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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 13 (2.610) Cidade do Vaticano terça-feira 31 de março de 2020 O abraço de Deus à humanidade na tempestade O abraço de Deus à humanidade na tempestade EM SÃO PEDRO A PRECE DE FRANCISCO CARREGA O BRAD O DE ANGÚSTIA E DE ESPERANÇA D O MUND O Mais que o medo devido à solidão e ao abandono ANDREA MONDA Em 1955 o escritor inglês C.S. Lewis, há pouco tempo viúvo devido à morte prematura da sua esposa doente de cancro, escreveu ao seu amigo Mal- colm, gravemente doente, uma carta para o consolar e contar-lhe a paixão de Jesus, abandonado por todos, fla- gelado e injustamente condenado à morte, tão só que na cruz as suas pa- lavras dirigidas ao Pai são «Meu Deus, por que me abandonaste?». Uma forma verdadeiramente singular de consolação. Tempos antes, a Jesus tinha sido di- rigida uma pergunta cheia de angús- tia, a pergunta sobre a morte: «não Te importas que pereçamos?". São os discípulos que acordam Jesus que está a dormir na popa do barco à mercê da tempestade no Lago de Tiberíades. O Papa Francisco insistiu sobre esta cena narrada pelo Evangelho de Mar- cos e repetiu esta pergunta várias ve- zes no seu discurso pronunciado on- tem à tarde na Praça de São Pedro. Depois o Papa rezou diante do ícone da Salus populi Romani e diante do crucifixo da igreja de São Marcelo transportado para a ocasião e coloca- do ali na praça, em frente da Basílica, debaixo da chuva. No rosto de madei- ra contorcido pela dor parece estar a pergunta: «Não vos importais que eu pereça?». Jesus morreu sozinho, con- denado pelo seu povo, abandonado pelos seus amigos. Ele morreu sozi- nho e pelos sofrimentos atrozes causa- dos não só pelas suas feridas mas, an- tes de mais nada, pelo sufocamento devido ao facto de ter sido pregado na cruz. Um crucificado morre de as- fixia. Ontem quase mil pessoas na Itália morreram de coronavírus, mor- reram sozinhas e por asfixia, sem fôle- go. O aspeto mais atroz desta pande- mia reside precisamente na solidão a que ela nos condena a viver e sobretu- do a morrer. Tudo isto assusta os ho- mens, mas ao cristão, além do medo, confere misteriosamente algo mais. O cristão sabe que é Jesus que continua a sofrer nestes irmãos e irmãs, como se estivesse a cumprir o que falta aos seus padecimentos (Cl 1, 24). No final daquela carta a Malcolm, em 1955, Lewis concluiu: «Estou con- vencido de que o que tu e eu pode- mos realmente compartilhar neste mo- mento é apenas a escuridão; compar- tilhá-la entre nós e, o que mais impor- ta, com o nosso Mestre. Não estamos numa vereda ainda não percorrida, mas antes de tudo, no caminho prin- cipal».

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L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 13 (2.610) Cidade do Vaticano terça-feira 31 de março de 2020

O abraçode Deus

à humanidadena tempestade

O abraçode Deus

à humanidadena tempestade

EM SÃO PEDRO A PRECE DE FRANCISCO CARREGA O BRAD O DE ANGÚSTIA E DE ESPERANÇA D O MUND O

Mais que o medodevido à solidãoe ao abandono

ANDREA MONDA

Em 1955 o escritor inglês C.S. Lewis,há pouco tempo viúvo devido à morteprematura da sua esposa doente decancro, escreveu ao seu amigo Mal-colm, gravemente doente, uma cartapara o consolar e contar-lhe a paixãode Jesus, abandonado por todos, fla-gelado e injustamente condenado àmorte, tão só que na cruz as suas pa-lavras dirigidas ao Pai são «MeuDeus, por que me abandonaste?».Uma forma verdadeiramente singularde consolação.

Tempos antes, a Jesus tinha sido di-rigida uma pergunta cheia de angús-tia, a pergunta sobre a morte: «nãoTe importas que pereçamos?". São osdiscípulos que acordam Jesus que estáa dormir na popa do barco à mercêda tempestade no Lago de Tiberíades.O Papa Francisco insistiu sobre estacena narrada pelo Evangelho de Mar-cos e repetiu esta pergunta várias ve-zes no seu discurso pronunciado on-tem à tarde na Praça de São Pedro.Depois o Papa rezou diante do íconeda Salus populi Romani e diante docrucifixo da igreja de São Marcelotransportado para a ocasião e coloca-do ali na praça, em frente da Basílica,debaixo da chuva. No rosto de madei-ra contorcido pela dor parece estar apergunta: «Não vos importais que eupereça?». Jesus morreu sozinho, con-denado pelo seu povo, abandonadopelos seus amigos. Ele morreu sozi-nho e pelos sofrimentos atrozes causa-dos não só pelas suas feridas mas, an-tes de mais nada, pelo sufocamentodevido ao facto de ter sido pregadona cruz. Um crucificado morre de as-fixia. Ontem quase mil pessoas naItália morreram de coronavírus, mor-reram sozinhas e por asfixia, sem fôle-go. O aspeto mais atroz desta pande-mia reside precisamente na solidão aque ela nos condena a viver e sobretu-do a morrer. Tudo isto assusta os ho-mens, mas ao cristão, além do medo,confere misteriosamente algo mais. Ocristão sabe que é Jesus que continuaa sofrer nestes irmãos e irmãs, comose estivesse a cumprir o que falta aosseus padecimentos (Cl 1, 24).

No final daquela carta a Malcolm,em 1955, Lewis concluiu: «Estou con-vencido de que o que tu e eu pode-mos realmente compartilhar neste mo-mento é apenas a escuridão; compar-tilhá-la entre nós e, o que mais impor-ta, com o nosso Mestre. Não estamosnuma vereda ainda não percorrida,mas antes de tudo, no caminho prin-cipal».

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 31 de março de 2020, número 13

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

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Mensagem para o Dia mundial de oração pelas vocações

Nas tempestades da vida Jesusestende-nos a mão

«As palavras da vocação» é o tema do57ª Dia mundial de oração pelasvocações, que se celebra a 3 de maiopróximo, quarto Domingo de Páscoa.A seguir, o texto da mensagem escritapara a ocasião pelo Santo Padre.

Queridos irmãos e irmãs!A 4 de agosto do ano passado, no160º aniversário da morte do SantoCura d’Ars, quis dedicar uma Cartaaos sacerdotes, que todos os dias,obedecendo à chamada que o Se-nhor lhes dirigiu, gastam a vida aoserviço do Povo de Deus.

Então escolhi quatro palavras-cha-ve — tribulação, gratidão, coragem elouvor — para agradecer aos sacerdo-tes e apoiar o seu ministério. Achoque, neste 57º Dia Mundial de Ora-ção pelas Vocações, poder-se-iam re-tomar aquelas palavras e dirigi-las atodo o Povo de Deus, tendo comopano de fundo o texto evangélicoque nos conta a experiência singularque sobreveio a Jesus e a Pedro du-rante uma noite de tempestade nolago de Tiberíades (cf. Mt 14, 22-33).

Depois da multiplicação dos pães,que entusiasmou a multidão, Jesusmanda os discípulos subir para obarco e seguir à sua frente para aoutra margem, enquanto Ele despe-dia o povo. A imagem desta traves-sia do lago sugere de algum modo aviagem da nossa existência. De fac-to, o barco da nossa vida avança len-tamente, sempre preocupado à pro-cura dum local afortunado de atra-cagem, pronto a desafiar os riscos eas conjunturas do mar, mas desejosotambém de receber do timoneiro aorientação que o coloque finalmentena rota certa. Às vezes, porém, épossível perder-se, deixar-se cegarpelas ilusões em vez de seguir o fa-rol luminoso que o conduz ao portoseguro, ou ser desafiado pelos ven-tos contrários das dificuldades, dúvi-das e medos.

Assim acontece também no cora-ção dos discípulos, que, chamados aseguir o Mestre de Nazaré, têm dese decidir a passar à outra margem,optando corajosamente por abando-

nar as próprias seguranças e seguiros passos do Senhor. Esta aventuranão é tranquila: cai a noite, sopra ovento contrário, o barco é sacudidopelas ondas, e há o risco de sobre-por-se o medo de falhar e não estarà altura da vocação.

Mas, na aventura desta travessianão fácil, o Evangelho diz-nos quenão estamos sozinhos. Quase forçan-do a aurora no coração da noite, oSenhor caminha sobre as águas tu-multuosas e vai ter com os discípu-los, convida Pedro a vir ao encontrod’Ele sobre as ondas e salva-o quan-do o vê afundar; finalmente, sobepara o barco e faz cessar o vento.

Assim, a primeira palavra da voca-ção é g ra t i d ã o . Navegar pela rotacerta não é uma tarefa confiada sóaos nossos esforços, nem dependeapenas dos percursos que escolhe-mos fazer. A realização de nós mes-mos e dos nossos projetos de vidanão é o resultado matemático doque decidimos dentro do nosso «eu»isolado; pelo contrário, trata-se, an-tes de mais nada, da resposta a umachamada que nos chega do Alto. Éo Senhor que nos indica a margempara onde ir e, ainda antes disso, dá-nos a coragem de subir para o bar-co; e Ele, ao mesmo tempo que noschama, faz-Se também nosso timo-neiro para nos acompanhar, mostrara direção, impedir de encalhar nasrochas da indecisão e tornar-nos ca-pazes até de caminhar sobre aságuas tumultuosas.

Toda a vocação nasce daqueleolhar amoroso com que o Senhorveio ao nosso encontro, talvez mes-mo quando o nosso barco estava àmercê da tempestade. «Mais do queuma escolha nossa, a vocação é res-posta a uma chamada gratuita doSenhor» (Carta aos Presbíteros,4/VIII/2019); por isso conseguiremosdescobri-la e abraçá-la, quando onosso coração se abrir à gratidão esouber reconhecer a passagem deDeus pela nossa vida.

Quando os discípulos veem apro-ximar-Se Jesus caminhando sobre aságuas, começam por pensar que setrata dum fantasma e assustam-se.Mas, Jesus imediatamente os tran-quiliza com uma palavra que deveacompanhar sempre a nossa vida e onosso caminho vocacional: «Cora-gem! Sou Eu! Não temais!» (Mt 14,27). Esta é precisamente a segundapalavra que gostaria de vos deixar:c o ra g e m .

Frequentemente aquilo que nosimpede de caminhar, crescer, esco-lher a estrada que o Senhor traçapara nós são os fantasmas que pulu-lam nos nossos corações. Quando

somos chamados a deixar a nossamargem segura para abraçar um es-tado de vida — como o matrimónio,o sacerdócio ordenado, a vida consa-grada — muitas vezes a primeira rea-ção é constituída pelo «fantasma daincredulidade»: não é possível queesta vocação seja para mim; trata-severdadeiramente da estrada certa?Precisamente a mim é que o Senhorpede isto?

E pouco a pouco avolumam-seem nós todas aquelas considerações,justificações e cálculos que nos fa-zem perder o ímpeto, confundem-nos e deixam-nos paralisados namargem de embarque: julgamos tersido um erro, não estar à altura, tersimplesmente visto um fantasma quese deve afugentar.

O Senhor sabe que uma opçãofundamental de vida —como casar-seou consagrar-se de forma especial aoseu serviço — exige c o ra g e m . Ele co-nhece os interrogativos, as dúvidas eas dificuldades que agitam o barcodo nosso coração e, por isso, nostranquiliza: «Não tenhas medo! Euestou contigo». A fé na presençad’Ele que vem ao nosso encontro enos acompanha mesmo quando omar está revolto, liberta-nos daquelaacédia que podemos definir uma«tristeza adocicada» (Carta aos Pres-b í t e ro s , 4/VIII/2019), isto é, aqueledesânimo interior que nos bloqueiaimpedindo-nos de saborear a belezada vocação.

Na Carta aos Presbíteros, falei tam-bém da tribulação, que aqui gostariade especificar concretamente comofadiga. Toda a vocação requer empe-nhamento. O Senhor chama-nos,porque nos quer tornar, como Pedro,capazes de «caminhar sobre aságuas», isto é, pegar na nossa vidapara a colocar ao serviço do Evange-lho, nas formas concretas que Elenos indica cada dia e, de modo es-pecial, nas diferentes formas de vo-cação laical, presbiteral e de vidaconsagrada. À semelhança do Após-tolo, porém, sentimos desejo e ardore, ao mesmo tempo, vemo-nos assi-nalados por fragilidades e temores.

Se nos deixarmos arrastar pelopensamento das responsabilidadesque nos esperam — na vida matrimo-nial ou no ministério sacerdotal —ou das adversidades que surgirão,bem depressa desviaremos o olharde Jesus e, como Pedro, arriscamo-nos a afundar. Pelo contrário a fépermite-nos, apesar das nossas fragi-lidades e limitações, caminhar ao en-contro do Senhor Ressuscitado evencer as próprias tempestades. PoisEle estende-nos a mão, quando, porcansaço ou medo, corremos o risco

de afundar e dá-nos o ardor necessá-rio para viver a nossa vocação comalegria e entusiasmo.

Por fim, quando Jesus sobe parao barco, cessa o vento e aplacam-seas ondas. É uma bela imagem da-quilo que o Senhor realiza na nossavida e nos tumultos da história, es-pecialmente quando estamos a bra-ços com a tempestade: Ele ordenaaos ventos contrários que se calem, eentão as forças do mal, do medo, daresignação deixam de ter poder so-bre nós.

Na vocação específica que somoschamados a viver, estes ventos po-dem debilitar-nos. Penso em quantosassumem funções importantes na so-ciedade civil, nos esposos, que inten-cionalmente me apraz definir «oscorajosos», e de modo especial pen-so nas pessoas que abraçam a vidaconsagrada e o sacerdócio. Conheçoa vossa fadiga, as solidões que às ve-zes tornam pesado o coração, o riscoda monotonia que pouco a poucoapaga o fogo ardente da vocação, ofardo da incerteza e da precariedadedos nossos tempos, o medo do futu-ro. Coragem, não tenhais medo! Je-sus está ao nosso lado e, se O reco-nhecermos como único Senhor danossa vida, Ele estende-nos a mão eagarra-nos para nos salvar.

E então a nossa vida, mesmo nomeio das ondas, abre-se ao l o u v o r.Esta é a última palavra da vocação,e pretende ser também o convite acultivar a atitude interior de MariaSantíssima: agradecida pelo olharque Deus pousou sobre Ela, supe-rando na fé medos e perturbações,abraçando com coragem a vocação,Ela fez da sua vida um cântico eter-no de louvor ao Senhor.

Caríssimos, especialmente nesteDia de Oração pelas Vocações, mastambém na ação pastoral ordináriadas nossas comunidades, desejo quea Igreja percorra este caminho aoserviço das vocações, abrindo bre-chas no coração de todos os fiéis,para que cada um possa descobrircom gratidão a chamada que Deuslhe dirige, encontrar a coragem dedizer «sim», vencer a fadiga com afé em Cristo e finalmente, como umcântico de louvor, oferecer a própriavida por Deus, pelos irmãos e pelomundo inteiro. Que a Virgem Marianos acompanhe e interceda por nós.

Roma, São João de Latrão,no II Domingo da Quaresma,

8 de março de 2020.

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número 13, terça-feira 31 de março de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Cada vida deveser defendida e amada

O Pontífice propôs o ensinamento da «Evangelium vitae»

C AT E Q U E S E

No vigésimo quinto aniversário da «Evangelium vitae», o Papa Franciscorepropôs o ensinamento da encíclica de João Paulo II no atual «contexto deuma pandemia que ameaça a vida humana e a economia mundial». Naaudiência geral de quarta-feira, 25 de março — que, como as precedentes nestetempo de crise devido ao coronavírus, se realizou na Biblioteca particular doPalácio apostólico e foi transmitida em streaming — o Pontífice não deucontinuidade às catequeses sobre as Bem-aventuranças das semanas passadasmas, em continuidade com o predecessor, frisou o vínculo estreito e profundo«entre a Anunciação e o “Evangelho da vida”».

profundo, como salientou São JoãoPaulo II na sua Encíclica. Hoje in-sistimos sobre este ensinamento, nocontexto de uma pandemia queameaça a vida humana e a econo-mia mundial. Uma situação quetorna ainda mais exigentes as pala-vras iniciais da Encíclica. Ei-las:«O Evangelho da vida está no cen-tro da mensagem de Jesus. Amoro-samente acolhido cada dia pelaIgreja, há de ser fiel e corajosamen-

te anunciado como boa nova aoshomens de todos os tempos e cul-turas» (n. 1).

Como todos os anúncios evangé-licos, também este deve ser antesde tudo testemunhado. E pensocom gratidão no testemunho silen-cioso de tantas pessoas que, de di-ferentes maneiras, se prodigalizamao serviço dos doentes, dos idosos,de quantos vivem sozinhos e dosmais indigentes. Põem em práticao Evangelho da vida como Mariaque, depois de ter acolhido oanúncio do Anjo, foi ao encontroda sua prima Isabel, que precisavade ajuda.

Com efeito, a vida que somoschamados a promover e defendernão é um conceito abstrato, masmanifesta-se sempre numa pessoaem carne e osso: uma criança re-cém-concebida, um pobre margina-lizado, um enfermo sozinho e desa-nimado ou em fase terminal, al-guém que perdeu o emprego ounão consegue encontrá-lo, um mi-grante rejeitado ou guetizado... Avida manifesta-se concretamentenas pessoas.

Cada ser humano é chamadopor Deus a gozar da plenitude davida; e, tendo sido confiado à soli-citude materna da Igreja, qualquerameaça à dignidade humana e à vi-da não pode deixar de se repercu-tir no seu coração, nas suas “entra-nhas” maternas. Para a Igreja a de-fesa da vida não é uma ideologia,mas uma realidade, uma realidadehumana que envolve todos os cris-tãos, precisamente porque são cris-tãos, porque são humanos.

Infelizmente, os atentados contraa dignidade e a vida das pessoaspersistem até nesta nossa época,que é o tempo dos direitos huma-nos universais; aliás, estamos dian-te de novas ameaças e escravidões,e as legislações nem sempre tute-lam a vida humana mais frágil evulnerável.

Portanto, a mensagem da Encí-clica Evangelium vitae é mais atualdo que nunca. Além das emergên-cias, como a que estamos a viver,trata-se de agir a nível cultural eeducativo, para transmitir às gera-ções vindouras uma atitude de soli-dariedade, de atenção e de acolhi-mento, consciente de que a culturada vida não é património exclusivodos cristãos, mas pertence a todosaqueles que, trabalhando pelaconstrução de relações fraternas, re-conhecem o valor próprio de cadapessoa, até quando é frágil e sofre-dora.

Caros irmãos e irmãs, cada vidahumana, única e irrepetível, é váli-da por si mesma, constitui um va-lor inestimável. Isto deve ser pro-clamado sempre de novo, com acoragem da palavra e das obras. Is-to exige solidariedade e amor fra-terno pela grande família humanae por cada um dos seus membros.

Por isso, com São João Paulo II,que escreveu esta Encíclica, reiterocom renovada convicção o apeloque ele dirigiu a todos há vinte ecinco anos: «Respeita, defende,ama e serve a vida, cada vida hu-mana! Unicamente ao longo destecaminho encontrarás justiça, pro-gresso, verdadeira liberdade, paz efelicidade!» (Evangelium vitae, 5).

No final da audiência o Papasaudou em várias línguas quantos oseguiam através dos meios decomunicação proferindo em portuguêsas seguintes expressões.

De coração saúdo aos fiéis delíngua portuguesa: obrigado pelavossa união na oração! À VirgemMaria, Saúde dos Enfermos, confiotodos vós, fazendo votos de quetestemunheis o Evangelho da Vidacom a palavra e a coragem dasações. Sobre vós e vossas famílias,desça a Bênção do Senhor!

O Papa recitou o Pai-Nosso com todos os cristãos do mundo

Misericórdia para a humanidade

Estimados irmãos e irmãs, bomdia!Há vinte e cinco anos, nesta mes-ma data de 25 de março, que naIgreja é a solene festividade daAnunciação do Senhor, São JoãoPaulo II promulgou a EncíclicaEvangelium vitae, sobre o valor e ainviolabilidade da vida humana.

O vínculo entre a Anunciação eo “Evangelho da vida” é estreito e

Em comunhão espiritual com todos oscristãos do mundo, o Papa recitou o“Pater Noster” para implorarmisericórida para a humanidadeprovada pela pandemia decoronavírus». Da Bibliotecaparticular do Palácio apostólico doVaticano o Pontífice guiou a oração —transmitida em streaming — ao meio-dia de quarta-feira, 25 de março,solenidade da Anunciação do Senhor,dando continuidade ao apelo feito nodia 22 no Angelus. Publicamos aspalavras introdutivas proferidas porFra n c i s c o .

Prezados irmãos e irmãs!Hoje reunimo-nos, todos os cristãosdo mundo, para recitar o Pai-Nosso,a oração que Jesus nos ensinou.

Como filhos confiantes, dirijamo-nos ao Pai. Façamo-lo todos os dias,várias vezes por dia; mas neste mo-mento queremos implorar misericór-dia para a humanidade, duramenteprovada pela pandemia do coronaví-rus. E façamo-lo juntos, cristãos detodas as Igrejas e Comunidades, detodas as tradições, idades, línguas enações.

Oremos pelos doentes e pelassuas famílias; pelos agentes no cam-po da saúde e por aqueles que osajudam; pelas autoridades, pelas for-

ças da ordem e pelos voluntários;bem como pelos ministros das nos-sas comunidades.

Hoje muitos de nós celebram aEncarnação do Verbo no seio daVirgem Maria, quando no seu “Eis-me!” humilde e total se reverberou o“Eis-me!” do Filho de Deus. Tam-bém nós nos entreguemos com ple-na confiança nas mãos de Deus e,com um só coração e uma só alma,re z e m o s :

[Pai-Nosso em latim]

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 31 de março de 2020, número 13

Nota de apresentação do Decreto “Quo magis”que contém a aprovação de sete novos prefácios eucarísticos

para a forma extraordinária do Rito RomanoCom o Decreto Quo magis do dia 22de fevereiro de 2020, a Congregaçãopara a Doutrina da Fé, que desde ja-neiro de 2019 trata dos assuntos an-teriormente atribuídos à PontifíciaComissão «Ecclesia Dei» (cf. FRAN-C I S C O, Carta Apostólica em forma deMotu Proprio acerca da Pontifícia Co-missão «Ecclesia Dei», 17 de janeirode 2019), aprovou o texto de setenovos prefácios eucarísticos a seremutilizados ad libitum na celebraçãoda Missa segundo a forma extraordi-nária do Rito Romano (As partitu-ras musicais com os textos destesprefácios serão disponibilizados, nosdiversos tons em uso na forma ex-t ra o rd i n a r i a , na Libreria Editrice Va-ticana).

Esta disposição constitui a com-plementação de um trabalho inicia-do anteriormente pela Pontifícia Co-missão acima mencionada, dandocumprimento ao mandato conferidopelo Papa Bento XVI de inserir al-guns prefácios adicionais no Missalda forma extraordinária (“No Missalantigo poderão e deverão ser inseri-dos [...] alguns dos novos prefácios.A Comissão «Ecclesia Dei», em con-tacto com os diversos entes devota-dos ao Usus antiquior, estudará aspossibilidades práticas de o fazer”:BENTO XVI, Carta aos Bispos queacompanha o Motu Proprio Summo-rum Pontificum sobre o uso da litur-gia romana anterior à reforma realiza-da em 1970, AAS 99 [2007] 798. Estemandato foi sucessivamente confir-mado e completado em 2011, na Ins-trução Universæ Ecclesiæ da mesmaPontifícia Comissão. Cfr. PONTIFÍ-CIA COMISSÃO “ECCLESIA DEI”, Ins-trução sobre a aplicação da CartaApostólica Motu Proprio S u m m o ru mPontificum de S.S. o Papa BentoXVI, n. 25, AAS 103 [2011] 418).

O estudo realizado sobre o temalevou à escolha de um número limi-tado de textos a serem utilizados emcircunstâncias ocasionais, como asfestas de santos, as missas votivas ouas celebrações ad hoc, sem introduzirnenhuma mudança nas celebraçõesdo ciclo temporal. Esta escolha pre-tende salvaguardar, através da uni-dade dos textos, a unanimidade desentimentos e orações apropriadospara a confissão dos mistérios daSalvação celebrados, naquilo queconstitui a principal estrutura doano litúrgico. Por outro lado, o de-senvolvimento histórico do C o rp u sPræfationum do Missale Romanum,até a metade do século passado, foiprecisamente na direção de novosprefácios para celebrações pontuaisdo que para as celebrações do ciclotemp oral.

Ao mesmo tempo, aproveitou-se aoportunidade para estender a todosos que celebram no Usus Antiquior, afaculdade de poder usar outros trêsprefácios que no passado eram con-cedidos a determinados lugares.Também aqui, trata-se de textos paradeterminadas celebrações ocasionais.

Quatro dos textos recém-aprova-dos, a saber, os prefácios de Angelis,de Sancto Ioanne Baptista, de Marty-ribus e de Nuptiis, foram tomados doMissal da forma ordinária, que pro-vêm, em sua parte central ou «em-bolismo», de fontes litúrgicas anti-gas. Por outro lado, para respeitar aharmonia com o restante do C o rp u sPræfationum do antigo Missal, emtrês dos casos foram utilizados paraos protocolos finais dos prefácios,uma ou outra das fórmulas usuaisdos prefácios da forma extraordinária.Como mencionado, os três outrostextos (prefácios de Omnibus Sanctiset Sanctis Patronis, de Sanctissimo Sa-c ra m e n t o e de Dedicatione ecclesiæ) sãoprefácios anteriormente concedidosàs dioceses francesas e belgas, e aliutilizados antes da reforma litúrgicapós-conciliar. Agora os mesmos po-derão ser usados onde quer que aMissa seja celebrada na forma ex-t ra o rd i n á r i a .

Dois dos sete prefácios permitirãodar uma maior e justa importâncianas celebrações litúrgicas em honra afiguras de destaque no plano deDeus manifestado na história da Sal-vação, a saber, os Anjos e São JoãoBatista, que até ao presente momen-to não possuíam um prefácio euca-rístico próprio no Usus Antiquior. Namesma perspectiva, o prefácio deMa r t y r i b u s permitirá sublinhar o ca-ráter eminente do dom do martírio,também acenando para outros teste-munhos de Sequela Christi. Os pri-meiros santos reconhecidos comotais foram de facto os mártires. Osprefácios de Dedicatione ecclesiæ, deOmnibus Sanctis et Sanctis Patronis ede Ss.mo Sacramento, que já estão emuso em alguns lugares, permitirãooportunamente que as relativas cele-brações sejam enriquecidas, comuma eucologia mais adequada aoseu caráter do que o habitual prefá-cio Communis. Enfim, chama a aten-ção o prefácio de Nuptiis, que junta-

mente com a grande bênção nupcialainda em uso nas Missas pro Sponsis,é encontrado, com pequenas varia-ções, nos Sacramentários antigos co-mo o Gelasiano antigo e o Gregoria-no. Esse antigo prefácio, já recupera-do pela forma ordinária, agora podeser usado também na forma extraor-dinária.

Conforme indicado acima, o usoou não dos prefácios recém-aprova-dos, nas relativas circunstâncias, per-manece uma faculdade ad libitum.Obviamente, faz-se um apelo nessesentido ao bom senso pastoral docelebrante. Além disso, nota-se queo Decreto não anula as eventuaisconcessões de prefácios próprios fei-tas no passado. Portanto, em casosparticulares (lugares, institutos...)que já existisse um prefácio particu-larmente diferente para a mesma cir-cunstância litúrgica, com base noque tinha sido concedido anterior-mente, se poderá escolher entre essee o texto recém-aprovado.

Nota de apresentação do Decreto “Cum sanctissima”sobre a celebração litúrgica em honra

dos santos na “forma extraordinária” do Rito RomanoCom o decreto Cum sanctissima, de22 de fevereiro de 2020, a Congre-gação para a Doutrina da Fé, quedesde janeiro de 2019 trata dos as-suntos anteriormente atribuídos àPontifícia Comissão “Ecclesia Dei”(cf. FR A N C I S C O, Carta Apostólica naforma de «Motu Proprio» sobre aPontifícia Comissão «Ecclesia Dei»,17 de janeiro de 2019), concluiu otrabalho realizado há vários anospor essa Comissão para cumprir omandato conferido pelo Papa Ben-to XVI de facilitar a celebração, naforma extraordinária do Rito Roma-no, dos santos canonizados mais re-centemente (“No antigo Missal, no-vos santos podem e devem ser inse-ridos [...]. A Comissão «EcclesiaDei», em contato com os diversos

órgãos dedicados ao usus antiquior,estudará as possibilidades práticas”:Bento XVI, Carta aos Bispos porocasião da publicação da Carta Apos-tólica Motu Proprio data Summo-rum Pontificum sobre o uso da litur-gia romana antes da reforma realiza-da em 1970, AAS 99 [2007] 798. Es-te mandato foi posteriormente con-firmado e completado em 2011, naInstrução Universæ Ecclesiæ da mes-ma Pontifícia Comissão: cfr. PON-TIFÍCIA COMISSÃO «ECCLESIADEI», Instrução sobre a aplicação daCarta Apostólica Motu Proprio dataSummorum Pontificum de S.S.Bento PP-XVI, n.25, AAS 103 [2011]418). Com efeito, sendo o santoralda forma extraordinária determinadopelos livros litúrgicos em vigor no

ano de 1962, os santos canonizadosdepois daquele ano ficaram excluí-dos.

O estudo em vista da elaboraçãode uma solução prática para permi-tir a celebração litúrgica dos santosmais recentes no Usus Antiquior foiuma oportunidade de abordar osmúltiplos aspectos do problema,como o caráter bem provisto do ca-lendário existente — esp ecialmenteno que diz respeito às festas de IIIclasse — bem como a consideraçãode todas as repercussões de quais-quer mudanças, sem esquecer acoerência — sempre preferível — en-tre Missa e Ofício, e a questão dostextos litúrgicos a serem utilizados.

CO N T I N UA NA PÁGINA 5

Audiência do Papa aos membros da Congregação para a doutrina da fé (janeiro de 2020)

CONGREGAÇÃO PA R A A D OUTRINA DA FÉ

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número 13, terça-feira 31 de março de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Em tempos de covid-19Decreto da Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 4

É nesse contexto que pareciaapropriado não se ocupar com esteou com aquele dos santos mais re-centes, mas colocar um princípio ge-ral que permita a possibilidade decelebrar, dentro da estrutura norma-tiva geral da forma extraordinária, equando o dia litúrgico permitir,qualquer santo canonizado a partirdos anos sessenta, no dia da sua re-corrência litúrgica.

Mais precisamente, o decreto am-plia o campo de aplicação das Missæfestivæ latiore sensu do n. 302-c dasRubricæ Generales Missalis Romani(que até agora incluía apenas os diasda IV classe) a uma parte das festasda III classe e das vigílias da III clas-se (Na realidade, há apenas uma vi-gília de III classe no calendário daforma extraordinária, isto é, a de S.Lourenço em 9 de agosto. A esserespeito, é bom lembrar que de 1568até ao Codex Rubricarum de 1960, asvigílias não privilegiadas, como asdas festas dos santos, eram de ritosimplex, de modo que, quando esta-vam em ocorrência com uma festade um santo semiduplex ou duplex,prevalecia o santo e não a vigília.Com a reforma do Papa São Pio X

[nos anos de 1911-1914], nas Missasnão conventuais, o celebrante podia,em certos casos, escolher tanto aMissa do santo ocorrente quanto aMissa da vigília [cf. Additiones et va-riationes in rubricis Missalis, n. 1])(cf. decreto n. 1). Disso se deduzque, obviamente, essas novas dispo-sições não afetam de maneira algu-ma as outras celebrações, em parti-cular as da I ou II classe. Ao mesmotempo, o decreto especifica que talMissa festiva latiore sensu tamb émpode ser celebrada em honra dossantos canonizados após 26 de julhode 1960 (data da última atualizaçãodo Martirológio da forma extraordi-nária), no dia da relativa ocorrêncialitúrgica (n. 2).

Dado esse princípio, as demaisdisposições do decreto fornecem osesclarecimentos úteis que o seguem,como a aplicação também ao Ofíciodivino, que neste caso deve ser cele-brado integralmente em honra dosanto (n. 3), a necessidade de fazer ac o m m e m o ra t i o da festa de III classepossivelmente ocorrente de acordocom o calendário (n. 4), bem comoas regras para a escolha dos textoslitúrgicos (n. 5). Em relação a esteúltimo ponto, devem-se observar astrês fontes de onde tomar os textos,

a saber, em primeiro lugar, o P ro -prium Sanctorum pro aliquibus locis jáexistente no Missal da forma extraor-dinária, em segundo lugar, um su-plemento especial a ser publicadono futuro pela Santa Sé, e somentena ausência dessas duas fontes, oCommune Sanctorum existente.

Deve-se enfatizar que a celebraçãodos santos mais recentes de acordocom essas novas disposições é ape-nas uma possibilidade e, consequen-temente, permanece opcional. Por-tanto, aqueles que desejam celebraros santos seguindo o calendário daforma extraordinária, estabelecido pe-lo livro litúrgico, permanecem livrespara fazê-lo. A esse respeito, é bomlembrar que a existência de festas fa-cultativas em honra dos santos não éuma novidade absoluta no Rito Ro-mano, dado que durante o períodopós-tridentino e até à reforma dasrubricas realizada pelo Papa São PioX, o calendário comportou vinte ecinco dessas chamadas festas ad libi-tum.

O novo decreto oferece, por outrolado, uma possibilidade adicionalpara o caso em que se celebra deacordo com o calendário vigente,mas que, ao mesmo tempo, deseja-sehonrar eventuais outros santos ocor-

rentes. De facto, de acordo com on.6, é possível acrescentar uma com-m e m o ra t i o de um santo ocorrente,quando isso é referido no P ro p r i u mpro aliquibus locis ou no suplementoa ser publicado, como acima men-cionado.

Ao escolher se se deve ou não fa-zer uso das disposições do decretonas celebrações litúrgicas em honrados santos, obviamente se apela aobom senso pastoral do celebrante.Para o caso particular das celebra-ções dos Institutos religiosos e dasSociedades da vida apostólica, o n. 7do decreto fornece alguns esclareci-mentos úteis a este respeito.

O decreto termina (n. 8) com re-ferência a uma lista de setenta fes-tas de III classe, cujas celebraçõesnunca podem ser impedidas pelassuas disposições. Esta lista, forneci-da no anexo, reflete a particular im-portância dessas festas, avaliadacom base em critérios precisos, co-mo a relevância dos santos emquestão no Plano da Salvação ouna história da Igreja, sua importân-cia em termos da devoção que elesdespertaram ou dos escritos queproduziram, ou a antiguidade deseu culto em Roma.

Nota de apresentação do Decreto “Cum sanctissima”

Sacerdote celebra a missa sem a presença de fiéis em Barcelona, Espanha (Reut e rs )

Considerando a rápida evolução da pandemia dacovid-19 e tendo em conta as observações recebi-das das Conferências episcopais, esta Congrega-ção oferece uma atualização acerca das indicaçõese sugestões gerais já propostas aos bispos no pre-cedente decreto de 19 de março de 2020.

Dado que a data da Páscoa não pode ser trans-ferida, nos países atingidos pela doença, onde es-tão previstas restrições para o encontro e o movi-mento de pessoas, os bispos e sacerdotes devemcelebrar os ritos da Semana Santa sem a partici-pação de fiéis e num lugar adequado, evitando aconcelebração e omitindo a troca da paz.

Os fiéis devem ser informados sobre a hora doinício das celebrações, para poder unir-se à ora-ção em casa. Poderão servir de ajuda os meios decomunicação telemática ao vivo, não gravada. Dequalquer maneira, é importante dedicar um tem-po adequado à oração, valorizando sobretudo aLiturgia Horarum.

As Conferências episcopais e as dioceses indivi-duais não deixem de oferecer subsídios para aju-dar a oração familiar e pessoal.

1 - Domingo de Ramos. A Comemoração daEntrada do Senhor em Jerusalém deve ser cele-brada no interior do edifício sagrado; nas igrejascatedrais siga-se a segunda forma prevista peloMissal Romano; nas igrejas paroquiais e noutroslugares, a terceira.

2 - Missa crismal. Avaliando o caso concretonos diferentes países, as Conferências episcopaispoderão dar indicações sobre uma possível trans-ferência para outra data.

3 - Quinta-Feira Santa. O lava-pés, já faculta-tivo, deve ser omitido. No final da Missa da Ceiado Senhor, a procissão também deve ser omitida;e o Santíssimo Sacramento deve ser conservadono tabernáculo. Neste dia, os sacerdotes recebemextraordinariamente a faculdade de celebrar aMissa num lugar adequado, sem a participação defiéis.

4 - Sexta-Feira Santa. Na oração universal, osbispos terão o cuidado de predispor uma intençãoespecial por aqueles que se encontram em situa-

ção de constrangimento, pelos doentes, pelos de-funtos (cf. Missale Romanum). O ato de adoraçãoda Cruz mediante o ósculo deve ser limitado uni-camente ao celebrante.

5 - Vigília pascal. Seja celebrada exclusivamen-te nas igrejas catedrais e paroquiais. Para a litur-gia batismal, mantenha-se unicamente a renova-ção das promessas batismais (cf. Missale Roma-num).

Para os seminários, os colégios sacerdotais, osmosteiros e as comunidades religiosas, sigam-se asindicações do presente Decreto.

As expressões de piedade popular e as procis-sões que enriquecem os dias da Semana Santa e

do Tríduo pascal, segundo o parecer do bispodiocesano, podem ser transferidas para outrosdias oportunos, por exemplo 14 e 15 de setembro.

De mandato Summi Pontificis pro hoc tantum an-no 2020.

Da Sede da Congregação para o Culto Divinoe a Disciplina dos Sacramentos, 25 de março de2020, solenidade da Anunciação do Senhor.

Robert Card. SarahP re f e i t o

D. Arthur RocheArcebispo secretário

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número 13, terça-feira 31 de março de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

Na praça de São Pedro a prece do Sumo Pontífice carrega o brado de angústia e de esperança do mundo

O abraço confortador de Deusà humanidade à mercê da tempestade

O crucifixo molhadopelas lágrimas do Céu

Tu, Senhor, não nos deixes à mercêda tempestade. Continua a repetir-nos:

«Não tenhais medo!» (Mt 14, 27).E nós, juntamente com Pedro, «confiamos-Te todas

as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós»

(@Pontifex_pt)

Às 18h00 de sexta-feira 27 de março o Papa Francisco presidiu na praça de SãoPedro a um momento extraordinário de oração para implorar o fim da pandemia efazer chegar à humanidade «à mercê da tempestade» o «abraço confortador deDeus» que «concede saúde aos corpos e conforto aos corações». A seguir, o textoda sua homilia.

todos carecidos de mútuo encoraja-mento. E, neste barco, estamos to-dos. Tal como os discípulos que, fa-lando a uma só voz, dizem angustia-dos «vamos perecer» (cf. 4, 38), as-sim também nós nos apercebemos deque não podemos continuar a estradacada qual por conta própria, mas sóo conseguiremos juntos.

Rever-nos nesta narrativa, é fácil;difícil é entender o comportamentode Jesus. Enquanto os discípulos na-turalmente se sentem alarmados e de-sesperados, Ele está na popa, na par-te do barco que se afunda primeiro...E que faz? Não obstante a tempesta-de, dorme tranquilamente, confiadono Pai (é a única vez no Evangelho

que vemos Jesus a dormir). Acor-dam-No; mas, depois de acalmar ovento e as águas, Ele volta-Se para osdiscípulos em tom de censura: «Por-que sois tão medrosos? Ainda nãotendes fé?» (4, 40).

Procuremos compreender. Em queconsiste esta falta de fé dos discípu-los, que se contrapõe à confiança deJesus? Não é que deixaram de crerN’Ele, pois invocam-No; mas veja-mos como O invocam: «Mestre, nãoTe importas que pereçamos?» (4, 38)Não Te importas: pensam que JesusSe tenha desinteressado deles, nãocuide deles. Entre nós, nas nossas fa-mílias, uma das coisas que mais dói éouvirmos dizer: «Não te importas demim». É uma frase que fere e desen-cadeia turbulência no coração. Teráabalado também Jesus, pois não háninguém que se importe mais de nósdo que Ele. De facto, uma vez invo-cado, salva os seus discípulos desa-lentados.

A tempestade desmascara a nossavulnerabilidade e deixa a descobertoas falsas e supérfluas seguranças comque construímos os nossos progra-mas, os nossos projetos, os nossoshábitos e prioridades. Mostra-nos co-mo deixamos adormecido e abando-nado aquilo que nutre, sustenta e dáforça à nossa vida e à nossa comuni-dade. A tempestade põe a descobertotodos os propósitos de «empacotar»e esquecer o que alimentou a almados nossos povos; todas as tentativasde anestesiar com hábitos aparente-mente «salvadores», incapazes de fa-zer apelo às nossas raízes e evocar amemória dos nossos idosos, privan-do-nos assim da imunidade necessá-ria para enfrentar as adversidades.

Com a tempestade, caiu a maqui-lhagem dos estereótipos com quemascaramos o nosso «eu» semprepreocupado com a própria imagem; eficou a descoberto, uma vez mais,aquela (abençoada) pertença comuma que não nos podemos subtrair: apertença como irmãos.

«Porque sois tão medrosos? Aindanão tendes fé?». Nesta tarde, Senhor,a tua Palavra atinge e toca-nos a to-dos. Neste nosso mundo, que Tuamas mais do que nós, avançamos atoda a velocidade, sentindo-nos emtudo fortes e capazes. Na nossa avi-dez de lucro, deixamo-nos absorverpelas coisas e transtornar pela pressa.Não nos detivemos perante os teusapelos, não despertamos face a guer-

ras e injustiças planetárias, não ouvi-mos o grito dos pobres e do nossoplaneta gravemente enfermo. Avança-mos, destemidos, pensando que con-tinuaríamos sempre saudáveis nummundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te:«Acorda, Senhor!»

«Porque sois tão medrosos? Aindanão tendes fé?». Senhor, lanças-nosum apelo, um apelo à fé. Esta não étanto acreditar que Tu existes, comosobretudo vir a Ti e fiar-se de Ti.Nesta Quaresma, ressoa o teu apelourgente: «Convertei-vos…». «Con-vertei-Vos a Mim de todo o vosso co-ração» (Jl 2, 12). Chamas-nos a apro-veitar este tempo de prova como umtempo de decisão. Não é o tempo doteu juízo, mas do nosso juízo: o tem-po de decidir o que conta e o quepassa, de separar o que é necessáriodaquilo que não o é. É o tempo de

reajustar a rota da vida rumo a Ti,Senhor, e aos outros. E podemos vertantos companheiros de viagemexemplares, que, no medo, reagiramoferecendo a própria vida. É a forçaoperante do Espírito derramada eplasmada em entregas corajosas e ge-nerosas. É a vida do Espírito, capazde resgatar, valorizar e mostrar comoas nossas vidas são tecidas e sustenta-das por pessoas comuns (habitual-mente esquecidas), que não aparecemnas manchetes dos jornais e revistas,nem nas grandes passarelas do últimoespetáculo, mas que hoje estão, semdúvida, a escrever os acontecimentosdecisivos da nossa história: médicos,enfermeiros e enfermeiras, trabalha-dores dos supermercados, pessoal dalimpeza, curadores, transportadores,forças policiais, voluntários, sacerdo-tes, religiosas e muitos – mas muitos– outros que compreenderam queninguém se salva sozinho. Perante osofrimento, onde se mede o verdadei-ro desenvolvimento dos nossos po-vos, descobrimos e experimentamos aoração sacerdotal de Jesus: «Que to-dos sejam um só» (Jo 17, 21). Quan-tas pessoas dia a dia exercitam a pa-ciência e infundem esperança, tendoa peito não semear pânico, mas cor-responsabilidade! Quantos pais,mães, avôs e avós, professores mos-tram às nossas crianças, com peque-nos gestos do dia a dia, como enfren-tar e atravessar uma crise, readaptan-do hábitos, levantando o olhar e esti-mulando a oração! Quantas pessoasrezam, se imolam e intercedem pelobem de todos! A oração e o serviçosilencioso: são as nossas armas vence-doras.

«Porque sois tão medrosos? Aindanão tendes fé?». O início da fé é reco-nhecer-se necessitado de salvação.Não somos autossuficientes, sozinhosafundamos: precisamos do Senhorcomo os antigos navegadores, das es-trelas. Convidemos Jesus a subir parao barco da nossa vida. Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele

os vença. Com Ele a bordo, experi-mentaremos — como os discípulos —que não há naufrágio. Porque esta éa força de Deus: fazer resultar embem tudo o que nos acontece, mesmoas coisas ruins. Ele serena as nossastempestades, porque, com Deus, a vi-da nunca morre.

O Senhor interpela-nos e, no meioda nossa tempestade, convida-nos adespertar e ativar a solidariedade e aesperança, capazes de dar solidez,apoio e significado a estas horas emque tudo parece naufragar. O Senhordesperta, para acordar e reanimar anossa fé pascal. Temos uma âncora:na sua cruz, fomos salvos. Temos umleme: na sua cruz, fomos resgatados.Temos uma esperança: na sua cruz,fomos curados e abraçados, para quenada e ninguém nos separe do seuamor redentor. No meio deste isola-mento que nos faz padecer a limita-ção de afetos e encontros e experi-mentar a falta de tantas coisas, ouça-mos mais uma vez o anúncio que nossalva: Ele ressuscitou e vive ao nossolado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espe-ra, a olhar para aqueles que nos re-clamam, a reforçar, reconhecer e in-centivar a graça que mora em nós.Não apaguemos a mecha que aindafumega (cf. Is 42, 3), que nuncaadoece, e deixemos que reacenda aesp erança.

Abraçar a sua cruz significa encon-trar a coragem de abraçar todas ascontrariedades da hora atual, abando-nando por um momento a nossa ân-sia de omnipotência e possessão, paradar espaço à criatividade que só o Es-pírito é capaz de suscitar. Significaencontrar a coragem de abrir espaçosonde todos possam sentir-se chama-dos e permitir novas formas de hospi-talidade, de fraternidade e de solida-riedade. Na sua cruz, fomos salvospara acolher a esperança e deixar queseja ela a fortalecer e sustentar todasas medidas e estradas que nos pos-sam ajudar a salvaguardar-nos e a sal-

vaguardar. Abraçar o Senhor, paraabraçar a esperança. Aqui está a forçada fé, que liberta do medo e dá espe-rança.

«Porque sois tão medrosos? Aindanão tendes fé?». Queridos irmãos e ir-mãs, deste lugar que atesta a fé ro-chosa de Pedro, gostaria nesta tardede vos confiar a todos ao Senhor, pe-la intercessão de Nossa Senhora, saú-de do seu povo, estrela do mar emtempestade. Desta colunata que abra-ça Roma e o mundo desça sobre vós,

como um abraço consolador, a bên-ção de Deus. Senhor, abençoa omundo, dá saúde aos corpos e con-forto aos corações! Pedes-nos paranão ter medo; a nossa fé, porém, éfraca e sentimo-nos temerosos. MasTu, Senhor, não nos deixes à mercêda tempestade. Continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt 14,27). E nós, juntamente com Pedro,«confiamos-Te todas as nossas preo-cupações, porque Tu tens cuidado denós» (cf. 1 Ped 5, 7).

ANDREA TORNIELLI

O Protagonista da oração que na tardede 27 de março — antecipação da Sex-ta-feira Santa — o Papa Francisco cele-brou numa Praça de São Pedro vaziamergulhada num silêncio irreal, foi Ele.O Crucifixo, com a chuva torrencialque molhava o corpo, para acrescentarao sangue pintado na madeira aquelaágua que o Evangelho nos diz que jor-rou da ferida infligida pela lança.

Aquele Cristo crucificado que sobre-viveu ao incêndio e que os romanos le-varam em procissão contra a peste;aquele Cristo crucificado que São JoãoPaulo II abraçou durante a liturgia pe-nitencial do Jubileu de 2000, foi o pro-tagonista silencioso e desarmado nocentro do espaço vazio. Até Maria, Sa-lus populi Romani, encapsulada na re-doma de acrílico que se tornou opacadevido à chuva, parecia ceder o passo,quase desaparecendo, humildemente,perante Ele, elevado na cruz para a sal-vação da humanidade.

O Papa Francisco parecia pequeno, eainda mais inclinado ao subir os de-graus do adro da igreja não sem esfor-

ço e em solidão, tornando-se o intér-prete das dores do mundo para as ofe-recer aos pés da cruz: «Mestre, não Teimportas que pereçamos?». A crise an-gustiante que estamos a viver com apandemia «desmascara a nossa vulnera-bilidade e deixa a descoberto as falsas esupérfluas seguranças com que cons-truímos os nossos programas, os nossosprojetos, os nossos hábitos e priorida-des» e «agora nós, sentindo-nos emmar agitado, imploramos-Te: “A c o rd a ,Senhor!”»

A sirene de uma ambulância, umadas muitas que nestas horas atravessamos nossos bairros para socorrer os no-vos contagiados, acompanhou junta-mente com os sinos o momento dabênção eucarística Urbi et Orbi, quandoo Papa, ainda sozinho, se reapresentouna praça, deserta e debaixo da chuvatorrencial, traçando o sinal da cruz como ostensório. Mais uma vez, o protago-nista foi Ele, aquele Jesus que ao imo-lar-se quis fazer-se alimento para nós eque também hoje nos repete: «Por quetendes medo? Ainda não tendes fé?Não tenhais medo».

«Ao entardecer…» (Mc 4, 35): assimcomeça o Evangelho, que ouvimos.Desde há semanas que parece o en-tardecer, parece cair a noite. Densastrevas cobriram as nossas praças, ruase cidades; apoderaram-se das nossasvidas, enchendo tudo dum silêncioensurdecedor e um vazio desolador,que paralisa tudo à sua passagem:pressente-se no ar, nota-se nos gestos,dizem-no os olhares. Revemo-nos te-merosos e perdidos. À semelhançados discípulos do Evangelho, fomossurpreendidos por uma tempestadeinesperada e furibunda. Demo-nosconta de estar no mesmo barco, to-dos frágeis e desorientados mas aomesmo tempo importantes e necessá-rios: todos chamados a remar juntos,

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 31 de março de 2020, número 13

Aos salesianos reunidos em capítulo o Papa pede que sejam artífices de esperança e valorizem o papel da mulher

Não fecheis as janelasà voz dos oradores e ao brado dos jovens

Aos participantes no 28º capítulo geralda Sociedade salesiana de São JoãoBosco — inaugurado no dia 16 defevereiro em Valdocco (Itália), sobre otema «Que salesianos para os jovensde hoje?» o Papa Francisco enviou aseguinte mensagem, lida durante ostrabalhos que tiveram lugar a 6 demarço.

Amados irmãos!Saúdo-vos com carinho e dou graçasa Deus por poder, apesar da distân-cia, partilhar convosco um momentodo caminho que estais a percorrer.

É significativo que, depois de al-gumas décadas, a Providência vostenha levado a celebrar o Capítulogeral em Valdocco — o lugar da me-mória — onde o sonho fundador seconcretizou, dando os primeiros pas-sos. Estou certo de que o barulho eas vozes dos oradores serão a melhormúsica, a mais eficaz para que o Es-pírito reavive o dom carismático dovosso fundador. Não fecheis as jane-las para este ruído de fundo... Dei-xai que ele vos acompanhe e vosconserve inquietos e intrépidos nodiscernimento; e permiti que estasvozes e estes cânticos, por sua vez,evoquem em vós o rosto de muitosoutros jovens que, por várias razões,se encontram como ovelhas sem pas-tor (cf. Mc 6, 34). Este clamor e estainquietação manter-vos-ão atentos evigilantes perante qualquer tipo deanestesia autoimposta, ajudando-vosa permanecer em fidelidade criativaà vossa identidade salesiana.

Reavivar o dom que recebestesPensar na figura de salesiano para

os jovens de hoje implica aceitar queestamos imersos num momento demudanças, com toda aquela incerte-za que isto gera. Ninguém pode di-zer com segurança e exatidão (se éque um dia foi possível fazê-lo) oque vai acontecer no futuro próximoa nível social, económico, educacio-nal e cultural. A inconsistência e a“fluidez” dos acontecimentos, massobretudo a rapidez com que se su-cedem e se comunicam os eventos,fazem com que todo o tipo de previ-são se torne uma leitura condenadaa ser reformulada quanto antes (cf.Constituição Apostólica Ve r i t a t i sgaudium, 3-4). Esta perspetiva acen-tua-se ainda mais porque as vossasobras estão orientadas de maneiraparticular para o mundo juvenil, queem si mesmo é um mundo em movi-mento e em transformação constan-te. Isto requer de nós uma dupla do-cilidade: docilidade aos jovens e àssuas exigências, e docilidade ao Es-pírito e a tudo aquilo que Ele quisert r a n s f o r m a r.

Assumir responsavelmente esta si-tuação — tanto a nível pessoal comocomunitário — implica sair de umaretórica que nos faz dizer continua-mente que “tudo muda” e que, repe-tindo-o muitas vezes, acaba por nosfixar numa inércia paralisante quepriva a vossa missão da p a r ré s i a pró-

pria dos discípulos do Senhor. Talinércia pode manifestar-se tambémnum olhar e numa atitude pessimis-tas diante de tudo o que nos circun-da, e não só em relação às transfor-mações que ocorrem na sociedade,mas inclusive em relação à própriaCongregação, aos irmãos e à vida daIgreja. Aquela atitude que acaba por“b oicotar” e impedir qualquer res-posta ou processo alternativo, oupor fazer emergir a posição oposta:um otimismo cego, capaz de dissol-ver a força e a novidade evangélica,impedindo de aceitar concretamentea complexidade que as situações exi-gem e a profecia que o Senhor nosconvida a levar adiante. Nem o pes-simismo nem o otimismo são donsdo Espírito, pois ambos provêm deuma visão autorreferencial, que só écapaz de se medir com as própriasforças, capacidades ou habilidades,impedindo de olhar para aquilo queo Senhor atua e quer realizar entrenós (cf. Exortação Apostólica pós-si-nodal Christus vivit, 35). Nem seadaptar à cultura da moda, nem serefugiar num passado heroico, masjá desencarnado. Em tempos de mu-danças, é bom ater-se às palavras deSão Paulo a Timóteo: «Por este mo-tivo, exorto-te a reavivar a chama dodom de Deus que recebeste atravésda imposição das minhas mãos. PoisDeus não nos concedeu um Espíritode timidez, mas de fortaleza, deamor e de sabedoria» (2 Tm 1, 6-7).

Estas palavras convidam-nos a cul-tivar uma atitude contemplativa, ca-paz de identificar e discernir os pon-tos nevrálgicos. Isto ajudará a seguiro caminho com o espírito e a contri-buição própria dos filhos de DomBosco e, como ele, a desenvolveruma «válida revolução cultural»(Encíclica Laudato si’, 114). Esta ati-tude contemplativa permitir-vos-ásuperar e ultrapassar as vossas pró-

prias expetativas e os vossos progra-mas. Somos homens e mulheres defé, o que pressupõe a paixão por Je-sus Cristo; e sabemos que tanto onosso presente como o nosso futuroestão imbuídos desta força apostóli-co-carismática, chamada a continuara permear a vida de tantos jovensabandonados e em perigo, pobres enecessitados, excluídos e descarta-dos, privados de direitos, de casa...Estes jovens esperam um olhar deesperança, capaz de contradizerqualquer tipo de fatalismo ou deter-minismo. Esperam cruzar o olhar deJesus, o qual lhes diz «que de todasas situações obscuras e dolorosas[...] há uma saída» (Christus vivit,104). É aí que reside a nossa alegria!

Nem pessimista nem otimista, osalesiano do século XXI é um homemcheio de esperança, porque sabe queo seu centro está no Senhor, capazde renovar tudo (cf. Ap 21, 5). Só is-to nos salvará de viver numa atitudede resignação e sobrevivência defen-siva. Só isto tornará fecunda a nossavida (cf. Homilia, 2 de fevereiro de2017), porque tornará possível que odom recebido continue a ser experi-mentado e expresso como boa novapara e com os jovens de hoje. Estaatitude de esperança é capaz de ins-taurar e inaugurar processos educati-vos alternativos à cultura predomi-nante, que em não poucas situações– quer por indigência e pobreza ex-trema, quer por abundância, nalgunscasos também extrema — acaba porsufocar e matar os sonhos dos nos-sos jovens, condenando-os a umconformismo ensurdecedor, dissimu-lado e não raramente narcotizado.Nem triunfalistas nem alarmistas,homens e mulheres alegres e espe-rançosos, não automatizados mas ar-tesãos; capazes de «mostrar outrossonhos que este mundo não oferece,testemunhar a beleza da generosida-de, do serviço, da pureza, da fortale-za, do perdão, da fidelidade à pró-pria vocação, da oração, da luta pelajustiça e o bem comum, do amor aospobres e da amizade social» (Chris-tus vivit, 36).

A “opção Valdocco” do vosso 28ºCapítulo geral é uma boa oportuni-dade para vos confrontardes com asfontes e pedir ao Senhor: “Da mihianimas, coetera tolle”.1 Tolle acima detudo aquilo que foi incorporado eperpetuado ao longo do caminho eque, embora noutra época possa tersido uma resposta adequada, hojeimpede-vos de configurar e modelara presença salesiana de modo evan-gelicamente significativo nas diversassituações da missão. Isto obriga-nosa superar os medos e as apreensõesque podem surgir, por termos acre-ditado que o carisma se reduzisse ouse identificasse com certas obras ouestruturas. Viver fielmente o carismaé algo mais rico e estimulante doque simplesmente abandonar, deslo-car ou readaptar casas ou atividades;implica uma mudança de mentalidadeface à missão a realizar.2

A “opção Valdocco”e o dom dos jovens

O Oratório salesiano e tudo o quedele surgiu, como narra a biografiado Oratório, nasceu como resposta àvida dos jovens com um rosto e umahistória, que puseram em movimen-to aquele jovem sacerdote incapazde permanecer neutro ou imóveldiante do que acontecia. Foi muitomais do que um gesto de boa vonta-de ou de bondade, e até muito maisdo que o resultado de um projeto deestudo sobre a “viabilidade numéri-co-carismática”. Penso nisto comoum ato de conversão permanente ede resposta ao Senhor que, “cansadode bater” à nossa porta, espera queo procuremos e o encontremos... Ouque o deixemos sair quando Ele ba-ter de dentro. Conversão que impli-cou (e complicou) toda a sua vida ea dos que o rodeavam. Dom Bosconão só não quer separar-se do mun-do para buscar a santidade, mas dei-xa-se questionar e escolhe como e emque mundo viver.

Escolhendo e acolhendo o mundodas crianças e dos jovens abandona-dos, sem trabalho nem formação,permitiu-lhes experimentar a pater-nidade de Deus de forma tangível,oferecendo-lhes instrumentos paranarrar as suas vidas e histórias à luzde um amor incondicional. Eles, porsua vez, ajudaram a Igreja a reen-contrar-se com a sua missão: «A pe-dra descartada pelos construtorestornou-se a pedra angular» (Sl 118,22). Longe de serem agentes passi-vos ou espetadores da obra missio-nária, eles tornaram-se, a partir dasua condição — em muitos casos“iletrados religiosos” e “analfab etosso ciais” — os principais protagonistasde todo o processo de fundação.3 Asalesianidade nasceu precisamentedeste encontro, capaz de suscitarprofecias e visões: acolher, integrar efazer crescer as melhores qualidadescomo dom para os outros, sobretudopara os marginalizados e abandona-dos, dos quais nada se espera. PauloVI disse: “Evangelizadora como é, aIgreja começa por se evangelizar a simesma... Em síntese, é o mesmo quedizer que ela tem sempre necessida-de de ser evangelizada, se quiserconservar frescor, alento e força paraanunciar o Evangelho” (Evangeliinuntiandi, 15). Todos os carismas de-vem ser renovados e evangelizados,e no vosso caso especialmente pelosjovens mais pobres.

Os interlocutores de Dom Boscode ontem e do salesiano de hoje nãosão meros destinatários de uma es-tratégia planejada com antecedência,mas protagonistas vivos do Oratórioa realizar.4 Através deles e com eleso Senhor mostra-nos a sua vontade eos seus sonhos.5 Poderíamos chamá-los cofundadores das vossas casas,onde o salesiano será perito em con-vocar e gerar este tipo de dinâmicas,sem se sentir o seu senhor. Umaunião que nos recorda que somos“Igreja em saída” e que nos mobilizapara isto: Igreja capaz de abandonarposições confortáveis, seguras e às

A mãe Margarida de Valdocco

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vezes privilegiadas, para encontrarnos últimos a fecundidade típica doReino de Deus. Não se trata de umaescolha estratégica, mas carismática.Uma fecundidade apoiada na baseda cruz de Cristo, o que é sempreuma injustiça escandalosa para aque-les que bloquearam a sensibilidadediante do sofrimento ou se confor-maram com a injustiça em relaçãoaos inocentes. «Não podemos seruma Igreja que não chora à vistadestes dramas dos seus filhos jovens.Jamais devemos habituar-nos a isto,pois quem não sabe chorar não émãe. Queremos chorar para que aprópria sociedade seja mais mãe»(Christus vivit, 75).

A “opção Valdocco”e o carisma da presença

É importante garantir que não so-mos formados para a missão, masque somos formados na missão, apartir da qual depende toda a nossavida, com as suas escolhas e as suasprioridades. A formação inicial e apermanente não podem ser uma ins-tância prévia, paralela ou separadada identidade e da sensibilidade dodiscípulo. A missão inter gentes é anossa melhor escola: a partir dela re-zamos, refletimos, estudamos e des-cansamos. Quando nos isolamos ounos distanciamos do povo que so-mos chamados a servir, a nossa iden-tidade de consagrados começa adesfigurar-se e a tornar-se uma cari-catura.

Neste sentido, um dos obstáculosque podemos identificar não temtanto a ver com qualquer situaçãoexterna às nossas comunidades, masé sobretudo aquele que nos toca di-retamente, por causa de uma expe-riência distorcida do ministério... eque nos fere muito: o clericalismo. Éa busca pessoal de querer ocupar,concentrar e determinar os espaços,minimizando e anulando a unção doPovo de Deus. Vivendo a vocaçãode forma elitista, o clericalismo con-funde a eleição com o privilégio, oserviço com o servilismo, a unidadecom a uniformidade, a discrepânciacom a oposição, a formação com adoutrinação. O clericalismo é umaperversão que fomenta vínculos fun-cionais, paternalistas, possessivos eaté manipuladores com o restantedas vocações na Igreja.

Outro obstáculo que encontramos— generalizado, e até justificado, es-pecialmente neste tempo de preca-riedades e fragilidades — é a tendên-cia ao rigorismo. Confundindo auto-

ridade com autoritarismo, ele preten-de governar e controlar os processoshumanos com uma atitude escrupu-losa, severa e até mesquinha diantedas limitações e fraquezas, própriasou dos outros (especialmente dosoutros). O rigorista esquece que otrigo e o joio crescem juntos (cf. Mt13, 24-30) e «que nem todos podemtudo, e que nesta vida as fragilida-des humanas não são curadas com-pletamente e de uma vez para sem-pre, pela graça. Em todo o caso, co-mo ensinava Santo Agostinho, Deusconvida-te a fazer o que podes e apedir o que não podes» (Gaudete etexsultate, 49). Com grande gentilezae delicadeza espiritual, S. Tomás deAquino recorda-nos que «o diaboengana muitos. Alguns, levando-os acometer pecados; outros, ao contrá-rio, à excessiva rigidez para comaqueles que pecam, de modo que,quando não os consegue conquistarcom o comportamento vicioso, con-duz à perdição aqueles que já con-quistou, usando o rigor dos preladosque, deixando de os corrigir commisericórdia, os induzem ao deses-pero; e é assim que se perdem ecaem na rede do diabo. É isto quenos há de acontecer, se não perdoar-mos os pecadores».6

Quem acompanha os outros acrescer deve ser uma pessoa com ho-rizontes vastos, capaz de impor limi-tes e dar esperança, ajudando assima olhar sempre em perspetiva, numavisão salvífica. O educador «que nãotem medo de impor limites e, aomesmo tempo, abandona-se à dinâ-mica da esperança expressa na suaconfiança na ação do Senhor dosprocessos, é a imagem de um ho-mem forte, que orienta o que nãopertence a ele, mas ao seu Senhor».7

Não nos é lícito sufocar e impedir aforça e a graça do possível, cuja rea-lização sempre esconde uma sementede Vida nova e boa. Aprendamos atrabalhar e a confiar nos tempos deDeus, que são sempre maiores emais sábios do que as nossas medi-das míopes. Ele não quer destruirninguém, mas salvar todos.

Por conseguinte, é urgente encon-trar um estilo de formação capaz deaceitar estruturalmente que a evan-gelização implica a participação inte-gral, com plena cidadania, de cadabatizado — com todas as suas poten-cialidades e limitações — e não ape-nas dos chamados «atores qualifica-dos» (cf. Evangelii gaudium, 120);uma participação na qual o serviço,e o serviço aos mais pobres, seja aespinha dorsal que ajude a manifes-

tar e a testemunhar melhor nossoSenhor, «que não veio para ser servi-do, mas para servir e dar a sua vidaem resgate por muitos» (Mt 20, 28).Encorajo-vos a dar continuidade aosvossos esforços, a fim de fazer dasvossas casas um “laboratório ecle-sial”, capaz de reconhecer, apreciar,estimular e encorajar as diferentesvocações e missões na Igreja.8

Neste sentido, penso concreta-mente em duas presenças da vossacomunidade salesiana, que podemajudar como elementos a partir dosquais avaliar o lugar que ocupam asdiferentes vocações entre vós; duaspresenças que constituem um “antí-doto” contra todas as tendências cle-ricalistas e rigorosas: o Irmão Coad-jutor e as mulheres.

Os Irmãos Coadjutores são ex-pressão viva da gratuidade que o ca-risma nos convida a preservar. Avossa consagração é, antes de tudo,sinal do amor gratuito do Senhor eao Senhor nos seus jovens, que nãose define principalmente com umministério, uma função ou um servi-ço particular, mas através de umapresença. Antes mesmo de tarefas acumprir, o salesiano é recordação vi-va de uma presença em que a dispo-nibilidade, a escuta, a alegria e a de-dicação constituem as notas essen-ciais para suscitar processos. A gra-tuidade da presença salva a Congre-gação de qualquer obsessão ativistaou reducionismo técnico-funcional.A primeira chamada consiste em seruma presença alegre e gratuita entreos jovens.

O que seria de Valdocco sem apresença da Mãe Margarida? Teriamas vossas casas sido possíveis sem es-ta mulher de fé? Em algumas re-giões e lugares «há comunidadesque se mantiveram e transmitiram afé durante longo tempo, por déca-das, sem que algum sacerdote pas-sasse por lá. Isto foi possível graçasà presença de mulheres fortes e ge-nerosas, que batizaram, catequiza-ram, ensinaram a rezar, foram mis-sionárias, certamente chamadas e im-pelidas pelo Espírito Santo. Duranteséculos, as mulheres mantiveram aIgreja de pé nesses lugares com ad-mirável dedicação e fé ardente»(Exortação Apostólica pós-sinodalQuerida Amazonia, 99). Sem umapresença real, eficaz e afetiva dasmulheres, às vossas obras faltaria co-ragem e capacidade de declinar apresença como hospitalidade, comolar. Diante do rigor que exclui, épreciso aprender a gerar a nova vidado Evangelho. Convido-vos a levar

em frente dinâmicas nas quais a vozdas mulheres, o seu olhar e as suasações — apreciadas na sua singulari-dade — encontrem eco na tomada dedecisões; como ator não auxiliar,mas constitutivo, das vossas presen-ças.

A “opção Valdocco”na pluralidade das línguas

Assim como noutros tempos, omito de Babel procura impor-se emnome da globalidade. Sistemas intei-ros criam uma rede de comunicaçãoglobal e digital, capaz de interligaros vários recantos do planeta, com ograve perigo de unificar de maneiramonolítica as culturas, privando-asdas suas caraterísticas essenciais edos seus recursos. A presença uni-versal da vossa família salesianaconstitui um estímulo e um convitea tutelar e preservar a riqueza demuitas das culturas nas quais estaisimersos, sem procurar “homologá-las”. Por outro lado, esforçai-vos afim de que o Cristianismo possa as-sumir a língua e a cultura do povolocal. É triste ver que em muitaspartes ainda se experimenta a pre-sença cristã como uma presença es-trangeira (especialmente europeia);uma situação que se encontra tam-bém nos itinerários de formação enos estilos de vida (cf. ibid., n. 90).9

Pelo contrário, devemos agir comoque inspirados por esta anedota deDom Bosco que, quando lhe per-guntaram em que língua gostava defalar, respondeu: «A que a minhamãe me ensinou: é aquela com aqual me posso comunicar mais facil-mente». Seguindo esta certeza, o sa-lesiano é chamado a falar na línguamaterna de cada uma das culturasem que se encontra. A unidade e acomunhão da vossa família é capazde assumir e aceitar todas estas dife-renças, que podem enriquecer todoo corpo numa sinergia de comunica-ção e interação em que cada umpossa oferecer o melhor de si para obem de todo o corpo. Assim a sale-sianidade, longe de se extraviar nauniformidade das tonalidades, há deadquirir uma expressão mais bonitae atraente... poderá expressar-se “emdialeto” (cf. 2 Mac 7, 26-27).

Ao mesmo tempo, a irrupção darealidade virtual como língua predo-minante em muitos dos países nosquais vós desempenhais a vossa mis-são exige, em primeiro lugar, o reco-nhecimento de todas as possibilida-des e das coisas positivas que elaproduz, sem subestimar nem ignorara sua incidência na criação de víncu-los, especialmente no plano afetivo.Nós, adultos consagrados, tambémnão somos imunes a isto. A ampla (enecessária) “pastoral digital” p ede-nos que habitemos a rede de formainteligente, reconhecendo-a comoum espaço de missão,10 que por suavez nos obriga a dispor todas as me-diações necessárias para não perma-necermos prisioneiros da sua circula-ridade e da sua lógica particular (edicotómica). Esta armadilha — mes-mo que seja em nome da missão —pode fechar-nos em nós mesmos e

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Um momento dos trabalhos do Capítulo

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isolar-nos numa virtualidade confor-tável, supérflua e pouco ou nadacomprometida a favor da vida dosjovens, dos irmãos da comunidadeou das tarefas apostólicas. A redenão é neutra e o poder que ela tempara criar cultura é muito forte. Sobo avatar da proximidade virtual po-demos acabar por ficar cegos ou dis-tantes da vida concreta das pessoas,nivelando e empobrecendo o vigormissionário. O fechamento indivi-dualista, tão difundido e socialmenteproposto nesta cultura amplamentedigitalizada, exige que se preste umaatenção especial não só aos nossosmodelos pedagógicos, mas tambémao uso pessoal e comunitário dotempo, das nossas atividades e dosnossos bens.

A “opção Valdocco”e a capacidade de sonhar

Um dos “géneros literários” deDom Bosco eram os sonhos. Atravésdeles o Senhor abriu caminho nasua existência e na vida de toda asua Congregação, ampliando a ima-ginação do possível. Os sonhos, lon-ge de o manter adormecido, ajuda-ram-no, como aconteceu com SãoJosé, a assumir outra consistência eoutra medida de vida, que brotamdas entranhas da compaixão deDeus. Era possível viver concreta-mente o Evangelho... Ele teve umsonho e deu-lhe forma no Oratório.

Desejo transmitir-vos estas pala-vras como a “boa noite” em cadaboa casa salesiana no final do dia,convidando-vos a sonhar, e a sonharalto. Sabei que o resto vos será dadopor acréscimo. Sonhai com casasabertas, fecundas e evangelizadoras,capazes de permitir que o Senhormostre a muitos jovens o seu amorincondicional e de permitir que des-fruteis da beleza à qual fostes cha-mados. Sonhai... E não somente pa-ra vós e para o bem da Congrega-ção, mas para todos os jovens des-providos da força, da luz e do con-forto da amizade com Jesus Cristo,privados de uma comunidade de féque os apoie, de um horizonte desentido e de vida (cf. Evangelii gau-dium, 49). Sonhai... E fazei sonhar!

Roma, São João de Latrão,4 de março de 2020.

1. Lema marcado com fogo nosprimeiros missionários. Lembro-meda carta do sacerdote Giacomo Cos-tamagna a Dom Bosco na qual, de-pois de lhe contar as dificuldades daviagem e os vários fracassos que ti-veram que enfrentar, concluiu dizen-do: “Pedimos por unanimidade umaúnica coisa: poder ir depressa à Pa-tagónia para salvar inúmeras almas”.A consciência de ser enviado paraprocurar almas nas periferias e depermanecer, superando qualquer fa-lha aparente, constitui uma notaidentitária com base na qual nos po-

demos confrontar e medir o carisma:“Da mihi animas, coetera tolle”.

2. Lembremo-nos da admoestaçãodo Senhor: «Desrespeitando o man-damento de Deus, observais a tradi-ção dos homens» (Mc 7, 8).

3. Graças à ajuda do sábio Cafas-so, Dom Bosco descobriu quem eraaos olhos dos jovens prisioneiros; eaqueles jovens encarcerados desco-briram um semblante novo no olharde Dom Bosco. Assim, juntos desco-briram o sonho de Deus, que precisadestes encontros para se manifestar.Dom Bosco não descobriu a suamissão diante de um espelho, masna dor de ver jovens que não tinhamfuturo. O salesiano do século XXInão descobrirá a sua própria identi-dade se não for capaz de sofrer com«o número de jovens sadios e robus-tos, com boa destreza, que estavamna prisão atormentados e completa-mente privados de alimento espiri-tual e material... Neles estava repre-sentada a odiosidade da pátria, a de-sonra da família» (Memórias do Ora-tório de São Francisco de Sales, 48); epoderíamos acrescentar: da nossaprópria Igreja.

4. Hoje vemos como em muitasregiões os jovens são os primeiros alevantar-se, a organizar-se e a pro-mover causas justas. As vossas casassalesianas, longe de impedir estedespertar, são chamadas a tornar-seespaços que possam estimular estaconsciência dos cristãos e dos cida-dãos. Recordemos o título dos bonsvotos do Reitor-Mor deste ano:“Bons cristãos e honestos cidadãos”.

5. Convido-vos a ter sempre emmente todos aqueles que não partici-pam nestas instâncias, mas que nãopodemos ignorar se não quisermosser um grupo fechado.

6. Super II Cor., cap. 2, lect. 2(no final). O trecho comentado porSão Tomás é 2 Cor 2, 6-7 onde, arespeito dos que o entristeceram,São Paulo escreve: «Deves usar datua bondade e consolá-lo, porqueele não sucumbe sob demasiadador».

7. J. M. Bergoglio, Meditações paraReligiosos, 105.

8. Uma vocação eclesial, antes deser um ato que diferencia ou com-plementa, é um convite a oferecerum dom particular de acordo com ocrescimento dos outros.

9. Cf. Exort. ap. Evangelii gau-dium, 116: «como podemos ver nahistória da Igreja, o cristianismo nãodispõe de um único modelo cultural,mas “permanecendo o que é, na fi-delidade total ao anúncio evangélicoe à tradição da Igreja, o cristianismoassumirá também o rosto das diver-sas culturas e dos vários povos ondefor acolhido e se radicar”».

10. Hoje, de fato, «torna-se neces-sária uma evangelização que ilumineos novos modos de se relacionarcom Deus, com os outros e com oambiente, e que suscite os valoresfundamentais. É necessário chegaraonde são concebidas as novas histó-rias e paradigma». É necessário ironde se formam as novas narrativase paradigmas" (Exort. ap. Evangeliigaudium, 74).

Aos salesianos reunidos em capítulo

Um grande manto de misericórdianeste momento de crise

Entrevista ao cardeal Penitenciário-mor sobre a indulgência plenária e possíveis absolvições coletivas

ANDREA TORNIELLI

«Um grande manto de misericórdiaestende-se sobre todos aqueles quedesejam recebê-la». Assim o cardealpenitenciário-mor, Mauro Piacenza,nesta entrevista aos meios de comu-nicação do Vaticano, explica o de-creto sobre a indulgência plenáriaoferecida por ocasião da emergênciapor causa da pandemia.

Vossa Eminência pode explicar a ori-gem do decreto sobre a indulgência,neste momento de emergência por causada Covid-19?

A lei suprema da Igreja é a salva-ção das almas. A Igreja está presenteno mundo para anunciar o Evange-lho e para oferecer os sacramentos,isto é, a superabundância de dons ede graças divinas, que são postos àdisposição de todos. A crise que es-tamos a atravessar neste momento,infelizmente já em muitos países domundo, é evidente para cada um denós. Vivemos numa situação deemergência: há hospitais que corremo risco de não poder receber maisdoentes; existem enfermos obrigadosa viver em isolamento e, infelizmen-

te, inclusive a morrer sem o confortoe a proximidade dos seus entes que-ridos; há doentes aos quais falta aproximidade de um sacerdote para aunção dos enfermos e a confissão.Existem numerosas pessoas em qua-rentena e cidades inteiras cuja popu-lação deve permanecer fechada emcasa, por causa das normas emitidaspelas autoridades para conter o con-tágio.

Quais são as necessidades mais urgen-tes?

A extraordinariedade deste tempoexige providências extraordináriaspara ajudar, para estar próximo, pa-ra confortar, para assistir, para nuncapermitir que a ninguém falte a carí-cia de Deus diante do sofrimento eda perspetiva da morte iminente. Épor isso que a Penitenciaria, traba-lhando ao serviço do Papa e com asua autoridade, emitiu o decreto so-bre as indulgências.

Pode enumerar as peculiaridades destamedida?

Em primeiro lugar, a indulgênciaplenária é oferecida a todos os pa-cientes que, atingidos pelo Corona-

virus, se encontram nos hospitais ouem quarentena domiciliar. Tambémé oferecida, nas mesmas condições,aos profissionais da saúde, aos fami-liares e a quantos assitem os doen-tes. Além disso, a indulgência é ofe-recida ainda a todos aqueles que,por ocasião desta pandemia, rezam afim de que ela acabe, oram pelosque sofrem e por aqueles que o Se-nhor chamou a si.

Quais são as condições para receber odom da indulgência?

São muito simples. Pede-se aosdoentes e a quantos os assistem quese unam espiritualmente, na medidado possível através dos meios de co-municação social, à celebração daMissa ou à recitação do Terço, àVia-Sacra ou a outras formas de de-voção. Se isto não for possível, pe-de-se que recitem o Credo, o Pai-Nosso e uma invocação a Maria. Atodos os outros, àqueles que ofere-cem preces pelas almas dos defun-tos, pelos que sofrem, invocando ofim da pandemia, é pedida — na me-dida do possível — uma visita aoSantíssimo Sacramento ou a adora-ção eucarística. Ou então a leitura

das Sagradas Escrituras durante pelomenos meia hora, ou a recitação doRosário ou a Via-Sacra. Como é evi-dente para todos, a recitação daspreces e a leitura da Bíblia podemser feitas sem sair de casa, e portan-to no pleno respeito das normas pa-ra impedir a propagação do contá-gio.

E quem se encontra em ponto de mor-te?

Aqueles que se encontram emponto de morte e não podem rece-ber a Unção dos enfermos, nemconfessa-ser e nem sequer comungar,são confiados à Misericórdia divina.A cada um deles é concedida a in-dulgência plenária, desde que este-jam devidamente dispostos e tenhamrecitado habitualmente algumas ora-ções durante a própria vida. Comose vê, um grande manto de miseri-córdia estende-se sobre todos aque-les que desejam recebê-la.

O decreto da Penitenciaria fala semprede pessoas doentes afetadas pelo Coro-navírus. Isto significa que a indulgên-cia não é oferecida aos outros doentes?

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INFORMAÇÕES

Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 20 de marçoOs Senhores Cardeais: Luis AntonioG. Tagle, Prefeito da Congregaçãopara a Evangelização dos Povos; Pe-ter Kodwo Appiah Turkson, Prefeitodo Dicastério para o Serviço do De-senvolvimento Humano Integral; eGiuseppe Versaldi, Prefeito da Con-gregação para a Educação Católica(dos Institutos de Estudos); e D.Stephan Ackermann, Bispo de Trier(República Federal da Alemanha).

No dia 23 de marçoO Senhor Cardeal Gianfranco Rava-si, Presidente do Pontifício Conse-lho para a Cultura; D. Salvatore Fi-sichella, Presidente do PontifícioConselho para a Nova Evangeliza-ção; o Senhor Cardeal Miguel ÁngelAyuso Guixot, M.C.C.J., Presidentedo Pontifício Conselho para o Diá-

logo Inter-Religioso; e o Rev.do Pe.Juan Antonio Guerrero Alves, S.I,Prefeito da Secretaria para a Econo-mia.

No dia 25 de marçoD. Giacomo Morandi, Secretário daCongregação para a Doutrina da Fé;o Senhor Cardeal Robert Sarah,Prefeito da Congregação para o Cul-to Divino e a Disciplina dos Sacra-mentos; Sua Ex.cia o Sr. Mario JuanBosco Cayota Zappettini, Embaixa-dor do Uruguai em visita de despe-dida; e Sua Ex.cia o Sr. Prof. MarcoImpagliazzo, Presidente da Comuni-dade de Santo Egídio.

No dia 27 de marçoO Senhor Cardeal Peter Kodwo Ap-piah Turkson, Prefeito do Dicastériopara o Serviço do DesenvolvimentoHumano Integral, com o Séquito; eo Rev.do Pe. Abade Guillermo LeonArboleda Tamayo, O.S.B., Presidenteda Congregação Sublacense Cassi-nense da Ordem de São Bento.

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 19 de marçoDe D. Roberto Octavio BalmoriCinta, M.J., ao governo pastoral daDiocese de Ciudad Valles (México).

A 20 de marçoDe D. Armando José María Rossi,O.P., ao governo pastoral da Diocesede Concepción (Argentina).

A 25 de março— De D. Antonio José López Castil-lo, ao governo pastoral da Arquidio-cese de Barquisimeto (Venezuela).— De D. Marcello Romano, ao go-verno pastoral da Diocese de Ara-çuaí (Brasile).— De D. Robert J. Baker, ao gover-no pastoral da Diocese de Bir-mingham (Estados Unidos da Amé-rica).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 19 de março— Arcebispo de Adelaide (Austrália)D. Patrick Michael O’Regan, até es-ta data Bispo de Sale.— Bispo de Ciudad Valles (México),o Rev.do Pe. Roberto Yenny García,do clero da Diocese de Tampico, atéà presente data Secretário para as re-lações institucionais da ConferênciaEpiscopal do México.

D. Roberto Yenny García nasceu naCidade do México a 8 de fevereiro de1972 e foi ordenado Sacerdote a 19 demarço de 1996.

— Bispo Auxiliar da Arquidiocese deZamboanga (Filipinas), o Rev.do Pe.Moises M. Cuevas, do clero da Ar-quidiocese de Zamboanga, até agoraPároco da Catedral da ImaculadaConceição em Zamboanga City, si-multaneamente eleito Bispo Titularde Maraguia.

D. Moises M. Cuevas nasceu emBatangas City (Filipinas), a 25 de no-vembro de 1973 e recebeu a Ordenaçãosacerdotal em 6 de dezembro de 2000.

No dia 20 de marçoBispo da Diocese de Concepción(Argentina), D. José Melitón Chá-vez, até agora Coadjutor da mesmaD iocese.

No dia 25 de março— Bispo de Birmingham (EstadosUnidos da América) D. Steven J.Raica, até à presente data Bispo deG a y l o rd .— Auxiliar da Diocese de Spiš (Eslo-váquia), o Rev.do Pe. Ján Kuboš,até esta data Pároco e Decano emKe žmarok, simultaneamente eleitoBispo Titular de Quiza.

D. Ján Kuboš nasceu a 28 de feve-reiro de 1966 em Trstená (Eslová-quia), e foi ordenado Sacerdote em 18de junho de 1989.

No dia 26 de marçoBispo da Diocese de Mopti (Mali),D. Jean-Baptiste Tiama, até agoraBispo de Sikasso.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

A 20 de marçoD. Justin Mulenga, Bispo de Mpika,na Zâmbia.

O saudoso Prelado nasceu a 27 defevereiro de 1955 em Nondo Parish,Arquidiocese de Kasama (Zâmbia), re-cebeu a Ordenação sacerdotal a 18 dejulho de 1993 e a Ordenação episcopala 12 de março de 2016.

A 22 de marçoD. Daniel Edward Pilarczyk, BispoEmérito de Cincinnati (Estados Uni-dos da América).

O venerando Prelado nasceu a 12 deagosto de 1934 em Dayton (E.U.A.) efoi ordenado Sacerdote a 20 de dezem-bro de 1959.

A 25 de março— D. Angelo Moreschi, VigárioApostólico de Gambella, na Etiópia,faleceu em Bréscia devido ao coro-n a v í ru s .

O saudoso Prelado nasceu em Nave(Itália), a 13 de junho de 1952. Rece-beu a Ordenação sacerdotal a 2 de ou-tubro de 1982 e a Ordenação episcopalem 31 de janeiro de 2010.

— D. Henk Kronenberg, religioso daSociedade de Maria, Bispo Eméritode Bougainville, na Papua-NovaGuiné.

O ilustre Prelado nasceu em Ensche-de (Países Baixos) a 29 de setembrode 1934. Recebeu a Ordenação sacer-dotal a 18 de outubro de 1961 e a Or-denação episcopal em 14 de julho de1999.

Início de Missãode Núncio Apostólico

e de Observador Permanente

— D. Javier Camañes Forés, no Ma-li.— D. Gabriele Caccia, Observadorpermanente da Santa Sé junto daOrganização das Nações Unidas (16de janeiro).

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 10

Entrevista ao cardeal Penitenciário-mor

Recordemos sempre o bem dasalmas: o decreto apresenta provi-dências extraordinárias devidas àemergência geral que estamos a vi-ver. Estende-se a todos os enfer-mos, porque todos os doentes hojeinternados nos hospitais sofrem dealguma forma as consequências daemergência para a pandemia.

Falemos sobre o sacramento da con-fissão. São possíveis outras formas,para além da confissão individual,face a face com o sacerdote?

A absolvição coletiva, sem aconfissão individual, pode ser da-da sempre em perigo iminente demorte, ou então em casos — re c i t ao Código de direito canónico — de“grave necessidade”. Como Peni-tenciaria Apostólica, esclarecemos

que, especialmente nos lugaresmais afetados pelo contágio e atéao fim do fenómeno, os casos degrave necessidade são recorrentes.E portanto os bispos diocesanos,para o bem das almas, podem to-mar decisões neste sentido, assimcomo o podem fazer os sacerdotes,nos casos de necessidade imprevis-ta, avisando previamente o seu bis-po ou informando-o quanto antes,após a administração do sacramen-to. As absolvições coletivas podemser dadas às portas das enfermariasdos hospitais, onde se encontramfiéis contagiados em perigo demorte, fazendo-os participar namedida do possível.

O que pode dizer sobre a confissãoindividual?

Recomendamos que, onde istoacontecer, seja celebrada sempre

no pleno respeito das normas paraimpedir o contágio, e portanto àdevida distância com o uso demáscaras, obviamente preservandosempre o segredo sacramental.Mas gostaria de recordar aqui, co-mo também o fez o Santo Padrena sua homilia da Missa na CasaSanta Marta, na sexta-feira 20 demarço, a importância do ato decontrição, quando é impossívelconfessar-se. É uma possibilidademencionada pelo Catecismo daIgreja católica: o exame de cons-ciência e a recitação do ato decontrição, um verdadeiro arrepen-dimento acompanhado do propó-sito de não voltar a pecar e de irao confessionário o mais rápidopossível, são agradáveis a Deus,reconciliam-nos com Ele e obtêmo perdão dos pecados.

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 31 de março de 2020, número 13

Pôr fim a todas as guerrasE pediu medidas para evitar tragédias nas prisões

O Pontífice repropôs o apelo do secretário geral da Onu

ANGELUS

O apelo do secretetário geral dasNações unidas a um «cessar-fogoglobal e imediato em todos os cantosdo mundo», a fim de constrastar «aatual emergência devida à covid-19»,foi relançado pelo Papa Francisco noAngelus de 29 de março, recitadocomo nas semanas passadas daBiblioteca do Palácio apostólico doVaticano. Em precedência o Pontíficecomentou, como de costume, oEvangelho do dia.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!O Evangelho deste quinto Do-

mingo da Quaresma é o da Ressur-reição de Lázaro (cf. Jo 11, 1-45).Lázaro era irmão de Marta e deMaria; eram muito amigos de Je-sus. Quando Ele chegou a Betânia,Lázaro já estava morto há quatrodias; Marta correu ao encontro doMestre e disse-lhe: «Se Tu estives-ses aqui, meu irmão não teria mor-rido!» (v. 21). Jesus respondeu-lhe:«Teu irmão há de ressuscitar» (v.23); e acrescenta: «Eu sou a Res-surreição e a Vida; aquele que crêem Mim, ainda que esteja morto,viverá» (v. 25). Jesus mostra-se co-

mo o Senhor da vida, Aquele que écapaz de dar vida até mesmo aosmortos. Depois chega Maria e ou-tras pessoas, todas em lágrimas, eentão Jesus — diz o Evangelho —«comoveu-Se profundamente [...] echorou» (vv. 33-35). Com esta per-turbação no coração, foi ao túmu-lo, agradece ao Pai que sempre oescuta, manda abrir o túmulo ebrada em voz alta: «Lázaro, sai pa-ra fora» (v. 43). E Lázaro saiu ten-do «os pés e as mãos ligados comfaixas e o rosto envolto num sudá-rio» (v. 44).

Aqui constatamos diretamenteque Deus é vida e dá vida, mas Eleassume o drama da morte. Jesuspoderia ter evitado a morte do seuamigo Lázaro, mas ele quis fazersua a nossa dor pela morte de en-tes queridos, e acima de tudo elequis mostrar o domínio de Deussobre a morte. Neste trecho doEvangelho, vemos que a fé do ho-mem e a omnipotência de Deus,do amor de Deus procuram-se e,por fim, encontram-se. É como umcaminho duplo: a fé do homem e aomnipotência do amor de Deus

que se procuram, no final encon-tram-se. Vemo-lo no grito de Mar-ta e de Maria e de todos nós comelas: «Se Tu estivesses aqui!...». Ea resposta de Deus não é um dis-curso, não, a resposta de Deus aoproblema da morte é Jesus: «Eusou a Ressurreição e a Vida... Ten-de fé! No meio do choro continuaia ter fé, mesmo que a morte pareçater vencido. Tirai a pedra do vossocoração! Que a Palavra de Deusrestitua a vida onde há a morte».

Ainda hoje Jesus nos repete:«Tirai a pedra». Deus não noscriou para o túmulo, Ele criou-nospara a vida, bela, boa, alegre. Mas«a morte entrou no mundo por in-veja do diabo» (Sb 2, 24), diz o Li-vro da Sabedoria, e Jesus Cristoveio para nos libertar dos seus la-ços. Por isso, somos chamados aremover as pedras de tudo o quecheira a morte: por exemplo, a hi-pocrisia com que se vive a fé émorte; a crítica destrutiva dos ou-tros é morte; a ofensa, a calúnia, émorte; a marginalização dos pobresé morte. O Senhor pede-nos pararemover estas pedras do coração, ea vida então florescerá novamenteao nosso redor. Cristo vive, e aque-le que o acolhe e adere a ele entraem contacto com a vida. Sem Cris-to, ou fora de Cristo, não só a vidanão está presente, mas cai-se denovo na morte. A ressurreição deLázaro é também um sinal da rege-neração que se dá no crente atravésdo Batismo, com plena inserção noMistério Pascal de Cristo. Pelaação e poder do Espírito Santo, ocristão é uma pessoa que caminhana vida como uma nova criatura:uma criatura para a vida e que vaiem direção à vida.

Que a Virgem Maria nos ajude aser tão compassivos quanto o seuFilho Jesus, que fez sua a nossador. Que cada um de nós estejapróximo daqueles que estão naprova, tornando-se para eles um re-flexo do amor e ternura de Deus,que liberta da morte e faz vencer avida.

No final da prece mariana o Papadirigiu um pensamento «a todas aspessoas obrigadas a viver em grupo.

Estimados irmãos e irmãs!Nos últimos dias, o Secretário

Geral das Nações Unidas lançouum apelo a um “cessar-fogo globale imediato em todos os cantos domundo”, recordando a atual emer-gência da COVID-19, que não co-nhece fronteiras. Um apelo a umcessar-fogo total. Associo-me àque-les que aceitaram este apelo e con-vido todos a pô-lo em prática, ces-sando qualquer forma de hostilida-de bélica, encorajando a criação decorredores para a ajuda humanitá-ria, a abertura à diplomacia e aatenção aos que se encontram emsituações de maior vulnerabilidade.

Que o compromisso conjuntocontra a pandemia possa levar to-dos a reconhecer a nossa necessida-de de fortalecer os laços fraternoscomo membros de uma só família.Em particular, inspire nos respon-sáveis das nações e das outras par-tes em questão um compromissorenovado para superar as rivalida-des. Os conflitos não se resolvematravés da guerra! É necessário su-perar antagonismos e contrastesatravés do diálogo e de uma buscaconstrutiva da paz.

Neste momento o meu pensa-mento vai especialmente para todasaquelas pessoas que sofrem a vul-nerabilidade de serem forçadas aviver em grupos: lares de idosos,quartéis... Em particular, gostariade mencionar as pessoas nas pri-sões. Li um memorando oficial daComissão de Direitos Humanosque fala sobre o problema das pri-sões superlotadas, o que se podetornar uma tragédia. Exorto as au-toridades a serem sensíveis a estegrave problema e a tomarem asmedidas necessárias para evitar tra-gédias futuras.

Desejo-vos a todos bom domin-go. Por favor, não vos esqueçais derezar por mim; eu faço-o por vós.Bom almoço e até breve.

Vídeo especial da Rede mundial de oração

Sob a proteção da Virgem

No contexto de uma emergênciaglobal de saúde, devido à covid-19, aoração deve ser também extraordiná-ria. A difusão de um vídeo especialde Francisco para implorar o fim dapandemia faz parte da mobilizaçãoespiritual diante da dramática situa-ção atual. A iniciativa é da Redemundial de oração do Papa, que di-vulgou o vídeo na tarde de 24 demarço.

Pela primeira vez desde que foipromovido “O vídeo do Papa”, a ur-gência ultrapassou a tradicional pro-gramação mensal das intenções deoração. A palavra de ordem lançadapelo Papa é: «Todos juntos rezemospelos doentes, pelas pessoas que so-frem». Francisco convida a fazê-locom o mais antigo troparion dirigidoa Maria, datado do século III, o Subtuum praesidium: «Sob a tua prote-ção procuramos refúgio, Santa Mãede Deus. Não desprezeis as súplicasde nós, que estamos na provação, elivrai-nos de todo o perigo, ó Vir-gem gloriosa e bendita».

O vídeo mostra as imagens da“p eregrinação” feita pelo Papa nodia 15 à basílica romana de SantaMaria Maior e à igreja de São Mar-

celo “al Corso”. A imagem da Saluspopuli romani serve de pano de fun-do para a oração do Pontífice, quedepois agradece «a todos os cristãos,a todos os homens e mulheres deboa vontade que rezam por este mo-mento, todos unidos, independente-mente da tradição religiosa a quep ertencem».

São significativos os instantâneospropostos: entre eles, a entrada deuma unidade de cuidados paradoenças infeciosas de um hospital,com um cartaz que alerta para o ris-co biológico por causa da covid-19 euma criança que coloca a máscara.Veem-se também aldeias e cidades,entre as quais se reconhece Londres,com a sua roda-gigante, o Big Ben eo Tamisa.

O convite à oração pode ser se-guido com a hashtag #PrayFor-TheWorld, ou acedendo ao perfil“Reze com o Papa” na plataformaClick To Pray (site da web, aplicati-vos e redes sociais). O vídeo foi pre-parado pela agência La Machi, res-ponsável pela produção e distribui-ção, em colaboração com a Mídiado Vaticano, que supervisionou agravação.