar. Usa a única ar-ma que possui: a voz. Começa agritar: «Filho de David, Jesus, temcompaixão de mim!» (v. 47). E as-sim continua a bradar.

Os seus repetidos gritos incomo-dam, não parecem educados, emuitos repreendem-no, dizendo-lhepara se calar: “Sê educado, não fa-ças assim!”. Mas Bartimeu não secala, pelo contrário, grita aindamais alto: «Filho de David, Jesus,tem compaixão de mim!» (v. 47).Aquela teimosia tão boa daquelesque procuram uma graça e batem,batem à porta do coração de Deus.Ele grita, bate à porta. A expressão

Apelo a favor da dignidadedos trabalhadores agrícolas exploradosAceitando os apelos dos trabalhadores agrícolas, «incluindo muitos imi-grantes, que trabalham nos campos em Itália» e «todos os trabalhadoresexplorados», o Papa Francisco relançou o convite «para tornar a crise»causada pela pandemia da Covid-19 «a oportunidade de voltar a colo-car a dignidade da pessoa e o emprego no centro». As suas palavras res-soaram antes da recitação do Pai Nosso e da bênção final, durante assaudações aos vários grupos de fiéis que seguiram a audiência geralatravés dos meios de comunicação social.

Saúdo cordialmente os fiéis de língua portuguesa. Queridos amigos,a oração abre a porta da nossa vida a Deus e nos ajuda a sair denós mesmos para ser solidários com os outros que vivem na prova-ção. Assim, sobretudo neste momento de pandemia, poderemos le-var-lhes consolação, luz e esperança. Sobre vós e vossas famílias,desça a bênção do Senhor.

Por ocasião do 1º de maio, recebi várias mensagens sobre o mun-do do trabalho e seus problemas. Fiquei particularmente impressio-nado com aquele dos trabalhadores agrícolas, entre eles muitos mi-grantes, que trabalham nas regiões rurais da Itália. Infelizmente,muitos são extremamente explorados. É verdade que a atual criseafeta a todos, mas a dignidade das pessoas deve sempre ser respei-tada. É por isso que acrescento a minha voz ao apelo desses trabal-hadores e de todos os trabalhadores explorados. Que esta crise nosdê a oportunidade de tornar a dignidade da pessoa e do trabalho ocentro da nossa preocupação.

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 12 de maio de 2020, número 19

Departamento dos Migrantes e Refugiados do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral

Orientações pastoraissobre os deslocados internos

Um povo de invisíveis: segundo da-dos recentes, mais de cinquenta mi-lhões de pessoas, os deslocados in-ternos, representam um desafio paraa comunidade internacional, espe-cialmente no atual contexto de pan-demia da Covid-19, que corre o riscode os fazer precipitar num abismoainda mais dramático. Sobre estasmulheres e homens forçados a aban-donar a própria casa por causa deguerras, violências ou catástrofes na-turais, a Igreja volta a acender os re-fletores com o livro Pastoral Orienta-tions on Internally Displaced People(Orientações pastorais sobre os des-locados internos), editado pelo De-partamento dos Migrantes e Refu-giados (M&R) do Dicastério para oserviço de desenvolvimento humanointegral, apresentado em streamingna terça-feira, 5 de maio.

Na conferência, transmitida da sa-la Marconi do palácio Pio no canalYoutube de Vatican News, participa-ram os dois subsecretários do De-partamento M&R do Dicastério, ocardeal Jesuíta Michael Czerny e omissionário scalabriniano Fabio Bag-gio, bem como a doutora AmayaValcárcel, coordenadora internacio-nal de advocacy do Serviço dos je-suítas aos refugiados (Jrs) — Gabine-te internacional de Roma. O diretorda Sala de imprensa da Santa Sé,Matteo Bruni, moderou o encontro,durante o qual alguns jornalistas fi-zeram perguntas mediante ligaçãode vídeo.

O cardeal Czerny falou sobre oitinerário que levou à elaboração dasOrientações pastorais sobre os desloca-dos internos, recordando que desde oinício do pontificado, Franciscoexortou a Igreja a acompanhar todasas pessoas obrigadas a fugir, insti-tuindo o Departamento M&R, coma missão de ajudar os bispos e quan-tos servem os indivíduos vulneráveisem movimento. Este, por sua vez,em 2017 identificou vinte pontos-chave para a ação pastoral, utiliza-dos por dioceses, paróquias e con-gregações religiosas, por católicos eoutras organizações da sociedade ci-vil, por escolas e grupos que se ocu-pam de migrantes e refugiados: tra-ta-se de vinte prioridades para pro-gramas locais, homilias, educação emeios de comunicação. Resultado deum atento processo de consulta e re-flexão com muitos líderes e profis-sionais do setor, constituíram a con-tribuição da Santa Sé para a redaçãoe a adoção, em 2018, do global com-pact das Nações Unidas para umamigração segura, ordenada e regular.

Através de um processo semelhan-te, acrescentou o cardeal, M&R pre-parou ainda em 2018 as Orientaçõespastorais sobre o tráfico de seres huma-nos. «Hoje — disse — temos o prazerde apresentar» as Orientações «so-bre os deslocados internos, aprova-das pelo Santo Padre» para «guiar oministério da Igreja» neste campodelicado. Também porque, acrescen-tou, o coronavírus «não faz distin-ção entre os importantes e os invisí-veis: todos são vulneráveis, e qual-

quer contágio é um perigo para to-dos». Daqui o desejo conclusivo deque estas pessoas sejam «reconheci-das e apoiadas, promovidas e final-mente reintegradas, de modo a po-der desempenhar um papel ativo econstrutivo no seu país, mesmo quetenham sido obrigadas a fugir de ca-sa e a refugiar-se noutro lugar».

O padre Baggio explicou que asOrientações pastorais adotam a defini-ção oferecida pelos Princípios-guiasobre os deslocados (1998), das NaçõesUnidas, ou seja, «grupos de pessoasforçadas ou obrigadas a fugir, ou aabandonar as suas casas ou os seuslocais habituais de residência, emparticular por causa de um conflitoarmado ou para evitar os seus efei-tos, de situações de violência genera-lizada, de violações dos direitos hu-manos, de catástrofes naturais ou

provocadas pelo homem, e que nãoatravessaram uma fronteira estatalinternacionalmente reconhecida».

De acordo com o Internal Displa-cement Monitoring Centre (Idmc),em 2019 houve 33,4 milhões de no-vos deslocados internos: 8,5 milhõesdevido a conflitos e 24,9 milhões porcausa de catástrofes. «A enorme pro-porção desta migração, com a suafrequente invisibilidade e as vulnera-bilidades que provoca — observou oreligioso — justifica amplamente apreocupação do Santo Padre e o in-teresse do Departamento M&R, quelevaram à elaboração do documen-to». Ele alimenta-se «da riqueza domagistério universal e local, e dalonga tradição pastoral constituídapelas ações que a Igreja empreendeuem benefício destes habitantes dasperiferias existenciais». Ações que,

comentou o scalabriniano, «se reú-nem em torno dos quatro verboscom os quais o Santo Padre quis re-sumir a pastoral dos migrantes: aco-lher, proteger, promover e integrar».

A doutora Valcárcel explicou amissão do Serviço dos jesuítas aosrefugiados, presente em 56 Estados,de acompanhar, servir e defender osdireitos dos migrantes forçados, in-cluindo os deslocados internos em 14países. O maior problema destes úl-timos, frisou, «é a sua invisibilida-de», frequentemente associada à«falta de reconhecimento dos seusdireitos e necessidades». Com aagravante de que agora — esta foi asua denúncia — a crise social e o im-pacto económico causados pela pan-demia provocam mais restrições a es-tas pessoas. É paradigmático o casorecorde da Colômbia, onde os deslo-cados internos são mais de 5 milhõese meio, tornando-a o país com o nú-mero mais elevado do mundo. «Háuma deslocação crescente dentro dascidades, que gera “deslocados cróni-cos”, não integrados nas dinâmicassociais e económicas do tecido urba-no», afirmou Valcárcel. O Jrs pro-move para eles projetos de acesso apequenos empregos, a responsabili-zação social e a reconciliação. Ou-tros campos de ação são a favor dossobreviventes Yazidis no Curdistãoiraquiano, onde as mulheres e ascrianças precisam de assistência psi-quiátrica e apoio educativo, no Esta-do de Kachin, no Myanmar, e noBurundi, no Sudão do Sul e no Afe-ganistão. Em certas realidades «du-rante a atual pandemia» — concluiu— «as pessoas não têm acesso às in-formações para se proteger do contá-gio» e, embora saibam «como lavaras mãos, não têm acesso a água lim-pa e potável».

Intenção de oração para o mês de maio

Pelos diáconos servidores da Palavra e dos pobres

«Não são sacerdotes “de segunda”» — ou seja,na línguagem dos marinheiros, vigários do co-mandante de uma embarcação com funções desubstituição — mas «fazem plenamente partedo clero»: são os diáconos, aos quais Francis-co dedicou a intenção de oração para o mêsde maio, confiada à rede mundial de oraçãodo Papa.

Difundida através do vídeo postado no sitewww.thepopevideo.org a invocação do Pontífi-ce é «a fim de que os diáconos, fiéis ao serviçoda Palavra e dos pobres, sejam um sinal de vi-da para toda a Igreja».

E enquanto passam no ecrã imagens da mis-são dos diáconos, Francisco recorda-nos queestes homens «vivem a sua vocação na famíliae com a família», dedicando-se ao mesmo tem-po «ao serviço dos pobres que têm em si orosto de Cristo sofredor». Nas igrejas, no altarou na sacristia; no ambiente doméstico, nasprisões ou nas enfermarias de hospitais; nasruas e nas estações, ajudando os desabrigados,os diáconos — concluiu o Papa — «são osguardiões do serviço na Igreja». Um fotograma do vídeo sobre a oração do Papa

Deslocados na Síria (Afp)

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número 19, terça-feira 12 de maio de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Prefácio de Francisco a um volume da Lev que reúne textos e imagens de João Paulo II

Derramou o seu sangue pela Igrejaofereceu o seu sofrimento à humanidade

Centenário do nascimentoPor ocasião do centenário do nascimento de JoãoPaulo II, a 18 de maio, a Livraria Editora doVaticano publicou um pequeno e ágil volumeintitulado São João Paulo II. 100 Anos. Palavras eImagens (2020, 128 páginas). A obra — que seabre com o prefácio do Papa Francisco, quepublicamos na íntegra nesta página — rep ercorreo Pontificado do Pontífice polaco através de umacoleção de escritos e frases que vão desde o diada sua eleição, 16 de outubro de 1978, até ao diada sua morte, que ocorreu a 2 de abril de 2005. Aedição está disponível também em inglês, emcoedição com a editora americana Paulist Press, eem polaco, em coedição com a editoraWydawnictwo św. Stanislawa BM e graças aopatrocínio da embaixada da República daPolónia junto da Santa Sé e do Instituto Polacoem Roma. A seleção dos textos das suas homilias,dos seus discursos, do seu magistério é deGiuseppe Merola, e as imagens de Vatican Mediaforam escolhidas por Miroslawa Lesner.

A Guarda suíça recorda as vítimas do Saque de Roma

Fiéis ao Papa com espírito de sacrifício

São João Paulo II foi uma grande testemunha defé, um grande homem de oração que viveu com-pletamente imerso no seu tempo e em constantecontacto com Deus, uma guia segura para a Igre-ja em tempos de grandes mudanças. Muitas ve-zes, durante a minha vida como sacerdote e bis-po, o tive como modelo, pedindo nas minhas ora-

ções, o dom de ser fiel ao Evangelho, como elenos testemunhava.

O seu Magistério, as suas encíclicas sobre JesusRedentor do homem, sobre Deus rico em miseri-córdia, sobre o Espírito Santo, a encíclica “Re-demptoris Mater” sobre Maria na vida da Igreja,as suas encíclicas sociais, os seus ensinamentos

quotidianos; o muito precioso dom do Catecismoda Igreja Católica permanecem como um legadovivo para a Igreja. Continuam gravados na me-mória, para nós que vivemos os anos do seu lon-go e fecundo pontificado, a sua grande paixãopelo humano, a sua abertura, a sua busca do diá-logo com todos, a sua determinação em fazer to-das as tentativas para pôr fim às guerras, a suapropensão a ir ao encontro de todos e abraçar osque sofrem. Com ele, primeiro Bispo de Romaproveniente da Europa do Leste, a “Igreja do si-lêncio”, a Igreja dos mártires do além da cortinade ferro, encontrou uma voz.

Mas não é deste São João Paulo II que eu gos-taria de vos falar, apresentando esta bela iniciativada Livraria Editora do Vaticano. O que por vezescorremos o risco de esquecer, e para o que desejochamar a atenção dos leitores, é quanto este Papasofreu na sua vida. Os seus sofrimentos pessoaiseram ligados aos do seu povo e da sua nação, aPolónia. Precocemente órfão de mãe, viveu a tra-gédia da morte do seu querido irmão e depois doseu pai. Quando entrou no seminário clandestinode Cracóvia perdeu todos os membros da sua fa-mília mais próxima. Ele viveu a sua doação totala Deus e à sua Igreja numa época em que muitosdos seus amigos perderam a vida durante a guer-ra. Num dos seus livros biográficos, já Papa, elerevelou que todos os dias se perguntava por queo Senhor o deixou viver, enquanto tantas pessoasmorreram à sua volta. O sofrimento que experi-mentou, confiando-se totalmente ao Senhor, for-jou-o e tornou ainda mais forte a fé cristã na qualtinha sido educado na sua família. Foi um educa-dor extraordinário de muitos jovens que atravésdele, jovem sacerdote, foram introduzidos no ca-minho de uma fé concreta, testemunhada, vividaem cada momento da vida.

São João Paulo II sofreu como Papa, sofreu oterrível atentado de 1981, ofereceu a sua vida, der-ramou o seu sangue pela Igreja e testemunhou-nos que mesmo na difícil provação da doença,partilhada diariamente com Deus feito Homem ecrucificado para a nossa salvação, podemos per-manecer felizes, podemos permanecer nós pró-prios. Podemos regozijar-nos com a certeza doencontro com Jesus ressuscitado. Agora, quinzeanos nos separam da sua morte. Três lustros po-dem ser poucos, mas são muitos para adolescen-tes e jovens que não o conheceram ou que conser-vam apenas algumas vagas recordações dele dequando eram crianças. Por esta razão, no centená-rio do seu nascimento, era justo recordar estegrande santo testemunha da fé que Deus deu àsua Igreja e à humanidade. Ele foi uma grandetestemunha da misericórdia e ao longo do seupontificado chamou-nos a esta característica deDeus. É bom recordá-lo de uma forma simples:com imagens, tão expressivas e capazes de nostransmitir quem foi João Paulo II. E com brevestextos e orações tiradas das suas homilias, dosseus documentos e do seu magistério. Espero queeste texto possa chegar às mãos de muitos e so-bretudo dos jovens: lembremo-nos da sua fé edeixemos que a sua figura seja para nós umexemplo para vivermos hoje o nosso testemunho.Ouçamos o seu apelo a abrir de par em par asportas a Cristo, a não termos medo. Caminhemosalegremente, apesar das dificuldades, pelos cami-nhos do mundo, seguindo os passos dos gigantesque nos precederam, na certeza de que não esta-mos e nunca estaremos sozinhos. Foi isto que SãoJoão Paulo II nos ensinou ao longo da sua vida,cultivando sempre um vínculo especial com anossa mãe do Céu, Maria, Mãe da ternura e dam i s e r i c ó rd i a .

No dia 6 de maio, no respeitopelas normas de higiene e se-gurança em vigor no Estadoda Cidade do Vaticano devidoà Covid-19, teve lugar a depo-sição anual da coroa de floresem recordação dos 147 guardassuíços que morreram durante oSaque de Roma em 1527.

A cerimónia comemorativana praça dos Protomártires ro-manos concluiu-se com a atri-buição das honorificências porparte do assessor da Secretariade Estado, monsenhor LuigiRoberto Cona, na presença docomandante da Guarda suíçapontifícia, Christoph Graf, edo capelão do Corpo, padreThomas Widmer. Transmitidapelos meios de comunicaçãosocial do Vaticano, está dispo-nível também no sitewww.gaurdiasvizzera.ch. O tra-dicional juramento dos novosrecrutas foi adiado para 4 deo u t u b ro .

No seu discurso o coronelGraf recordou o dia memorá-vel em que os guardas suíços«conseguiram levar o SantoPadre em segurança para oCastelo de Santo Ângelo»,comparando aquela experiên-cia histórica com o serviço de«médicos e enfermeiros que»,

nestes dias de pandemia, «sededicam com abnegação aosdoentes, arriscando e dando aprópria vida».

Precedentemente, monse-nhor Cona presidiu à missa,concelebrada pelo capelão daGuarda suíça, na igreja deSanta Maria no cemitério teu-tónico. Depois da saudação di-rigida pelo padre Widmer, quesalientou «a difícil situação»deste tempo que condiciona

também o serviço da Guarda,o assessor falou sobre a dimen-são do «sacrifício», que per-tence não só à história mastambém à missão e ao espíritodo Corpo dos guardas que,com generosidade e abnega-ção, se ofereceram pela salva-ção do Papa». Por detrás detal gesto, «havia um ideal». Ecom mais razão, salientou,«nós cristãos somos chamadosa renunciar a nós mesmos nãopor um simples ideal», mas«imitando» não um persona-gem «mitológico», mas Deusverdadeiramente encarnado nahistória: Jesus de Nazaré. «Eleé o modelo que devemos se-guir e imitar, porque seguirsignifica acima de tudo imi-tar».

«Faço votos a fim de que —concluiu o prelado — nos anosque o Senhor vos permitir pas-sar neste lugar, possais experi-mentar verdadeiramente Cristoe encontrar uma Igreja quenão é apenas uma instituição adefender e salvaguardar, mastambém uma comunidadecrente que encontrou Cristo vi-vo e verdadeiro, que o ama eque pretende servi-lo atravésda vida de todos os dias».

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número 19, terça-feira 12 de maio de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

Em conversa com o filósofo italiano Roberto Esposito

A primeira imunização é o direito

«Existe uma diferença essencialentre uma política feita em nome da vidae outra que faz da morte de algunsa condição da vida de outros»

LA B O R AT Ó R I O SOBRE O PÓS-PA N D E M I A

LUCA M. PO S S AT I

A pandemia do coronavírus é oprimeiro evento verdadeiramenteglobal, destinado a deixar umamarca profunda no nosso tempo ena nossa forma de pensar sobre arelação entre poder, sociedade e vi-da. «Não existem comunidadeshistóricas desprovidas de formas deimunização» e a primeira imuniza-ção «é o direito, sem o qual osconflitos se tornariam insustentá-veis». Está persuadido disto Ro-berto Esposito, professor de filoso-fia teorética na Scuola NormaleSuperiore de Pisa (Itália). A suareflexão abrange temas jurídicos,teológicos, antropológicos e bioló-gicos, abrindo o caminho a umanova filosofia política. Muitos dosseus textos, incluindo Communitas.Origine e destino della comunità (Ei-naudi, 2004) e Immunitas. P ro t e z i o -ne e negazione della vita (nova edi-ção Einaudi, 2020), redefiniram o

debate filosófico contemporâneo.No seu recente livro Pensiero Isti-tuente (Einaudi, 2020), analisa acrise da política, propondo um no-vo paradigma baseado numa práti-ca realista, aberta e inovadora. Pe-dimos-lhe uma orientação paracompreender que tipo de mundorenascerá da pandemia.

Hoje, muitos apressam-se a fazer“p ro f e c i a s ” apocalípticas. Outros, aocontrário, dizem que nada mudará.Como será o mundo do “depois”?

Certamente um mundo diferen-te. Há quem afirme que esta crise

pandémica não é tão diferente deoutras, antigas e modernas, quehouve ao longo da história, depoissuperadas sem deixar vestígios notecido profundo da sociedade. Nãome parece. Entretanto, as grandespandemias mudaram profunda-mente as sociedades em que surgi-ram. Por exemplo, a peste negrade 1300 concluiu efetivamente aIdade Média, preparando as condi-ções para o advento da era moder-na, favorecendo o nascimento dosEstados modernos necessários paraconter riscos de desagregação so-cial que, de outro modo, seriam in-sustentáveis. Além disso, esta pan-demia é o primeiro acontecimentoverdadeiramente global, ainda maisdo que as guerras mundiais. Ne-nhum país foi nem será poupado,como ao contrário aconteceu du-rante as guerras. Naturalmente, istonão significa que produzirá um nú-mero comparável de mortes. Masquando, em tempo de paz, se viampassar camiões cheios de cadáveres

porque os cemitérios locais eraminsuficientes, ou cavar fossas co-muns a quinhentos quilómetros deNova Iorque? Quando reapareceua prática tipicamente militar datriagem, em que se tinha de esco-lher entre quem manter vivo equem abandonar à morte? Tudo is-to — para não falar da tremendacrise económica e social que nosespera — não poderá deixar de terefeitos profundos e duradouros pa-ra a próxima forma de vida dasnossas sociedades. Pois é a própriaalma da sociedade, ou seja, a rela-ção inter-humana, que é posta emcausa. Sem dúvida, é necessária

uma certa dose de imunização. Ne-nhum organismo individual ou co-letivo poderia sobreviver sem umsistema imunitário. Não existemcomunidades históricas desprovidasde imunização, a primeira dasquais é o direito, sem o qual osconflitos se tornariam insustentá-veis. Mas o equilíbrio entre comu-nidade e imunidade é muito delica-do. Para além de um certo limiarde intensificação, a imunidade, ne-cessária para proteger a vida coleti-va, pode chegar a negá-la. É o queacontece, no plano biológico, comas doenças autoimunes, quando aproteção imunitária se revolta con-tra o próprio organismo que deve-ria defender, levando-o à destrui-ção.

Um dos temas centrais da sua inves-tigação filosófica é a biopolítica. ParaFoucault a biopolítica é, em geral, oconjunto de práticas mediante asquais os poderes agem sobre os corpose sobre a vida biológica. Não julgaque a pandemia — com todas asquestões apresentadas pelas medidasde segurança, e não só — volte a pro-por, sob uma nova luz, o binómio po-der/vida? O vírus pode atingir todos,até os poderosos, e obriga o poder po-lítico a escrever novamente a sua“agenda”.

No mundo da filosofia — quenesta vicissitude não me parece quedá o melhor de si — oscila-se entreduas interpretações extremas e, ameu ver, ambas longe da verdade.A hipernegativa, segundo a qual acrise teria sido provocada, ou con-tudo utilizada pelos governos paraaumentar o seu poder de controlara população. Naturalmente, a preo-cupação com a limitação das liber-dades individuais é mais do quefundada. Tal como a preocupaçãopor uma transferência excessiva dopoder do legislativo para o executi-vo. Existe um limite, para além doqual a decretação de urgência podecriar um ponto de rutura nos siste-mas políticos democráticos. Masquando se fala de “estado de emer-gência” ou de “exceção” — hojecertamente ativada na Itália — nãose deve vinculá-lo a uma escolhadesejada pelos governos, mas aoimediato e imprevisível estado denecessidade, determinado pela ex-plosão da pandemia. Como bemsabem os grandes juristas, a neces-sidade é fonte de direito, pelo me-nos tanto quanto a vontade sobera-na. Naturalmente, num país demo-crático uma situação extraordinária

não pode atropelar as liberdadesindividuais sem as deturpar. E so-bretudo, não pode ser prolongadapor demasiado tempo. Tal como narelação entre comunidade e imuni-dade, é sempre questão de equilí-brio e sentido de limite. A outrainterpretação atual, inteiramenteafirmativa, é que o vírus restabele-ceu a igualdade ou até, como al-guns chegam a dizer, poderá levarao comunismo, dado que porá fimà globalização liberal. Pois bem, éverdade que nestes meses dramáti-cos se restabeleceu um trágicoprincípio de igualdade, no sentidoque qualquer um pode ser atingidopelo vírus e até morrer. Mas oprincípio segundo o qual os ho-mens são iguais porque todos sãoatingíveis pela morte violenta, de-fendido por Hobbes para legitimara criação do Estado do Leviatã,não me parece ser uma oportunida-de a avaliar positivamente. A bio-política à qual se referiu frisa a re-lação antinómica entre a vida e amorte na gestão do poder. Contu-do, existe uma diferença essencialentre uma política feita em nomeda vida e outra que faz da mortede alguns a condição da vida deoutros, como fez o nazismo da ma-neira mais catastrófica.

Nesta fase difícil, um dos aspetos quesobressaiu de modo mais claro foi adivisão da União europeia, com ahabitual oposição entre Estados dosul e do norte. Acha que esta pande-mia marca o início de uma crise pro-funda para a Europa? O nosso senti-do europeu de comunidade foi preju-dicado de forma irreparável?

Esta pandemia não marca o iní-cio de uma crise profunda para aEuropa, mas testemunha que a Eu-ropa política já se encontra numacrise profunda há algum tempo ealiás, de certa forma, ela nuncanasceu. A passagem de soberaniados Estados nacionais para aUnião europeia foi demasiado fra-ca para que pudesse surgir algo se-melhante a uma federação, que ti-vesse parecenças até remotas de Es-tados Unidos da Europa. Para queisto pudesse acontecer, a Europateria de compartilhar elementos de-cisivos, como a língua, valores fun-damentais, símbolos comuns. Nadadisto pode ser inventado. Talvez —mas acho que hoje é demasiadotarde — tivesse sido possível avan-çar nessa direção com algumas re-formas cruciais, como por exemploa eleição direta de um presidente

do Parlamento europeu. Foi istoque propusemos há algum tempocom Ernesto Galli della Loggia.Mas depois de um certo reconheci-mento por parte das autoridadeseuropeias, a proposta caiu no va-zio. O outro elemento-chave danossa análise foi a procura de umapossível identidade europeia preci-samente na relação, tensa mas po-tencialmente vital, entre Europacentro-setentrional e Europa medi-terrânea. Infelizmente, as linhas derutura postas em evidência pelacrise atual, mas já sob outros aspe-tos pela migratória, passam precisa-mente entre estas duas Europas, di-vididas sobretudo pela forma diver-sa de conceber a relação entre polí-tica e economia, assim como pordiferenças de caráter socioculturaligualmente fortes. Dito isto, pare-ce-me que ultimamente começa asurgir uma certa busca, se não deunidade, pelo menos de mediaçãoentre diferentes necessidades e inte-resses. Esperemos que não sejaapenas uma estratégia de comuni-cação, mas revele alguma consciên-cia de que, na sua vulnerabilidade,os países europeus compartilham omesmo destino em relação a outraspotências mundiais.

Os efeitos da pandemia no tecido so-cial, especialmente na Itália, criarãonovas formas de conflito? Prevaleceráa aversão ou a solidariedade?

Creio que ambas. Um conflito —espero somente de tipo político — éinevitável na situação de empobre-cimento em que o país está desti-nado a cair. Penso que a batalha,repito, política, em prol da liberda-de deve ser travada também cominstrumentos até agora evitados.Por exemplo, eu pessoalmente con-cordaria com um imposto, até alto,sobre as grandes propriedades imo-biliárias. Dito isto, creio que estavicissitude trágica pôs em evidên-cia, e até estimulou, formas de soli-dariedade, não apenas entre médi-cos e enfermeiros, mas também nomundo católico, do voluntariado edas organizações não governamen-

tais. Inclusive deste ponto de vista,já não será como antes. Espero queestes mundos encontrem a maneirade manifestar a sua presença noplano social e também político.

A nível geopolítico, considera que to-dos nos tornaremos mais “chineses” nosentido que, em virtude da sua im-portância económica, o papel da Chi-na será cada vez mais predominante?Será que a China levantará o Oci-dente e o seu capitalismo doentio?

Honestamente, não acho. Semdúvida, a China fez o seu jogo demodo forte, demonstrando tambémuma notável capacidade técnico-or-ganizacional. No final, imaginoque a nível geopolítico prevalece-rão as relações tradicionais com osaliados ocidentais. Embora existamdiferenças consideráveis tambémcom a América, em relação à Euro-pa, sobretudo com o atual governoamericano, parece-me que em últi-ma análise as analogias culturais eideológicas continuam a ser maio-res do que as distâncias.

Que papel pode desempenhar a espiri-tualidade cristã na retomada?

Na minha opinião, um papel im-portante. Mas atenção, a situação éde grande risco para a Igreja. Tam-bém neste caso, a crise que vive-mos não ficará sem efeitos. A Igre-ja pode sair desta situação conside-ravelmente reforçada ou enfraque-cida de modo profundo. A linhade confim entre estas duas possibi-lidades parece-me definida precisa-mente pelo termo “espiritualidade”.Se prevalecerem os interesses parti-dários, que também existem legiti-mamente na Igreja, então será difí-cil reconstruir uma relação intensacom a comunidade de fiéis. Se, aocontrário, predominar uma inter-pretação universalista, católica, nosentido forte e original deste ter-mo, então a Igreja poderá desem-penhar — mas este verbo parece-meinadequado — um papel de primei-ro plano na definição da sociedadevindoura.

O desafio da esperançaentre medo do futuroe saudades do passado

ANDREA MONDA

O que acontecerá depois? Ouseja, após a pandemia, que nal-guns países apresenta nestes diasuma curva ligeiramente decres-cente. Como será o mundo nofinal da emergência de saúde?Muitos fazem estas perguntas,procurando prever o futuro (aténas páginas deste jornal existeum “lab oratório” intitulado“p ós-pandemia”), e as respostasressoam muitas vezes inquieta-doras a todos os níveis, econó-mico, financeiro, político, sociale moral. Tudo parece mais in-certo, mais ameaçador e dramá-tico. A reação, quase automáti-ca, é refugiar-se no passado, namemória do tempo precedente,quando tudo era mais familiar,óbvio (aparentemente), estável efiável. Sente-se o aperto da sau-dade, que impele a querer voltarao mundo do passado como se,fechando os olhos, se pudesseacertar os ponteiros. Divididos,indecisos entre estes dois impul-sos, os homens dos países atin-gidos pela pandemia parecemsobretudo paralisados, balbu-ciantes, confusos perante a novaconsciência da própria fragilida-de e da precariedade do sistemasocioeconómico que considera-vam seguro, vencedor e convin-cente.

Talvez entre o impulso para afrente, para o “dep ois”, e o cor-respondente impulso para o“antes”, que colidindo entre sicorrem o risco de fazer entrarem crise o nosso centro de gra-vidade, há outro aguilhão, outravoz a ouvir. No domingo passa-do, por ocasião da recitação doRegina Caeli, o Papa Franciscorecordou-nos o conflito que temlugar não fora mas dentro de ca-da homem. Nas suas palavrassente-se a matriz inaciana deBergoglio, que partilha plena-mente a afirmação contida emOs Irmãos Karamazov, de Dos-toievski: «O diabo luta comDeus e o campo de batalha é ocoração do homem». Para Fran-cisco, o próprio homem é o tea-tro de uma batalha em que seconfrontam duas vozes, a do es-

pírito maligno que contrasta detodas as formas com a de Deus.Entre estas duas vozes está o de-safio do homem chamado a fa-zer discernimento, a captar asdiferenças substanciais entre asduas “línguas” diferentes. Emparticular, o Santo Padre recor-dou que «a voz do inimigo nosdistrai do presente e quer quenos concentremos nos receios dofuturo ou nas tristezas do passa-do, o inimigo não quer o pre-sente [...] Mas a voz de Deusfala no presente: “Agora podesfazer o bem, agora podes exer-cer a criatividade do amor, ago-ra podes renunciar aos arrepen-dimentos e remorsos que man-têm o teu coração prisioneiro”.Anima-nos, faz-nos ir em frente,mas fala no presente: agora».Palavras simples, claras, elo-quentes, que impelem à ação, aestar “presentes no presente”,afastando o medo do amanhã ea tentação de nos fecharmos nopassado. Palavras que são váli-das para cada indivíduo, mastambém para pessoas ligadas emcomunidades, unidas em insti-tuições. São válidas também pa-ra uma família, um bairro, umacidade, uma nação. Pensemos naEuropa, que deve superar a pa-ralisia, as divisões do passado edirigir os seus esforços para odesafio do presente, adquirindoa consciência de que pode real-mente fazer o bem, fazê-lo ago-ra. Aqui sobressai a virtude daesperança, a essência de todo ocompromisso político. A respon-sabilidade é alta para o cristão,mas há uma consolação no sen-tido literal, pois o cristão nuncaestá sozinho, tem a força da Pa-lavra que ouve na sua consciên-cia; com efeito, no caos do tem-po em que vive, o cristão conse-gue ouvir a voz de Deus, umavoz «que tem um horizonte, en-quanto que, a voz do malignoleva-te a um muro, põe-te de la-do [...] que nunca promete ale-gria a um preço baixo: convida-nos a ir além do nosso ego paraencontrar o verdadeiro bem, apaz [...] encoraja-nos sempre,consola-nos: alimenta-nos sem-pre de esperança».

Fossas comuns no Estado de Manaus, Brasil (Reuters)

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 12 de maio de 2020, número 19

Reflexões sobre a missão evangelizadora na Amazónia

Interculturalidade ou inculturação?MARCELO FIGUEROA

Nas reflexões sobre a missão evange-lizadora integral dos povos indíge-nas, especialmente à luz do sínodosobre os povos amazónicos, é inte-ressante procurar esclarecer algunstermos. No seu Instrumentum laboris,especialmente no capítulo II da parteIII, intitulado: “Desafios da incultu-ração e da interculturalidade”, sãoexaminados e desenvolvidos os con-ceitos de “i n t e rc u l t u r a l i d a d e ” e de“inculturação”. Diz o seguinte: «Ainculturação da fé não é um proces-so de cima para baixo ou uma impo-sição externa, mas um enriquecimen-to mútuo das culturas em diálogo(interculturalidade)». O sujeito ativoda inculturação são os próprios po-vos indígenas. Como disse o PapaFrancisco, «a graça pressupõe a cul-tura» (Evangelii gaudium, 115).

A aparente tensão teológica e mis-sionária destes dois termos, que, co-mo bem sublinha o documento pré-sinodal, «não estão em contraposi-ção, mas complementam-se», mereceser abordada de diferentes perspeti-vas. Uma delas, particularmente esti-mulante, é apresentada num docu-mento do teólogo Alfredo Ferro Me-dina e retomada por “L’O sservatoreRomano”. Tirei dele, as seguintespassagens, na minha opinião cen-trais, na esperança de que provo-quem uma reflexão, a verdadeira in-tenção deste famoso jesuíta incultu-rado na Amazónia colombiana.

Propor a interculturalidade comoum desafio fundamental é dar umpasso corajoso em direção à incultu-ração, ou melhor, e é isso que gosta-ríamos que acontecesse de uma vezpor todas, é aceitar o desafio da in-terculturalidade como um paradig-ma. A proposta, em termos concre-tos, consiste em estabelecer seria-mente um diálogo intercultural e re-ligioso, baseado no reconhecimentoda riqueza do outro e num profundorespeito pela diversidade, em buscade realidades novas e insuspeitadas,num horizonte que nos convida apercorrer novos caminhos, descentra-lizando a nossa ação e saindo de nósmesmos, o que necessariamente anu-lará os pontos de referência estabele-cidos. Naturalmente, quando encon-tramos a coragem de nos questionar-mos sobre aquilo a que chamámos ainculturação do Evangelho — algoque outros já fizeram de uma formamais erudita (Juan José Tamayo,Nuevo paradigma teológico, Madrid2004; Horizonte intercultural: Incultu-ración e interculturalidad, página 31 eseguintes; Raúl Fornet-Betancourt,De la inculturación a la interculturali-dad, articulo y transformación intercul-tural de la filosofía, Bilbao 2001; Rai-mon Panikkar, La mística del dialogo,in Jahrbuch für kontextuelle Theologien1 (1993), 19-37 — fazemo-lo partindodo lugar ou do contexto em que nosencontramos, porque em geral — eespecialmente partindo da Igrejainstitucional mais tradicional — su-pomos que houve progressos signifi-cativos, que talvez nos tenham satis-feito, porque, no momento da verda-de, imaginamos que, ao falar da in-culturação do Evangelho — encar-nando a mensagem evangélica nas

culturas — já resolvemos o problemaque nos afligia. Na realidade, o quequeríamos fazer era enfrentar reali-dades culturais e religiosas diferen-tes, através de caminhos ou métodosde evangelização, alguns até inova-dores, mesmo que, para ser hones-tos, não compreendêssemos como fa-zê-lo concretamente.

Infelizmente, a meu parecer, a in-culturação mantém e preserva em si,em geral, traços de um projeto neo-colonialista dogmático e por isso in-tervencionista, com uma aberturacontrolada e com reservas, com pre-tensões de um cristianismo universal,onde as culturas e as religiões sãoobjeto de transformação e instru-mentalização, em vez de uma relaçãode igualdade e equidade. Contudo,mesmo que não o digamos ou não

tenhamos plena consciência disso,consideramo-nos superiores, poisexiste um desejo ingénuo de trans-culturação do Evangelho que preten-de mudar as culturas — mas que nãoconsidera a possibilidade, por exem-plo, de mudar a nossa — e que, con-sequentemente, as relativiza. Na prá-tica, não existe reciprocidade nemrespeito radical pela diversidade.

Se quisermos colocar-nos numaperspetiva diferente, em vez de umaproposta de inculturação, como dis-semos anteriormente, aquilo em quenos devemos realmente concentrar énuma interculturalidade corajosa edesafiadora, onde o desejo de con-verter ou catequizar o outro a partirdos nossos próprios esquemas nãodeve prevalecer, mas um diálogoaberto e respeitoso, com paciência

infinita, sem dogmatismo, sem me-dos nem preconceitos, despindo-nossem nos anularmos, deixando-nossurpreender, reconhecendo o outro eos outros para descobrir a imensa ri-queza da diversidade cultural e reli-giosa. Não se trata aqui de não pro-por ou antes de não partilhar ou ex-por a nossa experiência de fé e deDeus, mas de uma atitude de escutaprofunda da experiência do outro,atravessada pela sua história, tradi-ção, cultura e contexto.

Em tudo o que dissemos até ago-ra, a questão fundamental para en-trar na interculturalidade que propo-mos é: qual a essência do cristianis-mo? Só a partir daqui podemos en-trar num diálogo intercultural e reli-gioso, e creio que, para isso, deve-mos necessariamente regressar àsfontes e concentrar-nos em Jesus deNazaré, na sua vida e na sua mensa-gem, que para nós se torna transcen-dente no Cristo da fé. É entrar numestilo e numa lógica própria, quenos deve abrir a imensas possibilida-des em vez de nos fechar em discur-sos, estruturas, esquemas, ritos e for-mas de ser e de viver fabricados.Santo Inácio de Loyola, nos seusExercícios Espirituais, diz que a En-carnação tem um propósito em simesmo, e isto é redenção, que come-ça com inclinar-se para ver as pes-soas em tal diversidade, ouvir o quedizem e observar o que fazem (San-to Inácio de Loyola, n. 103).

Apelo dos bispos do Brasil

Mais atenção aos indígenas

Os bispos brasileiros lançaram recentemente um apelopara que as autoridades prestem mais atenção à popu-lação da Amazónia, neste momento particular de emer-gência de saúde mundial. Perante o avanço descontro-lado da Covid-19, os prelados da Amazónia brasileira,numa mensagem, manifestaram a sua preocupação epediram mais atenção dos governos federal e estadualpara esta doença cada vez mais disseminada.

Os povos indígenas, diz o texto, «exigem uma aten-ção especial das autoridades para que a sua vida nãoseja ulteriormente violada». A taxa de mortalidade éuma das mais elevadas do país e a sociedade já está aassistir ao colapso dos sistemas de saúde em grandescidades como Manaus e Belém. Segundo os prelados,as estatísticas fornecidas pelos meios de comunicaçãosocial não correspondem à realidade. «O teste não ésuficiente para conhecer a verdadeira expansão do ví-rus. Muitas pessoas com sintomas evidentes da doençamorrem em casa sem assistência médica nem acesso aum hospital».

Os prelados apontam, portanto, para a responsabili-dade das autoridades públicas na assistência às cama-das mais vulneráveis da população: povos indígenas,quilombolas e outras comunidades tradicionais que vi-vem na floresta, que se encontram em alto risco. «Osdados são alarmantes», sublinham, e recordam que «aregião tem a percentagem mais baixa de hospitais dopaís». Para além dos habitantes da floresta, os que vi-vem nas periferias urbanas estão também expostos àpandemia e as suas condições de vida são ainda maisdegradadas pela falta de saneamento básico, de habita-ção digna, de alimentação e de emprego. «São migran-tes, refugiados, indígenas urbanos, trabalhadores indus-triais e domésticos, pessoas que vivem do trabalho in-formal e pedem a proteção da saúde. É obrigação doEstado — escrevem — garantir os direitos consagradosna Constituição Federal, oferecendo condições mínimaspara que possam superar esta grave situação».

O documento denuncia também que a exploraçãomineira e a desflorestação aumentaram de forma alar-mante nos últimos anos, facilitada por políticas muitobrandas. Os prelados brasileiros alertam: «Com aAmazónia cada vez mais devastada, as sucessivas pan-demias ainda estão por vir, piores do que a que esta-mos a viver». Outro motivo de preocupação é o au-mento da violência nas zonas rurais, mais 23% do queem 2018. Em 2019, segundo dados da secção “Conflitosno Campo Brasil 2019” da Comissão Pastoral da Terra(Cpt Nacional), 84% dos assassinatos (27 em 32) e 73%das tentativas de assassinato (22 em 30) ocorreram naAmazónia.

Por fim, os bispos exortam a Igreja e toda a socieda-de a exigirem medidas urgentes sobre vários assuntos,incluindo reforçar as políticas públicas, em especial oSistema Único de Saúde; adotar medidas restritivas àentrada de pessoas em todos os territórios indígenas,devido ao risco de transmissão de coronavírus; realizartestes à população indígena para tomar as medidas deisolamento necessárias; fornecer equipamento de prote-ção pessoal adequado; proteger os trabalhadores dasaúde ativos nessa área; garantir a segurança alimentardos povos indígenas e tradicionais da Amazónia; refor-çar as medidas de inspeção contra a desflorestação e aextração; assegurar a participação da sociedade civil,dos movimentos sociais e dos representantes dos povostradicionais nas deliberações políticas. Segundo o arce-bispo emérito de São Paulo e Presidente da Rede Ecle-sial Pan-Amazónica (Repam), cardeal Cláudio Hum-mes, a região pan-amazónica não está preparada paraenfrentar a pandemia do coronavírus porque «semprefoi largamente negligenciada pelos governos, com fre-quência abandonada e até constantemente destruída ereprimida na luta para proteger a própria vida e osseus direitos».

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número 19, terça-feira 12 de maio de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

Estar mais próximos dos idosos e das crianças

Outro lado da moeda: a vidaLUÍS EUGÊNIO SANÁBIO E SOUZA

«No dia dos bens não te esqueçasdos males e no dia dos males não teesqueças dos bens» (Ecle 11, 27). Es-ta passagem bíblica nos convida areconhecer o valor da vida diantedas provações e das adversidades.Por causa da ameaça invisível deuma enfermidade, vivemos momen-tos incertos e difíceis, mas a fé nosdá a certeza de que Deus não permi-tiria o mal se do próprio mal não ti-rasse o bem, por caminhos que sóconheceremos plenamente na vidaeterna. Contudo, «a eternidade jáalegra o tempo» (dizia um antigoteólogo) e assim a fé nos faz degus-tar como por antecipação a felicida-de plena e eterna para a qual fomoscriados. Portanto, nos momentos di-fíceis devemos lembrar de tudo oque há de bom e de verdadeiro nestemundo criado por Deus em estadode caminhada.

Agora que estamos mais caseiros,surgem novas e interessantes oportu-nidades para ampliarmos o diálogocom os mais frágeis. Podemos agoraestar mais próximos dos idosos queoferecem sabedoria e serenidade, dascrianças que oferecem alegria e ino-cência. Podemos também contem-plar por mais tempo uma flor quedesabrocha, um pássaro que canta,uma bela joaninha e tantas outras

maravilhas que a mãe natureza nosoferece. A vida mede-se pelo amor:amor a Deus, amor ao próximo.Neste momento, o comodismo podeaparecer como uma tentação que nosarrasta para a inércia. Mas isolamen-to social não é sinônimo de imobili-dade e, portanto, precisamos buscarcriatividade para agirmos em favordos mais carentes através de apoioespiritual, psicológico e material.Afinal, quem não vive para servir,não serve para viver.

Obedecer às diretrizes médicas eseguir as conclusões científicas é si-nal de civilidade e de responsabili-dade diante do bem comum. Mas omedo não é salutar. Percebo quemuitas pessoas permanecem escravasdos dramas, das notícias catastrófi-cas, às vezes sensacionalistas, das in-trigas políticas em torno do proble-ma do vírus e de outros desequilí-brios. Creio que podemos tomar co-nhecimento das notícias boas oumás com a devida serenidade e como cuidado para não cairmos na hipo-condria que é um medo mórbido dedo ença.

Vejamos também as notícias posi-tivas, tantas vezes escondidas. Exem-plos: neste momento em que escre-vo, a importante universidade ameri-cana Johns Hopkins afirma que nomundo 692 mil pessoas se recupera-ram do coronavírus. Este número é

cerca de quatro vezes maior que onúmero atual de mortes. Na atingidaItália, todos os dias nascem mais demil crianças, segundo estimativa fei-ta há dois anos. São informações in-teressantes porque revelam que ape-sar das ameaças concretas deste ví-rus, a vida continua brilhando comoinestimável dom de Deus.

O que dizer então para tantaspessoas que perderam amigos e fa-miliares por causa desta pandemia?A resposta é que não somos proprie-tários, mas apenas administradoresda vida que Deus nos oferece dentrode um espaço de tempo que Elemesmo determina contando comnossa colaboração. “Ninguém podeescolher arbitrariamente viver oumorrer; efetivamente, senhor absolu-to de tal decisão é apenas o Criador,aquele em quem vivemos, nos move-

mos e existimos (At 17, 28)» (PapaSão João Paulo II).

«Eu não morro, entro na vida»!Estas são palavras de Santa Teresi-nha de Lisieux que permanecemoportunas para lembrarmos da per-petuidade de pessoas boas que edifi-caram nossas vidas e cujo destinoeterno é assegurado por Jesus ao di-zer que os justos alcançarão a vidaeterna (Mt 25, 46; Jo 11, 25).

Por fim, lembremo-nos que é fon-te de felicidade e paz ter confiançaem Deus, em todas as circunstân-cias, mesmo na adversidade. Umaoração de Santa Teresa de Ávila ex-prime admiravelmente tal atitude:

«Nada te perturbe / Nada te es-pante / Tudo passa / Deus não muda/ A paciência tudo alcança / Quem aDeus tem nada lhe falta / Só Deusbasta».

Resposta positiva dos brasileiros à campanha de solidariedade lançada pelo episcopado a favor dos pobres

É tempo de cuidar

“É tempo de cuidar”, a campanhade sensibilização lançada pela Con-ferência Episcopal em concomitânciacom o tempo pascal, mostra que “aforça motriz para reduzir os impac-tos da crise pandémica está, de fac-to, a transformar a solidariedade”.Escreveram os prelados num comu-nicado publicado no site do episco-pado. Logo depois das duas primei-ras semanas, de facto, as doações emtodo o Brasil, como parte da campa-nha de solidariedade, amontaram acerca de 49.000 quilos de produtosalimentícios; mais de 22.700 kits dehigiene; mais de 20.500 artigos devestuário e calçado; e mais de 7.500unidades, entre equipamento de pro-teção individual e utensílios, tais co-mo mobiliário e equipamentos devários tipos. Os materiais recolhidossão distribuídos para aliviar a preca-riedade socioeconómica da popula-ção mais exposta à pandemia. Ape-sar desta grande sensibilização, po-rém, muitas famílias brasileiras con-tinuam sem assistência. Por este mo-tivo, a segunda fase da mobilizaçãovisa reforçar ainda mais as numero-sas iniciativas de solidariedade emtodo o país face à pandemia de Co-vid-19.

A grande mobilização tem vistomilhares de pessoas doarem alimen-tos não perecíveis e material de hi-giene através das comunidades ecle-siais de todas as regiões do Brasil.

Para além de incentivar a ajudamaterial às pessoas, a ação de solida-

riedade de emergência visa continuara promover a assistência nos âmbitosreligioso, humano e emocional.

Segundo Fernando Zamban, con-selheiro Nacional da Cáritas do Bra-sil, o que os brasileiros estão fazen-do nestes dias difíceis marcados pelocoronavírus são «gestos muito posi-tivos, pois reconhecem a gravidadeda situação e decidem espontanea-mente colaborar. Os números mos-tram que ainda não estamos no fimda pandemia e, por conseguinte, asconsequências sociais vão continuarnos próximos meses, pelo que a nos-sa solidariedade é cada vez mais ne-cessária e urgente».

No lançamento da campanha, opresidente da Conferência Episco-pal, D. Walmor Oliveira de Azeve-do, arcebispo de Belo Horizonte, sa-

lientou que a solidariedade represen-ta «o selo de autenticidade da vidados verdadeiros cristãos, o indispen-sável compromisso cidadão, a tarefaprimeira dos governantes, a conver-são dos ricos, a nova compreensãopara inaugurar o tempo novo, o úni-co novo caminho para a paz e oequilíbrio de que o planeta necessitau rg e n t e m e n t e » .

Toda a renda arrecadada até agoraé distribuída às comunidades maispobres que tiveram seus rendimentosextremamente baixos, portanto, acampanha cobre várias situações deextrema precariedade, como pessoasque vivem nas ruas, migrantes e re-fugiados, aqueles que vivem em mo-radias precárias em áreas rurais e ur-banas, bem como os desempregadose trabalhadores informais que perde-

ram suas fontes de renda: uma situa-ção que atravessa todas as regiões doBrasil. Na primeira fase da campa-nha, o principal público atingido foio das mulheres, dos idosos e da po-pulação em condições de vulnerabi-lidade social em geral: cerca de 55%dos donativos foram destinados atrabalhadores informais, 75% dosquais foram atribuídos a mulheresque não estão em condições de tra-b a l h a r.

A Cáritas do Brasil está também atrabalhar para orientar as arquidio-ceses, dioceses, paróquias e comuni-dades sobre os protocolos de segu-rança, de modo a que as doações se-jam recebidas e entregues de formaadequada neste momento de riscode contágio por coronavírus. Destaforma, apesar do perigo iminente, asorientações permitem que a solida-riedade seja exercida de forma cons-ciente e segura, mantendo uma aten-ção coletiva tanto com a equipa quetrabalha no terreno como com osd o a d o re s .

«Vivemos um momento muito di-fícil no nosso país e no mundo — sa-lientou Carlos Humberto Campos,diretor da Cáritas do Brasil — ummomento de sofrimento. A nossa or-ganização tem como objetivo melho-rar e salvar vidas. É com este senti-mento que participamos na campa-nha de emergência “É tempo de cui-dar”.

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 12 de maio de 2020, número 19

Cristãos e muçulmanos juntospara proteger os lugares de culto

Mensagem para o Ramadão

Como todos os anos, o pontifício Conse-lho para o diálogo inter-religioso enviouà comunidade islâmica uma mensagemde bons votos por ocasião do mês doRamadão e de ’Id al-Fitr, a festa queo encerra. A mensagem deste ano, pre-parada antes da pandemia da Covid-19, reflete sobre o tema do respeito e datutela dos lugares de culto. Portanto,como presidente do pontifício Conselhopara o diálogo inter-religioso, gostariade acrescentar os votos de que, unidosem espírito de fraternidade, cristãos emuçulmanos se mostrem solidários paracom a humanidade, tão duramente pro-vada, e dirijam as suas orações aoDeus Todo-Poderoso e Misericordioso,a fim de que estenda a sua proteçãosobre todos os seres humanos, para quepossam ser superados estes tempos tãodifíceis.

Amados irmãos e irmãs muçulma-nos!O mês do Ramadão é deveras cen-tral para a vossa religião e, por con-seguinte, muito importante para vósa nível pessoal, familiar e social. Éum tempo de cura espiritual, decrescimento e de partilha com os po-bres e de fortalecimento dos laçoscom familiares e amigos.

Para nós, vossos amigos cristãos, éum tempo propício para consolidaras nossas relações convosco, atravésde saudações, encontros e, na medi-da do possível, participando no i f t a r.Portanto, o Ramadão e ’Id al-Fitrsão ocasiões especiais para o cresci-mento da fraternidade entre cristãose muçulmanos. É neste espírito queo pontifício Conselho para o diálogointer-religioso apresenta a todos vósos seus melhores votos orantes e cor-diais felicitações.

Seguindo uma tradição que nos équerida, este ano desejamos partilharconvosco algumas reflexões sobre atutela dos lugares de culto.

Sabemos que os lugares de cultosão de grande importância no cris-tianismo e no islamismo, assim co-mo noutras religiões. Tanto para oscristãos como para os muçulmanos,igrejas e mesquitas são espaços reser-vados à oração pessoal e comunitá-ria, edificados e decorados de manei-ra a encorajar o silêncio, a reflexão ea meditação. São espaços onde sepode alcançar as profundezas da al-ma, facilitando desta forma, median-te o silêncio, a experiência de Deus.Por conseguinte, um lugar de cultode qualquer religião é «casa de ora-ção» (Is 56, 7).

Os lugares de culto são tambémespaços de hospitalidade espiritual,onde os seguidores de outras reli-

giões se reúnem inclusive para cele-brações especiais, como casamentos,funerais, festas comunitárias, etc.Participando nestes eventos em si-lêncio e com o devido respeito pelaobservância religiosa dos seguidoresdaquela religião em particular, expe-rimentam a hospitalidade que lhes éreservada. Esta prática é um teste-munho especial do que une os fiéis,sem diminuir nem negar aquilo queos distingue.

Nesta ótica, vale a pena recordaro que o Papa Francisco disse quan-do visitou a mesquita Heydar Aliyev,em Baku (Azerbaijão), no domingo,2 de outubro de 2016: «É um grandesinal de amizade fraterna o nossoencontro neste lugar de oração; umsinal que manifesta a harmonia que,juntas, as religiões podem construira partir das relações pessoais e daboa vontade dos responsáveis».

No contexto dos recentes ataquescontra igrejas, mesquitas e sinago-gas, perpetrados por pessoas malva-das que parecem ver nos lugares deculto o alvo preferido da sua violên-cia cega e insensata, é digno de notao que se menciona no Documentosobre “A fraternidade humana paraa paz mundial e a convivência co-mum”, assinado pelo Papa Franciscoe pelo Grão-Imã de Al-Azhar, Dr.Ahmad Al-Tayyeb, em Abu Dhabi,no dia 4 de fevereiro de 2019: «Aproteção dos lugares de culto — tem-plos, igrejas e mesquitas — é um de-ver garantido pelas religiões, pelosvalores humanos, pelas leis e pelasconvenções internacionais. Qualquertentativa de atacar os lugares de cul-to ou de os ameaçar através de aten-tados, explosões ou demolições é umdesvio dos ensinamentos das reli-giões, bem como uma clara violaçãodo direito internacional».

Apreciando os esforços realizadospela comunidade internacional a vá-rios níveis, em vista da tutela dos lu-gares de culto no mundo inteiro, fa-zemos votos a fim de que a estimamútua, o respeito recíproco e a coo-peração possam revigorar os nossoslaços de amizade sincera, permitindoque as nossas comunidades salva-guardem os lugares de culto para as-segurar às gerações vindouras a li-berdade fundamental de professar ospróprios credos.

Com renovada estima e saudaçõesfraternais, em nome do pontifícioConselho para o diálogo inter-reli-gioso, transmitimos os nossos amisto-sos votos de um frutuoso mês de Ra-madão e de um jubiloso ’Id al-Fitr.

Vaticano, 17 de abril de 2020.Miguel Ángel

Cardeal Ayuso Guixot, MCCJP re s i d e n t e

Rev.mo Mons. IndunilKodithuwakku Janakaratne

Ka n k a n a m a l a g eS e c re t á r i o

Visita do Papa à mesquita“Heydar Aliyev” de Baku, no Azerbaijão

(2 de outubro de 2016)

Proposto para 14 de maio pelo Alto Comité para a Fraternidade Humana

Um dia de oração, jejum e obras de misericórdia

Um dia de oração, jejum e obras demisericórdia a celebrar na quinta-feira, 14 de maio, por todos os ho-mens e mulheres “que acreditam emDeus Criador”: esta é a propostalançada pelo Alto Comité para aFraternidade Humana a todos os lí-deres religiosos e pessoas do mun-do inteiro a fim de invocar “a umasó voz” o Senhor, para que Elepossa preservar a humanidade, aju-dá-la a superar a pandemia da Co-vid-19, restaurar a segurança, a esta-bilidade, a saúde e a prosperidade,tornando as relações mais frater-nais.

Criado para alcançar os objetivosdo Documento sobre a Fraternida-de Humana para a Paz Mundial e a

Coexistência Comum — assinadopelo Papa Francisco e pelo Grão-Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, em Abu Dhabi, a 4 de fe-vereiro de 2019 — o Comité é com-posto por representantes das trêsgrandes religiões monoteístas (cris-tãos, muçulmanos e judeus) e in-cluiu também uma mulher, a búlga-ra Irina Bokova, ex-Diretora-Geralda Organização das Nações Unidaspara a Educação, Ciência e Cultura(Unesco). «O nosso mundo — ex-plica uma declaração divulgada pe-la comissão no sábado, 2 de maio —enfrenta hoje um grave perigo queameaça a vida de milhões de pes-soas em todo o planeta, nomeada-mente a rápida propagação do co-

ronavírus. Embora confirmemos aimportância do papel dos médicose da investigação científica no com-bate a esta epidemia, não esqueça-mos de recorrer a Deus, o Criador,nesta grave crise». Por isso, foi fei-to o convite a «todas as pessoas, nomundo inteiro, a voltarem-se paraDeus, orando, suplicando, jejuandoe fazendo obras de misericórdia, ca-da uma segundo a sua religião, féou doutrina», para a eliminação dapandemia; que Ele «nos salve destaaflição, ajude os cientistas a encon-trar um remédio que a vença» e «li-berte o mundo das consequênciasde saúde, económicas e humanitá-rias devidas à propagação destegrave contágio».

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número 19, terça-feira 12 de maio de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

INFORMAÇÕES

AudiênciasO Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 2 de maioOs Senhores Cardeais Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBispos; e Gualtiero Bassetti, Arcebis-po de Perugia — Città della Pieve(Itália), Presidente da ConferênciaEpiscopal Italiana; D. AmbrogioSpreafico, Bispo de Frosinone-Vero-li-Ferentino (Itália); e o Senhor Car-deal Giovanni Angelo Becciu, Dele-gado Especial junto da SoberanaOrdem Militar de Malta.

No dia 5 de maioO Senhor Cardeal Angelo Becciu,Prefeito da Congregação para asCausas dos Santos.

RenúnciasO Sumo Pontífice aceitou a renúncia:

A 4 de maio— De D. Robert Daniel Conlon, aogoverno pastoral da Diocese de Jo-liet em Illinois (E UA ).— De D. Cyprian Monis, ao governopastoral da Diocese de Asansol (Ín-dia).— De D. Salvadore Lobo, ao gover-no pastoral da Diocese de Baruipur(Índia).

A 6 de maioDe D. Antônio Wagner da Silva,S.C.I., ao governo pastoral da Dioce-se de Guarapuava (Brasil).

A 7 de maioDe D. Joseph R. Binzer, Bispo Titu-lar de Subbar, ao cargo de Auxiliarda Arquidiocese de Cincinnati(E UA ).

NomeaçõesO Santo Padre nomeou:

No dia 1 de maio— Vice-Camerlengo da Santa IgrejaRomana D. Ilson de Jesus Montana-ri, Arcebispo Titular de Caput Cilla,atualmente Secretário da Congrega-ção para os Bispos.

— Núncio Apostólico no Iraque, oR e v. mo Mons. Mitja Leskovar, atéagora Conselheiro de Nunciatura, si-multaneamente eleito Arcebispo Ti-tular de Beneventum.

D. Mitja Leskovar nasceu emKranj, na Eslovénia, no dia 3 de ja-neiro de 1970, e foi ordenado Sacerdoteem 29 de junho de 1995.

No dia 3 de maioNúncio Apostólico no Gana, oR e v. mo Mons. Henryk MieczysławJago dziński, até hoje Conselheiro deNunciatura, simultaneamente eleitoArcebispo Titular de Limosano.

D. Henryk Mieczysław Jagodzińskinasceu em Małogoszcz, na Polónia, a 1de janeiro de 1969, e recebeu a Orde-nação presbiteral em 3 de junho de1995.

No dia 4 de maio— Bispo de Baruipur (Índia), D.Shyamal Bose, até à presente dataCoadjutor da mesma Diocese.— Bispo de Oudtshoorn (África doSul), o Rev.do Pe. Noel Andrew Ru-castle, do clero de Cape Town, atéagora Pároco de “Our Lady of Fati-ma Parish” em Bellville e Vigário ju-dicial.

D. Noel Andrew Rucastle nasceu nodia 22 de abril de 1968 em Kimberley,na África do Sul, e foi ordenado Pres-bítero a 14 de julho de 2000.

— Secretário da Pontifícia AcademiaMariana Internacional, o Rev.do Pe .Gilberto Cavazos González, O.F.M.— Chefe de Departamento no Ponti-fício Conselho para a Cultura, oR e v. mo Mons. Lech Piechota, até es-ta data Assistente no mesmo Pontifí-cio Conselho.

No dia 5 de maioAuxiliar da Arquidiocese de Bouaké(Costa do Marfim), o Rev.do Pe. Jac-ques Assanvo Ahiwa, do clero deGrand Bassam, até agora “Maître dec o n f é re n c e s ” na Universidade de Es-trasburgo, simultaneamente eleitoBispo Titular de Elephantaria inM a u re t a n i a .

D. Jacques Assanvo Ahiwa nasceuem 6 de janeiro de 1969 em Kuindja-bo, na Costa do Marfim, e recebeu aOrdenação sacerdotal a 13 de dezembrode 1997.

No dia 6 de maio— Bispo de Guarapuava (Brasil), D.Amilton Manoel da Silva, C.P., até àpresente data Bispo Titular de Tusu-ros e Auxiliar da Arquidiocese deCuritiba.— Bispo de Nova Friburgo (Brasil),D. Luiz Antônio Lopes Ricci, atéagora Bispo Titular de Tyndaris eAuxiliar da Arquidiocese de Niterói.— Bispo de Pembroke (Canadá), D.Guy Desrochers, C.S S.R., até hojeBispo Titular de Melzi e Auxiliar daDiocese de Alexandria-Cornwall.

— Arcebispo da nova CircunscriçãoEclesiástica de Ottawa-Cornwall(Canadá), D. Terrence Prendergast,S.J., até esta data Arcebispo de Ot-tawa.— Arcebispo Coadjutor da Arquidio-cese de Ottawa-Cornwall (Canadá),D. Marcel Damphousse, até agoraBispo de Sault Sainte Marie.

Disposições especiaisSua Santidade:

A 1 de maioPromoveu à Ordem dos Bispos oSenhor Cardeal Beniamino Stella,Prefeito da Congregação para o Cle-ro, atribuindo-lhe simultaneamente oTítulo da Igreja Suburbicária dePorto-Santa Rufina.

A 3 de maioPresidiu, no Palácio Apostólico doVaticano, a uma reunião dos Chefesde Dicastério da Cúria Romana.

A 6 de maioDispôs a fusão da Arquidiocese deOttawa e da Diocese de Alexandria-Cornwall (Canadá) na nova Circuns-crição Eclesiástica de Ottawa-Cornwall.

Prelados falecidosAdormeceram no Senhor:

No dia 29 de abrilD. Philippe Jean Louis Breton, Bis-po Emérito de Aire et Dax, na Fran-ça.

O saudoso Prelado nasceu no dia 11de novembro de 1936, em Rouen(França). Foi ordenado Sacerdote em22 de dezembro de 1966 e recebeu aOrdenação episcopal a 29 de setembrode 2002.

No dia 1 de maioD. Mathew Anikuzhikattil, BispoEmérito de Idukki dos sírio-malaba-res, na Índia.

O ilustre Prelado nasceu a 23 de se-tembro de 1942, em Kadlaplamattam(Índia). Recebeu a Ordenação presbite-ral a 15 de março de 1971 e foi orde-nado Bispo no dia 2 de março de2003.

Rescriptumex audientia Sanctissimi

O Sumo Pontífice FranciscoNa Audiência concedida ao abaixo assinado Substituto para osAssuntos Gerais, no dia 14 de abril de 2020, decidiu cooptar naOrdem dos Bispos, equiparando-a totalmente aos Cardeais que re-ceberam o Título de uma Igreja Suburbicária, em derrogação aoscânones 350 §§ 1-2 e 352 §§ 2-3 CIC, o Senhor Cardeal Luis Anto-nio G. Tagle, do Título de São Félix de Cantalice em “Cento cel-le”, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos.

O presente Rescrito será promulgado através da publicação em“L’Osservatore Romano”, entrando em vigor no dia 1 de maio de2020, e sucessivamente publicado nas Acta Apostolicae Sedis.

Vaticano, 1 de maio de 2020.

D. ED GAR PEÑA PARRASubstituto

Congregação para as causas dos santos

Promulgação de decretos

A 5 de maio de 2020, o Santo Padre Francisco recebeu em audiênciao Senhor Cardeal Angelo Becciu, Prefeito da Congregação para asCausas dos Santos. Durante a Audiência, o Sumo Pontífice autori-zou a mesma Congregação a promulgar os Decretos relativos:

— às virtudes heroicas do Servo de Deus Francesco Caruso, Sacer-dote da Arquidiocese de Catanzaro-Squillace; nascido em Gasperina(Itália) a 7 de dezembro de 1879 e aí falecido a 18 de outubro de 1951;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus Carmelo De Palma, Sa-cerdote da Arquidiocese de Bari-Bitonto; nascido em Bari (Itália) a27 de janeiro de 1876 e aí falecido a 24 de agosto de 1961;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus Francisco BarrechegurenMontagut, sacerdote professo da Congregação do Santíssimo Reden-tor; nascido em Lérida (Espanha) a 21 de agosto de 1881 e falecidoem Granada (Espanha) a 7 de outubro de 1957;

— às virtudes heroicas da Serva de Deus Maria de la ConcepciónBarrecheguren y García, leiga; nascida em Granada (Espanha) a 27de novembro de 1905 e aí falecida a 13 de maio de 1927;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus Matteo Farina, leigo;nascido em Avellino (Itália) a 19 de setembro de 1990 e falecido emBrindisi (Itália) a 24 de abril de 2009.

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 12 de maio de 2020, número 19

A União europeiaenfrente a pandemia

em espírito de concórdia

O Papa recordou o 70º aniversário da Declaração de Schuman

REGINA CAELI

Setenta anos após a histórica Declaração do então ministro dos negóciosestrangeiros francês, Robert Schuman, que inspirou o processo de integraçãodos povos do velho continente, o Papa fez um novo apelo a quantos têmresponsabilidades na União europeia, exortando-os «a enfrentar com espíritode concórdia e de colaboração as consequências sociais e económicas causadaspela pandemia». As suas palavras ressoaram no final do Regina caeli dedomingo, 10 de maio, recitado ao meio-dia da Biblioteca particular do Palácioapostólico do Vaticano, devido às medidas de distanciamento social em vigorpara contrastar a difusão do contágio. Anteriormente o Pontífice introduziu aantífona mariana com uma reflexão sobre o trecho litúrgico do Evangelho deJoão (14, 1-2) que narra o «discurso de despedida» dirigido por Jesus aosdiscípulos no final da última Ceia.

morte, para um novo lugar, o Céu,a fim de que, onde Ele estiver, es-tejamos nós também. É a certezaque nos consola: há um lugar re-servado para cada um. Também háum lugar para mim. Cada um denós pode dizer: há um lugar paramim. Não vivemos sem meta nemdestino. Somos esperados, somospreciosos. Deus está apaixonadopor nós, nós somos seus filhos. Epara nós preparou o lugar maisdigno e belo: o Paraíso. Não es-queçamos: a morada que nos espe-ra é o Paraíso. Aqui estamos depassagem. Somos feitos para o céu,para a vida eterna, para viver parasempre. Para sempre: é algo queagora nem sequer podemos imagi-nar. Mas é ainda mais belo pensarque tudo isto será para sempre emalegria, em plena comunhão comDeus e com os outros, sem mais lá-grimas, sem rancores, sem divisõesnem perturbação.

Mas como chegar ao Paraíso?Qual é o caminho? Esta é a frasedecisiva de Jesus. Hoje ele diz:«Eu sou o caminho» (v. 6). Parasubir ao Céu o caminho é Jesus: éter uma relação viva com Ele, imi-tá-lo no amor, seguir os seus pas-sos. E eu, cristão, tu, cristão, cadaum de nós cristãos, podemos per-

guntar a nós mesmos: “Que cami-nho sigo?”. Há caminhos que nãolevam ao Céu: os caminhos damundanidade, os caminhos da au-to-afirmação, os caminhos do po-der egoísta. E há o caminho de Je-sus, o caminho do amor humilde,da oração, da mansidão, da con-fiança, do serviço aos outros. Nãoé o caminho do meu protagonismo, éo caminho de Jesus, protagonista daminha vida. É ir em frente todos osdias perguntando-lhe: “Jesus, oque achas desta minha escolha? Oque farias nesta situação, com estasp essoas?”. Far-nos-á bem perguntara Jesus, que é o caminho, as indi-cações para o Céu. Que Nossa Se-nhora, Rainha do Céu, nos ajude aseguir Jesus, que abriu o Paraísopara nós.

No final do Regina caeli, antes de irà janela para conceder a bênção sobrea praça de São Pedro vazia, o Papadirigiu o apelo aos responsáveis daUnião europeia. Em seguida, noquadragésimo aniversário da primeiravisita à África de João Paulo ii,recordou o seu grito de dor pelaspopulações do Sahel, relançando ainiciativa ecológica que tem porfinalidade plantar um milhão deárvores na região. Por fim, dirigiu

palavras de «gratidão a todas asmães» no dia em que é celebrada asua festa em muitos países.

Estimados irmãos e irmãs!O meu pensamento dirige-se hoje àEuropa e à África. À Europa, porocasião do 70º aniversário da De-claração Schuman de 9 de maio de1950. Inspirou o processo de inte-gração europeia, permitindo a re-conciliação dos povos do continen-te, após a Segunda Guerra Mun-dial, e o longo período de estabili-dade e paz de que hoje beneficia-mos. O espírito da DeclaraçãoSchuman não deixe de inspirar to-dos aqueles que têm responsabili-dades na União Europeia, chama-dos a enfrentar as consequênciassociais e económicas da pandemianum espírito de harmonia e coope-ração.

E o olhar dirige-se também àÁfrica, porque a 10 de maio de1980, há quarenta anos, São JoãoPaulo II, durante a sua primeira vi-sita pastoral a esse continente, deuvoz ao grito das populações doSahel, duramente provadas pela se-ca. Felicito hoje os jovens empe-nhados na iniciativa “Laudato Si’Alb eri”. O objetivo é plantar pelomenos um milhão de árvores na re-gião do Sahel que farão parte da“Grande Muralha verde da África”.Espero que muitos sigam o exem-plo de solidariedade destes jovens.

E hoje, em muitos países, cele-bra-se o Dia das Mães. Quero re-cordar todas as mães com gratidãoe afeto, confiando-as à proteção deMaria, nossa Mãe Celestial. O meupensamentos dirige-se também àsmães que passaram para a outra vi-da e nos acompanham do Céu. Fa-çamos um pouco de silêncio paraque cada um recorde a sua mãe.[pausa de silêncio].

Desejo-vos a todos bom domin-go. Por favor, não vos esqueçais derezar por mim. Bom almoço e até àvista.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!No Evangelho de hoje (cf. Jo 14, 1-12), ouvimos o início do chamado«Discurso de despedida» de Jesus.São as palavras que ele dirigiu aosdiscípulos no final da Última Ceia,pouco antes de enfrentar a Paixão.Num momento tão dramático, Je-sus começou por dizer: «Não seturve o vosso coração» (v. 1). Elediz-nos isto também a nós, nosdramas da vida. Mas como fazerpara que o coração não se turve?Porque o coração perturba-se.

O Senhor aponta dois remédiospara a perturbação. O primeiro é:«Crede também em mim» (v. 1).Pareceria um conselho um poucoteórico e abstrato. Em vez disso,Jesus quer dizer-nos algo exato.Ele sabe que, na vida, a pior ansie-dade, a perturbação, vem da sensa-ção de não estar à altura, de sesentir sozinho e sem pontos de re-ferência diante do que acontece.Esta angústia, em que a uma difi-culdade se junta outra, não podeser superada sozinha. Precisamosda ajuda de Jesus, e para isso Jesusnos pede para termos fé n’Ele, ouseja, para não nos apoiarmos emnós mesmos, mas n’Ele. Pois a li-bertação da perturbação passa pelaconfiança. Confiar-nos a Jesus, daro “salto”. E esta é a libertação daperturbação. E Jesus ressuscitou evive precisamente para estar sem-pre ao nosso lado. Então podemosdizer-lhe: “Jesus, eu creio que res-suscitaste e que estás ao meu lado.Penso que me ouves. Apresento-teo que me perturba, os meus pro-blemas: tenho fé em ti e entrego-me a ti”.

Depois há um segundo remédiopara a perturbação, que Jesus ex-pressa com estas palavras: «Na ca-sa do meu Pai há muitas moradas.[...] Vou preparar-vos um lugar»(v. 2). Foi isto que Jesus fez pornós: reservou-nos um lugar noCéu. Ele tomou sobre Si a nossahumanidade para a levar além da